A crise ecológica e climática vem suscitando reflexões por parte de pesquisadores de diversas areas, desde as ciências do sistema Terra ate as ciências humanas e sociais. Em 2016, a União Internacional de Ciências Geológicas propôs a...
moreA crise ecológica e climática vem suscitando reflexões por parte de pesquisadores de diversas areas, desde as ciências do sistema Terra ate as ciências humanas e sociais. Em 2016, a União Internacional de Ciências Geológicas propôs a adoção oficial do Antropoceno como novo período geológico. A proposição ocasionou análises de áreas variadas, além de diversas formulações alternativas, como o Capitaloceno (conforme proposto por Jason Moore), o Plantationoceno (por Donna Haraway e Anna Tsing) e a intrusão de Gaia (por Isabelle Stengers). Na esfera da atuação de governos, organismos internacionais e organizações não governamentais, observamos, desde a conferência de Estocolmo, em 1972, até a adoção da Agenda 2030, em 2015, um conjunto de documentos de referência formulados no âmbito das Nações Unidas como tentativa de resposta propositiva para as percepções de diversos problemas ambientais e, a partir do final da década de 1980, também aqueles relacionados à mudança climática.
Entendendo os documentos e textos mencionados como dois grandes grupos de narrativas a respeito da crise ecológica e climática, busco refletir sobre as relações dessas narrativas com a frente de modernização, definida de acordo com Bruno Latour. Nesse sentido, as abordagens de temas como a diversidade socioambiental e as configurações propostas entre economia, tecnologia, sociedade e ambiente são de especial interesse para o objetivo pretendido. Os dois primeiros capítulos contemplam descrições e análises das narrativas. O primeiro apresenta diversas abordagens da crise construídas a partir da ideia do Antropoceno geológico, seja em consonância com ou, em diferentes graus, críticas a ela. O segundo traz reflexões sobre documentos da Organização das Nações Unidas (ONU) centrados na temática do desenvolvimento sustentável, e que foram ou são bases de referência para diversos desdobramentos, desde aqueles relacionados às primeiras conferências internacionais sobre as relações entre as populações humanas e o meio ambiente até a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotada em 2015. No terceiro e último capítulo, são feitas considerações sobre as linhas de conflito (re)desenhadas a partir do reconhecimento mais recente da crise ecológica e climática representado pela difusão do Antropoceno. Também são levadas em conta as composições, atuações e limites de arenas decisórias como o Estado-nação e organizações multilaterais, ensejando considerações a respeito de temas como representatividade, conflitos ontológicos e potenciais disputas relacionadas à configuração geopolítica atual, bem como a algumas soluções sugeridas nas diferentes narrativas abordadas. De acordo com o argumento da tese, tais soluções podem ser caracterizadas como reconexões ou desconexões terrestres, ou seja, apontam para uma transformação de elementos fundamentais da frente de modernização, ou, ao contrário, para que ela seja levada às últimas consequências.