Raramente o debate político brasileiro vai além da superficialidade. Mesmo quando o problema em questão é daqueles fundamentais, os pontos de vista oferecidos à apreciação do público costumam não passar de conclusões opostas justificadas...
moreRaramente o debate político brasileiro vai além da superficialidade. Mesmo quando o problema em questão é daqueles fundamentais, os pontos de vista oferecidos à apreciação do público costumam não passar de conclusões opostas justificadas a partir das mesmas premissas, e, portanto, comprometidas com os mesmos pressupostos. O que as torna apenas aparente ou superficialmente antagônicas. Isto obviamente encobre e oculta a problematicidade, e assim o possível equívoco, das próprias premissas. Tem sido assim no debate travado em torno da aprovada proposta de vinculação das decisões judiciais às súmulas de jurisprudência. Defensores e opositores da dita súmula vinculante costumam partir de pressupostos comuns, sem questionar com seriedade as premissas que orientam suas conclusões. Um desses pressupostos, cuja validade a história e os fatos impõem questionar, pode ser traduzido pelo ideal da uniformização das decisões judiciais, tal como costuma ser compreendido. Os defensores da vinculação às súmulas sequer cogitam de não ser a referida uniformização possível ou desejável. Já os opositores da proposta refutam-na, mormente por discordar dos mecanismos de garantia da vinculação concreta, tendo em vista que acabariam por comprometer a autonomia e a possibilidade de livre formação do convencimento dos juízes, e assim a independência do Poder Judiciário. Preocupação, aliás, inteiramente justificável em razão do progressivo e perigoso agigantamento do Executivo. São escassas, todavia, as manifestações tendentes a problematizar a idéia de que devem existir mecanismos de uniformização da jurisprudência, tal como vem compreendido este propósito. Apenas opõem-se opiniões por divergirem quanto aos mecanismos adequados, o que acaba por ocultar e excluir do debate o problema central, como se a respeito problema não houvesse. Apesar de sequer ter sido adequadamente sugerido o debate que o presente trabalho tem a pretensão de inaugurar, a proposta de vinculação às súmulas do Supremo Tribunal Federal já logrou aceitação legislativa, uma vez promulgada a EC 45/2004. Poderíamos então acomodarmo-nos para considerar a novidade um fato consumado, e assim imune à apreciação crítica. Contudo, a modificação textual da Constituição não exaure a transformação dos sistemas jurídico e judiciário, pois o rumo desta transformação depende da compreensão hermenêutica do novo texto e da extensão das suas repercussões práticas, ambas ainda carentes de definição. Algumas boas objeções à tentativa de uniformizar a jurisprudência através da vinculação às súmulas podem,
portanto, não apenas implicar importantes restrições ao uso concreto do novo mecanismo, como também refrear o propósito de estender o efeito vinculante às súmulas emitidas pelos demais tribunais. Eis precisamente a intenção que inspira as linhas seguintes.