Os Cadáveres Não Sonham
De Enrique Laso
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Sobre este e-book
UM NOVO POLICIAL DE ETHAN BUSH
Ethan Bush, agente especial da Unidade de Análise Comportamental do FBI, investiga um assassino em série no Nebraska...
UM POLICIAL EMPOLGANTE, PARA LER ATÉ À ÚLTIMA PÁGINA
O monstro vive em cada um de nós. Somos feras que aprenderam, com o passar dos séculos, a controlar-se, a refrear os seus instintos básicos e a viver pacificamente em sociedade. Somos, no fim de contas, animais completamente domesticados e bem treinados.
Em certas ocasiões, o animal selvagem que se esconde nas profundezas das nossas entranhas torna-se voraz, dando origem a um pesadelo demencial…
Se gosta de policiais como "O Silêncio dos Inocentes" ou séries de TV como "Mentes Criminosas" ou "True Detective"... esta é a história por que esperava.
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Os Cadáveres Não Sonham - Enrique Laso
Índice
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulor XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXII
Capítulo XXXIII
Capítulo XXXIV
Capítulo XXXV
Capítulor XXXVI
O monstro vive em cada um de nós. Somos feras que aprenderam, com o passar dos séculos, a controlar-se, a refrear os seus instintos básicos e a viver pacificamente em sociedade. Somos, no fim de contas, animais completamente domesticados e bem treinados.
Em certas ocasiões, o animal selvagem que se esconde nas profundezas das nossas entranhas torna-se voraz, dando origem a um pesadelo demencial...
Capítulo I
Aquele tipo andava a passear o cão há, pelo menos, duas horas, tentando passar tempo e não incomodar em casa, enquanto o filho e a mulher estavam atarefados a preparar um refinado jantar que incluía um peru cozinhado na perfeição, puré de batata, molho de mirtilos, cidra e, para sobremesa, uma deliciosa tarde de abóbora. Mais tarde seria a sua vez de arrumar a mesa e limpar tudo. Era uma divisão justa de tarefas, apesar de ele detestar lavar a louça. Contudo, valia a pena. O Dia de Ação de Graças só acontecia uma vez por ano.
Tinha vagueado por aqueles caminhos áridos, endurecidos pelas primeiras geadas outonais, centenas de vezes e poderia dizer-se que os conhecia melhor do que ao próprio quarto. A verdade é que nunca se cansava deles, pois a sua beleza áspera ajudava-o a esquecer um passado cheio de grandes avenidas, de poluição e do ensurdecedor ruído do trânsito. Terá sido provavelmente esse o motivo pelo qual se apercebeu imediatamente de que alguns arbustos que cresciam no lado direito do trilho que percorria estavam ligeiramente esmagados. A curiosidade fê-lo entrar no matagal, pois imaginou que, com um pouco de sorte, daria de caras com um texugo atrevido, uma raposa tímida ou uma doninha.
Tinha acabado de tirar o smarthphone de um dos bolsos das calças de explorador, com a intenção de tirar uma fotografia minimamente decente do que quer que fosse encontrar escondido ali para mais tarde partilhar orgulhosamente com a família, quando os latidos do cão o sobressaltaram. Encontrava-se poucos passos à sua frente e parecia ter encontrado algo realmente interessante. O homem pensou que, provavelmente, se trataria de um pequeno animal morto e aproximou-se com uma certa apreensão. Ao fim de cinco anos de vida em comunhão com a natureza o homem, que tinha trabalhado como corretor em Wall Street durante duas décadas, não se tinha ainda adaptado ao mundo selvagem e esse antigo ser agitava-lhe frequentemente as entranhas, tentando voltar a tomar as rédeas de uma vida que se tinha tornado muito mais pacífica.
- Que se passa, Duke? - perguntou, como se o pequeno Beagle pudesse entendê-lo e responder-lhe.
O tipo aproximou-se com um sorriso nos lábios, rindo-se da sua própria inocência e recordando as centenas de conversas que tinha tido com Duke. No entanto, subitamente, uma imagem horrível roubou-lhe a alegria, transformando-a numa nauseante mistura de repulsa e pânico. O Beagle estava a cheirar uma série de ossos que, sem dúvidas, e apesar de ele não ser nenhum especialista em medicina, em paleontologia ou, ainda menos, em antropologia, eram humanos.
- Vamos, Duke, vamos embora!
O homem voltou a correr para casa, mortificado pela memória daqueles restos mortais, sem saber muito bem como tinham aparecido, mas com a certeza de que alguém os tinha ali deixado, no máximo, há um par de dias. Quem poderia ter perturbado aquele lugar idílico? Que tipo de monstro se tinha desfeito daquilo apenas a um quilómetro da sua casa? A sua maravilhosa noite de Ação de Graças tinha acabado de se tornar um pesadelo.
É assim que imagino que tudo começou. Nunca pude ter uma conversa com aquele homem, pois caiu numa depressão profunda antes da minha chegada ao Nebraska o que, por conselho do psiquiatra, inviabilizava a possibilidade de uma entrevista. Certas pessoas reagem desta forma quando são confrontadas com a imensidão do mal, sobretudo quando estiveram sujeitas a um stress permanente no passado.
Imagino o momento assim, apesar de os relatórios a que tive acesso serem, obviamente, muito mais estéreis e assépticos no que diz respeito a esse primeiro acontecimento, porque estou a tentar entrar na pele daquele homem que acreditava ter encontrado o lugar perfeito para finalmente descansar e desfrutar de uns merecidos anos de paz no meio de nenhures, rodeado por carvalhos e acompanhado pela mulher e o filho. No entanto, o inferno pode atravessar-se no nosso caminho por acaso e virar as nossas vidas do avesso para sempre.
Enquanto agente da Unidade de Análise Comportamental do FBI, eu tinha sido especificamente treinado para ser capaz de viver com esses monstros sem me transformar num deles mas, enquanto especialista em psicologia, sabia demasiado bem que quando as pessoas normais são subitamente confrontadas, direta e pessoalmente, com uma tal selvajaria, esta deixa uma marca nas suas almas, uma ferida que, por vezes, nunca chega a sarar.
Capítulo II
Tinha assuntos pendentes para resolver e esperava pacientemente por uma oportunidade para abordar Peter Wharton, o meu superior, na sede de Quantico, com o objetivo de obter a sua autorização e os recursos necessários para encerrar uma questão que se tinha tornado algo pessoal. O passar dos meses não tinha acalmado minimamente a minha ansiedade e estava convencido, com o egoísmo de um fedelho mimado, de que tinha ganho o direito de ficar responsável por um caso à minha escolha, mesmo que estivesse fora das minhas competências. Isso mostra o quão orgulhoso e imaturo ainda era nessa altura.
Não nego que tentei - seguindo o conselho de pessoas que gostavam de mim - dar tempo para que as feridas cicatrizassem e deixar o passado para trás, da mesma forma que deixamos um sinal de trânsito para trás quando aceleramos por uma autoestrada fora. Infelizmente, na estrada da nossa vida cruzamo-nos com os mesmos sinais vezes sem conta. Por isso, estava completamente convencido de que ninguém me podia impedir de ajustar contas com o passado.
No entanto, o destino faz do tempo o que quer e foi Peter quem me chamou ao seu gabinete numa calma e surpreendentemente quente manhã de finais de janeiro de 2016.
- Ethan, temos um caso verdadeiramente desconcertante em mãos. Um dos piores que temos visto nos últimos anos.
- Percebo - respondi, de forma educada, pensando erradamente que ele estava a tentar obter uma opinião para ter uma perspetiva diferente sobre uma investigação em curso. Tratava-se de algo que o meu chefe fazia com regularidade e que fazia parte das minhas funções.
- Já estiveste no Nebraska?
Permaneci em silêncio, a meditar, não sobre a resposta, mas sobre a pergunta. Estava a ponderar aquilo que poderia significar, especialmente no que dizia respeito aos meus planos futuros.
- Nunca pus os pés nesse estado.
Wharton coçou o queixo, pensativo. Estava a dar voltas a uma ideia, mas eu não conseguia adivinhar o que raio lhe passava pela cabeça.
- Encontraram os restos de três corpos. Em menos de dois meses...
- Imagino que apresentem as mesmas características - afirmei pois, de outra forma, não fazia qualquer sentido mencionar o facto. Nos Estados Unidos, os cadáveres aparecem como cogumelos numa floresta após uma chuvada de inícios de outono.
- Exato. Um modus operandi muito peculiar.
Peter tinha enfatizado as palavras, prolongando-as de um modo que não era usual na sua forma de expressão.
Nesse momento, e pela primeira vez durante a conversa, adotei uma atitude defensiva e, apesar do atraso, a minha intuição vislumbrou finalmente o que se aproximava.
- Peculiar?
- São apenas esqueletos. Esqueletos incompletos. Faltam-lhes sempre os mesmos ossos e encontramos sempre os mesmos restos mortais. Apresentam cortes muito estranhos e todos eles têm uma inscrição gravada do fémur esquerdo.
- Uma inscrição?
O meu chefe deu-me para a mão uma imagem de um fémur em alta resolução. Na superfície do osso limpo podia ver-se claramente uma série de símbolos gravados num irreal tom rosado. Não conseguia estabelecer qualquer ligação com algo que me fosse familiar.
- A Patrulha Estadual do Nebraska pediu formalmente a nossa colaboração.
Deixei cair a imagem na secretária do meu superior, como se fosse um pesado fardo que tinha transportado às costas durante quilómetros através do deserto. Agora não tinha dúvidas sobre o motivo pelo qual tinha sido chamado àquele gabinete.
- Peter... - hesitei, tremendo como um rapazinho que acaba de ser informado pelos pais de que terão de se mudar para outra cidade.
- Temos um pesadelo de um caso entre mãos. O autor dos crimes não é um assassino qualquer e penso que já começas a perceber isso. Eu conheço-te.
No entanto, o meu chefe não me conhecia tão bem como pensava. A verdade é que eu estava a pensar nos meus próprios projetos e intenções, a pensar que os andaimes que me pareciam sólidos como o aço se estavam rapidamente a desmoronar sob os meus pés.
- Bem, a verdade é que, neste momento, não sei o que dizer - murmurei, com a inútil esperança de que talvez o meu tom desmotivado pudesse alterar a situação.
- Ethan, pensámos em ti. Julgo que eles precisam de alguém especial. Para ser sincero, acreditamos que precisam de ti. Só tu serás capaz de os ajudar.
Capítulo III
O segundo corpo foi descoberto durante a época do Natal. Na manhã do dia 26 de dezembro de 2015, dois miúdos brincavam ao ar livre, atirando uma bola de futebol americano acabada de estrear. Era um dos presentes que o Pai Natal tinha deixado debaixo da árvore para um dos rapazes.
Incentivado pelos risos e empurrado pelo ar frio, o mais robusto dos rapazes tinha feito um lance incrível que tinha atirado a bola para um campo de milho seco e congelado.
- O que raio comeste ao pequeno-almoço hoje?
- Foi bom, não foi?
- Foi péssimo. Mandaste-a para fora do Memorial Stadium. Nem o melhor quarterback da história dos Nebraska Cornhuskers teria conseguido fazer um lance assim.
- Vá lá, deixa de te queixar e vamos buscá-la antes que eu fique completamente congelado.
Os dois miúdos correram em direção ao sítio no qual pensavam que a bola tinha caído. Chegaram lá a rir-se, a empurrarem-se um ao outro, despreocupados, convencidos de que viviam num condado onde nada de mau acontecia. No entanto, ficaram imóveis antes de a encontrar. Precisamente na fronteira que os separava do árido campo de milho, vislumbrava-se um punhado de ossos brilhantes, esbranquiçados e limpos.
- O que é aquilo?
- Não sei, mas tenho a certeza de que é algo mau, muito mau.
- Talvez sejam os ossos de um animal morto...
- Não sei, meu. Estes ossos parecem-me muito limpos. Alguém deve tê-los deixado aqui. Não estavam cá há uns dias atrás, juro-te.
- Então temos de nos ir embora.
- E a bola?
- Que se lixe a bola! Queres que acabemos mortos? Corre!
A polícia do condado tinha criado um cordão de segurança em torno do local menos de uma hora depois de os rapazes fazerem a descoberta. Um patologista determinou que os restos eram humanos, apesar de faltar grande parte do esqueleto. De facto, aquilo que faltava era o que teria sido mais útil para a tarefa de identificar o corpo: o crânio.
- Sabe há quanto tempo é que aqueles ossos estão ali? - perguntou o xerife, perplexo. Pela sua cabeça passava já o terror que sabia que tomaria conta de toda a comunidade daí a poucas horas.
- Não muito. Um dos rapazes disse-nos que costuma dar passeios nesta zona e que não estavam aqui há uns dias atrás.
- Mas este fulano já bateu a bota há uns anos, não acha? - perguntou o xerife, apontando para aquilo que parecia ser uma tíbia. Nunca tinha visto tal coisa na vida e isso perturbava-o.
O patologista olhou para o céu acinzentado, no qual as nuvens cresciam e engrossavam, ameaçando soltar um forte aguaceiro. No entanto, essa tempestade seria apenas uma brincadeira de crianças quando comparada com aquilo que pairava sobre o condado onde vivia.
- Não sei - respondeu, lacónico.
- Como é que não sabe? - perguntou o xerife, pois pensava ter recebido uma resposta que não fazia qualquer sentido. Tratavam-se dos restos de um esqueleto, por isso não era preciso ser-se uma sumidade em medicina para deduzir que o indivíduo, quem quer que ele fosse, já tinha deixado de respirar há muito.
- Estes ossos foram limpos meticulosamente. Foram manipulados. Neste momento, sem os ter estudado em detalhe, não posso dizer-lhe se morreu ontem ou há dez anos.
Capítulo IV
Peter Wharton preferiu que fosse eu o primeiro a chegar, sozinho, a Lincoln, a capital do Nebraska, para integrar a equipa de detetives e investigadores da Patrulha Estadual sem levantar dúvidas ou suspeitas. Apesar de eu lhe dizer que preferia mil vezes aterrar naquela terra com a Liz, o Mark e o Tom, ele aconselhou-me a tentar ganhar primeiro a confiança deles. Haveria tempo suficiente para solicitar a colaboração da minha equipa mais tarde.
Durante o vôo comercial tinha revisto os aspetos mais importantes do caso sem, no entanto, os analisar em grande detalhe. Enquanto o fazia não conseguia deixar de pensar na Liz e em como ela me tinha aconselhado, com o seu característico olhar acusador, a estudá-los em profundidade. Contudo, naquele momento, preferia continuar a seguir as minhas próprias regras que, na maioria das ocasiões, estavam erradas.
Tive a convicção, desde o primeiro instante, de que estávamos a entrar numa guerra sem quartel contra um indivíduo extremamente inteligente e diabolicamente organizado. Não consegui evitar um sorriso, pois já estava a criar um perfil preliminar sem ter praticamente informação nenhuma. No caso anterior não tinha sido capaz de o fazer. Tinha sido uma tarefa impossível. Isto parece-se mais com o que já viste em Detroit, disse para comigo mesmo, tentando criar algum otimismo para aumentar a minha confiança na preparação da árdua tarefa que tinha pela frente.
O Detetive Randolph Phillips, um homem bem-parecido com um olhar intenso, foi buscar-me ao aeroporto.
- Fez boa viagem, Agente Bush?
Aquela pergunta educada, que se seguiu às necessárias apresentações, pareceu-me demasiado formal. Pensei que o detetive seria uma pessoa muito burocrática, ou então que teria sido criado numa família bastante tradicional.
- Randolph, tenho a impressão de que vou ficar por cá durante uns tempos. Quanto mais cedo nos tratarmos por tu, mais cedo nos tornaremos amigos - respondi, com o meu melhor sorriso.
- Fizeste boa viagem, Ethan?
Desatámos os dois a rir. Pelo menos, tinha conseguido quebrar o gelo.
- Mais ou menos. Estive a rever os relatórios. Acho que este caso vai dar connosco em doidos.
- Bem-vindo ao manicómio, parceiro.
Fiquei surpreso pelo facto de Phillips me levar para a sede da Patrulha Estadual do Nebraska, em Lincoln, na sua viatura pessoal. Vi alguns peluches no banco de trás e imaginei imediatamente uma vida tranquila em família, numa bonita casa unifamiliar localizada algures nos arredores da capital. Mal tinha tido tempo de começar a acrescentar pormenores ao meu devaneio, quando dei por mim no parque de estacionamento de um edifício de um só piso, simples e modesto, pejado de janelas austeras e rematado no topo por uma faixa azul.
- Já chegámos?
- Sim, chegámos, Ethan. Estamos mesmo ao lado do aeroporto.
- Excelente. Mas, desculpa Randolph, estes são os escritórios centrais? - tentei não soar demasiado arrogante ou escrupuloso, apesar de suspeitar que não foi essa a impressão que dei ao detetive.
- São um pouco simples, é verdade. Nesta zona somos assim. Temos outros edifícios na região mas, para responder à tua pergunta: sim, são.
Phillips mostrou-me o interior do edifício. Não pude deixar de pensar que tinha estado em gabinetes de xerifes de condados pequenos que estavam melhor equipados do que este. Segui-o ao longo de um comprido e estreito corredor que conduzia a uma porta. À medida que avançávamos, o detetive ia cumprimentando várias pessoas e parti do princípio de que o ambiente ali era amistoso e familiar.
Abrimos a porta sem bater, para minha surpresa e, sentado a uma mesa imponente, estava um enorme homem de cabelo grisalho que parecia estar à nossa espera desde tempos imemoriais.
- Capitão, deixe-me apresentá-lo ao Agente Especial Ethan Bush, do FBI. Ethan, este é o Capitão Frank Cooper.
Cooper levantou-se lentamente e quando chegou à minha altura apertou-me a mão com força. Através do seu olhar deduzi que esperava encontrar alguém bastante mais velho.
- Bem-vindo, miúdo. Estamos metidos numa grande confusão. Temos merda até às orelhas, se é que me percebes. Espero que nos possas ajudar a resolver este caso rapidamente.
Surpreendeu-me o facto de o capitão se dirigir a mim num tom tão amigável e informal logo desde o início, mas tentei não o demonstrar.
- É isso que vou tentar fazer, com todas as minhas forças.
- Conheces os pormenores do caso? - perguntou Cooper, refugiando-se novamente atrás da mesa.
- Tenho andado a folhear os relatórios que enviou para Quantico, mas a verdade é que prefiro ter informação em primeira mão, poder falar diretamente com as pessoas envolvidas na investigação.
- Os papéis são demasiado frios, não são?
Sabia que era uma pergunta com rasteira, mas não tinha a certeza do tipo de resposta esperada por aquele homem, que parecia saído de um filme antigo sobre a guerra da Coreia ou do Vietname.
- Fazem-me falta as nuances, os gestos, o tom de voz, a emoção...
- Falei com o teu chefe, Peter Wharton. Implorei-lhe que me mandasse um dos seus melhores homens. Quando te vi a entrar no meu gabinete pensei que seguramente aquele maldito burocrata de Washington me tinha enviado um novato. Pareces um miúdo, mas não és. Tenho a certeza de que por trás dessa cara jovem e bronzeada se esconde inteligentemente uma mente brilhante. Sou um bocado velho, bastante brusco e um pouco desorganizado, mas não sou um idiota qualquer. Bem-vindo à nossa equipa, Ethan.
Capítulo V
Fiquei alojado no The Cornhusker, um elegante Hotel Marriot localizado na Rua Treze, no centro da cidade de Lincoln. Por um lado, sentia-me grato pela deferência mas, por outro, percebi que queriam manter-me o mais afastado possível dos escritórios centrais, pois era praticamente impossível ir até lá a pé, algo que me teria agradado.
Depois das apresentações aos investigadores e detetives que estavam a trabalhar no caso, tinham rapidamente abordado alguns dos detalhes sobre as pistas que estavam a seguir. Até ao momento, tinham-se centrado em eliminar os suspeitos com cadastro que viviam nos condados onde os restos mortais tinham sido encontrados. Este passo teria parecido demasiado óbvio e talvez até desnecessário a qualquer um que não estivesse familiarizado com este tipo de formalidades, mas boa parte dos casos de homicídio e delitos menores são resolvidos graças a esta técnica simples, mas eficaz. Infelizmente, apesar de muitos reclusos conseguirem ser reintegrados na comunidade e deixar para trás o seu passado, muitos reincidem, uma e outra vez, como se algo estivesse escrito no seu código genético e fossem incapazes de fazer qualquer outra coisa.
Tinha levado comigo para o hotel um grande monte de fotografias dos locais onde os restos mortais tinham sido encontrados. Muitas delas centravam-se nos estranhos símbolos gravados no fémur esquerdo (o direito nunca era encontrado, tal como muitos outros ossos pertencentes às vítimas). Um dos investigadores, um jovem de aspeto um pouco geek com os típicos óculos de armação grossa que estavam na moda nessa altura, sugeriu-me que poderia ser uma variação de uma língua élfica, pois as inscrições lembravam-lhe vagamente a escrita tengwar e podia ser que o assassino tivesse uma fixação pela saga O Senhor dos Anéis
. Percebi que se alguém era um verdadeiro fã de Tolkien e da sua obra era ele. Sem que lho tivesse pedido, escreveu uma inscrição num pedaço de papel e associou-a imediatamente com as que tinham sido gravadas nos fémures. Na verdade, eu não encontrava assim tantas semelhanças, mas registei o seu comentário num dos quatro cadernos Moleskine que tinha levado comigo. Nunca se sabe onde se poderá encontrar uma pista que nos conduza a uma mente absolutamente perturbada.
O facto de o indivíduo que procurávamos, e isto era algo de que tinha a certeza (de que apenas estávamos a lutar contra uma pessoa), repetir um