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Sob águas escuras
Sob águas escuras
Sob águas escuras
E-book431 páginas6 horas

Sob águas escuras

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Sobre este e-book

"Puxado pelo peso das correntes, o corpo afundou rapidamente.
Ela descansou ali, quieta e serena… durante muitos anos."

Quando a Detetive Erika Foster vasculha, com sua equipe, um lago artificial nos arredores de Londres em busca de uma valiosa pista de um caso de narcóticos, ela encontra muito mais do que eles estavam procurando.

Do fundo do lago são recuperados dois pacotes: um deles contém 4 milhões de libras em heroína. O outro… o esqueleto de uma criança.

Os restos mortais são de Jessica Collins, uma garota desaparecida há 26 anos e que foi a principal manchete de todos os noticiários da época.

Erika, então, precisa revirar o passado e desenterrar os traumas da família Collins para descobrir mais sobre o trabalho de Amanda Baker, a detetive original do caso – uma mulher torturada pelo seu fracasso na busca por Jessica.

Muitos mistérios envolvem esse crime, e alguém que não quer que o caso seja resolvido fará de tudo para impedir que Erika Foster descubra a verdade.

O autor de A garota no gelo e Uma sombra na escuridão
nos presenteia com outra eletrizante aventura da Detetive Erika Foster.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de mar. de 2018
ISBN9788582355039
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    Pré-visualização do livro

    Sob águas escuras - Robert Bryndza

    Robert Bryndza

    TRADUÇÃO DE Marcelo Hauck

    Para Marta

    A morte, qual geada, pousou nela,

    Na flor mais linda que os campos já viram.

    William Shakespeare, Romeu e Julieta

    Prologo

    OUTONO DE 1990

    Era uma noite fria no final do outono quando desovaram o corpo na pedreira desativada. Eles sabiam que o local era isolado, e a água, muito profunda. O que não sabiam é que estavam sendo observados.

    Chegaram protegidos pelo manto da noite, logo depois das três da manhã – passaram de carro diante das casas no limite da vila, percorreram o terreno deserto coberto de cascalho onde as pessoas que faziam caminhada estacionavam os carros e entraram no enorme parque. Com o farol apagado, o carro seguia aos solavancos pelo terreno irregular, que se transformou em uma trilha e não demorou para ser envolto de ambos os lados por uma mata densa. A escuridão era espessa e abafada e a única luz ali se infiltrava pela copa das árvores.

    O motor do carro, nada discreto durante o percurso, parecia rugir e a suspensão rangia ao sacolejar de um lado para o outro. Eles diminuíram a velocidade e pararam quando as árvores se dividiram e a pedreira cheia de água tornou-se visível.

    O que eles não sabiam era que um idoso solitário vivia perto da pedreira em um chalé abandonado que quase havia sido engolido pelo matagal. Ele estava do lado de fora olhando para o céu e maravilhando-se com sua beleza quando o carro se aproximou da beirada e parou. Desconfiado, o velho se escondeu atrás dos arbustos e ficou observando. Com frequência, a garotada da região, viciados e casais em busca de emoção apareciam ali à noite e ele sempre conseguia afugentá-los.

    A lua irrompeu brevemente em meio às nuvens quando as duas figuras desceram do carro, pegaram algo grande no porta-malas e carregaram na direção do barco a remo na beirada da água. A primeira pessoa entrou no barco e, quando a segunda lhe passou o grande pacote, algo na maneira como ele arqueou e desabou fez o idoso se dar conta, com horror, de que era um corpo.

    Ouvia-se o suave som dos remos deslizando na água. Ele colocou a mão na boca. Sabia que podia desviar o olhar, mas não conseguia. O barulho dos remos na água cessou quando o barco chegou ao centro do lago. Uma lasca da lua apareceu novamente através de uma fresta nas nuvens e iluminou as ondulações que se afastavam do barco.

    O idoso prendeu a respiração, observando as duas figuras conversarem e ouvindo os murmúrios rítmicos de suas vozes. Então houve silêncio. O barco deu uma guinada e um deles quase caiu sobre a borda. Quando estabilizaram, levantaram o pacote e o jogaram na água com um sonoro tchibum e o ruído de correntes. A lua saiu de trás das nuvens, e o brilho forte do luar tornou visível o barco e o local onde o pacote havia sido jogado, iluminando a água violentamente agitada ao redor da embarcação.

    Nesse momento, o velho conseguiu enxergar as duas pessoas no barco e teve uma visão clara de seus rostos.

    Ele soltou o ar. Não aguentava mais prender a respiração. Suas mãos tremiam. Não queria problemas, tinha passado a vida inteira evitando-os, mas parecia que a encrenca sempre dava um jeito de encontrá-lo. Uma brisa fria agitou algumas folhas secas aos seus pés, e ele sentiu uma coceira forte nas narinas. Antes que pudesse impedir, deu um espirro que ecoou pela pedreira. No barco, as cabeças se levantaram depressa, virando e procurando nas margens. Então o viram. O velho se virou e saiu correndo, mas tropeçou na raiz de uma árvore e caiu no chão, perdendo o fôlego.

    No fundo das águas da pedreira desativada estava tranquilo, frio e muito escuro. Puxado pelo peso das correntes, o corpo afundou rapidamente, afundou e afundou até pousar com um baque surdo na congelante lama macia.

    Ela descansaria quieta e serena ali durante muitos anos, quase em paz. Mas em cima, na terra seca, o pesadelo estava apenas começando.

    CAPÍTULO 1

    SEXTA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2016

    A Detetive Inspetora Chefe Erika Foster cruzou os braços por cima do volumoso colete salva-vidas para se proteger do vento gelado, desejando estar com um casaco mais grosso. O pequeno bote inflável da Unidade Naval da Polícia Metropolitana sacodia pela água da pedreira Hayes, arrastando atrás de si um transponder, um aparelho que examinava as profundezas. A pedreira desativada ficava no centro do Parque Hayes, uma área de 225 acres de mata e pântano, ao lado da vila de Hayes, nos arredores de South London.

    – A profundidade da água é de 23,7 metros – informou a Sargenta Lorna Crozier, supervisora de mergulho. Ela estava encurvada diante de uma tela preta na parte da frente do bote, onde os resultados do sonar eram exibidos em escuros tons roxos que floresciam ao longo da tela como um hematoma.

    – Então vai ser difícil recuperar o que estamos procurando? – perguntou Erika, notando o tom desanimador da colega.

    – Trabalhar em qualquer lugar com profundidade maior que 30 metros é difícil – confirmou Lorna. – Meus mergulhadores só podem ficar períodos curtos lá embaixo. Um lago ou canal geralmente tem uns dois metros de profundidade. Mesmo com a maré alta, o Tâmisa tem 10 ou 12 metros.

    – Pode existir qualquer coisa lá embaixo – disse o Detetive Sargento John McGorry, que estava espremido no pequeno assento de plástico ao lado de Erika. Ela acompanhou o olhar do jovem que fitava a superfície tremulante da água. A visibilidade devia ser de no máximo uns 60 centímetros antes de se transformar em um redemoinho de sombras.

    – Você está tentando sentar no meu colo? – repreendeu Erika quando ele se inclinou na direção dela para dar uma olhada pela beirada.

    – Desculpe, chefe – ele riu, ajeitando-se no banco. – Assisti a um programa no Discovery Channel. Sabia que só 5% do solo do mar é mapeado? O oceano ocupa 70% da superfície da Terra, isso quer dizer que 65% do planeta, excluindo a terra firme, são inexplorados...

    Na beira da água, a 20 metros dali, aglomerados de juncos mortos balançavam ao sabor da brisa. Um grande caminhão de apoio estava estacionado na margem gramada e, ao lado dele, uma pequena equipe de apoio preparava o equipamento de mergulho. Os coletes salva-vidas alaranjados eram os únicos pontos coloridos naquela desbotada tarde de outono. Atrás deles, arbustos ressecados e espinhentos estiravam-se em uma mistura de diferentes tonalidades de cinza e marrom e, um pouco mais afastado, havia um conjunto de árvores sem folhas. O bote chegou ao limite da pedreira e diminuiu a velocidade.

    – Dando meia-volta – avisou o Agente Barker, um jovem policial sentado ao leme do motor de popa. Ele fez uma curva fechada, de modo que virassem e atravessassem o lago pela sexta vez.

    – Você acha que alguns dos peixes ou das enguias lá embaixo podem ter crescido e chegado a... tipo, superproporções? – perguntou John, virando-se para Lorna, com os olhos ainda brilhando de entusiasmo.

    – Já vi uns lagostins de água doce bem grandes quando mergulhava. Só que essa pedreira não é afluente, então o que quer que exista aqui foi colocado – respondeu Lorna, sem tirar os olhos da tela do sonar.

    – Fui criado aqui na região, em St. Mary Cray, e lá perto de casa havia um petshop que, pelo que diziam, vendia filhotes de crocodilo... – John foi baixando o tom de voz e olhou de novo para Erika, com os olhos um pouco arregalados.

    Ele era sempre otimista e gostava de uma conversa, e Erika até que conseguia lidar com isso. Mas mesmo assim, ainda tinha pavor de trabalhar com John no turno da manhã.

    – Não estamos procurando crocodilos, John. Estamos procurando dez quilos de heroína em um contêiner à prova d’água.

    – Desculpe, chefe – disse John, olhando de volta para ela e balançando a cabeça.

    Erika conferiu o relógio. Eram quase 3h30.

    – Quanto vale isso por aí, dez quilos? – perguntou o Agente Barker de seu lugar ao lado do leme.

    – Quatro milhões de libras – respondeu Erika, passando mais uma vez os olhos pelas informações na tela do sonar.

    Barker assobiou:

    – Podemos supor que o contêiner foi mesmo jogado deliberadamente?

    Erika fez que sim e explicou:

    – Jason Tyler, o cara sob custódia, estava esperando as coisas se acalmarem antes voltar para pegar...

    Ela não acrescentou que só podiam mantê-lo sob custódia até meia-noite.

    – Sério mesmo que ele achava que ia conseguir recuperá-lo? Somos uma equipe de mergulho experiente e estamos com dificuldade de resgatar esse negócio – disse Lorna.

    – Com quatro milhões no esquema? Acho, sim, que ele ia voltar para tentar resgatar – retrucou Erika. – Estamos com esperança de encontrar as digitais dele nas camadas do plástico usado para embalar o conteúdo do interior.

    – Como vocês descobriram que ele jogou aqui? – perguntou mais uma vez o Agente Barker.

    – A esposa dele – John respondeu.

    O Agente Barker o olhou de um jeito que somente outro homem poderia entender, e assobiou de novo.

    – Espera aí! Acho que tem alguma coisa aqui, desligue o motor – Lorna pediu, inclinando-se para se aproximar ainda mais da tela minúscula.

    Uma figura negra brilhou no meio das tonalidades roxas. O Agente Barker desligou o motor de popa e o silêncio que tomou conta foi interrompido apenas pelo barulho da água que ainda estava agitada ao redor do bote. Ele se levantou e juntou-se a ela.

    – Estamos examinando uma área de quatro metros em cada lateral do bote – disse Lorna, movendo a pequena mão sobre a mancha na tela.

    – Então a escala está correta – concordou Barker.

    – Você acha que é o contêiner? – perguntou Erika, com a esperança crescendo no peito.

    – Pode ser – Lorna respondeu. – Ou pode ser uma geladeira velha. Não vamos ter certeza até chegarmos lá embaixo.

    – Você vai mergulhar hoje? – Erika perguntou, tentando manter o otimismo.

    – Vou ficar em terra firme hoje. Mergulhei ontem e temos que ter períodos de descanso.

    – Onde vocês estavam ontem? – perguntou John.

    – Rotherhithe. Tivemos que resgatar um suicida no lago da reserva natural.

    – Uau! Encontrar um corpo no fundo da água deve ser um negócio muito mais bizarro.

    Lorna fez que sim com um gesto de cabeça e disse:

    – Fui eu que o encontrei. A três metros de profundidade. Estava fazendo a busca com visibilidade zero, de repente encostei as mãos em dois calcanhares, fui tateando para cima e cheguei às pernas. Ele estava em pé lá no fundo.

    – Cruz credo. Em pé, debaixo d’água? – John estava horrorizado.

    – Isso acontece... tem a ver com a composição do gás no corpo e o progresso da decomposição.

    – Deve ser fascinante. Só estou na força policial há alguns anos. Esta é a minha primeira vez com uma equipe de mergulho – comentou John.

    – Encontramos toneladas de coisas horríveis. O pior é quando você acha um saco de filhotinhos – acrescentou o Agente Barker.

    – Filhos da mãe. Sou policial há 25 anos e todo dia fico sabendo de uma coisa nova que mostra o quanto as pessoas podem ser doentes. – Erika percebeu que todos se viraram para ela por um instante, e notou que todos tentavam, mentalmente, descobrir sua idade. – E esse troço aí? Com que rapidez conseguem trazer isso para cá? – ela perguntou, direcionando a atenção deles de volta para a tela do sonar.

    – Acho que vamos marcar o local com uma boia e dar mais uma examinada no lago – respondeu Lorna, movendo-se para a lateral do bote e preparando uma pequena boia alaranjada com um peso amarrado a uma linha. Ela jogou o peso, que rapidamente desapareceu dentro da água profunda e escura, restando apenas a cordinha fina pendurada na beirada. Deixaram a boia flutuando, o Agente Barker ligou o motor de popa e eles recomeçaram a se movimentar pela água.

    Pouco mais de uma hora depois, eles já haviam feito a cobertura de toda a superfície da pedreira e identificado três possíveis anomalias. Erika e John tinham desembarcado para se aquecer. Estava começando a escurecer naquele dia do final de outubro e eles reuniram-se ao lado do caminhão da equipe de mergulho, servindo-se de copos de isopor cheios de chá enquanto observavam a equipe trabalhar.

    Lorna estava na margem, segurando uma das extremidades de uma pesada corda chamada vergueiro. A corda entrava na água, percorria o fundo da pedreira, voltava à superfície e estendia-se seis metros depois da margem. O barco encontrava-se ancorado ao lado da primeira boia indicadora e o Agente Barker estava a bordo, cuidando para que a outra ponta do vergueiro permanecesse esticada. Tinham se passado 10 minutos desde que dois mergulhadores entraram na água. Eles começaram nas pontas opostas do vergueiro e seguiram fazendo a busca no fundo da pedreira até se encontrarem no meio. Ao lado de Lorna, outro membro da equipe de mergulho estava agachado próximo a uma unidade de comunicação do tamanho de uma maleta. Erika ouvia as vozes dos mergulhadores que se comunicavam pelos rádios em suas máscaras de mergulho.

    – Visibilidade zero, nada ainda... Devemos estar quase nos encontrando no meio... – foi o que informou uma vozinha pelo rádio.

    Erika deu um trago nervoso no cigarro eletrônico e a luz vermelha na ponta brilhou. Ela soltou uma baforada de vapor branco.

    Já fazia três anos que ela tinha sido transferida para a delegacia de Bromley, mas ainda tentava encontrar seu lugar e se encaixar na nova equipe. Ficava a apenas alguns quilômetros de Lewisham, a antiga região onde havia trabalhado, em South London, porém ainda estava se acostumando com a enorme diferença que alguns quilômetros podem fazer entre os arredores de Londres e a fronteira com o condado de Kent. Ele tinha uma atmosfera de cidadezinha do interior.

    Erika levantou o rosto e olhou para John, que estava a 20 metros, falando ao telefone, e sorrindo enquanto conversava. Sempre que tinha a oportunidade, ligava para a namorada. Um momento depois, ele finalizou a ligação e se aproximou.

    – Os mergulhadores ainda estão procurando?

    Erika fez que sim antes de dizer:

    – Nenhuma notícia é melhor do que notícia ruim... Mas se eu tiver que soltar aquele merdinha...

    O merdinha em questão era Jason Tyler, um traficante sem muita importância que tinha ascendido rapidamente e agora controlava a rede do tráfico que cobria a região de fronteira entre South London e Kent.

    – Mantenha a corda esticada, está ficando frouxa... – ressoou a voz do mergulhador pelo rádio.

    – Chefe? – John chamou, meio sem jeito.

    – Oi?

    – Era a minha namorada, Monica, no telefone... Ela... nós, queríamos convidar você para jantar.

    Erika o encarou, mantendo um olho em Lorna, que puxou o vergueiro para esticá-lo um pouco mais.

    – O quê? – perguntou ela.

    – Falei muito de você para a Monica... Só coisa boa, é claro. Desde que começamos a trabalhar juntos, aprendi uma porrada de coisa; você fez o trabalho ficar muito mais interessante. Me fez querer ser um detetive melhor... Enfim, Monica ia adorar fazer a lasanha dela para você. É muito boa. E não estou falando isso só por que ela é minha namorada. É boa mesmo... – a voz dele minguou.

    Erika estava olhando fixamente para o espaço de 20 metros entre Lorna, na margem, e o barco na água. Escurecia rapidamente. Ela acreditava que os mergulhadores deviam estar prestes a se encontrar no meio e isso, caso acontecesse, significaria que não encontraram nada.

    – Então, o que me diz, chefe?

    – John, estamos bem no meio de um caso grande – ela o repreendeu.

    – Não precisa ser hoje à noite. Algum dia. A Monica ia adorar te conhecer. E se você quiser convidar alguma outra pessoa, tudo bem. Existe um Sr. Foster?

    Erika se virou para ele. A detetive sabia que vinham fazendo fofoca sobre ela na força policial nos últimos anos, então ficou surpresa por John não saber. Ela já ia responder, mas foi interrompida por um grito emitido pela equipe de apoio na beira da água. Eles se apressaram na direção de Lorna e do policial que estava agachado ao lado da unidade de comunicação. Ouviram um dos mergulhadores dizer:

    – Tem alguma coisa embrulhada debaixo da lama... Preciso de ajuda se tiver que tirá-la daqui... Como estou de tempo? – perguntou a vozinha antes de ser cortada pelo ar frio, e houve uma interferência, que Erika percebeu ser causada pelas bolhas que saíram do respirador quando o policial respondeu ao mergulhador que estava a nove metros de profundidade.

    Lorna virou-se para Erika:

    – Acho que encontramos.

    CAPÍTULO 2

    A temperatura despencava à medida que escurecia. Erika e John andavam de um lado para o outro dentro do foco de luz emitido pelos veículos de apoio, e as árvores atrás deles tinham desaparecido misturadas à escuridão, o que deixava a atmosfera ainda mais opressora.

    Um dos mergulhadores, com o traje de mergulho molhado e escorregadio, finalmente emergiu na íngreme margem da pedreira carregando o que parecia ser uma grande mala de plástico toda suja de lama. Erika e John se juntaram à equipe de mergulho que o ajudava a subir à terra firme. Colocaram a mala no gramado, sobre um pedaço quadrado de plástico. Todos se afastaram quando John se aproximou e fez várias fotos da caixa intacta.

    – Okay, chefe – disse ele. – Estou filmando.

    Erika tinha colocado luvas de látex e estava segurando um corta-vergalhão. Ela se ajoelhou diante da caixa e começou a inspecioná-la.

    – Há duas travas, uma de cada lado da alça, e uma válvula de equalização de pressão – ela explicou, apontando para um botão debaixo da alça. Abriu as duas travas com o corta-vergalhão e John continuava filmando. A equipe de mergulho observava um pouquinho mais detrás, iluminada pela luz da filmadora.

    Erika girou delicadamente a válvula de pressão, o que foi seguido por um chiado. Soltou as duas travas e levantou a tampa. A luz da filmadora digital iluminou o interior e ricocheteou nos pacotinhos organizados, todos cheios com o pó cinza rosado.

    O coração de Erika disparou ao ver aquilo.

    – Heroína, que por aí vale quatro milhões de libras!

    – É horrível, mas não consigo tirar os meus olhos disso – murmurou John, inclinando-se para dar uma olhada mais de perto no interior.

    – Obrigada a todos vocês – Erika agradeceu, virando-se para os rostos silenciosos da equipe de mergulho, que estava de pé em um pequeno semicírculo. Seus rostos cansados devolveram largos sorrisos.

    Uma interferência barulhenta ressoou da unidade de comunicação, vinda de um dos mergulhadores que ainda estava na água. Lorna foi até o equipamento e começou a falar ao rádio.

    Erika fechou cuidadosamente a tampa da mala.

    – Okay, John, entre em contato com a central. Temos que levar isso em segurança para a delegacia. E diga ao Superintendente Yale que precisamos de uma equipe para procurar impressões digitais para escarafunchar isso aqui no momento em que chegarmos lá. Não vamos tirar os olhos dessa mala até que esteja trancada em segurança, entendido?

    – Entendido, chefe.

    – E pega no carro um daqueles sacos grandes de evidências para mim.

    John saiu quando Erika se levantou, mantendo os olhos na mala.

    – Te peguei, Jason Tyler – murmurou. – Eu te peguei, e você vai ficar muito tempo engaiolado.

    – Detetive Inspetora Chefe Foster – chamou Lorna, afastando-se da unidade de comunicação e aproximando-se de Erika. – Um dos nossos mergulhadores estava fazendo uma varredura na área... Ele achou outra coisa.

    Quinze minutos depois, Erika havia empacotado a mala de heroína, e John estava de volta com a filmadora digital, registrando outro mergulhador sair da água. Ele tinha algo escuro e disforme nos braços. Carregou-o até um novo pedaço quadrado de plástico que havia sido estendido na grama. Era um pacote de plástico cheio de lama e preso com finas correntes enferrujadas das quais pendiam o que pareciam ser halteres. Não tinha mais do que um metro e meio de comprimento e dobrava-se sobre si mesmo. O plástico estava velho, quebradiço e esbranquiçado.

    – Foi encontrado a pouco mais de um metro da mala, parcialmente submerso no lodo no fundo da pedreira – informou Lorna.

    – Não é pesado. Há algo pequeno dentro, dá para sentir o conteúdo se deslocando – comentou o mergulhador.

    Ele o colocou no quadrado de plástico e um silêncio se abateu sobre a equipe, quebrado apenas pelos galhos das árvores tremulando ao vento.

    Erika sentiu um pavor gelado lhe revirar o estômago. Deu um passo adiante, quebrando o silêncio.

    – Pega o corta-vergalhão para mim de novo, por favor?

    Ela o enfiou debaixo do braço, pôs uma luva de látex nova, deu um passo à frente e começou a cortar com cuidado as correntes enferrujadas, que eram finas, mas davam muitas voltas no pacote. O plástico estava tão quebradiço que tinha ficado rígido e crepitou quando ela soltou as correntes e água começou a escorrer na grama.

    Apesar do frio, Erika se deu conta de que estava suando. O plástico havia sido enrolado várias vezes e, enquanto desembrulhava as camadas, ela pensava que o que quer que houvesse ali dentro era pequeno. Tinha somente o cheiro da água do lago: insípido e um pouco desagradável, o que disparou o alarme em sua cabeça.

    Quando chegou à última dobra do plástico, viu que a equipe ao redor estava completamente em silêncio. Ela tinha se esquecido de respirar. Deu um longo suspiro e desdobrou a última volta do plástico quebradiço.

    A luz da filmadora iluminou o conteúdo. Era um pequeno esqueleto: um emaranhado de peças em meio a uma camada de lama. Não havia sobrado quase nada da roupa, apenas alguns fragmentos de um material marrom agarrado a uma parte da caixa torácica. Um pequeno cinto fino com a fivela enferrujada ao redor da coluna vertebral, ainda preso à pélvis. O crânio estava solto e aninhado em uma pilha curvada de costelas. Algumas mechas escuras de cabelo continuavam presas ao topo do crânio.

    – Meu Deus do Céu – disse Lorna.

    – É muito pequeno... Parece um esqueleto de criança – disse Erika suavemente.

    Eles foram engolidos pela escuridão quando John saiu correndo com a filmadora na direção da margem da pedreira, onde se ajoelhou e vomitou descontroladamente na água.

    CAPÍTULO 3

    Chovia forte quando Erika se sentou no banco do motorista de seu carro. Os pingos martelavam o teto do veículo e o limpador de para-brisas trabalhava furiosamente respingando a água que refletia a luz azul das viaturas ao redor e do caminhão da equipe de mergulho.

    A van do patologista foi a primeira a ir embora da pedreira. O saco preto com os restos do corpo tinha uma aparência muito pequena quando foi carregado para o interior da parte de trás do veículo. Apesar de seus anos na força policial, Erika estava abalada. Toda vez que fechava os olhos, via o minúsculo esqueleto com tufos de cabelo e órbitas oculares vazias. As perguntas continuavam martelando em sua cabeça. Quem desovaria uma criança na pedreira? Era algo relacionado a gangues? Mas Hayes era uma área abastada com taxa de criminalidade baixa.

    Ela passou as mãos pelo cabelo e se virou para John.

    – Você está bem?

    – Desculpe, chefe. Não sei por que eu... já vi um monte de cadáveres... Não tinha nem sangue.

    – Tudo bem, John.

    Erika ligou o carro quando os dois veículos de apoio e o que levava a mala de heroína arrancaram. Ela engatou a marcha e também arrancou. Eles seguiram em silêncio enquanto as luzes sombrias do comboio iluminavam a mata densa que ia ficando para trás em ambos os lados da estradinha de cascalho. A detetive sentiu uma pontada de arrependimento por não estar mais trabalhando em seu antigo departamento com a Equipe de Investigação de Assassinatos na Lewisham Row. Tinha sido transferida para a Equipe de Projetos, que combatia o crime organizado. Seria trabalho de outro policial descobrir como o pequeno esqueleto acabou a nove metros no fundo da escuridão gelada.

    – Achamos a mala. Estava onde a esposa do Jason Tyler disse – comentou John, tentando soar otimista.

    – Precisamos que as impressões digitais dele estejam lá, sem isso não temos nada – disse Erika.

    Eles saíram do parque e atravessaram Hayes. As luzes dos faróis brilhavam nas vitrines do supermercado, da lanchonete e da revistaria, que exibia um varal de máscaras de Halloween frouxamente pendurado, todas com olhos ocos e grotescos narizes curvos.

    Erika não conseguia se sentir triunfante por terem encontrado a mala de heroína. Só era capaz de pensar no pequenino esqueleto. Em seu trabalho na força policial, passou vários anos comandando esquadrões antidrogas. Os nomes mudavam – Unidade Central de Drogas, Prevenção às Drogas e ao Crime Organizado, Equipe de Projetos –, mas a guerra contra as drogas era uma luta que jamais venceriam. No momento em que um fornecedor era preso, outro aguardava pronto para assumir o lugar, ocupando o vácuo com ainda mais destreza e perspicácia. Jason Tyler havia ocupado um vácuo e, em um curto espaço de tempo, outro assumiria o dele. Lave, enxágue, repita a operação.

    Assassinos, no entanto, eram diferentes... Eles podiam ser capturados e presos.

    As viaturas à frente pararam diante de um semáforo perto da estação de trem Hayes. Pedestres com guarda-chuvas atravessaram a rua aos montes.

    A chuva batia forte no teto do carro. Erika fechou os olhos por um momento. O pequeno esqueleto deitado na margem da pedreira lhe veio à mente. Um carro atrás buzinou, ela deu um pulo e abriu os olhos.

    – Está verde, chefe – disse John em voz baixa.

    Eles arrastaram-se para a frente lentamente, a rotatória ainda estava abarrotada. Erika olhou para as pessoas passando apressadas e ficou analisando seus rostos.

    Quem foi? Quem faria aquilo? pensou ela. Eu quero te encontrar. Eu vou te encontrar. Quero te prender e jogar a chave fora...

    O carro atrás buzinou duas vezes. Erika viu que o trânsito estava liberado e deu a volta na rotatória.

    – Você me perguntou mais cedo se sou casada – comentou Erika.

    – Só queria saber se ia querer levar alguém ao jantar...

    – O meu marido era policial. Ele morreu durante uma batida em busca de drogas há dois anos e meio.

    – Puta merda. Eu não sabia. Não teria falado nada... Me desculpe.

    – Tudo bem. Achei que todo mundo soubesse.

    – Não sou muito de fofoca. E o convite para jantar ainda está de pé. Estou falando sério. A lasanha da Monica é muito boa mesmo.

    Erika sorriu e disse:

    – Obrigada. Talvez quando isso acabar.

    John concordou com um gesto de cabeça e perguntou com delicadeza:

    – O esqueleto... É de criança, não é?

    Erika respondeu que sim com um movimento de cabeça. Quando chegaram à rotatória, a van do patologista se desgarrou e virou à direita. Eles a observaram desaparecer em meio às casas. As viaturas que transportavam a mala de heroína viraram à esquerda e, relutante, Erika as seguiu.

    A delegacia Bromley era um prédio de tijolos de três andares no final da Bromley High Street em frente à estação de trem. Passava pouco das 7h da noite e os pedestres caminhavam depressa debaixo do toldo da estação de trem Bromley South, e a chuva torrencial bem como o fim de semana que se aproximava os deixavam ainda mais apressados. Os primeiros grupos de pessoas que saíam para beber na sexta-feira à noite movimentavam-se na outra direção. Garotas jovens seguravam jaquetas minúsculas sobre as cabeças, tentando não molhar seus vestidos ainda mais minúsculos, e rapazes elegantes de camisa e calça social usavam edições gratuitas do Evening Standard.

    Erika passou de carro em frente à estação e entrou na rua que serpenteava até o estacionamento subterrâneo da delegacia, seguindo as duas viaturas que continuavam com as sirenes acesas e ladeavam o carro que carregava a mala de heroína.

    No térreo da delegacia Bromley ficava a repartição dos policiais, e o corredor estava cheio de oficiais que chegavam para seus turnos pensativos e rabugentos diante de uma noite em que provavelmente teriam de lidar com menores de idade consumindo bebida alcoólica. O chefe dela, o Superintendente Yale, encontrou Erika, John e os seis policiais uniformizados que acompanhavam o caso, na escada principal, que levava ao Departamento de Investigação Criminal. Juntou-se a eles quando estavam subindo. Ele estava sempre com o rosto avermelhado, a cabeleira ruiva despenteada e invariavelmente com um aspecto de que tinha sido enfiado à força no uniforme: a farda era um número menor do que o adequado para seu corpo robusto.

    – Bom trabalho, Erika! – elogiou, olhando radiante para a mala enfiada no saco de evidências criminais. – Os técnicos que vão verificar as impressões digitais estão esperando lá em cima.

    – Senhor, além da mala que encontramos... – começou Erika.

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