Quadros Geográficos
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Quadros Geográficos - Paulo Cesar da Costa Gomes
1ª edição
Rio de Janeiro | 2017
Copyright ©Paulo Cesar da Costa Gomes, 2017
Capa: Sérgio Campante
Ilustração de capa e guarda: Geografia das plantas equinociais: quadro físico dos Andes e países vizinhos elaborado segundo observações e medidas tomadas sobre os lugares a partir do 10º grau de latitude boreal até o 10º de latitude austral em 1799, 1800, 1801, 1802 e 1803. Por Alexandre von Humboldt e Aimé Bonpland. Reproduzido por permissão da Biblioteca Nacional da França (Bibliothèque nationale de France)
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
2017
Produzido no Brasil
Produzed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ
Gomes, Paulo Cesar da Costa
G616q
Quadros geográficos [recurso eletrônico]: uma forma de ver, uma forma de pensar / Paulo Cesar da Costa Gomes. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-286-2271-3 (recurso eletrônico)
1. Geografia humana. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
17-44963
CDD: 304.2
CDU: 911.3
Todos os direitos reservados pela:
EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA.
Rua Argentina, 171 – 2º andar – São Cristóvão
20921-380 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2585-2000 – Fax: (21) 2585-2084
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora.
Atendimento e venda direta ao leitor:
mdireto@record.com.br ou (21) 2585-2002
Sumário
Nota do autor
Prefácio
Introdução: Geografias e Mundos
Lendo Kant
Culturas visuais diversas: descrições e narrativas
A Naturgemälde é um quadro; mapas são quadros.
Os quadros geográficos na obra de Humboldt
As cosmovisões
A Geografia apresenta o mundo
Imago Mundi nas cosmografias renascentistas
Outros quadros geográficos
Outros mundos
Descrevendo quadros com Vidal de la Blache
Modos e instrumentos da descrição
Imagem, imaginários: quadros para a imaginação geográfica
Conclusão: A Geografia é uma forma de pensar!
Bibliografia
Nota do autor
Este livro levou quase duas décadas sendo pensado, mas foi escrito rapidamente. As ideias já existiam, tinham sido exploradas em diferentes ocasiões com diversos públicos. Entre os mais frequentes interlocutores ao longo desses muitos anos de reflexão estão dois especiais colaboradores: Vincent Berdoulay e Leticia Parente Ribeiro. Eles gentilmente leram os originais, fizeram observações e trouxeram algumas importantes retificações. Evidentemente, como é de praxe deixar claro, a responsabilidade sobre as opiniões e análises contidas neste texto é toda minha. Tenho, entretanto, o imenso prazer de contar com os comentários deles, no prefácio e nas orelhas, para a edição do livro.
O desejo inicial era escrever um artigo, porém, o acúmulo de questões a discutir demonstrou logo que o tamanho de um artigo seria inapropriado. Então por que não escrever um livro? Algo pequeno, denso e consistente, sem muitas notas, sem discussões paralelas. Ao contrário de outros autores, tenho sentido que, quanto mais o tempo avança, mais econômico nas palavras quero ser. Embora a intenção tenha sido preservada, o resultado não foi exatamente o que havia sido previsto. Percebi que algumas frases, muito concisas, ficariam quase incompreensíveis e fui obrigado a estendê-las. Não poderia tampouco omitir as fontes das quais retirei o material, daí as numerosas notas de rodapé. Nem poderia sempre me furtar a alongar um pouco a discussão sobre temas que, sem serem centrais, apareciam com importância, fazendo surgir mais texto e mais notas. Até a última leitura e revisão, tive de resistir fortemente ao desejo de acrescentar inúmeras informações e comentários, o que, sem dúvida, enriqueceria o texto, mas não acrescentaria novos desenvolvimentos e, por isso, foram, com algum pesar, descartados.
A convicção de que a Geografia é uma disciplina consistente, relevante e de resultados surpreendentes só vem aumentando ao longo dos anos em que a venho praticando. Pode ser que hoje eu sinta cada vez menos a necessidade de me justificar sobre isso. Este livro é, talvez, a prova de ter chegado ao ápice dessa convicção. A Geografia é uma forma de pensar, e disso estou serenamente consciente.
Prefácio
Aqui está um belo trabalho, de formato conciso, mas de longo alcance. Ele irá encantar todos aqueles que, de alguma forma, direta ou indiretamente, se interessam pela questão geográfica por excelência: por que um determinado fenômeno está localizado ali? O autor, Paulo Cesar da Costa Gomes, usando uma linguagem simples e acessível, nos conduz a uma viagem intelectual fascinante na qual se cruzam pensadores, cientistas, filósofos e artistas de diferentes línguas e períodos históricos, desde a Antiguidade até os dias de hoje. É um ensaio brilhante sobre os Quadros geográficos, mas, na verdade, mostra a originalidade e o interesse do olhar e do pensamento geográfico, tanto para o geógrafo quanto para o não especialista, tenha ele um espírito científico ou filosófico.
O professor de Geografia Paulo Cesar da Costa Gomes já é bastante conhecido por sua envergadura intelectual internacional e pela grande originalidade de sua pesquisa em temas como a modernidade, a história das ideias ou o espaço público urbano. Nós o reencontramos em plena maturidade nesta obra profunda que se edifica, resumindo parcialmente sua grande experiência adquirida até agora. É reconfortante constatar que esta experiência não está a serviço de conclusões normativas. Pelo contrário, a vasta cultura mobilizada por ele serve para renovar nossas concepções e ampliar perspectivas para além dos caminhos conhecidos, convida-nos a aproveitar ao máximo as potencialidades do olhar geográfico.
O que o autor demonstra é que a Geografia — no sentido mais amplo — é uma forma de pensamento e se fundamenta em uma maneira de ver. Evidentemente, essa forma de pensar não é prerrogativa única da Geografia como disciplina acadêmica, mas cabe ao especialista em geografia, no entanto, explorar esse veio, reconhecendo o lugar central dele em seu questionamento e em sua abordagem. Assim, de acordo com o autor, a Geografia pode melhor contribuir no desenvolvimento do conhecimento.
Ele já havia sido um pioneiro em seu campo quando chamou a atenção para a importância das imagens e do visual nos problemas geográficos. Na sistematização de seu pensamento oferecido neste livro, rico em discussões de grandes autores e grandes questões filosóficas e científicas, que me seja permitido enfatizar, especialmente, as reflexões notáveis e bastantes inovadoras sobre os estoicos, sobre Kant e sobre Alexander von Humboldt. A originalidade, a semelhança ou mesmo o parentesco entre esses pensadores são abundantemente demonstrados. Não poderemos mais tratar deles na história das ideias sem levar em conta as considerações tratadas neste livro. Da mesma forma, Paulo Cesar da Costa Gomes ultrapassa as clássicas oposições apresentadas na história do pensamento geográfico, como entre a abordagem quantitativa e qualitativa ou entre a geografia física e a humana. Essas oposições frequentemente remontadas desde Erastóstenes e Possidônios aqui estão, na verdade, reconciliadas pela partilha de uma mesma maneira de olhar e de construir questões. Muitos outros estereótipos que se observam nas histórias muito pouco eruditas da geografia acadêmica também são desafiados por este trabalho.
Ao ancorar sua reflexão na história das ideias e no desenvolvimento científico recente, tirando partido do olhar e do método oferecido pela noção de quadro, o autor traça um caminho epistemológico que lhe permite não submeter a Geografia à subserviência de um modelo, seja ele positivista ou fenomenológico. Assim, a importância dada pelo autor para os sistemas de localização de pessoas, objetos ou fenômenos como questão central na Geografia, não o leva ao espacialismo
que teve seu auge nos chamados anos da revolução quantitativa de 1950-1960. Da mesma forma, indo da imagem ao texto e vice-versa, o autor mostra como a descrição geográfica merece ser revalorizada. Como o autor escreve, precisamos mais de uma apresentação do mundo do que de sua representação.
Fundamentalmente este livro é um belo convite para redescobrir o que faz a força — e a perenidade — da investigação geográfica, e isso não apenas para o geógrafo. Sem deixar à margem as explicações do nosso mundo contemporâneo e as perguntas sobre seu futuro, ele nos encoraja a buscar outras chaves para seu entendimento. Ao praticar um olhar diferente, essencialmente geográfico, sobre o mundo, torna-se possível pensá-lo de outra forma.
Vincent Berdoulay
Presidente honorário da Comissão de História da Geografia
União Geográfica Internacional-UGI
Introdução: Geografias e Mundos
Quantos da Terra e do Céu nasceram, filhos os mais temíveis, detestava-os o pai dês o começo: tão logo cada um deles nascia a todos ocultava, à luz não os permitindo, na cova da Terra. Alegrava-se na maligna obra o Céu. Por dentro gemia a Terra prodigiosa atulhada, e urdiu dolosa e maligna arte.
Hesíodo (≈750 a. C), Teogonia.
O que é a Geografia? É uma forma de pensar. É disso que aqui se trata. Este texto é uma ousada tentativa de demonstração de que, para além daquelas acepções que costumeiramente temos da Geografia, ela é também uma maneira, original e potente, de organizar o pensamento. Essa tentativa de demonstração é, sem dúvida, temerária — temerária pela amplitude que abarca, temerária pela pretensão que encerra, temerária ainda pela extensão relativamente pequena que propusemos para construir a argumentação necessária à sustentação dessa afirmativa. Para diminuirmos os riscos, diremos que não se trata propriamente de uma afirmação, mas de uma hipótese. Ainda assim, a tarefa se anuncia árdua. É preciso contar com a indulgência do leitor para os largos passos e as omissões que são forçosas nesse tipo de exercício argumentativo. É preciso contar também com sua erudição para preencher as eventuais lacunas deixadas nos assuntos que, sem serem secundários, não são exatamente centrais e não foram, por isso, suficientemente desenvolvidos. No entanto, contamos, sobretudo, com a curiosidade e o espírito aberto do leitor para se deixar conduzir por esse percurso, mesmo que isso necessariamente não o leve, ao final, a se convencer. Instaurar a dúvida e o debate, recompor explicações e revisitar procedimentos significa sempre um avanço na atividade científica, mesmo quando isso não se mostra suficiente para demover completamente as posições já estabelecidas.
O que é a Geografia? A pergunta de aparência tão simples se dirige ao que de mais importante existe em um campo do conhecimento, sua especificidade, sua identidade. A partir disso, todo o edifício cognitivo desse campo, suas propriedades, sua relevância, suas competências, sua finalidade e, sobretudo, seus sistemas explicativos podem ser discutidos. Atrás da aparente simplicidade da formulação da pergunta ergue-se um mundo de questões. Trata-se pois de um convite a uma discussão propriamente epistemológica, pois incide diretamente sobre as condições de produção do conhecimento, sua consistência lógica, seus sistemas de validade.
O que é a Geografia?1 A essa pergunta tão comum muitas vezes sucede também uma habitual resposta. Com insistência se diz que a Geografia, como aliás o próprio nome indica, é a ciência que estuda o espaço terrestre. A composição da palavra, formada a partir da justaposição de geo, terra, e grafos, escrita ou descrição, responderia assim perfeitamente à questão.2 Esse recurso à etimologia é um dos mais corriqueiros expedientes de apresentação geral da Geografia, sobretudo para um público escolar ou quando dirigido a uma audiência menos familiarizada com a disciplina. Está resolvido o problema? Não. Nem sempre a etimologia ou a constituição da palavra é capaz de informar completamente a respeito de seus usos e significados. Muitas palavras viveram transformações nos seus sentidos originais e, algumas vezes, no emprego corrente nada, ou pouca coisa, guardam dos seus significados etimológicos de origem.
Não precisaríamos recorrer ao texto sobre as palavras e as coisas de Foucault (1926-1984) para dizer que os significados das palavras variam segundo um percurso historicamente muito diverso (Foucault, 1966). A cada época