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Tertúlia
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E-book119 páginas1 hora

Tertúlia

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Sobre este e-book

Desde 2009, um grupo de escritores se reúne para conversar sobre os prazeres da narrativa e celebrar a amizade. As melhores histórias, compartilhadas nessas tertúlias, foram reunidas pelo grupo nesta edição.

"Penso que esta reunião de momentos-escritos é uma dessas celebrações, onde as urgências, as amizades, as permutas, são aqui entregues em formato de livro." — Ondjaki.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2011
ISBN9788564528154
Tertúlia

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    Pré-visualização do livro

    Tertúlia - Julio Silveira

    Texto com um abraço dentro dele

    No dia 25 recebi um email do Julio dizendo

    Seguinte: não se é (bom) professor impunemente. O pessoal da Tertúlia fez um livro e gostaria de convidá-lo para prefaciar. Ou orelhar. Ou epigrafar. Qualquer coisa.

    Eu que nem costumo prefaciar, eu que nem sei bem orelhar… Mas eis-me sentado, em busca das palavras que vão de encontro ao desafio.

    Na realidade, o material é bom. Muito bom. Há pessoas que a gente lê com a confiança de vir a encontrar um bom texto. Este grupo de pessoas une isso às verdades internas, ao ritmo solto, a uma criatividade que se veste de estéticas muito arejadas. Escrever, no fundo, talvez não passe de seguirmos uma espécie de instinto. A vontade de contar. A necessidade de registrar.

    Contos, pensamentos, emails, recados, outros formatos que as tertúlias encontram para celebrar o encontro humano. Se fiz parte de algum início de algum lugar desta aventura, fico satisfeito. Chamam-me, às vezes (e até hoje), muito delicadamente, professor (alguns) e mestre, outros. Se há coisa que não existe é ensinar a escrever. Disponho-me, na vida, a partilhar momentos, exercícios, lugares de provocar a sensibilidade a ver se ela nos dá algo em troca. Apenas isso. Algo que nos faça crescer, algo que nos faça expressar.

    Penso que esta reunião de momentos-escritos é uma dessas celebrações, onde as urgências, as amizades, as permutas, são aqui entregues em formato de livro. O ganho é muito esse: há que ter coragem para se mostrar assim, em estado de nudez literária. Íntimo, dizia um amigo meu, não é mostrar partes do corpo. Íntimo mesmo é mostrar, seja em que formato for, o que nos vai na alma. Outro amigo tinha ciúmes das palavras que saíam da boca dos outros, como se muitas delas fossem apenas dele, ou se, saída da boca de outrém, determinada palavra praticasse assim um acto de verdadeira traição.

    Este texto é, portanto, um abraço de parabéns. Pelos (vossos) textos, híbridos, maliciosos, divertidos, humanos e literários; e pela cadência humana, que fica lá perto de um lugar de sinceridade e arejamento. Há que continuar, dizem os mais-velhos, em busca do sonho – ele anda escondido de nós porque se quer em busca, porque se pensa sempre novo, especial e adornado de futuros…

    A vida é feita de pequenos nadas (segundo a canção de Sérgio Godinho); nós também. A literatura também. Pequenos nadas que, descobertos, dão tom às cores e brilho aos olhos. Continuem perseguindo todos os pequenos nadas, tertuliando, abraçando, sorrindo – e escrevendo. A vida é só celebração, afinal…

    Obrigado então. E parabéns pela coragem de escrever – e dar a conhecer.

    Um kandandu,

    Ondjaki.

    Acepções

    ■ substantivo feminino

    Agrupamento, reunião de parentes ou amigos

    (1881) Palestra literária

    Pequena agremiação literária, menor do que as academias e arcádias

    — E o primo do Houaiss, o Aurélio, exemplifica: de regresso, as reuniões de quinta-feira no habitáculo desarrumado dos ficcionistas […] Naturalmente, nessas tertúlias, […] os censores à Pontmartin e Planche eram desancados. (Agripino Grieco, Estrangeiros)

    — Morte aos censores de Pontmartin e Planche! Vida longa ao nosso habitáculo desarrumado!

    — Já não morrerá.

    Tertúlia

    What’s he building in there? What the hell is he building in there? He has subscriptions to those magazines… He never waves when he goes by. He’s hiding something from the rest of us… He’s all to himself… I think I know why… He took down the tire swing from the Peppertree. He has no children of his own you see… He has no dog and he has no friends and his lawn is dying… And what about all those packages he sends. What’s he building in there? With that hook light on the stairs. What’s he building in there? I’ll tell you one thing: He’s not building a playhouse for the children. What’s he building in there?

    What’s he building, Tom Waits

    Passadas as primeiras semanas, decidimos nos reunir na casa da Sra. Wittman para uma deliberação informal a respeito de nosso misterioso e incivil vizinho, o Sr. Schwytzestein, ou Stein — conforme referimo-nos a ele, atualmente. Estávamos todos lá, exceção feita a Jack Gunther, morador da última casa da nossa rua. Jack reprovava abertamente nossas investigações e conjecturas, chegando mesmo a acusar-nos de desocupados e petulantes. Tinha problemas com a bebida. Mas, afora Jack, estávamos todos reunidos naquela noite invernal de meio de semana. Éramos nove, ao todo, se não contabilizarmos a presença de Chelsea, a cadela da anfitriã.

    Lá fora, a neve caía macia e muda sobre a calçada, e o frio era sugestivo para confabulações. Nossa rua comportava oito casas grandes, quatro de cada lado do asfalto. Era uma típica rua sem saída dos subúrbios norte-americanos, onde famílias de classe média se empenhavam em manter as aparências, a começar pelos jardins. No verão e na primavera, a competição beirava o ridículo: adultos e crianças trabalhavam regando a grama, podando flores, lavando a pista de entrada das garagens e, quando parecia não restar o que fazer para vencer a concorrência, apelava-se para as caixas de correio, que eram enfeitadas e pintadas com as cores da nossa pátria.

    A maioria dos moradores vivia ali havia mais de uma década, a não ser pelo novo e enigmático vizinho, e Doris, uma viúva de setenta e poucos anos que há três viera do Wisconsin, após a morte do marido. Diziam que sofria de demência. Doris era minha vizinha de porta e sua simpatia me conquistou de imediato. Naquela noite, bati à sua porta imaginando que estaria pronta para sair, mas ela me recebeu vestindo um pijama listrado, com a TV ligada no último volume e um copo de chocolate quente na mão. Ela não se lembrava de nossa reunião, marcada na véspera, e demorou-se para vestir o sobretudo e encontrar as luvas e o cachecol. Chegamos atrasados.

    A Sra. Wittman serviu o chá acompanhado de bolinhos de canela, deliciosos. Ela costumava presentear os amigos com fitas de áudio da Bíblia no Natal e, também viúva, vivia arrumando desculpas para receber-nos em sua casa. Da janela de sua sala de estar era possível enxergar a luz azul de algum programa de TV no andar de cima da casa de Stein. Walter, o mais alto e obeso entre nós, inaugurou a discussão, falando pausadamente enquanto mastigava um bolinho de canela.

    — Ontem… Escutei um som agudo vindo de lá. Acho que ele estava martelando pregos num chão de madeira. E eu poderia jurar que escutei alguém gemendo baixinho.

    — Tem certeza, Walter? Isto talvez fosse o suficiente para chamarmos a polícia — sugeriu Howard, imediatamente apoiado pela esposa, Sarah.

    Howard e Sarah Robertson formavam um casal apático. Ele era gerente de uma loja de departamentos, e ela, dona de casa. Falavam pouco e suas opiniões raramente causavam algum impacto sobre o grupo. Sabendo disso, contentavam-se acatando e apoiando a maioria de nossas decisões. Ao lado deles, no sofá, estava Roy McIntyre, uma espécie de líder intelectual entre os nossos. Aos sessenta e cinco anos, Roy era engenheiro recém-aposentado, veterano da Guerra da Coreia, e alimentava uma obsessão admirável pelo caso do novo vizinho. Expressão sempre grave, sobrancelhas e cílios grossos, ele impunha respeito, e interferiu:

    — Não, não é o suficiente. Precisamos pegar este sujeito com alguma coisa grande, definitiva — decretou, batendo com a ponta do dedo indicador na própria coxa.

    Meu estilo era diferente do de Roy e dos demais. Apesar de compartilhar de toda a desconfiança que pairava sobre o Sr. Schwytzestein, eu preferia a cautela. Achava estranha a forma como Stein agia, jamais cumprimentando seus vizinhos de rua, deixando o jardim morrer daquele jeito, e o barulho que ele fazia! Mas, chamar a polícia…

    Tomei um gole de chá e decidi ponderar.

    -— Alguém aqui já parou pra pensar que podemos estar exagerando?

    — Exagerando?! — devolveu Roy, inflamado. Você prestou atenção ao relato do Mr. Sticha, ainda ontem? Ele afirma ter encontrado, no latão de lixo da rua, uma garrafa com o endereço de Stein e um adesivo onde estava escrito veneno, em letras muito legíveis. Ainda achou uma meia-dúzia de frascos de formol que seriam o suficiente para engasgar um cavalo! E você acha que estamos exagerando?

    — Vá com calma, Roy. Estou apenas tentando colocar outro ponto de vista sobre a mesa.

    — Ponto de vista, o cacete! Esse sujeito pode estar construindo alguma arma de destruição em massa, pode estar planejando um ataque terrorista, um genocídio, bem debaixo dos nossos narizes!

    De fato, o depoimento de Sticha

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