Quando os Mortos Saem Para Se Embriagar e Outras Histórias
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Sobre este e-book
Este livro de contos é uma reunião de textos escritos no final da minha adolescência e começo da minha juventude. Os textos não seguem uma ordem cronológica e refletem as vivências de diversos personagens, em especial Álvares Rocha, protagonista da quadrilogia A rocha esfarelada, composta pelos romances "Correndo atrás", "O feirante", "Meio do Mundo" e "Caindo na Caixa de Gordura", que espero publicar logo após a publicação deste livro.
Em "Quando os mortos saem para se embriagar e outras histórias", convido os leitores a mergulhar na realidade de personagens do submundo da maior cidade da Amazônia Brasileira, Belém do Pará e sua área de influência.
A linguagem empregada é bastante descritiva e direta. E busca trazer uma literatura a partir da perspectiva das pessoas mais pobres e problemáticas, que lutam para sobreviver diariamente em um cenário marcado pelo descasos, abusos e violências de todas as formas.
Espero que essa leitura venha ser muito embriagante.
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Quando os Mortos Saem Para Se Embriagar e Outras Histórias - Walter Rodrigues
Quando os Mortos Saem Para Se Embriagar e Outras Histórias
Walter Rodrigues
Published by Walter Rodrigues, 2021.
QUANDOS OS MORTOS
SAEM PARA SE EMBRIAGAR
E OUTRAS HISTÓRIAS
WALTER RODRIGUES
Copyright 2021 por Walter Rodrigues
ISBN 978-65-9901-64-00
1ª edição
Diagramação: Walter Rodrigues
Preparação e organização de originais: Deividy Edson
Projeto de capa: Walter Rodrigues
Foto de capa: Maurício Mascaro no Pexels
Publicado por Editora Itacaiúnas
Todos os direitos reservados.
Todos estamos na sarjeta, mas alguns de nós preferem olhar as estrelas.
(OSCAR WILDE)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
CORES, SONS, CHEIROS. O SHOW DE SANDRINHA VAI COMEÇAR
O PRIMEIRO PORRE A GENTE NUNCA ESQUECE
DESCONTANDO UM CHEQUE
NOITE DE NATAL
QUANDO OS MORTOS SAEM PARA SE EMBRIAGAR
SHOW DE SEXO AO VIVO NO VER-O-PESO
ATRAVESSANDO A BAÍA DO MARAJÓ
O FEIRANTE
EMBARCAÇÃO DETIDA
O MAIS NOVO POETA NA CIDADE
O VÔO DE FERNANDO
OS ENCANTOS DO SOBRADO SOBERANO
UM PUTEIRO NA ESQUINA
EM BUSCA DE EMPREGO
GAROA
ENCONTRO COM DEUS
I
II
III
IV
APRESENTAÇÃO
Este livro de contos é uma reunião de textos escritos no final da minha adolescência e começo da minha juventude. Os textos não seguem uma ordem cronológica e refletem as vivências de diversos personagens, em especial Álvares Rocha, protagonista da quadrilogia A rocha esfarelada, composta pelos romances Correndo atrás
, O feirante
, Meio do Mundo
e Caindo na Caixa de Gordura
, que espero publicar logo após a publicação deste livro.
Em Quando os mortos saem para se embriagar e outras histórias
, convido os leitores a mergulhar na realidade de personagens do submundo da maior cidade da Amazônia Brasileira, Belém do Pará e sua área de influência.
A linguagem empregada é bastante descritiva e direta. E busca trazer uma literatura a partir da perspectiva das pessoas mais pobres e problemáticas, que lutam para sobreviver diariamente em um cenário marcado pelo descaso, abusos e violências de todas as formas.
Espero que essa leitura venha ser muito embriagante.
O autor.
CORES, SONS, CHEIROS. O SHOW DE SANDRINHA VAI COMEÇAR
Nuvens gordas de chuva. Grandes nuvens cinzas. Relâmpagos. Vento frio. Revoada de urubus sinistros. Bondinho carregado de turistas atentos à arquitetura antiga. Embora a tarde estivesse se ausentando e a possibilidade de um aguaceiro desabar, início minha ronda pelas ruas da Cidade Velha.
Atravesso a Travessa Felix Rocque e decididamente avanço à Rua Tomázia Perdigão. Atenho-me ante uma fachada de linhas retas a fazer contraste com os vãos em arcos de janelas e portas deterioradas. Azulejos portugueses desgastados pelo tempo, semblantes infantis em massa e entre o primeiro e segundo andar uma placa retangular dançando ao vento exibir a imagem de uma silhueta feminina vizinha das palavras: Club’s Show Drink’s
Resolvo entrar.
Logo à entrada sou surpreendido com uma cartela. É um bingo que vai rolar daqui a pouco. O ganhador escolhe a puta que quiser do salão por conta da casa
. Disse-me o rapaz da portaria. Guardei a cartela no bolso. Talvez eu tivesse sorte. Observei uma ampla escada em madeira de dois lances enquanto uma jovem prostituta de minissaia preta vencia o primeiro lance de escada deixando visível o vermelho vivo de sua calcinha rendada.
Depois me deparei com uma pequena e estreita porta. Uma porta incrivelmente desornamentada, uma portinha sem detalhe algum.
- É SÓ ABRIR A PORTA, FERA! – gritou-me o rapaz da portaria.
E, de repente, um mundo de cores, sons e cheiros. Um balcão logo de frente servia caipirinha e cerveja geladíssima. Encostei-me ao balcão e pedi uma gelada. O show de Sandrinha iniciava-se.
As mesas junto ao palco eram ocupadas por homens de todas as idades, eufóricos. Palavras de baixo calão corriam indiferentes por todo aquele estreito e refrigerado salão. E a luz vermelha derramava-se em abundância sobre o corpo nu de Sandrinha. Era como se ela tivesse acabado de sair do forno. E ela executava o seu show com classe, ela tinha estilo. Seu jovem corpo moreno e torneado a enroscar-se na barra de ferro, seus olhos de um castanho meigo e ingênuo fixavam-se em coisa alguma, seus negros cabelos encaracolados a grudar em seus seios rígidos e suados. Sandrinha levava o público à loucura enquanto as meninas no salão ofereciam seus generosos serviços. O bingo ficaria para outra oportunidade. Eu precisava continuar minha ronda.
Então seguir no rumo da Joaquim Távora, observei o barroco na estrutura da Capela de São João Batista, a fachada do Grupo Escolar Rui Barbosa e toquei para Rua São Boaventura.
Já era noite e a chuva não vingou. E me vi entrando em um prédio que tentava imitar em seus altos muros, muros medievais. Drivi-in Los Piratas
. Um rapaz saiu ao meu encontro e informou-me que o espaço funcionava somente com drivi-in, ou seja, guiava-se o veículo até um dos mais de 100 boxes quadrangular, estacionava-se, fechava-se a cortina e o casal ficava a vontade.
Movimento intenso de pessoas, automóveis e motos do lado de fora de uma casa de show próxima. Resolvi pesquisar aquele local também. Tratava-se da casa de show Palmeiraço
, que trabalhava mais uma das muitas festas de aparelhagem que acontecem na cidade. Melody, Brega, Forró, Funk, Pagode entre outros ritmos. Telões espalhados pelo espaçoso ambiente mostravam o êxtase provocado no numeroso público pelas fortes batidas das gigantes caixas de som.
Enfeitiçados, os corpos rebelam-se, pulsam rítmicos à batida que ecoa pelas células, partindo os ossos e espalhando as medulas pelo corpo oco. Rebelião dos corpos incontrolados, inalantes de sensações diversas. Era impossível ficar parado, pois o som nos tirava para dançar com ele. E o vento que vinha varrendo os suores trazia consigo o cheiro do rio Guamá que nos espiava dos fundos. Tomei mais duas cervejas e fiquei duro.
Então, ao lado do Mangal das Garças, uma fachada retangular ostentava uma faixa com a palavra: Mormaço
. Entrei. Percorri um largo e extenso corredor em concreto. Depois uma curva a formar uma espécie de L
e finalmente a bilheteria. A mesma conversa de estou fazendo uma pesquisa etc. E adentro no salão de festa de graça. Iluminação boa e no palco músicos a trabalhar ritmos regionais em homenagem ao aniversário de Mestre Verequete. Salão amplo trabalhado em madeira acima do rio Guamá. Assim como o Palmeiraço
da Rua São Boaventura ambos poderiam funcionar como trapiche também. Alguns barcos ao lado aportados. Jovens dançando e bebendo, uma garota me pagou algumas cervejas. Ela parecia encapetada e levou-me para junto de mais dois rapazes, presas dela. Não sei quais eram suas intenções então na primeira oportunidade que apareceu eu dei fora dali.
Eu não sei se aquela garota pôs alguma coisa em minha bebida, só sei que ao sentar-me no banco da praça do arsenal de marinha adormeci subitamente...
Sem óculos e sem dinheiro. O sol a esmurrar-me a face. Os bem-te-vis nos portes e nas árvores. Um guarda me cutucou com o cassetete. Ele me diz algumas coisas que não escuto. Ergo-me e sigo a pé para casa.
O PRIMEIRO PORRE A GENTE NUNCA ESQUECE
No céu azul salpicado de nuvens brancas, o sol furioso do mês de julho. Verão amazônico. A cidade inteira dava um jeito de escapar. Os destinos eram os mais variados e logicamente dependeria do bolso de cada um. Só o que não valia era ficar em Belém torrando. É claro que haveria algumas pessoas que não teriam outra opção, mas escapariam nos finais de semana.
Na Ilha de Cotijuba em Belém, havia charretes e bondinhos, na verdade eram tratores puxando vagões confeccionados em latão, que muito de longe lembravam bondinhos propriamente ditos. No entanto, todos chamavam aquele transporte de bondinho. Na ilha havia muitas praias e muito verde. Um lugar fantástico para quem buscava paz e sossego. Meu primo Henrique e eu esperávamos o bondinho na fila. Estávamos querendo curtir a Praia do Vai-Quem-Quer, última praia da ilha. Na mochila iam dois pacotes de biscoitos de chocolate e uma garrafa de litro e meio de vinho barato.
A viagem de bondinho era lenta, devido às condições da estrada de terra. A paisagem nos enchia os olhos de vegetação tipicamente amazônica. Algumas casas à beira da estrada esburacada e muitos búfalos pastando. Os búfalos são animais que transmitem