O Grande Gatsby
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Sobre este e-book
«O Grande Gatsby, 1925, a história de um homem que tenta em vão recuperar um amor de juventude, no qual transparece a nostalgia do velho Sonho americano de um novo mundo… Mais do que qualquer outro escritor da sua geração, Scott Fitzgerald retrata os anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial.»
Um escritor contemporâneo, Jay McInerney, não poupou nos elogios: «É mais do que um clássico americano; tornou-se um documento definidor da psique nacional, um mito da criação, a Pedra de Roseta do sonho americano que a prosa de Fitzgerald eleva ao nível do mito.»
E de Gatsby disse também Clara Ferreira Alves: «A arrogância do poder e do dinheiro, da posse e da propriedade, parece-se muito com a arrogância da beleza e da juventude. Fitzgerald capturou essa ilusão americana da eternidade, como a “luz verde” que conforta Gatsby a cintilar na noite de Verão do outro lado da baía.»
F. Scott Fitzgerald
F. Scott Fitzgerald (1896–1940) is regarded as one of the greatest American authors of the 20th century. His short stories and novels are set in the American ‘Jazz Age’ of the Roaring Twenties and include This Side of Paradise, The Beautiful and Damned, Tender Is the Night, The Great Gatsby, The Last Tycoon, and Tales of the Jazz Age.
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O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald
O Grande Gatsby
Título original: The Great Gatsby
Título: O Grande Gatsby
Autor: F. Scott Fitzgerald
© Guerra e Paz, Editores, Lda, 2021
Reservados todos os direitos
A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.
Tradução: Miguel Nogueira
Revisão: Marília Laranjeira
Design: Ilídio J.B. Vasco
Isbn: 978-989-702-634-8
Guerra e Paz, Editores, Lda
R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.
1150-105 Lisboa
Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489
E-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt
www.guerraepaz.pt
Põe então o chapéu dourado, se isso a comover;
Se puderes saltar bem alto, fá-lo também por ela,
Até que grite: «Meu amor, amante dos grandes saltos e do chapéu dourado,
Preciso de te ter!»
Thomas Parke D’Invilliers
Mais uma vez,
Para Zelda
índice
Nota Introdutória: Fitzgerald entre os seus pares: três opiniões na hora
O Grande Gatsby
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
Outros textos que nos ajudam a compreender melhor O Grande Gatsby
Cronologia Biográfica de Francis Scott Fitzgerald
Porquê ler O Grande Gatsby hoje?
The Lost Generation: Uma Geração Perdida
Nota Introdutória
Fitzgerald entre os seus pares: três opiniões na hora
O Grande Gatsby, livro cuja importância hoje ninguém contesta, teve acolhimento frio pela crítica quando saiu, e os resultados comerciais foram pouco animadores. O próprio Fitzgerald se confessava «tomado por medos e pressentimentos», numa carta a Maxwell Perkins, datada de 10 de Abril de 1925, estando o livro para sair. Esta diferença entre a má fortuna crítica imediata e a sagração na posteridade não espanta ninguém. Foram muitos os autores que a experimentaram: continuarão a sê-lo no futuro. Ninguém é bom juiz da sua própria época. Mas há excepções. Umas mais efusivas, outras menos, mas admirando o livro. Em vez de recordarmos as páginas amarelecidas de velhos jornais e de críticos hoje caídos no esquecimento, vejamos antes três opiniões de três nomes que ainda hoje vivem para lá das notas de rodapé: Edith Wharton, Gertrude Stein e T. S. Eliot. Todos responderam aos exemplares dedicados que o autor lhes enviou.
Edith Wharton (1862-1937), escritora americana, autora de Ethan Frome e A Idade da Inocência e vencedora e um prémio Pulitzer, começa por dizer que apreciou o romance, elogiando o desenvolvimento do escritor – note-se que Wharton era, na altura, uma escritora sexagenária, já com larga obra publicada, falando para um miúdo de 29 anos – «deixe-me dizer desde já o quanto apreciei Gatsby, ou melhor, o Seu Livro, e que salto gigantesco deu desta vez − relativamente ao seu trabalho anterior». Aponta-lhe um defeito de construção, no modo sintético e vago como é apresentado Gatsby: «O meu único diferendo consigo é este: para tornar Gatsby realmente Grande, deveria ter-nos falado das suas origens (não desde que nasceu, mas desde a sua visita ao iate, se não antes), em vez de um breve resumo das mesmas. Isso ter-nos-ia dado contexto sobre ele e faria da sua tragédia final uma verdadeira tragédia, em vez de um fait-divers para os matutinos.» Contudo, notando uma diferença geracional – «sinto que para a sua geração, que deu um salto tão grande em direcção ao futuro, devo representar o equivalente literário a móveis estofados com botões e a candelabros a gás» –, concede: «Porém, dir-me-á que essa é a forma antiga de fazer as coisas e, portanto, não é a sua forma.»
Fitzgerald envia também exemplares a Gertrude Stein (1874-1946), escritora e figura central na vida cultural francesa entre as duas guerras, principalmente entre os exilados americanos que ali viveram, a chamada Lost Generation, termo que ela cunhou e que incluiu nomes como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, John dos Passos, E. E. Cummings, entre outros. Também aqui estamos na presença de uma figura proeminente no mundo literário de então. Os seus elogios, na linha de Wharton, são também relativamente frios, embora confessando o apreço pelo romance, que considera «um bom livro». Os elogios são parcos, remetendo-se apenas a questões de forma e da escrita da frase: «Gosto da melodia da sua dedicação; mostra que tem um fundo de beleza e de ternura, e isso é reconfortante. Outra coisa boa é que escreve frases de forma natural e também isso é reconfortante. Escreve frases de forma natural e todas elas são legíveis e isso, entre outras coisas, é reconfortante.» Mas nota-se uma certa preferência pelo livro anterior de Fitzgerald, Este Lado do Paraíso, que considera ter criado um «mundo moderno e uma orgia moderna, estranhamente, algo que nunca tinha sido feito», reservando para Gatsby um elogio mais comedido: «Este livro é igualmente bom e diferente e mais antigo, e é isso que acontece, não se fica melhor, mas diferente e mais antigo e isso é sempre prazeroso.»
Mais efusivo mostrou-se T. S. Eliot (1888-1965), poeta, dramaturgo e editor, prémio Nobel em 1948 e um dos grandes nomes da literatura do século xx. Lê-lo uma só vez não lhe bastou, «já o li três vezes», afirma. E continua, dizendo que o «interessou e entusiasmou mais do que qualquer novo romance que tenha lido, inglês ou americano, nos últimos anos»; «o primeiro grande passo dado pela ficção americana desde Henry James».
O Grande Gatsby
CAPÍTULO
I
Nos meus tempos de rapaz, quando era mais jovem e vulnerável, o meu pai deu-me um conselho que até hoje não me sai da cabeça.
– Sempre que te apetecer criticar alguém – disse-me –, lembra-te de que nem todas as pessoas deste mundo tiveram as mesmas oportunidades e vantagens que tu tiveste.
Mais não disse, mas nós sempre tivemos uma relação excepcionalmente comunicativa de uma forma reservada, e percebi que ele queria dizer muito mais com aquilo. Como tal, costumo abster-me de todo o tipo de julgamentos, um hábito que me abriu as portas a diversas personagens curiosas e também me fez vítima de uns quantos maçadores veteranos. A mente anormal rapidamente detecta e se apega a esta qualidade quando ela se manifesta numa pessoa normal, e assim foi que, na faculdade, eu fui injustamente acusado de ser um político, pois tinha conhecimento das angústias secretas de homens indomáveis e desconhecidos. A maioria desses desabafos não tinham sido solicitados – quantas vezes não fingi estar a dormir, ou estar preocupado com alguma coisa, ou simulei uma leviandade hostil quando me apercebi, através de algum sinal inconfundível, que uma revelação íntima se aproximava no horizonte; pois as revelações íntimas dos jovens, ou pelo menos os termos que usam para as expressar, são geralmente plagiárias e desfiguradas por supressões evidentes. Abstermo-nos de julgamentos é uma questão de esperança infinita. Até hoje sinto um certo receio de cometer um equívoco ao esquecer-me de que, como o meu pai emproadamente sugeriu e eu agora emproadamente repito, uma noção fundamental de decência é distribuída de forma desigual à nascença.
Porém, após tanto me gabar da minha tolerância, devo confessar que ela tem os seus limites. A conduta de uma pessoa pode ser estabelecida tanto na pedra dura como em pântanos viscosos, mas, a partir de uma certa altura, deixo de me importar com a sua base. Quando voltei do Leste no Outono passado, senti que desejava um mundo em uniformidade e com uma espécie de vigilância moral perpétua; estava cansado de turbulentas excursões com privilegiados vislumbres do coração humano. A única excepção a esta reacção era Gatsby, o homem que dá nome a este livro – Gatsby, que representava tudo aquilo que me causava uma repulsa genuína. Se a personalidade é uma série contínua de gestos bem-sucedidos, então havia algo de maravilhoso naquele homem, uma certa sensibilidade elevada às promessas da vida, como se fosse parente de uma daquelas máquinas mirabolantes que registam terramotos a milhares de quilómetros de distância. Esta receptividade nada tinha em comum com aquela impressionabilidade frouxa que é enobrecida com o nome de «temperamento criativo» – era um dom extraordinário para a esperança, uma prontidão romântica como eu nunca tinha encontrado em mais ninguém e dificilmente voltarei a encontrar. Não – Gatsby saiu-se bem no final das contas; era aquilo que atormentava Gatsby, uma poeira sórdida que pairava na sequência dos seus sonhos, que pôs um fim temporário ao meu interesse nas infrutíferas tristezas e arquejantes euforias dos homens.
Há três gerações que a minha família habita a cidade do Centro Oeste, onde desfruta de prosperidade e proeminência. Os Carraways são uma espécie de clã e, segundo a nossa tradição, somos descendentes dos duques de Buccleuch, mas o verdadeiro fundador da minha linhagem foi o irmão do meu avô, que veio para cá em 1851, mandou um substituto para a Guerra Civil, e deu início à firma grossista de ferramentas que o meu pai herdou e gere até hoje.
Nunca conheci este tio-avô, mas dizem que sou parecido com ele – em particular com um retrato meio carrancudo pendurado no escritório do meu pai. Licenciei-me em New Haven em 1915, apenas um quarto de século depois do meu pai, e, pouco depois, participei naquela migração teutónica tardia conhecida como a Grande Guerra. Gostei tanto da contra-ofensiva que quando regressei não conseguia estar sossegado. Em vez do caloroso centro do mundo, o Centro Oeste parecia-me agora a beira áspera do universo – por isso decidi ir para Leste e entrar no negócio das obrigações. Todos os meus conhecidos trabalhavam nesse ramo, pelo que assumi que haveria lugar para mais um. Todas as minhas tias e tios debateram o assunto como se estivessem a escolher um colégio para mim, acabando por dizer «Si-im – porque não?» com expressões muito sérias e hesitantes no rosto. O meu pai aceitou sustentar-me por um ano, e, após vários adiamentos, vim para Leste – definitivamente, julgava eu – na Primavera de 1922.
O mais prático teria sido alugar um quarto na cidade, mas estávamos numa estação quente, e eu tinha acabado de deixar uma região de relvados amplos e árvores simpáticas, por isso, quando um jovem colega de escritório sugeriu alugarmos juntos uma casa nos arredores da cidade, pareceu-me uma grande ideia. Ele encontrou a casa, um bangaló meio desgastado a oitenta dólares por mês, mas à última hora, a firma decidiu transferi-lo para Washington, e lá fui eu sozinho para o campo. Tinha um cão – pelo menos por alguns dias, até ele fugir – e um Dodge velho e uma criada finlandesa, que me fazia a cama e cozinhava o pequeno-almoço, enquanto balbuciava para si mesma um pouco de sabedoria finlandesa diante do fogão eléctrico.
Senti uma certa solidão durante mais ou menos um dia, até que, uma manhã, um homem mais recém-chegado do que eu me interpelou na estrada.
– Como é que se vai para a vila de West Egg? – perguntou-me, desamparado.
Eu disse-lhe. E quando retomei o passo, a solidão desapareceu. Era agora um guia, um descobridor, um colonizador. Aquele homem tinha-me conferido, com toda a casualidade, o estatuto de membro da vizinhança.
E assim, com o sol e os grandes rebentos das folhas a crescer nas árvores, tal como crescem as coisas num filme acelerado, fiquei com aquela convicção familiar de que a vida estava a começar de novo com o Verão.
Havia tanta coisa para ler, para começar a fazer, e tanto ar puro e saudável para absorver da atmosfera jovem e revitalizante. Comprei uma dúzia de livros sobre a banca e crédito e títulos de investimento, que adornaram a minha estante em vermelho e ouro, como dinheiro fresco acabado de sair da casa da moeda, prometendo revelar os segredos deslumbrantes que apenas Midas e Morgan e Mecenas sabiam. E tinha a nobre intenção de ler muitos outros livros além desses. Fui um grande literato na faculdade – um ano escrevi uma série de editoriais muito solenes e evidentes para o Yale News – e ia agora trazer de volta todas essas coisas à minha vida e voltar a ser o mais circunscrito de todos os especialistas, o «homem versátil». Isto não é apenas um epigrama – afinal de contas, a melhor maneira de contemplar a vida é através de uma única janela.
Foi mero acaso ter alugado uma casa numa das comunidades mais estranhas na América do Norte. Ficava naquela ilha esguia e tumultuosa que se estende para leste de Nova Iorque – e onde se encontram, entre outras curiosidades naturais, duas formações topográficas invulgares. A uns trinta quilómetros da cidade, um par de ovos enormes, idênticos no contorno e separados apenas por uma baía de cortesia, projectam-se sobre a massa de água salgada mais domesticada no hemisfério ocidental, o grande celeiro húmido que é o Estreito de Long Island. Não possuem uma forma oval perfeita – como o ovo na história de Colombo, ambos são achatados na extremidade de contacto –, mas a sua semelhança física deve ser uma fonte de confusão perpétua para as gaivotas que os sobrevoam. Para quem não tem asas, um fenómeno mais fascinante é a sua disparidade em qualquer aspecto, excepto na forma e no tamanho.
Eu vivia em West Egg, o… bem, o menos chique dos dois, embora este seja um rótulo demasiado superficial para expressar o bizarro e um tanto sinistro contraste entre eles. A minha casa ficava mesmo na pontinha do ovo, a uns meros cinquenta metros do Estreito, espremida entre duas enormes propriedades que cobravam doze ou quinze mil dólares por temporada. A que ficava à minha direita era colossal para os padrões de qualquer um – era uma réplica fiel de um Hôtel de Ville da Normandia, com uma torre de um lado, novinha em folha e coberta por uma ligeira barba de hera bruta, uma piscina de mármore, e mais de quinze hectares de relvado e jardim. Era a mansão de Gatsby. Ou, melhor, como eu ainda não conhecia o senhor Gatsby, era uma mansão habitada por um cavalheiro com esse nome. Já a minha casa era uma aberração, mas uma aberração pequena, de tal maneira que ninguém dava por ela, e eu tinha assim uma vista para a água, uma vista parcial do relvado do meu vizinho, e a proximidade consoladora de milionários – tudo por oitenta dólares ao mês.
Do outro lado da baía de cortesia, os palácios brancos do chique East Egg cintilavam ao longo da superfície da água, e a história do Verão começa de facto na noite em que fui até lá para jantar com os Buchanan. Conhecia Tom da faculdade, e Daisy era minha prima em segundo grau. E, logo a seguir à guerra, tinha passado dois dias com eles em Chicago.
O marido, entre muitas outras proezas físicas, tinha sido um dos mais possantes extremos que alguma vez jogara futebol em New Haven – uma figura nacional, de certa forma, um daqueles homens que atingem uma excelência tão apurada e circunscrita com vinte e um anos de idade que tudo aquilo que se segue sabe a anticlímax. A sua família era incrivelmente rica – já na faculdade, o dinheiro que ele tinha à sua disposição era repreensível – mas agora tinha deixado Chicago e vindo para Leste com pompas de cortar a respiração; por exemplo, tinha trazido uma manada de cavalos de pólo de Lake Forest. Não era fácil compreender que um homem da minha geração fosse suficientemente rico para fazer tal coisa.
Não sei por que razão vieram para Leste. Tinham estado um ano em França sem nenhuma razão em particular, e depois andaram a vaguear irrequietamente por onde quer que houvesse pessoas a jogar pólo e a ser ricas juntas. Desta vez era uma mudança definitiva, disse Daisy pelo telefone, mas eu não acreditei – não sabia o que ia na alma de Daisy, mas tinha a sensação de que Tom continuaria a vaguear eternamente numa busca saudosa pela turbulência dramática de algum irrecuperável jogo de futebol.
E foi assim que, num fim de tarde quente e ventoso, fui de carro até East Egg para ver dois velhos amigos que mal conhecia. A casa deles era ainda mais sofisticada do que esperava, uma alegre mansão colonial georgiana, vermelha e branca, com vista para a baía. O relvado começava na praia e percorria uns quatrocentos metros até à entrada, saltando sobre relógios de sol, caminhos de tijolo e jardins ardentes – até finalmente chegar à casa, onde subia pelas paredes laterais em forma de vinhas fulgurosas como se devido ao impulso da corrida. A fachada era interrompida por uma cadeia de portas-janelas, que reluziam agora com os reflexos dourados do sol e abriam os braços à cálida tarde de ventania, e Tom Buchanan encontrava-se de pé no alpendre da frente, de pernas afastadas e equipado com o seu traje de equitação.
Ele tinha mudado desde os seus anos em