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Cadáveres Dizem Cada Coisa
Cadáveres Dizem Cada Coisa
Cadáveres Dizem Cada Coisa
E-book304 páginas7 horas

Cadáveres Dizem Cada Coisa

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Sobre este e-book

O mistério campeão de vendas escrito por Doug Lamoreux, agora disponível em Português!


Era um serviço simples: ficar de olho na esposa do pastor até que ela fosse pra cama em segurança. Aí foi tudo pro inferno.


A morte da esposa do teleevangelista mais amado de Chicago é só o começo: alguém tem traçado em mortes seu caminho pela congregação da Igreja Templo da Majestade. Graças a sua jovem e empolgada secretária, o detetive particular Nod Blake - uma velha relíquia de uma era passada de investigações nas ruas cruéis, um dinossauro que nunca recebeu o memorando de sua extinção e que algumas vezes pensa que é Bogart, George Raft e Lee Marvin combinados em um só - foi jogado no meio disso tudo, e de cabeça.


Os ferimentos resultantes parecem ter aberto uma porta para o que vem depois. Blake crê que os mortos estão falando com ele. Estariam as vítimas realmente implorando além túmulo para que o último gumshoe os ajudasse? Ou estaria ele pirando? Quando seu nemesis, o Tenente Detetive Wenders, encontra evidências de que Blake é o assassino, a vida do detetive particular vira um grande sanduíche de sopa.


Cadáveres Dizem Cada Coisa é um mistério de assassinato com um senso de humor mordaz, ambientado em Chicago, 1979. Onde um maníaco homicida a solta pela Cidade dos Ventos... é a boa notícia.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de jun. de 2022
Cadáveres Dizem Cada Coisa

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    Cadáveres Dizem Cada Coisa - Doug Lamoreux

    CAPÍTULO UM

    Imagine, se puder, um detetive particular mais que acabado correndo rua abaixo atrás de um policial uniformizado o mais rápido que qualquer um de nós conseguia. É, nós éramos um achado.

    Não que alguém desse a mínima. Na Cidade dos Ventos, como em qualquer outra metrópole com um milhão de pessoas passando a qualquer hora, poucos se davam ao trabalho de olhar e ninguém metia a mão. Não, irmãos e irmãs, eu estava por conta própria e dando tudo de mim atrás dele. Eu sou o detetive particular. Poderia descrever os sons, os cheiros. Poderia dar o nome das ruas, descrever as reviravoltas e as curvas, as pessoas que quase derrubamos, as coisas das quais desviamos, sobre as quais saltamos, os veículos que quase nos atropelaram. Mas pra quê? Nós corremos até eu ficar sem fôlego e desejar o mesmo para ele e pior. Nós corremos até ele cometer um erro.

    Ele estava passando por duas prostitutas, uma loira magricela cujas raízes combinavam com suas botas de cano longo e uma bunduda alta da cor de chocolate amargo, vestida com lycra verde e dourado com listras de zebra, vadiando perto de um prédio abandonado na North Avenue quando gritou e virou em um beco que eu sabia não ter saída. O idiota. Assim como um sapo tem pernas deliciosas, eu tinha pego ele. Eu passei pelas moças trabalhadoras, rápido demais para prestar atenção, virei a esquina e quase bati numa caçamba de lixo que fedia como o inferno dos peixes na maré baixa. O homem de azul estava logo adiante. De uma das janelas abertas acima, como se fizesse a defesa dele, a Electric Light Orchestra implorava Don't Bring me Down. Nem aí pra isso. Sugando ar com o coração prestes a explodir, eu pulei e aterrissei nas costas dele.

    Ele não podia simplesmente cair, é claro. Como a sorte não existe na minha vida e a boaventura não passa de uma fantasia, o tira escorregou e caiu. Eu rolei por cima dele e dei com tudo na calçada e, como eu ainda o segurava, ele retornou o favor. Lixo, jornais, cartolina e, sinto dizer, cascalho voaram. Eu apertei minha própria campainha em um inconvenientemente descartado bloco de concreto, usando a parte de trás do meu crânio como gongo. Um grito em conjunto, da nossa dor, minha raiva e o medo dele foi ao ar como uma nuvem de cogumelo. Antes que o barulho e a poeira baixassem e a despeito da minha visão borrada e do esfolado ensanguentado, eu me levantei rapidinho.

    Ele também. E aí ele apanhou a arma no coldre da cintura.

    Willie, eu gritei. Não tinha tempo para se pensar, só o suficiente para chutar o saco dele com força. Ele tombou como uma marionete com os fios cortados e se revirou no chão em posição fetal. Sem armas, Willie. Nunca, eu lati. Eu odeio armas.

    Aí, e só aí, eles deram as caras.

    Por eles digo o Tenente-Detetive Frank Wenders e seu parceiro Detetive Dave Mason, mais duas fraudes que se passavam por tiras de verdade; essas pagas pelo município. Wenders, a alguns anos de sua aposentadoria, mas eras além de sua data de validade, pertencia a Nova Orleans e não a Chicago. Era feito para o Mardi Gras. Para ele, todo dia era terça-feira gorda e podia engolir um bolo rei inteiro sem nunca sentir o menino Jesus. Sua sombra pesava mais do que o seu parceiro. Falando no diabo, Mason, novo demais para sua promoção para fora da patrulha, não tinha falhado em tirar o pior dela. Não demorou nada para virar o mesmo tipo de babaca que Wenders era, só que mais burro. Juntos estavam sempre com um dia de atraso e um dólar faltando; duas pústulas constantemente me irritando.

    Você… está… bem, Blake? Wenders perguntou. E eu pensei que eu estivesse sem ar. Estava ofegante como um cheirador de tinta. Eu assenti. (Tá bom, eu também estava exausto). Entre arfadas, eu apontei para o homenzinho de azul, ainda sofrendo no chão do beco, e disse aos garotos do município: por uns trocados te digo onde ele conseguiu o uniforme. Ele tá melhor arrumado que vocês, pessoal.

    Wenders ficou boquiaberto diante do policial de mentira, encolhido como um bebê, segurando seu pacote com as duas mãos, chorando como um cachorro surrado e pareceu decidir que (tirando as meias brancas do Willie) ele não podia discordar da minha avaliação. O resto da fantasia parecia genuína. Ainda assim ele franziu o cenho. Aparentemente não precisava de um sabichão como eu lembrando ele disso.

    Enquanto pudesse irritá-lo, eu continuava. Frank, eu disse, pois o tenente adorava quando eu era amigável, conheça Willie Banks. Willie’, eu disse para a lesma agonizante na calçada, este é o Tenente-Detetive Wenders. Ele será o seu oficial de prisão desta manhã. As orelhas do Wenders fumegavam. Aparentemente, ele também não precisava que eu o apresentasse para meliantes de quinta categoria como se fossemos todos convidados em uma festa de quintal. Ele me encarou com um olhar como um punhal e então disse para Mason, Recolhe ele."

    O policial falseta foi sem resistência e só com um pouco de choro. O detetive, nem bem júnior, o seguia puxando as algemas e empurrando ele como se estivesse abaixo da humanidade. Assim que chegaram à boca do beco, em uma voz aguda e anasalada, Willie gritou por cima do ombro. Blake, cuida do meu carro, tá?

    Aquilo não ajudou. Wenders olhou para mim como se eu fosse um inseto. Ele balançou a cabeça desanimado (mas não surpreso). Uma vida atrás, quando eu era um tira, o futuro tenente Wenders e o resto dos rapazes do distrito me fizeram passar por maus bocados por causa do meu hábito de acolher rapazes de rua. Meu coração, eu ouvia eles dizer, sangrava por um vagabundo atrás do outro. Não podia dizer que estavam errados e nem finjo que as coisas mudaram. As coisas nunca mudam.

    Wenders viu a arma na calçada e grunhiu ao recolhê-la. Não sabia muito, mas sabia que não era dele. Sem pensar, ele ofereceu ela pra mim. Sua? Minha visão ainda estava voltando, minha cabeça ainda vibrava como um tambor e eu não estava disposto. Eu resmunguei e me virei como se a arma fedesse. Não dava pra evitar. Era automático, como o chutinho depois que um médico de araque bate no seu joelho com um martelo de borracha. Sabendo do que sabia, Wenders não podia me culpar. Foi mal, disse. Deve ser dele, hã? Ele enfiou a arma no cinto (um feito com a sua pança) e então deu outro golpe. Sabe, Blake, você não é Broderick Crawford. Tu tem que parar de agir como um tira.

    Eu acendi um cigarro (o que, verdade seja dita, não me ajudou com a tontura) e soprei a fumaça na cara dele. Você podia dizer, ‘Obrigado’, eu disse, por nos ajudar a pegar o cara.

    Você não é mais um policial, ele disse, fingindo não ter me ouvido. "Você não passa de um gumshoe de quinta categoria."

    Aquilo não foi legal, mas por outro lado, Wenders também não era. Ele girou sua massa e, seguindo Mason e seu prisioneiro policial de mentirinha, foi embora como o bovino que era. Sempre otimista, eu notei com gratidão que ele não tinha erguido a cauda. Não há de que, eu disse para as costas dele.

    Existem três teorias sobre como o termo gumshoe virou um sinônimo de investigador particular. A primeira sugere que o termo foi um tributo à inquebrável aderência de um detetive. Como chiclete, não dá para se livrar de nós. A segunda diz que detetives particulares passam tanto tempo xeretando em vizinhanças ruins que eles terminam com chiclete no sapato. Embora nenhuma dessas seja completamente falsa, como origem da palavra elas são altamente suspeitas e provavelmente mal pensadas. A terceira teoria, a que se sustenta, se perguntar minha opinião, diz que o nome veio dos sapatos com sola de borracha usados no fim do século XIX. Eles tinham uma passada silenciosa e um gumshoe podia se esgueirar. Vinham a calhar se não quisesse ser detectado ou dar uma escapulida com as coisas de alguém porque, né, um gumshoe era um ladrão. Lá por 1910, mais ou menos, e não me pergunte como, não sou historiador, o termo cruzou para o outro lado da lei e dali em diante se referia aqueles que silenciosamente detectavam o crime.

    Setenta anos depois (é em 1979 que te confesso isso), com o poder do sapato quase que completamente substituído por empresas de segurança de alta tecnologia, computadores pessoais, uma Fotomat em cada estacionamento, notícias 18 horas por dia e meia dúzia de agências de manutenção da lei com jurisdição concorrente sobre cada polegada dos EUA, o diligente detetive particular (e suas solas de borracha) tinham, como os efeitos especiais pré-Guerra nas Estrelas e ensaios fotográficos na sala dos fundos, seguido o caminho do dodô. Com a exceção, isso é, de mim.

    Meu nome, como já ouviu, é Blake. Não me pergunte o primeiro nome. Pois é, eu tenho um. Não, eu não o uso; e não é porque eu quero parecer o tipão detetive particular. Aquele nome por si só prova que meus pais abusavam de crianças. Meu velho pagou por seus crimes eras atrás e está cumprindo sua sentença no cemitério municipal sem chance de condicional. Minha mãe, por outro lado, com o mundo tão cheio de salões de bingo e pessoas para irritar, continua conseguindo adiar a data do seu julgamento. Algum dia eu verei a justiça ser feita. Já falei o suficiente. Em uma Chicago moderna, cheia de agentes, tiras e tiras-de-aluguel, eu ainda sou só um detetive particular. Eu admito, eu passei da minha época. Conforme os anos 80 se aproximam e uma nova era empurra a velha colina abaixo, eu ainda fumo. Eu bebo antes, durante e depois do horário comercial. Ainda penso em mulheres como damas, embora raramente o diga em voz alta (por mais que eu frequentemente me meta em confusão, eu não estou necessariamente procurando por ela). E ainda visto solas de borracha. São silenciosas, tão confortáveis quanto pode se esperar para um trabalho no qual só não se está em pé quando se foi derrubado, e são úteis para aquelas horas em que uma lembrança fora de forma e de meia idade de uma era passada do trabalho de detetive nas duras ruas precisa andar rápido, como naquela manhã.

    Eu sai do beco, lenta e dolorosamente, mas fui interrompido pela prostituta loirinha antes de chegar à calçada. Ei, Blake, ela exclamou. Pensei que fosse você que eu vi correndo. Ela tremia com Howdy Doody, espasmos musculares involuntários que anunciavam seu vício. Maldita droga. Subitamente, me bateu e eu poderia ter me chutado. Eu conhecia a garota. Conhecia ela bem, mas não a reconheci por causa do inferno que as ruas estavam fazendo com ela. Ainda estava no começo dos vinte, mas não se passaria nem por quarenta.

    Cê tá horrível, eu disse pra ela.

    Ela olhou para mim com seus enormes olhos de corça e eu só consigo imaginar o que ela via daquele lado: uma barriga crescente, cabelo grisalho ralo, um conjunto de roupas datadas sujas e ensanguentadas penduradas em um maltrapilho ex-policial cabeça dura que agora era… O que eu era? Tá achando que é o Gregory Peck? ela perguntou. Andou se olhando no espelho recentemente?

    Eu entendi a deixa e mudei de assunto. Tem comido?

    Eu me viro, ela disse com um tremor.

    Eu tirei uma nota de vinte do meu bolso e a botei em sua mão trêmula. Não vá fumar isso, eu disse. Compre um pouco de comida. Ela assentiu sem me olhar nos olhos.

    Ei, Charisma! O grito veio da outra garota, sua mais volumosa e mais chamativa colega de trabalho, que movera seu ponto de rameiragem para esquina do outro lado da rua. Quem é o namorado?

    Eu olhei da escandalosa ao longe para a pombinha suja ao meu lado. Charisma?

    Eu encontrei um livro de nomes na biblioteca, ela disse, dando de ombros. Eu estou experimentando.

    Tá bom. Mas ainda vou te chamar de Connie.

    Ela me deu um beijinho na bochecha, se virou e, zigueando enquanto o trânsito zagueava, voltou para junto de sua amiga gritando Te amo por cima do ombro enquanto ia.

    Enquanto eu a observava, magra e comida pelas ruas, voltando ao inferno que compunha sua existência, eu balançava a cabeça e pensava em quão ruim a vida podia ser. Aquilo levou a pensar sobre a semana de merda que eu tinha até aquele ponto e no quão bacana aquela manhã tinha sido. Como a maioria das ruminações sobre o passado, estes pensamentos não mudavam em nada o presente e não me deixavam a par de dois fatos vitais: Primeiro, que embora eu não tivesse me ferido fatalmente, a porrada na cabeça que eu tinha acabado de levar era a primeira de várias que estavam por vir pelos próximos onze dias, que afetariam meu cérebro permanentemente e mudariam completamente o meu futuro. E segundo, que uma semana antes, quase com um minuto de precisão, um portão fortemente protegido na prisão de Stateville perto de Joliet havia se aberto e vomitado meu pior pesadelo.

    CAPÍTULO DOIS

    Fumaça emergia do escapamento do velho Ford de Willie Banks em grandes redemoinhos cinzentos enquanto eu o estacionava fora do meu escritório. Acho que eu devia ser grato. Com os pneus carecas, o farol esquerdo destroçado e o painel traseiro esquerdo verde e amassado, que destacava o chassi Laranja Madagascar desbotado original do Mustang junto com o direito, azul e enferrujado, eu podia muito bem estar empurrando-o. Com as coisas que eu deixava que fizessem, um trouxa como eu devia ter um anzol na boca.

    De qualquer maneira em algum lugar atrás da fumaça estava o pequeno prédio de tijolos com dois andares que eu alugava, e às vezes pagava o aluguel, perto da zona sudoeste, o antigo comitê de campanha de algum candidato a alguma coisa. Ele contava com uma entrada pequena demais para se mudar de ideia, um escritório externo para a minha secretária, um escritório interno onde eu pensava nas grandes coisas, me encontrava com clientes e me escondia de cobradores, e uma sala que cobria todo o segundo andar, cheia de caixas de tranqueiras há muito esquecidas. Algum dia eu vou contratar um detetive só pra ver o que tem lá.

    Embora eu tivesse desligado ele, o carro do Willie continuava a tossir. Enfim o motor deu uma última grande arfada e estremeceu até a inatividade. Eu suspirei, peguei um envelope no assento ao meu lado e, tão surrado quanto o tapete da vovó, entrei.

    Lisa estava à mesa. Aquela era Lisa Solomon, minha secretária. De pé era uma morena alta leve como um copo d’água. Sentada ou de pé, tinha o brilhantismo da luz, a eficiência de uma máquina bem engraxada e era quase tão desajeitada quanto era linda. Como de costume, uma mão longa e ossuda escrevia loucamente na pilha de papéis em cima de sua mesa enquanto a outra cavava tão loucamente quanto em um pacote de balinhas da Five and Dime. Uma vez eu vi Lisa quando ela não estava comendo; uma vez. Como ela se mantinha tão magra era um dos grandes mistérios do mundo. Ela ergueu o olhar quando eu entrei, sem nenhuma expressão perceptível por trás de seus grandes óculos de coruja, mas disse, Você parece um monte de carne moída de primeira.

    Eu dei ao comentário a consideração que ele merecia, isso é, o ignorei. Willie Banks está no xilindró, eu disse para ela. "Se a mãe dele quer ele livre, e eu presumo que isso seja um grande se, devíamos informá-la. Eu entreguei o envelope para ela. Adicione isso à conta e lembre-a de que não aceitamos cheques. Eu joguei as chaves dele na mesa. São do Willie, para aquela lata velha que está diminuindo os valores das propriedades lá fora."

    Era isso o alvoroço? Ela olhou de relance para a janela. Eu pensei que tivessem reativado o trem fantasma de Sydney.

    Eu ignorei aquilo também. Pergunte o que ela quer que seja feito com isso. Eu vou pra casa e…

    Que belo detetive que eu era. Foi só aí que, pelo canto do olho, eu vi a loira sentada de pernas cruzadas em uma das duas cadeiras da minha sala de espera. A cadeira nunca teve tanta sorte e meus olhos também estavam apreciando o dia um pouco mais. Se Lisa era linda, mas desajeitada, essa dama era só linda. Ela sorriu e o que mais eu podia fazer além de retribuir o sorriso? Sua elegante - se um tanto profissional - combinação de saia e terno, em um amarelo-canário suave, merecia atenção que eu não conseguia prover porque suas pernas estavam monopolizando o palco. Aí ela se levantou e, como se já não tivessem causado problemas o bastante, as pernas fizeram questão de se exibir. Fora do meu dolorido crânio eu ouvi Lisa murmurar Huh?

    Eu disse, disse Lisa, esta é Gina Bridges.

    Blake, disse eu, pegando a mão dela. Eu indiquei a porta do meu escritório com a minha mão livre. Por favor. Ela seguiu as instruções sem esforço e eu empolgadamente a segui. Por trás de mim, com a voz abafada, eu podia jurar que ouvi Lisa perguntar, Quem você pensa que é, William Holden?. Ignorei isso também.

    Para os não iniciados, entrar no meu escritório deve ser algo como subir no palco de uma produção de A Primeira Página feita por condenados no corredor da morte. A enorme mesa de carvalho, indubitavelmente linda nos primeiros três ou quatro escritórios em que servira, estava tão coberta por pilhas de papel que podia se passar pelo espaço de trabalho de um estafado editor de jornal. Eu não sou um editor de jornal, é claro. Sou só desorganizado. E embora eu não fosse lá muito um escritor, naquele dia eu ao menos estava estafado. Uma estante por trás dela guardava pilhas de arquivos, listas telefônicas, atlas e mapas da cidade datados. Nada era tocado desde que ligamos o novo computador e uma fina camada de poeira os cobria. Sob outra pilha de arquivos, um cofre à prova de incêndios ficava como uma rocha no canto, protegendo documentos importantes, um brownie com cobertura que eu escondi da Lisa e depois esqueci e a minha arma (não é porque eu odeio essas coisas malditas que eu não vou ter uma. Afinal, é uma ferramenta do ofício). Uma pequena geladeira, tirada de um motel que quebrou, ficava ao lado do cofre, gelando mixers e limões enquanto segurava sua própria pilha de arquivos. Ao lado dela, pronto para a ação, estava o armário de bebidas, cujo topo era a única superfície desocupada em toda a sala. Havia duas fotos emolduradas na minha parede; uma de uma cabana na qual fiquei fora da Mammoth Hot Springs e uma de uma mulher que eu não conheço. A primeira me remete a uma das únicas semanas na minha vida da qual eu quero me lembrar. A outra veio com a moldura e tenta, sem sucesso, me lembrar de substituí-la por minha licença de detetive. Ambas fazem-me pensar na mesma frase: um dia… A Srta. Bridges não deu nenhuma indicação de estar impressionada pela opulência, mas ela também não parecia estar prestes a fugir. Tomei isso como um sinal de que ela pretendia ir até o fim com o que quer que fosse que veio fazer, fechei a porta e indiquei uma cadeira para ela.

    Desculpe-me, ela disse, soando sincera, com uma voz que poderia navegar um iate, eu não ouvi o seu primeiro nome.

    A voz podia ficar, a pergunta tinha que ir e eu a dispensei. Não se preocupe; eu não o uso. Me chame de Blake, todo mundo faz isso. Eu sorri para que ela não ficasse ofendida (meus pais não eram culpa dela) e puxei minha cadeira atrás da mesa. Dolorido, me sentindo com a bola em um bobblehead de cerâmica, e por respeito ao trabalho de primeira que o beco fez com minhas outras partes, eu me sentei delicadamente. Agora, o que posso fazer por você?

    Bem, ela disse, eu sou a secretária executiva do Reverendo Conrad Delp. Ela pausou, esperando minha reação. Quando eu não ofereci nenhuma, ela prosseguiu. O Reverendo fará uma aparição em Atlanta hoje à noite em sua cruzada. Ela verificou um estiloso relógio em seu delicado pulso branco. A equipe avançada já está lá com tudo pronto, embarcaremos em breve. Normalmente, Katherine, a esposa do Reverendo, vai junto, mas ela não está disposta essa noite.

    Em qualquer outro dia, uma beldade daquelas podia sentar em meu escritório e falar até as vacas voltarem para cara e eu ouviria ininterruptamente, tentando só engolir minha saliva antes que ela pingasse em minha camisa. Mas, verdade seja dita, naquele momento ficar sentado doía e focar meu olhar também não era brincadeira. Srta. Bridges, eu disse sorrindo enquanto me contorcia para frente em minha cadeira. Peço perdão se parecer abrupto, eu mordi meu lábio inferior enquanto me ajustava. Mas eu tive uma manhã daquelas. Encontrei uma posição que oferecia algum alívio e exalei só para provar (o que me deixou ainda mais tonto). Como, especificamente, eu posso ajudá-la?

    Desculpe-me. O Reverendo gostaria que cuidasse da esposa dele.

    Eu não ouvi nenhum grilo, mas devia. Agora eu é que peço desculpas. Ele quer o que?

    Ele quer te contratar para garantir a segurança da esposa dele… enquanto ele está fora.

    Ah, entendi. Eu precisava do trabalho, sempre podia usar o dinheiro, e estava disposto a inalar o perfume dela até precisar do meu Medicare. Mas sem saber ela me deu uma saída, e do jeito que eu estava me sentindo, fiquei contente em tomá-la. Eu não faço esse tipo de coisa, eu disse para ela. Alguns investigadores particulares fazem; firmas maiores com mais pessoal. Eu trabalho sozinho. O que você precisa é de uma empresa de segurança ou de um guarda-costas particular.

    Você não entende, Sr. Blake.

    "Blake. É só Blake, por favor. Meu velho era Senhor e levou isso com ele."

    Ela sorriu. Ela me entendia. Ela faria qualquer coisa para me agradar. Blake. Viu, te disse. Eu sei que isso é súbito, mas não é de qualquer pessoa que queremos que cuide. É da esposa do Reverendo Delp. Ele precisa de alguém em quem possa confiar. Eu fui informada que ele pode confiar em você. Você foi bem recomendado.

    Eu fui? Eu tive que me esforçar para não rir, mas consegui. Por quem?

    Sr. Blake… Blake… eu não sei. Eu teria me sentido mal, mas ela soava tão derrotada que eu deixei passar. Ela respirou fundo o bastante para testar os dois insanamente resistentes botões superiores de sua blusa e perseverou. "Estou fazendo isso como fui instruída e te dizendo o que me foi dito. Entre as coisas que me disseram era que você era bem indicado.

    Eu assenti para demonstrar o quanto o elogio me importava. Aí eu me levantei, me virei e abri minha geladeirinha. Com esforço, eu ignorei todos os ingredientes lá dentro que teriam contribuído para um delicioso e bem merecido uísque quente no fim da manhã e, ao invés disso, agarrei um punhado de gelo na caixa do freezer. Pode me perdoar um momento? Eu dei uma última olhada para me lembrar dela, apreciei um fugaz pensamento sujo sobre a garota que parecia com Bo Derek mas agia como Bo Peep e sai do escritório fechando a porta atrás de mim.

    Lisa girou na cadeira. A primeira regra de ser um detetive, ela disse, orgulhosamente me mostrando uma folha de papel. Investigue o cliente primeiro.

    Segurando o gelo na minha nuca, eu peguei

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