As Duas Almas
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As Duas Almas - Santo Agostinho
Santo Agostinho
As
Duas Almas
Tradução: Souza Campos, E. L. de
Teodoro Editor
Niterói – Rio de Janeiro – Brasil
2018
As duas almas
Santo Agostinho
Os maniqueístas sustentavam que cada pessoa possui duas almas; uma boa, tirada da substância divina e outra má, saída do seio das trevas. Santo Agostinho deplora a cegueira profunda que o fez abraçar este erro, quando lhe teria sido fácil perceber sua tolice e extravagância. Só possuímos uma alma e ela vem de Deus. Para demonstrar esta verdade, o santo doutor invoca sucessivamente a natureza da alma, as Escrituras santas e o caráter próprio do pecado.
Introdução¹
1
Após a obra A utilidade de acreditar e sendo ainda sacerdote, escrevi contra os maniqueístas um texto sobre as duas almas, das quais eles afirmam que uma é uma parte de Deus, enquanto que a outra é do povo das trevas, que Deus não criou e que lhe é coeterno.
Eles chegam até mesmo à loucura de dizer que o ser humano tem essas duas almas, sendo uma boa e a outra má. A má é própria da carne, que eles mesmos avaliam ser do povo das trevas. A boa surgiu de uma parte emanada de Deus; uma parte que teria lutado com o povo das trevas e que teria produzido a mistura de uma e de outra.
Eles atribuem todos os bens humanos a essa alma boa e todos os males à má.
Quando, neste livro, eu digo: toda vida, qualquer que seja ela, pelo simples fato de ser vida, decorre, necessariamente, da fonte universal e do princípio único da vida², eu digo isto no sentido de que a criatura pertence ao Criador e não que ela é uma parte dele mesmo.
2
Da mesma forma, eu disse que: só há pecado na vontade³.
Os pelagianos podem se utilizar disto, com relação ao tema das crianças que, segundo eles, não teriam pecados a serem remidos pelo batismo, por que elas não possuem o domínio sobre seu livre arbítrio.
Mas, o pecado que elas contraíram originalmente, ou seja, na implicação nessa falta e, por consequência, na sujeição à mesma pena, poderia estar em outro lugar que não seja a vontade, vontade que existia no momento da transgressão do preceito divino?
Poder-se-ia também considerar falsa a afirmação só há pecado na vontade, ao compará-la com as palavras do Apóstolo: Se faço o que não quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que em mim habita⁴.
De fato, esse pecado está tão pouco na vontade que o Apóstolo diz: não faço o bem que quero; mas, o mal que odeio, isso eu faço ⁵.
Como então dizer que o pecado pode estar em outro lugar que não seja na vontade? O pecado mencionado pelo Apóstolo é chamado de pecado por que ele é a consequência do pecado e da punição pelo pecado.
De fato, trata-se aqui da concupiscência da carne, como ele mostra na sequência, quando diz: Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, por que o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo⁶.
A perfeição do bem é, de fato, que a própria concupiscência não esteja no ser humano. Eu falo da concupiscência com a qual, quando se visa o bem, a vontade não acompanha. Mas, o ser humano não realiza o bem por que há nele uma concupiscência que repugna a vontade.
O batismo retira a culpabilidade dessa concupiscência, mas a enfermidade permanece e todo fiel que avança no bem, luta contra essa enfermidade com o maior cuidado, até que ela seja curada.
Quanto ao pecado que jamais está em outro lugar que não seja na vontade, é particularmente aquele que foi