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Sermões 06
Sermões 06
Sermões 06
E-book1.740 páginas12 horas

Sermões 06

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Sobre este e-book

Série de sermões organizados originalmente pelo Abade Raulx.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de out. de 2021
Sermões 06

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    Sermões 06 - Santo Agostinho

    Sermões VI

    Santo Agostinho

    Prece para depois do sermão

    Voltemo-nos com um coração puro para o Senhor nosso Deus, Pai onipotente. Prestemos a ele imensas e abundantes ações de graça. Supliquemos, com toda nossa alma, que sua incomparável bondade queira bem acolher e ouvir nossas preces. Que ele condesceda também, com sua força, afastar de nossas ações e nossos pensamentos a influência inimiga, multiplicar em nós a fé, dirigir nosso espírito, nos dar pensamentos espirituais e nos conduzir à sua própria felicidade. Em nome de Jesus Cristo, seu Filho e nosso Senhor, que, sendo Deus, vive e reina com ele na unidade do Espírito Santo, nos séculos dos séculos. Amém!

    Sermão 176 - A graça de Deus.

    Eis uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro. Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna¹.

    Vinde, inclinemo-nos, prostremo-nos, choremos diante do Senhor que nos criou², apresentemo-nos diante dele em confissão e cantemos-lhe alegres cânticos³.

    Ao entrar numa aldeia, vieram-lhe ao encontro dez leprosos, que pararam ao longe e elevaram a voz, clamando: Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!

    Jesus viu-os e disse-lhes: Ide, mostrai-vos ao sacerdote. E quando eles iam andando, ficaram curados. Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em alta voz. Prostrou-se aos pés de Jesus e lhe agradeceu. E era um samaritano.

    Jesus lhe disse: Não ficaram curados todos os dez? Onde estão os outros nove? Não se achou senão este estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?! E acrescentou: Levanta-te e vai, tua fé te salvou⁴.

    Análise

    Neste sermão são estudadas três santas leituras que abordam a mesma verdade. Elas mostram o quanto a graça de Deus é necessária a todos, mesmo às crianças, o quanto devemos ter confiança nela, já que ela santifica os maiores pecadores e, por fim, com que fidelidade e reconhecimento devemos lhe atribuir todo bem que possa haver em nós.

    01 – As leituras e os cânticos na Igreja.

    Escutem atentamente, meus irmãos, o que o Senhor condescendeu nos ensinar através destas divinas leituras. É dele que vem a verdade que vocês recebem por meu intermédio.

    A primeira leitura é tirada do Apóstolo: Eis uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro. Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna.

    Aí está o que chamamos de texto do Apóstolo.

    Em seguida cantamos um Salmo para estimularmos uns aos outros. Com uma só voz e um único coração, dissemos: Vinde, inclinemo-nos, prostremo-nos, choremos diante do Senhor que nos criou. Também dissemos: Apresentemo-nos diante dele em confissão e cantemos-lhe alegres cânticos.

    Por fim, o Evangelho nos mostrou dez leprosos curados e somente um deles, que era estrangeiro, dando graças ao seu Libertador.

    Estudemos estes três textos, na medida em que permitir o tempo que podemos dispor. Digamos algumas palavras sobre cada um deles, evitando, com a graça de Deus, nos reter muito longamente sobre um, em detrimentos dos outros.

    02 – A ação de graças devida por todos ao Médico.

    O Apóstolo quer primeiro nos ensinar a dar graças. Lembrem-se de que na última leitura o Senhor Jesus louva o leproso curado que o agradece e censura os ingratos que conservam em seus corações a lepra que ele apagou de seus corpos.

    O que diz então o Apóstolo? Uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé.

    Que verdade é esta? Jesus Cristo veio a este mundo.

    Para quê? Para salvar os pecadores.

    E você, o que você é? "Sou eu o primeiro deles".

    Teria sido uma ingratidão para com o Salvador dizer: Eu não sou. Eu jamais fui pecador, pois não há nenhum dos descendentes mortais de Adão, nenhuma pessoa absolutamente que não esteja doente e que não precise da graça de Cristo para se curar.

    O que pensar das criancinhas, se todos os descendentes de Adão estão doentes? Elas são trazidas à Igreja, já que não podem vir até aqui com seus próprios pés. Elas vêm até aqui com os pés dos outros, para aqui buscar a cura.

    A Igreja nossa mãe lhes empresta, por assim dizer, pés alheios para que caminhem, um coração alheio para que acreditem e, para confessar a fé, uma boca alheia também.

    Se a doença que as acomete vem de um pecado que elas não cometeram, não é justo que a saúde lhes seja devolvida por uma profissão de fé feita por outros em seu nome? Que ninguém então venha murmurar nos ouvidos de vocês doutrinas estranhas. Este é o ensinamento ao qual a Igreja sempre se apegou e que sempre professou. Este é o ensinamento que ela recebeu da fé dos antigos e que ela conservará com perseverança até o fim dos tempos.

    Já que o médico não é necessário àqueles que estão saudáveis, mas sim àqueles que estão doentes, se a criança não estivesse doente, ela precisaria de Cristo? Se ela está saudável, por que aqueles que a amam a levam ao Médico? Se é verdade que, no momento em que elas acorrem a ele, em braços devotos, elas não possuem nenhuma mácula original, por que não se diz na Igreja àqueles que a apresentam: "Longe daqui com esses inocentes. Aqueles que estão bem não precisam de Médico, mas sim os doentes. Cristo não veio para chamar os justos, mas os pecadores⁵"?

    A Igreja, no entanto, jamais falou assim e jamais falará.

    Cabe a todos, portanto, meus irmãos, dizerem o que podem em favor desses pequeninos que não podem dizer nada. Se se tem o cuidado de recomendar aos bispos que cuidem do patrimônio dos órfãos, com quanto maior cuidado não se deve recomendar-lhes que cuidem da graça das criancinhas?

    Se, para impedir que estranhos oprimam os órfãos depois da morte de seus pais, o bispo se faz tutor deles, que gritos de alerta não se deve dar em favor dos pequeninos, quando se teme que até mesmos seus pais os levem à morte?

    Não devemos então repetir como o Apóstolo: Uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé é que Jesus Cristo veio a este mundo para salvar unicamente os pecadores.

    Todos os que recorrem a Cristo têm, sem dúvida, alguma enfermidade para ser curada. Se não se tem nada, por que procurar o Médico?

    Que os pais façam então sua escolha: admitir que Cristo cura em seus filhos a doença do pecado ou deixar de levá-los até ele, pois seria conduzir ao Médico aquele que está em plena saúde.

    O que você tem para apresentar?

    Alguém para batizar.

    Quem?

    Uma criança.

    A quem você a apresenta?

    A Cristo.

    Ao Cristo que veio ao mundo?

    Sim.

    Por que ele veio ao mundo?

    Para curar os pecadores.

    A criança que você apresenta tem, então, nela, alguma coisa para ser curada?

    Se você responder sim, esta admissão serve para dissipar seu mal. Mas ele permanece, se você disser não.

    03 – Em que sentido Paulo é o primeiro dos pecadores.

    Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro.

    Não houve pecadores antes de Paulo? Adão foi, seguramente, o primeiro de todos. A terra estava coberta de pecadores, quando foi purificada pelo dilúvio. E por quantos depois se multiplicaram os pecadores!

    Como dizer então: sou eu o primeiro?

    Ele é o primeiro não em relação ao tempo, mas sim na enormidade. Foi a enormidade dos seus pecados que o fez dizer que era o primeiro dos pecadores.

    Não dizemos, por exemplo, que uma pessoa é o primeiro dos advogados? Não que ele exerça a profissão há mais tempo do que os outros, mas porque ele é o melhor de todos.

    Portanto, veja como ele diz, em outra passagem, como ele é o primeiro dos pecadores:  Eu sou o menor dos apóstolos e não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus⁶.

    Nenhum perseguidor foi mais ardente e nem, consequentemente, mais culpado do que ele.

    04 – A salvação de Paulo mostra a esperança de salvação para todos.

    No entanto, encontrei misericórdia, ele prossegue. Por que motivo? Ele expõe nestes termos: Para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna.

    Em outros termos: Cristo quis perdoar os pecadores que se convertessem a ele, mesmo que fossem seus inimigos. Ele me escolheu, seu mais ardente adversário, para que ninguém perdesse as esperanças, ao me ver curado por ele.

    Não é isto o que fazem os médicos? Eles chegam em um lugar onde são desconhecidos e escolhem primeiro, para curar, os doentes desesperados. Eles querem assim praticar sua humanidade e fornecer, sobre sua habilidade, uma grande ideia. Eles querem que, naquele lugar, todos possam dizer ao seu parente próximo: Vá até o médico. Tenha total confiança. Ele vai curar você.

    Ele me curará? Você não sabe do que sofro?, questiona o enfermo.

    Eu conheço seus males, pois eu também sofri deles.

    É assim que Paulo fala a cada doente, mesmo que ele esteja desesperado:

    "Aquele que me curou me envia até você. Ele mesmo me disse: ‘Vá até o desesperado e conte-lhe sobre seus sofrimentos, do que e com que rapidez eu curei você. Eu o chamei do alto do céu. Com uma palavra eu o atingi e o derrubei. Com outra eu o levantei e o elegi. Com uma terceira eu cumulei você com meus dons e o mandei pregar. Com uma quarta, enfim, eu salvei você e o coroei⁷. Vá então dizer aos doentes, clamar aos desesperados: Uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores’.

    "O que você teme? Do que você tem medo? Sou eu o primeiro desses pecadores. Sim, eu que falo a vocês. Eu que vocês veem em plena saúde, enquanto vocês estão doentes; de pé, enquanto vocês estão derrubados; cheio de confiança, enquanto vocês estão desesperados. Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna.

    "Por muito tempo ele sofreu com o meu mal e, então, ele me libertou dele. Médico calmo, ele pacientemente suportou minha fúria, aguentou meus golpes e depois me concedeu a felicidade de sofrer por ele. Realmente, em mim ele demonstrou toda a sua magnanimidade, para que eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna".

    05 – A salvação vem de Deus, não de nós.

    Portanto, não percam as esperanças. Se você está doente, vá até Ele e você será curado. Se você está cego, vá até Ele e será iluminado. Se você tem saúde, dê graças a Ele.

    Você, sobretudo, que sofre, corra até Ele para buscar sua cura e digamos todos: "Inclinemo-nos, prostremo-nos, choremos diante do Senhor que nos criou, que nos deu a vida e a saúde".

    Se ele tivesse nos dado somente a existência e a saúde fosse obra nossa, nossa obra valeria mais do que a dele, já que a saúde é mais importante do que a simples existência. Desta forma, se Deus o fez humano e você se fez bom, você fez mais do que ele.

    Ah! Não se coloque acima de Deus. Submeta-se a ele, adore-o, incline-se, bendiga Aquele que o criou, pois ninguém recria, a não ser Aquele que cria e ninguém refaz, a não Aquele que faz.

    Assim, lemos em outro Salmo: O Senhor é Deus; ele nos fez e não nós mesmos⁸.

    Quando ele criou você, você não tinha nada para fazer. Mas hoje, que você existe, é diferente. Você precisa recorrer ao Médico que está em toda parte e implorar a ele.

    No entanto, ainda é ele que estimula seu coração a recorrer a ele e que lhe concede a graça de suplicar a ele, porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o fazer⁹, como está escrito.

    Foi preciso, de fato, para inspirar em você a boa vontade, que a graça dele o antecedesse. Clame então: Ó meu Deus, sua misericórdia me antecede¹⁰.

    Sim, a misericórdia dele antecedeu você, para dar a você a existência, para dar a você o sentimento, para dar a você a inteligência, para dar a você a submissão. Ela antecedeu você em todas estas coisas; que pelo menos você se antecipe a ele em alguma coisa: à ira dele.

    Como?, você questiona.

    Como?

    Proclamando que de Deus vem tudo o que há de bom em você e de você tudo o que há de mal. Não o coloque de lado, para exaltar você mesmo por tudo o que você tem de bom e para se desculpar e acusá-lo por tudo que há de mal em você. Esta é a forma de bendizê-lo realmente.

    Lembre-se também que, depois de ter cumulado você com tantos dons, ele virá a você para pedir contas a você por esses dons e pelas suas iniquidades. Ele já o vê desfrutando de suas graças.

    Mas, se ele se antecipou a você com esses dons, examine como, por outro lado, você pode se antecipar à face dele, quando ele chegar. Escute o Salmo: Apresentemo-nos diante dele em confissão e cantemos-lhe alegres cânticos.

    Apresentemo-nos diante dele em confissão e cantemos-lhe alegres cânticos. Vamos torná-lo propício a nós antes que ele venha. Vamos apaziguá-lo antes que ele se mostre.

    Não há somente um sacerdote que pode ajudá-lo a apaziguar seu Deus? E esse sacerdote não é, ao mesmo tempo, Deus com seu Pai e humano por amor a você?

    É desta forma que você cantará com alegria Salmos à sua glória e se antecipará à sua presença: louvando-o.

    Cante então e se antecipe à sua presença com suas confissões.

    Acuse-se! Empolgue-se, ao cantar! Louve-o!

    Se você tiver o cuidado de se acusar assim e de louvar Aquele que fez você, Aquele que morreu por você logo virá e lhe dará a vida.

    06 – Uma doutrina variada e inconstante é a lepra da alma.

    Apegue-s a esta doutrina! Persevere nela! Que ninguém a mude!

    Não se torne um leproso, pois um ensinamento que varia, que nem sempre oferece o mesmo aspecto é como uma lepra da alma e é desta lepra que Cristo nos cura.

    Talvez você tenha mudado, de alguma maneira e, depois de ter se examinado de perto, adotado uma opinião melhor. Neste caso então você reestabeleceu a harmonia. Mas, não se atribua esta mudança feliz. Isto seria se colocar entre os nove leprosos que não deram graças.

    Um só dos leprosos veio agradecer. Os outros eram judeus e só este era estrangeiro. Ele representou os gentios e deu a Cristo como que o dízimo que lhe era devido.

    É bem verdade então que somos devedores a Cristo pela nossa existência, pela nossa vida, pela nossa inteligência. Se somos humanos, se nos conduzimos bem na vida, se temos o espírito correto, é a ele também que somos devedores. Temos de nós somente o pecado.

    Que é que possuis que não tenhas recebido?¹¹

    Vocês então, sobretudo, que compreenderam o que foi dito; depois de terem purificado então seus corações de toda lepra espiritual: Corações ao alto!¹², para se curarem de toda enfermidade. E deem graças a Deus.

    Sermão 177 - Contra a avareza.

    Nada trouxemos ao mundo, como, tampouco, nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto.

    Aqueles que ambicionam tornarem-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam as pessoas no abismo da ruína e da perdição. Porque a raiz de todos os males é a cupidez. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. Mas tu, ó homem de Deus, fuja desses vícios e procure com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão.

    Combata o bom combate da fé. Conquiste a vida eterna, para a qual foste chamado e fizeste aquela nobre profissão de fé perante muitas testemunhas. Em presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas e de Cristo Jesus, que ante Pôncio Pilatos abertamente testemunhou a verdade, recomendo-te que guardes o mandamento sem mácula, irrepreensível, até a aparição de nosso Senhor Jesus Cristo, a qual a seu tempo será realizada pelo bem-aventurado e único Soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita em luz inacessível, a quem nenhum ser humano viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno! Amém.

    Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos nem ponham suas esperanças nas riquezas incertas, mas em Deus, que nos dá abundantemente tudo para usufruirmos. Que pratiquem o bem, se enriqueçam de boas obras, doem com facilidade, compartilhem, ajuntem um tesouro sólido e excelente para seu futuro, a fim de conquistarem a verdadeira vida¹³.

    Análise

    Dois tipos de pessoas devem se manter em guarda contra a avareza: aquelas que não são ricas e aquelas que o são, sem querer se tornar mais.

    Quem não é rico, que evite procurar se tornar. Os pagãos censuraram este desejo, mas nós temos, para condená-lo, motivos muito mais imperativos do que os deles. Afinal, não somos de Deus? Ora, quando se ocupa um lugar tão importante, é indigno se rebaixar para as concupiscências terrestres. Além disso, este desejo perturba nossa caminhada e nossa ascensão ao céu. Por fim, este desejo só faz aumentar nossas necessidades e nossas dores.

    Quando se é rico, é preciso, para evitar a avareza, evitar o orgulho e a soberba, não se apoiar nas riquezas e sim em Deus. Por fim, doar generosamente para adquirir um tesouro na vida eterna.

    01 – A avareza diante dos nossos olhos.

    O tema do nosso sermão é a leitura do Apóstolo.

    Nada trouxemos ao mundo, como, tampouco, nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto.

    Aqueles que ambicionam tornarem-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam as pessoas no abismo da ruína e da perdição. Porque a raiz de todos os males é a cupidez. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições.

    Aí está com o que vocês devem ficar atentos e o que nos determinou comentar.

    Estas palavras colocam, de alguma forma, a avareza diante dos nossos olhos. Ela comparece como acusada e que ninguém a defenda. Pelo contrário, que todos a condenem, para não serem condenados com ela.

    Eu não sei qual é a influência que a avareza exerce nos corações, pois todas as pessoas __ ou, para me expressar com mais exatidão e prudência, quase todas as pessoas __ a acusam da boca para fora, mas a defendem com sua ações.

    Muitos falaram longamente contra ela e a carregaram com defeitos tão sérios quanto merecidos. Poetas e historiadores, oradores e filósofos, escritores de todo tipo, todos se levantaram contra a avareza. Mas o importante é não ser atingido por ela.

    Ah! Mais vale ser isento dela do que saber mostrar sua feiura.

    02 – Não se torna escravo da avareza aquele cujo preço é o sangue de Cristo.

    Todavia, entre os filósofos __ por exemplo __ e os apóstolos que se levantaram contra a avareza, há alguma diferença? Que diferença seria esta?

    Ao examinarmos o tema de perto, descobrimos aqui um ensinamento que só é dado pela escola de Cristo. Eu já citei estas palavras:  Nada trouxemos ao mundo, como, tampouco, nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto.

    Muitos outros, além dos apóstolos, fizeram esta reflexão, assim como esta: A raiz de todos os males é a cupidez. Mas nenhum profano disse o que se segue: Mas tu, ó homem de Deus, fuja desses vícios e procure com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Não, nenhum profano disse isto; para se ver o quanto a piedade sólida é estranha a esses falastrões barulhentos!

    Assim, meus bem-amados, foi para afastar de nós ou das pessoas de Deus, o pensamento de considerar como grandes homens essas mentes estranhas à nossa sociedade, que jogaram sobre a avareza sua condenação e seu desprezo, que o Apóstolo clamou: Mas tu, ó homem de Deus!

    Querem tentar colocá-los diante de nós? Lembrem-se primeiro que uma característica que nos distingue é que agimos por Deus. O culto ao verdadeiro Deus é uma reprovação à avareza e devemos nos comportar com muito mais cuidado com relação ao que é um dever de piedade.

    Que vergonha, que confusão e que dor para nós, se víssemos os adoradores de ídolos vencerem a avareza e os servidores do Deus único serem subjugados por ela e se tornarem escravos dessa paixão, quando o sangue divino lhes serviu de resgate!

    O Apóstolo também disse a Timóteo: Em presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas e de Cristo Jesus, que ante Pôncio Pilatos abertamente testemunhou a verdade __ aqui também constatamos a que distância estamos dos profanos __ recomendo-te que guardes o mandamento sem mácula, irrepreensível, até a aparição de nosso Senhor Jesus Cristo, a qual a seu tempo será realizada pelo bem-aventurado e único Soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita em luz inacessível, a quem nenhum ser humano viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno! Amém.

    É da família deste grande Deus que fazemos parte. Nela entramos por adoção e graça. Não por nossos méritos, mas por sua bondade, nos tornamos seus filhos.

    Não seria bastante assustador, não seria muito horrível ser acorrentado neste mundo pela avareza, quando dizemos: Pai Nosso que estais nos céus¹⁴ a esse Deus cujo amor faz tudo empalidecer; quando também o mundo onde nascemos é tão pouco feito por nós e um novo nascimento nos une a Deus?

    Usemos suas criaturas por necessidade e não por amor a elas. Que o mundo seja para nós como uma hospedaria, por onde se passa e não como uma propriedade, onde se mora.

    Descanse e passe, viajante! Pense em quem você vai retribuir a visita. Que grandeza, de fato, há Naquele que visitou você!

    Ao deixar esta vida, você dá lugar a outro que entra nela. Não é como se sai de uma hospedaria, para ser substituído por outro nela?

    Mas, se você quiser chegar à morada do repouso perfeito, que Deus não se afaste de você, pois é a ele que dizemos: Pelos caminhos retos ele me leva, por amor ao seu nome¹⁵ e não por amor aos meus méritos.

    03 – O caminho segundo a natureza mortal.

    Desta forma, uns são os caminhos da nossa mortalidade e outros são os caminhos da devoção. Os caminhos da mortalidade são frequentados por todos e basta ter nascido para segui-los. Mas, só se segue os caminhos da devoção na medida em que se está regenerado.

    Ao percorrer os primeiros caminhos, nasce-se, cresce-se, envelhece-se e morre-se. Consequentemente, precisa-se de roupas e alimentos. Mas, que se contente com o necessário.

    Por que se sobrecarregar? Por que acumular, durante esta curta viagem, não o que pode ajudar a chegar ao final, mas o que pode sobrecarregar além da medida?

    Seus desejos não são estranhos além de toda capacidade de expressão? Para viajar, você se sobrecarrega e se sobrecarrega mais ainda. Você está sobrecarregado pelo peso do dinheiro e mais ainda pela tirania da avareza.

    Mas a avareza é a impureza no coração. Desta forma, deste mundo que o apaixona, você não leva nada; nada além do vício ao qual você se apegou. E, ao continuar a amar este mundo, você será completamente imundo aos olhos do seu Autor.

    Se, pelo contrário, você só guarda com moderação o necessário para a viagem, você estará nos limites prescritos por estas palavras do Apóstolo: Vivei sem avareza. Contentai-vos com o que tendes¹⁶.

    Observe que ele coloca em primeiro lugar viver sem avareza. Desfrute, mas sem prender seu coração a nada. Ao prender seu coração às riquezas pelos laços do amor, você mergulha em uma infinidade de males.

    É para se prestar atenção a estas palavras: Tu, ó homem de Deus, fuja desses vícios. Ele não diz: Deixe, abandone. Ele diz: Fuja! Como se foge de um inimigo.

    Você procurou fugir com seu ouro. Fuja do ouro! Que seu coração escape dele e que o ouro se torne seu escravo. Nada de avareza! Não! Mas sim devoção.

    Mas há um meio de empregar seu ouro, se você é seu senhor e não seu escravo.

    Senhor do ouro, você o utiliza para fazer o bem. Escravo dele, ele o induz ao mal.

    Senhor do ouro, você doa roupas que louvam o Senhor. Escravo do ouro, você despe e faz o Senhor ser blasfemado.

    É a paixão que o torna escravo do ouro e a caridade o liberta dele. Fuja então, sem o que você será escravizado.

    Tu, ó homem de Deus, fuja!

    Não há meio termo; ou se é fugitivo ou se é cativo.

    04 – A riqueza interior.

    É disso então do que você deve fugir. Mas, você tem também que buscar alguma coisa, pois não se foge para o vazio. Não se deixa algo para não buscar nada.

    Então, procure com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Saiba se enriquecer com isto. Estes são bens interiores dos quais os ladrões não se aproximam, a não ser que a má vontade lhes abra a porta.

    Guarde então com cuidado este cofre, que não é outra coisa além da sua consciência. Estas são riquezas preciosas que não poderão tomar de você os ladrões, os inimigos, por mais poderosos que eles sejam, nem os bárbaros, nem os invasores. Não, nem mesmo o naufrágio, pois, mesmo que você perdesse tudo, você salvaria todas.

    Embora tendo sido espoliado de tudo, não era desprovido de tudo o Patriarca que disse: Nu saí do ventre de minha mãe, nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou. Bendito seja o nome do Senhor!¹⁷

    Que maravilhosa opulência! Que riquezas imensas! Ele estava privado de tudo, mas cheio de Deus. Privado de todos os bens que passam, mas repleto da vontade de seu Senhor.

    Por que tantos esforços e viagens em busca de ouro? Ame este outro tipo de riqueza e imediatamente você será cumulado dela. Abra seu coração e a fonte jorrará nele.

    É com a chave da fé que se abre o coração e a fé o purifica, ao abri-lo. Não acredite que ele seja muito pequeno para conter o divino tesouro. Este tesouro não é outra coisa além do seu Deus e ele faz crescer o coração ao entrar nele.

    05 – O que diferencia o rico dos que querem ser ricos.

    Desta forma, Vivei sem avareza. Contentai-vos com o que tendes.

    Por que com o que tendes? Porque nada trouxemos ao mundo, como, tampouco, nada poderemos levar. É por isso que deveis se contentar com o que tendes, sem se preocupar com o futuro.

    Mas, de que forma o ser humano se deixa levar pela avareza?

    E se eu viver por muito tempo?

    Aquele que dá a vida, dá também seu sustento.

    Se algo é lucrativo, por que buscar também acumular? Se o negócio, se o trabalho, se o comércio geram lucros, por que também querer acumular? Você não teme deixar seu coração onde você coloca seu tesouro? É inútil e falsamente que você ouve e responde: Corações ao alto¹⁸?

    Oras! Quando você responde a estas palavras sagradas, quando sua voz as aprova, você não sente seu próprio coração acusar você? Por mais angustiado e oprimido que esteja esse coração, ele não diz a você secretamente: Você me sepulta embaixo da terra? Ele não lhe questiona também: Eu não estou onde está o seu tesouro?

    Sim, você mente. Mentiria também o Mestre que disse: Onde está o teu tesouro, lá também está teu coração¹⁹?

    Você ousa dizer que ele não está lá, quando a Verdade afirma que sim?

    Ele não está lá porque eu não amo esse tesouro, você afirma.

    Prove então com suas ações. Você não ama esse tesouro mas é rico. Seu raciocínio e seu discernimento são justos, pois você não confunde aquele que é rico com aquele que quer ser rico. Não se pode negar que entre um e outro há uma séria diferença. Aqui a possibilidade e lá a avareza.

    06 – A avareza é realmente insaciável.

    Além disso, o próprio Apóstolo não diz: Aqueles que são ricos, mas sim: Aqueles que ambicionam tornarem-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos.

    É porque eles ambicionam tornarem-se ricos que o Apóstolo emprega a palavra desejos, pois o desejo se aplica ao que se busca e não ao que se possui. Por mais insaciável que seja a avareza, aqueles que possuem muito desejam, não o que possuem, mas o que querem possuir.

    Alguém possui uma propriedade e gostaria de possuir outra e depois mais outra. O que ele deseja não é o que ele possui, mas o que ele não possui. Assim, ao querer se tornar rico fica-se preso aos desejos e a uma sede ardente que aumenta como a sede do hidrópico, que aumenta na medida em que ele bebe.

    O avarento tem então em seu coração uma espécie de hidropisia que se parece maravilhosamente com a hidropisia propriamente dita. Embora repleto de um líquido que pode colocar sua vida em perigo, o hidrópico pede sempre mais.

    Da mesma forma, o avarento tem tantas necessidades quanto mais rico ele é. Quando ele possui pouco, ele pede pouco e precisa de pouco para desfrutar da vida. Algumas migalhas fazem sua felicidade. Mas, quando ele está repleto de bens, ele parece que só faz se dilatar para absorver sempre mais. Ele bebe sem parar e sempre tem sede.

    Ele diz: Ah! Se eu tivesse isto, eu poderia fazer aquilo. Eu posso fazer pouco, porque tenho pouco.

    É o contrário! Possuir mais é querer mais ainda. Isto é aumentar, não seu poder, mas sua pobreza.

    07 – Sem o amor pela riqueza o coração pode voltar-se para o alto.

    Mas eu não amo o que tenho, para ter o coração voltado para o alto, você diz.

    Concordo plenamente! Se você realmente não ama o que você possui, seu coração pode estar voltado para o alto. Que obstáculo impediria voltar para o alto um coração livre?

    Mas, você realmente não ama o que você possui? Responda com sinceridade para você mesmo. Não espere que eu acuse você. Interrogue-se!

    "Não. Eu não amo realmente. Eu sou rico, é verdade. Mas, como eu sou rico realmente e não um daqueles que ambicionam tornarem-se ricos, eu não tenho que cair em tentações, nem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam as pessoas no abismo da ruína e da perdição. Isto é um mal perigoso, um mal opressor e horrível e uma doença mortal!"

    "Eu sou rico e não um daqueles que ambicionam tornarem-se ricos", você diz. Você é rico e não um daqueles que ambicionam tornarem-se ricos?

    Sim.

    Mas, e se você não fosse, você gostaria de se tornar rico?

    Não.

    Então, já que você é rico e já que, ao encontrá-lo rico materialmente, a palavra de Deus o cumulou de riquezas interiores, considere dito a você o que é dito aos ricos; o que é dito nestas palavras: Nada trouxemos ao mundo, como, tampouco, nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto. Aqueles que ambicionam tornarem-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam as pessoas no abismo da ruína e da perdição. Porque a raiz de todos os males é a cupidez.

    Estas palavras, de fato __ aqueles que ambicionam tornarem-se ricos __ provam que o Apóstolo falava àqueles que não o são.

    Você é pobre então? Repita estas palavras e você será rico. Mas repita-as com todo seu coração. Diga do fundo do seu coração: Eu não trouxe nada a este mundo e não poderei levar nada daqui. Tendo alimento e vestuário, estou contente, pois, se quiser me tornar rico, cairei em tentações e armadilhas.

    Fale assim e continue a ser o que você é. Evite mergulhar em numerosas aflições, para não se dilacerar procurando se livrar dessas aflições.

    Então, você é rico. Temos outras palavras para falar para você.

    Não pense, ó rico, que o Apóstolo não disse nada para você. Ele escreveu ao mesmo Timóteo, pobre como ele. O que ele escreveu a esse pobre sobre os ricos?

    Ele disse o seguinte; escute: Exorte os ricos deste mundo.

    Existem também pessoas que são ricas de Deus. Estas são realmente ricas e uma delas foi este mesmo Paulo que disse: Aprendi a contentar-me com o que tenho²⁰. Já o avarento não se satisfaz com nada.

    Então, exorte os ricos deste mundo.

    O que devo dizer a eles? Que eles não procurem se tornar ricos? Mas, isto eles já são.

    Que eles escutem o que é dito a eles. Primeiro que tudo: Que não sejam orgulhosos²¹.

    Oras! Ainda se tem riquezas e elas são amadas loucamente!

    Mas elas são como um ninho onde o orgulho se desenvolve e cresce! Cresce, infelizmente, não para voar para longe, mas para ficar onde está.

    Antes de tudo, então, o rico não deve ser orgulhoso. Assim, ó rico, convença-se e se lembre de que você é mortal e que os pobres, mortais como você, são seus iguais.

    O que ambos têm de parecido neste mundo? Não são ambos sujeitos à doença e não são ambos atingidos pela morte? Em sua cama de chão o pobre suporta o sofrimento e o rico não pode impedi-lo de chegar a ele em seu leito de prata.

    Portanto, exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos. Que eles vejam nos pobres seus iguais. Se eles são humanos, os pobres também são. A roupa é diferente, mas o sangue é o mesmo. Embora o rico seja embalsamado depois da morte, nem por isso ele está isento da corrupção. Ela chega mais tarde e, por vir mais tarde, isto significa que ela deixa de vir?

    Suponhamos, no entanto, que o rico e o pobre não apodreçam igualmente; mas, não são ambos sensíveis?

    Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos. Não, que eles não sejam orgulhosos e eles serão, na realidade, o que eles querem parecer ser. Eles possuirão suas riquezas sem amá-las e, consequentemente, eles não serão escravos delas.

    08 – Uma coisa é desfrutar dos bens e outra é apreciá-los.

    Pense então no que se segue: Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos nem ponham suas esperanças nas riquezas incertas.

    Você ama o ouro. Você pode estar seguro de não ter que temer perdê-lo?

    Você acumulou bens. Você pode se assegurar a tranquilidade?

    Nem ponham suas esperanças nas riquezas incertas. Separe então sua confiança dos objetos onde você a colocou.

    Mas no Deus vivo. Fixe nele suas esperanças. Jogue nele a âncora que segura seu coração²², para que as tempestades do mundo não possam afastar você dele.

    Mas no Deus vivo, que nos dá tudo abundantemente para usufruirmos. Se ele nos dá tudo, quanto mais ainda ele nos dará, ao dar-se-nos ele mesmo?

    Sim, é mesmo verdade que nele desfrutaremos de tudo. Assim, o tudo que ele nos dá abundantemente para usufruirmos, me parece não ser nada menos do que ele mesmo.

    Uma coisa é usar e outra coisa é desfrutar. Nós usamos por necessidade e desfrutamos por prazer. Por consequência, Deus nos dá as coisas temporais para usarmos e ele mesmo para desfrutarmos.

    Mas, se é ele mesmo que ele dá, por que ter dito tudo, se não é porque está escrito: A fim de que Deus seja tudo em todos²³?

    Nele, então, coloque seu coração, para desfrutar dele e seu coração será elevado. Desloque-o daqui e coloque-o lá no alto.

    Que perigo é para você não estar ancorado no meio de todas as tempestades!

    09 – Corações ao alto, não à terra.

    Nem ponham suas esperanças nas riquezas incertas.

    A esperança, portanto, não está proibida, mas ela deve ser colocada no Deus vivo, que nos dá tudo abundantemente para usufruirmos.

    Onde está tudo, se não é Naquele que fez tudo?

    Ele não faria tudo se ele não conhecesse tudo. Quem ousaria dizer: Deus fez isto sem saber? Ele fez o que ele sabia. Este objeto estava então nele antes de ser feito por ele. Mas ele estava nele de uma maneira maravilhosa. Ele estava nele não como ele é visto pronto, de um jeito temporal e passageiro, mas como a ideia está no artesão.

    Este traz nele mesmo o que ele produz exteriormente e é assim que tudo está em Deus soberanamente, imortalmente, imutavelmente, sempre no mesmo estado e é assim também que Deus será tudo em todos. Mas é para seus santos que ele será tudo em todos.

    Ele então e somente ele nos baste. Assim, está escrito: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Respondeu Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai²⁴.

    Deus então é tudo: Deus Pai, Deu Filho e Deus Espírito Santo. É com razão, então, que ele nos basta.

    Ah! Amemo-lo então, se somos avarentos. Só ele poderá nos satisfazer, se cobiçamos as riquezas, pois está dito sobre ele: É ele que cumula de benefícios a tua vida²⁵.

    E o pecador não se contenta com isso? Não é suficiente um bem tão grande e tão incomparável? Infelizmente, ao querer ter tudo, ele acaba perdendo tudo, porque a raiz de todos os males é a cupidez.

    Assim, é com razão que, pela boca de um Profeta, o Senhor dirige estas censuras à alma infiel que se prostitui longe dele: Você imaginou que ganharia mais afastando-se de mim²⁶, mas, como o filho pródigo, aqui está você pastoreando porcos²⁷. Você perdeu tudo, ficou na miséria e muito tarde retornou todo esgotado.

    Compreenda então que o que seu pai deu a você estava mais seguro junto a ele.

    Você imaginou que ganharia mais afastando-se de mim.

    Ó pecadora, ó prostituída, ó alma coberta de vergonha, desfigurada e imunda! Apesar de tudo, você ainda é amada.

    Para recuperar sua beleza, retorne então à própria beleza. Retorne e diga a Deus que só ele pode satisfazer você e que: Perecem aqueles que de vós se apartam²⁸.

    Do que então eu preciso? Para mim, a felicidade é me aproximar de Deus, é pôr minha confiança no Senhor Deus²⁹.

    Então, coração ao alto! Que ele não permaneça sobre o chão, no meio de tesouros mentirosos e de objetos que não passam de podridão.

    A raiz de todos os males é a cupidez. Nós não vimos isto no próprio Adão? Se ele procurou mais do que ele tinha recebido foi porque Deus não lhe bastou.

    10 – O Senhor nosso Deus nos quer comerciantes.

    Mas, o que você fará com o que você possui, você que é rico?

    Você não é soberbo. Muito bem!

    Você não coloca suas esperanças na inconstância das riquezas. Ótimo!

    Sua esperança está no Deus vivo, que nos dá tudo abundantemente para usufruirmos. Louvável!

    Não seja então preguiçoso no cumprimento disto: Que pratiquem o bem, se enriqueçam de boas obras.

    Meditemos sobre estas palavras e acreditemos no que ainda não vemos.

    Você disse: Eu possuo ouro, mas, sem apego. Observe que esta falta de apego está em você. Se então você tem por mim alguma consideração, demonstre-me isto também. Sim, mostre ao seu irmão o que você não pode esconder do olhar do seu Deus.

    Como demonstrar isto? Aqui está a maneira: Que pratiquem o bem, se enriqueçam de boas obras, doem com facilidade.

    Faça sua riqueza consistir em doar facilmente. É em vão que o pobre deseja doar. Ele não tem como fazer isto. Mas, na mesma medida em que é difícil ao pobre fazer isto, é fácil para você fazê-lo.

    Use a seu favor então o fato de ser rico e não adie o bem que você deseja praticar.

    Que doem com facilidade, compartilhem. Isto é perder? Que ajuntem um tesouro sólido e excelente para seu futuro.

    Portanto, não desejemos possuir então ouro, nem prata, nem propriedades e nem nada que encanta neste mundo os olhares humanos.

    Embora ele nos diga: Tire daqui e coloque lá seu tesouro, o Apóstolo nos previne contra estas ideias carnais e nos diz: a fim de conquistarem a verdadeira vida. Conquistar não este ouro que fica na terra e nem também os bens que apodrecem e que passam, mas, a verdadeira vida.

    É verdade que nossos bens emigram, num certo sentido, quando daqui eles vão lá para cima. No entanto, lá nós não os teremos do mesmo jeito como os enviamos daqui.

    O Senhor nosso Deus quer fazer de nós como que comerciantes e ele mesmo negocia conosco. Nós damos o que encontramos aqui por toda parte, para receber o que está perto dele em plena abundância. É como os numerosos negociantes que trocam suas mercadorias e que dão aqui uma coisa para em outro lugar receber outras.

    Se, por exemplo, você dissesse a um amigo seu: Eu ofereço ouro aqui para você e, em troca, você me dá óleo na África. O ouro foi transferido aqui, mas não foi recebida a mesma mercadoria aqui. Foi recebida a mercadoria desejada em outro lugar.

    É esta a ideia que devemos ter, meus irmãos, do nosso comércio espiritual. O que damos de um lado e o que recebemos do outro? Nós damos o que, apesar dos nossos maiores esforços, não conseguiremos levar conosco. Por que deixar então perecer?

    Damos aqui o que é menor e recebemos em outro lugar o que é maior. Damos então a terra, para receber o céu. Damos o que é temporal, para receber o que é eterno. Damos o que se corrompe, para receber o que é inalterável. Enfim, damos o que recebemos de Deus para receber em troca o próprio Deus.

    Ah! Não deixemos de fazer esta troca; de exercer esse feliz e inefável comércio. Coloquemos para render nossa existência na terra, nosso nascimento, nosso exílio. Não permaneçamos pobres.

    11 – A garantia de Deus.

    Não deixemos entrar em nossos corações um pensamento maligno que seria como que um verme roedor. Não digamos: Não vou doar para não me faltar amanhã. Não pense tanto no futuro. Ou melhor: pense muito nele, mas pense no futuro final. Que ajuntem um tesouro sólido e excelente para seu futuro, a fim de conquistarem a verdadeira vida.

    No entanto, é preciso seguir esta regra: Não se trata de aliviar os outros fazendo-vos sofrer penúria, mas sim que haja igualdade entre vós³⁰.

    Possuam então. Evitem somente amar, se apegar, acumular, se apoiar nas coisas criadas, ou seja, não ponham suas esperanças nas riquezas incertas.

    Quantos não foram dormir ricos e acordaram pobres?

    Há então um mal pensamento que o Apóstolo quis combater, ao dizer: Vivei sem avareza. Contentai-vos com o que tendes.

    É este mal pensamento que o faz dizer: Se eu não tiver um tesouro, quem me dará, quando eu precisar? Sem dúvida que tenho abundantemente do que viver. Eu tenho o suficiente. Mas, se me atacam violentamente, como me livrar? O que fazer, se eu tiver que me defender? Onde encontrar recursos?

    Infelizmente, enquanto se procura enumerar todos os males que podem afligir a humanidade, sem chegar a uma conclusão, frequentemente um só acidente perturba todos os cálculos e não resta nada, absolutamente nada dos recursos com os quais se contava.

    Então, para destruir esse verme roedor, para destruir este pensamento, Deus colocou em suas Escrituras um ensinamento que se pode comparar com os perfumes destinados a afastar as traças dos tecidos. Que ensinamento é este? Você pensava nos infortúnios que podem recair sobre você, mas talvez não tenha pensado no maior de todos eles. Escute: Vivei sem avareza. Contentai-vos com o que tendes, pois Deus mesmo disse: Não te deixarei nem desampararei³¹.

    Você temia um acidente qualquer e, para enfrentá-lo, você acumulou ouro. Tome nota do compromisso sagrado que Deus estabelece com você: Não te deixarei nem desampararei.

    Se uma pessoa fizesse esta promessa a você, você confiaria. É Deus mesmo quem a faz e você duvida?

    Sim, ele prometeu a você. Está escrito. Ele deu a você uma promissória. Esteja então seguro.

    Leia o que você tem. Você tem em mão a promissória de Deus. Deus mesmo se tornou seu devedor, embora você o suplique que perdoe suas dívidas³².

    Amém!

    Sermão 178 - Sobre a justiça.

    Seja hospitaleiro, amigo do bem, prudente, justo, piedoso, continente, firmemente apegado à doutrina da fé tal como foi ensinada, para poder exortar segundo a sã doutrina e rebater os que a contradizem³³.

    Análise

    Sendo o bispo obrigado

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