O sonho de Lampião
()
Sobre este e-book
Leia mais títulos de Penélope Martins
Aventuras de Pinóquio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMãe noite Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMedo estranho, antídoto esquisito Nota: 5 de 5 estrelas5/5Traquitana Nota: 0 de 5 estrelas0 notasReco-Reco Nota: 0 de 5 estrelas0 notasQue amores de sons! Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNão se esqueça Nota: 0 de 5 estrelas0 notasVida instantânea Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Relacionado a O sonho de Lampião
Ebooks relacionados
Olhos de pedra Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSuperman: entre quadrinhos, discurso e ideologia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Diário de um bravo: (ou bullying: como me safei dele, mesmo sem braveza!) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEsaú e Jacó Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistórias contadas pelo vento Nota: 0 de 5 estrelas0 notasContos e Lendas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSonhando Santos Dumont Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPartes íntimas: Crônicas e outros cortes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Império e a Senhora: memória, sociedade e escravidão em José de Alencar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Anunciação De Jesus Em Cordel Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO alienígena e o menino Nota: 1 de 5 estrelas1/5Visita De D. Pedro Ii À Pilar-pb E Outros Poemas Pilarenses Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Grande Livro dos Melhores Contos - Volume 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRessurreição Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNegrinha e outros contos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Revelador: Assassinatos ligados à uma antiga profecia. Uma caçada em vários países. Nota: 5 de 5 estrelas5/5Uma das de Pedro Malas-Artes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBrochadas: Confissões sexuais de um jovem escritor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAaron Fischer - E a prova dos elementos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCinco semanas em um balão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA LUZ QUE SE APAGOU - Rudyard Kipling Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Lenhador Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUsos E Costumes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLoucas de Pedra: as loucuras que elas fazem e eles adoram Nota: 5 de 5 estrelas5/5Entre ossos agora Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAltas cavalarias: Dom Quixote e seus precursores Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs segredos de Baker Street: Sherlock Holmes e os irregulares de Baker Street Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO diário de Gian Burrasca: Nova Edição Nota: 5 de 5 estrelas5/5Poeta não tem idade Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Ciências Sociais para você
Tudo sobre o amor: novas perspectivas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Liderança e linguagem corporal: Técnicas para identificar e aperfeiçoar líderes Nota: 4 de 5 estrelas4/5A Prateleira do Amor: Sobre Mulheres, Homens e Relações Nota: 5 de 5 estrelas5/5Pele negra, máscaras brancas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manual das Microexpressões: Há informações que o rosto não esconde Nota: 5 de 5 estrelas5/5Psicologia Positiva Nota: 5 de 5 estrelas5/5Um Olhar Junguiano Para o Tarô de Marselha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo Melhorar A Sua Comunicação Nota: 4 de 5 estrelas4/5As seis lições Nota: 2 de 5 estrelas2/5Pertencimento: uma cultura do lugar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCoisa de menina?: Uma conversa sobre gênero, sexualidade, maternidade e feminismo Nota: 4 de 5 estrelas4/5Mais Esperto Que o Método de Napoleon Hill: Desafiando as Ideias de Sucesso do Livro "Mais Esperto Que o Diabo" Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO lado sombrio dos contos de fadas: A Origem Sangrenta das Histórias Infantis Nota: 0 de 5 estrelas0 notasVerdades que não querem que você saiba Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO martelo das feiticeiras Nota: 4 de 5 estrelas4/5A perfumaria ancestral: Aromas naturais no universo feminino Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Farmácia de Ayn Rand: Doses de Anticoletivismo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulheres e deusas: Como as divindades e os mitos femininos formaram a mulher atual Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEntre a Esquerda e a Direita: Uma reflexão política Nota: 0 de 5 estrelas0 notasQuero Ser Empreendedor, E Agora? Nota: 5 de 5 estrelas5/5Segredos Sexuais Revelados Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Ocultismo Prático e as Origens do Ritual na Igreja e na Maçonaria Nota: 5 de 5 estrelas5/5O livro de ouro da mitologia: Histórias de deuses e heróis Nota: 5 de 5 estrelas5/5Teoria feminista Nota: 5 de 5 estrelas5/5Um Guia De Scripts Nota: 5 de 5 estrelas5/5Bizu Do Direito Administrativo Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de O sonho de Lampião
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
O sonho de Lampião - Penélope Martins
Na Malhada da Caiçara
O amor, assim que chega,
começa pisando manso,
se aninha no coração,
depois não dá mais descanso
e pode ser mar revolto
ou confortante remanso.
O amor junta dois mundos,
ainda que desiguais,
acalma um leão raivoso
com cantos sentimentais
e faz de quem se apaixona
o mais feliz dos mortais.
Mesmo onde o ódio dá cartas,
ceifa vidas, tira a calma,
o amor chega igual brisa,
soprando por sobre a palma,
e depois de tudo ajunta
dois corpos numa só alma.
Amenina Dondom terminava de recolher a roupa da corda quando viu ao longe um movimento incomum que desassossegou seu coração. Não era para menos – certas visitas causavam rebuliço entre as famílias, deixando um rastro de desordem. Não sabia que tipo de gente se avizinhava, só podia perceber o vozerio confuso se aproximando. O magro cachorro anunciou o pressentimento de seu faro. Tratava-se de gente desconhecida. Aqueles latidos aumentaram a apreensão da mocinha, cujo primeiro impulso foi correr para dentro de casa, chamar mãe e pai para proteção, mas nem careceu, pois, com a mesma guia de alerta, ao primeiro sinal da intenção dos invasores em direção à porteira, dona Déa erguida já estava de prontidão, com os pés fincados na soleira, uma mão na cintura e outra agarrada ao tercinho que levava até os lábios, beijando o crucifixo enquanto evocava com devoção:
– Bom Jesus, São José bendito, Maria Santíssima, misericórdia! Zé, ajude aqui, que vem chegando tropa!
Zé tomou para si o enfrentamento do perigo, fez menção de pegar sua espingarda de caça, que estava ao alcance de sua mão, pendurada na parede, ao lado de um quadro do Sagrado Coração de Jesus. Mas, no repente do juízo, lembrou que, se fossem homens do cangaço, sua atitude seria tomada como provocação desnecessária. Por outro lado, se fossem soldados das volantes, não tardaria a começar a cerimônia de abusos sequenciais amparada pela lei, com desmandos e violências de todo tipo contra ele mesmo, ou, ainda pior, contra as mulheres de sua casa, esposa e filhas.
As notícias das perversidades das forças volantes cruzavam as fronteiras. Ele já sabia do martírio de seu Vicente, pai da menina Sérgia, de apenas doze anos, raptada por Corisco, que se vingava do homem por imaginar que ele o havia traído. O pobre pai, além de ter sido privado da companhia da filha, que sofrera o diabo nas mãos do facínora, padeceu mais ainda nas garras da polícia, que o julgava acoitador de cangaceiro. Corria à boca miúda a notícia de que o homem tivera a orelha cortada, pois os membros da força militar acreditavam que sua filha se juntara ao criminoso por livre e espontânea vontade. Como se fosse possível fazer valer qualquer desejo de uma menina, e a história da desinfeliz seguiria, arrastada à força por Corisco, metida em esconderijo para ser tratada dos retalhamentos da violência, e ainda seria obrigada a viver como mulher de seu próprio algoz. No entanto, com distintivo e arma, outros abusos alcançaram mãe, irmãs e irmãos de Sérgia. Contra os dois meninos pequenos, atos bárbaros, praticados pelos soldados, jamais seriam esquecidos – mais ferozes, contudo, porque, naquele momento, os violadores evocavam a lei e tinham inclusive o apoio de governantes.
Se, por um lado, os cangaceiros eram temidos e desafiavam o juízo das pessoas evocando do imaginário as mais diversas epopeias de enfrentamento brutal, não aliviava conjurar quaisquer suplícios para as volantes virem ao auxílio; ao contrário, eis que os soldados afastavam a virtude da justiça e destilavam o pior veneno pelo fato de agirem com amparo e em nome do próprio governo e de um país que já tomava como questão de honra aniquilar o cangaço e seus simpatizantes.
Por isso é que seu Zé de Felipe se viu entre a caldeira e o fogo. Fosse um grupo ou outro, não havia como descansar do pensamento o retumbar de uma desgraça. O jeito era encarar. Não tinha como correr, abandonando o fruto do trabalho de toda uma vida. A melhor saída era se manter firme para o que viesse. De pronto, ele e a família esperaram até que as vistas alcançassem a estradinha e pudessem distinguir com a luz do dia quem tomava chegada. É claro que estavam com medo, e muito, mas a experiência do homem como caçador dizia que, se o bicho mais fraco se amofina diante do mais forte, o fim é certo. Combinaram assim: uns continuariam labutando na roça, outros encenariam dar xerém para as galinhas magricelas, as mais moças rumariam para a cozinha e lá ficariam amocadas, camufladas na lida, rezando por dentro um terço de livramento até que os invasores se retirassem. Nos trejeitos do trabalho, todos conferiam à casa certo ar de normalidade.
Com o coração acelerado, dona Déa esticou o avental sobre o seu vestido, fez o mesmo com as linhas tensas da testa e aguardou o desfecho da sorte ao lado do marido.
Virgulino Ferreira, o Capitão Lampião, marchava à frente de todos, imponente como um guerreiro mouro. As cartucheiras cruzadas no peito contrastavam com o lenço vermelho do pescoço, que garantia um tipo inexplicável de ternura à sua figura lendária. O chapéu quebrado na testa era outra coisa: lembrava a coroa de um rei pregresso, com bordados feitos por sua própria mão caprichosa e estrelas que asseguravam proteção mágica contra seus muitos inimigos.
Saudado com um aceno pelo dono da casa, deu ordem para que os demais chegassem manso, e nessa brandura ensaiada ele era o primeiro a lançar palavra que botasse algum alento nos corações.
– Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! – disse o chegante, com devoção verdadeira.
– Para sempre seja louvado – respondeu seu Zé, que ouvia pela primeira vez a voz do mitológico cangaceiro.
Olindina, outra filha de Zé de Felipe, que espiava da janela, a um sinal do pai, trouxe um banco para Lampião. Os demais cangaceiros tiveram de se contentar em sentar-se num velho tronco de aroeira ou no chão, metade deles olhando para a entrada da fazenda, à espera, até aquele momento improvável, de que surgisse alguma volante.
– Capitão, Zé de Felipe às suas ordens – retomou o sitiante, que, só depois da saudação, que era também um salvo-conduto, estendeu a mão direita para Lampião.
Vaidoso, Virgulino ficou feliz de ser reconhecido e apertou a mão do homem, de quem muito se agradou.
– Virgulino Ferreira, como o senhor deve saber, mas pode me chamar de Lampião, que é o meu nome de guerra – disse com ar risonho, enquanto descalçava as sandálias e removia os pedregulhos que lhe fustigavam os dedos dos pés, revelando um ferimento a bala de tempos atrás, cicatrizado, mas não esquecido. – Seu Zé, vou direto ao ponto, afinal não sou homem de arrodeio: o senhor poderia nos dar agasalho por essa noite?
– Claro, Capitão! – E ele era besta de dizer que não?! – Mas a nossa casa não tem o luxo das fazendas onde o Capitão pousa de vez em quando.
– Morra o luxo e viva o bucho! – foi a resposta de Lampião, arrancando uma gargalhada da cabroeira.
Um sorriso tímido, nervoso, se desenhou na boca murcha de seu anfitrião.
A ordem dada por Lampião a seu Zé para que ninguém deixasse a fazenda foi seguida à risca, e dessa forma era praticamente impossível alguém saber de seu paradeiro em um lugar relativamente ermo como a fazenda Malhada da Caiçara.
Dona Déa chegou em seguida com um bule de café fumegante e cheiroso, ajudada pela filha Dorzina, a Dondom, que trazia uma bandeja com as xícaras – as quais, para desconforto dos anfitriões, não davam para metade do bando. Mas ninguém se queixou, e, terminada a primeira rodada, os demais foram servidos pela dona da casa. Zé de Felipe, dividido entre o medo e a curiosidade, procurava mostrar-se calmo, mas era visível a sua inquietação, a ponto de derramar boa parte do café na camisa.