Crônicas De Um Chef
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Crônicas De Um Chef - Marcos Ripp Cozzella
Prefácio
Durante anos, sempre que queria transmitir um conhecimento, vali-me de textos que, muitas vezes, eram indiretos e transmitiam algo diferente daquilo que um título parecia demonstrar.
Pude transmitir esses conhecimentos através de postagens em revistas, sites, blogs e redes sociais.
Alguns destes textos foram muito polêmicos, como o texto sobre os transgênicos e o foie gras.
Recebi xingamentos, críticas e, até, ameaças, porém, sempre procurei transmitir conhecimentos e não opiniões e, em nenhuma das vezes, retrocedi, pois, opiniões podem estar erradas, mas, conhecimento, com conhecimento de causa, nunca estão. Podem mudar através de novas pesquisas, novos experimentos, contudo, isso é raro.
Não sou uma pessoa que confia totalmente em textos de internet que não obtenham fontes críveis, bases sólidas ou algo que está sedimentado, quando verdadeiro, por muitos e muitos anos.
Minhas fontes são livros, pessoas que admiro pelo conhecimento, experiências pessoais.
Houve uma veia humorística em alguns destes textos, mas em todos, eu procurei não cansar o leitor e com isso, alguns não tem a profundidade que eu gostaria.
Tive que me policiar aos escolher os textos que aqui estão.
Alguns destes eram verdadeiras apostilas escolares e isso nem sempre é um atrativo, então, os suprimi, embora, em alguns, esse conhecimento se fez necessário.
Espero que gostem e que a leitura seja agradável.
Um chef
contra
o
Mundo
Muito se fala das dificuldades em chefiar um restaurante, mas sempre batem na tecla dos salários baixos, das exigências físicas, das condições gerais de uma profissão notoriamente difícil.
Um outro profissional, de outro ramo, que fez faculdade e vários cursos, ao terminar seus estudos, também tem seus percalços, mas pode contar que um dia estará sentado em uma cadeira, em seu escritório e, até com o ar condicionado ligado.
Sem menosprezar sua jornada, por vezes, extenuante.
O Cozinheiro não !
Sua vida, mesmo que atinja o cargo de chef, será sempre de intensa cobrança física, de estudos e experiências constantes, de rebolar na mão dos investidores, fornecedores e, o principal, do público.
O público brasileiro tem um problema.
Ele quer estar atualizado, quer o bom e o melhor, exige cuidados e carinhos de todos os modos possíveis, mas pagar, bem, aí, só sabe comparar preço com supermercado.
- Setenta e nove pilas por esse prato !
- Um prato que se eu for no supermercado não gasto vinte reais !
- Então vai desgramado !
Quero ver fazer, quero ver se sua cozinha tem bom serviço, ar condicionado, atendimento personalizado e quando terminar, se não vai precisar levar a louça pra pia, lavar, enxugar e guardar, além das panelas e os equipamentos que usou.
Segue modas e essas nem sempre são de seu agrado, mas vai por que todo mundo vai
e acha uma maravilha se algum ídolo achou, mas vai a um restaurante de bom nível e daí sai falando mal do restaurante, do chef, do serviço.
A brincadeira que fiz com a foto com Ramsey é a pura realidade de quem já viu isso acontecer muitas e muitas vezes.
- Mas, tá cru, garçom !
- Troca por um Tartar ao ponto !
E não é só novo rico não. É a média da cultura gastronômica desse imenso país.
- Chama o Chef !
- Chama o cacete !
Até parece que alguém tira um cirurgião no meio de uma operação pra reclamar de unha encravada.
E ainda tem os proprietários, os investidores.
É difícil conhecer algum que, a menos que seja sócio minoritário do chef, escuta o chef. Principalmente quando a coisa não está indo tão bem quanto ele esperava.
Juro, já ouvi um troca o mignon por patinho e cozinha bem, até ficar desmanchando. Põe bastante molho e serve
.
Foi uma linda frase de despedida, por que sai do local sem nem falar adeus.
Querem contratar qualquer um para te auxiliar.
Você os treina, dizem.
Só que as vezes parece que você tenta treinar um cão a falar. Pode fazer o que fizer e se não há talento, não há paixão, não há habilidade, nem a base de carinho ou chicote.
Com tanta gente em cursos, por que não contratar alguém com conhecimento da área e pagar por isso.
Afinal, quanto mais especialização de uma brigada, melhor ela é.
E você, chef, sabia que sem uma equipe, a tal brigada, você não é nada.
Nadinha mesmo.
Sozinho, só Atlas carregou o mundo.
Junte a isso os fornecedores.
Oh My God !
Prefiro Satã na minha frente do que alguns deles, principalmente os representantes de empresas grandes, que agem como se estivessem fazendo o maior favor do mundo em te vender sua mercadoria.
- Só leva isso se comprar aquilo e aquilo.
- Ah, isso que você quer está em falta há tempos !
- Só posso garantir a entrega daqui três ou quatro semanas. Se não chover.
Queria ter um vodu de alguns. E muitas agulhas !
É, Chef sofre. .
E agora tem mais dois inimigos.
Um que já existia mas está se mostrando com garras mais afiadas, e outro que chegou para ferrar com tudo e todos.
Tem o governo e o Corona Vírus, pra ajudar no Apocalipse diário que é nossa vida.
Aí, aparece um cliente, amigo querido, e diz que o filho quer fazer gastronomia e o que eu achava.
Ficou bravo quando eu disse:
- Dá uma surra nele, tranca no banheiro, com o chuveiro quente ligado, com a janela fechada, faz ele vestir a roupa mais grossa que ele tem e liga uma música que ele não gosta, bem alto. E ainda coloca mais cinco ou seis amigos dele junto.
Aproveita e fica reclamando dele na porta.
Assim ele já vai acostumando com essa vida de chef !
Os clientes pensam que são críticos de comida O cliente mudou de uns anos para cá.
A inclusão social, o acesso mais fácil às mídias, transformaram o modo de viver, não necessariamente para melhor em alguma situações.
Por causa programas de televisão, revistas pseudo-informativas que vendem páginas dizendo que o caldo da Knorr é muito superior ao que fazemos por 48 horas e , em plataformas como TripAdvisor, os clientes ganharam o direito de se tornarem críticos culinários e, pior, sempre acham defeitos onde não há.
O seu mignon está muito mole !
Não tem pegada na mordida.
O molho tem uma acidez que meu palato reclama !
O gosto não é natural nesse morango ! !
É cada uma que alguns chefs estrelados e outras figuras importantes do mundo gastronômico estão começando a se sentirem incomodados.
E já estão colocando a boca no trombone.
Os bons críticos entendem a comida, tem comparações suficientes para julga-la, sabem como são feitas e doutrinaram suas papilas e narizes, além de olhos, a saber quando algo foi feito com técnica, usando os melhores ingredientes e, também, sabem quem é o chef que executou a receita e como age.
O críticos de internet e espectadores de programas de televisão, tem uma visão sempre negativa, como se quisessem dizer que são superiores.
Há vídeos no Youtube onde chefs estrelados caem na gargalhada quando leem essas críticas. Eles tem força, poder aquele punch para absorver isto.
Mas, e os menores, os menos afamados, os mais humildes restaurantes?
Podem ser destruídos por uma crítica negativa.
Um casal que adentra seu salão, de repente, num afã de se destacar, começam a falar mal, encontrando, como dizia minha avó, pelos em ovos
só para se auto afirmarem.
Depois, correm aos seus celulares e lascam críticas de supremos conhecedores da culinária.
Isto é pernicioso, pois a grande maioria das pessoas comuns ligam para essas críticas.
Aliás, só olham as negativas, quase nunca as positivas.
O estrago que isso vem fazendo é grande e muita gente ainda não se tocou do poder que a internet possui nos dias de hoje.
Por isso, é necessário estudarmos uma estratégia para nos protegermos dessas fofocas
.
Não sei ainda como, mas se não fizermos nada, logo não haverá cinco estrelas, quatro estrelas, dois asteriscos, em um estabelecimento, por que algum entendido
disse na sua crítica que achou um horror aquela cor preta do caviar.
Aliás, falando em caviar, cuidado ao usar.
Acho que 90% dos cliente nunca experimentou, não estão acostumados e, provavelmente, não vão gostar.
Questão de tradição, criação, costume ou o que você quiser. Em alguns lugares são pequenos agrados dos deuses, em outros a comida do demônio.
Isto vale para Trufas, Foie Gras e um monte de outros ingredientes ou preparações que muitos clientes tem uma crítica já pré-concebida e muitas vezes, nunca degustou, mas ouviu falar e acha que pode julgar pelo paladar de um vídeo de Youtube ou uma folha de revista.
Fiz um testa, certa vez, com as pessoas que trabalham comigo.
Servi-lhes uma polenta com trufas.
O pessoal da cozinha se dignou a experimentar, mas a maioria não gostou.
-Tem cheiro de gasolina !
- Estragou a Polenta. .
- Não acredito que alguém gasta um dinheirão para comer essa porcaria !
Nas primeiras horas após, eu achava que era uma espécie de preconceito, de falta de treinamento no paladar, de reclamar por que o companheiro reclamou, mas percebi que não é assim. Eles, apenas, não estão acostumados, não tem a mesma cultura alimentar de um italiano, por exemplo, ou não gostam porque nem todo mundo gosta mesmo.
Imagem clientes que se sentem apuradíssimos e, na verdade, são perfeitos ignorantes nisso.
Em se tratando de foie gras, eu já desisti.
Quase todo mundo aqui acha que servi uma comida criminosa
na louça.
Acho uma hipocrisia dizerem tudo o que falam e não saberem tratar bem um garçom.
Na gastronomia existem tantos ingredientes que só estão a disposição por causa de muito sofrimento. E, muitas vezes, esse sofrimento não está diretamente sobre o ingrediente e sim como ele foi produzido, colhido, etc.
O Chocolate, o açúcar e tantos outros estão cobertos de sangue, de jornadas escravagistas, de trabalho infantil e, literalmente, ninguém liga.
Um cliente, horrorizado ao ver um pedaço de foie gras, faz um discurso inflamado sobre o sofrimento do pobre ganso ao ser alimentado a força para engordar, mas senta-se e pede um Coq au Vin., uma carne bovina, suína, etc.
Esquecem que elas vieram de animais que foram sacrificados.
Pior é ver os bebedores, por exemplo, de Tequila.
Mas porque falei de Tequila?
Na indústria da tequila tudo começa com a colheita de uma planta chamada Agave Azul.
As pessoas que trabalham nessas plantações costumam ter jornadas de trabalho de mais de dez horas embaixo de um sol de quase quarenta graus.
É um emprego sofrido e que acaba nos remetendo quase ao tempo de escravidão.
Mas não vou falar das pessoas. Essas são empregadas e estão lá por dinheiro, muitas vezes necessário, porém tem a opção de irem embora.
Vou falar das mulas. Sim, esses pobres animais que eu jamais vi alguém ou alguma organização defendendo.
Elas ficam estáticas, presas em um só lugar por horas, embaixo do mesmo sol de 40 graus, com um cesto que é preenchido com as raízes do Agave, algumas pesando até quarenta quilos. E são várias.
Às vezes chegam a ser oito ou dez raízes por cabeça. Algo que pode chegar a 400 quilos. E depois caminham sob o flagun por quilômetros.
Tenho a impressão de que quando elas estão paradas ali, embaixo do sol, com esse peso todo, elas estão sonhando.
Sonham em ser gansos em algum lugar da França.
Não é um mundo de hipocrisia?
E as parentes dos gansos, as galinhas?
Alguém em sã consciência pode defender apenas os gansos e esquecê-las?
Alguém já viu como elas são criadas em grandes granjas.
Amontoadas uma em cima da outra, quase sem ver a luz do sol, tendo apenas a hora da alimentação como movimentação. E é uma em cima da outra pra chegar aos farelos.
E duram algo em torno de oito semanas de vida.
Novamente tenho a impressão que a galinha diz ao pintinho: - Quem sabe na próxima geração poderemos voltar como gansos.
Na verdade a fábula do Patinho Feio deveria se chamar O sonho dos filhos da galinha
já que o tal animal feioso da estória vira um ganso.
E já que estamos falando em animais maus-tratados
lembrei das vacas e bois.
Elas são criadas com um único intuito: Servir a humanidade. Pelo menos a parte da humanidade que come, diferente dos patos e gansos. Esses comem sempre. E muito.
Na natureza elas já estariam extintas. Não haveria como elas sobreviverem sem a interferência dos homens.
Eles dão a elas a proteção, além da alimentação.
Porém, elas tem um destino: o açougue ou inúmeras