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Amor de perdição
Amor de perdição
Amor de perdição
E-book234 páginas3 horas

Amor de perdição

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Sobre este e-book

Esta é a obra integral do livro escrito no século XIX adaptada para o português moderno.
Duas famílias rivais, um amor proibido e uma série de trágicos acontecimentos...
Cento e sessenta anos atrás, Camilo Castelo Branco partiu de sua história pessoal e familiar para escrever um dos maiores clássicos da literatura portuguesa: Amor de Perdição.
Considerada uma das principais obras do movimento ultrarromântico, marcado por idealizações do amor, paixões arrebatadoras e dores que afetam intensamente a alma, este romance, inspirado em Romeu e Julieta, atravessa décadas com a jovialidade de seus protagonistas: Simão, Teresa e Mariana.
Simão, um jovem de 16 anos, comete um crime contra o pretendente de sua amada. É jogado na cadeia enquanto espera sua pena: prisão ou exílio nas Índias.
Teresa é igualmente afetada, posta em clausura, e Mariana, a jovem humilde que alimenta secretamente uma paixão por Simão, vive todas as emoções de um amor platônico, devotado, com fios de esperança de um dia ser correspondida.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de abr. de 2023
ISBN9786559572977

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    Pré-visualização do livro

    Amor de perdição - Camilo Castelo Branco

    tituloFolha de rosto

    amor de perdição, camilo castelo branco

    copyright © faro editorial, 2020

    Todos os direitos reservados.

    Edição integral, com atualização do vocabulário usual e acordo ortográfico

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do editor.

    Edição, atualização e adaptação

    pedro almeida

    Coordenação editorial

    carla sacrato

    Preparação

    ligia azevedo

    Revisão

    bárbara parente e gabriela avila

    Capa

    osmane garcia filho

    Ilustração da capa

    julius kronberg, romeo and juliet

    Diagramação e produção digital

    saavedra edições

    Logotipo da Editora

    "Este romance foi escrito num dos cubículos-cárceres da Relação do Porto, a uma luz coada por ferros, e abafada pelas sombras das abóbadas.

    ... Desde menino ouvi contar a triste história de meu tio paterno, Simão António Botelho. Minha tia, irmã dele, solicitada por minha curiosidade, estava sempre pronta a repetir a história (...). Lembrou-me naturalmente na cadeia muitas vezes meu tio, que ali deveria estar inscrito no livro das entradas no cárcere e das saídas para o degredo. Folheei os livros desde os anos de 1800, e achei a notícia com pouca fadiga e alvoroços de contentamento, como se em minha alçada estivesse adornar-lhe a memória como recompensa das suas trágicas e afrontosas dores em vida tão breve.

    "Escrevi o romance em quinze dias, os mais atormentados de minha vida. Tenho a memória tão horrorizada desses dias que nunca mais abrirei o Amor de Perdição, nem lhe passarei a lima sobre os defeitos no futuro. Não sei se lá digo que meu tio Simão chorava, e menos sei se o leitor chorou com ele. De mim lhe juro que...

    Nos quinze atormentados dias em que o escrevi, faleceu-me o vagar e a contensão que requer o aplainar e aperfeiçoar dos períodos. O que eu queria era afogar as horas e talvez a necessidade de usar o meu tempo, as minhas meditações silenciosas, e o direito de me espreguiçar como toda a gente, e o prazer ainda de ser tão lustroso na linguagem, quanto em diversas circunstâncias poderia ser.

    Textos extraídos dos prefácios das

    primeiras edições (1961–1964).

    Simão Botelho, o protagonista, esteve, realmente, na cadeia do Porto e de lá seguiu para o degredo na Índia, e é certo ter sido Simão Botelho tio paterno de Camilo Castelo Branco.

    Passados muitos anos do lançamento e perto do fim da vida, Camilo contestava um amigo indicando a supremacia deste romance sobre seus outros. O motivo era que o drama de amor que o tinha identificado com Simão Botelho estava diluído, frio, quase morto. Mas no momento de escrevê-lo, pelo contrário, Camilo tê-lo-ia julgado a sua melhor obra sentimental, porque fora a mais sincera, intensa e a mais pessoal.

    Publicado, o livro foi como centelha que incendiasse todos os corações, penetrando até naqueles austeros domicílios onde o nome do autor antes era pronunciado com certa repulsa. Muitas lágrimas banharam essas páginas. Chorou-se, sonhou-se sobre o Amor de Perdição, como sobre um poema de infinda amargura, que não tinha rival nas letras portuguesas.

    Sumário

    Capa

    Créditos

    Introdução

    Capítulo I

    Capítulo II

    Capítulo III

    Capítulo IV

    Capítulo V

    Capítulo VI

    Capítulo VII

    Capítulo VIII

    Capítulo IX

    Capítulo X

    Capítulo XI

    Capítulo XII

    Capítulo XIII

    Capítulo XIV

    Capítulo XV

    Capítulo XVI

    Capítulo XVII

    Capítulo XVIII

    Capítulo XIX

    Capítulo XX

    Capítulo XXI

    A cadeia de Camilo

    Faro Editorial

    Notas sobre Amor de Perdição – Alberto Pimentel (1915), sobrinho de Camilo

    Introdução

    arabesco decorativo

    Folheando os livros de antigos registros no cartório das cadeias do Porto, em Portugal, li, na seção das entradas dos presos de 1803 a 1805, na página 232, o seguinte:

    Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, solteiro e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e residente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba pretos, vestido com jaqueta azul, colete com relevo e calça de pano.

    À margem esquerda desse registro, estava escrito:

    Foi enviado para a Índia a 17 de março de 1807.

    Deveria mesmo se sensibilizar o leitor por achar que o exílio compulsório de um rapaz de dezoito anos havia de ser demasiado duro.

    Dezoito anos! O amanhecer dourado e escarlate da manhã da vida! As gentilezas do coração que ainda não sonha em frutos, mas já se perde em devaneios no perfume das flores!

    Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre de igual modo como flor da mesma estação e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida!

    Dezoito anos! E exilado da pátria, do amor e da família! Condenado a nunca mais ver o céu de Portugal, nem a mãe, nem a reabilitação, nem a dignidade, nem um amigo! É triste!

    O leitor decerto se entristecia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!

    Amou, perdeu-se e morreu amando.

    É a história. E uma história assim conseguirá porventura ouvi-la de olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divina misericórdia? Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se eu lhe dissesse que o pobre rapaz perdeu a honra, a reabilitação, a pátria, a liberdade, as irmãs, a mãe, a vida, tudo… por amor à primeira mulher que o despertou do seu sonho de inocentes desejos?

    Chorava, chorava! Queria eu saber dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, procuradas de propósito, e lidas com a amargura e o respeito e, ao mesmo tempo, o ódio. Ódio, sim… A seu tempo verão se é perdoável o ódio, ou não seria melhor abrir mão desde já de uma história que pode provocar náusea aos frios julgadores do coração pelas sentenças que eu aqui disser contra a falsa virtude dos homens e feitos bárbaros em nome da honra.

    Assinatura do Camilo

    Capítulo I

    arabesco decorativo

    O pai, Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, fidalgo de uma das mais antigas casas de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paço, D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha de um capitão de cavalos, neta de outro, Antônio de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável pela sua hierarquia como por um livro — naquele tempo famoso — que escrevera acerca da arte da guerra.

    Dez anos de um amor não correspondido mantiveram em Lisboa o bacharel provinciano. Para fazer a formosa dama de D. Maria I amá-lo, faltavam-lhe dotes físicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se firmar como bom pretendente, faltavam-lhe bens: o que possuía não excediam os trinta mil cruzados em propriedades no Douro. Os dotes de espírito também não o recomendavam: era fraco de inteligência, o que lhe rendeu por parte de seus colegas da universidade o apelido de Brocas, pelo qual ainda hoje seus descendentes em Vila Real são conhecidos. Bem ou mal derivado, o apelido Brocas vem de broa. Entenderam os acadêmicos que a rudeza do seu companheiro de estudos procedia do muito pão de milho que ele ingerira na infância.

    Mas Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer, e tinha: era um excelente flautista; e foi tocando a flauta que se sustentou por dois anos em Coimbra, durante os quais seu pai suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não bastaram para livrar outro filho de um crime de assassinato.¹

    Domingos Botelho formara-se em 1767, e fora a Lisboa admitido no Tribunal do Desembargo do Paço — iniciação banal dos que aspiravam à carreira da magistratura. Já Fernão Botelho, pai do bacharel, fora bem aceito em Lisboa, principalmente pelo duque de Aveiro, cuja estima pôs sua cabeça em risco, na tentativa de golpe contra o próprio pai em 1758.

    O provinciano saiu das masmorras da Junqueira livre da infame mácula, e até ficou bem-visto pelo conde de Oeiras, porque tomara parte na prova que ele fizera da supremacia da sua genealogia contra a dos Pintos Coelhos do Bonjardim do Porto — disputa ridícula, mas estrondosa, movida pela recusa do fidalgo portuense a dar sua filha ao filho do Marquês de Pombal.

    O que o bacharel flautista fez para ganhar a estima de D. Maria I e Pedro III não sei. Diz a tradição que o homem fazia rir a rainha com suas graças, e porventura com os trejeitos que revelavam o melhor da sua personalidade. O certo é que Domingos Botelho passou a frequentar o paço e a receber do bolsinho da soberana uma farta pensão, com a qual o aspirante a juiz de fora se esqueceu de si, do futuro e do ministro da justiça, que, muito rogado, o tornou juiz de fora de Cascais.

    Já foi dito que ele se atreveu aos amores do paço, não fazendo poesias como Luís de Camões ou Bernardim Ribeiro, mas namorando na sua prosa provinciana e captando a benevolência da rainha para amolecer as durezas de sua dama de companhia, sua pretendente. Devia de ser feliz o Dr. Bexiga — como era conhecido na corte —, para que a discórdia que existe entre o talento e a felicidade não se desconcertasse. Domingos Botelho casou com D. Rita Preciosa. Rita era uma formosura, que ainda aos cinquenta anos podia se gabar disso. E não tinha outro dote, pois seu dote era uma série de antepassados, uns bispos, outros generais, incluindo aquele que morrera queimado dentro de um caldeirão à mão dos mouros — evento tratado com glória, na verdade, um pouco ardente, mas de tal modo lembrada que seus descendentes passaram a chamar-se Caldeirões.

    A dama do paço foi feliz com o marido. Tinha, no entanto, saudades da corte, das pompas das câmaras reais, dos luxos e dos hábitos que tinha sacrificado. Este desgostoso viver, porém, não impediu que se reproduzissem, tendo dois meninos e três meninas. O mais velho era Manuel, o segundo, Simão; das meninas, uma era Maria, a segunda Ana, e a última tinha o nome da mãe, e alguns traços da beleza dela.

    O juiz de fora de Cascais morava em Lisboa, na freguesia da Ajuda, em 1784, mas desejava mudar-se para um lugar mais importante. Neste ano, nasceu Simão, o penúltimo dos seus filhos. Sempre gracejado pela sorte, o juiz conseguiu então transferência para Vila Real, sua ambição suprema.

    À distância de uma légua de Vila Real estava toda a nobreza da vila à espera do seu conterrâneo. Cada família tinha sua liteira, meio de transporte comum guiado por cavalos, com o brasão da respectiva casa. A dos Correia de Mesquita era do modelo mais antiquado; e as vestes dos criados, as mais usadas e desgastadas que figuravam na comitiva.

    D. Rita, avistando a fila das liteiras, ajustou ao olho direito a sua grande luneta de ouro, e disse:

    — Ó Meneses, o que é aquilo?

    — São os nossos amigos e parentes que nos vêm esperar.

    — Em que século estamos nós nesta montanha? — disse a dama do paço.

    — Em que século? O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.

    — Ah! Sim? Julgo que o tempo aqui parou no século doze…

    Por alguma razão, o marido achou que devia rir do gracejo, apesar de aquilo não o lisonjear grandemente.

    Fernão Botelho, pai do juiz de fora, pôs-se à frente da procissão para dar a mão à nora, que saía da liteira, e a conduzir até a casa. D. Rita, antes de ver a cara do sogro, contemplou suas fivelas de aço e os metais da sela com olho armado. Disse ela depois que os fidalgos de Vila Real andavam mais imundos que os carvoeiros de Lisboa. Antes de entrar na antiga liteira do sogro, perguntou, com a mais falsa seriedade, se não haveria risco em ir dentro daquela antiguidade. Fernão Botelho assegurou à nora de que a liteira não tinha ainda cem anos, e que os cavalos não excediam os trinta.

    O modo altivo com que ela recebeu as cortesias da nobreza — a velha nobreza que fora para lá nos tempos do rei D. Dinis, fundador da vila — fez com que o mais novo daquele grupo de empregados, que só tinha doze anos, me contasse depois: Sabíamos que aquela mulher foi dama de companhia de D. Maria I; porém, com a soberba com que nos tratou, seria de imaginar que estávamos diante da própria rainha.

    Tocaram os sinos da terra, quando a comitiva passou pela igreja da Senhora de Almodena. D. Rita disse ao marido que o som dos sinos era o mais estrondoso e barato que já tinha ouvido.

    Pararam à porta da velha casa de Fernão Botelho. D. Rita passou os olhos pela fachada do edifício e disse para si mesma: Que bonito chiqueiro para quem foi criada nos palácios de Mafra e Sintra, da Bemposta e de Queluz.

    Decorridos alguns dias, D. Rita disse ao marido que tinha medo de vir a ser devorada por ratazanas; que aquela casa era um covil de feras; que o teto estava prestes a desabar; que as paredes não resistiriam ao inverno; que o quarto e a cama do casal obrigavam a morrer de frio uma esposa delicada e afeita às almofadas do palácio dos reis.

    Domingos Botelho conformou-se com a estremecida companheira e mandou construir um palacete. Escassamente lhe chegavam os recursos para os alicerces, mas escreveu à rainha e obteve um generoso subsídio com que acabou de construir a casa. As varandas foram a última dádiva que a viúva real fez à sua dama de companhia. A dádiva talvez seja um testemunho, até agora inédito, da demência da Senhora D. Maria I.

    Domingos Botelho mandara esculpir em Lisboa brasão de armas numa rocha; D. Rita, porém, teimara que no escudo estivessem também as de sua família, mas era tarde, porque a obra já tinha vindo do escultor, e o magistrado não podia com a segunda despesa, nem queria desgostar o pai, orgulhoso do seu brasão. A casa, então, acabou ficando sem um brasão de armas, e D. Rita saiu vitoriosa.²

    O juiz de fora tinha ali parentes ilustres. O aprumo da fidalga dobrou-se ante as grandes personalidades da província, ou talvez eles tenham sido levantados até ela. D. Rita tinha uma corte de primos, uns que se contentavam em ser primos, outros que invejavam a sorte do seu marido. O mais audacioso não ousava olhar o rosto dela, quando o

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