ti amo
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Sobre este e-book
Para a escritora Natalia Timerman, que assina a orelha do livro, Hanne Ørstavik escreve "na imbricação entre vida e literatura".
Entre um diário e uma carta, Ti Amo intercala reflexões sobre o momento presente — o peso da solidão e do luto antes mesmo de a perda se concretizar — e recordações dos quatro anos vividos com o marido. A história se desenvolve aos poucos, escrita nos momentos em que o convalescente não exige os cuidados da narradora.
Te amo é a frase que mais se repete ao longo das 112 páginas da novela. "Te amo", eles se dizem constantemente. O que poderia ser uma tentativa de compensação pelos anos que não vão ter um ao lado do outro é, na verdade, um jeito de reafirmar o compromisso de seguirem juntos mesmo com a iminência da morte os afastando cada vez mais.
Um dos maiores nomes da literatura norueguesa contemporânea, Hanne Ørstavik estreia no Brasil com o encantador e contundente Ti Amo . A prosa comovente que a consagrou como uma autora aclamada em diversos países foi traduzida por Camilo Gomide , direta do norueguês.
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ti amo - Hanne Ørstavik
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Boa leitura e nunca esqueça: o canto é conjunto.
ti amo
Hanne Ørstavik
tradução do norueguês por Camilo Gomide
ti amo
Te amo. É o que nos dizemos o tempo todo, em vez de dizer qualquer outra coisa. O que mais poderíamos dizer? Você: Estou morrendo. Nós: Não me deixe. Eu: Não sei o que vou fazer. Antes: Não sei o que vou fazer sem você. Quando você não estiver mais aqui. Agora: Não sei o que eu vou fazer com esses dias, esse tempo, em que a morte é o que existe de mais visível. Te amo. Você diz de noite quando acorda de dor ou entre dois sonhos e estende o braço até mim. É o que eu te digo quando encontro a sua cabeça, que fica pequena e redonda na minha mão agora que seu cabelo já se foi quase todo, quando te afago um pouco tentando fazer você virar para o lado para que pare de roncar. Te amo. Uma vez, durante a noite, estendi a mão para sentir sua pele, coloquei-a nas suas costas, na sua barriga, na sua coxa, em diferentes lugares, apenas para criar uma conexão, para fazer contato, para que algo pequeno e indizível e talvez muito incipiente em mim, uma parte recém-nascida, pudesse sentir pele e calor e afundar nessa sensação, sentir a profundidade da noite, e então voltar para casa ou seguir adiante. Te amo. Você já não está mais em seu corpo, não sei onde você está, embalado pela morfina, entrando e saindo do sono ou de um cochilo, e nós não falamos sobre a morte, em vez disso, você diz te amo e estica a mão em minha direção, deitado na cama onde você fica ao longo dos dias, vestido e escrevendo no celular, você está escrevendo um romance naquela telinha, duas ou três linhas antes de cair no sono de novo, e eu solto a porta e vou até você e pego sua mão e olho para você e digo, eu também, também te amo.
"Dificuldades linguísticas"
O que importa é a relação com a realidade, escreve Birgitta Trotzig em meados dos anos 70, quando eu devia ter seis ou sete anos. Eu a vi uma vez em Gotemburgo, onde eu estava para a feira do livro, um outono há dez anos ou mais talvez, nós duas caminhamos da Stadsbiblioteket até a feira, ela estava do outro lado da rua, vestindo uma longa saia preta, ela mancava um pouco, talvez tivesse algum problema no quadril. Anos depois, li a notícia de que ela havia morrido.
Quando se trata do que realmente acontece comigo, na minha vida, fico em silêncio. Silêncio! Sinal de pare – fim da linha. Fica fisicamente impossível para mim registrar fatos, datas – pelo menos por um tempo. O acontecimento real me atinge em cheio, pesado e complexo, esmagador e intangível – e transforma todo discurso, qualquer forma de articulação direta, em um rumor irreal.
Quando foi que isso começou? Quando foi que você ficou doente? Será que você já estava doente quando estivemos em Veneza em janeiro, há quase dois anos, quando você vomitou e cancelou o almoço de trabalho e a palestra que daria? Três dias depois partimos para a Índia, será que as células já estavam se dividindo caoticamente dentro de você enquanto estávamos no barco a remo sobre a água no escuro e assistíamos à cremação na praia de Varanasi?
Será que você já estava doente em janeiro de 2018? A segunda vez em que notamos algo foi em junho, eu estive em um festival de literatura em Århus e você me encontrou em Copenhague, nós tínhamos alugado um Airbnb nas Ilhas Brygge, com um sofá-cama e o menor banheiro do mundo, ficava no terceiro andar e tinha uma sacadinha, lá de cima podíamos ver a abertura do canal, por onde corre a água, à direita. Nos encontramos no sábado, eu fui de trem e você de avião, você chegou antes e pegou as chaves com a anfitriã, teríamos de fingir para os vizinhos que éramos amigos dela, ela disse, ela era cantora, inventamos a história de uma musicista norueguesa e um músico italiano, eu celista e você violinista. Não encontramos ninguém. No dia seguinte acordamos cedo e caminhamos pelo centro e ao norte dos lagos, por ruas que nunca tínhamos percorrido, pegamos o rumo de Vesterbro e de repente, perto de Kødbyen, você precisou se apoiar numa casa. Você não conseguia dar nem mais um passo. Era impossível entender se você estava cansado ou com dor, você estava a ponto de ficar com raiva. Pegamos um táxi de volta para o apartamento.
Comemos na sacadinha as três noites. Você estava sem forças para sair e procurar um lugar para comer. Para nós, estava bom. De noite, você se sentava inclinando para frente na cama porque suas costas doíam muito. Não sei o quanto você dormiu. Não sei se você dormiu assim. Eu acordava no meio da noite e você estava sentado na cama, inclinado para frente. Mas agora eu me lembro que antes você já não estava bem. Você estava mal duas semanas antes, quando estivemos no festival do vinho em Bordeaux. Você esteve nesse festival muitos anos atrás com um amigo e queria muito ir outra vez, comigo. Queria passear com uma taça de vinho presa por um suporte no pescoço, parar nos diferentes pontos de degustação e provar diferentes tipos de vinho e lavar a taça em uma fonte antes de seguirmos. Nós fomos para Bordeaux antes de eu ir para o festival na Dinamarca. Tínhamos reservado um quarto num hotel duas estrelas pequeno, com janelas dos dois lados, uma delas dava para um parque, era uma daquelas janelas francesas que vão até o chão, e também em Bordeaux não saímos nenhuma noite para comer, e você gosta muito de sair para comer, nós ficamos no quarto bebendo vinho e comendo queijo, pão e salada de cuscuz comprada no supermercado. Você estava sem forças. De noite, sentiu dores. Você evitou falar sobre isso.
Para mim, alguma coisa aconteceu durante a primavera de 2018. Foi como se a chama tivesse diminuído. Você estava com menos energia e eu achei que tivesse a ver com nós dois. Que tínhamos entrado numa curva descendente e que viver com você, o motivo de eu ter vindo a Milão, seria assim. Seria cada vez mais assim, simplesmente não havia mais nada para nós dois. Apenas pouca energia. Pouca intensidade.
Eu tinha inveja da sua dor, que aumentou durante o verão. De noite, você vagaria pelo apartamento grande e escuro choramingando e lamentando. Eu nunca pensei que você pudesse estar de fato doente. Pensei que fosse a dor de estar reprimindo algo. Você não gostava mais de mim, você não queria a vida que levávamos. E você simplesmente