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A Pedra do Mundo
A Pedra do Mundo
A Pedra do Mundo
E-book208 páginas2 horas

A Pedra do Mundo

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Sobre este e-book

Você não será mais o mesmo depois de encontrar a pedra do mundo.

À beira do precipício, inconsolável pela perda do irmão Matteo na guerra, Guido Polidori se depara com um cristal tão reluzente que seus olhos mal podem acreditar. Diante da descoberta daquela maravilhosa pedra, ele parte em busca de respostas, em um contexto social repleto de censura e ódio.

Na jornada para fugir do abismo em que se encontra, Guido conhece personagens que mudarão o seu destino. Romance, suspense e espiritualidade se misturam em uma narrativa repleta de aprendizados.

Uma ficção com pano de fundo histórico, que traz mensagens sobre a importância de estar e de ser presente, de compreender que o amor, o perdão e a fé estão acima de qualquer preconceito, arrependimento ou medo. Você não será mais o mesmo depois de encontrar a pedra do mundo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de jun. de 2024
ISBN9786560300378
A Pedra do Mundo

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    Pré-visualização do livro

    A Pedra do Mundo - Uili Bergammín Oz

    Nota do Autor

    Há vinte e cinco anos eu iniciei este livro. Foi no alto de um morro, em Cotiporã — antiga Monte Vêneto — que tive esta epifania. Lá, durante um pôr do sol, desenterrei uma pedra enquanto fazia perguntas aos céus.

    Naquela época eu possuía uma essência, uma verdade importante, que depois perdi. Por conta dessa amnésia, a obra ficou engavetada por duas décadas e meia. Mas também porque eu não me sentia preparado: estive esse tempo todo apontando o lápis.

    As agruras de meus avós durante a Segunda Guerra Mundial também contribuíram e são o pano de fundo desta trama. Coletei seus relatos diversas vezes ao redor do fogão à lenha. Apropriei-me disso, da nossa história, que poucos conhecem ou prestaram atenção. Eu me assenhorei das coisas nossas.

    Mas o caminho para chegar aqui teve muitas etapas. Em 2017 fui à Europa para adaptar o clássico Dom Quixote. Em uma capela medieval, no coração da Espanha, ao ver uma certa pedra sobre o altar, senti algo numinoso, que não entendi na hora.

    No ano seguinte, no México, durante uma cerimônia antiga, um xamã me entregou um cristal parecido.

    Depois, em 2019, recebi um convite para realizar uma conferência na escola onde estudei, em Cotiporã. No final da tarde, antes de voltar a Caxias do Sul, onde moro há vinte anos, subi o monte da minha infância. Só que havia mais alguém lá em cima; um rapaz que, como eu, apreciava crepúsculos. Ele sentou ao meu lado e contemplamos o horizonte rubro, em silêncio.

    Falou comigo uma hora depois.Libertou meu ontem e os ontens de meus antepassados. Foi uma só frase, que pôs uma nota de veemência em minha escrita.

    — Reencontre a pedra — foi o que ele disse,antes de sumir na escuridão.

    Prólogo

    O homem estava exausto. Cavoucou por quarenta dias e nada da tão sonhada gema. Só angariou ferimentos, suores e réstias de ilusão. Até um olho perdeu, em seu louco propósito. Uma ponta de rocha lhe tirou metade das cores da vida. Tudo por conta de uma lenda: um diamante de valor inestimável, escondido naquela caverna. Seus sonhos prisioneiros de algo que justificaria todos os sacrifícios.

    Parou de cavar. Apoiado sobre a picareta, mirou o nada. Sua expedição não deu certo; se fosse seu destino já teria encontrado. Não entendia por que, em sua vida, as coisas eram tão difíceis. Conhecia pessoas que enriqueceram num golpe de sorte. Para ele, porém, mesmo após milhões de tentativas... nada. Havia uma fadiga por debaixo dos músculos. Era um colecionador de fracassos.

    Largou a picareta, como quem abandona um desvario. Não daria mais uma pancada sequer. Não naquele solo. Não daquele jeito.

    Que lei pode punir um desertor da loucura?

    Qual força pode levar alguém até onde não pode ir?

    Desistiu!

    ◆◆◆

    Pouco depois, outro homem, também extenuado, aproximou-se do local. Mas o pingo a mais de sonho que o tanto a mais de vontade lhe deu, o fez cavar no mesmo ponto onde o outro esgotou sua última gota de esperança.

    E no primeiro golpe viu um brilho iluminar seus olhos.

    Capítulo I

    O pescador de crepúsculos

    O rapaz galopava em direção ao precipício, disposto a acabar com tudo. Sabia que seu corcel não tinha asas. Lustro de tão negro, o cavalo acelerava para o vão, mas empinou na beira do abismo, deixando despencar uns seixos sobre as pontas afiadas das rochas, lá embaixo. Seu relincho ecoou pelos cânions, acompanhando o serpentear do Rio das Antas. Não, ainda não foi desta vez.

    A primeira estrela brotava no céu, enquanto o sol, atrás do morro, espremia seus últimos raios. Era a hora de ouro! De cima da montaria, com o chapéu de palha na mão e a franja sobre os olhos, o rapaz encarava a altura. Era como uma esfinge: decifra-me, ou o devorarei. Um pastor alemão de 12 anos, que o amava mais que tudo, grunhia ao seu redor.

    — Não existe um caminho único para as águas — disse o irmão, Matteo, uma década antes, naquele mesmo lugar. — Cada fluxo constrói sua rota, de acordo com os obstáculos.

    Foi sua primeira lição de vida, numa época que deixou saudades. Agora ele tinha suas próprias escolhas para fazer e obstáculos a contornar.

    Guido Polidori tinha 17 anos, olhos verdes e pele queimada do sol. Sua existência tombou ao receberem do exército brasileiro a encomenda: a medalha que o irmão usava em combate. Eles a encontraram em pleno campo de batalha. A guerra foi do outro lado do Atlântico, mas arrasou existências também do lado de cá.

    Dez anos mais velho, Matteo não regressou da Itália. Nem vivo, nem morto. Fez parte da infeliz estatística de 23 soldados da Força Expedicionária Brasileira desaparecidos por lá. Nunca se soube o que aconteceu com ele. Um luto eterno, sem despedida.

    Antes, porém, de pensar em acabar com tudo, Guido explodiu. Culpou o governo pela luta que não era nossa; acusou os pais por deixarem o irmão se alistar; e condenou Deus, por permitir que Matteo fosse o único combatente da Serra Gaúcha a não regressar de Monte Castelo. Sim, o irmão era seu ídolo, uma inspiração. As histórias que contava embalaram sua infância, com lendas sobre um diamante de valor incalculável, escondido ali, em algum lugar. Ele amava aquelas fábulas.

    — É isso que se recebe de Deus por acreditar na Palavra? — gritava ele, e sua voz ecoava nas paredes do precipício.

    A mesma fúria já havia destilado em casa, nas ruas e até diante do altar. Tornou-se arredio, desordeiro. Já não trabalhava como antes, gastava muito em bodegas e saía com mulheres de todos os tipos.

    — Quanto mais fácil o sexo, mais difícil o amor — dizia, erguendo brindes ao caos.

    Na verdade ele garimpava algo, um afã, uma explicação. Uma paz que nem sabia se existia. Mas tudo o que achava eram teorias anêmicas do porquê das coisas.

    — Seu irmão morreu, pois Deus quis assim — sentenciou o padre.

    — O Senhor chama primeiro os melhores — o bodegueiro.

    Ao inferno com esse papo. O que restava era um oco dentro.

    — Será que todos sentem isso? — perguntava ao cão, com sua coleira de couro cru e o nome Mino gravado a ferro quente.

    Este lhe lambia as mãos como resposta.

    Depois, sentado sob um plátano, ele ouvia uma coruja. A agonia brotava, como brotam os ramos nos parreirais. Uma bigorna esmagava seu peito desde aquela noite, quando o irmão anunciou que iria lutar contra o fascismo na Europa. Disse que traria o quepe do Duce.

    — Vai matar teus irmãos italianos? — questionou o pai. — Quem faz a guerra não morre na guerra. Eles não são burros.

    Aos tumultos juvenis se somavam também conflitos sociais e familiares: a belicosidade do irmão; o racismo do pai; o dialeto talian, agora proibido no país inteiro. E o medo, muito medo, causado por boatos de prisões e tortura de colonos.

    Com o desaparecimento de Matteo no front, sua irmã, Bianca, tornou-se um obstáculo até para os íntimos. O velho Polidori se afogava na bebida. A mãe, na tristeza.

    Por tudo isso Guido foi se afastando e, ali, naquele espaço primitivo, sentia ter perdido algo. Passava dias longe de casa, retornando ferido, às vezes. Aos cuidados da mãe, Dona Iara, uma índia domesticada, era só melhorar e a barca dos delírios o levava de novo, por caminhos que só ele conhecia. Além do chapéu, carregava um alforje, um estilingue e um punhal prateado, presente do irmão.

    O moço teve formação cristã, como todos em Monte Vêneto. Mas aquela história que aprendeu desde sempre, que era só rezar e tudo daria certo, já não o convencia. Mentiras em que queremos acreditar, pois são doces. Aquele tipo de ouro de tolo que muitos confundem com tesouros.

    — Fique atento aos sinais — disse Matteo, no dia em que foi embora. — A língua que Deus fala é estranha. Agora vai tomar banho, orco fiol d’um can. Tá fedendo como um gambá!

    — Filho de um cachorro? — brincou a mãe, enxugando as lágrimas num lenço. — Olha que eu entendi...

    Par l’amor di Dio — falou Bianca, com a geada estalando sob seus pés. — Não vá falar italiano com aquela gente, que te botam na solitária.

    Seu Domenico não foi à despedida. Era contra a guerra, contra o governo, contra o filho. Não o abençoou, pelo menos pessoalmente. Da janela do sótão espiou o adeus, enquanto bebia café com graspa, para aquecer. Tinha as faces vermelhas, de frio, raiva ou tristeza. O vento Minuano cortava a pele de seu rosto e o fazia chorar.

    Matteo notou, lá em cima, o íntimo chapéu de feltro do pai, mas não acenaram um ao outro.

    Foi a última vez que se viram.

    Capítulo II

    O berço das ilusões

    Assim, longe de tudo, lá estava Guido, entre pastagens movidas pelo vento. Inspirou fundo e decidiu acender a fogueira, que acabou trazendo mais sombras do que luz. Trevas, como as da gruta em que ele e o irmão se meteram quando tinha quatro anos de idade. Foi durante uma pescaria, os guris se afastaram do pai. Viveram momentos de terror, sem achar o caminho de volta. É sempre noite na caverna, com a desproteção que a noite dá.

    Intoxicado de medo, Guido não largou a mão do outro, nem por um segundo. Foi Mino quem farejou o rastro e levou Domenico até eles. O cachorro latia para a escuridão, mesmo depois de os tirarem de lá. Os irmãos juraram que não havia mais ninguém dentro. Queriam apenas sair, o mais rápido possível.

    Depois, quando iam pescar na região, cruzavam o rio para o outro lado. O pai os fez jurar que nunca mais voltariam àquela gruta. Mas promessas são frágeis e muito fáceis de quebrar.

    Sobre os olhos, por trás dos cabelos, via-se que o rapaz deixou de ter uma força. Agora, naquele ermo, era como se visse ao redor de si mil demônios. Monstros não dormem embaixo da cama, ou no mato, como muitos pensam. Eles vivem em cavernas, que são verdadeiros covis de assombros.

    Quando se preparava para dormir, um impulso o assaltou.

    — Sinais? Que sinais, meu irmão? Deus não fala comigo! O Senhor não fala talian, nem português... Pelo que sei, só latim. Gloria in excelsis deo.

    Disse isso sem esperar resposta. Era mais ironia do que pergunta. Sabia que o Criador não respondia assim. Aliás, sabia que o Criador não respondia de forma alguma. Então começou a chorar. A noite pingava uma estrela em cada olho dele, até que adormeceu.

    ◆◆◆

    Com o passar das horas, somou-se à letargia uma doce febre, que o deixou agitado. Pela emoção do breu ou pelo crepitar da lenha, fantasias chegaram à sua mente, como abelhas em uva madura. Numa delas via um vulto, com uma luz nas mãos. Ele o seguia pelo bosque, às margens de um córrego: era uma moça de vestido branco.

    Ora, todos sabem como são os sonhos, confusos, dúbios; mas este era diferente. A garota lhe chamava pelo nome, numa ilusão familiar. O rapaz tentava, mas não conseguia alcançá-la, suas pernas não voavam tanto. Após a perseguição, em meio à névoa, pôde enfim se aproximar. Era uma deusa, que o fitava colorido: um olho azul, o outro verde. A beleza daquelas feições morenas chegava a lhe doer.

    Guido receou que, se piscasse, perderia a visão. Ficou ali, imóvel, observando a moça. Ela estendeu a mão e lhe entregou algo, como um sol em miniatura.

    — O Pai lhe mandou isto.

    — O pai? Mas ele nem fala comigo...

    — Ele fala o tempo todo. Você é que não escuta — disse a garota, dando-lhe as costas.

    — Quem é você? O que é isso? — indagou o jovem, tentando segurá-la.

    — VITRIOL. Você acredita em milagres? — respondeu ela, com outra pergunta.

    E desapareceu na cortina branca que inundava o sonho.

    Capítulo III

    Sou do tamanho da minha busca

    A maioria das gotas de chuva cai no rio e provoca uma pequena vibração, que logo desaparece. Mas algumas se tornam ondas, que arrebentam além, onde não se pode imaginar. O sonho do jovem Guido, ao encontrar o tesouro, provocou um tsunami, que impactou a vida de dezenas de pessoas. Talvez da vila inteira, por gerações.

    O rapaz dormiu mais que de costume. Fazia tempo que não passava uma noite sem pesadelos. Acordou com alguns pingos de chuva no rosto e um sorriso no canto da boca. O cachorro, que pesava uns 40 quilos, lambia as gotas em sua face, levando-o a pensar que era outra a língua que o lambuzava. Ao perceber quem lhe dedicava tamanha afeição, o moço irrompeu num pulo, espantando o animal. Devia saber que

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