Aoe Reao
Aoe Reao
Aoe Reao
Andr Luiz
AO E REAO
Francisco Cndido Xavier
Ditado pelo esprito Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Federao Esprita
Brasileira, 2000
ISBN 85-7328-002-6
1.
Espiritismo. 2. Obras psicografadas. Xavier, Francisco
Cndido, 1910-. II. Ttulo.
070598 140598
CDD 133.93
CDD 133.7
005212
Ao e Reao
Andr Luiz
NDICE
Ante o Centenrio
1 - Luz nas sombras
2 - Comentrios do Instrutor
3 - A interveno na memria
4 - Alguns recm-desencarnados
5 - Almas enfermias
6 - No crculo de orao
7 - Conversao preciosa
8 - Preparativos para o retorno
9 - A histria de Silas
10 - Entendimento
11 - O Templo e o Parlatrio
12 - Dvida agravada
13 - Dbito estacionrio
14 - Resgate interrompido
15 - Anotaes oportunas
16 - Dbito aliviado
17 - Dvida expirante
18 - Resgates coletivos
19 - Sanes e auxlios
20 - Comovente surpresa
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ANTE O CENTENRIO
A 18 de abril de 1957, a Codificao Kardequiana, sob a gide do Cristo de
Deus, celebrar o seu primeiro centenrio de valiosos servios Humanidade terrestre.
Um sculo de trabalho, de renovao e de luz.
Para contribuir nas homenagens ao memorvel acontecimento, grafou Andr
Luiz as pginas deste livro.
Escrevendo-o, nosso amigo desvelou uma nesga das regies inferiores a que se
projeta a conscincia culpada, alm do corpo fsico, para definir a importncia da
existncia carnal, como sendo verdadeiro favor da Divina Misericrdia, a fim de que
nos adaptemos ao mecanismo da Justia Indefectvel.
por isso que entretece os fios de suas consideraes com a narrativa das
relaes entre a esfera dos Espritos encarnados e os crculos de purgao, onde se
demoram os companheiros desenfaixados da carne, que se acumpliciaram na
delinqncia, criando, pelos desvarios da prpria conduta, o inferno exterior, que nada
mais que os reflexo de ns mesmos, quando, pelo relaxamento e pela crueldade, nos
entregamos prtica de aes deprimentes, que nos constrangem a temporria
segregao nos resultados deplorveis de nossos prprios erros.
Von Liszt, eminente criminalista dos tempos modernos, observa que o Estado,
em sua expresso de organismo superior, e excetuando-se, como claro, os grupos
criminosos que por vezes transitoriamente o arrastam a funestos abusos do poder, no
prescinde da pena, a fim de sustentar a ordem jurdica. A necessidade da conservao do
prprio Estado justifica a pena.
Com essa concluso, apagam-se, quase que totalmente, as antigas controvrsias
entre as teorias de Direito Penal, de vez que, nesse ou naquele clima de arregimentao
poltica, a tendncia a punir congenial ao homem comum, em face da necessidade de
manter, tanto quanto possvel, a intangibilidade da ordem no plano coletivo.
Andr Luiz, contudo, faz-nos sentir que o Espiritismo revela uma concepo de
justia ainda mais ampla.
A criatura no se encontra simplesmente subordinada ao critrio dos penlogos
do mundo, categorizados coma de cirurgies eficientes no tratamento ou na extirpao
da gangrena social. Quanto mais esclarecida a criatura, tanto mais responsvel, entregue
naturalmente aos arestos da prpria conscincia, na Terra ou fora dela, toda vez que se
envolve nos espinheiros da culpa.
Suas pginas, desse modo, guardam o objetivo de salientar que os princpios
codificados por Allan Kardec abrem uma nova era para o esprito humano, compelindoo auscultao de si mesmo, no reajuste dos caminhos traados por Jesus ao verdadeiro
progresso da alma, e explicam que o Espiritismo, por isso mesmo, o disciplinador de
nossa liberdade, no apenas para que tenhamos na Terra uma vida social dignificante,
mas tambm para que mantenhamos, no campo do esprito, uma vida individual
harmoniosa, devidamente ajustada aos impositivos da Vida Universal Perfeita,
consoante as normas de eterna Justia, elaboradas pelo supremo equilbrio das Leis de
Deus.
Eis por que, apresentando-as ao leitor amigo, reconhecemos nos postulados que
abraamos no somente um santurio de consolaes sublimes, mas tambm um templo
de responsabilidades definidas, para considerar que a reencarnao um estgio sagrado
de recapitulao das nossas experincias e que a Doutrina Esprita, revivendo o
Evangelho do Senhor, facho resplendente na estrada evolutiva, ajudando-nos a
regenerar o prprio destino, para a edificao da felicidade real.
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Sem se dar conta da misria moral a que se acolhe, continua autoritrio e orgulhoso...
Paulo, no entanto, no para mim um inimigo... um filho inolvidvel... Ah! como
pode o amor contrair tamanho dbito?!...
- Sim... - exclamou Druso, reticencioso -, o amor a fora divina que
freqentemente aviltamos. Tomamo-la pura e simples da vida com que o Senhor nos
criou e com ela inventamos o dio e o desequilbrio, a crueldade e o remorso, que nos
fixam indefinidamente nas sombras... Quase sempre, mais pelo amor que nos
enredamos em pungentes labirintos no tocante Lei... amor mal interpretado... mal
conduzido...
Como se voltasse de rpida fuga ao seu mundo interior, acendeu novo brilho no
olhar, afagou as mos da torturada mulher e anunciou:
- Esperamos possa voc reunir-se, em breve, ao seu rapaz na valiosa empresa
do resgate. Pelos informes de que dispomos, no se demorar ele nas inibies em que
ainda se encontra. Tenhamos serenidade e confiana...
Enquanto a pobrezinha se retirava com um sorriso de pacincia, o Instrutor
ponderou conosco:
- Nossa irm possui excelentes qualidades morais, mas no soube orientar o
sentimento materno para com o filho que jaz nas sombras. Instilou nele idias de
superioridade mals, que se lhe cristalizaram na mente, favorecendo-lhe os acessos de
rebeldia e brutalidade. Transformando-se em tiranete social, o infeliz foi fisgado, sem
perceber, ao pntano tenebroso, em seguida morte do corpo, e a desventurada
genitora, sentindo-se responsvel pela sementeira de enganos que lhe arruinou a vida,
hoje se esfora por reav-lo.
- E realizar semelhante propsito? - perguntou Hilrio com interesse.
- No podemos duvidar - replicou nosso amigo, convincente.
- Mas... como?
- Nossa amiga, que amoleceu a fibra da responsabilidade moral no excesso de
reconforto, voltar reencarnao em crculo pauprrimo, recebendo a, quando
novamente mulher jovem, ento desprotegida, o filho que ela prpria complicou nas
antigas fantasias de mulher ftil e rica. Ser-lhe-, na carncia de recursos econmicos, a
inspiradora de herosmo e coragem, regenerando-lhe a viso da vida e purificando-lhe
as energias na forja da dificuldade e do sofrimento.
- E vencero no difcil tentame? - indagou meu companheiro, de novo,
evidentemente intrigado.
- A vitria a felicidade que todos lhes desejamos.
- E se perderem na batalha projetada?
- Decerto - falou o orientador com expressiva inflexo de voz - regressaro em
piores condies aos precipcios que nos circundam...
Depois de um sorriso triste, Druso ajuntou:
- Cada um de ns, os Espritos endividados, em renascendo na carne, transporta
consigo para o ambiente dos homens uma rstia do cu que sonha conquistar e um vasto
manto do inferno que plasmou para si mesmo. Quando no temos fora suficiente para
seguir ao encontro do cu que nos confere oportunidades de ascenso at ele,
retornamos ao inferno que nos fascina retaguarda...
Nosso anfitrio ia continuar, no entanto, um velhinho cambaleante veio at ns
e disse-lhe humildemente:
- Ah! meu Instrutor, estou cansado de trabalhar nos tropeos daqui!... H vinte
anos carrego doentes loucos e revoltados para este asilo!... Quando terei meu corpo na
Terra para descansar no esquecimento da carne, aos ps dos meus?...
Druso afagou-lhe a cabea e respondeu, comovido:
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- No desfalea, meu filho! Console-se! Tambm ns, faz muitos anos, estamos
presos a esta casa, por injunes de nosso dever. Sirvamos com alegria. O dia de nossa
mudana ser determinado pelo Senhor.
Calou-se o ancio, de olhos tristes.
Logo aps, o orientador fez vibrar pequena campainha e a assemblia se
colocou vontade para a livre conversao.
Um moo de expresso simptica abeirou-se de ns e, depois de saudar-nos
afetuosamente, observou, inquieto:
- Instrutor amigo, ouvindo-lhe a palavra educativa e ardente, fico a cismar nos
enigmas da memria... Por que este olvido para c da morte fsica? Se tive existncias
outras, antes da ltima, cujos erros agora procuro reparar, por que razo me no lembro
delas? Antes de partir para o campo fsico, na romagem que me fixou o nome pelo qual
hoje respondo, devo ter deixado bons amigos na vida espiritual, assim como algum
que, viajando na Terra de um continente para outro, comumente deixa no cais afeies
queridas que no o esquecem... Como justificar a amnsia que me no permite recordar
os companheiros que devo possuir a distncia?
- Bem -, ponderou o interpelado, sabiamente -, os Espritos que na vida fsica
atendem aos seus deveres com exatido, retomam pacificamente os domnios da
memria, to logo se desenfaixam do corpo denso, reentrando em comunho com os
laos nobres e dignos que os aguardam na Vida Superior, para a continuidade do servio
de aperfeioamento e sublimao que lhes diz respeito; contudo, para ns, conscincias
intranqilas, a morte no veculo carnal no exprime libertao. Perdemos o carro
fisiolgico, invisvel de nossas culpas; e a culpa, meu amigo, sempre uma nesga de
sombra eclipsando-nos a viso. Nossas faculdades mnemnicas, relativamente s nossas
quedas morais, assemelham-se, de certo modo, s conhecidas chapas fotogrficas, as
quais, se no forem convenientemente protegidas, sempre se inutilizam.
O mentor fez breve pausa em suas consideraes e continuou:
- Imaginemos a mente como sendo um lago. Se as guas se acham pacificadas e
lmpidas, a luz do firmamento pode retratar-se nele com segurana. Mas, se as guas
vivem revoltas, as imagens se perdem ao quebro das ondas mveis, principalmente
quando o lodo acumulado no fundo aparece superfcie. A rigor, somos aqui, nas zonas
inferiores, seres humanos muito distantes da renovao espiritual, no obstante
desencarnados.
O consulente escutava-o, visivelmente surpreendido, e dispunha-se a formular
interrogaes novas, ante a pausa que se fizera, mas Druso, antecipando-se-lhe
palavra, acentuou em tom amigo:
- Observe a realidade em si mesmo. A despeito dos estudos a que
presentemente se confia e apesar das sublimes esperanas que lhe ocupam agora o
corao, seu pensamento vive preso aos stios e paisagens de que, pela morte,
supostamente se desvencilhou. Em pleno caminho da espiritualidade, voc se identifica
com as escuras reminiscncias que permanecem ao longe, no tempo: o lar, a famlia, os
compromissos imperfeitamente solucionados... Tudo isso lastro, inclinando a sua
mente para o mundo fsico, onde nossos dbitos reclamam sacrifcio e pagamento.
- verdade, verdade... - suspirou o rapaz, compungidamente.
Mas o Instrutor prosseguiu:
- Sob a hipnose nossa memria pode regredir e recuperar-se por momentos.
Isso, porm, um fenmeno de compulso... E em tudo convm satisfazer sabedoria
da Natureza. Libertemos o espelho da mente que jaz sob a lama do arrependimento, do
remorso e da culpa, e esse espelho divino refletir o Sol com todo o esplendor de sua
pureza.
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- Mensageiros da luz?
- Sim, so prepostos das Inteligncias anglicas que no perdem de vista as
plagas infernais, porque, ainda que os gnios da sombra no o admitam, as foras do
Cu velam pelo inferno que, a rigor, existe para controlar o trabalho regenerativo na
Terra.
E, sorrindo:
- Assim como o doente exige remdio, reclamamos a purgao espiritual, a fim
de que nos habilitemos para a vida nas esferas superiores. O inferno para a alma que o
erigiu em si mesma aquilo que a forja constitui para o metal: ali ele se apura e se
modela convenientemente. . .
O companheiro ia continuar, mas estranho rudo nos tomou a ateno, ao
mesmo tempo que um emissrio varou uma das portas, situada rente a ns, e, abeirandose de Druso, anunciou:
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- A dama generosa que a recolheu nos braos a genitora que veio ao encontro
da filha.
- Que nos diz?! - exclamou Hilrio, assombrado.
- Sim, acompanh-la-, carinhosamente, sem identificar-se, para que a pobre
desencarnada no sofra abalos prejudiciais. O traumatismo perispirtico vale por muito
tempo de desequilbrio e aflio.
- E por que motivo teria a doente decidido confessar-se, dessa maneira? perguntou meu colega, intrigado.
- fenmeno comum - elucidou o Assistente. As faculdades mentais de nossa
irm sofredora estagnaram-se no remorso, em razo do delito mximo de sua existncia
ltima, e, desde que foi mais intensamente tocada pelas reflexes da morte, entregou-se,
de modo total, a semelhantes reminiscncias. Por haver cultivado a f catlica romana,
imagina-se ainda diante do sacerdote, acusando-se pela falta que lhe maculou a vida...
O espetculo ferira-me, fundo.
A rudeza do quadro que a verdade me oferecia obrigava-me a dolorida
meditao.
No havia, ento, males ocultos na Terra!...
Todos os crimes e todas as falhas da criatura humana se revelariam algum dia,
em algum lugar!...
Silas entendeu a amargura de minhas reflexes e veio em meu socorro,
observando:
- Sim, meu amigo, voc repara com acerto. A Criao de Deus gloriosa luz.
Qualquer sombra de nossa conscincia jaz impressa em nossa vida at que a mcula seja
lavada por ns mesmos, com o suor do trabalho ou com o pranto da expiao...
E ante os apelos agoniados e afetivos nos reencontros a se processarem, ali, sob
nossos olhos, em que filhos e pais, esposos e amigos se reaproximavam uns dos outros,
o Assistente acrescentou:
- Geralmente a estas plagas de inquietao aportam aqueles que em si mesmos
cavaram mais fundos sulcos infernais e que se cristalizaram em perigosas iluses, mas a
Bondade Infinita do Senhor permite que as vtimas edificadas no entendimento e no
perdo se transformem, felizes, em abnegados cireneus dos antigos verdugos. Como
fcil verificar, o incomensurvel amor de nosso Pai Celeste cobre, no somente os
territrios glorificados do paraso, mas tambm as provncias atormentadas do inferno
que criamos...
Pobre mulher prorrompeu em choro convulso, junto de ns, cortando a palavra
de nosso amigo.
De punhos cerrados, reclamava a infeliz:
- Quem me libertar de Sat? quem me livrar do poder das trevas? Santos
anjos, socorrei-me! Socorrei-me contra o temvel Belfegor!...
Silas convocou-nos ao amparo magntico imediato.
Enfermeiros presentes acorreram, solcitos, impedindo o agravamento da crise.
- Maldito! Maldito!... - repetia a demente, persignando-se.
Invocando o socorro divino, atravs da orao, procurei anular-lhe os
movimentos desordenados, adormecendo-a pouco a pouco.
Asserenado o ambiente, convidou-nos Silas a sondar-lhe a mente conturbada,
agora sob o imprio de profunda hipnose.
Busquei pesquisar-lhe a desarmonia em rpido processo de anlise mental, e
verifiquei, espantado, que a pobre amiga era portadora de pensamentos horripilantes.
Como que a se lhe enraizar no crebro, via escapar-lhe do campo ntimo a figura
animalesca de um homem agigantado, de longa cauda, com a fisionomia de um caprino
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trazidas nossa instituio que, tanto quanto possvel, evita abrir-se s conscincias
ainda positivamente encravadas na revolta sistemtica.
Talvez porque evocssemos em silncio os episdios da vspera, lembrando os
desencarnados acolhidos no grande asilo, nosso companheiro acrescentou:
- Vocs acompanharam ontem o socorro prestado a um irmo infeliz, seviciado
nas trevas, e viram a chegada de sofredores arrebatados carne, em libertao
recentssima. Contudo, entre os beneficiados, viram Espritos inconscientes e devedores,
mas no insensatos e rebelados.
Ante esta observao que, de alguma sorte, nos asserenava a mente inquieta,
Hilrio indagou:
- E este ambiente, assim tumultuado pelo infortnio, conta com o amparo de
que necessita?
- Sim - aclarou nosso amigo -, muitas criaturas recuperadas na Manso aceitam
aqui preciosas tarefas de auxlio, incumbindo-se da assistncia fraterna, em largos
setores desta regio torturada. Melhoradas l, trazem para aqui as bnos recolhidas,
transformando-se em valiosos elementos de servio de ligao. Atravs delas, a
administrao do nosso instituto atende a milhares de conscincias necessitadas e sabe
com segurana quais os irmos sofredores que se fazem dignos de acesso a nossa casa,
ps a transformao gradual a que se ajustam. Espalhando-se nos campos de sombra,
em pequenos santurios domsticos, aqui continuam a prpria restaurao, aprendendo
e servindo.
- Entretanto - continuou Hilrio, curioso -, to infortunada colnia de almas em
desajuste no sofrer o domnio das Inteligncias perversas, quais as que vimos ontem
no lado oposto a estes stios?
- Sim -, os assaltos dessa ordem so aqui constantes e inevitveis,
principalmente em torno das entidades que largaram cmplices bestializados em antros
infernais ou em ncleos de atividades terrestres. Em tais casos, as vtimas de
semelhantes feras humanas desencarnadas padecem longos e inenarrveis suplcios,
atravs da fascinao hipntica de que muitos gnios do mal so cultores exmios.
E, depois de ligeira pausa, Silas acentuou:
- So esses alguns dos fenmenos de flagelao compreensvel que alguns
msticos do mundo, em desdobramento medinico, no reino das trevas, classificaram
como sendo vasta purificao. Para eles, as almas culpadas, depois da morte,
experimentam horrveis torturas por parte dos demnios aclimatados nas sombras.
As informaes do Assistente, casadas aos gemidos e lamentaes que
ouvamos sem cessar, impunham-nos desagradvel impresso.
Foi por isso talvez que Hilrio, penosamente tocado pelos gritos em torno,
interrogou, surpreendido:
- Mas por que diz voc flagelao compreensvel?
E, num desabafo:
- Acha justo que tanta gente aqui se aglutine em semelhante desolao?
Silas sorriu, triste, e obtemperou:
- Compreendo-lhe o pesar. Indiscutivelmente, tanta dor reunida no seria justa
se no viesse de quantos preferiram no mundo o trato dirio com a injustia. No
claro, porm, que todos venhamos a colher o fruto da plantao que nos pertence? Na
mesma leira de terra dadivosa e neutra, quem acalenta a urtiga recolhe a urtiga que fere,
e quem protege o jardim tem a flor que perfuma. O solo da vida idntico para ns
todos. No encontraremos aqui neste imenso palco de angstia almas simples e
inocentes, mas sim criaturas que abusaram da inteligncia e do poder, e que,
voluntariamente surdas prudncia, se extraviaram nos abismos da loucura e da
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que, ainda mesmo semi-inconscientes, consigam acolher com proveito o auxlio que se
lhes estende aos coraes.
E como se quisesse passar demonstrao do que asseverava, convidou-nos a
inspecionar as celas prximas.
- Quantos doentes agora internados?
Orzil, atencioso, respondeu sem titubear:
- Temos trs amigos em franca situao de inconscincia.
Depois de alguns passos, ouvimos gritaria estentrica.
As acomodaes reservadas aos enfermos jaziam ao fundo, maneira de largos
boxes de confortvel cavalaria. Essa a figura mais adequada nossa tarefa
descritiva, porque a construo em si denunciava rusticidade e segurana, naturalmente
adstrita aos objetivos de conteno.
medida que nos acercvamos do refgio, desagradvel odor nos afetava as
narinas.
Respondendo-nos inquirio ntima, o Assistente salientou:
- Vocs no ignoram que todas as criaturas vivem cercadas pelo halo vital das
energias que lhes vibram no mago do ser e esse halo constitudo por partculas de
fora a se irradiarem por todos os lados, impressionando-nos o olfato, de modo
agradvel ou desagradvel, segundo a natureza do indivduo que as irradia. Assim
sendo, qual ocorre na prpria Terra, cada entidade aqui se caracteriza por exalao
peculiar.
- Sim, sim... - confirmamos Hilrio e eu, simultaneamente.
Entretanto, o cheiro alarmante de carne em decomposio era para ns, ali, um
acontecimento excepcional.
Silas percebeu-nos a estranheza e endereou interrogativo olhar ao encarregado
daquele oratrio de purgao, o qual informou, presto:
- Temos conosco o irmo Corsino, cujo pensamento continua enrodilhado ao
corpo sepulto, de maneira total. Enredado lembrana dos abusos a que se entregou na
carne, ainda no conseguiu desvencilhar-se da lembrana daquilo que foi, trazendo a
imagem do prprio cadver tona de todas as suas recordaes.
Silas no teceu qualquer comentrio novo, porque atingamos, de chofre, o
primeiro abrigo, cuja porta gradeada nos deixava contemplar, l dentro, um homem
envelhecido, de cabea pendida entre as mos e a clamar:
- Chamem meus filhos! chamem meus filhos...
- o nosso irmo Veiga - disse Orzil, prestimoso. - Mantm fixa a idia na
herana que perdeu ao desencarnar: vasta quantidade de ouro e bens que passou
propriedade dos filhos, trs rapazes que concorrem no mundo ao melhor e maior
quinho, prevalecendo-se, para isso, de juizes venais e rbulas inconseqentes.
Acostados agora aos varais da porta, Silas recomendou-nos observar com
ateno mais detida o ambiente que formava a psicosfera do enfermo.
Efetivamente, de minha parte percebi quadros que surgiam e desapareciam,
fugazes, semelhantes s figuraes efmeras que se desprendem, silenciosas, dos fogos
de artifcio.
Desses painis que se avivavam e se apagavam ao mesmo tempo, transpareciam
trs jovens, cujas imagens passageiras vagueavam entre documentos esparsos, cdulas e
cofres repletos de valores, como que pincelados no ar com tinta tenussima, que se
adelgaava e se recompunha, sucessivamente.
Compreendi que registrvamos as formas-pensamentos, criadas pelas
reminiscncias do nosso amigo que, decerto, na situao em que se nos apresentava, no
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podia, de momento, seno viver o seu drama ntimo, tal a insistncia da fixao mental
em que se encarcerava.
Amparado evidentemente pelas vibraes de auxlio que o Assistente lhe
enviava, segundo percebi, esfregou os olhos como quem buscava liberar-se de garoa
imperceptvel e assinalou-nos a presena. Avanou de um salto para ns e, apoiando-se
nas grades que nos separavam, gritou, dementado:
- Quem sois? Juizes? juizes?...
E derramou-se em lamrias que nos tocavam o corao:
- Lutei por vinte e cinco anos para reaver a herana que me cabia por morte de
meus avs... E, quando a vi nas mos, a morte me arrebatou ao corpo, sem piedade...
No me resignei a essa injuno e permaneci em minha velha casa... Desejava, pelo
menos, acompanhar a partilha do esplio que me interessava, mas meus rapazes
amaldioaram-me a influncia, impondo-me, a cada passo, frases venenosas e hostis...
No satisfeitos com as agresses mentais que me infligiam, comearam a perseguir
minha segunda esposa, que lhes foi me ao invs de madrasta, administrando-lhe
txicos por medicao inocente, at que a pobrezinha foi internada numa casa de
loucos, sem esperana de recuperao... Tudo por causa do nosso rico dinheiro que os
malandros querem pilhar... Diante de tal injustia, pensei suplicar o favor dos seres que
povoam as trevas, porque somente os gnios do mal devem ser os fiis executores da
grande vingana...
Tentou enxugar as lgrimas de desespero e acrescentou:
- Dizei-me!... por que motivo terei alimentado infelizes ladres, julgando
acariciar filhos de minhalma? Casei-me quando moo, acalentando sonhos de amor, e
gerei espinheiros de dio!...
E como a voz de Silas se fez ouvir, rogando calma, o infortunado vociferou,
desabrido:
- Nunca! nunca perdoarei!... Recorri aos infernos sabendo que os santos me
aconselhariam conformidade e sacrifcio... Quero que os demnios torturem meus
filhos, tanto quanto meus filhos me torturam...
Transformando o choro convulso em gargalhadas estridentes, passou a bradar:
- Meu dinheiro, meu dinheiro, exijo meu dinheiro!
O Assistente voltou-se para Orzil e considerou, compadecido:
- Sim, por agora a situao de nosso amigo demasiado complexa. No pode
ausentar-se da grade, sem prejuzo.
Deixamos o doente, imprecando contra ns, de punhos cerrados, e abeiramonos de outra cela.
Ante a palavra de Silas, que nos recomendava observar o quadro em foco,
fitamos o novo enfermo, um homem profundamente triste, sentado ao fundo da priso,
de cabea pendida entre as mos e de olhos fixos em parede prxima.
Seguindo-lhe a ateno no ponto que concentrava os seus raios visuais, a modo
de espelho invisvel retratando-lhe o prprio pensamento, vimos larga tela viva em que
se destacava enluarada rua de grande cidade, e, na rua, conseguimos distingui-lo no
volante de um carro, perseguindo um transeunte bbado, at mat-lo, sem compaixo.
Achvamo-nos diante de um homicida preso a constrangedores quadros mentais que o
encerravam em punitivas recordaes. Notava-se-lhe a intraduzvel angstia, entre o
remorso e o arrependimento.
A leve chamado de Silas, despertou como fera roubada quietao do sono.
Instintivamente precipitou-se sobre ns, num salto espetaculoso que a enxovia
conteve, e bramiu:
- No h testemunhas... No h testemunhas!...
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- Sim, isso quer dizer que, nas zonas infernais, tambm dispomos de preciosas
oportunidades de trabalho, no somente vencendo as aflies purgatoriais que
estabelecemos em ns mesmos, como tambm preparando novos caminhos para o cu
interior que devemos edificar.
O ensinamento resumia imensas consolaes para ns.
A essa altura do entendimento, Hilrio centralizou a ateno nas duas damas
presentes, cuja apresentao exterior demonstrava singular diferena do meio a que nos
ajustvamos, pela extrema tristeza que lhes senhoreava a fisionomia, e perguntou,
respeitoso:
- Meu caro Silas, quem so essas irms nossas que, francamente, se distanciam
do tom psquico aqui reinante?
O interpelado sorriu e informou:
- So irms que, por mrito em servio, receberam o direito de partilhar a
reunio de hoje, de modo a suplicarem auxlio na soluo dos problemas que lhes tocam
a alma de perto. Conheo-as pessoalmente. So mulheres desencarnadas que primam
pela abnegao, atuando em socorro de Espritos familiares que sofrem nestas regies as
duras conseqncias dos delitos a que se entregaram, imprevidentes.
Aps lhes dirigir um olhar fraterno, aduziu:
- Madalena e Slvia desposaram na existncia ltima dois irmos consangneos
que se odiaram terrivelmente, desde a mocidade at a morte e, em razo dessas
desavenas, cometeram erros deliberados e clamorosos nos setores da poltica regional
em que estiveram situados. Nutriram vastas sementeiras de egosmo e discrdia,
impedindo o progresso da coletividade que lhes cabia servir e alimentando a ciznia e a
crueldade entre os companheiros que lhes abraavam os pontos de vista. Muitos crimes
foram postos em execuo, incitados por eles ambos, que estimavam acalentar a
discrdia incessante entre os conscios de arregimentao partidria, e, por essa razo,
expiam nas linhas inferiores do sofrimento os delitos de lesa-fraternidade que
praticaram contra si prprios.
Pretendia indagar em que consistiam as provaes dos amigos infortunados a
que nos referamos, mas a palavra de Druso se fez ouvida, concitando-nos necessria
preparao.
Certamente ajuizando quanto s faltas involuntrias em que poderamos
incorrer, pediu para que ns outros, os que partilhvamos a prece, ali, pela primeira vez,
guardssemos plena absteno de pensamentos menos dignos, abolindo quaisquer
recordaes desagradveis, para que no se verificassem interferncias na cmara
cristalina, nome pelo qual designou o grande espelho nossa frente, durante a
manifestao do venervel mensageiro, cuja visita aguardava. Explicou que as foras
associadas dos mdiuns presentes se caracterizariam por extremo poder plstico e que
uma simples idia nossa, incompatvel com a dignidade do recinto, poderia materializarse, criando imagens imprprias, no obstante temporrias, na face do aparelho sob nossa
vista.
Convidados finalmente pelo generoso diretor a externar qualquer dvida ou
preocupao que nos assomassem mente, perguntei se poderamos apresentar uma ou
outra indagao ao emissrio prestes a chegar, ao que ele assentiu plenamente,
recomendando-nos, porm, conservar em qualquer assunto a nobreza espiritual de quem
se consagra ao bem de todos, sem se deter em perquiries ociosas, alusivas s estreitas
inquietaes da esfera particular.
Logo aps, avisou que, atravs de dispositivos especiais, todos os recursos dos
medianeiros presentes seriam concentrados na cmara que, daquele minuto em diante,
estaria sensibilizada para os misteres da hora em curso.
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
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Andr Luiz
abenoado futuro, para que recebas nos braos Clarindo e Leonel, por filhos do corao,
aos quais Olmpio restituir a existncia terrestre e os haveres...
Um sorriso de ventura brilhou no semblante da sublime mulher e, talvez porque
enunciasse pensamentos de temor, Snzio acudiu-a, exclamando:
- No desfaleas. Sers sustentada por esta Manso, em todos os teus contactos
com os nossos amigos fixados na vingana e atenderemos pessoalmente a todos os
assuntos que se refiram transferncia de tuas atividades para este sitio, perante as
autoridades a que te subordinas. Nossos irmos infortunados no estaro insensveis aos
teus rogos... Sofreste-lhes impiedosos golpes nos derradeiros dias de tua permanncia
no mundo e a humildade dos que sofrem fator essencial na renovao dos que fazem
sofrer...
A digna criatura, em lgrimas de jubiloso reconhecimento, osculou-lhe a destra
e afastou-se.
A cena tocante e simples emocionara-nos, fundamente.
Senti o incomensurvel amor de Deus alicerando os fundamentos de Sua
Justia indefectvel e, no imo dalma, bradei para os meus prprios ouvidos: - Louvado
sejas Tu, Pai de Infinita Bondade, que semeias a esperana e a alegria at nos infernos
do crime, como desabotoas rosas de beleza e perfume no seio doa sarais!...
Autorizadas por Druso, Madalena e Silvia aproximaram-se do Ministro,
implorando-lhe a intercesso para que os esposos fossem atendidos naquele
estabelecimento de paz e fraternidade, para a reconstruo do destino frente do porvir.
Snzio acolheu-lhes as splicas com benevolncia e carinho, determinando o
recolhimento de ambos os infelizes no clima do instituto e prometendo facilitar-lhes a
reencarnao para breve.
Ligeiro sinal do diretor fez-nos sentir que o instante era agora livre para os
entendimentos educativos; assim, impressionados com o que vramos e observramos,
Hilrio e eu acercamo-nos do venervel mensageiro, com o propsito de ouvi-lo, a fim
de aproveitarmos aquela hora de conversao rara e bela.
Conversao preciosa.
Facilitando-nos a tarefa, Druso apresentou-nos, mais intimamente, ao Ministro
Snzio, informando que estudvamos, em alguns problemas da Manso, as leis de
causalidade. Anelando penetrar mais amplas esferas de conhecimento, acerca do
destino, indagvamos sobre a dor...
O grande mensageiro como que abdicou por momentos a elevada posio
hierrquica que lhe quadrava personalidade distinta, e, tanto pelo olhar quanto pela
inflexo da voz, parecia agora mais particularmente associado a ns, mostrando-se mais
vontade.
- A dor, sim, a dor... - murmurou, compadecido, como se perscrutasse
transcendente questo nos escaninhos da prpria alma.
E fitando-nos, a Hilrio e a mim, com inesperada ternura acentuou, quase doce:
- Estudo-a, igualmente, filhos meus. Sou funcionrio humilde dos abismos.
Trago comigo a penria e a desolao de muitos. Conheo irmos nossos, portadores do
estigma de padecimentos atrozes, que se encontram animalizados, h sculos, nos
despenhadeiros infernais; entretanto, cruzando as trevas densas, embora o enigma da
dor me dilacere o corao, nunca surpreendi criatura alguma esquecida pela Divina
Bondade.
Registrando-lhe a palavra amorosa e sbia, inexprimvel sentimento me invadiu
a alma toda. At ali, no obstante ligeiramente, convivera com numerosos Instrutores.
De muitos deles conseguira ensinamentos e observaes magistrais, mas nenhum, at
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Ante a palavra do Assistente, que indagou quanto aos seus tentames de socorro
ao marido desencarnado, Alzira declarou que isso lhe fora realmente impossvel, porque
as vtimas se haviam transformado em carcereiros ferozes do infeliz delinqente, e
como, at ento, no conseguira escudar-se em qualquer equipe de trabalho assistencial,
no lhe permitiam os verdugos qualquer aproximao. Ainda assim, em ocasies
fortuitas, dispensava ao filho, nora e aos dois netos algum amparo, o que se lhe fazia
extremamente difcil, de vez que os obsessores velavam, irredutveis, guerreando-lhe as
influncias.
A vista da pausa espontnea que se fizera em nosso entendimento, num
testemunho de comovedora humildade consultou a Silas se a Manso poderia facultarlhe uma visita ao esposo, antes da viagem procura do filho, segundo as tarefas
programadas.
O Assistente aquiesceu, com o maior carinho, e guiamo-la, ns trs, at o
compartimento em que Antnio Olmpio repousava.
Avizinhando-se-lhe do leito, e ao v-lo ainda prostrado e inconsciente, notei
que o semblante da nobre senhora acusava visvel alterao. As lgrimas borbulhavamlhe, incoercveis, dos olhos, agora conturbados por imensa dor. Afagou-lhe a cabea, em
que os traos fisionmicos, a meu ver, se reajustavam, pouco a pouco, e chamou-o pelo
nome vrias vezes.
O enfermo abriu os olhos, pousando-os sobre ns sem qualquer expresso de
lucidez, pronunciando monosslabos desconexos. Registrando-lhe a runa mental, a
notvel mulher pediu a Silas permisso para orar, em nossa companhia, junto do esposo,
o que lhe foi concedido prazerosamente.
Diante da nossa surpresa, Alzira ajoelhou-se cabeceira, conchegou-lhe o busto
de encontro ao colo, maneira de abnegada me procurando conservar entre os braos
um filhinho doente, e, levantando os olhos lacrimosos para o Alto, clamou, humilde,
segundo a sua f:
"Me Santssima! Anjo tutelar dos nufragos da Terra, compadece-te de ns e
estende-nos tuas mos doces e puras!... Reconheo, Senhora, que ningum te dirige,
debalde, a palavra de aflio e de dor... Sabemos que o teu corao compassivo luz
para os que se tresmalham nas sombras do crime, e amor para todos os que mergulham
nos abismos do dio... Perdoaste aos que te aniquilaram o Filho Divino nos tormentos
da cruz e, alm da pacincia com que lhes suportaste os insultos, vieste ainda do Cu,
ofertando-lhes braos protetores!
Me Bondosa, tu que ergues os cados de tantas geraes terrenas e que saras,
piedosamente, as feridas de quantos se petrificaram na crueldade, lana caridoso olhar
sobre ns, meu esposo e eu, jungidos s conseqncias de duplo homicdio que nos
fazem sangrar os coraes. Eu e ele estamos enovelados nas teias de nosso delito.
Embora estivesse ele sem mim, nas guas fatdicas, enquanto nossos irmos
experimentavam a asfixia mortal, sou-lhe partcipe das responsabilidades e identificome associada ao crime, tambm eu...
Meu esposo, Me do Cu, devia ter o corao envolvido em pesada nuvem,
quando se desvairou na estranha deliberao que nos chagou as conscincias... Para os
outros poder ele ser tido como um impenitente que se apropriou de recursos alheios,
infligindo a morte aos prprios irmos, menos para meu filho e para mim, que lhe
recebemos os maiores testemunhos de amor... Para outros, ser ru, diante da Lei... Para
ns, porm, o companheiro e o amigo fiel... Para os outros, parecer um egosta sem
direito remisso, mas, para ns, o benfeitor que nos assistiu na Terra, com
imensurvel ternura...
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
devorando o caminho que para a nossa companheira representava uma senda de retorno
ao antigo lar.
Na paisagem terrestre, enchia-se a madrugada de nvoa rala e fria.
De volta aos velhos stios que lhe haviam assinalado a dolorosa experincia,
Alzira no disfarava a emoo de que se via objeto.
Levemente amparada pelo brao de Silas, designava, aqui e ali, esse ou aquele
trecho dos caminhos e pastagens que lhe evocavam mais expressivas recordaes...
De repente, desvelou-se-nos, em estreita plancie, o casario em que se lhe
desenvolvera o drama funesto.
Em verdade, o luar revelava slida construo em franca decadncia. Extensos
ptios laterais exibiam grandes jardins arruinados pelo pisoteio constante dos bovinos
de grande porte. Porteiras desconjuntadas, tapumes derrudos e as varandas imundas
falavam, sem palavras, da desdia dos moradores. E entidades estranhas, embuadas em
largos vus de sombra, transitavam, absortas, nos grandes terreiros, como se ignorassem
a presena umas das outras. Com o visvel receio de se fazer ouvida, a esposa de
Olmpio notificou-nos, em surdina:
- So onzenrios desencarnados, trazidos sub-repticiamente at aqui por Leonel
e Clarindo, de modo a fortalecerem a usura no esprito de meu filho.
- No nos enxergam? - perguntou Hilrio compreensivelmente intrigado.
- No - confirmou Silas. - Com certeza nos identificam a chegada, entretanto,
pelo que deduzo, encontram-se demasiadamente fixados nas idias em que se
mancomunam. No se preocupam com a nossa presena, desde que lhes no penetremos
a faixa mental, comungando-lhes os interesses.
- Isso quer dizer - comentei - que se algo lhes falssemos acerca da fortuna
terrena, excitando-lhes o gosto da posse humana, indiscutivelmente nos dispensariam a
melhor ateno...
- Exatamente.
- E por que no o fazer? -inquiriu meu companheiro, curioso.
- No nos seria lcito desperdiar tempo - respondeu-nos o amigo -, mesmo
porque o trabalho que nos compete espera por ns a reduzidos passos, e ignoramos, at
agora, como se nos desdobraro as tarefas.
Com efeito, entramos e o movimento no interior domstico era de pasmar.
Desencarnados de horripilante aspecto iam e vinham, atravs dos corredores extensos,
conversando, aloucados, como se estivessem falando para dentro de si prprios.
Tentei algo registrar do que me era dado ouvir e o ouro constitua assunto
fundamental de todos os solilquios a se entrechocarem sem nexo.
Qual se percebesse, com mais funda acuidade, as tramas do ambiente, Silas
estacou de chofre e, deixando-nos os trs em recuado ngulo de velha sala, ausentou-se,
recomendando-nos aguardar-lhe o retorno, cautelosamente.
Pretendia estudar, com antecipao, nosso quadro de servio.
Decorridos alguns minutos, voltou a buscar-nos.
Conduziu a irm Alzira para o aposento em que Adlia, a dona da casa,
repousava junto dos filhinhos, explicando que no era conveniente que Alzira se
encontrasse logo com os irmos transformados em verdugos, e ali a deixamos sob a
custdia de Hilrio que, evidentemente, a contragosto se deixou ficar distanciado de
ns, atendendo aos imperativos de vigilncia.
A ss comigo, o Assistente esclareceu que, para efetuar o socorro com o
proveito desejvel, precisaramos, antes de tudo, saber ouvir e que, em razo disso,
procurasse de minha parte no lhe estorvar as atividades, na hiptese de me sentir
assaltado por qualquer estranheza, diante das atitudes que ele fosse obrigado a assumir.
Ao e Reao
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10 - ENTENDIMENTO
Na noite imediata, em seguida a servios rotineiros, Silas procurou-nos para a
continuao da tarefa encetada.
De regresso ao lar de Luis, alimentamos conversao comum, sem qualquer
aluso aos temas da vspera, e, como que sintonizados em nossa onda mental de
respeito mtuo, Clarindo e Leonel receberam-nos com discrio e carinho.
Afiguraram-se-nos, ambos, sobremaneira trabalhados pelas idias que o
Assistente lhes ofertara indiretamente ao esprito.
Em casa do situante, o quadro no se alterara.
Lus e os amigos cavaqueavam cordialmente, comentando as pragas do campo e
as doenas dos animais, a carestia da vida e os negcios infortunados... Entretanto, os
dois irmos demonstravam-se agora claramente desligados de semelhante painel de
sombra.
Cumprimentaram-nos com a gentileza irradiante de quem se punha vontade
para acolher-nos e fitaram Silas com desusado interesse.
Adivinhava-se que haviam tomado a confisso do Assistente para valiosas
reflexes.
Observando-lhes a metamorfose com inequvocos sinais de contentamento, o
chefe de nossa expedio nem de leve se reportou ao problema de Lus e convidou-os
com lhaneza de trato a acompanhar-nos. Mostrando a renovao de que se achavam
possudos, incorporaram-se, de pronto, nossa pequena caravana e, atendendo
recomendao de Silas, os dois, de mos entrelaadas com as nossas, conseguiram
volitar com certa facilidade e segurana.
Findos alguns minutos, chegamos a vasto hospital de movimentada cidade
terrestre. Na portaria, um dos vigilantes espirituais dirigiu-se carinhosamente a Silas, em
saudao fraterna, e o nosso dirigente no-lo apresentou, atencioso:
- Este o nosso companheiro Ludovino, que no momento se encontra
encarregado da necessria vigilncia, a benefcio de alguns enfermos de cuja
reencarnao cuida a nossa casa.
Abraamo-nos todos, irmmente.
Logo aps, o responsvel por nossa equipe de trabalho tomou a palavra,
indagando:
- E a nossa irm Laudemira? Recolhemos hoje notcias graves...
- Sim - concordou o interpelado -, tudo faz acreditar que a pobrezinha sofrer
perigosa interveno. Envolta nos fluidos anestesiantes que lhe so desfechados pelos
perseguidores, durante o sono, tem a vida uterina sensivelmente prejudicada por
extrema apatia. O cirurgio voltar dentro de uma hora e, na hiptese de os recursos
aplicados no surtirem efeito, providenciar uma cesariana como remdio
aconselhvel...
Nosso amigo mostrou funda preocupao a vincar-lhe o semblante
habitualmente calmo, e ajuntou:
- Uma operao dessa espcie acarretar-lhe- grandes prejuzos para o futuro.
Consoante o programa organizado, em favor dela, cabe-lhe receber ainda mais trs
filhos no templo do lar, de modo a utilizar-se do presente estgio humano, com tanta
eficincia quanto se torne possvel...
O guarda fixou um gesto de respeito e ponderou:
- Creio, ento, que no h tempo a perder.
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
nome de Deus, porque isoladamente ningum consegue vencer... E para que braos
amorosos se me estendam, mais tarde, imperioso movimente agora os meus no
voluntrio exerccio da solidariedade.
O ensinamento era precioso, no apenas para os dois perseguidores que o
registravam, perplexos, mas tambm para ns que reconhecamos, mais uma vez, a
Infinita Bondade do Supremo Senhor, que, ainda mesmo nos mais tenebrosos ngulos
da sombra, nos permite trabalhar pelo incessante engrandecimento do bem, como
abenoado preo de nossa felicidade.
Enquanto volitvamos de retorno, Hilrio, antecipando-me na curiosidade,
inclinou a conversao para o caso de Laudemira.
Era conhecida de Silas, desde muito tempo? Assumira, assim, compromissos
to graves para com a maternidade? Que papel representavam os filhos junto dela?
Credores ou devedores?
Silas sorriu complacente para a argio cerrada e explicou:
- Inegavelmente, creio que o processo redentor de nossa amiga serve por tema
palpitante nos estudos de causa e efeito que vocs vo acumulando.
Entregou-se a longa pausa de consulta memria e prosseguiu:
- No podemos, assim de relance, mergulhar pormenorizadamente no pretrito
que lhe diz respeito, nem posso de mim mesmo cometer qualquer indiscrio, abusando
da confiana que a Manso me outorga, no exerccio de meus encargos.
Entretanto, a ttulo de nossa edificao espiritual, posso adiantar-lhes que as
penas de Laudemira, na atualidade, resultam de pesados dbitos por ela contrados, h
pouco mais de cinco sculos. Dama de elevada situao hierrquica na Corte de Joana
II, Rainha de Npoles, de 1414 a 1435, possua dois irmos consangneos que lhe
apoiavam todos os planos loucos de vaidade e domnio. Casou-se, mas sentindo na
presena do marido um entrave ao desdobramento das leviandades que lhe marcavam o
carter, acabou constrangendo-o a enfrentar o punhal dos favoritos, arrastando-o para a
morte. Viva e dona de bens considerveis, cresceu em prestigio, por haver favorecido o
casamento da rainha, ento viva de Guilherme, Duque da ustria, com Jaime de
Bourbon, Conde de La Marche.
Desde a, mais intimamente associada s aventuras de sua soberana, confiou-se
a prazeres e dissipaes, nos quais perturbou a conduta de muitos homens de bem e
arruinou as construes domsticas, elevadas e dignas, de vrias mulheres do seu
tempo. Menosprezou sagradas oportunidades de educao e beneficncia que lhe foram
concedidas pela Bondade Celeste, aproveitando-se da nobreza precria para desvairar-se
na irreflexo e no crime. Foi assim que, ao desencarnar, no fastgio da opulncia
material, nos meados do sculo XV, desceu a medonhas profundezas infernais, onde
padeceu o assdio de ferozes inimigos que lhe no perdoaram os delitos e deseres.
Sofreu por mais de cem anos consecutivos nas trevas densas, conservando a mente
parada nas iluses que lhe eram prprias, voltando carne por quatro vezes sucessivas,
por intercesso de amigos do Plano Superior, em cruciantes problemas expiatrios, no
decurso dos quais, na condio de mulher, embora abraando novos compromissos,
experimentou pavorosos vexames e humilhaes da parte de homens sem escrpulos
que lhe asfixiavam todos os sonhos...
- Mas - perguntou Hilrio -, de cada vez que se retirava da carne, nas quatro
existncias a que alude, continuava ligada s sombras?
- Como no? - exclamou o Assistente - quando a queda no abismo de longo
curso, ningum emerge de um salto. Ela naturalmente entrava pela porta do tmulo e
saa pela porta do bero, transportando consigo desajustes interiores que no podia sanar
de momento para outro.
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- Se a situao era assim inaltervel - ponderou meu colega -, para que retomar
o corpo fsico? no lhe bastaria sofrer na dolorosa purgao daqui deste lado, sem
renascer na esfera carnal?...
- A observao compreensvel - ajuntou Silas, paciente -, entretanto, nossa
irm, com o amparo de abnegados companheiros, voltou ao pagamento parcelado das
suas dvidas, reaproximando-se de credores reencarnados, no obstante mentalmente
jungida aos planos inferiores, desfrutando a bno do olvido temporrio, com o que lhe
foi possvel angariar preciosa renovao de foras.
- Mas sempre conseguiu ressarcir, de alguma sorte, os dbitos em que se
emaranhou?
- De alguma sorte, sim, porque padeceu tremendos golpes no orgulho que trazia
cristalizado no corao... Contudo, a par disso, contraiu novas dvidas, de vez que, em
certas ocasies, no conseguiu superar a averso instintiva, diante dos adversrios aos
quais passou a dever trabalho e obedincia, chegando ao infortnio de afogar uma
criancinha que mal ensaiava os primeiros passos, de modo a ferir a senhora da casa em
que servia de ama, tentando vingar-se de crueldades recebidas. Depois de cada
desencarnao, regressava habitualmente s zonas purgatoriais de que procedia, com
alguma vantagem no acerto das suas contas, mas no com valores acumulados,
imprescindveis definitiva libertao das sombras, porque todos somos tardios na
deciso de pagar nossos dbitos, at o integral sacrifcio...
- Contudo - tornou Hilrio -, sempre que regressava esfera espiritual, decerto
contava com o auxlio dos benfeitores que procuram refrear-lhe os desatinos.
- Exatamente - confirmou Silas -; ningum est condenado ao abandono. Vocs
no ignoram que o Criador atende criatura por intermdio das prprias criaturas. Tudo
pertence a Deus.
- Ainda mesmo o inferno? - acrescentou Leonel, preocupado.
O Assistente sorriu e aclarou:
- O inferno, a rigor, obra nossa, genuinamente nossa, mas imaginemo-lo,
assim, maneira de uma construo indigna e calamitosa, no terreno da vida, que
Criao de Deus. Tendo abusado de nossa razo e conhecimento para gerar semelhante
monstro, no Espao Divino, compete-nos a obrigao de destru-lo para edificar o
Paraso no lugar que ele ocupa indebitamente. Para isso, o Infinito Amor do Pai Celeste
nos auxilia de mltiplos modos, a fim de que possamos atender Perfeita Justia.
Entendido?
A explicao no podia ser mais clara; entretanto, Hilrio parecia interessado
em solver qualquer dvida e, talvez por isso, inquiriu novamente:
- Considera possvel venhamos a saber quais seriam as existncias de
Laudemira, antes de haver ingressado na Corte de Joana II?
- Sim - elucidou Silas, tolerante -, ser fcil conhec-las, mas no nos convm
num simples estudo efetuar o tentame, porque o assunto em si reclamaria largas quotas
de ateno e de tempo. Basta lhe pesquisemos a condio referida para definir-lhe as
lutas redentoras de agora, porquanto nossos estgios em qualquer eminncia social no
mundo, seja no campo da influncia ou das finanas, da cultura ou da idia, servem
como pontos vivos de referncia da nossa conduta digna ou indigna, no usufruto das
possibilidades que o Senhor nos empresta, designando com clareza nosso avano na
direo da luz ou nosso aprisionamento maior ou menor nos crculos da treva, pelas
virtudes conquistadas ou pelos dbitos assumidos.
A conceituao luminosa de Silas era verdadeiro jorro solar em meu
entendimento...
Ainda assim, meu companheiro insistiu:
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
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Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Bem sei que por sinistro apego s posses materiais, no vacilaram em abraar o
crime. Em verdade, Senhora, so eles homicidas infortunados que a justia terrestre no
conheceu... Por isso mesmo, padecem com mais intensidade o drama das prprias
conscincias, enleadas culpa...
Nesse ponto da petio, Silas tocou-nos, de leve, os ombros, convidando-nos ao
ensinamento devido e explicou:
- uma pobre me desencarnada que roga pelos filhos transviados nas sombras.
Invoca a proteo de nossa Me Santssima, sob a representao de Senhora da Piedade,
segundo a f que o seu corao pode, por enquanto, albergar, no mbito das
recordaes trazidas do mundo...
- Isso quer dizer que a imagem de nossa viso...
Esta observao ficou, porm, no ar, porque Silas completou, presto:
- uma criao dela mesma, reflexo dos prprios pensamentos com que tece a
rogativa, pensamentos esses que se ajustam matria sensvel do nicho, plasmando a
imagem colorida e vibrante que lhe corresponde aos desejos.
E respondendo automaticamente s indagaes que o problema nos sugeria,
continuou:
- Isso, contudo, no significa que a prece esteja sendo respondida por ela
mesma. Peties semelhantes a esta elevam-se a planos superiores e a so acolhidas
pelos emissrios da Virgem de Nazaret, a fim de serem examinadas e atendidas,
conforme o critrio da verdadeira sabedoria.
Espraiando o olhar pelos circunstantes, prosseguiu esclarecendo:
- Encontram-se aqui devotos de vrios grandes heris do Cristianismo, em
diversos cultos de f.
E olhando em torno, com a sua ampla experincia apontou outra senhora em
orao, acrescentando:
- Ali temos nobre matrona exorando a proteo de Teresinha de Lisieux (6), a
doce monja do Carmelo, desencarnada na Frana.
(6) Santa Teresa do Menino Jesus, na Igreja Catlica, desencarnada no Carmelo de Lisleux,
Frana, em 30 de setembro de 1897. - (Nota do Autor espiritual.)
Ao e Reao
Andr Luiz
- "Doutor Bezerra, por amor de Jesus, no abandones meu pobre Ricardo nas
trevas da desesperao!... Meu esposo infeliz atravessa rudes provas!... O generoso
amigo, socorre-nos! No permitas que ele desa ao abismo do suicdio... D-lhe
coragem e pacincia, sustenta-lhe o bom nimo!... As dificuldades e as lgrimas que o
afligem no mundo caem sobre minhalma como chuva de fel!..."
Silas interrompeu-nos a reflexo, acentuando:
- Segundo reconhecemos, o santurio serve orao digna, sem cultos
especiais. Ali, algum recorre ao amparo da monja de Lisieux, aqui um corao
infortunado pede socorro ao notvel companheiro dos espritas no Brasil.
Antes de desviar a minha ateno, fitei o semblante do grande mdico, segundo
as recordaes da irm que orava, confiante, anotando o primor da fotografia mental
que ela exteriorizava. Vamos, ali, o retrato do Dr. Bezerra, qual o conhecemos, sereno,
simples, bondoso, paternal...
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Silas fitava-os, compadecido, mas sem se deter, at que nosso passo foi cortado
por apressada mulher, exclamando, ansiosa:
- Assistente Silas! Assistente Silas!...
Nosso amigo identificou-a, porque, parando de sbito, estendeu-lhe a destra
amiga, murmurando:
- Lusa, a que vens?
Defrontavam-se em ambos a curiosidade e a aflio.
A senhora desencarnada, com sinais de irreprimvel angstia, gritou sem
prembulos:
- Socorro!... Socorro!... Minha filha, minha pobre Marina esmorece... Tenho
lutado com todas as minhas foras para furt-la ao suicdio, mas agora me sinto
enfraquecida e incapaz...
Os soluos sufocaram-lhe a garganta, inibindo-lhe a voz.
- Fala! - disse o orientador de nossa excurso, em tom imperativo, como se o
alarme daquele instante lhe obscurecesse a serenidade mental, imprescindvel ao
entendimento da nova situao.
A infeliz, ajoelhada agora, ergueu os olhos lacrimosos e suplicou:
- Assistente, perdoe-me a insistncia em falar-lhe de meu infortnio, mas sou
me... Minha desventurada filha pretende matar-se esta noite, comprometendo-se, ainda
mais, com as trevas da sua conscincia!...
Silas aconselhou-lhe a volta ao lar terreno, como lhe fosse possvel, e, dandonos as mos, promoveu a viagem rpida para o objetivo a que devamos atender.
Em caminho, informou:
- Trata-se de companheira da Manso, reencarnada h quase trinta anos, sob os
auspcios de nossa casa.
Prestar-lhe-emos o necessrio auxlio, ao mesmo tempo que vocs podero
examinar um problema de dbito agravado.
Notando que o nosso amigo entrara em silncio, meu colega externou:
- impressionante observar o nmero de mulheres em trabalho de orao e
assistncia nessas paragens...
Preocupado qual se achava, nosso generoso companheiro tentou ensaiar um
sorriso que lhe no chegou aos lbios, e juntou:
- Grande verdade... Raras esposas e raras mes demandam s regies felizes
sem os doces afetos que acalentam no seio... O imenso amor feminino uma das foras
mais respeitveis na Criao divina.
Todavia, no houve mais tempo para qualquer outra divagao.
Atingramos no plano fsico pequena moradia constituda de trs peas
desataviadas e estreitas.
O relgio acusava alguns minutos depois de zero hora.
Acompanhando Silas, cuja presena deslocou diversas entidades da sombra que
ali se ajuntavam com a manifesta inteno de perturbar, ingressamos num quarto
humilde.
Percebemos, sem palavras, que o problema era efetivamente desolador.
Junto de jovem senhora agoniada e exausta, uma menina de dois a trs anos
choramingava, inquieta...
Via-se-lhe nos olhos esgazeados e inconscientes o estigma dos que foram
marcados por irremedivel sofrimento ao nascer.
Contudo, atravs da preocupao indisfarvel de Silas, era fcil reconhecer
que a pobre senhora era o caso mais urgente para os nossos cuidados.
Ao e Reao
Andr Luiz
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Andr Luiz
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Ao e Reao
Andr Luiz
Lusa ergueu-a com esforo e, dando-nos idia dos calvrios maternais que
costumam prender as grandes mulheres, depois da morte, conduziu-a em passos
vacilantes at criana enferma e, acarinhando a fronte da pequenina, empapada de
suor, implorou, humilde:
- Filha querida, no procures a porta falsa da desero... Vive para tua filhinha,
como permite o Senhor possa eu continuar vivendo por ti!...
A moa, renovada, rojou-se sobre a menina triste, mas, como se a emotividade
daquela hora lhe sufocasse a mente desperta, foi repentinamente atrada pelo corpo de
carne, como o grnulo de ferro pelo m, e vimo-la acordar, em pranto copioso,
bradando, inconsciente:
- Minha filha!... minha filha!...
O Assistente, respeitoso, despediu-se de Lusa e afirmou:
- Louvado seja Deus! Nossa Marina ressurge, transformada.
Afastamo-nos sem palavras.
L fora, no cu, nuvens distantes coroavam-se de luz aos clares purpreos da
aurora e, de alma embriagada de reconhecimento e esperana, meditei na Infinita
Bondade de Deus, que faz raiar, depois de cada noite, a bno de novo dia.
13 - DBITO ESTACIONRIO
Prosseguimos administrando fraterno auxlio ao lar de Marina, incluindo a
assistncia ao companheiro que o nosocmio ainda acolhia, encontrando excelentes
oportunidades de estudo e observao.
Concluses e apontamentos felicitavam-nos a cada passo.
Tarefas e excurses cobriam-se de xito desejvel, quando, certa noite, no
parlatrio, foi Silas procurado por um companheiro aflito, que avisou, atencioso:
- Assistente, nossa irm Poliana parece vergar, em definitivo, ao peso da imensa
prova.
- Revoltada? - indagou nosso amigo com inflexo de pacincia e bondade.
- No - aclarou o interpelado. - Nossa irm est enferma e o equilbrio orgnico
declina de hora a hora... Apesar disso vem lutando heroicamente para conservar-se ao
p do filho infeliz.
Silas refletiu por momentos rpidos e falou resoluto:
- imperioso agir sem demora.
E, qual acontecera em circunstncias anteriores, utilizamos a volitao para
lograr mais tempo.
A breves minutos, achvamo-nos em paisagem rural pobre e triste. Num
casebre, totalmente exposto ventania noturna, infortunada mulher jazia enrolada em
farrapos, numa esteira de palha ao rs do solo e, a poucos metros, msero ano
paraltico exibia o semblante alvar.
Reconhecia-se-lhe, de pronto, a idiotia completa, sob a vigilncia da enferma
desditosa, que o fitava entre a aflio e o desencanto.
Abarcando-os com o olhar, nosso condutor informou solcito:
- Temos aqui nossa irm Poliana e Sabino, o filho desventurado que o Poder
Celeste lhe confiou. Espiritualmente, so ambos tutelados da Manso, em pedregoso
caminho de reajuste.
Entretanto, o generoso amigo parecia mais interessado na assistncia prtica
que na obra informativa.
Inclinando-se, atento, para a desventurada mulher, auscultou-lhe o trax,
explicando algo inquieto:
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- Caso urgente.
E, convidados ao concurso imediato, associamo-nos minuciosa pesquisa,
observando que o corao da enferma apresentava alarmante arritmia, figurando-se-nos
agitado prisioneiro a emaranhar-se nas artrias estreitadas em estranhas calcificaes.
Examinando aquele atormentado quadro circulatrio, o Assistente informou:
- Os vasos enfraquecidos do miocrdio ameaam ruptura prxima, porquanto a
doente se encontra na tenso de angstia extrema. A parada sbita do rgo central pode
ocorrer de um instante para outro.
Assim dizendo, relanceou o olhar sobre o homem-criana, estirado a dois
passos, e acrescentou:
- Entretanto, Poliana precisa mais tempo no corpo, de vez que o filho no lhe
dispensa os cuidados. Acham-se no apenas jungidos mesma prova, mas imanizados
ao mesmo clima fludico, reciprocamente alimentados pelas foras que exteriorizam, no
campo da afinidade pura. Dessa maneira, a desencarnao da genitora repercutiria
mortalmente sobre o filho, cuja existncia, no estgio de segregao em que se
encontra, gravita, invarivel, em derredor da carcia materna. Aflitiva expectao caiu
sobre ns.
Silas como que buscava, na choa desguarnecida de tudo, algo que pudesse
funcionar guisa de socorro, todavia, somente velho cntaro ali guardava pequena
poro dgua.
O Assistente comunicou-nos que a enferma reclamava medicao imediata,
considerando, porm, que naquela hora da noite no era fcil trazer algum companheiro
encarnado ao stio deserto, nem dispnhamos, ali, de recursos quaisquer.
Ainda assim, vimo-lo aplicar-lhe passes glote, com desvelada ateno.
Logo aps, administrou recursos fludicos linfa pura.
Compreendemos que Silas ativara a sede na doente, constrangendo-a a servir-se
da gua simples ento convertida em liquido medicamentoso.
Despendendo enorme esforo, Poliana abandonou o leito e buscou o pote
humilde.
Aps beber ligeiros goles, asserenou as prprias nsias, qual se houvera sorvido
valiosa poo calmante.
As preocupaes obcecantes da hora em curso cederam lugar bonana de
esprito.
Foi assim que o diretor de nossa excurso, acariciando-lhe a fronte, pendida nos
molambos a se agregarem por travesseiro, transmitia-lhe foras revigorantes.
Decorridos alguns minutos, Poliana mostrava-se plenamente fora do vaso
fsico, mas sem a necessria lucidez espiritual para identificarnos a presena. Contudo,
subordinada ao comando magntico de Silas, ergueu-se automaticamente. Enlaada por
ele e seguidos ambos por ns, demandamos bosque vizinho.
Longe de perceber-se sob a assistncia carinhosa de que era objeto, a enferma
ausente do corpo de carne, como num sonho consolador, foi convenientemente
acomodada por Silas no tapete de relva macia, sentindo-se calma e leve...
Finda essa operao, o Assistente convocou-nos prece e, levantando o olhar
para o firmamento faiscante de estrelas, rogou compungidamente:
- "Pai de Infinita Bondade, Tu que ds provimento s necessidades do verme
aparentemente esquecido no ventre do solo, que vestes a flor annima, perfumando-lhe
a contextura, muitas vezes sobre a lama do charco, desce compassivo olhar sobre ns,
que nos tresmalhamos a distncia de Teu amor!
"Em particular, Pai Justo, compadece-Te de nossa Poliana, vencida!...
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prisioneiro ainda perigoso, engaiolado nos ossos fsicos, de cuja tessitura, por agora,
no tem qualquer noo, tal o egosmo que ainda lhe turva a alma, em processo de
incontrolvel hipertrofia... A sede da posse ignbil e o orgulho virulento perverteramlhe a vida ntima, fixando-o em pavoroso labirinto de sinistros enganos, que resultam
para ele em completa alienao mental no tempo, de vez que o relgio avana na
contagem dos dias, enquanto se mantm parado nas reminiscncias em que se supe
dominador na Terra, vivendo o pesadelo criado por si prprio...
Diante dos problemas que o estudo suscitava, indagou Hilrio, surpreso:
- Mas... onde a vantagem de semelhantes padecimentos?
Silas esboou leve expresso de tristeza e considerou:
- Temos sob nossa ateno lamentvel dbito congelado. Nosso pobre
companheiro, deploravelmente tombado, praticou numerosos delitos na Terra e no
Plano Espiritual e, h mais de mil anos, vem sucumbindo, vaidoso e desprevenido, s
garras da criminalidade... De existncia a existncia, no soube seno consumir os
recursos do campo fsico, tumultuando as paisagens sociais em que o Senhor lhe
concedeu viver. Calamidades diversas, como sejam homicdios, rebelies, extorses,
calnias, falncias, suicdios, abortos e obsesses foram por ele provocados, desde
muitos sculos, porquanto nada viu frente dos olhos seno o seu egosmo a saciar...
Entre o bero e o tmulo, o desatino incessante, e, do tmulo para o bero, a
maldade fria e inconseqente, apesar das intercesses de amigos abnegados, que o
amparam em novas tentativas de regenerao e levantamento. Quase sempre inspirado
nos pontos de vista de Poliana, que lhe vem sendo a companheira de mltiplas jornadas,
cristalizou-se como infeliz empresrio do crime, agigantando-se-lhe de tal modo o
desequilbrio na existncia ltima, terminada no suicdio indireto atravs do mergulho
deliberado na viciao, que no houve outro remdio para ele seno o insulamento
absoluto na carne, ao nevoeiro da romagem presente, na qual o identificamos, assim,
como fera enjaulada na armadura de clulas aviltantes, sob a custdia da mulher que o
ajudou nas quedas sucessivas, erigida agora posio de enfermeira maternal do seu
longo infortnio. Poliana, a companheira ftil e transviada do bem, que habitualmente
escolheu para si a condio de boneca do prazer delituoso, acordou, alm-tmulo, para
as realidades da vida, antes dele... Despertou e sofreu muito, aceitando a tarefa de
auxili-lo na recuperao em que, por certo, despendero muito tempo ainda...
No campo perispiritual do ano ensimesmado, observamos, atravs da sua aura
verde-trevosa, que todas as energias dos seus fulcros vibratrios refluam sobre os
pontos de origem, dando-nos a impresso de que Sabino estava enovelado inteiramente
em si mesmo, maneira da lagarta ilhada no casulo dela prpria nascido.
As perguntas que no nos foi possvel sopitar, respondeu Silas com presteza:
- Nosso amigo, at que se amadurea em esprito para a renovao necessria,
guarda a mente trabalhando em circuito fechado, isto , pensa constantemente para si
mesmo, incapaz da permuta de vibraes com os semelhantes, exceo feita com
Poliana, de quem se fez satlite mudo e expectante, como parasita em fronde seivosa.
Sabino um problema de dbito estacionrio, porque jaz em processo de hibernao
espiritual, compulsoriamente enquistado no prprio ntimo, a benefcio da comunidade
de Espritos desencarnados e encarnados, porquanto to expressivos se lhe destacam os
gravames de ordem material e moral que a sua presena consciente, na Terra ou no
Espao, provocaria perturbaes e tumultos de conseqncias imprevisveis. Desfruta,
desse modo, uma pausa na luta, como ensaio de esquecimento, a fim de que possa, de
futuro, encarar o montante dos compromissos em que se enleia, promovendo-lhes
soluo digna nos sculos prximos, a golpes de frrea vontade na renunciao de si
mesmo.
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mas adorava Snia e Mrcia, com desvelada ternura... Como ausentar-se delas no
desquite provvel? Decerto, a companheira teria assegurados, perante a lei, os direitos
de me... Senhora de nobre conduta, Marcela contaria com o favor da Justia... "
Refletia, refletia...
Ainda assim, no renunciava ao carinho de Mara, cuja dominao lhe
empolgava o sentimento enfermio.
Fosse onde fosse, registrava-lhe a influncia sutil, a desfibrar-lhe o carter e a
dobrar-lhe a cerviz de homem que, at encontr-la, fora honrado e feliz.
Por vezes, tentava subtrair-se-lhe ao jugo, mas debalde.
Marcela apresentava o semblante da disciplina que lhe competia observar e da
obrigao que lhe cabia cumprir, quando Mara, de olhos em fogo, lhe acenava
liberdade e ao prazer.
Foi assim que lhe nasceu no crebro doentio uma idia sinistra: assassinar a
esposa, escondendo o prprio crime, para que a morte dela aos olhos do mundo passasse
como sendo autntico suicdio.
Para isso alteraria o roteiro domstico.
Procuraria abolir o regime de incompreenso sistemtica, daria trguas
irritao que o senhoreava e fingiria ternura para ganhar confiana... E, depois de
alguns dias, quando Marcela dormisse, despreocupada, desfechar-lhe-ia uma bala no
corao, despistando a prpria polcia.
Acompanhamos-lhe a evoluo do tresloucado plano, porquanto sempre fcil
penetrar o domnio das formas-pensamentos, vagarosamente construdas pelas criaturas
que as edificam, apaixonadas e persistentes, em torno dos prprios passos.
Na aparente calmaria que sustentava, Ildeu, embora sorrisse, exteriorizava ao
nosso olhar o inconfessvel projeto, armando mentalmente o quadro criminoso, detalhe
por detalhe.
Para defender Marcela, porm, cuja existncia era amparada pela Manso que
representvamos, o Assistente reforou na casa o servio de vigilncia.
Dois companheiros nossos, zelosos e abnegados, alternativamente ali passaram
a velar, dia e noite, de modo a entravar o pavoroso delito.
Achvamo-nos, certa feita, em atividade assistencial ao p de alguns doentes,
quando o irmo em servio veio at ns, comunicando, inquieto, a precipitao dos
acontecimentos.
De alma aturdida pela influncia de homicidas desencarnados que lhe haviam
percebido os pensamentos expressos, intentaria Ildeu aniquilar a companheira naquela
mesma noite.
Silas no vacilou.
Demandamos, de imediato, a casa singela em que se reunia a equipe domstica
atormentada.
Dispondo da extensa autoridade de que se achava investido, o nosso orientador,
empregando o concurso de entidades amigas, em rotina de trabalho nas vizinhanas,
inicialmente baniu os alcolatras e delinqentes desencarnados que ali se acolhiam.
Apesar da providncia, o plano infernal na cabea de nosso pobre amigo
evidenciava-se integralmente maduro.
A madrugada ia alta.
Com o corao precpite, relanceando o olhar medroso pelas paredes nuas do
gabinete em que examinava o pente de uma pistola qual se nos adivinhasse a presena,
o chefe da famlia revelava-se disposto consumao do ato execrvel.
Revestindo-lhe todo o crebro, surgia a cena do assassnio, calculadamente
prevista, movimentando-se em surpreendente sucesso de imagens...
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tristes, quais os tornou, atormentado pelas recordaes que traou para si mesmo e
pagar em servio a outras almas da senda evolutiva o dbito que lhe onera o Esprito,
de vez que, ferindo os outros, na essncia estamos ferindo a obra de Deus, de cujas leis
soberanas nos fazemos rus infelizes, reclamando quitao e reajuste.
- Isso quer dizer...
A palavra de Hilrio, porm, foi cortada pela observao do Assistente que, em
lhe surpreendendo as idias, falou firme:
- Isso quer dizer que, se Ildeu, mais tarde, desejar reunir-se a Marcela, Roberto,
Snia e Mrcia, ento redimidos nas Esferas Superiores, dever possuir uma
conscincia to dignificada e sublime quanto a deles, de modo a no se envergonhar de
si mesmo, considerando-se a probabilidade de triunfo para a esposa e os filhinhos nas
provas rduas que o porvir lhes reserva.
- Deus meu!... - clamou Hilrio, triste quanto tempo ento para uma empresa
dessas!... E quanta dificuldade para o reencontro, se os entes queridos no se
dispuserem a esperar!...
- Sim - confirmou Silas -, quem se retarda por gosto no pode queixar-se de
quem avana, "A cada um segundo as suas obras", ensinou o Divino Orientador, e
ningum no Universo conseguir fugir Lei.
Eu e Hilrio, profundamente tocados pela lio, calamo-nos, confundidos, para
orar e pensar.
15 - ANOTAES OPORTUNAS
Os problemas do lar de Ildeu ofereciam-nos ensanchas a preciosos estudos no
terreno puro da alma.
Em razo disso, de volta Manso em companhia do Assistente, valamos-nos
do tempo para buscar-lhe a opinio clara e sensata, acerca de momentosas questes que
nos esfervilhavam a mente.
Hilrio foi o primeiro a quebrar a longa pausa, indagando:
- Meu caro Silas, no temos ali, no caso de Roberto e Marcela, um quadro
autntico do chamado complexo de dipo, que a psicanlise freudiana pretende
encontrar na psicologia infantil?
Nosso amigo sorriu e obtemperou:
- O grande mdico austraco poderia ter atingido respeitveis culminncias do
esprito, se houvesse descerrado uma porta aos estudos da lei de reencarnao.
Infelizmente, porm, atento pragmtica cientfica, no teve bastante coragem para
ultrapassar a observao do campo fisiolgico, rigidamente considerado, imobilizandose, por isso, nas zonas obscuras da inconscincia, em que o "eu" enclausura as
experincias que realiza, automatizando os prprios impulsos. Marcela e Roberto no
poderiam trair, na condio de me e filho, as simpatias carreadas do pretrito ao
presente, tanto quanto Ildeu, Snia e Mrcia no conseguiriam fugir predileo que os
ligava desde o passado. O problema de afinidade em sua estrutura essencial. Afinidade
com dvidas, exigindo resgate.
Lembrei-me, ento, dos exageros que podemos atribuir teoria da libido, a
energia atravs da qual, segundo a escola de Freud, o instinto sexual se revela na mente,
e teci alguns comentrios alusivos ao assunto, detendo-me, de maneira especial, na
amnsia infantil, a que o famoso cientista empresta a maior importncia para explicar as
operaes do inconsciente.
Silas, atencioso, completou sem hesitar:
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chagas que trazemos na alma. Isso, para no falar dos crimes passionais, perpetrados na
sociedade humana, todos os dias, pelos abusos das faculdades sexuais, destinadas a criar
a famlia, a educao, a beneficncia, a arte e a beleza entre os homens. Esses abusos
so responsveis no apenas por largos tormentos nas regies infernais, mas tambm
por muitas molstias e monstruosidades que ensombram a vida terrestre, porquanto os
delinqentes do sexo, que operaram o homicdio, o infanticdio, a loucura, o suicdio, a
falncia e o esmagamento dos outros, voltam carne, sob o impacto das vibraes
desequilibrantes que puseram em ao contra si prprios, e so, muitas vezes, as vtimas
da mutilao congnita, da alienao mental, da paralisia, da senilidade precoce, da
obsesso enquistada, do cncer infantil, das enfermidades nervosas de variada espcie,
dos processos patognicos inabordveis e de todo um cortejo de males, decorrentes do
trauma perispirtico que, provocando desajustes nos tecidos sutis da alma, exige longos
e complicados servios de reparao a se exteriorizarem com o nome de inquietao,
angstia, doena, provao, desventura, idiotia, sofrimento e misria. Alis, muito antes
da pompa terminolgica das escolas psicanalticas modernas, que se permitem
arrojadas conjeturas em torno das flagelaes mentais, h quase vinte sculos ensinounos Jesus que "todo aquele que comete o mal escravo do mal" (9) e podemos
acrescentar que, para sanar o mal, a que houvermos escravizado o corao,
imprescindvel sofrer a purgao que o extirpa.
(9) Evangelho de Joo, 8:34. - (Nota do Autor espiritual.)
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que, decerto, em nossa conceituao exigiria vrios compndios para ser devidamente
analisado.
Meu colega, contudo, como quem desejava estudar todas as questes tangentes,
voltou a interrogar:
- J que nos detemos, em matria de sexologia, na lei de causa e efeito, como
interpretar a atitude dos casais que evitam os filhos, dos casais dignos e respeitveis,
sob todos os pontos de vista, que sistematizam o uso dos anticoncepcionais?
Silas sorriu de modo estranho e falou:
- Se no descambam para a delinqncia do aborto, na maioria das vezes so
trabalhadores desprevenidos que preferem poupar o suor, na fome de reconforto
imediatista. Infelizmente para eles, porm, apenas adiam realizaes sublimes, s quais
devero fatalmente voltar, porque h tarefas e lutas em famlia que representam o preo
inevitvel de nossa regenerao. Desfrutam a existncia, procurando inutilmente
enganar a si mesmos, no entanto, o tempo espera-os, inexorvel, dando-lhes a conhecer
que a redeno nos pede esforo mximo. Recusando acolhimento a novos filhinhos,
quase sempre programados para eles antes da reencarnao, emaranham-se nas
futilidades e preconceitos das experincias de subnvel, para acordarem, depois do
tmulo, sentindo frio no corao...
- E o aborto provocado, Assistente? - inquiriu Hilrio, sumamente interessado.
- Diante da circunspeco com que a sua palavra reveste o assunto, de se presumir
seja ele falta grave...
- Falta grave?! Ser melhor dizer doloroso crime. Arrancar uma criana ao
materno seio infanticdio confesso. A mulher que o promove ou que venha a
coonestar semelhante delito constrangida, por leis irrevogveis, a sofrer alteraes
deprimentes no centro gensico de sua alma, predispondo-se geralmente a dolorosas
enfermidades, quais sejam a metrite, o vaginismo, a metralgia, o enfarte uterino, a
tumorao cancerosa, flagelos esses com os quais, muita vez, desencarna, demandando
o Alm para responder, perante a Justia Divina, pelo crime praticado. , ento, que se
reconhece rediviva, mas doente e infeliz, porque, pela incessante recapitulao mental
do ato abominvel, atravs do remorso, reter por tempo longo a degenerescncia das
foras genitais.
- E como se recuperar dos lamentveis acidentes dessa ordem?
O Assistente pensou por momentos rpidos e acrescentou:
- Imaginem vocs a matriz mutilada ou deformada, na mesa da cermica.
Decerto que o oleiro no se utilizar dela para a modelagem de vaso nobre, mas
aproveitar-lhe- o concurso em experimentos de segunda e terceira classe... A mulher
que corrompeu voluntariamente o seu centro gensico receber de futuro almas que
viciaram a forma que lhes peculiar, e ser me de criminosos e suicidas, no campo da
reencarnao, regenerando as energias sutis do perisprito, atravs do sacrifcio
nobilitante com que se devotar aos filhos torturados e infelizes de sua carne,
aprendendo a orar, a servir com nobreza e a mentalizar a maternidade pura e sadia, que
acabar reconquistando ao preo de sofrimento e trabalho justos...
Inexplicavelmente, Hilrio emudeceu e, face da lgica em que se baseavam
as anotaes de Silas, no tive coragem de prosseguir perguntando, absorvido ento
pelo temor de aprofundar em excesso num terreno em que terminaria por esbarrar nos
detritos de meus prprios erros, preferindo, assim, o silncio para reaprender e pensar.
16 - DBITO ALIVIADO
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Andr Luiz
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conflitos que se propunham manter. assim que no deixa de ressarcir as suas culpas,
sofrendo-lhes o gravame em si mesmo.
Entretanto, pelos valores que entesoura, devotado ao bem alheio, resgata o
pretrito com o alvio possvel, ganhando tempo e adquirindo novas bnos. Ajudando
aos outros, desbasta, dia a dia, o montante dos seus dbitos, de vez que a Misericrdia
do Pai Celestial permite que os nossos credores atenuem o rigor da cobrana, sempre
que nos vejam oferecendo ao prximo necessitado aquilo que lhes devemos...
Silas confiou-se a pausa breve, mas Hilrio, tanto quanto eu fascinado por sua
exposio clara e sensata, rogou, sedento de ensino:
- Continue, Assistente. Esta lio viva ilumina-nos de esperana... Como se
explica estar Adelino ganhando tempo?
Nosso amigo sorriu e acrescentou:
- Correia, que no merecia a ventura do lar tranqilo por haver arruinado o lar
paterno, casou-se e padeceu o abandono da companheira que lhe no entendeu o
corao.
Avanando para a terna Marisa que dormia, acentuou:
- Assim, pela vida til a que se consagra e pela caridade incessante que passou a
exercer, atraiu para junto de si, como filha da sua carne, a antiga madrasta que desviou
dos braos paternais, hoje reencarnada junto dele para reeducar-se ao calor de seus
exemplos nobres, guardando a dor de saber-se filha de pobre mulher que renegou o
tlamo conjugal, tanto quanto ela mesma o menosprezou no passado recente. Mas... no
apenas essa a vantagem de Adelino...
Silas pousou levemente a destra nos pequenos que ressonavam e prosseguiu:
- Dedicando-se de alma e corpo sua renovao com o Cristo, nosso amigo
recolheu como filhos adotivos os dois cmplices do parricdio tremendo, os antigos
capatazes Antnio e Lucdio, que, abusando de humildes donzelas escravizadas, de
quem furtavam os filhinhos para exterminar ou vender, no encontraram seno o alcoice
por bero, vindo para o crculo afetivo do companheiro de outro tempo, no sangue
africano que tanto enxovalharam, de modo a lhe receberem o amparo moral reforma
precisa.
Enquanto nos edificvamos com o precioso ensinamento, Silas observou:
- Como fcil de reconhecer, nosso irmo, atravs da responsabilidade espritacrist, corretamente sentida e vivida, conquistou a felicidade de reencontrar os laos do
pretrito criminoso para o necessrio reajuste, ao passo que, se houvesse desertado da
luta pela irreflexo da companheira ou se tivesse cerrado a porta do corao a dois
meninos infelizes, teria adiado para futuros sculos o nobre trabalho que est fazendo
agora...
Dispnhamo-nos a formular novas indagaes, mas Correia despedira-se da
mezinha e viera ocupar um leito modesto, no longe das crianas.
Demonstrando hbitos respeitveis, sentou-se em prece.
Foi quando Silas, recomendando-nos cooperao, abeirou-se dele e aplicou-lhe
passes magnticos, esclarecendo-nos, logo aps:
- Ainda pela utilidade que sabe imprimir aos seus dias, Adelino mereceu a
limitao da enfermidade congenial de que portador. Tendo sofrido, por longo tempo,
o trauma perispirtico do remorso, por haver incendiado o corpo do prprio pai, nutriu
em si mesmo estranhas labaredas mentais que, como j lhes disse, o castigaram
intensamente alm-tmulo... Renasceu, por isso, com a epiderme atormentada por
vibraes calcinantes que, desde cedo, se lhe expressaram na nova forma fsica por
eczema de mau carter... Semelhante molstia, em face da dvida em que se empenhou,
deveria cobrir-lhe todo o corpo, durante muitos e angustiosos lustros de sofrimento,
Ao e Reao
Andr Luiz
mas, pelos mritos que ele vai adquirindo, a enfermidade no tomou propores que o
impeam de aprender e trabalhar, porquanto granjeou a ventura de continuar a servir,
pelo seu impulso espontneo na plantao constante do bem.
A essa altura, talvez porque o dono da casa se dispusesse ao refgio dos
travesseiros, o Assistente convidou-nos retirada.
De volta Manso, prosseguiu nosso amvel mentor tecendo brilhantes
comentrios em torno do "amor que cobre a multido dos pecados", como ensinou o
Apstolo, quando Hilrio, interpretando-me as indagaes, considerou de improviso:
- Assistente, com uma elucidao assim to clara, justo aspiremos a saber
determinadas minudncias que a ela digam respeito. Poderemos, acaso, inteirar-nos
quanto situao de Martim Gaspar, o genitor que padeceu o martrio do fogo em sua
carne?
Porque Silas se detivesse em silncio, meu colega continuou:
- Ter cincia do trabalho renovador de Adelino? Devotar-lhe-, ainda,
menosprezo e dio?
- Martim Gaspar - respondeu por fim o interlocutor -, infatigvel que era na
violncia, foi igualmente tocado pelos exemplos de nosso amigo. Observando-lhe a
transformao, abandonou as companhias indesejveis a que se adaptara e rogou asilo,
em nosso instituto, vai para alguns anos, onde aceitou severas disciplinas...
- E onde se encontra agora? - insistiu Hilrio, ansioso - porventura ser
permitido v-lo, para anotar-lhe as alteraes?
Nesse instante, porm, varvamos a entrada do santurio de nossas obrigaes,
e Silas, sem mais possibilidades de alongar-se, afagou os ombros de nosso
companheiro, dizendo:
- Acalme-se, Hilrio. possvel estejamos de regresso ao assunto em breves
horas.
Despedimo-nos, conservando as anotaes, maneira de estudo interrompido,
aguardando seqncia.
No dia seguinte, porm, grata surpresa visitou-nos o corao.
Quando o relgio anunciou alta noite na extensa faixa planetria em que se
mantinha o nosso domiclio, o Assistente veio buscar-nos, prestimoso.
Demandaramos esfera carnal, mas, naquela hora, em companhia de Druso, o
orientador da instituio.
Regozijamo-nos, embora curiosos.
Era a primeira vez que viajaramos junto ao grande mentor que nos conquistara
a mais ampla reverncia. E, se verdade que o privilgio nos alegrava, ao mesmo tempo
indagvamos do motivo pelo qual se ausentaria ele da casa que no lhe dispensava a
presena.
Entretanto, no houve oportunidade para longas divagaes.
Em companhia de Druso, que se fazia seguir por Silas, por duas das irms
altamente responsveis em servios da Manso e por ns outros, utilizamo-nos do meio
mais rpido para a excurso, cujo objetivo desconhecamos, porquanto a maior
autoridade nos trabalhos normais do instituto decerto no disporia de tempo para uma
viagem que no fosse a mais curta possvel.
Grande era o meu desejo de provocar o verbo do Assistente para a conversao
educativa em torno do problema que abordramos na noite anterior; todavia, a presena
de Druso como que nos inibia a disposio de ferir qualquer tema que no partisse dele
mesmo, cuja dignidade no nos privava da expresso livre, mas nos infundia incoercvel
respeito.
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Andr Luiz
Foi assim que no trajeto ligeiro lhe ouvimos a conceituao oportuna e sbia,
em torno de mltiplas questes de justia e trabalho, admirando-lhe, cada vez mais, a
cultura e a benevolncia.
Espantado, no entanto, reconheci que a nossa equipe estacionou porta do lar
de Adelino, que deixramos na vspera.
Dois auxiliares que conhecamos de perto esperavam-nos no limiar.
Depois de recprocas saudaes, um deles avanou para Druso e anunciou,
reverente:
- Diretor, o pequenino recm-nato estar conosco, dentro de meia hora.
O grande mentor agradeceu e convidou-nos a acompanh-lo.
Na paisagem domstica que nos era familiar, o relgio marcava duas horas e
vinte minutos da madrugada.
Atnitos, seguimos o orientador que tomara a vanguarda, penetrando o
aposento em que Adelino, ao que nos foi permitido supor, comeava a dormir.
Druso acariciou-lhe a fronte por momentos e vimos Correia erguer-se do corpo
de carne, qual se fora movido por alavancas magnticas poderosas, caindo nos braos
do grande orientador, maneira de criana enternecida e feliz.
- Meu amigo - disse-lhe Druso, entre grave e terno -, chegou a hora do
reencontro...
Correia comeou a chorar, aterrorizado, sem conseguir desenfaixar-se-lhe dos
braos acolhedores.
- Oremos juntos - acrescentou o bondoso amigo.
E, levantando os olhos para o Alto, sob nossa profunda ateno, Druso
suplicou:
- "Deus de Bondade, Pai de Infinito Amor, que criaste o tempo como incansvel
guardio de nossas almas destinadas ao Teu seio, fortalece-nos para a renovao
necessria!... e Tu, que nos conheces os crimes e deseres, concede-nos a bno das
dores e das horas para redimi-los, unge-nos com o entendimento de Tuas leis, para que
no repilamos as oportunidades do resgate!
Emprestaste-nos os tesouros do trabalho e do sofrimento, como favores de Tua
misericrdia, para que nos consagremos reabilitao dolorosa, mas justa...
Ns, os prisioneiros da culpa, somos tambm operrios de nossa libertao, ao
bafejo de Teu carinho.
" Pai, infunde-nos coragem para que nossas fraquezas sejam esquecidas,
inflama em nosso esprito o entusiasmo santo do bem, para que o mal no nos apague os
bons propsitos, e conduze-nos pelo carreiro da renunciao para que a nossa memria
no se aparte de Ti!...
"Que possamos orar como Jesus, o Divino Mestre que nos enviaste aos
coraes, a fim de que nos rendamos, de todo, aos Teus desgnios!...
Depois de leve pausa, repetiu em pranto a prece dominical:
- "Pai Nosso, que ests nos Cus, santificado seja o Teu nome. Venha a ns o
Teu reino. Faa-se a Tua vontade, assim na Terra como nos Cus. O po nosso de cada
dia d-nos hoje. Perdoa-nos as nossas dvidas, assim como perdoamos aos nossos
devedores. No nos deixes cair em tentao e livra-nos de todo mal, porque Teus so o
reino, o poder e a glria para sempre. Assim seja.
Quando a sua voz emudeceu, profunda emotividade exercia sobre ns
inexpressvel domnio.
Reconduzido ao veculo carnal, Adelino acordou em copiosas lgrimas...
Reconhecia-se-lhe o jbilo intimo, se bem no pudesse guardar a conscincia
integral da comunho conosco.
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Andr Luiz
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qualidades morais de que necessitam, atravs dos conflitos interiores que podemos
classificar como sendo a forja da tentao.
- Como belo apreciar o amor paternal de Deus que a tudo atende no lugar
prprio!... - clamou Hilrio.
- Sem dvida - considerou Silas, sensatamente -, a Lei de Deus determina o
progresso e a dignidade para todos. Sabem vocs que, via de regra, os desencarnados
que se asilam na Manso constituem grande ajuntamento de criminosos e viciados...
E, modificando a inflexo de voz, acrescentou:
- Como eu mesmo. Ali recebemos ateno e carinho, assistncia e bondade,
reeducando-nos, s vezes, por muitos anos... Contudo, imperioso observar que,
recolhendo a generosidade dos benfeitores e instrutores que nos garantem aquele pouso
de amor, apenas acumulamos dbitos com a proteo imerecida, compromissos esses
que precisamos resgatar, igualmente em servio ao prximo. Todavia, a fim de que nos
habilitemos para as tarefas do bem genuno, imprescindvel purgar a nossa condio
inferior, agravada na culpa, porquanto o conhecimento elevado, adquirido em nossa
organizao, vale mais como teoria nobilitante, que nos cabe substancializar na prtica
correspondente, para que se incorpore, em definitivo, ao nosso patrimnio moral. Eis
por que, depois do aprendizado breve ou longo em nosso instituto, somos novamente
internados na esfera da carne e, a, bvio que, apesar de protegidos por nossos
mentores, deveremos sofrer a aproximao dos antigos comparsas de nossos delitos,
para demonstrar aproveitamento e assimilao do amparo recebido.
Ao nosso lado, porm, Leo contava os derradeiros minutos no veculo denso e
notamos que o Assistente no desejava ausentar-se do caso dele, para que lhe
guardssemos a lio.
Talvez por isso mesmo, Silas ministrou-lhe energias novas ao peito exausto,
atravs de passes balsamizantes, falando-nos em seguida:
- Vocs ouviram as alegaes mentais do companheiro que se despede...
Hilrio, que ardia de curiosidade, tanto quanto eu faminto de novas elucidaes,
indagou, reverente:
- Em que ponto ser lcito considerar a presente desencarnao de Leo como
dbito expirante?
Nosso interlocutor fixou expressivo gesto e informou:
- Decerto, no me reportarei conta integral de nosso amigo, perante a Lei. No
disponho pessoalmente de recursos informativos para relacionar-lhe as dvidas e
crditos no tempo. Referir-me-ei, por isso, to-somente culpa que o atormentava,
quando ingressou em nossa casa, segundo os apontamentos que l poderemos
compulsar.
O agonizante agora, de nervos asserenados pelo socorro magntico, parecia
quase ouvir-nos.
Sustentando-lhe a fronte suarenta, Silas, atencioso, prosseguiu, depois de leve
pausa:
- Leo enfileirou mentalmente para ns as amargas recordaes dos dias recentes
que tem vivido, detendo-se particularmente na enfermidade que o martiriza desde o
bero, nos tormentos do hospcio e na dureza de um irmo que o sentenciou extrema
penria... Vejamos, porm, a razo das dores com que pune a si mesmo e porque
mereceu a felicidade de ressarcir para sempre o dbito particular, agora na pauta de
nosso estudo... Em princpios do sculo passado, era ele filho dileto de abastados
fidalgos citadinos que, desencarnados muito cedo, lhe confiaram o prprio irmo
doente, o jovem Fernando, cuja existncia fora marcada por incurvel idiotia. Ernesto,
no entanto - pois era esse o nome de nosso Leo, na existncia ltima -, to logo se viu
Ao e Reao
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sem a presena dos genitores, deu-se pressa em alijar o irmo do seu convvio, cioso do
governo total sobre a avantajada fortuna de que ambos se faziam herdeiros. Alm disso,
moo habituado aos saraus do seu tempo, estimava as recepes esmeradas, nas quais o
palacete da famlia descerrava as portas brasonadas s relaes elegantes, e, orgulhoso
da paisagem domstica, envergonhava-se de ombrear com o irmo, por ele proibido de
comparecer aos seus gapes sociais. Todavia, porque Fernando, mentecapto, no lhe
atendesse s ordens, em razo da incapacidade de apreend-las, providenciou gradeada
priso, ao fundo da residncia, onde o rapaz enfermo foi excludo da comunidade
familiar. Encarcerado e sozinho, desfrutando apenas a intimidade de alguns escravos,
Fernando passou a viver engaiolado, qual se fora infeliz animal. Enquanto isso, Ernesto,
casado, dava largas aos caprichos da mulher, em extensas viagens de recreio, nas quais
desperdiava seus bens, em jogatinas e extravagncias. Depois de algum tempo,
esgotado nas finanas de que podia dispor, apenas conseguiria reequilibrar-se por morte
do mano irresponsvel; no entanto, o jovem mentalmente enfermo dava mostras de
grande fortaleza fsica, no obstante certa bronquite crnica que muito o incomodava.
Observando-lhe o desequilbrio respiratrio, Ernesto planejou lev-lo a molstia mais
grave, na esperana de remet-lo com rapidez ao sepulcro, recomendando aos servos
que o libertassem, todas as noites, num grande ptio, em que Fernando repousasse ao
relento. O moo, porm, denotava enorme resistncia e, embora sofresse consecutivas
crises de sua molstia, assim exposto intemprie, durante quase dois anos superou
valorosamente a provao a que fora submetido. Entrementes, padecia Ernesto o cerco
de angstia econmica sempre mais grave, que somente o quinho amoedado de
Fernando, entregue ao comando de velhos amigos, conforme a vontade paterna, poderia
solucionar. Em razo disso, envilecido pela fome de ouro, certa noite liberou dois
escravos delinqentes, algemados em seu domiclio, sob a condio de se exilarem para
terras distantes e, aps v-loa partir, sob o nevoeiro da madrugada, buscou o leito do
irmo, enterrando-lhe um punhal no peito inerme... Na manh seguinte, ante o choro dos
servos, a lhe mostrarem o cadver, f-los admitir que os cativos fujes teriam sido os
autores do crime e, inocentando-se com astcia, entrou na posse dos bens que
pertenciam ao morto, com plena aprovao dos magistrados terrestres. Foi assim que,
apesar de regalada existncia na carne, ao aportar no alm-tmulo atravessou extensa
faixa de expiaes. Fernando, o irmo desditoso, com absoluta magnanimidade
esqueceu-lhe as ofensas; no entanto, vergastado pelos remorsos, Ernesto entrou em
comunho com impassveis agentes da sombra, que o fizeram presa de inominveis
torturas, por se recusar a segui-los nas prticas infernais. Conservando no imo dalma a
lembrana da vtima, atravs da percusso mental do arrependimento sobre os centros
perispirticos, enlouqueceu de dor, vagueando por vrios lustros, em tenebrosas
paisagens, at que, recolhido nossa instituio, foi convenientemente tratado para o
reajuste preciso. No obstante recuperado, porm, as reminiscncias do crime
absorviam-lhe o esprito de tal sorte que, para o retorno marcha evolutiva normal,
implorou o regresso carne, a fim de experimentar a mesma vergonha, a mesma penria
e as mesmas provas por ele infligidas ao irmo indefeso, pacificando, desse modo, a
conscincia intranqila. Amparado em seus propsitos de resgate por eminentes
instrutores, tornou ao campo fsico, carreando na prpria alma os desequilbrios que
assimilou alm do sepulcro, com os quais renasceu alienado mental, como o prprio
Fernando no passado recente, tendo amargado, na posio de Leo, todos os infortnios
por ele impostos ao irmo debilitado e infeliz. Ressurgiu, dessa forma, na esfera carnal,
desditoso e doente. Cedo conheceu a orfandade, foi colhido de surpresa pela secura e
vilania de um irmo insensato que o filhou no ambiente sombrio de um manicmio e,
para no faltar particularidade alguma ao quadro expiatrio, padeceu como guarda-
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nossas linhas de ao, depois de haverem sofrido a mesma queda mortal que infligiram
aos companheiros de luta no sculo XV.
- E o nosso caro instrutor visitou-os nos preparativos da reencarnao agora
terminada? - inquiri com respeito.
- Sim, por vrias vezes os avistei, antes da partida. Associavam-se a grande
comunidade de Espritos amigos, em departamento especfico de reencarnao, no qual
centenas de entidades, com dvidas mais ou menos semelhantes s deles, tambm se
preparavam para o retorno carne, abraando, assim, trabalho redentor em resgates
coletivos.
- E todos podiam selecionar o gnero de luta em que saldariam as suas contas? perguntei, ainda, com natural interesse.
- Nem todos - disse Druso, convicto. Aqueles que possuam grandes crditos
morais, qual acontecia aos benfeitores a que me reporto, dispunham desse direito.
Assim que a muitos vi, habilitando-se para sofrer a morte violenta, em favor do
progresso da aeronutica e da engenharia, da navegao martima e dos transportes
terrestres, da cincia mdica e da indstria em geral, verificando, no entanto, que a
maioria, por fora dos dbitos contrados e consoante os ditames da prpria conscincia,
no alcanava semelhante prerrogativa, cabendo-lhe aceitar sem discutir amargas
provas, na infncia, na mocidade ou na velhice, atravs de acidentes diversos, desde a
mutilao primria at a morte, de modo a redimir-se de faltas graves.
- E os pais? - inquiriu meu colega, alarmado. Em que situao surpreenderemos
os pais dos que devem ser imolados ao progresso ou justia, na regenerao de si
mesmos? a dor deles no ser devidamente considerada pelos poderes que nos
controlam a vida?
- Como no? - respondeu o orientador - as entidades que necessitam de tais
lutas expiatrias so encaminhadas aos coraes que se acumpliciaram com elas em
delitos lamentveis, no pretrito distante ou recente ou, ainda, aos pais que faliram junto
dos filhos, em outras pocas, a fim de que aprendam na saudade cruel e na angstia
inominvel o respeito e o devotamento, a honorabilidade e o carinho que todos devemos
na Terra ao instituto da famlia. A dor coletiva o remdio que nos corrige as falhas
mtuas.
Estabelecera-se longa pausa.
A lio como que nos impelia a rpidos mergulhos no mundo de ns mesmos.
Hilrio, contudo, insatisfeito como sempre, perguntou, irrequieto:
- Instrutor amigo, imaginemos que Ascnio e Lucas, aps a vitria de que nos
d notcia, continuem anelando a subida aos planos mais altos... Precisaro, para isso, de
nova consulta ao passado?
- Caso no demonstrem a condio especfica indispensvel, sero novamente
submetidos justa auscultao para o exame e seleo de novos resgates que se faam
precisos.
- Isso quer dizer que ningum se eleva ao Cu sem quitao com a Terra?
O interlocutor sorriu e completou:
- Ser mais lcito afirmar que ningum se eleva a pleno Cu, sem plena quitao
com a Terra, porquanto a ascenso gradativa pode verificar-se, no obstante
invariavelmente condicionada aos nossos merecimentos nas conquistas j feitas. Os
princpios de relatividade so perfeitamente cabveis no assunto. Quanto mais cu
interior na alma, atravs da sublimao da vida, mais ampla incurso da alma nos cus
exteriores, at que se realize a suprema comunho dela com Deus, Nosso Pai. Para isso,
como reconhecemos, indispensvel atender justia, e a Justia Divina est
Ao e Reao
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inelutavelmente ligada a ns, de vez que nenhuma felicidade ambiente ser verdadeira
felicidade em ns, sem a implcita aprovao de nossa conscincia.
O ensinamento era profundo.
Cessamos a inquirio e, como servio urgente requeria a presena de Druso,
em outra parte, retiramo-nos em demanda do Templo da Manso, com o objetivo de
orar e pensar.
19 - SANES E AUXLIOS
Depois do entendimento com os internados, o Instrutor Druso aquiesceu em
dispensar-nos alguns minutos de conversao educativa.
Explanara brilhantemente sobre o problema das provas na experincia terrestre.
Alertara-nos quanto necessria renovao mental nos padres do bem, destacando a
necessidade do estudo, para a assimilao do conhecimento superior, e do servio ao
prximo, para a colheita de simpatia, sem os quais todos os caminhos da evoluo
surgem complicados e difceis de serem transitados.
Junto dele, enquanto prelecionava, fora colocada singular escultura - uma
esttua notvel reproduzindo o corpo humano, transparente aos nossos olhos, qual
apenas faltava o sopro espiritual para revelar-se viva.
Patenteavam-se, ali, nossa viso, todos os rgos e apetrechos do carro fsico,
sob a proteo do sistema nervoso e do sistema sangneo.
O corao, maneira de um grande pssaro no ninho das artrias enrodilhadas
na rvore dos pulmes; o fgado, feio de um condensador vibrante; o estmago e os
intestinos como digestores tcnicos e os rins, quais aparelhos complexos de filtragem,
convidavam-nos a profunda admirao; contudo, nosso maior interesse concentrava-se
no sistema endocrnico, no qual as glndulas se salientavam por figuraes de luz. A
epfise, a hipfise, a tireide, as paratireides, o timo, as supra-renais, o pncreas e as
bolsas gensicas caracterizavam-se, perfeitas, sobre o fundo vivo dos centros
perispirituais, que se combinavam uns com os outros, em sutilssimas ramificaes
nervosas, singularmente ajustadas, atravs dos plexos, emitindo cada centro irradiaes
prprias, constituindo-se o conjunto num todo harmnico, que nos impelia
contemplao exttica.
Percebendo-nos a surpresa, o chefe da casa disse, bondoso;
- Habitualmente convidamos a ateno de nossos internados para os veculos de
nossas manifestaes, mostrando-lhes, quanto possvel, a correspondncia entre nossos
estados espirituais e as formas de que nos servimos. indispensvel compreendamos
que todo mal por ns praticado conscientemente expressa, de algum modo, leso em
nossa conscincia e toda leso dessa espcie determina distrbio ou mutilao no
organismo que nos exterioriza o modo de ser. Em todos os planos do Universo, somos
esprito e manifestao, pensamento e forma. Eis o motivo por que, no mundo, a
Medicina h de considerar o doente como um todo psicossomtico, se quiser realmente
investir-se da arte de curar.
E, tocando a bela escultura nossa vista, continuou:
- Da mente clareada pela razo, sede dos princpios superiores que governam a
individualidade, partem as foras que asseguram o equilbrio orgnico, por intermdio
de raios ainda inabordveis perquirio humana, raios esses que vitalizam os centros
perispirticos, em cujos meandros se localizam as chamadas glndulas endcrinas, que,
a seu turno, despedem recursos que nos garantem a estabilidade do campo celular.
Como bvio, nas criaturas encarnadas esses elementos se consubstanciam nos
hormnios diversos que atuam sobre todos os rgos do corpo fsico, atravs do sangue.
Ao e Reao
Andr Luiz
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- Compreenderam?
- Sim, sim... - respondemos a um s tempo, interessados em maior amplitude da
lio.
- assim que todos ns - continuou ele -, para o recomeo das lides carnais,
solicitamos o regime de sanes, ou algum, quando no disponhamos do direito de
faz-lo, no-lo obtm, suplicando-o, em nosso benefcio, s autoridades superiores.
- Regime de sanes? - indagou Hilrio, surpreendido.
- Perfeitamente. No nos reportamos aqui s medidas de natureza moral, pelas
quais enfrentamos, compreensivelmente, na famlia consangnea ou na intimidade da
luta, a reaproximao com os Espritos de que sejamos devedores de pacincia e
ternura, tolerncia e sacrifcio, na soluo de certas dvidas que nos obscurecem a senda,
mas sim a providncias retificantes, depois de muitas quedas reiteradas nos mesmos
deslizes e deseres, que imploramos em favor de ns e em ns mesmos, quais sejam as
deficincias congeniais com que ressurgimos no bero fsico. Aqueles que por vezes
diversas perderam vastas oportunidades de trabalho na Terra, pela ingesto sistemtica
de elementos corrosivos, como sejam o lcool e outros venenos das foras orgnicas,
tanto quanto os inveterados cultores da gula, quase sempre atravessam as guas da
morte como suicidas indiretos e, despertando para a obra de reajuste que lhes
indispensvel, imploram o regresso carne em corpos desde a infncia inclinados
estenose do piloro, ulcerao gstrica, ao desequilbrio do pncreas, colite e s
mltiplas enfermidades do intestino que lhes impem torturas sistemticas, embora
suportveis, no decurso da existncia inteira. Inteligncias notveis, com sucessivas
quedas morais, atravs da leviandade com que se utilizaram do esporte e da dana,
espalhando desespero e infortnio nos coraes afetuosos e sensveis, pedem formas
orgnicas ameaadas de paralisia e reumatismo, visitadas de achaques e neoplasmas
diversos, que lhes obstem os movimentos demasiado livres.
Companheiros que, em muitas circunstncias, se deixaram envenenar pelos
olhos e pelos ouvidos, comprometendo-se em vasta rede de criminalidade, atravs da
calnia e da maledicncia, imploram veculos fisiolgicos castigados por deficincias
auditivas e visuais que lhes impeam recidivas desastrosas. Intelectuais e artistas que
despedem sagrados recursos do esprito na perverso dos sentimentos humanos, por
intermdio da criao de imagens menos dignas, rogam aparelhos cerebrais com
inibies graves e dolorosas para que, nas reflexes de temporrio ostracismo, possam
desenvolver as esquecidas qualidades do corao. Homens e mulheres que abusaram de
dotes fsicos, manobrando a beleza e a perfeio das formas para disseminar a loucura e
o sofrimento naqueles que lhes admitiam as falsas promessas, solicitam corpos
vulnerveis s dermatoses aflitivas, quais o eczema e a tumorao cutnea, ou
portadores de alteraes da tireide que os constranjam a reiteradas lutas educativas.
Grandes faladores que escarneceram da divina misso do verbo, conturbando multides
ou enlouquecendo almas desprevenidas, suplicam doenas das cordas vocais, para que,
atravessando afonias peridicas, desistam de tumultuar os espritos por intermdio da
palavra brilhante. E milhares de pessoas que transformaram o santurio do sexo numa
forja de perturbaes para a vida alheia, arruinando lares e infelicitando conscincias,
imploram equipamentos fsicos atormentados por leses importantes no campo
gensico, experimentando, desde a puberdade, inquietantes desequilbrios ovarianos e
testiculares. A cegueira, a mudez, a idiotia, a surdez, a paralisia, o cncer, a lepra, a
epilepsia, o diabete, o pnfigo, a loucura e todo o conjunto das molstias dificilmente
curveis significam sanes institudas pela Misericrdia Divina, portas a dentro da
Justia Universal, atendendo-nos aos prprios rogos, para que no venhamos a perder as
bnos eternas do esprito a troco de lamentveis iluses humanas.
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sem fraqueza. Valorizava no apenas o conselho dos grandes Espritos que nos
visitavam o Cenculo, mas tambm os votos humildes dos mseros sofredores que nos
batiam porta. Mantinha amorosa reverncia diante dos supervisores da Manso, a
cujos avisos atendia, presto, tanto quanto mostrava o melhor carinho no desvelo
incessante em favor dos infelizes que nos rogavam concurso e entendimento.
Desdobrava-se. No se circunscrevia ao venervel mister do administrador central, a
quem devamos homenagem constante. Era o conselheiro devotado de todos os
assessores, o mdico dos internados, o mentor das expedies e o enfermeiro tolerante e
simples, sempre que as circunstncias o exigissem.
Contudo, onde lhe notvamos a mais impressionante assiduidade era justamente
cabeceira dos desditosos irmos, recolhidos nos tenebrosos desfiladeiros em que se
situava a instituio.
Noite a noite, sempre que desejssemos, podamos acompanhar-lhe os servios
magnticos, junto de Silas, identificando criaturas infortunadas que, a se desvairarem
nas sombras, haviam perdido a noo de si mesmas, dementadas pela viciao ou
transtornadas pelo prprio desespero.
Era sempre doloroso encarar os companheiros disformes e irreconhecveis que a
flagelao mental ensandecera.
Por mais de uma vez, Hilrio e eu desfizramo-nos em pranto, frente daquelas
torvas fisionomias que o extremo desequilbrio imobilizava em terrvel prostrao ou
amotinava em crises de loucura.
Druso, porm, inclinava-se sobre todos os infelizes, sempre com a mesma
ternura. Depois da orao costumeira, articulava operaes magnticas assistenciais e,
logo aps, com a devida segurana, interrogava os recm-recolhidos, enquanto
fixvamos anotaes diversas, atinentes colaborao que nos cabia desenvolver.
Duas, trs, quatro horas despendia ele, pessoalmente, cada noite, no trabalho
socorrista que considerava sagrado, sem que nenhum dos companheiros encontrasse a
menor oportunidade de substitu-lo. exceo dele, todos nos revezvamos na
cooperao solicitada ou espontnea, no servio de amparo e consulta aos irmos que o
mergulho indiscriminado nas sombras havia enlouquecido.
Foi assim que, certa noite para ns inesquecvel, pobre mulher cadaverizada foi
trazida pelos enfermeiros sala de nossas atividades habituais para o socorro
necessrio.
O corpo seviciado, que imundos trapos mal cobriam, as mos cujos dedos
terminavam em forma de garras e o semblante completamente alterado por terrvel
hipertrofia falavam sem palavras dos longos tormentos de que fora vtima.
Embora preliminarmente atendida pela enfermagem da Manso, a infortunada
criatura exalava nauseante bafio.
Druso, no entanto, qual acontecia noutros casos, afagava-lhe a fronte com
paternal carinho.
Finda a prece com que assinalava o incio da tarefa assistencial, comeou a
aplicao de passes, acordando-lhe as energias. Em seguida, notando que fundos
gemidos se lhe exteriorizavam do peito, o abnegado amigo concentrou os seus
potenciais de fora magntica no crebro da infeliz, que comeou a mover-se,
subitamente reanimada.
Via-se claramente que Druso interferia no crtex enceflico, incentivando-a ao
necessrio despertamento.
Foi ento que a boca hirta, arrastada hipnoticamente movimentao,
descerrou-se, de leve, e gritou:
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Ao e Reao
Andr Luiz
Tu, Mestre, que ergueste Lzaro do sepulcro, levantaste-me tambm das trevas
para a alvorada remissora, lanando no inferno de minha culpa o orvalho de tua
compaixo...
Estendeste os braos magnnimos ao meu esprito mergulhado na lodosa
corrente do crime.
Trouxeste-me do pelourinho do remorso para o servio da esperana.
Reanimaste-me quando minhas foras desfaleciam...
Nos dias agoniados, foste o alimento de minhas nsias;
Nas sendas mais escabrosas, eras, em tudo, o meu companheiro fiel.
Ensinaste-me, sem rudo, que somente atravs da recuperao do respeito a
mim mesmo, no pagamento de meus dbitos, que poderei empreender a reconquista de
minha paz...
E confiaste-me, Senhor, o trabalho neste pouso restaurador, com assistncia
constante de tua benevolncia infinita, a fim de que eu pudesse avanar das sombras da
noite para o fulgor de novo dia!...
Agradeo-te, pois, os instrutores que me deste, a cuja devoo afetuosa to
pesado tenho sido, os companheiros generosos que tantas vezes me suportaram as
exigncias e os irmos enfermos que tantos ensinamentos preciosos me trouxeram ao
corao!...
E agora, Senhor, que a esfera dos homens me descerrar de novo as portas,
acompanha-me, por acrscimo de misericrdia, com a graa de tua bno.
No permitas que o reconforto do mundo me faa esquecer-te e constrange-me
ao convvio da humildade para que o orgulho me no sufoque.
D-me a luta edificante por mestra do meu resgate e no retires o teu olhar de
sobre os meus passos, ainda que, para isso, deva ser o sofrimento constante a marca de
meus dias.
E, se possvel, deixa que os irmos desta casa me amparem com os seus
pensamentos em oraes de auxilio, para que, no pedregoso caminho da regenerao de
que careo, no me canse de louvar-te o excelso amor para sempre!...
Calou-se Druso, em pranto.
No recinto, choviam pequenos flocos luminescentes, maneira de estrelas
minsculas que se desfaziam, de leve, em nos tocando a fronte...
L fora, gritava a tempestade em convulses terrveis.
C dentro, todavia, reinava em ns a certeza de que, alm da faixa das trevas, o
cu ilimitado resplendia eternamente em luz.
Reunimo-nos a Silas e, juntos, abeiramo-nos do abnegado Instrutor para as
ltimas saudaes, porque tambm ns, Hilrio e eu, deveramos partir, j que a nossa
tarefa estava encerrada.
Druso enlaou-nos paternalmente e, talvez porque nos demorssemos no abrao
carinhoso, tentando definir-lhe o nosso imenso afeto, pousou em ns o olhar, falando
comovido:
- Deus nos abenoe, meus filhos!... Um dia, reencontrar-nos-emos de novo...
Com a voz embargada de emoo, beijamos-lhe a destra em profundo silncio,
porque somente as lgrimas poderiam algo dizer de nossa gratido e de nosso
enternecimento, no adeus inesquecvel...