Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

PatofisioloGia Da Dor 2008

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p.

1-12, 2008
Printed in Brazil ISSN 1517-784X
PATOFISIOLOGIA DA DOR
(Pathophysiology of pain)
KLAUMANN, P. R.
1
; WOUK, A. F. P. F.
2
; SILLAS, T.
1
1
Curso de Ps-graduao em Cincias Veterinrias UFPR
2
Departamento de Medicina Veterinria UFPR
RESUMO A dor pode ser defnida como uma ex-
perincia sensorial e emocional desagradvel, as-
sociada a uma leso real ou potencial. A dor fsiol-
gica um refexo protetor do organismo, para evitar
uma injria ou dano tecidual. Frente leso tecidu-
al a dor patolgica providenciar condies para a
cicatrizao. Uma vez instalada a injria pode se in-
troduzir o conceito de dor patolgica que, segundo
sua origem, pode ser classifcada como nociceptiva
(somtica ou visceral) ou neuroptica. A dor pode
tambm ser classifcada segundo determinao
temporal em dor aguda ou crnica. A nocicepo
o componente fsiolgico da dor e compreende
os processos de transduo, transmisso e modu-
lao do estmulo nociceptivo. Uma vez instalado
o estmulo nociceptivo, diversas alteraes neuro-
endcrinas acontecem, promovendo um estado de
hiperexcitabilidade do sistema nervoso central e
perifrico. O objetivo da presente reviso abordar
a fsiopatologia do processo doloroso, bem como
suas aplicaes na teraputica analgsica.
Palavras-Chaves: dor, patofsiologia, anagesia,
co.
ABSTRACT Pain can be defned as an
uncomfortable sensorial and emotional experience,
associated with real or potential tissue damage.
Physiologic pain is a protective refex that prevents
tissue damage. If injury or tissue damage occurs,
pathologic pain is recognized to provide healing
conditions. Based in the origin of pathologic pain, a
classifcation of nociceptive, including somatic and
visceral pain, and neuropathic pain is recognized.
Pain could also be classifed as acute or chronic.
Nociception is the phisiologic component of pain and
includes de concepts of trasnduction, transmission
and modulation of nociceptive stimuli. If nociceptive
stimuli is determined, several neuroendocrine
responses occur, and a hiperexcitability state of
the periferic and central nervous system is already
installed. This article reviews the pathophysiologic
pathways and their applications to pain treatment.
Key words: pain, pathophysiology, dog, analgesia.
INTRODUO
A dor foi conceituada pela primeira vez em 1986,
pela Associao Internacional para o Estudo da
Dor, como uma experincia sensorial e emocional
desagradvel que est associada a leses reais
ou potenciais. O termo nocicepo est relacio-
nado com o reconhecimento de sinais dolorosos
pelo sistema nervoso, que formulam informaes
relacionadas leso. Baseado nestes conceitos, o
termo dor seria melhor aplicado a seres humanos
do que aos animais, pelo fato deste termo envolver
um componente emocional. Mesmo assim tornou-se
uma conveno o uso do termo dor para pacientes
humanos e animais (HELLEBREKERS, 2002). LUNA
(2006) considera a dor como sendo o quinto sinal
vital, juntamente com a funo cardiorespiratria e
a trmica.
A exposio da pele ou qualquer outro rgo a
estmulos potencialmente nocivos induz sensao
desagradvel, informando o indivduo sobre o perigo
real ou potencial para sua integridade fsica. Portan-
to, a informao processada pode ser diferenciada
como dor fsiolgica ou dor patolgica (FANTONI e
MASTROCINQUE, 2002; ALMEIDA et al., 2006).
A dor fsiolgica aquela que induz respostas
protetoras, como o refexo de retirada (ou reao
de fuga), com intuito de interromper a exposio
ao estmulo nocivo. Este sinal tpico da dor aguda
produzida por estmulos intensos na superfcie da pele.
A dor visceral e a dor somtica profunda so causadas
por estmulos inevitveis e apresentam respostas
adaptativas especfcas, geralmente so subagudas e
podem vir acompanhadas de respostas autonmicas
ou comportamentais especficas (FANTONI e
MASTROCINQUE, 2002; HELLEBREKERS, 2002).
Embora a inatividade temporria e o compor-
tamento protetor como resposta dor subaguda
possam trazer benefcios, a dor persistente pode
levar a um estado de depresso semelhante ao de-
sencadeado por estmulos estressantes inevitveis,
no podendo ser considerada como uma resposta
adaptativa. Estados dolorosos prolongados estimulam
2
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
persistentemente os aferentes nociceptivos induzindo
alteraes que aumentam os efeitos deletrios da
dor crnica, introduzindo ento o conceito de dor
patolgica. Enquanto a dor aguda um sintoma de
alguma doena, a dor crnica uma doena propria-
mente dita, sendo nociva e independente ao estmulo
que a gerou (FANTONI e MASTROCINQUE, 2002;
HELLEBREKERS, 2002).
A dor persistente pode ser subdividida segundo
sua origem em nociceptiva e neuroptica. A dor noci-
ceptiva resulta da ativao direta de nociceptores da
pele e outros tecidos em resposta a uma leso teci-
dual, acompanhada de infamao. A dor neuroptica
ou neurognica origina-se devido a leses de nervos
perifricos ou do sistema nervoso central (FANTONI e
MASTROCINQUE, 2002; ALMEIDA et al., 2006).
importante a descrio de algumas defnies
correlacionadas dor e suas formas de percepo:
Nociceptor: receptor perifrico que responde
a estmulos nocivos.
Limiar dor: a menor intensidade de estmulo
que permite ao indivduo perceber a dor.
Alodinia: dor que surge como resultado de
estimulao no-nociva sobre a pele normal.
Hiperalgesia: aumento da resposta dolorosa
produzida por um estmulo nocivo.
Hiperalgesia primria: hiperalgesia na regio
da leso tecidual.
Hiperalgesia secundria: hiperalgesia na re-
gio que circunda a leso tecidual.
Analgesia: reduo ou anulao da dor.
Hiperestesia: sensibilidade aumentada es-
timulao.
Neuralgia ou nevralgia: dor localizada eu uma
regio inervada por nervo especfco ou grupo
de nervos (MUIR III et al., 2001; FANTONI e
MASTROCINQUE, 2002).
Dor Fisiolgica Nocicepo
O componente fsiolgico da dor chamado noci-
cepo, que consiste dos processos de transduo,
transmisso e modulao de sinais neurais gerados
em resposta a um estmulo nocivo externo. De forma
simplifcada, pode ser considerado como uma cadeia
de trs-neurnios, com o neurnio de primeira ordem
originado na periferia e projetando-se para a medula
espinhal, o neurnio de segunda ordem ascende
pela medula espinhal e o neurnio de terceira ordem
projeta-se para o crtex cerebral (MESSLINGER,
1997; TRANQUILLI, 2004).
Os dois sistemas de modulao nociceptiva mais
importantes so mediados por receptores NMDA
(N-Metil-D-Aspartato) e opiides, distribudos por
toda extenso do sistema nervoso central. Entre os
trs principais subtipos de receptores opiides, os
receptores e podem inibir ou potencializar even-
tos mediados pelos receptores NMDA, enquanto
o receptor antagoniza a atividade mediada por
receptores NMDA. (RIEDEL e NEECK, 2001).
Segundo PISERA (2005) o primeiro processo
da nocicepo a decodifcao de sensaes
mecnica, trmica e qumica em impulsos eltricos
por terminais nervosos especializados denominados
nociceptores. Os nociceptores so terminaes
nervosas livres dos neurnios de primeira ordem,
cuja funo preservar a homeostasia tecidual,
assinalando uma injria potencial ou real. Os neu-
rnios de primeira ordem so classifcados em trs
grandes grupos, segundo seu dimetro, seu grau de
mielinizao e sua velocidade de conduo:
1. Fibras A : so fbras de dimetro grande
(maior que 10 m), mielinizadas e de conduo
rpida, responsveis por sensaes incuas
(FIGURA 1).
2. Fibras A : so de dimetro intermedirio (2 a 6
m), mielinizadas. Sua velocidade de conduo
intermediria, modulando a primeira fase da
dor: mais aguda ou semelhante pontada.
3. Fibras C: so fbras de dimetro pequeno (0,4
a 1,2 m), no mielinizadas e de velocidade de
conduo lenta, responsveis pela segunda dor
ou dor difusa, queimao persistente.
4. Na ausncia de dano tecidual ou nervoso
as fbras A somente transmitem informao
referente a estmulos incuos, como tato, vi-
brao e presso. Normalmente, a informao
nociceptiva transmitida por fbras do tipo C e
A localizadas na pele, vsceras, vasos san-
guneos, peritneo, pleura, peristeo, tendo,
fscia, cpsula articular e fbras do msculo
esqueltico; sua distribuio dependendo da
espcie e localizao anatmica, podendo
aparecer a cada 2 a 10 mm (MESSLINGER,
1997; LAMONT e TRANQUILLI, 2000; MUIR III
et al., 2001). As fbras A so responsveis pela
primeira fase da dor, rpida e forte, do tipo pi-
cada ou ferroada e so sensveis a estmulos
mecnicos intensos (mecanorreceptores de alto
limiar). As fbras C produzem uma segunda fase
3
Patofsiologia da dor
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
FIGURA 1 FIBRAS AFERENTES RESPONSVEIS PELAS INFORMAES NOCICEPTIVAS.
de dor mais difusa e persistente e formam, na
periferia, receptores de alto limiar para estmu-
los trmicos e/ou mecnicos. Existem tambm
fbras do tipo C polimodais que respondem a
estmulos mecnicos, trmicos e qumicos.
Os campos receptivos destes neurnios
oscilam entre 2 e 10 mm (BESSON, 1997;
TRANQUILLI, 2004; PISERA, 2005).
FORSS N. et al. (2005) relatam que os impul-
sos nociceptivos mediados pelas fbras A e C so
processados numa mesma rea no crtex cerebral
porm em diferentes janelas de tempo.
As fbras aferentes nociceptivas terminam no corno
dorsal da medula, que pode ser dividida em seis lminas.
Os neurnios nociceptivos do corno dorsal esto locali-
zados nas lminas mais superfciais: a lmina marginal
(lmina I) e a substncia gelatinosa (lmina II). A maioria
desses neurnios recebem conexes diretas de fbras
A e C. Muitos dos neurnios da lmina I respondem
exclusivamente a estmulos nociceptivos e projetam-se
para centros superiores. Alguns neurnios dessa lmina,
denominados neurnios de faixa dinmica ampla (WDR),
respondem de maneira gradativa a estimulao mecni-
ca nociva e incua. A substncia gelatinosa (lmina II)
formada quase que exclusivamente por interneurnios,
tanto inibitrios quanto excitatrios (TRANQUILLI, 2004;
PISERA, 2005; DREWES, 2006).
As lminas III e IV possuem neurnios que se co-
nectam diretamente com terminais centrais de fbras
A, que respondem predominantemente a estmulos
incuos. A lmina V possui neurnios WDR que se
projetam ao tronco enceflico e certas regies do
tlamo. Recebem contatos monossinpticos de f-
bras A e A , tambm recebem informaes de fbras
C. Os neurnios da lmina VI esto conectados de
forma monossinptica com aferentes A de msculos
e articulaes e respondem a estmulos incuos.
Finalmente os neurnios das lminas VII e VIII do
corno ventral podem responder a estmulos nocicep-
tivos, mesmo que de forma mais complexa, atravs
de conexes polissinpticas (PISERA, 2005).
Segundo KITAGAWA et al. (2005) os neurnios
nociceptivos em indivduos idosos exibem hiperex-
citabilidade, sugerindo que o sistema nociceptivo do
corno dorsal da medula espinhal torna-se sensibili-
zado com o avano da idade. Sua excitabilidade no
pode ser aumentada pelo processo infamatrio.
As fbras aferentes (FIGURA 2) de primeira ordem
formam conexes diretas ou indiretas com uma das
trs populaes de neurnios do corno dorsal da
medula: 1) interneurnios, subdivididos em excitat-
rios e inibitrios; 2) neurnios proprioespinhais que
extendem-se por mltiplos segmentos espinhais e
esto envolvidos com a atividade refexa; 3) neur-
nios de projeo (WDR) que participam na transmis-
so rostral atravs da medula espinhal at centros
supraespinhais como o mesencfalo e crtex. Os trs
componentes so interativos e so essenciais para
o processamento da informao nociceptiva, o que
facilita a gerao de uma resposta dor apropriada
e organizada (MILLAN, 1999; LAMONT e TRAN-
QUILLI, 2000; DREWES, 2006).
4
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
FIGURA 2 VIA AFERENTE DE TRANSMISSO DA INFORMAO NOCICEPTIVA
Particular ateno dada aos interneurnios
opioidrgicos, que expressam encefalinas e dinorf-
na. Esses peptdeos inibem pr-sinapticamente a
liberao de glutamato, substncia P e o peptdeo
relacionado com o gene da calcitonina, a partir de
aferentes nociceptivos primrios interagindo com
receptores (OP3), (OP2) e (OP1) (PISERA,
2005; DREWES, 2006).
A comunicao da informao nociceptiva
entre neurnios ocorre por mediadores qumicos
(neurotransmi ssores) que so: ami noci dos
FIGURA 3 ESQUEMA DE SENSIBILIZAO DE NEURNIOS PERIFRICOS, APS INJRIA TECIDUAL.
excitatrios ou inibitrios e neuropetdeos que
so produzidos, armazenados e liberados tanto
nas terminaes dos nervos aferentes como nos
neurnios do corno dorsal. Os principais aminocidos
excitatrios so o glutamato e o aspartato porm, em
fbras aferentes do tipo C tambm encontra-se uma
variedade de neuropeptdeos como a substncia
P, neurotensina, peptdeo intestinal vasoativo,
peptdeo relacionado com o gene da calcitonina
e colecistocinina (LAMONT e TRANQUILLI, 2000;
RYGH et al., 2005).
5
Patofsiologia da dor
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
Em comparao com as fi bras aferentes
primrias e a medula espinhal, pouco se sabe no
que diz respeito a neurotransmissores e receptores
envolvidos em neurnios nociceptivos ou em vias
modulatrias para estes neurnios a nvel talmico
e cortical. Acredita-se que o glutamato e o aspartato
constituam o principal mediador excitatrio envolvido
na transmisso e processamento no sistema
talamocortical. Os aminocidos inibitrios (GABA e
glicina), as monoaminas (norepinefrina, serotonina
e dopamina), acetilcolina e histamina tambm esto
relacionadas com a excitabilidade talamocortical
(LAMONT e TRANQUILLI, 2000). interessante
destacar que o crtex cerebral expressa COX-2, o
que sugere um provvel papel das prostaglandinas
na modulao da informao nociceptiva nesta
estrutura. Tambm foi demonstrada a expresso de
citocinas no crtex cerebral (PISERA, 2005; RYGH
et al., 2005).
A informao sobre o dano tecidual conduzida
por neurnios de projeo atravs de cinco vias
ascendentes principais (FIGURA 3):
1. Trato espinotalmico. Composto por neurnios
nociceptivos especfcos e axnios de neur-
nios WDR das lminas I e V VII da medula
espinhal. Esses neurnios projetam-se no
sentido contralateral at o tlamo.
2. Trato espinorreticular. Compreende axnios
de neurnios das lminas VII e VIII que termi-
nam na formao reticular (bulbar e pontina),
para logo ascender at o tlamo. Muitos dos
axnios do trato espinorreticular ascendem
sem cruzar a linha mdia.
3. Trato espinomesenceflico. formado por
axnios de neurnios de projeo das lmi-
nas I e IV que se projetam contralateralmente
at a formao reticular mesenceflica e a
substncia cinzenta periaquedutal at os
ncleos parabraquiais da formao reticular.
Os neurnios parabraquiais projetam-se at
a amigdala, um dos principais componentes
do sistema lmbico, o que sugere que o trato
espinomesenceflico contribui com os compo-
nentes afetivos da dor.
4. Trato espinocervical. Origina-se principalmen-
te nas Lminas III e IV. Sua fbras fazem uma
conexo sinptica no ncleo cervical lateral e
no primeiro e segundo segmentos cervicais,
para logo chegar ao tlamo atravs do trato
cervicotalmico.
5. Trato espinohipotalmico. Compreende ax-
nios provenientes das lminas I, V e VIII, que
projetam-se diretamente no hipotlamo. Essas
conexes participam nas respostas neuroen-
dcrinas e autonmicas induzidas pela dor
(LAMONT e TRANQUILLI, 2000; PISERA,
2005).
Este complexo sistema de vias diretas e indire-
tas de transmisso das informaes nociceptivas
inervam o tlamo, o mesencfalo, o sistema lmbico
e a formao reticular. Estes centros nervosos so
responsveis pela localizao da dor, sua intensi-
dade, bem como os aspectos afetivos e cognitivos
(PISERA, 2005).
PLONER et al. (2006) observaram que a velo-
cidade de conduo da informao dolorosa tanto
na periferia quanto na medula espinhal mais lenta
que a transmisso da informao ttil. Entretanto o
processamento cerebral da dor substancialmente
mais rpido do que o processamento da informao
ttil, compensando a conduo lenta da periferia e da
medula espinhal. A conseqncia um curto perodo
de latncia estmulo-resposta, gerando resposta
comportamental protetora imediata.
A regio anatmica mais importante para o
sistema de analgesia endgeno a substncia cin-
zenta periaquedutal do mesencfalo, considerada
por alguns com sendo uma extenso caudal do
sistema lmbico dentro do mesencfalo (LAMONT e
TRANQUILLI, 2000). Este bloqueio produzido pela
estimulao de vias descendentes que inibem os
neurnios nociceptivos na medula espinhal, atravs
de conexes excitatrias com neurnios serotoninr-
gicos e neurnios noradrenrgicos, que por sua vez
descem at o corno dorsal da medula onde realizam
conexes inibitrias com neurnios das lminas I, II
e V (PISERA, 2005).
Essas projees descendentes originadas no
tronco enceflico podem inibir a descarga de neur-
nios nociceptivos de projeo, atuando diretamente
sobre eles, por inibio de interneurnios excitatrios
ou por estimulao de interneurnios inibitrios.
Alm disso, estabelecem sinapse com terminais
de aferentes primrios reduzindo a liberao de
glutamato, aspartato e peptdeo relacionado com o
gene da calcitonina. Alm de sua ao medular, os
peptdeos opiides participam da ativao dos siste-
mas de inibio descendentes. A substncia cinzenta
periaquedutal contm uma grande quantidade de
receptores (OP3). Os peptdeos opiides inibem
a descarga dos neurnios GABArgicos inibitrios,
ativando as vias descendentes. (PISERA, 2005;
DREWES, 2006).
6
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
Dor patolgica
A dor fsiolgica descrita at aqui, como uma
entidade isolada um evento raro. Na maioria das
vezes o estmulo nocivo no transitrio e pode
estar associado com infamao e injria nervosa
signifcativa. Sob tais circunstncias, alteraes din-
micas no processamento da informao nociva so
evidentes nos sistemas nervoso perifrico e central.
Este tipo de dor chamado dor patolgica e envolve
desconforto e sensibilidade anormal na sintomatolo-
gia clnica do paciente. A dor patolgica pode surgir
de diferentes tecidos e pode ser classifcada com
dor infamatria (envolvendo estruturas somticas
ou viscerais) ou neuroptica (envolvendo leses
do sistema nervoso). importante a caracterizao
temporal da dor, fazendo distino entre dor aguda
(ocorrncia recente) ou dor crnica (longa durao)
(LAMONT e TRANQUILLI, 2000; JI e WOOLF, 2001;
SCHAIBLE, 2006).
A dor aguda tipicamente surge do trauma de te-
cidos moles ou infamao e est relacionada com
um processo adaptativo biolgico para facilitar o
reparo tecidual e cicatricial. A hipersensibilidade na
rea da injria (hiperalgesia primria), bem como
nos tecidos adjacentes (hiperalgesia secundria)
contribuem para que o processo cicatricial ocorra
sem interferncias (LAMONT e TRANQUILLI, 2000;
JI e WOOLF, 2001; MUIR III et al., 2001).
A dor crnica persiste alm do perodo esperado
de uma doena ou injria e tem sido arbitrariamente
defnida como aquela com durao maior que 3 a
6 meses. Pode manifestar-se espontaneamente
ou ser provocada por vrios estmulos externos.
A resposta tipicamente exagerada em durao,
amplitude, ou ambas. A dor crnica alm de sim-
plesmente manifestar-se por um longo perodo de
tempo, implica numa sndrome debilitante que possui
um signifcante impacto sobre a qualidade de vida
do paciente e caracteriza-se por uma resposta pobre
s terapias analgsicas convencionais (LAMONT e
TRANQUILLI, 2000; JI e WOOLF, 2001).
O sistema nociceptivo capaz de sofrer altera-
es nos mecanismos de percepo e conduo
dos impulsos, denominados neuroplasticidade.
A neuroplasticidade pode aumentar a magnitude
da percepo da dor e pode contribuir para o de-
senvolvimento de sndromes dolorosas crnicas
(PETERSEN-FELIX e CURATOLO, 2002).
Dor infamatria ou nociceptiva
A hipersensibilidade a principal caracterstica da
dor patolgica e resulta de alteraes drsticas na
funo do sistema nervoso. Este conjunto de altera-
es denominadas plasticidade do sistema nervoso,
um fenmeno que acontece perifericamente por
reduo do limiar de ativao dos nociceptores; bem
como centralmente, pela responsividade aumentada
da medula espinhal aos estmulos sensoriais. (LA-
MONT e TRANQUILLI, 2000; SCHAIBLE 2006).
Sob circunstncias fsiolgicas normais, estmulos
mecnicos, trmicos e qumicos ativam nociceptores
associados com fbras A e C para avisar sobre um
estmulo nocivo. Cada estmulo est associado com
certo grau de infamao que inicia uma cascata
de sensibilizao perifrica com eventos celulares
e subcelulares. Clulas lesadas e fbras aferentes
primrias liberam uma srie de mediadores qumicos,
incluindo substncia P, neurocinina A e peptdeo rela-
cionado com o gene da calcitonina, que tm efeitos
diretos sobre a excitabilidade de fbras sensoriais e
simpticas. Estes mediadores tambm promovem
vasodilatao com extravasamento de protenas
plasmticas e o recrutamento de clulas infama-
trias. Mastcitos, macrfagos, linfcitos e plaque-
tas contribuem para a formao de um ambiente
complexo, composto por mediadores infamatrios,
como ons hidrognio, norepinefrina, bradicinina, his-
tamina, ons potssio, citocinas, serotonina, fator de
crescimento neural, xido ntrico e produtos das vias
da ciclo-oxigenase e lipo-oxigenase do metabolismo
do cido araquidnico. Parece que estas molculas
agem melhor sinergicamente do que isoladamente,
gerando o que se chama sopa sensibilizadora que
efetivamente desencadeia a resposta para ativao
das fbras A e C. Enquanto alteraes no limiar
de transduo aferente caracterizada pela sensi-
bilizao perifrica so responsveis pela zona de
hiperalgesia primria na regio da injria tecidual,
elas no explicam os aspectos comportamentais
da dor, clinicamente. Entretanto, a identifcao de
uma subpopulao de terminais nervosos aferentes
chamados nociceptores silenciosos tem contribudo
para entendermos o fenmeno de sensibilizao
perifrica. Estes nociceptores pertencem a uma
classe de fbras C polimodais, amielnicas que de-
monstram pequena ou nenhuma atividade at que
seja submetida estimulao extrema; entretanto,
eles so excessivamente sensibilizados pelos
efeitos da infamao local e podem disparar vigo-
rosamente sob tais condies (GARRY et al., 2004;
LAMONT e TRANQUILLI, 2000; MUIR III et. al., 2001;
SCHAIBLE 2006; SCHAIBLE 2007).
Associada hiperalgesia primria (no local da
injria) e secundria (nos tecidos ao redor da injria),
observa-se tambm alodinia (sensibilidade a estmu-
los incuos). Tal condio agora reconhecida como
resultado de alteraes dinmicas na excitabilidade
dos neurnios do corno dorsal (sensibilizao cen-
tral), que modifca suas propriedades nos campos
receptivos. O primeiro estgio est relacionado
7
Patofsiologia da dor
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
durao dos potenciais de ao sinpticos lentos
gerados por fbras A e C. Os potenciais sinpticos
podem durar mais de 20 segundos e resulta na soma
de potenciais de baixa freqncia repetidos em noci-
ceptores estimulados, gerando uma despolarizao
progressiva e de longa durao (LTP long term po-
tentioation) nos neurnios do corno dorsal. Somente
alguns segundos de estmulo de fbras C podem ge-
rar vrios minutos de despolarizao ps-sinptica.
Tambm observa-se um tipo de potenciao a curto
prazo em neurnios espinhais aps estimulao de
fbras C. Este evento, chamado Wind-up, media-
do por receptores NMDA (N-metil-D-aspartato), que
ligam-se ao glutamato; e receptores da taquicinina,
que ligam-se substncia P e neurocinina A. A
ativao de receptores NMDA resulta em infuxo de
clcio e ativao da protena cinase C, que modifca
estruturalmente o canal de NMDA, aumentando sua
sensibilidade ao glutamato (LAMONT e TANQUILLI,
2000; GARRY et al., 2004; SCHAIBLE 2006).
As fbras A que antes respondiam apenas
sensaes incuas, so agora recrutadas gerando
dor como resultado do processamento central alte-
rado no corno dorsal da medula espinhal (LAMONT
e TANQUILLI, 2000; GARRY et al., 2004; SCHAIBLE
2006).
Os neurnios aferentes sofrem tambm altera-
es fenotpicas importantes, em conseqncia da
exposio a neurotrofnas como o fator de crescimen-
to neural (NGF), liberado por clulas de Schwann,
macrfagos, fbroblastos e queratincitos, aumen-
tando a expresso de substncia P, glutamato, xido
ntrico e peptdeo relacionado ao gene da calcitonina
(PISERA, 2005).
Dor visceral
Os mecanismos neurais que envolvem a gerao
da dor infamatria e da dor visceral, por muito tempo
foram tidos como iguais, porm existem diferenas
relevantes. As vsceras raramente so expostas a
estmulos externos mas so alvos comuns de diver-
sas doenas. O conceito de aferentes nociceptivos
ativados por um estmulo direto sobre o tecido
difcil de transferir para os tipos de dor visceral. A
sensibilidade do tecido visceral a estmulos trmicos,
qumicos e mecnicos difere signifcativamente. As
vsceras parecem mais sensveis distenso de
rgos cavitrios de parede muscular, sem dano te-
cidual, isquemia, e infamao. A rea sobre a qual o
estmulo acontece pode ser uma determinante crucial
no desenvolvimento dos tipos de dor. Os receptores
mecnicos ou mecanorreceptores existentes na
musculatura lisa de todas as vsceras ocas so do
tipo A e C, e respondem a estmulos mecnicos
leves, tenso aplicada ao peritnio, contrao e
distenso da musculatura lisa. O trato gastrintestinal
possui receptores qumicos e mecnicos de adap-
tao lenta e rpida que so classifcados em dois
grupos: o grupo de receptores de alto limiar para
estmulos mecnicos leves, e o grupo de baixo limiar
para estmulos mecnicos que responde a estmu-
los agressivos e no agressivos. O primeiro grupo
encontrado no esfago, sistema biliar, intestino
delgado e clon e o segundo, apenas, no esfago
e clon. A relao entre a intensidade do estmulo
e a atividade nervosa somente evocada aps a
estimulao nociva. (LAMONT e TRANQUILLI, 2000;
KRAYCHETE e GUIMARES, 2003). A dor visceral
profunda e dolorosa, mal localizada e, freqentemen-
te relacionada a um ponto cutneo. O mecanismo
da dor referida no est totalmente esclarecido, mas
pode ser relacionado a ponto de convergncia de
impulso sensorial cutneo e visceral em clulas do
trato espinotalmico na medula espinhal. (GOMES
et al., 2002)
Dor neuroptica
A dor neuroptica ou neurognica produzida
pelo dano ao tecido nervoso. Caracteriza-se pela
apario de hiperalgesia, dor espontnea, pareste-
sia e alodinia mecnica e por frio (PISERA, 2005;
SCHAIBLE, 2006).
A leso de nervos perifricos induz descargas
rpidas e intensas por perodos mais ou menos
prolongados, na ausncia de estmulos. Estes es-
tmulos parecem produzir a ativao de receptores
NMDA, originando o fenmeno de wind up nos
neurnios do corno dorsal da medula. Logo de-
pois a induo de processos infamatrios faz com
que certos mecanismos desencadeantes da dor
neurognica sejam comuns ao da dor nociceptiva.
As extremidades do nervo lesionado aderem-se
logo aps o trauma, podendo formar uma estrutura
de crescimento irregular denominada neuroma,
que pode dar origem a descargas espontneas
e hipersensibilidade a estmulos mecnicos. So
produzidos padres anormais de comunicao
interneuronal na periferia, nas quais um neurnio
modifica a atividade de neurnios adjacentes.
Logo aps a leso, as fbras simpticas (que nor-
malmente no afetam a sinalizao dos terminais
sensoriais) respondem a estmulos, tanto na peri-
feria como nos gnglios da raiz dorsal, a agonistas
(norepinefrina), em particular os neurnios A.
Os neurnios aferentes lesados tambm sofrem
alteraes fenotpicas, observando-se maior ex-
presso de peptdeos pr-nociceptivos, como a co-
lecistoquinina (TJOLSEN e HOLE, 1993; LAMONT
e TRANQUILLI, 2000; JI e STRICHARTZ, 2004;
SCHAIBLE, 2006).
8
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
Segundo PITCHER e HENRY (2005) em conse-
quncia das alteraes fenotpicas que acontecem
durante a neuropatia perifrica, os aferentes mielini-
zados sintetizam e liberam substncia P que ligam-
se a receptors NK-1. O resultado a expresso de
neurnios nocicpetivos espinhais que respondem de
forma exagerada a estmulos incuos.
Uma importante seqela da injria nervosa e
outras doenas do sistema nervoso como ataques
virais, a apoptose de neurnios na periferia e no
sistema nervoso central. A apoptose parece induzir
sensibilizao e perda do sistema inibitrio, causando
um processo irreversvel (ZIMMERMANN, 2001).
Teoria do controle do gatilho ou do porto
A teoria do porto proposta por MELZACK e
WALL em 1965 (apud MELZACK,1993), muito
embora possa ser exposta em termos simples,
possui diversifcaes bastante complexas e por
isso vem recebendo muita ateno atualmente,
pelo fato de levar em considerao um elemento
participante do mecanismo da dor: a emoo.
Essa teoria pode ser exposta da seguinte maneira:
os milhes de receptores do corpo conservam
o crebro abasteci do de i nformaes sobre
temperatura e condies dos tecidos e rgos.
Estas informaes so moduladas na Lmina II ou
substncia gelatinosa. Como j visto, os receptores
e o sistema nervoso central comunicam-se por meio
de um complexo cdigo neural, que compreende
a atividade relativa de fbras grossas e fbras fnas.
As fbras mais grossas ou A transmitem impulsos
como os originados nos receptores do tato; as
mais fnas, do tipo C e A, de transmisso mais
lenta, conduzem os impulsos de dor. Esses nervos
convergem para a medula espinhal e ali, atravs de
conexes com neurnios WDR, os autores da teoria
admitem a existncia de um mecanismo semelhante
a um porto que usualmente permanece fechado
para bloquear a dor mas, s vezes, pode abrir-se
para admiti-la (MELZACK, 1993; THURMON et
al., 1996).
Quando se arranha a pele suavemente,
as fibras grossas conduzem impulsos que so
percebidos, porm no traduzem uma sensao
desagradvel pois a porta conserva-se fechada.
Se a pele continuar a ser arranhada, cada vez com
maior intensidade, mais receptores so estimulados
e as fbras grossas sobrecarregadas fazem com
que a porta se abra e as fbras fnas transmitem
impulsos dolorosos aos centros nervosos superiores
(MELZACK, 1993; THURMON et al., 1996).
Sugere-se ainda que a existncia de um
estmulo nociceptivo no seja um pr-requisito para
gerao de dor. A dor seria uma experincia multidi-
mensional produzida por padres caractersticos ou
neuroassinaturas, geneticamente predeterminadas,
que podem ser desencadeadas independentemente
do estmulo nociceptivo ou modifcadas por estmulos
nociceptivos ao longo da vida do indivduo. Esta hip-
tese poderia explicar o aparecimento da dor fantasma
e outras em que a percepo da intensidade da dor
incompatvel com a complexidade da patologia
(MELZACK, 1993; THURMON et al., 1996).
Resposta sistmica dor e injria
O sistema nervoso o principal alvo da informao
nociceptiva e fornece o veculo pelo qual o organismo
pode reagir contra estmulos. Dor induz respostas
refexas que resultam no aumento do tnus simpti-
co, vasoconstrio, aumento da resistncia vascular
sistmica, aumento do dbito cardaco pelo aumento
da freqncia cardaca e do dbito cardaco, aumento
do consumo de oxignio pelo miocrdio , diminuio
do tnus gastrointestinal e urinrio e aumento do tnus
msculo-esqueltico (MATHEWS, 2005).
A resposta endcrina compreende aumento
da secreo de corticotropina, cortisol, hormnio
antidiurtico, hormnio do crescimento, AMP cclico,
catecolaminas, renina, angiotensina II, aldosterona,
glucagon e interleucina 1, com concomitante diminuio
da secreo de insulina e testosterona. Estas alteraes
so traduzidas por um estado catablico caracterizado
por hiperglicemia, aumento do catabolismo protico,
liplise, reteno renal de gua e sdio, com aumento
da excreo de potssio e diminuio da taxa de
filtrao glomerular. A estimulao nociceptiva
de centros cerebrais leva hipoventilao e a
resposta simptica descrita contribui para aumento
da viscosidade sangunea, aumento do tempo de
coagulao, fibrinlise e agregao plaquetria
(LAMONT e TRANQUILLI, 2000; MATHEWS, 2005;
TEIXEIRA, 2005).
A estimulao nociceptiva do tronco cerebral causa
taquipnia, com tendncia dor, secundria s doen-
as torcicas e abdominais, resultando em espasmos
musculares de refexo e fadiga involuntria da muscu-
latura e consequente hipoventilao e piora na relao
ventilao/perfuso (MATHEWS, 2005).
Estes efeitos constituem a clssica resposta ao
estresse e correspondem a uma adaptao desen-
volvida para otimizar a sobrevivncia no perodo ime-
diatamente aps a injria. No entanto, a persistncia
deste quadro clnico pode ser deletrio, visto que a
resposta neuroendcrina dor ps traumtica ou ps
cirrgica sufciente para desencadear estado de
choque (LAMONT e TRANQUILLI, 2000).
A supresso do eixo adrenal-pituitrio da resposta
hormonal ao estresse tem sido descrita como o prin-
cipal objetivo do controle da dor. O reconhecimento
9
Patofsiologia da dor
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
de marcadores intracelulares do estresse tem redi-
mensionado este objetivo. Estes marcadores so
gerados nos neurnios do corno dorsal da medula
espinhal e acredita-se que contribuam para mudanas
fenotpicas nos neurnios sensoriais perifricos: 1)
expresso de genes (c-fos) que codifcam protenas
envolvidas na iniciao da excitabilidade neuronal de
longa ao, 2) ativao de enzimas (protena cinase
C e xido ntrico sintase) que produz importante papel
na sensibilizao central e desenvolvimento de tole-
rncia a opiides, 3) secreo de fator de crescimento
neural e citocinas neuropoiticas que contribuem
para sensibilizao central e perifrica (LAMONT e
TRANQUILLI, 2000).
Implicaes para o manejo da dor
Segundo GLEED e LUDDERS (2006) a maioria
das sndromes dolorosas so complexas e envolvem
mais de um tipo de dor. A primeira estratgia para ma-
ximizar o sucesso da terapia analgsica o conceito
de analgesia preemptiva. O tratamento iniciado antes
da injria inibe o processo de sensibilizao perifrica
e central. A segunda estratgia envolve a combinao
de frmacos analgsicos e tcnicas que promovam
efeito sinrgico como analgesia balanceada. Com estas
tcnicas, pode-se utilizar baixas doses, diminuindo a
possibilidade de efeitos colaterais (KUMAZAWA, 1998;
LUNA, 2006).
A analgesia preempitva ou analgesia preventiva
envolve a administrao de analgsicos antes da injria
tecidual, para minimizar a dor ps-operatria e promo-
ver um curto perodo de recuperao ao paciente. O
principal objetivo da analgesia preemptiva bloquear o
Wind-up celular e, com isso, bloquear a sensibilizao
central, prevenindo a dor ou tornando-a mais fcil de
controlar. Apesar do exposto, a tcnica no aceita para
induo e manuteno de anestesia isoladamente e no
elimina a necessidade de analgsicos no ps-operatrio
(SHAFFORD et al., 2001; GLEED e LUDDERS, 2006;
LUNA, 2006; ROBERTSON, 2006).
A analgesia balanceada ou multimodal utiliza mais
de uma modalidade de analgsicos. O processo de
nocicepo e dor envolve diversos mecanismos e
parece bvio que um nico frmaco no seja capaz
de aliviar a dor completamente. Um plano efetivo inclui
frmacos de diferentes classes analgsicas, atuando
em pontos diferentes dos mecanismos fsiopatolgicos
que envolvem a dor (ROBERTSON, 2006).
A dor crnica, resultante da persistncia de estmu-
los nociceptivos ou disfunes do sistema nervoso, no
uma verso prolongada da dor aguda. Dor crnica
perde a funo biolgica e caracteriza-se pela sua na-
tureza multidimensional, em que alm dos fenmenos
neurofsiolgicos, os aspectos psicolgicos, cognitivos,
comportamentais, sociais, familiares e vocacionais
tambm modulam a experincia dolorosa e devem ser
combatidos atravs da terapia multimodal. (LAMONT
e TRANQUILLI, 2000).
Os opiides so um grupo de frmacos naturais
ou sintticos amplamente utilizados no manejo de dor
ps-operatria e em processos oncolgicos. Recepto-
res opiides especfcos esto localizados na periferia,
medula espinhal e estruturas supra-espinhais, sendo os
receptores (OP3) e (OP2) os de maior importncia
clnica reforando a ao fsiolgica das endorfnas e a
das vias inibitrias noradrenrgicas e serotoninrgicas.
A efccia analgsica dos opiides pode variar segundo
a caracterstica, durao intensidade do estmulo; dosa-
gem e espcie. Os opiides bloqueiam a transmisso
perifrica e central da via nociceptiva aferente e por
isso, tornam-se bastante efcientes no tratamento da dor
infamatria aguda. No entanto, eles no so igualmente
efcazes para todo tipo de dor como, por exemplo, a dor
neuroptica que possui uma resposta pobre ou de curta
durao aos opiides (RIBEIRO et al., 2002, BASSANE-
ZI e OLIVEIRA FILHO, 2006). Agentes opiides como
tramadol e morfna contriburam para modulao da
resposta neuroendcrina dor, aps a OSH em ces
(MASTROCINQUE e FANTONI , 2001).
Os anestsicos locais atuam tanto no bloqueio de
canais de sdio, como prevenindo a transmisso do
impulso nervoso e a excitao do nociceptor ou inibindo
o processo modulatrio de nocicepo quando adminis-
trado por via central (LAMONT e TRANQUILLI, 2000;
BASSANEZI e OLIVEIRA FILHO, 2006).
Os anti-infamatrios no esterides (AINE) continu-
am sendo a principal ferramenta no tratamento da dor
crnica. Acredita-se que os efeitos analgsicos destes
frmacos deve-se sua habilidade em inibir a ativida-
de da ciclo-oxigenase e lipo-oxigenase e prevenindo
a sntese das prostaglandinas e a sensibilizao de
nociceptores perifricos. Existem dois tipos principais
de COX: a COX- 1 e COX- 2, presentes na maioria dos
tecidos. Existem tambm relatos da existncia de um
terceiro tipo de COX (COX-3), presente principalmen-
te no crtex cerebral, que inibida seletivamente por
drogas analgsicas e antipirticas, como a dipirona e o
acetaminofeno. A ao dos AINE dose /resposta limi-
tada (efeito teto), ou seja, a sua administrao em doses
superiores s recomendadas no proporciona analgesia
suplementar, aumentando a incidncia de efeitos cola-
terais. (LAMONT e TRANQUILLI, 2000; BASSANEZI
e OLIVEIRA FILHO, 2006; ROBES, 2006).
J os glucocorticides diminuem a expresso do
cido araquidnico e conseqentemente diminuio
de seus metablitos (prostaglandinas, leucotrienos e
tromboxanos), diminuem a expresso de interleucinas
e TNF e parecem estar envolvidos na diminuio da
resposta dolorosa em processos autoimunes (LAMONT
e TRANQUILLI, 2000).
10
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
Os
2
-agonistas ligam-se a receptores pr-
sinpticos localizados na fbras aferentes sim-
pticas, modulando a liberao de norepinefrina,
substncia P, peptdeo relacionado com o gene da
calcitonina e outros neurotransmissores envolvidos
na transmisso da informao nociceptiva. No SNC
os receptores
2
encontram-se no tronco cerebral e
a ativao de seus ncleos resulta em sedao e
anestesia. Tambm no tronco cerebral, a ao dos
agonistas
2
ativa uma via inibitria descendente da
medula espinhal, diminuindo o tnus simptico. Na
medula espinhal estes receptores esto localizados
no corno posterior e sua ativao inibe a transmisso
da informao dolorosa, resultando em analgesia
(LAMONT e TRANQUILLI, 2000; BASSANEZI e
OLIVEIRA FILHO, 2006).
Os antagonistas dos receptores NMDA como a
cetamina, previnem o fenmeno de wind-up e a
conseqente sensibilizao dos neurnios do corno
dorsal. Devido seu efeito modulatrio da medula
espinhal, a cetamina pode ser efcaz no tratamento
de dor neuroptica que normalmente no responde
a opiides (LAMONT e TRANQUILLI, 2000).
Os anestsicos gerais no so analgsicos.
Entretanto estes frmacos inibem a percepo da
dor induzindo o crtex cerebral no percepo
da informao nociceptiva que est sendo recebida
(inconscincia) (ROBERTSON, 2006).
Novos indicadores na teraputica da dor
A supresso da resposta clssica do eixo pitui-
trio-adrenal ao estresse, sempre foi reconhecido
como o principal objetivo do manejo da dor. O re-
conhecimento de novos marcadores intracelulares
gerados em neurnios do corno dorsal da medula
espinhal criou um novo impulso para futuras terapias
analgsicas. Estes marcadores so responsveis
pelas alteraes fenotpicas nos neurnios senso-
riais perifricos: 1) expresso de genes (c-fos) que
codifcam protenas envolvidas na iniciao da exci-
tabilidade neuronal de longa durao. 2) ativao de
enzimas (protena cinase C e NOS) que possuem um
importante papel na sensibilizao central e desen-
volvimento da tolerncia por opiides. 3) secreo
do fator de crescimento neural e citocinas neuro-
poiticas, contribuindo para sensibilizao central e
perifrica (LAMONT e TRANQUILLI, 2000).
CONCLUSO
O conhecimento da patofisiologia da dor ou
nocicepo uma importante ferramenta para o
entendimento dos mecanismos desencadeantes dos
processos dolorosos, sejam fsiolgicos ou principal-
mente patolgicos. Tais informaes so essenciais
para a instituio de uma terapia analgsica efciente,
preemptiva e multimodal, pois a sndrome dolorosa
pode ser considerada uma doena, gerando alte-
raes na homeostasia orgnica que implicam em
perda da qualidade de vida do paciente.
As conseqncias negativas da dor de longe
excedem alguma preocupao especial para a uti-
lizao de analgsicos. O estresse causado por tal
situao deve ser impedido de tomar propores
catastrfcas para o indivduo, ou seja, antes que haja
a exausto das reservas biolgicas de energia. Deve-
se ter em mente que no existem efeitos negativos
da utilizao dos analgsicos, mas sim, relacionados
escolha inadequada ou a dose.
REFERNCIAS
ALMEIDA, T. P.; MAIA, J. Z.; FISCHER, C. D. B.;
PINTO, V. M.; PULZ, R. S.; RODRIGUES, P. R. C.
Classifcao dos processos dolorosos em medicina
veterinria. Veterinria em Foco, v. 3, n. 2, p. 107-
118, 2006.
BASSANEZI, B. S. B.; OLIVEIRA FILHO, A. G. D.
E. Analgesia ps-operatria. Revista do Colgio
Brasileiro de Cirurgia, v. 33 n. 2, p. 116-122,
2006.
BESSON, J.M. The complexity of physiopharmacologic
aspects of pain. Drugs, v. 53, Suppl. 2, p.1-9,
1997.
DREWES, A.M. The physiology of pain. Ugeskrift
for Laeger, v.168, n. 20, p. 1941-1943, 2006.
FANTONI, D. T.; MASTROCINQUE, S. Fisiopatologia
e Controle da Dor. In: FANTONI, D.T.; CORTOPASSI,
S. R. G. Anestesia em Ces e Gatos. So Paulo:
Rocca, 2002. p. 323-334.
FORSS, N.; RAIJ, T. T.; SEPPA, M.; HARI, R.
Common cortical network for fsrst and second pain.
Neuroimage. v. 24, n.1, p. 132-142, 2005.
GARRY, E.M.; JONES, E.; FLEETWOOD-WALKER,
S.M. Nociception in vertebrates: key receptor
participating in spinal mechanisms of chronic pain
in animals. Brain Research Reviews, v. 46, n. 2,
p. 216-224, 2004.
11
Patofsiologia da dor
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
GLEED, R. D.; LUDDERS, J. W. Recent advances
in veterinary anesthesia and analgesia: companion
animals. International Veterinary Information
Service, A1404.0906 2006, disponvel em: www.
ivis.org, p.1-9 2006.
GOMES, D.; BORGES, D.; PEREZ, D.; DE SOUZA,
E.; ANTONIO, F.; CHIERICI, F. Dor, Trabalho de
fsiologia Faculdade de Medicina USP, 2002.
HELLEBREKERS, L. J. Dor em Animais. So Paulo:
Manole, 2002. p. 69-79.
KITAGAWA, J.; KANDA,

K.; SUGIURA, M.; TSUBOI,
Y.; OGAWA, A.; SHIMIZU,

K.; KOYAMA, N.; KAMO,
H.; WATANABE, T.; REN, K.; IWATA, K. Effect of
chronic infammation on dorsal horn nociceptive
neurons in aged rats. Neurophysiology, v. 93, p.
3594-3604, 2005.
JI, R.R.; WOOLF, C.J. Neuronal plasticity and signal
transduction in nociceptive neurons: implications
for the initiation and maintenance of pathological
pain. Neurobiology of Disease. v. 8, n. 1, p. 1-10,
2001.
JI, R.R.; STRICHARTZ, G. Cell signaling and the
genesis of neuropathic pain. Sciences STKE,
v. 252, re14DOI: 10.1126, 2004.
KRAYCHETE, D. C.; GUIMARES, A. C. Hiperalgesia
visceral e dor abdominal crnica: abordagem
diagnstica e teraputica Revista Brasileira de
Anestesiologia, v. 53, n. 6, p. 833-853, 2003.
KUMAZAWA, T. Primitivism and plasticity of pain
implication of polymodal receptors. Neuroscience
Research, v. 32, n. 1, p. 9-31. 1998.
LAMONT, L. A.; TRANQUILLI, W. J. Physiology of
Pain. The Veterinary Clinics of North America:
Small Animal Practice. Philadelphia:Saunders, v.30,
n.4, p. 703-728, 2000.
LUNA, S. P. L. Dor, analgesia e bem estar animal.
ANAIS - I Congresso Internacional de Conceitos em
Bem-estar Animal, p. 16-18, 2006.
MASTROCINQUE, S.; FANTONI T.D. Modulao da
resposta neuroendcrina dor ps-operatria em
ces. Clnica Veterinria, n. 31, p. 25-29, 2001.
MATHEWS, K. A. Dor origem e efeito. In: RABELO,
R. C.; CROWE JR, D. T. Fundamentos de terapia
intensiva veterinria em pequenos animais
Condutas no paciente crtico. Rio de Janeiro: L F
livros, 2005. p. 519-527.
MELZACK, R. Pain: Past, Present and Future.
Canadian Journal of Experimental Psychology,
v. 47, n. 4, p. 615-629. 1993.
MELZACK,R.; WALL, E. (1965), apud MELZACK, R.
Pain: Past, present and future. Canadian Journal of
Experimental Psychology, v. 47, n. 4, p. 615-629.
1993.
MESSLI NGER, K. What i s a noci cept or ?
Anaesthesist, v. 46, n. 2, p. 142-53, 1997.
MILLAN, M. J. The induction of pain: an integrative
review. Progress in Neurobiology, v. 57, p.1 -164,
1999.
MUIR III, W. W.; HUBBELL, J. A. E.; SKARDA, R.
T.; BEDNARSKI, R. M. Manual de anesthesia
veterinria. 3 ed. Porto Alegre:Artmed, 2001. p.
242-249.
PETERSEN- FELI X, S. ; CURATOLO, M.
Neuroplasticity na important factor in acute and
chronic pain. Swiss Medical Weekly, v. 132, n.
21-22, p. 273-278. 2002.
PISERA, D. Fisiologia da dor. In: Dor Avaliao e
Tratamento em Pequenos Animais. OTERO, P. E.
So Paulo:Interbook, 2005. p. 30-74.
PITCHER, G.M.; HENRY, J. L. Nociceptive response
to innocuous mechanical stimulation is mediated via
myelinated afferents and NK-1 receptor activation
in a rat model of neuropathic pain Experimental
Neurology, v. 186, n. 2, p. 173-197, 2004.
PLONER, M.; GROSS, J.; TIMMERMANN, L.;
SCHNITZLER, A. Pain processing is faster than
tactile processing in the human brain. The Journal of
Neuroscience, v. 26, n. 42, p. 1079-1082, 2006.
RIBEIRO, S.; SCHMIDT, A. P.; SCHMIDT, S. R. G.
O uso de opiides no tratamento da dor crnica no
oncolgica: o papel da metadona. Revista Brasileira
de Anestesiologia, v.52, n.5, p. 644-651, 2002.
12
KLAUMANN, P. R. et al.
Archives of Veterinary Science, v. 13, n.1, p. 1-12, 2008
RIEDEL, W.; NEECK, G. Nociception, pain and
antinociception: current concepts. Zeitschrift fr
Rheumatologie, v.60, n. 6, p. 404-415, 2001.
ROBERTSON, S. A. Current concepts in postoperative
pain management for companion animal myths
and facts. Proceedings of the 9 World Congress of
Veterinary Anaesthesia, p. 41, 2006.
ROBES, R. R. Avaliao do cetorolaco de
trometamina e parecoxib para analgesia
preemptiva em gatas. Dissertao de mestrado, Ps
Graduao em Cincias Veterinrias, Universidade
Federal do Paran, Curitiba, 2006.
RYGH, L.J.; HOLE, K.; TJOLSEN, A. Molecular
Mechanisms in Acute anmd Chronic Pain States.
Tidsskrift for den Norske Laegeforening, v. 125,
n. 17, p. 2374-2377, 2005.
SCHAIBLE, H. G. Pathophysi ol ogy of pai n.
Orthopade. v. 36, n. 1, p. 8-16, 2006.
SCHAIBLE, H.G. Peripheral and central mechanisms
of pain generation. Handbook of Experimental
Pharmacology, v.177, n.3, p.28, 2007.
SHAFFORD, H. L.; LASCELLES, B. D. X.; HELLYER,
P. W. Preemptive analgesia: managing pain before
it begins. Veterinary Medicine. v. 194, p. 478-491,
2001.
TEIXEIRA, M. W. Dor em pequenos animais. Revista
Conselho Federal de Medicina Veterinria, n. 34,
p. 31-40. 2005.
THURMON, J. C.; TRANQUILLI, W. J.; BENSON,
G.J. Lumb & Jones Veterinary Anesthesia. 3ed.
Baltimore:Williams & Wilkins, 1996. p. 40-57.
TJOLSEN, A.; HOLE, K. Pain regulation and plasticity.
Tidsskrift for den Norske Laegeforening, v.113,
n. 23, p. 2921-2924, 1993.
TRANQUILLI, W. J. Fisiologia da dor aguda. In:
GREENE, S. A. Segredos em anestesia veterinria
e manejo da dor. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.
399-402.
ZIMMERMANN, M. Pathobiology of neuropathic pain.
European Journal of Pharmacology, v. 429, n.1-3,
p. 23-37, 2001.
Recebido para publicao: 29/11/2006
Aprovado: 03/03/2008

Você também pode gostar