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Goldschimidt, Victor - A Religião de Platão PDF

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I ll , l'l.

-\'I'AO

l1oot 'I' '' 1 dtlllr um livro que apresente


1 '" ~'"' ,.,,t,tlto a filosofia de Platao? Nao
1" ' 111111 1 orw~niente, no final das contas, 11
111 11111 ol lllllll vez no cemiterio des filosofias
I' ' """' , 'flit' tc~m encomrado em tantos pro-
h '" ~ olr filo,c>Ja scus coveiros mais ilustres,
11 lltn de tue o nova gcra~iio nao sc desenca-
todtl~ r ~e e.ntrC!I{Ue de corpo e almn as urgen-
1 111rdu1 pn1 tl~ol 4 e tt:6 ricas que a realidade
111u lunnl IIJc lmtl~crn? Ou em outras pnlavtas,
I'"'" 111~r dn '"'"'" oulo ~eri.1 ~licnll~ilo divertir
~~~ lu 'lo' 11111 ltrtnll ulia.IJllll 111doll? Alem
olu H~l , co '" '"'' tl 1'1~" ve111 Cllfl't'.IJildO em A Religiao de P1atao
t~l ;1, t lll hii~VII oilllhljlllll~, htVI'IftDdO t.lc
'"" ' "''" IIIII~ ' ' " IIIII dl' ollllo )r lick I Jo, que
1111111 ~ " 1lo \11 l'l tllil II l lllhut>l ('110\ICllhA ~10
"' 11~ "'""' ' .J, ''"' ' " '' I C'Ir>C' tuvel teoria
''" ltnlllal... t. "" ultu11, mlaturud.c 1 urn~ 1km
ttl" ,... 1 ' "' 11111111~ lnlcttrlij!(vd d
kl~lsu e
otlfl l tl 11 111hol., h1 I , qtu dr f,lfu rviu oos
111 h111iht lllo Itt ltlll tto 11o1 l'nOOtr!lrem dar
tliaoth 18!1 lll ~ttoho " lloov f,C, 1111 que lx-m
11111 1 ~1 '''"" ~t.. ''" '" lol " '' llr que o
1 ........ "'" "'.u 1111 nllt d fi nhfl.
I h 111 ''"" tl 1 nun ''" "tlnloii tl~ttudo
~4111 , ,._, 111 tl 1'!11 " l!HII" ~ ~~ I" l1 , joo ll \ 1111'
IIIII 1 holoh~tlo1 olo l tluotllw m11ltt ollj11do\,lilo
Iii l11llt" .1 11111111111111111 ,I, 1 " lttn!ld" Alll
' 11111 1111 kltll... "''""' t cl 1 , u rrll 1111r no
t luatlli 1111111 tulollo "~11 'I'"' v ln c tii11C4-
IIIIIII 11-11 I C1 Ytllllldt WhrCI ll pJuronlsmu,
I'"'' 1.4 "' '" 1.1 h.- 111 11f multo mais falsas
.- mnlt" "'''' "' " lv~ ,,,.,. por t:onsejluinte pre-
d~tn ~>~'I tlu~ ltltlll ,.,,. primciru Iugar. No
'lllllllh, r ~l \l r llllolo uncilo mnis profunda que
lu. tic Pluult 11111 Kuln noch.rno cuju apelo de-
Vl'llll'' nuvir. Em vr7. "'' ~et' mn ~istema de
icl ,., villtlrlr.lllllll'lllc trnv:11lus, ()He :1e imp(iem
IIIC'Itl 11r1ltnt clcmnn~trativa, bU:I filosufia c antes
clc tu.!n txcrdriu d, pcr~ubiio, que toma o

(Cont. na oulra dobra)


., VrCTOH ,OJ,J')SCl iMIDT

OBRAS DO AUTOR

Bn~LIOGRAFIA .... -
A RELIGIAO DE PLATAO
lissai sur le "Cratyle", contribution a l'histoire de Ia pensee de
Platun, ChQmplon, 1940 ( esgotado).
Prefacio introdut6rio
/,1 0/li/cigttct dt PlatotJ, structure et methode dialectique. Pres-
Unlvc:t Jhir~ tic Fru rore, 1947. Prix Paul-Pelliot. Obra pre- de
tollild~ 1 I,, /... l.ul~ln t.lcs !!.tudes Grecques. OSWALDO PORCHAT PEREIRA
I . l'~tlrllliMifll' ,J,un Ia tllalrctlqur platonicienne. P~sses Unlversi-
l~lt oh l o111111. I'JH. Ohrlt prc:mlodn pclo Association des :etudes
(II II Ji lt I Tradu~ao de
I ' 1',11 111 1111 1llltll illd/41/tdlqtlt tla/Qnicitllll/1. Presses Universitaires IEDA e OSWALDO PORCHAT PEREIRA
,1 lt ~ m , 1'1II Oln ta Jtrc:mllldil JX'II A~wclotion dl:li Etudes Crecques.
/ ,, Ut l/1"'' ,,,. l'l~tttJII. l'rua,ca Univel'lilllh c., de Fl'Once, 1949.
I ' \ , 1llmr ''"'' lru r l l'iJh tit tcmpJ. ]. Vrhl , 1953.

( 1/tftfl I ,.IIIII "


l.plrillr in Les Philosophes Ce-

II '' ''"" ' .14 h1 111 tlv Autor, constante de artigos, vem inse
lltlll 1u1 jl.l~tl""" ll u~IM .!~the volume.

DIFUSAO EUROPEIA DO LIVRO


Rua Bento Freitas, 362
Rua Marqu~s de Itu, 7?
SAO PAULO
'flrulo do original:

La Religion de Platon

PREFACIO 1NTRODUT6RIO

Ja no tempo em que eramos aluno de V. Goldschmidt na


Faculte des Lettres de Rennes, tinhamos tornado a decisao de
apresentar, um dia, sua obra, em tradu~ao, aos leitores brasilei-
ros. Eis que surge a primeira oportunidade, e gra~as a Difusao
Europeia do Livro, os tradutores podem oferecer aos estudiosos
do pensamento antigo, e do platonismo em particular, sobretudo
aos nossos estudantes do Departamento de Filosofia da U.S.P.,
este prlmeiro contato, em lingua portuguesa, com a obra do
eminente historiador, de quem ja se disse constitufrem suas
pesquisas sobre 0 platonismo acontecimento tal, que a hist6-
ria dos estudos platonicos sera, no fu turo, considerada segundo
duas grandes etapas: antes e depois de Vic tor Goldschmidt.
Enquanto esperamos, para traduzir as principais obras do
autor ( Les Dialogues de Platon e Le systeme sto'icien et l'idee
de tempY), que os 6rgaos oficiais se disponham a subvencionar,
entre n<)s, tambem no dom!nio da filosofia, as publica~oes de
alto nfvd para as quais o nosso mercado livreiro ainda nao cont~
com condic;6es comerciais suficientes, oferecemos ao publico
esta pequcnina e admiravel obra, publicada em Fran~a, em 1949,
sob o titulo La Religion de Platon, na cole~ao " Mythes et Re-
ligion" das Presses Universitaires de France. Nas exlguas di-
mensoes impostas pelo padrao da cole~ao, V. Goldschmidt cs-
creveu, de fato, nao obstante a restri~ao sugerida pelo dtulo,
uma magnifica introdu~ao ao pensamento platonico, uma vez que
1970 "a unica maneira de estudar a religiao de Platao segundo o es-
pirito c a pr6pria inten~ao do autor veda-nos subtraf-la a seu
contexte propriamente platonico e prescreve-nos compreende-la
( :opyri.:ht by na sua rela~o com 0 pr6prio pensamento de Platao, isto e, COm
l'rr1 ~r r llnim:rsitaitcs de France, Paris sua filosofia". 0 mcsmo poderia dizer-se validamente, alias, 'd e
IJirehos cxcluaivos pnrn a lingua portuguesa:
IJiluJiJo L!urnntia do Livrn. Sao Paulo
11 t to Jlnttlnko. Era urn verdadeiro desafio, o fazer d11 Hist6ria da Filosofia um:\ cicncia rigorosa, e em que
u ur. 111 primeiras linhas do prefacio, tratar
II II N se buscam as regras que permitcm uk11n~nr, na exposit;ao e io-
I 111! 1111111 llvw tao pequeno. 0 desafio foi enfren- terpreta~ao dos sistemas filos6ficos, uma real objetividade, a salvo
''1 11!1111 II (cltor aS pequenas dimenSOeS da obra: ele das distort;<Ses freqiientemente produzidas pelos prejuizos dou-
t ,(. I, 1111 n t cs tilo ex tremamente conciso, com uma trio~hios dos que erigem seus pr6prios dogmas em canon para
lt J,, f, I(Ill ' nuo toler:~ concess6es, o resultado de anos uma analise interpretativa, pretensamente crftica, do pensa
.I ,., '(ll ~~~ ftllb re a filosofia platonica, por urn dos maio- mento filos6fico. Objetividade que consiste na reconstitui~ao
ltlt lll l d111 C'IC dn filosofia de nosso tempo. Escrita e publi- explkita do movimento do pensamento do autor, refazendo seus
' ,, IIIII 1111111 drpols da grande tese sobre OS Dialogos, A Reli- mesmos caminhos de argumentat;ao e descoberta, segundo seus
,, ./, 1'/.tfa" 1111C1 pre tende, certamente, resumir o platonismo: diversos niveis, respeitaodo todas as suas articula~6es estrutu-
jiH 1 II 1 IIJI lhl!i umn introdw;i'io. Sera lida, com proveito, an- rais, reescrevendo, por assim dizer, segundo a ordem das ra-
'' ,(,ti Jnl" ontrn obro , de hem mais difkil acesso. Uma in- zoes, a sua obra, sem nada ajuotar, entretanto, que o fil6sofo
' '' Itt\ 11 , r ttctnnto, em que n rderencia constante aos textos nao pudesse e devesse assumir expllcitamente como seu. E sem
jlllll~lll& 11 , 1 compnrnt;1o frcqucnte dos textos, a concisao do esquecer urn s6 instante que "as asser\6es de urn sistema nlio
Jl II olltll"llh l ICII'Illllll tJI$411nO qunlquer aparencia de facilidade. podem ter por causas, ao mesmo tempo pr6ximas e adequadas,
I ~1 tttlll 111 IJM/n~tll d l' lotiio, ondc a profundidade dialetica senao raz<Ses, e raz<Ses conhecidas do fil6sofo e alegadas por ele".
u " ' ul 111 1111h n furtll!t li~crlirin c o linguagem familiar. ~ certo que uma tal atitude, pr6pria a quem nao quer jul-
( 1111111111 , ai~IIIIIAft
llnltnrl llll'~il, uma frase do autor sobre a gar urn autor, mas compreende-lo, exige um esfor~o penetrante
'" ldtllh cl~ tomprccndcr!C n rcliRiilo, em Platao, na sua in- de inteligencia, uma rigorosa disciplina intdectual, tl ausencia
' ' " lllll lltnl un contcxto ilos6ico, isto e, no seu carater de de todo preconceito e dogmatismo. fudge que o interprete se
"l"l"' 11111 ln1r rno n r~cr oprccodiclo segundo as articula~<Ses de fa~a disdpulo - ainda que provis(>riamente - e disdpulo fie!.
" "'" 11 n11 11 ulclhol , de q ue roceb<! sua plena significa~ao. Estas e
0 que e lamentavel, entretanto, que sob a influencia de cer-
J, ltlt.c f )ICl mltctn-OOS abordar rapidamcnte um tema Cato
c II lc to relativismo em moda, mal compreendido alias, se veja re-
V c,,,(, I l11lllclt. e lif\ndn incH. soluvclmentc a seus estudos : o do cusar pot alguns a pr6pria possibilidade te6rica dessa objetivi-
hlllrS11d du /tlorojitl. Outro n iio foi a razao por que
, ; , , ./" 1 ''' dade desejavel para todo historiador. Lan~ando mao de argu-
tl oto lu "''"r , rm up nclkr, n c:mnunic ~ilo que apresentou ao XII mentos cnpciosos ou soffsticos, urn hlstoricismo superficial torna-
c """'' " IIHIIIIItcl,uul tit lo'ilo~o n,, ( Oru~clas , 1953), intitulada -se apenas comodo pretexto para dogmatislilos faceis e into-
lrwp hl"t"d'" (' 1<'1111''' lc'tttl n nn lntcrpreta~ao dos sistemas lerantcs: "refuta-se", "julga-se", critiea-se urn au tor e sua dou-
ltlutltll" "' ( :111tld t lllltn, n"u r1llll tnica~ao, juntamente eom trina, scm ter-se levado a cabo a exigencia de compreensao obje-
l!ltl~n I M 11ll c:"~'""" rllhi'C oil. probleme de Ia legitimite tiva, e postulando-se paradoxalmente 0 carater irrealizavel da
l'hll til .1 l11 J 'lil hN PI I~o:' ' ( ;, J.n philosophie dr: l'histoire pretensao a umu tal compreeosao.
1b , I Vtlu, I' ula, 19';6), como os dois momentos Goldschmidt l'Cduz a dois OS metodos tradicionais de inter-
11 IIi ,,.. t.,J"Il' ', 1 ntflltn crn lli!ltoria da filo11ufia. Nero \ preta~aO dos sistemas ilos6ficos, que denomina respectivamente
tUiit th 'JIIAIII u jovcm ,.,.u derwin duuruulo His- e
dogmatico e genetico. 0 primeiro pretende, certo, abordar uma
h Nau m llt11l.un ,, vulnmc '"' u quuntiJade doutrina segundo a inten~ao de seu autor a aceitar a preteosio
11 111 I 1 1 111 tit l11 tr KCmpre
c II H' ,. '1''''":- dos d6gmata a serem verdadeiros. Examina urn sistema s6bre
II I lit tl 111 hwlu , "'"''" "'"'"' ill'cll1cdiavel- sua verdade, subtrai-o ao tempo: para faze-lo, isola as teses de
Uftil ~ I 11 tut 1111 JII IJIIIII III Iiiii insistir urn seu contexto filos6fieo, isto e, da estrutura que as engendrou e
._....., 1 1 1 m uu 1 t th Ill I :1 t'rcocupa~ao de sustenta: tal metodo freqiientemente se converte em cr!tica e em

7
ftll a IJ, "''''' tlllll'udi~ues nos sistemas, sem dar-se con-
hi t 'Ill ~e_mpre u~a. teo ria particular da .
II '' l111pl <cu quase
sistema filos6fico dogmatico, ainda que inconfessado: nao explica
a ciencia a filosofia senao em se substituindo a ela e em se fa-
hlttul \ " 'I'" J& ( uma post~ao dogmattca. lgnora no mais
l ""' pNigo fundamental que espreita sempre o inter- zendo filosofia, por sua vez, isto e, em se ncgando como ciencia.
lit IIIIIHtm ir uma posi~o polemica em face da obra S conven.iente lembrar, aqui, que a propria n~ao de His-
11 tnc:lnor maneira de nao compreende-la. toria da Filosofia e eminentemente ambfgua. Nao fosse a tra-
~nuo.
em aparencia que 0 outro metodo, 0 genetico, di~o a que nos acostumamos, melhor fora que as obras que
1 I! I '' I ..c
IX!tlgo. :ble busca descrever a etiologia ( fatos eco- 1evam aquele titulo e as catedras universitarias ditas de H is-
nlhlll. ,, , K.i uis c polfticos, constitui~ao psicofisiol6gica do au- II t6ria da F ilosofia se intitulassem "sistemas e Doutrinas Filo-
' " ' 1 1111 l nt ma~iio etc.) dos d6gmata considerados, entao, como
s6ficas". Afirmar, a priori, que a filosofia se constitui e~ his-
'"' "' flho'l desses fatores. E lkito, scm duvida, e cientlfica- t6ria, e pretender "situar" e explicar por essa perspectiva " his-
" '' Ill llllt'H:K"onte, estudar urn autor do ponto de vista sociolo- torica" urn sistema particular, ja e abandonar a isen~ao neces-
111" 1. I''' ttl<\j.tict) ou psicanalltico. Nada haveria a dizer contra tal saria a exposi~ao interpretativa rigorosa, ja e tomar - mas ha
1 1111:'' l'lulltli('OtO Se naO f~ra s~a freqtiente tenta~ao de "esque- que~ nao o veja! - uma posi~ao filos6fica bern precisa e de-
1' I II 1111 I n" 10 das doutnnas a verdade, de desprezar a especifi-
termmada, uma entre outras tantas possiveis, dogmatica como
1 hlte1l 1 I" PJ!rl!lmcnte filos6fica, e de reduzir a filosofia a condi~ao elas, introduzindo na aprecia~ao da doutrina estudada urn ele-
.1.. 1111 111 t l'~ llltndo, geneticamente reconstitufvel a partir de ele- mento "crftico" a ela freqiientes vezes estranho e dependente
"" "'1 ' luf rn C!ltruturais conhecidos. Tomemos o exemplo de cer- tao-somente da perspectiva pr6pria ao interprete segundo suas
convic~i5es fi1os6ficas pessoais. 0 que dizer, entao, desses belos
"' u" '"'"'~lit do conhecimento atualmente em voga: escolhem-se
' I Ill tr 'I ou formula~i5es de uma doutrina, retiradas de seu
romances hist6dco-filos6ficos em que se expi5e nlio sei que
"evolu~ao" dos sistemas e do pensamento filos6fico, concebi-
111111 111 ltutul'a1 proprio, apontam-se elas como a sintese fun-
,,,.. ,, tll nl tll dnntrina em questao e converte-se esta entao em sim- da como urn progresso gradual e inelutavel, ou mesmo necessa
II t II 11 itleol6gico de determinadas condi~6es hist6ricas rio, em dire~ao da Verdade, isto e... da " verdade" do autor
ultt1111i . prlncipalmente s6cio-economicas do tempo que ~ do romance? ! Nao e senao extremamente aci1, para quem se
ere detentor da Verdade fi1os6fica ou hist6rica reescrever a
Ill llltiiHtl Ora, nao somente essa sele~ao e isolamento de
"hist?l'ia" ?o ~ensamento filos6fico a encontrar ienta mas pro-
I I ( o4tt ll ldul c implica numa deforma~ao fundamental da
presstva c trreststlvelmente a " boa" doutrina. Bastam-lhe a se-
l~tUUit n1 (loti u.uno acontece com o metodo dogmatico: nlio e
l~ao dos " verdadeiros" problemas, uma escolha adequada dos
t lUI 11 ''''Jllllll que distingue o fil6sofo do homem comum textos, c a devida qualifica~ao ou desqualifica~ao dos autores
Hll 11 lllllvhuttll utctodico de urn pensamento estruturado), mas
e doutrinns, segundo se tenham aproximado ou afastado do
tttl "a' tl Hul lu ltHio, tois e~tudos ger:et!c?s repous~m, no caminho "corrcto". Uma tal aprescnta~ao desses "romancistas"
Iii I' 1 , 1\lu e pre"oncettos doutrmanos mal dtsfar~a-
,,_ ""l'u t 1111'. por mais que se queira nega-lo, uma
seria caricatural sc nao fosse exatamente esse 0 metodo empre-
gado em tantas rc:constru~6es "hist6ricas" da "evolu~iio" da
-~~ h~tttl l11 ( mm rctta concep~ao filos6fica da his- filosofia.
fttjtl , 1 Jt tti\11 u'\(lu uma metaHsica. E o des-
mlh1JI tl tiMh IIIII m6todo cientlfico em inter Todos esses metodos, que Goldschmidt denuncia em scus
Ibn '- lllutuil ( 1111111 Ill' ~~~ dcfinic;6cs principais e~ritos ,e em suas aulas, te~ isto de comum, que ~lcs disso-
IUil Ill llltlul'l II uc 111 lnd<'Jli'lldl'lllcs Jc uma jus- ctam metodo e estrutura, e tgnoram a ordem das ru.Oes, isto
t) " ltultllltll hmtlvcati&launmtc a csfera pr6- e, precisamente essa solidariedade estrurura1 entre as tescs c os
ijllf JlllvllrHiu, p lll'tt transforma-1a em movimentos de pensamento que nelas culminam. Nao veem
9ue, sendo a filosofia explidta~ao e discurso, os fil6sofos nos
dao urn pensamento desenvolvido, onde as "teses" nao valem por
causa de seu conteudo m aterial, mas pretendem-se verdadeiras
em razao dos movimentos e processes de investiga~o de que
resultaram. Se ha urn pressuposto no metodo estruturalista - e
e 0 uoko, e 0 que caracteriza a sua total isen~o - e que 0
fil6sofo e considerado responsfJVel pela totalidade de sua dou-
trina, assumida como tal por ele, e que e, portanto, na sua com-
preensao dela, explicitada ou impl.fcita nela, que se deve bus- NOTA DO AUTOR PARA A EDic;Ao BRASILEIRA
car a inteligencia de suas asser~6es. Se chegou a estas, gra~as
ao metodo de investiga~ao e pesquisa que adotou, separa-las des-
te e subtrair-lhes toda condi~ao de inteligibilidade. a
A edifaO brasileira deste livro e conforme edifaO original
Percorrer essa estrutura que se constr6i ao Iongo da pro- de 1949, aumentada apenas de um apendice, por iniciativa e
gressao met6dica da obra e que define sua arquitetenica e si- escolha dos tradutores.
tuar-se num tempo que nao e dos rel6gios nem vital nem psi- Reproduziu-se pois, igualmente, o Pre/acio em que t/nhamos
col6gico, mas puramentc l6gico. F.ssa temporalidade das ra- de/inido, tao exatamente quanto possivel, o assunto tal como o
zoes, indepcndente das tcmporalidades em que as investiga~6es haviamos concebido e cuja /6rmula nos parece ainda valida. Sem
geneticas cncadciam os sistemas, e a em que nos situamos ao contestar de modo algum a legitimidade cientl/ica de uma pes-
refazer os caminhos do autor e repor em movimento a estru- quisa que isolasse certos aspectos do platonismo, para integra-to
tura de sua obra. A iniciativa d~sse tempo, insiste Goldschmidt, na hist6ria das religioes, continuamos a pensar que a unica ma-
nao e do interprete, mas do fil6sofo. neira de estudar a religiao de Platao segundo o espirito e a pro-
Abordando rapidamente esses t6picos, temos a esperan~a de pria inten{iio de seu autor veda-nos subtrai-la a seu contexto pro-
nao haver deformado o peosamento de V. Goldschmidt. Tendo priamente plat6nico e prescreve-nos compreende-la na sua re-
seguido durante varies anos seus curses e estudado sob sua di- [Oflio com o proprio pensamento de Plat1l0, isto e, com sua fila-
re~ao, devemos-lhe o esseocial de nossa forma~ao filos6ica. A sofia. A esse respeito, ao dar como subtitulo a esta obra
iniciativa de torna-lo conhecido do publico brasileiro nao espe- "Introdu~ao ao Platonismo", os tradutores interpretaram perfei-
cializado e a conseqi.iente publica~ao desta tradu9io, em que cola- tamente o que eta visava.
boramos, e que revimos cuidadosamente, possam exprimir urn Uma tal tentativa niio pretende absolutamente ser exa~stiva
pouco de nossa grande gratidao. Que o maior interesse pela fi- e, propondo-se precisamente introduzir a leitura dos Dialogos,
losofia antiga, que ha de resultar da leitura de sua obra entre nao podcria ter a ambifiiO de reduzi-los a sistema. Apareceu,
n6s, nao se dissocie da compreensao profunda de que as filo- entretanto, um critico a emprestar-nos uma tal ambi{ao, sob pre-
sofias de Platao ou de Arist6teles ou a est6ica ou qualquer ou- texto de que nossas referencias nas notas de rodape eram tomadas
tra 50mente se compreenderao legltimamente e sem prejufzos se indistintamente Jc todos os Dialogos, sem que fosse levada em
considerada~. nio como momentos "antigos" do pensamcnto hu- considerOfOO sua cronologia, suposta ou real. Mas nossa descon-
mano, mas como si,;tcmas entre outros sistemas, a cuja intcrpre- /ianfa para com o preconceito "evolucionista" (contra o qual,
t:u;iio e cxposi<,;iio :1 nonologia c o tempo histt'uico nao podem ultimamente, H. Chemin, in Lustrum [1959/4], 1960, pag. 260)
fnm(ccr critcrios v:Uitlos de aprt:dn~an filosMka. de nenhum modo era uma raziio para fazer-nos cair na cilada, in-
versa e simetrica, do " sistema" (cf. Riv. Crit. Storia Filos., 5,
Oswaldo Porchat Pereira 1950, pags. 169-178). E se asserr;oes de Platao se harmonizam,
de um dialogo a outro, por pouco que o interprete consinta em

liJ 11
I .,, ,,, r 1'//1 paralelo, isso e apenas um testemu-
I
1 Ill,,, I I " " pensamento plat6nico, a qual e 0 unico
Ill/ 1 f file 110s permitimos, porque nos parece ter a cau-
J I ofll/111

H., 11 ' ,.,,. cxprimir meus agradecimentos ao Professor Oswal-


11 , ., ,,, ho~r l'creira e a sua esp6sa por sua tradu{ao notavel-
IH ,,,, /lrl, na medida em que posso ;ulga-la. E-me mutto
,, ,,,,/.lllrl reafirmar, nesta ocasiao, os la~os de ami:t.ade e PREF ACIO
,/, twl1t1lho que unem, desde 1956, o Departamento de Fi-
,,,J/ht da Faculdade de Filoso/ia, Ciencias e Letras da Univer-
t hlt~d, de Sao Paulo e a Sefao de Filosofia da Faculte des Tratar urn assunto tao importante num livru 11111 I'<IIU uu
/,c:ttns de Rennes. Estou Ionge de esquecer os dais anos em que e urn duplo desafio. Porque essa pr6pria dcMpi'PJIIII~III fi lii~
11 Sr. Oswaldo Porchat Pereira trabalhou em nossa Faculdade e
titui uma poderosa condi~ao de fracasso; mas, pur nullo t,,tlo,
olcrgro-me ao pensar que, por sua vez, ele ensina atualmente em nada prova que se teria obtido melhor ~xito nt uu ~- f'll\ct uu
Sao Paulo. 0 trabalho que teve em colaborar na tradufaO desta dido com mais largueza. Nao se deve, pois, conhtr ro uu lhl~>
obra me sensibili:t.a tanto mais que ele se acha atualmente en- paginas suplementares do prefacio para suprimir fl~stll ;I ' In
trl'R,ue a estudos s6bre a filosofia antiga, de que nao tardaremos, cunas, na va esperan~a de prevenir, assim, crliicns <Jill', 1 111 11111
l' f/JCro, a ter os /rutos. tos pontes, 0 autor e 0 primeiro a fazer-sc. Ao DlCilll ' lo('l IICI' ~
permitido orientar essas cdticas, indicando como :.c wnt cheu
Rennes, fevereiro de 1963 o assunto e de que maneira se fez a tentativa de t nlld lo.
Nao vale muito a pena justificar longamcntc o titulo dCste
V. GOLDSCHMIDT ensaio. Atualmente, nao se ere mais que tu<.lo :llJUilo que, nos
Dialogos, merece o epfteto de religiose se rcduza a crftica ( Euti-
/ronte, Rep., II, III ) ou a politica (Rep., Leis) religiosas. A crl-
tica platonica das cren~as populares se contrap6em exigencias
positivns, e .as Leis contem, tanto quanto e ainda mais que uma
polltica rcligiosa, uma religiao polftica. E , aci.ma de tudo, o
pensamcnto religiose de Platao mantem rela~6es, diffceis de pre-
cisar, com scu pensamento filos6fico. Sobre essa 6rmula ge-
ral, OS intl-rptctes se poriam de acordo, sem dific~ldade. Mas
enquanto, pam uns, a rel igiao de Platao tern princtpalmente. urn
canlter politico c, sobretudo, c6smico 1 , para outros, ela expnme-
-se, pelo mcnos ~m scus come~os, na teoria das Formas 2

(1) Assim, em ultimo Iugar, F. Solmsen, Plato's Theology, Itha-


ca (Nova Iorque), 1942.
( 2) Posi~o afirmada diretamente contra a tese de Solmsen por
W. Jaeger, Paideia, t . II, pags. 285, 415, Oxford, 1947, e pelo Rev. P . E.
de Strycker, Antiquite Classique, t . XVI, 1947, pigs. 148150.

1l
logas, renunciamos a utilizar o Epinomis, que teria sido neces-
, .. , , I tt l ..... ' ' ,, ('~~u
ultima tese que nos filiamos aqui. Pen-
11~111111, 11 111 1 d t to, que a religiao c6smica (cap. I , II), a mito- -
sario levar em considerac;io ( sob rcserva das conclus5es ado-
tadas ) numa obra menos sum aria.
loMiott '"'" l"nl~ ~~ ( II) e a religiao da Cidade (III ) nao s<>mente
11 11 tll lllllt u ludus pela teoria das Formas divinas, mas ainda de- Restavam problemas bastante numcrosos para que nenhum,
tl v.w t ,J. I III N, em ultima analise, o seu valor religioso. 0 pla- talvez, tenha podido ser desenvolvido suficicntemente. Ou me-
tnul l ilt I, Jllln:c.:e-nos, e Uffi esfor\O ( digamOS: e, tambem, um lhor : todos eles, assim como o conjunto do assunto, niio re-
fflt\" ) para reduzir, no plano hist6rico como no plano dog- ceberam senao um tratamento de certo modo exoterico. Tente-
tlllhlco, o antltese From Religion to Philosophy. mos explicar-nos sobre esse ponto.
Foi essa ideia que nos guiou na escolha dos problemas parti- Temos plena consdencia da dificuldade e, em certo sentido,
t:ulaces. Escolha inevitavel aqui, mas sempre incomoda e da da inconsistencia de um empreendimento que nos obriga a a-
qunl e necessario dizer algumas palavras . lar daquilo de que o proprio Platlio nao falou senao para me-
Sentimoli niio t<r podido dar urn Iugar maior aos antece- lhor calar-se (Rep., VI, 506 d-e; Pedro, 27 5 d, 278 a; Timeu, 28
dclllcs, c trunl~m no funtlo historico da religiao de Platao. Po- c; Carta VII, 344 c-e ). Nao se deve tornar banal essa dificulda-
dc.m, iHunlmcntc. pnrcccr in11uficic.:ntes as referencias aos prolon- de, dizendo que acontece o mesmo com todo fil6sofo. Pois a ce-
Htunto nto ch t<"IINitcl plut6nk a, assim como a pessoa e a vida lebre obsetva\iiO de Bergson IS vai alem da inten\aO da maioria dos
de- Pluh\u, A 11f1 tHHnr os divcrsos e sutis perigos que espreitam o fjl6sofos {os pensadores classicos creem enunciar com bastan te
ll"lw d 111 W illi Pdlc;()c;l, pnrc.:ceu-nos preferf vel tentar descrever, clareza 0 que eles estimam ter hem concebido). enquanto a in-
d11 uu llull' lllllllci nt poss!ve!, a religiao do pr6prio Platao, a fim ten~o de calar a visao primordial se liga conscientemente ao
.It u) uclul' 11 J)l'cclsar, ao menos, urn dos termos (e, geralmente, desfg":io dos Dialogos. Seguem-se daf, para a interpretac;ao dou-
11 .. , ,, (, (ugn:t. ) dcssas comparac;5es. Quanto ao sentimento re- trinal e para 0 metodo de interpretac;ao, problemas que nao era
111'1" ' dt l'hniio, nao ousamos, nem quisemos, de nosso lado, possivel abordar aqui. De qualquer maneira, nao p retendemos,
ul ll lp:t~ll II' \;Cttos indica~es dos Dialogos, que ainda guar- e no-lo proibimos mesmo, resti tuir aqui a intuic;ao original do pla-
.l11111 IIIII llkU(lt'(' Rtral. Os Dialogos ( que nao sao, absolutamente,
tonismo. Mas pareceu-nos poss{vel tentar uma analise descritiva
t utili I 1 r que pcrtencem a urn genero literario ainda pouco da religiao de Platiio, a qual, embora conservando-se exterior,
r lllolntlc , 11 ) p nnltern mal e com grande dificuldade o es~o de certo modo, ao " impulso" platonico, pudesse niio ser muito
d llil llllll qu t" poJeria chamar uma biografia espiritual de seu infiel a letra, senao ao esp{rito dos Dialogos, com a condi\aO de
ltu lut. " qw1l, a lid~ . se eclipsa voluntariamente pot teas de sua tomarmos certas precaU\Oes.
olu 1 r, lllllt d 1:-'llscnl, ja julgava o Eu detestavel. Na mesma
~ltllt!'l ll It lcMiu . n: o tocamos aqui no problema da "evolu~ao" de
Boyance (R. E. G., 1941, t. LlV, pags. 141-175; R. E. A., 1947, t .
Pl1111 u, 1111 111rtlhJo ern que os pressupostos da tese evolucio- XLIX, pegs. 182-184 ) nos trouxeram uma preciosa confirmat;iio. De urn
nistn lli.' M hrlnm obrigado a dar a tais discuss5es um espa~o lado, com efeito, purcce-nos hem diffci l, atualmente, precisar as condi-
que vnhn IllIIi II pcnu reservar a exposi\aO 4 Por raz5es ana- ~Oes c a ~poca dc.'!l~ll mudanc;a ( o G6rgias ja contc!m , a prop6sito de um
tema C?Smo16gico, urn:- 11dcsiio ao Pi tagorismo) e o fa to, igualmente c.-,;
tabelecido pelas pesqu1sas de P . Boyanre, que a crcnc;a na divindadc clnw
~stros e das d ivis6es do tempo ja scja considerada no Cratilo, l"((dcrill wr
. ( 3) Cill'lll()!l II f~~l' I'CJ-Ic:illl liS 1'\'SQlli~s em que prosscguc, ha va-
nos anos, J-1. Mar~o~ucrnc 1111 f:.wll: liL-s l-I;~utcs wdcs. lnterpretada como o sinal de uma continuidade da for~o llu tl('n~a
mento platonico. De outro lado, a ad~o por P latio do cruc :~e cl1a
( 4 ) f. R ra~o pda lr.ual niio quiS\.'f'IIOS cxpor, ncstc breve ensaio, mou de "rcligiio astral" integra-se em sua filosofia e em particulnr dcixa
a mudanc;a provavcl da atnudc de Pl111iio em rela9io ao Pitagorismo intacta a divindadc supcriora das Formas. ' '
desde o Cr/uilo ate! o Timeu e as Leis. Tentamos estabelecer esse pon~
to em nosso Essai Sllr le "Cratyle", e as conclusOc:s convcrgentes de P. ( 5) Lz Pensee et le Motwant, pags. 117 e scgs.

14 15
11111 lo~ 1,,, , 111 lltccss6rio buscar urn apoio na compara~ao qi.icntemente, de uma exigencia metofisica, na verdade, capital,
It .1... 1 1111, Pureceu-nos, pois, inclispensavel multiplicar . que de maneira alguma impede de ti colocatem os problemas da
t I ..,,u , , IM/ogos, nao somente para fornecer ao leitor realiza~ao e da obra: num texto do Politico ( pag. 53, n. 95) , clian-
It I 1 ll ll ll~ot\ o, mas, antes de tudo, para proteger o autor te do Devir com tOdas as suas situa~oes concrctas, nao subsistc de
til 11 l'hptln 110r t8das essas barreiras . Oni~amente o re- toda a causadidade formal senao a Forma da Justa Meclida, que
t 1 "" I till It no tcxto escrito pode impedir de raciocinar mal, prova a sua const~ncia, precisamente, poique ela inspira ao po-
I ''"'''' Hlrlll(' de raciocinar, 0 que frequentemente e a mesma litico iniciativas sem cessar renovadas. - De maneira geral,
'" 'I"'""''' r.c: crl! explicar Platao. a enfase posta na teoria das Formas e na hostilidade de Pia-
tao em rela~ao ao "sentimento tragico da vida" (cap. II,
VIII; cap. III, II, 2 ). parece favorecer a moda que consis-
te em opor, sob o nome de " essencialismo", o sistema de Platao
( associado, para esse efeito, ao de Aristoteles ou ao de Santo
Tomas) ao dos fil6sofos de inspira~ao mais recente. Mas a teo-
ria das Formas, numa larga medida, e a rejei~ao do tragico,
quase na sua totalidade, somente se explicarn . por urn conheci-
mento - nao intelectual, mas simpatico e vivido - da existencia,
e por urn esfor~o de ultrapassamento. 0 que, as "vezes, aparece
como a serenidade olimpica do platonismo e uma conquista e
nao e, hem freqiientcmente, senao uma aspira~ao e urna espe-
ran~a .

Sao esses problemas de equilfbrio, onde cada matiz de apre-


cia~ao e importante, que tornam tao difkil; nao sbmente a com-
para~ao do pensamento platonico com outras filosofias, como
tambem, mais modestamente, o acordo exato entre os interpre-
tes e mesmo, e necessario dize-lo, do interprete consigo mesmo.

-~
r.
~
I' 17
INTRODU<;:AO

Ill! Ll l mtmor (Hip. Metl.)


AS ASPIRA<;OES HUMANAS
illr Jhlml rr r I (Alcib. I)
A/ltlloJ(It (A pol.)
1'1111/1 1111111 ( F.uti/r. )
( ', J1,1, ( CrJt. ) L- A PROCURA
I u,.,,, Mji}OI'
I 1lt ff1i.f1 I
(Hip. Mai. )
( C:drm. )
DA VERDADE

Urn dia, em que lhe perguntaram por que tinha nasddo,


,,,,,
I .~,, ,, I ( /,(11.)
( IJl.)
I 11flll.)
Anaxagoras respondeu : "Para observar o sol, a lua e o ceu 1".
- Eis a{ uma resposta de sabio. Mas mesmo aqueles que igno-
ram a astronomia se mostram "amadores de espetaculos 2 e viio
( ,'6rP,. ) a tOda parte onde creem encontrar algo que "mere~a ser visto 3 ".
i M"" ) 0 desejo de ver e de saber e natural ao homem. Mas o que e
( Fct/. ) que merece, realmente, ser visto e conhecido? E sera que o
homem e capaz de obter uma visao clara e urn saber s6lido de
tais coisas?
Desde sua "aurora", a ciencia grega procurou proteger o co-
( Jllltltl ) nhecimento contra a dispersao, a hesita~ao e o erro, e assegu-
( C rdt. ) rar-lhe urn objeto um no seio da multiplicidade das coisas, es-
(I( fl )
tavel atraves de sua mudan~a real por tras de sua aparencia. A
t I',,, I )
substancia primordial responde a essa tripla condi~ao. Unica 4 ,
I 'l'rrt ) inalteravel c permanente, ela e como 0 estOfo do qual sao feitas
( .\'11/ ) as coisas multiplas e peredveis. No infcio G' nao ha preocupa~ao
( l'ollt. )
( Fil ) (1) Di6genes Lacrcio, II, 10.
(Tim. ) (2) Rep., v., 476 d.
( 3) Xenofonte, Hitr., 11.
( 4) Onica, seja no sentido literal (a agua, o ar ), seja qualitativa-
mente ( 0 infinito, OS atomos ), OU ao menos, numcricamente determi-
nada (os quatro elementos).
( 1) t )w / JJfi/ua111 rll" rrtunwt" ' 111 """'"' "'lo~httln pela cdi~io (5) "Nos tempos primidvos, nio e o movimento mas sim o re-
,!11 "Culll'\.tlt~u ,,,.. t lnlvrultc' tic: l 1<1111 " , 'l"" ~ t;cu,Curmll a uma or- pouso que deve ser explicado" (J. Burnet, L'aurore de Ia Philosophie
tll'lll ' wnul~~lu JlHIV,Vtl. grecque, ed. franc. por A. Reymond, Paris, 1919, p~g. 15).
' IP''" " I''IL1 du Jc tnlha c modela esta mate- mais, como a substancia dos antigos, (lS Fotmas reduzem o mul-
11, 'l''" ''dn ou nuo, que anima esta substan- . tiple a unidade. Ha uma infinidade de corpos, de objetos, de.
-mrefl t.. tluM que dela surgem. Porem, mais tar- pensamentos, de atos que chamamos bclos, mas existe uma s6
''' 111tloJ lfllatro elementos, introduz a Amizade Forma do Belo; uma infinidade de camas concretas, mas uma
11 'II"'''" f11:.-: urn Espfrito ordenar suas homeome- s6 "cama em si 12 ", "uma s6 lei de estrutura da cama 1 3". Por
' '"'I tlutcriol" nao pode bastar para explicar tOdas sua vez, a multiplicidade das diferentes Formas e unificada no
Bern, Forma Suptema, causa primeira que da "a existencia e a
I Ill .lt~ol t iOIIItiC ' Plario definiu sua filosofia em relat;ao as essencia" H as Formas inferiores.
11 I ' f l"k'o . A tcoria das Formas pretende, por sua Ja os antigos tlnham divinizado a substancia primordial;
, tolvt I' n nntlAo problema da substancia primordial, que Empedocles, por exemplo, designa os quatro elementos pelos no-
111111 Il l lllllllltl n tl~ll tO modo: 0 que e 0 Ser 0 ? - e: "Quale, de roes de certas divindades 16 . Nao e verossll:nil que isto seja, ape-
ht.-1111111 w 1o1l, 11 l[\U~ R dn RCmt;ao e da corrupt;ao 7 ?" - Ora, as nas, uma simples meta ora I v. 0 que e certo e que Platao asso-
lltl 41 r.er vndt~tldrll lllCIHt;: real 8 "; e e as Formas que
11
l oolll lll cia, com plena consciencia, o atributo de divino aos outros t1-
11 olo ,., tu lllllll 11 l'lltH.uliJnclc Llc tudo aquilo que advem ao tu1os conferidos as Formas : a Forma e "divina, imortal, inteli-
tt111111l1 do drvil 11 glvel" 17 , "divina, imortal, eterna" 1 8 ; superiores aos astros que
t\ ll11111111- ~~ ~~ lttlotflll lll c: invj r.!vcis. De uma s6 vez . a se- alimentam sua divindade pela contemplat;ao dessas realidades
1"11 ''" ' ,1,, unll r tlul r lin rllpirilllnl t consumada. N~o m~is se eternas, as Formas tornam " divino urn deus que a elas se apli-
""'" .lr tllllllll lll Jlllhl u IIHidllil\n dns coisas senslveis urn su- ca"t9.
I'"' h '"'l'tt nl , u u llt 111hJ h ndu, por primordiAl que a suponhamos. Assim, da curiosidade do viajante, da pesquisa do sabio, eis
ln.(. "''"'Ill mntetlol <! tlt\RCrcditocJn em bloco. A materia e que passamos a ciencia do divino. Os espetaculos da vida, que
' llljtulu de l uliJndc c de t tl%.10, nuo somente nas suas mani- nos encantam , tern menos realidade, menos beleza que as For-
1 lol\1 .1. llll<:dfcle, OlUS nt6 nos seus ultimos redutos. A rea- mas, das quais eles sao imitat;oes imperfeitas. Os corpos celes-
l h llltll lhl' 11 lntciu.tnlt:JHC p:lra ns Formas inte ligfveis. Nenhuma tes reproduzem, nas suas revolut;oes, movimentos formais, in-
....... , ,,, loll 1111 dr ( 1:1: lltl coisns, HUlS unicamentc as Formas, na vislveis, os unicos conhedveis 20 Desviando nossa investigat;ao
111111\1'' 1 111 qiiC ' dcixnm "lrnitar'' Ou "pmticipar" 10 . A unica da aparencia para a realidade, da mudant;a para a estabili-
11111 ~tll.lm l, ' 'illtdiKrvt~1' " , llitc> ~. comprcct1.sfvel, nao reside na
1
dade, da multiplicidade para unidade, passamos do devir ao
llhili ti ll 111' 111 liiC~IIIU t'lll quulqttcr f~f\'ll lllOLOra, mas somente nas Ser, e paralelamente, nosso saber se eleva da opiniao a ciencia.
IHrnn, iJ"'' ~no, un uur.llhl tt'IIIJ1\, lllodelos e causa$ . de todo
h\'I t ( 12) Rep., X, 596 b seg.
l iM MIIIIHhu t r~ :ndhulos da substancia primordial. As
oM
( 13) A. Dil:s, In trod. a Rep. (col. G. Bude), pag. CXII.
lu111 1111 ~'' It'll/~, pu~ qiH' B~O CterlllllllCnte 0 que sao, porque ( 14) R(}{l., VI, 509 b .
(15) Diels, Vors ., 21 B 6; s<lbre o Infinito de Anaximandro, cf.
'"''" Ulllill tld11 ' ptuuln c scmpre idtntica a si mesma. Ade-
Arist., Fis., 111, 4, 20.3 b 1.3; sobre o Ar de Anaxfmenes, Cicero, De
nat. deor., 1, X.
(16) Ver, atualmente, W . Jaeger, Th~ Theology of th~ Early Gre~le
Philosophers, Oxford, 1948 (p. ex. pags. 203-206).
ll7) Fed., 80 b.
( 18) R~p., X, 661 e.
( 19) F~dro, 249 c.
Iliff, 1 1 lo I .' (20) Rep., VII, 529 c seg.

21
1 1111 11111 lt tnpo, rcuis e verdadeiras 21 Elas somente as imagens que dele derivam, como tambem aquelas
a
....,.IIIII I llt"dtluti ) que crlam, sua semelhan~a, ima- que nos incumbe fazer que dele nas~am. A inteligenda das For-
1111 111" 1111~ <' dirigemnas segundo o prindpio do mas e, para alem das Formas, do Bern, dirige e obriga nosso
II I 1'111''' ' de mergulha-las de novo no nada. 0 Ser conhecimento a nossa a~ao. Desde entiio, libertos para ver e para
lr ull lru, pols, tanto estabilidade, como for~a cria- saber, somos engajados pelas exigencias do Scr; o conhecimento
' " 1"/'1 cnJcsc que, pondo as Formas, Platao possa imp()e-se a
nossa vontade, e nao mais somos livres diante do
1 11 l 1 l1 ull c1cnremente a dois enunciados de uma mesma erro. A procura da verdade faz-se obediencia ao Bern.
II !At I) q \lc . 0 Scr? e: Qual e a causa do devir? ~3 Em
l i!llrl ,J, llln ~lhjt~ LO verdadeiro, a pesquisa tende a divindade
J111 1 IIUjlll tl tllliCitle , ~ c fuz ser, e e torna verdadeiro 2t.
II. - 0 DESEJO DO BEM
II J'l ttltlcmn dn ~ubstftncia primordial acha-se assim intei-
'"' llll~ l't'tH>vndo <. ult l'ltplt"'!ndo. Niio mais deve ser resolvido Todo homem deseja ser feliz. Quando se trata de conhe-
lt lllultllttll ~ pclo ClliliiiOioJ4In, mas por t6das as ciencias que, cer a verdade, ninguem tern bastante ardor para teiner o erro
,.(! Ill tl llltlllc:: n tnt tic mat'1dr11 Juminosa, apreendem Formas. como urn mal. Quando muito, ficamos "ofendidos" 28 em nosso
I\ I '" dl ll, lUI Pormu~ 110 0" mudclos, niio somente daquilo que amor-proprio, quando o filosofo pretende ser o t1nico a possuir
!Ia "' 111, 11111 ninlhl dm1ul lo que:: fuzemos devil'. Trata-se, entao, uma verdade com a qual, no fundo, nao temos o que fazer.
lith 11111lll de conh ~cr um 1 Forma que i~ produziu imagens, mas "Mas, quando se trata das coisas boas, nlnguem se contenta
1111111 llmnm que n6~ mcsmoH dcvemos imitar em nossos atos em possuir bens aparentes; ao contrario, sao os bens reais q ue
I I Ill IHI UIUI ~httt!C. 0 ('OIIhcdmcnto dns Formas e-nos indis- todo mundo procura, sem dar nenhum valor, nesse dominio, a
1" 11 tlvl'l, ll o :.Omcnte porn conhcccr o mundo do devir, mas aparencia 20 ."
I IIIII Ill (Mrll llllit oelc c s6 brc clc. E claro, para todos, que a felicidade consiste em possuir
tl uu1.1dor lie:: ~. l'>f!!dC'.JIOs pode sntisfa:tl!r-se com todas as muitas coisas boas 30 : riqueza, honra, poder (hens exteriores );
I'''"'" ''""' c prc.:ciostls que ~.:acm sob seus olhos, o Hsico pode saude, belcza, 8r~a, porte ( bens do corpo ); coragem, tempe-
lllu11111 11111 pcsquit~a ao lloivCI''>O visivtl. Mas a curiosidade do ran~a, inteligC:ncia ( bens da alma) 31 Acrescentemos que nao e
tdw. liM~ len C'()lllfl o in~uiri~1 o du '14bio visam obscuraroente suficientc possuir. As coisas somente sao uteis para quem as
6 ' '"""' , " conhcdvcis e vcrtlndeir n1enre reais" 20, causas da- utiUza, c, mais precisamcnte, para quem as utiliza como se deve.
q uHo 1111 t ill\ Rdlll ltf\ c: (.) Ollfl'fl c tudQ, e que sao as unicas De modo que todos esses "bens" nao sao, exatamente, nem
" I' 11 J, 1 ...,J.,rc<:cr liT 11. ~uo vilhto c: .1\ ~Uil ciencia. Ora, chega- boos nern rnaus; nao se tornam tais senao pelo uso, born ou
1l111 Mt t thjrhl IIU(UCnu do 11abcr, uo Dcm, conheceremos nio mau, que dtlc fazemos. Ora, todo uso judicioso requer um sa
bet. Digamos, pois, em conclusao, que o unico bem e a den-
cia, o unico mal, a ignodncia 32 A ciencia da felicidade deve-
ria ensinar-nos, no mesmo tempo, a adquirir e a usar os hens.
foonnas vcr 11diantc P'll .' i} .

olu '"'lith tlu l111tll~lvd ,. olto Scr, ver (28 ) Rep., V, 476 d.
II, l'o~tt.
Mt MXXVII, 1'''. ~56 c scgs. (29) Rep., VI, 505 d.
(30) Eutid., 278 e seg.
( 31) Eutid., 279 ah; cf. Leis, 631 b-e; V, 727 a729 a.
( J2 ) Eutid., 280 h281 e.

?1
Nao se poderia alar da felicidade scm contar com o tempo
em que ela se constr6i. ~ no tempo que alinhamos, uns ap6s
os outros os bens efemeros e que trabalhamos para o advento
do bem-t~rmo. E por pouc~ que saibamos deste bern suiciente,
desejamos que ele seja sempre nos~o 30 ~ desejo da_ ~elicidad_e
q uer a eternidade do objeto e a liDOrtah_dade do SUJe!to. ~ts
quem, uma vez mais, pOe fora da compett~a? ~s b:_ns ms tavets,
os bens exteriores e os hens do corpo. Perectvets, nao podem as-
segurar senao uma felicidade pass~geira a Seres mortai~. ~esmo
que fossemos imortais, a profundtdade de n~sso d_eseJo nao p_o-
deria ser sa.tisfeita por eles 40 A alma, ela SliD, e tmortal. Nao
ha duvida que as almas, outrora admitidas a ~ont~mpl~r " o
lugar supraceleste", onde se elevam as Formas mtehgfvets, te-
n ham encontrado uma felicidade total nessa "visao bem-aven-
turada" u. Mas, depois, caitam em corpos mortais,_ ~ diflcil-
I t t1 l11 mente se persuadiria o geometra a tirar urn gozo suftctente do
tjllt I ttltjl Ill, estudo da forma do cfrculo se, ignorando o compasso e o esqua-
dro ( instrumentos, contudo, inexatos e peredveis) '. ele nao sou-
her nero construir sua casa, nem, ao chegar da norte, encontrar
o caminho para voltar a casa ~ 2 . - As necessidades de nossa
condi~ao encarnada obrigam-nos a perseguir sem tregua as "coi-
sas boas" fugidias e portadoras de uma parcela, apenas, de f~
licidade instavel, de uma felicidade na medida de nossa condt-
~ao mortal. Se e plausfvel que a alma imortal se dirija es-
pontaneamente para as Formas eternas, e igua~men_te verdadeiro
que a alma encarnada nao sente nenh~m deseJo. dts~o, ~ que o
" alem" 48 , com suas realidades beatiftcas, lhe tnsptra tncredu-
lidade e lhe parece uma grande logrq 44

( H) I HI IJ 1111tl 11 (39) Banqutlt, 206 o.


( H l Htf' , . t~l l , , r rl l , ''"' 1, ( 40) Eutid., 289 b; Leis, II, 661 b.
1( l(o,,,) l1.t"'"' Jill
t , Jl'l l.
It ,, , " . r l ' llt. " ' " .t . ( 41 ) Pedro, 247 c, 250 b 7.
( 42 ) Fil., 62 a-c:.
( lll t,..J l'l ,. 1, 1 ~ ,, ' .r 1 ''"'' n1. 1 K.
( IH) 1'~111 " " I J lt' Jltll.fllt.tlu, d . U {I, II , I / h ~q;.; C 11rg., 467
( 43 ) Fed., 79 d 1; Fedro, 250 a 6.
c: JC'g.; U1., .'I H ol ~1 14. ( 44 ) Fed., 69 e.
Ill II AIVIOI\ uo I3ELO dadeiramente livre" llll. 0 apaixonado, "quando ve urn rosto de
aspecto divino, imita~ao acabada da belza, ou qualquer corpo
111 11111 lo iiLII' 411 pl'opor ao nosso desejo, como boas, igualmente bern feito, sente primeiro um calafrio... depois,
' '"' 1111 u bclns. Coragem, justi~a, temperan~a es- dirigindo seus olhares para o belo objcto, venera-o como se
!1 I 11111111 un:diante as quais o filosofo pretende asse- fosse urn deus e, se nao temesse parecer estar no auge 'do de-
lil f, lh l,l,lolc. Mas, ordinariamente, os interlocutores de llrio, ofereceria sacrifkios ao hem-amado, como a uma santa
11 h11 111 qunllficar de belas essas virtudes diHceis *6 ; imagem ou a urn deus" 116 Da mesma maneira que a piedade
ltlllllltl\1 II pC:l'lpic,cia, saudam-nas de longe e teSternu quer prestar "assistencia" ~ 7 a divindade, a adora~ao amorosa
tdtllll 1 11 1 I" unlc:r~ rc:speito que desejo. Se consentem em procura ornar e embelezar o objeto amado; ela o quer perfeito.
~~~ ~~~ IHI I han~ do" "bcns da alma" 47 , e SOb COOdi~aO e na Se o apaixonado carece de uma virtude ou de urn saber que
'" lht,, 1111 ' l" 1mJc m bcncficiar-se disso 48 Ora, a virtude e ele deseja para 0 belo objeto, nao tern descanso se nao se ins-
Jlfll t lh ~ lnl H,tndo J>c:lo tenc.lltl.C que lhe esta ligado, e ~ste se trui a si proprio para melhor instruir o hem-amado. Tende a
ll 111 lj4tmlntllllt, 0 11 nl ntlu m11is, pelas manifesta~i5es aparen aumentar os hens de sua alma como os mais dignos de serem
I ' ''' lu 1tuthl11dt u , A t\nicn ('('lisa que desejarfamos em sua apresentados em oferenda; de hom grado, abandonaria tudo o
1 ill.lu. ll 1 11 ldlthlnll 11 ". podemos ser muito felizes, na Ci- que possui, e adquire virtudes e ciencias para tudo oferecer ao
t llll~, 1u "llnHI''"' 11 lnl h;11" n 1 amado 118
Mas basta tomar o amor no seu n1vel mais comum, onde
ele nao e suspeito nero de transposi~ao, nero de sofistica~ao, para
descobrir nele dois tra~os estranhos: 0 desejo de "conceber no
Belo", assim como os cuidados que os pais dispensam ( e, aqui,
podemos estender a observa~aO ate OS animais) a sua progenitura
e que eles levam, se necessario, ate ao sacrificio de sua propria
vida 110 Sabe-se como Platao explica esta "disposi~ao surpreen-
dente" e, em aparencia, "absurda" no: a natureza mortal nao se
pode imortalizar senao pelo artificio da gera~ao; "no lugar do an-
tigo ser, ela deixa urn novo que dele se distingue 61 ", e no qual o
primciro sobrevive a si mesmo. - Lembramo-nos dos obstaculos
amor ver-
que tinha enconttado o desejo da felicidade. Ora, o ato da

.~
(46)
.. gera~io d:i a imortal.idade ( na mcdida em que ela pode ser conce-
dida a natull':t.a mortal), ao mesmo tempo, ao sujeito e ao obje-
to. le tcstctnunhn, alem do mais, que o "hem" ao qual tende o

,... ,
(41)
II
toll ,
II I I M ,,, , ~ lot'j.
(") F~dru, :l41 L' (1n11l. Robin).
(56) F~dro, 251 11 ( Irati. ){obin ).
'"'',,, ,.,,,, . u' "
I
(~II J 1, 11 l/'1 (57) Euli/r. 12 c scg.
( (58) F~dro, 252 a, d scg.; Banqu~t~, 210 b-e.
(U) 11i"IINt, J ' I ol (59) Banquet~, 206 e, 207 a seg.
(1J) /lm~oturtr, )11-l .1 c, ( 60) Banqu~l~, 207 a 7-b l, c 8-9, 208 c 34.
(54) Jl,dro, 21/ II 211 , . ( 61 ) B11nquetc, 2(]7 d .
1 1... 1. ll,t I' (IUIIIquct objeto estranho e lon- . ora, aquele que concebe a virtude real e que a alimenta, cabe-
II o I til f 11111111 C:tpturar; sornos n6s mesrnos que -lhe ganhar a afei~ao dos deuses e, se algum dia ela for conce-
1 '"''" hottl'i 11111 bern pessoal, nosso bern pr6prio, bida .a wit homem, a imortalidade 87 ". .

'!'"''
I It t I'"'" e ''em vista" 02 do qual estamos dis-
M 1111 .1 1 1111 o u rcsto. Ora, a gera~ao "tern algo de
Assim se resolvem tOdas as aporias do desejo de feli'cidade.
No ato do conhecimento, o prindpic;> imortnl da alma encontra
1 hol ll ( jiiO a divindade repugna a feiura, s6 pode as realidades eternas e restaura, tanto quanto e poss[vel na nos-
''w 1\ I' ' nn { IU, mais precisamente: "em presen~a do sa existncia presente, a condi~ao pr6-ernp1rica, onde a alma
saboreava, em presen~a das Formas, uma felicidade permanen-
I lh l.l.ull , Jd ('I vimos 04 , e a unica coisa que o homem de- te. 0 obj~to assim descoberto nao .e, de nenh urn modo, estra-
l ollm Itt . 'L'nlvc:T. niio ~c precise corrigir esta tese. Sera nho a . alma, cuja parte mais preciosa lhe e aparentada 88 , e
II 1 1111, l" ttl ltt1lo o cuso, l'CVCr o seu sentido. - Quando Al: mesmo consubstancial Tampouco e tim espetaculo graNito,
89

1 tllh loll, '11111 11 lotum ll~mo encantador e desajeitado de sua oferecid() a uma cusiosida.de livre para ;ver ou para desviar-se,
ltlllt. "'' ,, .. ,,,:,..,o, xplk n S6cr-:ues que, como futuro senhor mas utna luta, . travada com a derraaeira energia, pela verdade
I /1.1 . 111111, tllln 11 rtf n q11c fn:t.t l' do ju~ ti~a e das outras virtudes, por que a alma esta apaixonada 7 0 As Formas nao estao as-
II lin 1'1 t~fklrntc dclxur sc. Hlli:tr unicamente pelo seu in- sentadas na alma; a alma deve produzir o saber 7 1 para captu-
1 o II'"" 11 hrnl ( u titll) ~< mtrito dife:rente do belo, - SO- rat 72 as Formas. Essa "ciencia de aquisi~ao" e, ao mesmo tem-
l'' 1 1111111 lh(': (> qu vnd : pcnsa da coragem?" "Em po,_"ciencia de uso" 7 S:_ "ou exis_te um meio, para quem vive na
'I" ""'"~'h ' vol r noncl rln n clu? " e o 41jovem utilitarista, sem presen~a do que admira, de nao imita-lo?" H. E isso 0 que Pia-
1 I I tit "Anlr . uwracr qu~.: t.er covardc ~". Existe, portanto, tao chama: "produzir a _virtude real" ou " a concep~ao em. pre-
IIIII 1\o l11 IJI I ~ i11m\ 1 UfllR fcJicldoce que nuo e posse nero gozo, s~~a do Belo", e, entretarito, nao ha . ar nenhum saber n8vo.
11111 I'' ''" "~ n , nrd{k io. Plut1 o chnrno umot o sentimento que e
Conbecer as. Forinas saber "servir-se delas"; conhecer . as exi-
Ill 111 t4 i' n1p11h1o~ ~cncrosos. Que clt:s surjarn .em n6s es- gencia~ das Forrnas e saber servi-las: a verdade conhecida e a
t 11 11 oU ill Ill. till t t lle nnscarn a vista de ~1m ser amado, levam- verdade obedecida. Por esse mesmo fato, sao reabilitados OS
1 '"I''' 111 111 .tr ncS~ mesmos, pnra tun ;~bsoluto que adivi- ben's multiplos e lnstaVeis, "fa'ntasnia's " d e felicidade 7 U.. Pois 0
I*'"' ""
1
t
q 11 111 llhlll trmucrilo nos tr:l\OS do ser amado.
1 II I , "' ' .u dHdo pelos nossos pn~ximos ou pela pa-
Na amor que leva o fil6sofo a abandonar tudo para dirigir-se ao bern
( ao Belo) obriga-o, agora, a imitar sua perfei~ao no mundo .sen-
tti 1111 Jll l~t~.rltt 1"11 1jtll, nn ntividadc poHtica, Platao reconhe- sfvel. Conhecendo o Bern real, ele sabera " usar como se deve" 76
u " Ill i IIHIIIII tl I ~t:ncial cuja forma mais elevada e 0
lith ' Ill h II IIIII lii iiHC' illc! 0 Belo em Ni: "E, somente en tao,
Q '' ltllu 111 ' 1" lu n H1 11, com o 6rJ\aO apropriado 66 , consegue ( 67) llanqm/t1, 21Z a.
lh6 t t 11A11 i111,~1 II do virtudC:, visto que nao foi a urna ima- ( 68) Fed., 'J') <1.
JI 111 I' '"'"' 11111 ' virt udc reul, visto que se uniu no real; (69) Tim., 44 d.
(70) Rep., VI, 4')0 nh; V, 475 b fim- c
(71 ) Banquete, 209 n; Rrp., VI, 490 b.
jt.]l
( 72) Eutid., 290 c.
I'''
(1~.
I (73) .Pag. 23.
( ,,, ) ( 74) Rep., VI, 5!)0 c.
(75) Pag. 24, n. 36.
((,(,) lu rl, oo l'lllu t t i l' d 111"1 "" ,, l'lllt' tu.li. )ll 'dt~:.,l ol;~ alma (d.
11/r'i/1. I, I J.! 11 I U 1 ) (76) Pa8 . 23.
1 tl nc rnodo, conferir-lhes urn valor deri medida de rodas as coisas" 80, o Bern produz a verdade e " a
faculdade de conhecer" 81 . As Formas nada devem ao nosso
I I 111 1., , lie 111, o Belo sao tres aspecros da mesma "entusiasmo", ao nosso "sentimento religiose" , elas niio sao o
MIIIIM.. i llj 111 , ll~t qulll derivam todos os Valores. Mas, en- "ideal" 8 2 que n6s forjamos. As realidadcs divinas se dei.xam
t ill .. It~~ lit 'I o.ntes escondein as outras Formas que apreender, mas elas existem, mesmo que nlio houvesse nenhuma
"' 11 I p tum do Belo, ao contrario, se reflete em ima- alma para aspirar a elas.
1 ., lu~t t l th Uht 77 , 4ue todo homem de boa natureza adi-
nht~ tU lllt th J Ins, o Modelo e paraoai se volta espon-
11 t!llll l , N experiCncia do amor, o Bern faz-se sens{vel
i! lr~ tiltun, 1 vc.-Lo-sc imperiosamente e testemunha que "este
I 111 tjll t .Itt busco" 711 ultrapassa os hens copmns. Sem
lm
" l tuJ!P I ~n .It' 1\r(ll , ll tcorio. das Formas permaneceria uma
1 ''"'' M "r111 n rrnllclndc c n revela~ao das Formas, Eros,
l[tl.l d~lltncl1mlnlut(lo, cnreceda, ao mesmo tempo, de
{tltl hi II tl ltllf'lll, ( I 'II,
A I tl tlllin, .l.rijnlldt! nt ~ or. Pormas e, alem das Formas,
Ill~ II 1\t I ll , 1tllttKf' II oh jC'IIl CJI I ~~ UO OlCSffiO tempo, verdadeiro,
lun l itPlt l jl lt'll~o d 11111 hunt<: tl'l c nl\o de uma alma desen-
' lltttlll>~ . ' J,, ( 1111 n lt'll lllll tr tupu, (Unhccimento e a~o. Ne-
nl uuuot .~_. . thlit alr pr1Hlr dtl IIOIIIC'I Cllpricho, porque nao se
.. 1 ''"'" ,II '" I ~ , tHI II l'111 tt tull, o llt'r c 11 exigencia. A filoso-
1 tt( I 1111 uh 11lunl ll lihc:rtndom a uma realidade e a
1111 111111 ,f,, o~hor
' 11111eui n t 111o cria scu objeto, as aspi
"' 11 , , ltuullltu " Formas. " Deus e a

( 80) Leis, IV, 716 c.


( 81) Rep. IV, -'08 e.
(82) Cf. o comenurio de R. de Pury sabre o F.xado, onde algumas
passagens (pags. 76-78) se poderiam aplicar, mula/is TfJUt(lndis, ao realis-
mo plat3nico (Le Liberateur, Edi~ do C. P . ]., 1942).

JO 17
CAP!TULO I

DEUS

I. - As FoRMAS

1. A posi{ao das Formas


Ja nos antlgos, a obscurldade do "Bern de Platao" era pro
verbial e fornecia materia para zombarias, abundantemente ex
plouda pelos poetas c6micos 1 E, no entanto, ~sse "Bern" in
teligfvcl e "o que tooa alma busca, e do qual ela faz 0 fim de
todos os seus atos, porque adivinha seu valor, embora sendo im-
potente para apreender claramente sua essencia" 2 "0 Bern de
Platao" e, na verdade, o hem de todo o mundo.
Se o Bern e obscuro, as outras Formas nao o sao menos.
"Eu vejo hem um cavalo", ja tinha dito Antistenes, "eu nao
vejo a "cavalidade". E, no entanto, a Forma hfpica "se encontra
no" pior garrano que o olho percebe. Alem disso, Formas e obje
tos scnsivcis saq "homonimos"; 0 fil6sofo, quando fala das
Formas, fala a linguagem de todo o mundo. Entao, por que
~ste perpetuo mal-cntendido sobre as mesmas palavras? Por
que e tao dific.:H cntender-se e concord.ar a pergunta do ho-
mem do mundo: "() que cbclo?" com a do fil6sofo : "0 que e
Belo? 3 ". Af esta tt>dn u dificuldadc que ha em p()r de acordo um
homem contente e urn h(.lmcm dcscontente ou, pior ainda, um

( 1 ) Di6genes Laercio, III, 26-27.


(2) Rep. VI, .505 e .
( 3) Hip. Mai., 287 d.

,,
111 1 ' c um homem que se sabe descon-
1 11 11ftnti:
lh h 1111 I IIIII sablo. e "realmente real" . Reconhecemos as coisas como sendo somen-
te imagens 7 e, entao, debalde empregamos as mesmas palavras;
I t ''"' " 11 1 11 s.ibio partilhou outrora e, ainda agora, per- aqueles que permaneceram na Caverna niio nos compreendem
1 llt lli Ht t' "C contentamento e essa fe. E ele compreende mais : co'mo n6s, eles fazem as palavras significar realidades
I d t tlt'll tempo e seu esforc;o, quereodo esclarecer en- correspondentes; mas, ao enunciado de urn mesmo termo, veem
"'"' 11 lltllntntla, contente na sua confianc;a e confiant~ no uma coisa onde nos vemos urn reflexo e nada veem Ia onde
u ' "'"' 11111rncnto . E tambem que injustic;a em querer destruir vemos o ser.
ilul.t ''''"" ICis'lc em nome e ao prec;o da verdade, uma felicidad~
'''''de c lno~c~ t: ! 0 problema e saber se a felicidade dos igno-
11111 1c c l~OS tn .mgos das Formas e) verdadeiramente, uma feli-
Qualquer experiencia de contradic;ao pode despertar-nos.
Mas apesar da cerrada crftica a qual submete as fraquezas do co-
t lt ludc: :.6J.'dn e tnocente. Mas, mesmo que nao fosse seniio uma nhecimento sensivel, Platiio mal insiste sabre a miragem do dedo
W lld f\,:10 l~SlOv~J e desafortunada, C claro que ninguem gostaria que, segundo sua distancia e posic;ao, nos parece grande e pe-
' ' rttntntt:tr a Jsto se nao tlvesse seotido primeiro alguma du- queno, fino e grosse, ou do vinho, cuja doc;ura parece amar-
vlol,t. () cnsino somente pode ser inscrito' numa a~a consciente ga ao paladar do doente 8 Tais experiencias nao sao inu-
1!1 IH III i/1110l'0nci:t, e e por este motivo que, na maior parte de teis: elas podem despertar o futuro fi16sofo . Mas a maioria
1111 uhtol, l'lnLiJo antes nos ensina a duvidar das coisas sens1veis dos homens sao pouco embara~ados por essas experie.ncias, de-
qw 11 t'nnht: cr ns Formas. masiado familiares, como lhes sao familiares as ciencias que,
Ntnl~t~n d.i,Hogo comec;a por " por" Deus, o Bern, ou as For- desde ha muito tempo, conseguiram reduzir essas contradic;6es:
llllt . 0 phu nrusmo :lutentico nunca se oferece, de inkio 0 luxo . ci~ncias da medida, do calculo, do peso 9 Em assuntos que igno-
th '''JI'"'' "prl nd pio" donde possa deduzir todo o resto. ~le sem- .ramos e que nao pretendemos saber, submetemo-nos de born
I'' ' "''"'1.11 pttt' onJc todo o mundo comec;a; todas as investiga- Atudo ao sabios competentes 10 ~les nos dispensam de ser-
\''' 1 voh 1 111, lnlcl ll mcntc, para as coisas rn ais familiares do uni- mniJ n6s mesmos sabios, o seu saber contribui para assegurar
" I " 111 1111 vlw1noa; niio h6 nenhuma pcsquisa dialetica que n t orrCncia do mundo e permite-nos nele viver com confianc;a.
" '' II'''"' t.iu, 1111 o11111l' o, um i'l simples conversac;ao. E se che- Mttll ha contradic;oes que nos engajam intciramente, por-
IJI1, ''''' '''"'' ' 11111 ll lllltlt"ll lt> cm que a brincadeira se torna dia- '1'", In lrrompem em pontos onde ninguem pode aceitar ter-se
e
J, "' 14. Il l I'' I I'" II " '' , .. i. llll ib l'o rmos, certamente por- i ""Hltul,,: r> tuo em jogo nosso interesse e nosso valor. Aqui,
'1" 11 t ~~ Jt>l IIJih tll tlilllo) mn<h A tilosofia sempre apare- 11 " 111111 ~ potlcmos, uma vez convencidos de erro, mudar de
" '""" ' Hltl>t """'\II II utL'I'/1~ncl n , em conseqii~ncia de ter tlpllllilll, l"lllhn rn permanecendo nos mesmos; somos estreitamen-
111111 ,,,,,,, '' louln11 l11 lw J Iilllrdvcl coJos os outros caminhos. E 1 ~ lid, tlct 1o1m a~ convic~oes que nos traduzem a n6s mesmos.
11111r 11 h 111 ' 11111" l11, l1l HuJntlos Jlt) caminho dialetico nos l h I )Jdlus m ,IJ,,.IIl lncHferentemente: refutar a tese de Tras{maco
'""'"111114 I""" n lll'thlitl hnt iJ:1s, que experimentamos ~omo cu1: rrfut .u 'l'~lu u1 o 11 . Co1ocar a felicidade e a vir tude no
unua ''' ""''\ 111 1 . ll raut ~ du uhliCuridndc, uma impressao de des- iuttn\t~llt" d11 111 c e
hut n rio urna ttse de Tras1maco, o pr6-
Jlcfl ur IIJII\N 11111 ulan J1 rnfundo n e que sc produz essa "inver-
" t 1" VII r , Jill' 1111 r11:1. dcsapreciar
pl"io T r nshlllllll e , qlllllhln II t "IIC ~ rdutada, ~ ele proprio quee
s110 radicalmcntc o mun-
do em ~Juc vlvloUIItt 111~ ('llhlu, t'll\ fnvor de um:~ n::tlidoclc nova
(7) Fed., 9~ ~: ~q;.
(4) Rep. VIII , 11/ I M'K, (8) Rep., VU, 52) b scg.; T eet, 159 c-d.
(5) Rep. V, 476 c; Vll, 'JJ b e.'. (9) Euti/r., 7 b-e; J{cp., X, 602 d; Fil. 55 c.
( 6) G6rg., 481 c. ( 10) Alcib. I, 117 c-d.
( 11 ) Crat., 436 d 1; u1q., 19} d llc 4; G6rg., 482 11.-c 2.
tlttal ~~ fh ~~'' t ~tllcli; nao e somente a tese, e Trasfrnaco que versa~oes dialeticas: "a benevolencia" 1n. - Isso no que diz res-
t1 >iilt olol , f, loti kinde. peito a inocencia. Pode-se, ao menos, dizer que tais praticas
I nl r tiiV~Ill cssas contradi~oes? Sera, simplesmente1 0 d- nos asseguram uma felicidade s6lida? As incessantes divergencias
1
Ill do sofista que niiO Se harmoniza COm 0 en-
lhtt I foalfatno sobre os valores e as lutas que dai se seguem amea~a.m, sem
l hllltut 1111 1 dt~ moralista? De modo nenhum, visto que Socrates, duvida, nossa tranqililidade; mas podemos sempre esperar que
"" lui lo, n o sustenta nenhuma tese. Alias, por que seria a vit6ria nos garantira a posse incontestada daqu.ilo que dese-
It lr llll '~ re_futado pela simples razao de que S6crates desaprova jamos. Mas o que desejamos, exatamente? - E pouca coisa
'"' wnvJc~oes? . De nenhum modo e preciso a interven~ao do estar em desacordo com outrem, sobretudo quando essa con-
lllc-1~ofo, para ensmar-nos que nao existe terreno mais fertil em tradi~ao somente refor~a nossas pr6prias ideias. Mas sera que
I.'UIIII"odi~Oes que OS valores. E ve-se tambem que duas opinioes essas ideias sao sempre as mesmas? - Olhando de perto, ve
'IUC se con~ontam nao sao suficientes para despertar-nos. Ape- rfamos a contradi~ao instalada no cora~ao de nossas teses e,
l!llnlOOOS t~o forteme_?te as nosass convic~oes (que sao nossas numa palavra, em n6s mesmos. Mudamos frequentemente de
c, a bern dtzer, que sao n6s mesmos) que toda convic~ao opos- opiniao sobre as coisas mais importantes 17 ' e a unica razao que,
to deve confirmar-nos mais ainda nas nossas. Todos os meios no mais das vezes, nos faz ignorar a instabilidade de nossas
nos sao boos, para provar, aos outros e a n6s pr6prios, que es- cren~as, de nossos desejos, de nosos amores, e que vivemos n?
ta~os c_om a verdade. Se os argumentos faltam, outros meios, tempo em que, ao inves de considerar conjuntamente duas cot
ma_ts l~ftc32;s!, apresentam-se: 0 ridfculo lan~ado sobre 0 adver- sas que se contradizem, vemo-las uma depois da outra; o esque-
s6no , as lnJUtlaS1 3 , e, entre na~oes, a guerra 14 , "ra2a0 ultima". cimento da p rimeira faz com que a segunda, em nosso espirito,
Ha uma grande sabedoria no recurso as armas quando faltam nao seja contradita. Mesmo se guardamos daquela alguma lem
os argumentos; uma grande sabedoria e uma grande sinceridade. bran~a, e na segunda que, atualmente, estamos engajados com
Torna:_se e_nta? lu~inosamente evidente que, tratando-se de valo- todo o nosso ser: como seria refutado aquilo que hoje desejamos
r~s, nao sao Jamats duas teses que se op<5em, mas duas existen- pelo que nao mais desejamos? Assim, n~~so_ son~o po~e con-
CJas que, com suas teses, sustentam o seu direito de viver, e de vi- tinuar violento e incoerente; nossa consctencta e mvadtda por
ver como elas entendem. Se o adversario tern razao, se reconhe- image~s vivas, sem que as imagens defuntas a1 venham mistu-
~o que ele tern razao, nao sao mais seus argumentos que me refu- rar sua sombra.
t~m nem ~uas armas que me matam; sou eu pr6prio que con- Que CHicles se obrigue a procurar incessantemente novos
stnto na rrunha queda e que me pronuncio contra a minha vida. prazeres, que ele choque OS sentimentOS e vio}e as leis de todos
Donde se v.e bern qu:_ a felicidade que persistimos em tirar OS bem-pensantes, - a COOtradi~ao, para ele, e apenas apa
?o mundo das 1magens nao e, de modo algum, uma felicidade rente e negligenciavel. A felicidade, pensa ele, consiste, preci-
ln()CCnte. E, mesmo se 0 choque das teses hostis nao sempre e samente, em jamais provar as mesmas coisas, e as leis morais
nhofudo !'10 sangue, el~ mantem sempre, nos membros de qual- e politicas sao conven~6es arbitrarias feitas entre os fracos para
lJUl'r llO('ICcJAdC que Seja, a alta daquilo que somente a filosofia subjugar o super-homem. Mas, oeste mundo, onde ele vive c
poJc clur: "a unanimidade e a arnizade" lG e bane das reuni<5es quer ter exito, Calicles deve reconhecer que outros homens tern
dos humC'n~ c~tn qualidade que somente se encontra nas con- exito naquilo que se propi'Sern, que eles tern exito gra~as a certllli
normas as quais obedecem, e que essas normas mostram, pclo
I ' 'l c:nrf.., 171 " ., 1. seu pr6prio exito, que sao nao " convencionais", mas " por 11:1
(II) <;,;,1(.. 14 I .I I 'I'; l<op., I, JJH d , J.J I r; 1-tlq., 195 a 7.
( H) 1\uti/r., II u J.l; 111.-ib. 1., 11 2 :1-c.
( 16) Rep., VI, 499 a; Carta VII, 344 b-6.
(I,) l<rt. 1, IH el 'S; Aldb. 1, 126 c 1-5.
( 17) Alcib. I , 118 a; G6rg., 527 d. fim.
](,
I ll.~ I t&n!cos se poem de acordo em rela<;:ao ao
jl

I 1 " rl o sio contraditos por ninguem e se che-


111
ferem mais senao as Formas que silo tlS unicas a realizar ple-
,., t !! I 1 u tlll l'l t u 1 nbta, deve haver tambem, no que se refere namente e sem contradi<;:ao o que csses r.ermos significam. Re-
l111t 1 IIIII t4Lthcr s61ido, Uffi acotdo incontestavel, Uffi exito
conhecendo que fazemos "exatamente o contrario daquilo que
Jlll h t 1 11 1 ru tcsiios tern razao, Cilicles deve estar errado 1s.
se deveria fazer" 22 , doravante nao mais procuraremo~ a vet-
dade senao nas Formas, e o nosso mlnimo quc.: rcr aceltara es-
t\ II HI Irlldl<;jo fecunda, aquela que o Socrates platonico exi-
posar a vontade das Formas.
j ,, dhllil d~: .~cu interlocutor, e sempre entre uma tese da qual
11 lu t ,tl,cutor e soiHario por t6da sua vida e com todo seu ser
0 fundo dessa experiencia transtornante e 1:1 lnsatis(a<;:ao em
' 11 If ln11nr;iio, de alcance objetivo, de uma estabilidade, de urn;
rela<;:iio ao muodo em que vivemos e a nos que nCk vive~?s.
rol.d<''" de urn valor: uma exigencia essencial. 0 interlocutor tern Mas por que ultrapassar o pessimismo pro~do dessa cxpcnen-
rfJdnr! os raz6es para por uma delas; por que ele admite a cia pondo as Formas nas quais se deve realizar tudo aqml~ que
uurra ? E, freqi.ientemente, sob o dominio da vergonha ( Polos no~ falta e que falta as coisas daqui? ~ Platao r:_ao pode apoJ~!'-se
n ~o ousa contestar que e mais feio cometer a injusti<;:a do que em nenhuma revela<;:ao, no pleno sen~1do do termo; . Os mLto~,
~('lftl:-la) as vezes, tambem, porque ele nao suspeita a contra-
1
nesse ponto, sao processos de persuasao. de que o sab10 usa pat.a
dl~iio. Mas essas afirma<;:6es sempre o libertam do "defeito ina- com os outros, assim como para cons1go mesmo: antes exp;:-
to'', fonte de "todos os nossos erros": o amor de si mesmo 1 9 mem ( e, a rigor, confirmam) do que fund~:~m a fe. n,_as ~ormas .
Porque nunca .e o capricho nero o interesse do interlocutor que A nao ser que chamemos de revela<;:ao essas extgencta.s que se
dl tam essas aftrma<;:6es; elas sao exigidas pela Essencia e o in- imp6em a n6s, essas afirma<;:6es. as quais ~ao o nosso mteresse,
lt=rlocutor somente traduz verdades das quais ele nao e 0 autor. mas a propria verdade nos obnga. A nao s~r que chamemos
:V.sta exigencia contradiz a tese pessoal e, com ela, aque.Ie que de revela<;:ao a atividade dos demiurgos mortats que obedece a
II NlfStentava. Se a coragem e bela e se nada e belo quando normas estaveis, e onde Platao encontra o testemunho da be-
prlvodo da inteligencia 20 , a virtude de velho soldado, ~nde La- nevolencia divina 24 A nao ser, sobretudo, que chamemos de re-
ql t~ll C'~]ocou sua raziio de viver, esta refutada, e Laques com vela<;:ao a experienda do amor onde aprendemos a desprender-
r;lu. Sc1 o orador politico concede que o fim da polftica e a -nos de n6s mesmos, a desviar todos os fervores do Eu. par~ a
Ill l i<,111l , c evidente que a arte de Gorgias nao e uma arte po- Divindade onde recebemos o sinal sensfvel de que a .dialeuca,
com a sua' inversao dos vaIores, nao - e' um.a "tAoIa ~~n h.an<;:~" 25
fllru . f' t)\.JC nem mesmo e uma arte. E juntamente com a arte,
i. o ~C'IJ me8 tte que acaba de perder seu direito de cidadania.
_ }! que o pessimismo nunca pode, sem mco~sequenc~a!_1r at~
A LHIIYi'lldi-;ITo que provoca o despertar entre a pretensio e ao fim de si mesmo 26. Se a educa<;:ao, a polfttca, a religta.o cat-
11 t.11 l14~n lo , c:ntre nos e os valores, entre nosso desejo e a von-
' f:lm nas maos de ignaros, de inspirados, de impo~tores, extstem,
rutlr cln ~ 11cm nns. t ' lll outras marerias; tecnicos competentes. Se extstem :naus em
~nmclc numero, 'devc;:-se reconhecer,_ no entanto, que eXlstem ho-
~~
1.111 r rndi<;:ao desperta a~s que sao dotados de urn a
l'rllll
lllL'Ill> de bern mesmo que ~ queuamos supor pouco numero-
!.on convida-os a did gir seus olhares para a realidade
10 ~7. Se 0 ;mor de si nos c
llllll iJ r;l'jl Q
inato a tal ponto que nossas ve-
do11 J1ornw da qu al cles ja reconheceram e proclamaram as exi-
I

Rtnd .. ~ , g lllfl t'l'fiiii Kfo !linda OS mesmos termos, eles nao OS re-
I iJ ) G6rg., 481 c.
( IR) Gt1rg., "'(JJ d nx. 1 ' 1) l ' f. MtrJ., 81 n seg., 86 b-e 3.
( 19) Leis, V, 7J 1 d. fi1o1 C. I J I I l'nllt . :!74 c d.
(20) Laq., tn . : ~c8 . ( J, I I t .l . IIH I> 4.
(21) G6rg., 454 b. seg. ( (i) I ,,1, H'l , lim .q~ .

38
1) f :J'' ,"'1 lo,
I, hl.~d Hllil'lll pntecem tendencias "ad . 'd " . . tn " , e precise dizer que a rcli~iltll .t l'l,et;lo t.~.: conftmdc intd
II ' ~ I I d~ndu do amor descobre-nos u~~m a~ e_Imp_otentes 2s'
.-~mente com a dialetica 32
' IIIILdl ill lll e "natural". Ha is n asru~~ao diferente, e
111111 lll rubilidade mas t d~ .' o nosso proprw mundo, talvez
11~1 111i1'.. p~rn
, end encJas para uma estab'l'd d
" " uma rea]'d1 a e uma ve
11 a e e ten-
. 2. 0 reinado dar 1-'rmmt"
II II Uucs 0 m . ' . . z que as senumos como
arceneJtO que "tmprtme" f d .
!1\1~ materiais, o apaixonado que rende ~mo~it a 1an~aderra
d_os ~da~os de madeira que "aspiram a ser como~ oa~ a~ado, Qualidade e Essencia. - Pode-se dar, d, tl\d11 I' 11n vlvn,
s1 ,_ dao todos testemunhos t-!9 da uma realid d ~ em urn numero infinite de pinturas, de desenhn11 tic t lldl ill Hill" ,
extste pelo pr6prio fate de que se imp6e como am:ds~tperwr que - e talvez de caricaturas somente. TOdas Cll'llll I (IJIIII~ ml
N ._ eo. Lam, nenhuma e 0 modele. Ce>res, tra~os, tc:ln!l, pltll ' IIi II II
d a post~o .Jas Formas, dencia, moral e religiao confun- que sao; em si, nada sao, em compara~ao com o Jtuhll'lu, po
_em-se nulma um ade tao Intima, tao harmoniosa e sobretudo dem servir para representar tanto Paulo quanto Pcclrn, jltltl
t ao natura que ne h
, n urn d os eptgonos
, ( confessos ou nao) ~A-le' riam nao servir para nada. As coisas sensfveis sustcntum ' orn
Ou ousou mante-la Nao e b t t d' pvu as Formas uma rela~ao analoga. As camas fabricadas t~m o
cientificas 30 visto. q . ~s an e ltzer que as Formas sao leis
, . ' . ue atmgtmos ne as nao somente d I mesmo nome que a Forma da Cama. Mas e em virtude de tem
estavets do Untverso visfveJ, nao somente OS imperati 0~ ~0 e OS uso evidentemente abusive. Ninguem, ao dizer: eis uma camil,
s~s atosAe obras, mas ainda a causa de tude aquilo qvu~ e e nds~ quer dizer: eis a cama pot excelencia. E, se damos ao m6vel
vern. Por as Formas e se d d' e e cujo uso nos e familiar o nome de cama, isto significa: mihha
fe cientifico 0 b. ' se, !>': e asstm tzer, fazer urn ato de
. .. sAo _Jetos senslVeJs provocam, como causas ocasio- cama ou ainda: a cama pot excelencia para mim; mas essa
na!s, a rem1nlscencra, mas as Form as nao sa " ,d " d excelencia, justamente, nao e universal. Ao menos, todos csscs
~~~:~~~~e~si~~~~ ~ua posi~ao e exigida por elas :es~~:~ :"co~~
3
1
objetos homonimos parecem ter em comum uma natureza es
d d t etica e, ao mesmo tempo, a penetra~ao da ver- sencial: o serem camas. Mas, aqui, nos nos deixamos impres-
_a e ~o nosso saber e o constrangimento exercido pelas e . A . sionar e exceder pela relativa fixidez desses objetos, identificando
etas sabre nossa vontade. Se e verdade que toAd li - xtgedn a cama fabricada COm OS materiais COm que e feita, e que po
ao conh d Se a re gtao ten e deriam ter servido para fabricar qualquer outro m6vel, ou para
~ento o r que nos ultrapassa e em rela ao ao
qual expenmentamos urn sentimento de "d dA . ~b 1 nao fabricar absolutamente nada. A materia e urn "porta-mar-
epen encta a so u- cas" 88 onde nascem, vivem e se apagam obscuras imagens en
viadas pelas Formas. Quando dizemos: isto e uma cama, esta
( 28) Cf. Fedro 237 d-e p 1 352 b mos significando, segundo a l6gica plat6nica: estes materials
V, 731 d fim-e. ' ' ro ., seg.; Fed., 68 d seg.; Lm,
estao reunidos de maneira a figurar esta forma que conhecemos:
_(29) _Niio e exatamente o que a ldad M,di . a Cama. Ninguem poderia enunciar este julgamento, ignorando
e_ a ch~nara de: v1a emi-
m:11tutr, J>uls nunca se trata de .. ., e
126, _J B); tl: IIK~ma maneira apf~~::u no senu~o estrtto (ef. pags. 52,
e
o que uma cama. Do mesmo modo se, postos diante de uma
Jf,i111r1at c~.lrnd,,i.r an ":rcumcnto" 0 t r~ . pod{r~am compararse as exi- fotografia, exclamamos: "~ste aqui e Pedro!" compreendemu11

l.r Diu/. ,,,. /'Iuton, Jla~t. 459 , n. 7 ). n ogco c nosso cstudo sobre que este cartao, com seus tra~s e suas sombras, figura Pedro, (
sabemOS muito bern que e impOssfveJ formular esse jUt1.0 IICIII
, ( ) O) St I!CUI 'llll', "c111 111uitos "' . " ( .. . ,,
.lrJhlnlt'nl<' " lu~tur de lUI I' ., . cl,.aruos, '' ~nchl ocupe verda-
' -' I N rc 'll'u.; u omen; dt: t:icncia o 'd - (32) Cf. a formula de Drunschvkg: "a dialetica intdt'('llllll ,1 iuli
II ....,,. 11 111ur1z 11 cum11 nalidndc~ obJ' . . . d ' c ns1 era entao
( W J 11111'" 1 ' 1c c 1lv,ls c egnas de venera 110 - vislvelmente dialetica moral e politica, dialetica rcli~io~:1 " ( f. l'rO/(r'.t
' " ''.Y/ '"'"' rdixicllst 1rul I' AI
' '
. !Jans,
)<IUllt,
1931, pag. ~49). de la Consciense, t. 1, pag. 26).
(H) l{r p., VII, ' 18 b scg. (33) Tim., 50 c 2.

41J
4.1
" ''"I' " ' ~llll !"llll o, quem e Pedro, e que esse jufzo, dando 0 wupas leves, outra para roupns pcsndas :~s. Tal }an~adeira pe-
111 11111 1h IIIII homem Q Uffi peda~O de Cartao, nao e de modo n.:civel fabricada em vista de tal uso pilrttcular, nao pode, como
llfj llllll IIIII j11f:t.0 de identidade, ainda que atribua a c6pia 0 nome uma c~ricatura representar senao tal tro~o preciso da Lan~a
.!11 1uo1dt'lo. Do mesmo modo ainda, quando dizemos: " Pedro e dcira em si e 'deve negligenciar todos os outros. E por isso
' . nas 1'd''
jll tt11d~", sabemos muito bern que mil outras pessoas tam bern 'que ha infinitamente maJ.S e1as do que nas co1sas
. " 89 .
l u wondes, e que nenhuma o e "pelo fato de ser aquila que A Forma e, por conseguinte, eterna ( cuyuanro as coisas
I lr1 (:'' lli; nada pode, sem abuse, ser qualificado de grande, a sensiveis nascem e perecem)' ela e essencialmcnlc 0 que e (~
Ill 0 ser a Forma da Grandeza, porque ser tal lhe e essencial. quanta as coisas sensiveis jamais s~o "isto mais do. que aqUI-
De r:n?do _que objet.o algum ou pessoa alguma merecem qualquer la" 4.0. seu devir nao e senao um felXe sempre deslctto de qua-
qua~ftca~ao que seJ.a, porque n~da possui tal ou qual qualidade lidade's passageiras). Enquanto o fluxo do devir co~Wlde as
a nao ser de maneua temporana e contingente. Uma lira nao coisas sensiveis umas com as outras e apaga sem trcgua scus
e sempre nem essencialmente uma lira, afinada, bela. Mas a esb~os de contornos, cada Forma, permanecendo " o que real-
Forma da Lira, a Forma do Acorde, a Forma do Belo merecem mente e", e "em si" e e "separada".
se~pre e essenci.almente, "pelo fato de serem o que sao", tais 0 sistema das Formas e a Forma do Bem. - Conhecer uma
atnbutos respect1vos. E isto que exprime Platiio pela distin~ao Forma "em si" separada de suas imagens sensiveis e das outra.s
entre a qualidade e a essencia 3 ll; a essencia de tal Forma nao Formas, poderi; parecer que nao fosse coisa gossivel .senao ~1-
esta presente em tal objeto sensivel senao a titulo de quail- camente pela intui~ao. De fato, desde os Dzalogos ditos de JU-
dade. Todos OS ju1zos que fazemos sobre as coisas sobre OS ventude, o conhecimento de uma Forma deve resultar numa de-
homens e sobre OS seus atos, "usurparo" 36 0 nome' do predi- finir;ao, isto e, num relacionamento da Forma procu.rada c~~
cado (que, com todo 0 rigor, nao pode ser atribuido senao a outras Formas. Esta obriga~ao nao esta ligada a uma debili-
Forma homonima), para atribuflo a um sujeito materia infer- dade qualquer de nosso entendimento. Se o ' 'em si" de tal for-
me em si, que tira da Forma que ele imita uma' existencia pre- ma nao nos e conhecivel senao em rela~ao ao "em si" de tal
cfirln, fcito de qualidades de emprestimo. Constantemente to- outra, e porque essa rela~ao existe realmente, e nao P_?tque
Hl tHl11)1J rcflcxos pot realidades sr. ' seja estabelecida, arbitrariamente, por n6s. E uma rela~~o es:
sencial que une a Triade a lmparidade, a Forma do sohsta a
Niter ~ <-xnto, pnls, dizer que as Formas nada mais fazem que Forma da imita~ao. A dialetica pode definir-se como a arte de
dupllcru 0 11 ohjct08 en. {vcis, dos quais elas seriam "abstraidas". descobrir as semelhan~as e as diferen~as u entre as fo~s;
Sii? o ohjctns 1\CnJ{vd!l que sc csgotam em esfor~os inumera- ela "consiste em apreender o que "quer" a ideia que se exanuna,
vcts e ~mporcnt CM pnrn reproduzir 0 brilho da Forma. A Forma e
em obedecer ao que se ve" nas no~oes- " .2
a plenJ tud~ cssencinl o. qual cnd.a objeto-imagem nao pode re-
As Formas constituem um conjunto organizado. Quanto ~
cortar scn:lo alguns t~n~os, qualidades usurpadas que ele nao
Forma do Bem, <:olocase no topo do sistema 1 3 . Ela comunica "
p~c guRJ(Iar por mutto tempo e sobre as quais nao pode ja-
mals fazcr valer um direito essencial. Urn marceneiro fabrica (38) Crut., 389 b .
uma lao~ddrn para tecer linho, outra para tecer la, uma para (39) E. Goblot, 1'raill~ de Logique, l)aris, 1937, 72.
(40) Tim., 49 d-e.
( 41) Soj., 253 d 1-3; Polit., 285 a 4-b 6.
(34) Fed., 102 b-e. (42) E. Brehier, Hist. de la Phil., Paris, 193!!, t. I, lu,c. I, l''ll I
(.35) Carta VII, 343 b-e; cf. E11tifr., 11 a. (43) "Em Platao ele (o Bem) ,n~ adquir~ ~~~~i\l: ."~" neelr tl
(36) Fed., 102 b fim. kma; ele e a ideia suprema; mas c amd11 um:1 JthJ:l (h. 1\t ~ll ' ' "'
{37) Rep., V, 476 c; Tim., 50 a-b. Phil. de Plotin, pag. 147).

42
lt'H I.t Il l h tllllil . t:XiStC:ncia e essencJ.a, mas eJa pr6pria esta "ain-
.f!l ~ll' 1 11 d11 "~ncia" 44
niio c a soma dos seres; tampouru c a rcsul~ante deles, ~ual
uma harmonia que resulta das cord~s de uma lira. ~a~ extste
'l't\tl-1 ~~ncia, identica a si mesma e diferente das outras n nao ser, ao mesmo tempo, em_ vu~ude ?csua propr1a e~tru
c I 111 hut. purticipa, pode-se dizer, ao mesmo tempo do Mesmo tura e no quadro de uma orgaruza~ao unsvcrsal ond~ se mte-
1 "" Purro. Alteridade implica rela~ao, e sao precisamente essas gram tOdas as estruturas particulates at. Podc-~e dizer, per-
1 hl\fk entre as Formas que adialetica tenta descrever. Em tanto que as Formas estao "presentes no" Slr umversal ~ 2 , que
Forma do Bern, "alem da essencia" , nao participa se-
llllt l l , (I elas ;stao " envolvidas" G3 nele, que sao suas "partlR" n. Da mes-
lllll) do Mesmo; ela e
a "Forma do Ser" donde procedem todos rna maneira na ordem do conhecimento que c parolcla .~ ~r
OS Seres cuja essencia e determinada; e a unica que deveria Set d m da realldade conhecer o Bern e conhecer "a essl'ncta sn-
npreendida absolutamente "em si", e nao como as outras For- te~rn" 66 com todas as suas "partes" mas e iguals:ncnlc. ultra-
mas, "os relatives", por urn relacionamento ~~. passar as, Formas para apreender o " p_rmcsplo
' ' ' ~-htpo tct sc0" G()
Se o Bern em sua transcendencia parece subtrair-se a tOda e "suficiente" 6 7 ,e abandonar as medJdas r~lat;~as, pa~a co~
tcntativa de defini~ao formal, ele pode, ao menos, ser sugerido, preender este absolute que e "a justa medtda } ou amda a
gra~as a metMoras. 0 Bern e o "liame" que " impede" as coisas exatidao em si" Gs.
de "se perderem" no fluxo universal 46, e " o Atlas poderoso e A relac;ao entre o Bern e as Formas eternas esta fundad~
imortal que sustem todas as coisas"; como o seu nome indica, no ser e subtralda ao tempo. Mas, com esta reserva, pode-se fJ-
"l:le disp<ie tOdas as coisas para o melhor"; "o Bern, isto e, o gura-la pela imagem de uma fonte que se derrama . e trans-
obrigat6rio, Jiga e contem tudo" n. Se as Formas sao ser, o borda num rio ao mesmo tempo, distinto de sua ongem, .da
.Bcm 411e "a parte mais luminosa do ser", "o melhor dos se- qual se afasta, 'e identico, gota a gota, ao jorro donde denva
rcs" , ou ainda "o que e perfeitamente Ser" 4 0 , 0 que pode ser e procede.
cniCIIdido - seja como o Ser na sua extensao total ( o Universe
Ittl II~(vel e o Universe visfvel) seja como o Ser na sua acepc;ao 3. 0 conhecimento das Formas
plc uu, o S r por cxcelcncia ( 6rmula que op6e, conjuotamente,
M' t dea11 I Ulll'lll, uo devir das coisas sensiveis, e o Ser melhor "Aquele que se aplicou ao amor do saber e aos pensa~entos
uu t 1 d d v11do cln~t Formns ) . verdadeiros e que exerceu, antes de t~do, esta parte de ss .mes
mo, obtera imagine, com toda necess1dade, pensamentos smor
I)~ tc\lll11 tu lndir11~ue rcsult:un duas ideias que nao sao
iii('OIItputfvd 11<'11111 r111 llJ'llrt:n in. 0 Bern aparece ora como a tais e divines, se conseguir entrar em contato com a . ~erdade,
oriJ(l'lll, Uh l U1110 () COiljunto Jc tudo 0 que e. :este ultimo as-
e na medida em que a natureza humana pode paruc1par d~
pccto 11 u dcv~: cr lntc rp:~.:rndo num st:ntido coletivo 60 0 Bern imortalidade, sera cumulado dela; ( porque ) ele rende. sem ces
sar, urn culto a divindade 511 .''

(44) H.rp., Vf, '09 b fim. - Ver sobre o Bern e o sistema das (51) Cf. P. Lachihe-Rey, loc. cit., pag. 89.
Formas, P. l.a~:hiczcRcy, l.t'.r /de(S mor., soc. et polit. d( Plalon, Paris, (52) So/., 249 a 1.
s. d., cap. II ,. I II.
(53) Tim., 30 c-d.
( 45) So/., .l''> d ,., :I.H 1>-254 b. (54) Rep., VI, 485 b.
( 46) Crtlt., 418 ,.,
(55) Rep., 485 b 1-2; Carla VII, .344 b 2-}
(47) Fed., % c, 97 c, ~~ c. (56) Rep., VI, 511 b.
(48) Rep., VII, 518 c, 532 c. (57 ) Fed., 101 e 1.
( 49) So/., 248 e.
(58) Polit., 283 c-284 d.
(50) Cf. A. Dies, Autour de Platon, t. II, p:lg. 560. (59) Tim., 90 b fim<.

44
45
1... 1.. ,,hi" r tuda partes do Ser, sem fazer, por causa disto, gado ao apagamento progressive do pcssoa dos. interlocutores.
thr tl , I Ill\'. - Oro, se a dialetica nao se confunde com as Tal tese foi sustentada por Romero ou por G6rg1as 6 {? :-Feu-
IIli i! 1 l~ llt h'" c porque estas nao consideram senao partes do co importa; examinemo-la nela mesmn, Re m .nos . delXarmos
. lu "''o "obscuras" 60 , porque, ignorando o Ser, nem ofuscar pelo prestlgio de seu autor: No L6r>o d1ah~t1co de uma
*'" 11 111 l' tdl'l'ao conhecer clara mente suas partes
61
. Como elas, pesquisa, Socrates exige: "Nao mats devemos, pr~ocupar-nos, d;
,11 I dt.JJ parte, primeiramente, em busca de uma Forma par- nenhum modo, contigo ou comigo, ou com Got{\IOl;, ou com Ft-
d. 11lM, lllllS e[a nao pode jamais terminar 0 estudo desta se nao lebo, mas somente dar um testemunho solene, sObre. a fe do r~
tll llli-!C, ontes, a Forma do Bem, a fim de compreender como docinio 66". A observac;ao mais profunda do F.ut,dcmo, atn-
K llgu ao Ser universal esta Forma de ser da qual ela buir-se-a a Ctesipo, a Clinias, a SOCrates, a honro de tC:-b pro-
rmprccndeu a defini~o. Pois tudo procede do Bern, e nada ferido? Nao foi ela antes "pronunciada" por " urn do~ d~uscs
pode ser conheddo, se nao for pela dialetica que, elevando-se presentes" a conversa~ao 66 ''? F ouco importa qual dos mter-
Ute 0 "prindpio de tudo" G2 , depois descendo de novo as For- locutores se faz 0 interprete da verdade que lhes e sempre cn-
mas particulates, refaz, na ordem do conhecimento, o movi- viada por urn deus. A pesquisa diah~tic~ e entrecorta?a de sole-
rncnto intemporal da processao. - For outre lado, a dialetica nes invoca~oes e de preces, em que sena pura pr;gm~~ ver flo-
niio c uma opera~ao conduzida segundo regras "dentificas" no reios litenirios, visto que o exame menos ate?t~ Ja detxa ~rce
interior de urn parntese que seria afetado, de fora, por algum ber que elas se situam em mementos de desanuno ou de mde-
Ml uul de valor religiose. E imposs{vel distinguir, no dialetico, o cisao, em que uma assistencia divina se torna necessaria.
"~bio c o crente; as Formas, os Valores que sao o objeto, de Nao podemos, aqui, ir mais adiante .no e~tudo do processo
:. u clltudo, nao lhe permitem, em nenhum memento, permane- dialetico. For seu entrela~amento de extgenctas e argumentos,
t cr "ncurro" . E isto nao significa, exotamente, decidir-se pelo ela parece misn:rar constantemente. a razao e a" fe. .~m cada
h n1 t>ontrn o mAl, pela "direita" contra a "esquerda" 63 , pela mo- afirma~ao essenctal, apreendemos, dnetamente e em .st , a For-
l itl tnulr II lkcnciosidade. Quase todos OS Dialogos, e verdade, ma que lhe concerne; o racioclnio, percorr;mos as vtas de pro-
I ltlhllll 1111 hvontlln1 problemas eticos; mas ~stes problemas nun- cessao, ligando tal Forma a tal outra, depots tal Forma ao Bern.
I ll I'"'' 111 tttcht 1111lll solu~ao pelo simples fato que nos agra-
0 conhecimento do Bem do "objeto mais alto do conheci-
,h nml ll lu nllliiM d bern do que maus. Jamais coisa alguma mento" 67, devetia renunciar, 'parece, a ~aletica combinat.6ria '
68
J >~lllr tl 1' lltltl .It Ill , , JKlr i11~0 que a diaJetica e Uffia den-
e nao recorrer senao a intuic;ao. A dialt~ttca, que e essenctalmen-
d .. , 11111 Ill"'"' " "'" 1 ll)llllllll, t: qtte clo 6 a ciencia do Ser. A te dialogo, eleva-se atraves das Formas at~ ao Bern, depois, ~
11111111\, 1141 JIJ.tt nllh IIIII, 111111~11 l~ Ulll fntO primitive; ela e deri-
partir dele, desce novamente. Esquematrcamente,. o ~onhect
VIId ll , 1111 ..... ll.t t il l qau 11 ~lr precede a exigencia e em que o
mento do Bern e uma visao que se coloca entre do1s dtscursos.
l 'lllll ll d l lll lllll olll ll ~lll II VIIIII IIJc c 0 nto. Quando nos ded-
Jimo.. p lu lltm t JWio:'l VuJorc , o csscncial nao e nero a de- Como conceber esta visao?
d!!ilu ruu1 ' "' pr~pdo!l, mas unicamcnte a realidade das For-
m tlll ~lilt" r lu1p1 n n6s, e que nos toma emprestadas as pala- ( 64) Hip. Mtn ,, 36.5 c fimd; Men., 71 d.
vrl\s pra 1Htk. """"' r;c. 0 succsso da pesquisa dialetica esta li- (65) Fil., 59 b fim.
( 66) Eutid., 290 e scg.
( 67) Rep., VI, 505 a ( c. Banquete. 21 .c. ). 0 sentido Je m1l1bcm~
(60) l~r:Ji., Vll, 'l U tl (,; C11rtt1 VII, 342 c 4, <: 2.
e em todo caso, fixado negativamente por Ar1st6telcs, fntgm. I '1 (vcr .1llh
( 61) Mtn., 79 b ~CM. ' t e, pag.
an ' 100, n . 197, cf. tambem F. M. Cornford' Plato amJ l armcmdts,
( 62) Rep., VI, 511 h. Londrcs, 1939, pag. 132 c ibid., n. 2).
( 63) Cf. Pedro, 265 c seg. (68) Pag. 43; cf. So/., 253 b-e.
ll7
46
,, IIIII "' ~I ll
pcr(eita", ela e, as vezes, de~crita na linguagem senao "com dificuldade" 78 Umn vll'l n tl vc ser logo seguida,
.111 htl It' tin d Eleusis 69 , desses misterios cuja influencia sub- na ordem do conhecimento por 11111 111dnd nio, na ordem da
,.lv Plutilo denunciou em outro contexte. Aqui, como a~o par uma im.itac;ao 70 Por ouuu lnd11, r 11111lgrado a impos-
lu tlh lltt'lul'nte acontece, temos uma "transposic;ao", para usar sibilidade de incluir o Ser absolute 111111111 ,/,.fiuit;ttO, Platio re-
11 1 pll 11ilo conhecida de Mons. Dies. 0 conhecimento gradual clama cxpressamente em termos que lernhrruu o 111~toclo da ~i~
In 11w mns, depois do Bern, que o Banquete descreve como uma lctica combinat6ria 80 , "que se circunscrcvn, tlllr umn dcfmt-
l11h l11~1 o m(stica pode expor-se, alhures, de urn ponto de vista c;ao, a Forma do Bern, em a destacando de tl\tiiiJt 11 outra.s
1urrodol6gico 71 ou politico 7 2. A ideia de que a alma toma con- Formas". Ora, isto nao e, parece, 0 oHcio de ll lf\n vi . n ('Xt~tl
Into com a realidade ( ideia que desabrocha na imagem de uma ca, mas de uma ciencia rigorosa, vista que scd11 IUt' I o "~ro
hierogamia com o Ser supremo 73 ) e aplicada, scm valor mistico, var contra todas as objec;6es" 81 a Forma do Bcm l~tl11 1 "cl<:
ao conhecimento das Formas em geral 74 A metafora da visao e finida".
igualroente relacionada com a inteligencia de tOdas as For- Nenhum dialogo tenta o conhecimento do Bern. 'J'I)tll\!1 h-1
mas 76 Em particular, a "visao sin6ptica" do Fedro correspon- nao se aventuram a isso senao e tao lange quanta dl1"n t~ll\
de, nos DitJlogos, a Defini~ao, isto e, a urn nfvel onde ainda se necessidade para conhecer tal Forma particular. :Bles o con11c
esta lange do Bern. Pode haver visao de t6das as Formas, guem chegando ao "prindpio an-hipotetico" 82 , o qual, scm <h't
isto e, apreensao imediata do em si, e nao relacionamento. Cada vida nunca e definido em todo seu "brilho" 88 , mas "suficien
vez que o interlocutor admite uma exigencia essencial ( exprcs- tem~nte" sot, entretanto, para terminar o estudo da For~a par-
samente dispensada de qualquer prova, de qualquer "argumen- ticular que era a unica a constituir o objeto da pesqu1sa: 0
to") 76 , ha visao, tom ada de cantata com a realidade ainda Bern ilum.ina tOda pesquisa dialetica; ele nao e visado, dtreta-
que o dialogo escrito seja obrigado a traduzi-la em 6~~ulas, mente, por nenhuma 85
a conceitua-la, se se prefere. A intuic;ao esclarece e sustenta a
dialetica em todos os seus nfveis.
(78 ) Rep., VII, 517 b lim.
Toda Forma pode, pais, ser o objeto de uma visao assim ( 79} Rep., /oc. cit., c 1; VI, 511 b ; Banquete, 212 a.
como de urn racioclnio. 0 mesmo se da com o Bern. :Ele e (80) Pag. 47, n. 68.
apreendido por uma visao, que custa a v.ir 77 , e que nao se obtem ( 81) Rep., VII, 5.34 b. fim ; c. - Ver Les Dial. de Plat., S 4 c:
passim.
(82) Rep., VI, 511 b 67.
(69) Cf. P.M. Schuhl, Essai sur la Formation de la Pensee grecque, (8.3) Cf. So/., 254 a 9.
Pnri~, 1934, pag. 205; Platon et l'Art de son Temps, Paris, 1933, pag. 43. (84) Fed., 101 e 1; Polit., 284 d .3.
(70) P. Boyance mostrou que nos charlataes orficos de Rep., II, (85) Sabesc que a tradi~ao ulterior veio a distinguir tres caminhCia
lM b c nito visados os iniciadores de El~usis, Le Culte des Muses, Paris, para chegar ao conhecimento de Deus c que ela atribuia a Platii? o m~
I'H7, Jlll 21 seg. e Platon et les Cathartes orphiques (Rev. des Et. Gr., rito dessa divisiio (p. ex. Albinos, Epitome, X, 4-6, ed. P . Louts, rtill
l'll.!, J.V, Jl~fl 217235). 59-60). Aqui, como alhures, parece que o platonismo encontrou C'tn 1'111
( 71 ) ( .'tlflll V ll, 342 b seg. tao uma inspira~o mais do que uma doutrina. A~sim: a an~lt11ia 'I'"'
(7.2) Rrp.. VII, 522 c scg. aplicada a Deus, niio pode nunca ~b.egar a urn parad1gma J?Crf~1tu, J1W<IulA
('II) IIIIIIIJIIt'fr, 212 11. um conhecimento totalmcnte insuhc1ente e deve, desde o 10lc111, IJIUln M'
na e ( cf. Le Parad, dans Ia Dial, pl., em particular S lR, n. ~II; S '141) :
(71) Rtp., V I, 4?0 b: l'rd., 79 .1.
0 extase niio pode ser encontrado nos Ditilogos scnio pur 1111111 intcrpu
( , .. ) , ..,.,,,, :N7 ,, M'j:. tat;io literal da imagem da visao; ora, 0 conjuntO do~ ni,ltllf.IH (')Ill' 1'('11\
(/h) 1'. I' X. So/., :U"i I; l'il., 2~ !: (im; 'l'im., 2~ n. pre visam a soluc;:ao de urn problema preciso; Ulna mc~m:t !IC.."<;;,., Ja UnlUI
(II) C;,,,,, V 11, 341 c-d, 344 b. (Rep. ) compreende o conhecimento das Formas e do Jkm) Nc t)prc Cl

49
Ill ftt "'" 111111:1 hmge. As Formas, sob a a~ao do Bern, "perpetuamente" seus racioclnios a "Forma do Ser" ss. E isto
I llfut.l. 1111111 conjunto coerente. Nao tendo descrito o nos da a medida do conhecimento do Bern. Nao se tem dado
h I ' "" lf\IC, sc Platao era verdadeiramente este meta- suficiente aten~o ao fato de que a inicia~ao perfeita descrita
1111111 llltllt l' COmO Se diz as Vezes, nunca deu ele um en- por Di6timo e expressamente referida ao futuro; ela se apre-
llh!ltt 11111 11lldo s8bre ~sse sistema? De fato, cada dialogo senta como um anlincio, como uma promcssa. Do conheci-
tt I hdr de n6vo, por sua conta, fragmentos deste sis- mento perfeito, "do fim em vista do qual" conduzimos todas as
It hl , "' podcr, de maneira alguma, beneficiar-se dos frag- nossas pesquisas, o Fed1w 87 coloca no alem o cumprimento. Oni-
"'"'' '' , Hcrn, em particular, das dicotomias estabelecidas pelos camente a alma separada do corpo e libertada das servldoes da
I Htlllll\1111 precedentes. E alem disso, tanto quanto o Bern, o Caverna, vera as Formas face a face. 0 il6sofo devera assumir
lah ' IIIU dns Formas nao e buscado de uma s6 vez. Mas aeon- essas servid6es e, assim como nao lhe e permitido antecipar,
It l 110 dl!cor~er da pesquisa, que, para definir tal Forma par- pela morte voluntaria, sua liberta~ao, assim tambem ele nao de-
llculnr, C preClSO desenredar OS fios que, atraves do sistema, veta antecipar nero crer advinda a inida~ao perfeita. Talvez
u ll~o~n m ao Bern. seja por isso que 0 platonismo e antes urn metodo que uma dou-
lnstnlar-se no cora~ao do Ser para daf deduzir o sistema trina, ou mais exatamente, a pesquisa incansavel de uma dou-
CXIIU~ livo c fixo ne varietur das Formas que dele procedem e trina que se CJe e se sabe fundada imutavelmente na realida-
t~nnclo sc prefita, "desmedida" ou escolastica; e, em todo ~a de, mas que nos e sempre antes " proposta" que "dada" e que
(), c ls to dcsde Xenocrates, o abandono do platonismo. Acres- nao nos cabe fixar. ~ assim que cada dia.logo acabado chega ao
cntemos logo que, se Platao jamais tentou fixar as rela~6es "prindpio suficiente", e entre tanto "a medida" dos col6quios
!.'Ill ro llS Form as num con junto coerente e imutavel ele nao dialeticos e "a vida intelra" 88 A ascensiio para o Bern e a vi sao
t ~Hu urn s6 instante de crer a realidade deste sistem;. Mas o que a coroa sao "suficientes", em cada caso, para fazer-nos resol-
i onltcd m~.:nto, para n6s, nunca esta acabado; o fil6sofo aplica ver o problema particular, de ordem te6rica ou pratica, donde
partimos. Mas elas nunca sao "suficientes" em si, e nao tern ne-
. ,, hllo 11 1~~ ~1~ Ui ~obrc a transforma~o, gra~as, unicamente, A qual 0
cessidade de se-lo, porque, em nenhuma "descensao'', estamos
llr 111 11111 II ld~i1 h\1Jircma; mas ~ ainda uma id~ia") p&le dar nasci- obrigados a resolver todos os problemas poss!veis. Enquanto o
'"'"'" "'' ml~tl.l.,llli ploil ninno, ver o cap. VIII de La Philosophie de Demiurgo abra~a, numa linica visao perfeita, o Bern e o sistema
1'/ui/H ' '' I lh 1.1" 1 11111111, o\ ni!M~iio, se se deixa de lado o Parmeni- das Formas, e cria, por um ato Unico e total, o conjunto do Uni-
,1, Ill olll h lfl, , 11l j lll'lh ('lrn uma cxplora~ao doutrinal, p6de recen- verso visfvel, n6s estamos adstritos, ap6s visoes imperfeitas inces-
t .... Ill I u, '' ol IIIII u du lJ,IIlqllete ( A.-J, Festugiere, Contempt.
l I , I'AII ' ''I k l, 11111 r' &:cfiu que ~sra passagem queira subtrair o santemente renovadas, a descensoes pardais e que precisarnos
Jl,f, t II '''' 'll'lll l.t" 11 t(l. l~ "ddinl 5o'? Ela se limita parece-nos a constantemente repetir.
111 vtult 11 11 111111 lv,, dtllll li'lt que, t tis como os "refinados': de Rep. VI a
'tl' It /It '' ltntelllhun" Wunttlfctc, 211 n 6) o Bern supremo sob for~ d~
clln1l11 ' " ' ,1~ l11t rlht tiCin , w uuliva, alids, que ~ coodenada desde os ditf-
Nero a visao de Deus nem a teologia 89 estao disposi~iio,
ou mesmo ao ancance do homem. Mas particularmente, a uti-
l"ll'" tllloot "'' ttltl ..1" (d. u s Dial. de Pt., SS 38-39); de fato a Repu- liz~ao do mito jamais implica, em Platao, numa inten~o teol6-
hllftl prciC' na nrulc '\Juc sc dcfina" (e acrcscenra: "pela d~fini~o"
VII, 'H h 'J) " ll11n, r. ftmrticulnrmcntc instrurivo, para RK <1rigeos d~ (86) So/., 2.54 a 8-10.
toologl11 ' .tplo~ltrh . 1 lllllf o.lttlr Rep., VII, 534 h 9 com l'o/il., 258 c
4-1: 1 Jet ini\111 1111r "crpo1r1" a JJ/in du lkm "d hiliuR "' uutl'nK" idc!ias (87) F~d ., 67 b 8-9, rexro exatamente paralelo a Banquelt, 210 c
d~vcr.n prOCcxlt'r, ~~~~ tlt'vloln, n tmn o ml'tudo d, tlcflnil,'tiu dc~~c:rilo no .5-6. Notar rambem a ideia de "esperan9l" na Rep., .517 b 6 (496 c 3,
P~llllco, por rclaclmltJiflt'll/!' ( cf , u Jlnrotl. tlmtt 111 Vitll, pl., SS 23-24 ). d. F~d.,
114 c 8).
NRo c ccrtamcnte umu dcliui\'t t1 do llrrn "tm Ri"; u!~lm, cl:1 dcvc scm- ( 88) Rep., V, 4.50 b fim.
pre rdnzer-se, porquc vnlc bem muis pclo csfik~o que a fl!2: nascer do (89) Sobr~ Leis, X, d. p4gs. 126 c segs. - Na Rep., II a teologia
que pela f6rmul11 a que chcgo. ' (379 a) e csta parre da mitologia poltica (ibid., .382 d 1) que represent&

50 51
Kl t~ 1 u.. 11 htloloo 111 p~e.; se pode chamar a teologia de "nega~iio
it t hlflll'. 1'''1 11111' distinguit entre o sfmbolo e a significa~ao
11 II. - A Pnor.n!i\o
1l11 f111l ~ Ill , 1i! lt' dcfini~ao, ultrapassar a religiao. . . e conde-
Ill!! I 11 11 llr I ~omouma confusao do pensamento" 00 . Enfim, 1. Causalidade das Formn.1
lil i H rt ii PIH r ur nos Ditilogos tais ou quais provas da existencia
1~: I} II arrla precise querer encontni-las neles. De fa to, trata-se As Formas sao a causa da gera~ao c da corru~ao 02 0
, 1111I de exigencias essenciais, admitidas, porem nao ptovadas.
Ser e a causa do Devir. Como conceber cstn t:uusalidade das
I l'rlll'u, pot exemplo, nao ptova Deus pelas causas finais, em
Formas?
r o11dusiio de suas pesquisas sobre o Universe; admite, de vez, Como "formal" antes de tudo, e se esta e
liJl'\U tesposta
lltl "causas divinas" como urn prindpio com a ajuda do qual "ingenua", e tambem, ' em alto grau, a mats
- " segura '' "'''. Pode-
l:mpreende estas pesquisas 01. Estas exigencias, onde nao se de- mos, ptimeiramente, imagina-la como a a~ao da Forma da C~
vern ver asser~<5es teologicas, nao sao nem provadas nero bus- ma sobre o marceneiro que fabrica uma cama concreta. lnlet-
cadas em ultimo Iugar: de antemao aceitas pelo homem de boa ramente .voltado pora a Forma que devera "imprimir" t 4 il ma-
natureza e de boa vontade, elas sao pontos de partida. teria o artesao nao e nero o autor desta Forma, nero m_esmo da
c6pi~ que tra~a dela. Sua habilidade pessoal parece mv~ntar,
combinar usar de astucias com os obstaculos da matena OG;
ela esta i~teiamente ao setvi~o do Modelo e de_te!minada p~las
os de uses (380 c 7, .38.3 a .3, .386 a 1); as outras tern por objeto os de-
rnvnios, OS her6is, OS habitantes do Hades (III, .392 a). Os dois modelos
(379 a, .380 c, .38.3 a ), que inspirarao a theologia, sao derivados de duos exigencias da Cama inteligfvel. Uma vez deCidtda a . fab~tca
exifl.i!ncias ( unicarnente as quais se poderia atribuir urn carater " teol6gico" <;ao de tal cama, assim como nao dependeu do rr:arc~ne_lto una-
e niio a esta theologia, mesmo depurada, dos poetas) que se podem assim ginar sua Forma, assim tamb~m. nao depende dele tnuta-la de
r crumir: Deus ( norar o singular ) e born e imutavel ( 379 b, 381 !x).
uma cetta maneira, de preferencta a outra. Semelhante a ~
lli to~ sao "exigencias essenciais", assun~oes feiras , nao para dogmatizar,
m~A puro dirigir os poetAS. Elas reaparecem no Timeu (29 e 1, 42 e 5-6), in terprete, ele nao comanda nero seu ,t,e~to, ne~, sua tradu~ao;
t\ ('ttll'clnnru, "dcscobrir o auror e o pai deste Universe, e uma grande supondo, bern entendido, que traduza ftelmente . Mas depen-
f.t~tWI. .. , C llffill VtL dcscobertoe irnpossfvel divu)ga-Jo a todos" (28 C de dele traduzir ou nao traduzir; a von~a~e da Fortn~ reclam_a
tt.ttl 1! \lllud ), 0 te:uo ~<lbfc o Bern muito mais explicito (509 c 8-10)
e 1

uma obediencia fiel do artesao que quer tmthi-la, ela nao o obn-
r url" ll" mr '"'' 1.1111 fcrv\tr que o gmccjo de Gloucao chama imediatamen-
te 11 1111 II\ u ( ' 0 1) ~ t >m,) pOn fuc c:ln n;io convctn ao tom da conversa ga a querer imitar.
c, 1<-llll ' IIJdu, I'MIHju c. ouCcn nn Jiscurro utJI caruter de seriedade e urn Escolhamos pois outro exemplo. Pot que _Socrates prefere
vnl111 LJIIr ..llw111 uult otlllriHQ 1\<1 nl,jc-ro, BCJllpre irnperfeitamente aringido,
vi~ndn pc:olu J J,rw n c.p. V ll, H6 ra-e oorn o cornentario e a referenda a a morte a evasao? - Negllgenciar aqui a causaltdade formal e~
J:,.,Jro, }.f(, c, tic Jl.. thurulu y); c, entrc ranto, S6crates se profbe, expres- proveito da causalidade "Hsica" e alegar como causa a const_t-
SUIIll'lltc, fttlur Ju "llrm c:'rn Bi" (.506 d-e). tui~ao fisiol6glca de Socrates, seus musculos e se~s ossos, ~ena
Nt> 1-ttunte, o c&scncl]ll c vcr o e:;pfrito dos textos, porque, em se- "demasiado absurdo": "Ha urn born tempo, ~~agmo, que estes
guida, 111 tmstuc:~~ de tciminologia importarn pouco. Assim W. Jaeger ossos estariam do lado de Megara ou da Beocta, trans~rtados
pade inthul11r 1111111 de suas obms: Tbe Theology of the Early Greek Phi- pela opiniao do melhor, se minha opiniao nao tivesse stdo que
losophers (Oxford, 1\148), tcnJo cuidado em precisar: "It goes withour
saying that lhe tttn~ "(;od", "the Divine", and "Theology" must not be
understood hcte iu llwir lult'l' Christian but in the Greek m:nsc. The
history of the phil05opltk:tl tltt~olo~y of the Gn:eb is the hi~tury of their (92) Pag. 20, n. 7.
rational approach to the nftllll'l' of reality itself iu its succc~sivc. phases" (9.3) Fed., 100 d .3-4, 8.
(pag. V).
( 94) Crat., .389 c 1.
(90) R. G. Collingwood, Speculum Mcntil', Oxford, 1924, pag. 149. (95) Cf. Polit., 294-299. S6brc cste aspecto invcntivo c cz:hdor d,a
( 91) Tim., 68 e seg.; cf. 29 a. imita~ao, vcr Le Parad. dans la theorie plat. de /'Action, S 10 ( Rev. Et.
Gr., LVIII, 1945, 141-142).
52
II lttl 111 11 ltl il l.lclo submeter-me ao julgamento da Ci-
a~ao precisa, e preciso que haja materia para a a~ao, uma si-
1 II 'I"" Ju I fill Hhsc: ~le 00 , do que fugir e evadit-me". - tua~ao e materials onde se possa im:crever a imita~ao . Se per-
corremos o proc~so que do Bern em si passa ao Bern co-
loll ... llllnlle<:c, pois, em prisao, e porque ele 0 quer,
1141 I 1. ttlndo: porque estima que isto vale mais a pena.
nhecido para resultar no Bern imitado, c claro que a ruptura
'""'" ' Ill JlOI'que 0 Bern 0 quer assim. S6crates nao e mar-
se coloca antes da terceira etapa. Continua sendo sempre vet-
11 t... Lilllhcccndo a Forma, ele nao e, como o artesao, livre
dade dizer que a imita~ao e ordenada, c causada pela Forma;
Jlii i M hultur ou para fazer outra coisa. Impossfvel conhecer a
Socrates nao e livre para esquivar-se a vontad~ do alto. M~s
l 1111tlll do Bern sem imita-la 07; e esta impossibilidade e uma
esta vontade nao o leva a prolongar o conhecimento em a~ao
Ill ullducle constrangedora. Nem mesmo se deve atribuir a "sub-
senao porque ela encontra, para acolhe-la, urn receptaculo.
m iM ll uo juJgamento" a alta moralidade de S6crates. S6crates
II I) tern propriamente nenhum papel nisso. Sua atitude e, talvez, A cxistencia da materia, de urn "Outro" que as Formas, esta
de oLcdJencia em rela~ao a Cidade, porque e possivel desobede- irnplicada tanto pelos atos humanos como pelo Universe. 0 Ar-
' ct hs leis. Porem em rela~ao ao Bern, ela e sujei~ao absoluta tesao divino nao cria ex-nihilo, limita-se a "tomar essa massa
c: cxclui t8da escolha os. visfvel isenta de todo repouso, rnovendo-se sem medida e sem
: assim que as Formas agem s6bre nossas obtas e nossos ordem' para conduzi-la da d~sordet;n} ordem; p~r~ue ele, e_sti-
utoll, e e a uma a~iio an:lloga que e preciso referit a genese do mara que a ordem vale ffiUitO ma!S 100 S~ ex!stlssem u:uca-
Unlvcrso visfvel. mente as Formas, nao teria havido nem Demmrgo ne~ Uruver-
so visfvel, assim como S6crates, se tivesse perman.ecido alma

desencarnada ou se uvesse 'do "Ionge d e sua pa'tna " 1 0 1 , ter-
VIVI
-se-ia contentado em filosofar, sem jamais pensar na a~ao.
2. A Materia
"0 Dualismo em Platao" 102 e constante, do Fedao ao Ti-
A A\l 0 Jo Dcm s6bre a alma de Socrates e irresistfvel. Mas meu 1os. Poderia fazer-se uma tentativa de reduzi-lo 10\ e, co?t
nrru J'"" I 110 c &tn alma ~ menos necessaria para que ela possa efeito, Ionge de ser uma "substancia primordial", a ~aten a
tunnlf, IIU c, pnr11 que ela possa agir. E pteciso igualmente platonica e nao-ser, nao possuind?, antes de softer a a~ao das
.. I '
. , I lllltRlll t l {1 e~lCR ossos", para que Socrates possa obriga-
I ' Formas nenhuma q ualidade pr6pna; seu papel reduz-se a foroe-
,,.. 11 Jt t 1111111 1i I' lln lug111; c preciso Atenas e a prisao para cer wn '"local" para as coisas que nascem e, an.tes ~es~o de ser
11du l''"""'"llll l , ~ ptttlso mcsmo Megara e a Be6cia: para tomada em maos pelo Demiurgo, ela recebe a mfluen~ta or~ena
Ia( Ill II h . H J llt ll~o u lllt!t-t':ll~() c 0 julgamento, e preciso, numa dora das Formas 1 ~ . Pia tao dirninui ao extremo a conststen~ta da
pNII4vht, 11 lllhllu~,., 111111 ntn n tl quo! S6crates se encontta. Acres- matecia e sua coopera~ao para a obra das Formas; talvez uvesse
l.<'llllllldo t~t A ' ''"~ullclncll,l do lkm, esta situa~ao concreta e, em sido l6gico ir ate ao fim e traduzit a supremacia das Formas
cc:tlo wtl.l.., 111nl hup111'lnntc que a alma de SOCrates para ex-
pllu r 11 lr1 l1 u de S6c11ucs. E esscncial para o Bern ser e ser ( 100) Tim., 30 a.
mtc:llglv~l. ~ t'ut: nd I rnra o alma do fil6sofo conhecer o in- (101) Cf. Rep., VI, 496 b.
tc:ligtvel
811
a ltultt lu f1Cio Hnhcr que ela engendra ao scu con- ( 102) Cf. S. Petremeot, Le Dualisme chez Platon, les gnosliquts
tato ; nllll J111 t d tjiiC ~Ill imit:l~ao v~ ate a a~u c Ute tal et les Manicbeens, Paris, 1947.
( 103) Ver o eomentario de F. M. Conford, Plato's Cosmology, Lon-
( 96) PtJ., !J!J 11 . dres, 1937.
(97) R,p., VJ, .')OU ,. toll. (104) Ver o artigo de M . Gm!roult, "Le Xe l~vrc Jcs Lois et l.1
(98) Cf. Cri1., 54 <I -1-."i. physique platonicienne" (Rev. des Et. Grecqu~s. XXXVII 1924, p~gs.
(99) Rep., VI, 490 h. 27-78).
( 10' ) Tim., 49 a; 53 c seg.
54
i(lf,, H Mll ' '" put uma deriva~ao desta Ultima a partir claque-
'" M.. 111t11 llllrcce que Platao tenha querido tirar essas cop.- pela processao. A causa ennnt 11110 c 11t ru, romo urn elemento. ir:
rlll "' "" tlllllldO ele, a dornina~ao das Formas nao e absolu- redutivel, num plano divino de .u io\no; d u tampo.u c? co~sutw
' " ' II N I r~ddnde nao se deixa persuadir inteiramente l OG. a condi~ao necessaria de uma cwu;uo ~IIIC Deus ten~ unagmado,
() lfnivcrso visfvel nao e seniio uma "imagem" 17, e a c6pia li
vremen ,
te como " a melhor possivel' '. P11r ,on1-cgumte, de pre-
r IJ 1 0 d do "
"""" ' IMuola o seu modele. Por que criar, entao, imita~oes cuja ferencia a interpretar, com grande Jt l t.ll "\~~ o r. ena_ ~
l.. oududc e derivada e, se medida a luz do Modelo, defeituosa? - do Universe como urn criador todo-poJcro~t~ .. precrso msr~
l'trque, precisamente, a imita~ao nao e criada, mas imposta a tir sobre sua a~ao puramente ordenadora. <..otuo l\ matena
Matl!ria. Nao e a perfei~ao do Modele, e a desordem da Mate- faria parte da cria~ao divina, vis to que e a penn ( p:trll trans-
ria que deJa aproveita. E para a Materia que a ordem "vale e
per narrativamente 0 que intemporal) a caUS(\ OCdlliOn n~ dela,
mais". 0 Universe visfvel nao est3 em estado de queda, por e que nem mesmo c~ "causa material" ( o que _ pt'C: . urn
_ I UJ)()rtft
.
ter-se destacado, culposamente, de uma perfei~ao original; ele d ignio e urn plano; ora o Deus de Platao nllo crto com a
e:teria e por que encontra a materia que ele a ordcnll) .. Nu
:edida 'em que se pode falar da "cria~ao: 11 8 de uma c6pw, c
nao era, primitivamente, senao desordem infinita. Tampouco
o Ser cria uma materia para nela mirar-se, para povoar sua so-
lidao, para ter urn "Outro" ou outros, a quem fazer partilhar, precise dizer que ?eus niio cria a malerra; e para 0 bcnr du
no estado degradado, sua perfei~ao. materia que ele crta.
Deus nao e a causa de tudo o que acontece los. Mas a resis-
tencia, jamais inteiramente reduzida, que a "causa errante'' opOe
~ a~ao divina, nao limita, segundo Platao, a soberania de Deus. 3. 0 Demiurgo e a Alma
0 niio-ser da materia desordenada esta fora de Deus ou, segundo
a expressao do Timeu, Deus esta "ausente" dele 100 0 Ser nao :E precise a alma de Socrates para que o Bern seja conhe-
e, por conseguinte, todo-poderoso, neste sentido em que nao e cido e imitado. E precise o artesao para que a Forma da. Cama
bastnnrc force para absorver em si o nao-ser. Ou melhor: e o seja imposta aos materiais. :E precise, para que ?as~a o Umverso,
Dcvir que ni1o ~ode recebe-lo inteiramente 11 0. 0 "poder" de uma alma ou urn artesao. 0 mito (que e o ~nrco a p~er aven-
114 )
DeU11 cscd f-undndo csscncialmente no seu ser e na sua perfei- turar-se a, descr1r-
~a o do Devir ' ao
. refenr o. nascl!Dento
'' do
~ao '' , c n1o ~c tttldllz cni o sccnnd~riamente pela irradia~ao e
1
mundo ora a uma Alma, ora ao Demturgo 115 , stgru tea sempre. a
mesma causa, posta ao servi~o das Formas. Est.a c.ausa esta longe
de ser negligenciavel. Entretanto, ela nao se msm~~ como wn
( J06 ) 'fl'm .. 118 n; c(. Co I'll ford, toe. cit., pilg. 163 seg. terceiro termo, entre o dualismo: Formas - matena. Do Fe-
( 107) 1'im., 29 b J-2.
(ws) l<tp., rr, 379 c.
(109) Tim .. 53 b J. ( 112) Taylor e, num sentido idealista, . Archer-Hin~; - Ver !,m
(110) Jlol/1., 269 d fim-e, cf. Rep., HI, 403 d 4-5; as restri~<ies im- be alem do comentorio de Cornford ( cf. laylor, Th.! Polytheum ~1/
postas A pcrfciciio da atividadc demiurgica (p. ex. Tim., 30 2, 46 c 8, p:,~: an apologia, Mind, 1938, ~LVI~, pags. 180-199, e .a res~ta ~
53 b 5) devem Her ~mprc enrendidas a partir da Materia. Cornford, sob o mcsmo tftulo, ibtd., pags. 321-330), '? Gilson, L Espr1
de la Philosophic MtJtlif:vall!, Paris, 1944, em particular! ~ ~~
( 111) Cp. Rep., Il, 379 n fim-<:. Banquete, 203 a 2, Ttct., 176 a 68-69 e para estabelecer urn paralelo: " Platonisme et ~1stlllmsmc ,
4-7, Tim., 41 c 1-3. - A onipotcncia c atrihuto perij!osamcnrc equfvOcO Schaerer, Dietl, /'Homme et la Vic d'apres Platon, Neuchatel, 1944, P'SS
e nio assume nenhum valor scnao a pnrrir do Bern ( G'6rg., 466 b seg. ); 171 seg.
ver tambem Brunschvicg, Progr~s de Ia co11scicncc, I, plig. 30. So!mscn
nota com razio que o Demiurgo age por pcrsuasao, nao pela fdr~a (Platon's (113) So/., 219 b 1; 265 b 1.
Theology, pag. 112 ). (114) Tim., 29 d 1.
(115) Leis, X; Tim.
56
,, ll ' " I bN~ti 11 ", u D~vir
e produzido pela "causa" e por "aqui-
uausu nao ~er~~ ~ausa" 11 ~, pela Forma e pela Ma-
p()e o movimento. Vida e movimento estl'io, por conseguinte,
'" Ill 11 Ill II
compreendidos no "Ser universal". ~~ vida e movimento s~
l I he A '"'"'' ou o Artesao alinham-se ' nesse engajamento "do
p()em uma origem comum: a alma. Tnmh6 n cia deve ser atn-
1.-tl" .r,,.
Jlunnos e "s?stentam-nas'' 11 8 tiio fielmente que mal se
bufda ao ser universal 127
,11 lllti lll'lll ddas; mats ou menos do modo como 0 generoso
11 1111 lllu <.ol6rico de nossa alma e tiio "naturalmente" 11() subme- A Alma, segundo a opiniao Wlanimc do nnti11os 128 , da ~o
elt ln i\ t'n:tuo, contra ? principio passional, que se pode, falando vivente que ela anima o movimento e a scnsn 1 o. Talvez nao
IIIHJbt~ftmente, reduztt a tripartic;ao da alma a uma dualidade haja nisso senao urn simples fa to de experiendo ( os tJi!rcs qu_e
I C11CJol 120, chamamos vivos possuem a faculdade de mover :.c c n de sent~r
ou refletir ), sem que o Harne entre estas dua11 fncul<.ln<.l ell StJa
Esta alianc;a natural vai, as vezes, ate uma identidade de
natureza. 0 artesao divino modela o Universo a semelhanc;a do apreendido como necessario. Em todo caso, a. alan..a nth, podc
12
Modelo l. Mas, em outro contexto ele aparece como "o exercer suas func;6es senao em relac;ao a um objcto que c:l11 per
. , 12 2 d u . " ~ cebe ou conhece e, parece, em rela<;ao a um corpo que c:l11 liluvc .
P,at o ruverso e quer que as cotsas nasc;am o mais pos-
s(vel semelhantes 1 23 1
a si pr6prio" 24. Por sua func;ao de mo- Imaginemos uma alma que seja pura inteligencia.. Niio tendo
d&Jo e de pai, ele parece identificar-se as Formas 12c;. corpo para mover, esta estaria ain~a, e~aA p~6pna,. ern. movJ.
mento, pelo unico fato de exercer sua mtehgencta; A mtehg~_nclo
. 0 Modelo inteligfve1, segWldo o qual o Demiurgo modela o age sobre o objeto 129 , move-se para ou em torno do objeto,
Umverso, e chamado o "Vivente absoluto" 128, Ora, a vida su- mas com um movimento tao perfeitamente ordenado que, em scu
mesmo mover, ele reproduz a estabilidade do objeto 180 Supo
( 116) Fed., 99 b com., Tim., 48 e seg., 50 c-d. nhamos agora esta alma inteligente em rela<;ao com o corpo. Ela
( 117) Fed., 99 b com. lhe imprimira seu movimento pr6prio o~, se preferi~os, prolon-
( 118) Cf. Rep., IV, 440 b 3; 441 a 3. gara o movimento de conhecer em movtmento de agtt. E sem-
( ll9) Rep., IV, 441 a 3. pre a alma que e "o prindpio do movimento" 131 , quer se mova
( I .w) Rep., X, 602 c seg. ela pr6pria quer ponha em movimento um corpo; mas e o ob-
( 1.! 1) Tim., 30 c. jeto conhecido que determina e dirige o movimento inicial e o
( 122 ) 1'im., 28 c 4, 37 c 7; Potit., 273 b 1-2. movimento prolongado. E, sem duvida, nem todo movimento ~
( I~ ) Pura uma crltica deste dup/o aspecto, ver B. Foster, Christian
IIJi of/11/iYrmd modern s~ience of nature, Mind, 1935, XLIV, pag. 444. _ Modelo as quatro Formas que se propoe estudar. Mas este Universo abron
I.
1
1'' IIIIIlliC~lWI' oren~ao ao fa to de que a metafora do pai apresenca dois ge o con junto do Devir e consti~ui o palco e~ que se vio. apresentar os
11 1 11 lllicnJo :\ For~ ou ao Demiurgo, ela denota a causalidade
11 1
tilllt l
reflexos de tOdas as Formas, quatsquer que sejam. 0 mode.Io quadrupla
l"111111l, 1 tu~ v~lo modelo s6bre a mater.ut; aplicada ao es ideo ue mente precisado de acordo com as necessidades da exposi~o, e, ao mcsmo
Lurdto:~ 41 ( lllllltllll tt, 212 a; Rep., VI, 490 b) ela denota a tra~spare~
J lukl ' 111 l11~~u 1\ 1'-'ocmas: a alma, ao coa'tato do real engendra o co-
tempo, "o mais belo dos seres inteligivei.s(3? ..
d ~-~> ou ainda "o Dc:us (?)
inteliglvel" (fim), " o mais belo dos seres. tntelig~veas e, em cudo, llefiC'l
nllt'l.unc-uha II ll~olO \ jUC lhe sao "conformes". I
to" (30 d) e parece-nos diflcil niio identihcalo ao Bern, ao mesmo trmaoc
( ll.of) J IHf,, J') C,
que o con)unto das Formas que dele procedem. Cf. tamb6n )7 I' to,
( 1.2' ) I IHf., ,ll , d J . onde o Mundo c dito: " imag~m nnscida dos deuses eternos" (c lllllle c1
(1 126) It ' I~ uauu rua tiio ubcrra saber sc t-Jtc mode.lo
'l'IIH., II preciso manter o texto e seu sentido 6bvio, isto e, as Formu; d. A. IU
"~111P '11llc a~~~~~rflh 14""''" l Jli'o:i'-' If,: "viVI'Hll~ iutdiKivcis" (assim vaud, R. E. G., XLII, 1929, p~g. 466).
Corll~orc.J, lor. "': J., g. .JO Il ), uu !f.C ~If' nuupn'\:udc u ~i~1c1na inteiro ( 128) Arist6teles, De anima, A, 2, 403 b 24-27.
d111 1 ornaos orgtiJU.atl.laa y~Ju Uc:uo. A~ rluus ilLcrln'clII,'VU )()()cm apoiar- ( 129) Sof., 248 d seg.
1
-se no; tcJClO!I, c ~~ena duvulo " ' o 1e 'k-ve s:t.:rili<:m ncnhum.t delas. Rela- ( 130) Leis, X, 898 a; cf. Tim., 29 b seg.
tando gl!nese do UJ)ivcao, Pluliio .Podc contcotar-sc em inscrever no ( 131) Pedro, 245 c, seg.
58
hU htt 111 "" ,UIIJ(Itlo. Mas, do ponto de vista da alma subme- tido que a alma e encarregada d~ culdar "do que e desprovido
11 t. I! 1 rlI ... (I 11 11
I a_ Alma c6smica nunca se des via dele 132) - e da alma" 140 E. assim que a forrn,Jc; o do Mundo e confiada
1 I ,11 que, ass1m como a inteligencia nao se concebe ~m ora a urn Deroiurgo que e esscncialmcntc lntdigencia, ate iden-
nu\ ltm nt, n&sim tambem o movimento nao dispensa a inte- tificar-se ao Modelo que ele contcmpla, c que cria soberana-
lt., Ill 114 mente a Alma do Mundo, ora a uma Almn qu executa o movi-
l\ 11 Jo'ormas sao inteligfveis. 0 Bern lhes corounica a verda-
mento da inteligencia, porque ela se move couforrnc ao Modelo.
Poderia dizer-se que a inteligencia e a alma volt 1da para o ob-
; l,t ' n f~cul_d~dele d_e selerem conhecidas 133. A alma e, como as jeto, e que a alma e a inteligencia voltada para a n111ttria. Mas
ttr_lllns, mv1s1v , mt igfvel, divina 1 H. Pode-se dizer: com 0
Ohjeto e p6sto. o Sujeito 13 ~. Nao esperemos ir alem desta 6r- resta ainda saber o que isto significa.
~ttul~, volunt~namente vaga, e que, alias, nao se encontra em
J:>latao. 0 Fedao nao chega ate a inteira identidade entre a alma 4. A Bondade divina
e as Forma~, e a Republica 1 ~ 6 parece subtrair a solu~ao rigorosa
desta questao aos nos~os m_eiOs de investiga~ao. E, como 0 pro- As divindades astrais sao, talvez, uma pura inven~ao "dos
lo~gamento de uma fdosofla pelos epigonos nem sempre consti- fil6sofos e dos sabios". Entretanto, o autor das Leis refere a
tUJ..um progresso, sera _:nais prudente constatar que Platio "ten- elas "a administra~ao" 141 do Universe e considera a astronomia
de , segundo a expressao do R. P. Festugiere 1 3T a ver na alma como o fundamento mais solido da pied ade H 2 Como se efetua
uma Forma, que para ai tende mesmo, muito c~nscienteroente, esta "administra~ao"? - Por este Unico fato de que as almas
mas que, ao querermos dar a esta tendencia urn desenlace outro astrais imprimem, a seus corpos brilhantes, movimentos exata-
que em fe e esperan~a, corremos o risco de ultrapassar a douuina mente conformes as realidades divinas que elas contemplam us.
p~at8nica, de for~a-la e, mesmo, de trai-la. As hip6stases ploti- - 0 Sol foi criado pelo Demiurgo para servir de medida para
nttmos ultrapass~m tambem, em sua excessiva precisao, 0 pen- o tempo e para ajudar a reproduzir, no Devir, a "imagem m6vel"
. 11mento de Platao. Mas elas dao conta da hierarquia: Urn Jn- da Eternidade 144 Enuetanto, o Sol da aos objetos vis(-
tciiKendn, Almn. PIA tao diz, de fa to: " A Inteligencia nao ~ode veis nao somente a faculdade de serem vistos, mas tambem "o
tn11111r ' J)t ~Bcnt c em nenhuma coisa, se e separada da alma 138'. nascimento, o crescimento e o alimento" ~.
14

n .. I ,,, f\lfllltilfl qut Jembrn 0 "tornar-se presente" das For- A solicitude que as divindades astrais testemunham para
11111~ tilt 1 ~n l !IC'II~Ivcl11 u:io pnrece cxdttir que a inteligencia conosco nao e essencialmente para n6s. A unica fun~o dos as-
1'".."'' l'lilN t It t' tll .I l' (' 111 t l m~up 11bmcnte a seu objeto. Parece tros consiste em obedecer as Formas, em reproduzir, por sua
~IIIC' . nun ''' h 11r11tldn que n nlma, solidaria da vida e da revolu~ao, os movimentos que sua inteligencia descreveu em
utt rliJI 111 he, ~ tttllutltll ltl ~cr UnivcrsaJuo, c num outro sen- torno das Formas. Mas por esse ato mesmo, organizam e admi-
( I It ) / ,,,;,, X, i!91\ ('.
"nistram o Universe. Igualmente a "Bondade", isenta de inve-
ja 146 , do Demiurgo nao deve ser interpretada, de vez, como uma
(I H) 1\rJ,, VI, ~lll c.
( Uol) Jlr,/., X() b.
(140) Pedro, 246 b.
(13') Cl A. 111~~. t1utour de Platon t . II, pags. 561 scg.; G. Ru
diet, Et. de l'hil. ( :r.. ptll{. 144. ' (141) Leis, X, 899 o.
( 136) Rep., X. (,II r M'll ( 142) Leis, XII, 967 a seg.
( 1.37 ) . A.-) 11,stut:iiro, ( .'mtlt'IIIJIItllion rt Vi, /llll/1'111/>lttlit>c Jdou ( 143) Fedro, 246 d seg.
PlaJon, P<lrls, 1936, p~g. J 14. (144) Tim., 38 c.
( 138) Tim., 30 b. (145) Rep., VI, 509 b.
( 139) P:lg. 59, n. 127, cf. Le Parati. dans fa Diul. plat., S 24 d, n. lJ. ( 146) Tim., 29 c.

61
I ~a que as revolu~oes astrais administram o Universe. Em t8das
as instancias do real, encontramos esta bondade que e fundada
I II ' t
,1 11111 l111111 opcrario, poder-se-ia dizer: o gosto da obra
M ~ IIJ;.''O ntcce que este trabalho e proveitoso para
.. 11114\ lc lj lh ~ 8CU objeto e para 0 Universe, que e seu resul-
no ser e que, originariamente, nao implica nenhum matiz afe-
tivo H 2 A bondade demifugica e essencialmenk a bondade, ja
, ..,,., l 1h l.. h~ Hn operario tern sempre em vista o bern daqullo derivada, da Inteligencia que precede do Bern, rnas que, encon-
,,... J, l.thrlcn ou daquilo de que ele cuida lH. Porem, ainda trando a Materia, prolonga a difusao do Bern.
Ill I, II kl61u de benevolencia e secundaria: 0 medico prop6e-se 0 problema do Mal. - ~ste encontto da-se desde sempre. 0
" Itt w do docnte mas nao e, necessariamente, por amor que ele mito do Politico o ttanspoe no relata das alternancias c(>smicas:
ldu do docnte. 0 bern do objeto tratado decorre das exigen- o Universe e ora governado, ora abandonado por Deus. 0 roito,
' l u ~, ~~ ~~ nrtc, mas nao e ele que as inspira nem e ele necessaria- segundo a opiniao geralmente admitida, projeta numa succssilo
Jur tHe , 4ue faz agir o artesao. 0 que define o sabio ~ im.icamen- o encontro intemporal da Inteligencia e da Materia. Se Deus
to Nllll ci~ncia, ainda que ela jamais tivesse onde empregar- "abandona" o Universe, nao e nem falta de "boa vontade", nem
C 1 1 11 . 0 ra, acontece que a crenc1a do D emmrgo
'A . encontra onde capricho, nem recuo diante de qualquer orca antagonista; ~
~,:n pr c,; ar - sc, porque encontra a materia. porque o Universe "participa do corpo" e, por isso, "nao pede-
Por outro lado, toda realizacao e inferior a ciencia 14o. a ria set inteiramente isento de mudan~a" 1 ~3. Nem cria~ao nem
.n~ilt~ do Demiurgo nao iguala o seu saber. Ora, o conhecim~n abandono sao decisoes que se inscreveriam no tempo. Desde sem-
rn r11 .0 tern em vista a acao, assim como a existencia nao tem pre, uma precede do Ser, a outra deriva da Materia. 0 poder
'Ill Villl il (I ~-~~nesc lGO. Nao e com 0 fito de poder administrar a de Deus se mede pelo seu ser. Nao e Deus que e impotente
Cld.-llo ideal que os diah!ticos conhecerao o paradigma celeste; para transformar plenamente o Devir a sua imagem; e o Devir
iuu ~, c~nhcc~doo, eles o imitarao. Nao se deve dizer, portanto, que nao pode receber o Ser inteiramente 1 ~4.
qu o .llcmlllrgo, que a Inteligencia divina dirige seus olhares "Tudo o que nasce esta sujeito a corrup~ao" 156 , a Cidade
p il.lol II M(~~ ln intd ig(vel, com 0 unico fito de poder imprimi- ideal, as plantas, os animais. 0 Mesmo e o Outro traduzem-se,
1. i 1111\ttCt ll. N~:m mcsmo se deve dizer que o Modele exis- no mundo sublunar, pelas alternancias de gera~ao e de corrup-
l t 1 quid '"'' pl!lnt> de rin~ao, a fim de ser executado. 0 Modele ~ao, mas eles coexistem e se harmonizam no mundo celeste. Os
, 111 , 111 I, 1- ~tl' cpu;; ~~~ basta, como o Bern se basta. A movimentos regulares dos corpos astrais, ainda que sejam mo-
uH ~~~~~~~ h 1 qu , nuhn' '' Bc:m, que conhece o Modele, se basta, vimentos, testemunham que, nesta regiao, a Inteligencia con-
1111 tnt t llllllll hllt l" I ~ l~ nc:~~u n{veis se afirma a bondade segue, incessantemente e sem ruptura, persuadir a Necessidadc.
tljvl llll l II . .. ,, I )111 111, II lntc1IIN~ ildo do Ser e boa. Participando, tambem eles, do corpo, OS astros sao, de direito,
1,,, IJtrr 11 I111111H nd n t]tt c conhece se faz demiurgica? - corruptiveis. Entretanto, jamais serao dissolvidos, porque a
I'J.u, u It~~ 1111 11 pt11hf 1m1 c rc:&ponde: "Porque o ~emiurgo era "vontade" divina sustem sua imortalidade. Tampouco aqui nao
bum , . I( II i .:1: ~~~ tlld_nll ns coisas lhe nascessem o mais possf- e esta vontade o capricho nem de urn tirana, nem mesmo de
vd llt' ln~ lllllll l l'~ 1 1 0 mcsmo argumento explica por que, no urn benfeitor. Deus e born; e ''querer dissolver o que estli per-
alto, l) SN Jill' t' lll r RO a Intel ig~ncia e, em urn nfvel inferior, por
e
( 152) lgualmcntc em Santo Tomas "a bondade . .. nao a bcuigni-
dade, qualidade do "cora~iio", mas e a perfei~ao identica ao ser, n honda-
( 147) l<t'JI,, I' 1 1 ~ ,., de ontol6gica" (P. Rousselot, L'Intellectualisme de saint Thom11.r, Pnris,
( 148) Polft., .'.01') n tlt'll MCMXXIV, pag. 27, n. 2).
( 149) Rep .., V, 4"1 J :1. ( 153) Polit., 269 d fim-e.
( 150) Fit., 54 bc. ( 154) c. pag. 56.
(151) Tim., 29 c. ( 155) Rep., VIII, 546 a 2.

62 63
Acrescentemos que, se, segundo ccrtos textos, os objetos sen-
s(veis participam de duas Form as opostas l Oll ' a rna qualid.ade
de uma coisa jamais provem do fato de que o objeto participe
simultanearoente do hem e do mal, mas do f:~to de que, "partici-
I I IIIJIO IIl:O 0 materia e "rna". Ela e " ausencia de Deus" e pando do corpo", niio poderia participar do Bem seniio imperfei
lt~tllllilllllt de Deus. Como se oporia ela ao que ignora? Toda- tamente. Nao existem Formas "rfdiculas" ItH, nem ainda com
''" ~~~cmtrondo incessantemente a persuasao da Inteligencia, esta mais razao, Formas mas. Pode haver coisas que para alguns de
l.sn"' lnda, num certo sentido, e incessantemente informada. Pa- nos, parecem "completamente sem valor" 160 , como a lama. Po-
Jt' t 'l' que e, somente, no nivel do ho.mem que a ignorancia per- rem, 0 fabricante de vasos ltl6 se insurgira contra este e~emplo,
lntcntc e que jamais pode arrancar-se de sua inconsciencia, torna- e toda Forma, seja ela a da lama ou a do cabelo 167 , dertva seu
Ne fnlra e, af entao, chama-se esquecimento. E pelo esqueci- valor, com sua estrutura pr6pria, do Bern.
tuento que se altera a Cidade ideal, que as almas se condenam A Processao.- Para quem considera o Bern e.m si eo Devir
:\ Encarna~ao, que o Universe do mito se encaminha para o brute, o Ser opoe-se ao na6-ser. Para quem considera o Bern
''occnno de diferen~a l u7 ". em si e qualquer outra coisa, 0 cabelo e a lama, 0 homem e sua
Mas, na ordem c6smica, assim como nao se poderia admitir alma o Universe e as estrelas, as virtudes e as ciencias, o Mes-
'' ru u sei que casal de deuses de vontades opostas" u;s, assim tam- mo ~poe-se ao O utre . Mas nada existe que nao tenha, pelo sim-
l~m niio sc dcve colocar em face de Inteligencia, do Demiurgo, ples fa to de existir, rela~o como o Ser, nada que nao deva, para
d11 Aln1a J o Mundo, uma Alma rna. Assinalou-se com razao que, surgir ou para subsistir, ligar-se ao Ser. Processlzo 168 que, nos
t j llllldCJ tlS LeiJ inicialmente admitem \lffiQ alma boa e uma rna mundos inteligfvel e supralunar, existe desde sempre e que,
Jll'r'' ~oncluir que somente a primeira govern a o Mundo 1 "9, nao aqw!m deles, e confiada parcialmente as armas humanas que co-
rxl111 11f t.cniio uma hip6tese, logo eliminada pelo simples fato de operam com Deus para a "vit6ria da virtude" 1 00
'I"' t Ill nlmn mo pcrmanece sem fun~ao. Pode-se acrescentar
'I"C" II HluvlmcrHu Jo pensamento e exatamente 0 mesmo quan-
do " 'l'l11t1 11 I'C'I'Hllntll sc o Demiurgo dirigiu seu olhar para ( 163) Fed., 102 h c; Parm., 129 o.
'' M11oh In lut tliHfvt'lon por11 o mod~lo vis{vel. Este segundo .mo- (164) Parm., 130 c 7; Sof., 227 ah.
1111111 I""'' lll\1111, lmcdintomcntc rejeitada como im-
,)~ 1" ( 165) Parm., 130 c 78.
pht 1111 ' , 1. nhtt' ltulo, l11 c Ld em contradi~ao com todo o pla ( 166) Teet., 147 a.
tuul tull 11 p11 tllt do ll lOi llt"IIIO em que se p6e urn hom artesao, ( 167) PPrc., 130 c.
( 168) Os Dialogos nao cnsinam expllcitamente uma tooria da
" ~. t.uu 1111 Nr 111 n ptttk lotnLU' pur modf:lo senao a Forma inteli- processiio, tal como encontramos em Platina Apli~do ao pensament?
Mi vd 1111 I lo lll l:t.U I\1 1110do, ndtnitir it escala c6s.mica uma Alma platonico, est~~ ronccito tern mais um valor expllcauvo do que doutn-
mil ~ wl ftuplu 1oq c em controdi~ilo com a primazia da Inteli- nal. 1e pcrmitc oompreender, o melhor possivel, as rela~Oes entre o
g~nci. Bern, as Formns, 11 Tntcligencia, o Demiurgo, a Alma e as almas, o
Universe e os COfllC1S :1~ tmi s c por que Platiio pode qualificar todos &res
seres de divines. N11111 Sl'ntiuo mais prcciso, entendemos par processio,
(U6) '11, .. ~I 11h.
nio 50mente o proccsso intcmporal em virtude do qual os seres saem do
(157) Rrp., VIII, ').J(, u NCJt. ; Fedro , 248 c 7; Pollt., 273 b 2, c 7. Ser, mas a mudan~a de aspccto que sofrem certos vnlores, como a bon-
(US) Pollt., l.C.') <' , J./(1 u 1. dade ontol6gica que, em rela9io a n6s, se torna bencvolcncia, ou a Imu-
(159) Leis, X, 1!% ~ 5\'p., tabilidade que se torna Justi~ incorruptvel ( pag. 123) , ou a exigencia
(160) Tim ., 29 11 4, ~ cp. r um I c'1.1. X, H'J/! c 68. dos movimentos regulares que se traduz, para a alma humana, par todos
( 161) Rep., X, 596 b, 59!! :t. os imperatives concretos da vida polftica e moral {pag. 75).
( 162) Leis, X, 898 c; Fil., 21! c:. ( 169) Leis, X, 904 b.

64 j 3 65
.\I.H 11IIIIIU111yue e precise restsUr, aqui como alhures 170 ,
11 1 1111 11~ 111 1 h ulribuir a Platao urn sistema rigoroso no qual se de nao f avorecer o antropomorfismo da religlao tradicional. E
dest~ ponto de vista, o artigo de V. Brochard t<n, se hem que
cl1 "" II 11 l l~>~.JUCmatizar esta processao. Em particular, e sem
1111 1" "'It 1 d lst.:utir o problema da autenticidade do dialogo 171 , hostil a equa~ao : Bern = Deus contcm uma i.dei.a incontes-
PHil ' lluN Jificil ver uma doutdna platonica na hierarquia dos
tavelmente justa. Salvo nas Leis, Platao fala mals facilmente do
11 11 cllvinos estabelecida p elo autor do Epinomis 172 Nem mes-
" divino" que de "Deus". Diante daqueles que nao se elevam
111' ,,. poderia enconttar, em. Platao, uma afirma~ao precisa que facilmente acima das divindadcs homericas, ele afirma que OS
J,lcntifique Deus ao Bern. Esta identifica~ao foi contestada por deuses dependem do divino 180 E, tinicamente, em virtude da
u l~oeuns criticos com argumentos pouco convincentes e que fre- processao que o Bern se precisa em hip6stases ou em aspectos,
qiientemente repousam sobre mal-entendidos ou preconceitos . . e se deixa precisar por afirma~oes ou imagens que jamais lhe
l~enouvier 173 , desde 1844, sustentou-a como uma coisa evidente, convem em sua plenitude. E e preciso acrescentar que, origi-
que nem mesmo se preocupava em provar. Desde entao, os nariamente e essencialmente, a concep~ao personalista de Deus,
trabalhos de Mons. Dies 17 , do Rev. Pe. Festugiere 17 5, de Mo- seja ela a de Santo Tomas ou a de Renouvier 181 , nao pode apli-
reau 176 , de Jaeger 177 , a refor~aram ( embora interpretandoa car-se ao Bern 182
em sentidos diferentes) e n6s tambem cremos poder supo-la ao
longo de nossa exposi~ao. ( 179) Etudes de Phil. ancienne et de Phil., Paris, 1962, pags. 95 seg.
Uma unica reserva parece-nos necessaria. 0 texto que, por (180) Pedro, 249 c; cf. L. Robin, ad Joe.
si s6, e s~ficiente para garantir esta identifica~ao, opoe Deus
( 181) Le Personnalisme, Paris, 1926, pags. 15 seg.
como o Cnador das Formas aos artesaos mortais mas sem assi-
mila-te expressamente ao Bern 178 . 0 Bern tom; aqui os tra~os (182) P . E. More (The Religion of Plato, Princeron, 1928), que
de um Criador e de Deus, porque o contexte, a compara~ao com ,qc atem fortemente a ideia do Deus pessoal em Platao, nota que esta in-
tcrprera~ ao e incomparavel com " a identificac;ao de Deus com as Ideias"
os artcsaos e os pintores, o exige. Trata-se a{ de uma fabula~ao, ( P'll ll9), a qual obrigaria a rejeitar tambem a crenc;a na imortalidade
de uma imagt.!m, nao de uma asser~ao teol6gica. Pudor meta- ('CS\On l ( p~g . 122 ; ver entretanto mais adiante cap. II, pag V). Na rea-
ff~ ioo que evita prccisar e dogmatizar tudo o que diz respeito .l id ~dc:, noo se trata, para Platao, de optar entre o Bern e o Demiurgo,
uo ~cr suprcwo, oo mc~mo tempo, sem duvida, que preocupa~ao vlll) t jLJC cnns duas exigencias se situam em dais pianos diferentes, a pri-
mt'iM projchmdo-se num plano inferior. Renouvier viu bern esse fato, e
cc 1i~ur p rrci1Rmcnte Plarao por nao ter sabido concilhi-las: "0 Pai dar
( 170) li~ll 50. lt/,.CI111 11 in ern ~ empre senao uma ldeia. A teologla exoterica de Plat.ao
a dcrniau 11hr, u J')Oiitclsmo do Timeu, nao sc acordavam com sua metafisica:
(I i 1) II. lnultn u que n dutl"IHid d ild C do Epinomis, defen clida por ou Jll"ln u1r1111 , n:lo se acordavam com ela senao do maneira em que as
numcru:IC' d tlnll, rr1 l"o'ltlrul~r pc:lo Rev. :Pc. des Places, acaba de ser idcias do~ lilt 1Hl' n1 IC 1deriam, segundo ele, as ideias em si de que ele
sustentutlr1 trlmblm tK"IC Hrv. Pc Pes t u~;ierc, em conferencias feitas em as dizia iml11\k1. p 1rtid pac;oes, em termos simb6licos, sombra/ (L as Dilem-
Oxford, em 1947. mes de Ia Mrlfll{>h \ '"fuc, pag. 24 ) ; a crftica de Brunschvicg se faz no
( 172) 9H4 d- 981 b. mesmo scntido ( p, 111 T.r Progr~s dr la Conscience, t. I , pag. 44, L'Actua-
( 173) Mouull'l ti<J l'hil. anch11ne, II, pag. 81. lit~ de Prohlhnl'r tlntonirit:ns, Paris, Ilcrman, 1937, pag. 20, Heritag~
( 174) Au tour ,,,. l'latn11, II, p~gs. 523 e seg. de Mots, Ilbitol!.r tl'f,/h s, p:'lg. '8), <! sc cnconrrar1io observa<;Oes ana-
logas em Gcrnct-Douhm~-tl' l', J., G'f:nJc J!.rCC dans Ia Religion (pag. 389:
(175) Vldt~tJI rl'li~itux dN Greer et l'Evangila, p'gs. 172 e segs.;
"Exisrc al, no scnddo pnSpriro du palnvra, uma admiravel dupliddade".)
Contemplation et Vit! L'llllll'IIIJItltive selon Platon.
- Como a crianc;a, o fi16sofo qucr scmpre "os dois" (Sof., 249 d). e
(176) La Constructio11 de l'IJ~alisme platoniden, p:lg. 477, L'Ame esta compara~ao toma aqui uma significa~ao literal: o culto oficial, a cn-
du MonJe de Platon aux Sto'icicns, S 20. cantac;ao pel a musica ou pclo mito dirigem-se a "crilln<;a em nos" ( cf.
( 177) Paideia, II, pags. 285-288. F~d., 77 e c .5 ), e esta crianc;a, mesmo na alma do fil6sofo, mal sc podc
(178) Rap., X, 597 b seg. d1~cr que cresce. " A teorin das fcstas niligiosas" concebc o cui to como o
)11'1!longamcnto da educac;ao dada as crianc;as ( VCl' P . .Boyance, Le Culte
66 . /.7
inteiramente isentas de mudan~a " r., as divindades astrais rece-
beram outros movimentos, menos pcrfcitos. Mas a Alma do
Mundo coordena as diferentes revolu~oes e compoe com elas
urn conjunto de uma completa harmonia. 0 corpo e a alma de
cada as tro se juntam numa unidade perfeita 11 A alma, embora
seja composta, nunca tende para a disc6rdia ncm para a dis~o
lu~ao. No que corresponde, na alma astral, as duas partes m-
CAP!TULO II feriores da alma humana, mal se podem distinguir, urn do ou-
tro, o prind pio colerico e o principio passional: urn ardor sem
0 HOMEM reservas para executar as exigencias das Formas, traduzidas pelo
prindpio racional, e urn desejo sem franquezas de avan~ar na
dire~ao que a razao prescreve. Obedecendo a minima pressao do
I.- 0 VIvENTE MoRTAL cocheiro, a parelha divina compreende dois corceis, i~distin
tamcnte "bons" 7 De modo que, por compos tos que seJam, os
astros, corpo e alma, observam a maior fidelidade possivel em
0 homem e urn vivente mortal, composto de urn corpo e de
rela~ao as Formas.
uma alma 1 Existem outros viventes, mortais ou imortais, com-
postos de urn corpo e de uma alma. No outro extrema da escala, ha as plantas e os animais. Seus
corpos, peredveis, sao animados por uma alma mortal. Podem
Aos corpos celestes, constituidos principalmente pela subs -se distinguir duas partes na alma animal : a parte irasdvel e
t@ncia lgnea, estao indissoluvelmente 2 ligadas almas imor- a parte passional. As plantas vivem somente por esta ultima:
tais, perfeitamente harmonizadas em seus elementos e consubs- " tern sensa~6es agradaveis e dolorosas, acompanhadas de dese-
a
t:lnciais Alma do Mundo. "Meditando sempre, em si mesmas, jos" B. A bern dizer, essas duas partes, "uma, melhor por natu
os mesmos pensamentos, relatives aos mesmos objetos" 3 , as reza, a outra, pior" g; somente sao bern discern(veis no homem,
nJrnnS Rlllr:liS confmmam OS movimentos de SUB inteligencia a onde sao mesmo localmente distintas: "a parte da alma que
renlid1rdc c L~vcl (lrts f.ormas. Elas imprimem a seus corpos pal'ticipa do ardor guerreiro e que deseja a vit6ria", tern por sede
d6ccl!'l movimc:nw que, na ordem visfvel, trnnscreve mais fiel- o corn~iio onde podera, atraves do " istmo do pesc~o", receber as
rnentc o lll~Wlmc: nll) d11 lntd iHencin : n rorn~ao axial 4 E ver- ordcn, da razao e, de acordo com ela, conter pela foro:;:a a ra~a
d~de que, pnr tit ipnwJ11 clo COl'J)O C nun podendo, portanto, "ser dos dcscjos", terceira parte da alma, alojada no baixo ventre 10
No!> anim nis, a ausencia de razao faz com que essas duas partes
sejam tuo dificcis de discernir como o sao nos astros onde a pre-
des M111~1, 2.' (1~1'1(', cnp. U). R. Schaercr escreve: "Antes doze deuscs dominanchl dn ro.zao as confunde numa igual obediencia. A dis-
vivos qu< 11111 ~ deus rnorto, antes o politeismo que o racionalismo em
mat&ia rdi.:l<~o, p:uecc ter pt:nsado o autor dos Didlogos" (Dieu, l'homme tin~ao entre um:t parte "melhor" e uma outra, "pior". somente
et Ia vie d'apr.\.r Platnn, p~~ . 175). Cf. ]. B. Skemp, The Theory of
Motion in l'lt~to's laJt'r Dialoxues, Cambridge, 1942, pags. 108-115 e,
sobrctudo, P.-M. Schuh! in J{cv. Archeol., 1948 (Mel. Ch. Picard). ( 5) Cf. Polit., 269 d Om.
( 1) Fedro, 24(, c. (6) Tim., 41 b 1.
( 2) Tim., 41 a-b. ( 7) Fedro, 246 b 1.
(3) Tim., 4 b. (8) Tim., 77 b.
( 4) Ibid. - Cornford (pdg. 119) observa com rniio que este privl (9) T im ., 69 e.
l~gio e igualmente concedido aos planctas. ( 10) Tim. , 7 a.

69
I 111 "''' '" IIl l ,,,,,c;iio as ordens da razao. Unicamente a inte- TOd.a a existencia das almas humanas vai desenrolar-se no
llr '''' ' ~lr tlhiAiL a vida dos viventes; nenhuma ordem, ae- Universo, que se estende do ceu estrclado ate as profundezas
" 111111 I lult " pode nascer sem ela. Nos animais, a ausencia dos mares. Primitivamente alojada nun1 :t~tro, a alma caiu
,f, Ittl 111 "' lu c interpretada como urn defeito; segundo a dou- num corpo mortal. Segundo imite ou negligencie " os pensa-
1I l1111 .Joa hlC(Cmpsicose, SaO OS COrpOs de animais que tecebem mentos do Todo e suas revolu~oes circulates" 111 , "viva hem ou
o1 " '""' de homens decafdos, e o Timeu es~a uma teoria mal" 16, retornara a sua morada celeste ou, condenada a .teen-
1 v~>lnc lonista as avessas, na qual os animais se classificam se-
carnar-se, devera, segundo seu grau de maldade, animar urn cor-
jllll do sua maior ou menor " estupidez" 11 Mas Platao medi- po de mulher, de passaro, de quadrUpede, de reptil ou de peixe
h l ll a vida feliz do rebanho, governada, ate em seus minimos "e e assim que Outrora e ainda agora, todos OS se.tes viventes
dc:tl\lhes, pela ciencia soberana do pastor 12 pot uma razao es- t.tansmutam-se uns nos outros, subindo ou descendo, conforme
tranha, mas que ptoporciona aos animais a maxima felicidade 13 percarn ou ganhem em inteligencia ou em estupidez" 17.
de que sao capazes.
Entre o astro e o animal vive o hornem. Tern um corpo
mortal, urn corpo preca.tio cujos elementos sao tornados a ex- II. - A ALMA Eo CoRPO
pensas do corpo do Universo, ao qual deverao, urn dia, ser res-
tituldos 14 Tern a alma mortal dos animais, pott!rn ligada ao 0 homem e urn vivente mortal composto de urn corpo e
corpo de tal modo que possa obedecer as o.tdens da alma imor- de uma alma. Esta 6rmula permanece verdadeira no doniinio
tal que o homem partilha com os astros ainda que ela se1'a das ciencias obscuras, biologia e cosmologia. Ela fixa o lugar
AI d ,
nee, e uma feitura menos petfeita. Tudo o que e mortal, no
, do homem na economia do Universo vis1vel e no quadro dos
homem, foi criado pelas divindades astrais a fim de receber a viventes que comp6em esse Universe. Porem, este vivente mor-
nlma imortal que, ela sim, saiu das maos do Demiurgo. Cada tal encerra uma alma imortal, uma alma que viveu e que vi-
ulmn , originariamente ligada a urn astro e associada a sua vi- vera sera corpo, uma alma cuja origem e supraterrestre e cuja
o dns formas, devera restaurar, na sua condi~ao terrestre, voca~ao a orienta para um destino divino. E precise, portanto,
tonto quonto poss{vel, seu estado primitivo. Devera irnitar as modificar nossa definl~lio e, agora, entao, dizemos que o hornem
rt'volu~ C'll do tTnlvt'rw e regular seus movimentos pelos movi- e somcnte a alma.
mcnUJ\ <:tic- t t'li, or qui~, fl{'lt :;ua vez, imitam o ser puro das "0 ser real e realmente imortal que somos, chama-se al-
lormnw. ma" 111 E esta alma nao e qualquer sopro espiritual qualquer
Por~1n llln Jinu~ \I entre umo alma imortal e uma alma prindpio impessoal que a metaffsica faz que nos ~obreviva;
c um corpo morlltlrt !cr,{ pnm o homem uma fonte de fJertur- somes n6:~ mcsmos que sobrevivemos a isso que se chama mot-
ba~oe!l C di(kuJJutlc. , que OS Outros viventes nao e:xperimentam. te e que ~. na vcrdade, a separa~ao da alma .e m rela~ao ao
Trazcndu conju utruncntc em si, por sua inteligencia, a vontade corpo 10 "Nunc-a sc.: deve, portanto, arruinar sua casa, pensando
das Formn , e por scus elementos mo.ttais a vontade do ani- que essa mnssa de carne que se enterra seja nossa parente" ao.
mal, ele dtve-& regular esra por aquela, e 'o astro e o animal ~em mesmo sc dcvt djzcr que e a alma de S6crates que sobre-
estariio, n~lc: incc. snntcmentc, em conflito. vtve; e S6cratcs mcsmo, e com t6da sua consciencia ele se re-
'
( 15) Tim., 90 c-d.
( 11) Tim., 91 J scg. ( 16) Tim., 42 b.
(12) Pollt., 271 d scg.; d . J.ds, IV, 713 cd. (17) Tim., 92 c.
( 13) Rep., I, 345 d com. ( 18) uis, XII, 959 b.
( 19) Fed., 64 c.
(14) Tim., 43 a 1. (20) uis, XII, 959 c.

10
vtth .t t ttt llltl I tit. o, que se Jamenta pensando ve-lo morrer, e 0 corpo e proposto a alma como uma materia que ele de-
''"' , lll llh l tiiiiiO sepulta-lo
21
. A alma imortal e 0 que e, pro- veta incessantemente ~odelar a
sua pr6pria semelhan\a, de-
, , ...... 1111, li~H mesmos, o que nos permite dizer: eu, o que cons- pois que ela propria tiver imitado as Formas. A alma tern por
Ill ttl 1111~ 1\ pcrsonalidade enos da urn nome 22 E nao e somen- incumbencia introduzir em si pr6pria e no corpo as leis imuta-
" ''" ,. ,~ que a alma e o Iugar permanente e a substftncia im-' veis da harmonia, que reinam sem contesta~ao no mundo ce-
111 H lvrl , e do proprio homem, a tal ponto que a alma imortal, leste. Pela ginastica e pela dan~a 29 , ela faz o corpo imitar os
lrtt lusivc na sua condi\aO terrestre, deve ser considerada como belos costumes e os belos caracteres que ela pr6pria obteve,
''u homem interior" 23 , isto e, como 0 homem por excelencia. imitando as Formas . Donde a obri ga~ao "de nao mover jamais
e
" 0 corpo uma imagem que acompanha cada urn de n6s a alma sem o corpo, nem o corpo sem a alma", "se queremos
ser chamados com razao, ao mesmo tempo, belos e bons, no
e, com razao, diz-se que os cadaveres sao simulacros dos mor-
e
tos" 2 ~. TOda imagem deficiente em rela~ao ao modelo. Mas verdadeiro sentido dessas palavras" 30 Porem, unicamente a
e do modelo, entretanto, que lhe vern seu valor derivado; as alma pode conformar-se inteiramente a esse ideal e fazer com
Formas-modelos enformam e dao feitio aos objetos visiveis que que o corpo se !he conforme o melhor possfvel. "Nao o corpo, e
as refletem. por perfeito que seja, que torna a alma boa pot sua virtude; e
a alma boa que, por sua virtude, da ao corpo tOda a perfei\aO
E possfvel, entao, que a imagem atinja uma certa perfei-
~ao e " se, num homem, urn belo carater da alma coincide com
e
de que ele capaz" at_
urn exterior cujos tra~os se acordam e convem a este carater, Assim como a imagem mais acabada corre o risco de ocultar
porque eles participam do mesmo modelo, nao e 0 mais belo -nos o modelo, a imagem corporal corre o risco de encobrir a
espetaculo para quem o puder ver?" 2 G. Mas isso e raro. A mate- alma que imita. Os jufzes infernais deverao considerar a alma
ria permanece rebelde as injun\oes do espfrito. Assim, amar nua 82 , despojada de todo o aparato corporal que mais a obscure-
\llil homem e amar sua alma e, "se uma alma equilibrada se ce do que a exprime. E esta e uma ideia duma verdade tao
cnro ntl'o num corpo de pouco brilho, ser-lhe-a suficiente ( ao profunda que mesmo o adversario apaixonado dos "contemptores
llffi lilt(; ) BOlli I' CSta n)ma" 26 , que nao e SOJidaria dos defeitos do corpo" seni obrigado a redescobri-la por sua pr6pria conta,
t!o c:orpo. Umu bdo olma pode residir num corpo grotesco, quando falar dos "deuses enfermos e velados" ss.
rouw r hllttctllt diviu s podcm cstnr envolvidas num exterior . Imagem imperfeita, o corpo e, sobretudo, o instrumento da
uc llttu 111 'l'ttlv~:~ '' leRcnd:iria fciuro de seu mestre tenha e
alma. nte o no sentido em que Arist6teles chamara o escravo
lcvnt!" Pl.llt t1 11 tl uvid11r da bollllndc de tudo o que nos parece um instrumento animado. A alma comanda o corpo, e eis ainda,
bch c u lil >t'lhlr n 1.Hvlndodc das imagens esculpidas a que a1, uma expetiencia imediata a mostrar que 0 homem e
uni-
n tinluu n li~ndo poctltS c escultor~s, fundando o valor 's6bre a camente a almo, assim como nao se definira o marceneiro como
apar~ndn :11 . urn vivente composto de urn corpo animado e de urn martelo:
"Como o eu qu~ comanda poderia ser identico ao corpo que obe-
dece?" 34 E na experiencia do comando espiritual que apreen
(21) 11rd., lU ce.
(22) Aid,, r, no clJt c.
( 23) RtJ., J X, 51!') ~ ~<et:. (29) Rep., Ill, 40) c scg.; Leis, II, 655 d.
(24) uis, XJJ, 9:i9 b. (30) Tim., 88 IH:.
(25) Rep., III, 402 d; cf. 'J'im., 87 d fim . (31) Rep., III, 403 d.
( 26) Banquete, 210 b. ( 32) G6rg., 523 c-d.
( 27) Banquete, 215 a-b. ( 33) Nietzsche, Zarath., trad. H. Albert, p;ig. 95.
(28 ) Cf. Hlp. Mai., 294 a seg. ( 34) Alcib. I, 130 b.

7? 73
11 1 ll11r 1 uutmeza autonoma da ahna, sua fun~iio dlreto- o movimento inicial, que se devcri;l tnmsmitir gradativamente,
1 t h tlrllru 111 , sua essencia dlvina 36 E, sem duvida, a ahna choca-se com obstaculos. 0 conhecimento das Formas, que
11 '~ 1 .cwpre o corpo, assim como o cocheiro nao conse
111 H 11dn deveria ditar a alma toda sua conduta, nlio se faz facihnente.
Ill dir.igir, sem desvios, OS dois corceis que lhe sao
I II IIHO 0 imperative comum a todas as almas tomad entao urn sentido
I IHI I h i ~. Mas e, justamente entao, que ela tern a impressao de antropomorfico: pelo "cuidado a tomar", pelos movimentos con-
, , 11. ' ~' , Jc abdicar de sua vontade e sua fun~ao nativas, e sua venientes 46 , que lhe e precise dar a si mesma e ao corpo, a
p it 111lu fraqueza testemunha ainda de seu poder original. alma devcra "aperfei~oar-se" 47 E esse cuidado manifestar-se-a
e
lfd to a alma encolerizar-se contra esta "coisa rna" com em todas as situa~oes concretas da existenda terrestre; ele im-
plica> por deriva~ao, todas as normas que regem o conhecimento
n qual ela esta "amalgam ada" as, contra esta prisao em que se
cncontra encerrada como a ostra na sua concha 89 Ela dis- e a a~ao, da musica a dialetica, da moral individual a politica.
pensaria hem o corpo, como as Formas dispensam a materia. o exerdcio efetivo do poder nada acrescenta ao valor do
Porem, por enquanto, a ahna nao esta desencarnada e se ve politico 48 Ao contrario, sabendo que nunca se governa segun-
obrigada, entao, a usar desse entrave como de urn instrumento do a perfei~ao da cienda 40 , o fil6sofo nao aceitara o poder se-
"sem o qual" 4 o ela nada pode e, sobretudo, nada do que deseja: nao a contragosto. Mas enfim, ja que ele deve gover.ilar, ele
conhecer as Formas e irnita-las 41, agida contra a lei 50 ' se fugisse a sua tarefa; ele mudaria sua
Tudo se resume, por conseguinte, em tornar esse ins- ciencia em injusti~a e em ignorancia 51 se, renunciando a per-
trumento o mals perfeito possivel por exerdcios quotidlanos. suasao, instituisse um regime de coer~a6 e se arrogasse urn
E a tarefa para a qual a alma solicita a coopera~ao do corpo poder absohito sobre 0 rebanho G2 E ele sera sabio, se ao inves
t:xprime-se em duas formulas, rigorosamente equivalentes: a alma de ferir de rente a resistencia da materia social, associa-la a
deve cuidar de si mesma 42 e: a alma esta encarregada do qtie e sua obra e, se, ao inves de matar ou banir os ignaros que lhe
dcsprovido da alma 4 8. disputam 0 governo, fizer deles aliados e auxUiares G3. - Tal e,
Vimos como, na processao do Ser H, as ahnas astrais, por analogicamente, a situa~ao da alma encarnada em rela~iio ao
Lerem contcmplndo as Formas, imprimem movimentos regula- corpo, com esta dlferen~a. que a alma.. nao detem a ciencia
rc~ 110 ' <l'PQ.s cclest~s e como, por isso mesmo, elas "gover- pura e que, mesmo governando o corpo, devera, ate o fim de
nnm" t1 Univ<J~n c d ~lc "cuidom". 0 movimento cogn,itivo de- sua cstada na terra, aprender a governa-lo e a governat-se a si
tcl'lt~ lnn infullvdmt:III'C M rev('lln~6es visfveis, as quais garan" pr6pria.
t<.m t6clu viclu urHn nlc11 ~r1 Mn~ . pnro a alma humana, mesmo Segundo sonhe a alma que esta desencarnada ou assuma sua
situa~ao prescnte, suas rela~oes com o corpo serao hostis ou
( J5 ) J{,.p,1 I, J' d; Fer/., 80 o; Fil. 28 d seg. amigaveis. Mas as duas atitudes somente diferem em aparen-
(.36) /o', .,J , {uc. cil. cia, porquc a evasao nunca pode ser de longa dura~ao e por-
(37) /{fiJI., IV, 4J9 e, 441 a-b.
( 38) Pr1l., 66 b.
(39) Jo'c"dro, 2 ~0 c. ( 46) Tim., 88 h seg.
( 47) Apol., 29 e 12.
(40) Cf. J.'rd., 99 h t:llm.
( 48) PoUt., 259 a-b.
(41) Teet., 1li4 h M'l(.; llallquch, 212 a. ( 49) Rep., V, 473 a.
(42) Apot., 29 c 12; Fttf., 11'5 b (,; LriJ, V. 726 a ~<'g. (50) Rep., VII, 519 d seg.
(43) Pedro, 246 b. (51) Leis, III, 691 c.
( 44) Pags. 61 e segs. (52) Polit., 301 d.
(45 ) Rep., VI, 509 b; cf. Leis, X, 900 d903 c. (53) Polit., 298 c- fim.
'l"r " lilt 1.,.,, 11 rom
o corpo corre o risco, a cad a instante, vota a seus escravos "urn homem hem cducado" 6 9. 0 corpo
, , 111111111 uudto fntima; de modo que a alma, para melhor
se situa na terceira categoria dos bens que os deuses propuse-
elhlf!l 11 wrpo, deve velar, ininterruptamente, para manter ram a nossa "estima" 60,
,lltllldiul. A evasao tempon1ria lbe proporciona, para isso, Mas e sempre verdade que o corpo niio ocupa o primeiro
" '' I nlldues, que as necessidades da vida se encarregam, cada Iugar. A alma clever~ constantemente fortalecer seu governo
' , , .1~ lnterromper. "0 ascetismo do Fed1w" em nada contra- s8bre ele por medo de cair ela propria na categoria de escra-
dlt '' prescric;ao do Timeu de coordenar os movimentos do cor- vo 0 1 Para evitar de " cuidar" 62 e amar o corpo em demasia,
Jill c os da alma. ela se limitara a cuidar primeiramente de si propria.
Como o polftico que acabamos de imaginar, a alma pode
falhar duplamente em sua tarefa. Pode "evadir-se" do corpo e,
scm esperar que o Deus, do qual ela e propriedade, venha li- III. - CASTIGOS E RECOMPENSAS
berta-la , romper suas cadeias, pensando reencontrar, assim a
felicidade da contemplac;ao pura. Ora, o suiddio, "de todas Desde OS poemas homericos, OS gregos nao cessaram de me-
as maneiras" 6 4 , em tOdas as circunstancias, e proibido como ditar na Providencia e na justi<;a dos deuses. Plutarco, ainda,
impio. Tampouco e permitido a alma estabelecer urn regime intitulara urn de seus tratados: "Sobre os prazos da vindita di-
tiranico sabre o corpo, e, par meio de mortificac;6es, morrer ao vina 63 " . Entre as soluc;6es que se podiam dar a esse problema,
corpo, num sukidio Iento e sutil. 0 que se pode chamar de a cren<;a em urn tribunal divino e talvez a mais simples e a
"ascese", segundo Platao, e verdadeiramente urn exercido. menos atacavel. Ela restabelece, num futuro .incontrolavel, o
Quando ele recomenda antes "secar" que "regar" 0 ~ a terceira equillbrio tao violentamente perturbado em terra, entre o que
parte de nossa alma, ou de "conceder o menos passive! de exer- somas e o que sofremos, e justifica a divindade, no alem, de
dcio ao vigor das paix6es (para o prazer), desviando para ou- sua aparente injustic;a imediata. - Outras respostas cram pos-
tras partes do corpo, por meio de trabalhos fatigantes, o que slveis. 0 .inocente perseguido e 0 malvado jubiloso nao mais
a exalta e a alimenta" 6 0 , Pia tao visa, sempre, ao restabeleci- constituem urn espetaculo revoltante, se se admite a solidarie-
mcnto ciu urn equilibria comprometido pelo corpo e aconse- dade da famflia. A ideia da alta ancestral que demanda urn
lha, pnrn retomor u imogem do polftico, uma ac;ao de pacifica- castigo tardio sobre uma descendente, inocente mas solidario da
c;iio, niio de extctminn~iio t\ 1 progrcssiva. M esmo nossa compa- antiga n6doa, e uma concepc;ao logica e aceitavel. Ela disten-
ra~o inici11l dtl corpo com urn c.o;cravo niio e exata. Se o fil6- de o liame de causalidade entre o crime e o castigo, mas, en1
sofo " cs t'smo poucc1 " M cossl:ls
. d o corpo,
. - expenmenta,
nao . em fim, o prindpio mesmo da causalidade, por esse intennedio,
relac;iio oo ps6prio corpo, l!sre sentimento de "desprezo" que da justi\a, permanece intacto. Platao, de acordo com o di-
reito de seu tempo, nao mais aceita a solidariedade da fami-
lia 04 , Mas, na alta de urn antepassado criminoso, pode-se ima-
(54) p,.,/., 62 A 3. - Passagens como Rep., III, 408 b e Leis, IX,
873 c, constiiii('IJ\ mais escusas que justifica~&s do suiddio e sobretudo (59) Rep., XIII, 549 a 2.
situamsc no pluuo politico, nao dialetico. 0 que visa principalmentc o (60) Leis, V, 721! d.
tcxto do Fed., c o suiddio ror nost~lgia metaffsica, tal como o dcscreve (61) Fed., 66 d 1.
CaHmaco (Epigr., XXXll, nl. C.ahen; cf. Ov{dio, Ibis, v. 491-492) de
(62) Fed., 81 b 2.
maneira tao ~tica c tao JXJuco platllnica.
(63 ) SObre este tratado ver, em ultimo Iugar, G . Soury, Le Pro-
(55) Rep., X, 606 d. bleme de ia Providence etc. (Rev. des Et. Gr., t. LVIII, 194.5, ~gs.
(56) Leis, VIII, 84l a. 163-179).
(57) Cf. Leis, I, 627 e scg. ( 64) 0 direito criminal das Leis nunca estende o castigo aos filhos
(58) Fed., 64 d. do culpado (IX, 8.56 d niio conuadiz essa afin;na~ao).

71.. 77
~~~11111 11111 .. ,,1,,. 111lpnJo. E o que faz a doutrina da metempsi urn problema tadicalmente diferente daquele ao qual, prlmltl-
'" I lo~ J,, w 111csmo a estreitar os Hames entre o culpado e
1
vamente, elas deviam responder. 0 problema nao e mais sa-
II jl U tll 'I'" rx piu, supondo entre eles uma identidade funda ber como a divindade assegura uma rcparti<;no eqilitativa dos
Ill " ' II AIudu aqui, 0 principia da justi~a e salvo. bens e dos males entre os bons e os maus, mas como adquirir o
A 1 ut~.:q~iio do tribunal dos mortos, assim como a da me-
1 unico bern digno deste nome: a justi~a. Eis a unica questao
lt IIJ kmc, na medida em que querem salvar a justi~a divina, que preocupa Platao; a da feliddade encontrar-se-a resolvida
11 1JitoiU.Ic:m a uma visao pessimista do mundo. A presente exis- por acrescimo 70
l~uda, na sua nega~ao de justi~a, e de wn tamanho absurdo, que Duas tradi~5es descrevem a sorte dos maus: metamorfose
li~>mt:nte pode receber urn sentido numa nova existencia que a degradante 71 ou castigo 72 Em vez de reconciliat literalmente
wmplete e corrija. 0 pessimismo e, alias, urn lugar-comum nos essas tradi~oes divergentes, e precise ver como Platao lhes faz
poet as e exprime-se no orfismo, pelo sentimento de uma queda 6 6 exprimir uma mesma ideia, a de que, fazendo o mal, a alma faz
Urn tal sentimento de uma alta metaHsica procurar-se-ia mal a si propria. A teoria da pena exatamente ptoporcionada
em vao em Platao 66 Adem ais, malgrado a inferiodade do ao crime 73 , o simbolismo das condi~6es sociais 74. ou dos cor-
mundo sensfvel em rela~ao as Formas, e a despeito de fteqlien- pos de animais 75 , correspondendo aos graus de decadenda moral,
tes prop6sitos desencantados sobr(! 0 acaso que freqtientemen- traduzem em infortilllio ou em feiura visiveis o mal que a alma
te disp6e de n6s 67 , Platao recusa-se a considerar nossa atual se fez a si pr6pria. A alma nada de novo obtem, nada de estra-
existencia como urn mal. Nao que ele seja menos pessimista nho, nada que ela nao tenha querido. E por sua propria vontade
que Heslodo ou Te6gnis; e porque o e ainda mais. 0 pessimis- que a alma, amante do corpo, erra em volta dos monumentos fu-
'~o dos ~r:tigos, la mesmo onde desesperava de encontrar jus- nenirios ate que seja de novo ligada a urn corpo 76 Os tiranos
tt~ e fehctdade na terra, exaltava, ainda, o instinto comum da que se reencarnam em corpos de lobos 77 tern a infeliddade de
fdicidade 118 e media nossos infortUnios por esse simulacra de ver atendido seu desejo do mal. E este desejo que faz, ao mesmo
fdiddndc que a vida nos prop<le sem ccssar e nunca realiza. Ora tempo, sua infelicidade e scu castigo. Tarnpouco o castigo pro-
Plrm ll. ilssim como nao pode ver urn mal nurna vida que no~ priamente dito depende de algurn deus gendarme; ele nem mesmo
Iofiin proprJcdrHic dos dcuses e que nos perrnite cultivar a fi- e, como ern Solon, o feito inexoravelmente causado pela alta.
Jo~ofio, t111n pudc odcrir no pcssimismo comum. Seria conce- E no proprio momento em que a alta e cometida, que ela enfeia,
tle_r tnull n )fiiJI(IriAnclu tt ctJisns que niio o merecem Go. TOdas que ela deteriora, que ela pune a alma. 0 tribunal dos infernos
us llli1!~dtt iro, t(hJo a~ injustif;llS que escandalizaram Te6gnis .e nao decide, como os juizes mortais, da culpabilidade da alma.
Antes rnesmo de apresentar-se diante dos magistrados divinos, a
o~ td~1 1:u ~~ o, C'lll v~rdode, cobas indiferentes, em compara-
alma traz vislve.Jmente, sobre si, todos OS tra~OS da alta cometi-
~ao com umn cxlht nt:lu viviJa no culto da filosofia e da vir-
tude. Hctnmondo, portunto, as ttadi~oes do tribunal dos in- da; o tema do Retrato de Dorian Gray sugere bastante bern o
fernos c d:ls rccncmna~i3es, Platao serve-se delas para resolver
(70) Rt!p., IV, 445 a-b; X, 612 a-613 e.
(71) Tim., 91 d ~cg.; Fed., 81 e se.; Leis, X, 904 c-d.
(65) Empc!Jndts, /rttp,m. 118, 119. ( 72) Apol., 41 a; G6rg., 523 a se.; Rep., X , 615 a seg.
( 66) Sllbrc h dro, 7411, w1 ildinntc, pas. 90, n. 151. (73) Rep., X, 615 a-b.
( 67) Leis, IV, 709 a. ( 74 ) Pedro, 248 d seg.
( 68) Cf. a teoria do suidclio em Schnpcnhnucr ( Le Monde etc., S (75) Cf. adma, n. 71.
69).
(76) Fed., 81 d-e.
(69) Leis, VII, 803 b seg.; G6rg. 512 e.
(77) Fed., 82 a.
78 "10
IIW 1'1111 " lllt'! r dizer. Nenhum juiz estranho, e do qual sena urn intermediario: ele deixa a alma sozinha diante da fa-Ita
IIIIJil ' " '~ lv,l contestar a competenda senao o poder, nos con- sozinha 86
.1 Uil, " ' Jllll10s de Zeus somente dao urn veredicto que fomos Metamorfose e castigo isolam a alta e a manifestam. A
r1 111 lu1 lrus a pronunciar sobre n6s 78 .metamorfose to rna visfvel para todos a feiura do vfcio; o cas-
S ~> crime e urn mal, o castlgo e urn bern. Nao ha pior in- . tigo torna a alma sensfvel a sua maldade. A mctamorfose con-
1 1 1'1~ !dncle para o criroinoso do que permanecer llgado ao seu . cretiza a maldade e a liga a alma; enquanto o castigo a apre-
1 time c.: "escapar ao castigo" 7 0 salutar; ele se assemelharia ao .senta a alma como num espelho e provoca assim a "reHexao" 87
do~:nte que, "temendo, como uma crian~a, o tratamento pelo e a corre~ao.
fogo e pelo ferro" 80 , recusasse a cura. Sem duvida, Platao nao Sendo este o inferno platonico, qual e o parafso? - A alma
ignora as penas que agem por intimida~ao. Porem, ele as re- encarnada que hauriu sua felicidade unicamente na pratica da
serva aos malfeitores incuniveis, que, na Cidade ou no alem .filosofia e da justic;a e digna de uma unica recompensa: a vi-
( e que, desde entao, ruio serao mais admitidos a se reencar- sao permanente das realidades eternas. Para aqueles, portanto,
nar) 81 , servirao de exemplo a delinqi.ientes cuja recupera~ao con- que filosofaram "na pureza e na justi~,:a" ss, a roda das reencar-
tinua possfvel 82 Mesmo quando descreve os supllcios infernais nac;6es sera rompida, e eles obtem a felicidade perfeita da con-
com urn luxo de detalhes 8 3 que ja faz pensar na imagina~,:ao templac;ao. Esta condic;ao e, por vezes 89 , subordinada a tres
dantesca, Platao ala menos como legislador que como mora- existencias consagradas a filosofia e o mito a situa ora no as-
Hsta que se dirlge a consdencias obtusas. Trata-se menos Cle tro de onde a alma tinha partido 90 , ora nas ilhas dos bem-aven-
fazer sofrer para inspirar medo do que inspirar medo para turados 01 . Se a alma culpada e confrontada com sua falta, a
prevenir e, sobretudo, para exortar. A puoi~,:ao se propoe es- lalma purificada .sera posta em presenc;a das realidades .o~ as
sencialmente a melhora do culpado 84 Toda falta e involuntaria. quais ela se tornou semelhante. Tampouco sobre ela pronundam
A alma se abandona a ela, porque niio compreende que a falta os juizes uma senten~,:a que lhe seja estranha. 0 julgamento
c urn mal. 0 castigo isola a essencia do crime de suas apa- nada acrescenta a sua felicidade, visto que nada acrescenta a
rencios atraentes. Como o tribunal dos infernos julgara a al- seu valor. Diante dela, os julzes nao fazem figura de distribui-
mA n110, privodn da assistencia das testemunhas complacentes, dores de premios: "les admiram sua beleza e enviam-na as
despojncln clll prcstl~io (bdeza do corpo, riqueza, nobrez~! com ilhas dos bem-aventurados" os.
o qunl dn cnvulvl , durante a cstada terrestre, sua feJUra 85 , 0 mito conhece outras recompensas menos elevadas, prome-
ossim tnrnb~tn !It crgucrd, dionte da alma, a alta inteiramente tidas a uma virtude menos perfeita. Sem alcan~,:ar a virtude
nun, dcsprovldn J c ot rollvvs c de enci\ntos. 0 tribunal e apenas
( 86) Tolvez valesse mais a pen a falar antes de maldade que de
falta. Em todo o caso, nao parece que Platao conceba a falta como uma
e
(78) " 0 infernO, RO mesmo titulo que 0 parafso, Uffi deferimento" queda, unica c dram ~tica. :E: progressivamente e, com freqiiencia, insen-
(R. Schaerer, l)icu, !'Homme et la Vie d'ap,-es Platon, Neuchiitel, 1944, sivelmentc, que n alma resvala para a dcgrada~iio e se confirma no mal.
p&g. 1.53 ). ( 87) Umn das pris6es das Leis chama-sc "casa de reflexiio" (X,
(79) G6rf1.., 479 c 1-2. 908 a).
(80) G6rg., 479 01 ll ~c~:. ( 88) So/., 26J c.
(81) G6rg., .52.5 c; l;'d., 113 e; Rep., X, 615 c scg. ( 89) Pedro, 249 a.
(82) G6rg., 525 c; l<cp., X, 619 d 5; Leis, IX, 862 ell~. (90) Tim., 42 b.
(83) Rep., X, 615 d-616 a. (91) G6rg., 526 c (cf., Fed., 114 b-e ); Rep., VII, 540 b.
( 84) Cf. Leis, IX, 854 d fim. ( 92) Fed., 67 a.
( 8.5) G6rg., 523 c-d. ( 93) G6rg., 526 c.

.R1
lih ~~~~~. 1, 1'f'lli1homens, ajudados por uma grac;a divina ot, sus- pastor nao pode proporcionar ao rcbanho senao uma felicidade
t rllhl lli JIUf Uffi "natural bern" 011 , inspirados por Uffi calculo
de emprestimo. De que serviria o g6zo, mesmo dos maiores pra-
1111 111lnlu1 Dn , atingem uma virtude ignorante, mas merit6ria. zeres, se, privados de inteligencia, de mem61'ia e de ciencia nem
I ' t4111 ~lc:~t, o cido das reencarnac;6es continua; mas, no intervalo, ~esmo so~bessem~s que os estarfamos gozanJo 10a? De qu'e uti-
I ~ ~b lem recompensas, "numa morada pura e situada s<>bre hdade sena uma v1da conforme a sabedoria divina se nao sendo
11 .Ituras da terra" 97 Platao esclarece mal 08 em que consis- n6s pr6prios sabios, nem mesmo percebessemos sua b~ndade lOt?
l r lll cssas recompensas (que ele recolhe, assim como os casti- Sendo a sabedoria o ooico hem 105, a existencia humana com to-
go~, da tradi~ao); em todo caso, elas nao impedem a alma que das as suas miserias, mas que nos permite, por pouco que seja,
as provou de cometer, quando de sua proxima encarna~ao, os filosofar, e preferivel a uma vida, tao perfeita quanto se queira,
piores malefkios 09 Diferentemente dos castigos, estas recom- mas da qual a sabedoria fosse excluida. A arvore do conheci-
pensas nao sao proveitosas para a alma, vista que nao a instruem. mento esta plantada no centro do paraiso de Platao.
0 que vale uma tal vida, passada numa felicidade indizivel Para ver melhor a ac;ao dos castigos e das recompensas s6-
porem lange da filosofia, a obra inteira de Platao no-lo ensina- bre as almas, e preciso lembrar que Platao distingue dais ma-
ria, se urn texto preciso nao viesse, por acrescimo, informar-nos. e
les na alma: a maldade, que como uma doen~a, e a ignorancia
Platao se pergunta se eram felizes os homens que viviam sob o e
que como uma feiura 106. Ora, das almas que o cklo dos nas:
reino de Cronos, vigiados pelo deus em pessoa. Ora, o proble- cimentos arrasta novamente, s6 as mas aproveitaram de sua es-
e
ma saber se eles aproveitam seus lazeres para instruir-se e fi- tada no ~~m, cura~as. que fora~ de sua maldade pelo castigo;
losofar, ou se, "saciados de comidas e bebidas, contavam uns ao COntrartO, OS preffi.lOS oferectdos llOS justOS nao SaO verda-
aos outros ... fabulas como as que se contam agora a seu respei deiramente urn bern, para eles, vista que DaO OS torna~ me-
to" 100 . Eis ai julgado, com todo o respeito que se deve tra- a Jhores. Mesmo as almas submetidas ao castigo salutar somente
.di~ao, essa felicidade tradicional. Ela nao vale mais do que af deixam sua doen~a, mas nao sua feiura. Elas nao 'poderiam
esses banquetes em que OS convivas, por falta de educa~ao, nao tirar dele senao uma experiencia comparavel a
do gato escal-
se sabem entreter por seus pr6prios meios e, em vista disso, sao da?o. Tendo ex~rimentado o maleHcio da falta em sua pr6-
obrigados a fazer vir tocadoras de flautas: e "uma voz estrangei- pna carne, se asstm se pode dizer, elas serao advertidas mas
ra" que estabelece "o liame de sua sociedade" 101 . Entretanto, nao sabias.. Como o comum das pessoas, elas serao cor~josas
esta felicidade e conforme a sabedoria, institufda e dirigida pelo por covardta, temperantes por preocupa~ao com 0 prazer 101. A
deus ou por demonios 102 . Mas Platao nao quer uma felicidade fonte pr~funda do vfcio e uma ignorancia que somente 0 saber
cuja bondade seria colocada numa sabeboria alheia; a ciencia do pode extrrpar. Ora, nao se filosofa nem DO ceu nem nos infer-
no~; nao ~e filosofa senao em terra. Nenhuma salva~ao eficaz
extste, pots, para as almas limitadas a
reencarna~ao a nao ser
( ?4) Men ., 99 c seg. d~?nte sua vida terrestre. Nem recompensas nem ~astigos mo-
('n) Rep., II, 374 e; Leis, X, 899 d, 908 b. dif1cam senslvelmente as almas. Que a reencarna~iio seja auto-
(%) Frd., 68 d seg.
(97) Jloo/,, 114 l ' l-2 ; r.f. 109 b seg.
(911) Ri'p., X, trl'> h fim; Fed., loc. cit.; G6rg., 526 c. ( 103) Fil., 21 b-e.
(9'J) Rep., X, (tl') l: ol. (104) 0 sabio deve saber que o! sabio (C1rm ., 164 a).
( 100) Pollt., 272 c . (105) Eutid., 281 e.
(101) Prot., 347 c-d. ( 106) Sof., 228 d.
(102) Por ex., Leis, 713 cd. ( 107) Fed., 68 d seg.

R? 8
111~111111111 1111 dol('tlllinada pela ultima existencia da alma, ou que
nao e nem urn bern nem urn mal. 0 unico bern real, a sabedo-
dI .r. I'' ""'' d!' umn o~ao oferecida as almas punidas ou recom- . ria identica a virtude, e subtrafda a cscolha: " A virtude nao
Jll"ll'lll 11 ttlma obtem sempre o que deseja a alma torna-se
'IIIJ II 0 q ue e!a e108, I
tern senhor; cada urn, segundo a honre ou a despreze, tera de-
la rnais ou rnenos 114 ". 0 futuro do mito traduz nossa condi~ao
l'ol' W'is dos mitos escatol6gicos, feitos de tradi~aes dife- presente; a virtude, este "unico necessario" ll~' nao se adquire
111111 e compostos segundo inspira~oes diversas, uma inten~ao nem se perde num " instante cr1tico", mas no decorrer de uma
Jl< 1 111111~ece constante: a exorta~ao a filosofia, apelo dirigido a longa serie de esfor~os ou de abandonos; 0 jogo decisivo nao se
~r{'s vtvos e que pede para ser ouvido, que nao pode ser ouvido joga no alern, mas a cada instante do presente.
Ncn1io nesta pr6pria vida.
Na Cidade, nenhurna condi~ao e desprezivel. As profiss6es
de revendedor, comerciante, hoteleiro, "belas", entretanto, e
IV.- A EscoLHA DAS CONDI<;6Es
"honradas", cafram injustamente em descredito. Fossem obriga-
dos homens de bem a exerce-las, e "elas seriam honradas do mes-
Depois de ter recebido o salario de sua ultima existencia mo modo que uma mae e uma ama" 11 0 Os piores malfeitores
as almas, segw1do uma ordem fixada por urn sorteio devera~ relegados as moradas infernais sao tiranos; 0 que nao impede que,
escolher sua pr6xima condi~ao terrestre 100 "Modelos de vidas" mesmo entre os autocratas, se encontrem "boas pessoas" ll 7
cujo numero ~ltrapassa 0 das almas presentes, sao exibidos dian: Dir-se-a o mesmo da profissao de advogado, e Platao retoma, por
te delas. Extstem modelos de tooas as especies : vidas de ani- sua conta, a apologia de G6rgias 118 : a arte nao .incone nero
mais e vidas de homens, vidas de dinastas e de particulares, de em responsabilidade nem em censura porque se encontram ora-
homens famosos ou obscuros; cada condi~ao e precisada, ao dores que a usam maluo.
que parece, nas suas principais peripecias; ao que se acrescen- Esta prirnazia da virtude, capaz de impor-se em todas as
tarn indica~oes sabre pobreza e riqueza, saude e enfermidade, mis cicunstancias e de transfigurar qualquer condi~ao, afirma-se
turados todos os elementos em propor~aes diversas. 0 detalhe pela fe tanto quanto pela razao. Mas ela nao da lugar a qual-
de cada condi~ao nao se descobre a primeira vista; mas basta quer rigorismo. Platao sabe muito bern que a Necessidade niio
olhar bern para escolher bern. 0 instante da escolha e chamado se deixa persuadir inteiramente. Essas coisas neutras que sao
"instante crftico" 11 0 , porque tooa a nossa nova existencia de- os hens exteriores e as condi~oes socia.is ocupam, na a~ao pol!-
pende dele. tica e na vida moral, a categoria de causas auxiliares, de cau-
~ste sistema de o~ao nao difere essencialmente da meta- sas "sem as quais" 120 nero o polltico nem cada particular po- _
morfose automatica descrita em outros mitos 111. "No mais das deriam realizar a virtude. As condi~aes, tomadas em si, sao
vez~.:s, as almas escolhiam segundo os habitos contraidos na sua bern indiferentes, mas, dada a diversidade dos caracteres, cada
v I.'Il l nn t enor
. . Al. em
112 " ' d o mats,
. por que se s1tua
essa o~ao uma delas deve ser adaptada ao unico carater ao qual ela con-
num "instante crftico"? Ela di.z respeito aos hens e aos males vern. 0 chefe de Estado nao e certamente 0 senhor da beleza
cxtcriorc~, aos hens e aos males do corpo us, portanto, ao que
(114) Ibid., 617 e.
(108) Cf. Leis, X, 904 c com.
(11.5) Cf. Grm., 174 c.
( 109) Fedro, 249 h; R.t:p., X, 617 d-620 e.
( 116) Leis, IX, 918 b-e.
( 110) Rep., X, 618 b fim.
(117) G6rg., .525 d-.526 b.
(111) P~. 79, n. 71.
( 118) G6rg., 4.57 a.
(112) Rep., X, 620 a.
( 119) Leis, XI, 937 e seg.
( tl3) Pligs. 23 -l: s~gs.
( 120) Cf. Fed., 99 b.
84
,. ,,,, ' ''"' '' ''" 11.1~t:imento ilustre ou obscuro, nem, muitas ve o polftico o submete a escravidao 12", quando o Rei do Mundo o
J dot lltfiU' I II (' da pobreza de 5eUS SuditOSj ser-lhe-ia pteciso encerra num corpo de lobo. Mas unicamente a d.ialetica nos
thllu ol, uhl4uidade e urn saber divino, se quisesse "seotar-se, torna. livres, porque nos eosina a querer o que se deve. De mo-
n """ lu 11n tc da vida, ao lado de cada cidadao para prescre- do que a boa vontade, aquela que se faz transparente as exi-
\ I ll1 r xntamente o que ele deve fazer" 121. Mas nos limites gencias da divindade, e
a unica a merecer 0 nome de vontade,
e
cf, . .... . fuculdades, realmente urn tal programa que se da 0 e .ela e sempr.e livre, quer provenha do simples cidadao que a
'' I fil6$ofo. E-lhe preciso conhecer as almas que deve.ra gover- abandona livremente ao governante fil6sofo, quer eroane do fi.
nut ; os tres dialogos polfticos contem os elementos de tOda uma a
16sofo que se pOs, por si proprio, disposi~ao do Bern.
cu racterologia. Nao se deve achar, portanto, no mito da Republica, uma
A escolha das condi~oes e deixada a inteira liberdade das doutrina segundo a qual a alma se predestinaria por si mesma.
almas; ninguem podera, pois, reclamar delas a diviodade, que, e
A escolha nos constantemente oferecida, e ela nao diz respei-
quanto a ela, esta "alheia ao assunto". No entanto, somente to somente a virtude, 'mas ainda, de maneira mais restrita, e
um deus seria bastante sabio para poder guiar essa escolha e verdade, aos bens do corpo e aos bens exteriores.
para atribuir a cada alma o modo de vida que lhe conven:i. Nao depende de n6s sermos de nasdmento ilustre ou obs-
Urn deus ou, numa medida menor, urn fil6soo. A ideia da curo, sermos homem ao inves de mulher, sermos belos ao in-
livre escolha, que quer "inocentar" l 22 a divindade se cbnci ves de feios. Mas tooas essas condi~oes, ate certo ponto, po-
lia com uma conccp~iio, em apareocia, totalmente difereote, se- dem ser modificadas 121 Podem-se perder os privilegios de nas-
gundo a qual Deus, "Rei do Universo", assinala a cada urn cimento e pode-se, em alta deles, adquirir 0 merito 128 ; urn ho-
de n6s o seu lugar conveniente. "Mas ele deixou as
nossas von- 'mem pode, pot covardia repetida, decair de sua virilidade 129 ;
todes as causas das quais dependem nossas qualidades: porque em troca, uma mulher capaz de carregar armas e de cultivar
n(~ nos tornamos, geralmente, 0 que desejamos e tais como e as dencias sera associada a tarefa dos guardiaes 130 ; a beleza
nouo alma 123 ." Sempre se reencontra esta correspondencia pode desvanecer-se 131 e aquele que dela carece pode remediar
cmrc Msso cnrotcr e nossa condi~ao. Que ela provenha de a sua desgra~a pela pdtica da ginastica 182 , senao pelos arti-
umn mcttuHol'fosc automatica, que seja fixada por uma livre ffcios da arte dos cosmeticos e da arte de enfeitar-se na; mesmo
OJl\l u, que ju. itn~ostn JX:lo rei fi16sofo ou pelo Rei do Uni- da doen~a 134 pode fazer-se urn hom uso.
wrso, (o erupt 11 ulmu que cscolhc sua condi~iio. Todos os elementos imutaveis da nossa vida, aqueles que
Mo11 1111 dun l"UICI! Lin olma dctcrminam duas vootades, podemos usar antes de uma maneira que de outra, mas que
uma que oh<'dtc: uu Hcm, tl ontra ar.rastada aos caprichos da 'nose impossfvel suprimir, sao "escolhidos". 0 mito nao d~ maio-
causa ctnmtc: ~~~. A11 duos procurnm, uma, o que ela sabe, a
outra, o qur cln ere ' ~ 11 scr nosso hem. Todas duas obtem o que ( 126) PoUt., 309 a.
querem ou crecm qucrer. Acont~a o que acontecer, sua pr6- e ( 127) Sobre a "dunlidade" das condi~6es, ver R. Schaerer, loc. cit.,
pria vontade que c feita quando o mau obtem a tirania; quando p,g, -164.
( 128) Rep., IV, 423 c-d.
( 129) Tim., 42 c.
( 121) Polit., 27~ c; 29~ a fimb. (130) Rep., IV, 4.56 a; VII, .540 c.
(122) Rep., X, 617 c; cf. 11, 379 c, Tim., 42 d. (131) Alcib. I, 131 c.
( 123) Leir, X, 904 a, b-e. ( 132) Tim., 87 d seg.
( 124) C. tambem Fedro, 237 d seg. ( 133) G6rg., 46.5 b; Hlp. Mai., 294 a.
(12~) Men., 77 b seg. ( 134) Rep., VI, 496 c com.

86 0"1
1 111 'l'nlvcz seja permitido descobrir, nesta solidarie- vina" Hl que teria podido proteger Alcibfndes contra as tenta-
1hul1 ''" 'Uittt com certos dados imutaveis das condic;<>es de c;<>es invasoras e mante-lo na justi~o. 1~stc duplo aspecto da
v till, 1111 111 lllx:rdade e uma escolha de todos os instantes, a ll- sorte, aCI\SO e favor divino 142 , encontrasc tnnto na vida dos
hrt tl.~al, d< "ussumir" e de escolher o que, do exterior, parece particulates como na Cidade. Inscrevendo na consututc;ao o
ltulut vt'l Jnn. E assim, pode-se dizer, que o Demiurgo "assume" sorteio de certos cargos publicos, o legislador levar~ em con-
uhrns da Causa errante e as submete a vontade da lntelig~n siderac;ao a parte q ue cabe a Necessidacle cega 143 . Na vida
,lu. Estamos Ionge, em todo' o caso, do ideal est6ico que pul- politica e na vida dos particulares, Platao reserva urn lugar
vcri:r.a t6das as coisas, fora a razao, na indiferenc;a do nihil ad me. para a ac;ao do "acaso" ou de urn "deus". Ac;ao de uma "for-
Mas a Razao nao penetra inteiramente a Materia e o dia- tuna", boa ou ma, ela nao merece que alguem "se d~sencora
letico nem sempre e livre de acordar seus atos a seu conhe- je" IH, el.a "e negligenciavel para urn ~om~mA v7rda~e~amen:e
mento. Nossa vida comporta uma parte irredutivel de acaso. homem" HG; o il6soo, conftante na mteligencta divma, nao
E deste dado ultimo que da conta a instituic;ao do sorteio. Irre- ' de orar para que os deuses " cotrtjam
deiXara .. " 146 , e
o sor teto
vogavel, a sorte olio e decisiva: " Mesmo o ultimo dos homens, de crer que todos os infortunios "acabarao por converter-se em
se escolhe intellgentemente e se nao poupa esforc;os, pode obter vantagem" para o justo 147
uma exist~ncia conveniente l sc. Porem, a medida que a inteli- a
Pode-se dizer, portanto, que tudo o que acontece alma de-
.gencia se obscurece e que o esforc;o se abandona, a sorte pode pende, no final das contas, dela mesma, e que ela pr6pria de-
ganhar a posic;ao superior. As voltas com o saber e com a jus- pende da razao 14 8. Assim como o ignorante pode akanc;ar o
tic;a do il6sofo, a sorte se afirma, sobretudo, como uma oca- saber, seja por seus pr6prios meios, scja gra~as a urn mes-
siao "falha" 137 ; nao depende do fil6sofo nascer numa patria tre u o, a salvac;ao das almas reside seja na pratica da dialetica,
fsvoravel a sua ac;ao poHtica, nero mesmo ao desabrochamento seja na submissao a inteligencia do fil6sofo-rei, coroado ou nao,
de suas faculdades as. Mas isto e urn a simples alta de sorte, que se submeteu, ele pr6pdo, a razao de Deus.
que contraria sua vontade, sem conseguir desvh1-la. Em troca, Mas, se a diversidade das condic;oes depende das almas, de
n sorrc que fez nascer Aldbfades em pleno imperialismo ate- on de provem a difereoc;a entre as almas?
ni<'ll e triunfor:{ na nobreza nativa do disdpulo de SOcrates e
o dc:llvio r~ cht filosofi:l 130. Por outro lado, ha ocasioes "ofere-
l'iths" d qnc nt o podcrlnmos, scm "desmedida '"', atribuirnos
0 m6rito. N 0 ~ lltlll clenci ' t \Ill} "feliz acaso", e "urn deus" HO v. - A !NDIVIDUALIDADE DAS ALMAS
que podc: f111.cr t t dlult<tko cncontrnr um chefe de Estado bern do-
tado e d6dl tll!l con~c:lhos du r:lzao; C: uma " dispensac;ao di- Uma vez p()sto em marcha, o mecanismo das reencarnac;6es
satisfaz a tex:las as exigencias da justic;a e da razao. Mas qual

( 13') J.-V. Snrtre, L'Etre et le Neant, Paris, 1943, p. ex. pags. ( 141 ) Rep., VI, 493 a 1.
392-393 ( vcr t:lmb~m as rcferencias ao mito da Rep., pags. 126, 372). ( 142) Leis, IV, 709 ab.
( 136) Rep., X, 619 b. ( 143) Leis, VI, 7'57 d-e.
( 137) Rep., VJ, 497 R 3 . (144) Rep., X, 619 b 6.
( 138) R~p., VI. ( 14') G&rg., .512 c 1.
( 139) Rep., VI, 492 A Sl!g.; t1/cib. I, fi m. (146) Leis, VI, 757 e '
( 147) Rep., X, 613 a 67.
(.*) Julgamos conveniente introuuzil' Cllsc m:olosismo para tra- (148) Men., 88 c; cf. Prot., 313 a; Ctmn., 156 e fim; Rep., III,
du~ir o frances "demesure", qtle traduz o grego " hybria". (N. Jo T.)
400 d-e.
( 140) Leis, IV, 710 c-d . ( 149) Laq., 186 e; Aleib. I, 106 d ; Fed., 78 a.

88 on
foi 11 '"'~'' ttl.lleirn e por que as almas niio sao t8das iguais dade inteligivel vai encontrar a causa errante, a Necessidade
l ' lll v!ilu l mecaruca e cega: e esta que estabelece as " leis" das reencar-
f I Mndtlo inteligfvel compreende a Forma dos viventes mor- na~oes 102 , e dela que depende a adjun~ao, feita a alma imortal,
1111 " prC'ciso", portanto, que o Universe visivel compreenda de uma alma e de urn corpo mortais, e ela que mergulba a alma
ln tltt 1111, " sc deve ser perfeitamente acabado" uo. ste "e pre- ao cantata do mundo corporal, numa perturba<;iio profunda 1113
' lu" ~ o. uni.ca 151 explica~ao que o Timeu propoe da origem ~ste encontro da bondade do Modelo e da Necessidade cega, a
cl11: humens. A necessidade deve entender-sc, aqui, nos dois seri- coopera~ao do Demiurgo e das divindades subalternas, testemu-
rld~ts que esta palavra pode ter em Platao. Ela exprime pri- nham novamente do "dualismo" platonico e dao conta da duali-
metramente as leis essenciais do Devir, tais como sao inscritas dade da natureza humana.
nas Formas. Mas, desde que as almas saem das maos do De- Durante todo o tempo em que as almas dependem do De
miurgo, desde que se trate de implanta-las em corpos, a Neces.- miurgo, sao tOdas tratadas da mesma maneira. 0 Deus lhes
"ensina a natureza do Todo", e estabelece o primeiro nasci-
me.n to "identico para todas, a fim de que nenhuma seja menos
(150) Tlm., 41 b-e. bern tratada por ele". I nstrufdas pelo Deus, atribuidas, cada
. ( 1'1) De c~rdo com Tnylor (A Commentary on Pl.'s T imaeus, uma, a uq1 astra 1 ~ \ destinadas a uma primeira el)cama~ao
O xforl, 19)11, J)nfl~ =''
sc.g. ), rx:nsnmos qUl' cste cexto do Timeu exclui igual para tOdas, as almas obtem de seu Criador a plenitQde
1&t11 i<l~ln 41e Ulllll ''qucdn". - P:mt :l{astar, em favor do Timeu, a nar do saber e urn tratamento de justi\;a perfeita. Nao e na ori-
to\dU dn qucd11 Jn~c:!''Ctu:d de Prdro, 24!S a seg., a cronologia forneceria
um nraumento suftctcntc (o que niio !he acontece tao frequenremente).
gem, nao sob o imperio do Demiurgo, nem no lugar supra-
Por~, ~ mnls simples consrarar que o miro do Fedro nao e urn "conto lunar, que uma diferen~a, que equ.ivaleria a uma alta. de equi-
verosslmil" (Tim., 29 d 1), cxposro entre sabios e encarregado de explo dade, se pode insinuar na s~rie dos "demonios" 1 ~5 que acabam
rar urn terrene a que a razao nao pode ir, mas " urn discurso olio ioreira- de nascer. E a a~ao da Causa errante que vai produzir as des-
mente iseoto de persuasao" (256 b fim) que quer "fazer voJtarse" ao via\;OeS em que se diferenciarao as almas, e esta a~ao somente
Rluno "para a fisolofia" (257 b 45). Daf, entao como se contradiriam
OS d~is dialogos .cuja inten9io nao e 8 mesma? ....:.. ~ esta inren~aO pro se pode exercer no decorrer das reencarna~oes, no mundo $Ublu-
tr~pnca que exphca que o Fedro, longe de querer elucidar a pr6-hist6ria nar, onde a Necessidade cega nao esta inteiramente reduzida
da alma, transp5e num passado mftico a atual condi~ao da alma. : s(). pela Inteligencia divina.
menre a alma encarnada que se pode arribuir urn mau coree! niio a @ste
"dem5nio" divino (Tim., 90 a, 41 c) cuja composi~ao perieit:t" garante
Se bern que esta ideia do "primeiro" nascimento nao pre-
a indissolubilidade (41 b; Rep., 611 a-612 a; cf. II, 381 ah). A id~ia da tenda, de modo nenhum, resolver um problema de hist6ria, in-
queda, conforme a tradi~iio, niio enconrra eco em nenhum texto de Platao. _soluvel para os nossos meios de investiga\;ao 1 ~ 6 , ela pode se r
Robin (Introdu,ao ao Fedro, pag. CXXVIII) pOde mostrar a que absur- projetada sobre o plano hist6rico. I nstrufdos pelas "antigas tra
dos _conduz esta ideia, se interpretada literalmente. De fato, a reminis- di~oes" dos diversos flagelos, inunda~6es e epidemias que "di-
ccncta ~_om clever que se imp5e a todos os homens, indisrintamente (Fedro,
349 b fun), e que sup5e uma inicia~ao pr6-empfrica, igualmcnte perfeita, zimaram o genero humano e provocaram as alternancias das ci-
de tOdas as almas (Men., 81 d). ~ 50mente no seu estado encarnado viliza~oes, podcmos situar a "primeira" encarna\;ao das almas
que ~s al~nas diio provas de aptid5es desiguais para o "rememorarse". numa dessas socicdadcs primitivas cujos membros nao conhe-
<? mtto nao pretcndc .explicar esta desigualdade poe uma outra, pri-empf-
:tca, e que demondarm, poe sua vez, ser explicada. Depois de dar, na
tmagem das parelha~ nl~dns, urn fundo para o drama que se vai rcpre- ( 152) Tim., 41 e; Fedro, 248 c 3.
sentar nas. almas enc:oll'nadu ( 250 c scg., 253 c sc~:.), o mito nio rct~m ( 153) Tim., 42 a; 43 a seg.
da queda .tnrelc;ctual seniio n cxorta(:lo, y,Hid:~ pnra todo "ltomctn" ( 249
b 8), a filosofta . As FormAS siio o objcto de nosso dcsejo, de nossos
(154) Tim., 41 e.
esfo~os, de nossas nostalgias (250 c); jamais, mesmo no Fed4o, dcsper ( 155) Tim. , 90 a 4.
tam elas, em n6s, urn sentimento de culpabilidade. ( 156) Rep., II, 382 d 13; cf. Leis, VI, 782 a.

90 Q1
cttll "lll l tl t:on~titui~oes nem governos nem artes nero leis" e gulares de outrora para imp0-las, soberanamente, a alma mot
iftrllll llmlo os tenta~6es da pobreza e da riqueza, eram "virtuo: tal e ao corpo Hl3.
cNsus raz6es e por causa daquilo que se denomina sim-
IIC ill poJ
plld dullc" 1 ~ 7 Tal e o primeiro nasdmento, "identico para to- Poderia crer-se, por conseguinte, que a salva~ao das almas
do 1'', que produz seres apenas diferenciados, indistintamente consistiria em desindividualizar-se, a fim de reentrar em sua pei-
h,:n.s. Depoi~, assim como a Cidade ideal 111 8 , esta sociedade pri- fei~ao primitiva e unica. Isto e verdade na medida em que OS
tnttlva .evolm e ~e deser:volve. no sentido de uma diferencia~ao caracteres se formam e se enrijecem sob a a~iio das duas partes
que val dar nasc1mento as destgualdades de caracteres as virtu- mortals adjuntas a alma imortal. E isso e tanto mais verdade
' . 15 ~ . A evoIu~ao
cle s e a,os VICios - que mergulh a o ser' no devir que o individualismo sem freio de urn Calicles e, de maneira
se faz as avessas e, uma vez produzido o nascimento se enca- geral, "o arnor de si" 16\ se enraizarn na parte mortal de nossa
minha logo para a corrup~ao. ' alma para opor-se, por detras dos redutos do eu, as exigencias do
Bern. Mas sera verdade que a alma imortal nao tern carater
E, portanto, no decurso de suas encarna~6es que as almas proprio?
se individualizam e se fixam em caracteres. Processo de multl-
plica~ao e, freqtientemente, de degrada~ao comparavel aquele As alrnas ocuparn o Iugar medio entre as Formas e as coisas
pelo qual a Forma "uniforme" produz no " porta-marcas" uma sens.lveis 165 Enquanto cada Forma e unica, as almas sao rnUl-
tiplas. Mas esta pluralidade e fixa; ela niio e infinita, como a
i~finidad,e de imag~~s, mais ~u menos obscuras. Enquanto a
vittude e uma, o vtcto se mamfesta sob formas inumeniveis 1oo. das imagens. Nem e, tarnpouco, como a das imagens, sinal de
imperfei~ao. Bern ao contrario, a pluralidade das almas, de-
A~ ~l~a.s lan~adas ~os corpos decaem de sua perfei~ao unica que,
ongmariamente, 01 a mesma para todas, e dela se afastam na terminada pelo numero das -divindades astrais 166 realiza ests.
medida em que se individualizam ao infinito. suposi~ao, que seria contradit6ria e impensavei; s~ se quisesse
aplica-la as Form as" 167 : uma pluralidade de seres absolutamente
Ademais, de maneira outra que a Forma pura e "em si" a iguais em essencia, em dignidade e em valor.
alma desce diretamente na materia, o fluxo do devir a arra~ta
n desequiHbra totalmente, a tal ponto que, "no primeiro mo- Mas esta pluralidade indistinta nao tardara antes rnesmo
mcnto, a alma enlouquece" 161 . Para achar urn modo de ell:iS- de ser deslocada pela causa errante, a diversificar-se: 0 De-
tl' ncio suportavel, a alma se ve obrigada a compor-se com a ma- miurgo atribui cada alma a urn astro, em seguida "ensina-lhes
IL'd n invasora; renegando sua fun~ao dominadora ela cede aos a natureza do Todo"; ou ainda, as almas seguem, em cortejo,
lflri hos da ca:usa errante e acolhe, em si e pe;to de si, ele- os astros para iniciar-se no espetaculo das Realidades divinas 1es.
lli ['~ le1~ corporats que a alteram, a desfiguram e, pela for~a do E nesta "distribui~iio" que reside, para as almas, o principio
h ~b .w, n tornam diflcilmente reconhedvel 162 Ora, 0 unico meio de individua~ao. E ve-se, imediatamente, que esta individua~ao
d1CII o'. do restobelecer 0 equillbrio e resistir aos movimentos in-
niio e falta nem degrada~ao . Ela e analoga a diversidade dos
finitll ~ c tf,. ordcnados da materia e reencontrar as revolu~oes re-
( 163) Tim., 44 b .
( 1.57) f~l1 , IIr, (,77 n 1; 678 a; 679 c. (164) Lci.r, V, 731 d scg.
( 1.58) RtJI., VIII !:Hill. ( 16.5) Cf. tambem Banq11ete, 203 a.
(1.59) Lc:ij, Ill, /.?K n. (166) Tim., 41 d fim.
( 160) Rep., lV, 44' !:. (167) Rep., X, 597 c-d ; Parm., 132 a-b, d seg.; em troca, "os ob
jctos matematieos" sao, igualmente, " uma pluralidadc Jc objetos seme
( 161) Tim., 44 b l.
lhantes" (Arist., Met., A, 6 987 b 14 seg. ).
( 162) Rep., X, 611 c612 a.
( 168) Tim., 41 e com.; Pedro, 248 a, e.

92
seja monarquica ou aristocratica 171 , porgue mesmo numerosos
n"tru11. 1 h'voluc;oes dos corpos celestes distinguern-se entre chefes, ainda que diferentes de carater, sc harmonizarao e se as-
till , 11 111 \1111' css11s diferenc;as engendrem, eomo entre os rnortais, semelharao por seu amor do Bern; falando do alem, S6crates
ell ' ' "" lt ~ c injustic;as. Elas harmonizam-se entre si e recorn- espera retornar junto dos hornens bons e dos deuses bons 172 ..
1>1 111, w ujuntamente, a unidade do Universo, a fim de que "o
M11udu, Cosmo no verdadeiro sentido do trmo, seja diversifi-
l! significative que Platao, malgrado a origem comum das
almas ( formadas tOdas na cratera * de onde surgiu a Alma do
em sua totalidade" l09.
t old\1
a
Mundo 1 73), jamais eosinou o retorno Alma Universal sem o
Esta diferenciac;ao pre-empirica das almas vai dar lugar, aqui esvaecimento no seio do Ser, em que as almas se abismariam e
nlnda, poe uma sorte de processao, a diversidade dos caracteres. d.issolveriam seus caracteres como nao-ser. Assim como a alma
Os astros, igualmente bons, convidavarn as almas de seu sequito nao devera desencarnar-se durante sua estada terrestre, igual-
a mesma visao das mesmas Realidades eternas. Mas, urna vez mente nao sera desindividualizada apes a ruptura do ciclo dos
cafdas em corpos mortais, as almas sofrerao a ac;ao da causa nascimentos.
errante que pesara sobre seus caracteres igualmente bons, fa.
-las-a desviar-se e sair de sua perfeic;ao original, e podera tor-
nar sua fidelidade em caricatura e alta. l! assim que a alma VI. - A ALMA E 0 UNIVERSO
.q ue foi iniciada no sequito de JUpiter guardara mais constancia
e equilibrio nas tormentas do amor; a que foi a servidora de P or seus elementos coroponentes, a alma aparenta-se ao
Marte ceded a c6lera e se perdera ate ao assassfnio e, de modo mundo inteligivel como ao mundo visfvel. 0 mito explica por
geral, "s~gundo tenha sido tal alma do coro de tal deus, ela hon- esta dupla natureza a aptidao da alma aos dois modos do conhe-
rar:i esse deus e tentara imita-lo, o mais possivel, ern sua cimento: intelecc;ao e sensac;ao tH, em virtude do prindpio de
vida" 170 que o semelhante nao pode ser conhecido senao pelo seroelhante.
!ste texto traduz uma crenc;a mais que uma doutrina. Ademais, e ainda por sua mesma natureza que a alma se rela-
flle nao implica nero demanda nero favorece a pratica do "ho ciona com o reino das Formas e com o Universe vis!vel. E a
r6 copo". Nao se trata de predizer nosso destino nem mesmo h ndade do Demiurgo faz que rnesmo as rela~oes que a alma
d<' cxplicar em detalhe tal carater por tal estrela. 'Mas ha bern llHinl~m com o mundo corporal sejam ainda penetradas de ra-
11 0 ( H' tcmunhero da ordem que as Formas delegam a Materia.
Rl n iJeia (que nao aceita ser precisada senao em favor do
Ill In ) tic que a individualidade das aJmas e garantida pela or A Jlormas: em relac;ao ao Universo visivel, sao radicalmente
dr m 1 t'l5mica. No seu esforc;o de purificac;ao, a dialetica ten- truntlcencl u et1. 0 Pedro as situa no "Iugar supraceleste'' 17 ~, o
;~,. " (lum innr nossas paixoes, a devolver ao principio racional que vult tfl,er que renuncia a localiza-las. Em troca, as almas,
m1 hulrJlt'ndcncia em relac;ao a alma mortal, a qual, justamente, dc!ldc iiell llll~i rncnto, sao situadas, cada uma, num astro; este
mlu fttl(. 111>tcn individualidade profunda mas, ao contrario, a con~titui ltll " luROr natural" e permanece para cada urn delas
Jwrvrrtc. a p'trin lonMfnqun n que retornarao, com a condi~ao de passa
rem a;uR vicln nu jusli~u e na filosofia.
S{t II N('llldhnnte e amigo do semelhante, segundo Platao.
Mas Clllll '('lht'l hHn~a nao e identidade. A amizade, no seio da (171)- R"p., IV, 44' rl.
Academin, IIKII\111 huuwns bern diferentes, mas unidos em seu (172) P~d., 63 b.
culto comum dn fllosofin; pouco importa que a Cidade ideal (*) Especie de vaso antigo. (N. do T. )
(173) Tim., 41 d.
(174) Tim., 41 d; 47 a-c
(169) Tim., 40 a; cf. l<tp., VI , )00 c.
( 175) Pedro, 247 c.
(170) Pedro, 252 c-d.
95
ll,t n111su~ lugares que convem
a alma. A expia~iio das al-
situa-se nas profundezas da terra, os pre~os da
llht/. 1 IIIJtlldus . As freqlientes rela~6es que P lat:io cstnb.elece entre. a cosmo-
vlrrutlc sno recebidos no ceu 176. E como ha graus de maldade logia e a psicologia ( polftica ou cscatnl~l:!l~a ) pod~na_m fazet
011 lu~utrcs do castigo se distribuem por andares desde a super~ crer que o Universe platonico tern por flnaltdad~ pnncr~al for-
ffdc drt terra ate as regi6es subterraneas do Hades 177. 0 Fedao necer para as viagens das almas urn vasto ccnano dAe p~~sagens
tblcrcve, com abundancia de detalhes, essas moradas infernais variadas. De fato, o Unive.tso nao e nem antropocentnco n~
d~ indica~6es estranhamente precisas, dir-se-ia quase cientf- "psicocentrico" . 0 Universo nem me~~o tr~ seu centro ~ st
ficas, sob_re sua hidrografia. Em outros mitos, ao mesmo tempo mesmo; o Modelo inteligivel nao fot tmagmado pelo C~tadOJ:
escatol6grcos e cosmol6gicos, puderam-se descobrir elementos de das Formas para o Unico fim de servir de "modelo" ao De~JUrgo.
astronomia conformes ao ultimo estado da ciencia contemporanea A existencia jamais e "em vista da" genese 181 ; e a c6p1a que
de Platao. -tern por fim o modele, nao inversamente. Dai entao, como po-
. Simbolismo e ciencia esfor~am-se, conjuntamente, por tradu- .deriam as almas humanas, inferiores as Formas! depende~do do
ztr as correspondencias entre as almas ( subindo ou descendo os Demiurgo depois das divindades astrais, ser o f~ do_ Umverso?
degraus do saber e da vir tude) e os lugares c6smicos. Encon- - 0 finalismo de que o Timeu da provas na explica~ao, em par-
ticular, do corpo humaoo ou ainda, ~s , P_ A.J .i1u d'
Iantas 182 , puae ;r
tramos uma idCia annloga na teoria evolucionista as avessas
pela qual o Timeu explica o noscimento dos animais. A firme certos interpretes. E verdade que o prmctpto do melhor se tmpoe
c_renp que sc cxrwintc nc~sa.~ nnrrativas e a exorta~o a jus- a -ca.d a .escalao da realidade e organiza, de degrou em deg~au, o
tt~a em que clns achnm sua conrlus.io conferem uma verdade inferior em vista do superior e, de modo geral, a Materta em
indubit6vcl a csscs cnntos, n ponro de Socrntes podcr ao mes- vista das Form~s. M as, de acordo com esse princfpio, o homem
mo tempo, dizer que "nao convem a urn homem sens~to" pre- nao se torna urn fim senao num nivel bastante_ bai;xo da escala,
tender que todas essas coisas se passam realmente assim como no quadro de um UIJiverso ja existente e CUJO f1_m, longe_ de
o mito as descreve, e afirmar, contra Calicles e 'seu imoralis- ser 0 homem ou mesmo a alma humana, esta s1tuado ac1ma
mo sem inteligencia ( o que, para Platiio, seria, alias, urn pleo- desse Univers~. 0 sol, por cxemplo, nao foi criado, co mo o quer
nasmo), que o mito e um logos 118 E p redso acrescentar que 0 S6crates xenofontico, pam a comodidade dos homc;r:s, nem as

tudo o que, nessas narrativas, pode parecer, a primeira vista, estrelas para " indicar-nos as horas da noite e petmltlt-~os que
' de _ocupa~_?es
-
Jogo gratuito da imagina~ao torna-se um ideal bern preciso na
, 183
nos entreguemos a born numero t
necessanas .
ciencia polftica, quando se trata, para o chefe de Estado, de es- 0 sol e os planetas nao tern outro 1m senao ~ornecer med1das
tabelecer as correspondencias entre tal cidadao e tal dasse so- vislveis 1 St ao tempo, " imagem m6vel da Etermdade".
ci~, tal ofkio, tal situa~ao. As leis harmonicas provindas das E em virtude da processao, no desempenho de suas fun.
Formas governam o Universo inteiro e agem por toda parte e ~Oes, que os astros se tornam causas de certos b_ens para ~6s;
sempre as mesmas, no ceu,
na organiza~ao da Cidade na ati- nao foi para faze-los produzir tais bens que o Demmrgo ~s cn_ou.
vidade170do menor artesao. Elas asseguram a coere~cia do Mesmo no nlvd ern que o homem e o fim do que lhe e mfen~r,
Todo e fixam para cada alma, encarnada 180 ou livre do corpo, 0 fim ultimo c scmpre 0 Bern ou " a Vltorta
. ' . da VU'tU
. de " 186. I JS
0 lugar que lhe convem. mais 0 bem-cstar dos homcns. T&la a fisiologia platomca se
(176) Rep., X, 614 c seg.
(177) Leis, X, 904 c-c. ( 181) Fil., 54 a-c.
(178) Fed., 114 d; G6rg., 523 a. ( 182) Tim. , 77 a.
( 179) G6rg., '507 e fim-508 a. ( 183 ) Memor., IV, III H .
( 180) Cf. Leis, X, 904 Rh. ( 184) Tim. , 38 c.
( I 85) Leis, X , 904 b.
96
partilhu l'lttre .a explica~o pelo prindpio do melhor e pela cuidadosamente as menores maru'estae;oes
- que d'l e e proced em 102 .
' . . 1'
Vimos que a cienda do Ser e uma ctt:ncta re tgtosa .
. 103
"nt:ccs. IJudc". A bOca e OS dentes sao "necess~rios" para dar
ao C:t H'po seu alimento; de outro lado, "a fonte das palavras "E imposs1vel", dizem as Leis, "que urn mortal adquira uma
que jorra exterionnente para servir o espfrito e, de todas as piedade firme, se nao tiver compreendido csses; dois P?ntos ' de
(om~.-s, a mais bela e a melhor" 180 Este duplo ponto de vista, que alamos: em primeiro Iugar, que a alma t: ? mats anugo
que domina todo o Timeu, basta para mostrar que a teleologia dos seres que participarn da gera~ao, que ela e tmortal e que
plat6nica e fundamentalmente diferente da que Xenofonte em- ela govema todos os corpos; em seguida ( dissemo-lo numerosas
presta ao seu S6crates e onde se constatou com razao "urn pou- vezes), que ha nos astrOS uma lntelig~ncia que gove~na OS Se-
co de Bernardin de Saint-Pierre" 187 . Assim como o pessimlsmo res; enfim, ele deve conhecer as disdplma.s preparat6nas a com-
de Platao nao se confunde com o dos antigos 188 , o otimlsmo do preensao desses pontos" 1o. - Essas ind1ca~oes servem de pre-
"prindpio do melhor" nao se confunde com o de Xenofonte. ludic 'a urn programa de estudos que e preci~o estabelecer com
0 finalismo dos Memoraveis se nutre, precisamente, do que o vistas aos futuros chefes de Estado, isto e, aos dialeticos. A "pie-
Timeu abandona ao "necessaria": o conjunto dos "fins" e dos dade" como no Eutifronte e na Republica, conduz, passando
"bens" que asseguram a felicidade do animal em nos. pela /ustit;a, ate a dencia do Bern. Mas o movimento ascen-
Para Platlio como para Plotino, o "fim verdadeiro" do ho- dcnte que arrasta a alma, atraves das disdplinas propedeutica.s,
mcm "consiste em ocupar seu Iugar no sistema das realidades, ate o Ser supremo, repousa-se, por certo tempo, na astronomta
c nao em rcscrvar-se nele 0 primeiro papel" 189. onde como por antecipa~ao,. pressente seu t:ermo; a piedade, an-
tes de fundir-se na visao do Bern, toma conscienda de si mes~
rna, nesses "dois pontos", nessas exigencias conjuntas em que
VII. - 0 CuLTO EsPIRITUAL
se afirma a prirnazia da alma e a divindade dos corpos celes-
tes. - H ouve quem aproximasse essas duas exigendas da ce-
Antes de encarnar-se pela primeira vez, a alma dava-se lebre tirada em que a Critica da Razao Pratica glorifica o ceu
inteira ao espetaculo das Formas divinas e, atualmente, sua estrelado e a lei. moral em n6s. Aproximat;ao superficial, de que
salva~ao exige que ela rompa o ciclo dos nascimentos para re- nero Kant nero Platao tiram proveito e que corre o risco, da
tornar a sua condi~ao original. Desta condit;ao perdida e prome- parte dos modernos, de emprestar a Platao certo sentirnenta-
tida, que fixa o estatuto metaflsico da alma, segue-se para o lisrno vago a e:xtasiat-Se diante do esplendor do Ceu:lD~ e-da V?Z
homem esta exigencia: praticar a fllosofia 100 No esfor~o dia- da consciencia. Nao se trata, em Platao, de duas afrrma~oes dis-
lt~tico, o homern descobre sua funt;ao propria; no arnot filo- tintas. E preciso compreender, conjuntarnente, a preexcelencia
s6ico, e.J.e desfaz os vinculos de sua condi~ao carnal e adivinha da alma e a <livindade do "grande Todo". Alem disso, o prima-
os "amores inimaginaveis" 101 que, outrora, o uniam ao Ser. A do espiritual niio se afirma, logo de inkio, nos imperatives eti-
filosofia nao negligencia nem despreza parcela alguma do sa- cos. Na ordem da p-rocessao, n6s o vimos, o fato moral" nao
ber, porque e somente assim que ela atinge a "essencia intei.ra", vern em primt:iro Iugar. 0 que e primordial sao as Essendas,
isto e, o Bern no seu desenvolvimento infinito, devendo recolher de ondc sni n Alma, uma Almd c6smica, infalivel em sua in-

(186) Tim., 75 e (trad. Rivaud).


(187) A. Dies, Aulour de Platon, t. II, P>lgs. 553. ( 192) Rep., V. 475 b-e; VI, 485 b; Parm., 130 e 3; So/., 227 a-c.
( 188) Pags. 78 c sc:gs. ( 193) Pags. 41, 45 e segs.
( 189) E. Brchler, Plotin, Ennead~r, Parb, 1924, r. 11, ~8 110. ( l94} Leir, XII, 967 d.
(190) Pedro, 249 b. fim. ( L95) Cp. tam hem as betas paginas de Stuart Mill, Phil. de Ha-
( 191) Fedro, 250 d. miltroll, tr. fr., 1869, p:igs. 598-601 (cap. XXVII, fim) .

09
tdliCth It~, que. compreende
1111 l~.,. II ln'l. Onic.amente, ae ai: seus movt9)ent-os, 9L'e imitam Eutidemo: " servir-nos" 20 G deles). _.. 0 culto dos deuses, demo
llflll '1 ""'11 da pode desobed . a humana conhece lrnperativos nios .e her6is diz respeito a " religiao" no sentido tradicional, e
ecer e uma co ~ di 'd'd
IIIII l'ntJiro-senso querer fund ' I . nsctencta VI 1 a. E encontra na Cidade seu quadro natural. Mas os deveres da alma
1ln dn Inteligencia s<'>bre a 1 :~ ~~rfi atomsmo, .De~; o.u a prima- para consigo mesma 206 podem ser considcrados em separado e
(1Uve para melhor . f . . I M .' que a consctenc.ta . hum ana definem o que se poderia chamar de culto interior.
. . m nngt- a.
rtl!ncta da alma " 'd uao pelo con trarto, , .
a expe-
venCI a pe1o prazer" da aim " b . ."De todos OS hens que possufmos, a alma e, depois dos deu-
mas tais coisas, as faz, no entanto" 19G 'f a que . sa endo ses, o mais divino." " Honrar" sua alma e "honrar bern mais a
desprezo de toda cienc.t'a E f' . '- az, nascer a. m:sologia, o
n lrn nao e a ad - be parte de n6s que comanda que a que obedece"; com efeito :
nem qualquer calafrio poetico-religi~s d. d mtra~~o . a ta' " Ha, em cada urn de n6s, duas partes, uma poderosa e de boa
Platao q if o, tante as estrelas que
" be " ue~ Sign tear. Nao se trata de "sentir" 197 trata 's d' qualidade, que comanda, e outra, fraca e de menor valor, que
. sa ~-' e tsso c.om a ajuda das "disci lina ', . . . e e deve obedecer 207 ".
preensao desses pontos" us M . ~ s preparatonas a com-
9Piniao comum ats pr~c.ts~mente, trata-se, contra a 0 culto interior se resume nestas duas afirma~i5es: a -alma
.uma fonte de ateG:o r;~s~:::h: Cienus~o .astronomico como deve cuidar de si mesma 208, e: "o Deus a deu a cada urn de.
seja conhecimento dos de' u. uma ciencta astronomica que n6s como urn genio divino (demonio) 2 0 9 " .
ses.
. Alem da dial~tica e da astrono . . Pl - . A teoria da divisao da alma e uma an~ise genial dos dados
forma mas em virtude do . mtda, atao conhece _outra da consciencia e, enquanto ela permanece tima teoria estritamen
mesma piedade N . . dmovunento . e processa6, sempre da te psicol6gica, niio levanta nenhuma dificuldade intrlnseca. Nes-
. o umtar a reda~ao d L . A .
como. pri,~cipio e ponto de partida: "D=~s
as cotsas . A organiza~ao d C d d . ,
;:-:; ~ed~~ntednse Ap6e
1 a e todas
sa !uta, que travam os diferentes prindpios da alma, o eu pa-
rece passar de urn prindpio a outro, e o engajamento aparece
as ultimas conseqiiencias " a 1da e tra apenas desenvolver ate como urn dialogo violento que a alma trava consigo mesma
Deus" 20o 0 At . a con uta que praz e. se .conforma a e. de que ela fornece, alternadamente, os interlocutores. Ne
. eruense come~a por expor as co .. A .
priamente religiosas desse principio El . nseqdenc.tas pro- nhum problema se coloca, pois, a rcspeho do egoisrrio. Dir-se' a,
deveres para com os deuses o d . A . as compree~ em nossos com Arist6teles, que o egofsmo repreensivel ~ o amor e a in-
.tes 2,0 1, 'd ' s emoruos, os her6ts os paren- dulgenda do mau por suas paixi5es mas; .ao contrario, 0 "egofs-
em segw a para com a aim be'
res 202. Todos esses devere t a, o cor!'o, os ns exterio- mo" born, o amor virtuoso de si e, na alma do justo, o comando
" s 1 ustram a manetra pela q 1 ,
so :_ tornar-se semelhante a Deus" 2oa . li ua ~ prect- da inteligencia e 0 domfnio de si: Donde e evidente que "o ho
'~honrar" 204-0 $ bens que tern d De exp( cam co.mo .devemos mcm de bern deve amar-se a si proprio ( pois ele tirara vanta~
. os e eus ou, na ltnguagem do ~:em de sua bela conduta e prestani senii~o aos . outros); mas o
mau nao 0 deve ( porque ele se prejudicaria a si pr6prk.l :e a()$
( 196) Prot., 353 c.
que o ccrcnm , em seguindo suas inclina<;i5es viciosasf' 21 ~. Mas
( 1 97) Como nos misterios ( Ari t6t 1 I uma coisa <! dizcr que a alma possui urn prindpio racional, ou-
(198) Leis, XII, 967 d. s e es, ragm. 15, V. Rose).
( 199) lbid., 966 e seg., cf. VII, 821 a seg
(200) Lci.r, IV, 716 e. ( 20:5) EutiJ .. 2k0 ~ ItA., cf. ptig . 29, n. 76.
( 201) Ibid., IV, 718 a. ( 206) Leis, V, 726 a-728 d.
(202) Leis, V, 726 :172') 1:. ( 207) lbid., 726 a seg.
(203) Leis, IV, 716 c fi 111 scg. ( 208) Apol., 29 c 1-2; Fed., 115 b 6.
( 204) Leis, IV, 717 b c passim ate 729 a. ( 209) Tim., 90 c.
( .l !U) Et. Nic., IX, 8, 1169 a 12-15.
100
101
tro l t11!1n ,fl~"'' que ha um deus em n, -
Ctlf ilu ld!utllbtr-se sem res tv os. 0 homem nao pode mais
e as com ~ ,
1tflll1~ rt. nuc dele rec b ' esse pnncipio divino As prcciso, por nossos cu.idados, tomnr melhores os deuses, perfei-
' " e e, e mesmo a b d'~ . ..
lr ruuuhn, nfio pode mais atrib '-I .o e tenaa, que lhes tes- tos em todos os pontos 21 1S? Mas o Timeu dcscobre urn sentido
fj ll ohr~m a vit6ria e d Ul is a Sl mesmo; nao e mais eJe novo para essa formula, e confia a divindade a nossos cuidados
dn d. "desmedl'da *"' t- o eus nee. E isso requer uma ausen"
ao tara e t- d'f' il d -
1a onde sua pedei~iio e mais fragil, mais vulneravel: o demo-
ti.'IHu, c~mo seu discfpulo, salvara~ "~ lC, e .~bter que P4ttao nao nio encarnado em nos.
vcf de S! e tao "natural" 211 h gotsmo 0 amor condena- Nao se poderia imaginar uma mais estreita vigiLlnda do ho-
~jberta~ao devera elevar-se atf~ra o odme~ que o mov~ento de mem pot Deus. Deus esta alojado em n6s, e o homem, a todo
tade :'natural" uma vontade "est::::hr "e us e ~substituir a von- instante, vive em sua presen~a. Mais ainda: esse deus, em cer-
e a s1 mesmo nem 0 que pertence . a ~ para faze-la nossa: "Nao
a SI q d . to sentido, e o mesmo homem. Mas o homem nao e de modo
se quer tornar um grande homem ue .se . eve esttmar, se algum divinizado; a esse "genio nele", 0 homem tern 0 poder
mesma se realize ela, quer, ainda ~efuas a J~Stl~a, qu~r por si de ofender, de degradar e, por uma vida de injusti~a e de igno-
outrem... Todo homem deve . o~, seJa ela realizada por randa, de "mortaliza-lo" 210 inteiramente.
mesmo; e preciso que ei. ' pots, evitar amar-se muito a si "Assiroilar-se a Deus" 217 , cuidar de sua alma, nao basta di-
ele, sem considera~ao par: soe apegue aos que vale.m mais que zer que isso e uma vida de inteligenda e de virtude. 0 animal,
e, " 0 ma10r
. d . . c m seu amor pr6pri0 " 0
os defeitos" 212 - egofsmo que nos persuade a cada instante de que ele e n6s mesmos, es-
" : ' V~os como, no decor~er da . e . . . d' . . preita a razao l.a mesmo onde ela parece mais forte, la onde ela
pesseats" se apagam p d , d P sqwsa lalettca as teses parece exercer sem falha sua fun~ao hegem6nica. A parte baixa
. or etras as ex.igen ?
abdtca~ao de n6s mesmo ~ t
. s, es e consenttment
. etas .essenctats. Esta
S . . de nossa alma, constrangida a vontade do melhor e resignada
n.ossa personalidade pr6pria a ue 1m o ao er restttut-nos com sua derrota, querera assegurar uma sutil desforra para suas
ttremos vantagem disso do q a a a .recebeu do astro. Que inclina~ocs humilh!!das e referir ao eu a vit6ria que toea unica-
evidente. Mas nao e ess'e o mo .nota Anst6teles, nada e mais mente a razao. Ora, o unico vencedor e o "dcmonio em n6s" e
).
<~S vantagcns epr6prio ao p
mottvo
d que nos .faz agtr. A corrida
o Bern, de que ele recebeu as ordens.
t" . reten ente nao ap - d
l~OI'Iw amoro~o nao quer sen- a.txona o 21 a; o au- Mesmo quando atingimos o limiar da perfei~ao, nao ha exal-
mcsmo tempo que busca t ao a presen~a e a adora~ao. Ao ta~ao alguma do eu. No momento em que nossa semelhanca
sfvd, tUe tentn torrtnr-s" S'''mornJhar o ~madlo o mais perfeito pos- com o deus parece mais acabada, ate fundir-se numa identidade
e! . . .. . ... c ante <~qu " 1 .
e ~~l'rlo. ll ussim que o homcm sabie e ~ue ~~e. mals" que essencial, 0 homem confessa que nao e deus, que 0 que ha de
te d!VJn3 e 8trntda <'111 bom t d ~ o. e JUSto cwda da pat- divino nele nao e ele pr6prio, mas urn demonio, outro que nao
habitn" 2H. lS a 0 0 genro (dem6nio.) que nei.e
ele, oferccido a sua adora~iio e a seu culto, mas nao a sua do-
No Hutifronte, Socrates zombar d .. . mina~ao nem a seu orgulho. 0 amor de si, cuja forma mais
ta pelo adivinho: a piedade e u a'd duma defmt~ao propos- elevada e 0 se.n timcnto da honra, nao pode inspirar seniio uma
ses. Todo cuidado melhora ~cut a o consagrado aos deu- "vida grosseirn'', em compara~ao com o arnot que quer "pres-
aqu e que e 0 seu objeto; seria tar honras" :uR, mais do que ser honrado. Lembre-se Temfstoc]es
(*) Ver a nota do tradutor p~g 88
a
(211) r- ~ '
Leis, V. 731 d fim. '
(215) Eutifr., 12 c seg.
(212) Ibid., 732 a-b 731 d f' A . (216) Pta., 83 d; Tim., 90 b.
(21 ) .... . . ' rm. proximor de pa
.3 Pedro, prJmeuo discurso de S6c . g. 109, n. 10-12. (217) Teet., 176 b; !As, IV, 716 c-d.
( 214) Tim., 90 c. rates.
( 218) Pedro, 256 b fim-c; a decadencia da Cidade ideal cotn~a qua/-
.lo ns p,overnantes substltuem o amor da sabedoria pela ambicao e pelo
1'02 linlhl ~~ hooros.
II II iltultlllt i II 's_ "deuses e aos her6is" 21 p
"''"''1'"1tll'lcsao. a vitoria de que foi 0
VIII. - DESTlNO 00 HOMEM

1J1ttolmente na prece de h . . As alinas, encarnadas ou nao, tcm o scu Iugar no Univer-


ht universal ... de ue as ve_ 0 omem lutar contra esse de-
JHiu vontade" 2 2o E:f 1 cdoJsas aconte~am segundo sua pro .o c tomam parte na vida do "grande ToJo ". Se bern que es-
ugar e pedir aos d ,olham livremente sua vida, elas integram-sc na ordem c6smica,
u ~cus d esejos, freqiientement . . , . euses o atendimento
t~r obrigar a divindade por esam~fc!J~naveJs 22 1, em Iugar de nue- de onde nem a " desmedida" nem a revolta poderiam faz~las
.o homem deve primeirame ' Crt CIO 0 ' d
d u praucas e magia n2.
~ ~air.
e p r~c~~o
. d' nte apren er a reza
pe Jt: a sabedoria 22a . Tamb,
d
r, apren er o que
' 0 Mundo move-se com uma regutaridade perfcita e, mesmo
a relJgJao ser separada da filosofia 0 en;,
?~ prece, nao pode ckcompondo esse movimento nas alternancias de ordcm e de
Jesvio 220 , o mito deixa intacta a constanda mesm~ dcsse mo-
Formas, pronu ncia preees e in .- dtalettco, em busca das
l>ria ig?oriincia se substitua a~ocsait:s, de medo .que sua pro- vimento circular. A vida das almas e, paralelamente, conceblda
as aponas. Oaf o earater a r do . alto, para resolver como urn circuito; as almas "sobem ou descem, segundo per-
.segundo Platao. Nas Let's d pare.ntdemente lmpessoal da prece dem ou ganham em inteligencia ou em estupidez" 230 e "sao
t d , e acor o com d' ' sempre as mesmas almas que existem" 2 3 1 ~xito ou fracasso
OS pnva OS, a prece e considerad . . a Jnter l~aO dos cuJ-
do culto publico 221. em tod a, pnnclpalmente, em fun~ao nunca sao difinitivos (.salvo para as almas que uma virtude
criffcios, e exige a ~ed' - do caso, ela e acompanhada de sa- constante ou urn vicio incuravel exclufram do cido dos nasd-
. ta~ao e sacerdotes 1 mentos). Tudo na alma depende da razao 232 que nao se perde
o qu~aa, pode dela participar 22r, . E d, e qua quer um que
b re os poetas e os musico ' o sta o exerce controle 50- de uma so vez para sempre, e que nao se adquire senao durante
0 cu I to supoe, _ s que comp<5em a uma vida ou vidas inteiras.
por certo _ .3 se n s preces eantadas 22~.
- a presen~a das divindad 1 otou com razao esse ponto 227 Nem a salva~ao nem a perdi~ao estao ligadas a decisiks ou
rccer, como nos misterios, :s~x~~ ;~s~ presen~a nao deve favQ- a atos irrevogaveis. 0 que se poderia chamar de revela~ao, no
e
a_que ora. pelo saber que pede ~ b de~. A precc essencial
plrq~ao profunda do homem t a ,sa e Orta, .(Jao e senao a as~
platonismo, jamais produz uma "conversao" definitiva, e a ins
pira~ao, a ilumina~ao "brusca" ~ J:c, a sabedoria que nos " advem
leticas, II deixar-se gui~r pel~sa ra~e.s ~e toddas as pesquisas dia- de. si mesrrta" 2 a. e que "cai nao sei de onde" 2 3 11 , nao tern em-
extgencJas as Form as 22S. prego ne~ta cieocia da salva~ao que e a dialetica. Dai a cr-
tica da inspira~ao poetica (que, entretanto, e expressamente atri-
buida aos deuses), porque ela parte tao subitamente como veio
e deixa o poeta tao ignorante quanto antes, Virtude e saber
(219) Herod., VII, 109.
sao scmprc: 11 conquistar; a ignorancia e o vicio nos tentam a.
(220)
cada pnsso. Toda queda pode gravar o futuro mas, com ra-
Leis, III, 687 c. .
(221) lb'd . ras cxce~oes, niio o pode comprometer irremediavelmente; uma
'. ., seg.; VII, 801 a-c (Alcib. II) 14'
(222) Leu, X, 909 b. ' ~ a.
(223) (22?) P4~t. Ci}, II. 1,.~.
(224) _. III, 687 c fim' Fedr o, f un
,Leis, '
(230) P~.-. 71 , II . 17.
'-CIS, VU, 7% c. '
( 22.~) (231) Rep., X, 611 a.
X, 909 d. seg.; cf. IX 854 b
(226) Leis, VII, 801-802 d. ' . (232) Pag. 89. n. 148.
(227) ( 233) Teet., 162 c 3.
P. Boyance, Le Culte dn M
(228 ) Cf. So/., 252 c 9. uu s chn: l~s Philosoph~s Grecs, ( 234) Eutid., 282 c 2.
( 235) Crat., 396 d 1.
104
10.5
vez sofriJo seu castigo, a alma sempre pode refazer-se, visto - e umn Jccisiio nem por urn ato; ela
ptoposta nao se obt m P.or t esforos e conduz a um estado,
que t6Jn II etcrnidade do tempo lhe e oferecida para assi.milar~se obtem-se. ao cabo de pac1en e~e leva~ as divindades astrais 2 4o,
a Dcu que, ele sim, esta fora do tempo. Mas a exig~ncia e a " essa v!da calma e s~rena q uma vit6ria dramatica, rna~ per
cxortncilo querem ser escutadas constantemente e e por isso que niio exatam~te efm vdudtude deer Nada terio sido tao antipa
cudn instante do tempo em que a alma ouve esse apelo e um s!dade un a a em s d "d " A
''lnstante cdtico". uma neees - t do "sentimento tdgtco a VI a :
tico a Platao como o cul o . av'!var e exaltar os dllace-
nao cons1ste em
A Cidade platonica expulsa de seu territ6rio os poetas tea- tarea d o h omem .,.. . em fazer causa comum com
gicos porque ela representa, por si propria, na paz e na guerra, ramentos de sua consctencla, nem e em testemunhar-lhes, por
o mais belo dos dramas 236 ; do mesmo modo, o homem livre os golpes do acaso que o e~dmaga_:no que eles olio merecem. 0
"d 24t uma cons1 era~a . f
niio se fara .autor nem ator 231 , porque ele devera, pela sua pro scus geml. ~s ' s eri ecias que querettam or~ar nos
pria vida, compor 0 unico poema dramatico que e digno dele; drama espmtual, alem d~42 p p - faz uma narrativa qualquer,
0 que imita, nao imagens, mas OS Valores. Mas esse drama sa adesao, te~de ao hino d1u:e~~~unho do ser intempora124B.
vivido parece isento de todo elemento dramatico: nada de irre- sempre menurosa, mas que
paravel pode acontecer a l~lma; ele nao comporta peripecias tra-
gicas, nem mesmo desenlace, pois a motte nao lhe p6e um termo.
. Nao poderia haver, pois, urn drama sagrado na religiao de
Platao. As almas nao se emendam senao no curso de inumera-
veis existencias; a diah~tica tern precisao do lazer e nao aceita
ser "pressionada pela agua que escoa" 238 0 tempo e 0 instante
em que se tecem, se condensam e se concluem os dramas dos poe
tas e os dramas humanos, fazem pascer a ilusiio de que a Ne-
cessidade cega triunfa sabre a a~ao do Bern. A poesia dramatica
(em que cada a to, cada palavra, estao carregados de sentido e
sao prenhes de consequendas, em que nada e indiferente, em
que palavra alguma pode ser retirada, a to algum ser reparado)
e uma arte de engano. 0 drama filos6ico jamais se termina
num estado de desorienta~ao nem por urn grito de vitoria; "aca
bados" ou aporeticos, os di:Hogos se tenninam por uma exorta
~so a filosofia; nenhum fracasso e definitivo, nenhuma descober-
ta e uma aquisi~ao.
Dal, finalmente, a ausencia de todo elemento patetico, em
Platao. Nao se deve ter complad!ncia para com as dificuldades
do "combatc" 2 80 em que estamos engajados. A vit6ria que nos e

(240) C. cap. 11, 1.


(236) Leis, VII, 817 b. (241) Rep., X, 604.
(237) Rep., III, 394 e seg. (242) Cf. mais adiante, pags. 118 e segs. d ' tragedie d'opras
(238) Teet., 172 d. sab e Le probUme e "'
( 243) Ver nGosso arttg~ LX~ 1948 pags. 196>).
(239) Rep., X, 608 b 4. Platon (Rev. St. recques, . ' '
1117
II origem da Cidade 6 atribu(Ja, ptimdl':ll)lCnte, as necessidades
que constrangem os homens isolado a pClt scu trabalho em co-
mum 3 Somente mais tarde comprccn~._lc se que a condi~ao mais
a
necessaria exist~ncia do Estado nao reside ncm nos artesaos,
ncm mesmo no corpo dos cidadaos, mas nos govcrnantes . ---....
Toda a substancia corporal entra na composicUo do Universe, a
CAPfTULO III fim de que o Universo seja Un.ico, perfeitamcntc acabado e que
nada subsista que possa atad-lo do exterior e arrancar-lhe qual-
A CIDADE quet parte consubstancial 5 A Cidade das Leis niio poderia evi-
tar, totalmente, as rela~oes com as outras Cidades do mundo
grego. Mas sua -perfei~ao nada tern a ganhar do contacto com
Estados .que sao tod9s tao mal goverados que nem merecem
I . - CIDADE E UNIVERSO
mesmo o nome ou o titulo de Estado 6 A autarcia da Cidade se
Tdda a cosmologia do Timeu e . . estabeleced, portanto, pot todos os meios: fottifica~ao cons-
ma que devia tepresentar o I ~ pnmeJto ato de urn dra- tante das fronteiras 7 , regulamenta~ao severa das viagens ao es-
dos, cidadaos da Cidad 'd sl a ~s fet~o.s dos atenienses Jenda- trangeiro 8 , uso de urn a moeda que s6 tenha curso no tertit6tio
por Platao da arte poli~i:a e:e . a a~altse mais "reaUsta" feita nacional !1.
mol6gico. - A cidade n- , m msertr-se um grande mito cos- Para que o Univecso possa subsistir sem prejuizo, todas as
d Ad ao e, como nao 0 , 0 h
e to as as coisas Como h e omem, a medida suas partes devem harmonizar-se exatamente; de maneira que
o Iugar que lhe c~be no o . omemd, ela ~eve conhecer e ocupar
. conJunto o Umverso. o Todo seja unificado eque possa dizer-se "dotado de um
. A ortgem e o destino da C'd d - . amor suficiente para consigo mesmo" 10 . Tambem a Cidade
CISS c6smicas. Nascida no cu l ~ e ~~tao !Jgados as alteman- deve,cl unificar-se na "conc6rdia" e na "unanimidade" 11 e tor-
Necessidade cega esta em 1 rso o cJc o retrogado, em que a nar-se, como a alma perfeitamente harmonizada, "amiga de si
CI_.d ade, com seu aparelho deuta contra a Intel' "' . d' .
leis e d - Jgcncta tvma, a mesma" 12 ; o mesmo acontecimento devera suscitar, nos cida-
remo de Cronos onde as pre . - e san~oes, deve imitar 1 o daos, as mesmas alegrias ou as mesmas afli~ocs; a propriedade
ria dos demonios n- scrt~oes, promulgadas pela sabedo-
A . ' so se separavam par b nh pcssoal sera suficientemente reduzida para nao constituir uma
o bedtencJa nem da feliddade. , a o re a o, nero da
A pt6ptia organiza~ao da Cidad -d
pontos, a ordem do Mundo d - e I Te~l lembra, em muitos (3) R~p. , II, 369 b-e.
escrua no rmeu
R elatando a genese do U . . ( 4) Rep., IV, 428 e seg.
falando "um pouco ao acaso" 2~tverso, Ttmeu percebe que esta (5) Tim., JJ n.
to, o corpo visfvel do Mund . e~ lu~dar de descrever, primei- (6) Rep., IV, 422 c; L~is, XII, 950 :a.
. o tena st o
nasctmento da alma, pais a Al~a d M prectso ~om~_ar pelo (7) Lt!is, Vl, 7()0 e.
seu corpo e the da ordcns com od undo e mats antlga que (8) XII, 950 d.
. o sua ona. Da mesma maneira, (9) V, 742 a.
( 10) Tim., 34 b 8. - Cf. E. Brehier, Science et humanism~, p;1g.
( 1) Polit., 269 c seg.; Leis, IV 713 59 e n. 2.
(2) Tim., J4 c. ' e scg. ( 11) Alcib. I, 126 v 1-5; Rep., I, 3.51 d 5-U; IV, 442 c 10, d 2.
( 12) Rep., IV, 443 d 6; uis, V, 74J c 8.
108
"mantt~rn tudo" 2 3 ;as divindadcs astn\is nio se desinteressarn
2 de
fo~te in~cct{vd -de dissensoes ;IS. rl\da " . - " ncnhuma parcela deste mundo confiado usua solicitude . Taro-
onentndos, o mais possivel ' . be s as patxoes 14 serao bern os chefes de Estado estarao atcntos n tudo, e o prindpio
atcntorcm contra a unidad~ ~~r~~tadom comum, a fim de nao ~overnamental e claramente formulado: "Na medida do pos-
. A coesao do Mundo e asse ur d . sivel, nada de'Jera ser deixado sern "igilanda ~~". t?.ste prindpio
m~urgo_ 6 conforme, ao mesmo tempo, a ordem c6smica l~ ao governo
.
faz, sobretudo ttabalh g / a por lets harmonicas; oDe- da
orttmettca e necessari~ na-o ,o e calculador H. A dencia da lnteligencia di'lina cuja lembran~a a lenda nos conservou Se-
26

c~rto g~au,
.
a todos os cidadaos lG Ale gd vernante~,. mas, ate
somente aos 0
ria preciso destad-lo dessas duas fontes em que ~le haure sua
uca .evtdente, ela permite reger ~ Cid ~ e sua utsltda~e pni- inspira\ao e sua legitimidade, para 'Jer a1 o fundamcnto de urn
momcas que . regem o roo'ltmento . d U a e segundo . as lets har-
or em c6smtca n. 0 01
'-'erso, e mtegra-la na regime tiranico.
d Assim como o Universo visivel, a Cidade "ideal" nao se con-
27
regularidade18.dass:~.me funde com seu "Modelo erguido no Ceu" 0 Demiurgo do Ti-
meroAdeterminado revolu - ce1estes supoe astros em nu-
t \Oelms meu e os dial<~ticos-governantes da Republica organi.zam a ma-
' u n e a as cuJ '
po em assegurar uma circula - ul o numero e constante teria c6srnica ou social, segundo as exigencias do Modelo inte-
portadoras ll>. Do mesmo mo \ao re~ ar da vida de que sao
d
ligivel. Mas estas nao sao todo-poderosas, e o Timeu, ap6s ha-
f
ll~ox, dos lares, deve ser in'lar1? n~'?ero dos cidadaos, ou me- ver relatado as "obras da Razlio", deve recome\ar novameote
sao do terr.it6rio, prestando-sea:e ~u ~:c-~~ em fun\ao da exten
28
para descrever as "obras da Necessidade" 0 equi'-'alente des-
mcro sera manrido pclo d' . d bdivtsoes comodas esse nu ta segunda parte falta na Republica; quando intervem a causa
d' . d trctto e sucess- S '
aneta e nascimentos amea ao. e uma superabun- errante, e unicamente para degradar e para deslocar a Cidade
seocial do Estado dese b ~asse co~prometer o equilJ:brio es- ideal 29. Ora, mesmo esta Cidade, sob pen a de confundir-se com
m ara~ar-se-ta
seu Modelo, de"e softer a a~ao da Necessidade. E a precisar
t d ,
eo o o excesso numa co16ni 20 T . p aclf'lc_amente dela, 'ler-
br~-1?, correspondem, antes d: tudo aJ~ med~das, e, i_nutil lem- estaa~ao que se dedicarn as Leis que mantem, para com a Re-
nomtcas, correntes alias na a t' l d
mten\oes pohttcas e eco-
falar de urn "m;lthu .' . n Igm a e, a tal ponto que se poAde
publica, o mesroo relacionamento que a segunda parte do Timeu
30
11>111:, ~r..ualmente, que elas se acor
. stamsmo na Gre " 21 para corn a primeira parte .
Cla Mas e precise Todo Estado, com efeito, pelo simples fato que e.Ie se "rea-
o mtsttctsmo dos numeros e dam, ~o mesmo tempo, com 32
liza" at, rem necessidade de leis escritas A Republica limita-
pt cist\S. com doutnnas cosmol6gicas bern

A olma do Mundo, "estendida


etc a cxtremidade do ce ,
Pr
tOda parte, desde o centro
u e envo vendo o Ceu por fora'' 22
( 23) Leis, X, 899 a 6 .
( 24) Leis, X, 900 c-903 a.
(25) VI, 760 a fim.
(26) Png. 108, n. 1; pag. 86, n. 121.
(13) Rep., V, 462 b-e; Leis, V 739 b f
( 14) .l~l'f>,
V, 464 c-d (d 5).' lm seg. (27) Tim., 28 a; Rep., IX, 592 b com.
(28) Tim., 47 e ; e~ta biparti~iio do Timeu e lllllgistralmente comen-
( 15) 11~1.,
32 b fim, 33 a 6-7 34 9
~ ~~>>till_,, v. vn.'
L~lt, V, 746 e seg.; VI; 771 b
746 e seg.; 809 ac, sne seg.
tada na obra de Cornfonl. - Cf. pags. 55-57.
(29) Rep., VIII, 546 a seg.
( 18) Tml., 41 tl. flm. . (30) Decompando a coopera~ao enue fulziio e NeccssidRde numa
sucessao peri6dica, obt6n-se: Ciclo de CronOS: ciclo atulll (Pollt.) igual
(19) Ibid R~t~-7 X (I 1 a; Fl'd., 70 c seg.
( 20) Leis., v ' ' RepUblica ideal: deca&ncia da Cidade (Rep., VIII).
(21) G,G1 c, c ~g.; 740 "c.
. 1906, pa'g.
1.:s et iurid. sur /'A nllf/ Uilr:L grecque,
on:,. Etudes soc/a (31) Cf. Rep., V, 473 a.
ans, 22
P 4 (32) Pollt., .301 e; Leis, IX, 875 d.
(22) Tim., .36 e.
se a rc~uhu ll~:ntar a educa~ao dos d- .
dade llllo c:ttrcr;a nunca de ch f guar raes, a frm de que a Ci- miurgo e Pai" 30 Deus nao espcrou o legislador fU6sofo para
ra~itu aubcrooa. Essas medida;
snN que sejam Ja implic
1: tT _que possa encarnar-se a organizar a vida politica. E a d.ivindodc, nao a homens, que se
g s at:vas, por pouco nwnero- e
deve atribuir 0 est;~belecimento dos lei~ anti gas 40 ' e gra~as a
c' IJnde assim, como o am D .
a cooperarao d R -
, a azao com a Ne- essas leis, mesmo quando elas niio s.iio rnnls compreendidas ou
Cuusn er;ante e obrigado enuurgo, antes mesmo do advento da sao mal aplicadas, que as Cidades existentcs dcvem o existirem
E as Leis assr~ a recorrcr ~s "Causas auxiliares" 33 ainda. Desde a origem, pois, a Raxao tomo11 em suas maos a
m como a segunda p t d y-
rcndo o prirnado da Razao red . ar c o ',me_u, embora man- materia social, e o legislador fil6sofo, que penc t ra mais facil-
ar;ao dessas causas materiai~ p A sa~, a~e os mfJmos detaihes, a mente nas exigenc.ias absolutas da Ra7.ito que nos procedimen-
se aplicarao as disposir;6es do c~d~t Uaf~es con~retas 34, ~s quais tos contingentes pelos quais ela "persuade'' a Materia H, nao
sa errante de que o le i I d go, sao mamfesta~s da cau- tera por incumbenc.ia abalar a estabilidade de um Estado, fun-
"alcan~ar, 'na medida d~ sp~s~f esle serv.e,Ihcomo o Demimgo, para dada sobre a tradi~ao. ~le t~m sempre razao em criticar, em
. v , o me or resultado" aG nome deste absoluto, que t.e a " justa medida", tal ou qual Ci-
Precedrdo de urn "preambulo" . .
enuriciado de cada lei e . 6 . e segurdo de uma sanr;ao ao o dade; ou tal ou qual dentre suas institui~oes; ele nunca teria
a Necessidade. persuasi~~~: ~; a :r~e a Raz~o conquista sabre
1 1
e
razao, agiria mesmo contra a piedade 42 ' se se fizesse revolu-
admiravel" in'terpreta frent - , ercrtrva, a let, "coisa divina e cionario ou se, chamado ao poder, se pusesse a legiferar ino.
Razao, co~ a qua] se~ pr6pe_ a causa er:~nte, as exigencias da vadoramente, com desprezo da tradi~ao. Se o dia!Ctico se ape-
br;iio visfve] de parentes (no nome, al_ras, estabelece uma re- ga unicamente a razao e nao reconhece a autoridade de H o-
co nomos-nous) 37.
mero nem de Simonides, o legislador se indina diante de Li-
curgo ou de Solon. Na trad.ic;ao dos tempos, recuados ou na
fonte, sempre a jorrar, do oraculo de Delfos 43 , a Divindade re
11. ~ A RELIGIAO NA CIDADE vela-nos os processos pelos quais a Razao persuade a Necessi-
dade e !he impi5e uma ordem est~vel.
1. A tradifao Entre as tradi~oes, as mais veneniveis concernem a Reli-
0 legislador, quando conside;a . .h giao. Ja a Republica, entretanto construfda unicamente segun
rante, percebe que eles na - . ?S capnc OS da Causa er- do as exlg~ncias inteliglveis do Bern, fez o estabeledmento da
Estados governados da ma~esrrao tnt~rradmel~te caprichosos. Os religiao depender, nao da dialetica, mas da tradi~ao e do ora-
ato d e que conseguem substituir a mats ep ora vel pel
d- '
1
o Slmp es culo de Delfos; ela chamara mesmo as leis relativas ao culto
r;~ natural de resistencia" 38 que , - ao ~stemunh<: de uma "for- de "rna is importantes, mais belas e primeiras". Essas leis di-
vmo. Mesmo quando o U~i ndo p . e ser_ senao urn dom di- zem respeito a funda~ao dos templos, ao culto dos deuses, dos
est~ inteiramente "abandonad~~~o_ 0 ;rto vat dedva, ele nao
a dem~nios e Jos her6is, e ao culto . dos mortos 44 As Leis con
gue Iembrar-se por pouco ~or _,J e~~~ uma vet que conse- servam fielmcntc esse c6digo da Religiao e profbem ao legis-
' que SeJa, aas lnstrur;6es de seu De-

( 33) Tim., 46 c fim. (39) ibid., 273 h 1-2.


( 34) Pegs. 54 c ~t:gs. (40) Leis, com.
( 35) Tim., 46 c fim. (41) Cf. a sortc, atribuida scja liO acaso, seja a unt Deus (p:igs.
(J6) Leis, IV, 719 e scg. 88-89).
07) XII, 957 c. (42) Carta Vll, 331 b-e.
( 38) Po/it., 302 a. ( 4J) Rep., IV, 427 c; V, 469 a; VII, 540 c; Leis, passim.
{44) Rep., IV, 427 b.
112
f..__.__ _ _______,
lador mudnr o que quer que SeJ'a ne'le 4~ M I
Repu'bl'tea. mostram concretamente como as'6di
pro ongando
. .a ccndentes dos deuses, "quando eJcs Rfirmom que estao expondo
vidn du Cidade e como a reli iao e esse c , . go regera a suas hist6rias da familia" ~ 1 . Assim tevc de julgar a razao, por-
juuro do territ6rio nacional g. p netra da poliuca. 0 con- que ela nao podia fundar nenhum11 ci~ncla s6lida s()bre tradi
.. [l d . . .. assun como ca a urna das circuns-
" ~~l c:~ a mrntstratlvas sao consagrados a uma di . d d 4 6 ~6es poeticas freqi.ientemente chocantc:s e, pior ainda, <;ontra'
nllsembleias se reunem nos santuarios 47. lin a e . ; as dit6rias; nenhuma opiniao, por antig:t que ~>c:ja, encerra uma
tlos sao investidos do
sacer
d6ci 48 ' certos a tos func10na-
o ; o aoo e dividido - verdade segura e que se deva subtrair a v rlfiCil~o. Mas, na
~:c~dOnk~o f:stfun <!Jee o legislador ~u!tiplicara, e: pa~~;d~ marcha descendente e na a~ao, a dialetica rccncontra, compreen-
de e revaloriza as imagens e as opini6es que fl}rn preciso p6r em
ciada no calendario liturgi~~~9~enhuma divmdade seja negligen- duvida para cumprir a ascensao ate ao Bern. 0 dinletico, que de-
via la deixar Eutifronte, fon, Sim<lnides, podera, legislador, li-
As divJji_?da?es a que se rende o culto oficial sao sobretudo
os d gar essas tradi~oes ao Prindpio inteligfvel donde elas proce-
d' . euses o mp1cos . e naciOnais,
os d emomos
e os her6is
' ~o As
'
dem. As Leis orgaoizam com minucias esses deveres religiosos
~vmd~dfs astrats~ tao importantes na cosmologia do Timeu ."nao em que, diante de Eutifronte, Socrates se recusara a ver pniticas
s~o, a a ar propnamente, ? objeto de urn culto publico" 61. as-
SJrn como o Pedro lhes atrtbui os nomes da di . d d ' , . de piedade. Do mesmo modo, o Polttico, em virtude da ci~ncia
<.:as r.2 a }>l'ctensa ~a I .t d . s vm a es homen- soberana, reabilita todas as proiss<5es que, inicialmente, tinham
. ' apo ogc:ttca as Lezs ap6 t d
tlfcamcJllc.: a divindade d ' . s er prova o cten- a aparencia de tecnicas sediciosas e revoltadas contra a den-
"d . os asttos, passa msenslvelmente aos cia polltica. Aqui como la, a descensao dialetica ordena e res-
eusc:; que habaam 0 Olimpo" ~. /. ~ , .
t 'b ' c a estes u1tlmos que ela taura as praticas cegas e faz, de falsos valores, valores deri
a n ul n JUStl~a e a providencia, por que se poden'am J:~ il
mente vados. Tal e a justifica~ao dialetica das tradi~oes religiosas.
. ' peran te a optmao - comum homenagear a di , . WitC dad -
astrats. ' s vm es E preciso acrescentar que "e o culto nacional que ele se preo-
cupa em manter . . . ; a impiedade que ele reprova e que pre-
d Em numedrosos lugares, os Dialogos tinham soleoemente afir- tende reprimir e a que ofende a religiiio dos pais; e por esta
ma o que na a sabemos dos deuses e~~ :..
jintmos ~() e ' que Sumente OS lmB religiao, seus acentos emocionados nao sao rebuscados" e~s. 0
' ' que prectso confiar nos poetas, que se dizem des dialetico reencontra as tradi~oes as quais o Ateniense, parece,
nao deixara de aderu.
( 41 ) Leis, IV, 716 d seg.; V, 738 b-<:; cf. Epin., 985 c-d. A aceita~ao da tradi~ao, tao pouco conforme ao espirito dia-
( 46) V, 740 a; 745 b seg. letico, que rejeita toda auto,ridade, tem urn lugar importante na
( 47) VI, 767 c-d; 755 e seg.; XII, 945 e. "religiao de Platao"; nao somente, o que e 6bvio, na religiao tra-
( 48) XII, 947 a, 951 d fim. dicional das Leis, mas nas exigencias essenciais 50 e nos mitos
(49) VH, 799 Rb. em que se ap6ia a dialetica. Nem a razao, dada a especula~ao
lio e(~%,};: ex. IV, 717 a-b. - Cf. entretanto, XII, 945 e seg. (He- sem freio e ao racionalismo limitado, nem o fervor, tentado pela
supersti~lio e pclo Huminismo, podem dispensar, mesmo unin
(51) 0. Revc1din La R /' d . do seus esfors;os, :ts scrvid6es bem-aventuradas que lhes sao im-
1945, pag. 55; cf. ndlan:e p,g, f ~:o:. ;."1 IIJ Ctte plato11icien11c, Paris,
1 5 postas pela tradi~ao c pelo "dado" inelutavel sob t6das as suas
(52) Fedro, 245 c scg. e a nota de L. Robin ad I formas. Se se quisessc acompanhar o problema do individualis-
(53) Cf. pllg. 126. oc. mo em Platao, achar-se-ia, sem duvida, que o valor reconhecido
(54) X, 904 e.
(55) Cr4t., 400 d. (57) Tim., 40 e ( trad. A. Rivaud).
(56) Fedro, 246 c-d. (58) Gemet-Boulanger, Le G~nie grec d4m Ia Religion, plfg. 389.
(59) P. ex., Fil., 28 c, 30 d.
14
do "sint-~nlur" se liga; hao ao proprio individuo : ( o ~mbr de si
as os deu scs JlOr companheuos Gil ; 0
nessas festas, em que_ tedos a~ e dti Kut:rrn niio se devem das
mesmn p nnanece sendo "o maior dos defeitos" ), mas cria- ' . ..
~Ocli d n tmdi~ao no domfnio da Cidadc. 0 historiador faria mal resro, _todas a~ ocupa~?C~ d~ ~ulto, fll~cndo ~ldas causas auxilia-
o rgamzar -senfall ~:: /Jst l 67 E em favor d o rcliAiiio que se ope~
cm \l(' r nisso simplesmente urn prejufzo do aristocrata ateniense;
res de ~ossa_ e CJ a .e _redos. Valores que a diul~tica produz na
e m todo caso, se prejuizo ha, ele penetra a filosofia inteira de
l'latiio. A fidelidade e a obedienda que o Socrates do Critiio
ra aqul a trans;uJ3\80 e nos parccc a rculldndc mais segura e
a
tcs temunha 'em rela\aO cidade e "ao Deus" nao diferem essen,
alma humana.
0
u 9 qu ' 0 eito tie uma "rcolidadc real",
mais seria. deve ap_afgar-se e~ ~r fazcmos "cxrtta mcntc 0 contra
cialmente das qtie o0 fil6sofo mostra para com os mitos e as
exigencies 60 . e sempre fica manr esto que nos . .
rio do que se devena . "68
. . 'd , nica
0 fil6sofo se preocupa
. com as necessidades
. .da vt a ' u "la-

2. Culto e sentime11to religioso . - com tanto mats seguran~a, os .
mente, para proporcwna:,be! d serio" ;o da dialetica; 0 Cl
zeres" no que reclama o
' Ad
rt~dq~e oda vt'da politica ' porque so
as serv1 oes
Como a Republica, as Leis reservam o conhecimento da Rea- dadao acertara to as da 71 lh permitira no decorrer
Jidadc suprema a uma fnfi~pa elite 61 . Mas para que a unidade mente . uma C~d?de bern governs a unic~ coisa qu~ . merece urn
da Cidadc scja asscgurada, todos os cidadaos, de perto ou de das festas religtOsas, _entregar-s~omar consciencia do que ele e,
Jonge, por cicncia ou por opiniao, deverao aproximar-se do Bern. cuidado continuado e grave, e 1 -o terrestre mas celes-
E, uma vez que nao poderia tratar-se de despertar tOdas as cons- . t . " rna p anta na , .
realrriente, serzamen e . _u I ' politico da filoSQfia hbe-
ciencias para a filosofia, nao se pode mais definir o clever espe- te" 72. Como transposi~ao, no ~ ano ' obra educa-
clfico do homem como a dialetica 62 , e o legislador proclama que li -- d , cumpra como esta, uma
radora, a re _gtao evera f , audar antes de tudo, pela musi-
"para o homem de bern, o meio mais belo, meihor e mais efi.
caz para akan~ar uma vida feliz consiste em fazer sacrificios e
tiv'a. IaPara t~nto,
poesta pelelad
a an~a.se araSe~do b~m dirigidas, as artcs agem,
em permanecer !!ffi rela~6es constantes com os deuses pelas pre- ca, pe .
por seussob
!
atrauvos,
Ab a parte inferior da alma e .a tornam
so reda bcleza , a bondade da virtude ~ da
ces, oferendas e pelo con junto do culto" c3 . Como o Demiurgo sensivel os encantos
ou as divindades astrais G~ nos revelaram as Formas, que se dei- 73
razao .
cntt~a
,
xam apreender de novo no ato da reminiscencia, do mesmo modo, M ;s e preciso que elas sejllm bern dirigidas. A feest
ta ~s ~r~es, to~na~as pro ana$ em';~e co~:idera~oes que a interdi-
o culto e as festas nos foram dadas pelos deuses benevolentes que, f d eriam concorrer as
tas rehgtOsas, ms~Ira-se nas m~s - .ro 6e o mesmo fim que a
apiedando-se do genero humano esmagado sob o peso das ne-
\ao dos cul~os pr_JVadol_s; a relhlg tao p d~ste "defcito inato", que
cessidades quotidianas,
6
nos proporcionaram, n as festas, instantes
de repouso 6. E preciso, mesmo, inverter a opiniiio corrente polftica e a dialetica: tvrar o omem
que so ve, nas festas, distra\6es em que se interrompe a serie-
dade da vida. Ao contrario, tOda a seriedade de nossa vida esta
( 66) II, 66.5 II.
( 67) VII, 803 d-e.
( 60) Cf. Lt Parad. dam Ia Dial. pl., pags. 100-102. {68) Corg., 481 c.
(61) XII, fim. (69) Tttl., 172 c.
( 62) Pag. 98, n. 190. (70) Parm., 1.37 b.
(6.3) Ltis, IV, 716 d. (71) Cf. VIII, 828 e.
( 64) Tim., 41 e 2; Fedro, 247 a-2.50 fim.
(6.5) Ltis, II, 65.3 d; d . Estrabao, X, .3, 9. (72) Tim., 90 a. III, 401 d seg.; cf.
(7.3) Ltir, II, 6.59 e segs., 66.3 b seg.; Rep.,
Festugiere, Contemplation etc., p4gs. .366 seg.
e 0 nmot de si mesmo 7~ e fazer lhe d
s6fira11 To. ' - -
..
a qultlr as vir tudes filo- isso, as Leis, mais benevolas, cnuctonto, para com Romero 8 1,
mantem a condena~ao global da trag~din Iii . 0 poema dramatico,
Os cultos privados amea 'd d essencialmente imoral, nao poderia entrnr nem na educa~o dvica
poltric:as, as quais se acresc;~m a uru a e d! Cidade, e razOes
lllnl 7ft, explicariam suficientem~m preocupayoes de ordem ri-
nem no culto. E Platao op6e as
ttagedios "cantos de born au-
que les sao objeto M nte as medJdas repressivas de gudo", hines ou preces consagradas aos dcuses, aos demonios,
considerandos 11 e ~
outro contexte 1como
am:: do q~e _e, sobretudo, reprovado1 nos
.e s.11 tao c1aramente denunciado, em
aos her6is e aos homens de hem mortos em justl~a sa.
Tambem a musica, com efeito, representa a~5es, que Platao
dade 1s Tod
1
,~ prm.ctpal obstaculo a verdadeira pie- nos diz serem quer violentas quer voluntarias a~. Orn, nos dois
. as as prattcas V!sadas pr d
?ve~ e gente que nada
A

ama com tanta ternura como a - casas, e precise . agir segundo certas normas que se ~:xprimirao
menor acontecimento a . sua propna pessoa. Referem o nos modos musicais: d.iante do perigo ou contra os golpcs do
st mesmas quer est . destine, e precise dar prova de coragem; nos trabalhos da paz
por urn sonho, quer lhes advenha , eJa~ atemonzadas
sempre, por meio de votos d uma vantagem mesperada, vao ou em face do ex.ito, devem mostrar-se modera~ao, modestia,
e implica-Jos no assunto !:so e.( ~fderendas1' aborrecer OS deuses mansidao scs. Eis que reaparecem as situa~6es tr~gicas: felici
sub mete- ~'-!
a a uma supremacia d 1m ' sua a1ma d'tvma
c I o::: esonrar e dade e infelicidade, e eis como e precise comportar-se em uma
seria precise pdr-nos de acordou ~osa a a . a mortal 79. Quando e outra. Daf ser evidente que o impulse tr~gico e quebrada:
csses supersticiosos interpretam' 6s dr6prtos, .sobre a divindade, como sentir temor e piedade por urn homem que domina o pe-
pr6pria pessoa. a or em c6smtca a partir de sua rigo? Com a substitui~ao do tnigico pelo sublime, o que sub
siste da tragedia, na Cidade ideal, e o louver dos deuses e o hi-
Ora, a tragedia tambem b
era seu offdo primitive - 1 s~ s;~~~ o culto dos deuses - que no her6ico. ~sses cantos, que sao, ao mesmo tempo, preces 88 ,
personagens que "agem" el pe 0
do eu. Pando em cena p(;em os ouvintes em face das divindades que oferecem a seu
tunio" 80 Mas o h , a representa "a feHcidade e o infor- culto.
. omem pare e - d
nem outro, sem pOt em ~a usa c di,.n~od pdo e suportar nero uma Coragem e mansidao, essas virtudes que os modos musicais

inststem .
prazeuosamente nas di a vtn a e. Os
. poetas ttagtcos
.( . VaO traduzir, se compreendem entre OS deveres religiOSOS 811 e vao
na, interrogam-se sObte a J.U f ve~~s. penpectas da vida huma- reger as rela~6es mutuas dos cidadaos. Ora, sao virtudes propria
pela ''desmedida" o la s ~~~ tvtna e concluem facilmente mente dialeticas. A mansidao manifesta-se nas conversas sob for-
u pe revo ta Plata b
para querer substituir o d . o era astante artista ma de "benevolencia" 88 e de ausencia de "inveja" 89 E uma
triga, para ser piedosa d ra~a por ~e~as edificantes cuja in- virtude "filos6fica" porque repousa s6bre urn ''conhecimento" 90
' evena renunctar a ser dramatica. Por

(74) Pags. 101 e segs. (81) II, 6.58 d.


( 75) S8bre tudo isto ver no Ab ., (82) VII, 817 b.
TI;"ag~die d'apres Platon" (Rev d ~soudartJ.gGo so re Le Probl~me de Ia ( 83) Rep., X, 607 a; Leis, VII, 800 c seg.; 801 d seg.
19-63 ). . es t es recques, t. LXI, 194S, pags.
( 84) Rep., X, 603 c.
( 76) Lei.r, X, 910 o 6. (85) Rep., III, 399 H.
(77) X, 909 c seg.
(86) Lm, VII, 801.
(78) v, 731 d seg. (87) Lei.r, V, 732 e fim; 731 b-<:1.
(79) v, 727 b. (88) Rep., VI, 499 a-50 a; Teet., 168 b 3-4; Carla VII, 344 b 5-6.
(80) Fedro, 268 c Rep X 603 u (89) Rep., V, 476 e 6; VI, 500 11 4-5.
6, 1450 a 18
15 seg.; 29 se~.; 3, 44 11 28 %g. u, VII, 817 b seg.; Poh.,
(90) Rep., II, 375 e 376 b; d. VI, 490 b.
n
A COtiiRCnl (u:r.-nos reststtr, na busca da verdade, a mentira,_ a .d .
e de or em po11 uca, nao
- moral'on A {1nica .ajuda verdadeira
. . .d d d L .
preAui~A, o (acilidade 91 , rta iio e no ensino. 0 oJilllllll du Cl a c as ets
"A ousencia de inveja", para as divindadeli astrais, consiste j~:;a~: ~:~r ~restando um servi~o inJi~nudno a1~igqou~~~~ :
lamentasse mas o que
em ndmitir no seu cortejo todas as almas que tern "a vontade qualquer desgra~a, se o d 1 d outro 1111 Assim como
e u poder" de segui-las 92 . A esta generosidade divina corres~ 6 . 1 t r se estan o no ugar o .
p: pno d amen o~~eder as paix6es essa desforra lOI'tuosa que elas
poode, nos cidadaos, o desejo de "comunicar sua virtude aos nao .se ev~ c d - vt'toriosa 102 assim tamb6n nosso de-
outros" 9 B. Todos devem concorrer com os magistrados ao en- p rocuram ttrar a razao ' I -
. d 103 e de preocupar-nos nao dcve aC 1llt ocaslaO
sino e ao castigo de seus concidadiios; e sao a mansidiio e a co- se)O . e gemer e ativar-se em torno do pr6ximo, n fim de res-
ragem que tornam as pessoas capazes para isso 94 A constitui~iio para exercer-se . 1 o
preve "concursos" e "premios" de virtude 95 Mas, assim como tabelecer, por via iodireta, sua supremacta .' , . . . ,.
o fil6sofo niio se deve atribuir o merito do saber que adquire, . 0 culto oficial a educa~ao dvica e a vtda fpol hu~ad.m'tdcl[a
assim tambem a vir tude , nao deve exaltar a pessoa em que se ' . d d- d a a sa 10 1v1 ua-
concorrem assim para livrar os cl a aos e su - reconhece
encontra. 0 antigo prindpio da emula~ao muda, assim, de sen- lidade 106 e para libertar neles essa parteLq~e se liz?ao cada
tido. Niio e mais, como quando dos concursos tragicos, uma -. f ce de Deus A religiao das ets rea a, para
rivalidnde entre individuos: "toda a Cidade se exercita em riva- senaod em 'daad-aos . uma. obra exatamente analoga aquela que a
urn m a , , f
li:r.:u na virtuoe" on. A virtude deve penetrar a Cidade inteira, e dialetica opera na alma dos filoso os.
I mpOrtA bem pouco que ela se encontre antes em Pedro que em
Paulo 07 "A ausencia de inveja", assim enteodida, retira ao
prindpio de rivalidade seu principal motor, a exaltl\~iio do in- 3. Religiao e Polltica
divlduo, e funda-o sobre o amor do Belo, sobre a " admira~ao",
que nada pede para si mesma, seniio a "presen~a" e a "co.ptem- - . eu culto oficial. Ela
pJa~iio" liB. A Cidade antiga vtvJ.a e morreu com s 1
d Pl - s Leis restabe ecem a~ tra
As rela~Oes entre os cidadaos siio determinadas, assim, pelo . j~ agoniza.v~ na epoca e atao_ e.,~.~sa.por sentimentos de pieda
d. .1~oe-s rehgtosas e querem reamma 1' -
rulto dos deuses e pela pratica da virtude. Mas elas carecem, , de manter viva com a re tgtao,
d , porque era o umeo melO ' . 6 .
talva, de uma certa afei~ao, elas nao se impregnam desse eli- e, e C'd d om d~sprezo talvez da evoluc;ao htst nca, mas
rna de simpatia, de calor, que os modernos encontram, por a mesma I a e, c d; - A C'd de das Leis nio
com plena fidelidade para com a tra ~~ao. 1 a
cxemplo, na familia 99 0 problema da ajuda mutua material
d firmementc, segundo
. V 729 c, IX , 878 a-b); aiias, Pla.tiio _rec~en a
( 9.1) Rep., VII, 535 d seg.; cf. VI, 504 c. ( 0 das refei~5es em comum
a ~aneira (.'Spurt~~a. ou creten!e, VrlllStl~~jab.
( 92) Frdro, 247 a. (que sao uma t.,; 1wct~ de mess ) , ..
. 1' guagem mdttar rancesa, o rc
(93) J.ciJ, V, 730 e. ( ) Expn~s~iio 411e d ~s.g~a, na 10 i. ( N do T.)
( 94) !.foiJ, V, 730 seg. feit6rio c.le camp;1nh;1 ,Ins oft<:tats e subofioll s. . . XI 9.36 b.
(95) xr. 919 n, 922 Aj XII, 946 ad, 959 a. (100) Rep., IV, 422 II; J,eis V, 744 d-e; VIII, 828 e, '
(96) Leis, V. 731 a. ( 101) Rep., X, 604 b scg.
(97) V, 732 a-b. ( 102) P,g. 103.
(98) Rep., VI, 500 c 7; DDIIqllclc, 211 d 7-8. (103) Rep., X, 604 e. . 11 1171 b 3-12.
(99) As Leis restabeleceJD, e certo, a familia, mas no interesse do ( 104) Fit., 48 a, 50 b. - Cp. Anst., l!t. Nte., IX, '
Estado ( VI, 773 ad) e para qui! o culto dos an<:estrnis se perpetue ( 105) Pags. 93 e segs.
1"lfl
,,,
e, no CIIIUIIIO uma "teocracia" -
termo. Platao' rejeita formalm ' senao no sentido etimol6gico do bern pouca conta a qualidade fundamental do dialetico: saber
Se, nua Leis, certos a1tos ma is~~t~ o g_?verno dos sacerdotes 106. distinguir as semelhantes e as djfcren~ns ua.
Apolo e do SoJ107 n-ao g . a 0 ~ sao nomeados sacerdotes de 0 X livre das Leis preve e punc trc! form~1s de impiedade:
. ' quer 1sto dizer q d
uutonzados a concorrer co ]' . ue os sacer otes sejam duvidar da existencia dos deuses, crer que us dcuses se desin-
. m o po ttlco 0 pod
ccrd6c tO nao precede d'l E , er reveste-se do sa- teressam dos assuntos humanos, considcr:tr tls deuses suscetf-
Lets, ' e e. m troca n ed'd
o Bern toma as tra~os de De xos ' a m t a em que, nas veis de ser corrompidos por preces, sacrifkios, prdticas de ma-
de uma "teocracia" e us 'pode-se falar, com efeito gia. Essas roedidas inspiram-se da tradi~ao 114 , que das pro-
Bern, se Deus deve ~o~::nar ~ mesma que na Reptiblica. Se d longam. Mas acordam-se igualmente com a filosuOn J c Platiio.
dess_es sabios que se chamam !i~a~o, e sempre. par. intermedio Pais o que e afirmado aqui em favor dos deuses tradieionais e
mettda ao Bern a opiniao a d' -tlcos e CUJa ctencJa esta sub- que nao lhes cabe senao por uma especie de processao, sao as
' , tra ~~o e ao oraculo de Delfos pr6prias qualidades que a Dialetica afirma do Bern, de onde
Que semeIhante regime a b d . .
giao,. possa dar lugar a abuse~ e sam ra a-fllo~ofia ou da reli- elas procedem, e que se precisam mais e mais nas formas, no
Por ISSO, nao ha uniao pessoai no que ~latao VIU bastaate bern. Demiurgo, nas divindades astrais: a Existencia, a Bondade que
Politico e as Leis coloca e tre o fil6sofo e o autocrats: o se torna Benevolencia, depois Providencia, enfim a Imutabili-
constitui~ao escrita Qum os govednantes sob a autoridade da dade que se torna regularidade de movimento, depois justic;a
publica, sao tao in~oncebfan_to aos ialeticos soberanos da Re- iricorrupdvel. A legisl~ao, em materia de impiedade, projeta
.
umverso vets como urn De
unicamente segundo
d
. e . mturgo mo elando 0 sabre 0 plano politico as exigencias fundamentais da dialetica.
~u~ar-se com persuadir a Ne:e:s~d~~en;~:s d~~az~o, sem preo- 0 que a dial<~tica exige, a polftica imp5e. Ela: o imp6e primei-
a _e, porem, que o legislador, nos limi . . ao e menos ver- ramente, como dira Rousseau, enquanto "religiao civil", cuja
sooal e pela tradi~ao ins ira s ' . tes Impostos pela materia aceita~ao . SupOe "sentimentOS de sociabilidade sem OS quais e
Piatao descreve o poiftico pid~t ;rucamente na razao; quando itnposs.fvel ser born Cidadao ou rudito fiel" m. Mas ela o im-
quanta sua a~iio vista do ext .' e e se compraz em mostrar o p5e tambem porque a religiao deveta trazer ao mais humilde
sa uo. Tema fr~qiiente na fil~~~r,_ parec: ~rbitraria e capricho- cidadao o que a dialetica somente consegue dar aos il6sofos.
da Caverna, a dialetica inverte fta pla~ontca: fazendo-nos sair Da.f entao, pode a coe~ao politico-religiosa, ou o pretende sO-
-nos distinguir o que tfnhamo nos~~b _va ores costum~iros e faz- mente, autorizar-se pela exigencia dialetica?
gens e as realidades o sofistas o . Ito de confundir: as ima- 0 dialetico que faz ver a luz a seus companheitos de es-
como o l~bo e o ca~ 111 y, e o fd6sofo que se assemelhan\ travidao comec;a por irrita-los contra si, porque ofusca sua vista
da recentemente 112 0 p; er em Plata~, como se tentou ain- habituada a sombra 116 ; Calides revolta-se contra a insisten-
' ecursor e 0 te6rtco da tirania, e ter em cia de SOcrates em continuar a discussao e acusa-o de ser "au-
toritario" 117
( 106) Polit., 290 d seg. De fato, cocr~,:ao e autoridade provem imicamente da ver-
(107) Leis, XII, 917 a. . dade; o dialetico contenta-se com obrigar seu parceiro a olhat
(108) IV, 716 c: c:f Rep VII -
( 109) Pig. 111 , Cf. R ., , ?20 c; Polit., 283 c- 284 d.
within us" (Paideia, I, ~ags~Pj5L~5~392 b e ver W. Jaeger: "The State (113) So/., 253 d; Polit., 28:1 a-b.
( 110) Polit., 293. ( 114) S6bre "Les lois contre l'impihe", ver Reverdin, La Religion
( 111) So/., 231 a. etc., pligs. .208-241.
( 112) B. Russell A H (115) Contr. social, IV, VIII ( pag. 427, ed HolbwRc:hs).
pigs. 105-18. , ist. of Western Pbil., Nova Iorque, 1945, ( 116) Rep., VII, 515 e seg.
(117) Gorg., 505 d 5.
de frcmr cssa verdade, desde que ela surge no curso da disJ
cussiio. Porque esta verdade esta, inkia.lmente, oculta, e longe cupa<;ao- e m nao o considerar d solid~rio das potencias . afetivas
de sc-r um saber firmemente possufdo, que seja preciso impor a q rda e
ue Jhe mascaram a ve . . ' Socrates quem
ClUitCtll. Acontece, por vezes, a Socrates, propor uma tese us, . 6 e igcnCI~ nun'a c
. . :Quanto a essas pr prltas xed 'predi'$por o interlocutor
1111.1~ que e apenas urn ponto de partida; e bem necessario que a . - todo seu pape se r uz a .
J1C3quisa tenha um ponto de apoio 119 Ora, a dialetica e uma pes- as unpoe.: " ta<;i5es" de tal modo que essas ext
pot argumentos ~u porh . enc~Ora n6s o vimo~ a dialetica nao e
quisa em comum. Impossfvel discuti-la se urn dos interlocuto. A ele se 1mpon am, > t - f. "d
genctas a . .. " . 'f . , Se 0 intcrloculur nao <= e
r es pretende deter a verdade e recusa, de vez, ser refutado. Nao puramente drscursz.va, Cl~ntl tcda . . t,...;o que lh< fora admitir
se trata, pois, como nos concursos edsticos, de impor ao ad- bo " -0 e 0 ngor 0 raClOClu...,
a . ' Enasab e-se que ocrates nao aceitava di~cutlr com
s' I

versario, poe todos os meios, uma tese pessoal, sob pena de natureza
as exigencias.
"perder a cara". E preciso que os interlocuto;tes liberem, em . . 122 . .
qualquer urn. . . ' .. '. di a oes uma unica coer-
si, o prindpio radonal das servidi5es passionais, potque . a ra- . . Para resumir estas brevtssunas m ~ <;. . . ' es-
a
zao adere verdade, enquanto a paixao se atem sua verdade.a d' 1, . . , de obngar seu parcetro a p
io . e perim.tlda ~0 d ~~2e3t1C~. f~a de preparar 0 caminho para a
..
A .pesquisa nao pode avan<;ar, portanto, seniio atraves de qtiisa e a sm~er! a. e 'd d , .ca eficaz e real. Em todo
perguntas e respostas. Mesmo o melhor ensino deve ser inter-
coer~ao exerctda pela ve_: a e, a u~om as pessoas mas imica-
ptedocdup:~:o ~~~=os legisla~ao
wmpido, testado, mantido vivo por obje<;oes ou, pelo menos, por
aprova(6es provenientes de uma conscienda estranha. 0 inter- caso, niio ha agora a religiosa.
mente com a ver a e M "le
locutor menos importante colabora ainda com. Socrates e, se nao Tambem o politico nao faz acep<;ao das pe.ssoas. afa:er
ha intetlocutor, o dialetico, ao inves de perder-se no discurso - t .m "6cio" 12u como o dialetico, pata ~esqUisar eDp~ra Co
e na evasao, discutira consigo mesmo. Nao e o saber que se
pesquisar: 6-l~e n~essar~o ~ove
nao e ' , . rnar a cada lnstante. at, en a '
reclama, antes de tudo, do interlocutor, mas a " mansidiio" e a ndo da necessidade, as re-
"benevolencia", o consentimento na verdade desde que esta se a coer<;ao legrslattv~ tr~ uzli, no . mu- ue se recusam a pes-
g ras da discussao dialetJca. Os crdadaos .~ d eflexiio" t 2e.
revele no decorrer da pesquisa comum 120 .
quisa. e a s~cerr a e s.~rao
' . .d d - encerrados na casa e r '
a boa" (que S6crates, parece, dis-
os que carecem dessa na~r~m Calides ou . de urn T rasimaco)
Esta "benevolencia" nao e, segundo a expressao moderna, o
"respeito das opinii5es de outrem", nero mesmo da pessoa de ou-
trem. Platao teria denunciado nisso urn ideal de lassidiio e de cerne mesmo no fundo . p 6dicos 121. os governantes se-
nao mais podem ser env!adods a r 'd d i2s Assim como a
misologia. A personalidade, segundo Platao, nao e a cobertwa. . d. 1' ' 1 comuru a e
ciio obnga os a e tmma- os 8 d - i norantes a apo-
dialetica nao e todo.- poderosa elll: r r a~~~;l:ta!ente a ;esisten-
por tras da qual as falsas opini6es poderiam. delirar a seu grado:
logetica niio :sera capazl.de ddomlt~a a. impiedade ''e tratada, an
hpttc veniam dam,us petimusque vicissim_. Por. qve: respeitar uma
opiniiio cujo valor ou niio-valor a discussao devers precisament~ . d , No X 1vro as etS,
mostrar? Por que respeitar uma personalidade que niio descobre, aa
tes de os tudo,
1mptos.como um pengo . . socra. l''. 1 2v . 0 ..unico dogma, que
precisamente, seu valor profundo seniio na medida em que se
apaga por detras das exigencias essenciais 121 ? A benevolencia e (122)
ausencia de ressentimento para com o interlocutor e a preo- Tttl., 1.51 nb. a , 495 a; cf. Rep. l.
( 123) Apol., 29 c J -4; G6rg., 482 b, 487 3
348 e seg.
(118) Por ex., no Fil. (124) Sof., 246 d 89; Pi/., 14 b 6-8.
(12~) Teet., 172 c, 175 e 1.
( 119) Cf. Pocfirio, Vidtl d" l'loti11u, lJ, 15-17. (126) uis, X, 908 a.
( 120) Sof., 217 c fim seg. ( 127) Cf. Tut., 151 b.
(121) Pgs. 46 e 102. (128) uis, X, 909 b seg.
(129) E. Br~hler, Hist. de Ia Phil., t . J pag. 160.
124
Pllltiio . .. ' I ' Ill condi~oes de provar ri orosa . . .
dncfC' do II ttOS porque e.fe v" ,: - . g mente, e a divtn- gem. Do mesmo modo, a Cidadc hoa ~ scmpre urn com~o de
' ~ t: cu, nao JUStamente um do
1111111 vrdndc ctentifica conforme ao " t d '1 . " gma, mas que a sequencia nao podera senao afnstnHc, A Cidade boa, quer
noruln. Mas para fundar oobr I e:' a o. u tlmo da as tro- seja boa em virtude de sua simplicidade 1:111 , tjuer pela gra~a de
ll ju,.tl~o dos' deuses tradicionai~
tc ft
C: :~tencta, a provi~~ncia e
stes que se dirige o culto da . uma v~, .e urucamen-
Cronos, esta destinada a corrup~ao. Sc se qucrcm classlficar,
por via genetica, as diferentes formas das constitui~oes, toma-se
n: orre abertamente a persuas-a , Ctdad: pliatoruca) ' Piatao como ponto de partida a Cidade ideal 137 Mns, AO menos para
Id o, a encanta~ao ao Po I
gis a or, contrariamente ao SOcrates dos Dialo o~ frquedo e- as almas humanas, ainda que " subindo ou descendo conforme
uma verdade e uma verdad I d f g , a trma eter percam ou ganhem em inteligencia ou em estupidez" 1 na, a con-
' e que e e eve azer t 'unf al
que~ pre~o. Donde, nao mais sendo dado o r n . ar ~ qu . - di~ao primitiva pode e deve ser reconquistada; ela c, 110 mes-
1a hvre pesq~is~, _nao pretender o legislador, d~ ~;d~ ~::pto mo tempo, condi~ao de partida e termo de seus esfor~s e a
azer obta dtalettca: contenta-se com "persuadi , ~m, dialetica as exorta sem cessar a engajar-se na "v.ia que sobe" no.
c~m "abranda71os quanto e possivel" 0 . r dos fm~lOs, Quanto a politica, esta e menos persuasiva, porque reconhcce
nao e teoi6 . I . . CODJUnto 0 X livro em si menos eficacia. Sendo interditada ao pol!tico Ho qual-
0 preambuT~CO,a.n:m apo t?etJ.c.o; e,.como todos OS preludios 131'
quer a~ao vioienta, nao depende dele construir a Cidade ideal.
do de antema~ ; q uma 71 CUJ~ acerto e, abertamente, afitma-
peJa san~ao. ue se tmpora, se a persuasao devesse falhar, S6 Deus pode intervir e retomar o Ierne em suas maos Hl, e
esta interven~ao jamais se situa no termo de uma evoi~o.
Ao contrario, eia inverte o curso de uma evoiu~ao decadeote.
Nenhuma lei racional pode preve-Ia, e e.la apresenta-se sempre,
III. - DESTlNO DA CIDADE
aos olhos dos homens, como urn acaso, uma "sorte divina". E
uma fortuna feliz que faz o dialetico encontrar urn tirano d6-
Desde que os homens se reun C'd cil aos conselhos da filosofia 142 E uma epidemia, uma inun7
urn tempo "incalculavei ri:lilhare tra~ em 1 ades, escoou-se da~o que poe fim as Cidades corrompidas para niio deixat sub-
ceram e, durante o me~mo 1a s de milhares de Cidades nas- sistir senao pastores, ignorantes da astucia e da perversidade dos
via que eram destruidas" 182 p& e tempo, out.ras tantas ha- dtadinos, e que vao formar, por sua virtude inocente, a socie-
cuios do Mesmo e do Outro. se ha;uant_o, no l!ntv~rso, os dr- dade "primitiva" ua. Nao ha, pois, progresso fora da filosofia.
mentos regulares aos corpos ceiest:~~~a~ :idmpnmem. movi As artes e as tecnicas, cujo desenvolvimento e tao glorificado no
como a das almas humanas la , b ' 'd a das Ctdades, seculo de Platao 144 , nao sao, de modo algum, o 1ndice de
percorre urn drcuito. ' e su mett a a aJternancias e um progresso. De modo algum poderiam ser proveitosas a uma
Nao se poderia faiar de uma e I - d .
menos, se evoiu~ao existe eia e vo u~ao a ~tdade, ou pelo
( 136) Rep., II, 372 e seg.; Leis, III, 679 c.
lhor condi~ii'o a que a aha pode sehpre ;egresstva 1.8~ A me-
c egar t: sua condt~ao de ori- (137) Rep., VIII.
(138) Pig. 71 , n. 17.
( 130 )
Leis, X, 903 a fim-b 905 c
(131) X, 890 c, 907 d . ' . ( 139) Rep., X, (,21 c '
( 132)Leis, III, 676 b- c. ( 140) Pig. 113, n. 42.
Tim., 36 cd.
( 133 ) ( 141) Cf. Polit., 273 d-e.
(134) Pag. 105. ( 142) Leis, IV, 710 C d.
( 135) "Niio ha em Platio _ ( 143) III, 677 b .
que nao csta dccadSnda" (~ ~h?utr~_evolu~ao natural c cspontanea
ter, /.St. de Ia Phil., t. I, p;{g. 155). ( 144) Ver P.-M. Schuh!, Essai mr Ia formation de Ia Pensle
greeque, ptigs. 342 seg.
126
Cidudl' l'llj LI bond ade unica. deve depender do Bern. . Adcmais, ~ao sabre leis que a reforcetn, pruloo~UC n l, rectlem, 0 instante
snlw-~c que o pt6ximo ciclo ira mergulha-las de novo no esque- inevitavel da decadencia.
e
cirncnro H~; llaO ao genio dos homcns, ea
benevoJencia divi- A alma, de cssencia inteligfvel, dcv r.l c pndcra teencontrar
11(1 que e pteciso
atribuit a origem lH das attes necessarias a sua condi~ao de origem. A Cidadc, cujn t' AII NU material reside
~ubsistencia do genero humano. nas necessidades, na impotencia dos individ uo11 j)(tl' il sc bastatero
Excetuada a tirania, cujo grau de corrup~ao nao pode ser a si mesmos, na Necessidade cega 15 \ nao p:uccc ~cr de uso no
ultrapassad.o, todas as outras constitui~ocs, pot pouco que deem alem. Niio ha, em Platao, o equivalente da " CidnJc de Deus".
prova de alguma estabilidade, devem set mantidas a qualquer 0 unico progresso digno desse nome e o da alma individual. A
:usto.:, C:
politico, s~vo urn concurso de circunstancias, de que Cidade devera, decerto, na medida do possfvel, viver como urn
ele nao e o senhor, nao melhora, apenas conserva; se ele inova, unico homern e unificar 0 corpo dos cidadaos pot uma t'mica al-
.e para salvar' pot novos expedientes, a antiga perfei~ao das leis ma 152 . Mas o que, af, e ptefigurado, nao e uma comunidadc
e da razao. 0 Bern era dado na constitui~ao primitiva como que possa, liberada dos cgoismos particulates, transportat-sc,
nao e possfvel ao homem remontar 0 curso dos tempos 'todo 0 pura, na vida transterrestre; e a unidade e uniao interior da
seu oflcio consiste em manter o estado atual como aq~ele que alma, da alma paciicada, harmonizada em si mesma e que sera
esta, ainda, menos afastado do reino de Cronos que o estado a colocada, pura, em face da realidade pura 153 . Segundo Santo
vir, a que clc ten_de. T6das as leis em que subsiste alguma som- Agostinho, a admira~ao que os espectadores experimentam em re-
hra do bclo, do JUSto c do bern, c preciso "salva-las, conservan- la~o a urn ator estabelece, entre eles, uma simpatia recipro-
do-as'' l~ 7 Reencontramos aqui, como no destino da alma a au- ca 1 ~~: "0 arnot por urn objeto engendra, espontaneamente, uma
sencia de qualquer elemcnto dramatico. Este "mais bdo dos sociedade formada por todos aqueles cujos amores coinddem
dramas", que a vida da Cidade ideal 148 representa, nem mesmo e nele e exclusiva em rela~iio a todos os que dele se desviam 1 ~u".
'mai~, como o "combate" que deve travar a alma 14 D, urn lento Transposta no pensamenro platonlco, esta compara~ao signl-
cam1nhar, avan~ando em linha torta e desviando-se freqiiente- fi.caria que, para a alma encarnada, o meio mais seguro para
mente OU VOltando sabre OS ptoptios passos, para urn estado de atingir o objeto de seu arnot sera accitar a sociedade, orga-
estabilidade. Na Cidade, esse estado e dado de antemao como niza-la tendo em vista os "lazeres" HO e as festas, e velar por
recorda~ao ou sobrevivencia; o drama, a a~ao, limita-se a 'mante- que a concordia entre OS cidadaos seja suficiente para que 0
-Io, contra as for~as dissolventes do Devir, fOr~as exteriores e im- espetaculo nao seja perturbado. Essa propria organiza~ao de-
previsiveis _( guerras, catadismos) tanto quanto internas e fre- pende, nao do "belo", mas do "necessaria" 157 0 apaixonado
qiientemente, Hio misteriosas que escapam mesmo ao raci~dnio nao se preocupa mais com os amigos nem com os parentes 1~s;
ajudado pela experiencia 160 A Cidade ideal, pelo simples fato de ele aspira, unicamente, a presen~a do objeto amado. Ha toda
es:ar posta em contato com o Devir, nao pode senao degenerar;
nao se coloca o problema de melhora-la, mas, unicamente, de
fazer recuar, apowndo-se sabre a tradi~ao e apoiando a tradi- ( 151) Rep., II, 369 b.
(152) V, 462.
( 153) _IV, 443 c-e; Fed., 65 e seg.
(145) Leis, III, 678 c. (154) Para esta imap,cm, ver j:'t Plotino, IV, 9, 3 com.
( 146) 679 11; Po/11., 274 c. ( 155) E. Gilson, Introdtlction a l'Etude de Saint Augu.rtin, Pa.
(147) Rep., VI, 484 d 1-3. ris, 1943, pags. 225 seg.
(148) Leis, VII, 817 b. ( 156) Leis, VII, 803 d-e; VIII, 828 e.
( 149) Rep., X, 608 h. 4. ( 157) Rep., VII, 540 b 4-5.
( 150) Rep., VIII , 546 b. ( 158) Pedro, 252 a.

1')0
uma irrndia~t o e um retorno. Hip6tales canta, para quem qui- "' 111 c.:ontradizela, pelos textos l' ll\ qllc StScrates afirma sua e~
srr t ' II I II', OS meritoS do belo Lisis, por quem esta apaixona- JI'l'lltH;a de ir para junto de "~ku11c~ I~"~M " c de ~co~~anhel
do ~u; 11 fi16sofo prolonga a visao do Belo em atos de virtu-
1
,, ,1; " illt. 0 "sistema" de PJatao 0 110 c rlj40toso, nao e. fech~
c1t' I ' . Mas essa descensao - a parur. do o b'Jeto, esta p rocessao
111
dn" em nenhum lugar 1 06, e ainda mcuo l'tn pontos tna~esst
nto sc faz senao porque ha outros 161 , alem do admirador e do vl'is ao logos" 10s . Se as sociedades dos wdltnl'l.:s, Ctdades_tdeal
11hjcto: Ora, a alma, em sua condi~ao pre-emp!rica, estava pos- , HI primitiva, reino de Cronos, grupam sctnpn: homcns, nao a1-
10 sozmha em presen~a do Ser. Nao ha, em Platao, cria\aO de 11,as, e permitido, entretanto, a alma a espcrant;l~ de rcencontrar
um primeiro homem onde a " comunidade de amor" possa achar , ~sas comunidades terrestres, fundadas na Necessldndc, mas onde
scu " fundamento" teol6gico 1 62 . Ainda que a substancia das cla conbeceu na Escola ou na Cidade, alegrias ~s ljll:t i~. mcsmo
almas futuras seja haurida na mesma cratera, ela nao funda l'm face do Ser puro, ela nao quereria mais renu nciar.
nenhuma comunidade. 0 Demiurgo nao cria uma alma nem
uma comunidade; ele cria uma pluralidade de almas que se igno-
ram mutuamente e que conhecem apenas seu divino Criador
e a "natureza do Todo" que ele lhes ensinou.
~ C~dade est~ integrada n o Universo e ela e dominada pelas
alternanc1as c6sm1cas. Ela nao tern nem urn lugar nem urn
equivalente no seio do Ser puro, de que unicamente a alma in-
dividual consegue nutrir-se 163 . Pode-se moderar esta conclusao,

( 159) Lis., 204 c-d; cf. Rep., V, 474 d-e.


(160) Banquete, 212 a.
( 161) Cf. p~gs. 54-57.
( 162) Gilson, loc. cit.
( 16) ) 1:! noufvel que o culto dos mortos nas Leis nao seja con- viventes. A institui~ao da "heroiza~ao" .nao prctende _dar um ensina
sidt:rnuo fttJl:u~ nl) qu:1clro do Cidadc c da tr;di~ao, e ~ao de Iugar a mento sobre o destino dos mortos, mas cr1ar uma trad1o;ao .onde o ~xe;
nerthumo tC:OrlM, m~rno !)rudrntc, d\: utna solidariedade dos cidadaos, plo dos mor tos se perpetue aos olhos dos cidadaos, e sobrev1va na C1da e.
no . ul~m. P11r B\111 JJI~>rte, o ridaduu tlcixa a comunidade e "nao pode l nstitu!Jn em inten~o dos que ficam, a "heroiza~o" ~ada acrescenta _ao
trHtts rontltJ t um 11 u~mt nc;J~ de- nmgtn:m" (XII 959 b ). Quanro aos destino deY.> defuntos; assim como ela nao pretende pre)ulgar d~ veredito
do Tribunnl dos Infernos, .e.Ia nao sup<ie, ~ora do. quadr~ ~a C1dade, ne-
chd'e"i Jt' fi" ~~~ "hcroi1.1dt'~" ( P. &.lyunce, Le 'Culte des Muses chez
lcs f>bilos?{l!nr P,fCI'r, . P~t l'is. 1937, p;igs. 269 seg.; d. Reverdin, La Ret. nhoma w munb:io dos her61s. - C., tambem aba1xo, n. 6
dans ltJ C11/> p/,lt., Pom, 1945, pugs. 125 seg.). E precise obser var que o ( 164) Fed., (,} b-e, 69 a, d-e; a aproximar de Polit., 272 .c (ver
texto d:1s I-I'II (XII, 947 b-e ), em opo~i~o, por cxemplo, a R ep., VI, m;lis acima, p;i{l X2) c dos textos que situam a morada dos fil6sofos
540 b-e 011 V, 168 c seg., evita qualqucr 11firma~ao sobrc o J estino trans- nas ilhas dt>s hlm ttv~:nrurados (G6rg., 526 c, Rep., VII , 540 b ).
terres rre d<l. f\OVCrnanccs, inrroduz os sinais exreriores da "canouiza~o" ( l(,'j l cr. p:l~tN. 49.,2. .
com uma extrema prudt:ncia (de modo que a autoriza~ao da Pltia nao ( 166) 'f'illl., 20 b c. - precis? norar, a ~sse respe1to, ~e ~. t~xto
parece mais Ol'<:~dri:t CClmo na Republica, salvo no que conccrne a prc- d:t Rep., V. 46M c ~cr. .. <JliC ;t pw p6suo do desuno dos, guardwes, dcm~
sen.91 dos saccnlot~:s c das sJtCCrdoti sas no cortejo funebre), e niio cnsina
11 j 1,ados" (Rcvcrdin ), "sc n m(ia" ~ nutoridade de Hes~<><!o, _contcm um.t
mrus nenhuma outrn comtlllid.tde dos mortos "hcroizados" seniio a do se- nfcrcncia cvidcntc a III, 4 14 b fim seg., onde a .asslmtla!'to dos guar
pulcro comwn; em outras p:tluvms, CSS(: tcxtu nao cspecula sobre as "re- .lia1s its gera<;i'ies dn rar;:a do ouro ou cla pra~a c mtrodu:,ala rmno urn
compcnsas" ( Rep., 608 e 2, 614 a I; Fed., 114 c 9) que t:sscs mortos
111 j 1., ( 41 5 a 2), "uma mentira bela" (414 b fim) qtte os govcrnantcs te
rcc~bcrao de parte dos dcuses mas fixa ns " honras" (R ep., V, 468 c 1; ""' nlnum;t dificuldade em fazer acrcdi~ar (414 a } 415 c 7, cl. 468 e 9;
Lets, VII, 802 a 2 ; X.ll, 947 c 5 ) que lhcs deverao prestar os sobre- .nJ,, ,. fll'itbciJJ cf. Le Parad. dans {a dral. plat., pags. 100-102).
130
D as tres aspira~oes humBIH\S que, f.reqi.ientes vezes, incons-
l'kntemente, tendem ao mesmo Objcto, podc dizer-se que o amor
u maior e que, bern ao inv~s de ttAit put cria~ao, e a atra~ao
que age sobre ele. 0 desejo profunJo dos IIS(li tA~eS e Set en-
l.:l1ffipadas pela vontade de Deus.
Mas, se assim e, nao corre o homem o risco de confundir seu
interesse ou seu "ideal" com a vontade divino? l~ para afas-
CONCLUSAO
tar esse perigo que as Leis interditam OS cultos privodos. A
dialetica multiplica as precau~oes contra o arrebntnmento e o
dinamismo do eu. T omadas tOdas essas precau~oes, ela sc cr~
Em?~r~ sold~do corajoso, Laques nao consegue formular tao pouco capaz de atingir o Bern e de fixa-lo numa f6rmula de
uma ?emwao ~a~1~fat6ria d a coragem. Ao menos, ele e capaz conclusao, que ela nunca deixa ao acaso o seu estudo. Somente,
de af1rmar de lntCIO : a coragem esta entre as coisas belas E a I nteligencia divina conhece Deus; para apllcar " perpetuamen-
quando. ~ c~nversa~a.o se te~mina sem resultado, esta afirm~~ao, te" seus raciodnios a " Forma do Ser" 4 , o hom em esta reduzido
esta extge?cJa essenctal perstste e, com ela, 0 ardor e a exorta~ao a somente ater-se, cada vez, a uma Forma de ser determinado;
par a contmuar a pesquisa.
tendo-a perseguido ate o ponto em que ela procede do Ser Uni-
Tlll~ e a s.itua~o do homem em rela~ao a Deus. " Entre to- versal, ele nao poderia ir mais longe. Por conseguin te, nao pode
dos OS Seres VIVOS, e 0 homem quem mais venera a divindade 1". haver, no platonismo, nem teologia, nem provas da existen
C? hornet? ~e ?aturalme?~e 2Jevado a piedade e inclinado a admi- cia de Deus. De fa to, os dois textos que parecem ter urn car~ter
tJr ~s eXJgenctas essenc1a1s Mas isto niio basta. :E preciso teol6gico sao, ambos, desvios necessaries, um deles para resol-
part1~ ~essas previas profissoes de fe, conhecer, definir D~u: a
ver urn problema de educa~ao ( relativo Ieitura dos poemas ho-
e as~un1~ar-se ~ ele. E este dupJo empreendimento que, para mericos), 0 OUtrO para introduzir e justificar Uffill lei sObre a
Platao, e o ob1eto de 1.lfD mesmo esfor~o, nunca termina, e nao repressao da impiedade 0 . Nem urn nero outro sao de .inten~ao
e. bastante t&la nossa v1da para seguir a exorta~ao que nos con- teol6gica: ao servi~o, ambos, de problemas de ordem pratica, ele-
vtda a ele.
vam-se, exatamente, tao alto quanto e preciso para resolver es-
_ 0 conhecimento de Deus, que nao se pode separar da imi- tes Ultimos, mas de modo algum pretendem alar de Deus ( ou
t~~ao de Deus, da a conduta humana sua significa~ao e seu mesmo, na passagem das L eis, das divindades astrais ou da al-
termo. Ant7s de Pascal, Platiio ensinou que t&la a vida moral ma) de maneira adequada.
depende da JUSta Opiniao que podemos ter sobre a divindade 8. Ve-se, portanto, que a interdi~ao do suiddio (que nao in-
. Deus, medida de todas as coisas, da igualmente sentido a voca ncnhuma razao 'filos6fica", mas somente a autoridade dos
C1dade, ora ~bal~da pelos pretendentes ao poder absoluto, ora misterios: " Diz-se que isso nao e permitido" 6 ) tern uma signi
f
ex~tada e lJsOnJeada pelos demagogos do imperialismo sem
re10.
fica~o que ult rapnssa, de muito, sua expressao literal. A acei~a~io
pelo homcm de suo condi~ao encarnada deve manter-se a 1gual
distincia da rcsign:wiio c da "desmedida", da complacenda e da

,.. _,.,:..
( 1) Leis, X, 902 b; Tim 41 e fim. t. ev~o. Ha muito pouca coisa a ..IJl~difjq~r nas conclus&:s de
(2)
a justic;a,
Cf. Renouvier: "Niio
mas sc amava cia" ~e sabia talvez, exatamen te, o que era
.. -~
pag. 99 ). ( U:s D'rttit-rs Entrclicns, Paris, 1930,
( 4) So/., 254 a.
(3)
chvicg. Leis, X, 888 b; cf. Pascal, PcnstJ,s, 194, p~is. 416, cd. Bruns- (5) Rep., II, 379 a seg.; Leis, X.
(G) Fed., 61 c 8.
132
A. Rivnud : '"A. moral, a P?lrtica, a medicina, preocupam-no mais ll< l~, nenhum dentre os quais apar ~.:c ~omo urn autentico su-
do que 11 ttologra ... .tie vtsa mais dar-nos impressoes que impor- 1n~ur, de ter atentado contra :1 1111idudt cln ~latonismo. Sem
nos doAmas reconduz-nos obstinadamente as tarefas humanas c [( 1vida era diHcil manter a intcgrid:tJc de lllll pensamen to para
(1 quai' todo objeto ~ somente um " .lpoio'',
que ns!cgurarao nosso destino aqui embaixo 7 ". De fato por sua . que a nenhuma
lnversao dos valores, a dialetica proclama que somente 'a dencia " dcscensao" reconhece urn valor definitivo, ncm ~:obretudo, au-
de Deus, . nao ~s ciencias do homem, merece "preocupar-nos". e
t(>nomo. Se tao diffcil escrever urn sistema de PLttao, nao e
Mas 7sta mv~rsao total nos e _recusada, no momenta, e a melhor porque faltariam os elementos de urn tal !l~llt cmn , ncm tam-
ma~etra de. esperar 0 benfeaor", que vid "libertar-nos" s, e pouco porque nao se harmonizariam entre.: st, 1!1111 0 quanto 0
aceltar, asstm como o Demiurgo assume as obras da Causa er- universe 0 permite. E, bem ao contrnrio, por9l1C est:~ dc~en
rant:, .cad! uma das nossas atuais servidoes. , com uma unica tos, em nu mero superabundante, se harmonJzam, lao lnttmn-
mo~Jft~a~ao, o conselho de Pfndaro: "Aspira, minha alma, mente e tao secretamente, uns em rela~ao aos outros, c todos em
a vJda Jmortal, mas esgota 0 campo do possfvel f)!" rela~ao ao Urn, que nao se poderia, sem arbitrarie~ad~, coMidc-
_A aspira~ao ao Bern, logo seguida e sancionada pela dcs- rar, cada urn, separadamente, nem se poderia atrtbutr, a ct~da
censao para a Caverna, da ao platonisrno uma medida e uma urn, urn Iugar fixo; seria precise a lnteligenc~a d~ Bern, med1da
P.erfei~~ diffceis de analisar e o faz aparecer como urna tend~n de tOdas as coisas, para determinar, de ma.netra rJg~rosa, os va-
cta c~nt~da e uma estabili?ade move!. Donde, negativamente; lores derivados e para situar todas as co1sas relattvas a Justa
a ausenc1a de todo extremtsmo. A supremacia da razao e afir~ Medida. Do sistema de Platao, foi cada urn dos platonicos (de-
mada contra a inspira~ao e contra o ilumlnismo sob todas as darados ou inconfessados) que escreveu uma parte, e e eviden-
suas_f~r~as; mas, no entan.to, a razao acolhe o mito; privado te que essas partes nao rnais se acomodam entre si.. Se ess~s fi-
do de~JtJO que OS deuses drspensaro, ela e simples habilidade, 16sofos puderam explicar, acentuar e prolongnr . d1v~rSliS ~cn
q~e nao ?lerece o ~orne de sabedoria. A inteligenria dos sa- dendas" do pensamento de Platao, quanta liO h1ston:~dor, <:$ll!
UIOS .constdera conv1ncente uma demonstrac;3o que a razao dos n'ilo tern o clever nem o direito de fazcr o mc:smo. J.>orqm: o yue
hr~bcJs rccusa como uma Joucura 10. caracteriza urn pensador c mcsmo, mais ger:1lmcnte, urn homem,
IJescJ"c~et, ?U mesmo dar nome, em linguagem moderna, e nao somente aquilo a que ell: .. tend<:"' mas ainda aquila a que
'~. c~111 lnh:.ltl(t noa c um emprcendimento anacronico. Seria pre- ~ le resiste.
t:I:SO, ~~~~r~ t so, dcsupwndcr Cl opor a razao e o cora~ao, ou ain- Citamos entre as alternat.ivas a que se pode submeter o pen-
?u u. ta:t.1o e : .M. de modo que n ado~ao de urn desses termos samento pla{onico, filosofia ou religiao. No fim dest~ inqu~
m~phquc: 11 !C:JCJ~ o do outro. E o mesmo para outras ahtino- ri~ao, parece clara que esta alternativa tern pouco m.ats sen ti-
mtas. !'>o fnv~s de: mcwrcr-sc a unidade do platonismo1 pare- do do que as outras. " A antltese entre o Deus dos fil6sofos e
ceu .mQIS (,:()mOdO fC:COrtar nele contextOS escoJhidos, e nao e 0 Deus dos poetas", "a oposi~ao do Um-Bem e do Demiurgo"
11

pre.c1so .ser de rn~ fl para descobrir en tao alternadamente 0 colocam e, talvez, resolvem um problema, mas nao, cren:os n6s,
r~c1o~alt~mo c o ~istic!s?lo, o liberalismo ; a ortodoxia, 0 :.0- no espfrito d e Platao. A inteligcncia, o fer~or, o respelto des-
ucle~Icahsmo ~ .~ mqu1~t~ao, a democracia. e a ditadura, a fi- viam-se e perdem-se desde que seguem caminho ~ep~rado; P~
losofta e a rciJgJao. Nao acusemos precipttadamente os epigo- tao nao admite nenhuma faculdade, nenhuma tendencta, que nn?
(7 ) A. Rivaud, N"tin~ nu Tim6e, pag. 38. ~cja suportada e contida por outra. E porque. I::,ocura concl-
(8) Fed., 62 a 8, b. lior e u nificar tOdas as coisas em Deus que a rehgtao, para Pla-
tiio, niio pode disjungirse da filosofia.
( 9 l. C. &nquele, 212 a, 'fim., 90 hc c J\ri~t6tcl~-s: "Imortalizar-se
na med1da do possivel" (Et. Nic., X, 7, 1177 b fim).
( 10) Rep., III 409 a-e; Pedro, 245 a, c 1-2.
( t 1) 1\ruo~chvicg, I.e Progrts de Ia Conscience, t. I, p~gs. 30, .36.
1VI
. F.s rn lntc~JJreta~ao poder~ .s_er contestada e poder-se-ia pro- ptcender a bondade de Deus a fim Jc pudcc assemelhar-se-lhe 10 ,
cuJur, uo Dtalogos, uma reltgao separada ( mais ou menos - o segundo termo parece com pnr.ivel, por suas tres notas:
0
que./. Moreau chamari~ ~m "platonismo . . . tl'uncado" 12). Mas J3cm, Deus, religiao racional, a uni:io plarOnica entre filosofia e
ntn n~vo plano, as dtftculdades de equilfbrio e de condlia~ao religiao; mas, vimos que os deuscs d .kinde, da Cidade car-
r 'aJuuccem . . N_o '!ue c~nsistil'ia, exatamente, esta religiao? Ne- nal, tem seus altares na Republica ideal.
'.,! .~ma ~as disttn~oes. f:aas do interi?~ do fenomeno religioso pa-
tctc v~ltda. A opos1910 er:tre a t~ligtao pessoal e a religiao es-
Por razoes de metodo, nos nos proibitnoN, 110 dcrorrer deste
tabelectda _(J~mes) mal terra parectdo legftima a Platao. 0 au- cnsaio, qualquer atitude cr1tica. Sem ~os an ~tormo11 desta re-
tor das Lets, e verdade, e obrigado a constatar esse div6rcio mas serva, gostarfamos, a titulo de conclusao, de a1~r~~nt n r as se-
tenta p8r en: _acordo, com o consentimento da razao, a pieda- guintes observa~?es. ~ . preocupa~a? ,e~ eqt::ll!mu
o~ C_?~~
tdrios pode expbcar o extto extraordmano do dtvlno J lttluO
de e a tradr~ao. - A religiao estatica e a religiiio dinamica
no plano da filosofia. A influencia exercida por ~latii_<> sObr o~
( Bergso,n) _Parece rer seu equivalence nas religi6es civica e as-
pensadores posteriores inscreve-se em toda a hrst6rw _Jfl C!lo
tral (_cosmtca ~. Mas estas duas ul timas superpoem-se e nao
sofia e sobre paginas escritas por mao de pensadores muttu dtf~
se opoem.: Vtm?s. que o cult? oficial se dirige, antes de tudo, rentes a obra de Platao, que tantas opini6es divergences susct-
a? ~anteao" tradrcwna_l e nactonal 1 3 ; os conhecimentos astro- tou, a~tes parece refletir o univers? que muti~a-lo. Niio qu~
no~tcos e os conhectmentos preparat6rios indispensaveis" ( ha Platao tenha conseguido, tenha podtdo consegutr captar o unt-
aqur uma referencia evidence ao cursus da R epublica) sao re- verso num sistema exaustivo. Ao contrario, se existe algo que os
se!vados aos magistrados do Conselho Noturno J " . 0 Bern De- filos6fo contemporaneos parecem ter provado e que nenhum
0
mmrgo, o Mundo e os Astros, divindades universais do~inam esfor~o de sistematiza~ao poderia dominar a incoerencia e a des-
a r_:ligiao. da Cidade;. mas esta ~esma religiao na~ pode ser continuidade do universo. Mas e, antes, porque o pcnsamc:nto
sen_ao nac10nal 7 domma, por asstm dizer, por baixo : porque, platonico imita perfeitamente urn Demi~.rgo qu~ ~ii..? c tod_~
n_Hus do_que o fil6sofo, o legislador aceita a tradi~ao ( mesmo poderoso; por isso, diante de t_al ou q~al contrad~~ao _nos Dza
0
l! pinom ts esta, a este respeito, de acordo com a Republica e logos, temos freqiientemente a tmpressao que valena mats a pena
com 1111 L c1s 1n ) c mesmo o filosofo, no decorrer da descensao " atribuf-la antes ao Universo que a Platao" 17
rc:cut(nlrn, nroJhe c revaloriza o " dado" e as servidoes da Ca~
Mas talvez, urn tal sucesso cxplicasse, por sua vez, o fra-
vc:rna, o nde :1 nlrun cncornada podetia dizer segund
. " ,
1a
o a pa vra casso de Piatao no plano da a~iio' que tambem 0 plano da po-
e
<Ie I I<' I'll<:Illo : lt'lCiilllO aq ui cxistem deuses" - Enft.
T ,, m, na opo- Htica e da religiiio. A experiencia da Sicilia, tres vezes tentada,
st5'u~ enti'C tcmu couscencia social", e uma "consclencia mun- fracassou ; em materia religiosa, a influencia intencional e direta
dtnl ( WllitchcoJ) , _n .~l'imcira confundindo "a ideia do bern . .. mente atribufvel a Platao nao ultrapassa o quadro da Escola, ou
c?m. o de conSl'l'va~:ao , a segunda, elevando-se "a no~ao da es- das Escolas; "a religiao da Cidade platonica" nao teve _ vida,
senct~ do bcm:, de modo que "numa religiiio mais pura, que 0 onde Platao qucria faze-la reviver, na Cidade. Sera que nao e.ra
conceao de un.vctso tornou mais racional, aplicamo-nos a com- porque as cxigencias da realiza~iio rejeitam, como compromts-
sos impotcntcs, as concilia~ocs demiurgicas do fil6sofo (era po
sfvel filosofar ou reinnr, fico.r com os disdpulos ou ir tcr com
(12) ]. Morc:u 1, l.'Ame du Monde de Platon aux Stolciens, pag. 90.
( 13 ) Pags. 11.3-115. - ou derrubar - D ionfsio; mas nao era possivel, dn Aca-

d rAI4) ,!-eRis, XII, 967 d scg. - Cf. ''Lc Parnd. dans Ia ThC:orie plat.
e cnon , ev. des Et. Gr., t. LVIII, 1945, pdg. 125, 11 7. (16) Whitehead, Le Devenir de {a Religion, Paris, l?JS. u d . Ph.
(15) Pag. 114 n. 45. Dcvnux, p;lgs. 52-5J.
( 17) Le Parad. dans Ia dial, plat., pag. 113.
136
dcmia, I'Xt"I(C:f llutoridade sabre 0 tirano nem em $'
vc:rnnr t'f.lllnJo a filosofia; nao era possi~el de,fenderr;,acusali~ ?.?"
I ('I 1 f " a re gtao
c n t "\ e, ao mesmo tempo, combater com uma admiravel
\ Ill rllncw, desde o G6rgias ate as Leis o " t'mperJ li .
'' d eli ' a smo atenten-
1><: , II ca~sa as vmdades polfades era bem melhor sustentada
r.nr ~~mostenes, que n~o era aluno de Platao e que seu adversa-
rto P e tratar de fmpro )? E nao era tambe'm porq h
men - - ' , ue os o-
rem ~.;a~ s~~; como os fil6sofos, "as crian..as", que jamais que-
TEMPO HIST6RICO E TEMPO LOGICO
D , :_ ors ' mas que querem a decisao d ramatica e a escolha?
. al _:mao,_ cad.a vez que, no plano politico ou religioso, uma rea- NA INTERPRETA~AO DOS SISTEMAS
h_za~ao se mspJrou ou se pretendeu autorizar por Platao foi pre- FILOS6ncos
crso que, ao mesmo tempo, ela optasse contra Platao. Pelo me-
nos,;e. se ~oncede o proprio princfpio da inten~ao de P latao
~ue. ]_:'mars ~eparar filosofia e religiao, pode achar-se nele ; Parece que haveria duas maneiras distintas de intt~rprt'tlll' urn
~~sptra~ad, ~enao os elementos, de uma doutrina. Se ao contra- sistema; ele pode ser interrogado, seja sobre sua verdadc, ~cj~l
.rro, se a mite - e niio e absurdo decidir-se desse m~do - ue s6bre sua origem; pode-se pedir-lhe que de razoes, ou buscar suas
toto crente opta fora e, em ultima instancia, opta contra a f~o causas. Mas, nos dois casos, considera-se ele, sobretudo, como
so ra, nada ha a aprender de P latiio, mas nada tampouco arece urn conjunto de teses, de dogmata. 0 primeiro metodo, que se
a ap.re7nder dele, a nao ser uma tenta~ao intelectual '
quer drze: que 0 platonismo autentico e para a f.t b.
b ' que
pode chamar dogmatico, aceita, sob ressalva, a pretensao dos
t ' c, em menos dogmas a serem verdadeiros, e nao separa a lexis ( A. Lalande) da
q
ue o~ ~as correntes do pensamento antigo e em particular que cren~a; o segundo, que se pode chamar genf:tico, considera
o estorcJsmo
. ( Malebranche nao
- se enganou a' esse
)' urn
respelto os dogmas como efeitos, sintomas, de que o histodudor dcver~
atrattvo temivel. ' escrever a etiologia {fatos economicos c politicos, constitui\UO i-
siol6gica do autor, suas Jeituras, sua biografia, sua biografia in-
telectual ou espiritual etc.). - 0 primeiro tnetodo e eminente-
men te filos6fico: ele aborda uma doutrina conformc a inten~~o
de seu autor e, ate o fim, conserva, no primeiro plano, o
problema da verdade; em compensa~ao, quando ele termina em
crftica e em refuta~iio, pode-se perguntar se mantem, ate o fim,
a exigencia da compreensao. A interpreta~ao genetica, sob t~chts
as suas formas , e ou pode ser urn metodo cientifico e, por isso,
sempre instrutivo; em compensa~iio, buscando as causas, c-l,t
sc arrisca a explicar o sistema alem ou por cima da inten~no
de seu autor; ela repousa freqiientemcnte sobre pressupo.'ltO
que, diferentemente do que acontece na intcrpretac;ao doHilllh ictl,
niio cnfrentam a doutrina estudada para medir-se mm clu, mn~
sc cstabdcccm, Je certo modo, por sobrc cia c s~rvnu, :tel COO
tr:lrio, p:mt mcdi-la. Enfim, 0 mctodo dcgnl:ltirn, l'li:ltllill:JDdo
Cllll si~!Cmll sobrc ~Ua VCr<latlc, suhtraill ;Ill !1' 1111111; :lli t'OIItraJj.
\''~'1 qnc ~~ l~:v;tdo n con:;wt;tr nu in tea iot de um sistema ou na
138
anarquin uos sistemas sucessivos, provem, precisamente, de que -se ele a isso, cada ve:z que sc tomu till) gistema assim, as aves-
t~das ttscs de uma doutrina e de todas as doutrinas preten-
1111 sas; ora, a intuic;So, tao bern dcnorninndn "original", tendeu,
dcm scr conjuntamente verdadeiras, "ao mesmo tempo". 0 me- quanto a ela, a explicitar-se. Alcm dls~o . rc:co rrcse a uma cau-
todo Rc: net.ico, pelo contrario, pOe, com a causalidade, o tem- sa inteligivel que teria isto de p:m1Joxn l, que, permanecendo
po; nlt~m dtsso, o recurso ao tempo e a uma "evoluc;ao" permite- oculta, como e preciso, aos olhos do fil6~clfn, -.c cntr~garia _ao i~
. Jhc, precisamente, explicar e dissolver essas contradic;oes.- Ora u!rprete. E que, tanto aqui como em ou rr1ts pct~qlll ns euol6gr-
n. hist~ria da fi.Iosofia, assim como Husser! o e:xigira da pr6pri~ cas, o interprete se coloca acima do sistom t, .<'m rclac;ao. a?
fllosofta, devena, e ao. mesmo tempo, ser "ciencia rigorosa" e, fil6sofo, ao inves de adotar primeiramentc n :~u tuJr: de dtscr-
entretanto, permanecer filos6fica. M. Gueroult comentando a pulo, faz-se analista, medico, confessor. 0 si,tcmll, 'lllrcranto,
o.bra d.e E. Brehier, lembrou, nao faz multo, qu~ "a hist6ria da nao e escrito para fornecer sintomas e indiceb dc:.tinud!)" (\ uma
ftlosofla e, antes de tudo, filosofia, mas que ela nao tern valor desvalorizac;ao radical, em troca de sua causn p rO< Iui'Orn olul-
para a filosofia senao permaneccndo intransigente sobre a vet- ta, que eles teriam permitido inferir, mas, invcrsntnl'OIC:, para
dade hist6rica" 1 . - E para a elaborac;ao de um metodo ao mostrar e para fazer compreender as produ<;OCB de~rn <'AliSO,
mesmo tempo, cientlfico e filos6fico, que quereriam contribuir qualquer que seja ela. Ora, as asserc;6es de uma sistema nutl po-
as notas seguintes. dem ter por causas, tanto pr6ximas quanto longfnquAS, senilo
. A filosofia e .explicitac;ao e discurso. Ela se explicita em razoes 'conhecidas do fil6sofo e alegadas pot ele. ~ possrvcl,
movtmentos suce~s1vos, no curso dos quais produz, abandona e sem duvida, colocar, na origem de urn sistema, qunlqucr coiNn
ultrapassa teses ligadas umas as outras numa ordem por raz6es. como urn carater inteligivel; mas, para o interprctc, (!ue c?r~
A progressao ( metodo) desses movimentos da a obra. escrita sua ter somente e dado no seu comportamento e nos :SC:U~ ntOS, ~StO
e.strutura e efetua-se num tempo 16gico. A interpretac;ao consis- e nos seus movimentos filos6ficos e nas tcscs que et,... prorlu-
ttra em reapreender, conforme a inteoc;ao do autor essa ordem z~m. 0 que e preciso estudar e essa "cstruturu do co mporta-
por ra~oes e em jamais separar as teses dos movim~otos que as mento", e referir cada asscrc;ao a scu movimentn ptodutor,
produztram. Precisemos esses diferentes pontos. 0 que significa, finalmente, a doutrina ao metotlo.
~ {iJ~s~fia e. e~pl~~itariio. Que esta explicitac;ao proceda de Doutrina e metodo, com efeito, nao sao elementos separados.
11rnn lnllJt~oo Ol'lgmal , que haja, por tras do que esta "desen- 0 metodo se encontra em ato nos pr6prios movimentos do pen-
~olvldo c cxrc:rlmi:wdo", "urn nuclco, uno, simples, voluncirio e samento filos6fico, e a principal tarefa do interprete e restituir ~
ltvrc ljUQ Jhc ( 00 hisroriador) r.cvdara urn sujeito" 2 ", e coisa unidade indisso!Uvel deste pensamento que inventa teses, prau-
que _se podc, ccnnmcmc. COIII:l'der. Mas tendo o fil6sofo pre- cando um metodo. Quando urn autor consagrou a seu me-
tendi(IO dnr-ttos urn pensa mento dcsenvolvido o offcio do inter- todo uma exposic;ao te6rica, e preciso evitar interpretar esta
prctc ru. 0 podc con~istir .em reduzir a forc;a e~se desenvolvimen- ultima como urn conjunto de normas dogmaticas, a serem clas-
~0 a sua (~sc cmbnonarta, nem em sugerir, por imagens, uma sificadas ao laJo dos dogmas propriamente ditos. Pode-se gc
mterpretac;ao que o fil6sofo julgou clever formular em raz6es. neralizar a esse rcspcito, 0 que Descartes diz de seu pr6prio me
~. pr!meiro motor de urn sistema, que se chame intuic;ao, su- todo qu~ "&lc consisrc mais em p.r6ticn que em teoria" (a M1~
Jelto pcnsamcnto central, niio pcrmaneceu na inac;ao. Reduz- senn~, mnn;o d~ 163 7); c quando, a prop6sito dos "EnsAios ,JQII-
se metodo", Descartes procisa "que as coisas que elcs conrh n
, ( 1) M. Gueroult, Rev. de M~taph. et de Mor., jan-rnar~o. 1952, nao puderam ser achadas sem cJe, e que se pode conht'Ct:t por
pag. 114.
(2) ]. Hersch, L'illusion philosophiquc, Pal'is, 19.36, pag. 70.
portuguC..s, eomo sinooimo de "tema", "assunto", mas sohuthlo rlOr c:~u
(*) }ulgamos conveniente traduzir sujet por "$ujcito" nc~te contexto: sa das conota~Ot's etimol6gicas com "substraiO", "bypokrlmlmnl", que 6
nio somente .porque pode esta expressio ser corretamente usada, em conveniente rcal~ar. (N. do T.)
eles o que Ne vale", e preciso acrescentar que, sem eles nem
Os movimentos do pensamcnto fllos6fico estao inscritos na
rnCI IllO N.pode conhecer 0 que ele e. Inversamente tampouco
estrutttra da obra, nada mais scndo cstu c~lrutura, inversamente,
~e cmlu.:ccm as teses, se abstraidas do metodo de qu~ resultam.
que as articula~6es do metoda em :uo; mols cxatamente: e uma
A pesquisa, em materia de filosofia, nao procede somente mesma estrutura, que se constr6i ao IOtl~o du ptogressao met6-
da vcrdad~, mas_ fa~ corp~ com :la. Assim, para compreender dica e que, uma vez terminada, deOnc '' nrr[Hitctura da obra.
'.".Ha doutrrna, n~o. e s~ftcten_te nao _separar a texis da cren~a, a Ora, alar de movimentos e de progrc!l,.l1n ' 11 niio ser que
'egra, de sua pratlca; e prectso, apos o autor, refazer os movi- fique em metaforas, supor urn tempo, un1 1 lllpn cstritamen-
mento~ concretes, aplicando as regras e chegando a resultados te metodol6gico ou, guardando para o t~rm!) ~I '' ctimologia,
que, na~ por causa de seu conteudo material, mas em razao des- urn tempo l6gico 3. Em nada se cede, corn ii!I<J, 11 ntn "t)sicolo-
ses movimentos, se pretendem verdadeiros. Ora, esses movimen- gismo" qualquer. 0 tempo necessaria para c t'l't"VI'r um Hvro e
tos se nos apresentam na obra escrita. para le-lo e medido, sem duvida, pelos ri!16Rim , ti tmntlo por
Seria ainda separar metodo e doutrina o achar na obra urn eventos de todos os tipos, encurtado ou along.1do pol" tliJ n. c,pe.
n:e;odo so~ente de_ exposifaO, e nao de descoberta. Mas, na opo- cie de causas; a esse tempo, nem o autor ncm o lcll01' !'CRpllm
SI~ao entre esses dots metodos, pensada ate o fim ou bern os dois inteiramente, assim como aos outros dados ( C!llllcl"du" pelos
termos acabam por coincidir, ou entao 0 ultimo 'destroi-se por si metodos geneticos) que condicionam a fiJosofia, ll1tl!l IIllO II Ct>n~
mesmo, porque sustentar, com E. Le Roy, que "a inven~o se tituem. Porero, como escreve G. Bachelard, "o pcn~u t11C.' tllt} r :t
cum?r,e .n~ n;b~loso, no obscuro, no ininteligfvel, quase no con- donal se estabelecera num tempo de total nao-vido, re~:u tmdo o
tradttono ' e d!Zer que ela nao e, de modo algum urn metodo. vital. Que a vida, por seu lado, desenvolva 1.: trflJttl 11tW~ u
E e possfvel, sem duvida, na exegese dos sistem~s dedicar-se cessidades, e, sem duvida, uma fatalidade corporul. Mo~ iuo n o
a r~constitui~~o de ~rna' tal "in~en~a?"' is to e, aband~nar 0 filo- suprime a possibilidade de retirar-se do tempo vluido, porn cn-
s6flcO ?e~o pstcol6g~co e pelo btograftco, e as raz6es pelas causas. cadear pensamcntos numa ordem de uma nova tcmporllliclodc" 4
Scm duvtda, e p~ecr~o tambem reconhecer que urn autor possui, Esta "temporalidade" esta contida, como cd~tallzadu , na cstru-
sob ce_rta_ forma, tdetas, antes de poder pensar em expo-las. Mas rura da obra, como o tempo musical na pnrtitura.
cssas td~tas nao terao sua forma certa, sua descoberta nao esta- Admitir urn tempo l6gico e bern menos formular uma teo-
ni propnamente condufda senao com o tra~o final da obra. Cren- ria, por sua vez, dogmatica, que uma regra de interpreta~ao, de
do 0 ~ontrario, corre-se 0 risco de ceder a ilusao retr6gada que e preciso, ao menos, assinalar algumas aplica~6es.
denuncu:tda ~o~ Bergson; admite-se que uma doutrina preexiste Em regra, em primeiro lugar, concerne a propria exegese
ll IHHI cxpos1~ao, qual urn conjunto de verdades inteiramente dos metodos. Refazer, ap6s 0 autor, OS movimentos de que a
<'OIH:lil ufdus c indiferentes a seu modo de explicita~ao ( e nao se estrutura da obra guarda 0 tra~ado e
repor em movimento a
dc~~...lcr o tcmor de precisar: a sua expressao verbal ). Mas a estrutura c, desse modo, situar-sc num tempo 16gico. Assim, o
opmuw ni'!o sc confunde com a ciencia; a tese simplesmente "des- movimento inidal do metodo cartcsiano da as duas primcira:o:
coberta", i. to ~. entrevista e que f!utua Jivremente dianre do Medita<;oe~ sua l'strutura; csra ctrutura, da maneira mais ;qm.
~spfrito, ..n:~o csta.:a inventada, de verdade, senao quando for rente, CXpl'illWSI.' 1111 (ato qm: hn Juns; a raziio deste fato (. qu ,
exposta , lS lO e, encadcada por urn raciodnio" (Menao 98 a). para cumpt:h (-sse 1110vinH:nw, 6 preciso o tempo. Descnl'te~ Cll
""' ." c
.cste ensato , escrcvc ond'll1 ac, " estava acabado e entretanto
' creve sobrc a d(tvida universal: " E u nao pude ( entrcr:mto) Jl11
eu ~inda n~o _conb(da, em t8da a sua cxtensao, o pri~dpio da li~
g~~ao das tdetas. , I:so provinlm t'inicamcntc de um ftagmento de
cerca de duas pagmas, que nao cstavn no Iugar ondc dcveria (3) Cf. V. Goldschmidt, "Sur Jc probl~mc Ju "~)'ati:mc de l'l.aton",
estar (Essai sur l'orig. des conn. hum., II, II, 4 ). i11 Rl'v. crit, di slor. della filos., julho-sct., 19:50, 1'~11~ 169- 1'/H,
(I) G. Bucht::lard, Lc ralio11alismc applit]ut:, P:trl~, 1949, p6g. 26.
1d?
pen~ur tllt dr d:tr-lhe wna Medita"ao inteira; e eu gostaria que
os ldwr r~' nJo empregassem apenas o pouco de tempo neces- tor da biografla, nao 0 autOI' dll holt 111~1 , tpu: COtnanda S~': Je.
"'i' lo pnru !C-Ia, mas alguns meses, ou, ao menos, algumas sema- senrolar-se; mas o sistema, quuhprt l IJ',h llt ta seu con?l~tond
ll.l tt, 11 \'tlnsiderar as coisas de que ela trata, antes de passar adian- mento, e uma promofao; como diz M. ( ,,, IO oulll a proposuo. e
11'11, c, s<>bre o modo de conhecer o espfrito: "E preciso examina- F'ch . "Bern se pode (pois) transpPr " '' lll.lr u do especul~tlvo
ln fr\!qi.ientemente e considera-lo longamente ... o que me pa- 0 1quete. se passou na alma do fil6solu" ' ' ~'
h" lltln Nc .,.o cammho
b
rcn:u uma razao suficientemente justa para nao tratar outra . . po-e se ao sistema uma dc-qlluJIII, II~, , I, ~ astante
mverso, liD (I 1 ' I . d'n ia
rn:Heria, na segunda Medita"ao" ( Seg. Resp., com.). ~sse tempo,
-
, I que seJa Bergson quem tenba_ u 111111 II ,,,
notave 11t pen, . e c
sem duvida, varia segundo o Ieitor; ele dura "alguns meses" ou essenc1a . I d e u rna doutrina em rela~ao 1111 II III)"' ' -turrco .. . . .em
"algumas semanas". Mas a estrutura das Medita"6es e dada que eIa aparece. "Tais ucronias faz~:m v~; r ' ~' " " 'I"' ,.
,, . ~.:~sen-
objetivamente, 0 metodo que a subtende tern pretens6es a urn e
cr'al nu m pensamento filos6fico uma CCIIII t I llllllol I ,
valor universal, e 0 tempo onde se desenvolve esse metodo e Pond 0 em pnmerro . . plano "a prcoc~I Jlll ilil Pl'h' llllll!ft\1
urn tempo 16gico, apreendido pelo leitor-filosofo, ainda que q ue1 para cltar . am. da E Brehier "domina dcdclhlllttU
,, 1111 '' 1 ~1
esse leitor, se ele se chama Pedro, possa gastar com isso menos nese CUJa pesqursa t an tas deceproes
, cau~ou 11 ' ' ' fII"I ~I'' ' IlltI, 1 0
tempo frsico que se ele se chama Paulo. 0 erro de interpreta\liO, met;dologica pode, pelo menos, quanto n sell prim I' lo, J'H Ill
que Descartes censura em Gassendi, consiste em arrancar a du- d er-se " cren. tr''rca", alem disso ' do mesmo modn t J1 Ur ." " I 111111~11
vida universal ao movimento estrutural e ao tempo logico. No . 'f s as quais ela nao visa Sll1)!till II I " ' ' I ,, ~ 1
metodo plato.flico, o quarto e Ultimo movimento caracteriza-se e::ge~s d~~frtl ~C:s' que seja interior ao sistema, c ''",' '' ~~~ I'' "
nao somente por sua certeza, seu desembara\o mas, ainda, de ~~s de uma doutrina, aquelas pelas quais o pn~ptlu "' ""' II
uma5 maneira correspondente, pelo pouco tempo que ela su- engendra, diante de n6s. . I,
p6e . - Em certas filosofias, o metodo em ato, nao somente F1'loso' fjca, e1a o e' , na medida em que tcntn 11'11lll J'1H' rut 1~ r
se move num tempo 16gico, mas mantem rela\6es, implicitas ou Urn sistema conforme a inten\iiO de seu autor. In(Jo Ill " tl m,
cxplicitas, com uma doutrina do tempo em geral; isto, tenta- ela poderia ' fornecer rndica"oes,
. - ao menos, p or ' a o {)UC Q COIICCt'Jl()
-. mo-
n::~os mostra-lo alhures, acontece em Bergson, aquilo, nos Es- ao roblema da verdade formal de uma doutmw. - . ~~~ os .
s~~
t61cos.
vi:entos filos6ficos se cumpram num te!llpo pr6pno, Jssod
De urn modo mnis geral, repor os sistemas num tempo 16- nifica essencialmente, que a filisofia e drscurso, que a. ver a ~
gico c cornrreendct sua indcpcndt:ncia, relativa talvez mas es- nao Jhe e dada em bloco e de uma s6 vez, mas, su~ess~vamen,tc
scndnl, cru rei:J~iin nos outtos tempos em que as pesquisas ge- e progresstvamen. e
tel 1'sto 1 em tempos e em mvets ddxferentcs.
urn -ss
nctkas OS encntlciorll. A hisr<'irin dos fatos economicos e poli- Se assim e nao parece, entao, - que se possa ex1g1r e. _ .1 ,
ticos, a hist6 rin das ciencias, a hist6ria das ideias gerais (que tema, o ac8rdo simultaneo, resultando de ,un:a consptra?ao ~~~
sao as de ningucm) fornecem urn quadro comodo, talvez indis- tern oral de seus dogmas considerados, umcamente, em !lc
pensavel, ern todo o caso, nlio-filos6fico, para a exposi"ao das tp 'do' material. E o mesmo desconhecimento do tempo )(i
con eu ' . cr ihr116
filosofias;
0
cis a(, cscreve E. Brehier, "o tempo exterior ao sis- gico que est<t na raiz destas duas .exJ,gendas, a nossod; : .r.
tema" . - A biografia, sob todas as suas formas sup6e um tem- rias medir a cocrenci n de urn sistema pela concor- nCIII, a
1
po vivido e, t.:m ultima instancia, nao-filos6fico, porque 0 au- e tuada num prcscnte etcrnu, dos dogmas que o compocm, c rro

(5) V. Goldschmidt, Les dialoguc.r de Plato11, .tmcturc tt methode (7) M. Gu~roult,, L'evolution et l a structure tit !11 tlm'lrlll!' <Ill Ia
dialectique, Paris, 1947, pag. 256, n. lc'i. science chez Fichte, Pans, 1940, t . I, pag. 153.
( 6) E. Brehier, La phitosophie et son passe, Paris, 1940, p;ig. 40. (8) E. Breller, loc. cit., pag. 41.
(9) E . Br~hJer, Revue philosophiquc, out.-Jc;,:., t'J41J, 1)6g. )88.
144
~ sao,
"' enqunnto concebidos llllll'l ll'111po unicamente- vivido,
lizar 0c (cin;o filos6fico pot uma intui~ao unica e total, esta- nao , er
construldos no tempo 16gico, que ~ o ufl1co a permt_ur o ex
belecc_ndt) sr, tambem ela, na eternidade.
dcio da responsabilidade filos6(icn. Nolll (W~parat6nas, ?nde 0
0 "pleroma" das filosofias jamais podera constituir-se pela pensamento se experimenta e e bn~n, -~sn 111ndn de~ermmar-~e,
conco rdilncia intemporal dos dogmas; ds ai o contra-senso fun- sao zexeis sem cren~a e, jilosb/icamcntc, lrr.~ponMvcs; elas nao
domcntal de tOda tentativa de ecletismo. Para constituf-lo soli- podem prevalecer contra u ohru, porn c:orrJRII . prol~nga-la, o~
damcnte, ser ia precise unificar os diferentes tempos 16gicos, mas coroa-la; muitO frequentemcntc, nao ~CfVCffi t"lliiO J'lll!ll ~Overn~
scm recorrer ao tempo hist6rico (que nao pode conte-los), nem -1 e desse modo falsd-IA. Ora, o hlstorandM nuo ~. em prt-
n urn tempo universal a maneira hegeliana (que OS desregra e a,
meito Jugar, crftiCO, medico, ditetot CC
, ; NC C'' quem
1 com CicOCIR
esmaga). ~ste tempo unico englobante, nao se pode concebe- deve accitar ser dirigido, c isso, co~scntindo em <'t~loc-nr sc ncs~e
.Jo senao a maneira da ideia kantiana, tentando-se, unicamente, tempo l6gico, de que pertence ao f1l6sofo a iniciativa.
transpondo uma indica~ao dada por Bergson, restituir fragmen-
tos dele que scjam comuns a duas consciencias ( filos6ficas) "su-
icientemente aproximadas umas das outras", para ter "o mes-
mo ritmo de dura~ao" (Duree e Simultanhte 2, pag. 58); tais
compara~&s, institul-las-a o historiador, sem levar, necessaria-
mente, em conta o tempo hist6rico, entre pensadores cujo "com-
portamento" filos6fico ofere~a estruturas aparentadas. As pes-
quisns sObre as "formas de pensamento", ou " estudos arquite-
tonicos" 10 vao nesse semido.
0 problema da verdade material dos dogmas, considerado
em si mesmo, nao esta, com isso, resolvido. Mas, pelo menos,
parece que nao se pode ele colocar em si mesmo e separada-
mente; t6da filosofia e uma totalidade, onde se juntam, indisso-
luvelmente, as teses e os movimentos. sses movimentos, efe-
tuando-se num tempo 16gico, implicam mem6ria e previsao;
mesmo se eles se apresentam como rupturas, sao feitos em conhe-
cimento de causa; sao decisoes ( "batalhas", dizia Descartes); o
que, ao mesmo tempo, mede a coerencia de urn sistema e seu
acordo com 0 real, nao e 0 prindpio de nao contradi~ao, mas a
responsabilidade filos6/ica 11 .
E o que explica o recurso necessario, da parte do historia-
dor, a obra assumida. Seja qual for o valor dos ineditos, eles

( 10) Cf. E. Souriau, L'instaurotion philosophique, Paris, 1939.


( 11) Expuscmos eM a idci~ numa conferencia, feira em 1950 no
College philosophique, s6bre "a id~in de sistema t:m ilosofia": cia foi
formulada e precisada, de ourro ponro de vista, por Ch. Perelman, in
ttudes de pbilosophie des sciences, em homerutgcm a ferdinand Gonseth,
NeuchAtel, 1950, pag. 141.
BIBLIOGRAFIA

Alem das obras, tanto pauiculares quanto coletivas, clo aurnr, que
vern registradas ~ pagina 2 desse volume, poderao ser consuhados com
proveito tambem os arrigos abaixo, igualmente da autOria de Victor
Goldschmidt:

Artigas:
"Le paradigne dans l.a theorie plaronicienne de !'action", Rev. des
Etudes Grecques, 1945.
" Le probleme de Ia tragedie d'apres Platon", Rev. des Etudes Grecques,
1948.
"Les themes du " De defectu oraculorum" de Plutarque", ibid.
"Theologia", Revue des Etudes Grecques, 1950.
" La transformation de Ia pensee fran~aise conremporaine d'apr~s E.
Brehier", Journal de Psychologic, 1950.
"Sur le probleme du systeme de Platon", Riv. Crit. di Storia della
Filosofia, 1950.
"u paradigme platonicien et les "Regulae" de Descartes", Revue Phi
losophique, 1951.
" Remarques sur le "Philebe", Information philosophique, 1951.
"La connaissancc surnaturelle d'apr~s Simone Wei!", Rev. de MbapiJ.
et de Morale, 19.52.
"Temps hisroriquc cl temps lo~:i4uc dans l'inrerpretation des sy.cl'niCii
philosophiqucs", Actts du X[" Co11gres International de l'billlfopbit.
t . XII, 1953 ( trad. csp. in Lt:lras Peruanas, dez. 1954 ),
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('/ de Morale, 1957.
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sophie, 1. XII, 1960.
"Sagesse ec Liberte", Revue d'H istoire ei de Philosophie Religieuses,
1960.
PREFACIO INTRODUT6Rt0 5
" Logique et rhetorique chez les storciens", em prepara)iio para os
Mela11ges Ch. Perelman. NoTA oo AuTOR PARA A l?.oJc;i:o BnASl LElRA lL

"Exegese et axiomatique chez Saint Augustin", em prepara)ao para os


PREFACIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... ... ... ... .... .. .. . .. . . 13
Melanges M. Gueroult (Fischbacher ed.). I NTRODU<;AO - As aspirac;oes humanas . - ...... 19
I - A Procura da V erdade .. . . . .. . . . 19
II - 0 Desejo do Bem .......... . 23
III - 0 Amor do Belo ............. .. 26
CAPiTULO I -Deus ......................... 33
I - As Formas ... ........... . 33
1. A posic;iio das Formas ............. . - 33
2. 0 reinado das Formas ....... . . 41
3. 0 conhecimento das Formas ...... . 45
CAPITULO II - A Processao ........ . ...... . 53
1. Causalidade das Formas - - . .. .. . 53
2. A Materia .. . .. ........... 54
3. 0 Demiurgo e a Alma ........... 57
4. A Bondade divina ... ... ...... . 61
CAPiTULO II - 0 Homem ... . ...... - - ... 68
I - 0 Vivente Mortal ..... 68
II - A Alma e o Corpo . . ..... .. 71
III - Castigos e Recompensas ....... . 77
IV - A Escolha das Condi~oes ......... 84
V - A Individualidade das Almas ...... 89
VI - A Alma e o Universe ... ... .. 95
VII - 0 Ctt!to Espiritual . . ..... . . YB
VIII - Dl'.ftino do I Iomeii/ .. . ... .... ]()'

C4PfTULO III- A Citl:uk ...... . ... ..... . IOk


I - Cult~tll' llnit,r.w ........... - -
1 lOR
II - A Rdigiim 11a Cid.,dc ............ - . - 112
1. A trac..li~riu ............ - . - - - 11.2
2. Culto e scnrimcn to rcligioso .... ..... 1!6
3. Relisiao e Policica - . 12l
JII - Destino da Cidade .......... 126
I :u NI'J II lu .................... 132
150 '1, 1111 Mo hi lt~linr c tempo 16sico na incerprcta)50 c..los sistemas filo-
IB

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!ale Jim fol ~10 c ~csso na rrn dto plitUmiJmu 1 (Mtllr .lr Jllillolrnnta rC'Ii
(liOso intcrcss:a 4 toJu., 1111 " ' " " 1111~ 11;1n no~
EDrrOu ~'to S]A. gregos um ponto dr rcfC'r fit ill, ,.,, 1 rilllO, que
pode assim mostnt a uriMinlltll.lc de ~uu 6.
Rua .Dominp Paiva, 60 Slo PAULO
J. Atri'Jl U JI CtANNO'l"L'I
A RELIGIAO DE PLATAO
VICTOR GOLDSCHMIDT

0 que e Platonismo? S6bre esta


pergu.'nta que atravessa OS seculos,
OS seculos depositaram pesada bor-
ra de preconceitos, dogmas e erros
que obstruiu o dialogo fecunclo com
a obra platonica. Afastar esse ma-
terial mineralizador, pela compreen
sao de PlaHio em seu verdadeiro
contexto, e pois a condi~o primeira
para o pleno restabelecimento do
poder criador dessa obra impar na
hi.storia das ideias. precisamente
o que faz o Professor Goldschmidt
neste estndo da ReligUio de Platao.

UMA EDI<;AO
llA

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