Uma Retropectiva Da Teoria Sistêmica
Uma Retropectiva Da Teoria Sistêmica
Uma Retropectiva Da Teoria Sistêmica
pt
ISSN 1646-6977
Documento produzido em 31.07.2016
2016
Luciane Guisso
Psicóloga e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC (Brasil)
lucianeguisso@yahoo.com.br
RESUMO
O início da Teoria Familiar Sistêmica também sofreu influência da Teoria Geral dos
Sistemas, da Cibernética e da Teoria da Comunicação Humana (Osório & Valle, 2002). O
biólogo Bertalanffy (1973) concebia que as leis aplicadas aos organismos biológicos poderiam
ser ampliadas a outras áreas de conhecimento, elaborando a Teoria Geral dos Sistemas. Para o
autor, um sistema representa um conjunto complexo de elementos em interação, que formam um
todo unitário e organizado. A Teoria Geral dos Sistemas contribuiu significativamente para a
elaboração de conceitos que fundamentam a concepção de família como um sistema. Dentre
esses conceitos, destacam-se: a equifinidade, a globalidade, a homeostase, a morfogênese, a
noção de causalidade circular e o princípio da não – somatividade.
De acordo com o princípio da globalidade, todos os sistemas organizam-se como um todo
coeso, sendo que mudanças em cada uma das partes promovem mudanças no todo (Gomes,
Bolze, Bueno, & Crepaldi, 2014). O princípio da equifinidade determina que o equilíbrio de um
sistema aberto é delimitado pelos parâmetros do sistema, ou seja, “diferentes condições iniciais
geram igualdade de resultados e diferentes resultados podem ser gerados por diferentes condições
iniciais” (Gomes et. al., 2014, p. 9). A homeostase é considerada um processo de autorregularão
que protege o sistema de possíveis desvios e mudanças, com o objetivo de manter a sua
estabilidade. No contexto familiar, esse princípio se apresenta como uma tendência em manter
um padrão de relacionamento que impede a sua transformação. A morfogênese, inversamente,
refere-se à capacidade de autotransformação do sistema, de maneira criativa. Ao pensar no
sistema familiar, presume-se a existência de um potencial para a mudança, de ordem estrutural e
funcional, sendo que o funcionamento familiar sempre pode adquirir novas configurações,
qualitativamente diferentes da anterior (Cerveny, 1994).
advinda do pensamento cartesiano. A causalidade circular pressupõe que cada efeito no sistema
pode retroativamente alterar a causa que o determinou, ou seja, na realidade não existem causas e
efeitos, e sim um sistema de influências recíprocas (Osório & Valle, 2002). No sistema familiar,
esse princípio é representando pelo fato de que cada membro influencia os demais, e ao mesmo
tempo é influenciado por eles (Cerveny, 1994). O princípio da não – somatividade, por sua vez,
diz respeito à totalidade do sistema, de modo que o comportamento considerado como um todo é
mais complexo do que a soma dos comportamentos de cada uma das partes (Esteves de
Vasconcellos, 2013). Portanto, segundo os pensamento subjacente da Teoria Geral dos Sistemas,
é fundamental que o foco dos estudos e intervenções com famílias sejam nas relações e nos
padrões de funcionamento do grupo familiar, sem, no entanto, que o sujeito perca a sua
individualidade (Gomes et. al., 2014).
Simultaneamente à Teoria Geral dos Sistemas, a Teoria Cibernética, criada por Wiener
(1948), procurou evidenciar a estrutura de funcionamento das máquinas (Esteves de
Vasconcellos, 2013). Na concepção do autor, as máquinas cibernéticas respondem às alterações
do meio ambiente, sendo que seu mecanismo de funcionamento pode ser comparado ao dos seres
vivos. A Cibernética fundamenta-se, portanto, nas relações comunicacionais e de controle que
caracterizam um sistema autônomo (Rapizzo, 1996). Esteves de Vasconcellos (2013) argumenta
que a Cibernética, apesar de apresentar-se como uma nova ciência, demonstrou certo
reducionismo ao pensar em sistemas vivos e antropossociais, tendo em vista que se manteve
determinista e objetivista.
O início da prática embasada na Teoria Familiar Sistêmica (Terapia Familiar Sistêmica) foi
protagonizado por terapeutas da Primeira Cibernética (Cibernética de Primeira Ordem). Esse
grupo formou, na década de 1950, o Palo Alto, e elaborou as bases familiares referentes à
etiologia da esquizofrenia e à Teoria da Comunicação Humana. Os trabalhos em Palo Alto
amplificaram-se para famílias com pacientes neuróticos, quando o grupo percebeu que os
mesmos princípios interacionais estavam presentes em todas as famílias, embora em graus
diferentes (Carneiro, 1996).
Na década de 1960, formou-se a equipe MRI (Mental Reserch Institute), que criou a Teoria
da Comunicação Humana (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 1973). Essa equipe propôs que a
comunicação, ao mesmo tempo em que transmite uma informação, também delimita a natureza
da relação entre os comunicantes (Carneiro, 1996). A comunicação familiar determina, portanto,
um modelo de interação entre os membros.
A década de 1970 foi marcada pela Teoria Estrutural, representada, em especial, por
Salvador Minuchin (Carneiro, 1996; Nichols & Schwartz, 1998). As premissas da Teoria
Estrutural se enquadram na Segunda Cibernética, ainda no contexto da Cibernética de Primeira
Ordem. Segundo Minuchin (1982, p. 57), “a estrutura familiar é o conjunto invisível de
exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”.
limites e as trocas permitidas a cada integrante da família. Os subsistemas são demarcados por
fronteiras, que assinalam as regras sobre quem participa e como participa, e têm como função
proteger a diferenciação dos membros. As famílias funcionais tendem a apresentar fronteiras
nítidas, permitindo certas mudanças nos padrões de funcionamento para se acomodar às situações
de mudanças. Quando as fronteiras são difusas, ou seja, quando não há limites claros entre os
subsistemas, as famílias são emaranhadas (ou aglutinadas), tendo poucos recursos de adaptação
(Böing, 2014). Famílias com fronteiras rígidas, por sua vez, demonstram um padrão de
distanciamento, devido à imposição excessiva de limites (Minuchin, 1982).
Na década de 1980, emergiu a Abordagem Estratégica (Nichols & Schwartz, 1998), que
centrava-se na solução de problemas apresentados pelo cliente, ressaltando sempre o contexto
familiar. Essa teoria não formulou um método específico, porém utilizou técnicas inovadoras de
intervenção para situações particulares (Haley, 1979). Concomitantemente, desenvolveu-se a
Escola de Milão (Carneiro, 1996), contribuindo com a ideia de que a conduta de um membro da
família influencia o comportamento dos outros, porém sem o sentido de causalidade, pois o poder
não pertence a um integrante, mas se encontra nas regras do jogo familiar (Boscolo, Cecchin,
Hoffman, & Penn, 1993).
Considera-se, com base no exposto, que o olhar da psicologia sistêmica no contexto atual,
implica pensar os avanços realizados em relação ao modelo de ciência tradicional. A partir da
compreensão do comportamento humano num contexto interacional, destaca-se que a atenção
volta-se para a comunicação, bem como ao comportamento dos membros do sistema, por meio
da observação dos elos de recursividade existentes entre os membros e aos contextos em que
estão inseridos (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008; Aun e cols., 2005; Grandesso, 2000).
A epistemologia do pensamento sistêmico “oferece pressupostos ao pesquisador que
possibilitam o estudo de fenômenos, considerando a complexidade dos mesmos e a
intersubjetividade implicada no estudo” (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008, p.254). Assim, pensar o
trabalho com famílias no contexto atual é de extrema importância. Refletir sobre a
interdependência do comportamento de cada um dos membros e em relação à totalidade da
família, possibilita criar hipóteses mais precisas sobre o comportamento de todos.
Ressalta-se que o pensamento sistêmico colabora para pensar o fenômeno familiar em
função da diversidade de aspectos que influenciam nessa configuração. Para tanto, a abordagem
teórica fundamentada na epistemologia sistêmica se mostra bastante adequada no
desenvolvimento de pesquisas com famílias no cenário atual (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008).
Com base nas considerações feitas, salienta-se que várias teorias sistêmicas podem
contribuir para o embasamento teórico dos estudos com famílias no contexto atual, como: a
Abordagem do Ciclo de Vida Familiar (Carter & McGoldrick, 2001) e a teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1999; Bronfenbrenner & Morris, 1998).
Nos estudos de Carter e McGoldrick (2001), as autoras trouxeram uma classificação de
estágios do ciclo de vida familiar: (1) estágio em que os jovens solteiros saem de casa; (2) a
união de famílias no casamento: o novo casal; (3) famílias com filhos pequenos; (4) famílias com
adolescentes; (5) lançando os filhos e seguindo em frente; e (6) famílias no estágio tardio da vida.
Ainda, as autoras relatam sugestões em relação às mudanças vivenciadas em cada estágio, bem
como nos momentos de transição.
Para Cerveny e Berthoud (2009), o ciclo vital envolve etapas pelas quais a família passa ao
longo da sua geração. Dessa forma, as famílias, independentemente das configurações (casais
heterossexuais, homossexuais e/ou recompostos) passam por essa transição ao longo do ciclo de
vida familiar. Porém, em estudos das autoras citadas, essas constataram que na realidade
brasileira existem peculiaridades em relação ao ciclo vital, sendo que a família passa pelas
seguintes etapas de transição: (1) fase da aquisição (período que contemplaria a formação do
casal até a entrada dos filhos na adolescência); (2) família adolescente; (3) família madura (saída
dos filhos de casa, entrada de agregados e netos, início das perdas e cuidados com a geração
anterior, preparo para a aposentadoria e cuidado com o corpo); e (4) última fase, correspondente
à fase em que o casal volta a ficar sozinho.
Ressalta-se que no contexto desse trabalho, as duas formulações do ciclo vital da família
são válidas. Acredita-se que cada visão pode auxiliar na compreensão das diversas realidades que
se apresentam, quando o assunto é família. Desse modo, pensar a terapia sistêmica na realidade
brasileira envolve conhecer os contextos em que essa família encontra-se inserida.
Outra teoria que vem sendo bastante usada nas pesquisas sistêmicas diz respeito à Teoria
Bioecológica do Desenvolvimento, elaborada por Bronfrenbrenner, na década de 1970 (Dessen
& Silva Neto, 2000). Conforme essa teoria, o desenvolvimento humano acontece com base em
processos complexos de interações. Portanto, o desenvolvimento é percebido como um fenômeno
complexo que se dá através da interação de quatro núcleos principais: os processos proximais; as
características pessoais; o contexto; e o tempo (Bronfenbrenner, 1999; Böing, Crepaldi, & Moré,
2008).
Os processos proximais referem-se a “interações recíprocas e ativas com base regular e
períodos prolongados no ambiente imediato” (Böing, Crepaldi, & Moré, 2008, p.255). Já a
pessoa diz respeito à percepção de que o sujeito é produto e produtor de seu contexto de
desenvolvimento. Em relação ao contexto, pode-se salientar que há participações do sujeito em
diversos níveis. O autor vai classificar o contexto em microssistema, messosistema, exosssistema
e macrossistema. A participação do sujeito vai sendo diminuída conforme a ampliação do sistema
em questão. E, sobre o tempo, esse refere-se às mudanças no ciclo de vida individual e familiar.
Cumpre-se ressaltar que a Terapia Familiar Sistêmica muito tem contribuído para o estudo
e o trabalho com famílias. Desse modo, ampliar o olhar e compreender como teorias podem
auxiliar nesse contexto é fundamental para o trabalho do pesquisador e do terapeuta familiar.
Conhecer a história e as perspectivas atuais solidifica mais a pesquisa e a prática do pensamento
sistêmico, assim como aguça novos olhares e possibilidades de pensar os avanços dessa teoria,
conforme a articulação dos sistemas em questão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tomar por base os pressupostos da Teoria Familiar Sistêmica, é relevante conhecer sua
trajetória, como se fez neste estudo. Mesmo com uma diversidade de olhares, a Teoria Familiar
Sistêmica é marcada por princípios comuns, como o entendimento da família e o olhar para o
comportamento de cada um dos membros do grupo familiar, e como cada comportamento
influência nos demais.
No contexto atual, pode-se apontar, dentro da Teoria Familiar Sistêmica, duas teorias
principais: a Teoria do Ciclo Vital e a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento. A primeira
volta-se para compreender as transições da família e o cumprimento das tarefas ao longo do ciclo
de vida; já a segunda refere-se ao olhar relacional, de como o sujeito articula-se com o seu grupo
mais próximo (família) e com os demais sistemas (escola, trabalho, cultural, socioeconômico,
etc).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Böing, E., Crepaldi, M. A., & Moré, C. L. O. (2008). Pesquisa com famílias: aspectos
teórico-metodológicos. Paidéia, 18(40), 251-266.
Boscolo, L., Cecchin, G., Hoffman, L., & Penn, P. (1993). A terapia familiar sistêmica de
Milão. Porto Alegre: Artes Médicas.
Bowen, M. (1978). Family Therapy in clinical practice. New York: Jason Arons.
Carter, B., & McGoldrick, M. (2001). As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre:
Artes Médicas.
Cerveny, C.O., Berthoud, C. M.E., & cols. (1997) Família e ciclo vital: nossa realidade em
pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Gomes, L. B., Bolze, S. D. A., Bueno, R. K., & Crepaldi, M. A. (2014). As origens do
pensamento sistêmico: das partes para o todo. Pensando Famílias, 18(2), 3-16.
Nichols, M. P., & Schartz, R. C. (1998). Terapia familiar: Conceitos e métodos. Porto
Alegre: Artmed.
Osório, L. C., & Valle, M. E. (2002). Terapia de família: novas tendências. Porto Alegre:
Artmed.
Wiener, N. (1948). Cybernetics or control and comumunication in the animal and the
machine. Cambridge, Mass: The MIT Press, 1961. Revisão da edição original.