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Direito Ambiental 2014-1 PDF

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DIREITO AMBIENTAL

AUTOR: RÔMULO SAMPAIO

GRADUAÇÃO
2014.1
Sumário
Direito Ambiental

MÓDULO I. INTRODUÇÃO AO DIREITO AMBIENTAL ....................................................................................................... 3


Aula 1. O surgimento e a autonomia do Direito Ambiental ........................................................................... 5
Aula 2. Princípios do Direito Ambiental ................................................................................................. 30
Aula 3. Direito Ambiental na Constituição Federal de 1988 ........................................................................ 39
Aula 4. Competências Constitucionais em matéria ambiental ..................................................................... 46

MÓDULO II. SISTEMA E POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE .................................................................................. 62


Aula 5. Princípios, Conceitos, Instrumentos e Estrutura Organizacional......................................................... 65
Aula 6. Zoneamento Ambiental e Padrões de Qualidade Ambiental .............................................................. 73
Aula 7. Publicidade, Informação, Participação e Educação Ambiental ........................................................... 81
Aula 8. Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) ......................................................................................... 87
Aula 9. Licenciamento Ambiental ......................................................................................................... 96

MÓDULO III. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ....................................................................................................... 104


Aula 10. Responsabilidade como Tutela do Risco.................................................................................... 105
Aula 11. Responsabilidade Administrativa Ambiental ............................................................................ 110
Aula 12. Responsabilidade Penal Ambiental ........................................................................................ 116
Aula 13. Responsabilidade Civil Ambiental .......................................................................................... 121

MÓDULO IV. TUTELAS ESPECÍFICAS DO MEIO AMBIENTE ........................................................................................... 129


Aula 14. Áreas Protegidas (Código Florestal) e Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) ................ 131
Aula 15. Biodiversidade ................................................................................................................... 154
Aula 16. Água ................................................................................................................................ 159
Aula 17. Ar e Atmosfera ................................................................................................................... 166
Aula 18: Resíduos Sólidos ................................................................................................................. 172
DIREITO AMBIENTAL

MÓDULO I. INTRODUÇÃO AO DIREITO AMBIENTAL

A Revolução Industrial é o marco desencadeador de transformações profundas no


paradigma de consumo. Ao mesmo tempo, nos últimos séculos, o mundo experimenta
uma explosão demográfica sem precedentes. Passamos de aproximadamente 1 bilhão de
habitantes na Terra na virada dos séculos XIX e XX, para 6 bilhões na virada do últi-
mo século. A combinação da transformação no paradigma de consumo com a pressão
demográfica levou o Planeta a uma crise ambiental deflagrada, principalmente, após as
duas grandes Guerras Mundiais. Passamos a viver em tempos de imensa pressão sobre
os recursos, bens e serviços ambientais. Com isso, cresceram as preocupações com o
meio ambiente e, consequentemente, com a própria sobrevivência da vida no Planeta.
Diante das constantes agressões ao meio ambiente, comprovadas pela ciência e con-
denadas pela ética e moral, surge a necessidade de se repensar conceitos desenvolvimen-
tistas clássicos. Neste sentido, se faz imperiosa a agregação de diversas áreas do conhe-
cimento científico, técnico, jurídico e mesmo de saberes de comunidades tradicionais
e locais em torno de uma nova teoria de desenvolvimento sustentável. Uma forma de
progresso que garanta tanto a presente quanto as futuras geração o direito de usufruírem
dos recursos naturais existentes.
O direito ambiental está inserido neste contexto. Um ramo do direito que regule a
relação entre a atividade humana e o meio ambiente. Por sua natureza interdisciplinar, o
direito do ambiente acaba se comunicando com outras áreas da ciência jurídica. Em al-
guns casos com peculiaridades próprias e distintas, em outros, se socorrendo de noções
e conceitos clássicos de outras áreas. Assim, o direito ambiental está intimamente rela-
cionado ao direito constitucional, administrativo, civil, penal e processual. Pelo fato das
atividades poluidoras e de degradação do meio ambiente não conhecerem fronteiras, o
direito ambiental também está intimamente ligado ao direito internacional e, com ele,
compõe uma disciplina própria conhecida como direito internacional ambiental.
Tendo em vista a complexidade do bem tutelado pelo direito ambiental, faz-se im-
periosa a ressalva de não ter o presente material a intenção de esgotar os temas. Pelo
contrário, o intuito é organizar o processo educativo em torno de temas centrais e, so-
bretudo, instrumentais do direito ambiental. Ao final, o objetivo não é outro senão o de
agregar conceitos, noções e problematizações típicas do direito ambiental e que estão,
em certo grau, intrinsecamente inseridas na moderna noção de direito da economia e
da empresa.
Sendo assim, os principais objetivos do presente módulo são:

• Entender os conceitos formadores do direito ambiental, sua recente consolida-


ção, autonomia em relação às demais disciplinas clássicas do direito e interdis-
ciplinaridade.
• Diferenciar as concepções antropocêntrica e ecocêntrica; os conceitos amplos e
restritos do direito ambiental; e como essas caracterizações afetam a tutela dos
interesses e direitos relacionados na prática.
• Proporcionar a precisa identificação e caracterização do bem ambiental, sob o
prisma da dimensão fundamental, social e coletiva.

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DIREITO AMBIENTAL

• Conhecer os princípios formadores do direito ambiental, entender a existência


desses princípios e justificar as suas aplicações práticas. Diferenciar os conceitos
de princípios similares para melhor articulação da aplicação prática.
• Possibilitar a identificação dos princípios explícitos e implícitos em textos
normativos.
• Reconhecer a importância de disposições constitucionais específicas em matéria
de defesa e proteção do meio ambiente.
• Trabalhar a idéia de divisão de responsabilidades em ações de proteção e defesa
do meio ambiente entre o Poder Público e a coletividade.
• Elaborar a noção do ambiente ecologicamente equilibrado como direito subje-
tivo de todos e dever fundamental do Estado.
• Entender o papel do Judiciário na consolidação da proteção ambiental cons-
titucional.
• Identificar os instrumentos processuais constitucionais de defesa do meio
ambiente.
• Identificar e diferenciar as diferentes competências em matéria ambiental.
• Trabalhar e aplicar o sistema de competências na prática.

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DIREITO AMBIENTAL

AULA 1. O SURGIMENTO E A AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL

SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL

Conforme abordado na Introdução, a Revolução Industrial ocorrida no Século


XVIII, desencadeia e introduz uma nova forma de produção e consumo que altera sig-
nificativamente práticas comerciais desde então consolidadas. A transformação no con-
sumo foi seguida por uma explosão demográfica sem precedentes. Como decorrência, o
direito teve que passar por uma necessária adaptação e evolução para regular e controlar
os impactos nas relações sociais e, mais tarde – potencializado pela revolução tecnológi-
ca e da informação –, nas relações com consumidores e com o meio ambiente natural.
O aumento da pressão sobre os recursos naturais, relacionado também com o acele-
rado crescimento demográfico do último século, chamaram a atenção da comunidade
internacional. Países com avançado estágio de desenvolvimento econômico passaram a
testemunhar com frequência desastres ambientais em seus próprios territórios. Conjun-
tamente a este fator, o desenvolvimento científico, principalmente no último século,
começou a confirmar hipóteses desoladoras como o buraco na camada de ozônio e o
efeito estufa, por exemplo.
É em decorrência desta sucessão de eventos e fatos resumidamente explorados no
presente tópico que, em 1972, sob a liderança dos países desenvolvidos e com a resis-
tência dos países em desenvolvimento, a comunidade internacional aceita os termos da
Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente. Constituindo-se como uma declaração
de princípios (soft law – na terminologia do direito internacional), a Declaração de
Estocolmo rapidamente se estabelece como o documento marco em matéria de preser-
vação e conservação ambiental.
Apesar da resistência da delegação brasileira – que à época defendia irrestrito direito
ao desenvolvimento, alegando que a pobreza seria a maior causa de degradação ambien-
tal – os conceitos e princípios da Declaração de Estocolmo vão sendo paulatinamente
internalizados pelo ordenamento jurídico pátrio. Sensível às pressões internacionais,
o Brasil cria a Secretaria Nacional do Meio Ambiente (SEMA) em 1973 (Decreto n.
73.030, de 30 de outubro) e aprova a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
n. 6.938/81).
A Declaração de Estocolmo passaria a orientar não apenas o desenvolvimento de um
direito ambiental brasileiro, mas muitos ao redor do mundo até que, em 1992, naquele
que foi considerado o maior evento das Nações Unidas de todos os tempos, a comuni-
dade internacional aprova a Declaração do Rio de Janeiro, durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esta Declaração não apenas
reitera vários princípios da Declaração de Estocolmo, mas os aperfeiçoa, além de criar
outros ainda não previstos. Nesta época já eram inúmeros os ordenamentos jurídicos
domésticos contemplando a tutela do meio ambiente e, portanto, contribuindo para a
autonomia científica e didática da área. Abaixo, analise e compare os textos das referidas
declarações, a de Estocolmo e a do Rio de Janeiro:

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DIREITO AMBIENTAL

Declaração da Conferência de ONU no Ambiente Humano,


Estocolmo, 5-16 de junho de 1972
(tradução livre)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em


Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de
princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar
e melhorar o meio ambiente humano,

I
Proclama que:
1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o
cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para de-
senvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa
evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, gra-
ças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder
de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes,
tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o
artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direi-
tos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.
2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão
fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômi-
co do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um
dever de todos os governos.
3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar des-
cobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do
homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode
levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a
oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudente-
mente, o mesmo poder pode causar danos incalculáveis ao ser humano e a
seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano
causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição
da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio
ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e
graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no
meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha.
4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão
motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo
muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana
digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de con-
dições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimen-
to devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas
prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente.

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DIREITO AMBIENTAL

Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para reduzir


a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países indus-
trializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados com a
industrialização e o desenvolvimento tecnológico.
5. O crescimento natural da população coloca continuamente, problemas relati-
vos à preservação do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e medidas
apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do mundo, os
seres humanos são a mais valiosa. Eles são os que promovem o progresso social,
criam riqueza social, desenvolvem a ciência e a tecnologia e, com seu árduo
trabalho, transformam continuamente o meio ambiente humano. Com o pro-
gresso social e os avanços da produção, da ciência e da tecnologia, a capacidade
do homem de melhorar o meio ambiente aumenta a cada dia que passa.
6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos
em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter
para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos
imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa
vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo
e uma ação mais prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nos-
sa posteridade, condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de
acordo com as necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar
a qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É
preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro
e sistemático. Para chegar à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e,
em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar
um meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente
humano para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa
da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantém
as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econô-
mico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas.
7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e comunidades, em-
presas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que
possuem e que todos eles participem equitativamente, nesse esforço comum.
Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o
meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas
atividades. As administrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições
são as responsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplica-
ções de medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Também se requer
a cooperação internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos
países em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. Há um número
cada vez maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de
alcance regional ou mundial ou por repercutir no âmbito internacional co-
mum, exigem uma ampla colaboração entre as nações e a adoção de medidas
para as organizações internacionais, no interesse de todos. A Conferência en-

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DIREITO AMBIENTAL

carece aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar
o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade.
II
PRINCÍPIOS

Expressa a convicção comum de que:

Princípio 1

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de con-


dições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar
uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar
o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que
promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão
colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e de-
vem ser eliminadas.

Princípio 2

Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e es-
pecialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados
em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou
ordenamento.

Princípio 3

Deve-se manter, e sempre que possível, restaurar ou melhorar a capacidade da terra


em produzir recursos vitais renováveis.

Princípios 4

O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamen-


te o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se encontram atualmen-
te, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores adversos. Conseqüentemente,
ao planificar o desenvolvimento econômico deve-se atribuir importância à conservação
da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres.

Princípio 5

Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o pe-
rigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos
benefícios de sua utilização.

Princípio 6

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Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais que liberam
calor, em quantidades ou concentrações tais que o meio ambiente não possa neutralizá-
los, para que não se causem danos graves e irreparáveis aos ecossistemas. Deve-se apoiar
a justa luta dos povos de todos os países contra a poluição.

Princípio 7

Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos
mares por substâncias que possam por em perigo a saúde do homem, os recursos vivos
e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir outras
utilizações legítimas do mar.

Princípio 8

O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem


um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias
de melhoria da qualidade de vida.

Princípio 9

As deficiências do meio ambiente originárias das condições de subdesenvolvimento


e os desastres naturais colocam graves problemas. A melhor maneira de saná-los está no
desenvolvimento acelerado, mediante a transferência de quantidades consideráveis de
assistência financeira e tecnológica que complementem os esforços internos dos países
em desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam requerer.

Princípio 10

Para os países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a obtenção de ingres-


sos adequados dos produtos básicos e de matérias primas são elementos essenciais para
o ordenamento do meio ambiente, já que há de se Ter em conta os fatores econômicos
e os processos ecológicos.

Princípio 11

As políticas ambientais de todos os Estados deveriam estar encaminhadas para au-


mentar o potencial de crescimento atual ou futuro dos países em desenvolvimento e
não deveriam restringir esse potencial nem colocar obstáculos à conquista de melhores
condições de vida para todos. Os Estados e as organizações internacionais deveriam to-
mar disposições pertinentes, com vistas a chegar a um acordo, para se poder enfrentar as
conseqüências econômicas que poderiam resultar da aplicação de medidas ambientais,
nos planos nacional e internacional.

Princípio 12

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DIREITO AMBIENTAL

Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento do meio am-


biente tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países em desen-
volvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de medidas de conservação do meio
ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer-lhes,
quando solicitado, mais assistência técnica e financeira internacional com este fim.

Princípio 13

Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar


assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e co-
ordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a
compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio
ambiente humano em benefício de sua população.

Princípio 14

O planejamento racional constitui um instrumento indispensável para conciliar às


diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a necessidade de
proteger y melhorar o meio ambiente.

Princípio 15

Deve-se aplicar o planejamento aos assentamentos humanos e à urbanização com


vistas a evitar repercussões prejudiciais sobre o meio ambiente e a obter os máximos
benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos. A este respeito devem-se aban-
donar os projetos destinados à dominação colonialista e racista.

Princípio 16

Nas regiões onde exista o risco de que a taxa de crescimento demográfico ou as


concentrações excessivas de população prejudiquem o meio ambiente ou o desenvolvi-
mento, ou onde, a baixa densidade d4e população possa impedir o melhoramento do
meio ambiente humano e limitar o desenvolvimento, deveriam se aplicadas políticas
demográficas que respeitassem os direitos humanos fundamentais e contassem com a
aprovação dos governos interessados.

Princípio 17

Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, adminis-


trar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estado, com o fim de melhorar
a qualidade do meio ambiente.

Princípio 18

Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social deve-se


utilizar a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que amea-

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DIREITO AMBIENTAL

çam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum
da humanidade.

Princípio 19

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto


às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população
menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada,
e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido
de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda
sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas
evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difun-
dam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a
fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.

Princípio 20

Devem-se fomentar em todos os países, especialmente nos países em desenvolvi-


mento, a pesquisa e o desenvolvimento científicos referentes aos problemas ambientais,
tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre intercâmbio de informação
científica atualizada e de experiência sobre a transferência deve ser objeto de apoio e
de assistência, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais. As tecnologias
ambientais devem ser postas à disposição dos países em desenvolvimento de forma a fa-
vorecer sua ampla difusão, sem que constituam uma carga econômica para esses países.

Princípio 21

Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito in-
ternacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em apli-
cação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades
que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o
meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional.

Princípio 22

Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional


no que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros
danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de
tais Estados causem a zonas fora de sua jurisdição.

Princípio 23

Sem prejuízo dos critérios de consenso da comunidade internacional e das normas


que deverão ser definidas a nível nacional, em todos os casos será indispensável conside-
rar os sistemas de valores prevalecentes em cada país, e, a aplicabilidade de normas que,

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embora válidas para os países mais avançados, possam ser inadequadas e de alto custo
social para países em desenvolvimento.

Princípio 24

Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação


e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento
do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar
eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera,
possam Ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por
outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados.

Princípio 25

Os Estados devem assegurar-se de que as organizações internacionais realizem um


trabalho coordenado, eficaz e dinâmico na conservação e no melhoramento do meio
ambiente.

Princípio 26

É’ preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas nucleares e
de todos os demais meios de destruição em massa. Os Estados devem-se esforçar para
chegar logo a um acordo – nos órgãos internacionais pertinentes – sobre a eliminação e
a destruição completa de tais armas.

_______________________________

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento


(fonte: Ministério do Meio Ambiente)

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo


se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração
da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Es-
tocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o objetivo de
estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de co-
operação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando
com vistas à conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos
e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reco-
nhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar, proclama que:

Princípio 1

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Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sus-


tentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

Princípio 2

Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do


direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos
segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a res-
ponsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou seu controle não
causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da
jurisdição nacional.

Princípio 3

O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam aten-
didas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das ge-
rações presentes e futuras.

Princípio 4

Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte


integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente
deste.

Princípio 5

Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o


desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a
fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da
maioria da população do mundo.

Princípio 6

Será dada prioridade especial à situação e às necessidades especiais dos países em


desenvolvimento, especialmente dos países menos desenvolvidos e daqueles ecolo-
gicamente mais vulneráveis. As ações internacionais na área do meio ambiente e do
desenvolvimento devem também atender aos interesses e às necessidades de todos
os países.

Princípio 7

Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, pro-


teção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando
as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm
responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a
responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável,

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DIREITO AMBIENTAL

tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e
as tecnologias e recursos financeiros que controlam.

Princípio 8

Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada


para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção
e consumo, e promover políticas demográficas adequadas.

Princípio 9

Os Estados devem cooperar no fortalecimento da capacitação endógena para o de-


senvolvimento sustentável, mediante o aprimoramento da compreensão científica por
meio do intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e mediante a intensi-
ficação do desenvolvimento, da adaptação, da difusão e da transferência de tecnologias,
incluindo as tecnologias novas e inovadoras.

Princípio 10

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no


nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo
terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as
autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisó-
rios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular,
colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo
a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e
reparação de danos.

Princípio 11

Os Estados adotarão legislação ambiental eficaz. As normas ambientais, e os objeti-


vos e as prioridades de gerenciamento deverão refletir o contexto ambiental e de meio
ambiente a que se aplicam. As normas aplicadas por alguns países poderão ser inadequa-
das para outros, em particular para os países em desenvolvimento, acarretando custos
econômicos e sociais injustificados.

Princípio 12

Os Estados devem cooperar na promoção de um sistema econômico internacional


aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentá-
vel em todos os países, de forma a possibilitar o tratamento mais adequado dos proble-
mas da degradação ambiental. As medidas de política comercial para fins ambientais
não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável, ou uma
restrição disfarçada ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais

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DIREITO AMBIENTAL

para o tratamento dos desafios internacionais fora da jurisdição do país importador.


As medidas internacionais relativas a problemas ambientais transfronteiriços ou globais
deve, na medida do possível, basear-se no consenso internacional.

Princípio 13

Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à inde-


nização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão também
cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito in-
ternacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos
danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua
jurisdição ou sob seu controle.

Princípio 14

Os Estados devem cooperar de forma efetiva para desestimular ou prevenir a rea-


locação e transferência, para outros Estados, de atividades e substâncias que causem
degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana.

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser am-
plamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver
ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.

Princípio 16

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos cus-


tos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem
segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a
devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos in-
vestimentos internacionais.

Princípio 17

A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada


para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significati-
vo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional
competente.

Princípio 18

Os Estados notificarão imediatamente outros Estados acerca de desastres naturais


ou outras situações de emergência que possam vir a provocar súbitos efeitos prejudiciais

FGV DIREITO RIO 15


DIREITO AMBIENTAL

sobre o meio ambiente destes últimos. Todos os esforços serão envidados pela comuni-
dade internacional para ajudar os Estados afetados.

Princípio 19

Os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados, noti-


ficação prévia e informações relevantes acerca de atividades que possam vir a ter consi-
derável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e se consultarão com
estes tão logo seja possível e de boa fé.

Princípio 20

As mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimen-


to. Sua participação plena é, portanto, essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável.

Princípio 21

A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser mobilizados


para criar uma parceria global com vistas a alcançar o desenvolvimento sustentável e
assegurar um futuro melhor para todos.

Princípio 22

Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm
um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus
conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar
adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efeti-
va participação no atingimento do desenvolvimento sustentável.

Princípio 23

O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a opressão, domina-


ção e ocupação serão protegidos.

Princípio 24

A guerra é, por definição, prejudicial ao desenvolvimento sustentável. Os Estados


irão, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à proteção do meio
ambiente em tempos de conflitos armados e irão cooperar para seu desenvolvimento
progressivo, quando necessário.

Princípio 25

A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis.

FGV DIREITO RIO 16


DIREITO AMBIENTAL

Princípio 26

Os Estados solucionarão todas as suas controvérsias ambientais de forma pacífica,


utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas.

Princípio 27

Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de parceria


para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvi-
mento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável.

______________________________________

Com base na análise das duas declarações transcritas acima, considere os seguintes
questionamentos:

1) As duas declarações transcritas acima representam pilares fundamentais do


surgimento de um direito internacional ambiental. De que forma essas duas
declarações podem ter influenciado o surgimento do direito ambiental no
Brasil? Nas negociações pré-Estocolmo, os países em desenvolvimento sus-
peitavam das reais intenções dos desenvolvidos em negociarem uma decla-
ração sobre meio ambiente. Por quê? Quais eram as principais restrições dos
países em desenvolvimento? Da análise da linguagem empregada nas duas
declarações, como foi possível um acordo entre os países desenvolvidos e os
países em desenvolvimento?
2) Da análise das duas declarações, começando pelo título, quais são as princi-
pais semelhanças e diferenças entre elas? Quais são os princípios que podem
ser extraídos dos textos das duas declarações e que influenciam a organização
de ordenamentos jurídicos nacionais? Qual o valor dos princípios consagra-
dos internacionalmente para o direito ambiental brasileiro?

A formação de um direito ambiental no Brasil foi influenciada pelo contexto geo-


político internacional das décadas de 1960 e 1970. Em parte, deveu-se ao sentimento
de que respostas normativas no âmbito doméstico barrariam tentativas dos países
industrializados de internacionalizar o direito ambiental. Contribuiu também o fato
de que por ser um tema sensível às economias desenvolvidas, evoluções normativas
ambientais domésticas poderiam favorecer transações e acordos internacionais em
outras áreas.
O período pós-Estocolmo inaugura uma nova era para a consolidação e a sistema-
tização do direito ambiental no Brasil. Contrariamente ao que vinha ocorrendo nos
países desenvolvidos à época, a incorporação dos anseios do movimento ambientalista
pelo direito se viabiliza – em grande parte – como moeda de troca entre as economias
emergentes e os países industrializados. O direito ambiental nasce nos países desen-

FGV DIREITO RIO 17


DIREITO AMBIENTAL

volvidos do nacional para o internacional. Nos países em desenvolvimento, nasce do


internacional para o nacional.
Sobre a influência do direito internacional ambiental na formação do direito am-
biental brasileiro, atente para o seguinte questionamento:
3) Compare o texto do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 abaixo com
os textos das Declarações de Estocolmo e do Rio de Janeiro. Aponte quais
os dispositivos especificamente que podem ter sido influenciados direta ou
indiretamente pelas deliberações na esfera internacional.

Artigo 225, da Constituição Federal de 1988:


CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
§ 1º–Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I–preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II–preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;  
III–definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa
a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; 
IV–exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencial-
mente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio
de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V–controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI–promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a cons-
cientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII–proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade. 
§ 2º–Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º–As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeita-
rão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

FGV DIREITO RIO 18


DIREITO AMBIENTAL

§ 4º–A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o


Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utili-
zação far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação
do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º–São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por
ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º–As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização
definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
4) Para ilustrar a influência dos textos das Declarações de Estocolmo e do Rio
na formação de princípios que, posteriormente, são incorporados ao direito
ambiental brasileiro, bem como dos conflitos de interesse existentes à época
e que dividiam os países do Norte e do Sul, considere o quadro abaixo, pre-
parado pelos alunos da graduação da Escola de Direito da Fundação Getulio
Vargas no Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO), Adriana Reino, Marcus
Vinicius Rondinelli e Luiz Phillippe D´Eça:

Princípios e Interesses dos países do “Norte”e do “Sul” | Declaração da Conferên-


cia de ONU no Ambiente Humano ’72

Estocolmo ‘72
Princípios Norte Sul
- 1 > primeira parte interesse comum
(bem comum), segunda parte proble-
Direito à sadia quali-
- 1 > Primeira parte (bem comum); mas históricos dos países do sul;
dade de vida
- 8 > Interesse do sul que busca se de-
senvolver
- 2 > interesse comum (preserva-
ção);
- 3 > interesse comum contudo
uma preocupação primordial do
- 2 > interesse comum (preservação);
Acesso equitativo aos norte devido a escassez de terra;
- 10 > interesse do sul, versa unicamente
recursos naturais - 4 > interesse do norte ao querer
sobre os países e, desenvolvimento
delimitar a forma de desenvolvi-
mento;
- 5 > Interesse do norte de ter aces-
so aos recursos naturais do sul;
- 14 > interesse do norte ao querer
- 15 > interesse do sul ao determinar o
delimitar a forma de desenvolvi-
Precaução e preven- abandono dos projetos colonialistas;
mento;
ção - 16 > interesse do sul em controlar o
- 16 > Interesse do Norte preocu-
consumo nos países do norte
pação demográfica.
- 22 > interesse comum
Reparação

FGV DIREITO RIO 19


DIREITO AMBIENTAL

- 11 > Interesse do sul pois determina o


incentivo ao crescimento dos países
- 19 > Interesse do Norte em disse-
Informação em desenvolvimento;
minar suas regras;
- 20 > Interesse do Sul de ter acesso a
tecnologia
- 1, primeira parte > interesse
comum (bem comum);
- 4 > Interesse do Norte ao querer
delimitar a forma de desenvolvi-
- 25 > Interesse Comum;
mento;
Participação - 26 > Interesse do Sul que não Possui
- 6 > Interesse do Norte contra a
tais armas.
industrialização do sul;
- 24 > Interesse comum (origem
norte);
- 25 > Interesse Comum.
- 7 > Interesse comum;
- 11 > Interesse do sul pois deter-
mina o incentivo ao crescimento
dos países em desenvolvimento;
Obrigatoriedade de
- 13 > Interesse do Norte que bus-
intervenção do - 7 > Interesse comum
ca delimitar a forma de cresci-
Poder Público
mento do sul;
- 17 > interesse do sul em proteger
das influências externas;
- 22 > Interesse comum
Acesso à tecnologia - 18 > Interesse comum - 18 > Interesse comum
Desenvolvimento
- 2; 3; 4; 5; 6; 7; 13; 14; 15; 16
Sustentável
- 21 > Interesse comum;
- 21 > Interesse comum; - 23 > Interesse do sul ao se proteger de
Soberania Nacional - 17 > interesse do sul em proteger normas adequadas apenas aos países
das influências externas. do norte e dos altos custos de imple-
mentação destas.

Princípios e Interesses dos países do “Norte”e do “Sul” | Declaração do Rio sobre


Meio Ambiente e Desenvolvimento ‘92

FGV DIREITO RIO 20


DIREITO AMBIENTAL

Princípios das Declarações de Estocolmo que aparecem na CF/88 CF/88

Princípios CF/ 88
Art. 225, caput: “(...) bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida (...)”;
Direito à sadia qualidade de Art 225, § 1º, V: “controlar a produção, a comercialização e o emprego
vida de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida (...)”

Acesso equitativo aos recur-


Art. 225, caput: “(...) todos têm direito ao meio ambiente (...)”.
sos naturais
Art. 225, § 2º: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a
recuperar o meio ambiente degradado (...)”.
Usuário-pagador e Poluidor-
Art 225, § 3º: “sanções penais e administrativas, independente da obriga-
pagador
ção de reparar os danos causados.”

Art 225, § 1º, IV: “exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impactos ambiental (...)”;
Art 225, § 1º, V: “controlar a produção, a comercialização e o emprego de
Precaução e prevenção técnicas, métodos e substâncias que comportem risco (...)”
Art 225, § 1º, VII: “vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica (...)”;
Art 225, §6º (limitação na instalação e localização de usinas nucleares).

Art 225, § 2º: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a
recuperar o meio ambiente”;
Reparação Art 225, § 3º: “sanções penais e administrativas, independente da obriga-
ção de reparar os danos causados.”

Art 225, § 1º, VI: “promover a educação ambiental em todos os níveis de


Informação ensino e a consciência pública para a preservação do meio ambiente.”

Art 225, caput: “impondo-se (...) e a coletividade o dever de defendê-lo e


Participação preservá-lo (...)”.

Art 225, caput: “(...) impondo-se ao poder público (...) o dever de defen-
dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”;
Art 225, § 1º, I, II, III, IV, V, VI, VII;
Obrigatoriedade de inter- Art 225, § 2º: “solução técnica exigida por órgão público competente, na
venção do Poder Público forma da lei.”;
Art 225, § 4º: “(...), e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem (...)”.

FGV DIREITO RIO 21


DIREITO AMBIENTAL

Art 225, § 6º (usinas nucleares são possíveis, mas com limitação).


Acesso à tecnologia

Art 225, § 1º: “(...) patrimônio genético do país (...)”;


Soberania Nacional Art 225, § 4º: “(...) patrimônio nacional (...)”.

Art 225, caput: “Todos têm direito (...)”.


Igualdade

Art 170, inc. VI “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência dig-
na, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes prin-
Desenvolvimento
cípios: (...) IV – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
sustentável
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de
seus processos de elaboração e prestação:”

AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL

Sobre a autonomia do direito ambiental, importante posicionamento pode ser ex-


traído de obra sob a coordenação de José Joaquim Canotilho:

Por nossa parte defendemos a idéia segundo a qual se pode e deve falar em
Direito do Ambiente não só como campo especial onde os instrumentos clássi-
cos de outros ramos do Direito são aplicados, mas também como disciplina jurí-
dica dotada de substantividade própria. Sem com isso pôr de lado as dificuldades
que tal concepção oferece e condicionamentos que sempre terão de introduzir-se
a tal afirmação.1

O direito ambiental rompe com a noção clássica da autonomia do direito pelo cien-
tificismo que lhe foi atribuído pelas teorias da tradição civilística. Trata-se de uma área
com origem em um paradigma social e econômico, típico da sociedade pós-moderna
ou de risco. Dentro dos estritos limites da hermenêutica jurídica, o direito ambiental foi
incluído no rol dos denominados “novos” direitos. Novos para o direito porque inaugu-
ram a fase de quebra da restrita visão da autonomia e independência do próprio direito.
E, sobretudo, porque são direitos que desafiam a capacidade dos juristas de resolverem
os problemas fáticos pela via da construção de teorias a partir de pensamentos, julgados,
textos de lei ou técnicas argumentativas preexistentes.
No estrito campo da ciência jurídica, esses “novos” direitos desafiam os juristas clás-
sicos através de correntes doutrinárias que os definem como direitos de terceira geração.
Estariam enquadrados ou como um subramo do direito civil e, portanto, privado, ou
como um subramo dos direitos constitucional e administrativo, logo, público.
A resistência à autonomia do direito ambiental dentro da ciência jurídica não re-
siste ao processo interpretativo da identificação das suas fontes. Ao contrário de ou-
1.José Joaquim Gomes Canotilho (co-
ordenador), Introdução ao Direito do
Ambiente, Universidade Aberta (1998).

FGV DIREITO RIO 22


DIREITO AMBIENTAL

tras disciplinas consolidadas dentro da dicotômica divisão público / privado, o direito


ambiental tem na ciência, na técnica, nas grandes catástrofes e, como decorrência, nos
movimentos populares a sua fonte material maior. Com precisão, Antunes constatou
o paradigma diferenciado das fontes materiais do direito ambiental. E, então, dividiu-
as em sua obra entre fontes materiais e fontes formais. Segundo o autor, seriam fontes
materiais os movimentos populares, as descobertas científicas e a doutrina jurídica. Já as
fontes formais, segundo Antunes, elas “(...) não se distinguem ontologicamente daque-
las que são aceitas e reconhecidas como válidas para os mais diversos ramos do Direito.
Consideram-se fontes formais do DA: a Constituição, as leis, os atos internacionais
firmados pelo Brasil, as normas administrativas originadas dos órgãos competentes e
jurisprudência.”2
A peculiaridade da constatação do diferencial de fontes materiais do direito am-
biental é decorrência de uma chamada “crise ecológica” que insere na sociedade pós-
moderna a necessidade de gerir o risco ambiental. Logo, a questão ambiental extrapola
os limites do debate em torno da autonomia da matéria no âmbito da ciência do direi-
to, para se transformar em um paradigma que exige adaptação reinterpretativa de todas
as áreas do conhecimento. No próprio direito, esse paradigma faz surgir um ramo
autônomo, que impõe regras de conduta entre pessoas e o meio ambiente. E vai além:
dentro da própria ciência do direito, a questão ambiental exige que outros ramos, tidos
como clássicos, como o constitucional, o administrativo e o próprio direito civil sejam
reinterpretados. O reflexo prático dessa constatação se concretiza, por exemplo, na
recepção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a necessidade de
significado a este conceito normativo; na necessária adequação dos instrumentos clás-
sicos do direito administrativo às especificidades do papel do Poder Público na garantia
desse direito; e na incorporação da noção da função socioambiental da propriedade,
para citar apenas alguns.

DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS

A complexidade e evolução da sociedade moderna fizeram com que uma terceira


geração de direitos se delineasse, quebrando a divisão clássica do direito de tradição ci-
vilística entre público e privado. Incluem-se dentro desta nova geração, direitos como o
do consumidor e o próprio ambiental. Caracterizam-se pela coletividade da titularidade
2. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
e complexidade do bem protegido e das intervenções estatais – por meio de regulação Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Iu-
ris, 2008, pp. 50-54.
– em áreas antes estritamente privadas. Com isso, novas formas de tutela e proteção
3. Ver Ada Pellegrini Grinover,
dos interesses e direitos que já não mais são individualizados, passam a exigir uma rees- Parecer de 7 de dezembro de 2001,
reimpresso –in- Nelson Nery Junior,
truturação da teoria clássica do direito, abrindo espaço para novas disciplinas jurídicas, Autonomia do direito ambiental 194,
dentre elas, o direito ambiental. 196,–in – Políticas Públicas Ambien-
tais – Estudos em homenagem ao
Desse debate, emerge corrente doutrinária em oposição que parte da noção de tran- Professor Michel Prieur (Coord. Clarissa
Ferreira Macedo D´Isep, Nelson Nery
sindividualidade ou metaindividualidade do interesse ou do direito tutelado para en- Junior e Odete Medauar, Editora Revis-
quadrar os direitos da terceira geração, ou quarta, como preferem alguns,3 como direitos ta dos Tribunais, 2009) (“[N]as Liber-
dades Públicas, os direitos ambientais
coletivos em sentido amplo. A característica marcante desses direitos estaria no emba- integram a chamada ‘quarta geração’
dos direitos fundamentais (direitos de
samento principiológico da solidariedade. Esta categorização ultrapassaria os objetivos solidariedade);”).

FGV DIREITO RIO 23


DIREITO AMBIENTAL

meramente formais da necessidade de se desenvolver mecanismos de instrumentaliza-


ção desses direitos, para assumir contornos de um direito material em virtude da sua
natureza e objeto da tutela.
Diante da constatação de uma nova categoria de direitos de titularidade já não mais
necessariamente individuais, mas também coletiva, surge a noção de direitos e interesses
metaindividuais, tipificados pelo ordenamento jurídico brasileiro no art. 81, § único,
incs. I, II e III da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), o qual dispõem:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código,


os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas inde-
terminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Có-
digo, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, cate-
goria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a outra parte contrária por uma
relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de-
correntes de origem comum.

Apesar da aparente complexidade teórica dos conceitos expostos pelo referido dispo-
sitivo legal, alguns elementos distintivos podem ser destacadas para facilitar a compre-
ensão dos conceitos. Primeiramente, é preciso destacar que os três grupos de interesses
e direitos acima descritos fazem parte da categoria, ou melhor, são espécies do gênero
“direitos coletivos em sentido amplo”. Este, portanto, é formado por pelos direitos e
interesses (i) difusos, (ii) coletivos em sentido estrito e (iii) individuais homogêneos.
Dois critérios são utilizados pela doutrina para distinguir os direitos metaindividu-
ais, são eles: (i) objetivo (a análise da divisibilidade ou não do bem tutelado) e (ii) sub-
jetivo (análise da possibilidade de determinação ou não dos titulares do direito e do elo
de ligação entre eles: circunstâncias de fato, relação jurídica-base ou origem comum)4.
Dessa forma, nas lições de Yoshida (pp. 3 e 4), os direitos e interesses metaindividu-
ais se diferenciam da seguinte forma:

“Os direitos e interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade de seu


objeto (elemento objetivo) e pela indeterminabilidade de seus titulares (ele-
mento subjetivo), que estão ligados entre si por circunstâncias de fato (elemen-
to comum).
Já os direitos e interesses coletivos caracterizam-se pela indivisibilidade de
seu objeto (elemento objetivo) e pela determinabilidade de seus titulares (ele-
mento subjetivo), que estão ligados entre si, ou com a parte contrária por uma
relação jurídica-base (elemento comum).
Os direitos e interesses individuais homogêneos, por sua vez, caracterizam-
se pela divisibilidade de seu objeto (elemento objetivo) e pela determinabili-
dade de seus titulares (elemento subjetivo), decorrendo a homogeneidade da
4. Sobre o tema ver YOSHIDA, Con-
‘origem comum’ (elemento comum).” (negrito do original) suelo Yatsuda Moromizado. Tutela dos
Interesses Difusos e Coletivos. São
Paulo. Juarez de Oliveira, 2006, p. 3.

FGV DIREITO RIO 24


DIREITO AMBIENTAL

Importa ressaltar que, ao contrário dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito,
a natureza coletiva dos direitos e interesses individuais homogêneos está muito mais
afeta à forma da legitimidade postulatória do que propriamente da indivisibilidade da
lesão a direito subjetivo.
A relevância prática para o Direito Ambiental da precisa identificação e articulação
dos conceitos e teoria dos direitos metaindividuais é significativa. Segundo Fiorillo5, “a
Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) representou um grande impulso na
tutela dos direitos metaindividuais e, nesse caminhar legislativo, em 1985, foi editada
a Lei n. 7.347, que, apesar de ser tipicamente instrumental, veio a colocar à disposição
um aparato processual toda vez que houvesse lesão ou ameaça de lesão ao meio ambien-
te, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagís-
tico: a ação civil pública.” (itálico do original).
Foi a Constituição Federal de 1988 que consagrou a metaindividualidade do bem
ambiental, ainda nas palavras de Fiorillo6, “(...) além de autorizar a tutela de direitos in-
dividuais, o que tradicionalmente já era feito, passou a admitir a tutela de direitos cole-
tivos, porque compreendeu a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental.
Tal fato pode ser verificado em razão do disposto no art. 225 da Constituição Federal,
que consagrou a existência de um bem que não é público nem, tampouco, particular,
mas sim de uso comum do povo.” (itálico do original).

CONCEPÇÕES DE DIREITO AMBIENTAL

A partir do desenvolvimento e consolidação do direito ambiental como um ramo


com princípios, normas e regulamentos próprios, surge a necessidade de interpretação
desse direito à luz de duas abordagens conceituais distintas, mas com reflexos práticos
importantes. Trata-se, como convencionou a doutrina nacional e estrangeira, da abor-
dagem antropocêntrica e ecocêntrica do direito ambiental. A primeira seria uma forma
de interpretação do direito ambiental mais utilitarista. A segunda reconhece os valores
intrínsecos aos elementos bióticos e abióticos que compõem o macro bem ambiental
independentemente da relação de dependência que a vida humana mantém com os
bens, recursos e serviços ambientais. Esse debate, apesar de instigar embates teóricos
desafiantes, pode apresentar consequências práticas na forma de interpretação dos lití-
gios ambientais.
Segundo a abordagem antropocêntrica, as regras de conduta do direito ambiental
orientam a relação entre indivíduo e natureza apenas enquanto necessária à racional
utilização de bens e recursos essenciais para a sadia qualidade da vida humana. A pro-
teção e a conservação do meio ambiente, nesse caso, justificam-se apenas enquanto
intervenção necessária à garantia de padrões de qualidade e bem-estar dos indivíduos
que compõem determinada sociedade. Parte-se do princípio de que o simples direito à
vida já não é mais suficiente para atender ao princípio constitucional da dignidade da 5. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.
Curso de Direito Ambiental Brasilei-
pessoa humana. Logo, não basta mais a garantia da vida, é preciso que ela seja usufruída ro. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.
com qualidade que, por sua vez, passa necessariamente por ações e medidas que propor- 6. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.
Curso de Direito Ambiental Brasilei-
ro. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

FGV DIREITO RIO 25


DIREITO AMBIENTAL

cionem um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa é, portanto, a essência da


orientação antropocêntrica da interpretação do direito ambiental.
Por outro lado, ao se pensar o bem tutelado pelo direito ambiental como um con-
junto de elementos bióticos e abióticos que se estruturam em micro bens para efeitos da
organização dessa tutela (e.g., flora, fauna, ar, atmosfera, solo, água, etc), reconhece-se
que, embora não diretamente relacionados à vida humana, são não apenas necessários a
ela, mas também às diversas outras formas de vida que se desenvolvem e dependem dos
bens, serviços e recursos ambientais. Logo, as regras de proteção e conservação do meio
ambiente se justificam primeiramente pelo valor que a vida em suas diversas formas
tem e, apenas subsidiariamente, pela garantia de qualidade de vida aos indivíduos que
do equilíbrio do meio dependem. A essa orientação interpretativa do direito ambiental,
tem-se convencionado chamar de ecocentrismo. Dela decorrem correntes dogmáticas
dentro do próprio direito ambiental, como o direito dos animais, por exemplo.
Na prática, um exemplo de escolhas normativas que poderiam diferenciar a aborda-
gem antropocêntrica das ecocêntrica, resume-se à diferenciação entre os termos “con-
servação e/ou preservação” e “proteção”. A Lei n. 9.985/2000 que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação pode ser utilizada como parâmetro para ilustrar
a premissa aqui proposta. Por “preservação”, o referido diploma fez constar se tratar do
“conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo
das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos,
7. Artigo 2º, inciso V, da Lei n. 9.985
prevenindo a simplificação dos sistemas naturais.”7 Percebe-se, pois, a possibilidade da de 18 de julho de 2000, disponível em
compatibilização da noção de uso sustentável e direto dos recursos naturais, típica da http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/L9985.htm.
concepção utilitarista do bem ambiental. Por outro lado, ao definir “proteção integral”, 8. Artigo 2º, inciso VI, da Lei n.
o legislador definiu a intenção de “manutenção dos ecossistemas livres de alterações 9.985, de 18 de julho de 2000, dispo-
nível em http://www.planalto.gov.br/
causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos ccivil_03/Leis/L9985.htm.
naturais.”8 Ou seja, uma manifestação de vontade que pode facilmente ser justificada 9. Ver José Afonso da Silva, Direito
Ambiental Constitucional, 47-50 (Ma-
por escolhas ecocêntricas dentro do direito ambiental. lheiros Editores, 7ª Ed., 2009) (listando
os dispositivos constitucionais que
fazem menção explícita e implícita ao
meio ambiente).
10. José Afonso da Silva, Direito Am-
NOMENCLATURA E DIMENSÕES CONCEITUAIS biental Constitucional, 46 (Malheiros
Editores, 7ª Ed., 2009)
11. Paulo Affonso Leme Machado,
O direito ambiental, enquanto regulador de condutas das pessoas em relação ao Direito Ambiental Brasileiro, 128 (Ma-
lheiros Editores, 18ª Ed., 2010) (“A
meio em que estão inseridas, foi constitucionalizado e marcado pela expressão “meio Constituição da República Federativa
ambiente”. Aparece em capítulo próprio, Capítulo VI – “Do Meio Ambiente” – além do Brasil de 1988 é a primeira Consti-
tuição Brasileira em que a expressão
de em outros dispositivos da Constituição.9 Aliás, como observado por José Afonso da ‘meio ambiente’ é mencionada”)
Silva, a Constituição de 1988 foi “a primeira a tratar deliberadamente da questão am- 12. José Afonso da Silva, Direito Am-
biental Constitucional, 46 (Malheiros
biental”.10 Da mesma forma, referência expressa ao termo “meio ambiente” nas Cons- Editores, 7ª Ed., 2009) (“As Constitui-
ções Brasileiras anteriores à de 1988
tituições brasileiras só aparece na de 1988.11 Nas Constituições anteriores, a proteção nada traziam especificamente sobre
ambiental era garantia indireta de outros valores constitucionais como, por exemplo, o a proteção do meio ambiente natural.
Das mais recentes, desde 1946, apenas
direito à saúde e à vida e enquanto normas meramente de competência legislativa que se extraía orientação protecionista do
preceito sobre a proteção da saúde e
permitiam instrumentos legais infraconstitucionais.12 Ao ser inserida na Constituição sobre a competência da União para le-
Federal, a expressão “meio ambiente” ganha contornos jurídicos, o que enseja uma con- gislar sobre água, florestas, caça e pes-
ca, que possibilitavam a elaboração de
ceituação própria e distinta das propostas por outras áreas do conhecimento científico. leis protetoras como o Código Florestal
e os Códigos de Saúde Pública, de Água
e de Pesca.”).

FGV DIREITO RIO 26


DIREITO AMBIENTAL

Enquanto disciplina autônoma, a expressão direito do meio ambiente é apenas uma


dentre várias utilizadas para se referir a este ramo do direito. Alguns exemplos incluem:
direito ecológico,13 direito da natureza, direito ambiental, direito do meio ambiente e
direito do ambiente. As duas primeiras expressões são mais utilizadas quando se pre-
tende delimitar o objeto da tutela. Nesses casos, reduzido ao ambiente natural apenas.
Nas demais, o objeto da tutela incluiria também o meio artificial. Na prática, indepen-
dentemente da abrangência da tutela, a nomenclatura mais usual é direito ambiental ou
direito do ambiente. A abrangência da tutela seria determinada não pela nomenclatura,
mas sim pela delimitação conceitual deste ramo do direito. Assim, uma noção estrita
limita a tutela ao meio ambiente natural apenas. Uma noção ampla estende a tutela para
incluir também o meio ambiente artificial e cultural.
A relevância prática desta teorização se justifica apenas enquanto definidora da
abrangência da tutela. Ao delimitar o objeto da tutela, o conceito de direito am-
biental pode ser dividido em duas categorias distintas de nomenclatura: uma que
associa o ramo do direito à natureza, preservação dos ecossistemas, ecologia, etc.;
e outra que tenha o condão de englobar o meio como um todo. A diferença entre
nomes somente terá algum efeito prático se a distinção for entre uma ou outra ca-
tegoria. Assim, dependendo da categoria utilizada, a nomenclatura estará limitando
ou expandindo o objeto da tutela. Mas ainda que partindo da nomenclatura mais
usual para definição deste direito, ou seja, direito ambiental ou do ambiente, por
exemplo, pode-se pensar numa distinção ligada ao objeto da tutela a partir de uma
noção estrita ou de uma noção ampla de meio ambiente. Ou seja, focando apenas os
elementos naturais, no primeiro caso, e englobando também os elementos naturais,
no segundo caso.14
Em acórdão de 2005, em medida cautelar em ação direta de inconstitucionalida-
de, o STF fez constar que a “defesa do meio ambiente” (...) “traduz conceito amplo e
abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio
ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.”15 Ao se admitir que o
objeto da tutela do direito ambiental é tão amplo quanto à abrangência conceitual da 13. A expressão “Direito Ecológico”
foi utilizada em obra pioneira, de 1975,
palavra “meio ambiente”, surge a necessidade de compatibilização das regras de condu- de Diogo de Figueiredo Moreira Neto,
ta impostas pelo ordenamento jurídico ambiental com as de outros ramos do direito. com base em conceito que já havia sido
proposto em um artigo de Sérgio Ferraz
Existe, portanto, uma relação diretamente proporcional entre a abrangência da tutela a publicado na Revista da Consultoria-
Geral do Rio Grande do Sul em 1972.
partir da delimitação conceitual e os potenciais conflitos dentro de uma ordem consti- Para Diogo F. M. Neto, “Direito Ecológico
tucional complexa, como é a brasileira. Assim, quando a abrangência da tutela engloba é o conjunto de técnicas, regras e ins-
trumentos jurídicos sistematizados e
também o meio ambiente artificial e cultural, o conceito jurídico de meio ambiente informados por princípios apropriados,
que tenham por fim a disciplina do
pode suscitar conflitos endógenos. Ou seja, com outros valores e normas produzidos comportamento relacionado ao meio-
pela própria ciência do direito. ambiente.”. Diogo de Figueiredo Morei-
ra Neto, Introdução ao Direito Ecológico
Como o direito ambiental é um ramo da ciência jurídica que cria regras de condutas e ao Direito Urbanístico, p. 26, Editora
Forense, 1975.
diante de situações de incerteza, a expansão do conceito de meio ambiente para além da 14. Ver Cláudia Maria Cruz Santos et
ordem jurídica em que se insere pode conflitar com outros direitos igualmente funda- al., Introdução ao Direito do Ambiente,
21-24, (Universidade Alberta, Coord.
mentais e, com isso, pode acabar diminuindo a proteção que supostamente o julgador científica de José Joaquim Gomes Ca-
notilho, 1998).
quis garantir em decisão singular.
15. Med. Caut. Em Ação Direta de
Inconstitucionalidade 3.540-1, Dis-
trito Federal, STF, Tribunal Pleno, 1º/
set.2005.

FGV DIREITO RIO 27


DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES16

1. Quais as razões que tornam a proteção do ambiente uma das preocupações


fundamentais dos cidadãos atualmente?
2. Por que razão os juristas encaram as questões ambientais com base numa
abordagem interdisciplinar?
3. Quais os principais problemas com que se defrontam os juristas na regulação
jurídica dos problemas ambientais?
4. Quais as pré-compreensões do Direito do Ambiente? Como se caracterizam?
5. De que forma a opção pela abordagem teórica ecocêntrica ou antropocên-
trica na construção de ordenamento jurídicos ambientais pode influenciar
decisivamente questões práticas de conciliação entre desenvolvimento e con-
servação ambiental?
6. Qual é a diferença entre o conceito de meio ambiente e o conceito de direito
ambiental? Por que esta distinção é importante?
7. Em que consiste o conceito estrito de ambiente? Quais são as principais crí-
ticas que se lhe podem dirigir e quais as suas vantagens?
8. Pode-se considerar o ambiente como novo bem jurídico protegido pelo di-
reito? Por quê?
9. Em que consiste a implicação ou referência sistêmico-social da noção de bem
jurídico ambiental?
10. Articulando os dispositivos constitucionais pertinentes, é possível afirmar que
o direito ao ambiente é hoje um (novo) direito fundamental dos cidadãos?

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Declaração de Esto-


colmo de 1972);
2. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Declaração do Rio de Janeiro de 1992);
3. Constituição Federal, Artigos 184, 186 e 225.

16. Algumas das questões neste tópi-


Leitura Indicada co foram extraídas da obra Introdução
ao Direito do Ambiente, José Joaquim
Gomes Canotilho (coordenador) (1998),
p. 37.
José Joaquim Gomes Canotilho17 (coordenador), Introdução ao Direito do Ambiente,
17. Presidente do Centro de Estudos
Universidade Aberta (1998). Pp. 19-36. de Direito do Ordenamento, do Urba-
nismo e do Ambiente (“CEDOUA”) da
Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, Portugal. O autor discorre
sobre a formação de um direito au-
tônomo especificamente dedicado à
tutela da relação entre homem e meio
ambiente.

FGV DIREITO RIO 28


DIREITO AMBIENTAL

Jurisprudência

STF MS 22.164-0-SP (Impetrante: Antônio de Andrade Ribeiro Junqueira, Impe-


trado: Presidente da República), 30/out./1995, pp. 16-22;

Ementa:

A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE


EQUILIBRADO – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO – PRINCÍPIO DA SO-
LIDARIEDADE. O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira
geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do
processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atri-
buído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadei-
ramente mais abrangente, à própria coletividade social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que com-
preendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liber-
dade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que
se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio
da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio
da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimen-
to, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

FGV DIREITO RIO 29


DIREITO AMBIENTAL

AULA 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

A crescente preocupação social com as questões ambientais influenciou a comunidade


internacional e as legislações constitucionais e infraconstitucionais de diversos países a enve-
redar para a elaboração de normas de proteção do meio ambiente. A conscientização de que
os recursos naturais renováveis ou não renováveis são limitados clamou por uma interven-
ção legislativa capaz de reconstruir modelos clássicos desenvolvimentistas. Esta reconstrução
passou a impor ao desenvolvimento econômico a racional utilização dos recursos naturais e
fez com que os processos industriais passassem a internalizar as externalidades ambientais.
A este novo projeto de desenvolvimento econômico, resolveu-se incluir a noção de
sustentável como única forma viável de evitar a degradação do meio ambiente a níveis
que permitam a sadia qualidade de vida no planeta. Para orientar esta atividade nor-
mativa, diversos princípios surgiram tanto em âmbito internacional, como no plano
nacional e serviram também para auxiliar na interpretação de conceitos legislativos e
sanarem lacunas desta recém nascida disciplina jurídica.
Por ser uma disciplina ainda em evolução, com extrema dependência de outras áreas
do conhecimento científico (interdisciplinaridade) e modelada de forma singular pelas
circunstâncias do caso concreto, a aplicação dos princípios do direito ambiental na so-
lução de controvérsias e na elaboração de políticas públicas assume especial relevância.
Como integrante do rol dos direito fundamentais, o direito ambiental ainda convive
com uma lista extensa de outros direitos igualmente fundamentais e constitucional-
mente garantidos. A ponderação, no caso concreto, com recurso à razoabilidade e à
proporcionalidade, torna-se instrumento indispensável.
Esta aula, portanto, pretende introduzir alguns dos mais importantes princípios do
direito ambiental e trabalhar a aplicação dos conceitos a eles inerentes ao caso concreto.
A seguir apresentamos breves considerações teóricas sobre os principais princípios
que orientam o ordenamento jurídico ambiental brasileiro.

PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA

O reconhecimento do direito à vida já não é mais suficiente. Passa-se a uma nova


concepção de que o direito à vida não é completo se não for acompanhado da garantia
da qualidade de vida. Os organismos internacionais passam a medir a qualidade de vida
não mais apenas com base nos indicadores econômicos e começam a incluir fatores
e indicadores sociais. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é pressuposto de
concretização de satisfação deste princípio.
No seu viés antropocêntrico, o direito ambiental consagrada o princípio da sadia
qualidade de vida como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, que
pauta o regime constitucional brasileiro. A vida é um direito fundamental que apenas
se completa com as garantias sociais, econômicas e ambientais. O equilíbrio do meio
ambiente é, assim, um pressuposto da garantia da qualidade da vida com dignidade. E,
portanto, deve ser garantido pelo Poder Público enquanto gestor dos bens, recursos e
serviços ambientais.

FGV DIREITO RIO 30


DIREITO AMBIENTAL

A sadia qualidade de vida constitui-se como uma verdadeira aspiração, consequência


de um desejo social de proteção e conservação ambiental manifestado no artigo 225,
da Constituição Federal de 1988. A materialização da sadia qualidade de vida depende
de outros princípios com conteúdo mais concreto e de normas e regras técnicas que re-
flitam o grau de aceitação dos riscos a que uma determinada sociedade ou comunidade
está disposta a aceitar.
Interessante notar que a doutrina do direito ambiental, em geral, não apresenta
uniformidade sobre nomenclatura e conteúdo dos princípios que orientam a matéria.
Com frequência os manuais, artigos e outras obras doutrinárias fazem referência a uma
multiplicidade de princípios, listando-os em sequência que, por vezes, parece sem fim.
Este trabalho procura relacionar aqueles princípios que constituem a base do sistema,
sem com isso pretender esgotar a lista ou a possibilidade de existência de outros coman-
dos principiológicos que aparecem em trabalhos doutrinários ou mesmo em acórdãos
sobre direito ambiental.

PRINCÍPIO DO ACESSO EQUITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS

Noções de equidade na utilização dos recursos naturais disponíveis passam a ser cor-
rentes em diversos ordenamentos jurídicos. Esta equidade seria buscada não apenas entre
gerações presentes, mas também – e aqui reside uma grande quebra de paradigma – com
as gerações futuras. Assim, passa-se a adotar a noção de que a utilização dos recursos
naturais no presente somente será aceita em quantidades que não prejudiquem a capaci-
dade de regeneração do recurso, a fim de garantir o direito das gerações vindouras.
Aliás, a própria definição deste princípio – do acesso equitativo aos recursos natu-
rais – já se mostra insuficiente. Isso porque, o bem objeto da tutela ambiental não se
resume aos recursos naturais. Engloba também os bens e serviços ambientais. Diante do
dever constitucional do Poder Público de garantir o equilíbrio do meio, recai dentro da
esfera de gestão dos órgãos com competência para tanto, não apenas a regulamentação
do acesso aos recursos naturais, mas também do acesso em relação aos bens e serviços
ambientais.
A aplicação prática do princípio do acesso equitativo nem sempre é pacífica. Regras
de diferenciação da forma de acesso e de hierarquia para acessar o recurso natural de-
vem ser ponderadas pelo gestor público responsável pela decisão sobre a autorização de
acesso. Faz-se, por isso, necessário diferenciar o acesso em três categorias distintas: 1)
visando impactar o ambiente; 2) visando utilizar os bens, recursos e serviços ambientais;
e 3) visando contemplar a paisagem.
A partir desta categorização, regras de hierarquia que considerem a proximidade de
determinado conglomerado populacional ou comunidade do bem, recurso ou serviço
ambiental que se pretende acessar devem informar a atuação do gestor público. Além
disso, regras que exijam a comprovação de tecnologia para acesso, de necessidade, de
racionalidade e razoabilidade, de proibição de autorização para utilização futura e de
ponderação entre as exigências presentes e o direito de futuras gerações, devem também
fazer parte da rotina da gestão ambiental.

FGV DIREITO RIO 31


DIREITO AMBIENTAL

PRINCÍPIOS USUÁRIO-PAGADOR E POLUIDOR-PAGADOR

Os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador, embora fundamentais


para o direito ambiental, são muito mais instrumentais do que materiais. Isso quer
dizer, que estão intimamente conectados à implementação do princípio do acesso equi-
tativo aos bens, recursos e serviços ambientais. É através dos princípios usuário-pagador
/ poluidor – pagador que o gestor público lança mão de instrumentos para garantir a
razoabilidade e a racionalidade na utilização dos bens, recursos e serviços ambientais.
Como decorrência, servem também para internalizar o impacto causado pelas diferen-
tes formas de acesso do bem ambiental, tornando-se efetivo instrumento de garantia do
direito das futuras gerações.
Quando corretamente dosado no preço, o pagamento pelo acesso promove medidas
de racionalização do uso ou do impacto, além de permitir que as receitas geradas sejam
reinvestidas em programas de melhoria da qualidade ambiental e de investimento em
tecnologias mais limpas.
Como o termo “poluidor” juridicamente está conectado a uma conduta ilícita (ar-
tigo 3º, incs. III e IV, da Lei n. 6.938/81), a nomenclatura empregada para o princípio
em comento está equivocada. O acesso causando impacto nem sempre será poluição, de
acordo com a definição legal do termo contida no artigo 3º, inc. III, da Lei n. 6.938/81.
Por isso, parece mais apropriado a utilização do termo “impactador-poluidor”, do que
“poluidor-pagador”. Toda atividade pode impactar o meio, mas nem todo impacto será
considerado poluição. Para ser considerado poluição, é preciso que o impacto prejudi-
que “a saúde, a segurança e o bem-estar da população; ou que afete “desfavoravelmente a
biota”, ou que afete “as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente”, ou ainda que
lance “matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”. (artigo
3º, da Lei n. 6.938/81).
Portanto, o termo poluição está intimamente ligado à noção de uma conduta ilícita.
Ao passo que, impacto, ainda que em prejuízo das condições naturais do meio, pode ser
admitido em graus e medidas previstas em normas e regulamentos próprios.

PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO

O direito ambiental inaugura um tipo de demanda específica pela regulação de con-


dutas antes mesmo da efetiva ocorrência de um dano ou da mera potencialidade de
dano. Com isso, passa a exigir instrumentos sofisiticados de decisão diferenciados de
outras áreas do direito. O simples risco, ligado ou não à concretude e à iminência da
ocorrência de um dano, é suficiente para demandar uma resposta regulatória em ma-
téria ambiental. Diante da potencialidade do impacto e da natureza do bem protegido
(público de uso comum), o recurso retórico embasado no incerto não pode ser funda-
mento para omissão regulatória sobre a matéria. Esta premissa é a tradução da espinha
dorsal do direito ambiental: o princípio da precaução.
Surge, então, um direito tipicamente de risco, com princípios, normas e regulamen-
tos próprios e bastante peculiares às circunstâncias que este direito se propõe a tutelar. A

FGV DIREITO RIO 32


DIREITO AMBIENTAL

noção de risco sobre a qual está construída a teoria do direito ambiental se espraia para
outros ramos do direito, como o da concorrência, penal, médico, consumidor, entre
outros. Diante da potencialidade de eventual dano e da sua característica de irreparabi-
lidade, a aversão e o controle de determinadas situações de risco assume contornos de
verdadeiro direito material, tutelado, inclusive, pela ordem constitucional.
Portanto, o recurso à precaução, à prevenção e à análise custo-benefício, passa a ser
ferramenta de instrumentalização dos chamados direitos de risco. Na prática, isto quer
dizer que a incerteza sobre determinado resultado, diante da complexidade do bem
tutelado, da potencialidade de eventual dano e da sua característica de irreversibilidade,
demandam do direito uma resposta regulatória a priori, ainda que inexistente a iminên-
cia do dano ou do dano propriamente considerado.
Na prática, isso quer dizer maior intervenção seja do Estado, seja dos mecanismos
privados de minimização de risco e administração de incertezas. Como instrumento
decisório, esta premissa teórica se traduz em uma regra de reconhecimento do risco e
regulação da incerteza para se evitar a concretização de eventual externalidade negativa
irreparável ou de difícil reparação. A precaução autoriza, assim, maior presença e con-
trole da atividade empreendedora antes mesmo da ocorrência de um dano.
As vantagens de uma maior intervenção são tão desafiadoras quanto o estudo das
conseqüências socioeconomicas para os casos de excesso de precaução. Como o para-
digma ambiental impõe restrições a diversas atividades econômicas que, por sua vez, são
essenciais para a promoção de políticas sociais inclusivas e abrangentes, a percepção do
risco e do grau de disposição para assumi-los de cada sociedade é bastante distinto e,
dependendo de maior ou menor aversão a situações de incerteza, pode significar maior
ou menor desenvolvimento e maior ou menor degradação ambiental. Como num in-
vestimento financeiro, quanto maior o risco assumido, maior tende ser a realização do
lucro. Quanto mais conservadora for a opção, mais seguro será a operação, mas menor
também será o resultado final.
O grau de aceitação dos riscos em matéria ambiental no Brasil está juridicamente re-
fletido e vinculado às disposições que constam do artigo 225, da Constituição Federal,
ao disposto na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e nos diversos
diplomas legais que lidam setorialmente obedecendo uma divisão por microbem, ser-
viço ou recurso ambiental. A instrumentalização do grau aceitável de risco é feito por
meio de resoluções e normativas dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA). Finalmente, o controle do grau de risco juridicamente permi-
tido e socialmente desejável é função atribuída ao Poder Judiciário.
Diante do que se expôs, é possível caracterizar a precaução e prevenção de acordo
com o grau de incerteza sobre o dano e/ou a extensão do dano no caso concreto.
O princípio da precaução orienta a intervenção do Poder Publico diante de evidên-
cias concretas de ocorrência de um dano “x” (ou da extensão do dano “x”) como fruto
de uma ação ou omissão “y”. Porém, a certeza quanto ao dano “x” (ou quanto à extensão
do dano “x”) não existe, não passando de mera suspeita. Em outras palavras, adotando-
se uma ação ou deixando-se de adotar uma ação “y”, há um indício de ocorrência de
um dano “x”, mas não a certeza quanto a sua ocorrência e/ou extensão. A precaução
sugere, então, medidas racionais que incluem a imposição de restrições temporárias e o

FGV DIREITO RIO 33


DIREITO AMBIENTAL

compromisso da continuação de pesquisas técnicas e científicas para a comprovação do


nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o resultado danoso imaginado.
No que diz respeito ao princípio da prevenção, a sua contextualização segue a mes-
ma linha, entretanto, há a certeza de que se a ação ou omissão “y” ocorrer, ocorrerá
também o dano “x”. Nesse caso, impõem-se a proibição, mitigação ou compensação da
ação ou omissão “y” como forma de evitar a ocorrência do dano ambiental.

PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO

Diante da complexidade do bem ambiental, toda vez que danificado, complexa


também será a reparação dos estragos realizados. O Direito Ambiental enfatiza em sua
essência sempre a precaução e a prevenção. Mas, diante da ocorrência de um dano e na
medida do possível, prevalece e impõe-se a preferência pela reparação ao estado ante-
rior. Apenas na impossibilidade de recuperação do ambiente ao estado anterior é que,
subsidiariamente, a obrigação se converte em indenização e/ou em medidas de com-
pensação. O princípio garantidor da restauração do ambiente degradado é o princípio
da reparação.
No particular, o princípio da recuperação se diferencia do princípio do impactador –
poluidor, pois que tem natureza compensatória do dano produzido. Ao contrário, pelo
acesso causando impacto, a aplicação do princípio comumente denominado poluidor-
pagador tem natureza econômica de fomentar ações pautadas pela razoabilidade e racio-
nalidade do acesso. Quando aplicado na esfera administrativa, por conduta ou omissão
ilícita, o princípio poluidor-pagador se diferencia do princípio da reparação pela sua
natureza punitiva.

PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA PARTICIPAÇÃO

A Constituição Federal brasileira de 1988, no caput do seu art. 225, impõem ao


Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações. Ou seja, se à coletividade é previsto o dever de defender e
preservar o meio ambiente, esta obrigação somente poderá ser exigida com a garantia
da participação da sociedade como um todo. Para que a participação (que pode ser
materializada através de consultas e audiências públicas, por exemplo) seja qualificada é
imperioso garantir-se o direito à informação ambiental.
O art. 5º, inc. XIV, da Constituição Federal, assegura a todos o acesso à informação.
No âmbito ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) estabele-
ce, no art. 4º, inc. V, como um de seus objetivos a divulgação de dados e informações
ambientais e, além disso, fixa como um dos instrumentos, previsto no art. 9º, inc. XI,
a garantia da prestação de informações relativas ao meio ambiente, ficando o Poder
Público obrigado a produzir tais informações, quando inexistentes. A Declaração do
Rio de Janeiro de 1992, também consagra o princípio em comento (Princípio 10 da
Declaração).

FGV DIREITO RIO 34


DIREITO AMBIENTAL

O direito à informação deve ser entendido em sua concepção geral, abran-


gendo o acesso a informações sobre atividades e materiais perigosos, assim como
o direito às informações processuais, tanto no âmbito judicial quanto na esfera
administrativa.

PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO

Este princípio está intimamente ligado à solução do problema da tragédia do bem


comum, característica dos bens de uso comum do povo. Em síntese, significa que em
um ambiente sem regulação (ou intervenção estatal) o comportamento racional hu-
mano tenderia ao esgotamento dos recursos naturais. Isso porque, se o acesso aos bens,
recursos e serviços ambientais não for regulado, a utilização gratuita por um indivíduo
implica na privatização do lucro e na divisão da perda.
Logo, se uma determinada área não for preservada por lei, o simples apelo a sua im-
portância ecológica para o ecossistema da região e para o bem-estar da população não
é suficiente para influenciar o comportamento do indivíduo racional. Esse indivíduo
agindo racionalmente tenderá a utilizar a área para maximizar o seu ganho individual, e
o custo ambiental da utilização da mesma área é compartilhado com toda a sociedade.
Essa constatação clama pela intervenção de um gestor para os bens, serviços e recursos
ambientais compartilhados por toda a sociedade. Por isso, estabelece o artigo 225, da
Constituição Federal de 1988, ser dever do Poder Público, a garantia do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
O princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público se assemelha em
muito à teoria do public trust doctrine do direito norte-americano. Significa, de for-
ma bastante resumida, que a titularidade dos bens, recursos e serviços ambientais é
da população (“todos”), e o gestor é o Poder Público. No caso brasileiro, a gestão é de
responsabilidade do Poder Público das três esferas da Federação, mais o Distrito Federal
(artigos 23 e 24 da Constituição Federal de 1988).

ATIVIDADES

1. O que distingue os princípios da precaução e da prevenção?


2. De que forma o princípio da precaução se aplica ao caso União Federal e
Monsanto vs. IDEC e Greenpeace, cuja ementa é transcrita abaixo?
3. O que se entende por princípio da participação? Qual é a sua importância e
relevância prática?
4. Qual é a natureza jurídica e justificativa do princípio do poluidor-pagador?
5. De que forma princípios gerais como o da razoabilidade e proporciona-
lidade se relacionam com a instrumentalização dos princípios de direito
ambiental?

FGV DIREITO RIO 35


DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Declaração de Esto-


colmo de 1972);
2. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Declaração do Rio de Janeiro de 1992);
3. Constituição Federal, Artigo 225;
4. Lei 6.938/1981;
5. Lei 9.605/1998;
6. Lei 10.650/2003.

Leitura Indicada

Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª Edição, Editora Ma-
lheiros (2008), pp. 57-72 e 74-108.18

Doutrina

Utilidade dos Princípios

Apesar de terem um conteúdo relativamente vago, quando comparado com o conteúdo,


muito concreto, de uma norma, a utilidade dos princípios reside fundamentalmente:

• em serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucio-
nais ou ilegais as disposições legais ou regulamentares ou os atos administrativos que
os contrariem;
• no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas e,
finalmente, na sua capacidade de integração de lacunas19.

José Joaquim Gomes Canotilho [coordenador], Introdução ao Direito do Ambien-


te, Universidade Aberta [1998], p. 43.)

Jurisprudência

TRF 1ª Região, AC 2000.01.00.014661-1-DF (Apelantes: União Federal e Mon- 18. O autor descreve em detalhes
santo do Brasil Ltda., Apelados: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor [IDEC] cada um dos principais princípios for-
madores do direito ambiental.
e Associação Civil Greenpeace), 8/ago./2000. 19. Uma lacuna é a não previsão de
um caso na lei e a integração da lacuna
consiste na criação da disciplina jurídica
para aquele caso concreto.

FGV DIREITO RIO 36


DIREITO AMBIENTAL

Ementa:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CAUTELAR – LIBE-


RAÇÃO DO PLANTIO E COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA GENÉTICAMENTE
MODIFICADA (SOJA ROUND UP READY), SEM O PRÉVIO ESTUDO DE IM-
PACTO AMBIENTAL – ART. 225. § 1º, IV, DA CF/88 C/C ARTS. 8º, 9º E 10º, §
4º, DA LEI Nº 6.938/81 E ARTS 1º, 2º, CAPUTE E § 1º, 3º, 4º E ANEXO I, DA
RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237/97 – INEXISTÊNCIA DE NORMA REGULA-
MENTADORA QUANTO À LIBERAÇÃO E DESCARTE, NO MEIO AMBIEN-
TE, DE OGM – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E DA INSTRUMENTALIDADE
DO PROCESSO CAUTELAR – PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PE-
RICULUM IN MORA – PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO IN
MORA – PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO – INEXISTÊNCIA
DE JULGAMENTO EXTRA PETITA – ART. 808, III, DO CPC – INTELIGÊNCIA.

I – Improcedência da alegação de julgamento extra petita, mesmo porque, na ação


cautelar, no exercício do poder geral de cautela, pode o magistrado adotar providência
não requerida e que lhe pareça idônea para a conservação do estado de fato e de direito
envolvido na lide.
II – A sentença de procedência da ação principal não prejudica ou faz cessar a eficá-
cia da ação cautelar, que conserva a sua eficácia na pendência do processo principal – e
não apenas até a sentença – mesmo porque os feitos cautelar e principal têm natureza e
objetivos distintos. Inteligência do art. 808, II, do CPC.
III – Se os autores só reconhecem ao IBAMA a prerrogativa de licenciar atividades
potencialmente carecedoras de degradação ambiental, não há suporte à conclusão de
que a mera expedição de parecer pela CNTBio, autorizando o plantio e a comerciali-
zação de soja transgênica, sem o prévio estudo de impacto ambiental, possa tornar sem
objeto a ação cautelar, na qual os autores se insurgem, exatamente, contra o aludido
parecer.
IV – O art. 225 da CF/88 erigiu o meio ambiente ecologicamente equilibrado “a
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”, incumbindo ao poder Público, para assegurar a efetividade desse direito,
“exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a
que se dará publicidade” (art. 225,§ 1º, IV, da CF/88).
V – A existência do fumus boni iuris ou da probabilidade de tutela, no processo prin-
cipal, do direito invocado, encontra-se demonstrada especialmente:
a) pelas disposições dos arts. 8º, 9º e 10º, § 4º, da Lei nº 6.938, de 31/08/81 –
recepcionada pela CF/88 – e dos arts. 1º, 2º, caput e § 1º, 3º, 4º e Anexo I da Re-
solução CONAMA nº 237/97, à luz das quais se infere que a definição de “obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”,
a que se refere o art. 225, § 1º, IV, da CF/88, compreende “a introdução de espécies
exóticas e/ou geneticamente modificadas”, tal como consta do Anexo I da aludida

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DIREITO AMBIENTAL

Resolução CONAMA nº 237/97, para a qual, por via de conseqüência, necessário


o estudo prévio de impacto ambiental, para o plantio, em escala comercial, e a co-
mercialização de sementes de soja geneticamente modificadas, especialmente ante
séria dúvida quanto à Constitucionalidade do art. 2º, XVI, do Decreto nº 1.752/95,
que permite à CNTBio dispensar o prévio estudo de impacto ambiental – de com-
petência do IBAMA – em se tratando de liberação de organismos geneticamente
modificados, no meio ambiente, em face do veto presidencial à disposição constante
do projeto da Lei nº 8.974/95, que veiculava idêntica faculdade outorgada à CN-
TBio. Precedente do STF (ADIN nº 1.086-7/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, in DJU
de 16/09/94, pág. 24.279); c) pela vedação contida no art. 8º, VI, da Lei 8.974/95,
diante da qual se conclui que a CNTBio deve expedir, previamente, a regulamenta-
ção relativa à liberação e descarte, no meio ambiente, de organismos geneticamente
modificados, sob pena de se tornarem ineficazes outras disposições daquele diploma
legal, pelo que, à máquina de norma regulamentadoras a respeito do assunto, até o
momento presente, juridicamente relevante é a tese de impossibilidade de autoriza-
ção de qualquer atividade relativa à introdução de OGM no meio ambiente; d) Pelas
disposições dos arts. 8º, VI, e 13, V, da Lei nº 8.974/95, que sinalizam a potenciali-
dade lesiva de atividade cujo descarte ou liberação de OGM, no meio ambiente, sem
a observância das devidas cautelas regulamentares, pode causar, desde incapacidade
para as ocupações habituais por mais de 30 dias e lesão corporal grave, até a morte,
lesão ao meio ambiente e lesão grave ao meio ambiente, tal como previsto no art. 13,
§§ 1º a 3º, da Lei nº 8.974/95, tipificando-se tais condutas como crimes e impondo-
lhes severas penas.
IV – A existência de uma situação de perigo recomenda a tutela cautelar, no intui-
to de se evitar – em homenagem aos princípios da precaução e da instrumentalidade
do processo cautelar –, até o deslinde da ação principal, o risco de dano irreversível e
irreparável ao meio ambiente e à saúde pública, pela utilização de engenharia genética
no meio ambiente e em produtos alimentícios, sem a adoção de rigorosos critérios de
segurança.
VII – Homologação do pedido de desistência do IBAMA para figurar no pólo ativo
da lide, em face da superveniência da Medida Provisória nº 1.984-18, de 01/06/2000.
VIII – Preliminares rejeitadas, Apelações e remessa oficial, tida como interposta,
improvidas.

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DIREITO AMBIENTAL

AULA 3. DIREITO AMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal brasileira de 1988 é um marco na defesa dos direitos e in-


teresses ambientais ao dispor em diferentes títulos e capítulos sobre a necessidade de
preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Além disso, é a
primeira vez em que a expressão “meio ambiente” aparece em uma Constituição brasi-
leira. Em capítulo específico, o de número “VI”, diversos são os conceitos e princípios
inovadores trazidos pela Carta Magna que norteiam o direito ambiental brasileiro. O
texto constitucional inova também quando divide a responsabilidade pela defesa do
meio ambiente entre o Poder Público e à coletividade, ampliando sobremaneira a im-
portância da sociedade civil organizada e, portanto, também reforçando o seu título de
“constituição cidadã”.
A seguir serão expostos alguns dos principais temas relacionados ao meio ambiente
trazidos pela Constituição Federal de 1988.

NOÇÕES DE DIREITO AO MEIO AMBIENTE (DIREITO SUBJETIVO E COLETIVO)

Segundo o art. 225, caput, da CF/88:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.

O artigo supracitado atribui a todos, indefinidamente, ou seja, qualquer cidadão re-


sidente no país, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Cria, portanto,
um direito individualizado no sentido de que pertence a cada indivíduo, um verdadeiro
direito subjetivo. O objeto desse direito é indivisível, significando que a satisfação do
direito para uma pessoa, beneficia a coletividade, bem como a lesão ao direito também
prejudica toda a coletividade.
Logo, as implicações jurídicas deste direito de natureza tão especial acabam refle-
tindo em outras áreas clássicas, como o direito da propriedade, civil, administrativo,
processual, dentre outras. Limitações na utilização da propriedade como, por exemplo,
áreas de preservação permanente e reserva legal, são reflexos da consagração deste direito
ao meio ambiente como indivisível e ao mesmo tempo de todos, legitimando cidadãos
a proporem ações populares que visem anular ato lesivo ao meio ambiente.

AÇÃO POPULAR E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Tendo em vista as peculiaridades do direito ambiental, a própria Constituição con-


sagra os mecanismos de defesa do bem ambiental. Assim, dispôs o art. 5º, inc. LXXIII,
da CF/88:

FGV DIREITO RIO 39


DIREITO AMBIENTAL

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cul-
tural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do
ônus da sucumbência.

Em relação à Ação Civil Pública, a CF/88 em seu art. 129, inc. III, atribui como
função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.”
Acontece, porém, que conforme relatado em tópico anterior, o art. 225, caput, da
CF/88 impôs à coletividade o dever de preservação e defesa do meio ambiente. Não
apareceu no texto constitucional, contudo, instrumento jurídico específico que legiti-
masse a sociedade civil organizada como instrumento auxiliar do dever imposto pela
própria Constituição, estando prevista apenas na Lei 7.347/85 (da Ação Civil Pública)
a legitimação das associações civis para a propositura da ação civil pública. O texto
constitucional apenas reitera a importância da participação da sociedade, pela utili-
zação do termo “coletividade”, no dever de defesa e preservação do meio ambiente.
Antes mesmo da Constituição Federal de 1988 e da própria Lei da Ação Civil Públi-
ca (Lei n. 7.347/85), a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) já havia
atribuído ao Ministério Público a legitimidade para atuar em defesa do meio ambiente.
Constou da parte final do § 1º, do artigo 14, da Lei n. 6.938/81, que “[o] Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil
e criminal por danos causados ao meio ambiente.” O artigo 5º, da Lei n. 7.347/85 realçou
a legitimidade do Ministério Público e das associações para a propositura da ação civil
pública e, com inciso acrescentado pela Lei n. 11.448/2007, atribui também legitimi-
dade à Defensoria Pública.
Importante notar que a legitimidade, tanto do cidadão–quanto das instituições lis-
tadas pela Lei da Ação Civil Pública, para a defesa dos direitos e interesses difusos de
proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma peculiaridade única do
direito ambiental brasileiro. Segundo a natureza do interesse e do direito protegido,
dispensa-se a necessidade de comprovação de dano ao indivíduo, em razão da natureza
difusa do direito constitucionalmente protegido. É graças à legitimidade garantida pela
Constituição Federal de 1988 e pela Lei da Ação Civil Pública que uma associação
no Estado do Rio de Janeiro contestou, com sucesso, tradições culturais no Estado de
Santa Catarina que submetiam animais à crueldade (APANDE – Associação Amigos
de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia v. Estado de Santa
Catarina, STF – Rec. Extraordinário n. 153.531-8, DJ 13/mar./1998).

NOÇÕES DE PATRIMÔNIO NACIONAL

O art. 225, § 4º, da Cf/88 optou por diferenciar alguns biomas, conferindo-lhes
especial importância e definindo-os como sendo patrimônio nacional:

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DIREITO AMBIENTAL

A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal


Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-
se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Esta designação não implicou na desapropriação das propriedades privadas e a con-


sequente incorporação das áreas como sendo integrantes do patrimônio público. A es-
pecial proteção constitucional destas áreas se deve apenas aos seus atributos e funções
ecológicas que justificam algo semelhante à noção do princípio de direito internacional
ambiental denominado common concern of humankind. Em outras palavras, diante das
características de determinados biomas, ainda que se admita a propriedade privada, o
seu usufruto deve levar em conta as funções e relevância ambiental para toda coletivida-
de, inclusive o próprio proprietário. Também não significou que outras áreas, ainda que
não mencionadas pela Constituição, não mereçam as medidas de defesa e proteção do
meio ambiente. Antunes20 explora o tema:

De fato, a Constituição não determinou uma desapropriação dos bens men-


cionados no §4º, porém, reconheceu que as relações de Direito Privado, de
propriedade e, mesmo de Direito Público, existentes sobre tais bens devem ser
exercidas com cautelas especiais. Estas cautelas especiais justificam-se e funda-
mentam-se, na medida em que os bens ambientais estão submetidos a um regime
jurídico especial, pois a fruição dos seus benefícios genericamente considerados
(que é de toda a coletividade) não pode ser limitada pelos detentores de um dos
diversos direitos que sobre eles incidem. Não é, contudo, apenas neste particular
que se manifesta o contorno do direito de propriedade. Uma de suas principais
características, certamente, é a obrigatoriedade da manutenção e preservação da
função ecológica. Tem-se, portanto, que o direito de propriedade privada sobre
os bens ambientais, não se exerce apenas no benefício do seu titular, mas em
benefício da coletividade.

Sobre a proteção da Mata Atlântica, Zona Costeira e Serra do Mar – esses dois últi-
mos pertencentes ao bioma que leva o nome do primeiro – a necessidade de se atentar
para os atributos ecológicos da região fez com o legislador infraconstitucional, depois
de mais de uma década de atraso, aprovasse a lei que levou o n. 11.428/2006 e que dis-
ciplinou os critérios de utilização e proteção da vegetação do Bioma Mata Atlântica. O
referido diploma legal, criando restrições sobre áreas dentro do Bioma Mata Atlântica,
está em perfeita sintonia com a noção de patrimônio nacional inserida pelo artigo 225,
§ 4º, da CF/88.

OUTROS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS

Também merecem menção alguns outros temas reservados ao capítulo ambiental 20. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Iu-
na Constituição Federal de 1988. Primeiro, o cuidado do legislador constituinte com a ris, 2008, pp. 551.

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DIREITO AMBIENTAL

riqueza da biodiversidade brasileira, a maior do mundo. Esta preocupação é estampada


em diversas passagens do artigo 225, da CF/88, mais especificamente nos seguintes
incisos do §1º: I, II, III e VII.
Sobre a preservação de áreas ambientalmente relevantes, o inciso III, do § 1º, do
art. 225, da CF/88, incumbiu o Poder Público de identificar e definir em todo o ter-
ritório brasileiro áreas a serem especialmente protegidas. Referido dispositivo consti-
tucional foi posteriormente regulamentado pela Lei do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (Lei n. 9.985/2000), objeto de análise mais detalhada em capítulo
seguinte.
O artigo 225, § 1º, inciso V e VII, da CF/88, implicitamente consagram o princípio
da precaução ao imporem o dever ao Poder Público de controlar “a produção, a comer-
cialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida,
a qualidade de vida e o meio ambiente.” E ainda, “proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extin-
ção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” A obrigação de controlar os riscos
faz parte de um mandamento constitucional que impede que a ausência de informação
técnica e científica seja utilizada como premissa para agir e/ou se omitir em face da
existência de riscos ambientais.
À instrumentalização da precaução e da prevenção também foi atribuída importân-
cia constitucional. A necessidade de realização de estudo prévio de impacto ambiental
para atividades com potencial de causar significativa degradação ambiental constou ex-
pressamente do artigo 225, § 1º, inciso IV, da CF/88.
A promoção da educação ambiental e a conscientização pública como instrumentos
fundamentais de qualquer política em matéria de meio ambiente foi outro ponto re-
alçado pelo texto constitucional (artigo 225, § 1º, inciso VI, da CF/88). Embora não
tenha constado no rol de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (artigo
9º, da Lei n. 6.938/81), a educação ambiental foi regulamentada pela Política Nacional
de Educação Ambiental, através da Lei n. 9.795/1999.
Outro tópico relevante para o direito ambiental brasileiro com respaldo constitucio-
nal foi a responsabilização por danos ao meio ambiente. O legislador constituinte optou
por um sistema de responsabilidade em três esferas: civil, administrativa e criminal.
Assim, a redação do artigo 225, § 3º, prevê que “[a]s condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções pe-
nais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A
base do rígido sistema da responsabilidade civil ambiental, constante da Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente de 1981 é, então, não apenas recepcionada, mas também
potencializada com a Constituição Federal de 1988. Nas esferas administrativa e penal,
a Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998), passa a ser o referencial regulatório do
referido dispositivo constitucional.
Finalmente, devido ao risco inerente às atividades nucleares, a Constituição Federal
de 1988 – também no capítulo ambiental – reservou à lei federal a definição da locali-
zação de usinas que operem com reator nuclear. Tal exigência constou do artigo 225, §
6º, da CF/88.

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DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES

1. Qual é a importância da Constituição trazer previsões de direitos e deveres


de defesa e proteção do meio ambiente?
2. Qual é a importância dada pela decisão União Federal vs. Rede de Organiza-
ções Não-Governamentais da Mata Atlântica e outros ao meio ambiente?
3. Quais são os conceitos fundamentais medidos e sopesados pelo julgado abai-
xo citado para fundamentar a decisão final?
4. Quais são os argumentos constitucionais que poderiam ter influenciado o
julgado de forma diversa do decidido?
5. Você foi consultado como consultor independente para um parecer sobre
os aspectos jurídicos, principiológicos, constitucionais e normativos para as
questões de gestão pública ambiental e interesses privados e sociais que se
apresentam no caso hipotético apresentado abaixo. Você deve apresentar de
forma fundamentada os argumentos jurídicos de como deve agir o órgão
ambiental diante dos interesses em conflito e se manifestar sobre a intenção
de alteração legislativa proposta.

Um grande proprietário rural no Estado do Pará requer junto ao órgão Estadual


competente uma licença ambiental para explorar recursos ambientais florestais e hídri-
cos. A região é muito árida e extremamente dependente de um aqüífero que tem 30%
de sua área sob a propriedade em questão. Próximo a fazenda, localiza-se uma comu-
nidade de baixa renda e que depende em grande parte dos recursos hídricos e florestais
existentes. O proprietário rural teme porque a tendência do aqüífero é se esgotar em 30
anos. No intuito de resguardar a água necessária para suas atividades por um longo perí-
odo, o proprietário pretende reservar os seus direitos à utilização do aqüífero no futuro.
Nas proximidades da propriedade rural, encontra-se uma comunidade indígena que
extrai dos recursos florestais a sua subsistência. Da mesma forma, mantém com a flores-
ta uma ligação religiosa que acompanha a cultura da tribo por séculos.
Recentemente, uma indústria de papel e celulose manifestou interesse em se instalar
na região, condicionando a decisão final ao licenciamento ambiental para utilização dos
recursos florestais. Além disso, a indústria necessitará de licença para emissão de gases
poluentes e para o lançamento de substâncias químicas em um riacho próximo. O ria-
cho é um corpo hídrico classificado como de água doce, classe 3. Para uma determinada
substância, a clorofila “a”, a indústria pretende lançar 55 ug/L. O padrão de qualidade
estabelecido para esse tipo de corpo hídrico e para esta substância específica, de acordo
com a Resolução n. 357/2005 é de 60 ug/L.
Para que a empresa possa ainda se instalar, faz-se necessário que haja um investimen-
to em unidade de conservação, conforme disposto pelo artigo 36, da Lei n. 9.985/2000,
por se tratar de atividade com potencial de causar significativo dano ambiental.
Incentivados pela possibilidade de crescimento da região, produtores de soja dese-
jam introduzir semente transgênica adquirida junto a uma multinacional norte-ame-
ricana. Diante da possibilidade de grandes negócios, a multinacional tenta junto aos
órgãos ambientais competentes a dispensa do estudo prévio de impacto ambiental que

FGV DIREITO RIO 43


DIREITO AMBIENTAL

visa apurar eventuais riscos ao meio ambiente. Sustenta que não há evidências cientí-
ficas concretas que sugiram qualquer impacto adverso. Sustenta ainda que, se autori-
zados a comercializar produto geneticamente modificado, não pode haver indicação
específica no rótulo do produto indicando ser transgênico. Por outro lado, a utilização
de pesticidas necessários para maximização da produção é comprovadamente lesiva ao
meio ambiente.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, Artigos 5º, XXIII, 170, III e IV, 129, III e 225;
2. Lei n. 11.428/2006;
3. Lei n. 9.605/1998;
4. Lei n. 9.795/1999.

Leitura Indicada

José Afonso da Silva,21 Direito Ambiental Constitucional, 7ª Edição, Editora Malheiros


[2009], pp. 43-70.

Doutrina

Meio Ambiente: bem jurídico per se

Cabe à Constituição, como lei fundamental, traçar o conteúdo e os limites da ordem


jurídica. É por isso que, direta ou indiretamente, vamos localizar na norma constitucional
os fundamentos da proteção do meio ambiente.
Tema candente, e que assumiu proporções inesperadas no século XX, com mais destaque
a partir dos anos 60, bem se compreende que Constituições mais antigas, como a norte-
americana, a francesa e a italiana, não tenham cuidado especificamente da matéria. Assim
ocorria também no Brasil, nos regimes constitucionais anteriores a 1988.
Mas, ainda que sem previsão constitucional expressa, os diversos países, inclusive o nos-
so, promulgaram (e promulgam) leis e regulamentos de proteção do meio ambiente. Isso
acontecia porque o legislador se baseava no poder geral que lhe cabia para proteger a “saúde
humana”. Aí está, historicamente, o primeiro fundamento para a tutela ambiental, ou seja,
a saúde humana, tendo como pressuposto, explícito ou implícito, a saúde ambiental.
21. O autor discorre sobre a inserção
Nos regimes constitucionais modernos, como o português (1976), o espanhol (1978) e o da questão ambiental na Constituição
Federal de 1988 e a formação de um
brasileiro (1988), a proteção do meio ambiente, embora sem perder seus vínculos originais Capítulo especificamente dedicado à
com a saúde humana, ganha identidade própria, porque é mais abrangente e compreensiva. proteção do meio ambiente, enquan-
to princípio fundamental à qualidade
Aparece o ambientalismo como direito fundamental da pessoa humana. Nessa nova perspec- de vida.

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DIREITO AMBIENTAL

tiva, o meio ambiente deixa de ser considerado um bem jurídico per accidens e é elevado à
categoria de bem jurídico per se, isto é, com autonomia em relação a outros bens protegidos
pela ordem jurídica, como é o caso da saúde humana.
(Édis Milaré, Direito do Ambiente, 4ª Edição, Editora Revista dos Tribunais [2005],
p. 180).

Jurisprudência

TRF 4ª Região, 2004.04.01049432-1/SC (Agravante: União Federal, Agravados:


Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica, Federação das Enti-
dades Ecologistas de Santa Catarina, Energética Barra Grande S/A, Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA), D.J.U. de 19/
jul./2006.

Ementa:

AGRAVO. HIDRELÉTRICA DE BARRA GRANDE. LESÃO À ORDEM E À


ECONOMIA PÚBLICAS.

1. Na via estreita da suspensão de segurança afigura-se incabível examinar, com pro-


fundidade, as questões envolvidas na lide, já que o ato presidencial não se reveste de ca-
ráter revisional, vale dizer, não se prende ao exame da correção ou equívoco da medida
que se visa suspender, mas, sim, a sua potencialidade de lesão à ordem, saúde, segurança
e economia públicas.
2. Hipótese em que a grave lesão à ordem e à economia públicas consistem na
obstrução da finalização de hidrelétrica cujo funcionamento se revela indispensável ao
desenvolvimento do país e que já implicou gastos públicos de grande monta.

FGV DIREITO RIO 45


DIREITO AMBIENTAL

AULA 4. COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS EM MATÉRIA AMBIENTAL22

A Constituição Federal de 1988 cria uma federação com três níveis de governo:
federal, estadual e municipal, todos autônomos, nos termos do art. 18.
Dentro desse modelo, aparentemente descentralizador, a Carta Magna estabelece
um complexo sistema de repartição de competência em matéria legislativa, executiva
e jurisdicional. O presente capítulo trabalha com os desafios impostos pela divisão de
competência sobre meio ambiente no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, ou
seja, a competência concorrente (legislativa); e a competência comum (de gestão).
Especificamente em relação à competência legislativa em matéria de meio ambiente, o
artigo 24 da Constituição Federal prevê ser tal prerrogativa concorrente entre União Fede-
ral, Estados e Distrito Federal. Esta é a constatação que se extrai da leitura do caput e do
inciso VI do referido dispositivo. De acordo com o mesmo artigo 24, em seus §§ 1º a 4º,
a competência concorrente deve observar alguns critérios. O primeiro deles limita o papel
da União Federal à edição de normas gerais. Seriam “normas gerais”, apesar da falta de pre-
visão conceitual constitucional a respeito, aquelas de abrangência nacional e/ou regional.23
Por sua vez, o § 2º do art. 24 da CF/88 estabelece que os Estados e o Distrito Fe-
deral – em razão do disposto no § 1º, estão restritos a suplementar as normas gerais
editadas pela União. Para efeito do juízo de aplicação da suplementariedade, segundo
entendimento do STF em alguns casos sobre a matéria, tem-se sustentado ser possível
que dispositivos legais dos Estados e do Distrito Federal se mostrem mais restritivos do
que o comando normativo geral emanado da União. Nesse sentido, “suplementar” seria
“tornar mais restrito”, embora a complexidade da questão exija soluções caso a caso.24
Apenas quando inexistente norma federal, os demais integrantes da federação esta- 22. O texto abaixo foi extraído de
artigo de co-autoria do autor elaborado
riam autorizados a legislar de forma plena sobre meio ambiente. Esta é a exegese do § como parte do projeto de pesquisa de
3º, do mesmo artigo 24, da CF/88. O exercício dessa competência concorrente plena Governança Ambiental, realizado pelo
Programa em Direito e Meio Ambien-
estaria condicionado, por certo, ao teste de adequação quando da ocorrência de norma te e Centro de Pesquisa em Direito e
Economia, ambos da Escola de Direito
federal superveniente. Quando for esse o caso, os dispositivos legais promulgados no da Fundação Getulio Vargas no Rio de
âmbito da competência concorrente plena ficam suspensos enquanto estiver vigente a Janeiro (FGV DIREITO RIO).
23. MACHADO, Paulo Affonso Leme.
norma federal emanada no âmbito da competência do § 1º, do artigo 24, da CF/88. Direito Ambiental Brasileiro. São
Por força da interpretação conjunta do artigo 30, incisos I e II, combinado com os Paulo, SP: Editora Malheiros, 2008,
p.86.
artigos 18 e o próprio 24, todos da CF/88, a extensão da competência legislativa con- 24. Ver, nesse sentido, a decisão
corrente aos Estados e ao Distrito Federal em matéria ambiental é também extensiva proferida pelo STF na ADI 3.338-7 de
31/08/2005, em que o Tribunal susten-
aos municípios. Por força da expressa atribuição de competência aos municípios de tou ser constitucional a Lei 3.460/2004
do Distrito Federal, que criou o Pro-
questões envolvendo interesse local, compete a esses entes da federação suplementar as grama de Inspeção e Manutenção de
normas federais e estaduais no que couber (art. 30, incs. I e II, da CF/88). Veículos em Uso no Distrito Federal,
entendendo serem os Estados da fe-
As questões ambientais, quando restritas às fronteiras de um município, atraem a deração competentes para disciplinar o
tema. A questão, no entanto, mostra-se
competência do legislativo local para regular as atividades descritas pelos incisos es- controvertida. Por outro lado, na ADI
pecíficos do artigo 24, da CF/88. Portanto, a racionalidade que atribui e normatiza a 2.396-9 de 26/09/2001, por exemplo,
o STF declarou inconstitucional lei
competência concorrente legislativa dos Estados e do Distrito Federal é extensiva, ainda do Estado do Mato Grosso do Sul que
vedava a fabricação, ingresso, comer-
que implicitamente, por força do disposto no artigo 30, incs. I e II, da CF/88, também cialização e estocagem de amianto ou
aos municípios. de produtos à base de amianto, pois já
existia lei federal sobre a matéria, que
Se na esfera da competência legislativa concorrente há critérios mínimos para dis- regulava as condições gerais para a
produção e comercialização de amianto
ciplinar a atuação dos entes dos diferentes níveis da federação, ainda que insuficien- (9.055/1995).

FGV DIREITO RIO 46


DIREITO AMBIENTAL

tes para gerar segurança jurídica na prática, em relação à competência de gestão, ou


administrativa, reinava uma completa ausência de regras de cooperação entre União,
Estados, Distrito Federal e Municípios. Isso gerava um ambiente de extrema inseguran-
ça jurídica que ameaçava e desafiava os sistemas de governança ambiental. Há pouco
tempo, a insegurança foi mitigada com a regulamentação do artigo 23 da CF/88, por
meio de uma lei complementar (LC n. 140/11).
Ao contrário do disposto no artigo 24, da CF/88, o artigo 23 alude a uma compe-
tência comum e não concorrente, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para,
entre outras finalidades, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer das
suas formas”.25 Tendo em vista a inexistência de relação hierárquica entre os entes fede-
rativos, a teor do que dispõe o artigo 18 da CF/88, todos são competentes para a gestão
dos bens, recursos e serviços ambientais dentro dos seus respectivos limites territoriais.
O problema maior, contudo, reside em que os bens objetos da tutela ambiental
apresentam interconectividade bastante peculiar e, portanto, raramente obedecem aos
limites impostos pelas fronteiras geopolíticas. Atento a esta realidade jurídica e fática, o
legislador constituinte fez constar do parágrafo único do artigo 23, da CF/88, que lei
complementar poderá dispor sobre regras de cooperação para a competência comum
de gestão. Essa lei complementar só foi editada no final de 2011, ou seja, mais de vinte
anos após a promulgação da Constituição. A LC n. 140/2011 veio para fixar normas
“nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constitui-
ção Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à prote-
ção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no
6.938, de 31 de agosto de 1981.”
Durante os vinte anos de ausência de diploma legal específico tratando sobre regras
de cooperação para a gestão dos bens, serviços e recursos naturais, a doutrina e a ju- 25. Artigo 23, inciso VI, da Constitui-
risprudência ficaram reféns de diversas formas de interpretação de regras que vinham ção Federal de 1988.
26. “Como a Lei no 6.938/81 é anterior
contidas em uma Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). à Constituição vigente é necessário
O CONAMA, aproveitando-se da sua competência atribuída pela Lei n. 6.938, de 31 que se defina como ela foi recebida
pela Nova Carta. Se for construída uma
de agosto de 1981 (Lei da Política Nacional de Meio Ambiente), dispôs sobre regras de teoria que entenda que a sua recepção
ocorreu como lei geral, muitas questões
cooperação sobre o mais importante instrumento de gestão, o licenciamento ambiental. começam a encontrar uma solução jurí-
Por ser uma resolução (embora baseada em lei ordinária) que termina por realizar, para dica. Além da recepção como lei geral,
seria conveniente que, à semelhança
o tema do licenciamento, uma verdadeira divisão de competência entre entes federati- do Código Tributário Nacional, a PNMA
fosse reconhecida pelos tribunais bra-
vos – tema esse tipicamente de sede constitucional – a solução proposta não foi aceita sileiros como a Lei Complementar tra-
de forma unânime pela jurisprudência e pela doutrina. tada no parágrafo único do artigo 23
da C.F. Com isto, a inércia do Congresso
De fato, há quem sustente que a Lei 6.938/81 teria sido recepcionada como lei Nacional seria suprida judicialmente e
muitas questões práticas poderiam ser
complementar pela Constituição Federal, a exemplo do que ocorreu com o Código resolvidas, em benefício da nação. Seria
Tributário Nacional.26 Contudo, por carecer de pacificação jurisprudencial, esse argu- de todo conveniente que o Supremo
Tribunal Federal firmasse uma orienta-
mento também não é suficiente para sanar os problemas de insegurança do sistema de ção para a questão; o que, certamente,
asseguraria um nível maior de estabili-
comando e controle ambiental no Brasil. Com a edição da LC n. 140/2011, pele menos dade e certeza na aplicação das normas
em tese, a insegurança jurídica causada pela falta de regulamentação específica teria de direito ambiental.” ANTUNES, Paulo
de Bessa. Política Nacional do Meio Am-
sido solucionada. Resta saber como será a aplicação prática do referido diploma legal. biente – Comentários à Lei 6.938, de 31
de agosto de 1981. Editora Lumen Juris,
Apenas o tempo poderá responder. Rio de Janeiro, 2005. p. 08.

FGV DIREITO RIO 47


DIREITO AMBIENTAL

Quando conjugadas, a falta de clareza quanto aos critérios da competência legisla-


tiva concorrente e a ausência de uniformização para solucionar os conflitos práticos da
competência administrativa comum, causam também problemas e refletem nas ques-
tões de competência jurisdicional. Não raras são as vezes em que há conflito entre o Mi-
nistério Público Federal e o Estadual sobre a legitimação para condução de inquéritos e
propositura das medidas judiciais cabíveis. Por sua vez, frequentes são os casos também
de conflitos de competência entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal.27
Um eficiente sistema de governança depende de regras de procedimento e de gestão
claras e objetivas. Os conflitos causados pelas falhas do regime jurídico de competências
em matéria ambiental desafiam a eficiência dos órgãos legislativos, executivos e de adju-
dicação em matéria ambiental. A inoperância institucional por falta de clareza em maté-
rias atinentes às competências gera sérias ineficiências no sistema de comando e controle.
De todo modo, independente dos conflitos práticos que este complexo e falho
quadro regulatório em matéria de competência suscita, parte-se do referencial teórico
idealizado pela Constituição Federal de 1988, ou seja: à União Federal fica reservada
a competência para editar normas de aplicação geral e aos Estados, Distrito Federal
e Municípios, a competência suplementar (legislativa). A gestão é compartilhada por
todos os entes de forma comum. As regras de cooperação para a competência comum
ficam a cargo da LC n. 140/11.
Na prática, como a maior parte dos microbens ambientais já se encontram regulados
por lei federal (ar, água, florestas, solo, etc.), na esfera legislativa, a atuação dos Estados,
Distrito Federal e Municípios é mais de repetição e suplementariedade do que de ino-
vação (competência plena).
Por outro lado, por estarem mais próximos dos bens, recursos e serviços ambientais,
a atuação dos Estados, Distrito Federal e Municípios é bastante destacada na área de
gestão, reservando-se à União a atuação sobre obras e atividades de impacto nacional ou
que possam afetar áreas sob seu domínio, a teor da nova orientação da LC n. 140/11.

LEI COMPLEMENTAR Nº 140, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011

Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo
único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas de-
correntes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisa-
gens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição
em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora;
e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta 27. Este tema já foi objeto de várias
decisões do Supremo Tribunal Federal
e eu sanciono a seguinte Lei Complementar: no que tange, por exemplo, à discus-
são sobre qual a Justiça competente
(federal ou estadual) para conhecer e
julgar determinados crimes ambien-
tais. Ver, dentre outros, RE 349.184, j.
em 03.12.2002.

FGV DIREITO RIO 48


DIREITO AMBIENTAL

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Esta Lei Complementar fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do
caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decor-
rentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas
formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
Art. 2o Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se:
I – licenciamento ambiental: o procedimento administrativo destinado a licenciar
atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou poten-
cialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental;
II – atuação supletiva: ação do ente da Federação que se substitui ao ente federativo
originariamente detentor das atribuições, nas hipóteses definidas nesta Lei Comple-
mentar;
III – atuação subsidiária: ação do ente da Federação que visa a auxiliar no desempe-
nho das atribuições decorrentes das competências comuns, quando solicitado pelo ente
federativo originariamente detentor das atribuições definidas nesta Lei Complementar.
Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei
Complementar:
I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do
meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e
a redução das desigualdades sociais e regionais;
III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de
atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir
uma atuação administrativa eficiente;
IV – garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as
peculiaridades regionais e locais.

CAPÍTULO II
DOS INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO
Art. 4o Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumen-
tos de cooperação institucional:
I – consórcios públicos, nos termos da legislação em vigor;
II – convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com
órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal;
III – Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bi-
partite do Distrito Federal;
IV – fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos;
V – delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos
previstos nesta Lei Complementar;

FGV DIREITO RIO 49


DIREITO AMBIENTAL

VI – delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro,


respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar.
§ 1o Os instrumentos mencionados no inciso II do caput podem ser firmados com
prazo indeterminado.
§ 2o A Comissão Tripartite Nacional será formada, paritariamente, por representan-
tes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre
os entes federativos.
§ 3o As Comissões Tripartites Estaduais serão formadas, paritariamente, por repre-
sentantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e dos Municípios, com o ob-
jetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes
federativos.
§ 4o A Comissão Bipartite do Distrito Federal será formada, paritariamente, por
representantes dos Poderes Executivos da União e do Distrito Federal, com o objetivo
de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre esses entes fede-
rativos.
§ 5o As Comissões Tripartites e a Comissão Bipartite do Distrito Federal terão sua
organização e funcionamento regidos pelos respectivos regimentos internos.
Art. 5o O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações
administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário
da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrati-
vas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.
Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do dis-
posto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente
habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a
serem delegadas.

CAPÍTULO III
DAS AÇÕES DE COOPERAÇÃO
o
Art. 6 As ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios deverão ser desenvolvidas de modo a atingir os objetivos previstos no art.
3o e a garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as
políticas governamentais.
Art. 7o São ações administrativas da União:
I – formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do
Meio Ambiente;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;
III – promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente nos âmbi-
tos nacional e internacional;
IV – promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da adminis-
tração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relaciona-
dos à proteção e à gestão ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à Política Nacio-
nal do Meio Ambiente;

FGV DIREITO RIO 50


DIREITO AMBIENTAL

VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e


à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII – promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com as de
Recursos Hídricos, Desenvolvimento Regional, Ordenamento Territorial e outras;
VIII – organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da administra-
ção pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Sistema Nacional de
Informação sobre Meio Ambiente (Sinima);
IX – elaborar o zoneamento ambiental de âmbito nacional e regional;
X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI – promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,
na forma da lei;
XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;
XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na
zona econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União,
exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
f ) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato
do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, con-
forme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor
material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer
de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nu-
clear (Cnen); ou
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de pro-
posição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte,
potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;
XV – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações suces-
soras em:
a) florestas públicas federais, terras devolutas federais ou unidades de conservação
instituídas pela União, exceto em APAs; e
b) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente,
pela União;
XVI – elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção e de
espécies sobre-explotadas no território nacional, mediante laudos e estudos técnico-
científicos, fomentando as atividades que conservem essas espécies in situ;

FGV DIREITO RIO 51


DIREITO AMBIENTAL

XVII – controlar a introdução no País de espécies exóticas potencialmente invasoras


que possam ameaçar os ecossistemas, habitats e espécies nativas;
XVIII – aprovar a liberação de exemplares de espécie exótica da fauna e da flora em
ecossistemas naturais frágeis ou protegidos;
XIX – controlar a exportação de componentes da biodiversidade brasileira na forma
de espécimes silvestres da flora, micro-organismos e da fauna, partes ou produtos deles
derivados;
XX – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas;
XXI – proteger a fauna migratória e as espécies inseridas na relação prevista no inciso XVI;
XXII – exercer o controle ambiental da pesca em âmbito nacional ou regional;
XXIII – gerir o patrimônio genético e o acesso ao conhecimento tradicional associa-
do, respeitadas as atribuições setoriais;
XXIV – exercer o controle ambiental sobre o transporte marítimo de produtos pe-
rigosos; e
XXV – exercer o controle ambiental sobre o transporte interestadual, fluvial ou ter-
restre, de produtos perigosos.
Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja localização compre-
enda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de
atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por
ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, asse-
gurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Co-
nama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade
ou empreendimento.
Art. 8o São ações administrativas dos Estados:
I – executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional do Meio Am-
biente e demais políticas nacionais relacionadas à proteção ambiental;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;
III – formular, executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Estadual de
Meio Ambiente;
IV – promover, no âmbito estadual, a integração de programas e ações de órgãos e
entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, relacionados à proteção e à gestão ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Na-
cional e Estadual de Meio Ambiente;
VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e
à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII – organizar e manter, com a colaboração dos órgãos municipais competentes, o
Sistema Estadual de Informações sobre Meio Ambiente;
VIII – prestar informações à União para a formação e atualização do Sinima;
IX – elaborar o zoneamento ambiental de âmbito estadual, em conformidade com
os zoneamentos de âmbito nacional e regional;
X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI – promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a proteção do meio ambiente;

FGV DIREITO RIO 52


DIREITO AMBIENTAL

XII – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e


substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,
na forma da lei;
XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados;
XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos uti-
lizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob
qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o;
XV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos lo-
calizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto
em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações suces-
soras em:
a) florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em
Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas no inciso XV do art. 7o; e
c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente,
pelo Estado;
XVII – elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção no
respectivo território, mediante laudos e estudos técnico-científicos, fomentando as ati-
vidades que conservem essas espécies in situ;
XVIII – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas destinadas
à implantação de criadouros e à pesquisa científica, ressalvado o disposto no inciso XX
do art. 7o;
XIX – aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre;
XX – exercer o controle ambiental da pesca em âmbito estadual; e
XXI – exercer o controle ambiental do transporte fluvial e terrestre de produtos
perigosos, ressalvado o disposto no inciso XXV do art. 7o.
Art. 9o São ações administrativas dos Municípios:
I – executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as Políticas Nacional e Estadual
de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais relacionadas à proteção do
meio ambiente;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições;
III – formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio Ambiente;
IV – promover, no Município, a integração de programas e ações de órgãos e enti-
dades da administração pública federal, estadual e municipal, relacionados à proteção
e à gestão ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Na-
cional, Estadual e Municipal de Meio Ambiente;
VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e
à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII – organizar e manter o Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambiente;
VIII – prestar informações aos Estados e à União para a formação e atualização dos
Sistemas Estadual e Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;

FGV DIREITO RIO 53


DIREITO AMBIENTAL

IX – elaborar o Plano Diretor, observando os zoneamentos ambientais;


X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI – promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,
na forma da lei;
XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município;
XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Com-
plementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipo-
logia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados
os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em
Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
XV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei
Complementar, aprovar:
a) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em flo-
restas públicas municipais e unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto
em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e
b) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em em-
preendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município.
Art. 10. São ações administrativas do Distrito Federal as previstas nos arts. 8o e 9o.
Art. 11. A lei poderá estabelecer regras próprias para atribuições relativas à auto-
rização de manejo e supressão de vegetação, considerada a sua caracterização como
vegetação primária ou secundária em diferentes estágios de regeneração, assim como a
existência de espécies da flora ou da fauna ameaçadas de extinção.
Art. 12. Para fins de licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes,
sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, e para autorização de supressão e
manejo de vegetação, o critério do ente federativo instituidor da unidade de conserva-
ção não será aplicado às Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
Parágrafo único. A definição do ente federativo responsável pelo licenciamento e
autorização a que se refere o caput, no caso das APAs, seguirá os critérios previstos nas
alíneas “a”, “b”, “e”, “f ” e “h” do inciso XIV do art. 7o, no inciso XIV do art. 8o e na
alínea “a” do inciso XIV do art. 9o.
Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambien-
talmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabele-
cidas nos termos desta Lei Complementar.
§ 1o Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão respon-
sável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e
procedimentos do licenciamento ambiental.

FGV DIREITO RIO 54


DIREITO AMBIENTAL

§ 2o A supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada


pelo ente federativo licenciador.
§ 3o Os valores alusivos às taxas de licenciamento ambiental e outros serviços afins
devem guardar relação de proporcionalidade com o custo e a complexidade do serviço
prestado pelo ente federativo.
Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para trami-
tação dos processos de licenciamento.
§ 1o As exigências de complementação oriundas da análise do empreendimento ou
atividade devem ser comunicadas pela autoridade licenciadora de uma única vez ao
empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos.
§ 2o As exigências de complementação de informações, documentos ou estudos fei-
tas pela autoridade licenciadora suspendem o prazo de aprovação, que continua a fluir
após o seu atendimento integral pelo empreendedor.
§ 3o O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental,
não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra,
mas instaura a competência supletiva referida no art. 15.
§ 4o A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência míni-
ma de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respec-
tiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do
órgão ambiental competente.
Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administra-
tivas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses:
I – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Esta-
do ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais
ou distritais até a sua criação;
II – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Mu-
nicípio, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua cria-
ção; e
III – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no
Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua
criação em um daqueles entes federativos.
Art. 16. A ação administrativa subsidiária dos entes federativos dar-se-á por meio de
apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas
de cooperação.
Parágrafo único. A ação subsidiária deve ser solicitada pelo ente originariamente
detentor da atribuição nos termos desta Lei Complementar.
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, confor-
me o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e
instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental
cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1o Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental de-
corrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva
ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o
caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.

FGV DIREITO RIO 55


DIREITO AMBIENTAL

§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o


ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-
la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para
as providências cabíveis.
§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos
da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades
efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legisla-
ção ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão
que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 18. Esta Lei Complementar aplica-se apenas aos processos de licenciamento e
autorização ambiental iniciados a partir de sua vigência.
§ 1o Na hipótese de que trata a alínea “h” do inciso XIV do art. 7o, a aplicação desta Lei
Complementar dar-se-á a partir da entrada em vigor do ato previsto no referido dispositivo.
§ 2o Na hipótese de que trata a alínea “a” do inciso XIV do art. 9o, a aplicação desta Lei
Complementar dar-se-á a partir da edição da decisão do respectivo Conselho Estadual.
§ 3o Enquanto não forem estabelecidas as tipologias de que tratam os §§ 1o e 2o
deste artigo, os processos de licenciamento e autorização ambiental serão conduzidos
conforme a legislação em vigor.
Art. 19. O manejo e a supressão de vegetação em situações ou áreas não previstas
nesta Lei Complementar dar-se-ão nos termos da legislação em vigor.
Art. 20. O art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, passa a vigorar com a
seguinte redação:
“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos
e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores
ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio
licenciamento ambiental.
§ 1o Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão pu-
blicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circula-
ção, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o (Revogado).” (NR)
Art. 21. Revogam-se os §§ 2º, 3º e 4º do art. 10 e o § 1o do art. 11 da Lei no 6.938,
de 31 de agosto de 1981.
Art. 22. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de dezembro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.

DILMA ROUSSEFF
Francisco Gaetani

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.12.2011 – e retificado em


12.12.2011

FGV DIREITO RIO 56


DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES

1. Qual é a diferença entre competência administrativa e competência legisla-


tiva?
2. Quais são os dispositivos constitucionais específicos que fundamentam esta
repartição de competências?
3. A União é competente para legislar em matéria que verse sobre proteção e de-
fesa do meio ambiente? Em caso afirmativo, de que forma esta competência
da União é exercida?
4. Podem os Estados legislar sobre defesa e proteção do meio ambiente? Em
quais situações?
5. Podem os municípios legislar sobre defesa e proteção do meio ambiente? Em
quais situações?
6. Em matéria de competência suplementar dos Estados, na ausência de le-
gislação específica da União, pode o Estado ocupar o espaço com legislação
estadual em matéria de defesa e proteção do meio ambiente? E o município?
7. Questão retirada do 20º Concurso para Procurador da República28:
Assinale a alternativa correta:
a. o combate à poluição, em qualquer de suas formas, é de competência exclu-
siva da União;
b. situa-se no âmbito da legislação concorrente a competência para legislar so-
bre proteção do meio ambiente;
c. tendo em vista o princípio da descentralização administrativa, é de compe-
tência exclusiva dos Estados-membros a preservação das florestas;
d. nenhuma das alternativas está correta.
8. Resolva o caso transcrito abaixo:
Uma indústria de papel e celulose (IPC) contrata o seu Escritório para uma consulta
sobre alguns temas ambientais que podem afetar diretamente as atividades da empresa
no Estado de Santa Catarina. Nessa consulta, o diretor jurídico não quer uma defesa.
Deseja esclarecimentos sobre alguns pontos para que possa encaminhar um parecer ao
Conselho de Administração.
A IPC é proprietária de diversas propriedades rurais dedicadas ao reflorestamento de
eucalipto, além de um grande parque industrial no Estado de Santa Catarina. No fim
do mês de março, a Assembléia Legislativa do Estado aprovou o Código Estadual do
Meio Ambiente. Alguns dispositivos deste Código sugerem uma mudança em relação
à normas ambientais já vigentes. Diante da competência constitucional dos Estados
em matéria ambiental, o diretor jurídico contrata esta consulta, fundamentada em leis
federais, estaduais e normas vigentes para que possa passar uma sugestão de gestão ao
Conselho de Administração. Abaixo, encontra-se listado o tópico que pretende o dire-
tor jurídico seja elucidado:
Sobre área de preservação permanente, assim dispõe o Código de Santa Catarina:
Art. 115 São consideradas áreas de preservação permanente para efeito da geomorfo-
logia do Estado, pelo simples efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação 28. Questão extraída da obra: Antô-
nio F. G. Beltrão, Manual de Direito Am-
natural situadas: biental, Editora Método, (2008), p. 109;

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DIREITO AMBIENTAL

I – ao longo dos rios ou de qualquer curso de água desde o seu nível mais alto em
faixa marginal cuja largura mínima seja:
a) de cinco metros para os cursos de água inferiores a cinco metros de lar-
gura;
b) de dez metros para os cursos de água que tenham de cinco até dez me-
tros de largura;
c) de dez metros acrescidos de 50% (cinquenta por cento) da medida exis-
tente a dez metros, para cursos de água que tenham largura superior a
dez metros.
II – a planície de inundação de lagoa ou laguna;
III – as dunas e os campos de dunas;
IV – a área de banhado, bem como a faixa de um metro a partir da área de banhado.

Compare o texto da lei Estadual acima transcrito com o disposto na Lei Ordinária
Federal 4.771/1965:
Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as flores-
tas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais
alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1. de trinta metros para os cursos d’água de menos de dez metros de
largura;
2. de cinquenta metros para os cursos d’água que tenham de dez me-
tros e cinquenta metros de largura;
3. de duzentos metros para os cursos d’água que tenham de cinquenta
a duzentos metros de largura;
4. de duzentos metros para os cursos d’água que tenham de duzentos a
seiscentos metros de largura;
5. de quinhentos metros para os cursos d’água que tenham largura su-
perior a seiscentos metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais e artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”,
qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de cin-
quenta metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declive superior a 45%, equivalente
a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
f ) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadores de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do
relevo, em faixa nunca inferior a cem metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a mil e oitocentos metros, qualquer que seja a ve-
getação.
Com base em qual dos dispositivos acima transcritos deve a IPC exercer as suas
atividades? Por quê?

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DIREITO AMBIENTAL

9. Resolva o caso transcrito abaixo e extraído do material didático da Pós-Gra-


duação em Direito do Estado e da Regulação da Fundação Getulio Vargas
(FGV DIREITO PEC), organizado por Rafael Aleixo e outros, p. 33:

A atividade XXX produz uma substância cujos efeitos passaram a ser questionados
no mundo científico. Novos estudos apontam a relação da sua inalação com casos de
câncer em pessoas idosas. No entanto, grande divergência científica cerca a questão,
essencialmente diante da sua utilização por mais de 40 anos e dos poucos casos relacio-
nados diretamente à causa, apesar dos dados indicarem um crescente aumento.
A proibição de tal atividade produziria um grande impacto econômico, tendo em
vista que o mercado internacional depende de tal atividade para a produção de XXX e
o principal fornecedor é o Brasil.
À época da instalação de tais fábricas no Brasil, na década de 60, não havia previsão
do licenciamento ambiental e de realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental.
O Congresso Nacional, ao tomar conhecimento da divergência científica e, preocu-
pado com o bem-estar da coletividade, edita uma Lei Federal que proíbe o desenvolvi-
mento de tal atividade no âmbito do território nacional, de forma progressiva, para não
afetar a economia nacional.
O partido político YY, que não concordava com a edição do mencionado instru-
mento legislativo, ajuíza ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, sob os
argumentos de que a Lei padece de vício de inconstitucionalidade material, já que fere
a livre iniciativa – fundamento da República Federativa do Brasil, além de colocar em
risco a economia nacional. Argumenta-se, ainda, que a incerteza científica constitui
fundamento relevante para o Estado não intervir no livre exercício profissional, sob
pena de se colocar restrições e limitações infundadas aos direitos individuais.
Com base nos princípios constitucionais, analise a presente questão.
O cidadão José da Silva adquiriu uma fazenda, em meados da década de 90, situada
em uma região montanhosa, possuindo uma casa, na qual passa os fins de semana com
a família, e uma plantação de café nos topos dos morros.
Ocorre que, diante da escassez de água que vem se verificando na região, o órgão res-
ponsável pela política florestal iniciou uma forte fiscalização, autuando os responsáveis
por infrações administrativas, bem como notificando os proprietários rurais a reflorestar
as vegetações situadas em áreas de preservação permanente e reserva legal, nos termos do
Código Florestal de 1965. José foi notificado a reflorestar justamente a área da fazenda
que vem utilizando para a plantação de café.
Inconformado com tal ato, José pretende não se responsabilizar pelo replantio da
área com base nos seguintes argumentos: (i) seu direito de propriedade, consagrado pela
Constituição Federal, está sendo ferido, já que não pode usá-la conforme lhe convém;
e (ii) não existe a sua obrigatoriedade de reflorestar, já que ele, ao menos, não foi o res-
ponsável pelo desmatamento.
Analise os princípios que estão em questão, ponderando-os.

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DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, Artigos 1º, 18, 22, 23, 24, 25, 30, 170 e 182.

Leitura Indicada

(Sidney Guerra & Sérgio Guerra,29 Direito de Direito Ambiental, Editora Fórum
[2009], pp. 161-180).

Doutrina

Competência Comum: o art. 23, VI e VII, da Constituição da República estabelece a


competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a proteção do
meio ambiente e o combate à poluição em qualquer das suas formas, bem como para a preser-
vação das florestas, da fauna e da flora. Trata-se da competência material ou administrativa.
Competência legislativa: o art. 24, VI e VIII, da Carta de 1988 estabelece a competência
legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, excluindo os Municípios,
para florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, como responsabilidade por dano ao meio ambiente. De acordo com o princípio da
predominância do interesse, a Carta Federal expressamente dispõe nos parágrafos do art. 24
que a União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, cabendo aos Estados a competência
suplementar. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados excepcionalmente exerce-
rão a competência legislativa plena; caso posteriormente seja editada lei federal sobre normas
gerais, eventual lei estadual oriunda desta competência legislativa plena terá sua eficácia
suspensa.
(Antônio F. G. Beltrão, Manual de Direito Ambiental, Editora Método, [2008], p. 105);

Jurisprudência

STF ADin 2.396-9 (Requerente: Governador do Estado de Goiás, Requeridos: As-


sembléia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul e Governador do Estado do
Mato Grosso do Sul).

Ementa

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n.º 2.210/01, do Estado do Mato Grosso 29. Os autores explicam de forma
bastante clara como operam as dife-
do Sul. Ofensa aos arts. 22, I e XII; 25, § 1º, 170, caput, II e IV, 18 e 5º, caput, II e rentes competências nas três esferas de
LIV. Inexistência. Afronta à competência legislativa concorrente da União para editar poder na estrutura federativa brasileira
em matéria de legislação e gestão am-
normas gerais referentes à produção e consumo, à proteção do meio ambiente e con- biental.

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DIREITO AMBIENTAL

trole da poluição e à proteção e defesa da saúde, artigo 24, V, VI e XII e §§ 1º e 2º da


Constituição Federal.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Órgão Especial. Incidente de Incons-


titucionalidade. 151.638-0/9-00. Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público do Tribu-
nal de Justiça do Estado de São Paulo. Suscitado: Prefeitura Municipal de Cubatão. J.
26.08.2009.
Controle de constitucionalidade (CF, arts. 93, XI, e 97; CPC, art. 480). Incidente
suscitado pela 3a Câmara da Seção de Direito Público deste Tribunal, objetvando a
declaração da inconstitucionalidade da Resolução CONAMA n. 237/97 em face da
Constituição República. Matéria ambiental. Competência legislativa concorrente (CF,
art. 24, VI e VIII), não podendo ser mitigada por lei de outro ente federativo ou por
ato normativo inferior. O município tem competência somente para suplementar as
normas já existentes (CF, art. 30, II). Incidente conhecido. Declaração de inconstitucio-
nalidade do art. 6º da Resolução CONAMA n. 237/97, com efeito apenas no processo
(incidenter tantum).

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DIREITO AMBIENTAL

MÓDULO II. SISTEMA E POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Diante da complexidade do bem ambiental e dos meios para efetivação da sua de-
fesa e proteção, surge a necessidade de criação e desenvolvimento de diretrizes e ações
coordenadas para instrumentalizar o objetivo maior perseguido. Durante os debates
sobre os termos da Declaração de Estocolmo em 1972, instaurou-se um sério conflito
de interesses entre países em desenvolvimento e os desenvolvidos acerca do direito ao
desenvolvimento econômico.
Visando mitigar este conflito sem, contudo, ferir os direitos até então internacio-
nalmente reconhecidos, como a soberania e o próprio direito das nações ao desenvolvi-
mento econômico, a comunidade internacional passou a trabalhar a noção de desenvol-
vimento sustentável. Nesta esteira, a Declaração do Rio de 1992 consolidou o conceito
de gestão ambiental como instrumento indispensável ao cumprimento de objetivos
preservacionistas e de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas man-
tendo preservada a compatibilização destes objetivos com o direito ao desenvolvimento
econômico e social. Portanto, a Declaração de Estocolmo constitui-se como um marco
do direito ambiental ao conceber a necessidade de gestão qualificada, preservando os
aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Dentro deste contexto, assume especial relevância a organização e o mapeamento
institucional, bem como a elaboração de um atualizado quadro legal e regulatório que
pudesse recepcionar e se adequar aos preceitos internacionalmente reconhecidos. A le-
gislação brasileira, impulsionada pelo movimento ambientalista da década de 70, inova
na adoção de uma política nacional e quadro institucional sistematizado para efetivar a
finalidade máxima de defesa e proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A lei 6.938/1981 foi a responsável pela estruturação da Política e do Sistema Na-
cional do Meio Ambiente (PNMA e SISNAMA). O art. 6º do referido diploma legal é
responsável pela concepção, montagem e distribuição de competências entre os órgãos
integrantes dos SISNAMA.

Art 6º–Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal,


dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder
Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, consti-
tuirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente–SISNAMA, assim estruturado:
I–órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o
Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes go-
vernamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais; 
II–órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de
Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recur-
sos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões
compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida;
III–órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da Repú-
blica, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como

FGV DIREITO RIO 62


DIREITO AMBIENTAL

órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o


meio ambiente; 
IV–órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão
federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente
V–Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela exe-
cução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes
de provocar a degradação ambiental;
VI–Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo
controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;
§ 1º Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição,
elaboração normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o
meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA.
§ 2º O s Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais,
também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior.
§ 3º Os órgãos central, setoriais, seccionais e locais mencionados neste artigo
deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quan-
do solicitados por pessoa legitimamente interessada.
§ 4º De acordo com a legislação em vigor, é o Poder Executivo autorizado a
criar uma Fundação de apoio técnico científico às atividades do  IBAMA.

Os objetivos deste módulo são:

• Entender e contextualizar a concepção da Política Nacional do Meio Ambiente


e sua respectiva instrumentalização.
• Conceitualizar e compreender o Sistema Nacional do Meio Ambiente.
• Identificar e distinguir o organograma institucional do SISNAMA.
• Compreender e aplicar na prática a divisão de competências dos órgãos inte-
grantes do SISNAMA.
• Entender o conceito e a importância da definição de padrões de qualidade am-
biental e critérios coerentes de zoneamento ambiental.
• Distinguir as diferentes atribuições da União, Estados e Municípios em matéria
de zoneamento ambiental.
• Compreender e resolver as tensões entre os poderes públicos e iniciativa privada
em matérias de padrões de qualidade ambiental e zoneamento ecológico-econô-
mico.
• Entender a importância da publicidade, informação e educação ambiental
como instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
• Distinguir as diferenças entre publicidade e informação ambiental.
• Identificar os principais pontos da política de educação ambiental e articular
formas de aplicação e efetivação prática.
• Compreender a importância e relação entre informação, publicidade e educa-
ção ambiental com participação popular qualificada nos processos decisórios.

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DIREITO AMBIENTAL

• Distinguir avaliação de impacto ambiental de estudo e relatório de impacto


ambiental.
• Compreender a importância da avaliação de impacto ambiental como instru-
mento de política do meio ambiente.
• Identificar as principais questões que devem ser inseridas no estudo e relatório
de impacto ambiental.
• Analisar a exigibilidade do EIA/RIMA à luz da legislação vigente e interpreta-
ção jurisprudencial.
• Entender o papel do CONAMA na determinação de atividades que atraiam a
exigência do EIA/RIMA.
• Trabalhar os aspectos práticos da realização do EIA/RIMA, como momento da
exigência, elaboração e custeio.
• Examinar o papel do princípio da participação e informação no processo de
avaliação de impacto ambiental.
• À luz do direito administrativo, debater sobre a natureza jurídica do instituto
do licenciamento ambiental.
• Aprofundar o embasamento jurídico da exigência de licenças ambientais.
• Entender as diferentes etapas e prazos do licenciamento ambiental brasileiro.
• Analisar questões controvertidas quanto à competência em licenciamento am-
biental.
• Resolver casos que envolvam modificação, suspensão ou cancelamento da licen-
ça ambiental.
• Examinar o direito à indenização de eventual prejudicado nos casos de modifi-
cação, suspensão ou cancelamento de licença.
• Trabalhar os institutos do direito adquirido e ato jurídico perfeito em face de
atividades pretéritas à vigência da legislação acerca do licenciamento ambiental.
• Articular o princípio da participação popular e o licenciamento ambiental.
• Identificar atividades que exigem licenciamento ambiental especial.

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DIREITO AMBIENTAL

AULA 5. PRINCÍPIOS, CONCEITOS, INSTRUMENTOS E ESTRUTURA ORGA-


NIZACIONAL

Segundo definição proposta por Antunes, (p. 93) “O SISNAMA é o conjunto de


órgãos e instituições vinculadas ao Poder Executivo que, nos níveis federal, estadual e
municipal, são encarregados da proteção ao meio ambiente, conforme definido em lei.
Além do SISNAMA, cuja estruturação é feita com base na lei da PNMA, muitas outras
instituições nacionais têm importantes atribuições no que se refere à proteção do meio
ambiente.
Para organizar as ações dos órgãos integrantes do SISNAMA dos três níveis da Fede-
ração, surge a necessidade de criação de um padrão organizacional, feito através de uma
Política Nacional que disponha sobre princípios gerais, objetivos a serem perseguidos e
os instrumentos disponíveis para realização das metas traçadas. No Brasil, esta Política é
consagrada com o advento da Lei 6.938/81, mas não está isenta de críticas. Nas palavras
de Milaré (p.310), “... é certo que se esboça um início de Política Ambiental, mas ape-
nas limitada à observância das normas técnicas editadas pelo CONAMA. Não existe,
contudo, um efetivo plano de ação governamental em andamento, interando a União,
os Estados e os Municípios, visando à preservação do meio ambiente.
Para instrumentalizar os princípios e diretrizes da Política Nacional do Meio Am-
biente (PNMA), o ordenamento jurídico brasileiro criou uma complexa rede institucio-
nal e que integra e compõe o SISNAMA, conforme dispõe o art. 6º da Lei 6.938/1981.
Da mesma forma, Estados e Municípios desenvolveram redes institucionais próprias
visando à consecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável, tal qual assegura-
dos pela Constituição Federal e refletidos nas Constituições Estaduais.
Embora as funções e atribuições de cada órgão estejam claramente definidas nos
instrumentos legais originários, a prática demonstra superposição de tarefas e com-
petências o que, infelizmente, acaba muitas vezes dificultando a efetiva tutela do bem
ambiental. Por outro lado, ainda que existam pontos negativos em uma estrutura buro-
crática inchada, como parece ser o caso brasileiro, faz-se necessário reconhecer a impor-
tância da atuação de vários desses órgãos em prol da conciliação dos interesses desenvol-
vimentistas e preservacionistas.

PRINCÍPIOS DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

O art. 2º da Lei 6.938/81 estabelece os princípios norteadores das ações previstas na


Política Nacional do Meio Ambiente, são eles:

I–ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando


o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado
e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II–racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III–planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV–proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

FGV DIREITO RIO 65


DIREITO AMBIENTAL

V–controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente polui-


doras;
VI–incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII–acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII–recuperação de áreas degradadas;
IX–proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X–educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio
ambiente.

Importa destacar que os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente não se


confundem com os princípios do Direito Ambiental, já que os primeiros são instru-
mentais. Esse tema é abordado por Milaré30:

Cabe observar, ademais, que os princípios da Política Nacional do Meio Am-


biente não se confundem nem se identificam com os princípios do Direito do
Ambiente. São formulações distintas, embora convirjam para o mesmo grande
alvo, a qualidade ambiental e a sobrevivência do Planeta; por conseguinte, eles
não poderão ser contraditórios. A ciência jurídica e um determinado texto legal
expressam-se de maneiras diferentes por razões de estilo e metodologia; não obs-
tante, deve haver coerência e complementaridade entre eles.

CONCEITOS DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

O art. 3º da Lei 6.938/81 traz importantes conceitos aplicáveis a Política Nacional


do Meio Ambiente, a seguir transcritos.
Meio ambiente–Conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem físi-
ca, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. (art.
3º. inc. I)
Degradação da qualidade ambiental–Alteração adversa das características do meio
ambiente (art. 3º, inc. II)
Poluição–Degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta
ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem
condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota;
afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou ener-
gia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. (art. 3º. inc. III)
Poluidor–Pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta
ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. (art. 3º, inc. IV)
Recursos ambientais–Atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
(art. 3º, inc. V)
30. MILARÉ, p. 315.

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DIREITO AMBIENTAL

Os conceitos contidos na Política Nacional do Meio Ambiente são de extrema rele-


vância prática, pois é através deles que a licitude e/ou ilicitude de determinada atividade
é estabelecida. Os conceitos dão concretude ao desejo social de preservação e conserva-
ção ambiental genericamente manifestado no capítulo ambiental da Constituição Fe-
deral de 1988. Por meio da técnica e da ciência, os conceitos instrumentais da Política
Nacional do Meio Ambiente são materializados pela atividade normativa dos órgãos
com competência para tanto dentro da estrutura do SISNAMA.

INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

O art. 9º, da Lei 6.938/81 apresenta um rol exemplificativo de treze incisos


elencando os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. São eles os
meios para a efetiva defesa e proteção do meio ambiente. Em última análise, são
os instrumentos da PNMA que visam garantir a eficácia e aplicação das normas e
objetivos ambientais.
Alguns instrumentos já estão exaustivamente regulados, no entanto, outros ainda
carecem de maior elucidação e regulamentação específica. Apesar de estarem listados de
um a treze pelo referido artigo, cabe destacar que não há necessariamente uma relação
hierárquica entre eles. Cada um cumpre com uma função específica e importante den-
tro da PNMA e não excluem outras iniciativas, ainda que não tipificadas, que instru-
mentalizem a proteção e a defesa do meio ambiente.
Além disso, esses instrumentos não seguem uma lógica racional e própria. É possível
afirmar que, para efeito de política ambiental, oito são os instrumentos que formam a
espinha dorsal da gestão ambiental eficiente. São eles: o zoneamento ecológico-econô-
mico; os padrões de qualidade ambiental; a informação, a participação popular e educa-
ção ambiental; a avaliação e o licenciamento ambiental e; os mecanismos econômicos.
Os demais estão–de uma forma ou de outra–subsumidos pelos instrumentos que forma
a espinha dorsal da gestão ambiental. É o caso, por exemplo, da criação de espaços pro-
tegidos, subsumido ao zoneamento ecológico-econômico.
A lista, portanto, apresentada pelo artigo 9º, da Lei 6.938/81 é a seguinte:

São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:


I–o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
II–o zoneamento ambiental;
III–a avaliação de impactos ambientais;
IV–o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente po-
luidoras;
V–os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou ab-
sorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI–a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e
as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Mu-
nicipal;

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DIREITO AMBIENTAL

VI–a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Pú-


blico federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de
relevante interesse ecológico e reservas extrativistas;
VII–o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VII–o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII–o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa
Ambiental;
IX–as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das
medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.
X–a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulga-
do anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis–IBAMA; 
XI–a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obri-
gando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes;
XII–o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/
ou utilizadoras dos recursos ambientais
XIII–instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambien-
tal, seguro ambiental e outros.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

O Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) é constituído por órgãos e


entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municí-
pios, e por fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela tutela e melhoria
da qualidade ambiental. O SISNAMA é estruturado através dos seguintes órgãos, de
acordo com a redação do art. 6º, da Lei 6.938/81, regulamentado pelo Decreto n.
99.274/90:
Conselho de Governo–Órgão superior. Este órgão tem como função assessorar o
Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governa-
mentais para o meio ambiente e os recursos ambientais. (Art. 6º, inc. I, da Lei 6.938/81)
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)–Órgão consultivo e delibera-
tivo. É o órgão maior do Sistema. É presidido pelo Ministro do Meio Ambiente. Tem
como principal finalidade assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretri-
zes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar,
no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio am-
biente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. (Art. 6º, inc. II,
e art. 8º da Lei 6.938/81 e art. 7º do Decreto 99.274/90). A composição do CONAMA
é definida pelos Decretos n.os 3.942/2001 e 6.792/2009, e está assim definida:

I – o Ministro de Estado do Meio Ambiente, que o presidirá;


II – o Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente, que será o seu Secre-
tário-Executivo;
III – um representante do IBAMA e um do Instituto Chico Mendes;

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DIREITO AMBIENTAL

IV – um representante da Agência Nacional de Águas – ANA;


V – um representante de cada um dos Ministérios, das Secretarias da Presidência da
República e dos Comandos Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos respec-
tivos titulares;
VI – um representante de cada um dos Governos Estaduais e do Distrito Federal,
indicados pelos respectivos governadores;
VII – oito representantes dos Governos Municipais que possuam órgão ambiental
estruturado e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo;
VIII – vinte e um representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil;
IX – oito representantes de entidades empresariais; e
X – um membro honorário indicado pelo Plenário.

Ministério do Meio Ambiente–Órgão central. Suas funções são planejar, coordenar,


supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes gover-
namentais fixadas para o meio ambiente. (Art. 6º, inc. III, da Lei 6.938/81 e art. 10 do
Decreto 99.274/90)
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBA-
MA)–Órgão executor. Tem como finalidade executar e fazer executar, como órgão fe-
deral, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. (Art. 6º, inc.
IV, da Lei 6.938/81)
Órgãos ou entidades estaduais–Órgãos Seccionais. São responsáveis pela execução
de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a
degradação ambiental. (Art. 6º, inc. V, da Lei 6.938/81 e art. 13 do Decreto 99.274/90)
Órgãos ou entidades municipais–Órgãos Locais. Têm como função a execução de
programas, projetos e controle de atividades capazes de provocar degradação ambiental,
nas suas respectivas jurisdições. (Art. 6º, inc. VI, da Lei 6.938/81 e art. 13 do Decreto
99.274/90).

Importante notar na estrutura do SISNAMA que, ao contrário do estabelecido para


outras áreas de regulação da administração pública, os poderes inerentes ao que se en-
tenderia por uma “agência ambiental” estão divididos entre dois órgãos: o IBAMA e o
CONAMA. O primeiro com caráter executivo e de adjudicação em primeira instância
administrativa. O segundo, com caráter deliberativo e normativo e de adjudicação em
segunda instância administrativa. Assim, ao contrário, por exemplo, do modelo norte-
americano, do qual o Brasil importou o modelo de agências reguladoras, na seara am-
biental, as funções de uma típica agência são compartilhadas. Trata-se de uma modelo
diverso das demais agências reguladoras brasileiras, com reflexos, inclusive, nas formas
de participação e consulta popular.

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DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES

1. O que é o SISNAMA e qual a sua utilidade dentro da Política Nacional do


Meio Ambiente?
2. Qual é a importância e o fundamento legal de inclusão do princípio da in-
formação ao SISNAMA?
3. Qual é a função que o Conselho de Governo vem desenvolvendo na prática?
Explique.
4. Quais são os órgãos integrantes do SISNAMA?
5. O que é o CONAMA e quais são as suas funções?
6. Qual é a diferença entre os princípios da Política Nacional do Meio Ambien-
te e os princípios de direito ambiental consagrados pela Constituição Federal
de 1988?
7. Qual a função dos instrumentos da PNMA para os objetivos traçados pela
Lei 6.938/81?
8. Questão retirada do Procurador do Estado AP 200631

Quanto ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), julgue os próximos


itens.
a) Compõem o SISNAMA: o Conselho de Governo, a Câmara de Políticas dos
Recursos Naturais, o Grupo Executivo do Setor Pesqueiro (GESPE), o Con-
selho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), o Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Conselho
Nacional da Amazônia Legal e o Conselho Nacional da Mata Atlântica.
b) O Fundo Nacional de Meio Ambiente objetiva o desenvolvimento de pro-
jetos que visem o uso racional e sustentável de recursos naturais, incluindo
manutenção, melhoria ou recuperação de qualidade ambiental que visem a
elevação da qualidade de vida da população.
9. Questão retirada do concurso para Juiz de Direito do TJMT, 200432

A respeito da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e da normatização


constitucional e infraconstitucional relativa ao meio ambiente, julgue os próximos itens.

a) Considere a seguinte situação hipotética. Um vereador de determinado mu-


nicípio, dados os constantes episódios de degradação de recursos hídricos
naquela unidade da federação, apresentou projeto de lei, versando sobre pro-
teção do meio ambiente e controle da poluição das águas. Nessa situação, sob
o ponto de vista constitucional, tal projeto pode ser considerado compatível,
pois é de competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municí-
pios legislar sobre a matéria mencionada.
b) Considere a seguinte situação hipotética. Determinado Estado da Federa-
31. Questão extraída da obra: An-
ção, não obstante já possuir órgão ambiental na esfera estadual, constituiu tônio F. G. Beltrão, Manual de Direito
uma fundação responsável pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. Ambiental, Editora Método, (2008),
pp. 192.
Nessa situação, apesar de tal fundação destinar-se aos mencionados fins, ela 32. Id. p. 195.

FGV DIREITO RIO 70


DIREITO AMBIENTAL

não compõe o Sistema nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), pois ele


só é integrado pelos órgãos ambientais da União, dos Estados, do DF e dos
Municípios e não por fundações, ainda que instituídas pelo poder público
para propósitos ambientais.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Lei 6.938/1981;
2. Lei 7.735/1989;
3. Lei 7.797/1989;
4. Decreto 99.274/90;
5. Decreto 964/1993;
6. Decreto 1.696/1995;
7. Lei 10.650/2003;
8. Lei 10.683/2003.

Leitura Indicada

Édis Milaré,33 Direito do Ambiente, 5ª Edição, Editora Revista dos Tribunais (2007),
pp. 285-298 / 307-321;

Jurisprudência

STJ Recurso Especial 588.022-SC (2003/0159754-5) (Recorrentes: Superintendência


do Porto de Itajaí, Fundação do Meio Ambiente [FAT MA], Recorridos: Ministério Público
Federal, Interessado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
[IBAMA]).

Ementa
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSO-
REAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO
IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação
e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito am-
biental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de
33. O autor apresenta os principais
preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger conceitos, objetivos e instrumentos da
PNMA e diferencia os diferentes órgãos
patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações. que compõem o SISNAMA.

FGV DIREITO RIO 71


DIREITO AMBIENTAL

3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A
conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências
históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fron-
teiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a
presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado.
O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de
toneladas de detritos.
4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona
costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de
prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva.
Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos
ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado
pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes
marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o
homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.
5. Recursos especiais improvidos.

FGV DIREITO RIO 72


DIREITO AMBIENTAL

AULA 6. ZONEAMENTO AMBIENTAL E PADRÕES DE QUALIDADE AMBIENTAL

A fixação de padrões de qualidade e o zoneamento ambiental são dois instrumentos


de extrema importância para a consecução das premissas inerentes ao desenvolvimento
sustentável. Reconhecendo-se a necessidade do avanço nas áreas econômica e social
sem, contudo, olvidar da defesa e proteção do meio ambiente, é imprescindível uma
democrática, atualizada e séria articulação dos meios para atingir as metas previamente
traçadas.
Dentro deste contexto e somando-se à complexidade e rapidez cada vez maior da
evolução do conhecimento e avanço tecnológico da sociedade moderna, é necessária
uma previsão legal sólida dos instrumentos de política do meio ambiente, porém dota-
dos de mecanismos flexíveis de deliberação que possam acompanhar o desenvolvimento
técnico-científico e os diferentes anseios da sociedade.

ZONEAMENTO AMBIENTAL

No tocante ao zoneamento ecológico-econômico (ZEE), num país de dimensões


continentais como o Brasil, este instrumento assume especial relevância. Como o pró-
prio nome sugere, é ele também mecanismo de convergência de objetivos preservacio-
nistas e econômicos. Antunes34 define o zoneamento ambiental:

O zoneamento, repita-se, é uma importante intervenção estatal na utilização


de espaços geográficos e no domínio econômico, organizando a relação espaço-
produção, alocando recursos, interditando áreas, destinando outras para estas
e não para aquelas atividades, incentivando e reprimindo condutas etc. O zo-
neamento é fruto da arbitragem entre diferentes interesses de uso dos espaços
geográficos, reconhecendo e institucionalizando os diferentes conflitos entre os
diferentes agentes. Ele busca estabelecer uma convivência possível entre os dife-
rentes usuários de um mesmo espaço.

O atual debate acerca dos biocombustíveis como vilões da agricultura voltada para
a produção de alimentos, ou como incentivo à monocultura, realça a importância do
correto planejamento do território que será destinado à indústria, agricultura, preserva-
ção ambiental e/ou mista. Portanto, o zoneamento ambiental constitui-se como outro
instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, previsto pelo art. 9º, inc. II, da
Lei 6.938/81.
O zoneamento ecológico-econômico assume relevância fundamental e primária nos
processos de gestão ambiental. É ele o instrumento que identifica as potencialidades
e fraquezas físicas, químicas, biológicas e socioeconômicas de determinado território.
Depois de definido, serve como definidor de escolhas e usos que orientam a estipulação
de padrões de qualidade ambiental.
O zoneamento ecológico-econômico ocorre nas três esferas da Federação, em dife-
rentes escalas. Está intimamente vinculado à ideia de planejamento da atividade eco- 34. ANTUNES, p. 185.

FGV DIREITO RIO 73


DIREITO AMBIENTAL

nômica, acomodação das exigências sociais e objetivos de preservação e conservação


ambiental.
À União compete, segundo dispõe o artigo 21, inciso IX, da CF/88, “elaborar e
executar planos nacionais e regionais de ordenamento do território de desenvolvimen-
to econômico e social”. O ZEE enquanto instrumento previsto na Lei n. 6.938/81,
encontra-se regulamentado pelo Decreto n. 4.297/2002. A definição de ZEE é trazida
pelo artigo 2º, do referido decreto, nos seguintes termos:

Instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na


implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medi-
das e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambien-
tal, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo
o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.

Especificamente em relação ao zoneamento industrial, o Decreto-lei n. 1.413/1975


foi o primeiro instrumento legal a tratar das áreas críticas de poluição. Em seguida, a Lei
n. 6.803/1980, dispôs sobre a necessidade de definição das áreas críticas de poluição a
que se referia o citado Decreto-lei n. 1.413/75, por meio do zoneamento urbano.
Além do zoneamento industrial, o agrícola também se faz extremamente relevante
para o contexto nacional, considerando a contribuição do setor agropecuário para o
saldo da balança comercial brasileira. Por isso, o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964),
tratou da matéria. Posteriormente, a lei agrícola (Lei n. 8.171/1991), dispôs de forma
mais completa sobre a política agrícola nacional.
Outra área de interesse nacional e que foi incluída em instrumento específico de
zoneamento ecológico-econômico, foi a zona costeira. A Lei n. 7.661/1988 instituiu o
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, com o objetivo de “prever o zoneamento de
usos e atividades na Zona Costeira...”.
Aos Estados, função não menos relevante ficou reservada em matéria de zoneamento
ecológico-econômico. Segundo dispõe o artigo 25, § 3º, da CF/88, compete aos Es-
tados “instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas
por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e
a execução de funções públicas de interesse comum.” Além da instituição de regiões metro-
politanas, compete também aos Estados o ZEE referente às atividades socioeconômicas
e à conservação ambiental dentro dos seus limites territoriais. Leis estaduais específicas
são geralmente os instrumentos utilizados para materializar o ZEE estadual.
O zoneamento ecológico-econômico no âmbito municipal é refletido no plano
diretor, obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes (artigo 182, § 1º,
da CF/88). No plano diretor, o zoneamento ambiental urbano contém áreas que fre-
quentemente utilizam a seguinte categorização: zonas de uso industrial, zonas de uso
estritamente industrial, zonas de uso predominantemente industrial e zona de uso di-
versificado. 35. Art. 182. § 1. O Plano Diretor,
O Plano Diretor consiste em um instrumento de política urbanística que tem por aprovado pela Câmara Municipal, obri-
gatório para cidades com mais de vinte
finalidade o planejamento, a organização e a promoção das capacidades de uso do es- mil habitantes, é o instrumento básico
da política de desenvolvimento e de
paço urbano. Esse instrumento é previsto no artigo 182, §1º, da Constituição Federal35 expansão urbana.

FGV DIREITO RIO 74


DIREITO AMBIENTAL

e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), que estabelece diretrizes


para a adequada ocupação e desenvolvimento das áreas urbanas dos municípios.
Antes da vigência do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor tinha caráter obrigató-
rio  apenas para municípios cuja população ultrapassasse 20 mil habitantes. Atualmen-
te, também é exigido para as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e cidades
integrantes de áreas especiais de interesse turístico, bem como para as que possuem,
em seus limites territoriais, empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental.36 Constitui, portanto, um instrumento fundamental da política de desen-
volvimento de um município.
Nos termos do Estatuto da Cidade, cabe a cada município editar seus planos dire-
tores, sob pena de caracterização de ato de improbidade administrativa por parte do
Prefeito.37
Há, portanto, direta relação entre planejamento urbano e políticas de preservação
e conservação ambiental. Aliás, é possível observar, nesse tocante, que diversos ins-
trumentos de política ambiental estão previstos no Estatuto da Cidade (como o zo-
neamento ambiental e o estudo de impacto ambiental), em princípio um diploma de
direito administrativo-urbanístico, comprovando a inafastável relação entre ordenação
das cidades e proteção do meio ambiente. No Brasil e na América do Sul, a importância
do planejamento urbano como instrumento também de política ambiental é ainda mais 36. Disponível em: http://www.
j u r i s w a y. o r g. b r / v 2 / p e r g u n t a .
relevante considerando os altos índices de urbanização da região.38 asp?idmodelo=2608. Acesso em 13 de
Em seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade estabelece como diretriz, para que a política dezembro de 2010.
37. Vide art. 52 da Lei 10.257/2002:
urbana satisfaça a função social da cidade, “a ordenação e controle do uso do solo, de forma “Art. 52. Sem prejuízo da punição de
a evitar: a poluição e a degradação ambiental” (inc. VI, ‘g’). Impõe, ainda, a “proteção, outros agentes públicos envolvidos e da
aplicação de outras sanções cabíveis, o
preservação e recuperação do meio ambiente natural”(inc. XII). Prefeito incorre em improbidade admi-
nistrativa, nos termos da Lei no 8.429,
As políticas urbanas arbitrárias e excludentes ao longo do século XX estão estampa- de 2 de junho de 1992, quando: (…)
das no atual estágio de degradação dos grandes centros urbanos brasileiros. A diferença VI – impedir ou deixar de garantir os
requisitos contidos nos incisos I a III do
para o século XXI está justamente na mudança de paradigma legal (Constituição Fede- § 4o do art. 40 desta Lei; VII – deixar de
tomar as providências necessárias para
ral e Estatuto da Cidade). Mas esta mudança somente produzirá efeitos concretos se o garantir a observância do disposto no
novel regime jurídico for realmente aplicado com rigor, evitando os mesmos abusos que § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;
(…)”.
comprometeram a qualidade de vida nas grandes cidades. 38. Ver U.N. Population Fund, State
Com índices de urbanização que superam em muito a média mundial (80% contra of World Population 2007: Unleashing
the Potential of Urban Growth 58-59
50%),39 o Brasil e a América Latina não podem cometer os mesmos erros do passado. A (2007), disponível em http:// www.
unfpa.org/swp/2007/presskit/pdf/
constatação da existência, ou não, portanto, do Plano Diretor mostra-se dado de inegá- sowp2007_eng.pdf (última visita em 6
vel relevância para que um município possa ter elevado grau de governança ambiental, Fevereiro de 2009).
39. Ver U.N. Population Fund, State
de modo que se justifica a sua integração à lista de variáveis a serem utilizadas na análise of World Population 2007: Unleashing
the Potential of Urban Growth 58-59
exploratória de dados a ser realizada.40 (2007), disponível em http:// www.
unfpa.org/swp/2007/presskit/pdf/
sowp2007_eng.pdf (última visita em 6
Fevereiro de 2009).
PADRÕES DE QUALIDADE 40. Partes do texto deste capítulo
foram extraídas de artigo de co-autoria
do autor elaborado como parte do
projeto de pesquisa de Governança
No Brasil, em relação aos padrões de qualidade, o marco regulatório é justamente a Ambiental, realizado pelo Programa
Lei n. 6.938/81 e resoluções do órgão deliberativo e normativo, o Conselho Nacional em Direito e Meio Ambiente e Centro de
Pesquisa em Direito e Economia, am-
do Meio Ambiente (CONAMA). A sua composição e diversidade democrática (go- bos da Escola de Direito da Fundação
Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV
verno, sociedade civil, classe empresarial e científica) é capaz de identificar e definir os DIREITO RIO).

FGV DIREITO RIO 75


DIREITO AMBIENTAL

padrões aceitáveis de emissão de poluentes, efluentes e ruídos (atualmente instituídos),


bem como de congregar e resolver eventuais conflitos de interesses dos diferentes setores
representados. Sobre este tema, afirma Milaré41:

No processo de estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, desen-


volve-se a procura de níveis ou graus de qualidade, de elementos, relações ou
conjunto de componentes, níveis esses geralmente expressos em termos numéri-
cos, que atendam a determinadas funções, propósitos ou objetivos, e que sejam
aceitos pela sociedade.
Decorrem, portanto, duas características essenciais dos padrões de qualidade
ambiental. A primeira, refere-se à condição de que um padrão de qualidade é
estabelecido com um enfoque específico, pois visa assegurar um determinado
propósito, como, por exemplo, a proteção à saúde publica, ou a proteção paisa-
gística, entre outros. A segunda característica diz respeito à aceitação pela socie-
dade dos níveis ou graus fixados, o que implica um processo de discussão sobre
diferentes propostas, que representam diferentes interesses, convergindo para
uma situação de consenso a fim de que os resultados possam ser oficialmente
aceitos e regularmente estabelecidos.
Evidencia-se, assim, a vinculação deste instrumento a um determinado es-
tágio de conhecimento técnico e científico, e aos fatores sociais, econômicos,
culturais e políticos da sociedade, o que confere aos padrões de qualidade uma
perspectiva regional.

No Brasil. Os padrões de qualidade ambiental são fixados por Resoluções do CO-


NAMA. Até o momento estão regulamentados os padrões de qualidade das águas (Re-
soluções do CONAMA 357/05, 274/00, CNRH 12/00), do Ar (Resoluções do CO-
NAMA 18/86, 5/89, 3/90, 8/90, 264/99, 316/02) e dos Níveis de Ruídos (Resoluções
do CONAMA 1/90 e 252/99).
A racionalidade da estipulação de padrões de qualidade ambiental como instrumen-
to de gestão ambiental passa pela máxima de que não há atividade livre de impactos ao
ambiente natural. Trata-se de verdadeira ferramenta de objetivação da aceitação do grau
de impacto ambiental juridicamente permitido e socialmente aceitável, considerando a
composição multipartite do foro de deliberação: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA). A estipulação de padrões de qualidade ambiental é o instrumento respon-
sável pela materialização do grau socialmente desejado de impacto ao ambiente natural.

ATIVIDADES

1. De que forma os padrões de qualidade ambiental são desenvolvimentos e


instituídos no Brasil?
2. É possível afirmar que a definição de padrões de qualidade ambiental está
restrita ao Poder Legislativo? Justifique.
41. MILARÉ, p. 325.

FGV DIREITO RIO 76


DIREITO AMBIENTAL

3. Qual a participação do Conselho de Defesa Nacional no zoneamento am-


biental?
4. Considere a seguinte situação: uma indústria foi instalada em uma determi-
nada região em 1980. Por volta de 1990, esta área passa a ser ocupada por
conjuntos habitacionais. A população no entorno da fábrica, temendo os
riscos à saúde impostos pelas atividades industriais, ajuíza ação com pedi-
do de remoção da indústria. A corporação, por sua vez, contra-argumenta
baseando-se em direito adquirido de pré-ocupação do solo. Com base na
legislação brasileira vigente, como o caso deve ser resolvido?
5. Por ser questão de interesse local é possível afirmar que o Município detém
liberdade plena para definir o zoneamento ecológico-econômico? Justifique.
6. De que forma a estipulação de padrões de qualidade ambiental complementa
o instrumento do Zoneamento Ecológico-Econômico?
7. Considere o caso abaixo:

Durante a exploração e produção de petróleo, há a geração de uma grande quan-


tidade de um subproduto denominado água de formação, também chamada de água
produzida.
Normalmente, um campo de petróleo novo produz pouca água, em torno de 5 a
15% do volume total de petróleo. Entretanto, à medida que o campo vai se tornando
maduro, o volume de água pode aumentar significativamente, podendo chegar a 90%
da produção.
O aumento de produção de petróleo nacional, proveniente principalmente dos re-
servatórios das bacias de Campos e do Espírito Santo, determinou a necessidade de
prover uma solução eficaz aos desafios de manuseio, tratamento e descarte de água
produzida.
Quando esta água é separada do petróleo, ainda contém resíduo de óleo e outros
contaminantes, os quais devem ser removidos para que a mesma possa ser reaproveitada
ou descartada, sem causar impactos negativos ao meio ambiente.
Em plataformas de produção de petróleo, o tratamento para enquadramento da
qualidade da água de formação aos critérios da legislação consiste basicamente em re-
moção do óleo. Em terra, o tratamento requer o uso de tecnologias mais sofisticadas
para a remoção de outros contaminantes para posterior descarte adequado desta água.
A TRANSPETRO pretende licenciar um empreendimento visando à implantação
de um duto de transferência (linha de transferência) para transporte de água de forma-
ção e de um emissário para escoamento de efluentes líquidos industriais tratados do Ter-
minal da Baía de Ilha Grande (TEBIG), localizado em Angra dos Reis, Rio de Janeiro.
O duto percorrerá aproximadamente 8 Km dentro da área do terminal e terá um
trecho marítimo submarino de aproximadamente 4,5 Km. Transportará a água de for-
mação gerada na atividade de movimentação e armazenamento de petróleo e interligará
a área principal (AP) e a área de serviços auxiliares (ASA) do TEBIG. Este novo duto
terá o mesmo traçado dos dutos hoje em atividade, que também conectam essas duas
áreas do terminal.

FGV DIREITO RIO 77


DIREITO AMBIENTAL

Na ASA, á água de formação será tratada na estação de tratamento de efluentes


(ETE) do TEBIG, e, só depois será lançada no mar por um emissário submarino.
O trecho terrestre do emissário submarino percorrerá exclusivamente terreno da
ASA do TEBIG. O trecho marítimo seguirá, ainda fora d´água, junto ao píer do TE-
BIG, paralelo às linhas de transferência já existentes até o ponto de lançamento previsto
para ocorrer junto ao alicerce central do píer. Neste ponto, o emissário seguirá o alicerce
do píer, até uma profundidade de 10m acima do leito marinho.

Veja a ilustração do projeto abaixo:

Com base na narrativa e ilustração do caso, os advogados do departamento jurídico


da TRANSPETRO se reportaram a você, da PETROBRÁS, para auxiliá-los, de forma
fundamentada, com os seguintes questionamentos:

a) Definição fundamentada do órgão ambiental competente para condução do


licenciamento ambiental do empreendimento;
b) Definição fundamentada do estudo ambiental aplicável ao licenciamento em
questão;
c) Detalhamento fundamentado do procedimento de licenciamento ambiental
aplicado ao caso em questão;

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DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, artigos 21, 25, 43, 91, 165, 182, 186 e 225;
2. Lei n. 6.938/81;
3. Decreto 4.297/02;
4. Lei n.6.766/79;
5. Lei n. 6.803/80;
6. Lei n. 7.661/88;
7. Lei n. 8.171/91.

Leitura Indicada

Édis Milaré,42 Direito do Ambiente, 5ª Edição, Editora Revista dos Tribunais (2007),
pp. 324-340;
Paulo de Bessa Antunes,43 11ª Edição, Direito Ambiental, Editora Lumen Juris, (2008),
pp. 181-199;

Doutrina

Os padrões de qualidade ambiental consistem em parâmetros fixados pela legislação para


regular o lançamento/emissão de poluentes visando assegurar a saúde humana e a quali-
dade do ambiente. Variam conforme a toxicidade do poluente, seu grau de dispersão, o uso
preponderante do bem ambiental receptor, vazão da corrente de água (em caso do ambiente
receptor ser água) etc.
(Antônio F. G. Beltrão, Manual de Direito Ambiental, Editora Método, [2008], p. 122).

O zoneamento consiste em dividir o território em parcelas nas quais se autorizam de-


terminadas atividades ou interdita-se, de modo absoluto ou relativo, o exercício de outras
atividades. Ainda que o zoneamento não constitua, por si só, a solução de todos os problemas
ambientais é um significativo passo.
(Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª Edição, Editora
Malheiros, (2008), p. 191).

Jurisprudência
42. O autor apresenta os principais
conceitos, objetivos e instrumentos da
STJ Ação Rescisória 756 – PR (1998/0025286-0) (Autor: Estado do Paraná, Réus: PNMA e diferencia os diferentes órgãos
que compõem o SISNAMA.
Município de Guaratuba, F Bertoldi Empreendimentos Imobiliários Ltda e Arrimo 43. O autor discorre sobre a estipula-
Empreendimentos Imobiliários Ltda). ção de padrões de qualidade ambiental
e os detalha por área: ar, água, solo e
ruído.

FGV DIREITO RIO 79


DIREITO AMBIENTAL

Ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITI-


MIDADE DO MUNICÍPIO PARA ATUAR NA DEFESA DE SUA COMPETÊN-
CIA CONSTITUCIONAL. NORMAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.
COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR. EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. CONCESSÃO
DE ALVARÁ MUNICIPAL. LEI PARANAENSE N. 7.389/80. VIOLAÇÃO.

1. A atuação do Município, no mandado de segurança no qual se discute a possibili-


dade de embargo de construção de prédios situados dentro de seus limites territoriais, se
dá em defesa de seu próprio direito subjetivo de preservar sua competência para legislar
sobre matérias de interesse local (art. 30, I, da CF/88), bem como de garantir a validade
dos atos administrativos correspondentes, como a expedição de alvará para construção,
ainda que tais benefícios sejam diretamente dirigidos às construtoras que receiam o
embargo de suas edificações. Entendida a questão sob esse enfoque, é de se admitir a
legitimidade do município impetrante.
2. A teor dos disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal, aos Municípios, no
âmbito do exercício da competência legislativa, cumpre a observância das normas edi-
tadas pela União e pelos Estados, como as referentes à proteção das paisagens naturais
notáveis e ao meio ambiente, não podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em
circunstâncias remanescentes.
3. A Lei n. 7.380/80 do Estado do Paraná, ao prescrever condições para proteção
de áreas de interesse especial, estabeleceu medidas destinadas à execução das atribuições
conferidas pelas legislações constitucional e federal, daí resultando a impossibilidade
do art. 25 da Constituição do Estado do Paraná, destinado a preservar a autonomia
municipal, revogá-la. Precedente: RMS 9.629/PR, 1ª T., Min. Demócrito Reinaldo,
DJ de 01.02.1999.
4. A Lei Municipal n. 05/89, que instituiu diretrizes para o zoneamento e uso do
solo no Município de Guaratuba, possibilitando a expedição de alvará de licença muni-
cipal para a construção de edifícios com gabarito acima do permitido para o local, está
em desacordo com as limitações urbanísticas impostas pelas legislações estaduais então
em vigor e fora dos parâmetros autorizados pelo Conselho do Litoral, o que enseja a
imposição de medidas administrativas coercitivas prescritas pelo Decreto Estadual n.
6.274, de 09 de março de 1983. Precedentes: RMS 9.279/PR, Min. Francisco Falcão,
DJ de 9.279/PR, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 28.02.2000; RMS 13.252/PR, 2ª
T., Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 03.11.2003.
5. Ação rescisória procedente.

FGV DIREITO RIO 80


DIREITO AMBIENTAL

AULA 7. PUBLICIDADE, INFORMAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E EDUCAÇÃO


AMBIENTAL

Quatro importantes princípios de direito ambiental são regulamentados e tomam o


formato de instrumentos da PNMA no direito brasileiro. São eles os princípios da pu-
blicidade, informação, participação e educação ambiental. Tanto o Direito Internacio-
nal como o Direito Estrangeiro (comparado) sedimentaram a necessidade de publicida-
de, informação e educação ambiental para permitir a efetiva participação da sociedade
civil organizada e de indivíduos na implementação e execução da política ambiental.
São também imprescindíveis para a instrumentalização dos mecanismos processuais de
defesa do meio ambiente, como a ação popular e a ação civil pública.
A Constituição Federal consagrou no seu art. 225 o princípio da participação, se-
gundo Fiorillo:

Ao falarmos em participação, temos em vista a conduta de tomar parte em


alguma coisa, agir em conjunto. Dada a importância e a necessidade dessa ação
conjunta, esse foi um dos objetivos abraçados pela nossa Carta Magna, no tocan-
te à defesa do meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, caput, consagrou na defesa
do meio ambiente a atuação presente do Estado e da sociedade civil na proteção
e preservação do meio ambiente, ao impor à coletividade e ao Poder Público
tais deveres. Disso retira0se uma atuação conjunta entre organizações ambien-
talistas, sindicatos, indústrias, comércio, agricultura e tantos outros organismos
sociais comprometidos nessa defesa e preservação.

Para que o princípio da participação possa ser efetivado é fundamental que três
outros princípios ambientais sejam respeitados e promovidos: publicidade, informação
e educação. O direito à informação ambiental está previsto nos arts. 6º, § 3º, e 10 da
Política Nacional do Meio Ambiente, além de ser corolário do direito à informação,
previsto nos artigos 220 e 221 da CF/88.
O princípio da informação é diretamente associado ao princípio da publicidade, na
medida em que é através deste que o primeiro pode ser materializado. Segundo José dos
Santos Carvalho Filho44:

(...) os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação pos-


sível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio
propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes
administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indi-
víduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se
revestem.

Pode ser apontado como um dos objetivos do princípio da publicidade garantir


44. FILHO, José dos Santos Carvalho.
o acesso dos administrados às atividades da Administração Pública, sendo, portanto, Manual de Direito Administrativo. 17.
fundamental para proporcionar a participação da sociedade no controle e fiscalização ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
p. 21

FGV DIREITO RIO 81


DIREITO AMBIENTAL

das práticas do Poder Público. Tendo em vista que a conjugação dos princípios supra-
mencionados é uma das formas através da qual a sociedade pode exercer seu direito de
participação nas questões ambientais, é fundamental que os mesmos sejam efetivamen-
te verificados na prática.
A educação ambiental está prevista no art. 225, § 1º, inc. VI da Constituição Federal
e foi regulamentada pela Lei 9.795/99, a qual instituiu a Política Nacional de Educação
Ambiental. Segundo o art. 1º da referida lei, entende-se por educação ambiental:

(...) os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem


valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à
sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Para que o princípio da participação possa ser efetivado é fundamental que a pu-
blicidade e a educação sejam componentes obrigatórios tanto do processo preparatório
dos mecanismos de consulta, como de um constante processo de aprimoramento e
conhecimento dos indivíduos sobre os problemas e riscos ambientais resultantes da
atividade antrópica.
A publicidade é garantida também pela política nacional do meio ambiente, especi-
ficamente, nos artigos 6º, § 3º e 10, § 1º (Lei n. 6.938/81). A publicidade é mecanismo
de materialização do princípio da informação e indispensável, portanto, à participação
qualificada nos processos de consulta, monitoramento e controle das atividades do Po-
der Público.45
A educação ambiental, por sua vez, como instrumento de política do ambiente, deve
ser perseguido de forma contínua para ampliar o conhecimento da população em geral
sobre os problemas e riscos ambientais e da necessidade de controle e ação de mitigação
dos seus efeitos. Por vezes, a educação ambiental impõe mudanças nas ações rotineiras
de cada indivíduo. Como as mudanças geralmente envolvem custos, a capacitação em 45. Ver José dos Santos Carvalho Fi-
lho, Manual de Direito Administrativo,
matéria ambiental é imprescindível para garantir à sociedade uma visão holística para 17. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2007. p. 21. (“[O]s atos da Administra-
além dos benefícios econômicos e sociais reais, concretos e mensuráveis. ção devem merecer a mais ampla divul-
Na política nacional do meio ambiente, embora não elencada expressamente como gação possível entre os administrados,
e isso porque constitui fundamento do
instrumento no rol do artigo 9º, da Lei n. 6.938/81, a implementação da educação é princípio propiciar-lhes a possibilidade
de controlar a legitimidade da conduta
corolária necessária do sucesso dos mecanismos de participação e informação e, portan- dos agentes administrativos. Só com
to, seu efeito é de típica ferramenta de política ambiental. A importância da educação a transparência dessa conduta é que
poderão os indivíduos aquilatar a le-
ambiental é reconhecida pela Constituição Federal, especificamente no artigo 225, § galidade ou não dos atos e o grau de
eficiência de que se revestem.”).
1º, inciso VI. A sua regulamentação foi feita por meio da Lei n. 9.795/99, responsável
46. Ver Gene Rowe & Lynn J. Frewer,
pela instituição da Política Nacional de Educação Ambiental. Evaluating Public-Participation Exer-
cises: A Research Agenda, 29 SCI.,
A publicidade e a educação ambiental compõem o referencial teórico e prático das Tech., & Hum. Values 512, 518 (2004),
decisões sob incerteza, pois são instrumentos auxiliares na redução da assimetria de disponível em http://www.jstor.org/
stable/1557965 (“Assessing the ‘quality
informação. Como os resultados de um política ambiental nem sempre são previsíveis, of ideas’ generated might involve value
judgments being applied to those ide-
a publicidade e a educação são garantias essencias da informação sobre os custos sociais as, while focusing on the development
e econômicos inerentes às políticas públicas ambientais e a provável, mas incerta, cau- of ‘group consensus’ might, arguably,
detract from the diversity of opinions
salidade entre os resultados possíveis e os potenciais benefícios prometidos.46 Em outras that may have value in their own right,
or at least should be made public as
palavras, como toda política ambiental implica em um custo social e econômico, a part of a transparent process.”).

FGV DIREITO RIO 82


DIREITO AMBIENTAL

publicidade e a educação garantem à sociedade competência para dedicir sobre os bene-


fícios e os prejuízos de uma ação ou omissão regulatória em matéria de meio ambiente.
E, assim, os indivíduos podem optar e participar de forma qualificada, garantindo, con-
sequentemente, que o(s) resultado(s) ainda que incerto(s)–diante da impossibilidade de
caracterização do nexo de causalidade entre norma e resultado mais eficiente – seja(m)
o(s) mais equilibrado(s) possível(eis). Publicidade e educação garantem, portanto, a
informação e a participação qualificada para que o procedimento seja o mais eficiente.47
A racionalidade deste referencial teórico reside na ideia de que a eficiência nos pro-
cessos de participação pública em contextos de incerteza deve focar na perspectiva de-
mocrática. Neste sentido, não importa a qualidade do resultado final sob incerteza.
Desde que a participação pública permita consenso sobre a distribuição do ônus regu-
latório, a decisão será mais eficiente.48
Logo, a mera publicidade da informação não é suficiente se a sociedade não estiver
preparada para participar de forma qualificada. Dessa premissa decorre a importância
da educação ambiental para qualificar a participação dos indivíduos no processo deci-
sório. Capacitação é, portanto, crucial para qualificação dos processos de participação
pública e, consequentemente, instrumento de satisfação da legitimidade da regulação. 47. A racionalidade da eficiência
procedimental á fazer com que a es-
É desta forma que operam como eficientes mecanismos de redução da assimetria de colha regulatória seja mais legítima e,
informações e de equilíbrio dos interesses em disputa. Em resumo, tornam o processo portanto, mais eficiente, considerando
a impossibilidade de estabelecimento
decisório mais eficiente, justo, legítimo e democrático.49 do nexo de causalidade entre a quali-
dade final do resultado e o objetivo de
Finalmente, é preciso destacar que por serem institutos ligados à atividade da ad- preservação e conservação almejado.
ministração pública, os princípios ora analisados quando aplicados ao direito ambien- Ver Rômulo Silveira da Rocha Sampaio,
Regulating Climate Change Risk at the
tal, emprestam muitos dos conceitos e forma do direito administrativo. Neste campo, Local Level – The Denver Experience:
Greenprint or Greenwash?, Mo. Envtl.
portanto, é possível visualizar com clareza a relação do direito ambiental com o direito L. & Pol´y Rev., Vol. 17, No. 2, 356, p.
administrativo. 383 (2010).
48. Ver Gene Rowe & Lynn J. Frewer,
Evaluating Public-Participation Exer-
cises: A Research Agenda, 29 SCI.,
Tech., & Hum. Values 512, 518 (2004),
ATIVIDADES disponível em http://www.jstor.org/
stable/1557965 (“From a democratic
perspective, for example, an effective
participation exercise might be one
1. Por que o direito à informação ambiental é importante instrumento de polí- that is somehow ‘fair’, and a number of
tica do meio ambiente? related criteria might be stipulated.”).
49. A Agência Ambiental Norte-
2. No direito ambiental brasileiro, quem é legítimo para solicitar informações Americana (Environmental Protection
ao Poder Público? Agency) já identificou o os benefícios
da qualificação nos processos de par-
3. Como a participação nos processos decisórios pode ser importante instru- ticipação pública em processos de
regulação em matéria ambiental. Ver
mento de política ambiental? U.S. EPA, Where do we want to be?,
4. Quais são os pontos positivos e as principais críticas à política de educação http//www.epa.gov/greenkit/intro3.
htm. Última visita em 17 de março de
ambiental brasileira? 2010. (“Community participation is key.
Bringing people together, including bu-
5. Pode a educação ambiental ser considerada instrumento da Política Nacional siness, industry, and education, along
do Meio Ambiente? with children, planners, civic leaders,
environmental groups and community
6. O que é e como está estruturado o Sistema Nacional de Informações sobre o associations, allows the vision to cap-
ture the values and interests of a bro-
Meio Ambiente – SINIMA? ad constituency. Brainstorming ideas
from the entire community results in
a synergistic effect which can bring out
a myriad of ideas that reflects values
and interests of the community as a
whole.”).

FGV DIREITO RIO 83


DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Convenção de Aarhus;
2. Constituição Federal, artigos 5, XXXIII, 225;
3. Lei 6.938/81;
4. Lei 9.051/95;
5. Lei 10.650/03;
6. Lei 9.795/99.

Leitura Indicada

Paulo de Bessa Antunes, Direito Ambiental, 11ª edição, Editora Lumen Juris, (2008),
243-250;50
Paulo Affonso Leme Machado,51 Direito Ambiental Brasileiro, 16ª Edição, Editora Ma-
lheiros, (2008), 184-201;

Jurisprudência

Ementa

DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SE-


GURANÇA. DECRETO ESTADUAL N. 5.438/2002 QUE CRIOU O PARQUE
ESTADUAL IGARAPÉS DO JURUENA NO ESTADO DO MATO-GROSSO.
ÁREA DE PROTEÇÃO INTEGRAL. SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO DA NATUREZA – SNUC. ART. 225 DA CF/1988 REGULA-
MENTADO PELA LEI N. 9.985/2000 E PELO DECRETO-LEI N. 4.340/2002.
CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PRECEDIDAS DE PRÉVIO
ESTUDO TÉCNICO-CIENTÍFICO E CONSULTA PÚBLICA. COMPETÊN-
CIA CONCORRENTE DO ESTADO DO MATO GROSSO, NOS TERMOS DO
ART. 24, § 1°, DA CF/1988. DECRETO ESTADUAL N. 1.795/1997. PRESCIN-
DIBILIDADE DE PRÉVIA CONSULTA À POPULAÇÃO. NÃO-PROVIMENTO
DO RECURSO ORDINÁRIO.

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por Her-


50. O autor descreve em detalhes os
mes Wilmar Storch e outro contra ato do Sr. Governador do Estado do Mato Grosso, principais aspectos da Política Nacional
consubstanciado na edição do Decreto n. 5.438, de 12.11.2002, que criou o Parque de Educação Ambiental.
51. O autor aborda a importância da
Estadual Igarapés do Juruena, nos municípios de Colniza e Cotriguaçu, bem como informação e publicidade ambiental
como instrumentos eficazes e neces-
determinou, em seu art. 3°, que as terras e benfeitorias sitas nos limites do mencionado sários de gestão ambiental e como re-
Parque são de utilidade pública para fins de desapropriação. O Tribunal de Justiça do quisitos para a participação qualificada
da sociedade nos processos de decisão
Estado do Mato Grosso, por maioria, denegou a ação mandamental, concluindo pela sobre políticas públicas ambientais.

FGV DIREITO RIO 84


DIREITO AMBIENTAL

legalidade do citado decreto estadual, primeiro, porque precedido de estudo técnico


e científico justificador da implantação da reserva ambiental, segundo, pelo fato de a
legislação estadual não exigir prévia consulta à população como requisito para criação
de unidades de conservação ambiental. Apresentados embargos declaratórios pelo im-
petrante, foram estes rejeitados, à consideração de que inexiste no aresto embargado
omissão, obscuridade ou contradição a ser suprida. Em sede de recurso ordinário, alega-
se que: a) o acórdão recorrido se baseou em premissa equivocada ao entender que, em se
tratando de matéria ambiental, estaria o estado-membro autorizado a legislar no âmbito
da sua competência territorial de forma distinta e contrária à norma de caráter geral edi-
tada pela União; b) nos casos de competência legislativa concorrente, há de prevalecer
a competência da União para a criação de normas gerais (art. 24, § 4º, da CF/1988),
haja vista legislação federal preponderar sobre a estadual, respeitando, evidentemente,
o estatuído no § 1º, do art. 24, da CF/1988; c) é obrigatória a realização de prévio
estudo técnico-científico e sócioeconômico para a criação de área de preservação am-
biental, não sendo suficiente a simples justificativa técnica, como ocorreu no caso; d) a
justificativa contida no decreto estadual é incompatível com a conceituação de “parque
nacional”; e) é obrigatória a realização de consulta pública para criação de unidade de
conservação ambiental, nos termos da legislação estadual (MT) e federal.
2. O Decreto Estadual n. 5.438/2002, que criou o Parque Estadual Igarapés do
Juruena, no Estado do Mato Grosso, reveste-se de todas as formalidades legais exigíveis
para a implementação de unidade de conservação ambiental. No que diz respeito à
necessidade de prévio estudo técnico, prevista no art. 22, § 1°, da Lei n. 9.985/2002,
a criação do Parque vem lastreada em justificativa técnica elaborada pela Fundação
Estadual do Meio Ambiente – FEMA, a qual, embora sucinta, alcança o objetivo perse-
guido pelo art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, qual seja, possibilitar seja identificada a
“localização, dimensão e limites mais adequados para a unidade”.
3. O Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamentou a Lei n.
9.985/2000, esclarece que o requisito pertinente à consulta pública não se faz impres-
cindível em todas as hipóteses indistintamente, ao prescrever, em seu art. 4°, que “com-
pete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estu-
dos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais
procedimentos administrativos necessários à criação da unidade”. Aliás, os §§ 1° e 2°
do art. 5° do citado decreto indicam que o desiderato da consulta pública é definir a
localização mais adequada da unidade de conservação a ser criada, tendo em conta as
necessidades da população local. No caso dos autos, reputa-se despicienda a exigência
de prévia consulta, quer pela falta de previsão na legislação estadual, quer pelo fato de a
legislação federal não considerá-la pressuposto essencial a todas as hipóteses de criação
de unidades de preservação ambiental.
4. A implantação de áreas de preservação ambiental é dever de todos os entes da fe-
deração brasileira (art. 170, VI, da CFRB). A União, os Estados-membros e o Distrito
Federal, na esteira do art. 24, VI, da Carta Maior, detém competência legislativa con-
corrente para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defe-
sa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.
O § 2° da referida norma constitucional estabelece que “a competência da União para

FGV DIREITO RIO 85


DIREITO AMBIENTAL

legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”. Assim
sendo, tratando-se o Parque Estadual Igarapés do Juruena de área de peculiar interesse
do Estado do Mato Grosso, não prevalece disposição de lei federal, qual seja, a regra do
art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, que exige a realização de prévia consulta pública. À
norma de caráter geral compete precipuamente traçar diretrizes para todas as unidades
da federação, sendo-lhe, no entanto, vedado invadir o campo das peculiaridades regio-
nais ou estaduais, tampouco dispor sobre assunto de interesse exclusivamente local, sob
pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade.
5. O ato governamental (Decreto n. 5.438/2002) satisfaz rigorosamente todas as
exigências estabelecidas pela legislação estadual, mormente as presentes nos arts. 263
Constituição Estadual do Mato Grosso e 6°, incisos V e VII, do Código Ambiental (Lei
Complementar n. 38/1995), motivo por que não subsiste direito líquido e certo a ser
amparado pelo presente writ.
6. Recurso ordinário não-provido.

FGV DIREITO RIO 86


DIREITO AMBIENTAL

AULA 8. AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL (AIA)

O histórico menosprezo às externalidades ambientais ensejou inúmeros projetos ao


redor do mundo sem qualquer observância aos eventuais impactos negativos, por vezes
irreversíveis, ao meio ambiente. Este modelo de desenvolvimento acarretou prejuízos
catastróficos ao meio natural. Desde rios pegando fogo, vazamentos de óleo de gigantes-
ca magnitude, até sérias contaminações radioativas, para citar apenas alguns. As grandes
catástrofes ambientais fizeram crescer mundialmente a pressão pela necessidade da reali-
zação de avaliações prévias a qualquer projeto com potencial de impactar negativamente
o meio ambiente e a saúde da população.
A partir de então, percebe-se de forma crescente a inserção da avaliação de impac-
tos ambientais, na forma de princípio fundamental de direito ambiental, em tratados
internacionais. Este movimento foi copiado por ordenamentos jurídicos nacionais.
Como princípio, a avaliação de impacto ambiental exerce funções relevantes den-
tro do contexto do direito ambiental. Dentre elas, orientando a gestão ambiental e
como instrumento do próprio princípio da precaução. São as avaliações ambientais
que permitem a redução da incerteza, ampliando, desta forma, os níveis de informa-
ção e transparência na execução de projetos com potencial poluidor. Permite, assim,
maior engajamento da sociedade civil organizada e, com ela, o da participação popular.
Maior participação social reflete positivamente na maior eficácia do controle da ação
do gestor e dos empreendedores que se utilizam dos recursos naturais ou que apresen-
tam potencial para causar degradação ambiental. Por sua singular importância, a ava-
liação de impacto ambiental encontra-se atualmente consolidada no direito ambiental,
instruindo a ação de organismos internacionais e como parte integrante de diversos
ordenamentos jurídicos nacionais.
A avaliação de impactos ambientais tem previsão na Constituição Federal, art.
225, § 1º, inc. IV, e no art. 9º, inc. III, da Lei 6.938/81, que assim determinam,
respectivamente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencial-
mente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade.
Art. 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
III – a avaliação de impacto ambiental.

No ordenamento jurídico pátrio, além das previsões constitucional e legal acima


transcritas, a Resolução CONAMA nº 237/97 reitera a exigência do estudo prévio de
impacto ambiental para atividades consideradas efetivas ou potencialmente causadoras
de significativa degradação ambiental. Caso o órgão ambiental competente entenda que

FGV DIREITO RIO 87


DIREITO AMBIENTAL

a atividade não apresenta significativo potencial lesivo de agressão ambiental, poderá


dispor sobre outros estudos ambientais, que não o detalhado e complexo EIA/RIMA.
A Resolução CONAMA nº 1/86, dispõe sobre os critérios básicos e diretrizes
gerais para o uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental. O seu art.
2º, em rol não exaustivo, estabelece quais as atividades que deverão elaborar o EIA/
RIMA, in verbis:

Art. 2º. Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respec-


tivo relatório de impacto ambiental–RIMA, a serem submetidos à aprovação do
órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento
de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:
I–Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento;
II–Ferrovias;
III–Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos;
IV–Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei
nº 32, de 18.11.66;
V–Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de es-
gotos sanitários;
VI–Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV;
VII–Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: bar-
ragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação,
abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos
d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques;
VIII–Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão);
IX–Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de
Mineração;
X–Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou
perigosos;
Xl–Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia
primária, acima de 10MW;
XII–Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos,
siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de
recursos hídricos);
XIII–Distritos industriais e zonas estritamente industriais–ZEI;
XIV–Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100
hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais
ou de importância do ponto de vista ambiental;
XV–Projetos urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de rele-
vante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais
competentes;
XVI–Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior
a dez toneladas por dia.

FGV DIREITO RIO 88


DIREITO AMBIENTAL

De acordo com o art. 11 da Res. 237/97, os custos relativos aos estudos necessários
ao processo de licenciamento ambiental correrão por conta do empreendedor. Quer
dizer que o próprio empreendedor pode realizar os estudos, o que não deixa de ser uma
inovação em relação à Res. 1/86 que vedava a vinculação da equipe responsável pelos
estudos ambientais ao empreendedor.
A imparcialidade dos estudos fica por conta das responsabilizações administrativas,
civis e penais, pelas informações contidas no estudo de impacto ambiental, conforme
prevê o art. 11, § único da Res. 237/97:

Art. 11. Os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser re-


alizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor.
Parágrafo Único. O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estu-
dos previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas informações apresen-
tadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.

De acordo com o art. 1º, inc. III, da Res. 237/97:

Estudos Ambientais: são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos am-
bientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma ati-
vidade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença
requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental,
relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano
de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco.

Dentre as atividades técnicas mínimas exigidas para o EIA, incluem-se:

1) diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, aí considerados os


meios físico, biológico e sócio-econômico;
2) análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas;
3) definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos;
4) programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos negativos.

Importa frisar que o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio


Ambiente (EIA/RIMA), enquanto modalidade de Avaliação de Impacto Ambiental,
está intimamente ligado e é condição de validade do próprio procedimento de licencia-
mento ambiental.
O EIA/RIMA é, portanto, uma espécie de avaliação ambiental. Exigida, apenas,
para os casos de atividades com potencial de causar significativo impacto ambiental.
A presunção sobre o grau de impacto da atividade é regulada pela Resolução CONA-
MA n. 1/86. A lista de atividades que consta do artigo 2º, da referida Resolução é,
pois, exemplificativa. Quer dizer que se o órgão ambiental competente entender que
uma atividade, ainda que não listada, tenha potencial para causar significativo impacto
ambiental, desde que devidamente motivada, a determinação pela realização do EIA/
RIMA está dentro da esfera de discricionariedade da administração pública. Por sua vez,

FGV DIREITO RIO 89


DIREITO AMBIENTAL

se a atividade estiver listada, mas o órgão ambiental entender que não há potencial para
causar significativo impacto ambiental, em tese – segundo dispõe o parágrafo único
do artigo 3º, da Resolução CONAMA n. 237/97, poder-se-ia dispensar a exigência do
EIA/RIMA. Dispõe o referido dispositivo que “[o] órgão ambiental competente, verifi-
cando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa
degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo pro-
cesso de licenciamento.” Entretanto, esse entendimento não é pacífico e, por vezes, por
provocação do Ministério Público, o Poder Judiciário determina a realização de EIA/
RIMA quando dispensado pelo órgão ambiental competente.
Por ser a mais complexa espécie de avaliação ambiental, o EIA/RIMA é custoso e,
frequentemente, responsável por significativo aumento no valor total do empreendi-
mento. Por isso, a exigência desse tipo de avaliação para projetos de pequeno ou médio
impacto não se mostra eficiente. Logo, outras espécies de avaliação de impacto ambien-
tal podem e devem ser utilizadas para os casos de obras ou atividades que não tenham
potencial de causar significativo impacto ambiental. São outros exemplos de avaliações
ambientais: relatório de controle ambiental; projeto de controle ambiental, programa
de recuperação de áreas degradadas, estudo de viabilidade ambiental, relatório de ava-
liação ambiental, estudo ambiental simplificado, estudo de sísmica, relatório ambiental
simplificado e avaliação ambiental estratégica.
A diferença entre o estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e o relatório de im-
pacto ao meio ambiente (RIMA), está na natureza das informações. O EIA é complexo,
elaborado por equipe técnica, científica e multidisciplinar especializada. Utiliza termos
pouco conhecidos para a maioria da população. Não é acessível ao leigo. Por isso, de-
manda de relatório simplificado, com termos acessíveis e que comuniquem eficazmente
as informações técnicas e científicas contidas no seu todo. Esse relatório é o RIMA. Do-
cumento de comunicação das informações do EIA com a sociedade em geral, garantido
a qualificação da participação popular no acompanhamento e controle dos processos de
licenciamento ambiental.
O procedimento para convocação e estruturação de audiência pública para discus-
são do EIA/RIMA é regulamentado pela Resolução CONAMA n. 9/87. De acordo
com o artigo 2º da referida resolução, “[s]empre que julgar necessário, ou quando for
solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por cinquenta ou mais cidadãos,
o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública.” O intuito da
audiência pública regulada pela Resolução CONAMA n. 9/87 é “...expor aos inte-
ressados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e
recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito.” (artigo 1º). Quando requisi-
tada, a “audiência pública deverá ocorrer em local acessível aos interessados.” (artigo 2º,
§ 4º). Para os casos complexos e dependendo da localização geográfica, “poderá haver
mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto de respectivo Relatório de Impacto
Ambiental – RIMA.” (artigo 2º, § 5º).

FGV DIREITO RIO 90


DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES

1. Qual a diferença entre Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e Estudo /


Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)?
2. Qual a diferença entre Estudo e Relatório de Impacto Ambiental?
3. Qual a finalidade destes instrumentos (AIA / EIA / RIMA)?
4. De que forma a avaliação de impacto ambiental pode atuar como instrumen-
to de redução de incertezas?
5. Por que a redução de incertezas é importante para o direito ambiental?
6. Qual a relação existente entre avaliação de impacto ambiental e os princípios
da precaução e prevenção?
7. Questão do concurso para Procurador do Município, Manaus, 200652:
No curso de processos de licenciamento ambiental, o estudo de impacto
ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA):
a. São sempre exigíveis.
b. São em princípio exigíveis, podendo ser dispensados por livre decisão do
órgão licenciador.
c. São em princípio exigíveis, podendo ser dispensados pelo órgão licen-
ciador se o impacto ambiental não for significativo.
d. Não são em princípio exigíveis, mas podem sê-lo por livre decisão do
órgão licenciador.
e. Não são em princípio exigíveis, mas podem sê-lo pelo órgão licenciador
se o impacto ambiental for significativo.

8. Questão retirada do concurso para Analista Ambiental CPRH/PE, 2006:


Leia as afirmativas que seguem:
a. O empreendedor e os profissionais que subscrevem o Estudo de Impac-
to Ambiental são responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitan-
do-se às sanções administrativas, civis e penais.
b. O órgão ambiental competente, apesar de verificar que a atividade ou
o empreendimento não é potencialmente causador de significativa de-
gradação ambiental, poderá mesmo assim exigir os estudos ambientais
pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.
c. É obrigatória a elaboração de Estudo de Impacto ambiental para: os
distritos industriais, as estradas de rodagem com duas ou mais faixas de
rolamento, os postos de abastecimento de combustível, e os gasodutos.

Está(ão) incorreta(s) apenas:


a. A afirmativa (a).
b. A afirmativa (b).
c. A afirmativa (c).
d. As afirmativas (a) e (c).
52. As questões 5 a 11 foram extra-
e. As afirmativas (a) e (b). ídas da seguinte obra: Antônio F. G.
Beltrão, Manual de Direito Ambiental,
Editora Método, 2008, pp. 192-199.

FGV DIREITO RIO 91


DIREITO AMBIENTAL

9. Questão retirada do concurso para Analista Ambiental CPRH/PE, 2006:

Leia as afirmativas que seguem:


a. O RIMA é parte integrante do Estudo de Impacto Ambiental.
b. As diretrizes a serem seguidas para a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental são determinadas exclusivamente pelo órgão competente que
realizar o licenciamento ambiental.
c. Durante o período de análise técnica, o RIMA deve estar disponível ao
público no órgão ambiental estadual, observado o sigilo industrial.
Está(ao) correta(s)
a. Apenas a afirmativa “a”.
b. Apenas a afirmativa “c”.
c. Apenas as afirmativas “a” e “b”.
d. Apenas as afirmativas “a” e “c”.
e. As afirmativas “a”, “b” e “c”.

10. Questão retirada do concurso para Analista Ambiental CPRH/PE, 2006:


Leia as afirmativas que seguem:
a. Compete ao órgão ambiental estadual exigir Estudo de Impacto Ambiental
dos empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em mais
de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual.
b. Compete ao IBAMA exigir Estudo de Impacto Ambiental dos empre-
endimentos e atividades localizados ou desenvolvidos nas florestas e de-
mais formas de vegetação natural de preservação permanente relaciona-
das no artigo 2º da Lei Federal n.º 4.771/65.
c. Em regra, é de competência do órgão ambiental estadual exigir Estudo
de Impacto Ambiental dos empreendimentos e atividades localizados
em dois ou mais Estados.

Está(ão) correta(s) apenas:


a. A afirmativa “a”.
b. A afirmativa “b”.
c. A afirmativa “c”.
d. As afirmativas “a” e “b”.
e. As afirmativas “a” e “c”.

11. Questão retirada do concurso para Analista Ambiental CPRH/PE, 2006


Leia as afirmativas que seguem:
a. O Estudo de Impacto Ambiental deverá contemplar alternativas tecno-
lógicas e locacionais, bem como medidas mitigadoras apara a redução
do impacto ambiental.
b. Independentemente de quem seja o empreendedor, a responsabilidade
pelas despesas de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental é do Po-
der Público.

FGV DIREITO RIO 92


DIREITO AMBIENTAL

c. O Estudo de Impacto Ambiental é exigível para todos os licenciamentos


ambientais.

Está(ão) correta(s) apenas:


a. A afirmativa “a”.
b. A afirmativa “c”.
c. As afirmativas “a” e “b”.
d. As afirmativas “a” e “c”.
e. As afirmativas “b” e “c”.

12. Questão retirada do concurso para Procurador do Estado/PR, 2007:


À luz da legislação ordinária vigente em nosso país, assinale a alternativa
correta:
a. Compete ao IBAMA exigir a realização de estudo prévio de impacto
ambiental de atividades de pesquisas com organismos geneticamente
modificados ou seus derivados.
b. Compete à ANVISA exigir a realização de estudo prévio de impacto
ambiental de atividades de pesquisas com organismos geneticamente
modificados ou seus derivados.
c. Compete à CTNBIO exigir a realização de estudo prévio de impacto
ambiental de atividades de pesquisas com organismos geneticamente
modificados ou seus derivados.
d. Compete simultaneamente ao IBAMA, à ANVISA e à CTNBIO exigir
a realização de estudo prévio de impacto ambiental de atividades de pes-
quisas com organismos geneticamente modificados ou seus derivados.
e. Quanto aos aspectos de biossegurança de OGM e seus derivados, a de-
cisão técnica do CONAMA vincula os demais órgãos e entidades da
administração.

13. Questão do Procurador do Estado/PR, 2007:


Qual é o instrumento de controle do Poder Público destinado a atestar a
viabilidade ambiental de um empreendimento ou atividade?
a. Relatório ambiental preliminar.
b. Plano de manejo.
c. Análise preliminar de risco.
d. Estudo prévio de impacto ambiental.
e. Licença prévia.

14. Questão retirada do exame da OAB/CESPE, 2007.II:


Considerando aspectos relativos à proteção administrativa do meio ambien-
te, assinale a opção correta.
a. A legislação brasileira estabelece, em enumeração taxativa, todos os ca-
sos em que a administração pública deve exigir do empreendedor a ela-

FGV DIREITO RIO 93


DIREITO AMBIENTAL

boração de estudo prévio de impacto ambiental, o qual nunca poderá


ser dispensado pelo órgão ambiental.
b. O EIA/RIMA é uma das fases do procedimento de licenciamento am-
biental, devendo ser elaborado por equipe técnica multidisciplinar in-
dicada pelo órgão ambiental competente, cabendo ao empreendedor
recolher à administração pública o valor correspondente aos seus custos.
c. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, entre outros,
o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais e a criação
de espaços territoriais especialmente protegidos, em áreas públicas ou
particulares.
d. A legislação brasileira estabelece, em rol exemplificativo, os casos em
que a administração pública deve solicitar ao empreendedor estudo de
impacto ambiental (EIA). A exigência, ou não, do EIA está vinculada ao
custo final do empreendimento proposto, de acordo com tabela fixada
pela administração pública.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV;


2. Lei 6.938/1981, artigo 6º, inciso II e parágrafos 1º e 2º e artigo 9º, inciso III;
3. Decreto 99.274/1990, artigo 7º;
4. Resoluções CONAMA 001/1986; 009/1987 e 237/1997.

Leitura Indicada

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
PP. 354-403.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Limen Júris,
2008, PP. 253-306.

Doutrina

A implantação de qualquer atividade ou obra efetiva ou potencialmente degradadora


deve submeter-se a uma análise e controle prévios. Tal análise se faz necessária para se ante-
verem os riscos e eventuais impactos ambientais a serem prevenidos, corrigidos, mitigados e/
ou compensados quando da sua instalação, da sua operação e, em casos específicos, do encer-
ramento das atividades.
(Édis Milaré, Direito do Ambiente, 5ª edição, Revista dos Tribunais, 2007, p. 354.)

FGV DIREITO RIO 94


DIREITO AMBIENTAL

Jurisprudência

Requerente: Procurador-Geral da República vs. Requerido: Assembléia Legislativa


do Estado de Santa Catarina, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.086-7, Tribu-
nal Pleno, STF, Julgamento 7/Jun./2001, DJ 10/Ago./2001.

Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 182 DA


CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ESTUDO DE IMPAC-
TO AMBIENTAL. CONTRARIEDADE AO ART. 225, § 1º, IV, DA CARTA DA
REPÚBLICA.

A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto am-


biental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria
exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV, do § 1º do artigo 225
da Constituição Federal.
Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo cons-
titucional catarinense sob enfoque.

FGV DIREITO RIO 95


DIREITO AMBIENTAL

AULA 9. LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A partir do momento em que as externalidades ambientais passam a ser reguladas


pelos ordenamentos jurídicos nacionais, surge a necessidade de desenvolvimento e im-
posição de um sistema de controle administrado e de gestão pública. A avaliação de im-
pacto ambiental é um dos elementos deste sistema. Após o levantamento e averiguação
das externalidades negativas ambientais e como meio de controle do bem ambiental, o
Poder Público institui licenças ou autorizações concedidas e impostas à atividade eco-
nômica, visando à consagração dos princípios de direito ambiental.
Esta mudança de paradigma é emblemática. Significa reconhecer que a atividade
econômica já não mais se encontra livre para explorar os recursos naturais. É o reconhe-
cimento de que o desenvolvimento somente será admitido se ocorrer de forma susten-
tável. Para tanto, a legislação brasileira impõe um sistema de licenciamento ambiental
que se traduz em autorizações de planejamento prévio, instalação e operação, desde que
verificadas as melhores práticas ambientais, ou seja, aquelas que não violem os princí-
pios consagrados pelo artigo 225 da Carta da República. Como as melhores práticas
ambientais estão intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento científico e tecnológico,
às circunstâncias de fato, tempo e modo, as licenças ambientais são provisórias, devendo
ser renovadas periodicamente. Milaré56, resume o licenciamento ambiental nas seguin-
tes palavras:

Segundo a lei brasileira, o meio ambiente é qualificado como patrimônio


público a ser necessariamente assegurado e protegido para uso da coletividade
ou, na linguagem do constituinte, bem de uso comum do povo, essencial à sa-
dia qualidade de vida. Pode ser de todos em geral e de ninguém em particular,
inexiste direito subjetivo à sua utilização, que, à evidência, só pode legitimar-se
mediante ato próprio de seu direto guardião – o Poder Público.
Para tanto, arma-o a lei de uma série de instrumentos de controle – prévios,
concomitantes e sucessivos – através dos quais possa ser verificada a possibilidade
e regularidade de toda e qualquer intervenção projetada sobre o meio ambiente
considerado. Assim, por exemplo, as permissões, autorizações e licenças pertencem
à família dos atos administrativos de controle prévio; a fiscalização é meio de
controle concomitante; e o habite-se é a forma de controle sucessivo.

O dispositivo legal prevendo o licenciamento ambiental para atividades consideradas


efetiva e potencialmente degradadoras do meio ambiente é o art. 10, da Lei 6.938/81,
in verbis:

A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e


atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente polui-
dores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental depende-
rão de prévio licenciamento ambiental.

53. MILARÉ, 404.

FGV DIREITO RIO 96


DIREITO AMBIENTAL

Estão, portanto, sujeitas ao licenciamento ambiental, a construção, a instalação, a


ampliação e funcionamento de atividades com potencial de impacto ambiental e das
que se utilizam de recursos ambientais. O Anexo I da Resolução CONAMA n. 237/97
apresenta uma lista extensa de atividades que dependem de prévio licenciamento de
órgão ambiental competente.
Em relação à competência para o licenciamento ambiental, a partir da entrada em
vigor da LC n. 140/11 transcrita anteriormente, passa a valer a abrangência do impacto
e o critério da dominialidade exercida sobre determinado território.
Conforme narrado anteriormente, o sistema de licenciamento ambiental no Brasil
é trifásico. As três fases vêm descritas pelo art. 8º, da Res. 237/97 (e que não diferem
das previstas pela Lei 6.938/81 e do seu Dec. Regulamentador, 99.274/90) da seguinte
forma:
I–Licença Prévia (LP)–concedida na fase preliminar do planejamento do em-
preendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a
viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a
serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II–Licença de Instalação (LI)–autoriza a instalação do empreendimento ou
atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condi-
cionantes, da qual constituem motivo determinante;
III–Licença de Operação (LO)–autoriza a operação da atividade ou empre-
endimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licen-
ças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determi-
nados para a operação.
Parágrafo único–As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou
sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendi-
mento ou atividade.

Além destas, o CONAMA ainda pode definir licenças ambientais específicas de


acordo com a natureza, características e peculiaridades da obra, e a respectiva compati-
bilização com as etapas de implantação e operação.
Por ser um procedimento complexo e multifásico, o licenciamento ambiental bra-
sileiro passa por diferentes etapas, nem sempre tranquilas, aumentando a insegurança
dos investimentos dos setores produtivos. Este rito vem detalhado pelo art. 10, da Res.
237/97:

Art. 10–O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes


etapas:
I–Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do em-
preendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao iní-
cio do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida;
II–Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado
dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida
publicidade;

FGV DIREITO RIO 97


DIREITO AMBIENTAL

III–Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, dos


documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de visto-
rias técnicas, quando necessárias;
IV–Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise
dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber,
podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e com-
plementações não tenham sido satisfatórios;
V–Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação per-
tinente;
VI–Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver
reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não te-
nham sido satisfatórios;
VII–Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer ju-
rídico;
VIII–Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devi-
da publicidade.

Para os empreendedores que tenham implantado planos e programas voluntários de


gestão ambiental como, por exemplo, o ISO 1400, o art. 12 § 3º, da Res. 237/97 prevê
critérios de agilização e simplificação dos procedimentos de licenciamento ambiental.
Esses critérios incluem:

1) Dispensa ou simplificação das auditorias ambientais, nos Estados em que a


mesma é obrigatória;
2) Redução dos custos relacionados ao licenciamento;
3) Aumento dos prazos relativos às licenças ambientais;
4) Simplificação dos estudos ambientais inerentes ao processo de licenciamento.

A Resolução prevê ainda que os custos do órgão ambiental correm por conta do em-
preendedor. Esses custos podem alcançar elevadas somas. Para ampliar a transparência
dos custos de análise do licenciamento, deverão as despesas ser estabelecidas por dispo-
sitivo legal e facultando ao empreendedor o acesso às planilhas de custos.
Para análise do pedido de licença, instituiu a Resolução prazo máximo de seis meses,
ressalvados os casos em que houver EIA/RIMA e/ou audiência pública. Nesses casos, o
prazo será de doze meses.
Os esclarecimentos necessários devem ser prestados pelo empreendedor em prazo
máximo de quatro meses. Os prazos podem ser flexibilizados, desde que haja concor-
dância do órgão ambiental e do empreendedor.
A não observância dos prazos acarreta em:

Art. 16–O não cumprimento dos prazos estipulados nos artigos 14 e 15,
respectivamente, sujeitará o licenciamento à ação do órgão que detenha com-

FGV DIREITO RIO 98


DIREITO AMBIENTAL

petência para atuar supletivamente e o empreendedor ao arquivamento de seu


pedido de licença.
Art. 17–O arquivamento do processo de licenciamento não impedirá a apre-
sentação de novo requerimento de licença, que deverá obedecer aos procedimen-
tos estabelecidos no artigo 10, mediante novo pagamento de custo de análise.

Os prazos das licenças ambientais são estipulados pelo art. 18, da Res. 237/97:

I–O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o esta-
belecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relati-
vos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos.
II–O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo,
o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade,
não podendo ser superior a 6 (seis) anos.
III–O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os
planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máxi-
mo, 10 (dez) anos.

As regras para prorrogação dos prazos para cada licença e o rito para renovação vêm
expresso pelos §§ 1º a 4º, do art. 18 da Res. 237/97.
Pelo princípio da autonomia dos entes Federados, os Estados, Municípios e Distrito
Federal não estão adstritos aos prazos estabelecidos pela retro citada Res. 237/97.
De acordo com o art. 19 da Res. 237/97, o órgão ambiental competente tem poderes
para suspender ou cancelar as licenças ambientais. Este ato é vinculado às hipóteses de:

1) violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;


2) omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expe-
dição da licença; e
3) superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Com o advento da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) passou-se a crimina-


lizar as atividades sem a respectiva licença ambiental. Assim dispõem o artigo 60, da
referida lei: “Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte
do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem li-
cença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e
regulamentares pertinentes: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas
as penas cumulativamente.”
Finalmente, as regras gerais de licenciamento estipuladas pela Resolução CONAMA
n. 237/97, não excluem a exigência de licenças específicas para atividades especiais. Al-
guns exemplos incluem atividades de petróleo, mineração, elétricos, entre outros.

FGV DIREITO RIO 99


DIREITO AMBIENTAL

ATIVIDADES

1. Durante a vigência de uma licença ambiental, é possível a modificação dos


seus termos, suspensão e/ou cancelamento? Explique. Em caso positivo,
quem deve arcar com os custos inerentes à adaptação da licença?
2. Quais são os tipos de licenças previstas pelo ordenamento jurídico ambiental
brasileiro?
3. Qual a repercussão que o conceito de licença para o direito administrativo
pode ter para a licença ambiental?
4. No caso de modificação, suspensão e/ou cancelamento de licença ambiental
vigente, cabe ao empreendedor ser indenizado pelos danos materiais e/ou
morais decorrentes? Explique.
5. Questão retirada do concurso para Defensor Público SP, 2006:
A concessão de licença ambiental não prevê a obrigatoriedade de audiência
pública, exceto quando o órgão competente para a concessão da licença jul-
gar necessário ou quando sua realização for solicitada pelo Ministério Públi-
co ou requerido ao órgão ambiental por
a. Pelo menos 0,5% de cidadãos do município atingido.
b. Mais de 1% dos cidadãos residentes no município atingido.
c. Pelo menos 1% de eleitores do município atingido.
d. Mais de cem eleitores.
e. Cinqüenta ou mais cidadãos.

Questão retirada do concurso para Defensor Público SP, 2006:


O licenciamento ambiental é feito em três etapas distintas, conforme a ou-
torga das seguintes licenças: a prévia, a de instalação e a de operação. A licen-
ça de instalação NÃO poderá ultrapassar
a. 10 anos.
b. 6 anos.
c. 5 anos.
d. 3 anos.
e. 2 anos.

6. Questão retirada do concurso da CESPE para Juiz Federal Substituto TRF 5ª


Região:
Em virtude da concessão de licença de operação a uma usina hidrelétrica, nas
proximidades de um município, cujo grande apelo turístico era a existência
de um lençol freático de águas quentes, foi constatado que o funcionamento
da usina poderia vir a causar o resfriamento de seu lençol aqüífero termal. Os
técnicos do órgão licenciador estadual constataram ainda que o resfriamento
do aqüífero poderia trazer conseqüências não apenas ao município vizinho,
mas também a outras cidades, localizadas em unidade da federação confron-
tante. Considerando o texto acima como referência inicial, julgue os itens
que se seguem.

FGV DIREITO RIO 100


DIREITO AMBIENTAL

a. Na hipótese aventada, na qual existe uma situação de incerteza quanto à


real efetivação dos danos ambientais, o órgão licenciador competente
não pode, por meio do seu poder de política, criar novas restrições am-
bientais, nem mesmo aludindo ao princípio da precaução.
b. A ausência da participação do IBAMA no procedimento de concessão de
licença de operação enseja uma irregularidade, já que seria necessária a
participação dessa autarquia federal como órgão de proteção ambiental
competente, tendo em vista não somente que a potencialidade lesiva
abrange diretamente mais de um Estado federativo, mas também por-
que cabe ao IBAMA o exercício do poder de polícia quando as questões
ambientais envolvam bens da União, como no caso em comento, haja
vista que os recursos minerais do subsolo pertencem à União.

7. Questão retirada do concurso para Procurador do Estado/PR, 2007:


Assinale a alternativa incorreta:
a. Os estudos necessários ao processo de licenciamento ambiental deverão ser
realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreen-
dedor.
b. O licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto
ambiental local compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos
competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber.
c. Compete ao órgão ambiental estadual o licenciamento ambiental de em-
preendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos ao longo de rios,
ainda que de domínio federal.
d. Compete ao IBAMA o licenciamento ambiental de empreendimentos e ati-
vidades com significativo impacto ambiental localizadas em Estados que se-
jam limítrofes a outros países.
e. Pode o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, modificar
as condicionantes e as medidas de controle e adequação, bem como suspen-
der ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer superveniência de
graves riscos ambientais e de saúde.

8. Resolva o caso transcrito abaixo e extraído do material didático da Pós-Gra-


duação em Direito do Estado e da Regulação da Fundação Getulio Vargas
(FGV DIREITO PEC), organizado por Rafael Aleixo e outros, p. 117:

O Prefeito de Rocha Meriti, indignado com a morosidade no andamento dos pro-


cedimentos de licenciamento ambiental de atividades que pretendem se instalar em
seu Município, sob a responsabilidade do órgão estadual, resolve instituir um Sistema
Municipal de Licenciamento Ambiental, com base no art. 6º da Resolução n. 237/97
do Conselho Nacional de Meio Ambiente.
Ao consultar a Procuradoria do referido Município, o prefeito foi desaconselhado a
fazê-lo, tendo sido a orientação do procurador no sentido da propositura, na Câmara de
Vereadores, de um projeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, instituindo o sistema

FGV DIREITO RIO 101


DIREITO AMBIENTAL

de licenciamento pretendido, ainda que nos mesmos termos do licenciamento federal,


e criando os respectivos órgãos públicos municipais responsáveis por esta atribuição.
Tendo tido conhecimento de outros vários Municípios que tinham procedido de
forma semelhante, e tendo em vista a demora do processo legislativo sugerido, o prefei-
to ignorou o aconselhamento do procurador e seu Município passou a outorgar licenças
ambientais.
Tempos depois, uma empresa de grande importância para a cidade, responsável pela
geração de vários empregos e por parte considerável da arrecadação de Rocha Meriti,
é multada e tem suas atividades paralisadas por ordem do Poder Público estadual, por
falta da devida licença ambiental.
Questões para reflexão:

9. O Município tem competência para o licenciamento ambiental? Com que


fundamento?
10. Quais seriam as atividades cujo licenciamento caberia ao Município, caso se
entenda que ele tem competência para licenciar?
11. No caso de se entender que o Município tem competência para licenciar, a
Administração Pública municipal poderia licenciar suas próprias atividades?
Por quê?

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Lei 6.938/1981;
2. Decreto 99.274/1990;
3. Resoluções CONAMA 001/1986, 23/94 e 237/1997.

Doutrina

Sidney Guerra & Sérgio Guerra,54 Curso de Direito Ambiental, Editora Fórum (2009),
pp. 243-270.

Jurisprudência

Recorrente: Superintendência do Porto de Itajaí vs. Recorrido: Ministério Público


Federal, pp. 10-30, Recurso Especial n. 588.022-SC (2003/0159754-5), 1ª Turma,
STJ, Julgamento 17/Fev./2004, DJ 5/Abr./2004.
54. Os autores discorrem sobre o
processo de licenciamento ambiental,
abordando aspectos como a discricio-
nariedade do órgão ambiental e a rela-
ção com o direito administrativo.

FGV DIREITO RIO 102


DIREITO AMBIENTAL

Ementa

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSO-


REAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO
IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação
e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito am-
biental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de
preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger
patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.
3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A
conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências
históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fron-
teiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a
presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado.
O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de
toneladas de detritos.
4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona
costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de
prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva.
Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos
ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado
pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes
marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o
homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.
5. Recursos especiais improvidos.

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DIREITO AMBIENTAL

MÓDULO III. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

Conforme reiteradamente exposto em tópicos anteriores, o bem ambiental é com-


plexo, pois composto de diversos elementos naturais e, conforme o ordenamento jurí-
dico, de elementos criados artificialmente pelo homem. Pelo fato desses elementos apre-
sentarem intricada relação com a vida humana, estão constantemente sujeitos a serem
alterados e/ou modificados. Acontece, porém, que a noção clássica de dano pressupõe
uma ação negativa, ou seja, prejudicial ao estado em que se encontrava o bem antes do
evento danoso. Em se tratando do bem ambiental e dos elementos que o compõem, a
caracterização de um dano é ameaçada pelo alto grau de subjetividade no juízo de valor
que, por sua vez, varia conforme o interesse em jogo. Por exemplo: o que seria um meio
ambiente ecologicamente equilibrado? Quem define quais os critérios para se atingir
um meio ambiente ecologicamente equilibrado? A ciência? Mas por vezes a própria ci-
ência é contraditória. Consequentemente, a própria caracterização de um determinado
dano ambiental não é matéria pacífica. Na mesma esteira, muitos danos ao meio am-
biente são de longa maturação, não sendo sentidos, senão depois de transcorridos lon-
gos períodos de tempo. Em todas essas hipóteses, há, portanto, significativa dificuldade
de estabelecimento de nexo causal, típico da relação entre o dano e a responsabilidade
civil clássica.
Por outro lado, quando efetivamente constatada a existência de um dano ao meio
ambiente como, por exemplo, inequívoco derramamento de substância tóxica que afeta
a saúde da população e os atributos ecológicos dos elementos diretamente afetados pelo
vazamento, impõe-se a construção de uma responsabilidade especial que considere a
complexidade anteriormente narrada do bem ambiental. Para tanto, a Constituição Fe-
deral de 1988 estabelece as linhas gerais para uma tríplice responsabilização: no campo
penal, administrativo e reparatório, bem assim a legislação infraconstitucional, mais
precisamente, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6,938/81) e a Lei dos
Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).
Dessa formas os objetivos deste módulo são:
• Entender a noção de dano ambiental à luz da complexidade do bem ambiental.
• Analisar como a responsabilidade na área ambiental é construída como elemen-
to inibidor do risco assumido pelo tomador antes do dano ocorrer.
• Compreender como o instituto da responsabilidade para o direito ambiental é
instrumento de materialização da prevenção.
• Trabalhar as possibilidades reparatórias diante de um dano ambiental.
• Identificar as dificuldades da aplicação da responsabilidade civil aos danos cau-
sados ao meio ambiente.
• Examinar as consequências sancionatórias imputadas pelo ordenamento jurídi-
co brasileiro ao responsável pelo dano ambiental.
• Conhecer as condutas lesivas ao meio ambiente que dão ensejo a responsabili-
dade penal.
• Analisar as possibilidades de atuação da administração pública na imposição de
sanções administrativas.
• Articular a aplicação das responsabilidades civil, penal e administrativa.

FGV DIREITO RIO 104


DIREITO AMBIENTAL

AULA 10. RESPONSABILIDADE COMO TUTELA DO RISCO

O “risco” é um fenômeno afeto à transformação dos modelos tecnológicos e de produ-


ção que caracterizam a sociedade moderna. Difere-se do perigo, pois que se refere às situ-
ações futuras e incertas. Apesar de não ser possível afastar integralmente os riscos produzi-
dos pela sociedade, mecanismos de gestão dos riscos são viáveis e cada vez mais desejáveis.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é
direito de todos e sua defesa e preservação é dever do Poder Público e da coletividade55.
Muitas vezes os danos provenientes da ausência da observância do dever constitucional
de proteção ambiental são irreversíveis, não sendo, dessa forma, possível repará-los. É
neste contexto de irreparabilidade e imprevisibilidade do dano ambiental que surge a
responsabilidade ambiental.
Tendo em vista a preocupação com a produção de danos futuros, a responsabilidade
ambiental estimula os agentes econômicos a exercerem suas atividades de forma mais
eficiente, na medida em que a verificação do dano poderá implicar na tríplice responsa-
bilização (penal, administrativa e civil) do agente56.
A responsabilidade penal surge em razão da infração de normas penais, que tipificam
como criminosas determinadas condutas praticadas pelo agente e impõem, na maio-
ria da vezes, como consequência, penas privativas de liberdade. Já a responsabilidade
administrativa deriva da transgressão de normas de natureza administrativa, impondo
punições tais como a cominação de multa, a destruição ou apreensão de bens, o fecha-
mento de estabelecimentos, etc. Finalmente, a responsabilidade civil nasce quando uma
conduta praticada produz dano a terceiro em razão da violação de direito, devendo
portando o causador do dano repará-lo.
Tendo em vista a gravidade das consequências jurídicas provocadas em função das
ações danosas ao bem jurídico tutelado, as externalidades ambientais são incorporadas
aos custos de produção, posto que os agente econômicos são estimulados a desenvol-
verem formas menos danosas e perigosas de exercerem suas respectivas atividades57,
reduzindo, portanto, os riscos ambientais, diminuindo, consequentemente, os danos ao
meio ambiente. Diante das demandas da sociedade, a responsabilidade ambiental surge
como importante instrumento para a regulação dos riscos.
O sistema de responsabilização do poluidor em razão da produção de riscos/danos
ambientais pode ser resumido da seguinte maneira, de acordo com Benjamin58:
“a) responsabilidade civil pelo dano ambiental (pessoal – patrimonial ou moral – e/
ou ecológico), com base na Lei 6.938/81 (regime objetivo), acrescida da inovadora
possibilidade do juiz cível, em complementação ao quantum debeatur indenizatório,
55. Art. 225 da CF.
impor ao réu multa civil, esta com base na Lei n. 9.605/98, desde que presente infração 56. Art. 225, § 3º da CF: As condutas
a qualquer dos dispositivos do novo estatuto; e e atividades consideradas lesivas ao
meio ambiente sujeitarão os infratores,
b) responsabilidade penal e administrativa nos termos da Lei n. 9.605/98 (regime pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independen-
subjetivo para os ilícitos penais), além de outras sanções previstas no restante do orde- temente da obrigação de reparar os
namento, sem prejuízo de, no próprio campo criminal, proceder-se à responsabilização danos causados.
57. Antoônio Herman V. Benjamin.
civil de modo acidental. “Responsabilidade Civil pelo Dano Am-
A seguir serão apresentadas de forma mais detalhada as referidas espécies de respon- biental”. Revista de Direito Ambiental,
ano 3, janeiro-março de 1998. P. 9.
sabilização ambiental. 58. Ibid, p. 30.

FGV DIREITO RIO 105


DIREITO AMBIENTAL

Esse rígido sistema de responsabilidades está inserido na construção de um direito


tipicamente de risco, com princípios, normas e regulamentos próprios e bastante pecu-
liares às circunstâncias do objeto da tutela. A figura a seguir ilustra auxilia na compre-
ensão da inserção da noção de risco na concepção da resposabilidade.

Fonte: próprio autor.

Assumindo uma linha imaginária de ação ou omissão, conforme demonstrado no


gráfico, “x” seria o momento de ocorrência do dano ambiental. Diante da natureza da
imprevisibilidade da ocorrência do dano, permeada por incertezas diante da comple-
xidade do bem tutelado e, sobretudo, diante de uma característica bastante peculiar ao
dano ao ambiente natural, qual seja, a sua irreversibilidade ou extrema dificuldade de
recuperação, a área de maior atuação da tutela ambiental é na fase pré-dano mostrada na
figura. Isso se dá através de um complexo sistema de comando e controle, mas também
via incentivos econômicos como instrumentos de política ambiental. O pilar central
desta atuação é juridicamente construído a partir do princípio da precaução.
Na linha do gráfico ilustrado anteriormente, o regime de responsabilização em ma-
téria ambiental é um instrumento de regulação pré-dano. A intenção é justamente essa.
Ao se deparar com as possíveis consequências da assunção de risco acima do socialmente
desejado ou juridicamente permitido, o empreendedor tenderia a tomar uma posição
mais conservadora. Comparando o custo provável de todas as variáveis que envolvem
a ocorrência do dano com o custo de não assumir o risco, o empreendedor opta pela
auto-regulação via adoção de mecanismos de controle e gestão dos riscos ambientais da
suas atividades. Esta é a racionalidade que fundamenta a construção teórica e jurispru-
dencial da responsabilidade punitiva em matéria ambiental, efetivo instituto pós-dano,
mas com reflexo direto no controle do grau de risco assumido na fase pré-dano.
Alguns elementos contribuem para uma responsabilidade diferenciada para o direito
ambiental de risco. A primeira delas se relacionada com a dificuldade de caracterização
do dano ambiental em esferas de espaço e de tempo. O dano ambiental não se restringe
aos limites geopolíticos impostos pelas diferentes sociedades. Por isso, uma atividade
que ocorre num determinado local, numa determinada época, pode se revelar degrada-

FGV DIREITO RIO 106


DIREITO AMBIENTAL

dora noutro local, distante ou não da sua origem, pouco ou muito tempo depois de ter
acontecido.
Aliado às complexidades relacionadas à delimitação do dano e que, portanto, se
apresentam como obstáculos à eficaz regulação ambiental, em muitos casos a natu-
reza difusa dos prejuízos causados pela emissão de determinado poluente dificulta o
rastreamento da fonte emissora para efeitos de caracterização do nexo de causalidade,
imprescindível à aplicação do regime constitucional de responsabilização. Pior ainda,
uma determinada substância pode apenas se tornar uma ameaça ao ambiente natural,
ou à saúde da população, quando em contato e reagindo com outras substâncias emiti-
das por outros agentes, ou mesmo com aquelas encontradas naturalmente no ambiente.
Trata-se de mais um elemento desafiador para a regulação ambiental pré e pós-dano.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

Lei n. 6.938/81;
Lei n. 9.605/98.

Doutrina

A sociedade capitalista e o modelo de exploração capitalista dos recursos economi-


camente apreciáveis se organizam em torno das práticas e dos comportamentos po-
tencialmente produtores de situações de risco. Esse modelo de organização econômica,
política e social submete e expõe o ambiente, progressiva e constantemente, ao risco.
O risco, é hoje, o dado que responde pelos maiores e mais graves problemas e difi-
culdades nos processos de implementação de um nível adequado de proteção jurídica
do ambiente (...).
O dano ambiental é um desses novos problemas produzidos pelos modelos de orga-
nização social de risco, e que se relacionam de forma mais próxima com a pretensão
deste trabalho. Há a difusão subjetiva, temporal e espacial dos estados de perigo e
das situações de risco, a qual qualifica o dano ao ambiente sob uma perspectiva de
superação dos esquemas relacionais da ciência jurídica tradicional. Basta para exem-
plificar a afirmação a observação da emergência do dano pessoal e do dano global,
que cada vez mais têm condições de projetar potencialmente seus efeitos no tempo,
sem que se garantam certeza e controle absoluto sobre a informação de sua qualidade
de periculosidade.
Tal situação importa em reconhecer a multiplicação anônima das situações de
danos invisíveis, furtivos e anônimos, cuja presença, acumulação e progressão do
processo degradador podem ser mesmo completamente desconhecidos dos atores do
ambiente democrático e de seus atingidos.

FGV DIREITO RIO 107


DIREITO AMBIENTAL

Reconhece-se, assim, a possibilidade da proliferação anônima de situações de risco


e de perigo, das vítimas potenciais, e, sobretudo, da possibilidade de que a potência de
vitimização não se adstrinja exclusivamente ao presente, e muito menos se circunscre-
va a um âmbito ético que limite sua compreensão a partir do paradigma humano.
Não só os atores sociais presentes e humanos são as vítimas potenciais desses processos
invisíveis e deles desconhecidos. A invisibilidade e o anonimato dos estados de ris-
co e de perigo revelam seu aspecto nocivo e dogmaticamente mais tormentoso como
problema, quando se admite que são futuras gerações, e o complexo de seus interesses
e direitos intergeracionais, que atualmente se impõem como o principal problema
produzido pelas sociedades de risco, e, da mesma forma, o principal problema a ser
enfrentado pelo Direito do Ambiente a partir de um modelo eficiente de equalização
otimizada e procedimental desses desafios.

Leite, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. P. 123-124.

Leitura Indicada

Leite, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2004. P. 123-132.
Guerra, Sidney e Guerra, Sérgio. Curso de direito ambiental. Belo Horizonte: Fórum,
2009. P. 19-37.

Jurisprudência

Recorrente: Ruma Administração e Comércio de Imóveis Ltda. vs. Recorrido: Mi-


nistério Público, Agravo de Instrumento n. 2004.002441-0, de São Francisco do Sul,
Primeira Câmara de Direito Público, TJSC, Julgamento 27/Maio/2004.
Ementa
AÇÃO CAUTELAR EM MATÉRIA AMBIENTAL – LIMINAR CONCEDIDA
– AGRAVO DE INSTRUMENTO – LICENÇA E AUTORIZAÇÃO DE CORTE
EXPEDIDOS EM DESACORDO COM O RELATÓRIO DE VISTORIA.
O art. 225 da CRFB prevê que o Poder Público, com o fito de garantir um meio am-
biente equilibrado, pode exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade po-
tencialmente ensejadora de significativa lesão ao meio ambiente, estudo prévio de impacto.
No caso em tela, a licença e autorização de corte obtidos pela agravante se encon-
tram em frontal oposição ao relatório de impacto ambiental efetuado in loco, uma vez
que naquele documento consta expressamente a proibitiva de supressão de árvores, flo-
restas ou qualquer forma de vegetação de Mata Atlântica, bem como de conjunto de
plantas em estágio de regeneração médio ou elevado, vedações estas, contidas na Lei n.
4774/65, Decreto n. 750/93 e resolução CONAMA n. 237/97.

FGV DIREITO RIO 108


DIREITO AMBIENTAL

Destarte, não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que


não levaram em conta a realidade, continuar a explorar e suprimir a vegetação da área,
pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental.
AMBIENTAL – PROTEÇÃO ANTECIPADA – CONTROLE DO RISCO DE
DANO – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO.
Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a
importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, no-
tadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito
gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou
melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez,
atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das con-
seqüências advindas do comportamento do agente.
Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente
agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda,
pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e,
muitas vezes, ineficiente.

FGV DIREITO RIO 109


97. Lei 6.938/1981, art. 9º, IX.

DIREITO AMBIENTAL

AULA 11. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL

Como visto anteriormente, a proteção do meio ambiente é materializada, dentre ou-


tras formas, pela fixação de responsabilidade administrativa, penal e civil do poluidor.
Tais formas de responsabilização são concretizadas a partir de ações de cunho preventi-
vo, reparatório e repressivo.
A responsabilidade administrativa é classificada como mecanismo de repressão
conduzido pelo Poder Público, através de seu poder de polícia, em face de condutas
consideradas lesivas ao meio ambiente. A responsabilidade em análise surge a partir
da infração de normas administrativas, devendo a mesma ser investigada pela própria
Administração Pública, através da instauração de procedimento adequado, sendo asse-
gurado o contraditório e ampla defesa.
Segundo o artigo 70 da Lei 9.605/1998, infração administrativa ambiental consiste
em “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção
e recuperação do meio ambiente”. Como pode ser observado, a lei tipificou as infrações
ambientais de forma aberta e genérica, conferindo alto grau de discricionariedade ao
agente público no enquadramento de condutas lesivas como infrações administrativas.
Sobre o emprego de normas abertas e genéricas, afirma Nicolao Dino de Castro e
Costa59: “A utilização de tipos abertos e de normas penais em branco constitui um mal
necessário, para que seja possível assegurar maior efetividade à tutela penal ambiental.
Ora, se pode ser sustentada a compatibilidade deste ponto de vista com a ordem ju-
rídica, em se tratando da seara penal, com muito mais razoabilidade tal pode ocorrer
cuidando-se das infrações administrativas”.
A partir da leitura do artigo 70 da Lei de Crimes Ambientais, supracitado, é possível
extrair o pressuposto para a configuração da responsabilidade administrativa, qual seja,
praticar conduta ilícita, ou seja, em dissonância com o ordenamento legal. Esta é a prin-
cipal diferença da responsabilidade administrativa para a civil, já que nesta última não
é necessário que a conduta seja ilícita, basta a verificação de dano ao meio ambiente. E,
por outro lado, na responsabilidade administrativa, não há necessidade da ocorrência
do dano para que possa haver a imputação sancionatória sobre o determinado infrator.
Basta que fique caracterizada a violação a uma norma administrativa. Nesse sentido, o
artigo 62, inciso VII, do Decreto n. 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções
administrativas, ilustra a situação de sanção administrativa, ainda que o dano não tenha
ocorrido: “Art. 62. Incorre nas mesmas multas do art. 61 quem: VII – deixar de adotar,
quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução ou contenção em caso
de risco ou de dano ambiental grave ou irreversível;”.
Seguindo este entendimento, afirma Édis Milaré60: “Refletindo mais detidamente so-
bre a matéria, concluímos que a essência da infração ambiental não é o dano em si, mas sim
o comportamento em desobediência a uma norma jurídica de tutela do ambiente. Se não 59. Nicolao Dino Costa Neto, Flavio
há conduta contrária à legislação posta, não se pode falar em infração administrativa. Hoje Dino de Castro Costa e Ney de Barros
Bello Filho. Crimes e Infrações Admi-
entendemos que o dano ambiental, isoladamente, não é gerador de responsabilidade admi- nistrativas Ambientais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000. P. 324 e 325.
nistrativa; contrario sensu, o dano que enseja responsabilidade administrativa é aquele en-
60. Édis Milaré, Direito do Ambiente.
quadrável como o resultado descrito em um tipo infracional ou o provocado por uma conduta 5ª edição reformulada, atualizada e
ampliada. São Paulo: Revista dos Tribu-
omissiva ou comissiva violadora de regras jurídicas. Nesse sentido, p. ex., se uma indústria nais, 2007. P. 921.

FGV DIREITO RIO 110


DIREITO AMBIENTAL

emite poluentes em conformidade com a sua licença ambiental, não poderá ser penalizada
administrativa e penalmente caso o órgão licenciador venha a constatar, em seguida, que o
efeito sinérgico do conjunto das atividades industriais desenvolvidas em determinada região
está causando dano ambiental, não obstante a observância dos padrões legais estabelecidos
em norma técnico-jurídica”.
No exemplo acima apresentado, o empreendedor apesar de não ter praticado qual-
quer conduta ilegal, poderá sofrer responsabilidade civil, já que danos ambientais foram
produzidos. Ainda nesta situação, o Estado também poderá ser responsabilizado solida-
riamente, em razão do seu dever constitucional de gestor do bem ambiental, instituído
pelo artigo 225, caput, da CF/88.
O artigo 72 da Lei 9.605/1998 estabelece as sanções legais a serem aplicadas em caso
de verificação de infração administrativa, são elas: advertência; multa simples; multa
diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos,
petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; des-
truição ou inutilização do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra;
suspensão parcial ou total de atividade; e restritiva de direitos. No que diz respeito à
competência para definir infrações administrativas e suas penalidades, o artigo 24 da
CF/88 atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios (em razão do disposto no artigo 30, inciso II, da CF). Cabe destacar, toda-
via, que em relação à definição dos crimes ambientais e suas respectivas penas, somente
a União poderá legislar, já que possui competência privativa em matéria penal. Já em
relação à gestão do meio ambiente, o art. 23 da CF/88, atribui competência adminis-
trativa comum aos Entes Federativos para a proteção do meio ambiente e combate da
poluição em qualquer de suas formas.
Considerando a divisão de competências, além das infrações administrativas elen-
cadas pelos artigos 70 a 76 da Lei 9.605/1998, também devem ser observadas aquelas
constantes das leis estaduais, municipais e distritais relativas à proteção ambiental. De
toda sorte, a imposição de multa pelo Estado, Distrito Federal ou Municipal, exclui a
aplicação de multa federal.
No tocante à reincidência, esta pode ser genérica (infração de outra natureza) ou es-
pecífica (mesma natureza). O prazo legal estipulado pela reincidência é o de 3 (três) anos,
ou seja, a infração genérica ou específica deve ser consumada dentro do referido prazo.

ATIVIDADES

1. De que forma a imposição de sanções administrativas pode ser instrumento


eficaz na prevenção de ações lesivas ao meio ambiente?
2. Qual(is) órgão(s) possui(em) competência para definição de infrações admi-
nistrativas e suas sanções?
3. O elemento subjetivo (dolo ou culpa) é de observância obrigatória em todas
as sanções aplicadas às infrações administrativas ambientais?
4. Considere o seguinte caso:

FGV DIREITO RIO 111


DIREITO AMBIENTAL

A CECA – Comissão Estadual de Controle Ambiental do Estado do Rio de Janeiro


lavrou auto de infração imputando a uma empresa de Óleo e Gás multa por infringên-
cia ao inciso 2.1 da Tabela do Decreto n.° 8.974/86 cometida em 22.11.1991, consubs-
tanciada no vazamento de 500 litros de petróleo do navio de bandeira Liberiana fretado
pela recorrente. A multa foi aplicada por poluição de água e solo com substância não
tóxica, quando o navio transportava petróleo bruto para Angra dos Réis.

À época do ocorrido vigia o § 4°, da Lei 6.938/81 que assim dispunha:

§ 4° Nos casos de poluição provocada pelo derramamento ou lançamento de detri-


tos ou óleo em águas brasileiras, por embarcações e terminais marítimos ou fluviais,
prevalecerá o disposto na Lei nº 5.357, de 17/11/1967.

A Lei 5.357/67, por sua vez, dispõe:

“Art 1º As embarcações ou terminais marítimos ou fluviais de qualquer nature-


za, estrangeiros ou nacionais, que lançarem detritos ou óleo nas águas que se encon-
trem dentro, de uma faixa de 6 (seis) milhas marítimas do litoral brasileiro, ou nos
rios, lagoas e outros tratos de água ficarão sujeitos às seguintes penalidades:
a) as embarcações, à multa de 2% (dois por cento) do maior salário-mínimo
vigente no território nacional, por tonelada de arqueação ou fração;
b) os terminais marítimos ou fluviais, à multa de 200 (duzentos) vêzes o maior
salário-mínimo vigente no território nacional.
Parágrafo único. Em caso de reincidência a multa será aplicada em dôbro.
Art 2º A fiscalização desta Lei fica a cargo da Diretoria de Portos e Costas do
Ministério da Marinha, em estreita cooperação com os diversos órgãos federais ou
estaduais interessados.
Art 3º A aplicação da penalidade prevista no art. 1º e a contabilidade da receita
dela decorrente far-se-ão de acôrdo com o estabelecido no Regulamento para as Ca-
pitanias de Portos.
Art 4º A receita proveniente da aplicação desta lei será vinculada ao Fundo
Naval, para cumprimento dos programas e manutenção dos serviços necessários à
fiscalização da observância desta Lei.
Art 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art 6º Revogam-se as disposições em contrário.”

Outro dispositivo que pode auxiliar no desenvolvimento das estratégias de ação é o


artigo 2º do Decreto n. 83.540/79, in verbis:

O proprietário de um navio, que transporte óleo a granel como carga, é civil-


mente responsável pelos danos causados por poluição por óleo no Território Nacional,
incluído o mar territorial, salvo nas hipóteses previstas no § 2º, do artigo III, da
Convenção ora regulamentada.

FGV DIREITO RIO 112


DIREITO AMBIENTAL

Como advogado da empresa multada, esboce a estratégia de defesa atentando para


as seguintes questões:

5. É da competência dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos a


aplicação de penalidades pelo dano ambiental ocasionado por vazamento de
óleo de navio estrangeiro em águas brasileiras?
6. Se de competência dos órgãos do SISNAMA, pode o órgão estadual aplicar
multa por violação de lei federal?
7. O pagamento da multa ambiental é de responsabilidade do proprietário do
navio estrangeiro ou da empresa sua cliente, que o fretou para transportar o
petróleo bruto?
8. Na elaboração da estratégia de defesa, considere também o disposto na Lei
6.938/81 e o disposto no art. 7º, da Lei 7.661/88, in verbis:
A degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona
Costeira implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado e a sujeição
às penalidades previstas no art. 14 da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, ele-
vado o limite máximo da multa ao valor correspondente a 100.000 (cem mil)
Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Lei n. 9.605/1998
2. Decreto n. 6.514/2008

Doutrina

Para a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, e fundando-se


no princípio do poluidor-pagador, além de consagrar o dever do poluidor de reparar o
dano resultante de sua atividade, elencou o legislador, ao lado de alguns instrumentos
de cunho preventivo (p. Ex., o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental,
avaliação de impactos ambientais e o licencimanto ambiental), as “penalidades dis-
ciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preser-
vação ou correção da degradação ambiental”,61 de índole eminentemente repressiva.
De fato, a defesa do meio ambiente desenvolve-se simultaneamente a partir de
ações de índole preventiva, reparatória e repressiva.
(...) a importância da regulamentação dos ilícitos administrativos e criminais,
em matéria de tutela ambiental, reside no fato de que essas esferas de responsabili-
dade não dependem da configuração de um prejuízo, podendo coibir condutas que
apresentem mera pontecialidade de dano ou mesmo de risco de agressão aos recursos 61. Lei 6.938/1981, art. 9º, IX.

FGV DIREITO RIO 113


DIREITO AMBIENTAL

ambientais. Exemplo disso é a tipificação, como crime e como infração administrati-


va, da conduta de operar atividade sem a licença ambiental exigível.
Na vasta principiologia do Direito Ambiental, o já estudado princípio do con-
trole do poluidor pelo Poder Público aparece aqui como de maior interesse; ele mate-
rializa-se no exercício do poder de polícia administrativa, que, constatando a prática
de uma infração, faz instaurar o processo ed apuração da responsabilidade do agente.
[Milaré, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. Ref.,
atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 827-828.]

Leitura Indicada

Milaré, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. Ref., atu-
al. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 820-850.

Jurisprudência

Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás vs. Recorrido: Estado do Rio de Ja-
neiro, Recurso Especial n. 467.212-RJ (2002/0106671-6), 1ª Turma, STJ, Julgamento
28/Out./2003, DJ 15/Dez./2003.
Ementa
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA.
IMPOSIÇÃO DE MULTA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. DERRA-
MAMENTO DE ÓLEO DE EMBARCAÇÃO ESTRANGEIRA CONTRATADA
PELA PETROBRÁS. COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS ESTADUAIS DE PROTE-
ÇÃO AO MEIO AMBIENTE PARA IMPOR SANÇÕES. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. LEGITIMIDADE DA EXAÇÃO.
1. “(...)O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é direito de todos, protegido
pela própria Constituição Federal, cujo art. 225 o considera “bem de uso comum do
provo e essencial à sadia qualidade de vida”. (...) Além das medidas protetivas e preser-
vativas previstas no § 1º, incs. I-VII do art. 225 da Constituição Federal, em seu § 3º ela
trata da responsabilidade penal, administrativa e civil dos causadores de dano ao meio
ambiente, ao dispor: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Neste ponto a Consti-
tuição recepcionou o já citado art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, que estabeleceu respon-
sabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente, nos seguintes termos:
“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao
meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.” “[grifos nossos] (Sergio Cava-
lieri Filho, in “Programa de Responsabilidade Civil”)
2. As penalidades da Lei n.° 6.938/81 incidem sem prejuízo de outras previstas na
legislação federal, estadual ou municipal (art. 14, caput) e somente podem ser aplicadas

FGV DIREITO RIO 114


DIREITO AMBIENTAL

por órgão federal de proteção ao meio ambiente quando omissa a autoridade estadual
ou municipal (art. 14, § 2°). A ratio do dispositivo está em que a ofensa ao meio am-
biente pode ser bifronte atingindo as diversas unidades da federação
3. À Capitania dos Portos, consoante o disposto no § 4°, do art. 14, da Lei n.°
6.938/81, então vigente à época do evento, competia aplicar outras penalidades, pre-
vistas na Lei n.° 5.357/67, às embarcações estrangeiras ou nacionais que ocasionassem
derramamento de óleo em águas brasileiras.
4. A competência da Capitania dos Portos não exclui, mas complementa, a legitimi-
dade fiscalizatória e sancionadora dos órgãos estaduais de proteção ao meio ambiente.
5. Para fins da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, art 3º, qualifica-se como po-
luidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
6.Sob essa ótica, o fretador de embarcação que causa dano objetivo ao meio ambien-
te é responsável pelo mesmo, sem prejuízo de preservar o seu direito regressivo e em
demanda infensa à administração, inter partes, discutir a culpa e o regresso pelo evento.
7. O poluidor (responsável direto ou indireto), por seu turno, com base na mesma
legislação, art. 14 – “sem obstar a aplicação das penalidades administrativas” é obrigado,
“independentemente da existência de culpa”, a indenizar ou reparar os danos causados
ao meio ambiente e a terceiros, “afetados por sua atividade”.
8. Merecem tratamento diverso os danos ambientais provocados por embarcação
de bandeira estrangeira contratada por empresa nacional cuja atividade, ainda que de
forma indireta, seja a causadora do derramamento de óleo, daqueles danos perpetrados
por navio estrangeiro a serviço de empresa estrangeira, quando então resta irretorquível
a aplicação do art. 2°, do Decreto n.° 83.540/79.
9.De toda sorte, em ambos os casos há garantia de regresso, porquanto, mesmo na
responsabilidade objetiva, o imputado, após suportar o impacto indenizatório não está
inibido de regredir contra o culpado.
10. In casu, discute-se tão-somente a aplicação da multa, vedada a incursão na ques-
tão da responsabilidade fática por força da Súmula 07/STJ.
11. Recurso especial improvido.

FGV DIREITO RIO 115


DIREITO AMBIENTAL

AULA 12. RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL

A responsabilização penal tem como objetivo precípuo tutelar o bem jurídico meio
ambiente ecologicamente equilibrado, conforme determina o artigo 225, caput, da
Constituição Federal. Tal conceito abrange o meio ambiente natural, artificial e cultural.
Os crimes ambientais e suas respectivas sanções são fixados pela Lei n. 9.605/98.
No entanto, cabe ressaltar que ainda vigoram outros tipos de natureza penal previs-
tos no Código Penal, na Lei de Contravenções Penais, no Código Florestal, na Lei n.
6.453/1977 e na Lei n. 7.643/1987.
Tendo em vista a complexidade e multidisciplinaridade das questões ambientais,
muitas vezes os tipos penais ambientais são orientados pela técnica legislativa conhecida
como norma penal em branco, sendo necessário, portanto, para sua aplicação a inter-
pretação conjunta de algumas leis, inclusive administrativas, já que o dispositivo penal
específico mostra-se incompleto, requerendo complementação. Nesse sentido, afirma
Édis Milaré62 “(...) o comportamento proibido vem enunciado de forma vaga, cha-
mando por complementação ou integração através de outros dispositivos legais ou atos
normativos extravagantes. Nem poderia ser diferente em matéria, como a em discussão,
regulada predominantemente por normas e instituições de Direito Administrativo.”
O crime ambiental pode ser praticado a título doloso ou culposo. O primeiro ocorre
quando o agente deseja o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Já o crime culposo
é verificado nas hipóteses em que o agente produz o resultado danoso em razão de sua
conduta imprudente, negligente ou imperita. De acordo com a Lei 9.605/1998, podem
ser apresentados como exemplo de tipos penais culposos aqueles previstos nos artigos.
38, 40, 41, 49, 54, 56, 62, 67, 68 e 69-A da referida legislação.
Considerando que a tutela do meio ambiente deve ter como objetivo prevenir da-
nos, ao invés de repará-los, dada a irreparabilidade do bem jurídico protegido – meio
ambiente ecologicamente equilibrado – o direito penal ambiental faz uso de crimes de
perigo, principalmente abstratos, para atingir tal objetivo.
Nos crimes de perigo abstrato não é necessária a comprovação concreta do perigo
para o bem ambiental, já que compreendem condutas classificadas como de grande ris-
co ambiental. Pode ser citado como exemplo desta espécie de crime a conduta descrito
no art. 55 da Lei 9.605/98:
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente
autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Como pode ser observado a partir da redação do referido artigo, a conduta de pes-
quisar, lavrar ou extrair recursos minerais sem a competente autorização ou em desa-
cordo com esta, configura crime ambiental passível de pena de detenção. Neste caso, o
legislador presume a grande probabilidade de que a realização das mencionadas ativi-
dades possa provocar danos ao meio ambiente. Cabe destacar que o dano pode não ter
sido verificado, mas a elevada probabilidade de que tais condutas produzam prejuízos
irreparáveis ao bem jurídico protegido faz com que o legislador tipifique como crime 62. LEUZINGER, Márcia Dieguez, Res-
ponsabilidade Civil do Estado por danos
o risco de produção do dano. Parte da doutrina defende que a utilização dos crimes de ao meio ambiente. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo: Revista dos Tri-
perigo é uma eficiente forma de efetivar os princípios da prevenção e precaução. bunais, ano 12, n. 45, p. 188, 2007.

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DIREITO AMBIENTAL

“Considerando que a finalidade da proteção jurídica do meio ambiente é eminen-


temente a prevenção de danos e a precaução contra riscos, também a proteção penal da
qualidade ambiental deve informar-se por estas ideias, traduzindo-se a criminalização
danosas ao bem jurídico ambiental em um valioso instrumento destinado a evitar prá-
tica que venha atingi-lo.
Desta forma, a criminalização do perigo atende sobremaneira ao postulado acima
identificado. O crime de perigo tutela o bem o jurídico protegido antes de sua efetiva
lesão, ainda em um momento de possibilidade de ocorrência, em sede de ameaça do
dano, configurando a aplicação efetiva dos princípios constitucionais da prevenção e da
precaução.”63

Outro ponto importante a ser destacado diz respeito ao sujeito ativo dos crimes am-
bientais. Podem figurar no polo ativo das condutas tipificadas como crimes ambientais
qualquer pessoa, física ou jurídica. A inclusão da responsabilização das pessoas jurídicas
foi importante inovação trazida pela Lei 9.605/1998, na medida em que os crimes am-
bientais são predominantemente cometidos por grandes empresas.
“Inovação importante, firmada com base no art. 225, § 3º, da CF/88, foi a respon-
sabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais (at. 3º da Lei 9.605/98),
nos casos em que a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. A res-
ponsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras
ou partícipes do mesmo fato.”64
O artigo 3º da Lei em comento estabelece: “as pessoas jurídicas serão responsabiliza-
das administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que
a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. Determina ainda, em seu
parágrafo único que “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”.
Como visto, o legislador brasileiro superou o entendimento de que somente pessoas
físicas poderiam ser sujeitos ativos de crimes e a responsabilização penal da pessoa ju-
rídica vem sendo aplicada pelos Tribunais. Vale destacar importante precedente da 5ª
turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 564.960/SC, cujo
relator Ministro Gilson Dipp, que assim se posicionou ao determinar o recebimento de
denúncia em face de empresa acusada de poluir o leito de um rio: “não obstante alguns
obstáculos a serem superados, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um preceito
constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente, na Lei ambiental, de modo
que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não
podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática na medida em que o Direito é
um ciência dinâmica, cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção 63.CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira

política do legislador. Desta forma, a denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito da, Crimes de Perigo e Riscos ao Am-
biente. Revista de Direito Ambiental,
privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação São Paulo: Revista dos Tribunais, ano
11, n. 42, p. 12, 2006.
processual-penal”.
64. Esta e a próxima questão foram
Outra peculiaridade trazida pela Lei n. 9.605/1998 é a expressa previsão da des- extraídas da seguinte obra: Antônio F.
G. Beltrão, Manual de Direito Ambien-
consideração da personalidade da pessoa jurídica. Também conhecida como disregard tal, Editora Método, 2008, p. 263.

FGV DIREITO RIO 117


DIREITO AMBIENTAL

doctrine, a desconsideração da pessoa jurídica ambiental diferencia-se da regra geral ins-


culpida pelo artigo 50 do Código Civil, já que para sua aplicação basta que a persona-
lidade jurídica constitua obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade
do meio ambiente.
Em suma, podem ser apontadas como principais inovações trazidas pelas Leis
9.605/1998 e 6.938/81: a responsabilização penal das pessoas jurídicas; a opção pela
não utilização do encarceramento como regra geral para as pessoas físicas que cometerem
crimes contra o meio ambiente; a criminalização do poluidor indireto; a fixação da res-
ponsabilidade solidária; a criminalização das instituições financeiras; e a valorização da
participação da Administração Pública, por meio de autorizações, permissões e licenças66.

ATIVIDADES

1. Qual é a intenção implícita na responsabilização penal de condutas lesivas ao


meio ambiente?
2. Podem as pessoas coletivas ser punidas pela prática de crimes ecológicos?
3. Questão retirada do concurso para Procurador do MP do TCE/MG, 200767:
Dentre os crimes ambientais, NÃO admite a modalidade culposa o de
a. Conceder a funcionário público licença em desacordo com as normas am-
bientais para obra cuja realização dependa de ato autorizativo do Poder
Público.
b. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que possam resultar
em danos à saúde humana.
c. Deixar, aquele que tiver o dever contratual de fazê-lo, de cumprir obriga-
ção de relevante interesse ambiental.
d. Destruir bem especialmente protegido por lei.
e. Fazer o funcionário público afirmação falsa em procedimento de autoriza-
ção de licenciamento ambiental.
4. Questão retirada do concurso para Procurador Município Manaus, 2006:
NÃO é circunstância agravante da pena pela prática de crime ambiental, tal
como definido pela Lei n.º 9.605/98, ter o agente cometido o crime
a. Em domingos e feriados, ou à noite.
b. Em razão de sua baixa instrução ou escolaridade.
c. Dentro de unidade de conservação.
d. Para obter vantagem pecuniária.
e. Abusando de licença que lhe tenha sido regularmente concedida.

65. Machado, Paulo Affonso Leme


Machado. Direito Ambiental Brasileiro.
16ª edição, revista, atualizada e am-
pliada. São Paulo: Malheiros, 2008. P.
696-697.
66.Art. 225, caput, c/c o art. 5.°, § 2°,

da CF.
67. Ivette Senise Ferreira. Tutela penal
do patrimônio cultural. São Paulo: RT,
1995, p. 68.

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DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Lei n. 9.605/98;

Doutrina

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua concepção mo-


derna é um dos direitos fundamentais da pessoa humana68, o que, por si só, justifica
a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema ratio.
Em outro modo de dizer, “ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta
é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais
da socidade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação
do corpo social”.69
Ora, presercar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de
vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como
a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que
o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamen-
te alterados. E as consequencias desse processo são imprevisíveis, já que “as rápidas
mudanças climáticas, (...) a menor diversidade de espécies fará com que haja menor
capacidade de adaptação por causa da menor viabilidade genética e isto estará limi-
tando o processo evolutivo, comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência
de grandes contingentes populacionais da espécie humana”.70 Por isso, arranhada
estaria a dignidade do Direito Penal caso não acudisse a esse verdadeiro clamor social
pela criminalização do direito natural de ser humano.
Atenta a isso, nossa Lei Maior, em seu art. 225, § 3.°, estabeleceu que “as con-
dutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de raparar os danos causados”.
(...)
Para a plena efetividade daquela norma programática, faltava um tratamento
adequado da responsabilidade penal e administrativa, espaço este agora preenchido
com a incorporação ao ordenamento jurídico da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente. 68. John Erickson. Nosso planeta está
Fechou-se, então, o cerco contra o poluidor. morrendo. Trad. José Carlos Barbosa dos
Santos. São Paulo: Makron, McGraw-
[Milaré, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed ref., Hill, 1992, p. 210.
atual. E amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 913-914.] 69. MILARÉ, Milaré, Direito do Am-
biente. 5ª edição reformulada, atuali-
zada e ampliada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. P. 896.
70. BENJAMIN, Responsabilidade Civil
pelo Dano Ambiental. Revista de Direi-
to Ambiental, São Paulo: Revista dos
Tribunais, ano 3, n. 9, p. 8, 1998.

FGV DIREITO RIO 119


DIREITO AMBIENTAL

Leitura Indicada

Milaré, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed ref., atual.


E amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 913-957.
Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed., rev., atual. E
amp. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 696-709.

Jurisprudência

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina vs. Recorrido: Ar-


tepinus Indústria e Comércio de Madeiras Ltda., Recurso Especial n. 800817-SC
(2005/0197009-0), 6ª Turma, STJ, Julgamento 04/Fev./2010, DJ 22/Fev./2010.
Ementa
RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. OFERE-
CIMENTO DA DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA.
RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA PESSOA FÍSI-
CA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, sob a
condição de que seja denunciada em coautoria com pessoa física, que tenha agido com
elemento subjetivo próprio. (Precedentes)
2. Recurso provido para receber a denúncia, nos termos da Súmula nº 709, do STF:
“Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a
rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela”.

FGV DIREITO RIO 120


DIREITO AMBIENTAL

AULA 13. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

A Responsabilidade Civil Ambiental constitui modalidade específica de responsabi-


lização, já que as características e peculiaridades do dano ambiental exigem adaptações
e substanciais alterações do regime de responsabilidade civil clássico para que o meio
ambiente seja devidamente tutelado.
Sobre o tema, afirma Édis Milaré71: “Imaginou-se, no início da preocupação com o meio am-
biente, que seria possível resolver os problemas relacionados com o dano a ele infligido nos estreitos
da teoria da culpa. Mas, rapidamente, a doutrina, a jurisprudência e o legislador perceberam que
as regras clássicas de responsabilidade, contidas na legislação civil de então, não ofereciam proteção
suficiente e adequada às vítimas do dano ambiental, relegando-as no mais das vezes, ao completo
desamparo. Primeiro, pela natureza difusa deste, atingindo, via de regra, uma pluralidade de víti-
mas totalmente desamparadas pelos institutos ortodoxos do Direito Processual Clássico, que só ense-
javam a composição do dano individualmente sofrido. Segundo, pela dificuldade de prova da culpa
do agente poluidor, quase sempre coberto por aparente legalidade materializada em atos do Poder
Público, como licenças e autorizações. Terceiro, porque no regime jurídico do Código Civil, então
aplicável, admitiam-se as clássicas excludentes de responsabilização, como por exemplo, o caso for-
tuito e a força maior. Daí a necessidade da busca de instrumentos legais mais eficazes, aptos a sanar
a insuficiência das regras clássicas perante a novidade de abordagem jurídica do dano ambiental.”
Também sobre o tema defende Benjamin72:
“A responsabilidade civil, na sua formulação tradicional, não poderia agregar muito à
proteção do meio ambiente: seria mais um caso de law in the books, o Direito sem aplicação
prática. Projetada para funcionar num cenário com uma ou poucas vítimas, regulando o
relacionamento indivíduo-indivíduo, salvaguardando as relações homem-homem, de caráter
essencialmente patrimonial, e não as relações homem-natureza, não seria mesmo essa respon-
sabilidade civil grande utilidade na tutela do meio ambiente.”
Ainda sobre a especificidade da responsabilidade civil ambiental argumenta Benjamin73:
“Ao salvaguardar a natureza, essa responsabilidade civil passa a beber em novas fontes,
que lhe dão juventude, e a orientar-se princípios e objetivos específicos do Direito Ambiental,
curvando-se à colossal posição do bem jurídico tutelado e às dificuldades de implementação
inerentes à matéria.
Em síntese, temos que a valorização recente da responsabilidade civil no universo da
proteção ao meio ambiente não se dá pela transposição automática e integral de sua for-
mulação passada, mas pela constituição, sobre bases convencionais, de um modelo jurídico
profundamente repensado, com características bastante peculiares e cujo traçado mais preciso
só recentemente passou a ser desenhado.”
Diante deste desafio de buscar instrumentos legais mais eficazes para a proteção
ambiental, o legislador brasileiro, através da Lei n. 6.938/1981, instituiu a Política Na-
cional do Meio Ambiente, a qual prevê regime de responsabilidade civil adequado ao
dano ambiental, na medida em que o princípio da responsabilidade subjetiva, baseada 71. Ibid, p. 10.
na culpa, é substituído pelo regime objetivo, fundado no risco da atividade. 72. Ibid, p. 32.
73. Édis Milaré, Direito do Ambiente.
Atualmente, de acordo com Benjamin74, o Direito brasileiro oferece cinco formas 5ª edição reformulada, atualizada e
autônomas e imediatas de responsabilização civil em função da ocorrência de dano ampliada. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2007. P. 903.
ambiental, são elas: 74. BENJAMIN, op. cit., p. 12.

FGV DIREITO RIO 121


DIREITO AMBIENTAL

“a) Direito de vizinhança (arts. 554 e 555, do CC);


b) Responsabilidade civil extracontratual, tendo a culpa como faltor de atribuição
(art. 159, do CC);
c) Responsabilidade civil objetiva da Lei n. 6.938/81 (art. 14, § 1º);
d) Responsabilidade civil objetiva do Código de Defesa do Consumidor, havendo
relação de consumo (arts. 12, 14, 18 e 20); e
e) Responsabilidade civil especial (mineração, Código Florestal, nuclear, agrotóxicos).”
De acordo o artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81: “Sem obstar a aplicação das penalida-
des previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa,
a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação
de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
Para que um agente seja responsabilizado objetivamente, portanto, basta a verifica-
ção do dano e do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso.
O dano é aquele proveniente de uma ação ou omissão que provoque de maneira direta
ou indireta, degradação do meio ambiente. Dado o seu alcance coletivo, em razão do
caráter difuso do bem jurídico tutelado (meio ambiente), o dano ambiental pode ter
repercussão patrimonial e extrapatrimonial. Além disso, são passíveis de composição os
danos materiais e imateriais, conforme dispõe o artigo 1º da Lei 7.347/1985.
Vale ressaltar que a incidência da responsabilidade civil objetiva em caso de danos
ambientais não se restringe àquelas atividades potencialmente poluidoras, consideradas
como atividades de risco, alcançará qualquer atividade que, direta ou indiretamente,
provoque prejuízos ao meio ambiente em função da expressa previsão normativa do art.
14, § 1º, da Lei 6.938/81.
Além da identificação do dano, é preciso verificar se existe nexo de causalidade entre
a conduta praticada pelo agente (que pode ser pessoa física ou jurídica) e o resultado da-
noso produzido. Apesar de não ser necessária aferição da intenção do agente, é essencial
que o dano tenha sido causado em razão da ação ou omissão deste.
Ocorre que, estabelecer o nexo de causalidade em matéria ambiental não é tarefa das
mais fácies em razão da complexidade do dano, o qual pode ser produzido em decor-
rência de múltiplas causas e fontes. Segundo Édis Milaré75:
“Não é fácil, no entanto, em matéria ambiental, a determinação segura do nexo causal,
já que os fatos da poluição por sua complexidade, permanecem muitas vezes camuflados não
só pelo anonimato, como também pela multiplicidade de causas, das fontes e de comporta-
mentos, seja por sua tardia consumação, seja pelas dificuldades técnicas e financeiras de sua
aferição, seja, enfim, pela longa distância entre a fonte emissora e o resultado lesivo, além de
outros fatores”.
Outra dificuldade enfrentada para a configuração da responsabilidade civil por dano
ambiental é a identificação dos autores da degradação e das respectivas vítimas:
“(...) a degradação do meio ambiente tem, não raro, causadores plúrimos, quando não
incertos (com múltiplas causas contribuindo para um efeito singular e causas singulares pro-
duzindo múltiplos efeitos), vítimas pulverizadas e por vezes totalmente anômimas, e dano
de manifestação retardada ou de caráter cumulativo, atingindo não apenas a integridade
75. Ibid, p. 13.

FGV DIREITO RIO 122


DIREITO AMBIENTAL

patrimonial ou física de indivíduos, presentes e futuros, mas também interesses da sociedade


em geral ou até a realidade abstrata do meio ambiente (dano ecológico puro).”
“Mas não só a delimitação dos sujeitos atingidos é tarefa árdua. Tão ou até mais compli-
cado é identificar os autores do dano, isto é, as fontes da degradação ambiental. No Direito
tradicional, a atuação da responsabilidade civil fazia-se contra um causador ou, quan-
do muito, contra alguns causadores. Outra é a realidade trazida pelo Direito Ambiental,
onde o dano, com frequência, é resultado de riscos-agregados criados por várias empresas
independentes entre si. E mais, frequentemente o risco de uma simples fonte é, em verdade,
insignificante ou incapaz de causar, sozinho, o prejuízo sofrido pela vítima ou vítimas. Daí
que, também na perspectiva dos seus causadores, o dano ambiental é, essencialmente, coletivo
(...)”76
Sob o ponto de vista econômico, a responsabilidade civil pode ser classificada como
uma das formas de internalização das externalidades ambientais, principalmente em
razão do princípio do poluidor-pagador. Através deste princípio a degradação ambien-
tal passa a fazer parte dos custos empresariais, não configurando apenas externalidade
social, como ocorria antes da responsabilização civil ambiental. Benjamin define com
precisão o referido princípio:
“O princípio do poluidor pagador, de maneira bem rasteira, equivale à fórmula ‘quem
suja, limpa’, elementar nas nossas relações cotidianas. O princípio aclamado pela Consti-
tuição Federal, significa que o poluidor deve assumir os custos das medidas necessárias a
garantir que o meio ambiente permaneça em um estado aceitável, conforme determinado
pelo Poder Público. Em outras palavras, o princípio determina que ‘os custos da poluição não
devem ser externalizados”, fazendo com que os preços do mercado ‘reproduzam a totalidade
dos custos dos danos ambientais causados pela poluição – ou melhor, os custos da prevenção
desses prejuízos.”
Dessa maneira, o poluidor que acaba por privar os demais indivíduos do uso de
respirar um ar saudável, usufruir do meio ambiente ecologicamente equilibrado sofrerá
as consequências econômicas do uso abusivo do meio ambiente. Como consequência,
a responsabilidade civil por danos ambientais estimula os agentes econômicos a exerce-
rem suas atividades de forma mais eficiente, reduzindo riscos e danos ao ambiente, co-
locando diretamente em prática o princípio da precaução, na medida em que é menos
custoso prevenir do que reparar os danos causados.
Importa ressaltar que a responsabilização civil do poluidor não exclui a sua responsa-
bilidade penal e/ou administrativa, conforme determina o artigo 225, § 3º, da CF/88.
Isso por que a o ordenamento jurídico pátrio privilegia a restauração do bem lesado e
não apenas a imposição de punição ao causador do dano. Havendo mais de um causa-
dor do dano, aplica-se a solidariedade prevista pelo art. 942, caput, segunda parte, do
Código Civil. O dever de reparar estende-se aos sócios da pessoa jurídica causadora do
dano e ao Estado em casos de omissão do dever de fiscalizar. Neste caso, a responsabi-
lidade se dará de forma subsidiária. Aos causadores do dano que efetivamente pagarem
pela reparação, fica resguardado o direito de regresso aos co-responsáveis.
Ainda sobre a responsabilidade de mais de um agente causador de poluição, de acor-
do com a definição de poluidor, instituída pelo artigo 3, inciso IV, da Lei n. 6.938/81,
“a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indire- 76. Ibid, p. 13.

FGV DIREITO RIO 123


DIREITO AMBIENTAL

tamente, por atividade causadora de degradação ambiental” pode ser responsabilizada.


Trata-se da previsão legal da solidariedade, tal como pregada por parte da doutrina e
diversos julgados sobre o tema. O STJ em acórdão no Resp n. 650728/SC, entendeu
que “[p]ara o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se
quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que
façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.”

ATIVIDADES

1. Em que consiste a noção de dano ambiental?


2. Será que só o Estado é titular do direito à indenização por danos ao ambien-
te, ou também os cidadãos (individualmente considerados ou associados)
poderão ser titulares de tal direito?
3. Como está configurada a responsabilidade civil na Lei n. 6.938/1981 (Polí-
tica Nacional do Meio Ambiente)?
4. Dê exemplos de dificuldades na aplicação da responsabilidade civil aos danos
causados ao ambiente.
5. Qual(is) a(s) distinção(ões) fundamental(is) entre responsabilidade civil e
sanção administrativa?
6. Considere o seguinte caso hipotético:

Uma empresa “X” contratou a empresa “Y” para realizar escavações no leito do Rio
Corvina, serviço que acarretou danos ao meio ambiente, especialmente a morte de mi-
lhares de peixes. A Y foi contratada pela X para realizar escavações no leito do rio Cor-
vina, o que acabou acarretando agitação de material químico depositado no fundo do
rio, com mortandade de peixes. Esse fato motivou o Município de Corvina a promover
Ação Civil Pública visando o ressarcimento dos danos pela X. Na ação, o Município de
Corvina pretende que a contratante seja condenada a restaurar o rio, com a reposição
dos peixes em substituição àqueles vitimados pelo acidente ecológico. Como advogado
da X, esboce uma estratégia de defesa.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal de 1988, artigo 225;


2. Lei n. 6.938/1981;
3. Lei n. 9.605/1998.

FGV DIREITO RIO 124


DIREITO AMBIENTAL

Doutrina

A partir do momento em que as preocupações ambientais começaram a encontrar


eco no mundo do Direito e em que surgiram normas jurídicas a tutelar o novo bem
jurídico (que constitui também um direito fundamental), teriam obviamente de
surgir também disposições legais a ocupar-se da violação das normas destinadas à tu-
tela do ambiente, assim fazendo o seu aparecimento a categoria do ilícito ambiental.
Para Postiglione (Ambiente: suo significato giuridico unitario, Rivista Trimestra-
le di Diritto Publico, anno XXXV (1985), p. 51), o “dano ambiental é o prejuízo
trazido às pessoas, aos animais, às plantas e aos outros recursos naturais (água, ar e
solo) e às coisas (...) que consiste numa ofensa do direito ao ambiente”, traduzindo-se
também numa “violação em concreto dos ‘standards’ de aceitabilidade estabelecidos
pelo legislador”.
(...)
A responsabilidade civil é um instituto cuja antiguidade remonta ao Direito
Romano mas que tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, adaptando-se às necessi-
dades postas pelas sociedades modernas. Mesmo assim ele revela-se, em muitos casos,
um meio inadequado de lidar com os atentados ao ambiente. Inadequado pelas difi-
culdades de prova dos seus rigorosos pressupostos, mesmo quando as razões de justiça
permitam prescindir daquele cuja prova poder ser mais difícil: a culpa. A responsabi-
lidade objectiva, pelo risco ou por factos lícitos, é, sem dúvida, um grande avanço no
sentido da correspondência do instituto às necessidades da vida moderna, sem perda
de justiça intrínseca. Porém, não é ainda suficiente para cobrir todas as situações de
dano que, cada vez com mais frequência, ocorrem e que, por falta de prova de um
ou outro pressuposto, ficam impunes e por indemnizar. A solução parece passar pela
aposta em novos instrumentos jurídicos para a protecção do ambiente.
[José Joaquim Gomes Canotilho (coordenador), Introdução ao Direito do Ambiente,
Universidade Aberta, 1998, p. 29 e 139.]

Leitura indicada

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, pp. 234-242 e 201-215.
BELTRÃO, Antônio F. G. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Método, 2008, pp.
242-261.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho (coordenador). Introdução ao Direito
do Ambiente. Universidade Aberta, 1998, pp. 29-33 e 139-134.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 3ª Edição.
São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 321-337.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2008, pp. 341-368 e 696-731.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
pp. 809-957.

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DIREITO AMBIENTAL

Jurisprudência

Recorrente: Oswaldo Alfredo Cintra vs. Recorrido: ADEAM Associação Brasileira


de Defesa Ambiental, Recurso Especial n. 745.363-PR (2005/0069112-7), 1ª Turma,
STJ, Julgamento 20/Set./2007, DJ 18/Out./2007.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIETNAIS. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. RESPONSANTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MA-
TAS. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ART. 476
DO CPC. FACULDADE DO ÓRGÃO JULGADOR.
1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei
6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar
ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação
persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator Ministro
Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/ PR, Relator Ministro Fran-
cisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de
Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ
de 22.04.2003.
2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é proter rem, por isso que a Lei
8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os res-
ponsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma
referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação
administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áre-
as de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse
coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/ PR, Relator Ministro Franciulli Netto,
DJ de 07.10.2002.
3. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta
que “(...)A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambien-
te tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não
se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A
responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos
causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § III,
da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que
degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se
quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-
jurídico da imputação civil objetiva ambiental!. Só depois é que se entrará na fase do
estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra
Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente.
O artigo 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: “Haverá obrigação de re-
parar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem”. Quanto à primeira parte, em matéria ambiental , já
temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda
parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabili-

FGV DIREITO RIO 126


DIREITO AMBIENTAL

dade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público
fará a classificação dessas atividades. “É a responsabilidade pelo risco da atividade.” Na
conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da repa-
ração. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito
Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a
obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a ne-
gligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição
terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum
dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a
concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde
das gerações (...)” in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p.
326-327.
4. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da proprie-
dade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabele-
cidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o da “utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.
5. É cediço em sede doutrinária que se reconhece ao órgão julgador da primazia da
suscitação do incidente de uniformização discricionariedade no exame da necessidade
do incidente porquanto, por vezes suscitado com intuito protelatório.
6. Sobre o thema leciona José Carlos Barbosa Moreira, in Comentários ao Código
de Processo Civil, Vol. V, Forense, litteris: “No exercício da função jurisdicional, têm os
órgãos judiciais de aplicar aos casos concretos as regras de direito. Cumpre-lhes, para
tanto, interpretar essas regras, isto é, determinar o seu sentido e alcance. Assim se fixam
as teses jurídicas, a cuja luz hão de apreciar-se as hipóteses variadíssimas que a vida ofe-
rece à consideração dos julgadores.(...)
Nesses limites, e somente neles, é que se põe o problema da uniformização da ju-
risprudência. Não se trata, nem seria concebível que se tratasse, de impor aos órgãos
judicantes uma camisa-de-força, que lhes tolhesse o movimento em direção a novas
maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que anteriormente adotada já não cor-
responda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente,
de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes e afinal a própria unidade do
sistema jurídico vigente fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do
recurso a este ou àquele órgão (...)” p. 04-05.
7. Deveras, a severidade do incidente é tema interditado ao STJ, ante o óbice erigido
pela Súmula 07.
8. O pedido de uniformização de jurisprudência revela caráter eminentemente
preventivo e, consoante cediço, não vincula o órgão julgador, ao qual a iniciativa do
incidente é mera faculdade, consoante a ratio essendi do art. 476 do CPC. Preceden-
tes do STJ: AgRg nos EREsp 620276/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ de
01.08.2006; EDcl nos EDcl no RMS 20101/ES, Relator Ministro Castro Meira, DJ de
30.05.2006 e EDcl no AgRg nos EDcl no CC 34001/ES, Relator Ministro Francisco
Falcão, DJ de 29.11.2004.
9. Sob esse ângulo, cumpre destacar, o mencionado incidente não ostenta natureza
recursal, razão pela qual não se admite a sua promíscua utilização com nítida feição

FGV DIREITO RIO 127


DIREITO AMBIENTAL

recursal, especialmente porque o instituto sub examine não é servil à apreciação do caso
concreto, ao revés, revela meio hábil à discussão de teses jurídicas antagônicas, objeti-
vando a pacificação da jurisprudência interna de determinado Tribunal.
10. Recurso especial desprovido.

FGV DIREITO RIO 128


DIREITO AMBIENTAL

MÓDULO IV. TUTELAS ESPECÍFICAS DO MEIO AMBIENTE

Conforme relatado nos módulos anteriores, o bem ambiental é complexo, pois que é
composto por diversos elementos bióticos e abióticos. São elementos bióticos o conjun-
to de todos os seres e organismos vivos naturalmente presentes em um mesmo ambiente
e que são mutuamente interdependentes e sustentados. Abióticos são os elementos físi-
cos e químicos não vivos e que compõem o ambiente, como a água, rochas e minerais,
por exemplo.77 O conjunto e a interação dos elementos bióticos e abióticos forma o
meio ambiente natural, objeto de estudo da ecologia78 e hodiernamente da própria
tutela jurídica ambiental.79 Se por um lado o direito ambiental apresenta princípios
formadores e específicos, peculiaridades em relação à forma de responsabilização de
eventual dano em face da própria complexidade do bem a que se propõe tutelar, por
outro, a especificidade dos elementos que compõem o meio ambiente atrai a necessida-
de da divisão da macro tutela em disciplinas específicas para efeitos didáticos e melhor
adequação à realidade fática. Esta necessidade impõe o desenvolvimento de uma intrin-
cada rede normativa nas três esferas da federação, diante da competência concorrente
prevista pela Constituição Federal para a tutela do meio ambiente.
O ordenamento jurídico ao diferenciar o tratamento dispensado ao bem ambien-
tal conforme a sua natureza, consegue proporcionar maior eficácia no cumprimento
dos objetivos propostos em cada tipo de legislação. Por outro lado, o tratamento legal
dispensado a um determinado bem ambiental deve sempre considerar o conjunto dos
demais que compõe a totalidade do meio ambiente. Isto porque, fora do campo me-
ramente legislativo ou didático, no campo da natureza e da ecologia, a intervenção na
flora quase sempre refletirá na fauna, assim como a intervenção no ar pode refletir na
água, por exemplo, e assim sucessivamente. Em razão da impossibilidade do isolamento
prático do conjunto de bens ambientais, a tutela específica deve sempre ser aplicada e
interpretada à luz dos princípios constitucionais e preceitos legislativos federais gerais.
Assim, os principais objetivos deste módulo são:

• Entender a evolução histórico-legislativa do tratamento dos recursos hídricos


no Brasil. 77. State of Michigan’s Official Web-
• Conhecer a legislação aplicável e instituições responsáveis pela gestão das águas. site, Glossary of Environmental Terms,
available at http://www.michigan.
• Entender o regime de competências legislativa e material, classificação das águas gov/documents/GLOSSARYOFTERMS-
Sept13-2005_136497_7.pdf (last visi-
e do uso da água. ted August 18, 2009).
• Distinguir a cobrança pelo uso da água da cobrança pelo serviço de distribuição 78. State of Michigan’s Official Web-
site, Glossary of Environmental Terms,
da água. available at http://www.michigan.
• Analisar a racionalidade da cobrança da água. gov/documents/GLOSSARYOFTERMS-
Sept13-2005_136497_7.pdf (last visi-
• Distinguir políticas de alocação de políticas para evitar poluição das águas. ted August 18, 2009).
• Trabalhar a aplicação da doutrina a casos concretos envolvendo conflitos sobre 79. No Brasil, o conceito legal de
meio ambiente como o conjunto os
direito de uso da água. elementos bióticos e abióticos vem
disposto na Lei da Política Nacional do
• Entender as funções e relações da qualidade do ar com a saúde da população e Meio Ambiente (6.938/1981), artigo
sadio funcionamento de sistemas ecológicos diversos. 3º, inc. I: “(...) o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem
• Compreender o tratamento da matéria pelo ordenamento jurídico brasileiro. física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas
• Identificar os principais gases responsáveis pela poluição atmosférica. formas;”

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DIREITO AMBIENTAL

• Analisar a importância da definição de padrões de qualidade do ar nacionais em


um contexto internacional.
• Examinar as instituições responsáveis pela execução de políticas de qualidade
do ar e legislação aplicável. Trabalhar problemas práticos.
• Compreender os diferentes tipos de áreas protegidas
• Diferenciar as áreas protegidas do Código Florestal das do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação
• Trabalhar os fundamentos e principais instrumentos do SNUC.
• Distinguir as unidades de proteção integral das de uso sustentável
• Analisar o regime jurídico das unidades de conservação listadas pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação
• Analisar a Política Nacional de Resíduos Sólidos

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DIREITO AMBIENTAL

AULA 14. ÁREAS PROTEGIDAS (CÓDIGO FLORESTAL) E SISTEMA NACIO-


NAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)

ÁREAS PROTEGIDAS

O Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/65) foi revogado pela Lei n. 12.651/12,
com as alterações da Lei n. 12.727/12. A nova lei florestal, em seu art. 2º, estabelece
que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa
são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, prevendo ainda que a sua
proteção servirá como limitadora dos direitos de propriedade, conforme as disposições
da legislação em geral e especialmente da própria lei florestal.
Assim, a lei prevê proteção, fundamentalmente, para dois tipos de áreas: (i) Áreas de
Preservação Permanente (APP) e (ii) Reserva Florestal Legal.
As áreas de Preservação Permanente (APP) são territórios protegidos de acordo com
os artigo 4º e seguintes do Código Florestal, cobertos ou não por vegetação nativa, com
objetivo de preservar as florestas de forma indireta, na medida em que o objetivo de pro-
teção é de um bem, recurso ou serviço ambiental alheio à própria área protegida (e.g.:
rio, montanha, dunas, etc). A APP tem função primordial de garantia de preservação
e conservação de recursos ambientais acessórios e serviços ambientais que dependem
da sua existência. Assim, são exemplos das funções da APP: garantir a qualidade e a
quantidade dos recursos hídricos; os atributos da paisagem; a estabilidade ecológica dos
diferentes ecossistemas; a preservação da biodiversidade; o fluxo gênico de fauna e flora,
o solo, entre outras. E, de forma indireta, a APP desenvolve papel de preservação da
vegetação existente dentro dos limites de proteção definidos pelo Código Florestal. Essa
interpretação decorre da previsão do art. 3º,, inciso II da Lei Florestal, que assim dispõe:

“Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por


vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”

Existem dois tipos de APP’s: (i) áreas de preservação permanente por imposição
legal, previstas pelo artigo 4º do Código Florestal; e (ii) área de preservação permanente
por ato do poder público, cujas hipóteses estão previstas no artigo 6º da referida legis-
lação. Cabe destacar que a primeira espécie de APP (por imposição legal) exige apenas
a ocorrência do atributo natural para receber proteção legal. Ou seja, a existência de
um rio, de uma montanha ou de uma duna são suficientes para atrair a proteção da
legislação florestal, independentemente de ato declaratório do Poder Público. Já a se-
gunda forma de APP, depende de ato do Poder Público para que seja declarada como
área protegida. Importante ressaltar que a hipótese do artigo 6º do Código Florestal
não consiste em faculdade do Poder Público, ou seja, identificada área que constitua
alguma das hipóteses previstas no artigo, o Poder Público tem o dever de declará-las

FGV DIREITO RIO 131


DIREITO AMBIENTAL

como dignas de proteção. Essa constatação apresenta reflexos práticos importantes. Por
exemplo: na concepção de projetos imobiliários sobre áreas que podem estar sujeitas à
declaração de preservação permanente pelo Poder Público, devem contemplar o risco de
impugnação judicial de eventual licença ambiental concedida para o empreendimento
sobre área sujeita às hipóteses do art. 6º, do Código Florestal.
Importante assunto a ser explorado diz respeito à supressão das florestas de preser-
vação permanente. De acordo com o artigo 8º, caput do Código Florestal, a supressão
de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em
caso de atividades de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto am-
biental previstas na referida lei.80 A Constituição Federal também traz requisitos a
serem observados na supressão da vegetação dessa área. Segundo o artigo 225, § 1°,
inciso III, da CF/88:
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus com-
ponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atri-
butos que justifiquem sua proteção;
Diante dos dispositivos constitucionais e legais citados é possível afirmar que a su-
pressão de vegetação de áreas de preservação permanente somente poderá ser autorizada
se os seguintes requisitos forem cumpridos:

1. Lei autorizativa – requisito constitucional (art. 225, § 1°, inciso III, primeira
parte);
2. A supressão não pode comprometer a integridade dos atributos que justifi-
80.Art. 8o A intervenção ou a supressão

quem a criação da área protegida – requisito constitucional (art. 225, § 1°, de vegetação nativa em Área de Preser-
vação Permanente somente ocorrerá
inciso III, segunda parte); nas hipóteses de utilidade pública, de
3. A supressão deve ser de utilidade pública, (artigo 3º, VIII, do Código Flo- interesse social ou de baixo impacto
ambiental previstas nesta Lei.
restal) de interesse social (artigo 3º, IX, do Código Florestal) ou de baixo § 1o A supressão de vegetação nativa
protetora de nascentes, dunas e restin-
impacto ambiental (artigo 3º, X, do Código Florestal) – requisito legal (ar- gas somente poderá ser autorizada em
tigo 4º do Código Florestal); caso de utilidade pública.
§ 2o A intervenção ou a supressão de
vegetação nativa em Área de Preser-
vação Permanente de que tratam os
Vale destacar que o primeiro requisito elencado, qual seja, lei autorizativa para a incisos VI e VII do caput do art. 4o po-
alteração ou supressão de vegetação da área de preservação permanente consiste na pró- derá ser autorizada, excepcionalmente,
em locais onde a função ecológica do
pria Lei Florestal, que em seu artigo 8º, caput, traz requisitos a serem observados para as manguezal esteja comprometida, para
execução de obras habitacionais e de
hipóteses de intervenção e supressão já previstas neste diploma legal. urbanização, inseridas em projetos de
Embora tratando do Código Florestal de 1965, dois importantes tratadistas do di- regularização fundiária de interesse
social, em áreas urbanas consolida-
reito ambiental manifestaram entendimento similar, ao defenderem que a lei que cria das ocupadas por população de baixa
renda.
a APP é o instrumento legal que cumpre com o requisito constitucional do art. 225, § § 3o É dispensada a autorização do ór-
1°, inciso III, ao prever o procedimento de supressão da vegetação de APP. Édis Milaré gão ambiental competente para a exe-
cução, em caráter de urgência, de ati-
e Paulo de Bessa Antunes defendem tal posicionamento: “Tal como alvitrou Paulo de vidades de segurança nacional e obras
de interesse da defesa civil destinadas à
Bessa Antunes, parece-nos que ‘a lei autorizativa para uma eventual alteração ou supres- prevenção e mitigação de acidentes em
são das florestas de preservação estabelecidas pelo art. 3º é o próprio Código Florestal. E, áreas urbanas.
§ 4o Não haverá, em qualquer hipótese,
portanto, não há necessidade de uma lei específica que autorize uma supressão de uma direito à regularização de futuras inter-
venções ou supressões de vegetação
floresta de preservação permanente por ato do Poder Executivo. (...) Diferente é a situa- nativa, além das previstas nesta Lei.

FGV DIREITO RIO 132


DIREITO AMBIENTAL

ção das áreas de preservação permanente estabelecidas pelo art. 2º do Código Florestal,
que somente poderão ser alteradas por lei formal, em razão da hierarquia legislativa’”.
Quanto ao segundo requisito, importa mencionar que o instrumento responsável
por avaliar se a alteração ou supressão da vegetação de área de preservação permanente
vai comprometer ou não os atributos que justifiquem a sua criação é o estudo de im-
pacto ambiental.
Outro ponto a justificar a recepção das hipóteses de supressão de APP pelo art. 8º
da Lei Florestal residiria na natureza de preservação e conservação dessas áreas apenas
de forma indireta. A racionalidade da política conservacionista no caso das APPs e da
Reserva Legal seria diferenciada das áreas protegidas pela Lei n. 9.985/2000, que dispõe
sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Esse diploma sistema-
tiza áreas de proteção com função primordial de conservação e preservação dos recursos,
bens e serviços ambientais existentes ou que ocorrem dentro dos limites da unidade
de conservação. Essa diferença seria suficiente para fazer com que as áreas protegidas
pelo artigo 225, § 1º, inc. III, da CF/88, se limitassem àquelas constantes do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação. Édis Milaré81 se refere a esse fator distintivo
classificando as áreas protegidas do Código Florestal como lato sensu e as do SNUC
como áreas protegidas stricto sensu.

“(...) no conceito de espaços territoriais especialmente protegidos, em sentido


estrito (stricto sensu), tal qual enunciado na Constituição Federal, se subsumem
apenas as Unidades de Conservação típicas, isto é, previstas expressamente na
Lei 9.985/2000 e, de outra sorte, aquelas áreas que, embora não expressamente
arroladas, apresentam características que se amoldam ao conceito enunciado no
art. 2º, I, da referida Lei 9.985/2000, que seriam então chamadas de Unidades
de Conservação atípicas.
Por outro lado, constituiriam espaços territoriais especialmente protegidos,
em sentido amplo (lato sensu), as demais áreas protegidas, como, por exemplo, as
Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais (disciplinadas pela
Lei 4.771/1965 – Código Florestal) e as Áreas de Proteção Especial (previstas na
Lei 6.766/1979 – Parcelamento do Solo Urbano), que tenham fundamentos e
finalidades próprias e distintas das Unidades de Conservação.

No tocante às reservas legais, são áreas localizadas dentro de uma propriedade ou posse
rural, fundamentais ao uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais, à con-
servação e reabilitação dos processos ecológicos, ao abrigo e proteção da fauna silvestre e
flora nativa e à conservação da biodiversidade, conforme determina o art. 3º, inciso III da
Lei Florestal. Trata-se de uma forma de restrição à exploração econômica da propriedade,
tendo em vista a preservação de interesses ecológicos. Assim dispõe o referido dispositivo:
“Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, de-
limitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo
sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação
81. MILARÉ, Édis. Direito do ambien-
dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o te: doutrina, jurisprudência, glossário.
5ª ed. ref., atual. e ampl. São Paulo:
abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.” Editora dos Tribunais, 2007. P. 651.

FGV DIREITO RIO 133


DIREITO AMBIENTAL

Portanto, aplica-se raciocínio semelhante ao fundamento da preservação das referi-


das áreas ao aplicado anteriormente às APPs. Ou seja, a reserva legal tem uma função
direta de proteção e conservação dos bens e serviços ambientais acessórios à existência
da vegetação que se encontra propriamente protegida pelos limites da reserva legal. Isso
não quer dizer, todavia, tal como no caso das APPs, que a área compreendida pelos
limites da reserva legal não sejam diretamente beneficiadas com tal proteção.
Para Paulo de Bessa Antunes82, “a reserva legal é uma obrigação que recai direta-
mente sobre o proprietário do imóvel, independentemente de sua pessoa ou da forma
pela qual tenha adquirido a propriedade; desta forma ela está umbilicalmente ligada à
própria coisa, permanecendo aderida ao bem”.
As duas áreas especialmente protegidas não se confundem, pois o local a ser definido
como reserva legal não pode ser protegido por outro título, como área de preservação
permanente. Assim, propriedades que possuam áreas de proteção permanente terão que
escolher outro local para indicar como reserva legal.
No entanto, a Lei Florestal admite uma hipótese excepcional em que áreas relativas
à vegetação nativa existente em área de preservação permanente poderão fazer parte
do cálculo do percentual da reserva legal. Tal situação, prevista no art. 15, do Código
Florestal, será possível desde que: (i) tal benefício não implique em conversão de novas
áreas para o uso alternativo do solo; (ii) a área a ser computada esteja conservada ou em
processo de recuperação, o que deverá ser comprovado pelo proprietário perante o ór-
gão estadual integrante do Sisnama; e (iii) o proprietário ou possuidor tenha requerido
a inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR. O objetivo desta previsão
legal foi evitar uma excessiva restrição no direito de propriedade daqueles proprietários
de imóveis rurais que já possuem vastas áreas protegidas pelo título de área de preserva-
ção permanente.

SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)

Os espaços territoriais especialmente protegidos, também chamados de unidades de


conservação são divididos em dois grupos, cada qual regulamentado por um diploma
legal. São eles: (i) áreas protegidas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (SNUC), regidas pela Lei 9.985/00 e (ii) áreas protegidas do Código Florestal,
reguladas pela Lei 4.771/65.
Nesta unidade serão trabalhadas as áreas protegidas do SNUC, cuja criação tem
como objetivo proteger diretamente os ecossistemas por elas tutelados, através da impo-
sição de proibições e restrições de uso de determinados espaços territoriais.
Em relação ao SNUC, é importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988
dispõe em seu artigo 225, § 1º, incs. I, II, III e VII sobre obrigações gerais de defesa e
proteção da fauna e da flora. Porém, pela natureza de normas gerais, os referidos dispo-
sitivos constitucionais não prescindiam de específica regulamentação, garantindo-lhes
assim a necessária eficácia. Foi assim, então, que em 2000, fruto de longos anos de 82. Paulo de Bessa Antunes. Poder
Judiciário e reserva legal: análise de
discussões e debates sobre um projeto de lei de 1992, de número 2.892, é que o SNUC recentes decisões do Superior Tribunal
de Justiça.Revista de Direito Ambiental.
tomou forma pela Lei n. 9.985/2000. São Paulo: RT, n. 21, p. 120, 2001.

FGV DIREITO RIO 134


DIREITO AMBIENTAL

As unidades de conservação do SNUC são dividas em duas categorias: (i) Unidades


de Proteção Integral e (ii) Unidades de Uso Sustentável. O fator distintivo é o grau
de exploração autorizado dos recursos naturais e a natureza do domínio e da posse.
Assim, nas Unidades de Proteção Integral admite-se apenas o uso indireto dos seus
recursos naturais e em três das cinco modalidades a posse e o domínio são públicos.
Nas Unidades de Uso Sustentável, o uso direto é permitido e a natureza do domínio e
da posse público e privado, dependendo do tipo de unidade de conservação.
Como uso indireto entende-se aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou
destruição dos recursos naturais, segundo o art. 2º, IX da Lei 9.985/00. Como uso direto
compreende-se aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais,
art. 2º, X, da Lei 9.985/00.
Um dos pontos cruciais do SNUC é o que diz respeito aos requisitos da criação de
uma unidade de conservação. O dispositivo que disciplina essa matéria é o art. 22, da
Lei n. 9.985/00. Do texto da lei, apresentam-se dois requisitos: 1) estudos técnicos e; 2)
consulta pública. Portanto, não se pode prescindir da realização de estudos técnicos que
comprovem a adequação da área que se pretende gravar como unidade de conservação
com o tipo descrito pela Lei n. 9.985/00. Da mesma forma, como a criação de uma uni-
dade de conservação tem potencial para impactar populações que vivem em seu entorno
ou mesmo dentro dos seus limites, não se pode prescindir da consulta pública. Outro
requisito que não aparece explicitamente listado no art. 22, da Lei n. 9.985/00, mas
é decorrência lógica da natureza do domínio e da posse de algumas espécies de UCs,
é a previsão orçamentária própria para executar as desapropriações necessárias. Não se
pode admitir que se intente a criação de uma UC de posse e domínio público, sem a
correspondente previsão orçamentária para concretizar a criação da UC no formato
disciplinado pela Lei n. 9.985/00.
Se há discussão em relação à aplicação dos requisitos formais para criação, alteração
e supressão de área protegida, previstos pelo art. 225, § 1º, inc. III, da CF/88, às áreas
do Código Florestal (APP e RL), em relação às áreas do SNUC, a questão é pacífica.
Os procedimentos de criação, supressão e alteração, devem necessariamente observar o
disposto no dispositivo constitucional. Ou seja, a criação pode se dar por ato do Poder
Público (lei ou decreto). No entanto, a supressão ou a alteração, somente podem ser
feitas por lei, “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção;”.
O grupo das Unidades de Proteção Integral é constituído pelas seguintes categorias de
unidades de conservação:

(i) Estação Ecológica (art. 9º)

O objetivo de criação desta unidade de conservação é a preservação da natureza e


a realização de pesquisas científicas. É proibida a visitação pública, salvo quando com
objetivo educacional, de acordo com o disposto no Plano de Manejo da unidade ou
regulamento específico. A pesquisa científica depende de prévia autorização do órgão
responsável pela administração da unidade. A Estação Ecológica é de posse e domínio
públicos, assim, as áreas particulares incluídas em seu território serão desapropriadas.

FGV DIREITO RIO 135


DIREITO AMBIENTAL

Neste tipo de unidade de conservação somente são permitidas alterações dos ecos-
sistemas no caso de: medidas que visem a restauração de ecossistemas modificados;
manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica; coleta de compo-
nentes dos ecossistemas com finalidades científicas; e pesquisas científicas cujo im-
pacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou
pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente
a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e
quinhentos hectares.

(ii) Reserva Biológica (art. 10)

A Reserva Biológica tem como finalidade preservar integralmente a biota e de-


mais atributos naturais existentes em seu território, livre de interferência humana
direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus
ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o
equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. É proi-
bida a visitação pública, salvo quando tenha objetivo educacional, de acordo com o
regulamento específico. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão
responsável pela administração da unidade. A Reserva Biológica também é de posse e
domínio públicos devendo, portanto, as áreas particulares incluídas no seu território
ser desapropriadas.

(iii) Parque Nacional (art. 11)

O Parque Nacional tem como intuito preservar os ecossistemas naturais de grande


relevância ecológica e beleza cênica, sendo possível a realização de pesquisas científicas
e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação
em contato com a natureza e de turismo ecológico. Esta unidade de conservação é de
posse e domínio públicos, assim, as áreas particulares incluídas em seu território serão
desapropriadas. A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no
Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua
administração e àquelas previstas em regulamento. A pesquisa científica depende de
prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade.

(iv) Monumento Natural (art. 12)

A finalidade do Monumento Natural é preservar sítios naturais raros, singulares ou


de grande beleza cênica. Diferentemente das unidades de conservação supracitadas, o
Monumento Natural pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível
compatibilizar os objetivos da unidade com o uso da terra e dos recursos naturais do
local pelos proprietários.
Caso haja incompatibilidade entre tais objetivos ou não havendo concordância do
proprietário às condições propostas pelo órgão responsável pela administração da uni-
dade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a referida

FGV DIREITO RIO 136


DIREITO AMBIENTAL

área deverá ser desapropriada. A visitação pública está sujeita às condições e restrições
estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão res-
ponsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento.

(v) Refúgio de Vida Silvestre (art. 13)

O principal objetivo do Refúgio de Vida Silvestre é a proteção de ambientes na-


turais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou
comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. A visitação pública está
sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas
estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regu-
lamento. A pesquisa científica depende de prévia autorização do órgão responsável pela
administração da unidade.
Esta unidade de conservação pode ser constituída por áreas particulares, desde que
seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recur-
sos naturais do local pelos proprietários. Caso haja incompatibilidade entre os objetivos
da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às condições
propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do
Refúgio de Vida Silvestre com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada.
Referentemente ao grupo das Unidades de Uso Sustentável, estão compreendidas:

(i) Área de Proteção Ambiental (art. 15)

A Área de Proteção Ambiental é em geral extensa, com um certo grau de ocupação


humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente
importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. O princi-
pal objetivo desta unidade de conservação é proteger a diversidade biológica, disciplinar
o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Esta
área pode ser constituída por terras públicas ou privadas. Sendo privada, podem ser
estabelecidas restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma
Área de Proteção Ambiental, desde que sejam respeitados os limites constitucionais.
As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas
sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade. Já nas áreas sob
propriedade privada, tal tarefa cabe ao proprietário. A Área de Proteção Ambiental terá
um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído
por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da popu-
lação residente.

(ii) Área de Relevante Interesse Ecológico (art. 16)

Esta unidade de conservação é caracterizada por pouca ou nenhuma ocupação hu-


mana, possui atributos naturais extraordinários ou que abriga exemplares raros da biota
regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional
ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os

FGV DIREITO RIO 137


DIREITO AMBIENTAL

objetivos de conservação da natureza. A Área de Relevante Interesse Ecológico pode


ser constituída por terras públicas ou privadas. Podem ser estabelecidas restrições para
a utilização de uma propriedade privada localizada em uma das unidades em comento,
desde que respeitados os limites constitucionais.
(iii) Floresta Nacional (art. 17)

A Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominan-


temente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos
florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável
de florestas nativas. Esta unidade de conservação é de posse e domínio públicos, sendo
que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. A visita-
ção pública é permitida, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da uni-
dade pelo órgão responsável por sua administração. A pesquisa científica é permitida e
incentivada, sujeitam-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração
da unidade.
Nas Florestas Nacionais é permitida a permanência de populações tradicionais que
a habitam quando de sua criação, de acordo com o Plano de Manejo da unidade. Esta
unidade contará com um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por
sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações
da sociedade civil e das populações tradicionais residentes.

(iv) Reserva Extrativista (art. 18)

A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais,


cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Seu principal objetivo é a pro-
teção dos meios de vida e cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos
recursos naturais da unidade.
Esta unidade de conservação é de domínio público, com uso concedido às popula-
ções extrativistas tradicionais, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites
devem ser desapropriadas. A visitação pública é permitida, assim como a pesquisa cien-
tífica, que estará sujeita à prévia autorização do órgão responsável pela administração
da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e às normas previstas em
regulamento.
A Reserva será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão respon-
sável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de
organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. Este
Conselho será responsável por aprovar o Plano de Manejo da unidade.
Cabe destacar que são proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorís-
tica ou profissional na unidade. Quanto à exploração comercial de recursos madeireiros,
esta somente será admitida se for realizada em bases sustentáveis e em situações especiais
e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista.

(v) Reserva de Fauna (art. 19)

FGV DIREITO RIO 138


DIREITO AMBIENTAL

Esta unidade de conservação é uma área natural com populações animais de espé-
cies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos
técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. A
Reserva de Fauna é de posse e domínio públicos, assim, as áreas particulares incluídas
em seus limites devem ser desapropriadas.
A visitação pública pode ser permitida, desde que compatível com o manejo da
unidade e de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua ad-
ministração. O exercício da caça amadorística ou profissional, no entanto, é proibido.
A comercialização dos produtos e subprodutos resultantes das pesquisas obedecerá ao
disposto nas leis sobre fauna e regulamentos.

(vi) Reserva de Desenvolvimento Sustentável

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga popula-


ções tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos
recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológi-
cas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na ma-
nutenção da diversidade biológica. A principal finalidade desta unidade de conservação
é preservar a natureza, assim como assegurar as condições e os meios necessários para
a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos
naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o
conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações.
Esta unidade é de domínio público, desta forma, as áreas particulares incluídas em
seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas. A Reserva de Desenvolvi-
mento Sustentável será gerida por um Conselho Deliberativo.
É permitida e incentivada a visitação pública, desde que compatível com os inte-
resses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área, assim como a
pesquisa científica voltada à conservação da natureza, à melhor relação das populações
residentes com seu meio e à educação ambiental, a qual estará condicionada à prévia
autorização do órgão responsável pela administração da unidade.
A exploração de componentes dos ecossistemas naturais é permitida em regime de
manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde
que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de Manejo da área. Este
último definirá as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e
corredores ecológicos, e será aprovado pelo Conselho Deliberativo da unidade.

(vii) Reserva Particular do Patrimônio Natural (art. 21).

A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada, gravada com perpe-
tuidade, objetivando conservar a diversidade biológica. O referido gravame constará de
termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental, que verificará a existência
de interesse público, e será averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imó-

FGV DIREITO RIO 139


DIREITO AMBIENTAL

veis. A visitação pública com objetivos turísticos, recreativos e educacionais é permitida,


assim como a pesquisa científica.
A criação desta unidade é um ato voluntário do proprietário, que decide constituir
sua propriedade, ou parte dela, em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural,
sem que isto provoque perda do direito de propriedade. Esta unidade de conservação
possui alguns benefícios, tais como isenção de ITR, prioridade na análise de conces-
são de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente e preferências nas análises de
crédito agrícola.
Além das unidades de proteção integral e das de uso sustentável, a Lei do SNUC
incorporou ao Direito brasileiro a chamada Reserva da Biosfera, reconhecida pelo Pro-
grama Intergovernamental Man and Biosphere da Unesco.
De acordo com o artigo 41 da Lei 9.985/2000, a Reserva da Biosfera é um mo-
delo, adotado internacionalmente, de gestão integrada, participativa e sustentável dos
recursos naturais, objetivando preservar a diversidade biológica, o desenvolvimento de
atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvol-
vimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações.
Esta unidade de conservação é constituída por uma ou várias áreas-núcleo, desti-
nadas à proteção integral da natureza; uma ou várias zonas de amortecimento, onde
só são admitidas atividades que não resultem em dano para as áreas-núcleo; e uma
ou várias zonas de transição, sem limites rígidos, onde o processo de ocupação e o
manejo dos recursos naturais são planejados e conduzidos de modo participativo e
em bases sustentáveis.
A Reserva da Biosfera pode ser formada por áreas de domínio público ou privado.
Cabe destacar ainda que esta unidade pode ser integrada por unidades de conservação
já criadas pelo Poder Público, respeitadas as normas legais que disciplinam o manejo de
cada categoria específica. Finalmente, vale mencionar que a Reserva da Biosfera é gerida
por um Conselho Deliberativo, formado por representantes de instituições públicas,
de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser em
regulamento e no ato de constituição da unidade.
A lei do SNUC foi posteriormente regulamentada pelo Decreto n. 4.340/2002,
que dispõe de forma detalhada sobre os requisitos de criação, abrangência, áreas de
mosaico, plano de manejo, gestão compartilhada com OSCIP, autorização para ex-
ploração de bens e serviços, reassentamento de populações tradicionais, reavaliação de
UC não prevista no SNUC, da reserva da biosfera e da compensação por significativo
impacto ambiental.
O mosaico de unidades de conservação é uma figura que se tem natureza assemelha-
da à da Reserva da Biosfera, mas de âmbito regional e desvinculada de programas inter-
nacionais. O mosaico é previsto pelo artigo 20, da Lei n. 9.985/2000, que dispõe sobre
sua conveniência sempre que “existir um conjunto de unidades de conservação de catego-
rias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas
ou privadas...” Nesses casos, constitui-se o mosaico e a sua gestão passa a ser feita “de
forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação,
de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e
o desenvolvimento sustentável no contexto regional.”

FGV DIREITO RIO 140


DIREITO AMBIENTAL

Outra área disciplinada pela Lei do SNUC é a zona de amortecimento. Tem a


função de restringir a ocupação e as atividades do entorno das UCs, com o intuito de
evitar impactos e degradação dos bens ambientais protegidos pela criação da área pro-
tegida. A zona de amortecimento está disciplinada pelo artigo 25, da Lei do SNUC,
que assim dispõe:
“As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Parti-
cular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando
conveniente, corredores ecológicos.
§ 1º O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas especí-
ficas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos
corredores ecológicos de uma unidade de conservação.
§ 2º Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respec-
tivas normas de que trata o § 1º poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou
posteriormente.”
No que se refere ao disposto no artigo 36, a lei do SNUC inovou, ao prever a necessi-
dade de compensação ambiental para todos os empreendimentos sujeitos ao licenciamento
ambiental de obras ou atividades que tenham potencial de causar significativo impacto
ambiental. Ao vincular a compensação ambiental a investimentos em UCs, a lei do SNUC
garantiu os recursos necessários para a concepção e gestão dessas áreas protegidas. O pilar
teórico para referida cobrança é o princípio do poluidor-pagador / usuário pagador.
O parágrafo único do artigo 36 foi ainda mais além. Dispôs sobre o montante a
ser destinado para investimentos em UCs, vinculando-o ao percentual gasto com o
empreendimento. Assim, estipulou um mínimo de 0,5% (meio por cento) que, pos-
teriormente, foi derrubado por decisão do Supremo Tribunal Federal na ação direta
de inconstitucionalidade 3.378-6/DF, publicada no dia 20/06/2008, cujo relator foi o
Ministro Carlos Britto.
Entendeu o STF que não poderia haver vinculação mínima do valor do investimen-
to ao montante gasto no empreendimento. O valor deveria guardar equivalência com
o grau de impacto.

ATIVIDADES–EXERCÍCIOS DISCURSIVOS POR UNIDADE

1. A vegetação localizada em áreas de preservação permanente pode ser supri-


mida? Caso positivo, de que forma? Justifique com base nos dispositivos
legais e constitucionais pertinentes.
2. Acerca das chamadas “áreas de preservação permanente”, descritas no artigo
4º da Lei 12.651/12, responda os itens abaixo:
a. Qual a natureza jurídica das referidas áreas?
b. Podem as mencionadas áreas ser conceituadas como uma das categorias
dos “espaços territoriais especialmente protegidos” a que alude o inciso
III do § 1º do art. 225 da Constituição da República?

FGV DIREITO RIO 141


DIREITO AMBIENTAL

3. O comprador de propriedade rural sem a averbação de reserva legal pode ser


responsabilizado pelas autoridades competentes pelo prejuízo causado pelo
vendedor? Justifique.
4. Se a propriedade for anterior ao Código Florestal, está o proprietário obriga-
do a cumprir com as restrições impostas pela reserva legal? Justifique.
5. Aponte os requisitos para a criação de uma unidade de conservação.
6. Pode uma unidade de conservação ser instituída por decreto?
7. Quais são os requisitos formais para alteração ou supressão de unidade de
conservação?
8. O Governador do Estado, após estudos técnicos do órgão ambiental, criou
um Parque Estadual numa serra de Mata Atlântica, por meio de um decreto
do Poder Executivo. Posteriormente, após consulta à população residente na
sua área de amortecimento, diminuiu a sua extensão territorial, por meio de
outro decreto do Executivo. Tais medidas são constitucionais e legais? Justi-
fique e fundamente as respostas.
9. Questão retirada do concurso para Defensor Público SP, 200683:
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza estabelece
dois grupos de unidades de conservação, as de Proteção Integral e as de Uso
Sustentável. São Unidades de Proteção Integral:
a. Refúgio da Vida Silvestre, Área de Proteção Ambiental, Reserva Extrativis-
ta, Reserva Biológica e Estação Ecológica.
b. Estação Ecológica, Área de Proteção Ambiental, Floresta Nacional, Refú-
gio da Vida Silvestre e Reserva Extrativista.
c. Reserva Biológica, Parque Nacional, Reserva da Fauna, Floresta Nacional
e Reserva Extrativista.
d. Área de Proteção Ambiental, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Mo-
numento Natural de Refúgio da Vida Silvestre.
e. Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Na-
tural e Refúgio da Vida Silvestre.

10. Questão retirada do concurso para Procurador do Município Manaus, 2006:


O regime jurídico das áreas de preservação permanente difere, essencialmen-
te, daquele aplicável às unidades de conservação, porque as áreas de preserva-
ção permanente
a. Podem ser definidas em caráter geral pela lei, ao passo que as unidades
de conservação devem ser necessariamente declaradas por ato concreto,
emanado do poder público
b. Têm sua supressão condicionada à autorização legislativa, enquanto as
unidades de conservação podem ser suprimidas por ato do Poder Exe-
cutivo.
c. Apenas podem ser definidas pela lei, enquanto as unidades de con-
servação podem ser definidas tanto por lei quanto por ato do Poder
83. 1 As questões 1-3 foram extraídas
Executivo. da seguinte obra: Antônio F. G. Beltrão,
Manual de Direito Ambiental, Editora
Método, (2008), p. 227 e 229.

FGV DIREITO RIO 142


DIREITO AMBIENTAL

d. Têm sua utilização sujeita ao licenciamento ambiental a cargo do Instituto


Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBA-
MA, ao passo que as unidades de conservação sujeitam-se aos órgãos seccio-
nais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente — SISNAMA.
e. Têm por objetivo exclusivo a preservação da vegetação, enquanto as uni-
dades de conservação sempre visam à proteção integral dos ecossistemas
compreendidos em sua área.
11. Questão retirada do concurso para Promotor de Justiça MG — XLVI:
Assinale a alternativa CORRETA, de acordo com o que dispõe a lei que
instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação — SNUC:
a. Integram o grupo de Unidades de Proteção Integral as seguintes catego-
rias de unidades de conservação: Estação Ecológica, Reserva Biológica,
Parque Nacional, Monumento Natural, Áreas de Relevante Interesse
Ecológico e Área de Proteção Ambiental.
b. O objetivo básico das Unidades de Conservação de Proteção Integral é
compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de par-
cela de seus recursos naturais.
c. Em se tratando de unidade de conservação deve ser elaborado um Plano
de Manejo que abranja a área correspondente à unidade de conserva-
ção, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo
medidas com o fim de promover sua integração econômica e social das
comunidades vizinhas.
d. Restauração, segundo a definição estabelecida na lei citada, é a restituição
de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma con-
dição não degradada, diferente de sua condição original.
e. A Estação Ecológica, como Unidade de Conservação de Proteção Integral,
tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas
científi cas, sendo públicos a posse e o domínio de sua área. Havendo
áreas particulares incluídas em seus limites deverão ser cedidas, a título
gratuito, ao Poder Público, sendo esta uma das restrições legais ao direi-
to de propriedade.

8. Trabalhe no seguinte exercício

Criação de Unidade de Conservação

Objetivo: Ecossistema com relevante função para a estabilização do mi-


croclima da região, proteção de nascentes e preservação de rica
biodiversidade. Área também com potencial turístico, em razão
da existência de cinco cachoeiras.

Peculiaridade: Pecuária extensiva no entorno da área.

FGV DIREITO RIO 143


DIREITO AMBIENTAL

Exercício: Criar um manual (parecer jurídico) de criação da unidade con-


servação para implantação pelo Poder Executivo Estadual, com
identificação e justificativa do tipo de unidade de conservação
mais apropriada.

Legislação: Lei n. 9.985/2000 e Decreto n. 4.340/2002

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

Constituição Federal, artigo 225, §1º, inc. III


Lei n. 12.651/12 (Código Florestal)
Lei n. 9.985/00;
Lei n. 11.284/06;
Lei n. 11.428/06;
Lei n. 11.516/07;
Decreto n. 4.340/02;
Decreto n. 6.848/2009.

Doutrina

As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação “são bens de


interesse comum a todos os habitantes do País”.84 O Código Florestal antecipou-se à noção de
interesse difuso, e foi precursor da Constituição Federal quando conceituou meio ambiente
como bem de uso comum do povo.
Todos temos interesse nas florestas de propriedade privada e nas florestas de propriedade
pública. A existência das florestas não passa à margem do Direito nem se circunscreve aos
interesses de seus proprietários diretos.
O Código Florestal avança mais, e diz que “as ações ou omissões contrárias às disposi-
ções deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são
consideradas uso nocivo da propriedade (...)”.85 Faltou, naquela época, a introdução de um
direito de ação judicial que ultrapasse a noção de direito de vizinhança.
De inegável atualidade os conceitos de “interesse comum” e de “uso nocivo da proprieda-
de” com relação ao meio ambiente, e especificamente às florestas.
O interesse comum na existência e no uso adequado das florestas está ligado, com forte
vínculo, à função social e ambiental da propriedade.
A destruição ou o perecimento das mesmas podem configurar um atentado à função social
e ambiental da propriedade, através de seu uso nocivo. O ser humano, por mais inteligente e
84. Parte do art. 1º do Código Flo-
mais criativo que seja, não pode viver sem as outras espécies vegetais e animais. Conscientes restal Citação
85. – Lei 4.771,
parcialdedo15.9.1965
art. 1º, da(DOU
MP
16.9.1965).
2.166-67/2001.

FGV DIREITO RIO 144


DIREITO AMBIENTAL

estamos de que sem florestas não haverá água, não haverá fertilidade do solo; a fauna depen-
de da floresta, e nós – seres humanos – sem florestas não viveremos. As florestas fazem parte
de ecossistemas, onde os elementos são interdependentes e integrados.

[MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed., rev., atual.
e amp. São Paulo: Malheiros, 2008. P.736-737.]

Até a promulgação da Lei do SNUC não existia, no ordenamento jurídico, ne-


nhum preceito que estabelecesse, com precisão, o conceito de Unidade de Conserva-
ção, e esta falta prejudicava a tutela que tais áreas proclamavam. No teor do art.2º
da Lei 9.985/2000, unidade de conservação vem a ser o “espaço territorial e seus
recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e
limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção”.
Portanto, para a configuração jurídico-ecológica de uma unidade de conservação
deve haver: a relevância natural; o caráter oficial; a delimitação territorial; o objeti-
vo conservacionista; e o regime especial de proteção e administração.
Observe-se, porém, que a expressão “recursos ambientais” apresenta certa ambi-
guidade, uma vez que esta categoria compreende, além dos recursos naturais propria-
mente ditos, outros bens ambientais (culturais, artificiais, etc). É uma ambiguidade
recorrente na legislação ambiental, motivada por deficiência conceitual.

[MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. Ed. ref.,


atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 654.]

Leitura Indicada

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed., rev., atual. e
amp. São Paulo: Malheiros, 2008. P.736-756 e 811-827.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. ref.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2007. P. 690-706 e 652-689.

Jurisprudência

Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Re-


nováveis – IBAMA e Estado do Paraná vs. Recorrido: Ministério Público Federal, Re-
curso Especial n. 1087370-PR (2008/0200678-2), 1ª Turma, STJ, Julgamento 10/
Nov./2009, DJ 27/Nov./2009.

Ementa

FGV DIREITO RIO 145


DIREITO AMBIENTAL

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO


CIVIL PÚBLICA. RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ. PENDÊNCIA DE
JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE RATIFI-
CAÇÃO. DELIMITAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DE
RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO DO PROPRIETÁRIO OU POSSUIDOR DO
IMÓVEL.

1. Tratando-se de recurso especial interposto quando pendentes de julgamento em-


bargos de declaração, é indispensável a sua posterior ratificação, conforme orientação da
Corte Especial/STJ (Informativo 317/STJ).
2. Hipótese em que a sentença de primeiro grau de jurisdição, ao julgar parcialmen-
te procedente a presente ação civil pública, condenou o proprietário do imóvel rural a:
(a) preservar área de vinte por cento da superfície da sua propriedade, a título de reserva
legal, e efetuar a reposição florestal gradual, em prazo determinado, sob pena de mul-
ta; (b) preservar também as matas ciliares (preservação permanente) na faixa de trinta
metros às margens dos rios e cinquenta metros nas nascentes e nos chamados “olhos
d’água”; (c) paralisar imediatamente as atividades agrícolas e pecuárias sobre toda a área
comprometida, sob pena de multa. Condenou, igualmente, o IBAMA e o Estado do
Paraná a: (d) delimitar a área total de reserva legal e a área de preservação permanente
da propriedade, no prazo de sessenta dias, sob pena de multa a ser rateada entre ambos;
(e) fiscalizar, a cada seis meses, a realização das medidas fixadas nos itens “a” e “b”, sob
pena de multa diária.
3. A delimitação e a averbação da reserva legal constitui responsabilidade do proprie-
tário ou possuidor de imóveis rurais, que deve, inclusive, tomar as providências neces-
sárias à restauração ou à recuperação das formas de vegetação nativa para se adequar aos
limites percentuais previstos nos incisos do art. 16 do Código Florestal.
4. Nesse aspecto, o IBAMA não poderia ser condenado a delimitar a área total de
reserva legal e a área de preservação permanente da propriedade em questão, por cons-
tituir incumbência do proprietário ou possuidor.
5. O mesmo não pode ser dito, no entanto, em relação ao poder-dever de fiscali-
zação atribuído ao IBAMA, pois o Código Florestal (Lei 4.771/65) prevê expressa-
mente que “a União, diretamente, através do órgão executivo específico, ou em con-
vênio com os Estados e Municípios, fiscalizará a aplicação das normas deste Código,
podendo, para tanto, criar os serviços indispensáveis” (art. 22, com a redação dada
pela Lei 7.803/89).
6. Do mesmo modo, a Lei 7.735/89 (com as modificações promovidas pela Lei
11.516/2007), ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-
turais Renováveis – IBAMA, órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambien-
te–SISNAMA -, nos termos do art. 6º, IV, da Lei 6.938/81, com a redação dada pela
Lei 8.028/90, incumbiu-o de: “(I) exercer o poder de polícia ambiental; (II) executar
ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, re-
lativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização
de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental,
observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; (c) executar as

FGV DIREITO RIO 146


DIREITO AMBIENTAL

ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambien-


tal vigente.”
7. Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que “o art. 23,
inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à
poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direi-
to de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(Resp 604.725/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22.8.2005).
8. Recurso especial do ESTADO DO PARANÁ não conhecido.
9. Recurso especial do IBAMA parcialmente provido, para afastar a sua condenação
apenas no que se refere à obrigação de delimitar a área total de reserva legal e a área de
preservação permanente da propriedade em questão.
Recorrente: Hermes Wilmar Storch e outros vs. Recorrido: Estado de Mato Grosso,
Recurso em Mandado de Segurança n. 20.281-MT (2005/0105652-0), 1ª Turma, STJ,
Julgamento 12/Jun./2007, DJ 29/Jun./2007.

Ementa

DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SE-


GURANÇA. DECRETO ESTADUAL N. 5.438/2002 QUE CRIOU O PARQUE
ESTADUAL IGARAPÉS DO JURUENA NO ESTADO DO MATO-GROSSO.
ÁREA DE PROTEÇÃO INTEGRAL. SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA–SNUC. ART. 225 DA CF/1988 REGU-
LAMENTADO PELA LEI N. 9.985/2000 E PELO DECRETO-LEI N. 4.340/2002.
CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PRECEDIDAS DE PRÉVIO
ESTUDO TÉCNICO-CIENTÍFICO E CONSULTA PÚBLICA. COMPETÊN-
CIA CONCORRENTE DO ESTADO DO MATO GROSSO, NOS TERMOS DO
ART. 24, § 1°, DA CF/1988. DECRETO ESTADUAL N. 1.795/1997. PRESCIN-
DIBILIDADE DE PRÉVIA CONSULTA À POPULAÇÃO. NÃO-PROVIMENTO
DO RECURSO ORDINÁRIO.

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por Hermes


Wilmar Storch e outro contra ato do Sr. Governador do Estado do Mato Grosso, con-
substanciado na edição do Decreto n. 5.438, de 12.11.2002, que criou o Parque Esta-
dual Igarapés do Juruena, nos municípios de Colniza e Cotriguaçu, bem como determi-
nou, em seu art. 3°, que as terras e benfeitorias sitas nos limites do mencionado Parque
são de utilidade pública para fins de desapropriação. O Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso, por maioria, denegou a ação mandamental, concluindo pela legalidade
do citado decreto estadual, primeiro, porque precedido de estudo técnico e científico
justificador da implantação da reserva ambiental, segundo, pelo fato de a legislação
estadual não exigir prévia consulta à população como requisito para criação de unida-
des de conservação ambiental. Apresentados embargos declaratórios pelo impetrante,
foram estes rejeitados, à consideração de que inexiste no aresto embargado omissão,

FGV DIREITO RIO 147


DIREITO AMBIENTAL

obscuridade ou contradição a ser suprida. Em sede de recurso ordinário, alega-se que: a)


o acórdão recorrido se baseou em premissa equivocada ao entender que, em se tratando
de matéria ambiental, estaria o estado-membro autorizado a legislar no âmbito da sua
competência territorial de forma distinta e contrária à norma de caráter geral editada
pela União; b) nos casos de competência legislativa concorrente, há de prevalecer a com-
petência da União para a criação de normas gerais (art. 24, § 4º, da CF/1988), haja vista
legislação federal preponderar sobre a estadual, respeitando, evidentemente, o estatuído
no § 1º, do art. 24, da CF/1988; c) é obrigatória a realização de prévio estudo técnico-
científico e sócio-econômico para a criação de área de preservação ambiental, não sendo
suficiente a simples justificativa técnica, como ocorreu no caso; d) a justificativa contida
no decreto estadual é incompatível com a Superior Tribunal de Justiça conceituação
de “parque nacional”; e) é obrigatória a realização de consulta pública para criação de
unidade de conservação ambiental, nos termos da legislação estadual (MT) e federal.
2. O Decreto Estadual n. 5.438/2002, que criou o Parque Estadual Igarapés do
Juruena, no Estado do Mato Grosso, reveste-se de todas as formalidades legais exigíveis
para a implementação de unidade de conservação ambiental. No que diz respeito à
necessidade de prévio estudo técnico, prevista no art. 22, § 1°, da Lei n. 9.985/2002, a
criação do Parque vem lastreada em justificativa técnica elaborada pela Fundação Esta-
dual do Meio Ambiente–FEMA, a qual, embora sucinta, alcança o objetivo perseguido
pelo art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, qual seja, possibilitar seja identificada a “loca-
lização, dimensão e limites mais adequados para a unidade”.
3. O Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamentou a Lei n.
9.985/2000, esclarece que o requisito pertinente à consulta pública não se faz impres-
cindível em todas as hipóteses indistintamente, ao prescrever, em seu art. 4°, que “com-
pete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estu-
dos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais
procedimentos administrativos necessários à criação da unidade”. Aliás, os §§ 1° e 2°
do art. 5° do citado decreto indicam que o desiderato da consulta pública é definir a
localização mais adequada da unidade de conservação a ser criada, tendo em conta as
necessidades da população local. No caso dos autos, reputa-se despicienda a exigência
de prévia consulta, quer pela falta de previsão na legislação estadual, quer pelo fato de a
legislação federal não considerá-la pressuposto essencial a todas as hipóteses de criação
de unidades de preservação ambiental.
4. A implantação de áreas de preservação ambiental é dever de todos os entes da fe-
deração brasileira (art. 170, VI, da CFRB). A União, os Estados-membros e o Distrito
Federal, na esteira do art. 24, VI, da Carta Maior, detém competência legislativa con-
corrente para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defe-
sa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.
O § 2° da referida norma constitucional estabelece que “a competência da União para
legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”. Assim
sendo, tratando-se o Parque Estadual Igarapés do Juruena de área de peculiar interesse
do Estado do Mato Grosso, não prevalece disposição de lei federal, qual seja, a regra do
art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, que exige a realização de prévia consulta pública. À
norma de caráter geral compete precipuamente traçar diretrizes para todas as unidades

FGV DIREITO RIO 148


DIREITO AMBIENTAL

da federação, sendo-lhe, no entanto, vedado invadir o campo das peculiaridades regio-


nais ou estaduais, tampouco dispor sobre assunto de interesse exclusivamente local, sob
pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade.
5. O ato governamental (Decreto n. 5.438/2002) satisfaz rigorosamente todas as
exigências estabelecidas pela legislação estadual, mormente as presentes nos arts. 263
Constituição Estadual do Mato Grosso e 6°, incisos V e VII, do Código Ambiental (Lei
Complementar n. 38/1995), motivo por que não subsiste direito líquido e certo a ser
amparado pelo presente writ.
6. Recurso ordinário não-provido.
Recorrente: Hermes Wilmar Storch vs. Recorrido: Estado de Mato Grosso, RMS
n. 20281-MT (2005/0105652-0), 1ª Turma, STJ, Julgamento 12/Jun./2007, DJ 29/
Jun./2007.

Ementa

DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SE-


GURANÇA. DECRETO ESTADUAL N. 5.438/2002 QUE CRIOU O PARQUE
ESTADUAL IGARAPÉS DO JURUENA NO ESTADO DO MATO-GROSSO.
ÁREA DE PROTEÇÃO INTEGRAL. SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO DA NATUREZA — SNUC. ART. 225 DA CF/1988 REGULA-
MENTADO PELA LEI N. 9.985/2000 E PELO DECRETO-LEI N. 4.340/2002.
CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PRECEDIDAS DE PRÉVIO
ESTUDO TÉCNICO-CIENTÍFICO E CONSULTA PÚBLICA. COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DO ESTADO DO MATO GROSSO, NOS TERMOS DO ART.
24, § 1°, DA CF/1988. DECRETO ESTADUAL N. 1.795/1997. PRESCINDIBILI-
DADE DE PRÉVIA CONSULTA À POPULAÇÃO. NÃO— PROVIMENTO DO
RECURSO ORDINÁRIO.

1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por Her-


mes Wilmar Storch e outro contra ato do Sr. Governador do Estado do Mato Grosso,
consubstanciado na edição do Decreto n. 5.438, de 12.11.2002, que criou o Parque
Estadual Igarapés do Juruena, nos municípios de Colniza e Cotriguaçu, bem como
determinou, em seu art. 3°, que as terras e benfeitorias sitas nos limites do mencionado
Parque são de utilidade pública para fins de desapropriação. O Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso, por maioria, denegou a ação mandamental, concluindo pela
legalidade do citado decreto estadual, primeiro, porque precedido de estudo técnico
e científico justificador da implantação da reserva ambiental, segundo, pelo fato de a
legislação estadual não exigir prévia consulta à população como requisito para criação
de unidades de conservação ambiental. Apresentados embargos declaratórios pelo im-
petrante, foram estes rejeitados, à consideração de que inexiste no aresto embargado
omissão, obscuridade ou contradição a ser suprida. Em sede de recurso ordinário, alega-
se que: a) o acórdão recorrido se baseou em premissa equivocada ao entender que, em se
tratando de matéria ambiental, estaria o estado-membro autorizado a legislar no âmbito
da sua competência territorial de forma distinta e contrária à norma de caráter geral edi-

FGV DIREITO RIO 149


DIREITO AMBIENTAL

tada pela União; b) nos casos de competência legislativa concorrente, há de prevalecer


a competência da União para a criação de normas gerais (art. 24, § 4º, da CF/1988),
haja vista legislação federal preponderar sobre a estadual, respeitando, evidentemente,
o estatuído no § 1º, do art. 24, da CF/1988; c) é obrigatória a realização de prévio
estudo técnico-científico e socioeconômico para a criação de área de preservação am-
biental, não sendo suficiente a simples justificativa técnica, como ocorreu no caso; d) a
justificativa contida no decreto estadual é incompatível com a conceituação de “parque
nacional”; e) é obrigatória a realização de consulta pública para criação de unidade de
conservação ambiental, nos termos da legislação estadual (MT) e federal.
2. O Decreto Estadual n. 5.438/2002, que criou o Parque Estadual Igarapés do
Juruena, no Estado do Mato Grosso, reveste-se de todas as formalidades legais exigíveis
para a implementação de unidade de conservação ambiental. No que diz respeito à
necessidade de prévio estudo técnico, prevista no art. 22, § 1°, da Lei n. 9.985/2002,
a criação do Parque vem lastreada em justificativa técnica elaborada pela Fundação
Estadual do Meio Ambiente — FEMA, a qual, embora sucinta, alcança o objetivo per-
seguido pelo art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, qual seja, possibilitar seja identificada
a “localização, dimensão e limites mais adequados para a unidade”.
3. O Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamentou a Lei n.
9.985/2000, esclarece que o requisito pertinente à consulta pública não se faz impres-
cindível em todas as hipóteses indistintamente, ao prescrever, em seu art. 4°, que “com-
pete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estu-
dos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais
procedimentos administrativos necessários à criação da unidade”. Aliás, os §§ 1° e 2°
do art. 5° do citado decreto indicam que o desiderato da consulta pública é definir a
localização mais adequada da unidade de conservação a ser criada, tendo em conta as
necessidades da população local. No caso dos autos, reputa-se despicienda a exigência
de prévia consulta, quer pela falta de previsão na legislação estadual, quer pelo fato de a
legislação federal não considerá-la pressuposto essencial a todas as hipóteses de criação
de unidades de preservação ambiental.
4. A implantação de áreas de preservação ambiental é dever de todos os entes da Fe-
deração brasileira (art. 170, VI, da CFRB). A União, os Estados-membros e o Distrito
Federal, na esteira do art. 24, VI, da Carta Maior, detém competência legislativa con-
corrente para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defe-
sa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.
O § 2° da referida norma constitucional estabelece que “a competência da União para
legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”. Assim
sendo, tratando-se o Parque Estadual Igarapés do Juruena de área de peculiar interesse
do Estado do Mato Grosso, não prevalece disposição de lei federal, qual seja, a regra do
art. 22, § 2°, da Lei n. 9.985/2000, que exige a realização de prévia consulta pública. À
norma de caráter geral compete precipuamente traçar diretrizes para todas as unidades
da Federação, sendo-lhe, no entanto, vedado invadir o campo das peculiaridades regio-
nais ou estaduais, tampouco dispor sobre assunto de interesse exclusivamente local, sob
pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade.

FGV DIREITO RIO 150


DIREITO AMBIENTAL

5. O ato governamental (Decreto n. 5.438/2002) satisfaz rigorosamente todas as


exigências estabelecidas pela legislação estadual, mormente as presentes nos arts. 263
Constituição Estadual do Mato Grosso e 6°, incisos V e VII, do Código Ambiental (Lei
Complementar n. 38/1995), motivo por que não subsiste direito líquido e certo a ser
amparado pelo presente writ.
6. Recurso ordinário não-provido.

FGV DIREITO RIO 151


DIREITO AMBIENTAL

GLOSSARIO

APP – Área de Preservação Permanente – Lei 12.651/12, art. 4º e seguintes, Resolução


CONAMA 303/2002. Áreas de grande importância ecológica, cobertas ou não
por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos,
a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e
flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.
Reserva legal – Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a
função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais
do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e
promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de
fauna silvestre e da flora nativa. Art. 3º, III, Código Florestal.
Unidades de conservação – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso I. Espaço territorial e seus
recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com característica naturais
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conserva-
ção e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de preservação.
Recurso ambiental – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso IV. A atmosfera, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo,o subsolo, os ele-
mentos da biosfera, a fauna e a flora.
Proteção Integral – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso VI. Manutenção dos ecossistemas livres
de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto
dos seus atributos naturais.
Manejo – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso VIII. Todo e qualquer procedimento que vise
assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas.
Uso Indireto – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso IX. Aquele que não envolve consumo, co-
leta, dano ou destruição dos recursos naturais.
Uso Direto – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso X. Aquele que envolve coleta e uso, comercial
ou não, de recursos naturais.
Uso Sustentável – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso XI. Exploração do ambiente de maneira
a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos eco-
lógicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma
socialmente justa e economicamente viável.
Plano de Manejo – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso XVII. Documento técnico mediante
o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação,
se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o
manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas neces-
sárias à gestão da unidade.
Zona de Amortecimento – Lei 9.985/00, art. 2º, XVIII. O entorno de uma unidade
de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições
específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
Corredores Ecológicos – Lei 9.985/00, art. 2º, inciso XIX. Porções de ecossistemas
naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre
elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e

FGV DIREITO RIO 152


DIREITO AMBIENTAL

a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que


demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das
unidades individuais.
APA–Área de Proteção Ambiental – Lei 9.985/00, art. 15, Resolução CONAMA
010/88, art. 4º, 1º. Em geral extensa, constituída de terras públicas ou privadas,
com certa ocupação humana, dotada de atributos ecológicos e convertida em uni-
dade de conservação de uso sustentável, disciplinando o processo de ocupação
para a melhoria da qualidade de vida da população local e proteção dos ecossiste-
mas regionais.
ARIE–Áreas de Relevante Interesse Ecológico – Lei 9.985/00, art. 16. Em geral de
pequena extensão, constituída de terras públicas ou privadas, com pouca ou ne-
nhuma ocupação humana, dotada de características naturais extraordinárias, con-
vertida em unidade de conservação de uso sustentável para manter ecossistemas
naturais com restrições ao uso da propriedade privada.

FGV DIREITO RIO 153


DIREITO AMBIENTAL

AULA 15. BIODIVERSIDADE

A proteção da diversidade biológica está intrinsecamente conectada à tutela da fauna


e flora. Porém, a comunidade internacional, diante da dificuldade inerente à regulação
das florestas na esfera supranacional, entendeu por acordar sobre um regime jurídico
próprio à tutela da diversidade biológica no planeta.
A exploração predatória dos recursos naturais não é fenômeno recente, Antunes86
analisa tal tema:

A percepção de que certos elementos do mundo natural estão desaparecen-


do em função da atividade humana é um fenômeno social muito antigo e que,
praticamente, acompanha a vida do Ser Humano sobre o Planeta Terra. Para o
pensamento ocidental, a primeira constatação de mudanças negativas no meio
natural que cerca o Homem foi feita por Platão em seu célebre diálogo Crito, no
qual ele lamenta, acidamente, o estado de degradação ambiental do mundo que
lhe era contemporâneo. Mesmo sociedades tidas como “primitivas” e paradisía-
cas foram responsáveis pela extinção de espécies. Paul R. Ehrlich demonstra que
os Maori, em menos de 1.000 anos de presença na Nova Zelândia, promoveram
a extinção de cerca de 13 espécies de Moa (pássaro sem asas), em função de caça
intensiva e da destruição de vegetação. Há suspeitas de que a aparição do Ho-
mem no continente americano pode ter contribuído fortemente para a extinção
de pelo menos duas espécies de mamíferos. Pesquisas arqueológicas demonstram
que mesmo comunidades pré-históricas poderiam ter levado inúmeros animais à
extinção. Não seria exagerado dizer que a convivência “natural” do Ser Humano
com outros animais é, eminentemente, semelhante à luta pela sobrevivência e
evolução natural que se verifica entre todas as espécies

Diante da exploração predatória das florestas tropicais, locais onde se concentram a


maior parte da diversidade biológica do planeta, surgiu a necessidade de um regime ju-
rídico específico que pudesse orientar e incentivar ações domésticas visando à tutela da
diversidade biológica do planeta. Foi quando, então, em 1992 diversos países assinaram
a Convenção sobre Diversidade Biológica que, junto com a Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança Climática e Convenção sobre o Combate a Desertifica-
ção, compôs o grupo das chamadas Convenções do Rio.
Como não poderia ser diferente, este movimento internacional por um regime jurí-
dico supranacional para tutelar a diversidade biológica do planeta exigiu ações domés-
ticas que, progressivamente, espalharam-se por diversos países. O fundamento maior,
que embasou esta preocupação internacional foi o de que a diversidade biológica, assim
como o meio ambiente como um todo, não conhece fronteiras políticas e, portanto,
justifica-se a sua tutela na esfera supranacional.
No Brasil não foi diferente. Pelo contrário, por possuir a mais rica biodiversidade
do planeta, o país foi e é constantemente alvo de pressões internacionais visando impor
padrões de proteção cada vez mais rigorosos. A preocupação com os recursos da bio- 86. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
Ambiental, 11ª Edição. Rio de Janeiro:
diversidade brasileira constou do artigo 225, da CF/88, através da imposição ao Poder Editora Lumen Juris, (2008), p. 325.

FGV DIREITO RIO 154


DIREITO AMBIENTAL

Público do dever de “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País


e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;”
Em 1998, por meio do Decreto n. 2.519, a Convenção sobre Diversidade Biológica
de 1992, é incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Alguns anos mais tarde,
em 2001, a Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, dispôs sobre o
acesso à diversidade biológica no Brasil. O objetivo da referida medida provisória ficou
estampado no seu preâmbulo: “Regulamentar o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da
Constituição, os arts. 1º e 8º, alínea j, 10, alínea c, 15 e 16, alíneas 3 e 4, da Convenção
sobre Diversidade Biológica...” e dispor “sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e
o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecno-
logia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização...”.
Diante da dificuldade em se transformar em lei ordinária, foi instituída a Política
Nacional de Biodiversidade, por um anexo ao Decreto n. 4.339/2002, com objetivo
de instituir “princípios e diretrizes para a implementação da Biodiversidade, com a parti-
cipação dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil.” (artigo
1º). O anexo que instituiu a Política Nacional de Biodiversidade adota os princípios
da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992. Estabelece, ainda, como objetivo
geral da PNB, “a promoção, de forma integrada, da conservação da biodiversidade e da
utilização sustentável de seus componentes, com a repartição justa e equitativa dos benefícios
derivados da utilização dos recursos genéticos, de componentes do patrimônio genético e dos
conhecimentos tradicionais associados.” Com objetivos específicos, a PNB passa a ser im-
plantada a partir de eixos temáticos também inspirados na Convenção sobre Diversida-
de Biológica. Trata do conhecimento e da conservação da biodiversidade; da utilização
sustentável dos seus componentes, monitoramento, avaliação, prevenção e mitigação
de impactos sobre a biodiversidade; da educação, sensibilização pública, informação
e divulgação sobre a biodiversidade; do fortalecimento jurídico e institucional para a
gestão da biodiversidade.
Em relação a este último componente a PNB estabelece como objetivo geral a pro-
moção de “meios e condições para o fortalecimento da infraestrutura de pesquisa e gestão,
para o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia, para a formação e fixação de recursos
humanos, para mecanismos de financiamento, para a cooperação internacional e para a
adequação jurídica visando à gestão da biodiversidade e à integração e à harmonização
de políticas setoriais pertinentes.” Dentre os objetivos específicos está o de “[r]ecuperar a
capcidade dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA para executar
sua missão em relação ao licenciamento e à fiscalização da biodiversidade.”
Da transcrição de trechos do componente “7” da PNB, é possível extrair premissas
importantes para o desenho regulatório e institucional desta relevante matéria. A ne-
cessidade de elaboração de políticas integradas e harmonizadas é indispensável para a
eficácia da PNB. O sucesso de uma política nacional de biodiversidade depende inva-
riavelmente do sucesso das políticas de preservação e conservação ambiental. Mais es-
pecificamente, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/2000),
áreas protegidas do Código Florestal (artigos 2º, 3º e 16, da Lei n. 4.771/65 – área de
proteção permanente e reserva legal, respectivamente) e da proteção de biomas ricos em
biodiversidade, como é o caso da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006).

FGV DIREITO RIO 155


DIREITO AMBIENTAL

Outra questão que merece destaque, é a necessidade de elaboração de uma política


de pagamento por serviços ambientais. Os recursos da biodiversidade beneficiam a toda
a sociedade e, quando presentes dentro dos limites da propriedade privada, políticas de
pagamento por serviços ambientais podem garantir a eficácia de comandos normativos
de proteção e conservação da biodiversidade.
Um regime claro e justo de partilha dos benefícios associados à exploração dos recur-
sos da biodiversidade é outro imperativo. As regras de propriedade intelectual devem se
adequar às especificidades da biodiversidade e reconhecer e compensar o conhecimento
tradicional associado, bem como as comunidades dos locais onde esses recursos são
explorados.
A necessidade de integração das várias políticas setoriais em matéria ambiental, al-
gumas delas elencadas acima é reconhecida expressamente pela PNB, no seu item “17”,
nos seguintes termos:

“Muitas iniciativas institucionais em andamento no Brasil têm relação com


os propósitos da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB e com as dire-
trizes e objetivos desta Política Nacional da Biodiversidade. Planos, políticas e
programas setoriais necessitam de ser integrados, de forma a evitar-se a duplica-
ção ou o conflito entre ações. A Política Nacional da Biodiversidade requer que
mecanismos participativos sejam fortalecidos ou criados para que se articule a
ação da sociedade em prol dos objetivos da CDB. A implementação desta po-
lítica depende da atuação de diversos setores e ministérios do Governo Federal,
segundo suas competências legais, como dos Governos Estaduais, do Distrito
Federal, dos Governos Municipais e da sociedade civil.”

Além desta desejável e necessária integração e harmonização com as demais polí-


ticas setoriais, a PNB estabelece como requisito específico a necessidade de reestrutu-
ração do SISNAMA. Movimento nesse sentido é observado com o advento da Lei n.
11.516/2007, que institui o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Uma “autar-
quia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa
e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I – executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza,


referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão,
proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação institu-
ídas pela União;
II – executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renová-
veis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de
conservação de uso sustentável instituídas pela União;
III – fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conser-
vação da biodiversidade e de educação ambiental;
IV – exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conser-
vação instituídas pela União; e

FGV DIREITO RIO 156


DIREITO AMBIENTAL

V – promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envol-


vidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades
de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.

Por fim, alguns pontos negativos merecem ser ressaltados. O primeiro deles, a Políti-
ca Nacional de Biodiversidade é um emaranhado confuso de regras e procedimentos de
pouca e difícil implementação prática. Não contou com o devido planejamento e não
aponta como será feita a necessária integração com as demais políticas setoriais. Nesse
sentido, trata-se muito mais de uma carta de aspirações do que de conteúdo prático e
efetivo que deve instruir políticas ambientais setoriais. Não deixa também de ser pouco
usual o fato de uma política ambiental setorial ser instituída por decreto. Divergentes
interesses no Congresso Nacional, associados à falta de um sentimento de urgência que
decorre do próprio desconhecimento de muitos parlamentares sobre a temática am-
biental faz com que as políticas ambientais setoriais fiquem sendo debatidas por anos,
ou em alguns casos, por décadas, antes de serem transformadas em lei. A proteção da
Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006) e a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei n.
12.305/2010) são alguns exemplos.

ATIVIDADES

1. O que se entende por “diversidade biológica”?


2. Quais são princípios que instruíram a Convenção sobre Biodiversidade Bio-
lógica de 1992?
3. Quais são os principais riscos à biodiversidade nos âmbitos global e regional?
4. Quais são os instrumentos legais brasileiros que auxiliam na tutela da diver-
sidade biológica? Por quê?
5. Quais os princípios da Política Nacional da Biodiversidade?
6. Qual a controvérsia acerca da legalidade do Plano Nacional da Biodiversidade?

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, artigo 225;


2. Convenção sobre Diversidade Biológica;
3. Medida Provisória n. 2.186-16/2001;
4. Decreto n. 4.339/2002.

FGV DIREITO RIO 157


DIREITO AMBIENTAL

Leitura Indicada

Paulo de Bessa Antunes, Direito Ambiental, 11ª Edição, Editora Lumen Juris, (2008),
pp. 389-428;
Édis Milaré, Direito do Ambiente, 5ª edição, Editora Revista dos Tribunais, (2007),
pp. 547-569.

Jurisprudência

Agravante: Ministério Público vs. Agravados: Defensoria Pública do Estado de São


Paulo, Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga, VCP Votorantin Celulose e
Papel S.A, Suzano Papel e Celulose e Estado de São Paulo. AI n. 759.399-5/8, Câmara
Especial do Meio Ambiente, TJ-SP, Julgamento 28/Ago./2008, DJ-SP 11/Set./2008.

Ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO — Ação civil pública — grandes plantações de


eucalipto e devastação ambiental — Decisão que indeferiu a liminar e não acolheu o pe-
dido de extinção da ação — Legitimidade da Defensoria Pública Estadual para propor
ação civil pública (Lei 7.347/85, artigo 5º, II) — Recurso desprovido.

FGV DIREITO RIO 158


DIREITO AMBIENTAL

AULA 16. ÁGUA

Historicamente, a água foi considerada um recurso natural renovável e ilimitado.


Contudo, com o crescimento demográfico acelerado, o surgimento de novas fontes de
poluição e políticas públicas insustentáveis, as pressões sobre este recurso natural, vital
à própria vida no planeta, tornaram-se fonte de extrema preocupação. O tratamento da
água como um recurso ilimitado e passível de ser apropriado gratuitamente, acabou por
influenciar inúmeros sistemas legais ao redor do mundo, contribuindo para políticas
públicas desastrosas na gestão deste recurso natural tão precioso, quanto vital.
A partir do momento em que a água passa a ser encarada como um recurso renová-
vel, porém limitado, houve a necessidade de reconstrução dos ordenamentos jurídicos
para adequarem e harmonizarem noções econômicas e preservacionistas. Esta mudan-
ça é refletida por uma tendência atual de maior intervenção do Estado por meio do
exercício cada vez maior do seu poder regulatório. Em razão disso, no Brasil, surge um
intricado sistema legal e institucional responsável pela gestão dos recursos hídricos e que
passa a ser tratado como matéria inerente ao Direito de Águas.
A Constituição Federal prevê em seu artigo 22, IV, competência privativa da União
para legislar sobre águas, energia, regime dos portos e navegação lacustre, fluvial e ma-
rítima. O parágrafo único do referido artigo determina que lei complementar pode
autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas destas matérias. Entretanto, tal
lei ainda não foi editada permanecendo, portanto, a competência da União.

De acordo com o artigo 20 da Constituição, são bens da União:


III–os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,
ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou
se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos
marginais e as praias fluviais; os potenciais de energia hidráulica
VIII–os potenciais de energia hidráulica;

Também cabe à União, segundo o artigo 21, incisos XII, alíneas b, d e f, da Consti-
tuição Federal, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de
água, em articulação com os Estados onde se localizam os potenciais hidroenergéticos;
os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; os portos marítimos,
fluviais e lacustres.
Outras importantes funções atribuídas à União em matéria de água dizem respeito
à instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definição de
critérios de outorga de direitos de seu uso e a execução dos serviços de polícia marítima,
aeroportuária e de fronteira, previstos, respectivamente, no artigo 21, incisos XIX e
XXII, da Constituição.
As águas estaduais constituem bens públicos, cujo domínio pertence aos próprios
Estados, cabendo a estes a gestão e autotutela administrativa do bem em questão, o que
muitas vezes é feito mediante lei. Constituem bens dos Estados “as águas superficiais

FGV DIREITO RIO 159


DIREITO AMBIENTAL

ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma


da lei, as decorrentes de obras da União (artigo 26, I da Constituição). Assim, embora
possuam vasto domínio hídrico, os Estados apenas detêm competência para produzir
normas administrativas sobre as águas do seu domínio, inclusive através de lei, quando
necessário. Dessa forma, é comum observarmos disposições sobre águas nas Constitui-
ções Estaduais.
Em relação aos Municípios, como não possuem águas do seu domínio, compete a
estes apenas gerir a drenagem urbana e, em alguns casos, rural, com base na compe-
tência legislativa para tratar de assuntos de interesse local e suplementar a legislação
federal e estadual no que couber, de acordo com os artigos 29 e 30, incisos I e II, da
Constituição.
O Direito de Águas é regido no Brasil pela Lei 9.433/97, que instituiu a Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). A Lei 9.433/97 estabelece em seu art. 1º, os
princípios basilares da PNRH, são eles:

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes


fundamentos:
I–a água é um bem de domínio público;
II–a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III–em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o con-
sumo humano e a dessedentação de animais;
IV–a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo
das águas;
V–a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamen-
to de Recursos Hídricos;
VI–a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

A partir da leitura dos supracitados princípios, combinados com os dispositivos am-


bientais da Constituição de 1988, é possível perceber uma nova proteção às águas em
detrimento da estabelecida pelo Código de Águas de 1934 e Código Civil de 1916, en-
cerrando um período que permitia a apropriação privada dos recursos hídricos. Como
parte integrante e vital do meio ambiente natural, a água passa a ser encarada como bem
ambiental essencial para garantia do equilíbrio proclamado pelo artigo 225, da CF/88.
Posteriormente, a impossibilidade de convivência de um regime privatista sobre os re-
cursos hídricos é potencializada pela Lei n. 9.433/97 e pelo artigo 99 do Código Civil
de 2002 que dispõe serem bens públicos de uso comum do povo, mares e rios.
Com base neste novo paradigma de gestão dos recursos hídricos, o artigo 2º, da Lei
n. 9.433/97, inovou ao estipular como sendo objetivos da Política Nacional dos Recur-
sos Hídricos, os seguintes:

 I–assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água,


em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

FGV DIREITO RIO 160


DIREITO AMBIENTAL

II–a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o trans-


porte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III–a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Visando implementar os objetivos fixados pelo supracitado artigo 2º, a PNRH dis-
pôs sobre os instrumentos específicos de gestão dos recursos hídricos. São eles:

I–os Planos de Recursos Hídricos;


II–o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos prepon-
derantes da água;
III–a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;
IV–a cobrança pelo uso de recursos hídricos;
V–a compensação a municípios;
VI–o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.

Tema importante a ser destacado em matéria de água diz respeito ao controle de sua
quantidade e qualidade. O primeiro é feito através de concessões e autorizações para
derivação de água. Compete ao titular do domínio da água, ou seja, União, Estados ou
Distrito Federal, outorgar autorização administrativa, com exceção de aproveitamento
de potenciais de energia hidráulica.
No tocante ao controle da qualidade da água, o CONAMA classificou as águas do
território brasileiro de acordo com sua qualidade, utilizando como referência seu uso
predominante. Assim, as águas doces (salinidade igual ou inferior a 0,5%) foram divi-
didas em cinco classes: I – classe especial; II – Classe 1; III – Classe 2; IV – Classe 3; V
– Classe 4. As águas salinas (salinidade igual ou superior a 30 %) em quatro: I – Classe
especial; II – Classe 1; III – Classe II; e IV – Classe 3. Finalmente, as salobras (salinida-
de superior a 0,5 % e inferior a 30 %) foram classificadas em quatro: I – Classe especial;
II – Classe 1; III – Classe 2; e IV – Classe 3.
Cabe à União, através do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) proce-
der ao enquadramento das águas federais nas classes e quanto às estaduais compete aos
próprios Estados, por meio do órgão estadual competente, sempre ouvindo as entidades
públicas ou privadas interessadas.
Outro instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos que merece destaque
é a cobrança pelo uso de recursos hídricos. No Brasil, as águas públicas constituem bens
inalienáveis, sendo apenas outorgado o direito ao seu uso. Vale destacar que a cobrança
feita no saneamento básico, geralmente, corresponde à remuneração pelo serviço de
fornecimento, aí incluídos os custos com o transporte, distribuição, entre outros, não
sendo cobrado o valor econômico do recurso água. A cobrança pelo consumo da água
baseia-se no princípio do usuário-pagador e constitui mecanismo fundamental para a
alocação eficiente dos recursos hídricos.
A estrutura de gestão da Política Nacional de foi instituída pelo Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH), com os seguintes objetivos, estabele-
cidos pelos incisos do artigo 32, da Lei n. 9.433/1997:

FGV DIREITO RIO 161


DIREITO AMBIENTAL

I – coordenar a gestão integrada das águas;


II – arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hí-
dricos;
III – implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
IV – planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos
hídricos;
V – promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

Compõem o SNGRH, os seguintes órgãos (artigo 33, da Lei n. 9.433/97):

I – o Conselho Nacional de Águas, com funções semelhantes às desempenhadas


pelo CONAMA no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente: órgão
deliberativo e normativo;
I-A – a Agência Nacional de Águas, com o objetivo de implementar a Política
Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.984/2000);
II – os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, com
atribuição deliberativa e normativa na esfera da competência de gestão das
águas sob domínio estadual e distrital;
III – os Comitês de Bacia Hidrográfica, com competência deliberativa no âmbito
local e de estabelecer “os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos
e sugerir os valores a serem cobrados”, bem como de “estabelecer critérios e pro-
mover o rateio de custo das obras e uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.”
(artigo 38, incisos VI e IX, da Lei n. 9.433/97);
IV – os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e mu-
nicipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;
V – as Agências de Águas, com a função de secretaria executiva dos respectivos
Comitês de Bacia Hidrográfica (artigo 41, da Lei n. 9.433/97).

ATIVIDADES

1. Qual é a racionalidade da imposição de cobrança pelo uso da água?


2. Qual é o regime jurídico de propriedade aplicável aos recursos hídricos no
Brasil?
3. De qual(is) ente(s) da Federação é a competência legislativa e administrativa
sobre águas? Explique.
4. Como conciliar a gestão dos recursos hídricos com as necessidades de futuras
gerações?
5. Qual é o princípio do direito ambiental que está ligado à instrumentalização
da racionalização do uso dos recursos hídricos. Na prática, como isto é feito?
6. Analise o seguinte caso:
Você foi consultado como consultor independente para um parecer sobre
os aspectos jurídicos, principiológicos, constitucionais e normativos para as
questões de gestão pública ambiental e interesses privados e sociais que se

FGV DIREITO RIO 162


DIREITO AMBIENTAL

apresentam no seguinte caso hipotético. Você deve apresentar de forma fun-


damentada os fundamentos jurídicos de como deve agir o órgão ambiental
diante dos interesses em conflito e se manifestar sobre a intenção de alteração
legislativa proposta.

Um grande proprietário rural no Estado do Pará requer junto ao órgão Estadual


competente uma licença ambiental para explorar recursos ambientais florestais e hídri-
cos. A região é muito árida e extremamente dependente de um aquífero que tem 30%
de sua área sob a propriedade em questão. Próximo a fazenda, localiza-se uma comu-
nidade de baixa renda e que depende em grande parte dos recursos hídricos e florestais
existentes. O proprietário rural teme porque a tendência do aquífero é se esgotar em 30
anos. No intuito de resguardar a água necessária para suas atividades por um longo perí-
odo, o proprietário pretende reservar os seus direitos à utilização do aquífero no futuro.
Nas proximidades da propriedade rural, encontra-se uma comunidade indígena que
extrai dos recursos florestais a sua subsistência. Da mesma forma, mantém com a flores-
ta uma ligação religiosa que acompanha a cultura da tribo por séculos.
Recentemente, uma indústria de papel e celulose manifestou interesse em se instalar
na região, condicionando a decisão final ao licenciamento ambiental para utilização dos
recursos florestais. Além disso, a indústria necessitará de licença para emissão de gases
poluentes e para o lançamento de substâncias químicas em um riacho próximo. O ria-
cho é um corpo hídrico classificado como de água doce, classe 3. Para uma determinada
substância, a clorofila “a”, a indústria pretende lançar 55 ug/L. O padrão de qualidade
estabelecido para esse tipo de corpo hídrico e para esta substância específica, de acordo
com a Resolução n. 357/2005 é de 60 ug/L.
Para que a empresa possa ainda se instalar, faz-se necessário que haja um investimen-
to em unidade de conservação, conforme disposto pelo artigo 36, da Lei n. 9.985/2000,
por se tratar de atividade com potencial de causar significativo dano ambiental.
Incentivados pela possibilidade de crescimento da região, produtores de soja desejam
introduzir semente transgênica adquirida junto a uma multinacional norte-americana.
Diante da possibilidade de grandes negócios, a multinacional tenta junto aos órgãos
ambientais competentes a dispensa do estudo prévio de impacto ambiental que visa
apurar eventuais riscos ao meio ambiente. Sustenta que não há evidências científicas
concretas que sugiram qualquer impacto adverso. Sustenta ainda que, se autorizados a
comercializar produto geneticamente modificado, não pode haver indicação específica
no rótulo do produto indicando ser transgênico. Por outro lado, a utilização de pesti-
cidas necessários para maximização da produção é comprovadamente lesiva ao meio
ambiente.

FGV DIREITO RIO 163


DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, Artigos 20, III, V e VI, 26, I, 21, XIX, 22, IV;
2. Decreto 24.643/1934 (Código de Águas);
3. Decreto-lei 852/1938;
4. Código Florestal, Lei 4.771/65, Artigo 2º, a, b e c;
5. Decreto-lei 221/1967 (Código de Pesca);
6. Lei 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos e Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos);
7. Resolução CONAMA 357/2005;

Doutrina

Em suas mais variadas formas e localizações – doces, superficiais ou subterrâneas, salga-


das, salobras, em geleiras ou atmosféricas –, a água na Terra é praticamente a mesma durante
os últimos milhões de anos. As mudanças de local, qualidade e estado decorrem de fatores na-
turais e/ou humanos os mais diversos, que acabam recebendo a participação do homem para
amenizá-los, eliminá-los ou redirecioná-los, de acordo com as necessidades e possibilidades
que se apresentam, ou até para agravá-los.
(...)
O direito de águas pode ser conceituado como conjunto de princípios e normas jurídicas
que disciplinam, uso, aproveitamento, a conservação e preservação das águas, assim como
a defesa contra suas danosas conseqüências. De início, denominava-se direito hidráulico.
A estreita vinculação das normas jurídicas relativas às águas com o ciclo hidrológico, que
desconhece limites no seu percurso, faz com que o direito de águas contenha normas tradi-
cionalmente colocadas no campo do direito privado e no do direito público. Suas fontes são a
legislação, a doutrina, a jurisprudência e o costume.
[Cid Tomanik Pompeu, Direito de Águas no Brasil, Revista dos Tribunais, 2006,
pp. 35 e 39.]

Leitura Indicada

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
pp. 463-499.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, pp. 699-735.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2008, pp. 441-529.
POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, pp. 35 e 39.

FGV DIREITO RIO 164


DIREITO AMBIENTAL

Jurisprudência

Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo vs. Recorrido: Henrique


Hessel Roschel e Outros (3), Recurso Especial n. 333.056-SP (2001/0087209-0), 2ª
Turma, STJ, Julgamento 13/12/2005, DJ 06/2/2006.

Ementa

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGU-


LAR. ÁREA DE MANANCIAIS. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E DO
ESTADO. PODER-DEVER. ARTS. 13 E 40 DA LEI N. 6.766/79.

1. As determinações contidas no art. 40 da Lei 6.766/99 consistem num dever-po-


der do Município, pois consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República,
compete-lhe “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
2. Da interpretação sistemática dos arts. 13 da Lei nº 6.766/79 e 225 da CF, extrai-
se a necessidade de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o lotea-
mento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de proteção
aos mananciais.
3. Recurso especial provido.

FGV DIREITO RIO 165


DIREITO AMBIENTAL

AULA 17. AR E ATMOSFERA

Juntamente com a água, o ar é outro elemento natural vital para o ser humano. A
sua contaminação causa efeitos nocivos imediatos e impactos significativos na saúde dos
seres humanos e no equilíbrio ambiental. Sua utilização se dá pela forma de “despejo”
de substâncias químicas poluentes. Porém, sua capacidade de absorção é limitada e a sua
contaminação ocorre de forma acelerada.
Em alguns centros metropolitanos, a poluição atmosférica chega a ser literalmente
visível. Não é incomum a população dos grandes centros urbanos ao redor do mundo
utilizarem máscaras para circular nas ruas durante períodos de alta poluição do ar. Além
dos prejuízos diretos à saúde da população, a qualidade do ar está intimamente ligada
ao sadio funcionamento de outros sistemas ecológicos. Porém, a difícil tarefa de estabe-
lecimento de relações de causa e efeito, bem assim, interesses econômicos na utilização
deste precioso recurso, são fatores que contribuem para as imperfeições legislativas e
executivas no combate à poluição atmosférica.
Édis Milaré caracterizou a poluição do ar da seguinte forma:
“A poluição do ar resulta da alteração das características físicas, químicas ou bioló-
gicas normais da atmosfera, de forma a causar danos ao ser humano, à fauna, à flora
e aos materiais. Chega a restringir o pleno uso e gozo da propriedade, além de afetar
negativamente o bem-estar da população.”
Trata-se de uma caracterização que decorre dos conceitos legais de meio ambiente,
degradação, poluição e poluidor previstos na Lei n. 6.938/81. O problema maior em
relação à regulação preventiva eficiente do ar reside no alto custo do monitoramento e
do controle. A deficiência de gestão torna ainda mais complexa a responsabilização por
prejuízos ambientais e à saúde da população como decorrência da poluição do ar.
Nas áreas urbanas, em zonas industriais, o controle pode ser feito diretamente pelo
órgão ambiental estadual a partir de relatórios produzidos diretamente pelas fontes de
poluição e pelo monitoramento contínuo em áreas críticas de poluição. Outra fonte
problemática para o controle das autoridades ambientais nos grandes centros urbanos
é a poluição difusa dos veículos automotores. Nas áreas rurais, o procedimento é mais
complexo, pois que as fontes de poluição não são concentradas como nas áreas urbanas
industriais. Logo, o monitoramento e o controle ficam mais difíceis.
Em qualquer caso, medidas de controle da poluição do ar deve estar alinhadas com
a estipulação de padrões de qualidade específicos. Ao se estipular, por resolução, um
determinado padrão de emissão de poluentes para uma determinada bacia aérea, o ór-
gão ambiental competente pelo licenciamento ambiental deve prestar especial atenção
às pretensões de emissões nos EIA/RIMAs e, com base nos princípios da sadia quali-
dade de vida, poluidor e usuário-pagador, e, fundamentalmente, no acesso equitativo
aos recursos naturais, pautar a definição dos limites que devem constar nas respectivas
licenças.
Assim, diante de uma situação hipotética em que o padrão de qualidade do ar para
uma determinada região é de “10 x” partes por milhão (ppm) de uma substância “y”,
o órgão ambiental deve estar atento para as peculiaridades do caso. Continuando com
este exemplo, uma indústria, ao pedir uma licença ambiental, apresenta um EIA/RIMA,

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DIREITO AMBIENTAL

demonstrando intenção de emissão de “8 x” ppm da substância “y”. Nesse caso, o órgão


ambiental deverá ponderar se é razoável e de acordo com os princípios de direito am-
biental autorizar que uma única indústria possa ser responsável por saturar 80% da ca-
pacidade da bacia área para uma determinada substância. Em outras palavras, compete
ao órgão ambiental uma gestão holística da bacia aérea, de acordo com o zoneamento,
com os padrões de qualidade, e baseado nos princípios de direito ambiental. Os instru-
mentos para materialização dessa gestão são o EIA/RIMA e o licenciamento ambiental.
A gestão de bacias áreas não precisa ficar restrita aos clássicos instrumentos de regu-
lação e controle. Mecanismos de mercado podem ser utilizados como instrumento de
redução do custo regulatório e de cumprimento com as normas vigentes. Nos EUA, a
lei do ar limpo (Clean Air Act) fez uso desse tipo de instrumento – com relativo suces-
so–para o controle do dióxido de enxofre (SO2) e do óxido nitroso (NOx). No Brasil,
a autorização normativa de instrumento de gestão semelhante está contemplada pelo
artigo 9º, inciso XIII, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81).
No âmbito da regulação do ar no Brasil, algumas das mais relevantes resoluções
incluem: Res. CONAMA n. 18/86, n. 315/2002 e n. 418/2009 que dispõem o pro-
grama de controle de poluição do ar por veículos automotores (PROCONVE); Res.
CONAMA n. 5/89 que dispõe sobre o programa nacional de controle da poluição do
ar (PRONAR); Res. CONAMA n. 3/90 e n. 8/90 que dispõem sobre os padrões de
qualidade do ar previstos no PRONAR; e Res. n. 382/2006 que estabelece os limites
máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas. No âmbito da legisla-
ção federal, alguns diplomas que se destacam são: Leis n. 8.723/1993 e n. 10.203/2001
que dispõem sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores.
No contexto específico da tutela da atmosfera, importante passo foi dado pelo le-
gislativo federal com a promulgação da Lei 12.187/2009 (regulamentada pelo Decreto
n. 7.390/2010) que institui a Política Nacional de Mudança Climática (“PNMC”) e
da Lei n. 12.114/2009 (regulamentada pelo Decreto n. 7.343/2010) que instituiu o
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. A PNMC impôs ao país metas voluntárias
de redução de emissões de gases de efeito estufa (artigo 12) e definiu que ações nacionais
apropriadas seriam tomadas. A redução varia de 36,1% a 38,9% das emissões projetadas
para 2020. Assim dispôs o referido dispositivo:
“Artigo 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromis-
so nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com
vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9%
(trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020.
Parágrafo único. A projeção das emissões para 2020 assim como o detalhamento das
ações para alcançar o objetivo expresso no caput serão dispostos por decreto, tendo por
base o segundo Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de
Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, a ser concluído em 2010.”
A regulamentação no âmbito nacional das emissões de gases de efeito estufa pro-
moveu diversas iniciativas regulatórias também nas esferas estaduais e municipais. O
Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, promulgou a sua Política Estadual sobre Mudança
do Clima (“PEMC-RJ”). A Lei que instituiu a PEMC-RJ entrou em vigor no dia 15
de abril de 2010 (Lei Estadual n. 5.690/10). O Estado de São Paulo é outro exemplo.

FGV DIREITO RIO 167


DIREITO AMBIENTAL

A Lei Estadual n. 13.798/2009 institui a Política Estadual de Mudanças Climáticas e


o seu artigo 32 adotou meta para o Estado de São Paulo de 20% de redução até 2020
dos níveis de 2005.
Finalmente, outra questão que vem sendo regulamentada no Brasil para se ade-
quar ao esforço global de redução de impactos ambientais na atmosfera é a referente
ao buraco na camada de ozônio. Em 1985, a comunidade internacional preocupada
com a comprovação científica de que as emissões de gases clorofluorcarbonetos (CFCs),
adotou a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. Em 1988, os
países parte adotaram um Protocolo à Convenção, no Canadá, e que levou o nome de
Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio. Esses
acordos internacionais foram incorporados ao ordenamento jurídico ambiental brasilei-
ro através do Decreto n. 99.280 de 6 de junho 1990. Como parte nesses acordos inter-
nacionais, o Brasil, segundo o artigo 2º, 2, b, da Convenção de Viena, comprometeu-se
“a adotar medidas legislativas ou administrativas apropriadas e cooperar na harmonização
de políticas adequadas para controlar, limitar, reduzir ou evitar atividades humanas sob sua
jurisdição ou controle, caso se verifique que tais atividades têm, ou provavelmente terão, efei-
tos adversos que resultem em modificações, ou prováveis modificações, da camada de ozônio.”
Durante a década de 1990, o Brasil iniciou a regulamentação no âmbito nacional
de medidas de controle da emissão de gases de CFCs. Paulo Affonso Leme Machado
resumiu essas medidas da seguinte forma:
“O Governo Federal brasileiro instituiu o Comitê Executivo Interministerial de-
nominado PROZON com a finalidade de establecer diretrizes e coordenadar as ações
relativas à proteção da camada de ozônio (Decreto de 19 de setembro de 1995), DOU
20.9.1995). Esse comitê coordenará as ações relativas à implementação do PBCO-
Programa Brasileiro de Eliminação da Produção e Consumo de Substâncias que Des-
tróem a Camada de Ozônio, promovendo também a atualização desse programa em
consonância com o Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a camada
de ozônio. O comitê articulará ainda a ação das “Agências Implementadoras do Fundo
Multilateral”. A coordenação do Comitê Executivo Interministerial será exercida pelo
Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, por intermédio de sua Secretaria
de Política Industrial.”87
Além das iniciativas elencadas pela passagem acima, o mesmo autor lembra e faz
referência à Resolução CONAMA n. 13/95. O artigo 4º, da referida Resolução, trans-
crito também na obra de Leme Machado, proibiu “em todo o território nacional, o uso
das substâncias controladas constantes dos Anexos ‘A’ e ‘B’ do Protocolo de Montreal, em
equipamentos, produtos e sistemas novos nacionais ou importados...”.

ATIVIDADES

1. Como pode ser feita a compatibilização entre o desejo de grandes centros


de atrair um parque industrial que gere empregos e movimente a economia 87. Machado, Paulo Affonso Leme
Machado. Direito Ambiental Brasi-
local com os objetivos de preservação da sadia qualidade do ar? leiro. 18ª edição, revista, atualizada
e ampliada. São Paulo: Malheiros,
2010. P. 568.

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DIREITO AMBIENTAL

2. O que são os Padrões de Qualidade do Ar e sobre qual órgão recai a compe-


tência para instituí-los?
3. Do ponto de vista do arcabouço legal e institucional brasileiro, como o ar e
atmosfera são tutelados? Quais os pontos negativos e positivos desta estrutura.
4. Existe alguma espécie de compromisso internacional que obrigue o Brasil a
adotar medidas de controle contra a poluição do ar? Caso positivo, identifi-
que 3 deles fundamentando a resposta.
5. Considere o seguinte caso:

Um determinado Estado da Federação adota um Código Estadual de Meio Ambien-


te. Nele, o Estado não estabelece qual a classe de enquadramento da bacia aérea onde
está localizada a unidade de fabril de uma determinada indústria. Porém, ainda que sem
o referido enquadramento, o Código estabelece padrões de qualidade do ar que podem
afetar as atividades da empresa. Sem demonstração da necessidade dos padrões adota-
dos, o Código estabelece os seguintes parâmetros:

1. Partículas Totais em Suspensão


a. concentração média geométrica anual de 60 (sessenta) microgramas por
metro cúbico de ar;
b. concentração média de 24 (vinte e quatro) horas, de 150 (cento e cin-
quenta) microgramas por metro cúbico de ar, que não deve ser excedida
mais de uma vez por ano.

2. Dióxido de Enxofre
a. concentração média aritmética anual de 80 (oitenta) microgramas por
metro cúbico de ar;
b. concentração média de 24 (vinte e quatros) horas, de 365 (trezentos e
sessenta cinco) microgramas por metro cúblico de ar, que não deve ser
excedida mais de uma vez por ano.

3. Fumaça
a. concentração média aritmética anual de 60 (sessenta) microgramas por
metro cúblco de ar;
b. concentração média de 24 (vinte e quatro) horas, de 100 (cem) micro-
gramas por metro cúblico de ar, que não deve ser excedida mais de uma
vez por ano.

Com base nas informações acima, pode o Estado estabelecer padrões de


qualidade do ar? Caso positivo ou negativo, qual é a fundamentação le-
gal? Em relação aos níveis de emissões acima transcritos, deve a indústria
adotá-los como referência? Por quê?

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DIREITO AMBIENTAL

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL)

Legislação

1. Constituição Federal, artigos 23, IV, 24, VI, 30, II, 225, caput;
2. Resoluções CONAMA 18/86; 005/1989; 003/1990; 008/1990 e 382/2006;
3. Lei 9.284/96;
4. Art. 27 da Lei 4.771/65;
5. Art. 54 da Lei 9.605/98.
6. Lei n. 12.187/2009;
7. Decreto n. 7.390/2010;
8. Lei n. 12.114/2009;
9. Decreto n. 7.343/2010.

Doutrina

Ligado estreitamente aos processos vitais de respiração e fotossíntese, à evaporação à trans-


piração, à oxidação e aos fenômenos climáticos e meteorológicos, o recurso ar – mais ampla-
mente, a atmosfera – tem um significado econômico, além do biológico ou ecológico, que não
pode ser devidamente avaliado. Enquanto corpo receptor de impactos, é o recurso que mais
rapidamente se contamina e mais rapidamente se recupera – dependendo, evidentemente, de
condições favoráveis.
[Édis Milaré, Direito do Ambiente, 5ª edição, Revista dos Tribunais, 2007, p.204.]

Leitura Indicada

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
pp. 204-214.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2008, pp. 534-561.

Jurisprudência

Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS vs. Recorrido: Departamento de


Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo DAEE, Recurso Especial n. 399.355-
SP (2001/0196898-0), 1ª Turma, STJ, Julgamento 11/Nov./2003, DJ 15/Dez./2003.

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DIREITO AMBIENTAL

Ementa

ADMINISTRATIVO – DIREITO AMBIENTAL – REGULAMENTO – PA-


DRÔES DE QUALIDADE AMBIENTAL – ADOÇÃO DE CRITÉRIOS INSEGU-
ROS – DECRETO 8.468/76 – DO ESTADO DE SÃO PAULO – ILEGALIDADE
– LEI 6.938/81.

O Decreto 8.468/76 do Estado de São Paulo, incidiu em ilegalidade, contrariando


o sistema erigido na Lei Federal 6.938/81, quando adotou como padrões de medida de
poluição ambiental, a extensão da propriedade e o olfato de pessoas credenciadas.

FGV DIREITO RIO 171


DIREITO AMBIENTAL

AULA 18: RESÍDUOS SÓLIDOS

A Política Nacional de Resíduos Sólidos representa um grande avanço para o orde-


namento jurídico ambiental brasileiro. Faz parte de uma longa e duradoura tentativa
de se ter uma lei especialmente dedicada para a gestão dos recursos sólidos no Brasil.
A espera foi recompensada com a Lei n. 12.305/2010 e seu Decreto regulamentador,
n. 7.404 de 23 de dezembro de 2010. Entre os seus principais avanços, não há como
deixar de anotar, a disposição expressa sobre alguns princípios de direito ambiental que
vinham consagrados na própria Constituição Federal ou em outros diplomas legais,
apenas de forma implícita. São eles, os princípios da prevenção e da precaução, o do
poluidor-pagador e o protetor-recebedor e o do desenvolvimento sustentável (artigo 6º,
incisos I, II e IV, da Lei n. 12.305/2010).
A Lei 12.305/10 trouxe também importantes objetivos que devem perseguir to-
dos os instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Alguns deles incluem:
a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; a valorização do catador, que,
segundo Paulo Affonso Leme Machado88 pode ser considerada a figura humana maior
na Lei 12.305; e a não geração de resíduos. Este último, ainda segundo Paulo Affonso,
é o objetivo caracterizador da referida lei, pois, antes de tudo, deve-se tentar não gerar
os resíduos. Para o autor, “a seguinte ordem de prioridade deve ser observada na gestão dos
resíduos sólidos: 1. não geração; 2. redução; 3. reutilização; 4. reciclagem; 5. tratamento; e
6. disposição final. Pode-se afirmar que há (...) uma hierarquia na forma de gestão”89.
Além da inovação no tratamento da matéria principiológica em uma política setorial
e dos importantes objetivos traçados, a PNRS foi responsável por alguns outros avan-
ços. No campo dos seus instrumentos, reconhece expressamente a educação ambiental
(artigo 8º, inciso VII), omitida no rol do artigo 9º, da Política Nacional do Meio Am-
biente (Lei n. 6.938/81). Tamanha foi a importância atribuída à educação ambiental
para a efetividade da política nacional dos resíduos sólidos, que o artigo 5º da Lei n.
12.305/2010 fez constar expressamente a direta relação existente com a Política Nacio-
nal de Educação Ambiental (instituída pela Lei n. 9.795/1999). Do mesmo dispositivo,
constou também a direta relação com a Política Federal de Saneamento Básico (regulada
pela Lei 11.445/2007), e com a Lei n. 11.107/2005.
Ainda sobre a relação da PNRS com outras políticas e leis setoriais, a Lei n. 12.305/2010
reconheceu a aplicabilidade de outras normas específicas, visando garantir a efetividade
das regras de gestão dos recursos sólidos no Brasil. Assim, em seu artigo 2º, ficou reco-
nhecido que se aplicam aos resíduos sólidos o disposto nas seguintes leis: n. 11.445/2007;
n. 9.974/2000; n. 9.966/2000; normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional
do Meio Ambiente (Sisnama); normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional de
Vigilância Sanitária (SNVS); normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Unificado de
Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) e normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro).
Adicionalmente à preocupação com a integração com a política nacional e políticas
setoriais de meio ambiente, a Lei 12.305/2010 apresenta também importantes defini- 88. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Di-

ções legais, tais como os conceitos de gestão integrada de resíduos sólidos, e o próprio reito Ambiental Brasileiro. 20ª Edição.
São Paulo: Malheiros, 2012, p. 638.
conceito de resíduos sólidos. De acordo com o art. 3º, incisos XI da referida lei, gestão 89. Idem. p. 639.

FGV DIREITO RIO 172


DIREITO AMBIENTAL

integrada de resíduos sólidos é o “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para
os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cul-
tural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”.
Para a mencionada lei, resíduos sólidos podem ser classificados como “material, subs-
tância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja des-
tinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou
semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem
inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para
isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível”.
A Lei também classificou os resíduos sólidos de acordo com a sua origem (resíduos
domiciliares, de limpeza urbana, urbanos, resíduos de estabelecimentos comerciais e
prestadores de serviços, resíduos dos serviços públicos de saneamento básico, resíduos
industriais, de saúde, da construção civil, agrossilvopastoris, resíduos de serviços de
transportes e de mineração) e periculosidade (resíduos perigosos e resíduos não perigo-
sos), conforme pode ser observado no artigo 13 da Lei.
No campo da responsabilidade pelos danos causados pelos geradores e Poder Públi-
co em matéria de resíduos sólidos, a PNRS consolidou algumas das previsões gerais da
responsabilidade civil ambiental e inovou na inserção de novos elementos específicos à
matéria. Dentre estes vale destacar a logística reversa e a responsabilidade compartilhada
pelo ciclo de vida dos produtos.
Para viabilizar a efetiva gestão dos resíduos sólidos é fundamental a fixação de responsabi-
lização pelos danos provocados em virtude da falta de disposição ambientalmente adequada
dos dejetos. Dessa forma, a PNRS determina que o poder público, o setor empresarial e a
coletividade são responsáveis pela efetividade das ações que busquem cumprir as disposições
da Política Nacional de Resíduos Sólidos. É o que dispõe o artigo 25, da Lei n. 12.305/2010,
que assim dispõe: “O poder público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efe-
tividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos
e das diretrizes e demais determinações estabelecidas nesta Lei e em seu regulamento.”
Visando garantir a recuperação das áreas impactadas por resíduos sólidos, na maté-
ria de responsabilidade, a PNRS introduziu em seu artigo 30 e seguintes o conceito de
“responsabilidade compartilhada”. Pela definição do artigo 3º, inciso XVI, quer dizer
“o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpe-
za urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e
rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade
ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei.” Vale destacar
que a responsabilidade em cadeia não impossibilita a individualização de cada ação ou
omissão, seja de pessoa física ou jurídica de direito público ou privado90.
O principal objetivo da fixação de uma responsabilização tão abrangente (envolven-
do diversos agentes econômicos da cadeia produtiva) é proporcionar a redução de resí-
duos sólidos e seus respectivos danos ao meio ambiente, através do reaproveitamento de
resíduos, da diminuição de desperdício de materiais, incentivos a utilização de insumos
menos agressivos ao meio ambiente, dentre outras ações.
90. Idem. p. 645.

FGV DIREITO RIO 173


DIREITO AMBIENTAL

Tendo em vista tal objetivo, a Política conferiu aos fabricantes, importadores, distri-
buidores e comerciantes diversas responsabilidades associadas à fabricação/colocação no
mercado, divulgação de informações e destinação final do produto após o uso pelo consu-
midor. Podem ser citados como exemplos as obrigações de: investir no desenvolvimento,
fabricação e colocação no mercado de produtos que possam ser reutilizados, reciclados, ou
que tenham destinação ambientalmente adequada, após o uso pelo consumidor; fabricar
produtos que gerem a menor quantidade de resíduos; divulgar informações sobre formas
de prevenir a produção de resíduos, como reciclá-los; recolher os produtos e seus respec-
tivos resíduos, após a utilização do consumidor, e proceder à destinação ambientalmente
correta, caso o produto seja objeto do sistema de logística reversa, entre outras.
Além do setor privado ter obrigações em razão da responsabilidade compartilhada, o
poder público também as possui. Assim, cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos
reutilizáveis e recicláveis provenientes dos serviços públicos, criar sistema de coleta se-
letiva, estabelecer parceiras com os agentes econômicos e sociais para efetivar o retorno
dos resíduos ao ciclo produtivo, dentre outras.
Outro importante instrumento para viabilizar a redução da quantidade de resíduos só-
lidos previsto na PNRS é o sistema de logística reversa. Trata-se de um conjunto de ações
objetivando a efetiva coleta e restituição de resíduos sólidos ao setor empresarial para que
tais dejetos possam ser reaproveitados ou ter destinação final ambientalmente adequada.
Importa ressaltar que a logística reversa deve ser realizada por determinados fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, independentemente do serviço público de lim-
peza urbana, que explorem: (i) agrotóxicos; (ii) pilhas e baterias; (iii) pneus; (iv) óleos lubri-
ficantes; (v) lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; (vi) pro-
dutos eletroeletrônicos. Tal previsão encontra-se no art. 33, da Lei 12.305/10 e no que diz
respeito aos quatro primeiros produtos não há necessidade de regulamento próprio, acordo
setorial ou termo de compromisso, a obrigação da logística reversa decorre diretamente da
PNRS. No tocante aos dois últimos produtos, o art. 56 da Lei 12.305/10 determina a im-
plementação progressiva do sistema de logística reversa, conforme cronograma estabelecido
em regulamento. “Assim, temos dois tipos de implementação da logística reversa: implementação
imediata (art. 33, I a IV) e implementação progressiva (art. 56 c/c art. 33, V e VI)”91.
A Política estabelece ainda que para implementar e operacionalizar a logística rever-
sa, os obrigados legais poderão comprar produtos ou embalagens usados, criar postos
de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis, firmar parcerias com cooperativas de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, dentre outras medidas.
Pela natureza normativa da logística reversa, extrai-se a preocupação estampada
na PNRS de aplicar o princípio do poluidor-pagador (previsto no art. 6º, II, da lei
12.305/2010 e no art. 4º, VII, da Lei 6.938/81).
Sobre a competência de gestão, de acordo com o artigo 10 da Lei em comento, cabe
ao Distrito Federal e aos Municípios promover a gestão integrada dos resíduos sólidos
produzidos nos seus territórios. Vale destacar que esta competência não impede o con-
trole e a fiscalização realizado pelos órgãos federais e estaduais do SISNAMA, do SNVS
e do Suasa. O regime de competências da PNRS se coaduna com o disposto no artigo
23, da Constituição Federal de 1988. 91. Idem. p. 648.

FGV DIREITO RIO 174


DIREITO AMBIENTAL

Tendo em vista a preocupação com a adequada destinação dos resíduos sólidos a


Política estabeleceu a obrigação da União elaborar, através da coordenação do Minis-
tério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que deverá ter como
conteúdo mínimo: o diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos; metas de re-
dução, reutilização, reciclagem, objetivando reduzir a quantidade de resíduos; metas
para o aproveitamento energético dos gases gerados nas unidades de disposição final de
resíduos sólidos; metas que visem eliminar e recuperar lixões, sempre acompanhadas de
medidas socialmente inclusivas, que tenham como objetivo proporcionar a emancipa-
ção econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; entre outras.
A Lei também previu a elaboração do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, estabe-
lecendo como conteúdo mínimo necessário metas semelhantes ao Plano Nacional. Os
Planos terão vigência por prazo indeterminado, devendo ser atualizados a cada quatro
anos. No que diz respeito a sua elaboração, deverá ser feita através de processo partici-
pativo, mediante a realização de audiências e consultas públicas. Sua elaboração é tão
importante que a Lei previu mecanismos de incentivo para os Estados e Municípios
empenharem-se na proposição do Plano, como por exemplo, condicionar o acesso a
recursos da União destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de
resíduos sólidos, à existência do Plano, conforme determina o artigo 16 da Lei.
Importante exigência imposta pela Lei é a necessidade de determinados agentes elabo-
rarem um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. O objetivo da referida obrigação
é garantir que o conjunto de ações exercidas direta ou indiretamente nas fases de coleta,
transporte, transbordo, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos seja ambien-
talmente adequado. O artigo 20 da Lei lista as atividades que deverão elaborar o Plano,
dentre elas estão os geradores de resíduos ligados a saneamento básico, resíduos indus-
triais, de saúde, de mineração e resíduos periogosos. Vale ressaltar que a contratação de
serviços para a realização das fases supracitadas não isenta as pessoas físicas e jurídicas da
responsabilidade por danos causados em razão do gerenciamento inadequado dos rejeitos.
Importante observar que a PNRS assegura um controle social dos planos, nos se-
guintes termos:

“A formulação, a implementação e a operacionalização desses planos (art. 14,


parágrafo único) estão sujeitas ao controle social, isto é, à informação e à participação
(art. 3º, VI), aplicando-se as normas da Lei 10.650/2003, que trata do acesso à infor-
mação ambiental, e da Lei 11.445/2007, que trata do saneamento básico, especifica-
mente em seu art. 41, que se refere à participação dos órgãos colegiados no controle
social. Este controle social não é exercido somente pelas associações ou organizações
não governamentais, mas também pelas pessoas individualmente, que poderão per-
guntar, apresentar sugestões e requerimentos, falar e votar, enfim, exercerão o direito
de participar (art. 3º, VI; art. 14, parágrafo único; art. 15, parágrafo único)”92.

Outra preocupação trazida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos relaciona-se


com a geração/operação de resíduos perigosos. Assim, os empreendimentos que utili-
zarem ou gerarem resíduos perigosos somente podem ser autorizados a funcionar pelas 92. Idem. p. 653.

FGV DIREITO RIO 175


DIREITO AMBIENTAL

autoridades competentes caso comprovem exigências mínimas, como capacidade técni-


ca e econômica e condições para gerenciar corretamente esse tipo de resíduos.
Os empreendedores deverão cadastrar-se no Cadastro Nacional de Operadores de
Resíduos Sólidos, que será coordenado pelo órgão federal do Sisnama competente, e
operacionalizado de maneira conjunta pelas autoridades federais, estaduais e munici-
pais. Além disso, são obrigados a desenvolver plano de gerenciamento de resíduos93
perigosos e submetê-lo ao órgão competente do Sisnama.
A Política traz em seu artigo 3º, inciso VIII, a definição de disposição final ambien-
talmente adequada: “distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas
operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança
e a minimizar os impactos ambientais adversos.”
No obstante a conceituação acima transcrita, o a Política Nacional de Resíduos Sóli-
dos foi categórica ao proibir as seguintes formas de disposição final de resíduos sólidos:
(i) lançamento em praias, no mar ou em qualquer corpo hídrico94; (ii) lançamento in
natura a céu aberto (os conhecidos lixões), excetuados de mineração.
Outra proibição disposta na Política reflete uma preocupação social em relação às
atividades que não podem ser realizadas nos locais de disposição final de resíduos. São
elas: utilização dos rejeitos dispostos como alimentação, catação, criação de animais do-
mésticos, fixação de habitações temporárias ou permanentes, além de outras atividades
vedadas pelo poder público.
Finalmente, a Política proíbe a importação de resíduos sólidos perigosos, assim
como resíduos que possuam características danosas ao meio ambiente, à saúde pública
e animal, à sanidade vegetal, mesmo que tenham a finalidade de tratamento, reforma,
reutilização ou recuperação.
Diante do exposto, é possível verificar que a lei em comento possui dispositivos que
podem ser divididos em duas espécies: dispositivos de caráter propriamente jurídico,
como, por exemplo, o princípio do poluidor pagador, o princípio do desenvolvimento
sustentável, a responsabilidade compartilhada e o sistema de logística reversa; e disposi-
tivos de conteúdo puramente técnico, como é o caso dos planos de resíduos sólidos, da
gestão compartilhada de resíduos e dos padrões sustentáveis. Assim, a lei se mune dos
instrumentos necessários para que a sua aplicação se dê da maneira mais efetiva possível95.
Importante destacar também que a PNRS está em perfeita consonância com as previ-
sões constitucionais. Com efeito, “verifica-se logo no caput do art. 1º da Lei 12.305/2010, a
rigorosa obediência à sistemática legislativa em matéria ambiental, prevista no art. 24, §1º, da
93.O plano de gerenciamento de resídu-
Carta Magna, que determina que a União estabelecerá normas de conteúdo genérico e os Esta-
os perigosos poderá estar contido no
dos-membros, o Distrito Federal e os Municípios instituirão normas de conteúdo específico”96. plano de gerenciamento de resíduos,
conforme prevê o art. 39, § 1º da Lei
12.305/2010.
94.De acordo com o art. 47, § 2º da Lei,

caso tenha sido feita a impermeabi-


ATIVIDADES: lização, as bacias de decantação de
resíduos ou rejeitos industriais ou de
mineração, devidamente licenciados
1. Qual é o limite da responsabilidade do Poder Público por danos causados pelo órgão do Sisnama, não são consi-
deradas corpos hídricos.
pela má gestão dos recursos sólidos? 95. GUERRA, Sidney. Resíduos sólidos:

2. O artigo 30 da PNRS institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de comentários à Lei 12.305/2010. Rio de
Janeiro: Forense, 2012, pp. 45 e 46.
vida dos produtos e inclui os consumidores na categoria dos abrangidos por 96. Idem. p. 47.

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DIREITO AMBIENTAL

essa figura. O que isso quer dizer? Como é possível responsabilizar os con-
sumidores? Até que ponto a inclusão dos consumidores na responsabilidade
compartilhada está relacionada com a expressa referência na PNRS à Política
Nacional de Educação Ambiental?
3. O artigo 54 da Lei n. 12.305/10, estipula um prazo para adequação dos
lixões no Brasil. Assim dispões o referido dispositivo: “A disposição final am-
bientalmente adequada dos rejeitos, observado o disposto no § 1º do art. 9º,
deverá ser implantada em até 4 (quatro) anos após a data de publicação desta
Lei.” Qual é a punição para o caso de descumprimento desse prazo? Como
ele pode ser observado na prática?
4. Muito se fala nos aspectos socioeconômicos da PNRS. Você consegue iden-
tificar na lei dispositivos expressos que manifestem a preocupação com ques-
tões sociais e econômicas?
5. O que é logística reserva e como deve acontecer a sua aplicação prática?
6. Quais são as principais diferenças nos critérios de gestão resíduos sólidos e
dos resíduos perigosos?
7. O Capítulo V, da Lei da PNRS, trata dos instrumentos econômicos. O que
são esses instrumentos e como eles devem ser utilizados na prática?
8. Com base no Decreto n. 7.404/2011 e no SISNAMA, explique qual é a
estrutura institucional disponível para implementar a PNRS.
9. Quais são os deveres específicos dos consumidores elencados pela PNRS e
Decreto n. 7.404/2011?
10. O que são Acordos Setoriais e quem é competente para firmá-los?
11. O que é o Termo de Compromisso e qual é a sua função?

LEGISLAÇÃO:

12. Lei n. 12.305/2010;


13. Decreto n. 7.404/2010.

DOUTRINA

A Lei 12.305/2010, prevê onze incisos no art. 6º, onde estão inseridos diversos princí-
pios, mais do que o próprio número de incisos.
São apresentados seis princípios já tradicionais do Direito Ambiental: princípio da pre-
venção, princípio da precaução, princípio do poluidor-pagador, princípio do desenvolvimen-
to sustentável, princípio do direito à informação e princípio do controle social.
É inserido como inovação o princípio protetor-recebedor. Os termos que compõem o prin-
cípio mostram, no sentido somente literal, que quem protege, merece receber. É um princípio
que vai demandar maior aprofundamento, pois se de um lado não se pode exigir que só uma
parte da população proteja gratuitamente o meio ambiente, em favor de todos, também, não
se pode ir para outro extremo, e afirmar-se que quem não for pago, não é obrigado a proteger.

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DIREITO AMBIENTAL

A ecoeficência é alçada à categoria de princípio, pretendendo compatibilizar o forneci-


mento de bens e serviços, que satisfaçam as necessidades humans e tragam qualidade de vida
e a redução do impacto ambiental e o consumkde recursos naturais a um nível, no mínimo,
equivalente à capacidade de sustentação do planeta (cf. art. 6º, V). Trata-se de uma har-
monização das atividades humanas: de uma lado, há o fornecimento de bens e de serviços e,
de outro lado, é feita a redução do impacto ambiental e do consumo num nível sustentável.
O resíduo sólido reutilizável e reciclável é reconhecido como um bem econômico e de
valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania (cf. art. 6º, VIII).
[MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª Edição. São Pau-
lo: Malheiros, 2011, pp. 597-598.]

LEITURA INDICADA

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª Edição. São Paulo:
Malheiros, 2011, pp. 597-631.
GUERRA, Sidney. Resíduos sólidos: comentários à Lei 12.305/2010. Rio de Janeiro:
Forense, 2012.

JURISPRUDÊNCIA

Apelante: Usina Batatais S/A – Açúcar e Álcool vs. Apelante: Departamento de


Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo DAEE, Apelação n. 0389576-
19.2009.8.26.0000, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, TJ-SP, Julgamento 28/
abr./2011.

(...)

Fatos. No dia 5-5-1995 a embargante foi inspecionada pela CETESB, AI n° 598637,


constatando-se, no que interessa, que a “a área para armazenagem de embalagens de
insumos (fertilizantes e agroquímicos) é inadequada” (fls. 105). Em decorrência, a em-
bargante foi advertida, AIIPA n° 110939, por estocar de modo inadequado embalagem
de insumos agrícolas (fertilizantes e agrotóxicos) sobre o solo, com exigência de acondi-
cionamento e armazenamento das embalagens segundo a Norma NB-1183 da ABNT
(armazenamento de resíduos sólidos perigosos) (fls. 111).
Em 26-9-1995 nova inspeção foi realizada, AI n° 621357, constatando-se que área
onde as embalagens eram anteriormente depositadas foi totalmente desativada, no en-
tanto, foram encontradas embalagens sobre o solo do lado de fora do armazém (fls.
115). Em 6-10-1995 a embargante foi autuada pela CETESB, AIIPM n° 38929, por
estocar embalagens de insumos agrícolas (fertilizantes e agrotóxicos) sobre o solo, ao
lado do armazém de insumos, de forma inadequada, colocando em risco o meio am-
biente. A multa de 2.000 vezes o valor da UFESP foi imposta com base nos art. 81, II,
84, II e 94 do DE n° 8.467/76 que regulamentou a LE n° 997/76 por ter infringido os

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DIREITO AMBIENTAL

art. 2o, 3o, V, 51, 52 e 55 do mesmo Regulamento (fls. 12). Em 24-4-1996 o agente da
CETESB constatou que o armazenamento das embalagens estava de acordo com o es-
tabelecido na Norma NB-1183 da ABNT (armazenamento de resíduos sólidos perigo-
sos), dando por cumprida a exigência posta no auto de infração (fls. 118, verso e 153).
O recurso administrativo para afastamento da multa (fls. 14/17) foi rejeitado (fls. 144).
3. A embargante pretende produzir perícia e prova oral para esclarecer os argumen-
tos discutidos nos autos; mas não se faz perícia para prova de fato transitório ocorrido
anos antes, nem se vê utilidade na prova testemunhai, pois, como se verá a seguir, a
transitoriedade da conduta não ilide a autuação. O indeferimento de provas inúteis,
desnecessárias ou protelatórias tem esteio no art. 130 do CPC; não houve cerceamento
de defesa nem violação ao art. 5o, LIV e LV da CF.
O agente ambiental constatou o depósito irregular no solo de produto tóxico em
5-5-1995 e 26-9-1995; não se tem como transitório fato que perdura por diversos
meses, mesmo depois da vistoria e da advertência feita pela CETESB por armazena-
mento irregular das embalagens, com exigência de cumprimento â Norma NB-1183 da
ABNT, não lhe sendo permitido descumpri-la ainda que por curto período. Como bem
exposto pelo engenheiro da CETESB, “trata-se de disposição inadequada de resíduos
sólidos classe I [perigosos – resíduos que, em função de suas propriedades físico-quími-
cas e infectocontagiosas, podem apresentar risco à saúde pública e ao meio ambiente],
que não pode ser minimizada em termos de importância como pretende a infratora”
(fls. 144), não havendo como acolher a afirmação da embargante de enquadramento
ao art. 55 do DE n° 8.468/76, o qual tolera a acumulação temporária de resíduos de
qualquer natureza desde que não ofereça risco de poluição ambiental.
As fotos que instruem a inicial dos embargos (fls. 34/43) não estão datadas e de
qualquer modo não invalidam o auto de infração, que possui presunção de veracidade
e legalidade. A autuação fica mantida.
O voto é pelo desprovimento do recurso da embargante.

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DIREITO AMBIENTAL

RÔMULO SAMPAIO
Doutor e Mestre (LL.M) em Direito Ambiental pela Pace University School of
Law, Nova York, EUA. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Coor-
denador do Centro de Direito e Meio Ambiente e Professor Pesquisador da FGV
DIREITO RIO. Professor Visitante da Pace University School of Law, Nova York,
EUA e da Georgia State University College of Law, Atlanta, EUA.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Joaquim Falcão
DIRETOR
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Rodrigo Vianna
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO
Paula Spieler
COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

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