Fandango Caiçara
Fandango Caiçara
Fandango Caiçara
Dezembro/2011
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INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
COORDENADORIA DE REGISTRO
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FICHA TÉCNICA
Presidente da República
Dilma Rousseff
Ministra da Cultura
Ana de Hollanda
Presidente do Iphan
Luiz Fernando de Almeida
Procurador Chefe
Heliomar Alencar de Oliveira
EQUIPE DE PESQUISA
Coordenação
Patrícia Martins, Alexandre Pimentel e Joana Corrêa
Pesquisadores
Alexandre Pimentel, Joana Corrêa, Patrícia Martins, José Carlos Muniz, Fernando Oliveira e
Carlos Junior
Articulação local
Eduardo Schotten
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Fotografias
Felipe Varanda e Leco de Souza
Designer
Marcos Corrêa
Registro em vídeo
Marcelo Makiolke e Flávio Rocha
Roteiro do vídeo
Edilberto Fonseca, Edgar Fonseca e Alexandre Pimentel
Edição
Caito Mainier e Edgar Fonseca
Locução
Cleiton do Prado
Agradecimentos
Lia Marchi, Inami Custódio Pinto, Celso Luck, Edmundo Pereira, Aorélio Domingues, Daniella
Gramani, Dauro Marcos do Prado, Cléber Rocha, Ponto de Cultura Caiçaras, Coletivo Jovem
Caiçara, Associação dos Jovens da Juréia, Associação dos Fandangueiros de Guaraqueçaba,
Associação de Cultura Popular Mandicuéra, Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular e
Promoarte - Programa de Apoio ao Artesanato de Tradição Cultural.
4
EM NOME DE D EUS COMEÇ O
COM DEUS QUERO CO MEÇAR
SOU MUIT O CHEGADO À DEUS
SEM ELE NÃ O POSSO F ICAR
5
Sumário
Apresentação - 7
6
APRESENTAÇÃO
populações. Entre a lida com a roça, a pesca ou mesmo nas localidades mais
8
FOTO 01 (cód: 1) Amirtom e Faustino Mendonça (Vila Fátima - Superagui-Guaraqueçaba/PR) - foto: Felipe Varanda
Sempre intensa, a comunicação neste litoral, se estabelece através das
Divino Espírito Santo, os mutirões para trabalho, por mais que sejam
9
O fandango não é encontrado em uma única configuração. Por
FOTO 03 (cód: 97) Apresentação da Família Pereira no I Encontro de Fandango (Guaraqueçaba/PR) - foto: Felipe Varanda
FOTO 04 (cód: 34) Apresentação do grupo Pés de Ouro no II Encontro de Fandango (Guaraqueçaba/PR) - foto: Leco de Souza
FOTO 05 (cód: 132) Mesa durante o II Encontro de Fandango e Cultura Caiçara (Guaraqueçaba/PR) - foto: Leco de Souza
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FOTO 06 (cód: 132) Entrega de Dossiê prévio à representante do IPHAN durante o II Encontro de Fandango (Guaraqueçaba/PR) - foto: Leco de Souza
FOTO 07 (cód: 134) Reunião com fandangueiros para apresentar processo de registro junto ao IPHAN (Cananéia/SP) - foto: Alexandre Pimentel
11
A solicitação do registro do fandango como forma de expressão
1
As entidades
Mandicuéra que Associação
(PR), pleitearam odos
pedido de registro foram:
Fandangueiros Associação
de Cananéia de Associação
(SP), Cultura Popular
dos
Fandangueiros do Município de Guaraqueçaba (PR), Associação dos Jovens da Juréia. (SP),
Associação Rede Cananéia (SP), Associação Cultural Caburé (RJ), Instituto de Pesquisas
Cananéia (SP), Instituto Silo Cultural José Kleber (RJ), Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre
Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras da Universidade de São Paulo (SP).
12
de Fandango e Cultura Caiçara, realizado no município de
2
Os Encontros de Fandango e Cultura Caiçara foram realizados nos anos de 2006 e 2008 na
cidade de Guaraqueçaba/PR. A primeira edição contou com financiamento do Programa
Petrobras Cultural e apoio da Prefeitura Municipal de Guaraqueçaba. A gestão foi feita
pela equipe envolvida com o projeto Museu Vivo do Fandango (Associação Cultural
Caburé/RJ) e por um coletivo
Popular Mandicuéra/PR, Pontodedeassociações culturais da
Cultura Caiçaras/SP, região – Associação
Associação de Cultura
de Fandangueiros de
Guaraqueçaba/PR, Associação Jovens da Juréia/SP e Rede Cananéia/SP. Nesta ocasião
foram lançados o livro e o CD resultados do projeto. Já a segunda edição foi viabilizada
pelo Prêmio Avon Cultura de Vida, também com apoio da Prefeitura de Guaraqueçaba, e
gerida pela Associação de Fandangueiros de Guaraqueçaba, juntamente com o coletivo
de associações.
13
norte do Paraná e sul de São Paulo. Nos três dias que estiveram ali reunidos,
e desdobramentos.
14
Após o II Encontro, foi realizada, em janeiro de 2009, em
este encontro presencial uma vez que o recurso somente poderia ser
repassado por meio de processo licitatório. Desta forma, a comissão de
3
A Comissão de Acompanhamento foi formada pelos seguintes nomes: Cléber Rocha
Chiquinho (Associação Rede Cananéia, Cananéia, SP), Cleiton do Prado ou Dauro Marcos
do Prado (Associação Jovens da Juréia, Iguape, SP), Daniela Gramani (organização do
Encontro de Fandango e Cultura Caiçara), Rubens Eduardo Miranda (Morretes), Fernando
Oliveira (IPEC - Instituto de Pesquisa de Cananéia, SP)Joana Corrêa (Associação Cultural
Caburé,
Nemésio Rio de (Grupo
Costa Janeiro,deRJ), Marcelo Pés
Fandango Aquino
de (Prefeitura MunicipalPR),
Ouro, Paranaguá, de Patrícia
Guaraqueçaba),
Martins
(Associação de Cultura Popular Mandicuéra, Paranaguá, PR), José Muniz (Associação de
Fandangueiros do Município de Guaraqueçaba, PR), Rodolfo Vidal ou José Fermino
Marques (Associação de Fandangueiros do Município de Guaraqueçaba, PR).
15
de 2009, foi aberta uma chamada pública para contratação do processo de
instrução para registro que, após não ter recebido nenhuma proposta na
16
deve incluir bibliografia, listagem de entrevistas utilizadas na
pesquisa e ilustrações. O texto também deve indicar, em caráter
preliminar, ações de apoio e fomento às condições de produção e
continuidade do Fandango Caiçara. A elaboração do conhecimento,
em descrição textual densa e ilustrada e em vídeos documentários,
será realizada segundo roteiros aprovados pela Coordenação de
7 Registro do DPI/Iphan.
Revisão textual, diagramação e edição do texto descritivo referente 1 edição
ao Fandango Caiçara.
8 Cópias do texto descritivo já aprovado, diagramado e editado 5 cópias impressas
impressas e em meio digital. 5 cópias digitais
9 Elaborar texto resumido, contendo os dados e informações essenciais para a 1 texto
compreensão do bem cultural em foco, ao seu universo e elementos associados,
para utilização em materiais de divulgação.
17
acompanhamento dos trabalhos seja completo e possam ser feitos
esclarecimentos quanto ao instrumento do Registro. Todo o
encontro deverá ser gravado. Estes produtos deverão ser entregues
ao Iphan.
19 Degravar a reunião com os produtores e entrega-la em meio digital 1 degravação completa
ao Iphan .
Patrimônio Imaterial.
A metodologia do processo de Instrução do Registro seguiu a
metas previstas.
preenchimento das fichas do INRC. Na ocasião foi definido que, por razões
artesanias locais, ficariam para uma etapa posterior, uma vez que a
18
que as possibilidades e conteúdos não tenham se esgotado. Nesta reunião
entre outros parceiros, também cederam imagens. A locução dos filmes foi
19
coletiva de um pré-plano de salvaguarda do Fandango Caiçara.
salvaguarda deste bem cultural. Além disso, neste período pós reunião de
20
Capítulo 1. Caracterização histórico-cultural do fandango caiçara
encontrado.
22
São desconhecidas referências a ocorrência do fandango no litoral do
referência para uma festa ou baile, ela acaba sendo utilizada em diversos
23
se associa a um grupo social específico: "os caiçaras". - Mas também
fandango caiçara".
mais restritos que não dão conta da dinâmica e complexidade local, onde
Por fim, vale ressaltar que essa denominação adotada é fruto de uma
24
1.2 FANDANGO E A CRIAÇÃO DE UM “ETHOS POPULAR”
prática.
25
Morretes (litoral norte do Paraná). Importante documento que traz descrições
praticado na região, são elas: anu, chico, recortado, tonta, tirana, chula e
a 'cultura popular' foi útil para pensar o caráter da cultura brasileira: o popular
26
Inicialmente compreendido de forma ampliada, o termo fandango
verde, dandão, nhô Chico, queromana, tonta e anu. Marcas que segundo o
5
Veremos que o termo “marca de fandango” é uma categoria nativa que refere -se as danças
e músicas específicas desta expressão.
27
organizar os dados reunidos na forma de verbetes em obras de introdução e
sentidos:
28
Cananéia, Ubatuba e Taubaté e pode ser considerada uma das primeiras
Pinto (1983, 1992, 2003, 2005) - percebemos que seus discursos convergiam
fandango.
30
existentes no baile, este momento dos estudos de
fandango é marcado pela referencia a lugares
específicos, a fandangueiros com quem se travou contato
e de quem se anotou parte do conhecimento” (194).
(2002) Andrade & Arantes (1994, 2003), Brito & Randa (2003), Gramani
(2003), Pimentel & Gramani & Corrêa (2006), Martins (2006). A busca pelas
31
quais esta forma de expressão vem se confrontando, tais como, políticas
Espanha e Portugal ainda não eram reinos de fronteiras definidas, desde pelo
menos o século XV. Sem dúvida, uma de suas definições mais antigas e de
Açores, um dos lugares de onde partiu para o Brasil com as levas migratórias
que aos atuais estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina chegaram em
meados do século XVIII. Nos extensos registros sonoros feitos na Ilha de São
caso dos cantos e toques das romarias do Divino Espírito Santo, além de
todo o repertório de cantigas de trabalho e de divertimento.
7
Em 1960, o Instituto Cultural de Ponta Delgada, Portugal, junto ao Conservatório Nacional
de Lisboa, realizou ampla pesquisa e registro sonoro dos principais gêneros musicais
encontrado em parte da região.
33
do Brasil, teve sua srcem portuguesa (provavelmente açoriana) amalgamada
passagem pela região dos Campos Gerais, descreve sua estadia em uma
34
noite, dançavam “chulas e o anu” (SAINT-HILAIRE, 1995).
som de violas e pelo bater de pés no assoalho de uma casa, que, segundo
8
O historiados Magnus Pereira (1996) em seus estudos sobre a sociedade ervateira dos
oitocentos irá trazer a tona a categoria de “não -msrcerados” referindo-se aquela parcela
da população que vivia nas incipientes cidades. Neste período a noção de “civilidade”
conduzia os códigos sociais. Dentro da categoria de “não–msrcerados” inclui -se,
imigrantes, negros, operários e desempregados que se acumulavam nas novas urbes.
35
outro setor da população” (PEREIRA, 1996, p.136). Deste modo, é possível
36
na Comarca de Paranaguá, os fandangos realizados por ocasião dos festejos
“sítios”. Sobre a formação destes “sítios”, Antonio Carlos Diegues coloca que:
37
portuguesas chegadas ao sul do Brasil desde pelo menos o século XVIII.
Vicente. Esta musicalidade transitou por terra e por mar, dos campos gerais
38
Capítulo 2. O fandango e sua estrutura poético-coreográfica-
musical
39
2.1 As configurações do fazer fandango nas redes caiçaras
9
Designa por mutirão a reunião de parentes, vizinhos e camaradas para o desenvolvimento
de tarefas ligadas a roça, pesca, atividades comunitárias, etc. Ao final do trabalho
realizado, tem-se como retribuição àqueles que participaram do mutirão a realização do
baile de fandango caracterizado pela fartura de comida e bebida oferecida pelo dono da
casa. Existem variações na designação do mutirão, que também pode ser chamado de:
puxirão, pixirum, mitirão, pixilhão, adjutório, entre outros.
40
entre trabalho e divertimento sempre foram tênues.
na terra de outrem para ajudá-lo em seu trabalho, para erguer uma casa,
que haviam assistido à função diurna, junto alimentação farta ao longo do dia
ainda ser retomado no dia seguinte dos trabalhos, que em geral aconteciam
41
parâmetros10. Tendo como guia a movimentação própria às comunidades
sobrevivência econômica.
fora” dela, continuam vivos e dinâ micos. Assim, veremos que a produção de
10
No território compreendido como caiçara, algumas cidades se estabelecem como pólos
atrativos da população que migra dos sítios, podemos citar o caso de Paranaguá/PR,
Peruíbe/SP, Iguape/SP, etc.
11
Caracterizando a própria estrutura social, objeto de investigação antropológica, o termo
“rede” foi empregado por Radcliffe-Brown ainda na década de 1950, como “a rede de
relações sociais efetivamente existentes” (1952, p. 90). Para Raymond Firth (1954, p. 4),
Radicliffe-Browm usou a noção de “rede” para expressar de modo incisivo “o que sentia ao
descrever metaforicamente o que via”. Foi Barnes quem formulou uma noção mais precisa
do termo, concebendo a rede como um campo social formado por relações entre pessoas,
definidas por critérios subjacentes ao campo social em questão (como vizinhança e amizade,
por exemplo). A rede, para Barnes, é “ilimitada” e não apresenta lideranças ou organizações
coordenadoras. Qualquer pessoa mantém relações com várias outras, que, por sua vez, se
ligam a ainda outras (MAYER, 1987, p. 129).
42
2.2. O Fandango e o sistema sócio-cultural caiçara: temporalidades e
socialidades
possuísse uma sala com chão de madeira para haver os batidos de tamanco.
coletivo seja para uma colheita, uma puxada de tainha, a construção de uma
realizado com uma noite de muito fandango. Segundo Fortes Filho (2005),
essa forma de solidariedade não tinha somente uma função produtiva, mas
12
É importante notarmos que ao contrario de outras manifestações populares brasileiras, o
fandango não se caracteriza como uma festa de terreiro, seu formato, na maioria das vezes,
é de um “baile de salão”, realizado no interior das casas e clubes.
43
na Páscoa, eram três noites. E na Quaresma, eram quarenta e
cinco dias de resguardo, os mais velhos né? Quando terminava
o carnaval, já passava a mão na corda da viola, já
desencordoava, iam lá e pendurava lá... Até quarenta e cinco
dias. Mas também, quando chegava sábado, dia de sábado, já
era... ”.
para o lanço de tainha. Nestes eventos, segundo ela, “vinha gente até de
44
criam-se redes onde as trocas ocorrem em nível material e simbólico, trocam-
45
entre os jovens e até mesmo dos turistas, como é possível ver em uma de
suas composições:
identidade que o integra ao “sítio”. “Eu sou nascido num sítio, eu sou caiçara,
o caipira legítimo. Não nego, eu não nego, pra mim é isso, é muito bom ser o
caipira legítimo”.
Cananéia de arrumar gente pra não deixar morrer o fandango. Ah, isso eu tô
46
Tradicionalmente um bom baile de fandango era acompanhado pela
forma de comida oferecida pelo dono da casa beneficiado com esse sistema
cascar o
“no dia de fazer uma colheita, erguer uma casa, des
arroz tinha muito trabalho, mas também tinha festa, a gente ia
com vontade ajudar o camarada porque a noite o fandango
rolava solto, ali tinha comida e bebida a vontade para quem
trabalhou de dia, era um jeito da pessoa pagar né a ajuda”.
(...) Às vezes pra fazer fandango, eles faziam mutirão. Pra fazer
plantação de arroz, de mandioca. Aí depois, no fim, à noite tinha
o fandango. Vendia doce de goma, canjica nas casas que
faziam o fandango. Era mais bonito. (...) [Se fazia fandango] no
sábado e no domingo. (...) E ali então convidava a turma pra
fazer aquele fandango. “Oh, domingo vamos fazer fandango lá
na casa de tal fulano”. Lá eles iam. (...) Eles fazia mutirão. Era
com peixe, com bucho, mocotó, fazia feijoada. Todo mundo
47
vinha, comia. Aí almoçavam, iam pra roça pra trabalhar. Aí
vinha, tinha café.” Soltavam foguete para avisar que o fandango
havia começado. “Aí todo mundo se aprontava e ia pro
fandango (...) A gente ia no fandango com o pai, a mãe, a
família. A gente pegava, conversar, namorar, dançar (...)
carnaval”, ocorriam nas 4 noites, sendo que nestes dias a viola não parava
de tocar. Para Nemésio Costa da Ilha dos Valadares/PR, “não tinha diversão
que, “naquele tempo faziam mocotó com essas partes do boi, cabeça e pé de
boi. O pessoal gostava mesmo da carne, os mais velho s diziam “se for peixe
48
Soracabinha (Iguape/SP) suas principais lembranças, como descreve
Aparício:
as receitas que eram preparadas com o pescado. Dona Helena conta que,
enterrava na areia que tava com fogo, depois desenterrava abria aquilo,
ficava uma delícia”. Na Ilha dos Valadares/PR seu Romão fala com
49
filha” ainda hoje é consumida em bailes de Paranag uá e apreciada pelos
região de Cananéia.
fazer diversos.
fandangueiros por ser mais simples e menor que a viola, é bastante raro
com o uso de instrumentos como a viola fandangueira (ou viola branca, como
que nos referimos como "fandango caiçara", e que, embora com significativa
piriquita, corda mais curta que vai somente até o meio do braço da viola e,
13
Os textos que seguem sobre a instrumentação presente no fandango são de autoria de
PIMENTEL (2010), produzidos por ocasião da exposição Instrumentos Musicais do
Fandango Caiçara, do Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural-
Promoart.
51
como o próprio nome diz, dá o tom da voz do violeiro 14. Em sua grande
feitos com arame. Em geral seu cravelhal possui dez furos, mesmo quando é
viola através de furos feitos com ferro quente. Entretanto outros artesãos
Paraná em que a viola mantém as dez cordas, sendo nove finas e uma um
ser “de fôrma” (de aro) ou “cavoucada” (de cocho, escavada). No primeiro
alguns dias para que ela seja moldada e vai, aos poucos, montando o
tamanho suficiente para se fazer uma ou mais violas e, depois, vai esculpindo
corpo e braço em uma peça única, colocando o tampo ou o fundo ao final.
14
O músico e pesquisador Roberto Corrêa aponta a turina como uma
possível reminiscência da viola beiroa (de cintura mais larga, característica
do leste de Portugal), embora esta apresentasse em seu cravelhal, ao lado
da caixa de ressonância, duas cravelhas ao invés de uma, como as violas do
fandango. (CORRÊA, 2000)
52
diferentes tipos de viola, em função de seu tamanho: viola inteira, meia viola
pela maioria dos artesãos como um tamanho específico de viola. Manoel dos
Santos Cabral, antigo artesão de Morretes (pai de Martinho dos Santos, outro
para as violas que construía. A viola de dez cordas (segundo ele a mais
comum no fandango), com três vozes: machete, violão e viola (3/4). A viola
de 14 cordas, com seis ordens ou vozes: viola, violão, machete (assim como
violas, que podem ser três: pelas três, pelo meio e intaivada ou entaivada
pares de cordas são sempre tocados soltos. O outro acorde é feito com uma
Iguape. Os intervalos para afinação entre as cordas, nas afinações pelo meio
53
diferentes. A afinação pelas três é semelhante à afinação guitarra da viola
caipira. Usa-se na quase totalidade das modas a tônica (T) e a dominante (D)
2.3.2 A Rabeca
54
simultaneamente (com cordas paralelas). Sua afinação também não era
atuais, era convexo (ao contrário do violino atual, que usa um arco côncavo).
15
Gramani realizou importantíssimas pesquisas e registros com os
fandangueiros Martinho
Pereira (Paranaguá), dosdeSantos
além (Morretes),
criar grupos, ArãoeBarbosa
arranjos (Iguape)
composições e Júlio
utilizando
a rabeca como instrumento central. Suas pesquisas, não publicadas em vida
devido ao seu falecimento precoce, foram posteriormente reunidas e editadas
por sua filha Daniella Gramani, no livro Rabeca, o som inesperado
(GRAMANI, 2002)
55
confeccionado com a caixeta. O instrumento possui três cordas em quase
quatro cordas16. A afinação mais usada, da corda mais grossa para a mais
cantador violeiro e, nos momentos em que a moda ou marca não está sendo
fandango” e, por não ter “pontos” (trastes) como a viola, é mais difícil de ser
2.3.3 O Adufo
pelo indicador da mão direita, deixando deste modo os outros dedos livres
56
no centro-leste de Portugal, onde é executado exclusivamente por mulheres,
mais frouxo para obtenção de um som mais grave, o adufo era, no passado,
o uso do couro bovino ou bode, embora o adufo venha sendo cada vez mais
2.3.4 O Tamanco
limão ou de laranjeira, pois precisam ser madeiras duras para “dar som”. A
57
uso destes tamancos, remetem ao “tempo dos sítios”, quando eram utilizados
fazer gambá17.
madeira mais utilizada, e trazendo fama a alguns dos fabriqueiros (como são
A viola também dá
17
Segundo PIMENTEL (2010), “Os mesmos instrumentos musicais do fandango são
também utilizados em outras formas de expressão presentes na região, como as
bandeiras ou romarias do divino e as reiadas (como são chamadas as folias de reis),
embora com algumas alterações de afinação (ou “temperamento”) das violas e rabecas.
A caixa deJáfolia
fandango. é muitas avezes
a louvação também éutilizada
São Gonçalo como instrumento
normalmente compreendidadecomo
percussão
parte no
do
fandango, sendo bastante comum ser feita como pagamento de promessa, pelo tempo
bom nos dias de mutirão e fandango. Normalmente fazia-se a homenagem a São
Gonçalo para abrir o fandango, assim como usava-se, especialmente em Paranaguá, a
chamarrita de louvação para a mesma função ”.
58
2.3.5 A dança
diferenciam estas marcas . Cada marca batida tem sua própria estrutura de
“refrões”, de toques de violas, de rabecas e no próprio batido, além de
dizer que existe uma estrutura básica de chamarritas e dandãos, mas dentro
59
GRAMANI:
limpa-banco, pois nessa hora é possível todos dançarem, haja visto, que não
encontrar pares formados por mulheres, o que nos batidos não é permitido.
60
Juréia, em Iguape, é um exemplo de dança trançada. Há ainda modas onde
61
No fandango, quando a dança ocorre em roda, esta sempre gira no sentido
podendo mudar entre uma música e outra, e até mesmo na mesma marca,
Salvador Barbosa de Cananéia conta que “se fosse uma moda do batido, se
fosse na roda batendo, e uma moça saísse na sua frente, para dançar,
aquela moça, se ela não quisesse dançar a outra moda com você, outro não
tirava”.
ANU: O Anu é uma marca batida que homenageia um pássaro de cor preta
apenas para a execução das palmas. Nessa dança o som dos tamancos é
em forma de oito.
62
Fig. 3: Oito batido - nesse movimento, homens e mulheres realizam um percurso em forma
de oito. O homem inicia a evolução pelo lado de dentro da roda e com a parceira da frente. a
mulher gira para fora e vai para trás. Fonte: “Fandango na Escola”, Associação Mandicuera,
2008.
XARÁ: O xará também pode ser encontrado com o nome de Sinsará. É uma
seguram a mão direita das mulheres no alto de suas cabeças, permitindo que
elas possam girar de um lado para o outro sem que percam o equilíbrio.
63
Fig. 4: Vanzerinho - a mulher se posiciona à frente do homem e levanta as mãos sobre os
ombros; o homem segura as mãos da parceira e juntos balançam de um lado para o outro,
como se estivessem nas ondas do mar. Logo essa posição se inverte, ficando o homem na
frente. Fonte: “Fandango na Escola”, Associação Mandicuera, 2008.
atrás.
64
uma espécie de “seleção natural”, que permite que a sonoridade do fandango
65
Não há dança sem a música e não há música sem o encontro
pessoa por meio da dança. Desse modo, para dançar não basta saber os
contrário.
velhos:
66
Faziam briga, que faziam aquele toque de fandango.
Sabe por que brigavam? Brigava porque tirava as
meninas. “Ah fui no fandango”. “Tava bom?”. “Tava”.
“Teve briga?”. “Não”. “Então não tava bom”.
da dança:
67
estrofes são formadas por quatro versos que rimam entre a segunda e quarta
são as modinhas, mas como há mais de uma modinha por marca, os violeiros
Pedro, Zeca, qualquer um desses aí, você abriu a boca já sabe o que vai
cantar. Então se torna bem fácil fazer uma música. Que a música que eu sei,
eles sabem. (...) Eles aqui já é diferente, já pega uma viola diferente”.
68
como expressão do momento em que são executadas, já que em outros dias,
69
fandango, sofreu impactos com as transformações sócio-ambientais da
o fandango. “Meu pai tocava muito bem viola. Tocava e cantava. Depois dele
que nós peguemos, eu, meu irmão, o Firmino, e esse aqui (Salvador). Na
nossa casa tinha de tudo. Chegava na parede tinha viola, tinha meia viola,
70
tinha cavaquinho, tinha violão, tinha rabeca, tinha bandolim, tinha banjo. Tudo
feito por nós. Nada de comprado não”. José Roberto já chegou a fazer
instrumento, aprendeu com o seu tio Paulo Rodrigues, que, por sua vez,
aprendeu com o tio Tobias. Caxeta e pinho eram as madeiras utilizadas para
bem fininho, não precisa nem passar breu. Ela mesma, já tem um breu”,
recorda o violeiro.
suas primeiras experiências. “Foi dali que co mecei a ter a idéia de fazer. Era
uma rebeca muito grande, muito boa, e muito feia também, né? (...) Passou
um mês, já fazia uma nota boa nela já, aí pensei: “Essa aí eu faço”, pensei
pra mim. Derrubei uma madeira lá, tirei o machado nele, foi indo, fiz a rebeca.
Toquei nela e saiu boa também”. Além dos instrumentos, como a rabeca, a
faz diversos tipos de entalhe em madeira, ofício que aprendeu com o pai. “Eu
sei fazer canoinha, faço caiaque, faço prancha, faço passarinho, faço peixe e
observação das práticas dos mestres. “Caiu um fio de cabelo na viola, cega a
viola. (...) Aí arruína a viola, aí a viola não presta mais. (...) A gente criança
71
aprende com os mais velhos as coisas”, como revela a memória do
não ter os pontos marcados é mais fácil de fazer, porém mais difícil de tocar
que a viola.
principalmente, pela experiência. Nelson Franco e Lino Xavier são outros dois
marceneiro, conta como foi o aprendizado seu e de seu irmão, Zildo Franco,
na construção de instrumentos.
72
“Eu olhei o cavaquinho assim e fiz a forma de cavaquinho.
Só que o machete, ele só tem cinco pontos. O cavaquinho
ele vai de ponta até a boca, e o machete só tem cinco pontos
diferentes. (...) aí fui fazendo, depois fiz o cavaquinho. Depois
fiz a viola. A rabeca foi a última que eu fiz. (...) Todos eles
instrumentos:
Guaraqueçaba.
possui a turina ou cantadeira, que aparece desde o litoral até a fronteira com
São Paulo.
4º pares de cordas são sempre tocados soltos e o outro acorde é feito com
podendo chegar até a 10ª casa. De todo o modo, como demonstra o encontro
74
tocadores como Manequinho da Viola, que foi um dos mais afamados
sendo que seu pai também era violeiro, construía violas e lhe ensinou a tocar.
no entanto, fandangueiros que tocam em pelo meio, que não por acaso é
rabeca no grupo do Mestre Romão junto com músicos como seu primo
75
uma característica do fandango local, no Paraná encontramos a formação de
dançarinos. Por ele já passaram algumas gerações de crianças que com ele
aprenderam a dançar.
organizado por Mestre Eugênio. Nemésio Costa e Jerônimo dos Santos são
Jerônimo, aliás, é um caso raro no fandango pois aprendeu a tocar viola faz
únicos violeiros canhotos. Nemésio ainda canta com com seu irmão Anoldo.
76
paranaense, onde este se manifestou até bem pouco tempo fortemente em
vários sítios e localidades como Tagaçaba, Serra Negra, Rio Verde, Rio dos
por mar, levou ao isolamento econômico do lugar. Isso fez com que as
Além disso, vez por outra realizam-se bailes no bar Akdov reunindo antigos
Rio dos Patos há mais de 10 anos para morar na cidade. Da família Pereira,
destacamos na geração atual a Heraldo, filho de Anísio Pereira, também
77
ter mais de 40 famílias morando no centro da localidade e com várias famílias
morando ao longo do caminho que liga o lugar a Baía dos Pinheiros, a leste
78
contemporaneidade, inserindo-se em novos contextos de apresentação para
79
como o tipe (voz bem aguda ao final de frases) encontrado nas Folias de
Caiçara de Cananéia, que tem como líder Alatiberte Pereira, mais conhecido
São Paulo Bagre. Não apresenta o tipe nos finais de frase, ralentando ao final
pandeiro.
rabequista) Ângelo Ramos, único músico que toca e canta a primeira voz no
líder atual e primeira voz o violeiro Paulinho Pereira. O grupo toca modas de
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Teixeira, violeiro e compositor de modas, muitas delas interpretadas pelos
na natureza.
sítio, encontramos com Nelson Franco “Pica -Pau”, um dos mais conhecidos
construtor de instrumentos.
curta que chega somente até o meio do braço e que serve como baixo
em alguns locais é usado o violão para fazer ponteados nas cordas graves, o
dos Jovens da Juréia toca e dança modas que não haviam sido encontradas
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no Paraná e em São Paulo, como o Engenho e o Sirindi. Bem próximo, em
filhos.
local fundado por pequena comunidade religiosa nos anos 1930, é um dos
fandangos, em especial na festa para o Arcanjo São Miguel. Estes bailes são
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CAPÍTULO 3: O FANDANGO NA CONTEMPORANEIDADE: DINÂMICAS E
DESAFIOS DA SALVAGUARDA
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3.1. Territorialidades e sociabilidades fandangueiras: sobre jovens,
Desde o final do século XIX toda essa região litorânea passou por
região. A partir dos anos 1950, os caiçaras foram vítimas de um processo por
já que muitos moradores venderam suas terras por preços baixos para tentar
a vida nos centros comerciais da região.
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que pode trabalhar...(...) Então o povo vive abandonado, vive
sozinho”.
trabalhava. Ou, então, se não levasse nada também era proibida a entrada ”.
fandango teve sua importância reduzida nas comunidades da região. “Aí que
tocador.
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vai acabar, nunca vai morrer essa cultura, não pode”.
própria desta região. Dentro deste processo de resistência, nos últimos anos
fértil para a formação de novos violeiros. “Porque naquele tempo todo mundo
gostava de aprender e hoje em dia ninguém gosta de aprender. (...) Deve ser
um erro deles, porque a coisa que a gente aprende é muito bom para a
gente. Serve para a gente, saber uma coisa que o camarada nunca viu. Eles
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agora é que estão vendo o fandango aí. Essa rapaziada aí ”, reclama Antônio
é o instrumento que ninguém ensina outro. Não sei, não tem ponto ”, é o que
grande escola.
associação pra que ficasse um grupo junto, pra que tenha uma apresentação
de fandango, pra que tenha artesanato, pra gente poder estar mais junto. Se
não tivesse essa ideia, a gente não podia estar tudo junto... O grupo foi
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Dauro Marcos do Prado, um de seus integrantes, a associação surgiu para
Juréia.
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fita, um rolinho com lixa.”
como estímulo para novos aprendizes, como narra Antônio dos Santos Pires,
animado com os meus violeiros aí, com os meus colegas. Hoje tá mais
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animado, com certeza. Tem gente bem interessada pelo fandango. Os
esta manifestação.
que represente o grupo, como pôde ser observado tanto no Grupo Pés de
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em divulgar e veicular o fandango em diferentes circuitos. Dentro deste
“mercadoria”.
região18.
18
Gostaríamos de salientar a necessidade de revisão de alguns procedimentos
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Sendo o fandango uma prática social já enraizada e repleta de
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de demandas gerais. Cada grupo apresentou em cada fase de duas a três
avançar.
***
Propostas gerais:
Propostas locais:
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casa para bailes do fandango e dar aulas para crianças, além de viabilizar
valorização local.
Propostas gerais:
tradicionais – SCC?).
Propostas locais:
Proposta geral
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- Facilitar e promover o intercâmbio entre os fandangueiros, possibilitando o
Propostas gerais:
intercâmbio cultural.
Propostas gerais:
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matéria-prima.
instrumentos.
Propostas locais:
Juréia para que a comunidade local possa usufruir do seu território, para sua
TEMA 6: DIVULGAÇÃO
Propostas gerais:
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- Divulgação em sites de Secretarias de Turismo e Cultura dos grupos de
fandango e fandangueiros.
Propostas locais:
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