Entrevista de Sergio Faraco
Entrevista de Sergio Faraco
Entrevista de Sergio Faraco
E não é o que vemos diariamente nos jornais? A vida já não vale nada. A
perversidade humana, fruto da desesperança, da descrença, da
subordinação da dignidade a interesses deletérios, já não tem limites. Para
que convalescêssemos dessa doença, seria preciso que acreditássemos
num remédio. Mas esse remédio não existe.
Quando eu era pequeno, minha mãe costumava ler em voz alta um livro
de antigas histórias, chamado Pérolas esparsas. Um dos capítulos versava
sobre o naufrágio do Titanic. Eu ouvia com encantamento e depois
imaginava histórias parecidas. Na adolescência, meu pai me internou num
colégio de irmãos maristas, em Porto Alegre, onde eu precisava acordar
diariamente às seis da manhã para ouvir missa, confessar e comungar.
Sentia uma saudade mortal dos amigos, da família, de minha casa, de
minha cidade, sobretudo de minha liberdade, e sublimava esse
sentimento escrevendo cartas intermináveis. Já percebera que escrever
era a única coisa que sabia fazer mais ou menos bem. Em 1962 fui
trabalhar em Blumenau. Ali fiz amizade com alguns moços que escreviam,
entre eles Roberto Gomes, que hoje mora em Curitiba, e percebi que
podia dar um sentido à minha imaginação e ao meu amor pelas palavras.
Esse fastio pela ficção era tão profundo que, à mesa, sentia tonturas e
ânsia de vômito. Era uma espécie de fobia, mas relacionada apenas com o
conto. Os enjôos pouco a pouco foram desaparecendo, tanto que, nos
últimos quatro ou cinco anos, com muito esforço, pude escrever aqueles
contos que citei e mais um ou dois. Isto não quer dizer que tenha a
intenção de me devotar novamente ao gênero, como o fazia nos anos 70 e
80. Ainda que tentasse, não conseguiria trazer para o conto o melhor de
mim, porque esse melhor, aparentemente, já se esgotou. Ou talvez eu já
não saiba encontrá-lo.
Embora saiba que você não escreve mais contos com a regularidade dos
anos 70 e 80, gostaria de saber como surge um conto seu e quando você
percebe que ele está finalizado.
A crítica alcunha sua obra como uma das mais importantes do país. No
entanto, até nos meios literários você parece não ser muito lido. Por quê?
Trato de fazer o que posso, mas se o que posso não é o bastante, aí está
um conflito que foge à minha alçada. Há certas circunstâncias, sei bem,
que embargam o curso de meus livros: não vou a congressos, dificilmente
dou entrevistas, não participo do tal meio literário, vivo mais ou menos
isolado etc. São prejuízos de somenos. A questão cardeal é que aquilo que
sei fazer parece combinar com o gosto de um pequeno número de
pessoas, quase uma seita secreta. Não me incomodo. Não posso nem
quero ser diferente do que sou, escrevendo de outro modo. E para mim
tanto faz ser muito ou pouco lido, mesmo porque esse muito se perderia
no vazio, como a maioria dos livros que se publicam. Quando lamento o
diminuto papel social que tem hoje a literatura, estou refletindo sobre os
livros em geral, e não sobre os meus em particular.
Existem autores que dizem não estar preocupados com o leitor, mas,
afinal, não escrevemos para atingir leitores?
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