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A Gramatica Do Design Visual

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A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL E A RELAÇÃO

PALAVRA-IMAGEM NA PRODUÇÃO DE SENTIDOS DE


TIRAS DA TURMA DO XAXADO

Andreia Honório da Cunha (PUC-SP)1

DOI 10.26512/discursos.v3i2.2018/10763
Data de submissão: 28 de julho de 2018
Data de aceite: 10 de novembro de 2018

Resumo: Esta pesquisa fundamenta-se na abordagem Sociossemiótica e tem, por base teórica, a Gramática do Design Visual
(GDV) de Kress e Van Leeuwen (1996). Objetiva investigar a pertinência das interações entre palavras e imagens nas tiras da
Turma do Xaxado, do cartunista Antônio Cedraz. O corpus tematiza as problemáticas do sertão nordestino brasileiro,
especificamente, aqui tratadas as da relação sertão-sertanejo-universo de trabalho e do coronelismo. Tais problemáticas estão
intimamente relacionadas às relações de poder, às desigualdades sociais e aos interesses ideológicos ainda persistentes nessa
região. Metodologicamente, a pesquisa circunscreve-se na exposição dos quadros teóricos – quadros comunicacionais, paisagem
semiótica e esquematização das metafunções representacional, interacional e composicional – aplicando-os à prática, de modo a
favorecer a compreensão, a sensibilização e a notoriedade da ampliação da produção de sentidos estabelecida por esses
recursos semióticos comunicativos. Examinam-se, portanto, como resultados obtidos, as transgressões e as rupturas permissivas
nessas semioses por intermédio das relações dialógicas via negociações e acordos entre esses recursos semióticos que remetem
ao cômico, ao risível e, por fim, ao crítico.
Palavras-chave: Produção de Sentidos. Paisagem Semiótica. Relação Palavra-Imagem.

Abstract: This research is based on the Sociossemiotica approach and is theoretically based on the Visual Design Grammar, Kress
and Van Leeuwen (1996). It aims to investigate the pertinence of the interactions between words and images in the strips comics
of Xaxado’s gang, created by Antônio Cedraz. The corpus contains themes related to the problems of the Brazilian North eastern,
specifically here dealt with the relation sertão-sertanejo-universe of work and coronelism. Such problems are closely related to
power relations, social in equalities and ideological interests still persisting in this region. Methodologically, the research is limited
to exposing the theoretical frameworks – communication tables, semiotic landscape and schematization of representational,
interactional and compositional metafunctions – applying them to practice in order to favor the understanding, sensitization and
notoriety of the amplification of the production of meanings established by these communicative semiotic resources. We
examine, therefore, as results obtained the permissive transgressions and ruptures in these semioses through the dialogical
relations through negotiations and agreements between these semiotic resources that refer to the comic, laughable and, finally,
to the critic.
Keywords: Production of Meanings. Semiotic Landscape. Relation Word-Image.

Resumen: Esta investigación se fundamenta en el enfoque Sociossemiótica y tiene como base teórica la Gramática del Design
Visual - GDV - de Kress y Van Leeuwen (1996). Objetivo investigar la pertinencia de las interacciones entre palabras e imágenes
en las tiras de la clase del Xaxado, del dibujante Antônio Cedraz. El corpus contiene temáticas relativas a las problemáticas del
sertão nordestino brasileño, específicamente aquí tratadas a la relación sertão-sertanejo-universo de trabajo y el coronelismo.
Tales problemáticas están íntimamente relacionadas con las relaciones de poder, las desigualdades sociales y los intereses
ideológicos aún persistentes en esa región. Metodológicamente, la investigación se circunscribe en la exposición de los cuadros
teóricos – cuadros comunicacionales, paisaje semiótico y esquematización de las metafunciones representacional, interacional y
composicional – aplicándolos a la práctica de modo a favorecer la comprensión, sensibilización y notoriedad de la ampliación de
la producción de sentidos establecida por esos recursos semióticos comunicativos. Se examinan, por lo tanto, como resultados
obtenidos las transgresiones y rupturas permisivas en esas semiosis por intermedio de las relaciones dialógicas vía negociaciones y
acuerdos entre esos recursos semioticos que remiten al cómico, risible y, por último, al crítico.
Palabras clave: Producción de Sentidos. Paisaje Semiótico. Relación Palabra-Imagen.

1 Doutoranda em Língua Portuguesa pela PUC-SP; desenvolve pesquisas em Análise de Discurso Crítica e em
Sociossemiótica.
Discursos Contemporâneos em Estudo
ISSN eletrônico 2595-3494
v. 3 (2), p. 63-83. 2018

Considerações iniciais

Os estudos relativos à interação das semioses palavra e imagem na produção de


sentidos têm se ampliado muito em decorrência, sobretudo, das noções expressas pela vertente
da Sociossemiótica. Segundo Landowski (2014), essa vertente surge no final do século XX, em
um contexto de crise na semiótica estrutural devido aos círculos dogmatizantes em seus
conceitos. A inserção dos contextos sociais renova, portanto, a ciência semiótica, colocando-a a
serviço de uma reflexão social e política, ultrapassando os limites da imutabilidade e da rigidez,
tornando-a, consequentemente, uma prática teórica e analítica comprometida com o ambiente
sociocomunicativo.
Envolvidos nessa nova prática, Kress e Van Leeuwen (1996), precursores da Gramática
do Design Visual (GDV), aprofundam, teoricamente, a relação palavra e imagem para além da
relação de cópia uma da outra. Ambos têm por ponto teórico inicial a Gramática Sistêmico-
Funcional (GSF) de Halliday (1985). Consideram palavras e imagens instrumentos
comunicativos que abarcam códigos distintos por sua forma de representar o mundo, passíveis,
no entanto, de interação e de complementação na produção de sentidos quando conjugados.
O corpus constitui-se de tiras da Turma do Xaxado retiradas de diversos sites da internet,
nas quais há a predominância das temáticas sociais pertinentes ao Nordeste brasileiro,
especificamente, aqui tratadas as das relações sertão-sertanejo-universo de trabalho e do
coronelismo. Intenta-se, por fim, verificar como, teoricamente, por meio da GDV, dá-se a
relação de complementaridade na produção de sentidos decorrentes da interação palavra e
imagem por intermédio das negociações e dos acordos estabelecidos entre os interactantes.

A Gramática do Design Visual (GDV)

Ao considerar o homem um animal simbólico, plurissemiótico e entranhado em uma


paisagem semiótica2, a Sociossemiótica interpreta a semiose humana como uma rede
complexa de inter-relações que se presentifica nas interações, produzindo comunicações que,
aliadas umas às outras, ampliam os sentidos, colaborando para um entendimento profundo da
linguagem e de seu funcionamento nas relações sociais.

2Entorno comunicativo produtor de sentidos estabelecidos por dois ou mais códigos semióticos que se combinam
em declarações e em afirmações visuais, em maior ou menor complexidade e extensão (KRESS; VAN LEEUWEN,
1996, p.15).
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Para Kress e Van Leeuwen (1996), o entendimento do funcionamento desse entorno


comunicativo imbrica-se com o processo de produção e de atribuição de sentidos, pois, por sua
natureza, ele é: irreversível das relações comunicativas humanas; cultural; dependente das
relações sociais de interesses, passível de negociações e de acordos entre os interactantes.
Com base nessas constatações, ambos têm, como foco de pesquisa, a busca pelo
entendimento e o funcionamento dessas relações em redes complexas e como elas, via ensino,
colaboram para o empoderamento do leitor. Os estudos enveredam-se, a princípio, para os
desenhos feitos por crianças e para as imagens produzidas para elas. Esses são os pontos de
partida que culminam nos primeiros resultados científicos pertinentes à constituição da GDV.
Todavia, para Kress e Van Leeuwen (1996), o termo gramática desvincula-se das
características das gramáticas estruturais relativas ao estudo da língua, pois não remete a um
estado estrutural estático, imutável e desvinculado da prática. A escolha pelo termo para a
conceituação dos estudos relativos ao design visual, portanto, não atua em sentido
comparativo entre os recursos comunicativos expressos pela língua e pela imagem.
Os pesquisadores atentam, sobretudo, para o contraste e para a maneira como essas
representações são combinadas em busca de sentidos mais amplos. Dessa forma, a atribuição
de sentidos para a imagem está atrelada às categorias pessoas, lugares e coisas e o modo
como elas se combinam em funções visuais com maior ou menor complexidade por meio de
modalizadores3 da realidade.
Para a constituição teórica da GDV, os estudiosos fundamentam-se, primordialmente,
nas relações metafuncionais de usos da língua – ideacional, interpessoal e textual – presentes
teoricamente na GSF hallidayana, atribuindo à imagem, igualmente, relações metafuncionais
na construção e na constituição da realidade. As categorias, portanto, devem ser analisadas por
suas respectivas metafunções relativas a: como o mundo é e pode ser representado –
metafunção representacional –; como os participantes representados (PR)4 e/ou interativos (PI)5
interagem entre si e com a realidade constituída, dentro e fora da paisagem semiótica analisada
– metafunção interacional –; e como são distribuídos os valores da informação, os tipos de

3 Modalidades ou modalizadores da realidade correspondem a elementos constitutivos da teoria social do real.


Servem para demonstrar como, sociossemioticamente, é possível delinear modelos de construção e de
representação da realidade que envolvam a credibilidade e a confiabilidade na recriação de situações, como fato,
ficção, certeza, dúvida ou falsidade das mensagens em suas diversas instâncias comunicativas.
4 Participantes Representados, conforme quadro teórico da GDV, correspondem aos participantes que atuam

dentro de um enquadre e, portanto, participam da composição da obra em sua totalidade.


5Participantes Interativos, conforme quadro teórico da GDV, correspondem aos interactantes que observam e/ou

analisam a imagem de fora do enquadre.


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enquadramentos e as relações de polarização esquerda/direita, em cima/embaixo na estrutura


de composição da imagem – metafunção composicional.
Para a demonstração teórica, Kress e Van Leeuwen (1996) atribuem às narrativas visuais
dois modelos comunicacionais. O primeiro fundamenta-se em Shannon e Weaver (1949); o
segundo, em Watson e Hill (1980). Tais modelos servem como estruturadores da paisagem
semiótica, pois dialogam entre si, apesar das diferenciações nos termos utilizados entre eles. Por
isso, os respectivos modelos somam-se a esquemas representativos das metafunções –
representacional, interacional e composicional – propostos pela GDV, para análise do design
visual.
Segue abaixo, primeiramente, o esquema do modelo comunicacional de Shannon e
Weaver (1949), seguido do esquema de Watson e Hill (1980), ambos aliados a exemplificações
com as tiras da Turma do Xaxado, do cartunista Antonio Cedraz:

Figura 1 – Esquema do modelo comunicacional de Shannon e Weaver (1949), citado por Kress e van Leeuwen (1996)

Fonte: https://colegiomedianeirablogdoquintoano.wordpress.com/2014/10/07/turma-do.xaxado.

O modelo de Shannon e Weaver (1949) classifica a fonte da informação como aquilo –


pessoa/objeto/coisa – que é considerado marco inicial desencadeador das ações. Devido a
essa fonte, o transmissor emite sinal via expressão corporal e/ou fonte de som/barulho, que
pode ou não ser aceito pelos receptores, tendo em vista a busca por um destino diferente do
que está colocado, primordialmente, na cena.
As bolas murchas pelos espinhos dos cactos são, portanto, os motivos desencadeadores
de Xaxado, na condição de transmissor, emitir sinal e/ou fonte de som para propor mudança
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de local para seus interlocutores/receptores, Zé Pequeno e Capiba, a fim de continuarem a


jogar futebol.
Figura 2 – Esquema do modelo comunicacional de Watson e Hill (1980), citado por Krees e van Leeuwen (1996)

Fonte: https://colegiomedianeirablogdoquintoano.wordpress.com/2014/10/07/turma-do.xaxado.

O modelo comunicacional de Watson e Hill (1980) adota o termo campo da


experiência como a representação do local onde ocorrem as ações. Difere de cenário, pois
implica a relação de uma ação cultural entre os participantes e as (re)ações desencadeadas por
eles. Dessa forma, tudo o que ocorre está intimamente ligado ao campo da experiência no qual
as personagens estão inseridas, por isso, a escolha por uma figura geométrica ovalada que
circunda seres, objetos e coisas.
A escolha por caixas e triângulos para representação dos seres serve para diferenciar
(quando separados) ou unir as classificações atribuídas à origem/destino em relação respectiva
aos interactantes – codificadores e decodificadores –, caso ambos – origem/interactante,
decodificador/destino – incorram em um único ser/objeto/pessoa.

Esquema da metafunção representacional

Quanto à esquematização da metafunção representacional, Kress e Van Leeuwen


(1996) recorrem à utilização de caixas e de vetores para evidenciar, primeiramente, os PR,
seguidos de suas respectivas ações. Essas ações são denominadas processos de ação:
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transacional uni e bidirecional e não transacional. Servem para representação particularizada


dos participantes, de seus movimentos e da transitividade de suas ações.
Figura 3 – Processos de ação

Fonte: Cunha (2017, p. 58).

Esquema da metafunção interacional

A metafunção interacional utiliza, igualmente, caixas e vetores. No entanto, estes


enfocam as reações fisionômicas e os olhares dos PR, uns para com os outros, e também destes
para com os PI, produtor e leitor. Os vetores utilizados na esquematização da metafunção
interacional devem, portanto, ser capazes de projetar as relações entre todos os participantes,
sejam eles os representados, sejam eles os interativos, respectivamente, dentro e fora do
contexto da paisagem semiótica. Dessa forma, os sentidos interativos6 são representados pelos
processos de reação seguindo o esquema: a) contato –demanda7 ou oferta8 –, b)
distanciamento social – íntimo, social e impessoal – e c) atitudes que podem ser de ordem
subjetiva ou objetiva.

6 Sentidos interativos correspondem às realizações na representação e na interação.


7 Demanda: ato no qual o participante representado se permite olhar o leitor.
8 Oferta: ato no qual há ausência do olhar do participante representado para o leitor.

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Figura 4 – Processo de reação transacional

Fonte: Cunha (2017, p. 59).

Esquema da metafunção composicional

A metafunção composicional tem por objetivo relacionar as metafunções


representacional e interativa presentes na imagem, de forma a agregar sistemas de valores. Sua
esquematização foca o enquadramento nas relações de polarização horizontal – dado9 e
novo10 – e vertical – ideal11 e real12 – e na saliência – máxima ou mínima – de uma ou de mais
categorias específicas que se quer ressaltar na imagem.

Figura 5 – Valor da informação

Fonte: Cunha (2017, p. 67).

9 Dado: elemento à esquerda, não idêntico ou parecido ao elemento evidenciado na lateral oposta, em uma
composição polarizada.
10 Novo: elemento à direita, não idêntico ou parecido ao elemento evidenciado na lateral oposta, em uma

composição polarizada.
11 Ideal: elemento centralizado no topo de uma composição centrada, não idêntico ou parecido ao elemento

evidenciado na parte oposta da composição.


12 Real: elemento centralizado abaixo de uma composição centrada, não idêntico ou parecido ao elemento

evidenciado na parte oposta da composição.


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O quadro teórico exposto acima, relativo à metafunção composicional, conjuga-se nas


tiras de maneiras distintas, visto haver um único quadro subdividido em seus quadrantes,
conforme expresso pelos vetores, o que nem sempre se dá em uma tira, a menos que esta seja
composta de um só quadrinho. Dessa forma, nas análises feitas consideraram-se os seguintes
critérios: 1) a estruturação quadrinística da primeira tira, cuja temática enfoca a relação sertão-
sertanejo-universo de trabalho, evidencia uma relação sinedóquica, pois a imagem do segundo
quadro corresponde a uma versão ampliada do primeiro, constituindo-se, portanto, de uma
única cena na qual, aparentemente, uma câmera se afasta, permitindo a apresentação do
campo da experiência, composto por semioses significativas para o entendimento da temática
proposta pelo PI produtor; 2) a estruturação quadrinística da segunda tira analisada, cuja
temática enfoca o coronelismo, apresenta relação de sucessão temporal na qual se pode
considerar o primeiro quadro como ação pretérita em relação ao segundo. Essa distribuição,
aliada à esquematização da metafunção composicional, encaixam-se ao quadro referente ao
valor das informações polarizadas em dado/novo, ideal/real. Dessa forma, analisa-se o primeiro
quadrinho como dado e o segundo, no qual há o desfecho, como o novo, que se conclui, por
fim, no cômico, no risível e, por fim, no crítico.
Dada a sucinta exposição dos quadros teóricos da GDV, seguem análises de duas tiras
produzidas pelo cartunista Antonio Cedraz.

As análises

A subdivisão temática para análise das tiras remete a problemáticas vivenciadas


socialmente pelo povo morador do agreste nordestino e ao modo como elas estão implicadas
nas relações de poder. Por meio dela, torna-se possível traçar um percurso para a verificação
das inter-relações sociais presentificadas na paisagem semiótica, nos quadros comunicacionais
e nas metafunções – representacional, interacional e composicional –, esta última,
especificamente, no que se refere ao valor distribuído e polarizadodas informações dado/novo,
ideal/real.
Por meio do percurso de análise exposto, verificam-se as negociações e os acordos
instituídos entre as informações dadas e novas por meio das semioses polarizadas
horizontalmente e verticalmente e/ou salientes no enquadre escolhido pelo PI produtor de
forma perceptível a seu PI leitor, como objetos de discussão das problemáticas sociais propostas
em cada tira. Considera-se nas análises, portanto, o dado como o já instituído em relação à
construção do novo, na condição do vir a ser discutido por meio das negociações e dos
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acordos das semioses expostas por meio das interações estabelecidas entre os interactantes.
Portanto, o nível interacional desdobra-senão somente entre os PR, mas volta-se para os PI –
produtor e leitor. Dessa forma, os temas selecionados, ao serem esquematizados conforme
quadros teóricos da GDV, retratam parte das estruturas sociais nordestinas nas quais os
recursos semióticos pertinentes são intercambiáveis entre o que já é conhecido de seus
significados e a instituição de novos significados mediante interesses envoltos nessas relações.
Quanto às estruturas sociais, pinceladas nas análises, recorreu-se a conceitos da
Psicologia Social, basicamente, aqueles expressos em Moscovici (2007). Dessa forma, cabe
ressaltar o papel das representações sociais conforme Moscovici (2007) as analisa, na condição
de fenômenos que:

constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como principal meio de


estabelecer associações com as quais nós nos ligamos uns com os outros.
(MOSCOVICI, 2007, p.8.)

As representações sociais, embora se constituam como conceito amplo, podem ser


definidas como associações simbólicas partilhadas pela comunicação, criadas socialmente, com
base na realidade, a fim de exercer funções que também se refletem na condição de papéis
sociais, até que se tornem, pela partilha comunicativa exaustiva, senso comum. Nessa
perspectiva, os papéis sociais estão intrinsecamente ligados à construção do conhecimento por
meio das ideias transformadas em ações via interação, pois a sintaxe da imagem, a relação
espacial e os elementos representados na Turma do Xaxado, aliados, por exemplo, à biografia
do cartunista demonstram a preocupação do autor com as problemáticas sociais típicas do
povo nordestino brasileiro, tendo em vista que Cedraz nasceu em Miguel Calmon, interior da
Bahia, conforme informações retiradas do blog Mania de Gibi.
O personagem líder da turma, Xaxado, evidencia, por seu nome, o caráter cultural do
povo nordestino morador do sertão:criatividade, sagacidade e senso crítico são algumas de
suas características. Zé Pequeno corresponde ao retrato do menino pobre, humilde,
considerado preguiçoso por vivenciar sua infância, diferentemente do pequeno latifundiário
Arturzinho, menino rico, egoísta e interesseiro, filho de coronel. Há também a menina Marieta,
que anseia ser professora e se vale de seus conhecimentos para, por vezes, demonstrar
superioridade perante os colegas, seguida pelos irmãos Capiba, que não possuem nome de
batismo e representam o menino sertanejo negro a serviço do patrão. Marinês, a maior e,
aparentemente, a mais velha da turma, namorada de Zé Pequeno, detém consciência
ecológica e reflexiva ante os problemas sociais experienciados e vividos por eles.
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Fonte: Ramos (2007)13.

A problemática sertão-sertanejo-universo de trabalho

Os quadros comunicacionais

Figura 6 – Fonte de informação, transmissor, sinal, receptor, destino e fonte de som

Fonte: http://tirasemquadrinhos.blogspot.com/.

13Disponível em <https://sites.google.com/site/zinebrasil02/entrevista_antonio_cedraz>. Acesso em: 11 set. 2018.


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Figura 7 – Campo da experiência

Fonte: http://tirasemquadrinhos.blogspot.com/.

Quanto aos modelos comunicacionais, é verificável que, tanto a fonte de informação


(SHANNON; WAVER, 1949), quanto a origem (WATSON; HILL, 1980) correspondem às
semioses das ossadas, dos cactos e do chão duro e seco, típicos do sertão nordestino. É por
meio dessas semioses que as interações se sucedem até a concretização das relações passíveis
de acordo evidenciadas pelas semioses – Zé Pequeno, sertão, super-herói/pió inimigo, sem
coração –, em que coração é intercambiável em significados, conforme encontra-se expresso
no dicionário Aulete (2011, p. 400):

Coração (co.ra.ção) 1. Anat. Órgão muscular dos animais vertebrados situado na


cavidade torácica... 2. A parte do tórax onde se sente pulsar o coração; PEITO... 4. Fig.
O coração (1) considerado como sede das emoções de um indivíduo por oposição à
sede intelectual, a cabeça. 5. Fig. Os afetos, sentimentos, vontades, desejos e
inclinações mais íntimos de alguém. 6. Capacidade de ter bons sentimentos em relação
aos outros; esp.: bondade, generosidade... 9. Fig. A parte mais central, principal ou
profunda de algo... 10. A parte mais ativa e importante, local em que se dão as
principais atividades de uma cidade, um país, uma região; CENTRO... 11. O conjunto de
tudo que é emocional, afetivo, intuitivo e/ou moral em uma pessoa...

As negociações da semiose coração, portanto, variam conforme as possibilidades de


significado assumidas na tira, como parte do corpo humano, parte inexistente no corpo do pior
inimigo, do transmissor/codificador; ora como centro daquela região árida, ora como órgão
pelo qual se podem expressar sentimentos cujo alvo é o trabalhador sertanejo, que não tem
super-herói que o defenda, justamente pela invisibilidade do corpo; ou como ausência de

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bondade, de generosidade de um possível inimigo a quem se possa desafiar. As semioses


máscara cobrindo os olhos e capa vermelha, ambas utilizadas pelo PR Zé Pequeno, estampam
a figura do super-herói, nesse caso, fracassado por sua incapacidade de lidar com o problema
ante a ausência de um vilão a quem se possa desafiar.
O destino caracterizado em ambos os quadros comunicacionais está evidenciado na
lateral superior direita, onde se posiciona o sertanejo de costas para o transmissor/codificador.
A postura adotada pelo sertanejo – de costas para o agreste, embora ainda inserido nesse
espaço geográfico – aponta para o destino tendo-o como saída da cena. A linha do horizonte
corresponde a uma possível solução para a problemática desse homem que tenta sobreviver:
emigrar para outras regiões, tendo em vista a sobrevivência por meio de um trabalho braçal
devido à presença da pá posicionada em um dos ombros dessa personagem.
Segue abaixo esquema e análise das metafunções representacional (vetores em preto),
interacional (vetores em vermelho) e composicional (vetores em azul e tracejado para os
valores da composição):

Figura 8 – Metafunções representacional, interacional e composicional

Defendo o sertão... pió Dado ...coração Novo/ ideal


inimigo num tem corpo...

real

Fonte: a autora.

Quanto à esquematização da metafunção representacional, os PR estão expressos em


seus aspectos fisionômicos. Caixas com vetores indicam seus posicionamentos. A postura
encurvada das costas do sertanejo demonstra aspecto subjetivo – metafunção interacional – e
está representada por meio do formato da caixa que denota sua condição de trabalhador
braçal devido à presença da pá que carrega consigo.
Ressalta-se, na estrutura quadrinística da tira, o enquadre escolhido pelo PI produtor.
Verifica-se relação de sinédoque ao se comparar a construção do primeiro para o segundo
quadrinho. Neste último, o PI produtor escolhe o enquadramentodo campo da experiência
(disposto em azul) em uma perspectiva aérea e ampliada, colocando-o em saliência juntamente
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com as semioses em destaque: cactos (ao redor de todo o campo), ossadas (distribuídas em
volta do PR) e solo seco, em comparação à ausência de todas essas semioses no primeiro.
Essa escolha altera o distanciamento – metafunção interacional –: de íntimo do PR Zé
Pequeno, na qual se vê apenas a face do menino (vetor da fisionomia expressa no primeiro
quadro), para o social, em perspectiva aérea do PR de corpo inteiro em sua pequenez e em seu
estado de indignação ao se posicionar com os braços abertos perante sua incapacidade de
alcançar a posição de um super-herói. Essa postura denota, igualmente, a incapacidade de
lutar contra um inimigo invisível (vetores em preto e vermelho relativos ao PR Zé, no segundo
quadrinho).
A forma de exposição do campo da experiência escolhida pelo PI produtor proporciona,
ao PI leitor, a expansão dos sentidos expressos parcialmente pela fisionomia do PR no primeiro
quadro, escancarando a temática da tira: a problemática social do sertão-sertanejo-universo de
trabalho e a tentativa de sobrevivência naquela região. O olhar em demanda (vetores em
vermelho posicionados na altura dos olhos do PR Zé, no segundo quadrinho) busca um
interlocutor fora do campo da experiência, evidenciando desejo de encontro com um PI leitor
disposto a dialogar com ele a respeito de sua indignação.
Na polarização direita/esquerda – dado/novo –, sobressai o dado como o já instituído e
sabido dessa região: solo seco, improdutivo, causador de mortes e fome; daí o novo ser
representado na figura do próprio sertanejo de costas demonstrando, dessa maneira, a
tentativa de persistir na busca por outros locais de trabalho (linha do horizonte) como saída
para se manter na luta pela sobrevivência.
O real está disposto em todo o campo da experiência, todavia, a saliência dessa
realidade está denotada na parte inferior direita, conforme indica o quadro relativo à
metafunção composicional – valor da informação, proposto pela GDV, onde se vê um cacto
maior com seus espinhos bem-delineados em primeiro plano. O ideal – a esquerda e acima –
prefigura-se no sertanejo de costas para o PR Zé Pequeno e o PI leitor encarando a linha do
horizonte como possível resposta para a dureza da realidade experienciada e vivida,
representada pelas semioses já então mencionadas.
Mediante o analisado, os enquadres, os distanciamentos, o campo da experiência,
aliados às semioses expressas por palavras e às imagens distribuídas e salientadas na tira,são
passíveis de discussões, de negociações e de acordos com os PI leitores, tendo em vista a
discussão da problemática da seca e do sertanejo nordestino que emigra para outras regiões à
procura de sobrevivência.
O coronelismo
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Os quadros comunicacionais

Figura 9 – Fonte de informação, transmissor, sinal, receptor, destino, fonte de som/barulho

Fonte: http://pigarts.blogspot.com/2013/08/.

Figura 10 – Campo de experiência: origem, sinal, destino, codificador, decodificador

Fonte: http://pigarts.blogspot.com/2013/08/.
Os modelos comunicacionais apontam que, tanto a fonte de informação (SHANNON;
WEAVER, 1949), quanto a origem (WATSON; HILL, 1980) centram-se, nessa tira, na postura
expressa pela figura do codificador. Há, nela, primeiramente, a inversão das noções relativas a
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dois universos: criança/ser que obedece/brinca x adulto/ser que comanda/trabalha, tendo em


vista que é o menino Arturzinho quem assume o comando da situação adotando a postura de
adulto, cuja atuação como coronel é considerada uma forma de trabalho. É, portanto, por
meio dessa postura, que as ações comunicativas se sucedem até o destino da tira.
A fonte de som proveniente do codificador emite ordem, ratificando, em Arturzinho, a
postura de coronel – homem que delega tarefas a seus subordinados enquanto permanece
sentado confortavelmente em seu sofá com chapéu branco, mantendo os olhos fixos na leitura
do jornal, indiferente à invasão dos sem-terra. Saruê, receptor/decodificador e jagunço, é
aquele que deve obediência ao coronel por manter relações econômicas escusas e de
confiança na defesa do patrimônio do patrão. Na tira, este personagem exprime sinal de
subordinação ao empunhar arma de fogo e demonstrar pronto movimento em direção ao
cumprimento da ordem que lhe é expressa.
As semioses evidenciadas, tanto na postura do menino, quanto nas de Saruê, legitimam
as relações sociais estabelecidas entre coronel e jagunço que ocorrem no Nordeste brasileiro.
Na figura do coronel, há o chapéu branco, cuja representação expressa domínio e poder
daquele que emite ordens e quer vê-las cumpridas a qualquer custo e do jagunço como
aquele que se aproxima do patrão pelo uso do chapéu branco, mas que atua obscuramente
na defesa dos bens do coronel ao portar arma de fogo, valendo-se de seu uso como
instrumento de violência e opressão para o cumprimento do que, acordado entre ambos,
constitui-se seu dever.
Essas relações se mantêm, portanto, pelo poderio econômico que ratificam as
desigualdades socialmente marcadas por meio das figuras representativas de poder típicas
dessa região. Dessa forma, Arturzinho assume a condição coronel, por ser a representação de
grande latifundiário detentor do poder econômico que mantém, sob seu domínio, grande
contingente de trabalhadores, mesmo sendo um garoto; enquanto o adulto, Saruê, constitui-se
no jagunço a serviço do coronel, na condição de alguém que exerce serviços escusos por meio
de uso de opressão e violência.
Todavia, o fato que induz ao cômico e, por fim, ao crítico, na tira, encontra-se no destino
inusitado encontrado pelo cartunista. Ao atribuir ao decodificador a inversão na representação
dos papéis sociais estabelecidos entre patrão/criança x subordinado/adulto, ocorre a súbita
revelação da relação menino/coronel/ato de brincar e adulto/jagunço/ato de trabalhar,
legitimada pela negociação do enunciado: bota tudo pra correr. O menino que brinca de
trabalhar como coronel tem seu enunciado renegociado pelo adulto que atua como jagunço
e considera essa sua função de trabalho. Portanto, a negociação do enunciado é legitimada,
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tanto pelas semioses expressas pela imagem do garoto – que, em vez de mandar, deveria
brincar –, quanto pelas palavras – especificamente, correr.
Dessa forma, o personagem Saruê, antes visto como defensor dos bens do patrão e
pronto para servi-lo com o enunciado de subserviência – Sim, sinhô! –, assume a postura de
criança que brinca e entretém a plateia dos inimigos do coronel/menino, os sem-terra,
legitimados a atletas por meio da renegociação do enunciado do coronel, embora não
acordada previamente com ele.
Essa renegociação ocorre especificamente nas semioses botar e correr, esta última
exposta em negrito com outro sentido que não o de expulsar, porém, legitimada, conforme se
verifica nos significados 4 e 18 do dicionário Aulete (2011. p. 406):

Correr (cor.rer) v. 1. Locomover-se (pessoa ou animal) a grande velocidade mediante


ação rápida das pernas ou patas em seu contato com o solo e no impulso para
avançar... 4. Participar de (corrida) [td.: Você vai correr a maratona?] [tr. + em O piloto
reserva vai correr no próximo Grande Prêmio de Fórmula 1.]... 18. Afugentar, espantar
[td.: Os cães de guarda correram os invasores.] [tr. + com: os cães de guarda correram
com os invasores.].

Saruê se coloca contrariamente ao que se espera de um jagunço e homem de


confiança do coronel, a serviço dos oprimidos e como criança que brinca de estar trabalhando,
assim como o menino que se faz de adulto ao lhe delegar ordens, como coronel. Mediante
essas inversões, os sem-terra se equiparam não apenas a atletas participantes de uma atividade
pacífica e esportiva, mas a colegas de Saruê, participantes em sua brincadeira de corrida pela
liberdade.
A arma de fogo é igualmente renegociada sem prévio acordo verbal do coronel,
porém, legitimada, por sua imagem de garoto, à função de brinquedo/instrumento sinalizador
da partida da corrida, cuja premiação corresponde a um pedaço de terra aos sem-terra
vencedores. A semiose expressa pela palavra liberdade, utilizada no título da corrida e elevada
ao motivo pelo qual os participantes correm, advém dessa premiação concedida ao campeão.
Ser livre, portanto, é ser dono do seu próprio pedaço de chão; assim como ser criança deve ser
brincar, não assumir função de coronel.
Mediante o analisado dos quadros comunicacionais, verifica-se que as semioses
expressas por palavras e por imagens distribuídas nas paisagens semióticas, tanto do primeiro,
quanto do segundo quadrinhos, são passíveis de discussões, de (re)negociações e de acordos,
não apenas entre os PR – patrão/coronel/criança; jagunço/comandado/adulto; sem-

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terra/atletas/oprimidos –, mas, igualmente, entre os PI leitores que se dispuserem a analisar as


problemáticas propostas pelo PI produtor.
Abaixo, estão organizadas as esquematizações das metafunções conforme quadros
teóricos da GDV. Para uniformidade, seguem-se as mesmas legendas utilizadas na análise
anterior: vetores em preto correspondem à demonstração da metafunção representacional,
vetores em vermelho, à metafunção interacional e vetores em azul, à metafunção
composicional.

Sim, sinhô! Chegáprimêro...


Sem-terra...
Corrida ... liberdade pedacinho de terra
Bote tudo pra
correr

Dado
novo

Fonte: a autora.

A estrutura da tira está distribuída em dois quadrinhos. Dessa forma, é possível verificar a
existência de uma relação de sucessão temporal evidenciada em causa/consequência
inusitada, do primeiro para com o segundo quadro. Portanto, a polarização dado/novo
conjuga-se nessa construção, tendo em vista que a distribuição e o valor das semioses se
encaixam com o quadro teórico da GDV.
Mediante essa explicação, considera-se o quadro 1 correspondente ao dado, não
apenas por se caracterizar como o já instituído socialmente, conforme exposto no item “As
análises”, mas por ser temporalmente um ato pretérito em relação ao segundo; e o quadro 2,
correspondente ao novo, não apenas como o vir a ser discutido, mas, temporalmente
considerado assim, por ser o segundo em relação a uma ação pretérita evidenciada no
primeiro.
Quanto à metafunção representacional, evidenciam-se os PR e suas respectivas posições.
A postura de obediência e de disposição do PR Saruê em servir prontamente ao PR coronel
corresponde a vetores de reação – metafunção interacional – especificamente, as delimitadas a
seu corpo e a seu braço direito aliados à interação expressa no enunciado: “Sim, sinhô!”.
A arma corresponde a uma semiose significativa, isto é, possui valor na distribuição das
informações inseridas na paisagem semiótica: no primeiro quadrinho, como arma de fogo,

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instrumento de opressão e de violência; no segundo, como brinquedo. Dessa maneira, a arma


exposta no quadro 1 não corresponde ao mesmo objeto do quadro 2.
A ausência do olhar de Arturzinho é um indicador de arrogância e de desprezo à
pessoa do PR Saruê, que deve ser aquele que utiliza métodos violentos para fazer valer a ordem
do coronel, mas que também pode vir a ser um desconhecido do coronel, caso algo não
ocorra conforme o previsto. Portanto, para o PR do coronel, é indiferente o uso da força e da
violência por parte de seu subordinado para a retirada dos sem-terra, desde que a ordem seja
cumprida.
A transgressão do PR Saruê, escancarada pelas escolhas feitas pelo PI produtor,
representa a desconstrução do PR do jagunço, evidenciando sua relação de proximidade
econômica com os sem-terra. Portanto, há uma mudança do valor atribuído ao PR Saruê
relativo ao dado como já instituído socialmente para a função de jagunço no primeiro
quadrinho, que destoa do valor atribuído ao respectivo PR relativo ao novo no segundo
quadrinho, após a ordem dada pelo PR coronel na sucessão temporal das ações.
As escolhas feitas pelo PI produtor demonstram o paradoxo na representação social do
jagunço/homem de confiança, pois revelam o papel social exercido por um homem cujas
relações sociais estão mais próximas ao dos sem-teto/oprimidos, mas que assume papel de
opressor representado pelo poderio da semiose chapéu branco, mesmo não sendo possuidor
dos mesmos bens materiais de seu patrão.
As semioses distribuídas na paisagem semiótica, consequentemente, passam por
processos de reestruturação de valores do primeiro para o segundo quadrinhos, de forma que
a polarização entre o dado e o novo fica mais nítida ao denunciar o cômico dessas
negociações entre os PR patrão-empregado-sem-terra, causando não apenas o risível, mas
também o crítico nos PI leitores ante as escolhas feitas pelo PI produtor.
Novamente, os quadros comunicacionais associados aos quadros teóricos da GDV
demonstram a inter-relação palavra-imagem e o quanto dessas semioses podem ser
negociadas e acordadas ante a complementaridade que se pode obter dessas interações
conforme os interesses partilhados pelos interactantes. Essas negociações, ao serem analisáveis,
demonstram se entranhar nas relações sociais de poder a serviço, tanto da denúncia, quanto
da reflexão crítica a respeito das representações sociais, especificamente, aqui tratadas as do
sertanejo morador do agreste nordestino, a do grande latifundiário reconhecido nessa região
como coronel e de seu serviçal reconhecido como jagunço/homem que se dispõe a serviços
escusos na defesa dos interesses do coronel/patrão com utilização de opressão e de violência.

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Portanto, e mediante o exposto dos quadros comunicacionais e das metafunções


relativas à GDV, especificamente, as esquematizadas e analisadas neste artigo com as tiras da
Turma do Xaxado, foi possível verificar as semioses expressas por palavras e por imagens, cada
uma mantendo suas características distintivas em relação uma para com a outra e, como
ambas, conforme os interesses partilhados, negociados e acordados, foram passíveis, via
interações, de serem complementadas para além do que anteriormente se supunha
discursivamente: uma como instrumento de cópia em relação à outra.

Considerações finais

As análises das tiras comprovaram a existência da relação de complementaridade na


produção de sentidos decorrentes da interação palavra-imagem. Tais recursos semióticos, ao
abarcarem códigos distintos em suas respectivas formas de representar o mundo, conforme
expresso pela GDV, demonstraram estabelecer relações comunicativas complexas no processo
de atribuição e de ampliação dos sentidos que colaboram para o entendimento profundo da
linguagem e das relações sociais ao serem conjugados. Dessas inter-relações comunicativas
verificou-se, portanto, que essas semioses são dinâmicas e, por isso, atuam em redes complexas
nas quais os significados podem ser (re)negociados e acordados mediante os interesses entre
os interactantes.
Buscou-se, mediante a escolha do corpus, demonstrar os interesses relativos às
problemáticas sociais do Nordeste brasileiro. Dessa forma, a situação do sertanejo, ante a
dureza do ambiente experienciado e vivido por ele, que antevê sua saída como recurso para
sua sobrevivência, aliada às semioses expostas na paisagem semiótica, foram capazes de
evidenciar a invisibilidade do inimigo, na qual nem mesmo a figura de um super-herói é capaz
de vencê-lo.
O mesmo se dá em relação à problemática do coronelismo, na qual as semioses
salientadas demonstraram a força e também a fragilidade das representações sociais: a força
relativa à figura do coronel e a fragilidade por ser menino; a força do jagunço, ao valer-se de
opressão e da violência pelo uso da arma de fogo, todavia, igual fragilidade ao ser evidenciada
sua condição financeira mais próxima à do oprimido do que à do opressor na condição de
homem que se dispõe a serviços escusos de força e de violência contra os oprimidos, mesmo
sendo ele um desvalido de sua própria terra, ao renegociar o enunciado como atividade
esportiva cuja premiação corresponde à liberdade do oprimido.

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Das análises realizadas, conclui-se, portanto, que ações como romper, modificar e
transgredir são apenas exemplos obtidos das negociações e dos acordos estabelecidos
socialmente entre os interactantes. Dessa forma, é verificável que tais ações e reações
partilhadas discursivamente, tendo a observação da paisagem semiótica aliada aos quadros
teóricos da GDV, demonstraram que palavras e imagens atuam em uma rede complexa de
ações que se refletem linguisticamente e que, por consequência, também se colocam a serviço,
não apenas da reflexão das representações sociais partilhadas pelas interações denunciando,
revelando atitudes e comportamentos, mas também da discussão conforme as proposições da
vertente da Sociossemiótica.

Referências

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URL consultadas:

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Acesso em: 17 jul.2018, 14h23.

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17h7.

<http://tirasemquadrinhos.blogspot.com> Acesso em: 18 jul 2018, 9h22.

<http://pigarts.blogspot.com/2013/08/> Acesso em: 18 jul. 2018, 19h30.

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