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A Nacao - Ataliba Nogueira

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A Nação.

Ataliba Nogueira
Catedrático de Teoria do Estado na Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo.

A nação, grupo humano "sui generis". Definição. Racismo.

Antes de mais nada cumpre assinalar certos conceitos,


na síntese de u m a conclusão, fruto de estudo paciente e
longo.
População é o conjunto dos habitantes do estado. Todos
os que habitam o território do estado, sejam cidadãos,
estrangeiros ou apólidas, constituem a sua população.
Cidadão é quem a lei o define como tal. 0 status civi-
tatis é regulado e m lei. E m alguns estados pela lei ordiná-
ria; na maioria, pela constituição, que define a situação
jurídica do cidadão, cujo estatuto é assim distinto do
estatuto dos que não são cidadãos. T a m b é m pode ser
restrita a cidadania, no tocante a certos direitos não reco-
nhecidos aos naturalizados.
Estrangeiro é o cidadão de outro estado. Apólida,
apátrida, sem-pátria ou "Heimatlos" é aquele que perdeu a
cidadania e não adquiriu outra.
Povo é o conjunto dos cidadãos.
Se observarmos bem quantos compõem a sociedade
política, havemos de nela distinguir ainda outro grupo
humano, este agora homogêneo, ao contrário do que se dá
com o dos cidadãos, o dos estrangeiros e o dos apólidas. Os
componentes destes três últimos grupos são neles reunidos

e— R.F.D.
— 78 —

apenas por vínculo jurídico. É o direito que os reduz a tal


situação.
Já quanto ao primeiro, porém, são outros os vínculos
que entrelaçam os homens de m o d o que este grupo apresen-
ta notas características bem distintas dos demais grupos.
Refiro-me à nação.
Nação é o conjunto dos que se originam da mesma
cepa, falam a m e s m a língua, têm os mesmos usos e costu-
mes, os mesmos sentimentos, as mesmas tradições, as mes-
mas aspirações, de tal sorte que tudo isto faz nascer a
unidade étnica e histórica.
Tais características vinculam por tal forma os da
m e s m a nação, que facilmente ela se distingue de outras
nações.
Saliente-se, porém, que as notas distintivas que enume-
ramos não dizem respeito ao indivíduo. Caracterizam a
nação. Por isto, este ou aquele indivíduo pode não apresen-
tar u m ou outro dos referidos caracteres e entretanto ser
nacional.
Assim, onde a afluência de correntes imigratórias
estrangeiras ocasiona a mistura de sangues diferentes, é
falha logo a primeira nota, a damesma origem. Este ou
aquele ou m e s m o muitos não provêm da mesma cepa. To-
davia, apresentam quase todos os demais caracteres. Perten-
cem à nação, são nacionais, muito embora sejam os néo-
integrados.
Ainda a indivíduo da cepa primitiva pode falhar o
característico da língua ou o dos mesmos usos e costumes;
ou desprezar as tradições nacionais ou aspirar a u m futuro
bem outro que o da sua nacionalidade. Mas são situações
deste ou daquele indivíduo. Apresenta-se a nação una,
com todas as notas que a distinguem de outras nações. Tais
notas, já o dissemos, não são de indivíduos, mas de nação;
elas é que fazem nascer a unidade bem distinta e que por
isto m e s m o se denomina nação. (O padre Antônio Vieira
sempre grafou nace, nacer).
— 79 —

Assim, população é expressão meramente demográfica;


povo, expressão jurídica; nação, expressão étnica e histó-
rica.
Convém ressaltar contrariamente à maioria dos mestres,
que a religião ou unidade da fé não constitui nota distintiva
de nação porque a f é é dom gratuito de Deus. Sendo assim,
e m rápido lapso de tempo a nação pode abandonar u m a
religião por outra, como dá testemunho a história, ao passo
que somente no decurso de muitíssimos anos é que se mo-
dificam algumas das características nacionais.
Igualmente não entra na nossa definição o território.
E m breve diremos porquê.
Vamos explicar agora e m que sentido se disse que a
nação é expressão étnica e histórica.
Todos os homens provêm de u m ponto único da Terra.
D o centro da Ásia, ou da África? Não se sabe; a conclusão
quase unânime dos cientistas é que o "homo sapiens" consti-
tui u m único gênero: o gênero humano. Daquele ponto
original partiram os homens e m numerosas direções, po-
voando todos os continentes. É por isto que a história uni-
versal é a história da migração dos grupos humanos.
Por isto também as diferenças entre os componentes
de tais grupos são, na realidade, diferenças mínimas e m
relação à forma básica e esquemática do gênero humano.
N o passado ainda recente, pretenderam sustentar dife-
renças profundas entre grupos humanos, classificando-os em
certo número de raças. Está provado, hoje, que são muito
maiores as diferenças dos traços físicos de componentes de
u m a mesma raça do que entre as raças tomadas e m sua
integridade. As diversas raças procedem de u m a só raiz.
O melhor é dar de m ã o a tal palavra e a ciência real-
mente a baniu do vocabulário científico. Nenhum outro
conceito é tão obscuro e tão vago como o de raça.
Principalmente quando enveredaram para a afirmação
de raça pura e seu consectário de raça superior. Todos os
homens têm origem comum. Mais ainda: se é certo que a
— 80 —

migração levou grupos humanos para outras paragens, ou-


tros climas, outros meios, também é certo que tais grupos
se não conservaram na pureza da primitiva unidade, pois
a história da humanidade mostra que na afluência e re-
fluência dos grupos, deu-se por mais de u m a vez a fusão
do sangue dos seus componentes. E m palavras mais claras,
demonstra a excessiva mistura de sangue, a fusão entre
"raças" as mais diversas, não u m a mas até várias vezes no
decorrer dos séculos. Basta recordar a história européia;
não é preciso estudar a história menos conhecida de outros
grupos humanos. Ela testemunha a mescla de sangue de
todas as proveniências, e m repetição constante.
Contrariamente à tese central do racismo, o que se
conclui é que todos são mestiços, os homens de qualquer
parte do mundo.
Não se nega, porém, a existência de nações, o que é
coisa muito diversa. Então, sim, se nos apresentam grupos
unitários, caracterizados pelas notas distintivas da nossa
definição. Devem elas, entretanto, ser compreendidas à luz
dos ensinamentos da ciência. Portanto, quando a definição
se refere à unidade étnica, quer significar a predominân-
cia da m e s m a origem da maioria dos homens que inte-
gram a nação, haja ou não traços somáticos bem par-
ticulares e homogêneos. E o normal é não haver tal
homogeneidade.
Neste erro incorrem todas as teorias racistas, ostensi-
vas ou veladas, do passado e do presente, cujas principais
formas são o pan-eslavismo, o nazismo (superioridade da
raça ariana), o "apartheid" na África do Sul, os segrega-
cionistas dos Estados Unidos.
E m nossa definição, unidade étnica significa só e
tão-sòmente a comunidade de origem.
A nação constitui unidade histórica — consta da defini-
ção — a afirmar outra vez que não é fato biológico, mas
continuação da origem comum. Alimenta-se e vive à custa
— 81 —

de tradições comuns, da recordação das boas e más horas,


da obra das gerações passadas.
É o que se verifica na nação brasileira, e m cuja cepa
se encontram portugueses, índios e negros.
É esta a cepa donde se originou a nação brasileira.
Entre os nacionais há os que não têm a referida mistura
dos três sangues. A característica, porém, como já expli-
camos, não é de indivíduos. É da nação brasileira. Os casos
individuais, ainda que numerosos, não modificam a com-
posição da cepa donde se originou a nação brasileira. Os
novos integrados se inserem na nação preexistente. Nada
mais.
Considere-se, de outro lado, que, por esta e outras, notas
de nossa definição de nação, é que se vê que não somos da
nação portuguesa, nem de alguma das indígenas, nem de
alguma das negras. É certo que a nação portuguesa con-
correu com o maior contingente para a formação da nação
brasileira, mas constitui outra nação.

Nação não é sociedade. Diferença entre nação e estado.


Origem de u m e de outro.

De quanto expusemos, conclui-se que nação não é


sociedade. Os elementos que a constituem não se fundam
no direito. Integram-na homens de origem c o m u m pelo
sangue e pela história, em unidade de língua, de usos e
costumes, de sentimentos, tradições e aspirações de futuro.
Não supõe organização, nem autoridade. É grupo humano
"sui generis".
Ora, sociedade supõe organização e é o direito que
organiza toda e qualquer sociedade. A sociedade supõe
normas de comportamento editadas pela autoridade social.
A nação liga entre si os elementos do grupo, biológica,
histórica, sentimental, intelectual e artisticamente, infundin-
do-lhes segunda natureza. Não é o direito, pois, que unifica
a nação e que lhe acompanha o desenvolvimento.
— 82

Se não é sociedade, conseqüentemente se não confunde


com estado, que é u m a das formas de sociedade política.
Efetivamente nação e estado diferem quanto ao elemen-
to humano, quanto ao princípio unitivo e quanto ao fim
próprio.
Examinemos cada qual destes três itens:
I. Tanto o estado quanto a nação reduzem à unidade
u m a soma de indivíduos. Fazem-no, porém, de modo dife-
rente : enquanto o elemento humano nacional é marcado por
características físicas e espirituais bem distintas, por atitu-
des morais notórias, por cultura própria, modelado assim
u m tipo c o m u m fundamentalmente homogêneo, tal comu-
nidade de tipo, tal homogeneidade fundamental não são
requeridas necessariamente para o elemento humano com-
ponente do estado.
O estado reduz à unidade grupos humanos mesmo
heterogêneos na sua formação, submetendo-os ao império
da sua lei e do seu poder soberano para obtenção da
prosperidade pública.
Não é acidental a razão de tal diversidade nem superá-
vel com o desenvolvimento das instituições, mas essencial,
como resultante da composição de ambos os grupos
humanos.
II. Tanto a nação quanto o estado supõem a unidade
de fato, unidade objetiva dos seus componentes. A unidade
de fato faz surgir e determina a unidade subjetiva mediante
o estímulo de solidariedade, impulsionado precisamente pela
unidade pre existente, que o h o m e m não cria por si, mas
encontra e m germe na sua natureza social.
Entretanto qual é a unidade objetiva para que se produ-
za n u m e noutro a união espiritual das vontades, a qual
forma o princípio vital de todo agregado social? A unida-
de na nação produz-se de modo diferente do que no
estado.
a) N o tocante à nação, a unidade objetiva ou de fato
consiste na soma de todas as semelhanças parciais, comu-
— 83 —

nidade de origem, de cultura e de destino histórico, que


distinguem nitidamente o conjunto dos componentes
humanos de u m a nação do de outra nação.
N o tocante ao estado já o modo é diverso. Os elemen-
tos humanos são unidos, mas a homogeneidade é diferente:
são as necessidades mais comuns e aperfeiçoamentos mais
universais, iguais em todos os membros do gênero humano,
sem qualquer distinção de origem ou de cultura.
Surge deste fundo c o m u m o sentimento generalizado de
solidariedade, liame entre os que assim são unidos por
este ou aquele modo, conforme se trate de nação ou de
estado.
A nação surge com requisitos mais complexos e
mais particulares: o estado com os mais simples e mais uni-
versais. Reside nesta diversidade objetiva a explicação de
coexistirem e conviverem agregados nacionais diferentes
no mesmo estado ou u m a mesma nação dividida por vá-
rios estados, como veremos mais adiante.
b) O elemento subjetivo espiritual, surge quando os
componentes do grupo se assenhoreiam das semelhanças
concretas, quer por meio de fatos naturais, quer por meio
de outros fatos. Mas, ainda aqui, são diversos o objeto e
a amplitude segundo se trate de nação ou de estado.
N a nação o objeto da consciência é mais restrito, mais
específico, mais determinado, pois se circunscreve aos
portadores daquelas notas que os reúnem no mesmo tipo
nacional. Não vai além. Só neles a nação imprime o selo
indelével da sua cultura. Contrariamente, no estado é mais
genérico, mais universal, mais indeterminado, abarca todos
os homens cujas vidas estão em contacto.
U m é a unidade jurídica ou de comando; outro, comu-
nhão e unidade de cultura, que surgiu historicamente sem
o estado e pode existir sem êle e também contra êle.
A nação influi inadvertidamente nas pessoas, modela-
as; já o estado as reduz à unidade pela subordinação, pela
obediência, por vínculos jurídicos.
— 84 —

III. Nação e estado levam os indivíduos à realização


de u m fim coletivo, que especifica u m e outro grupo e cuja
atração torna coesos os respectivos componentes.
Porque são diversos os fins, diversos são também estes
grupos sociais.
A finalidade nacional é a conservação, transmissão e
desenvolvimento dos próprios elementos de cultura, em
benefício da pessoa humana. É outra a finalidade do
estado. Consiste na prosperidade pública, na "sufficientia
vitae" necessária a cada qual dos seus membros para
conseguir o que lhe é indispensável física, intelectual e
moralmente e cuja obtenção não pode atingir por si, nem
e m outros grupos, e m virtude de deficiências naturais.
O fim do estado é, portanto, mais universal e mais com-
preensivo.
Estado e nação são fenômenos históricos. Surgem e
desaparecem. O que a natureza humana exige é a socieda-
de política para preencher as insuficiências de outros
grupos, como a família e a tribo. Ora, o estado é apenas
u m a forma de sociedade política e a sociedade política assu-
miu no passado e apresenta nos dias de hoje outras formas
e não somente a de estado.
O interessante quanto à origem da nação e do estado
é que ambos não são exigências naturais, não são requeridos
pela natureza do h o m e m e surgem no tempo de modo
diferente. Origina-se o estado de ato voluntário dos homens,
que decidem criá-lo e o fazem simultaneamente com a
ordenação jurídica. Já a nação surge também no tempo,
mas de modo imperceptível, completamente independente
da vontade humana. É obra do vagar e obra do tempo.
Surge inadvertidamente, cresce e se mantém inadvertida-
mente, da mesma forma que influi inadvertidamente sobre
a pessoa humana e modela-a com ação contínua, que
começa com o nascimento.
Assim como surgiram a sua língua, o seu espírito, os
seus usos e costumes, as suas tradições, as sua aspirações,
— 85 —

e m processo lento de formação, assim também vivendo o


h o m e m naquele ambiente e m que nasceu e se desenvolveu,
é imperceptivelmente educado, plasmado e marcado com
o selo da sua cultura.

Estado nacional e estado plurinacional. Nação dividida por


vários estados.

Estado nacional é o que abrange uma única nação. Em


seu território não há outra nação. Não se pode dizer,
porém, que se confundem aí estado e nação, pois já vimos
que são conceitos totalmente diferentes.
N o final do século desoito surgiu a doutrina que
preconizava o respeito às aspirações nacionais, logo enun-
ciada no "princípio das nacionalidades": toda nação tem
direito de se tornar estado. Isto no plano internacional.
Seu consectário no interior dos estados foi a doutrina
da soberania nacional, que atribuía à nação a origem do
poder.
Aquele princípio serviu de substrato ao espírito separa-
tista, durante mais de u m século, mas só lograram êxito,
e m tão largo período, umas poucas nações européias, que
formaram estados independentes.
N e m o princípio nem o seu consectário foram sequer
aplicados realmente pela Revolução francesa, que os difun-
dira e os adotara como base da ideologia revolucionária. E
isto porque, desde o antigo regime, a nação francesa
reprimia com toda violência as aspirações das outras nações
que formam a França: a nação bretã, a nação basca
(departamento dos Baixos Pirineus), a nação provençal, a
nação catelã, a dos corsos, a dos alsacianos. É curioso que
e m 1848, ao apresentar-se candidato à presidência da repú-
blica, o futuro Napoleão III decorasse u m discurso de cinco
minutos e m bretão, língua celta, o que lhe valeu votação
unânime na Bretanha, sempre hostil aos candidatos fran-
ceses.
— 86 —

Aliás, a maioria dos Estados no mundo inteiro é de


estados plurinacionais. Poucos são como Portugal peninsu-
lar, em que há u m a só nação, embora formada, como por
toda parte, por grande fusão de "raças" e de nações.
Assim, no estado plurinacional convivem duas ou mais
nações.
O Brasil e a mor parte dos estados da América são
considerados estados nacionais, mas a rigor e m todos eles
existem também a nação judaica e as nações aborígenes.
Quanto a estas, não se deu a incorporação total dos silvíco-
las à nação preponderante (no México, dois milhões de
mexicanos só falam as línguas nativas). Convém notar que,
além da exceção apontada, não existem outras nações nos
estados das três Américas, com exceção do Canadá, dividido
entre nação francesa e inglesa. Apenas há estrangeiros e m
todos os demais estados americanos, provenientes de outras
nações e cujos filhos já passam a constituir os novos inte-
grados da nação que se formou e m cada estado do novo
mundo.
Nos Estados Unidos da América do Norte a pouco e
pouco foram desaparecendo as nações francesa, castelhana,
irlandesa e alemã, absorvidas pela nova cultura ali surgi-
da. Assim, foi bilíngüe a primeira constituição política do
Estado da Luisiânia, promulgada e m 1812 e que, não
obstante as vicissitudes por que passou, chegou até 1916.
Nos estados da Califórnia e do Novo México até 1941,
não só a legislação era bilíngüe, mas o castelhano era
permitido nos tribunais de justiça. E no estado do Texas,
tanto o castelhano quanto o alemão e o norueguês foram
línguas oficiais.
Certo autor germânico, e m obra publicada e m 1847,
afirmou que na Pensilvânia só não foi adotado o alemão
como língua oficial única porque, havendo empatado a
a votação, o presidente da assembléia constituinte, Uhlem-
berg, também alemão, deu o voto de Minerva favorável ao
idioma inglês.
— 87 —

Assim, por parte dos descendentes dos germânicos,


ficou execrada a memória do filho do fundador do lutera-
nismo na América. Parece que o que se deu na realidade
foi a rejeição do bilingüismo, constante da petição dos
teuto-americanos datada de 9 de janeiro de 1794.
Volvendo a nossa atenção de novo para a Europa,
consideremos a situação de alguns estados plurinacionais,
que são a quase totalidade dos estados europeus.
Alguns como a Suíça têm perfeita estrutura plurinacio-
nal. E m outros, a convivência de nações diferentes sob o
m e s m o poder político é bastante incômoda, se não mantida
pela violência.
A Confederação Suíça, seu nome oficial, desde o século
catorze foi acolhendo outros cantões que se reuniram aos
três primeiros, pactuando assim livremente partilharem a
vida política c o m u m indivíduos de quatro nações diferentes:
germânica, francesa (romande) italiana e romanche (ladi-
na). São por isto quatro as línguas nacionais. Cada nação
se apresenta não só com a língua, como também com todas
as características nacionais, reunidas em nossa definição.
Compõem o povo belga duas nações completamente
diferentes e m todas as suas notas peculiares (deixando-se
de lado os de nação germânica, pequeno grupo nacional):
os flamengos e os valões (ualons). Estes são de nação
francesa.
Uns e outros decidiram e m 1831 constituir u m estado a
fim de se verem livres das perseguições, da falta de liber-
dade, principalmente para as suas escolas confissionais,
proibidas pelos Paises-Baixos de que faziam parte, gover-
nados por u m príncipe da casa de Nassau. N a percentagem
de 99,6% eram católicos os que assim decidiram.
Compõe-se o povo espanhol de quatro nações bem
nítidas e m todos os caracteres: castelhanos, catalães, bascos
e galegos. O estado espanhol data das vésperas do desco-
brimento da América e foi fundado pelos reis católicos, ao
passo que a nação basca (vasca) ali está há milênios. Os
— 88 —

vascos falam o éuscaro, idioma não indo-europeu; a nação


catalã há novecentos anos, desde a assembléia de Tologes
e m 1065, precursora das cortes catalãs, que por sua vez
foram a mais antiga instituição parlamentar da Europa
(1214), anterior ao parlamento inglês (1215); a nação galega
já no começo do século doze conta com testemunhos da sua
existência.
Note-se que a nação catalã habita a Catalunha, Valên-
cia, ilhas Baleares, principado de Andorra e o departamento
francês dos Pirineus Orientais (Rossilhão e vale de Cerda-
nha).
Iugoslávia, Tcheco-Eslováquia e a mor parte dos esta-
dos europeus são plurinacionais, como dissemos.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas abrange
e m seu território mais de cem nações bem caracterizadas.
É estado multinacional.
Desde o tempo do czarismo a política busca russificar
as demais nações, no intento de realizar a Grande Rússia.
Kruschev revelou, e m seu relatório secreto, no X X
Congresso do Partido Comunista (1956), que Lenine criti-
cara a política das nacionalidades iniciadas por Stalin.
Constam do referido relatório secreto os fatos que levaram
aquela política a julgamento definitivo como errônea e
desumana, já depois do longo período e m que Stalin fora
o chefe supremo da política de integração das nações na
nação russa.
São palavras de Kruschev no aludido relatório, lido
perante os seus camaradas: "A União Soviética é a justo
título considerada como modelo de estado multinacional,
porque na prática assegura a igualdade dos direitos e a ami-
zade de todas as nações que vivem na nossa vasta pátria.
"Por isto monstruosos são os atos de que Stalin foi o
inspirador e que constituem violações brutais dos princípios
fundamentais leninistas da política das nacionalidades do
estado soviético. Queremos falar das deportações e m massa
de nações inteiras, compreendendo nelas todos os comunis-
— 89 —

tas e "consomols" sem exceção; estas medidas de deporta-


ção não se justificavam por qualquer consideração militar.
"Assim, desde os fins de 1943 foi posta e m execução a
deportação de todos os caratcheves das terras e m que vi-
viam. N a mesma época, fim de dezembro de 1943, coube a
m e s m a sorte a toda a população da república autônoma
dos calmucs. E m março de 1944 todos os tchetchénes e
todos os inguches foram deportados e a república autôno-
m a tchetchéne-inguche liquidada. E m abril de 1944 todos
os balcars foram deportados para as regiões mais afastadas
do território da república autônoma cabardobalçar e esta
própria república passou a chamar-se república autônoma
cabarda. Os ucranianos escaparam a esta sorte só pelo fato
de serem muito numerosos e não haver região para onde
os deportar. Senão, teriam sido deportados também".
Não aludiu Kruchev às deportações e m massa para a
Sibéria das nações alemãs do Volga, constituídas e m repú-
blica autônoma antes de 1939 e dos tártaros da Criméia,
constitutiva da república autônoma da Criméia, que foi
suprimida.
N o mesmo relatório encontra-se ainda a perseguição de
Stalin à sua própria nação: "Baseando-se e m documentos
falsificados concluíram que existia na Geórgia pretensa
organização nacionalista cujo fim era a liquidação do poder
soviético nessa república com o auxílio das potências
imperialistas.
"Certo número de militantes responsáveis do partido e
dos sovietes foram presos. C o m o ficou provado ulterior-
mente, não se tratava na realidade senão de calúnias con-
tra a organização georgiana e do partido.
"Sabe-se que houve, em determinada época, na Geórgia
como e m várias outras repúblicas, manifestações de nacio-
nalismo burguês.
"Era possível que no momento e m que tomaram as
resoluções a que se alude acima, as tendências nacionalistas
tivessem progredido a ponto de existir o perigo de vermos
— 90 —

a Geórgia separar-se da União Soviética e juntar-se à


Turquia?
"Como poderia haver movimento separatista ou de
junção à Turquia, se a Geórgia estava e m situação de su-
perioridade pelo seu grande desenvolvimento industrial e
intelectual e debelamento do analfabetismo, e m contraste
com a Turquia?
"Como provaram os acontecimento ulteriores não exis-
tia organização nacionalista na Geórgia. Milhares de
pessoas inocentes foram vítimas de tamanha obstinação.
Tudo isto se produziu sob a direção "genial" de Stalin, o
"grande filho da nação georgiana" como na Geórgia gos-
tavam de chamar-lhe".
Lei posterior ao xx Congresso aprovou os decretos do
"Presidium" do Soviete Supremo que "estabeleceram a
autonomia nacional dos calcars, tchetchénes, inguches,
calmucs e caratcheves".
Nada se fêz a prol das outras nações também persegui-
das na era anterior, como a coreana e a chinesa, ambas do
extremo oriente soviético, deportadas e m 1937; a tártara da
Criméia e a alemã do Volga, vítimas da repressão de 1944.
Não se foi além. Pelo contrário, dos documentos do
xxn Congresso consta a informação de que se vai proces-
sando a unificação nacional, quer dizer russa, cujo idioma
imposto é a "segunda língua materna dos povos da União".
Vimos que há estados que congregam mais de u m a
nação. Importa salientar agora que há nações divididas
por estados.
Assim, a nação germânica habita a Alemanha, Áustria,
Suíça, Tcheco-Eslováquia (sudetos), Rússia, Bélgica; a
francesa, a França, Bélgica, Suíça, Canadá; tanto a inglesa
quanto a árebe, habitam numerosos estados.
Estão espalhados pela Arábia, norte da África e Síria
os beduínos, nação árabe formada por semitas quase
puros, nômades, que habitam em tendas.
— 91 —

Dispersos principalmente pelo centro e sul da Europa,


m a s existindo u m pouco pela Ásia e América, constituem
os ciganos curiosa nação, que tem gosto pela vida errante.
Orçam e m dois milhões e provieram há u m milênio do
noroeste da índia. Não obstante falarem também o idioma
do estado e m que habitam, a sua língua é indo-ariana.
Ainda agora (1965), três mil ciganos e m peregrinação a
R o m a acamparam nos arredores da cidade eterna, e m suas
tendas e foram recebidos pelo Papa Paulo VI, no Vaticano.
A maioria da nação judaica é dispersa pelos estados de
todo o mundo. E m 1947 foi criado o Estado de Israel,
estado plurinacional, e m que a nação judaica entra com
dois milhões de nacionais israelitas, que são cidadãos israe-
lenses juntamente com árabes.
E m conclusão, o território mesmo quando habitat da
nação, não faz parte dela. Recorde-se o que fêz Stalin —
a transportação de nações inteiras.

Importância da nação e a sua finalidade. O vocabulário usual


e a sua crítica.

Ressalta do nosso estudo a falsidade do "princípio das


nacionalidades", aliás pouco praticado na Europa e agora
invocado algumas vezes na África, que dele não precisava
para se livrar do colonialismo. Podem coexistir muito bem
duas ou mais nações n u m mesmo estado. São típicos os
casos da Suíça e da Bélgica, e m que houve a confluência
de vontade dos componentes de mais de u m a nação para
erigirem o estado.
Qualquer que haja sido sua origem, o estado plurinacio-
nal sob nenhum pretexto pode oprimir a nação. E m regra
é este o problema político das minorias nacionais. N o
geral o estado tem imposto a cultura da nação maior e,
por isto, mais forte: proíbe o uso da linguagem das outras
nações; imprensa, jornais, revistas, livros, rádio, televisão,
— 92 —

teatro, escolas, comícios e outras reuniões públicas, a músi-


ca e outras manifestações de cultura própria. Combate os
seus usos e costumes. As leis só as editam na linguagem
da maioria e, suma crueldade, também nesta língua o pro-
cesso perante os tribunais. Às nações e m minoria só lhes
resta a literatura clandestina, o aprendizado do idioma
nacional com o leite materno, aprender a ler e escrever
na casa paterna. Clandestinas a poesia e canções nacionais.
O princípio também já serviu de pretexto para o
estado reagrupar e m torno de u m mesmo centro nacional
as frações existentes e m estados vizinhos para fazer coinci-
direm as fronteiras do estado e da nação.
Pelo contrário, é dever do estado, seja nacional ou pluri-
nacional, dispensar toda ação necessária à manutenção,
revigoramento ou aperfeiçoamento dos valores nacionais,
quer se trate de u m a quer de várias nações.
A cultura nacional é a base da vida do estado.
Sem dúvida, o fato de se encontrar no seio de determi-
nado estado e de lhe constituir base para a vida, importa
deveres de sujeição, de lealdade e de obediência para a
consecução da prosperidade pública, que é o fim do estado.
A êle há de sujeitar-se a nação até o momento em que o
estado, com a sua ação ostensiva ou disfarçada, prejudique
a nação, a sua cultura, os seus fins educativos. Hão de ser
respeitados pelo estado os direitos dos nacionais aos ele-
mentos culturais da nação.
Quer dizer que se não justifica também o nacionalismo
exagerado, excessivo, o danoso egoísmo nacional, que erige
a nação em fim do homem. Afirma a perenidade da nação
e para ela o h o m e m não passa de momento transeunte, de
valor relativo. A pessoa humana é assim despojada de
toda dignidade originária e tem negados os seus direitos
naturais. Desbordando para o campo internacional, tal
egoísmo nacional não vacila e m espezinhar o bem alheio
para buscar somente o seu, medido apenas pelo critério do
seu interesse.
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Demais, a nação não supõe o estado, ao passo que o


estado esteia-se na nação.
A finalidade da nação é conservar, preservar, transmi-
tir, proteger e desenvolver o patrimônio cultural comum,
e m benefício da mais completa e perfeita formação da pes-
soa humana. Esta finalidade é que vincula os membros da
nação, que os faz consciente ou inconscientemente defendê-
la como necessária à vida de cada qual deles. Não se trata
de sentimentalismo piegas nem de problemática consciên-
cia coletiva, nem de fenômeno puramente subjetivo, mas
do resultado dos fatores objetivos apontados na definição
e que modelam os nacionais. Se a nação se apresenta como
u m todo, os portadores e autores da cultura nacional são
as pessoas que a compõem, os nacionais.
Estes é que devem trabalhar por ela e fazer que o
estado não só lhes não embarace a ação, como ainda, pro-
motor da prosperidade pública, ofereça as condições para
que os nacionais possam conseguir por si os proveitos quo
lhes propicia a vida nacional. Se o estado é plurinacional,
incumbe-lhe ter procedimento igual com todas as nações
que estão e m seu território.
Consoante o que vamos demonstrando, não tem sentido
o problema de saber qual mais importante, se a nação ou
o estado. São diferentes as finalidades de u m e outro, a
patentear a recíproca dependência, enquanto existir o
estado.
A nação carece das normas jurídicas e da autoridade
do estado, por vezes também do território, que lhe propi-
ciem condições para a vida nacional. C o m tudo aquilo
conta o estado, mas por sua vez não bastam os vínculos
jurídicos que unem os membros do povo no estado, mas
não lhes dão homogeneidade. É a nação que lhe oferece
aquele aglomerado homogêneo sobre que repousa estàvel-
mente.
N o geral a nação existe há centenas de anos, há milê-
nios e quantos estados já regeram os destinos políticos dos

7 — R.F.D.
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nacionais nesse largo período de tempo! A nação, sempre


a mesma, ao passo que as vicissitudes políticas fizeram
desfilar à sua frente alguns ou muitos estados a que estive-
ram jungidas.
Surgem e desaparecem os estados, mas continua a
nação. Os polacos sofreram u m dia o despotismo alvar de
três grandes potências que extinguiram a Polônia e dividi-
ram entre si o seu território. Subsistiu, porém, a nação
polaca. B e m mais tarde surgiu de novo o estado.
A nação irlandesa resistiu a novecentos anos de cativei-
ro.
Quase diria que o mapa político de cada continente é
verdadeiro caleidoscópio, cuja cambiante de cores m u d a
com relativa presteza, ao passo que permanecem subjacen-
tes as nações, cujas mudanças se efetuam com tal lentidão
que são de todo inadvertidas. N u m instante se faz cair por
terra u m estado; só muita e perdurável violência destrói
u m a nação.

Crítica do vocabulário usual.

Convém ajustar o vocabulário jurídico. A ciência é


u m a língua bem feita. 0 jurista não pode empregar pala-
vras equívocas; hão de ser unívocas as vozes da sua ciência.
Torna-se impossível mesmo a dissussão de qualsuer pro-
blema, se u m dos contendores emprega algum vocábulo e m
certo sentido e o antagonista o toma e m sentido diverso.
Já definimos população, povo, nação, estado; é fácil
diferençar o nacional do cidadão, do estrangeiro e do
apólida.
O vocábulo "pátria" há de ser empregado somente no
seu antigo e literal sentido de "terra patrum", a terra dos
nossos maiores, como a povoaram e defenderam os antepas-
sados, os avoengos, como aí viveram heroicamente. Recor-
da as gestas dos nossos avós.
— 95 —

"País" origina-se de "ager pagensis" (de "pagus",


aldeia); é o território de u m povoado. Constumam empre-
gar esta voz como sinônima de estado. O termo, entretanto,
não deve ser do vocabulário jurídico.
Costume arraigado, proveniente das teorias do século
dezoito, não permite evitar-se o emprego das expressões
errôneas: direito "internacional", Sociedade das "Nações",
"Nações" Unidas.
Acode-nos afinal corrigir a frase seguinte: estado é a
sociedade politicamente organizada. Já mostramos que só o
direito organiza u m a sociedade. T a m b é m não se pode
corrigir para "juridicamente" organizada, pois toda as so-
ciedades o são e não apenas o estado. Continuaria o desa-
certo se dissemos que o "stado é a nação juridicamente
organizada" e isto pelos ensinamentos expendidos sobre o
que é nação e o que é estado.

Nota — Exceto a constituição política do Império (1824),


todas as constituições federais brasileiras confundem erra-
damente cidadania e nacionalidade. N ã o seguiram o voca-
bulário perfeito, neste ponto, da nossa primeira constituição.
A de 1891, porém, afasta-se pouquíssimo, mantendo o
título: Dos cidadãos brasileiros (IV) e quase sempre men-
ciona "cidadãos"; m a s duas vezes a seguir emprega a ex-
pressão errada.
A s de 1934, 1937 e 1946 estabelecem plena confusão.
N a s duas últimas, desde o título do capítulo respectivo
que reza: " D a nacionalidade e da cidadania", tão claudi-
cante e inútil que a constituição de 1969, embora persis-
tindo no erro, todavia se limita à só denominação: Da
nacionalidade.
E ' evidente que e m todos estes textos o legislador só
se refere à cidadania. Nunca à nacionalidade.
Intérpretes há que igualmente confundem cidadania com
a plenitude dos direitos políticos ao afirmarem que ci-
dadão é só o eleitor. Ora, tomemos da constituição vigen-
te o capítulo dos direitos políticos. Dispõe: "São elei-
tores os brasileiros maiores de 18 anos, alistados na for-
m a da lei" (art. 147). Brasileiros aí significa cidadãos
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(art. 145). O brasileiro que infringir o preceito do art.


146 perde a cidadania e não a nacionalidade, como está
escrito. Jamais se perde a nacionalidade. M e s m o o apá-
trida conserva a sua nacionalidade.
Os menores de 18 anos, os não alistados eleitores, os
que se não podem alistar (art. 147, § 3.°), os soldados
e marinheiros , todos estes, que constituem a maioria do
povo brasileiro, não são cidadãos? Até pouco tempo atrás
não seriam também cidadãos as mulheres, os frades e as
freiras?

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