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Domine Meu Coracao - Ane Pimentel

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SUMÁRIO

SINOPSE

NOTA DAS AUTORAS

PLAYLIST
DEDICATÓRIA

EPÍGRAFE

CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO

CAPÍTLO NOVE

CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO CATORZE

CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSTE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS


CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

CAPÍTULO TRINTA E UM

CAPÍTULO TRINTA E DOIS


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


CAPÍTULO TRINTA E CINCO

CAPÍTULO TRINTA E SEIS


AGRADECIMENTOS

REDES SOCIAIS

DEMAIS OBRAS
Liz é uma jovem de 21 anos que não tem muita sorte com suas
experiências sexuais.
A maioria dos caras com quem se envolve não é capaz de dar-lhe orgasmos,
por isso ela os apelida de “coelhos”. Até que, durante uma festa de
universitários, ela invade a parte privada de uma mansão e é surpreendida por
um homem mais velho que a reprime.

Para César, Liz é um problema: jovem, inconsequente e desobediente – tudo


que ele menos deseja. Mas a garota o provoca e o desafia além dos seus
limites.

Ele é um jogador.

Ela, a desafiante.
Existem regras no jogo de César.

Liz faz questão de quebrá-las.

Apaixone-se por mais uma história da autora Ane Pimentel e descubra


se existem regras para o amor!
Observação importante: as autoras não são praticantes de BDSM,
portanto esse livro não se trata de um guia de práticas. Trata-se de um
romance ficcional no qual os temas abordados são panos de fundo para o
desenvolvimento do livro.

Se vocês estiverem em busca de um manual ou de dicas práticas sobre


a temática, indicamos que acessem o blog do Lucas Ares. Ele é um praticante
de BDSM e serviu como referência em algumas das nossas pesquisas. Os
posts e ensinamentos dele são claros e didáticos, nós recomendamos que
conheçam: http://kinky.com.br/
É um livro BDSM?

Domine Meu Coração é um misto de algumas coisas que gostaríamos


de escrever há um tempo. O primeiro capítulo foi escrito há mais de três
anos, aleatoriamente, e nem imaginaríamos que seria para um livro com uma
temática mais dominadora rsrs. Antes de ter essa capa e esse título, a ideia era
que fizesse parte de uma série que se passaria na Spicy, mas depois que
vimos essa capa maravilhosa (feita pela L.A design de capas) e esse título,
soubemos que ele seria exclusivo.

Quem nos acompanha há algum tempo sabe que geralmente


trabalhamos várias coisas em uma mesma história e não costumamos rotular
as temáticas, preferimos que o leitor vá descobrindo capítulo por capítulo.
Claro que com um título desses e uma capa dessas, a dominação/submissão
será um aspecto abordado. Mas nós preferimos que vocês tirem suas próprias
conclusões a partir da leitura e que tenham em mente que Ane Pimentel
nunca segue a linha padrão de escrita. Avisamos antes para que não digam
que foram iludidas, rs.

Se você não gosta de BDSM: Leia!


Se você gosta de BDSM: Leia!

Se você gosta do que escrevemos: estamos ansiosas pelos seus


comentários. Não deixe de avaliar nos contando o que achou ou de nos
mandar uma mensagem nas redes sociais.

Esperamos que Liz e César dominem o coração de vocês.


Assim como os livros, as música tem o poder de nos transportar e,
muitas vezes, ajudam na composição das cenas. Aqui nesse livro, quando
encontrar música em um dos capítulos, recomendamos que a coloquem para
tocar enquanto leem. Ajudará a entrar no clima e tornará a experiência mais
agradável. Aqui estão algumas músicas que nos inspiraram ao longo dessa
história:

Pendulum – FKA twigs

Hurricane – Thirty Seconds To Mars

Magnets (Feat. Lorde) – Disclosure


Dirty Mind – Boy Epic

Quite Like – Her

Clau – Meia noite


Lily Allen – Not Fair

Fire on fire – Sam Smith

Blank Space – da Taylor Swift


Gimme – Banks

This Is What It Feels Like – Banks


Este livro é dedicado a você que nos cobrou e nos motivou a colocar
um ponto final nesse texto.
Eles dizem que estamos fora de controle
e alguns dizem que somos pecadores
Mas não os deixe estragar nossos belos ritmos
Porque quando você me desdobra e diz que me ama
E olha nos meus olhos
Você é a perfeição, minha única direção
É fogo em chamas

Fire On Fire – Sam Smith


Estou cansada desses caras. Sério, estou até cogitando beijar uma
mulher para saber se o problema era o sexo masculino. Os homens eram tão
previsíveis que chega a cansar, posso resumir os maiores desejos masculinos
em duas palavras: futebol e sexo. Se você chupar bem e souber a diferença
entre time e seleção, eles estarão na sua mão.

Cresci com vários primos então sim, sabia a diferença entre time e
seleção. Perdi minha virgindade aos 16 então sim, sabia chupar. Isso
significava que eu podia ter qualquer homem, certo? Certíssimo e já tive
tantos que estava cansada desse joguinho chato.
Quantos anos eu tenho? Tenho 21. Sou estudante de jornalismo e
estou presente em todas as calouradas, festas e baladas que o meu corpo
possa suportar. Se eu bebo? Muito. Se eu fumo? Gosto de cigarros, sim. Ah, e
já experimentei maconha, me julguem!

No meio do período as calouradas não são tão frequentes quanto no


começo, mas ainda havia muita festa: para levantar fundos de formatura, para
datas comemorativas, fora as que nem precisam razão para serem feitas. Mas,
dessa vez, a festa não seria na faculdade. As meninas me chamaram para um
bundadalelê de algum filhinho de papai. Desses que adoram ostentar com
festinhas privês (que só é convidado quem pode, mas sempre aparecem os
penetras, tipo eu) para se exibir. A festinha estava rolando em uma casa (e
que casa!), em volta da piscina, com inúmeros caras sem camisa ameaçando
se jogar nela. Babacas. Corpos esculturais, conta bancária recheada, mas não
são capazes de dar um orgasmo decente, mais de um então: utopia. Estão tão
concentrados no próprio prazer que não notariam a diferença entre você e
uma boneca inflável. Já disse que estou farta disso?

Não sei há quantas horas estou ali, mas já bebi e dancei bastante. As
meninas estão escolhendo os caras com que vão para algum canto e eu estou
desviando dos que querem fazer o mesmo comigo porque sei que vou acabar
irritada depois que eles gozarem. Por esse motivo, e também por estar
levemente tonta com a mistura de bebidas que fiz hoje, me afastei do pessoal
e estou adentrando a sala escura da mansão, a luminosidade presente vem da
festa e perpassa as paredes de vidro que compõem o ambiente. Minha
intenção é achar um banheiro. Fazer xixi, lavar o rosto e dar um tempo, talvez
uns 10 minutos, chamar um táxi e ir embora.
Sinto calor, apesar de ser noite. A ideia de me jogar na piscina parece
tentadora... Olho ao redor e não vejo nada que possa ser a porta de um
banheiro, então o meu olhar recai na imensa e elegante escada. Subo os
degraus. No segundo piso, encontro uma sala ampla e um corredor com
diversas portas. É até ele que vou sinto como se estivesse naqueles programas
antigos de TV, em que você escolhe a porta e se depara com uma surpresa,
escondida atrás dela.
Havia portas com monstros, se bem me lembro.

Abri a primeira porta do lado direito e fiquei extasiada com o


tamanho do quarto que encontro. Eu viveria ali dentro como se fosse uma
casa, acredito que seja quase do tamanho do apartamento que divido com
mais 3 garotas. Antes que eu pudesse evitar, acendi a luz e entrei no quarto.
Em segundos, estou admirando a enorme cama king size, as poltronas e um
móvel que me chama atenção. Andei até a espécie de santuário que encontrei
ali e analisei os itens. Diversos porta-retratos contendo fotos de uma mulher
muito bonita, em algumas ela parece uma modelo em outras ela está com um
bebê no colo e com um homem ao seu lado.
Estava tão fixada no que encontrei, que não ouvi ninguém se
aproximar.

— Quem é você e o que está fazendo aqui? — Paralisei por alguns


segundos ao ouvir o tom de voz rude e alto.

— Desculpe eu estava procurando... — errei feio ao me virar e me


deparar com um homem de camisa, gravata e calça pretas, segurando um
terno. Seu olhar era gélido e, em conjunto com a barba espessa, me fizeram
perder a fala — o banheiro.

O homem deu vários passos e parou na minha frente, me estudando.


O medo se esvaiu quando lembrei que era apenas um homem. Seus olhos
correram pelos meus seios empinados num cropped, passaram pela faixa de
barriga exposta e chegaram até as minhas pernas nuas num shortinho jeans,
cintura alta. Quando ele fez o caminho inverso, eu já sabia como ia sair
daquela sem ser acusada de invasão.

— A suíte deste quarto é privada, você deve ser uma das crianças que
estão na festinha.
— Criança? — ri alto — e o senhor deve ser algum vovozinho
estressado por não conseguir ter uma ereção sem medicação — cuspi e passei
por ele para sair do quarto.

Estava chegando às escadas quando fui puxada e encostada de frente


para parede. O peso do seu corpo, em minhas costas, impedindo meus
movimentos.
— Me diga que não é menor de idade e eu vou te mostrar se preciso
ou não de medicação — sua voz era um urro no meu ouvido. Sorri.

Homens.

Movi meus quadris de forma a esfregar minha bunda nele, por causa
dos saltos, estava exatamente da altura do seu pau.
Vamos ver se isso aqui funciona, tio.

— Aposto que o remédio está no seu móvel de cabeceira. Aquele que


abriga o copo de leite quente que toma antes de dormir — provoquei.

Ele se afastou o suficiente para que meu corpo descolasse da parede e


tivesse espaço para colocar as mãos nos meus seios e apertar com força.
Porra. A resposta veio num gemido rouco que deixei escapar.

Ele me conduziu pelo corredor, ainda na mesma posição, seu corpo


colado nas minhas costas e suas mãos explorando meus seios, eu não via a
hora de tirar a porra do top que impedia o contato direto com a minha pele.
Ele abriu a porta do lado da suíte que invadi, me conduziu até uma cama
grande com cabeceira de madeira e fez com que eu me virasse de frente para
ele.

— Idade — repetiu, enquanto tirava sua gravata. Demorei alguns


segundos encarando o processo que logo passou para os botões da camisa. O
corpo firme me deixou surpresa, não se tratava de um monte de músculos,
mas não tinha nada fora do lugar e na idade dele era... — vou ter que pegar
seu RG, criança?

— Você não vai ser preso, tio. Cala boca e vem logo — disse
impaciente.
Ele sorriu, ou pareceu sorrir, já que um dos lados do seu lábio se
ergueu. Se aproximou, com passos firmes e decididos, e levou a mão até o
zíper atrás do cropped. Em segundos, a peça estava aos meus pés. Ao
contrário do que eu desejava, ele não tocou meus seios, colocou a mão no
botão do meu short, abriu e o tirou junto com a minha calcinha.

Rápido demais.

Já vi que vai ser mais uma das vezes em que o cara gozará rápido.
Pode usar o remédio, tio.
Ele puxou o edredom, descartando de lado. E me empurrou na cama,
fazendo com que eu me deitasse. Não tive tempo para pensar, assim que
minhas costas tocaram na cama, ele levantou minhas mãos e antes que eu
pudesse reagir, meus braços estavam imóveis, amarrados na cabeceira. Ergui
o olhar para notar que era a gravata dele que me mantinha cativa.

Eu adoraria isso se confiasse nele, mas nem o nome do cara eu sei.


Abri a boca para protestar, mas fui calada pela sensação que me percorreu
quando ele sugou o bico do meu seio direito. Quando os lábios largaram o
bico, os dentes o prenderam e fizeram pressão. Eu quis xingá-lo, mas quando
ele lambeu o mesmo lugar, o prazer que se espalhou a partir daquele ponto
foi extraordinário.

Ele beliscou o mamilo esquerdo com firmeza, causando dor e


dividindo essa sensação com as das deliciosas lambidas no direito. O misto
fez vibrar bem no meio das minhas pernas.

Suas mãos percorreram a lateral do meu corpo até chegar as minhas


pernas, que ele separou completamente. Sua língua provocou meus seios
mais um pouco e desceu, deixando um rastro molhado pela minha barriga,
meu umbigo foi mordido e nunca imaginei que isso me excitasse tanto. Ele
desceu, passando os dentes lentamente, até chegar a minha coxa.
De joelho entre as minhas pernas, afastou-as o máximo que conseguiu
e observou. A espera me deixava louca. Um dos seus dedos me tocou e sentiu
que a provocação estava fazendo efeito, eu estava muito molhada, podia
sentir. O mesmo dedo desceu até o meu ânus e ele me encarou sério, tocou de
leve e voltou até a minha boceta molhada. Gemi ao ser invadida por dois
dedos habilidosos que se curvavam e me tocavam fundo, meus braços
formigavam imóveis e isso me deixou ainda mais excitada.

— Você acha que eu devo descer para procurar meu remédio agora?
— sua voz, combinada aos movimentos dos dedos, me fizeram estremecer.
Não respondi e ele pareceu satisfeito com o efeito que causou, abaixou e
lambeu devagar meu clitóris pulsante, arqueei o quadril — Calma...

A ponta da sua língua passou a fazer movimentos rápidos e eu me


contorci.
— Você é mais agradável assim, gemendo — a voz dele contra as
minhas terminações nervosas, reverberaram em mim. — Talvez gritando seja
um pouco mais agradável...

E quando suas palavras se foram, sua mão desceu firme contra minha
boceta.

Eu gritei. O filho da puta me bateu?


— Desgraçado! — Rosnei entredentes, sentindo a quentura pós-tapa
se espalhar.

A boca dele lambeu a área atingida, deixando úmida e esfriando a


área. Involuntariamente gemi, diante da maciez da língua dele.
— Da próxima vez que pensar em invadir o espaço do outros, lembre
disso — o segundo tapa foi desferido no meio das minhas pernas.

Dessa vez, a surpresa não estava presente, então a minha


concentração estava toda no ardor daquilo.

Enquanto eu gritava e apertava os olhos, ele se posicionou entre as


minhas pernas.
E me penetrou rapidamente.

Abri os olhos para observar que ele ainda usava sua calça, mas graças
a Deus estava usando camisinha. Ele me preencheu com facilidade e eu me vi
levantando os quadris para que ele pudesse ir mais fundo.

Ele segurou os meus seios e me fodeu diversas vezes. E eu gemi em


cada uma das vezes em que ele saiu e entrou. Meus braços estavam
dormentes, o lenço ao redor do pulso estava apertado, o pau dele me fodia
vigorosamente e eu gemia ensandecida.
Até que ele saiu de dentro de mim e logo me lembrei dos inúmeros
babacas que saiam para gozar fora antes que eu mesma tivesse gozado. Mas,
ao contrário dos outros, ele não tinha saído porque tinha acabado, foi para me
virar. Com um gesto firme, ele fez o meu corpo mudar de posição, ficando
com a barriga para baixo. Isso deixou o aperto no pulso ficar ainda mais
firme.

— Empine — ele ordenou e eu demorei para atender. — Tem


problemas com ordem, criança?

Um tapa firme na minha nádega direita fez a pele queimar.

— Filho da puta! — Xinguei e, em retribuição, recebi um tapa na


nádega esquerda.

Mas foram os dedos dele, invadindo minha boceta, que me fizeram


querer mais. Por isso eu empinei a bunda, deixando os braços na cama. Gritei
ao ser preenchida por ele, forte e rápido. Ouvi sua respiração acelerada. Senti
seu corpo batendo contra o meu diversas vezes, ritmicamente.

Uma de suas mãos se enrolaram no meu cabelo, puxando firme e a


outra passou pela minha barriga, indo até o meu clitóris. O movimento
circular dos dedos, juntamente com as estocadas fortes, me fizeram desabar.
Gritei alto quando um orgasmo devastador me varreu.

Ele estocou mais algumas vezes antes de gozar.

Caralho, quem é esse homem?


Senti a gravata que prendia meus pulsos folgar, mas não tive força
para levantar. Virei o rosto de lado para conseguir respirar melhor, enquanto
meu corpo voltava o normal.

— Tem um banheiro nesse quarto, caso ainda deseje usar.

— Mas...
— Você me provocou, eu reagi. Fim.

E foi com essas palavras que ele deixou o quarto.

Demorei alguns minutos para voltar a mim. Levantei, totalmente nua,


e fui ao banheiro. Quase tinha esquecido que esse tinha sido o real motivo
para entrar na mansão. Sentada no vaso, cheguei a me perguntar se isso tudo
tinha acontecido mesmo ou eu, bêbada demais, dormi e sonhei com o melhor
sexo da minha vida.

Sim, qualquer um pode dizer que essa frase é clichê, mas quando se
fode com diversos babacas é mais normal do que se pensa que o sexo seja
meia boca. Já imaginou que se fode tanto e com tantas pessoas em busca de
alguém que, finalmente, preencha esse clichê de “melhor sexo da vida”? Pois
é, ao que parece esse posto acabava de ser ocupado na minha curta existência.
E para me provar que tinha sido real, ao me enxugar, depois de fazer xixi,
senti minha boceta bem sensível.
Quem bate na boceta de alguém na hora H?

Ele. Quem é ele é que eu não sei. Talvez seja isso que tenha deixado a
coisa ainda mais excitante: sexo pelo sexo. Sem nomes e... Sem beijo.
Enquanto lavo as mãos e olho no espelho grande, posicionado sobre a pia de
mármore escuro, lembro que nós não nos beijamos. E, cá entre nós, nem foi
necessário. O meu corpo reagiu de maneira descomunal diante de todos os
toques do tiozinho e só de lembrar, eu ficava quente novamente.

Talvez eu devesse tomar banho. Mas como eu explicaria descer


tomada banho? Eu nem sabia quem, de fato, estava dando a festa. Melhor
evitar mais confusão. Eu já tinha invadido a casa e transado com um
desconhecido, era melhor não abusar da sorte. Não quando costumo ser tão
azarada.
Saí do banheiro catando as roupas que estavam no chão e rapidamente
vesti a calcinha, o short e o cropped. Só ao vestir tais peças foi que percebi
que tinha continuado com as sandálias... Não que estivesse sexy, já que não
se tratava de saltos finos, mas era mais uma coisa para marcar essa loucura
que tinha sido essa festa.
Estava na dúvida se preferia sair com passos silenciosos ou se
marchava feito um cavalo com ferraduras barulhentas e acabei optando pelo
silêncio. Meus passos estavam menos firmes do que eu gostaria e eu não
saberia dizer se era por causa das bebidas ou do orgasmo, mas com uma
perna na frente da outra (e resistindo a tentação de invadir novamente o
quarto em que o encontrei), voltei para a festa.

Encontrei a Érica olhando de um lado para ou outro, com certeza


procurando Alexia que deve ter encontrado algum veterano gato.

— Onde você estava? Todo mundo some nessa festa! — Érica


perguntou assim que eu me aproximei.

— Se eu contar, você não acredita..., mas vamos deixar para outra


hora. Preciso ir para casa.

— Mas já? Você ainda está conseguindo andar em linha reta — ela
gargalhou e eu acompanhei. Realmente, a gente costuma dar “Perda total”
nas festinhas.
— É que a minha cota de loucuras já está saturada e eu quero manter
o que me resta de sobriedade para poder lembrar dos detalhes.

— Você deu para alguém e, se ainda não reclamou, gozou gostoso!


Sua vadia, me conte logo...

— Olha Alexia ali, avisa que estou indo de táxi e que estou sóbria,
não precisa se preocupar com a possibilidade de o motorista se aproveitar de
mim.
— Certo, mesmo assim avise quando chegar em casa.

— Aviso. Ah, Érica, não aceite ser a motorista de todas as rodadas,


você precisa se divertir...
— Alguém tem que nos manter vivas!

Dou um beijo no rosto da mais certinha de todo o mundo e ligo para o


disque-táxi que não demorou muito a chegar. Quando entrei no veículo, olhei
para a mansão e prometi a mim mesma que eu voltaria qualquer dia.
Acordei com o barulho insuportável do despertador. Costumo colocar
o celular na prateleira que fica acima da minha cabeceira, junto aos livros,
porta-retratos e outros objetos pessoais, para que eu me obrigue a, pelo
menos, me sentar na cama para desligar ou ativar o modo soneca. Mas dessa
vez, imaginei que não fosse dar certo por causa do horário em que fui para
cama, graças a festa. Então, tive a brilhante ideia de colocar o celular
embaixo do travesseiro, na esperança de chegar no primeiro horário da
faculdade.

Ledo engano. O que eu achei que seria uma britadeira, vibrando firme
para me acordar, pareceu um zumbido leve de liquidificador de tão exausta
que eu estava. Resultado? Perdi as duas primeiras aulas.
Xinguei “deus e o mundo”, mais precisamente as três safadas que
dividiam o apartamento comigo, por não terem me acordado. O que custava
me derrubar da cama? Mesmo que eu parecesse um misto de urso raivoso
com TPM e o espírito de O Exorcista quando acordava, era falta de
camaradagem feminina, poxa!

Sem falar no calor desgraçado, no ônibus lotado e no motorista que


parou um ponto depois. Sério, eu precisava falar com meus pais para
adiantarem o carro porque, por mais que Aracaju fosse pequena, é quente
feito o inferno e o ar-condicionado do carro é necessidade básica para minha
sobrevivência.

Pelo amor de Deus, Liz, pare de reclamações mentais e entre logo


nessa maldita sala de aula.

Eu entrei e sentei no fundo da sala porque nenhuma das vadias, que se


dizem minhas amigas de curso, guardaram um lugar para mim. Passei os
cinquenta minutos seguintes dividida entre cochilar de olhos abertos e
encarar os meus pulsos. Não havia marca nenhuma neles, mas eu quase
desejei que houvesse para manter a memória da noite passada viva por muito
mais tempo.

A professora pediu para que se formassem trios para discutir sobre


uns textos que ela estava distribuindo na sala. Soube disso porque Alexia e
Érica me despertaram quando se aproximaram arrastando as cadeiras
acolchoadas.
— Por que não guardaram meu lugar? — Reclamei quando se
acomodaram em frente a min. Tínhamos formado um torto triângulo de
carteiras.

— Quem ia adivinhar que você chegaria depois de faltar duas aulas?


— Érica dá de ombros.

— Não importa, é obrigação de vocês.


— Assim como é obrigação sua me contar por que saiu da festa antes
de nós... — Alexia levanta as sobrancelhas, de modo questionador.

— É para fazer o que mesmo? — Perguntei, tentando ganhar tempo.


— Em que planeta você está? — Érica questiona — Você saiu bem
antes de nós da festa, aparece tarde e nem está escutando o que a professora
pediu...

— Desembucha, Liz.

— Vocês sabem quem deu a festa que fomos ontem? — Perguntei,


por fim, tentando ter informações básicas sobre o estranho.
— O Tedy deve saber, foi ele que me chamou e eu chamei vocês —
Alexia não me ajudou tanto quanto gostaria, mas era um começo. — Por quê?

— Eu conheci uma pessoa ontem.

— Transou? — Alexia foi direto ao ponto.


— Claro que sim, quando ela me encontrou estava toda felizinha com
aquela cara de “tive um orgasmo”.

Fui obrigada a rir.

— Quer dizer que ela não pegou um dos muitos coelhos?


Vocês já viram a rapidez com que um coelho trepa? É num piscar de
olhos. São exatos cinco segundos para fazer o serviço completo. Para ele, não
existe ritual de acasalamento, preliminares e, muito menos, vínculo afetivo,
por isso chamamos assim os caras que gozam antes da gente e como já disse,
tenho essa sorte. Devo ser a própria cenoura ambulante, porque atraio mais
coelhos do que tudo no mundo.

— Eu tive um orgasmo, pronto.


— Ah, não. Quero detalhes: onde? Como?

— Fui procurar um banheiro e acabei invadindo um quarto na


mansão. O cara não gostou muito, eu revidei e nós transamos.
— Uau — Érica se abanou — qual o nome dele?

— Não sei, por isso queria saber quem deu a festa!

— Mas ele te largou logo depois? — Assenti. — Vamos descobrir,


pode ser o amor da sua vida.

— Isso é tão Cinderela! Só que, no caso, você é o príncipe e não está


procurando a dona dos sapatos, mas o dono do pauzão que te comeu — Érica
completou e nós gargalhamos.

— As três aí, já fizeram a atividade? — A professora nos repreendeu


em alto e bom tom.

— Quase acabando! — minto no mesmo tom e completo baixinho: —


Vamos logo com essa atividade, parem de putaria.
Rimos baixinho e nos concentramos no texto.
Quando a aula finalmente acabou, Alexia já tinha enviado mensagem
para o Tedy, perguntando quem tinha dado a festa. Ele, obviamente, quis
saber mais a respeito do nosso interesse e pediu que nos encontrássemos na
lanchonete.

— Bicha fofoqueira! — reclamei depois que nos sentamos em uma


mesa plástica com quatro cadeiras.
— Ah querida, só pode ter macho na história e se tem macho eu tenho
interesse! — nós gargalhamos. — Mas quem me chamou foi a Mah. A festa
era de uma veterana de direito, Celine. — Ele disse depois que nossos
pedidos chegaram.

Era quase o combo universitário mais pedido desse horário: suco de


laranja e pastel de forno de frango. Era o que dava tempo de engolir antes de
correr para próxima aula, além de parecer mais saudável do que coxinha com
Coca-Cola – que era o segundo combo mais pedido por nós.

Alô pessoal de nutrição, não nos regrem, somos universitários!


— Então, quer dizer que fomos penetras dos penetras? — Érica
arregalou os olhos, depois de soltar o canudo dos lábios.

— Se não for assim, não tem graça... — Alexia concluiu, sem sequer
ter começado a comer. — Você conhece ou não a tal garota?

— Sei quem é, fui apresentado para ela ontem. Mas o que você quer,
finalmente? — Tedy me encara, mordendo seu pastel.

— Descobrir mais sobre o carinha que ela pegou ontem — Alexia


continuou e ele desviou o olhar para ela — é provável que seja irmão ou
primo dela.
— Então é só perguntar! Use seu lado jornalista investigativa...

— Me mostre quem é ela e eu cuido do resto — disse, por fim,


saboreando meu suco gelado.

Quando saímos da lanchonete, varremos os corredores do lado do


departamento de Direito da faculdade. Quase varremos mesmo, só faltou as
vassouras para o sentido literal, porque passamos por todos os lugares em
poderíamos passar olhando de um lado para o outro para ver se a tal da
Celine estava por lá.
Mas não a encontramos. Provavelmente a garota estava dormindo,
tinha se dado folga depois de ter dado festa. Eu a invejava por isso, mas só
um pouquinho, porque o restante de mim estava mais para “muito puta”
mesmo, porque era um dia a menos sem saber nada sobre o tio.
No dia seguinte, não me atrasei. Acordei com o despertador e na
minha lista de tarefas diárias ACHAR CELINE estava escrito em caixa alta,
com destaque de marcador de texto amarelo néon. Assim que o ônibus parou
na rua da faculdade, eu corri feito uma desesperada para dentro do Campus.
Minha primeira parada não foi a minha sala de aula, mas a do Tedy que faz
engenharia mecânica.

Ele estava sentado no fundo, com fones nos ouvidos, por isso eu
invadi o espaço que ainda estava bem vazio e me joguei na cadeira que estava
em sua frente. Tedy levantou o olhar e também suas sobrancelhas bem-feitas:
— Parece que alguém acordou com saudades minhas... — insinua.

— Você tem que me mostrar quem é ela — disse, mas ele não me
ouviu, por isso puxei seus fones — anda logo, vamos procurá-la!

— A trepada deve ter sido boa mesmo para você está nesse desespero,
hein bebê? — os olhos dele brilharam de interesse.
— Considerando meu histórico de cenoura, sim, foi muito boa e eu
preciso repetir! Agora levanta essa bunda purpurinada daí e vamos logo antes
que a aula comece.

Tedy riu e, sem ter muita escolha, se levantou da cadeira. Usava uma
calça jeans justa de lavagem escura e camiseta preta, também justa. Nos pés,
seu all star preto se mantinha com o solado incrivelmente branco...
— Você usa pasta de dente nesse tênis? Esse branco não é normal —
expus meu pensamento, enquanto andamos em direção ao bloco onde fica o
departamento de direito.

— Tenho certa mania de organização, não posso ver nada sujo ou fora
do lugar — deu de ombros.
— Se quiser ir nos visitar, fique à vontade — joguei, ele riu — só
quero ajudar você a se livrar dessa mania, vai que cola!

— Tem escrito “faxineira desocupada free” na minha testa, flor? —


ele disse, me fazendo gargalhar.

— Eu odeio andar tudo isso! Essa faculdade é grande demais... —


Reclamei.
Estudamos na Universidade Albano Uchôa, faculdade particular com
alguns polos no estado, mas ficamos em Aracaju. Ela possui a melhor
estrutura do nordeste com blocos separados por letras, além de mais de 150
laboratórios e quando eu me sinto cansada de andar tudo isso desejo um
daqueles carrinhos de golfe para me deslocar. Seria tão simples e o número
de atrasos diminuiria, com certeza!

— É aquela ali — Tedy disse, apontando para o grupo de garotas que


estavam de pé, fora do prédio que abriga o bloco F.

— Qual delas? — pergunto.


— A de vestido preto, de alcinha fina! — Observei a pessoa que ele
me apontou.

Além do vestido preto, leve e de alças, ela usava um tênis dourado, de


cano curto. Pendurada em um ombro só, está uma maravilhosa bolsa mochila
de couro sintético Victoria Secret’s. Preta, com algumas franjas e muito linda.
Reconheci de longe porque quase comprei uma igual, mas acabei optando por
uma da coleção pink.

— Agora que já mostrei sua fonte segura de informações, preciso ir


que o professor já deve estar indo para minha sala... — ele disse — Liz, estou
falando com você. Por nada...
— Valeu, Tedy. Pode ir... — sorri para ele, que balançou a cabeça
antes de ir.

Como eu deveria falar com ela? Abordagem direta, perguntando pelo


cara? Ou inventar uma desculpa qualquer e puxar assunto antes? Talvez ela
não quisesse me dizer nada. Um pedido de ajuda universitária? Sim! Melhor
apelar para o corre-corre do nosso meio.

Dei alguns passos em direção ao grupinho, mas como se eu fosse um


vento forte, ele começou a se desfazer. As aulas já iam começar. Acelerei o
passo, mas sem correr, para acompanhar as meninas entrarem no bloco e se
dividirem. Celine, foi em direção aos banheiros e então eu corri de verdade.
— Oi! — disse, enquanto ainda andávamos no corredor. Abordar
alguém no banheiro poderia ser considerado assustador ou indelicado.

Ela olhou para mim e continuou andando provavelmente esperando eu


continuar.

— Meu nome é Liz, sou estudante de jornalismo. Preciso fazer um


trabalho e gostaria de entrevistar você...
— Me entrevistar? Por quê? — Ela parou totalmente e fixou o olhar
em mim.

— Hum, então, é sobre carreiras e o que os jovens universitários


pensam sobre o futuro — usei minha imaginação para parecer convincente.
— Sei e no meio de uma universidade desse tamanho você achou que
eu, alguém desconhecida, era a pessoa ideal... Por que não joga a real?

— Não é de todo uma mentira, mas o fato de a sua casa ter piscina
ajudou na escolha — ajustei a história — procuro amizade sincera com
pessoas que tenham piscina em Aracaju. Qual é? Pode me culpar, temos um
sol para cada um aqui!
— Só pode ser louca... — ela falou baixinho, mas eu ouvi — então
Liz, como sabe que eu tenho uma piscina?

— Putz, você me pegou — confessei — fui de penetra na festa.

Ela me olhou com seus olhos castanhos claros, provavelmente em


algum momento do dia eles poderiam ser confundidos com verdes. Alguns
segundos se passaram até que... Ela começou a rir.
Rir de verdade, deixando o som se espalhar pelo ar.

— Ah, Liz, pelo menos você foi sincera! E quem pode ser mau o
suficiente para negar um banho de piscina a alguém que precisa, né?

— É como negar água! Não se pode negar água, todo mundo sabe —
juntei minha risada a dela logo depois.

— Bem, você sabe onde moro então. Para quando é o trabalho?

— O mais rápido possível — respondi rápido demais — é porque vão


ser várias entrevistas e quanto antes começar, mais cedo me livro.

— Certo, certo... Amanhã, está bom? Creio que você não veio com
look piscina, digo, entrevistadora de jornal.
— Ah, não seja por isso... Eu posso nadar pelada! — ela me olhou e
sorriu.
— Já vi que o calor está grande... Pode ser hoje então, depois do
almoço?

— Perfeito, Celine.
— Não me lembro de ter dito meu nome...

— Eu estava interessada em você, pesquisei antes de te convidar para


a entrevista.

— Ok, até mais tarde entrevistadora em chamas — ela riu e andou


alguns passos até chegar ao banheiro.
Quando ela saiu do meu campo de visão, quase fiz um quadradinho
com as mãos no joelho para comemorar. Eu queria algumas informações
básicas, mas tinha acabo de conseguir muito mais. Vou poder ir a casa do
homem de novo.

Só de pensar nisso o calor aumentou e, dessa vez, não era culpa da


temperatura ambiente.
Eu queria estalar os dedos para acelerar o relógio. Cada segundo em
que me mantenho sentada na sala de aula, faz parecer que eles são minutos e
até horas e não meros segundos. Dizem que quanto maior a ansiedade, maior
a sensação de que o tempo não passa e eu não poderia fazer melhor teste
comprobatório.

Já que não conseguia focar no que estava sendo revisado, decidi


estruturar melhor a minha mentira, preparando as perguntas da entrevista. Era
difícil não colocar no topo dos questionamentos a pergunta “quem era o cara
com quem fodi no andar de cima?”. Não dava para ser assim, então preparo
algumas perguntas pertinentes a carreira de advogado, possíveis dificuldades
da área, motivos pelo qual escolheu aquele curso e blábláblá. E só então pude
inserir as referências profissionais, se eu tivesse sorte o gostosão seria um
advogado de sucesso que ela citaria e então eu pediria uma entrevista com ele
também.
Que a sorte esteja ao meu favor!
Mais uma vez naquela semana, lamentei o fato de ainda não ter meu
próprio carro. Quando a última aula chegou ao fim, me desvencilhei das
meninas para não dá satisfação e corri para o banheiro. Lá, abri o aplicativo
do Uber e quase xinguei com os valores que estavam aparecendo de onde
estava até a Aruana.

Saí do banheiro quando ouvi tudo mais quieto e fui até o “mini
shopping”, que nada mais é do que o lugar com várias lanchonetes e
restaurantes dentro da universidade, nunca entendi o motivo de chamarem
assim. Como a Celine tinha dito para eu ir depois do almoço, decidi comer
enquanto dava um tempo para o Uber baixar os valores. Eles subiam,
segundo a minha lógica, quando as aulas acabavam e muitos alunos
solicitavam de uma vez.
Optei por pedir estrogonofe de frango. O arroz branco e a batata palha
foram os complementos que, junto ao copo de suco de laranja, me ajudaram a
ficar distraída sem contar as voltas do ponteiro do relógio.

Quando acabei a refeição eram quase 12h 30min. Passei no banheiro


mais uma vez e escovei os dentes, agradecendo aos céus por ter trazido a
nécessaire. Na porta da Unichôa, apelido que damos a universidade, abri o
aplicativo do Uber novamente. A corrida estava dando R$18,00 e,
considerando o tamanho da cidade, era um valor alto, mas ainda assim mais
baixo do que estava dando antes de eu almoçar.
Eu precisava arrumar um estágio logo, é cada vez pior pedir dinheiro
para os meus pais porque o que eles tinham me dado para o mês já tinha
acabado. Solicitei o carro e tentei enxergar entre tantos outros qual seria o
Clio com a placa informada. Será que a Uber já decidiu colocar as fotos dos
carros, com cores de preferência, para facilitar a vida dos usuários?

Entre viradas de pescoço abruptas e mãos nos olhos, para proteger do


sol e tentar enxergar, avistei o carro que me levaria. Dentro dele, depois de
cumprimentar o motorista e mandá-lo seguir a rota do Waze, aplicativo de
GPS, aproveitei o ar-condicionado.
O caminho não era tão longo quando estamos no conforto do carro,
com uma temperatura agradável, mas para quem mora na Zona de Expansão
de Aracaju e precisa de transporte público é longe para caramba. Quem mora
nos outros estados costuma dizer que nós, Aracajuanos, não entendemos nada
sobre distâncias. Só porque é possível percorrer todo o estado de Sergipe em
poucas horas. Mas todos sabemos que o tempo é relativo e mesmo na capital
do menor estado do Brasil há trânsito. Ah, eu já mencionei o calor infernal?
Então, não venha me dizer que não podemos reclamar de distâncias!

Atualmente, a Aruana pode ser considerada um dos melhores bairros


em Aracaju. Está localizado na Zona de Expansão que surgiu com o
crescimento da cidade e falta de espaços para construir na área nobre. Dessa
forma, por ser uma opção aos pés do mar, no coração de um parque ecológico
aberto está na iminência de se tornar um dos bairros mais luxuosos da cidade.

O motorista parou o carro em frente ao endereço que solicitei. Paguei


e agradeci, descendo já com o coração acelerado. Nessa rua, um pouco mais
afastada do “centro” do bairro, poucos terrenos estão construídos. Assim, não
há casas nem do lado direito, tampouco do lado esquerdo do lugar onde foi
realizada a festa. Agora, a luz do dia, percebo o quanto de privacidade aquilo
significa.

A casa possui muros altos, brancos e protegidos por cercas elétricas.


O portão da frente também é branco, fechado, isolando os moradores de
qualquer um que tente ficar de olho no que acontece na piscina.
Toquei a campainha e aguardei alguns segundos. Toquei novamente,
por precaução, vai que ela não havia escutado da vez anterior, não é? Quando
estava prestes a tocar pela terceira vez, o portão se abriu.

— Calma aí, estava descendo — Celine disse, ao me encontrar do


lado de fora. — Pode entrar.

Passei por ela e dei alguns passos para dentro, olhando ao redor. Sem
todas aquelas pessoas dançando, o lugar parecia ainda maior. Há algumas
cadeiras de sol, deitadas confortavelmente no espaço amplo. No dia da festa
elas não estavam ali, provavelmente foram tiradas para dar mais espaço para
as pessoas dançarem. A piscina, quadrada, de água limpa e convidativa,
ficava à direita.
— Vamos para a varanda? — Celine disse, parando ao meu lado, com
um sorrisinho de quem me flagrou morrendo de calor.

— Obrigada mesmo por ter aceitado, por livre e espontânea pressão,


me receber — falei, enquanto andávamos até a varanda.

— Negar água? Não quero ir para o inferno — perturbou, enquanto se


acomodava na poltrona.
Abri minha bolsa e retirei de lá o meu caderno com as perguntas que
tinha criado mais cedo, bem como uma caneta e o meu celular.

— Vou gravar para transcrever, tudo bem? — informei. Esse é


realmente o padrão que devemos seguir em entrevistas.
— Certo.

Ativei o gravador de voz e comecei a fazer as perguntas. Inicialmente,


pedi que me falasse seu nome e seu curso. Em seguida, questionei sobre sua
escolha, seus sonhos profissionais e seus medos. Celine foi muito segura nas
respostas e eu sorri, assentindo sempre que ela respondia exatamente o que eu
tinha acabado de perguntar.
Não sei se vocês já perceberam, mas tem pessoas que não conseguem
fazer isso. Você faz uma pergunta objetiva e recebe, como um presente de
grego, uma narrativa prolixa e que, às vezes, nem contém a resposta do que
perguntou.

— Há algum advogado na sua família? Em quem se inspirou para


escolher o direito? — perguntei, algum tempo depois.

— Apenas um tio meu é advogado, mas não chegou a ser uma


referência mesmo, porque ele não mora aqui. Eu me inspirei na vontade de
defender grandes causas mesmo, usar a palavra como instrumento e as leis
como base.
— Seus pais te influenciaram na sua escolha? — Tentei ir por outro
caminho.

— Minha mãe não está mais entre nós e o meu pai me apoia em tudo.

— Você tem irmãos? — Mais velho que você eu quis complementar,


mas não o fiz.
— Hum, não. Mas não entendo no que isso possa influenciar a minha
carreira... — ela ergueu uma sobrancelha.

— Minha próxima pergunta era se você, de alguma forma, pretendia


influenciar alguém a seguir os passos jurídicos — sorri, ao conseguir
contornar com coerência.

— Ah, tá. Mais alguma coisa?

Eu precisava ganhar mais tempo, não havia conseguido nada com essa
entrevista.

— Acho que gostaria de um copo de água — pedi, por fim — as


perguntas são essas, mas se surgir alguma dúvida durante a transcrição posso
te perguntar?

— Claro! Água mesmo? Tenho suco de laranja, refrigerante, cerveja...


Ah, podemos ir para a piscina se quiser.
— Sério? — desliguei o gravador de voz, já que a entrevista estava
encerrada — se não me achar muito enxerida, eu aceito sim.

— Jornalistas costumam ser enxeridos, mesmo — ela ri — vamos


entrar, tenho um biquíni que nunca usei e posso te emprestar.

Quando entramos na casa, eu senti o meu coração acelerar. Era como


se eu pudesse voltar no tempo alguns dias. Até a festa. Minha pele se
arrepiou ao recordar daquelas mãos me empurrando na cama e eu quase parei
de andar e fechei os olhos, permitindo que meu corpo revivesse aquela noite.

— Liz? — Celine me chamou — eu perguntei o que você quer beber.

— Ah, o que você for beber — respondi, incapaz de fazer qualquer


escolha.

— Vamos de cerveja, então — ela falou, indo até o outro lado, onde
deve ficar a cozinha.
Eu me mantive parada, aguardando até que ela voltasse de lá. Pelo
tom recriminador com que me abordou e por estar no andar de cima, o cara
mora aqui. Ok, eu estava no andar de cima e não morava, mas nem todo
mundo invade propriedades alheias. Meu palpite era que ele morava ali e pelo
terno, pode ser que seja o dono da casa.

Será que...
Puta que pariu e se o cara for marido da Celine? E eu, além de transar
com ele, inventei uma bela mentira para saber mais e, quem sabe até me
encontrar com ele hoje. Na casa dela.

Eu não podia fazer isso. Que mulher eu seria se o fizesse? Não, eu


guardaria aquela noite como uma lembrança proibida e nada mais.

— Estão geladas — Celine se aproximou com um baldinho vermelho


cheio de gelo e Budweiser.
— Tenho que ir — informei assim que ela chegou perto de onde eu
estava — eu estou sem crédito e não consigo falar com a minha mãe e... Bem,
eu precisava falar com ela.

— Agora que me empolguei com ideia de algumas horas na piscina?


Eu te empresto meu celular.

— Mas é que... — hesitei — certo, me empreste o celular.

— Só um minuto — ela se virou e andou de volta até a cozinha,


retornando com o aparelho em mãos.

— Aqui está — me estendeu o Iphone — vamos andando lá para fora.

Quando minhas mãos tocaram no aparelho eu soube que não teria


outra chance. Era hora de descobrir se o cara era o marido dela mesmo e dar
tudo aquilo por encerrado. Por mais que a transa tivesse sido boa, eu nunca
me sujeitaria a magoar a Celine. Algumas horas de convivência e eu já
simpatizava com ela.
Meu polegar foi certeiro, clicando no ícone do WhatsApp. Não havia
lugar melhor para a minha busca: era rápido e eficiente. Deslizei os dedos
rapidamente e deixei meus olhos varrerem os nomes nas conversas. Celine
andava na minha frente quando eu vi a foto de perfil. Era ele. Estava de
óculos escuros e boné, mas eu tinha certeza absoluta que era ele.

Ao lado da foto estava o nome do contato. Eu não sei se o que senti


foi surpresa, felicidade ou desespero.

As poucas letras que estavam ali formavam uma palavra repleta de


significado: PAI.

— Já ligou? — Celine disse, olhando para trás.

— Não chamou... — menti, andando em direção a ela.


— Tenta o WhatsApp, ela usa? Putz, é só te passar a senha do Wi-fi.

— Vou pegar o meu celular — avisei, voltando alguns passos até


onde fizemos a entrevista, enquanto ela estava indo para a borda da piscina.

Olhei o número dele e repeti, mentalmente, diversas vezes. Quando


cheguei até o meu aparelho, digitei no visor os números que repeti e salvei
rapidamente na agenda com o nome “tiozão”.

— A senha é CC1234café — ela gritou.

— Café? — eu ri da escolha — que criativa!

— É uma piada, eu e o meu pai odiamos a bebida, mas todo mundo


parece gostar.
Andei até ela e, quando me aproximei, devolvi o seu aparelho. Celine
tinha aberto um sombreiro e se instalado em uma cadeira de alumínio. Sentei
em uma ao lado.
— Como assim odeiam café? Quem, em sã consciência, não gosta
daquela gostosura quente? O que vocês bebem no café da manhã?

— Chá, suco, achocolatado, água... Tantas opções! — explicou


didaticamente, enquanto retirava a tampa da garrafinha.
— Amo café, principalmente com cuscuz ou com macaxeira... Hum,
dá até fome.

— Minhas amigas gostam também, típico café nordestino.

— Desconfiei pelo sotaque que não era daqui...


— Ah, quer falar de sotaque, dôdha? Vocês acrescentam letra onde
não tem! Doidha, ao invés de doida; oitho, no lugar de oito...

— Não temos sotaque, você está louca, querida — perturbei. — Mas


de onde você é? — Perguntei depois de abrir a minha própria garrafinha de
Budweiser.

— Rio Grande do Sul.


— Um brinde ao calor infernal, então — levantei a garrafinha e ela
fez o mesmo. Batemos uma na outra antes de dar outro gole.

— Podemos remarcar o banho de piscina? — Perguntei, mexendo no


meu celular — vou ter que ir mesmo.

— A piscina não vai a lugar algum — ela riu — e todas as minhas


amigas têm as próprias piscinas, então qualquer dia eu posso querer
companhia.
— Acabou de fazer eu me sentir menos enxerida — brinquei, sorrindo
— obrigada pela entrevista.

— Doeu menos do que eu pensei, anote meu número e me passe o


seu, qualquer coisa a gente se fala — assenti e ditei os números do meu
celular enquanto ela digitou na tela do seu aparelho. Alguns segundos depois,
uma mensagem vinda dela apareceu no meu Whatsapp.
Salve aí ;)

Eu salvei e me despedi assim que acabei de tomar a cerveja da


garrafinha. Deus sabe como eu queria ficar mais, mas precisava dar um passo
atrás para esquematizar os passos seguintes. O dia tinha sido produtivo,
estava saindo daquela casa com o número de telefone do homem que
povoava os meus pensamentos.
Se você jamais esperou que o boy (crush, peguete, ficante chame
como quiser) ligasse no dia seguinte que atire a primeira pedra. Nem todos os
meus casos foram frustrantes e sem orgasmos, seria hipocrisia da minha parte
dizer isso. Fato é que sim, eu já fiquei olhando para o meu celular esperando
que ele tocasse. Como se a força do meu pensamento pudesse atravessar o
aparelho, viajar nas linhas invisíveis e atingir, em cheio, o meu destinatário.
Que, de repente, passaria a ser o remetente e me ligaria.

Quem nunca?
Era mais ou menos isso que eu estava fazendo agora. Só que bem para
menos, não é? Considerando que o boy não tem o meu número, não sabe o
meu nome e pode nem lembrar que me fodeu. Mas eu era uma pessoa legal e
tinha conseguido facilitar as coisas caso ele lembrasse, quisesse e só não
pudesse, por qualquer motivo que seja, entrar em contato comigo.

Depois da cerveja pós-entrevista, eu me despedi da Celine. Pedi um


novo Uber, chorosamente lamentando o gasto, e assim que o carro parou fiz o
pagamento e entrei no meu condomínio.

Divido apartamento com mais três meninas: Malu, estudante de teatro


da mesma faculdade que eu, mas de turno diferente; Jaci e Welma que são da
mesma turma de letras na Universidade Federal. Nosso apartamento é
alugado, a dona mora em outro bairro e eu cheguei até ele através de
anúncios na internet. Meus pais moram em Itabaiana, cidade que fica há mais
ou menos 58km da capital, o percurso não é dos mais demorados, uma hora
de carro. No começo, assim que começaram as aulas, meu pai me trazia e eu
voltava de micro-ônibus, mas era muito cansativo e as horas que eu perdia na
estrada poderia estar estudando. Além dos perigos de viajar pela BR com
tanta frequência, a necessidade de fazer trabalhos em grupos... Enfim, alugar
um apartamento acabou sendo o mais viável.
Eu tinha mais privacidade sem meus pais, certo? Errado. Nosso apê
tem apenas dois quartos, o que significa duas meninas em cada. O que mais
ganhei nessa mudança foi responsabilidade: se eu não lavar minha roupa, ela
continua suja e se não lavar os pratos que sujei, vai dar bicho neles porque
ninguém mais lava. Por fim, se eu quiser fazer uma ligação privada, tenho
que ficar no térreo ao invés de subir os quatro lances de escada até em casa.

Andei até um dos bancos de cimento, próximo da área de lazer, e me


sentei à sombra de um dos prédios. Passava das 15h. e o calor ainda era capaz
de me derreter. Peguei o meu celular e rolei, com o dedo no touch screen, a
lista de contatos até chegar ao número que salvei como “tiozão”. Patética ou
previsível?

Pairei sobre o contato, tentando ponderar e me convencer de que


aquilo não tinha o menor sentido, mas quem estava buscando sentindo,
gente? Sempre ouvi dizer que temos que correr atrás do que queremos e era
só isso que eu estava fazendo: indo atrás de alguém que eu queria.

E como eu queria.

Sem mais hesitações, toquei no contato e levei o telefone ao ouvido.


Eu tinha crédito, só tinha dito o contrário como desculpa para tentar sair da
mansão, afinal ele poderia ser marido dela e eu não me sentiria bem com
aquilo naquele momento. O som da chamada, aquele som contínuo que pode
ser interrompido a qualquer momento, me enchia de expectativa. Sou capaz
de jurar que estava ouvindo meu coração bater mais rápido.

A ligação chamou muitas vezes antes de cair na caixa postal.


Frustrada, encerrei-a para recomeçar. A segunda ligação foi exatamente igual
a primeira, toques contínuos que me deixaram aflita e acabaram ignorados.
Eu tentaria apenas mais uma vez, como um critério de desempate, uma
chance extra ao destino ou... Sei lá, por que já estava ficando irritada?

A minha vontade era dizer, de maneira não tão paciente, assim que ele
atendesse a ligação: por que demorou tanto, está achando que eu tenho todo
tempo do mundo para falar com você?
Mas assim que houve retorno do outro lado, senti meu coração se
apertar, como em um susto repentino. Semelhante a um objeto que cai, sem
você esperar, e o barulho dele ao tocar o chão quase te faz gritar.

— Espero que seja importante — ouvir aquela frase naquela voz


áspera e baixa quase me fez cair do banco.

Fui imediatamente transportada para o modo como ele me tratou ao


me ver invadindo um dos quartos da mansão. Aquela voz no meu ouvido era
capaz de me fazer gemer ali mesmo, em plena luz do dia, sozinha e em
público.
— Se não tem nada importante para dizer e ligou só para me
atrapalhar, vou desligar — ameaçou.

— Não desliga — respondi, por fim, de maneira rápida e um tanto


desesperada — eu precisava falar com você.
— Quem está falando?

— A mulher que invadiu sua casa alguns dias atrás — falei,


assumindo de uma vez quem sou. Ele ficou calado e eu continuei: — Não
consigo parar de pensar em você e no que fizemos naquela noite. Toda vez
que eu fecho os olhos, e às vezes até com eles abertos, lembro do seu toque.

— Qual é o seu nome, criança? — perguntou, como se falasse


realmente com uma criança que o importunava.
— Não sou criança. Sou uma mulher que sabe o que quer e o que eu
quero é você — respondi como a mulher que sou.

— Nome! — ordenou sem qualquer esforço.

— Liz — obedeci sem hesitar.


— Liz, você sabe o meu nome?

— Não, mas...

— Você não me conhece. Não deveria ter meu número e aquela noite
foi um erro. E se eu for casado?
— Você não é — falei rápido demais.

— Como você pode saber?

— Qual é o seu nome? — repeti a pergunta que ele havia me feito


alguns segundos atrás para desviar o foco do fato de que estive na casa dele
novamente.
— Eu não tenho interesse, entendeu? Não ligue novamente — percebi
que ele encerrou a ligação quando os ruídos, do outro lado da linha, foram
cessados.

— Filho da puta! Desligou na minha cara... — verbalizei, olhando


para o celular, para ter certeza que aquilo tinha acabado de acontecer.
Não me disse o nome, me dispensou por telefone e desligou na minha
cara?

Ah, mas isso não ia ficar assim.

Não ia mesmo.
Subi os quatro lances de escada furiosa, pisando firme em cada um
dos degraus até chegar ao meu andar. Nem todo esse exercício acelerado fez
a minha irritação diminuir um pouquinho sequer. Quem ele pensava que era?
Agora era questão de honra estarmos cara a cara novamente e quando ele
estivesse excitado, o que com certeza eu farei acontecer, será a minha vez de
dizer: não tenho mais interesse, entendeu?

Bufei, soltando o ar pela boca assim que entrei no apartamento.


Fechei a porta com mais força do que deveria, deixando-a bater em um baque
firme. Peguei o celular para avisar a Celine que tinha chegado, que estava
tudo bem e que eu havia me arrependido de não ter ficado para a piscina.
Menti dizendo que, no fim das contas, consegui resolver os assuntos com a
minha mãe por telefone mesmo.
Conversamos por alguns minutos até que eu enfim, joguei a isca:

Eu: Podemos remarcar a piscina para amanhã?

Enviei, torcendo para que a resposta fosse sim.

Celine: Até poderia, mas tenho compromisso e só devo chegar no fim


da tarde.
Eu: Fiquei sabendo que banho de piscina no fim do dia é ótimo para
pele.

Insisti, se fosse no fim da tarde e se estendesse era ainda melhor. Uma


hora aquele imbecil chegaria em casa, certo?

Celine: Você é maluca mesmo. Mas não sei porque, gosto de você.

Isso quase me fez voltar atrás. Eu também já gostava dela, era


impressionante e surpreendente, mas real. Poderíamos ser amigas com
facilidade se nos conhecêssemos melhor.
E se eu não tivesse transado com o pai dela.

Eu: Eu também gosto de você. E sei o motivo.

Respondi, de maneira sincera. Ela tinha me recebido bem, aceitado


me ajudar e nem imaginava que tudo não passava de um planinho sórdido.
Tudo bem, eu não sabia que o cara era pai dela antes e agora...

Agora eu precisava dar o troco. Seria só isso: excitar, rejeitar e correr.


Celine: Tudo bem, amanhã no fim da tarde.

Ela confirmou e eu sorri.

Eu: Até amanhã <3


O dia seguinte voou. Assisti as aulas da manhã, corri para casa,
preparei meu maravilhoso almoço composto exclusivamente de macarrão
instantâneo sabor frango e fui me preparar para a “piscininha”.

Eram quase 16h quando Celine mandou mensagem avisando que


tinha acabado de chegar em casa. Eu já estava pronta, com mochila nas costas
e tudo o mais, esperando só esse aval para poder sair. Dessa vez fui de
ônibus, por motivos óbvios: quanto mais tarde eu chegar, mais tarde vou sair.
E isso aumentava exponencialmente as chances de encontrar o tiozão chato.
O percurso demorou cerca de quarenta minutos. Uma vez que do
Bairro Jabotiana, onde moro, não tem transporte direto até o bairro onde está
localizada a casa de Celine, precisei descer e pegar um novo ônibus. A única
coisa boa nisso tudo é que em Aracaju é possível rodar praticamente a cidade
inteira com uma única passagem, graças aos terminais de integração, nesse
caso eu troquei de ônibus no terminal de integração do Distrito Industrial.
Mais uma vez, fiz uma anotação mental de falar com meus pais sobre o carro,
meu aniversário não tardaria a chegar e não havia nada que eu estivesse
precisando mais.

Quando toquei a campainha, ela abriu rapidamente.

— Achei que tinha desistido — ela disse assim que o portão branco
foi aberto.
— Tive que vir de ônibus, convenhamos que aqui não é o lugar mais
perto do mundo... — respondi sorrindo.

— Você não é sabe o que é distância! Entre — ela me deu passagem.

— Típica conversa de quem vem de fora — perturbei, passando por


ela.

Celine estava com os cabelos castanhos molhados. Seu corpo, branco


e em forma, ficava muito bem no decotado maiô vermelho. Por alguns
segundos eu me senti com vergonha de me despir.

Sempre fui magra e por isso tive alguns apelidos insuportáveis na


escola: palito, morta de fome, pena de passarinho e o mais engraçado deles:
canela-joelho-canela. Que os meninos do ensino fundamental maior usavam
para dizer que eu não tinha coxas. Para eles, as minhas pernas eram
compostas apenas por canela e joelho, no lugar das coxas eu tinha algo tão
fino que também era uma canela.
Apesar disso, sempre tive os quadris um pouco mais largos e a cintura
mais afinada, então não me achava tão magra quanto faziam questão de dizer,
mas isso me incomodou, principalmente na adolescência. Atualmente não sou
tão magra quanto era, se não fosse meu metabolismo acelerado estaria bem
mais forte, provavelmente sendo apontada pelos outros por ter engordado
demais, ninguém nunca está satisfeito e adora falar do corpo alheio.
Atualmente, a minha alimentação era riquíssima em calorias vazias, por isso
eu tinha mais coxas, mais bunda e um pouquinho de barriga também e, claro,
as estrias e celulites que agora habitavam em mim. Nada muito acentuado,
mas ver o corpo perfeito da Celine me fez lembrar do meu não-tão-perfeito-
assim.

— Você falou tanto dessa piscina que acabei caindo nela quando
achei que você não vinha mais...
— Eu nunca deixaria de vir — confessei — posso deixar minhas
coisas aqui mesmo?

— Sim, deixe aí na mesa e pegue uma dessa — apontou para o


mesmo balde vermelho de ontem, dessa vez ainda mais cheio de cervejas e
gelo. Celine pulou, mergulhando na piscina.
Tirei o vestido amarelo, com estampa de pequenas flores, pela cabeça
e larguei na cadeira de sol, ao lado da minha mochila. Prendi meus cabelos
longos em um coque no alto da cabeça, deixei as sandálias de lado e fui para
a água.

— Já transcreveu a entrevista? — perguntou, quando nadou até a


borda por onde entrei.

— Ainda não, mas o farei quando chegar ou amanhã.


Meu biquíni era no estilo cortininha. Azul marinho com listras
brancas finas. A parte inferior era presa por um laço de cada lado e a superior
estava amarrada nas costas e no pescoço, mas só percebi que estava folgado
quando já estava molhada.

— Você aperta para mim? — Perguntei, virando de costas para ela.

— Claro — Celine se aproximou e eu senti seus dedos desatarem o


laço das costas, refazendo o nó em seguida. — Liz, preciso deixar uma coisa
clara... — fiquei tensa na hora, imaginando todas as maneiras com as quais
ela poderia me colocar para fora dali porque descobriu que eu menti. — Não
vai rolar.
Virei-me devagar até encarar os olhos castanhos claros da garota.

— Eu... — gaguejei, sem conseguir dizer nada.

— Essa história de piscina e tal, se estiver fazendo isso com interesse


em mim, preciso deixar claro que não vai rolar. Acho você linda, mas já estou
conhecendo uma pessoa.

Quase ri. Não sei se de nervoso ou de tensão, mas quase caí na


gargalhada por ela estar me dispensando por achar que eu estou a fim. Se
bem que eu estava agindo realmente como alguém que queria algo, o que ela
não sabia era que meu interesse era por outro membro da família.
— Desculpe se estou sendo sincera demais — ela continuou, quando
percebeu que eu não havia dito nada em resposta.

— Não, eu quem peço desculpas é... — hesitei — não foi a minha


intenção, Celine. Sinto muito se, de alguma maneira, eu tiver assediado você.

— Não assediou, só estou deixando as coisas claras para que mais


para frente não fiquem confusas... Vamos nadar? Ah, por favor, falou tanto
de calor e está sem molhar o cabelo, me poupe!
Ela usou as mãos para jogar água para cima, mais precisamente para o
meu rosto. Em poucos segundos meu cabelo ficou ensopado.

Gargalhei, revidando na mesma moeda.


O sol já tinha se retirado, dando lugar a discreta lua e as estrelas que
brilhavam intensamente no céu sem nuvens, quando o portão voltou a se
abrir. Fui totalmente pega de surpresa com o barulho da abertura automática.
Meu coração disparou, em antecipação. Achei que fosse ter pelo menos um
minuto para preparar meu carão de mulher superior, já que achei que ele
chamaria e a filha abriria o portão antes de ele, finalmente, aparecer.

Mas é claro que o portão era automático e quando se abriu eu não


pude me mover. Estávamos sentadas na borda da piscina, com os pés na
água, havia alguns minutos. As garrafinhas de cerveja vazias, se acumulavam
próximas a nós. Depois que ela deixou claro que eu não tinha chance com
ela, o tempo passou rápido. Conversamos sobre a festa que fui de penetra, o
dia-a-dia na Unichôa e qualquer outra amenidade que surgiu ao longo das
horas até que, de repente, o portão se abriu me trazendo para a realidade.
O carro percorreu a área da frente da casa em poucos segundos,
estacionando na cobertura, há alguns metros de onde estávamos. Ouvi a porta
do motorista abrir e fechar, sentindo-me cada vez um pouco mais tensa.

— Pai? — Celine chamou, elevando a voz.


— Agora não — ele respondeu, com a voz distante. Olhei para lá e o
vi entrando na casa.

— Desculpe, Liz, ele não costuma ser tão mal-educado...

— Não se preocupe, mas talvez eu deva ir embora.

— Se esperar eu tomar um banho rápido te dou uma carona, pode se


trocar no banheiro debaixo enquanto isso — falou, já se levantando. Eu
assenti, levantando em seguida. Era a oportunidade perfeita.

Enquanto ela entrava, eu fingi me preocupar em juntar as garrafas que


deixamos espalhadas, para dar tempo de uma possível conversa entre pai e
filha. Quando juntei todas, me enrolei na toalha que Celine me trouxe, peguei
minha mochila e corri para o interior da mansão.

Subi as escadas silenciosamente e me vi invadindo novamente aquele


espaço. Olhei rápido para a parede na qual ele havia me encostado e respirei
fundo, seguindo para o quarto em que tinha sido flagrada.

A porta estava destrancada quando girei a maçaneta, entrei de uma


vez, antes que ele pudesse me impedir.

— Que porra você está fazendo aqui? — a ferocidade com que ele fez
esse questionamento me fez dar um passo para trás, quase me recostando à
porta.

— Eu disse que precisava falar com você — respondi, tentando


manter o controle da voz.
É só um homem, Liz.

Dei alguns passos para o meio do quarto, deixando a mochila no chão,


pelo caminho. Ele estava de pé, próximo a porta de vidro da varanda. Usava
calça social cinza e camisa branca, de manga longa e botões. Jogado sobre a
poltrona estava o terno que combinava com a calça, igualmente cinza.
— E eu deixei bem claro que não tinha interesse. O que pensa que
está fazendo na minha casa, com a minha filha? Que tipo de louca
perseguidora é você?

Dei mais alguns passos, sob o olhar dele, atravessando o quarto e


diminuindo, cada vez mais, a distância entre nós. Quando cheguei bem perto,
deixei a toalha cair, exibindo meu corpo no biquíni molhado.

— Não consegui esquecer nenhum segundo daquela noite... — o olhar


dele percorreu minha quase nudez. Seus olhos escuros varreram cada
centímetro de pele exposta e ascendeu meu desejo, como se fosse possível me
excitar só com o olhar.
Precisei lembrar a mim mesma que o plano era excitá-lo e fugir. Dar o
troco e correr. Cair fora.

Anda, Liz...

Mais alguns passos foram dados. Meu coração, um pouco mais


acelerado, martelava contra o meu peito.
— Eu sei que você quer... — sussurrei, deixando que minhas duas
mãos se apoiassem no peitoral do homem.

Foi então que meu plano se desfez.

Ele segurou meus pulsos com firmeza, apertando os dedos em volta


das articulações que seguram minhas mãos.
— Você não sabe nada e não deveria estar aqui — sua voz é quase um
rugido baixo, sensual e assustador.

— Mas eu estou, o que você vai fazer? — instiguei.


— Vou fazer com que você não volte — avisou.

Ele me libertou e eu baixei os pulsos. Andou rapidamente, passando


por mim, até chegar a cama.

— Vem aqui — sua voz dura continha comando. Eu obedeci, me


virando e indo em direção a ele, que já estava sentado na cama. — Você
deixou claro que quer que eu te foda, entendi errado? — neguei com a cabeça
— fale! — puxou-me para ficar, de pé, entre as suas pernas.
— Entendeu certo — confirmei com a voz fina, quase como um
miado.

Ele moveu a cabeça, se inclinando para perto e, sem que eu esperasse,


mordeu meu seio sobre o biquíni.

— Ah! — Eu gritei de dor e de susto.


Ele levou sua mão direita até a minha boca e, com o formato da mão
em concha, impediu que eu continuasse a gritar.

— Calada!

Com a mão livre, ele afastou o tecido do seio dolorido e lambeu ali,
aliviando o formigamento. Foram poucos segundos de alívio, os dentes dele
prenderam meu mamilo, dessa vez sem o tecido, fazendo com que eu reagisse
dando um passo para trás. Sua língua, mais uma vez, acariciou o local e o
misto de sensações geraram uma descarga de prazer intensa diretamente entre
as minhas pernas.
— Eu vou tirar a mão da sua boca e você vai ficar quieta, entendeu?
— assenti.

Ele ficou de pé e cumpriu o que prometeu, deixei que a respiração


fluísse entre os meus lábios entreabertos, sorvendo o ar. O laço que prendia
um dos lados da calcinha do biquíni foi desfeito com um puxão certeiro,
fazendo-o folgar. Os dedos dele desfizeram o laço do lado contrário,
desamarrando completamente para, em seguida, puxar a peça com força.

Quase não acreditei quando ele levou o tecido até o meu rosto,
imaginei que fosse passar no meu nariz para que eu inalasse o cheiro, mas ele
passou o tecido pelos meus lábios, puxando e apertando, dando um nó atrás
da minha cabeça.

Eu estava amordaçada com a minha própria calcinha. O tecido estava


úmido e preso firmemente, fazendo com que minha língua o tocasse.

A parte superior não demorou muito no lugar, ela foi desamarrada


com maestria. Meus braços foram colocados para trás e, em poucos
segundos, meus pulsos foram cruzados e amarrados.
Tentei movê-los, mas a fricção fazia o tecido se apertar um pouco
mais.

Ele me empurrou contra a cama, meus seios e minha barriga em


contato direto com o edredom cinza. Senti o meu coração disparar e o meu
corpo aquecer, com receio do que estaria por vir.

Vou fazer com que você não volte.


De que maneira ele pretendia fazer isso? Me batendo?

A resposta não demorou a vir e foi mais agradável do que eu


esperava. As minhas pernas foram separadas, expondo meu sexo. Ele o abriu
e lambeu, fazendo eu me contorcer. A lambida foi rápida e quente, mas
suficiente para me fazer gritar por mais. Se eu pudesse gritar. Gemi contra o
biquíni e ele enfiou dois dedos em mim. De uma só vez, curvando-os lá
dentro.

— Se eu tivesse tempo deixaria você dolorida para que toda vez que
tentasse sentar, lembrasse de nunca mais aparecer aqui — as palavras dele me
distraíram, mas não aliviaram o tapa que levei.

Caralho!

A mão dele desceu firme sobre a minha nádega, me causando susto.


Quando o tapa foi dado na outra, não me assustei, mas senti a ardência se
espalhar pela pele. Ele moveu os dedos dentro de mim, retirando e enfiando
novamente, de maneira compassada. Quase rebolei e foi então que outro tapa
veio. Depois outro. Não sei como ele conseguia fazer com que as palmadas
não fizessem barulho, diante da força, eu esperava que a filha dele fosse
invadir o espaço e me ver diante daquela situação.

Mas isso não aconteceu e eu pude contar cinco tapas em cada lado da
minha bunda. Ardendo, queimando e formigando... Mas senti também o
quanto minha boceta estava excitada, mais molhada do que quando estava na
piscina.
Meus braços estavam desconfortáveis, minha bunda ardia, mas eu
esfregava os seios contra edredom, buscando ainda mais sensações. Meu
rosto estava de lado, pressionado contra a cama, mas não pude ver quando ele
se afastou. Só senti falta dos dedos dentro de mim.

Por pouco tempo, quando o pau dele preencheu aquele espaço, quase
não me lembrei meu nome, quiçá que dedos estiveram ali.

Meu carrasco estava meio de pé entre as minhas pernas, inclinado


sobre mim, enquanto me tomava. Seu pau me encheu por completo,
dominando cada um dos espaços dentro de mim e eu percebi que ele acertou
em cheio em me amordaçar, caso contrário eu estaria urrando alto.

Ele socou uma, duas, três vezes. Saindo e indo fundo, punindo e
tentando fazer doer. Sua mão recomeçou a surra, dessa vez, concentrando as
palmadas do lado direito. Ele me fodeu e me bateu. E eu quis mais.
Quando ele se afastou, quase chorei de necessidade. Já tinha acabado?
Os tapas poderiam cessar, mas ele tinha que me comer mais, eu ainda não
tinha gozado. Fui puxada e virada, ficando de barriga para cima. O peso do
meu corpo sobre os braços amarrados agora era o que mais incomodava.

— Eu devia tirar o preservativo e me masturbar até gozar em você,


negando o que tanto quer... Será que assim você entenderia, de uma vez por
todas, que isso aqui não vai se repetir?

Arregalei os olhos, em súplica, assentindo. E depois negando. Eu não


sabia o que dizer ou o que pensar, só queria que ele calasse a boca e
continuasse.
— Vou ter que improvisar — disse, antes de se afastar da cama
novamente.

Virei o rosto para vê-lo mexer em uma gaveta e depois andar em


direção a varanda, mas não enxerguei o que estava fazendo. Quando o tio
retornou estava com o celular na mão... Eu estava prestes a negar que ele
filmasse ou fotografasse, mas percebi que o aparelho estava revestido em
uma camisinha.

— Coloque os pés na cama e abra bem as pernas — ordenou. Na


posição em que estava, nem era preciso pedir para eu ficar de pernas abertas,
era inevitável. Quase na borda da cama, obedeci apoiando os calcanhares
nela.

O celular, que estava vibrando, foi estrategicamente posicionado


sobre o meu clitóris e eu quase entrei em combustão. Puta que pariu! A
vibração enviava doses extras de prazer naquele ponto e eu fechei os olhos,
quase me perdendo em um orgasmo. Quase. Logo o aparelho foi tirado e um
tapa foi dado naquele lugar. Minha boceta esquentou completamente, como
se água morna tivesse sido derramada na pele sensível.

Antes que eu pudesse absorver a sensação, ele me penetrou. Fundo.


Firme. Fazendo meu corpo se mover, amassando ainda mais os meus braços.
Estocadas deliciosas passaram a dominar a ação e quando o celular voltou a
virar um vibrador, não tive mais como suportar: gozei sentindo os meus
tremores se misturarem ao do aparelho.

Suas mãos grandes cobriram os meus seios pequenos, apertando a


pele, puxando e alisando. O celular continuou seu trabalho de me
enlouquecer, vibrando e enviando sensações únicas diretamente ao meu
clitóris sensível. E aquele pau continuou me fodendo... Até que eu explodisse
em um segundo orgasmo.

Mais algumas estocadas o fizerem, finalmente se entregar. Ele saiu de


mim e retirou a camisinha cheia, dando um nó com calma antes de deixá-la
de lado, para então me puxar. Mas eu não conseguia ficar de pé, meu corpo
ainda estava perdido em algum lugar do paraíso.
Ele me virou de lado e desamarrou a calcinha que me amordaçava,
mexi o maxilar para ver se estava tudo no lugar. Minhas mãos foram
libertadas em seguida e eu soltei um misto de suspiro e lamento.

Eu só queria fechar os olhos e dormir um pouquinho, mas é claro que


ele não permitiria.
— Já tem alguns minutos que você está aqui, onde está Celine?

— Tomando banho — respondi, com esforço evidente.

— Vista a roupa e desça.

Assim que ele terminou de dar a ordem eu o olhei, notando que ele
continuava completamente vestido. A única coisa que denotava que tinha
acabo de foder era a calça ainda aberta.

— Levante e se vista, já dei o que você veio procurar. Não volte mais.

Senti vontade de chorar, o que não era comum. Quando alguém me


irritava ou me tratava mal, eu costumava gritar de volta, mas nesse momento
estou tão exausta que produzir lágrimas me parece fácil e tentador.

Levantei-me da cama e andei até onde a minha mochila estava caída.


Tirei de dentro dela o vestido que vim, leve e florido, e passei-o pela minha
cabeça, deixando que cobrisse rapidamente o meu corpo.

Peguei a mochila e saí do quarto, sem tentar me esforçar para mandá-


lo tomar no cu, como merecia. Depois eu faria isso, agora precisava deixar a
Celine bem, sem saber que eu era a filha da puta traíra que mentiu o tempo
todo.

Desci as escadas devagar, me segurando no guarda-corpo de vidro,


um passo na frente do outro. Quando cheguei ao térreo, senti-me melhor por
Celine ainda não estar ali. Acelerei o passo e fui para a varanda, me sentando
na poltrona confortável onde fizemos a entrevista.

O que tinha acabado de acontecer? O sexo foi insano, nunca pensei


que pudesse gostar de algo assim. Fui amordaçada, amarrada e espancada.
Tudo isso me gerou dois orgasmos seguidos e muita coisa para pensar.

Mas não agora. Eu só queria uma cama bem confortável.


— Desculpe, acabei demorando mais do que o previsto. Tá tudo bem?
— Celine estava usando um short jeans e uma camisa branca, com as mangas
dobradas.

— Só estou cansada, acho que a piscina me enfadou — minto.


— Vamos, vou te levar.

— Onde você pensa que vai? — A voz dele ressoa como um trovão,
me deixando em alerta novamente.

— Vou levar a Liz em casa, prometi uma carona...


— Quem bebeu aquelas cervejas? — ele aponta para as garrafas que
eu havia juntado.

— Tudo bem, eu vou de ônibus, Celine...

— Não vai não, eu prometi que te daria uma carona e eu vou cumprir.
— Está dizendo que vai me desobedecer? — ele pergunta, encarando
a filha com um olhar que, se fosse o meu pai, me faria correr para dentro de
casa.

— Doutor César, fui ensinada a não quebrar promessas — ela rebate e


eu quase sorrio ao, finalmente, descobrir o nome dele.

— Se eu a levar continua sendo carona?


— Sim, eu sabia que não ia me decepcionar! — ela ri — eu te amo,
pai.

— Não pense que estou feliz — Cesár deixa claro.

— Pai! — Celine repreende. — Ele não morde, Liz, pode ir tranquila.


Senti vontade de dizer que ele morde sim e que eu tinha marcas que
provavam isso, mas ao ver ele erguer uma das sobrancelhas, me mantive
calada.

— Liz, não é? Vamos, cumpro a promessa da minha filha e encerro,


de uma vez por todas, esse dilema.
O duplo sentido passou despercebido por Celine, mas não por mim.

O pai foi para o carro, eu segui até o portão ao lado da filha.

— Obrigada pela tarde! — Agradeci e me despedi.

— Podemos repetir qualquer dia — ela convida e eu aceno de volta.

Não, não podemos.

Entrei no carro cinza chumbo e me acomodei no banco do passageiro.


Quando ele chegou, mais cedo, eu li o nome que estava escrito no fundo do
carro: Veloster. Era um carro bonito, cinza chumbo e me chamou atenção por
ter apenas três portas. Assim que sentei, olhei para trás e vi que o espaço
traseiro, diferentemente da frente, tem espaço limitado e só cabe duas
pessoas.
César pôs o carro em movimento, saindo da rua em que mora e
seguindo para a avenida principal. Não havia música ou qualquer outro som
no ambiente, apenas os ruídos dos movimentos que ele fazia.

Fechei os olhos e me mantive imóvel, tentando não pensar em como


deve ser interessante transar com ele dentro do carro. Meu plano tinha
falhado miseravelmente e eu não ia, de jeito nenhum, pedir para que ele
fizesse isso.

Alguns minutos se passaram até que ele decidiu romper o silêncio.


Sua voz me surpreendeu e me fez abrir os olhos:
— Você é jovem e destemida, mas cedo ou tarde precisa aprender que
tanta impulsividade pode te deixar em maus lençóis — ele reduziu a
velocidade do carro — está escuro, eu sou um estranho e você está no meu
carro, totalmente desprotegida. Acha que isso vai acabar bem, Liz?

— Sua filha sabe que estou com você — respondi, tentando não
parecer assustada.
— Bom lembrete. Mas ela é minha filha, eu poderia suborná-la. Acha
que ela escolheria incriminar o pai?

Fiquei calada. Incriminar.

Ele parou o carro completamente. Do lado de fora não havia nada


mais do que alguns postes, sem qualquer sinal de pessoas ou carros. Onde eu
fui me meter?
— Está com medo? — ele se virou para enfatizar a pergunta. O rosto
estava duro, olhos semicerrados e ainda mais escuros.

— Não precisa responder, posso sentir. Tem noção do perigo em que


se colocou por um capricho? Eu poderia fazer o que eu quisesse com você
agora, menina.

— Ligue o carro e me leve para casa. Você não vai fazer nada e não
vai me assustar.
— Eu já te assustei, Liz. O que eu não sei é o motivo pelo qual você
não saiu correndo ainda... — disse em tom baixo.

— Se você fosse me machucar, já teria feito. Por que tanto trabalho


em me assustar? Não consegue lidar comigo?

Ele não esperava pela minha resposta e optou por não continuar a
conversa que iniciou. Ligou o carro e acelerou. Deixando que a velocidade
complementasse o medo que ele tentava me causar.

Acontece que sua falta de resposta se juntou a adrenalina que senti há


poucos minutos e o medo acabou de se transformar em algo quente.
Quente e escorregadio. Como lava de vulcão, se misturando ao meu
sangue e destruindo qualquer resquício de sanidade.

Ele ainda não sabia, mas tudo isso só serviu para me deixar ainda
mais interessada.

Nada, além das instruções de como chegar ao meu condomínio, foi


dito. Ele imaginou, provavelmente, que assim que o carro parasse eu fosse
saltar do banco e correr como um animalzinho assustado para longe do
predador.
Destravei meu cinto, mas não saí. Coloquei minha mão sobre o colo
dele, diretamente em seu pau.

Ele imediatamente segurou meu pulso.

— Criança...
— Odeio quando você me chama de criança — informei, apertando
seu pênis mesmo com o aperto firme me segurando.

— Mas é o que você é, uma criança que acha que pode brincar com
tudo, inclusive comigo — ele retirou a minha mão, sem se mostrar abalado
pelo meu toque.

— Se você costuma amarrar e foder crianças, acho que devo ligar


para a polícia. Pedofilia é crime, você deve saber.
— Garota Insolente. Seus pais não te educaram como deveria.

— Vai me ensinar mais uma lição? — provoquei.


— Você quer jogar um jogo do qual nem conhece as regras, Liz.

— E por que você não me explica? — Insisti.

— Porque não sou professor. Não tenho paciência e nem vontade de


te dar aulas sobre as mil maneiras com as quais eu gosto de trepar.

— Que linguajar mais... Excitante — ele me encarou — você achou


que eu ia dizer vulgar ou assustador? Ouvi você dizer trepar só me fez querer
sentar no seu colo.

— Saia do meu carro.


— Não — respondi, cansada de ser boazinha.

— Não gosto de garotas desobedientes.

— Acho que gosta — rebati mais uma vez.


— Não, não gosto. Você não sabe nada sobre mim. Prefiro às
obedientes, que se submetem e me agradam.

— Hum, posso tentar.

Quando digo isso, ele ri. É a primeira vez que eu o vejo sorrir, não é
uma gargalhada nem nada do tipo, mas seus dentes estão amostra, seus lábios
curvados e um pouco de ar saiu deles.
— Não tem uma só célula sua que seja naturalmente submissa.

— Eu gosto de sexo, posso obedecer se me mandar te chupar.

— Não é sobre isso.


— Então me ensine sobre o que é.

Ele ficou calado. Ponderando.

— O que você tem a perder? Já percebi que adora foder com mais
intensidade. Eu gostei.

— Você não viu nada...

— Faça um teste comigo.

— Vou pensar. Agora fora do meu carro.

— Devo te ligar? — perguntei, para provocar.


— Não. Se é para ser um teste, espere que eu entre em contato.

— Mas...

— Isso não vai dar certo com você me questionando, Liz.


— Ok. Vou aguardar, senhor — enfatizei o pronome de tratamento.

— Repita — ele ordena.

— O que você quiser, senhor.


— Se eu não soubesse do que você é capaz, ficaria de pau duro só
pela suavidade com que diz “senhor”.

— Vou gozar te chamando assim a partir de agora...

— Desça do carro e vá para casa — a ordem veio firme e direta, me


fazendo querer rejeitar só para provocar.
Eu ri, não era assim que as coisas iriam adiante.

Desci do carro como ele ordenou e andei até a portaria do


condomínio.

Quando passei pelos portões, olhei para trás e mandei um beijinho no


ar.
Ele acelerou e foi embora.
Eu cometi um erro.

Grave e quase imperdoável.


Não há justificativas que eu possa dar para ter fodido aquela garota
impertinente. Quando eu a vi ali em um espaço íntimo e privado, me enfureci
e a expulsei. Isso seria o bastante para colocar qualquer pessoa em seu devido
lugar. Principalmente as pessoas que sabem que invasão é crime. Mas ela não
era qualquer pessoa. Tanto é que me enfrentou, me provocou e conseguiu me
tirar do sério.

Meu primeiro erro foi olhar para o seu corpo. Não tinha sido
proposital e foi tão rápido que eu achei que ela não tivesse notado. Mas ela
notou e quando eu a imprensei contra a parede achando que ela fosse recuar,
ela se esfregou contra mim e tudo foi por água abaixo.

Teria sido uma bobagem qualquer, esquecida assim que ambos


gozássemos, se a menina não tivesse conseguido meu número, se infiltrado
em minha casa novamente e conseguido o que queria: ser fodida novamente.
Daquela vez, porém, era um erro calculado. Não tinha como lidar com ela de
outra forma, eu daria o que queria e me asseguraria de que não desejasse
mais.

Eu deveria tê-la assustado.


Mas pelas palavras que disse ao sair do meu carro da última vez que
nos vimos, tinha falhado miseravelmente. Não sou de ficar me questionando,
mas algo que não sai da minha cabeça nesse momento é: que porra uma
garota que mal saiu das fraldas fez para que eu, com mais de 50 anos, não
consiga lidar com ela?

Somente por estar rememorando os fatos, não era um bom sinal. No


momento, deveria estar analisando os itens que faltavam para a formatura da
nossa última turma de vigilantes, mas não conseguia dar a devida atenção aos
assuntos da empresa.

Concentre-se, César.
Olhei para a sala ao meu redor, encarando as paredes cinzas. Antônio
Viana, meu pai, fundou a Safety empresa que trabalha com serviço de
vigilância e transporte de valores há mais de trinta anos, no Rio Grande do
Sul.

Antes de abri-la, ele já entendia bem do ramo de segurança, pois


havia trabalhado em uma empresa do ramo durante muitos anos. Nessa
época, ele era Gerente Administrativo e liderava mais de 1000 funcionários,
então quando abriu seu próprio negócio já sabia o que fazer.

A empresa cresceu e se tornou uma das principais do seu ramo no


estado de origem e eu sou o responsável por sua expansão e instalação em
Sergipe. Quando me mudei para Aracaju, há pouco mais de dez anos, não foi
bem por causa dos negócios. Foi a paixão que me trouxe até a capital do
menor estado do Brasil. Minha esposa era Sergipana e com minha mudança
para cá veio o desejo de abrir uma filial da Safety.

Éramos praticamente empresas independentes, mas a família e o


nome do negócio estavam ligados intimamente. Hoje, em Sergipe, contamos
com uma frota própria de mais de quinze carros fortes, mais de mil e cem
funcionários diretos, entre vigilantes e funcionários do setor administrativo,
serviços de vigilância eletrônica com tecnologia de ponta, escola de formação
de vigilantes que prepara para o mercado de trabalho mais de trezentos alunos
mensalmente.
Isso tudo sempre me encheu de orgulho, meu compromisso sempre
foi com a qualidade de nossos serviços, mas nesse momento não estou dando
a devida atenção que o trabalho necessita. Gosto de controle, tenho afeição
pela previsibilidade que os meus comandos podem causar e quando não
consigo determinar a mim mesmo que esqueça um assunto, tenho que me
concentrar nele até eliminá-lo.

Peguei o celular e procurei o número que me ligou alguns dias atrás,


clicando para retornar a ligação. Foram quatro chamadas curtas antes que
aquela vozinha infernal povoasse minha audição.

— Achei que nunca fosse ligar — foram as palavras que ela disse.
— Aprecio que tenha não tenha ligado — respondi simplesmente, era
realmente algo a se elogiar considerando o histórico dela.

— Queria mostrar que posso ser obediente... — insinuou.

— Onde você está?


— Na universidade.

— Saiu da aula para me atender?

— Sim, senhor — era quase possível ouvir o risinho dela.

— Você tem certeza disso, Liz? — dou uma nova chance para ela
recuar.

— Absoluta. Não há nada que eu queira mais do que ser sua


novamente.

— Que horas suas aulas terminam? — olhei o meu relógio de pulso.

— Às doze devo estar livre...

— Vá direto para casa, almoce e se prepare para mim — instruo —


vou te pegar em casa, passaremos o fim de semana juntos e eu a testarei,
como deseja. Entendeu?
— Que horas você vai me pegar?

— Assim que eu conseguir resolver umas pendências. As ordens são


claras: direto para casa, almoçar e esperar. Se quando eu chegar, não estiver à
vista, me esperando passarei direto e o teste estará cancelado. Tudo bem, Liz?

— Estarei esperando.
— Dê prioridade para as roupas que facilitem o meu acesso ao seu
corpo, até mais tarde, Liz — encerrei a ligação.

Era hora de acabar de vez com essa história.

Eu não erraria novamente.


Ainda na Safety distribuí algumas atribuições ao pessoal de apoio,
pedindo ao diretor geral que ficasse de olho em tudo porque eu precisava sair
mais cedo para resolver algumas coisas. Ele, óbvio, não questionou, mas me
olhou com ar de confusão quando eu citei motivos pessoais.

Era raríssimo que eu me ausentasse da empresa alegando tais motivos,


minha vida pessoal costumava se resumir a minha filha, e Celine não
costumava de me dar motivos frequentes para tais alegações.
Por falar nela, na noite anterior fui informado de que passaria o fim de
semana fora. Os amigos do curso da faculdade planejavam uma festa de
aniversário para uma das meninas do grupo, que morava em Maceió, por isso
a comemoração seria lá.

Precisava confirmar a informação antes de providenciar o meu


próprio fim de semana. Alcancei o celular que estava sobre a mesa e fiz a
ligação.

— Oi, pai — ela atendeu depois de alguns toques.


— Oi, amor, vai mesmo viajar?

— Vou, estávamos agora mesmo confirmando o horário. Devo sair


por volta das duas da tarde para não chegar muito tarde.

— Vão de carro? Um voo é muito mais rápido, sem falar na


segurança...
— Não começa, pai. Vai todo mundo junto e são só quatro horas de
viagem até Maceió.

— Dá para ir todos juntos em um único avião, sabia que ele é bem


maior do que um carro?
— Pai...

— Celine, imponho poucas coisas a você e segurança não é


questionável. Não há a menor necessidade de viajar por estradas perigosas se
existe a possibilidade de um voo rápido e seguro. Quantas pessoas vão?

— Você sabe que está exagerando, não sabe? — não respondi — três
carros, pai.
— Mande os dados de todos para o Eduardo providenciar as
passagens — ela suspirou — aposto que eles vão ficar mais felizes em poder
beber e se divertir sem se preocupar com a direção.

— Mila, faz uma lista com nome e CPF de todo mundo que meu pai
vai bancar o voo... — palmas e gritos de “valeu tio” ecoaram pela ligação —
é, parece que você tinha razão.

— Sempre tenho.

— Obrigada, pai.

— Boa viagem meu amor, não esqueça de me ligar. Amo você.

— Pode deixar, eu te amo ao infinito e além — ela se despediu com


sua declaração baseada em uma frase de Toy Story.
Um fim de semana.

Seria o suficiente para eu mostrar o pior para, finalmente, fazer a Liz


recuar e entender que aquilo nunca deveria ter acontecido.
Ele ligou!

Eu já estava perdendo as esperanças, precisava confessar. Alguns dias


se passaram desde que eu invadi, pela segunda vez, o quarto dele. Transamos,
ele foi obrigado a me trazer em casa e disse que ia pensar sobre o meu pedido
para que ele me testasse.

Bem, eu não era inocente ao ponto de não saber nada sobre BDSM. A
sigla é um acrónimo para a expressão "Bondage, Disciplina, Dominação,
Submissão, Sadismo e Masoquismo". Quem nunca assistiu 50 tons de cinza?
Eu já, várias vezes e ao ver o Grey usando apenas aquela calça jeans baixa...
Nossa, dava calor só de lembrar. Achei a senhorita Anastasia Steele uma
tonta? Nos livros sim, aquela deusa interior dela me dava nos nervos, mas
convenhamos que eu deixaria o Christian me amarrar.

Você deixou o César, querida.


Era verdade, ele havia prendido as minhas mãos e tinha sido
maravilhoso. Isso fazia de mim uma submissa?

Não tem uma só célula sua que seja naturalmente submissa.


Acho que posso me submeter na hora H sim, ceder o controle e ter
prazer com isso. Será que ele me amarraria hoje à noite? Provavelmente sim e
eu estava ansiosa por isso.

Assim que ele encerrou a ligação, pela manhã, voltei para assistir as
aulas. Juro por todos os santos que eu tentei prestar atenção, mas na minha
mente uma sucessão de questionamentos foram se acumulando.

E se ele tivesse só me testando e passasse em casa às 12h30min,


justamente porque sabia que eu não estaria pronta?
Mas e se eu corresse e estivesse pronta em tempo recorde e ele só
passasse às 18h? Ele seria capaz disso? Ah, eu o mataria.

Que roupas facilitariam o acesso ao meu corpo? Vestidos, é claro.


Saias também seriam uma boa opção. Shorts, calças e macacões estavam
descartados da lista para pôr na mala.

E para onde iríamos? Para a casa dele? Não, duvido que ele quisesse
que a filha soubesse que ia me foder. Um hotel? Ou talvez um motel.
Um final de semana inteiro em um motel, nada mal para quem só
encontrava coelhos, hein Liz!

Quando a aula acabou, saí em disparada para a porta da Universidade,


ao mesmo tempo em que pedia um Uber pelo aplicativo. Assim que cheguei
em casa, corri para o banheiro.

Lavar meu cabelo era uma tarefa que exigia dedicação, sempre
envolvia uma hidratação a mais e coisas do tipo, mas hoje não daria para
fazer tudo isso. Apesar de pender mais para o liso, não conseguia colocá-lo
em uma categoria e sempre dava uma alisada com alguns produtos
específicos para diminuir o volume.

Os meus fios são grossos, o que deixa o cabelo mais pesado e cheio,
mas dessa vez preferi dedicar mais tempo a minha depilação a ele. Pelo que
me lembrava uma das exigências do Grey era que a Ana estivesse totalmente
depilada, bem, isso não era um problema para mim.

— Malu — gritei quando saí do banheiro alguns minutos depois —


faz uma trança no meu cabelo?

— Olha ela, tava batendo gilette no azulejo? Hoje tem! Espero que o
boy valha a pena! — perturbou.

— Essa batida no azulejo vai valer, eu já testei — respondi, cheia de


mim, ao me sentar no sofá marrom.
Minha mãe não se conformou por não termos sofá. Mas não era algo
tão essencial para nós, já que nossa moradia ali é temporária e nós passamos
mais tempo na rua do que em casa. Enfim, fato é que ela nos deu o de lá de
casa e todas nós acabamos fazendo uso. Vale comentar que minha mãe
comprou um sofá novo para ela, em seguida.

— Vou passar o fim de semana fora, mas estarei com o celular se


precisarem falar comigo — informei enquanto os dedos dela separavam as
mechas do meu cabelo.

— O fim de semana inteiro? Quem é o cara?


— Conheci em uma calourada, já ficamos duas vezes... Não posso dar
mais detalhes ainda — os dedos ágeis trabalhavam em sintonia quando
respondi.
— Quanto mistério... Espero que seja um bom fim de semana. O meu
será de ensaios — ela é estudante de teatro. Malu continuou torcendo e
movendo as mechas por alguns minutos antes de anunciar: — prontinho!
Uma maravilhosa trança embutida.

— Obrigada, gata!
— Não vai comer? Fiz macarrão com salsicha e sobrou um pouco, se
quiser — ela ofereceu e eu olhei direto para o relógio de parede: 12h42min.
— Não estou com fome! — respondi correndo para o quarto que dividia com
ela.

Não era uma mentira completa, minha mente estava a mil e a vontade
de comer não estava tão presente. Eu tinha outras prioridades, como achar o
vestido envelope listrado para usar agora e arrumar meus itens pessoais para
levar.
Fazia uma hora que eu estava sentada naquele banco, na área de
convivência do prédio. Minha mala rosa, daquelas de viagem que podemos
levar conosco no avião, estava servindo de apoio para os meus pés
estendidos.

Eu deveria ter aceitado o macarrão de Malu, meu estômago estaria


tranquilo e eu não estaria sentada feito uma idiota há tanto tempo. Eu desci as
13h15min, cronometrando cada segundo para agilizar a arrumação das
minhas coisas e esperar, como ele havia dito.
Nos primeiros quinze minutos eu me senti contente por ter feito tudo
em tempo recorde. Nos dez minutos seguintes eu comecei a imaginar que ele
já tinha passado e ido embora, porque eu não estava onde me foi ordenado.
Depois comecei a ficar irritada, talvez a fome estivesse ajudando nesse
sentido e, por fim, quando já estava impaciente e prestes a voltar para casa, vi
o carro Veloster grafite parar na frente do condomínio.

Todos os sintomas foram substituídos por um aperto leve no coração,


como em um misto de felicidade e expectativa, quando vi o carro dele.
Levantei rapidamente e puxei minha mala de rodinhas até o portão, que foi
liberado pelo porteiro. Acenei para ele em agradecimento e fui até o
automóvel.

— Achei que tinha desistido — disse, assim que abri a porta. —


Posso colocar a mala no banco de trás?
— Boa tarde, Liz. Deixe que eu coloque no porta-malas — ele abriu a
própria porta e deu volta pela frente do carro — acho que não posso parar
aqui — pegou a mala rapidamente. Havia um carro vermelho dando sinal
para entrar no condomínio, estávamos atrapalhando o fluxo de veículos.

Sentei-me no banco do carona e, segundos depois, ele se posicionou


do lado do motorista. Coloquei o cinto de segurança e ele deu a partida no
carro.

— Fez tudo que mandei? — perguntou sem me olhar, sua atenção


estava na direção.

Aproveitei para olhá-lo mais atentamente, usava camisa preta de


botões e manga longa dobrada até a metade do braço. Alguns botões perto do
colarinho estavam abertos e, juntamente com a calça jeans tentavam dar um
ar menos formal, mas ainda era a descrição de vestimenta de um homem
sério.

O rosto dele não poderia ser definido como quadrado, o queixo era
um charme à parte e o alongava um pouco mais, eu o definiria como
retangular. Másculo e simétrico. A barba por fazer despontava em pequenos
fios que disputavam para ver quem prevalecia: os grisalhos ou os negros. Os
fios brancos levavam certa vantagem no rosto, no cabelo os negros ainda
predominavam. Mas confesso que o conjunto dava um charme a mais aquele
homem.
— Eu fiz uma pergunta, Liz, prefiro que me responda quando eu as
fizer — a voz dele invadiu a minha zona de inspeção e me trouxe de volta ao
questionamento.

— Sim, senhor, fiz tudo o que pediu — respondi e ele ficou em


silêncio.
Não sei se ele ponderava sobre eu ser muito obediente ou se estava se
preparando para continuar me questionando, mas qualquer que fosse a opção
ficou esquecida quando o meu estômago decidiu entregar a minha pequena
mentira.

Eu esperava que fosse aquele tipo de barulho que parece alto, mas na
verdade só você está ouvindo, afinal vem de dentro. Mas a pergunta que ele
me fez indicava que ele tinha ouvido:

— O que você almoçou? — o tom dele parecia casual, mas estava na


cara que era uma armadilha.

Porra, Liz, não fode!

— Eu... Não estava com fome, tinha comido bobagem na faculdade.


— Quais foram as minhas ordens? — perguntou com o tom de voz
um pouco mais incisivo.

— Ir direto para casa, almoçar e esperar, mas...

— E eu acabei de perguntar se você tinha feito tudo que eu mandei e


você mentiu. A primeira coisa que uma relação BDSM precisa é de
confiança, Liz. Eu preciso confiar em você e vice-versa. Como posso confiar
em uma pessoa que mente por uma coisa tão banal?
As palavras dele me atingiram em cheio, como se fosse um sermão
dado por minha mãe quando me pegava me fazendo algo de errado.

— Desculpe, não foi intencional. Acabei me distraindo olhando para


você e não prestei atenção em tudo que sua pergunta implicava — fui sincera.

— Liz, por que você está aqui?


— Porque eu quero ficar com você.
— Eu a convidei, forcei ou insisti para que viesse?

— Não, estou aqui por livre e espontânea vontade — respondi, ciente


do que aquilo poderia significar.
— E você é livre para ir quando quiser. Não é obrigada a fazer ou a
aceitar nada do que eu proponha ou faça, tudo bem? — assenti com a cabeça
— responda.

— Sim, senhor.

— Ótimo. Você é livre para ir quando quiser, mas se ficar será testada
como pediu e eu não vou poupar você, está de acordo?
— Sim, senhor.

— Tire sua calcinha e guarde no porta-luvas — ordenou


tranquilamente, enquanto os olhos continuavam fixos na estrada.

Ajeitei-me no banco, levando minhas mãos para os quadris, por baixo


do vestido. Fiz com que o tecido rendado preto deixasse meu corpo da
maneira mais graciosa que pude, mas agradeci por ele não estar me olhando
diretamente porque não há graciosidade que exista em tirar uma calcinha
sentada e parcialmente presa pelo cinto de segurança. Abri o porta-luvas no
painel do carro e deixei o pequeno tecido lá dentro, fechando-o em seguida.
— Para onde estamos indo? — perguntei para preencher o silêncio,
estar sem calcinha naquele carro faria minha imaginação ir a mil e eu não
duvidava nada que o banco de couro embaixo de mim acabasse molhado.

— Enquanto estivermos aqui você é livre para falar, mas lembre que o
que disser pode ter consequências — alertou — depois que combinarmos
alguns detalhes só vai falar e fazer o que eu te der permissão, entendeu?

Então era assim que as coisas iam ser? Ele me mandaria calar a boca
ou o que?

— Liz?

— Sim, eu entendi.

— Vamos para uma casa equipada para nos receber.

— E Celine? — Perguntei rápido demais, não era bom lembrá-lo que


eu havia usado a filha dele para conseguir o que eu queria.

— Viajou — respondeu, por fim. — Você toma anticoncepcional?

— Hum, sim, mas ainda assim prefiro sexo com camisinha... Sabe
como é, não é só gravidez.

— É bom ouvir isso, mas talvez precise que faça alguns exames para
me provar que está tudo bem com sua saúde. Os meus estão atualizados, aí
atrás. Pegue e confira — informou e eu fiquei na dúvida se aquilo era uma
frase retórica ou uma ordem para ser atendida.
Por precaução, estiquei-me um pouco até alcançar a pasta preta que
estava no banco de trás. Abri a pasta e meus olhos recaíram na parte superior
da primeira página. Além do nome da clínica onde foram realizados, o
convênio, o nome do médico requisitante e a data (pouco mais de um mês)
fixei nas seguintes informações:

Cliente: César Medeiros Viana.

Idade: 51 anos.
Primeiro, fiquei feliz em saber o nome completo dele, uma vez que
usei de intromissões para ter informações ao seu respeito. No segundo
momento, meu cérebro calculou que a nossa diferença de idade, no momento,
era de trinta anos. Ele era da idade da minha mãe!
Arquivei a notícia para processar depois e me concentrei em analisar
os resultados dos diversos exames. Negativo para HIV, Hepatites, Sífilis e
várias outras doenças sexualmente transmissíveis.

— Tudo certo — respondo depois de um tempo — achei que depois


dessas páginas viria o termo de sigilo e o contrato de submissão.
— Nosso contrato é verbal e quando eu menciono a confiança ela se
refere também a confidencialidade. É apenas um fim de semana, eu não
estava buscando uma submissa, mas se você quiser eu possuo um modelo de
contrato que podemos discutir.

— Podemos ficar com o plano inicial — respondi, insegura quanto a


assinar qualquer coisa.

— Chegamos — ele informou parando em frente a uma casa de


muros altos.
Meu coração disparou com essa simples palavra.

Ele retirou um pequeno controle remoto do bolso e apertou um dos


botões, fazendo o portão cinza se abrir automaticamente. César guiou o carro
até a garagem e desceu.

Poucos segundos depois minha porta foi aberta. Ele me estendeu a


mão.
— Ser controlado é abrir mão das responsabilidades. Testar seus
limites e cuidar de você é a minha tarefa desse fim de semana — aceitei a
mão estendida e o toque simples misturado com a significação dessas frases
fez as minhas pernas fraquejarem. — Antes de qualquer coisa, vamos
alimentá-la. Você precisa estar forte e bem-disposta se quiser realmente
aproveitar tudo.
— Sim, senhor — respondi, pronta para me ajoelhar ali mesmo.

Deve ser interessante a visão de lá debaixo.

Algo que me dizia que eu descobriria em breve.


Não estava buscando uma submissa, tampouco uma relação baunilha.
Minhas relações eram por conveniência. Existem alguns tipos de relações
assim, podem ser determinadas por alguns motivos entre eles o dinheiro e o
sexo. Quando o sexo com outra pessoa é bom, mas não é algo que te motiva,
traz emoções ou te completa, provavelmente é relacionamento por
conveniência. Você se prende a satisfação do momento que lhe é
conveniente. Assim, as sessões aleatórias atendiam as minhas necessidades
básicas, bem como as de quem estivesse comigo, sem necessariamente haver
um depois.

O dominador é um homem comum com uma inclinação a cuidar e


entender as necessidades de outra pessoa, no caso da submissa. Helicópteros,
perseguições de carro, planadores e traumas de infância não são pré-
requisitos para tal estilo de vida. O ideal gerado em torno de Grey acabou
criando ilusões a quem deseja experimentar as vivências por mero
romantismo.

Independente disso, a garota havia se jogado no meu colo como uma


aprendiz de submissa e eu faria ser interessante. Ter a Liz domada e
obediente era utopia, mas desafiá-la e testar os limites que ela mesmo
desconhecia poderia ser excitante.
Foi exatamente por esse motivo que decidi que esse fim de semana de
testes colocaria um fim aos sonhos erótico-românticos da garota para comigo.
Sua menção ao termo de sigilo e ao contrato de submissão confirmou as
minhas suspeitas de que sua curiosidade provinha de filmes e livros.
Imaginei que ela não conseguiria obedecer a ordens simples e estava certo,
não acatar algo tão banal quanto “coma” era uma prova irrefutável que seu
estilo de vida era outro.

Quando entramos na casa que eu providenciei para o fim de semana,


ela olhou ao redor contemplando o espaço amplo da sala de estar. Assim que
saí da empresa, aluguei essa casa já mobiliada perto da praia do Mosqueiro
que é a última praia de Aracaju, no sentido sul, nos limites da cidade com o
Rio Vaza-Barris. A casa possui estrutura completa com seis suítes, piscina,
churrasqueira, ampla varanda e gramado. Muros altos e grades que dão
segurança e uma vista maravilhosa para a praia e o mar. Além de dispor de
todos os eletrodomésticos e utensílios de cozinha, o que facilitou a minha
vida já que foi tudo decidido em cima da hora. Precisei providenciar apenas
os itens e acessórios que usaria com ela.

— Você pode levar suas coisas lá para cima. O primeiro quarto a


direita é o seu — disse, apontando para a escada com corrimão de madeira.
— Certo.

— Acredito que em, no máximo vinte minutos, você almoce.


— Hum, tudo bem.

A casa tinha um estilo mais rústico, com a sala se dividindo entre


paredes brancas e paredes com tijolinhos vermelho à mostra. Móveis em tons
de madeira e itens de decoração se dividindo entre o básico bege e cor de
vinho, lembrando madeira envernizada.
Os passos lentos dela a levaram até a escada, eu os ouvi subindo e se
distanciando enquanto ia para a cozinha. Abasteci a dispensa e a geladeira há
poucas horas, por isso sabia que tinha os ingredientes necessários para
preparar um rápido estrogonofe de frango.

Cozinhar era algo que eu gostava de fazer, mas que não fazia com
frequência. O trabalho ocupava boa parte das minhas horas e, nas livres, eu
passava algum tempo com a Celine. Ela não gostava de cozinhar e não tinha
muita paciência para ficar comigo na cozinha, por isso almoçávamos fora
com frequência.

Separei um punhado de arroz branco e coloquei para cozinhar com


água e sal. Enquanto o carboidrato cozinhava, cortei o peito de frango em
pequenos cubos com rapidez e, em seguida, piquei a cebola. Refoguei-a com
margarina e acrescentei o frango que logo estava cozinhando em seu próprio
sumo. Creme de leite, ketchup, molho inglês, mostarda, milho verde e ervilha
deram o sabor especial ao molho e fizeram o prato está pronto.
Estava escorrendo o arroz quando ela desceu, um tempo depois. Não a
olhei, mas ouvi quando se aproximou. Terminei o que estava fazendo,
desligando todas as bocas do fogão e fui pôr a mesa, ali mesmo na cozinha.
Servi o arroz e o estrogonofe de frango nos pratos rasos de porcelana branca.
Acrescentei batata palha no prato dela, partindo do pressuposto que ela
gostasse tanto quanto a Celine e levei-os até a mesa.
— O que você quer beber? — perguntei, pousando os talheres na
mesa.

— Refrigerante — respondeu de imediato — Coca-Cola, se tiver, está


ótimo.
Andei até o freezer e retirei de lá uma lata do refrigerante de cola e o
vinho rosé que havia colocado para gelar mais cedo. Servi a bebida dela em
um copo e a minha em uma taça e as posicionei diante dos respectivos pratos.

Sentei em uma das seis cadeiras da mesa de madeira e apontei para


que ela também se sentasse. Quando ela o fez, começou a comer antes que eu
mesmo pudesse tocar o meu garfo. Eu a observei levar o garfo cheio até a
boca diversas vezes antes de começar a comer, parece que a ansiedade do
encontro havia trazido fome para ela, afinal.

— O que você conhece do BDSM, Liz? — ela parou de mastigar e


bebeu um gole de refrigerante.
— Sei que existem diversas formas de transar e que algumas delas
envolvem palmadas, ser amarradas e coisas do tipo — respondeu, mais calma
do que eu achei que fosse estar.

— BDSM é sigla para Bondage, Dominação, Disciplina, Submissão,


Sadismo e Masoquismo. Não é apenas sobre “transar”, há muitas pessoas
com relações BDSM que não transam. É sobre poder — ela assentiu. — A
maior diferença nessas relações é que os fetiches são negociados.

— Hum...
— Não vou palestrar sobre o tema, pelo menos não agora, o que você
precisa fazer nesse momento é escolher sua palavra de segurança. É a palavra
que irá usar quando achar que está no seu limite, por isso não pode ser nada
muito complicado e também não pode ser “não”. Assim que você disser a
palavra de segurança eu paro qualquer coisa que estivermos fazendo.

— Se eu disser a palavra estarei reprovada no teste? — questionou


pousando o garfo no prato.
— Não veja dessa maneira ou poderá não dizer apenas por capricho.
Como disse antes, é preciso haver confiança para que as coisas deem certo e
sejam seguras. Se não dirá quando seu limite chegar, como saberei até onde
posso ir? — Liz me encarou em silêncio e eu continuei: — Como acha que
me sentirei se extrapolar e acabar te mandando para o hospital?

Ela arregalou os olhos.

— Posso confiar em você, Liz? — ela assentiu — fale.


— Sim... — sua voz foi quase um sussurro.

— Qual é a sua palavra de segurança?

— Coelho — ela disse sem titubear.


Eu sorri.

— Coelho — repeti e ela assentiu — diga coelho e cesse tudo. Ainda


vai comer? — perguntei notando que seu prato estava quase vazio.

— Não, estava tudo muito bom, obrigada.


— Tenho uma ideia de agradecimento melhor — levantei e estendi a
mão direita para ela.

Liz não hesitou, segurando em meus dedos quase imediatamente. Eu a


conduzi até a sala, parando próximo ao móvel com televisão.

— Fique aqui — soltei sua mão e andei até o lado oposto, sentando no
sofá. — Dance para mim, Liz.
— Não tem música... — ela começou a argumentar. Eu fiquei em
silêncio. — Sim, senhor — ela respondeu depois de alguns segundos cruciais.

Ela fechou os olhos e começou a se mover lentamente. Os braços


envolvendo o corpo, como se estivesse abraçando a si mesma. Sua cintura e
seus quadris passaram a se mover, em seguida, de um lado para o outro. Os
braços desfizeram o X do auto abraço e permitiram que as mãos passassem
pelo corpo, subindo pelos seios e pousando ao lado do pescoço.

Só então ela abriu os olhos. E era fogo que eu via neles. Liz me
encarou de maneira petulante, como se quisesse me dizer que aquilo não era
nada e que ela tiraria de letra. A audácia daquele olhar enviou um aviso de
alerta para o meu autocontrole.

Suas mãos voltaram a passear pelo corpo, dessa vez chegando até a
barra folgada do vestido de listras, fazendo com que subisse um pouco,
mostrando mais das coxas esguias. Ela se virou de costas e continuou
movimentando a cintura, como o pêndulo de um antigo relógio de parede.
Suas pernas se afastaram um pouco e ela abaixou o tronco para desatar as
tiras da sua sandália, mas ela não flexionou as pernas o que resultou em sua
bunda para o alto.

— Tire o vestido — ordenei, antes que ela continuasse achando que


mandaria no jogo.
Ela se desfez da peça rapidamente, tirando pela cabeça antes de jogar
no chão. Completamente nua, ela voltou para a mesma posição para
desamarrar o outro pé da sandália. Meu pau reagiu quando eu tive visão
completa da sua bunda.

Liz se virou, ainda se movendo em seus passos de dança silenciosa.


Suas mãos vagaram pelos seios pequenos, passaram pela barriga e quase
chegaram lá.

— Venha aqui — ela deu um passo antes que eu pudesse completar a


ordem — de quatro.
O olhar dela vacilou, mas soube que a ordem seria obedecida quando
ela colocou os joelhos no chão. As mãos foram para lá em seguida, dando-me
a visão perfeita e ilusória de obediência.

— Das vezes anteriores foi muito fácil para você criança, agora terá
que fazer por merecer — esclareci, ela me encarou — venha até aqui como
uma boa cadela faz quando seu dono chama.

Ela veio, mas não com passos de cadela apressada e faminta. Veio
com a graciosidade de uma gata, lenta em seu próprio tempo, transformando
a sua tortura na minha. Deixando claro que sua obediência é puramente
egoísta e, no fim de tudo, é por sua satisfação e não para me agradar que ela
estava de quatro.
Quando ela chegou próximo aos meus pés, toquei em seu rosto. Seu
olhar encontrou o meu.

— Boa menina! — insisto no tratamento.

Levei minhas mãos até o botão da calça e o abri, afrouxando o aperto


na minha ereção. Abri o zíper e baixei a calça, junto com a cueca.
— Agora me sirva com a sua boca — Liz abriu de leve os lábios,
desejando cumprir a ordem.

Seus dedos me seguraram com firmeza e iniciaram o movimento de


vai e vem. Sua língua quente me lambeu, da base até a ponta e logo em
seguida sua boca começou a trabalhar.

Liz me chupou com vontade, se dedicando ao máximo. Sua mão me


masturbava na metade enquanto a outra entrava e saía da sua boca. Segurei
sua cabeça querendo ir além. Mais fundo. Mais forte. Ela apoiou as mãos nas
minhas coxas e abriu um pouco mais a boca para que eu pudesse fodê-la.

Movi os quadris metendo cada vez mais rápido, sentindo meu pau
entrar cada vez um pouco mais fundo que a anterior. Os olhos dela não se
desgrudaram dos meus e eu enxerguei o momento exato em que eles se
encheram de lágrimas.

Ela não me mandou parar.

Ela não se moveu.

Seus olhos me encaram enquanto eu a fodia na boca e quando eu


gozei com rajadas fortes, ela não se distanciou.
Quando eu saí deixei seus lábios, ela os limpou, bem como a lágrima
que não conseguiu evitar que escorregasse.

— Ótimo, Liz — toquei em seu rosto — você foi muito bem. Sua
próxima tarefa é lavar a louça e arrumar a cozinha — informei, fechando o
zíper da calça e o botão.

Ela me encarou incrédula, ainda ajoelhada.

Ergui a sobrancelha e movi a cabeça de leve, esperando para ouvir o


que ela tinha a dizer. Mas nenhuma malcriação, xingamento ou reclamação
saiu dos seus lábios. Ela me encarou por alguns segundos mais, como se me
desse a chance de mudar de ideia, antes de levantar do chão.

— Como o senhor desejar — ela disse com tom de deboche e andou


até a cozinha.

Qual é César, você não achou que ela desistiria assim tão fácil,
achou?
Não, não achei.

Mas ninguém pode me culpar por tentar ser otimista.


Coelho.

Era a palavra perfeita para ser a minha Safeword. Eu não esqueceria,


era simples e eu não falaria com César sobre ela como fazia com as minhas
amigas. Será que ele achou que eu fosse usá-la na primeira ordem? Ele não
me faria desistir tão rápido, mas preciso confessar que não foi tão fácil.

Quando ele me mandou dançar sem ter nenhuma música tocando,


meu primeiro impulso foi deixar isso claro, mas o silêncio em reposta indicou
que era mais do que óbvio que nada pairava no ar como trilha sonora. O que
eu podia fazer? Aquela situação podia figurar um dos maiores micos que já
paguei na vida, dançar sozinha e sem música para que ele risse de mim. Mas
não foi. Eu fechei os olhos por alguns segundos e lembrei de uma música que
eu gosto muito: Blank Space, da Taylor Swift.

Já havia ouvido tantas vezes que a impressão que tive, naquela hora,
era que a música realmente estava tocando nos meus fones de ouvidos
imaginários.
So it's gonna be forever
Or it's gonna go down in flames
You can tell me when it's over
If the high was worth the pain
Got a long list of ex-lovers
They'll tell you I'm insane
'Cause you know I love the players
And you love the game

'Cause we're young and we're reckless


We'll take this way too far
It'll leave you breathless
Or with a nasty scar
Got a long list of ex-lovers
They'll tell you I'm insane
But I've got a blank space, baby
And I'll write your name

(Então, vai ser para sempre


Ou vai acabar em chamas?
Você pode me dizer quando terminar
Se os momentos bons superaram a dor
Tenho uma longa lista de ex-namorados
Eles te dirão que sou maluca
Pois, você sabe que eu adoro os jogadores
E você ama o jogo

Pois somos jovens e imprudentes


Vamos levar isso longe demais
Vai te deixar sem fôlego
Ou com uma cicatriz horrível
Tenho uma longa lista de ex-namorados
Eles te dirão que sou maluca
Mas eu tenho um espaço em branco, querido
E vou escrever seu nome)

Eu cantei em minha mente bem alto e me movi no ritmo da música,


logo não foi nada difícil para mim. E quando ele me mandou tirar a roupa,
não me senti tímida, pelo contrário, senti-me poderosa. Andar de quatro e
chupá-lo também não foi ruim, diga-se de passagem, foi incrível senti-lo tão
fundo e conseguir respirar ao mesmo tempo.

O que me deixou irritada foi ele não ter me tocado. Eu esperava que
depois daquele boquete que quase perfurou minha garganta ele fosse me
deitar no sofá, retribuir e me foder. E o que ele faz? Age como um coelho
filho da puta depois que está satisfeito e me manda lavar pratos! Quase
xinguei. Quase mandei a mãe dele ir lavar a louça, mas então eu percebi que
era isso que ele queria.

Coelho! Ele queria que eu disse a palavra de segurança e acabasse


com o final de semana. Mas não seria tão simples assim, tiozão. Com isso em
mente, levantei daquele chão e, sentindo os joelhos agradecerem de alívio, fui
pegar o meu vestido para arrumar a cozinha.

— Não coloque o vestido de volta, você está linda assim — o filho de


uma égua disse e eu não ousei me virar para não soltar um palavrão. Joguei o
vestido de volta no chão e marchei para longe dali.

Retirei os nossos pratos e talheres da mesa e os levei para pia. Depois,


fiz o mesmo com o copo sujo de Coca-Cola e a taça de vinho. Esvaziei as
panelas dos restos de comida e comecei a lavar tudo.

Lembrar de tudo que tinha acabado de fazer ainda me deixava


excitada e nem a frustração conseguia aplacar o desejo que me tomava. A
água escorrendo da torneira, a espuma, a esponja de lavar os pratos... Tudo
parecia mais palpável. Eu sentia as texturas de maneira mais intensa e os
respingos da água da torneira no meu corpo nu só deixavam a tarefa mais
erótica do que nunca.

Tentei focar na tarefa passada, encarando cada item na pia, para


executá-la sem quebrar nada. Não havia muitas louças sujas e quase nenhum
resquício espalhado por ali, o cozinheiro tinha sido muito organizado, por
isso não demorei em terminar a lavagem. Deixei tudo no escorredor para
secar e voltei para a sala de estar.

— Arrumou tudo? — ele perguntou assim que eu voltei a sala. Estava


sentado no sofá, usando óculos de grau, com alguns papéis nas mãos.
Continuava impecavelmente vestido com a camisa de botões preta e a calça
jeans.

Quem o visse agora não diria que há pouco tempo estava gozando na
minha boca. César era um homem polido, daqueles que exalavam respeito
apenas através da postura.

— Sim, querido senhor — respondi, usando um pouquinho de


sarcasmo. Ainda estava irritada.

— Querido senhor? Por que parece que não há nada de bem-querer no


seu tom?
— Impressão sua, senhor — continuei — estou muito satisfeita em ter
lavado tudo.

Ele me encarou. Seus olhos percorreram meu corpo lentamente e eu


me senti exposta diante daquela inspeção. Ele se demorou nisso, observando
desde os meus pés com dedos longos, passando por minhas pernas até chegar
ao meu rosto. Aquela lentidão estava me deixando inquieta. Olhei para cima,
como se fosse revirar os olhos, no instante em que ele os encarou.

— Está entediada?
— Um pouco — fui sincera, mas sutil. Se eu dissesse tudo que estava
em minha mente ele não ia gostar nem um pouquinho.

— Raramente me rotulam como entediante, talvez um ou outro


funcionário em reuniões, mas definitivamente nenhuma mulher. Ainda mais
estando nua.

— O que vai fazer a respeito, senhor? — insinuei, já que estava na


chuva... Para que usar sombrinha?
— Vamos dar um jeito nisso — ele informou em um tom que não
deixava dúvidas de que resolveria.

César se levantou e o movimento me lembrou o de um gato que se


estica antes de andar elegantemente. Em poucos passos, ele se aproximou e
parou em minha frente. Eu esperei ansiosamente que ele me tocasse e talvez
ele tivesse pensado em fazê-lo, mas alguns segundos se passaram antes que
ele dissesse:

— Vamos subir — apontou para a escada — você primeiro.


Tão cavalheiro. Até parece que eu não era uma mulher nua e que ele
adoraria ir atrás para observar minha bunda se mover enquanto eu subia os
degraus.

Eu andei, me movendo o mais sensualmente que pude, empurrando


bem meus quadris de um lado para o outro. A cada degrau, eu sentia vontade
de me desequilibrar de propósito só para cair em cima dele. Mas me contive e
o máximo que fiz foi me empinar para que ele tivesse uma boa visão do meu
traseiro. Assim que cheguei ao topo, ele passou por mim e indicou o quarto
para o qual eu deveria ir.

Ficava próximo do meu e tinha a porta de madeira pintada com verniz


para combinar com o restante da casa. César abriu a porta para que eu
entrasse. E... Não havia nada de extraordinário. Quase poderia encenar, de
tanto que rememorei, a cena em que Anastasia entrou no quarto vermelho da
dor e se espantou com toda parafernália que tinha ali... Achei que faria igual,
mas tudo que vejo é um quarto normal.

A cama foi afastada para o canto, fazendo com que o espaço central
ficasse maior. Nele, há um caixote de madeira grande. Desses comuns, que
algumas pessoas podem reutilizar como baús ou até mesmo como mesa
pequena. No canto, próximo ao caixote, há uma mala grande e preta, que está
fechada.
— Deite no caixote, Liz, com a barriga para baixo — César ordena
calmamente.

Tudo bem. Não é nada demais, é tipo sexo na mesa da cozinha, não
é?

Não, não é e eu começo a sentir isso quando me deito, me curvando


sobre a caixa de madeira, na posição que ele mandou. Aquele era um caixote
de verdade e não estava forrado, portanto assim que minha pele tocou o
relevo comecei a sentir os fiapos de madeiras contra mim. Meus pés estavam
no chão, juntos e mantive meus braços colados ao meu corpo, era como se eu
tivesse apenas repousado meu tronco ali.
— Abra as pernas — a voz dele veio por trás e me fez obedecer
rapidamente, afastando os pés.

Senti sua mão em volta do meu tornozelo direito e, segundos depois,


ele estava fixado. Em seguida, senti o mesmo com o esquerdo. César segurou
meu pulso direito e o trouxe para o lado, atando ali uma espécie de pulseira
de couro preto com corrente.

— Eu vou restringir os seus movimentos — ele explicou enquanto se


abaixava e prendia a corrente no caixote. César segurou meu pulso esquerdo
e enquanto o prendia, perguntou — qual é a sua palavra de segurança, Liz?
Eu estava deitada em uma caixa de madeira, com mãos e pés atados,
dando livre acesso ao que quer que ele quisesse fazer. Engoli em seco. César
segurou o meu queixo e levantou minha cabeça, nossos olhos se encontraram.

— Liz? Está com medo? — o risinho dele se fez presente e eu respirei


fundo — quando eu te fizer uma pergunta objetiva, quero uma resposta.
— Minha palavra de segurança é coelho — respondi, por fim — e
estou ansiosa pelo que está por vir, senhor.

— Eu pensei em amordaçar você, mas não vou fazer, quero ouvir


quando você desistir... — ele acariciou meu queixo antes de se afastar.

Senti o toque leve dos seus dedos sobre as minhas costas, em uma
carícia tão leve que era como se alguém estivesse apenas soprando uma
lufada de ar. O toque se estendeu e seguiu até a base da minha coluna. A
partir dali ele se materializou em toque real, quando, com a palma, acariciou
um dos lados da minha bunda.
O contato da pele dele contra a minha era excitante e continuou até
passar por minha perna e se afastar antes de chegar ao meu pé. Foi então que
senti o primeiro tapa. Quente. Na junção entre a minha coxa e o início da
minha nádega.

— Ai!

Logo depois desse veio o segundo, no mesmo lugar, mas na outra


perna.
— Porra! — xinguei e em resposta o tapa foi na bunda, do lado direito
e, poucos segundos depois, o lado esquerdo recebeu sua parcela.

As mãos alisaram o local atingido, espalhando de leve o ardor.

E quando menos esperei fui atingida novamente, na parte debaixo da


bunda e depois nela, tudo novamente. Aquilo queimava e nem o meu próprio
pai me bateu dessa maneira quando fui desobediente, por que ele achava que
podia?

— César, pare! — pedi, quando uma nova palmada atingiu minha


bunda ardente.
— Só mais seis, Liz. Conte.

— Não — gritei.

— Se não contar vou acrescentar mais dois — avisou antes de me


bater — quanto, Liz?
Não tinha feito nada para merecer aquilo, não entendia o motivo pelo
qual ele estava me castigando... Puro prazer? Uma coisa era umas palmadas
enquanto me fodia, outra era me amarrar e me bater sem nenhum sentido.

Mais um tapa foi desferido.

— Quanto, Liz?
— DOIS! — gritei irritada.

Meus braços e pernas estavam formigando por estarem naquela


posição há algum tempo, meus peitos e barriga estavam sensíveis por se
chocarem contra a madeira da caixa e minha bunda ardia feito o inferno.

Por que eu permiti que esse imbecil fizesse isso?


Mais um tapa ardeu a minha coxa.

— Três — contei quando uma lágrima desobediente rolou na minha


face.

Burra, Liz. Burra. Você pode parar isso.


— Quatro — diga “coelho”, porra. — Não!

Ele desceu a mão contra mim mais uma vez, com mais intensidade,
como se quisesse me obrigar a cair fora.
— Ahhhhhhhhhhhh — gritei antes de contar: — cinco.

— Estou impressionado — confessou antes de dar o último golpe.


Que eu não contei alto, porque estava chorando.

Ele se afastou e eu puxei as mãos, tentando me soltar. Não tinha dito a


palavra de segurança para não dar o gostinho de vitória para ele, mas César
tinha acabado de provar o seu ponto e tinha vencido. Eu ia embora e desistiria
daquele fim de semana ridículo.
O próximo toque que senti foi desorientador.

Quente, molhado e macio.

E bem no meio das minhas pernas.


Não, não, não ele não podia fazer isso quando já decidi ficar “puta da
silva”.

Virei a cabeça o máximo que pude, considerando minha posição, e o


vi ajoelhado. Seu olhar encontrou o meu antes de desviar a atenção e se
concentrar na nova tortura: me lamber.

Sua língua acariciou minha boceta e subiu, passando meu ânus e


chegando até as nádegas que ardiam. César beijou cada um dos lados e se
colocou a lamber a pele antes agredida. O contato da saliva não conseguiu
esfriar a área, mas trouxe alívio e enviou uma resposta direta para minha
boceta, que se contraiu.
Suas lambidas eram excitantes, molhavam tudo e me fazia ficar na
ponta dos pés, involuntariamente. Meu corpo queria que ele continuasse, mas
voltasse para o começo, para o meio das pernas que já pulsava desejando o
contato.

Um dedo se insinuou na entrada da minha bunda, mas seguiu até


invadir minha boceta.
— Seu corpo responde muito bem, Liz — elogiou e rodopiou o dedo
dentro de mim.

Logo, sua boca estava ali, beijando minha boceta. Seus dedos me
abriram para que a língua mergulhasse. Eu tentei me mexer, mas era bem
difícil, ainda assim consegui me empurrar um pouco mais na cara dele.

Ele me chupou por um torturante tempo, fazendo meu corpo ferver e


se afastou quando estava prestes a chegar lá. Respirei fundo. Senti-me
frustrada e irritada, sentindo meu coração diminuir um pouco do ritmo
intenso em que estava batendo.
Ouvi o barulho antes de sentir. Um zumbido baixo e constante, como
a máquina de cortar cabelo faz quando meu pai vai à barbearia.

O choque veio quando ele encostou algo que vibrava em meu clitóris.
O estímulo repentino me fez gritar:

— Caceteeeeee!
Não consegui olhar, fechei os olhos e me concentrei na loucura que
aquele aparelho desgraçado estava me causando. A vibração era intensa,
constante e ininterrupta. E fazia meu corpo vibrar no mesmo ritmo, através do
contato entre as pernas.

Dois dedos me invadiram e fizeram conjunto com a máquina da


tortura, entrando e saindo rapidamente de mim.
— Goze, Liz... Quero que você se despedace — com essas palavras a
vibração se tornou mais forte — vamos, criança, seu corpo está implorando.

Eu não sentia meus braços, tampouco minhas pernas. Tudo parecia se


concentrar na minha boceta. Meu tronco se remexia, inquieto, contra a
madeira áspera da caixa. Meus olhos estavam fechados, apertados firmes e
minha mente girava. Meu coração batia descompassadamente e eu me sentia
como se tivesse sendo batida no liquidificador.

Meu orgasmo veio destruindo qualquer capacidade de raciocínio,


fazendo-me estremecer ainda mais, mesmo que eu não soubesse como seria
possível.

Eu gritei alto e despenquei de onde quer que eu estivesse.


O spanking é um ato de castigo corporal, uma espécie de punição, que
busca a excitação sexual ou gratificação de uma ou ambas as partes. Nesse
caso em específico era para puni-la por tudo que tinha feito desde que invadiu
o meu espaço e pelo que, consequentemente, me levou a fazer. Eu não deixei
isso claro, mas acredito que ela percebeu.

As palmadas eram apenas para a minha gratificação e, como um


bônus, para irritá-la bastante e fazê-la dizer a safeword, acabando com a
brincadeira.
O spanking varia de uma palmada espontânea nas nádegas durante
um ato sexual à interpretações ocasionais de fetiches e pode envolver o uso
de uma variedade de instrumentos, como a palmatória, por exemplo.

Eu não peguei leve. Para quem não tem a menor experiência, como
ela, estar naquele caixote sem movimentos poderia ser assustador. As
palmadas não foram leves e, quando eu notei que ela estava resistindo,
aumentei a intensidade, mas a garota não cedeu. E contou cada um dos tapas
como a porra de uma submissa faria.

Não podia ser injusto, ela merecia ser recompensada e quando lambi
aquela pele deliciosamente avermelhada, Liz se excitou. Sua boceta estava
encharcada quando eu a invadi. O vibrador de clitóris foi excepcional e a
maneira como gozou me deixou muito satisfeito. O corpo dela era moldável e
necessitava daquele tipo de toque. Essa conclusão me deixou surpreso.

Meu pau estava duro feito uma barra de ferro depois de tudo, mas a
garota estava exausta. Por isso, quando vi seu corpo relaxado sobre a caixa de
madeira, abri cada uma das algemas que a prendiam, mas ela continuou na
mesma posição. Virei seu corpo e a peguei no colo, passando meus braços
por baixo de suas pernas e costas. Ela não ofereceu resistência e se deixou ser
levada até a cama.

Afastei-me e saí do quarto em busca de loção corporal que achei nas


minhas coisas que eu havia arrumado mais cedo. Eu gostava de como o
cheiro desse creme ficava no corpo das mulheres, o misto de morango e
champanhe era adocicado, mas não enjoativo. Além de tudo, havia
óleo de amêndoas, panthenol e vitamina antioxidante E, na composição do
produto da Victoria Secret.

Enquanto colocava um pouco do creme nas mãos, observei as


pequenas marcas no corpo de Liz. Sabe quando dormimos muito e o rosto
fica marcado pelo lençol ou pelo travesseiro? Era assim que os seios e a
barriga dela estavam marcados pela madeira do caixote, cada tracinho parecia
se juntar ao todo como uma pintura em tela perfeita.
Ela estava de olhos fechados quando sentei ao seu lado na cama.
Minhas mãos foram até sua barriga e espalharam a loção ali. Meus dedos
acariciaram a pele dela com suavidade, alisando cada espaço com dedicação.
Apertei a embalagem Victoria Secret próxima aos seios dela, fazendo com
que o creme escorresse neles. Quando minhas mãos tocaram os peitos, uma
em cada um, ela abriu os olhos, encarando diretamente os meus.

— O que você está fazendo? — perguntou com o tom rouco de quem


gozou gritando alto.
— Cuidando de você. Passando uma loção hidratante em sua pele...

Enquanto meus dedos espalhavam o creme, os bicos endureceram,


provocativos. Eu os toquei com o polegar e o indicador, apertando um
pouquinho, antes de seguir adiante. Acariciei os braços, passando o hidratante
com lentidão e notei quando ela se arrepiou com o toque.

— Vire de costas — pedi e ela me encarou por alguns segundos antes


de atender.
As costas estavam intactas, lisas e macias. Na altura das nádegas a
pele estava com uma coloração rosada, linda, e só de olhar eu sentia vontade
de lamber novamente. Espremi o vaso de loção com força, deixando que
caísse abundantemente sobre a região. E então deixei que minhas mãos
trabalhassem.

O hidratante tornava o contato pegajoso enquanto eu subia e descia as


mãos sem fazer muita pressão. Espalhei o creme no começo da coxa, onde
atingi com tapas, e aproveitei para seguir por toda a perna. Quando minhas
mãos, uma em cada perna, chegaram até os tornozelos, Liz empinou a bunda.

Ela levantou um pouco o quadril, insinuando aquele rabo para mim.


— Ainda quer brincar, criança? — Perguntei, percorrendo o caminho
inverso com as mãos, até parar no que ela me oferecia. — Responde, Liz.

— Não dá para você calar a boca e me foder de uma vez? — a


insolente verbalizou.

— Acho que você gostou de apanhar — deduzi — que tal se agora eu


usar um flogger?
— Usar o que? — perguntou, se virando sem o meu consentimento.

— Um Flogger. O chicote tem ponta única, já ele tem várias tiras,


mas vou deixá-lo para mais tarde...

— Posso fazer uma pergunta?

— Há poucos segundos você me mandou calar a boca e te foder,


mudou de ideia?

— Você é sádico?

— Acho que todo ser humano, no fundo, é um pouco. Ouvimos


sempre alguém desejar para quem fez algum mal que essa pessoa sofra, sinta
dor ou morra. A vingança é meio sádica, não acha?
— Não era exatamente isso que eu estava perguntando. Mas você
gosta de bater em mulheres, acabou de me dar um monte de tapas sem
nenhum cabimento e só pode ser pelo prazer de me ver sofrer.

— Se eu fosse sádico, Liz, não teria te batido com as mãos.


Tampouco teria parado tão rápido. Eu sentiria tanto prazer em bater em você
que só pararia ao ver sangue... — ela me olhou assustada. — Com uma
mulher indefesa e amarrada, quem impede um homem de fazer o que quiser?

Ela engoliu em seco.


— A consciência, a ética ou o bom-senso? O que você acha? —
Perguntei novamente.

— A consciência?
— Acho que não. Digamos que a pessoa que está amarrada gosta de
apanhar, de sofrer humilhações verbais e físicas, gosta quando a pele se abre
depois das chicotadas... Quem está segurando o chicote também gosta, mas
está dando aquilo que o submisso deseja. Nesse caso, se é o que a pessoa
quer, apanhar até não aguentar mais, a consciência de quem bate estaria
tranquila, não?

— Não existe ninguém que goste de apanhar até morrer, César.

— Existem tantas pessoas no mundo, Liz. Como você, tão jovem,


pode dizer que não há? Eu já vi de tudo, inclusive uma sessão em que o
submisso implorava para que a domina dele continuasse com os castigos
quando já estava sangrando. Ele gozou com isso.

— Então o que a fez parar? — ela perguntou, por fim.

— O bom-senso. Lembra quando eu falei mais cedo sobre confiança?


— ela assentiu — as relações BDSM requerem muita confiança. Os
envolvidos precisam conhecer seus limites e tentar superá-los, se for da
vontade de ambos. Às vezes o submisso exagera na vontade de agradar e
acaba extrapolando os próprios limites e cabe ao amo, ou dom, como preferir
chamar, ter o bom-sendo de saber até onde ir.

— Em resumo, você não é um sádico — concluiu.

— Em resumo, se eu fosse um sádico, você estaria indo para o


hospital se eu tivesse a dignidade de chamar uma ambulância.

— Credo!
— Pois é, Liz, não sei como você não pensou nisso tudo antes de
invadir minha casa duas vezes e aceitar vir para uma casa sem nem me
conhecer. Acho que você é masoquista.
— Masoquista?

— Pessoa cujo prazer sexual está ligado à dor física, ao sofrimento, à


humilhação — disse a definição expressa em dicionário para a palavra.
— Nem fodendo — ela rebateu.

— Talvez seu cérebro esteja bloqueando as vontades do seu corpo.


Juntamente com essa língua afiada que não para dentro da boca e me irrita
constantemente.

— Minha língua irrita você? — ela perguntou antes de mostrar a


língua.
— Criança... — adverti.

— Não me chame assim.

— Então pare de se comportar como uma — rebati e me levantei da


cama — vem cá, deita com a cabeça para fora da cama.
— O que vai fazer? — perguntou engatinhando para a beirada.

— Dar uma utilidade para essa sua boca — segurei-a pela trança até
que a cabeça estivesse pendendo para fora da cama.

Abri o botão da calça e o zíper, baixando-a junto com a cueca até que
ambas parassem ao redor dos meus tornozelos. Meu pau estava semiereto
depois de toda a conversa. Aproximei-me até que ele estivesse na altura dos
lábios dela.
— Vamos lá, criança, chupe direitinho que eu te coloco em uma
posição mais agradável — ela levou as mãos para me tocar, mas eu as segurei
— só a boca.

Ela sugou a ponta com força, para me punir por segurar sua mão, mas
logo tratou de colocar a língua para fora e passar na região. Liz me
abocanhou como uma esfomeada, levando o mais fundo que pode e eu resolvi
me mexer, pois aquela posição não era confortável e logo ela estaria tonta.

Me apoiei na cama e movi o quadril, para frente e para trás, enquanto


ela mantinha a boca aberta. Eu a fodi naquela posição por alguns segundos
antes de sair de sua boca. Quando levantou, o rosto estava avermelhado e os
olhos cheios de lágrimas.

— Se eu fosse sádico, Liz, foderia até gozar e te deixaria sem ar de


cabeça para baixo engolindo porra — expliquei, mais uma vez.

Milagrosamente, ela não disse nada. Talvez aquela fosse uma boa
maneira de fazê-la ficar quieta.

— Fique de quatro — ordenei e os olhos dela brilharam — você viu


os meus exames e me disse que toma anticoncepcional, vou gozar dentro de
você.
Ela se posicionou com os joelhos e mãos na cama, ali na beirada. Eu
continuei de pé e coloquei a pontinha do meu pau na entrada dela, pincelando
para provocar. Liz reagiu empurrando o corpo para traz, tentando fazer com
que eu a penetrasse. Afastei-me e dei um novo tapa em sua bunda.

— Você precisa aprender a ter mais paciência... Eu sei a hora exata


para tudo, pequena... — disse, pincelando a entrada da boceta novamente.

Dessa vez ela ficou quieta e, como recompensa, eu meti de uma só


vez.
— Uhhhh! — ela gritou quando eu bati no fundo.

Segurei em seu cabelo trançado, enrolando-o no meu pulso e puxei


para começar a foder de verdade. Liz levantou o tronco com o puxão nos
cabelos. Meu pau entrava e saia com facilidade, ela estava molhada e pronta
para me receber. Meti firme, várias vezes e ouvi os seus gemidos em cada
uma delas. Acariciei seu seio com a mão livre, apertando e puxando o bico
algumas vezes.

Meu coração estava acelerado e o meu sangue corria rapidamente, se


concentrando no nosso ponto de união. Estava quase lá...
— Vamos, Liz, me ajude. Toque em você e acelere o seu orgasmo...
— pedi, ela obedeceu.

Seu braço começou a se mover freneticamente e eu daria quase tudo


para que tivesse uma parede de espelhos em nossa frente para que eu pudesse
ter a visão completa dessa cena.

Eu senti quando ela me apertou internamente, extraindo os resquícios


do meu controle.
Esporrei dentro dela, libertando todo o meu desejo.

Quando eu soltei o seu cabelo, Liz caiu de barriga na cama e eu segui


o seu corpo.
Adormeci por algumas horas. Nem eu mesmo tinha notado o quanto
estava cansado. Dedicava-me muito a tudo que me propunha a fazer, quando
se faz isso uma vida inteira e se tem mais de cinquenta anos o corpo cobra o
preço. Não, eu não vivia cansado e me queixando da idade, estava muito mais
saudável e em forma do que muitos garotos de 20 anos, apenas me surpreendi
em adormecer em uma tarde de sexta-feira.

Em algum momento antes de apagar, tirei os sapatos, terminei de


despir a calça e coloquei a cueca no lugar. Dessa maneira, adormeci usando
camisa social, cueca e meias. Nada sexy, César.
Espreguicei-me e observei a garota que ainda dormia profundamente
ao meu lado. De olhos fechados e com uma expressão serena, Liz parecia
inocente e pura. Os cabelos pretos e longos presos em uma trança
demonstravam que ela não era nada inocente e tinha vindo preparada para o
que quer que fosse. Os lábios rosados, levemente inchados, eram capazes de
realizar o trabalho digno de mestre em um pau e os mais desavisados homens
se prostrariam de joelhos diante do que aquela bruxinha era capaz de fazer
com a boca.

Observei seu corpo relaxado: seios pequenos, quadris um pouco mais


largos e cintura fina. As pernas não eram torneadas, a bunda não era das
maiores, Liz deve ter sido uma adolescente magra e quase sem atrativos para
os amiguinhos de sala observarem. Ela não era a mulher mais bonita em que
já estive dentro, ainda assim o conjunto me atraía. Talvez, o que eu mais
criticava fosse a chave-mestra da pequena demônia: a língua ferina.

Liz era um desafio, alguém que me impelia a fazer coisas que eu não
faria em circunstâncias normais. E como todo desafio, eu sairia vencedor e
ela voltaria para casa.
Não sei que horas acabei dormindo, tudo tinha sido tão intenso desde
que cheguei nessa casa, no início da tarde. De longe, essa era a sexta-feira
mais animada de todas pelas quais já passei ao longo da vida.

Eu estava pronta para ir embora depois da sessão de tortura no


caixote, mas aí ele finalmente tocou no meu corpo que explodiu em
sensações indescritíveis.
Foi incrível.

Levantei-me da cama, me espreguiçando e encarei o caixote do mal


antes de sair daquele quarto. Precisava tomar um banho. Entrei no quarto em
que estou temporariamente hospedada e segui direto para o banheiro. Meu
sabonete líquido, creme dental e todos os outros itens de higiene já estavam
lá, eu mesma tinha arrumado enquanto o César fazia o almoço.

Foi inevitável encarar o espelho de corpo inteiro que descobri atrás da


porta, quando a fechei. Meus seios e barriga não tinham mais as marcas da
caixa de madeira, pelo contrário, apenas um ou outro amassado do lençol por
causa do tempo que devo ter dormido. Virei de costas para ver a minha
bunda, ela sim, ainda estava avermelhada. Se a minha pele fosse branca
estaria escarlate, mas o meu tom estava mais para o leve bronzeado. Não sou
muito fã da expressão “morena clara”, mas provavelmente era a que melhor
me descreveria se eu precisasse que alguém que não está me vendo tivesse
uma ideia próxima do real.

Alguns fios de cabelos escapavam do meu penteado e a trança estava


bem mais frouxa por causa dos puxões que tinha levado. Por incrível que
pareça, não estava sentindo nenhum pingo de dor de cabeça. Será que existe
técnica de puxão de cabelo? Se sim, César a tinha estudado.
Cara de foda boa, hein Liz?

Sorri para o meu reflexo e fui para a parte do banho.


Desci para a sala depois de me secar, me perfumar e vestir um
tomara-que-caia que ia na altura das minhas coxas. Aquele vestido era liso,
sem estampas, vermelho apenas na parte dos seios que continha bojo e azul
em sua saia folgada.

Não sabia exatamente que horas eram, mas já tinha anoitecido e o


meu estômago me lembrou que talvez fosse hora de jantar. Não encontrei
César na sala, nem na cozinha, por isso fui andando até a área externa para
ver se o encontrava.
Ele estava de pé, de costas para mim, usando uma camisa básica
branca e bermuda de moletom preta. O braço direito estava flexionado,
segurando o aparelho celular no ouvido.

— Tudo bem, amor, mas não fique tanto tempo sem me dar notícias...
— ficou em silêncio e depois sorriu — você sabe que eu vou cobrar, não é?
— mais sorrisos — eu deveria ter te dado mais palmadas!

O babaca estava conversando com outra enquanto minha bunda ainda


estava vermelha das palmadas que eu tinha levado? Que grande filho de uma
égua.
— Também amo você — é a última frase que ele diz antes de olhar
para o aparelho e desligar.

Mantive-me imóvel, sem saber se eu deveria marchar até ele e jogar


aquele celular na piscina ou voltar e me fingir de dócil até o momento mais
adequado surgir para me vingar. Não deu tempo de decidir, ele se virou e deu
de cara comigo.

— Olha só quem acordou. Cheguei a me questionar se estava


respirando ou se tinha morrido enquanto dormia... — fez graça, mas não senti
vontade de rir. — Algum problema, Liz?
Respirei fundo bem devagar.

— Não, senhor.

— Ótimo — respondeu, dando alguns passos em minha direção —


vejo que acatou minha sugestão de roupas que me facilitam tocar em você —
as mãos dele passaram sobre o meu colo, apreciando o fato de não existir
alças ou tecido naquela região.
Uma de suas mãos seguiu até a barra do vestido e se enfiou ali por
baixo, invadindo o meu espaço em busca da minha boceta. Mas encontrou a
calcinha.

— Hum, nem tanto. Você não precisa usar isso aqui — ele leva a
outra mão para auxiliar na tarefa e tira a peça — enquanto estiver aqui, não
use calcinhas, entendeu?

A pergunta veio junto com uma carícia entre as minhas pernas e eu


quase gemi ao invés de responder.
— Sim, senhor — disse, por fim. — Que horas são?

— Sete e meia — ele diz sem olhar o celular — hora de fazer o jantar.
E como fui responsável pelo almoço é a sua vez. A geladeira e a dispensa
estão abastecidas, fique à vontade — ele disse e se foi levando minha
calcinha.

Segui César rumo ao interior da casa.


— Com quem você estava falando? — a pergunta não era essa. Uma
boa menina perguntaria “o que o senhor quer jantar”, mas as palavras
pularam da minha boca antes que eu pudesse detê-las.

Ele parou próximo a escada e se virou para me encarar.


— Isso não lhe diz respeito, criança... Sua tarefa agora é fazer o
jantar. Me obedeça e seja rápida, meu estômago é mais impaciente do que eu
— ele diz e sobe os degraus da escada devagar, esperando a minha réplica.

Crianças não sabem cozinhar, tio.


Àquela cozinha realmente estava preparada para ser usada durante o
fim de semana e, se brincar, a comida duraria mais uns dez dias. Os armários
superiores, de madeira, estavam lotados com itens que iam desde o básico
como arroz, feijão e macarrão até frutas em caldas e cogumelos em conserva.

Meu conceito de jantar está resumido em um repeteco do café da


manhã, era assim na minha casa e na de muitas pessoas do nordeste. Nós não
“jantamos” propriamente, nós tomamos café tanto pela manhã quanto à noite.
Ou seja, comemos cuscuz com ovos/calabresa/carne ou qualquer outro
acompanhamento e café; ou pão e café; ou ainda macaxeira com algum
acompanhamento e café. Não podia faltar café, entendeu? Mas eu bem sei
que não é assim em todos os lugares. Quando viajei para São Paulo certa vez
tive que “almoçar” à noite.
César não era Sergipano, isso estava claro em seu sotaque e me foi
confirmado por Celine naquele dia da piscina. O que será que ele entendia
por jantar? De qualquer forma, não havia massa de milho para fazer cuscuz,
nem macaxeira, tampouco encontrei pão na dispensa, o que me fez deduzir
que era “comida de meio-dia”.

Do nosso almoço tinha sobrado um pouco de arroz e quase nada de


estrogonofe, o que realmente me levaria ao fogão. Não é que eu não gostasse
de cozinhar, quando morava com meus pais nunca precisei aprender, pois
minha mãe sempre fazia tudo. Mas quando vim morar em Aracaju tive que
aprender a me virar. Leia-se: fazer macarrão instantâneo, pipoca e brigadeiro.
Tá, confesso que sei fazer arroz, torrar frango e fazer farofa, o meu melhor
quando estava disposta.

Mas César não se deu o trabalho de me perguntar se eu sabia ou


gostava de cozinhar. E me irritou com sua ligação e o seu charminho para me
dizer quem era, logo, ele não merecia o meu melhor, certo?
Ele desceu quase uma hora depois. Eu havia acabado de arrumar a
mesa da sala de jantar. Os pratos já estavam servidos e as taças cheias do
vinho rosé que ele havia tomado no almoço.

— O cheiro está ótimo, Liz — elogiou ao se aproximar.


Por um segundo, ao ouvir isso, eu senti arrependimento. Ele tinha
feito um almoço delicioso para mim e eu retribuiria com uma gororoba, mas
era tarde demais.

Nós sentamos e ele me encarou antes de levar a primeira garfada até a


boca. Os olhos dele, escuros e frios, se estreitaram assim que a comida
passou pelos lábios. Eu não tive coragem de fazer o mesmo e, para controlar
o nervosismo, levei a taça de vinho aos lábios. Bebendo quase metade antes
de ouvir seu veredito.

— Que porcaria é essa? — disse, com desprezo evidente na voz —


nem um cachorro faminto há três dias seria capaz de comer — pegou o
guardanapo de papel e colocou para fora o conteúdo que estava na boca.
Eu havia feito macarrão à bolonhesa. Esse é um dos pratos que minha
mãe mais gostava de fazer aos sábados e eu sabia mais ou menos o que seria
preciso para deixar o prato com uma cara apresentável. O cheiro também
estava agradável, graças a cebola e ao coentro que eu tinha acrescentado ao
molho. Mas o tempero especial era composto por mais de meio quilo de sal.

Exagerei no sal tanto na água que cozinhou o macarrão, quanto no


molho.

— Está intragável, Liz — ele empurrou o prato sem tentar novamente


— e considerando que você sequer tocou na comida, posso supor que fez de
propósito?
A pergunta era direta. E, em minha defesa, eu estava nervosa. Isso
tudo junto com a lembrança de todas colheres cheias de sal que coloquei e da
cara que minha mãe faria se comesse aquela desgraça me fez rir. Mas não foi
o riso discreto e triunfante de quem estava se vingando. Se tratava de uma
risada histérica e alta, uma gargalhada incontrolável que fez lágrimas virem
aos meus olhos.

César assistiu ao meu rompante impassível, mas eu podia notar os


seus olhos cada vez menores e mais cheios de raiva.

Puta que pariu, Liz. Você esqueceu de calcular o que viria de lá como
vingança.
Ele se levantou, de repente, fazendo com que sua cadeira caísse
abruptamente. Meu coração deu um salto e passou a bater mais rápido. Minha
risada cessou e meus olhos se arregalaram diante do homem que agora estava
de pé e me olhava com fúria.

Esperei que ele levantasse a mão e me batesse ali mesmo. Como um


pai ruim fara para punir uma criança desobediente que passava dos limites
com frequência. Quase pude sentir o peso da sua mão contra o meu rosto.
Quase gritei com ele para que parasse e reagi com tapas, socos e pontapés.

Quase.
Porque ele não fez nada disso. César me deu as costas e se retirou dali
sem sequer me dirigir uma palavra.
Fiquei sozinha entre os pratos e talheres, encarando a comida ruim
que estava no meu prato. Era como se aquele maldito macarrão sorrisse,
zombando da minha cara de pateta, assim como eu tinha feito com ele.

Acho que você passou dos limites, Liz.


Eu sabia disso, só não sabia qual era o tamanho da consequência.
Levantei-me da mesa e fui a procura dele, ensaiando o pedido de
desculpas. Eu diria que tinha passado dos limites e, como uma mulher
madura e consciente, sabia que teria que pagar pelo que fiz. Estava disposta a
aceitar minha punição e, em seguida, meu orgasmo de brinde.

Mas eu não o encontrei na sala e quando fui para a área externa, notei
que o carro não estava mais lá. Ele tinha saído e me deixado ali sozinha.
Bem, talvez ele tivesse ido jantar. Considerando o cardápio que eu havia
oferecido era mais do que justo.
Fui para a cozinha e me livrei da gororoba, me sentindo culpada pelo
desperdício da comida. Lavei os pratos e panelas bem devagar, tentando me
manter ocupada. Sequei e guardei a louça, varri a cozinha, guardei os itens
postos na mesa de jantar e notei que apenas meia hora havia se passado.

Não sabia o que fazer e lembrei que não havia dado sinal de vida para
as pessoas. Por isso, subi as escadas correndo e fui para o meu quarto,
procurando meu celular. Com o aparelho em mãos, me joguei na cama e
enviei mensagem para o grupo das meninas que moravam comigo.

Grupo HOME:
Eu: Oi, meninas! Está tudo bem, ok? Meu fim de semana promete ser bem
animado. Estou em uma casa de praia no Mosqueiro.

Malu: Graças a Deus! Já estava preocupada, ficou de avisar assim que


chegasse, viada!

Eu: Estive ocupada, se é que me entende rsrs


Malu: Entender eu entendo, só não aceito essa injustiça da vida. Eu estou
aqui, ensaiando e estudando feito uma prisioneira sem ver a luz do sol e você
aí, dando gostoso!

Eu: Chora que passa, bebê kkkkkkkk brincadeira, as coisas vão melhorar pra
você também. Beijos

Malu: Aproveite! Beijo.


Pensei em enviar mensagem para as minhas amigas de faculdade.
Àquelas que estavam comigo na festa em que “conheci” o César, mas daria
muito trabalho ter que resumir todos os fatos no Whatsapp. Segunda-feira eu
contaria tudo pessoalmente.

Abri o Spotify, meu aplicativo de músicas preferido, e deixei a playlist


“novidades da semana” rolar. Deitei-me na cama, fechei os olhos e tentei me
concentrar nas músicas.
Uma mulher poderia, facilmente, se acostumar a ser acordada com um
homem chupando gostoso a sua boceta. Demorei algum tempo para discernir
se aquilo era um sonho molhado ou se o César realmente tinha levantado meu
vestido e estava com a cabeça entre as minhas pernas. Quando ele sugou o
clitóris com firmeza, soube que era real. Levantei os quadris em busca de
mais quando ele se afastou.

— Vamos descer, criança... — ele informou e eu, já mais desperta,


sentei-me na cama. — Vou te vendar e te levar para o fundo da casa,
entendeu?
Quando um pano macio preto foi colocado nos meus olhos, a
escuridão total me fez lembrar que ele havia saído chateado e que
provavelmente me castigaria agora. Um arrepio de antecipação e medo
percorreram meu corpo.

Segurando em minha mão, ele me fez andar para fora do quarto e


chegar até a escada. César me indicou o corrimão de madeira e eu o segurei,
mas senti medo de dar o passo seguinte. Algo me dizia que aquilo não
terminaria bem.

— Ande, Liz — a voz dele ressoou ao meu lado.


Coloquei o pé direito no primeiro degrau e deslizei por ele até chegar
ao seu fim, repetindo o gesto devagar no degrau seguinte. O receio de pisar
em falso me desestabilizou, eu poderia rolar escada abaixo e quebrar o
pescoço.

Será que, no fim das contas, César era um manipulador capaz de me


conduzir até um acidente fatal?
Isso tudo por causa de meio quilo de sal, sua retardada. Se fizesse um
macarrão decente, viveria para contar essa história erótica para suas
amigas.

Quando eu me desequilibrei, assustada, os braços dele me ampararam.

E continuaram me segurando até que eu tivesse descido todos os


degraus que restavam, me trazendo certo conforto. Ao que parece, ele não
queria que eu quebrasse o pescoço.
Fui conduzida para o lado de fora, notei a mudança de piso sob meus
pés. Logo, estava pisando em algo mais fofo, que às vezes fazia cócegas e
deduzi ser um gramado. Andei quase trinta e cinco passos, eu estava
contando para afastar a sensação de impotência que estar vendada me
causava.

Quando paramos, ele tirou o meu vestido. O vento da noite soprou


sobre o meu corpo nu e eu senti os bicos dos meus peitos endurecerem.

— Eu vou amarrar e amordaçar você, Liz. Você não vai poder falar
sua palavra de segurança — fiquei em pânico e abri a boca, prestes a falar —
mas eu vou colocar um objeto em sua mão, ele será o substituto da safeword
e se você o soltar, cessará tudo, entendeu?
— Sim, mas...

— Quer desistir? — a voz dele era um desafio claro.

— Não, senhor — disse, por fim, ciente de não recuaria antes de saber
o que ele faria.
— Então abra a boca — eu obedeci e senti uma bola macia, do
tamanho de um limão médio, ser colocada entre os meus dentes.

A bola continha alguma coisa, talvez uma corda, que a mantinha


firme e foi amarrada atrás da minha cabeça. Aquilo era uma mordaça, bem
diferente do que eu tinha em mente, mas que com certeza me impediria de
falar. Mas não de babar.
Eca, que bom que não verei isso.

César segurou meu pulso direito e passou o que julgo ser uma corda
por ele, se demorando bastante em voltas e amarrações. Em seguida, ele foi
suspenso, ficando preso lá no alto. O mesmo aconteceu com o pulso seguinte
e quando ele terminou, eu fiquei com os braços para cima, como se estivesse
em pé no ônibus cheio, tendo que ficar na ponta dos pés para alcançar aquela
maldita barra de ferro. Que, obviamente, não foi feita pensando em pessoas
baixinhas.

O que quer que amarasse meus braços era áspero e estava apertado,
não dando chance para eu me soltar.
Por alguns segundos nada aconteceu. E eu me perguntei se meu
castigo seria ficar sozinha, com braços suspensos, vendada e amordaçada por
algumas horas.

Quanto tempo será que dá para suportar ficar nessa posição?

Mas eu não precisava me preocupar, essa não seria minha punição.


Logo, senti uma boca sugar o bico do meu seio esquerdo, mamando com
força. Quando a boca se afastou, a ponta entumecida foi puxada e algo foi
colocado ali, apertando como um prendedor de roupa.
Eu quis gritar, mas não pude, impedida pela mordaça estranha. A
sensação no bico do meu peito era diferente e dolorida. Quando o seio
seguinte foi sugado, eu tentei afastar meu corpo da fisgada que viria a seguir,
mas não consegui e, no final, os dois bicos estavam presos em algo que eu
não conseguia identificar de olhos fechados.

— Aqui está o substituto da palavra de segurança — eu o ouvi antes


de sentir um objeto redondo, como uma bola pequena, ser colocado em
minha mão direita — solte-a se quiser parar, ok? — balancei a cabeça
afirmativamente.

Era bom saber que eu tinha opção.

Eu reconheci o flogger sem sequer vê-lo. Ele havia comentado sobre a


diferença entre ele e um chicote, por ter várias tiras e foram elas que se
chocaram contra a minha barriga, inicialmente de leve. O susto me fez puxar
os braços, que por consequência apertaram as cordas. As várias tiras foram
lançadas contra minha barriga diversas vezes, o que fez com que o ardor
começasse a surgir ali. Por mais que a intensidade do golpe na região não
fosse forte, a repetição fez minha pele esquentar.

Já nas costas, fui atingida com um pouco mais de força. Eu gritei, mas
o som que saiu parecia o de um cachorro engasgado. Novamente, minhas
costas arderam com o golpe. O pior era estar vendada, não dava para prever
em que lugar o golpe viria e isso acabava adicionando o susto ao contexto.
A dor não era insuportável. César não dava tempo para que eu me
concentrasse nela, pois uma nova região era atingida em seguida e isso fazia
o meu sangue esquentar e se espalhar por todos os lugares.

Quando meus seios foram atingidos, com aquelas porcarias apertando


os meus mamilos, eu fechei as pernas involuntariamente. Mas suas mãos
trataram de separá-las. E seus dedos me tocaram ali, entre elas, me abrindo e
me acariciando por dentro.

Eu gemeria se pudesse, o toque inserido naquele contexto ficava mais


intenso e fazia meu corpo inteiro vibrar. Os dedos se curvaram em mim,
entrando e saindo rapidamente. Quando os dedos me deixaram, flogger
voltou a me açoitar.
Barriga, costas, bunda, seios.

Barriga, costas, bunda, seios.

E depois minha boceta foi invadida pelos dedos, dessa vez estava
muito mais molhada. Não dava para pensar, apenas sentir. Os meus braços
estavam doloridos, as pontas dos meus seios sendo pressionadas e todo o meu
corpo pegando fogo.
Os dedos ainda se moviam para dentro e para fora de mim quando
meus seios foram libertados. Não sabia como, mas era como se doessem mais
agora sem o aperto. A língua quente tratou de lamber um dos bicos doloridos
e a sensibilidade enviou uma descarga direta para o meio das minhas pernas.
Mordi a bola de borracha e fiz o maior barulho que pude, revezando entre
“huns” e “anhs” sem a menor necessidade de estarem audíveis.

Meu corpo estava prestes a explodir, feito um vulcão que entra em


erupção derramando lava quente por todos os lados quando ele levantou uma
de minhas pernas e me preencheu. Eu o recebi por completo, bem fundo, mas
parecia pouco.

Fiz uma força sobre-humana e levantei a outra perna, encaixando as


duas ao redor de sua cintura. Ele segurou meus quadris para aliviar um pouco
a pressão sobre os meus braços presos no alto e passou a me foder mais
rapidamente.
Certa hora, a mordaça caiu da minha boca e diante de tudo aquilo
pouco quis saber se estava salivando ou não. Meu corpo estava prestes a se
despedaçar e uma das poucas coisas que ele não tinha feito ainda era me
beijar.

De olhos vendados e ainda suspensa, procurei sua boca


instintivamente, quase mordendo seu queixo em minha busca. Nossos lábios
se encontraram e foi tudo que eu precisei para liberar de vez o orgasmo.

Enquanto sugava sua língua, eu engolia os meus próprios gemidos.

Não demorou muito para que ele também gozasse e parasse de se


mover, me segurando em seu colo.

Soube que tinha alguma coisa errada quando minhas mãos foram
soltas. Primeiro uma, depois outra, fazendo meus braços caírem moles de
cansaço e dormência.
Meu corpo estava por um fio, meus olhos quase se fechando e tudo
em mim era uma confusão de sensações e exaustão.

Mas uma pergunta passou rapidamente por mim:

Como ele poderia me soltar as mãos, tão altas, me segurando em seu


colo?
Quando fui deitada na grama, soltei a bolinha que segurava e puxei a
venda que me impedia de enxergar. O homem mais perto de mim me
encarava com olhos azuis claríssimos e a realidade me atingiu em cheio: não
era o César.

Ele estava bem perto e quando meus olhos encontraram os seus, eu


senti vontade de chorar. Mas não o fiz, ao invés disso, voltei a olhar o
estranho e sorri, fingindo não haver problema nenhum em ter sido enganada.
César tocou o ombro do homem, que imediatamente me soltou e isso
só me fez ter ainda mais raiva. O dono dos olhos azuis se levantou e se
afastou, mas eu não tive forças para fazer o mesmo.

Meu corpo parecia pesar duas toneladas, eu não conseguia me apoiar


nos braços para me levantar e sair correndo dali.
César se abaixou e me pegou no colo e eu fechei os olhos para não
precisar encará-lo. Ele andou comigo em seus braços até entrar na casa, em
seguida, eu senti que subíamos as escadas.

Achei que seria colocada no chão, mas senti meu corpo ser submerso
em água morna. Abri os olhos para enxergar uma banheira de hidromassagem
redonda, notei que era branca e estava quase cheia. Mas foi apenas isso.
Quando os jatos começaram seu trabalho relaxante eu devo ter cochilado,
pois não lembro de nada mais.

Até aquele momento.


Estava deitada sozinha na cama do quarto que ocupei ontem, digo
ontem por que pela claridade já está amanhecendo. Mexi-me e senti que
estava dolorida em quase todos os lugares.

Ainda assim, me levantei da cama e fui até o banheiro. Depois de


fazer xixi, lavei as mãos e o rosto, me encarando no espelho por alguns
segundos.

Você sabe o que tem que fazer agora, Liz.


Existem pessoas e pessoas. Algumas parecem imã de problemas,
atraindo-os com tanta frequência que era como se uma “marca de azar”
tivesse sido tatuada em sua pele desde o nascimento. Outras, atraem sorrisos
e nem precisam ser humoristas para isso. Liz poderia se encaixar no primeiro
tipo, mas não se enquadra nele porque ela não atrai os problemas, era a
personificação deles.

A garota é o problema. E é porque deseja ser, nada diferente disso.


Ela age conforme regras próprias quando deveria obedecer às minhas, uma
vez que se ofereceu para tal.
Eu deveria ter notado que algo não estava certo assim que me sentei à
mesa para comer. O sorrisinho de canto dela poderia ter me indicado que
tinha aprontado alguma. Mas eu só notei ao levar a primeira garfada até a
boca.

Nem precisei mastigar, assim que o macarrão entrou em contato com


a minha língua o sal dominou completamente o paladar. Estava intragável,
mas seria perdoável se ela alegasse que não sabia cozinhar, porém a sua
gargalhada histérica deixou claro que aquilo havia sido feito com o propósito
de me irritar.

E ela havia conseguido.


Eu desejei pegá-la pelos cabelos e arrastá-la até uma parede equipada
para fazê-la pagar. Colocá-la de ponta cabeça e castigar seu corpo até que eu
não lembrasse mais o sabor horrível que aquela porcaria tinha. Mas é claro
que eu não poderia fazer isso, mesmo que ela merecesse.

Não se deve punir quando se está com raiva. Os sentimentos fazem


com que percamos o controle e, em uma situação assim, as consequências
poderiam ser gravíssimas. Por isso, o ideal era me afastar e respirar.

E foi o que fiz. Saí para comer e pensar no que fazer.


Preferi não ir muito longe, por isso dirigi apenas o necessário,
parando em um bar na praia. Lá, sentado em uma mesa, cedi ao desejo de
tomar um copo de caipirinha enquanto experimentava alguns aperitivos.

Duas mulheres, que estavam sentadas há três mesas de distância, me


deram claros sinais de interesse, mas tudo que eu conseguia pensar era no que
faria com a Liz quando voltasse para casa. E enquanto eu pensava nisso, fui
cumprimentado por um conhecido.

— Boa noite, César.


— Boa noite, Silvio.

— Curtindo essa noite quente sozinho? — ele questionou, levantando


uma das sobrancelhas.

— Nem tanto. E você, o que faz aqui desacompanhado? — devolvo a


pergunta e ele aponta para a cadeira em minha frente, assinto e ele se senta.

— Parei aqui por acaso, estava a caminho do clube.

Acasos não existem. Tudo tem um propósito, por mais que não
consigamos enxergar, há alguém, em algum lugar, orquestrando cada um dos
nossos passos. E eu quase podia brindar o fato de tê-lo encontrado.

— Estou acompanhado em uma casa aqui perto, quer dar uma


passada?

Ele me encarou e sorriu.


Enquanto dirigia meu carro de volta para a casa de praia, pensei na
cena que faríamos com ela. Assim que o Silvio estacionou o próprio carro eu
expliquei o que tinha em mente.

Traria Liz vendada, a amarraria com os braços para cima na trave de


futebol da área de esportes, no fundo da casa e a amordaçaria. No fim da
montagem, eu a observei linda, nua e totalmente indefesa. Com a gag na boca
e as cordas amarrando seus braços, era tão atrativa que fazia meu pau vibrar
de vontade.
Eu a excitei, coloquei os prendedores de mamilo e esquentei sua pele
com o flogger. Liz reagiu muito bem a tudo que aconteceu ao seu redor.
Inclusive aos movimentos dos dedos do Silvio.

Eu me afastei para observar e notei o seu corpo cedendo pouco a


pouco. Eu o havia instruído a usar preservativo, mas quase o mandei recuar
quando o vi vesti a proteção. Quando ele a penetrou, ela respondeu com as
pernas ao redor de sua cintura e quando ele tirou a mordaça, sem o meu
consentimento, ela o beijou imediatamente.

Os dois se satisfizeram e então eu a soltei. Eu deveria estar satisfeito


também, mas acabei me distraindo na observação e não aproveitei a cena
como achei que iria. Dispensei o Silvio, cuidei da Liz – que apagou ainda no
banho – e fui para a cama que me era destinada na casa.
Levantei-me antes dela, tomei banho e desci para preparar o café da
manhã. Não suportaria se, em mais uma das suas gracinhas, ela colocasse um
frasco inteiro de adoçante em um copo de suco.

Não sabia se ela gostava de café, então não o fiz, mas fervi água e
coloquei o pó solúvel na mesa para que o fizesse, se fosse necessário. Suco
de laranja, torradas, ovos fritos, pão e algumas frutas compunham a mesa da
cozinha quando terminei de arrumá-la.
Olhei para o meu relógio de pulso e notei que já passava das
8h30min. Liz já tinha dormido o suficiente para se recuperar da noite
anterior, precisávamos conversar sobre o fatídico jantar e sobre a experiência
com o Silvio, por isso fui até o seu quarto.

Subi os degraus de maneira segura, lembrando rapidamente sobre o


receio dela em descê-los enquanto estava vendada. Assim que cheguei na
porta do seu quarto, abri sem cerimônias. Entrei devagar, para não a assustar
em seu sono, mas quando dirigi meu olhar para cama, seu corpo não estava
deitado ali.

Liz já havia acordado. Provavelmente estava tomando banho ou se


trocando para descer. Dei alguns passos até o banheiro e segurei a maçaneta,
girando devagar para observá-la.
Mas ela também não estava ali. Entrei completamente no espaço para
observar se havia qualquer indício de onde estaria e quando olhei para frente
eu descobri.

Sobre a bancada da pia não havia nada, mas no espelho, impedindo


que eu encarasse meu reflexo de maneira límpida estava escrito com letras
grandes, em batom vermelho, uma única palavra:
Coelho.

Liz estava me deixando um recado claro usando a sua palavra de


segurança: eu desisti. Isso era tudo que eu queria, não era?

Sim, era, mas não dessa maneira. Não com uma sucessão de
interrogações pairando ao redor do uso dessa palavra. Que horas ela saiu? E
se tiver sido de madrugada, será que aconteceu alguma coisa? Por que ela não
consegue se comportar como uma adulta?
Porque, como você bem diz, ela é uma criança seu idiota.

E fugiu de você sem ter coragem de te encarar.

A pergunta é: por quê?


Não sei dizer o que estou sentindo no momento. Tive algumas horas
para pensar em tudo o que aconteceu, mas ainda não consigo chegar a um
sentimento exato. Depois de escrever a minha palavra de segurança, em letras
grandes e cursivas, soube que não teria mais volta.

Mas que opção eu tinha? Estava confusa e com muita raiva. O César
tinha me usado, me entregando na mão de outra pessoa sem a menor
consideração! Uma parte do meu cérebro me traiu e me levou de volta a
escuridão dos olhos vendados na noite anterior. Essa mesma parte estava
tentando me lembrar que eu gostei das sensações, do toque e do beijo do
estranho.
O beijo. Estou tentando não focar nisso, mas esse é o maior problema.
César nunca me beijou e eu não sei bem o motivo, então naquele momento
imaginei que as coisas estivessem evoluindo entre nós, ou sei lá, que ele se
importasse e me achasse merecedora da porcaria do seu beijo.
Na balança, o que mais me incomodou foi saber que ele não me
beijou, que nada era diferente ou especial e que sou tão descartável que ele
me serviu de bandeja para qualquer um.

Ele queria me fazer desistir e conseguiu.


Depois de deixar o meu recado no espelho do quarto, arrumei as
minhas coisas e desci para o andar debaixo. Esperei dar 6h30min. para
solicitar um Uber, abri as portas e o portão e, depois que fechei, joguei o
controle eletrônico para dentro.

Quando entrei no apartamento em que moro, eram 7h17min e as


meninas ainda estavam dormindo. Melhor assim! Depois de me gabar que
teria um fim de semana foda, voltar no sábado pela manhã com o rabo entre
as pernas não era muito legal. Estava morrendo de fome, afinal havia
dormido sem jantar e saído antes do café da manhã, por isso deixei a pequena
mala na sala e fui para cozinha ver o que encontrava para comer.

Na geladeira, achei em uma vasilha plástica recheio de cachorro


quente. Com certeza tinha sido feito pela Jaci na noite anterior. O cheiro
gostoso fez o meu estômago roncar alto.
— Você me faz passar vergonha — falei, olhando feio para minha
barriga.

Esquentei o molho, achei pão no armário e fiz café o suficiente para


todas quando acordassem. Depois de comer, lavei os pratos que sujei e me
joguei no sofá, tentando pensar no que faria para não pensar em nada.

Mas era tarde. Assim que olhei para o teto foi como se ele
transformasse em uma imensa tela de cinema, me mostrando todas as vezes
em que estive com ele. Desde a primeira vez tinha sido intenso, por isso eu
quis mais. E eu tive. Nossa, doses extrafortes de intensidade.
Se antes o sexo já não era essa coca-cola toda, como será depois de
aumentar o meu parâmetro de comparação? Se antes já não me contentava
com uma pessoa que gozava e me deixava pensando “ué, mas já acabou?”
como seria agora depois de César me mostrar um pouquinho de como seu
mundo funciona?

Como se soubesse exatamente o rumo dos meus pensamentos, meu


celular começou a tocar próximo aos meus pés, em cima do sofá. Sentei-me
rapidamente em busca do aparelho e quando o peguei em minhas mãos senti
um misto de irritação e prazer. Era o tiozão me ligando, será que ele
encontrou o meu recadinho no espelho?
Encarei o celular lembrando do dia em que descobri seu número e
liguei desesperada para que ele me atendesse. Essa podia ser a única chance
de revidar... Se bem que, pelo pouco que conhecia do César, ele não insistiria
na ligação por muito tempo.

Foi exatamente o que aconteceu, enquanto eu pensava nisso tudo o


celular parou de tocar. Esperava que, pelo menos, ele estivesse se sentindo
um pouquinho culpado por tudo.

O toque recomeçou e eu quase gritei de susto e excitação. Se ele


estava insistindo, só me restava atender.
— Alô?

— Estava começando a me preocupar. Você saiu sem dizer nada e...

— Eu deixei um aviso — interrompi o sermão.


— No espelho, sim, eu vi, mas não acha que seria mais adulto sentar e
conversar comigo?

— Ah, você quer falar sobre atitudes adultas? Não acha que seria
mais correto da sua parte me que avisar deixaria outra pessoa me foder sem o
meu consentimento?

— Liz, vamos conversar para que me diga como se sente e...


— Não quero conversar — interrompi novamente.

— Mas eu preciso explicar que...

— Eu disse não — com essas palavras encerrei a ligação.

Meu coração bateu descompassadamente com o gesto. Eu desliguei


na cara do homem que eu desejei que tanto me ligasse? Agora já era. Nos
meus melhores sonhos ele viria até mim de joelhos, mas convenhamos que
ele é quem adora colocar as pessoas nessa posição.

Você está bem ferrada, Liz.


Trinta e dois minutos depois, enquanto a Malu estava tomando banho,
a Jaci reclamando do fato de eu ter deixado pouco molho de cachorro quente
e a Welma ainda estava dormindo, ou hibernando, como todo bom
universitário em um sábado de manhã, meu celular recomeçou a tocar. Meu
coração disparou em expectativa, na ilusão de que ele poderia estar tentando
me ligar outra vez.

Claro que foi ilusão, na tela do aparelho três letrinhas indicavam


quem me ligava: Mãe. Atendi rapidamente.
— Oi, mãe!

— Oi, filha, nunca mais deu notícias, tá tudo bem?

— Eu te mandei mensagem esses dias mesmo, mãe... Isso tudo é


saudades?

— Por mensagem, você quer dizer uma imagem com sugestão de


ganhar um carro de presente? — ironizou — eu fico preocupada com você aí
em Aracaju sozinha.

— Achei que já tivesse acostumada, mãe. Mas estou bem, só estive


ocupada ultimamente com um projeto.

— Trabalho da faculdade?
— Sim, sim — menti — mas acabou.

— Vai vir pra casa quando? Estou pensando em ir aí com seu pai!
— Vou para Festa do Caminhoneiro, estou com saudades de casa —
fui sincera.

— Que maravilha, seu pai vai adorar saber! Todos os dias?


— Ainda não sei, tenho aula, mas eu vou!

— Vou te aguardar, se cuida, lindinha.

— Te amo, mãe — encerrei a ligação.

Seria bom ir para casa. Mas enquanto esse dia não chegava era melhor
procurar ocupar a minha mente (e as minhas mãos). Não demorou muito para
que eu tivesse com que ocupar os dois, a solução veio em forma de
notificação de Whatsapp no grupo EM PAUTA. Nome bem jornalístico, não
é? Era o grupo em que estava com a Alexia e a Érica.
Érica: Gente, o trabalho da Vidal é para segunda, estão lembradas?
Eu: Como assim é para segunda? Não anotei nada!
Alexia: Deve ser porque sua cabeça estava mais focada em pau do que em
aula kkkkkk
Érica: Kkkkkkkkkkkkkkk não posso discordar dela, amiga.
Eu: Vocês não sabem nem a metade dessa missa...
Érica: Então conta, oras.
Eu: Conto, se alguém fizer o meu trabalho! Rs
Érica: Vai tomar banho, Liz.
Alexia: Que santinha, tem que mandar tomar no cu mesmo! Hahaha
Eu: Morram curiosas, então.
Alexia: Caralho, Liz, a gente te ajudou a descobrir sobre quem deu a festa,
que injustiça nos deixar no escuro depois.
Eu: Uma dica para quem me ajudar no trabalho: quarto vermelho da dor.
Érica: OIIIII???
Alexia: MENTIRA PORRA!
Eu: Pura verdade.
Alexia: Venha aqui para casa que eu ajudo você!
Érica: Também vou, super ajudo!
Eu: Bando de safadas... Mas estou mesmo precisando conversar. Tô indo!
Na casa da Alexia, tive que me esforçar e driblar todas as perguntas
antes de fazer o meu trabalho que estava atrasado. Sozinha, eu não
conseguiria me concentrar. Com elas, apesar de todos os questionamentos, o
foco foi direcionado para a atividade quando eu dei um basta. Assim que
acabamos com a tarefa, tive que contar tudo o que aconteceu, desde a festa
que eu não tinha detalhado para elas.

— Trinta anos mais velho, Liz? Meu Deus, eu não teria coragem! —
Érica disse, de olhos arregalados e boca aberta.
— Miga, na boa, depois que ele me encostou na parede no andar de
cima eu nem lembrei meu nome — confessei e ela riu alto.

— Então, o tal César é pai da garota que deu a festa... E ele não tem
esposa — Alexia concluiu suas considerações.

— Isso, é viúvo.
— Viúvo e dominador, diga-se de passagem. Cara, que história,
parece que estou vendo uma série da Netflix — Érica riu.

— E o que houve para você está aqui e não na casa de praia com o
vovô pegador? — Alexia questionou.

— Essa é a parte complicada... — comecei.


— Até agora tudo que contou é, amiga — Érica deu de ombros.

— Vocês me conhecem, não sou muito de seguir o que mandam e


adoro dar o troco. Salguei a comida que ele pediu para eu fazer, ele se irritou
e saiu de casa. Até aí, imaginei que ele fosse me bater quando voltasse, mas
fui acordada com um oral maravilhoso. Depois disso, ele me vendou e me
levou para fora da casa. Fui amarrada e amordaçada também e o sexo foi
extraordinário...

— O que tem de complicado aí? Estou pegando fogo só de imaginar


— Alexia quis saber.

— Não foi com ele que eu fiz sexo — disse de uma vez.

— Como assim?

— Quando estava exausta depois de um orgasmo arrebatador, tirei a


venda e vi que tinha outro homem ao meu lado. César estava um pouco mais
distante...
— Que filho da puta! — Alexia se alterou — Como coloca outro cara
para transar com você sem perguntar se você quer?

— Muito escroto, Liz — Érica lamentou — e como você está se


sentindo?

— Então...

— Então? Se você não está puta, quer dizer que não se incomodou?
— Alexia foi direto ao ponto — Gostou de ter dado para outro cara sem
saber?

— Calma aí, não me julgue! Eu não sei o que estou sentindo... A


transa foi boa, mesmo sem ter sido com o César, eu tive um orgasmo
estrondoso. Fiquei irritada por achar que era ele e tem um outro detalhe.

— Ninguém está te julgando, amiga, pode falar — Érica incentivou.


— Não sei o que isso faz de mim... Mas o que me incomoda mais
nisso tudo é que ele nunca me beijou e o outro cara sim, então de olhos
vendados eu achei que era o César.

— Você conversou com ele sobre isso? — Érica questionou.


— Não, saí de lá sem me despedir deixando minha palavra de
segurança como um recado claro de que estava caindo fora.

— E depois disso ele te procurou?

— Ligou, atendi e depois de falar umas besteiras desliguei na cara


dele — me joguei na cama, colocando os braços sobre o meu rosto.
Narrando os fatos eu me sinto muito infantil. Qual é, não tem
problema o idiota me colocar para transar com um estranho, mas acho um
absurdo ele não me beijar? Sair correndo como uma garotinha ao invés de
dizer tudo na cara dele?

Não é à toa que ele te chama de criança.

— Você fez o que achava que era melhor, não precisa se culpar —
Alexia se deita ao meu lado — veja só, se antes os caras eram babacas, você
achou dois que te dão prazer isso é lucro, não é?

— Mesmo que não saiba nada sobre um deles e que saiba muito
pouco sobre o outro — Érica se jogou do outro lado e fez essa frase parecer
uma bela piada.

E agora? Voltarei a ser uma cenoura frustrada sem orgasmos. Uma


cenoura que serve apenas para matar a fome de coelhos inúteis que tiram sua
casca rapidamente, dão duas ou três dentadas e caem de lado satisfeitos.

— Não quero mais coelhos! — disse em alto e bom tom, fazendo as


duas caírem na gargalhada.
— Sua sorte mudou, Liz, agora você atrai boys com pegada! — Érica
perturbou.

— Vamos testar essa sorte, que tal uma saidinha?


— Eu topo, posso dirigir — Érica se ofereceu.

— Você sempre dirige — dou de ombros — vou consultar as moedas


do meu cofrinho, já gastei horrores de Uber esses dias.

— Não aceito não como resposta, hoje a noite é nossa!

Então, vamos badalar?


Depois de uma tarde regada a conversas e risadas, nós decidimos para
onde iríamos a noite: Oxe Music Bar. Trata-se de um bar alternativo perto da
nossa faculdade, funciona de quinta a sábado, das dez da noite até às quatro
da manhã. Não era a balada mais TOP, mas era legal: tinha bebida gelada e a
entrada custa apenas dez reais. E o melhor: a Catuaba será dobrada até uma
da manhã. Tudo que os universitários gostam, né? Farra com entrada barata e
bebida dobrada. Ninguém me seguraria hoje!

O mês de Junho no nordeste é a desculpa perfeita para colocarmos


forró e comidas com milho em quase todas as comemorações. Nesse caso, o
bar proporcionaria um misto de forró, funk, reggaeton e pop no Arraiá da
Sarrada. Pelo que vimos nas redes sociais, três DJ’s animariam a nossa noite.
Saí da casa da Alexia e fui para a minha, combinamos que ela e a
Érica passariam para me buscar às 21h30min. Depois de um banho rápido,
sequei meus cabelos e os prendi em um rabo de cavalo. Dentre todas as
opções do guarda-roupa, optei por usar uma saia preta de cintura alta,
juntamente com um top rendado da mesma cor. Sobre o look, coloquei um
casaquinho leve, branco e que eu, com certeza, tiraria se fizesse calor. Nos
pés, sandálias rasteiras pretas e confortáveis, completavam a produção.
Procurei minha bolsa pequena e coloquei nela meu celular, cartão de crédito,
documento de identidade, o batom que estava usando e um pouco de
dinheiro.

O trânsito estava tranquilo, por isso chegamos poucos minutos depois


das 22h. Depois de a Érica estacionar, pagamos nossas entradas e seguimos
bar adentro. Eu já tinha estado ali algumas vezes, o espaço não é muito
grande, deve caber umas cem pessoas no máximo. As mesas redondas e
pretas, com pés de aço, e suas cadeiras semelhantes ficam nos cantos,
próximas às paredes, deixando todo o centro livre para dançar ou assistir aos
shows de pé.
— Catuaba dobrada, bora começar? — Alexia disse assim que demos
os primeiros passos dentro da pista.

— Por favor! — implorei juntando as mãos em prece.

A Catuaba é uma bebida alcoólica brasileira, dizem que possui


algumas propriedades afrodisíacas. É preparada a partir de diversas plantas e
possui um sabor diferenciado em comparação às cervejas e aos destilados.
Além disso, seu teor alcóolico é bem mais alto, tudo que eu precisava essa
noite.
— Como eu sou a motorista, vou ficar na Coca-Cola — Érica
informou quando nos aproximamos do pequeno balcão para fazer os pedidos.

— Uma anja — eu ri — uma catuaba dobrada e uma coca, por favor


— fiz o pedido e nós pagamos.
O lugar ainda não estava lotado, mas já tinha uma boa quantidade de
pessoas. Jovens de todas as tribos: solteiros, negros, brancos, casais homo,
hétero... Todos em um mesmo espaço com a única função de se divertir.

Fomos para pista e nos divertimos ao som do primeiro DJ que tocou


um mix de pop e funk. Dançamos até quase chegar ao chão e rimos, bebendo
novas doses do tal afrodisíaco engarrafado. Passava da meia-noite quando o
segundo DJ dominou o ambiente. Como se tratava de um arraial e estávamos
no mês junino, os remixes dele eram de forró e algumas músicas sertanejas.

Já tinha tomado copos o suficiente para rir alto e me sentir levemente


tonta quando rodava para dançar quando ele tocou Saudade Amarga,
interpretada pela banda Aviões do Forró.
Prometi tanta coisa,
Jurei não te procurar
Mas o meu coração tá na mão
E o desejo na boca

Maldita catuaba que me fez enxergar o dominador babaca nessa letra.


Porra, basta uma cordinha e uns tapas para você gamar, Liz?
E se eu te ligar de madrugada
Com a saudade amarga,
Sentindo a sua falta
E se você tiver acompanhada,
Desliga e disfarça
Eu só liguei pra dizer
Eu não consigo te esquecer

Mas se desde o começo eu corri atrás do que quis e o que eu quis foi
ele, qual o problema de ligar agora e matar essa vontade absurda? Era muito
coerente esse raciocínio, tanto que eu peguei o meu celular para fazer como a
música e ligar com a saudade mais amarga que eu já senti.

— O que está fazendo? — Érica perguntou quando eu parei de dançar


e desbloqueei o telefone.

— Uma ligação, Dãwww — ri.

— Acho melhor você fazer essa ligação quando estiver sóbria...

— Não estou bêbada, amiga!

— Vamos trocar, me dá o celular e eu te pago uma água mineral.


Quando você acabar, depois de uns minutos, eu te devolvo...

— Você não cansa de ser tão certinha?

— Amanhã você vai me agradecer.

— Eu vou ligar e xingar ele de babaca filho de uma égua, então.


— Isso parece um pouco melhor para mim, mas acho que você pode
se arrepender.

— O que está acontecendo? — Alexia gritou dos braços de algum


cara, ela estava dançando junto mesmo com o ritmo mais acelerado.

— Tudo sob controle — Érica gritou de volta, acrescentando o gesto


de legal com o polegar.

— Eu juro que não vou, estou sóbria o suficiente para xingar e não me
arrepender...

— Eu tentei — ela dá de ombros e desiste. Eu jogo um beijinho no ar


e procuro o número na minha agenda.

Dessa vez, quando ouvi o som da chamada não senti nenhuma tensão.
Estava leve e, devo confessar, mal ouvia os ruídos por causa do som do DJ.
— Liz? — Não me pergunte como eu entendi que foi o meu nome
que ele disse.
— Escute aqui, já estou cansada de você, entendeu? Só porque é um
coroa gostoso que sabe uns truquezinhos para animar meu corpo acha que
pode fazer o que quiser, não pode, otário — gritei.

— Onde você está? — dei alguns passos para longe do som.


— Não é da sua conta. Você não manda em mim, entendeu César? N-
ã-o m-a-n-d-a em porra nenhuma! — o som estava abafado o suficiente para
que eu falasse mais baixo.

— Então, por que me ligou?

— Porque bebi um pouquinho e me senti corajosa para te dizer umas


coisas.
— Me diga onde você está e me diga tudo pessoalmente. Está
sozinha?

— Tá pensando que é assim? Eu digo, você vem me toca e eu esqueço


o que você fez?

— Sobre o Silvio, eu...


— ELE ME BEIJOU! — gritei — ele me beijou e você não, seu
escroto.

— Liz...

— Já chega, tenho uma festa para aproveitar. Até nunca mais, César
— mais uma vez, encerrei a ligação sem que ele pudesse dar a última palavra.
Sentindo-me mais poderosa do que nunca, guardei o celular na bolsa e
voltei para o balcão para comprar mais um copo de catuaba. Era a última hora
da bebida dobrada, por isso virei o primeiro copo de uma só vez e fui com o
segundo para a pista.
Érica e Alexia estavam acompanhadas dançando, por isso eu e meu
copo dançamos juntos por algumas músicas. Até que fomos interrompidos
por um moreno de um metro e oitenta de altura.

— Oi, quer dançar? — ele chegou perto do meu ouvido para


perguntar.
— Bora!

Nossos corpos se aproximaram. As mãos dele foram para a minha


cintura e a minha esquerda para o seu ombro, a direita continuava segurando
o copo.
É porta na cara, é telefone que ela não atende
E eu trouxa, implorando, volta
E ela não se rende

Dois passos para lá, dois passos para cá. Uma rodadinha, mãos
acariciando minha cintura. A temperatura estava se elevando ali, posso culpar
a bebida?
Aí sou obrigado
A pegar a primeira boca que quer molhar meus lábios
Aí sou obrigado
A tirar a roupa do primeiro corpo que entra no meu quarto

O moreno se curvou para que seu rosto pudesse alcançar o meu


pescoço, aguardando o meu sinal para seguir em frente. Era uma hora muito
boa para saber se minha sorte tinha realmente virado.
Amor, pra mim agora é desse jeito
Não tem tu, vai tu mesmo

Virei a cabeça e o gato não perdeu tempo, tomou minha boca em um


beijo. Retribuí, sentindo o impacto das nossas confusas línguas. Perdemos o
ritmo da música, mas seguimos o nosso próprio com as bocas coladas. As
mãos dele desceram até a minha bunda e alisaram de leve. Quase pedi para
que ele apertasse com força.

Eu queria mais, muito mais, mas ele não avançava.

— Me tira daqui — pedi, afastando meus lábios.

— Agora!

Ele me puxou pela mão e me conduziu até a lateral, me encostando na


parede. Nesse meio tempo, bebi o que restava no copo. Aquele local não era
bem o que eu tinha em mente quando pedi que me tirasse dali...

Senti suas mãos tocando minhas coxas levemente, enquanto seu rosto
se enfiava no vão do meu pescoço. Levei minhas mãos para o seu peito,
deixando que elas percorressem todo aquele cumprimento. Senti a firmeza de
músculos definidos e desejei aquele corpo sobre o meu, me fazendo gemer e
esquecer meu nome.

Desencostei-me da parede e o puxei para o corredor que estava um


pouco mais vazio. Ali, nos agarramos mais um pouco em um misto de “mão
na mão” e “mão naquilo” até que, finalmente, ele me puxou para o banheiro
masculino.

O banheiro daquele bar era composto por três mictórios e apenas uma
cabine. E foi para ela que o moreno me levou, fechando a porta e me
recostando nela. Ele levantou minha saia, eu abri o botão da sua calça. Minha
calcinha foi afastada, sua cueca, invadida. Estava tudo indo bem, meu corpo
estava quente e desejoso, o pau dele estava duro entre os meus dedos.
Até que ele retirou os dedos que me tocavam para baixar a calça. E,
logo depois, colocar a camisinha. No automático, rápido e sem me tocar. Eu o
assisti se aproximar e puxar minha perna para cima, enfiar o rosto no meu
pescoço e o pau na minha entrada. Fechei os olhos e deixei que isso não
afetasse, foquei no meio das minhas pernas, preenchido de maneira gostosa.

Puxei o cabelo do homem e inclinei meu quadril mais para frente para
que ele fosse mais fundo. As estocadas começaram, lentas e curtas.
— Mais forte! — pedi e ele tentou — mais rápido!

Uma. Duas. Três. Sete. Sete metidas depois, eu senti o corpo dele
relaxar. Ele parou completamente por alguns segundos e, logo depois, saiu de
dentro de mim para retirar o preservativo.

Eu fechei os olhos e senti o mundo girar. Dessa vez, não consegui


distinguir se a tontura era por causa da bebida ou da raiva que estava sentindo
por ter caído nesse tipo de situação mais uma vez.
— Nossa, gata, posso saber seu nome?

— Cenoura — respondi sem a menor vontade, enquanto ajeitava a


calcinha.

— Posso pedir seu telefone, cenoura?


— Não, aí você não precisa fingir que vai me ligar — coloquei a saia
no lugar e saí do espaço apertado.

Desviei das pessoas no caminho até encontrar minhas amigas, que


sorriram ao me ver voltar.

— Nem perguntem! Vamos beber porque eu preciso apagar hoje.


Elas riram e me acompanharam até o final da noite. Que acabou às
3h30, quando eu já não aguentava mais ficar em pé. Depois disso, não lembro
de mais nada, mas acordei na minha cama. Meu domingo pode ser resumido
em: náuseas, vômitos e cama. Passei todas as horas do dia sentindo uma dor
de cabeça dos infernos e um enjoo sem fim.
Ah, ressaca, eu te odeio!
Nada como um dia após a ressaca, não é? Tudo muda, você está mais
bem-disposto, os pássaros parecem cantar e... Pura balela. É um pouco menos
ruim do que o dia anterior, mas você ainda deseja apagar a luz do mundo e
dormir mais vinte e quatro horas. Só que eu não podia me dar a esse luxo.
Tinha aula e entrega do trabalho.

Acordei aos trancos e barrancos quando o despertador tocou pela


terceira vez. Enquanto fazia xixi, conferi as mensagens do dia anterior, uma
vez que a dor de cabeça me fez ficar longe do celular.
Além das mensagens da Érica e Alexia perguntando como eu estava,
havia da minha mãe, do grupo HOME e a que mais me surpreendeu: Celine.

Celine: Liz, está livre essa tarde? – enviada às 10:49.

Ela enviou no domingo pela manhã, provavelmente quando eu estava


vomitando.
Celine: Posso te ligar? – enviada às 10:57.

Celine: Está ocupada? ​– enviada às 11:00.

O que será que a filha do César estava querendo comigo?


Eu: Oi, Celine, estava mal ontem, ressaca horrível e só estou vendo agora.

Enviei a resposta e fui me preparar para sair, já estava atrasada, para


variar.
Missão impossível foi me manter atenta nas primeiras aulas dessa
segunda-feira. Mas eu consegui e anotei tudo, importante ou não, para ter
uma ocupação que me mantivesse focada. Quando a terceira aula ia começar,
notei que a Celine havia me respondido.

Celine: Que tal um banho de piscina?


Putz! Ir para a sua casa é uma das cinco coisas da lista de “não fazer
de jeito nenhum hoje”, amiga. Mas eu não podia responder isso, não é?

Eu: Não vim preparada =(

Celine: Desde quando isso é problema? Você sugeriu, se bem me lembro,


nadar sem roupas rsrs
Toma na sua cara, Liz. Era melhor mudar a tática.

Eu: Você estava bem ansiosa para falar comigo ontem. Aconteceu alguma
coisa?

Celine: Sim. Preciso conversar com você. Por favor, vamos até a minha
casa. Eu não insistiria se tivesse outra opção.
Eu: Você está me deixando tensa... Vai estar sozinha?

Celine: Sim, quer ir comigo logo quando acabar sua aula?

Eu: Tudo bem.


Celine: <3
Agora eu tinha duas novas coisas para me preocupar. A primeira: o
que a Celine quer conversar? E a mais importante: o que eu faria se
encontrasse o César novamente?
Hoje era um dia daqueles atípicos, em que eu desejava que ele
passasse devagar. Eu queria que o tempo se arrastasse e os segundos fossem
horas, adiando o meu encontro com a Celine. Em meu arsenal de
possibilidades para o que ela queria conversar comigo, estava no topo um
confronto sobre eu ter mentido e me aproximado dela para ir para a cama
com o seu pai.
Mas o tempo correu contra mim e passou mais rápido do que um
carro de fórmula 1. Quando as aulas acabaram, antes mesmo que eu pudesse
sair do prédio, a encontrei de pé me esperando.
— Há quanto tempo está aqui? — perguntei ao me aproximar.
Celine estava usando calça jeans e camiseta, não se parecia em nada
com a patricinha que eu procurei há bem pouco tempo aqui mesmo na
faculdade.
— Desde que você aceitou me ver. Não assisti aula, vim só te pegar e
como não sabia que horas sairia acabei chegando um pouquinho antes...
— Pouquinho? — ela deu de ombros — Ok, aqui estou.
— Meu carro está logo ali, vamos.
Andamos em silêncio até onde o HB20 branco estava parado. Nós
entramos e colocamos o cinto de segurança. Eu larguei minha bolsa no piso,
perto dos meus pés e me recostei no banco. O silêncio ainda permanecia,
sendo entrecortado por nossas ações e, logo depois, pelo som que ela fez sair
do aparelho de som do carro.
Eu estava ficando agoniada, como o gado fica naquele estreito
caminho que o leva até o momento do abate. Ele segue em frente pelo
corredor cercado porque não há opção de voltar, mas sente que algo não está
indo bem. Em minha mente conseguia enxergar eu gritando para parar o
carro, abrindo a porta e correndo sem direção. Mas eu me mantive sentada,
respirando controladamente até chegar naquela mansão.
Se eu tinha enfrentado o pai, por que não enfrentaria a filha?
— Isso tudo está bem estranho... — Disse quando os meus pés
tocaram o chão. Peguei minha bolsa antes de fechar a porta do carro.
— É mais ou menos como me senti com aquela história toda de banho
de piscina e pesquisa... — ela riu — mas eu só consegui pensar em você e
nessa sua loucura, Liz.
— Como assim?
— Eu... Preciso conversar com alguém e não pode ser com nenhuma
das minhas amigas.
Respirei um pouco mais aliviada. Então, era um problema pessoal
dela que não envolvia eu e o seu pai.
— Vamos precisar de bebidas para conversar? Estou saindo de uma
ressaca terrível, acho que não tenho condições de beber nada alcoólico.
— Eu bebo e falo, você escuta e não me julga, combinado?
— Está perfeito para mim — sorri.
Nós entramos na casa e eu tentei reprimir tudo que já era costumeiro
sentir quando entrava naquele lugar. Olhei para os meus pés como se fossem
a coisa mais importante do mundo e dei um passo na frente do outro
observando como eles se mexiam.
— Meu pai não vem almoçar — ela disse como se soubesse que eu
estava preocupada com isso — tem uma reunião de trabalho e me mandou
pedir comida. Você gosta de alguma coisa em especial? Peço o que?
— Qualquer coisa, não se preocupe comigo.
— Ah tá, eu arrastei você até aqui então o mínimo que posso fazer é
não te deixar com fome. Churrasco?
— Adoro churrasco — confessei, quase me esquecendo do pobre boi
que foi para o abate para me proporcionar esse almoço.
Celine pegou o telefone sem fio e se afastou enquanto falava com o
atendente da churrascaria. Eu me sentei no sofá espaçoso e peguei o meu
celular para passar o tempo até que ela voltasse.
— Como você não vai beber, vou tomar só esse copo — ela rodopiou
o copo cheio de whisky com gelo.
— Whisky, a coisa é forte então.
— Liz, quero começar te agradecendo por estar aqui — ela começou,
se sentando ao meu lado... Eu apenas neguei com a cabeça — eu nem sei por
onde começar. É um assunto delicado e novo para mim, foi tudo tão intenso
que chega a me sufocar... E eu não posso comentar com as pessoas, por isso
pensei em você. Não sei como e nem o porquê, mas desde que você veio aqui
eu gostei do seu jeito meio louco e tudo que preciso é de alguém assim para
compartilhar a maior loucura da minha vida.
— Se vai me contar como matou uma pessoa, por favor, não me diz
onde escondeu o corpo. Não sei se consigo manter segredo com a pressão
policial — disse e ela gargalhou bebendo um gole do seu copo.
— Não matei ninguém, pode ficar tranquila... Que tipo de advogada
eu seria se chamasse você para confessar isso?
— Ufa, então pode começar que estou pronta!
— Eu viajei esse fim de semana. Fui para uma praia incrível em
Alagoas com vários amigos do meu curso e outras pessoas maravilhosas. Nós
íamos de carro, mas acabamos indo de avião por causa do meu pai, mas
enfim, isso é um detalhe sem importância na história. A festa era da Paty e foi
em uma mansão na praia, nós tínhamos um pedacinho do paraíso só para nós,
desde a areia até um mar particular aos fundos da casa — eu assenti
imaginando o lugar perfeito. Ela continuou:
— Tenho uma relação indefinida com um dos meus amigos de curso,
o Natan. Ok, não é tão indefinida assim. Nós ficamos, saímos e dormimos
juntos. Somos namorados, para alguns, mas eu não o apresentei com esses
termos ao meu pai. Ele é um cara legal, gato e curtimos algumas coisas iguais
por isso estamos juntos há quase um ano, eu acho. Ele já quis formalizar tudo
algumas vezes, mas eu prefiro deixar as coisas acontecerem.
— Sei como é — respondi sorrindo, Celine bebeu um longo gole de
Whisky.
— O Natan tem uma irmã, a Naomi. Ela estuda lá na nossa faculdade,
faz engenharia mecânica e nós já saímos em grupo algumas vezes... Bem,
Liz, eu não sei como te contar isso.
Estava claro para mim o que ela não conseguia contar, por isso decidi
ajudá-la a diminuir o peso do que viria a seguir.
— Você e a Naomi ficaram? — ele me encarou com olhos
arregalados — eu nunca fiquei com uma garota, mas já cogitei algumas vezes
depois de certos babacas — dei de ombros.
— Você existe, Liz? Como é que eu estou enrolando para te contar
uma coisa e você pergunta tão naturalmente?
— Não estou aqui para te julgar, só para te ouvir. Mas e aí, como foi?
— Foi muito bom — confessou — foi no sábado. Nós chegamos na
sexta a tarde por lá e já rolou uma prévia da festa. A festa mesmo foi no
sábado, durante o dia, com direito a DJ e tudo mais. A noite, houve um luau
com os sobreviventes do dia. Foi bem animado com fogueira, música e um
clima mágico, sabe? — assenti — em um dado momento eu me afastei de
tudo aquilo e andei com os pés na água por um tempo. O céu estava tão lindo,
a falta de iluminação faz com que as estrelas pareçam enfeites brilhantes... Eu
juro que não sabia que ela estava ali quando fui.
— A Naomi estava sentada na parte mais fofa da areia, eu a vi como
se tivessem acendido um holofote, indicando “olha, é para ali que você tem
que ir”. Eu me sentei ao lado dela e nós sorrimos olhando o mar escuro. Não
sei explicar como tudo aconteceu. Em um momento nós estávamos
admirando a paisagem e em outro estávamos nos beijando — Celine falava
como se não tivesse mais ali na sala, ela havia se transportado para o
momento que me narrava.
— O beijo foi incrível e a maneira como o meu corpo reagiu quando
as mãos dela me tocaram foi surreal. Em pouco tempo minha saída de praia
deixou seu lugar, assim como meu biquini que foi substituído por ela. Eu
nunca tinha ficado com uma mulher Liz e foi muito intenso, sabe?
— Eu sei, Celine, o pior é que eu sei de que tipo de intensidade você
está falando.
— Opa, é a sua vez de me contar, então?
— Hum... Não, acho que ainda não estou pronta para isso. Mas como
você se sentiu depois de tudo?
— Tonta. Quando minha pulsação diminuiu o ritmo eu peguei minhas
roupas e saí correndo. Eu não queria ter feito nada do que eu fiz, se eu
pudesse voltar atrás não teria saído de perto das outras pessoas, entende? —
Assenti.
— Mas isso é por causa dela ou do irmão?
— Dos dois. Que tipo de filha da puta eu sou? Como é que eu pego a
irmã do cara que eu fico? Entendeu por que não podia contar para ninguém?
— Fico feliz que tenha confiado em mim para isso...
— Se as minhas amigas souberem vão achar que sou lésbica e traíra.
— E o que pretende fazer agora?
— Não sei, passei o domingo fugindo do Natan e dela. Voltei para
casa atordoada e sem saber o que pensar. Nessas horas eu sinto falta da minha
mãe, acho que eu conseguiria me abrir com ela... Como eu contaria isso para
o meu pai?
— Não sei se eu contaria para a minha — sorri pensando na reação
dela — nem para o meu pai.
— Não quero pensar mais nisso por enquanto, falar para você já fez
um pouco do meu sufocamento passar.
— Pode contar comigo para o que precisar.
— Sabe o que estou precisando agora? — neguei — Maratona de
séries!
— Ok, senhora, hoje você manda — eu me rendo e ela bate palmas
— mas não me venha com séries dramáticas, não quero derramar nenhuma
lágrima!
— Que tal Suits?
— Ah, por favor, um monte de advogados chatos!
— Chatos? Meu bem, você precisa conhecer o Harvey... Tenho
certeza de que vai gamar.
— Esse é o que pega a que se casou com o príncipe na vida real?
— Não, esse é o Mike. O Harvey está uns três degraus acima! — ela
riu — vamos fazer uma aposta: se assistir a primeira temporada e não gostar
eu te dou um pote de sorvete.
— E se eu gostar?
— Você sabe fazer brigadeiro? — ela arqueou as sobrancelhas. —
Vamos almoçar e ver quem ganha essa aposta!
Suits (homens de terno) se passa em um escritório de advocacia
fictício na cidade de Nova Iorque. A série foca nos personagens Mike Ross,
interpretado por Patrick J. Adams, e Harvey Specter, interpretado por Gabriel
Macht. Mike se torna associado de Harvey apesar de nunca ter frequentado a
faculdade de direito e a série, que já tem oito temporadas, gira em torno dos
casos, resoluções e alguns aspectos da vida pessoal dos personagens.

Quem viciou? Isso mesmo, depois da primeira temporada eu quis ver


como era a segunda. E a terceira. E, depois de fazer um panelada de
brigadeiro, estamos no quarto da Celine vendo a oitava e última temporada
disponível.
— Meu Deus, Celine, perdi a hora — comentei no meio do último
episódio quando olhei o celular — já está de noite!
— Foi tão bom que não vimos o tempo passar. Viu? Eu disse que ia
gostar do Harvey.
— Eu já quero ser Donna Paulsen! Mas preciso mesmo ir...
— Não posso te levar porque bebi e acho arriscado você pegar um
Uber sozinha essa hora, durma aqui comigo!
— Isso não tem o menor sentido e não está tão tarde assim, não tem
perigo e... — minha fala foi interrompida quando a porta do quarto se abriu.
— Meu amor eu trouxe... — César parou ao me ver no quarto da filha
— desculpe, achei que estivesse sozinha.
— Sem problemas, com certeza você lembra da Liz, deu carona para
ela outro dia!
— Lembro bem. Eu trouxe pizza para me desculpar por não ter
almoçado com você...
— Oba! Estamos morrendo de vontade de comer pizza, não é? — ela
me encarou — aliás, eu convidei a Liz para dormir aqui.
— Convidou sim, mas eu não aceitei. Minhas coisas da faculdade
estão em casa, não trouxe roupa e não posso ficar.
— Liz, por favor... Eu ia amar ter você aqui. Ainda temos o que
conversar.
— Sinto muito, não posso ficar Celine.
— Então eu te levo em casa — foi ele quem falou com uma
entonação de quem não deixava brecha para negação. Mas eu neguei mesmo
assim.
— Não precisa, senhor — enfatizei a última palavra — não quero
tomar nenhum segundo do seu precioso tempo.
— Não quer ficar e não quer carona? Parece que está tentando me
evitar — Celine disse estreitando os olhos.
— O que posso fazer é comer uma fatia de pizza e ir embora, o que
acha?
— Bem, pelo menos eu ganho mais um tempo para te convencer —
ela riu — vamos descer!
— Eu me junto a vocês em um minuto, vou tirar o terno — o pai dela
avisou antes de se retirar.
Desci as escadas com o coração acelerado. Claro que encontrar com
ele era uma opção, afinal aquela era sua casa, mas depois de tantas horas de
distração essa hipótese ficou esquecida na minha mente ocupada por Harvey
e Mike.
Cristo, como ele ficava bem de terno escuro contrastando com os fios
grisalhos. A barba estava maior, como se não tivesse feito desde a última vez
que nos vimos alguns dias atrás, e esse “desleixo” só o deixava ainda mais
gostoso. Como pode um senhor de idade mexer tanto com o corpo de uma
mocinha como eu?
Talvez seja porque de mocinha você só tenha a idade, Liz. O fogo no
rabo é inversamente proporcional a sua idade.
E se teve alguém que conseguiu fazer esse fogo inflamar, foi o
senhorzinho aí. Ele e o seu conjunto de abanadores para aumentar o fogo
alheio.
Ele emprestou o abanador para outro.
Isso, ele me usou e ainda deixou que outra pessoa me usasse. Não
importa quão gostoso ele seja. Não importa quantos orgasmos ele seja capaz
de me dar. Tampouco que todos os outros sejam coelhos ruins de comida.
Não importa. Controle-se e caia fora dessa casa.
Repetiria isso para mim mesma por vezes o suficiente para que eu
acreditasse.
Eu tinha vencido. Tinha conseguido fazê-la desistir de uma vez por
todas naquela madrugada. Então, por que não me sentia bem com isso? A
resposta era óbvia, Liz não tinha desistido porque não aguentava mais, ela
ficou aborrecida e fugiu. Fiquei preocupado com sua segurança porque a
garota saiu bem cedo, por isso liguei para saber se estava bem. Primeiro, ela
rejeitou. Depois, aceitou a ligação e desligou na minha cara. Bem, eu tinha
feito a minha parte e tentado esclarecer todos os pontos, mas ela não quis.
Lavei minhas mãos.
Quando meu celular tocou na noite de sábado eu imaginei que fosse
ela. Mas não sabia o que esperar daquela ligação. Com certeza, eu não
imaginei que ela estivesse embriagada e não gostei nada de tudo que aquela
constatação me fez sentir.
Senti raiva, não por ela ter ligado para me desafiar, mas de mim, por
tê-la feito usar a palavra de segurança e agora a garota estar bêbada por aí.
Senti aflição por imaginar que ela pudesse estar correndo algum tipo de
perigo por estar vulnerável. E o pior de tudo, me senti impotente porque eu
não podia fazer nada para tirá-la de qualquer confusão que se metesse.
Eu não dormi depois que ela me negou a informação de onde estava,
encerrando a ligação em seguida. Tentei ligar várias vezes de volta, mas não
tive sucesso. Eu adoraria poder rastreá-la, chegar no lugar de surpresa e
garantir que ela estivesse sã e salva, mas aquilo era impossível naquele
momento e o que me restou foi uma noite em claro.
Por consequência, minha segunda-feira foi infernal. Era como se tudo
ao meu redor estivesse errado. O sol, quente demais. As reuniões, longas
demais. Os empregados, lentos demais. Mas o problema não estava nos
outros, estava em mim e eu só pude perceber isso quando cheguei em casa, a
noite, depois de passar na pizzaria preferida da minha filha. Eu acreditava que
passar algumas horas com a Celine, conversando sobre sua viagem e suas
coisas, faria tudo melhorar. Esse é o poder dos filhos, eles conseguem mudar
a energia ao nosso redor em questões de segundos, não importa que idade
tenham.
Mas assim que eu abri a porta do seu quarto dei de cara com a
causadora da minha insônia. Eu perdi a fala, literalmente, ao encontrar a Liz
ali. Fiquei dividido entre desejar abraçá-la ou espancá-la, mas quando ela
recusou a minha carona eu soube que eram os tapas que eu gostaria de dar
primeiro.
Saí do quarto da Celine para trocar de roupa e me dá um minuto para
recuperar o raciocínio prático. Entrei no meu quarto tentando não lembrar do
dia em que invadiu aquele espaço e de tudo que aconteceu a partir dali. Não
existem razões para que essa garota me abale, tudo que vem dela é repleto de
desajustes e confusão.
Ela é trinta anos mais nova, ou seja, eu tenho idade para ser seu pai. O
que para alguns pode ser motivo de lisonja, em mim causa incomodo. Além
disso, Liz seria como uma filha mimada: desobediente, ousada e
impertinente. Gosta de provocar. Não pensa antes de agir. Sem mencionar o
fato de ter tentado me matar com sal. Não se submete, não gosta de ordens e
age como criança.
Com isso em mente, me livro do terno e da gravata, abro alguns
botões da camisa social preta e desço para comer a pizza com a minha filha,
como tinha planejado.
Eu me juntei as duas garotas que comiam pizza com as mãos e
tomavam Coca-Cola. Elas estavam na sala de jantar e a cena me fez lembrar
que as duas poderiam perfeitamente ser irmãs e essa lembrança acabou com o
meu apetite. Apesar disso, Celine colocou um prato, talheres e perguntou o
que eu queria beber.
— Água com gás, por favor — ela sorriu e saiu para pegar — fico
feliz em saber que está sóbria, Liz.
— A quantidade de álcool no meu sangue não te diz respeito.
— Diz, quando você liga para mim e deixa claro que essa taxa está
elevada.
— Já disse que você não manda em nada, qual a sua dificuldade em
entender isso? — ela me encarou com olhos cerrados — você me usou,
César!
— Eu usei você? Eu te dei tudo que procurou. Você me usou, Liz,
para atender as necessidades do seu corpo e não foi apenas uma vez. Você me
perseguiu para isso.
— Ah, pelo amor de Deus! Eu transei com um estranho! — ela se
exaltou.
— Eu também sou um estranho para você. Ou, pelo menos, fui há
bem pouco tempo atrás e você não viu problemas nisso.
— Mas eu escolhi estar com você e com ele não — ela rebateu.
— Você consegue negar que seu corpo gostou de estar com ele?
Ela não me respondeu de imediato, apesar de todos os joguinhos, Liz
não era uma mentirosa. Seu corpo e suas expressões eram fáceis de serem
lidas e a garota não conseguia negar que havia gostado de todos os
momentos.
— No BDSM é comum haver cenas que envolvam mais de uma
pessoa — expliquei — talvez eu devesse tê-la avisado, mas você aceitou ser
testada, não foi?
Ela continuou em silêncio e mesmo que quisesse responder, Celine
voltou com a garrafa de água que eu pedi.
— Não estava encontrando na geladeira, tive que procurar na dispensa
e trouxe gelo, pai.
— Obrigada, amor — servi-me de uma fatia sabor Portuguesa.
— Acho que já comi o suficiente para empanturrar três elefantes,
tenho que ir agora.
— Não acredito que ainda está com essa história na cabeça, Liz. Está
tarde, você só sai daqui se for com meu pai — levei mais uma garfada de
pizza até a boca enquanto encarava a Liz.
— Eu... Não quero incomodar.
— Não é incomodo algum, faço questão de levá-la.
— Eu vou com vocês — minha filha anunciou e a amiga sorriu em
resposta.
Continuei comendo sem sentir nenhum sabor, era como se a pizza
fosse de isopor, por isso apenas uma fatia foi necessária para que aquele
teatro durasse.
— Então, vamos — anunciei, me levantando da mesa.
— Vou pegar minhas coisas — Liz avisou, se retirando.
O celular da Celine começou a tocar e, seja lá quem for, a deixou
incomodada.
— Preciso atender — minha filha saiu da sala de jantar com o
aparelho.
Subi as escadas em busca da Liz e a encontrei no quarto da Celine.
— Não consegue me encarar e assumir que gostou, apesar de tudo, de
estar com ele?
— Eu gostei, está satisfeito? — ela me olhou nos olhos — eu gostei
muito quando ele me fodeu.
Ouvir aquilo me incomodou, o que não devia acontecer.
— Será que foi por que pensou que fosse eu? — dei um passo em sua
direção.
— Ah, vai se foder, seu babaca! Dá para decidir o que você quer que
eu diga?
— Essa sua boca suja continua precisando de correção... — dei mais
um passo, ela não se moveu.
— Que você não vai dar porque eu não permito! Eu usei a palavra de
segurança, essa palhaçada acabou.
— Palhaçada? — com mais um passo, nossos corpos estavam há
poucos centímetros de se tocar — se você já assumiu que gostou, qual é o
problema, Liz? Por que está tão irritada?
— O problema é você. Você se acha o dono do mundo. Acha que
pode controlar tudo, mas não é bem assim. Você não me controla, César.
— Seu corpo adora ser controlado por mim...
— Meu corpo é burro!
— Não, seu corpo é real. Ele se deixa conduzir quando sua cabecinha
se desliga.
— Sabe o que é mais engraçado? — neguei — Você nunca me beijou
e eu nem sei o porquê disso.
— Eu beijei diversas partes do seu corpo, se bem me lembro.
— Não finja que não sabe do que estou falando...
— Você quer que eu beije você? — aproximei meu rosto do dela
devagar.
Liz não fechou os olhos e eu pude me enxergar naquele quase infinito
verde.
— Não precisa me dar um prêmio de consolação — ela se afastou —
quando ele me beijou eu achei que fosse você e, de alguma forma, isso me
incomodou.
— Não tem nada demais em um beijo, Liz. Não existe nenhuma razão
obscura para que eu não tenha beijado você. Quantos beijos você já deu na
sua vida? Qual foi a relevância deles?
— Não romantizei isso, César. Quando eu procurei você estava em
busca de sexo e isso nunca mudou, não se preocupe.
— Nós interrompemos o fim de semana por um equívoco?
— Não. Você me fez interrompê-lo. Você venceu, parabéns... — ela
bateu palmas.
— Sua ousadia é irritante.
— Acho que a palavra é excitante — ela piscou.
— Quero bater em você até que esqueça todas as suas respostas — dei
dois passos até chegar até ela, que se recostou na parede.
— Você não pode... — ela sussurrou em meu ouvido.
— Não até que você peça.
— Isso não vai acontecer... E estamos no quarto da sua filha — a
lembrança de onde estávamos fez com que eu me afastasse. Ela sorriu
triunfante.
— Não esqueça que eu vou levar você em casa — avisei.
Liz se afastou, deu de ombros como se isso não fizesse a menor
diferença, pegou a mochila e saiu do quarto. Não me restou nada mais a
fazer, a não ser segui-la em direção as escadas.
Quando chegamos na sala, Celine ainda estava no telefone. Sentada
no sofá, sua expressão era séria, mas ela parou de falar quando nos
aproximamos.
— Liz, por favor, vai com ele já que não pode ficar. Ainda estou
longe de acabar isso aqui — ela olhou para o aparelho — amanhã a gente
conversa, pode ser?
— Claro, fique bem e me ligue se precisar — ela beijou o rosto da
minha filha e se voltou para mim — vamos?
— Da última vez em que estivemos aqui, você me ameaçou — ela
relembrou quando eu coloquei o carro em movimento.
— E você deixou claro que não estava com medo. Alguma coisa
mudou?
— Não, continuo achando que você é esperto demais para cometer
um crime — eu a observei pelo canto do olho, ela estava encarando a sua
janela.
Nós ficamos em silêncio por alguns minutos, enquanto eu dirigia
pelas ruas escuras da Aruana.
— Você acha que eu devo te pedir desculpas, sou perfeitamente capaz
de fazer isso — retomei nosso assunto inacabado.
— Mas?
— Mas eu acho que posso fazê-la entender a minha perspectiva.
— Eu entendi sua perspectiva, César. Isso é comum no seu mundo e
você achou que eu não me importaria. Ou, achou que eu me importaria ao
ponto de desistir. Está tudo certo.
— Liz...
— Você não queria maturidade? Estamos discutindo como dois
adultos e está tudo resolvido.
— Estaria, se não tivesse ironia no seu tom.
— Entre entender sua visão e concordar com ela são dois pontos
diferentes.
— Então não está tudo resolvido, você ainda está incomodada.
— Mas nós não temos e nem teremos nada, não é? Nós nem nos
veremos mais, meu incomodo não é importante. Vai passar...
Não a ver era tudo que eu queria, não era? Então, por que não me
parece mais uma boa ideia?
— Nós podemos continuar de onde paramos, se você quiser —
propus, por fim. Por mais que tudo de mim gritasse um sonoro “não”, estava
cada vez mais claro que eu ainda não conseguiria acabar com aquilo.
— Eu não quero — ela disse com todas as letras, não havia mais
motivos para insistir.
— Tudo bem, não toco mais no assunto. Vou te deixar em casa.
Alguns minutos de um pesado silêncio se passaram até que ela o
interrompeu.
— Eu... Não quero continuar de onde paramos porque não quero mais
ser testada — respirou fundo antes de continuar — não aguento a tensão de
você fazer de tudo para que eu desista, assim como acho que você não
suporta que eu faça de tudo para que você me aceite. O desafio acabou
quando eu desisti.
— Já entendi, Liz.
— Não, não entendeu. Ainda quero foder com você até perder os
sentidos — tirei os olhos da estrada para encará-la — ei, vai nos matar!
Desacelerei e dei sinal para ir ao acostamento. Lá, liguei o alerta e me
virei totalmente para olhá-la.
— O que está sugerindo?
— Que a gente veja no que dar...
— Ver no que dar parece tão abrangente, não é?
— Um dia de cada vez, como ficantes...
— Ficantes?
— Isso, a gente transa sem compromisso.
— Que moderno — perturbei — e o que aconteceu com o Silvio?
— Você disse que podia me mostrar sua visão sobre isso...
— É o que você quer?
— Sim...
— Sim, o que?
— Sim, senhor — ela respondeu com um sorrisinho safado nos lábios.
— Vou te mostrar, Liz, hoje mesmo — respondi, saindo do
acostamento.
Coloquei o carro em movimento e desviei do caminho original.
Vamos ver se ela possuía ou não aquele tipo de desejo.
Eu descobri o real significado da frase “o coração quase sair pela
boca” quando o César abriu a porta do quarto da filha. Nunca tinha sentido
como se a bateria de uma escola de samba completa estivesse fazendo a
marcação em meu peito, mas foi mais ou menos assim que aconteceu. Em um
segundo, estava com Harvey em Nova York, no outro o realizador dos meus
sonhos eróticos mais intensos aparecia do nada.
Quase infartei, mas pude notar que ele também se surpreendeu com a
situação. Me encontrar ali não estava nos planos do dono do universo. Dali
em diante, a tensão só aumentou e nem a pizza conseguiu mudar o sabor de
ansiedade que aguçava meu paladar.
Ele me confrontou e, como a adulta que ele cobrava que eu fosse,
tentei responder à altura. No fim das contas, não tive como negar que eu
gostei do que aconteceu na trave de futebol da outra vez e fiz questão de
jogar a informação que ele tanto queria em sua cara. Discussão vai, discussão
vem, não tive como evitar sua carona para casa.
Ele propôs que poderíamos voltar para o mesmo ponto e eu me senti
feliz em saber que, dessa vez, não era eu quem estava forçando a situação.
Mas a minha boca acabou sendo mais rápida e o “não” precipitado escapou
de mim. Eu não queria continuar exatamente de onde tínhamos parado
porque, para mim, o desafio tinha terminado. Não queria que o César
continuasse tentando me fazer desistir, assim como não queria impor que ele
me aceitasse como fizemos até ali.
Mas eu ainda o queria. Com todas as terminações nervosas do meu
corpo gritando loucamente, eu tinha necessidade do toque dele. E era por isso
que eu estava tentando ver além. Talvez, enxergar tudo sob a ótica dele
fizesse com que eu confortasse meu lado lógico e justificasse minha aceitação
ao que aconteceu.
Quando ele disse que ia me mostrar, não tinha ideia sobre o que ele
estava falando, mas quando César estacionou o carro em um afastado clube
perto da praia dos Náufragos, comecei a ter dimensão. O estacionamento era
comum, como esses de supermercado, em que é possível vislumbrar um
monte de carros. Os que eu podia ver ali tinham cara de bem caros. Assim
que descemos, o carro foi travado e nós andamos em direção a entrada.
Enquanto dávamos os passos que nos levariam até a porta principal,
eu desviei os olhos do meu acompanhante para olhar para mim mesma.
Talvez eu não tivesse vestida adequadamente para o que quer que fosse. A
saia plissada preta e a camiseta de algodão brancas que coloquei para ir a
universidade pela manhã, não pareciam combinar nem com o
estacionamento. Apesar disso, não vacilei um passo sequer. Havia algo para
fazer com que me sentisse bem, mesmo tendo saído tão cedo de casa: ter
usado lenços umedecidos e ducha todas as vezes em que fui ao banheiro
enquanto estava com a Celine. Considerando meu histórico naquela casa,
nunca se sabe quando vamos precisar pegar o pai de alguém, não é?
O lugar parecia imenso em sua largura, eu chutaria que era do
tamanho de um shopping center médio. Do lado de fora não parecia ser um
prédio com mais de um andar, mas isso só se poderia ter certeza quando
entrasse. A fachada não era extravagante apesar de ostentar certa elegância
com a alvenaria aparente. Acima da porta dupla marrom, estava escrito em
letras maiúsculas: BACANAL.
— Conhece o deus Baco, Liz? — César perguntou enquanto eu
observava a fachada.
— Não sei quase nada sobre mitologia grega, mas esse é o deus do
vinho, certo?
— Ele mesmo. Também conhecido como Dionísio na mitologia
greco-romana, Baco é uma figura boêmia, geralmente ligado a festas regadas
à vinho e acabou se tornando o símbolo do hedonismo. Bacanal eram os
rituais à Baco na Roma Antiga que se iniciava sendo sério e religioso, mas
depois havia as festas que são as que mais se associam ao termo. Tem muita
história e política nisso, mas atualmente bacanal é tipo como sinônimo para
orgia — ele explicou e aguardou a minha reação — vamos entrar?
— Vamos lá — respondi, curiosa para conhecer o interior daquele
prédio.
César empurrou uma das portas para que pudéssemos entrar e assim
que eu pisei no interior no prédio fui surpreendida. Não havia atendentes
usando lingerie ou seguranças de sunga, eram apenas quatro pessoas comuns
usando roupas comuns. Não sei bem o que esperava, mas com certeza não
essa normalidade.
Eram dois homens e duas mulheres, todos muito bonitos e elegantes
trajando calça social preta e camisa branca com o nome do lugar bordado, em
linha vermelha, no peito. As mulheres usavam maquiagem forte com lábios
marcados em vermelho e os homens, de propósito ou não, usavam barba
grande, mas bem-feita. Eles sorriram com cortesia polida quando nos
aproximamos das catracas nas quais estavam, como se fossem guardiões da
entrada.
— Boa noite — César cumprimentou antes de sacar do bolso um
cartão magnético que liberou sua entrada e, logo em seguida, a minha.
Há alguns passos de nós estava uma pesada cortina preta que impedia
que quem estivesse fora visse o que se passava no interior. César a afastou
para me dar passagem e quando passei por ela foi como se tivesse
transpassado um portal para outro universo.
A luz era baixa e amarelada, dando um clima sensual. Sempre achei
que precisássemos do escuro ou do contorno entre ele e o claro para ter esse
efeito sexy, mas aquela iluminação amarelada dava a sensação de intimidade.
— Olhe ao redor, Liz — César disse próximo ao meu ouvido —
aprecie sem moderação.
Eu podia ver claramente algumas interações. Há alguns passos de nós,
do lado direito, havia um homem acorrentado em um X de madeira. Ele era
alto e forte, estava nu e seu pau totalmente ereto. Ele estava sendo chicoteado
por uma mulher baixinha, menor que eu. Parei para observar quando ela
ergueu o braço e desceu o chicote sobre o peito dele, que já estava muito
vermelho. A força do golpe me fez estremecer, mas o homem implorou por
mais.
— Vamos dar uma volta — César me deu um pequeno puxão na mão
para que eu saísse do meu estado de inércia e o acompanhasse.
O lugar estava cheio de praticantes que expunham seus gostos e
vontades sem receios. Havia também alguns observadores que, como eu,
estavam passando e paravam para contemplar algo que fosse do seu agrado.
Notei que a maioria dos objetos e móveis pareciam de tortura, como a cama
em que uma mulher estava deitada com braços e pernas amarrados, mas a
contrário do sofrimento o que se via no rosto dela era a expressão de prazer.
Havia uma outra mulher com ela, usando uma espécie de pênis vibrador entre
suas pernas.
Era como se eu tivesse em uma exposição, andando e observando
cenas que nunca tinha sequer imaginado que poderiam ser feitas. Como a que
me fez parar naquele instante.
Havia um homem preso em uma bizarra roupa de látex azul. Soube
que era um homem por causa do contorno de sua ereção. Observei mais um
pouco até perceber que o que eu julgava ser a roupa era parte de onde ele
estava preso. Ele estava embalado à vácuo, em pé, e não havia uma só parte
do seu corpo exposta. Olhos, boca, nariz... Tudo estava apertado em uma
espécie de bola de assopro gigante, só que sem o ar.
— Meu Deus! Como ele está respirando? — Questionei de boca
aberta.
— Trata-se do Vacuum Bed, ou VacBed, mais conhecida como cama
de vácuo, ela é feita de látex. Geralmente usada com quem gostam de ser
imobilizado — fala tranquilamente — está vendo aquilo que ele segura? É
um tubo de respiração para que o escravo possa respirar com segurança após
o ar dentro do saco ter sido removido — na posição em que o homem estava
imobilizado havia um tubo em sua boca que saia pelo único furo que eu
enxergava naquela cama maluca.
Não conseguia me enxergar fazendo aquilo, me sentia sufocada só em
imaginar.
— É desesperador! — respirei fundo para me certificar que havia
oxigênio disponível.
— Calma, Liz — César riu — garanto que quem está ali preso está
adorando.
— Não sei quem é mais louco ele ou a mulher que está com ele —
rebati, observando a loira que acaricia o corpo imobilizado. — Não estou
conseguindo respirar direito só de olhar — ele sorriu e nós demos alguns
passos para continuar a excursão.
Foi quando me deparei com outra cena intrigante. Quase abri a boca
ao ver uma mulher desfilar montada em um cara. Ele estava nu, andando de
quatro, usando sela e uma espécie de cabresto com orelha, como um cavalo.
Em suas costas a morena de cabelos longos, amarrados em um rabo de cavalo
alto, usava um chicote de equitação para bater em sua bunda de vez em
quando.
— Ele é um cavalo? — Perguntei, chocada.
— Nesse momento sim. É muito comum haver a interpretação de
papéis nas cenas, em alguns casos os papéis são de animais, pet play ou
animal role play. Podem ser gatinhas dóceis ou cadelinhas atrevidas, ou um
cavalo, como nesse caso. Tudo depende do contexto. Pony plays, por
exemplo, pode envolver exercícios em que o Tratador/Mestre treina seu
animal para andar, correr, trotar como um cavalo ou até puxar carruagens.
— Estou impressionada. Não sei se por ela estar passeando sobre ele
ou por seu pau, grande e ereto, tal qual o de um equino...
— Existe um mundo inteiro disponível para que possamos usufruir
dele, mas nós insistimos em usar o cabresto invisível que nos direciona a
olhar apenas para frente. A pior coisa que você pode imaginar é “o que
pensariam de mim”, isso deve ser substituído por “me faz bem?”. E é quando
nos permitimos que nos libertamos, mesmo que para isso estejamos presos
em correntes, camas de vácuo ou andando de quatro feito um animal.
Absorvo aquelas palavras, bem como tudo que estou vendo, de
maneira intensa. Ali, as pessoas despiam seus medos e expunham seus
desejos mais secretos. Se eu pudesse descrever aquele lugar para alguém que
não o estivesse vendo, diria simplesmente que se tratava de um galpão de
devassidão e liberdade. Aquele era o verdadeiro bacanal: selvagem, luxurioso
e desregrado.
Mais adiante, duas mulheres estavam ajoelhadas chupando um só
homem, pareciam famintas por qualquer coisa que ele pudesse oferecer.
Enquanto observava a interação dos três, César me abraçou por trás. Recostei
meu corpo no dele e levantei a cabeça, dando espaço para que ele beijasse
meu pescoço. Ele o fez, ao mesmo tempo em que suas mãos percorreram meu
corpo. A direita, parou no meu seio e o apertou. A esquerda, continuou
descendo até chegar ao meio das minhas pernas, onde se enfiou por baixo da
saia. César afastou minha calcinha e usou um dedo para acariciar a entrada da
minha boceta, lentamente.
— Parece que você gostou do que viu, Liz — disse, testando minha
lubrificação — o que você quer que eu faça?
Fechei os olhos, me concentrando apenas em seu toque.
— Quero que me foda...
— Como? — pontua a pergunta apertando o bico do meu seio.
— Forte!
— Quer que eu te foda forte... É só isso? — o dedo dele entrou um
pouco em mim.
— Por trás, enquanto bate em minha bunda — confessei, me
molhando um pouco mais enquanto imaginava a cena.
César deu uma risadinha.
— Está pedindo para eu te bater? — assinto — quero ouvir.
— Sim, quero que me bata enquanto me fode... Pode meter esse dedo
logo de uma vez?
Ele o fez, enfiando fundo e eu quase rebolei. Mas um dedo não era o
suficiente.
— Mais um... — pedi.
— Você está bem explicativa hoje — ele colocou mais um, mas os
manteve parado.
César me guiou em alguns passos até que nos aproximamos de uma
estranha cadeira vermelha.
— Sente-se aí.
Era parecida com uma maca ginecológica, com os estribos para
colocar os pés para o alto e tudo o mais. A diferença estava em ser uma
cadeira e não uma cama e possuir várias fivelas para amarrações das pernas e
braços.
Sentei-me com as pernas abaixadas, como em uma cadeira comum.
Ele se aproximou e colocou as mãos embaixo da minha saia, subindo até
altura dos meus quadris.
— Posso? — perguntou ao segurar em ambos os lados da minha
calcinha.
— Sim, senhor — respondi com um sussurro.
César tirou a minha calcinha e a guardou no bolso de trás da sua
calça.
— Ponha as pernas aqui — ele tocou os dois ferros altos.
Posicionei primeiro a perna direita, apoiando a panturrilha. Quando o
fiz com a esquerda, me recostei e fiquei totalmente exposta. Ele subiu um
pouco minha blusa, expondo meu sutiã branco antes de abrir seu fecho
frontal.
— Eu não vou amarrar e nem vendar você. Também não vou te deixar
completamente nua para que você entenda que tem a opção de parar quando
quiser, entendeu Liz? — assenti — está vendo que temos plateia?
Olhei ao redor para me deparar com uma pequena multidão nos
assistindo. Entre eles, uma mulher negra que segurava a coleira de um
homem ruivo que estava de quatro com a língua de fora, como um cachorro.
Além deles, me chamou atenção também dois homens brancos que pareciam
ser gêmeos de tão parecidos: olhos azuis e cabelos tão claros que pareciam
brancos. Os quatro que citei olhavam fixamente para minha boceta aberta.
— A maioria deles ficaria honrado em participar — explicou
enquanto sua mão percorreu levemente minha perna direita — eles esperam o
meu consentimento para isso.
César deixou que sua mão seguisse até minha excitação, que nesse
momento já pulsava. Três dedos se enfiaram ali dessa vez e eu fechei os
olhos para absorver o impacto.
— Abra os olhos, Liz — ordenou — eu não vou deixar que eles
toquem em você, a menos que você queira. Quem você quer que chupe essa
boceta encharcada?
A pergunta me deixou maluca, era óbvio que eu queria que fosse ele a
me chupar, mas sem entender bem o motivo, foi para homem-cachorro que
eu olhei quando ele acabou o questionamento. Talvez fosse porque o cara
tinha uma língua enorme e um piercing no meio dela.
— Os bicos dos seus seios estão duros como eu nunca tinha visto
antes... Talvez eles precisem de dedicação exclusiva. O que acha de ter uma
boca em cada um? — ele pontuou a pergunta com uma estocada firme no
meu centro.
Sim, sim, sim. Definitivamente eu queria ter uma boca na minha
boceta e duas nos meus seios.
— Você quer isso, Liz? — perguntou mais uma vez. Eu olhei em seus
olhos e assenti.
— Sim, senhor — respondi em um gemido.
— Quem você quer? — quando ele perguntou, não tive dúvidas.
Levantei a mão e apontei para o homem que usava coleira e para os
dois loiros que pareciam irmãos. César tirou os dedos de mim e se virou para
onde eu apontava e, com um aceno de cabeça, fez com que os escolhidos se
aproximassem.
A negra guiou o ruivo até o meio das minhas pernas e a expectativa
quase me fez gemer de tesão. A língua dele era longa e, tal qual um
cachorrinho de estimação, ele me lambeu como se eu fosse a melhor dona do
mundo. Sua língua passou por mim longamente, misturando sua saliva com a
minha excitação e logo depois em linguadas curtas e rápidas. Aquele maldito
piercing provocou meu clitóris e me fez dar os primeiros gemidos altos.
Os loiros se posicionaram rapidamente, cada um de um lado da
cadeira vermelha. O do lado esquerdo lambeu meu pescoço antes de chegar
ao meu seio. Ele se dedicou em mamar como um bebê faminto. Já o da direita
deu pequenas mordidas ao longo do meu braço antes de mordiscar o mamilo
duro. Eu gritei quando seus dentes prenderam a ponta.
Meu corpo estava sendo desconstruído por três bocas incansáveis. E a
sensação que me preenchia era de êxtase total. O calor só aumentava e as
vibrações de cada um reverberavam em minha barriga.
Eu gemi, sussurrei e gritei.
Suei e me contorci.
E quando parei de observar o que faziam e olhei para frente, me
deparei com os escuros olhos dele. César estava parado, de frente para a cena,
com os braços cruzados. Era um mero expectador do meu prazer e eu me
concentrei nele para me manter lúcida em meio ao caos que se formava em
mim.
Não entendi como ele conseguia se manter impassível diante daquela
cena tão erótica e, por um segundo, me perguntei se aquela situação o estava
excitando ou incomodando.
O pensamento se perdeu quando fui preenchida, de uma só vez. A
nova sensação seria o suficiente para me quebrar em pedaços. Senti um
arrepio dos pés a cabeça quando, em minha boceta, algo foi ligado e então
começou a vibrar. Não consegui me segurar por dez segundos sequer, gritei
alto tendo um orgasmo arrebatador.
Quando consegui distinguir as coisas, notei a dona do homem-
cachorro tirando a camisinha de um vibrador, bem como os dois loiros
limparem as mãos do próprio gozo. O encoleirado não tinha gozado, mas
provavelmente o faria quando sua dominadora ordenasse.
César falou alguma coisa com os envolvidos antes deles se afastarem
e se aproximou de mim.
— Como se sente?
— Como uma gelatina batida no liquidificador — respondi com um
sorriso.
— Imagino que sim — ele me ajudou a ficar de pé, minhas pernas já
tinham parado de tremer — vire de costas, você me pediu para fodê-la.
Sem nenhum receio, virei de costas para ele. César fez com que eu me
inclinasse e me apoiasse na cadeira. Abri as pernas e fiquei na ponta dos pés,
pronta para recebê-lo. Ele se posicionou entre as minhas pernas e me
preencheu por completo.
Nada foi dito quando ele começou a estocar. Seu pau batia fundo e
firme dentro de mim. Em poucos segundos, sua mão direita passou a ritmar
as palmadas. Senti a ardência e a recebi com prazer.
— Dessa vez, não precisa contar — disse ao me dar o terceiro tapa.
Ele não me tocou para além dos tapas e das estocadas. Sua outra mão
não me acariciou, nem tocou meu clitóris para acelerar meu orgasmo. Não
consegui distinguir se ele estava atendendo ao meu pedido ou me punindo
por alguma coisa. Mas eu não tinha feito nada além do que ele mesmo me
propunha, não foi?
— César — grunhi — amanhã não vou conseguir sentar se
continuar...
Ele cessou as palmadas e levou a mão direita para o meu cabelo,
puxando com firmeza.
— Vai conseguir se sentar sim, sei exatamente o que estou fazendo e
a minha mão não seria capaz de um dano tão sério. Não está gostando? — as
estocadas continuaram ritmadas.
— Estou, mas você parece estar no piloto-automático.
— Você não me conhece, Liz — sussurrou puxando um pouco mais o
meu cabelo — se toque e goze — ordenou, com firmeza.
Levei minha mão direita para o meio das minhas pernas e manipulei
meu clitóris para obedecer a sua ordem. César soltou meus cabelos e suas
mãos cravaram minha cintura para aumentar a intensidade.
Eu gritei e me entreguei ao êxtase. Poucos segundos depois, ele gozou
com um gemido contido.
Celine e eu nos aproximamos ainda mais nos últimos dias. Nos
intervalos entre as aulas da faculdade ela se juntava ao meu grupinho de
amigas para um lanche rápido e jogar conversa fora. A sua personalidade
extrovertida e amável fez com que as minhas amigas se tornassem as suas em
pouco tempo. Os banhos de piscina na sua casa tornaram-se ainda mais
frequentes na companhia da Alexia e da Érica, mas sempre íamos embora
antes da chegada do César.

Ele foi o fio condutor que nos aproximou, mas não era por causa dele
que eu mantinha contato com a Celine. Havíamos nos tornado amigas, ela me
colocou no posto de confidente e, ainda que eu não tivesse a experiência para
ajudá-la de forma efetiva, estava sempre à postos para ouvir, assistir séries e
comer brigadeiro de panela entre um desabafo e outro. Afinal, é para isso que
as amigas servem, né?
A cada vez que eu entrava na sua casa sentia cada parte do meu corpo
se acender como as luzes do pisca-pisca de Natal. A presença de César era
sentida assim que os portões se abriam. Ainda que eu soubesse que ele não
estaria em casa, todo o meu corpo ficava em alerta aguardando a sua
presença. Era como se, em qualquer momento, ele fosse aparecer e me
castigar por continuar frequentando a sua casa.

Nos meus devaneios mais loucos ele apareceria com toda a sua
gostosura para se deliciar num banho de piscina ao meu lado.
Aproveitaríamos a ida de Celine ao bar para pegar mais bebidas e, naquele
momento, ele avançaria sobre mim. Suas mãos habilidosas se livrariam, em
poucos segundos, do meu biquíni cortininha e, antes que eu pudesse reagir,
estaria contra borda da piscina sendo invadida por seu pau. Toda a tensão de
sermos pegos em flagrante tornaria tudo ainda mais gostoso, minhas pernas
rondariam a sua cintura e eu gemeria baixinho enquanto ele estocava fundo
dentro de mim. Quando eu tivesse completamente dominada pelo prazer, seus
lábios tocariam os meus abafando os meus gemidos, fazendo todo o meu
mundo explodir feito fogos de artifício.
— Terra chamando, Liz! — Celine balançou o guardanapo de tecido
na minha frente. Em algum momento, entre a paella à marinheira e polvo à
espanhola, minha mente divagou para o tiozão gostoso.

— São tantas opções — disse, tentando ganhar tempo. Pelo olhar de


Celine, estou há muito tempo olhando para o cardápio.

— É tudo tão delicioso, não é? — concordei com a cabeça — Sempre


que venho aqui com o meu pai experimento um prato diferente, enquanto ele
pede o habitual.
— Lagosta, presumo — respondi imediatamente. E a imagem de
César trajando um dos seus ternos elegantes saboreando lagosta enquanto
toma uma taça de espumante foi formada na minha cabeça.
— Não — ela discordou, sorrindo — como um bom gaúcho, ele ama
carnes. Quer agradar o meu pai? Convide-o para um churrasco. Cresci com
ele ao fim de semana fazendo o churrasco enquanto mamãe e eu curtíamos a
piscina — os olhos dela brilharam ao falar, por alguns instantes ela
permaneceu em silêncio como se estivesse vivenciando a cena relatada.
Tenho vontade de perguntar sobre a sua mãe, mas não ousei interromper o
momento.

— As senhoritas desejam algo mais? — O garçom indagou após nos


servir a bebida. Celine levou a taça com o coquetel de frutas aos lábios e,
após um breve gole respondeu:
— Eu vou querer o Filé Basílico.

Conferi a descrição do prato no cardápio: mignon grelhado, servido


com creme de manjericão. Acompanha talharim na manteiga.

— Acho que vou querer o mesmo — repeti.


— Quanta criatividade — perturbou, sorrindo.

— Eu posso sugerir algo? — o garçom perguntou e eu assenti — pelo


sotaque, a senhorita é sergipana.

— Você é bom em adivinhações — ele sorri abertamente ao meu


comentário antes de completar:
— E como boa sergipana, deve ser amante de caranguejo — a minha
boca salivou com a sugestão.

O crustáceo era uma das nossas iguarias. As pessoas costumavam se


reunir nos bares das praias de Aracaju para comer caranguejo e beber cerveja
gelada. Em meio ao toc toc toc do martelinho de madeira, que usamos para
quebrar o caranguejo, se jogava conversa fora e confraternizava.
— Sim! — Me peguei concordando antes mesmo de ouvir a sugestão.

— Tenho certeza que amará a nossa salada de caranguejo — o


garçom se afastou sorrindo.
— Esse eu nunca experimentei. Vou ter que arrastar você aqui
novamente para comer em uma próxima ocasião...

— Eu posso fazer esse sacrifício por você — sorri, concordando.

Enquanto nossos pedidos não chegavam, apreciei a paisagem.


Estávamos sentadas na varanda aconchegante do restaurante, com a vista
espetacular para a praia de Atalaia. A brisa do mar tocava o nosso rosto e
deixava a quente Aracaju um pouco mais refrescante.
— Precisamos registrar esse momento! A gente não tem nenhuma
foto juntas — Celine abriu a bolsa em busca do celular e antes que ela
pudesse registrar nosso almoço, o telefone tocou. A sua expressão ficou séria
quando ela viu o contato que ligava. — É a irmã do Natan.

— Não vai atender? — Indaguei enquanto ela mantinha o olhar fixo


no aparelho em sua mão.

— Não — rejeitou a ligação — a gente já conversou e eu decidi


colocar uma pedra em cima disso. Foi algo que não deveria ter acontecido e
não irá se repetir. Agora, sorria! — ela abre a câmera do celular e eu me
inclino na mesa para aparecer na selfie.
— Antes de postar deixa ver se eu fiquei gata. Saímos direto da
faculdade para cá, nem retoquei o batom — justifiquei

— Você é gata! — elogiou e me estendeu o celular — além do mais,


eu só irei postar a foto quando estiver na segurança da minha casa — olho
para ela sem entender — é uma lição do senhor César, ele é um tanto
quanto... Chato — ela sorri ao encontrar a palavra — com a minha segurança.
Me fez concordar em nunca postar uma foto em tempo real. Se você tiver a
oportunidade de conversar com ele um dia, com certeza te aconselhará sobre
os perigos das redes sociais e o compartilhamento dos nossos passos.

Não, não vai porque a gente não costuma conversar quando se


encontra. E além do mais, ele tem por que se preocupar com a minha
segurança.

E como se estivesse lendo meus pensamentos, César resolveu dar o ar


das graças. Na tela do meu celular o apelido “Leão” era lido quando ele,
raramente, me telefonava.

A explicação para tal apelido tem dois motivos coerentes. O primeiro


era que, se analogamente no mundo animal, o coelho era o animal que
copulava mais rápido, o leão, por sua vez, era o grande campeão em atividade
sexual. Segundo a revista Super Interessante, há registros de que, no período
fértil, machos e fêmeas fazem sexo cerca de 50 vezes por dia. Outro dado
chocante era que no cio, a fêmea era capaz de copular a cada 15 minutos. E se
César era o leão, me restava ser a leoa, afinal estar ao seu lado despertava
toda a luxúria existente em meu ser. O segundo motivo, era que eu não queria
que, por descuido, a Celine visse o nome do seu pai escrito no meu celular,
por isso renomeei o contato.

Rejeitei a ligação e enviei uma mensagem como resposta para não


irritar o senhor César:
Estou almoçando com a sua filha.

— Se eu sou gata você é o quê? — Devolvi o elogio — a bicha


consegue ficar linda em selfie.
— São seus olhos — Celine sorri.

Nosso almoço chegou e, logo em seguida, constatei que o garçom


acertou na sugestão. O prato era daqueles que você tem vontade de registrar
em uma foto de tão bonito que é. O caranguejo, astro principal, estava
disposto em formato circular sobre a salada de rúcula, cenoura e tomate
fresco. Além de esteticamente bonito, era igualmente saboroso. O único
problema era que a porção pequena deixava você querendo mais. Mas,
resolvi o problema da minha gula com a sobremesa, essa sim veio numa
generosa taça de mousse de chocolate, leite ninho e morangos.
Celine fez questão de pagar a conta sozinha, mesmo eu insistindo em
pagar a minha parte. Depois de uma breve discussão, chegamos à conclusão
que a próxima vez seria por minha conta.

— Que tal uma praia após a semana de provas? — Sugeriu como


forma de retribuição ao almoço.

— Adoraria, mas estarei em Itabaiana na festa dos caminhoneiros.


— Festa? Dos caminhoneiros? Não me diz que seu crush é
caminhoneiro — seu comentário me arrancou uma gargalhada. César estava
muito longe desse estereótipo.

— Não — neguei sorrindo — não tem crush nessa festa. É uma festa
tradicional da minha cidade. Ela é conhecida como a capital brasileira dos
caminhoneiros e todo mês de Junho comemoramos. Além dos eventos
tradicionais, como a missa da benção dos carros e o desfile de caminhões, a
noite a praça da cidade torna-se um imenso palco com apresentação de
grandes artistas nacionais. Esse último é o motivo da minha paixão pela festa
— sorri.

— Depois dessa explicação toda, quero conhecer essa festa dos


caminhoneiros. — disse animada.

— Sinta-se convidada, se quiser ficar lá em casa...

— Depois me passe os dias e programação para ver quando consigo


ir.

— Te mando no WhatsApp — pisquei.

Celine me deu uma carona até o meu apartamento e, no caminho, me


bombardeou com perguntas sobre a festa. Ela se animou e eu me empolguei
falando sobre as minhas melhores experiências no evento. Quando ela me
deixou em casa conferi se havia alguma resposta do César e me deparei com
uma única palavra:
OK.
Até que enfim o fim de semana da festa havia chegado. Como tinha
comentado com a Celine, a Festa dos Caminhoneiros foi idealizada por
Antônio Francisco da Cunha, popularmente conhecido por Rolopeu e é uma
das mais tradicionais do país. Minha cidade é conhecida como a Capital
Brasileira do Caminhão, pois é a que possui mais caminhão em proporção a
quantidade de habitantes.

A festa foi realizada pela primeira vez em 1966 e desde então atrai
turistas que vão a cidade conferir uma vasta programação festiva, que
enfatiza a cultura do município. Acontece dentro do trezenário de Santo
Antônio, padroeiro da cidade e "heróis da estrada" são homenageados com
grandes shows, desfiles, brincadeiras e sorteios de prêmios. Para nós, jovens
festeiros, nosso foco se concentrava nos shows que trazem grandes nomes de
sucesso do âmbito sertanejo, forró entre outros gêneros que nós amamos.

Saí de Aracaju no sábado bem cedo e peguei o micro-ônibus para


casa. Cheguei a tempo do café da manhã. Morávamos em uma boa casa, de
andar, no centro de Itabaiana. Depois da reforma, minha mãe fez com que
nossa casa parecesse digna de revistas com a sua decoração copiada delas.

— Oba, cuscuz! — Comemorei quando invadi a cozinha sentindo o


cheiro da massa de milho sendo cozida no vapor.

— Filha, já chegou! — Minha mãe abriu os braços para me receber


— então vou fritar ovos e esquentar seu leite para acompanhar.
— Que saudades de casa — resmunguei — cadê o papai?

— Está terminando de tomar banho, a Rose vai abrir a loja, mas ele
quer ir cedo porque acha que o movimento vai triplicar por causa da festa.
Meus pais possuem uma loja de joias e semijoias. Algumas pessoas
conheciam Itabaiana também como “cidade do ouro”, mas não existe ouro
aqui. Não havia matéria prima nem extração. Mas a fama veio porque os
comerciantes começaram a vender com um lucro bem menor, ou seja, bem
mais barato e isso foi evoluindo e cada vez mais atraindo.

A maior parte dos nossos produtos da loja eram semijoias, mas


também vendemos joias, bijuterias e folheados. Alguns dos nossos clientes
compram para voltar a vender. Vários comerciantes de outros estados
visitavam Itabaiana para comprar e revender as semijoias banhadas a ouro e
as bijuterias, que têm um teor menor do metal. A variedade e o preço atraem
muita gente de fora, por isso a fama de “cidade do ouro”.

— Você também vai para a loja?


— Sim, vamos fechar mais tarde.

Ela terminou de preparar o café enquanto eu colocava a mesa. Meu


pai desceu em seguida e nós três comemos juntos atualizando nosso papo.
Em seguida, minha mãe foi se arrumar e meu pai foi para a loja. Lavei os
pratos e separei o vestido preto de alças finas que usaria mais tarde.

Deixei-o estendido na cama e fui para o salão fazer as unhas e


arrumar os cabelos para a noite. Não via a hora de me divertir como se não
houvesse amanhã.
Havia um ditado popular que se referia a “tapar o sol com a peneira”.
Era uma expressão popular usada no sentido de tentar ocultar algo com
medidas parcialmente eficientes ou ineficientes. Era o que eu estava tentando
fazer naquele momento.

— Senhor César? A sua acompanhante acabou de chegar — a jovem


recepcionista me informou conforme previamente solicitado. Saí do trabalho
e dirigi até o clube, após enviar uma mensagem avisando para a Celine não
me aguardar para jantar.
O meu humor não estava dos melhores e eu não conseguia explicar o
motivo, mas a ligação do meu irmão no fim da tarde serviu para ampliar a
minha cota de aborrecimentos. Ele estava me intimando a comparecer ao
aniversário de casamento dos nossos pais, como se eu fosse esquecer que a
data estava chegando. Para falar a verdade, havia esquecido de olhar minha
agenda para a data e reservar o voo, mas ainda faltava um tempo para isso.
Meus pais estavam casados há mais de cinquenta anos e, depois dos quarenta
e cinco primeiro, passaram a renovar os votos de casamento em uma grande
festa repleta de parentes e amigos.

Tentei não cair nas provocações, todavia fui evasivo na resposta sem
confirmar se pretendia ir ou não. Ele não ficou feliz com a minha resposta,
mas não insistiu. O que não impediu que ele me passasse um longo sermão
sobre a minha ausência nas festas familiares. Era como se minha mãe tivesse
passado o bastão para ele depois de se cansar de cobrar todos os filhos.

Tentando fugir de todo aborrecimento, cheguei ao Bacanal.


Ultrapassei a área que havia estado da última vez e caminhei até uma mesa,
distante da multidão. Assim que me sentei, pedi uma água com gás. O salão
principal estava cheio, característico de uma sexta à noite, mas meu olhar não
se fixou em nenhuma atividade em específico.

Havia muito tempo que aquilo ali era suficiente para me manter bem.
Não precisava de uma relação (nem baunilha, nem específica de BDSM)
porque as cenas eram suficientes. O sexo era bom, mas não era algo que me
motivava a querer mais. Era conveniente para mim e para as pessoas que
estavam ali comigo que fosse assim. As sessões aleatórias sempre atenderam
as minhas necessidades básicas.

Silvio acenou para mim rapidamente da cadeira em que estava


sentado, de frente a um poste de pole dance no qual uma mulher dançava
usando apenas uma minúscula calcinha brilhante. Vê-lo me faz lembrar de
Liz e, como se estivesse em frente a uma televisão de 54”, meu cérebro
relembrou a interação dos dois: o beijo, o toque e os gemidos dela. Não tinha
controle dos meus pensamentos e logo me peguei em um mix de sentimentos
contraditórios, predominando a raiva. Mas raiva de quem? Dela ou minha que
a havia colocado naquela situação? Do Silvio por tê-la tocado com o meu
consentimento? Não sabia especificar ao certo.

A minha companhia aguardava pacientemente o meu gesto para se


aproximar. Observei atentamente o perfil feminino, ela usava saia de couro
preta curta e um cropped da mesma cor, a peça envolvia os seus peitos feito
látex e era impossível não os admirar. Não era um homem de comparações,
mas aqui estava cometendo o equívoco de comparar duas mulheres. Vivian
era ruiva, dona de um corpo definido pela academia e por procedimentos
cirúrgicos. Com seios siliconados, grandes e apetitosos, uma bunda de causar
inveja em qualquer mulher. A sua voz era doce e macia e o mais importante:
era submissa. Liz era o seu oposto perfeito. Magricela, petulante, irritante,
arredia e tinha a idade de ser a minha filha. A comparação entre as duas não
fazia o menor sentindo e isso me irritava ainda mais.
Acenei com a cabeça para que ela se aproximasse e observei-a
enquanto caminhava vagarosamente, os olhos fixos no chão.

— Sente-se — ordenei e Vivian obedeceu rapidamente — conte-me,


como foi o seu dia?

— Eu... — ela balbuciou procurando as palavras.


— Não é tão difícil assim contar como foi o seu dia, é? — Questionei.

— Não senhor — respondeu de forma serviente e isso me irritou —


acordei, corri oito quilômetros na esteira, fui para o consultório e... — todo o
resto foi um aglomerado de palavras que eu não escutei, pois estava de olho
no meu celular relendo as mensagens que havia recebido a caminho do clube.

Liz: Tipo, AGORA? Não vai dar, estou estudando. Amanhã tenho prova no
primeiro horário. Semana que vem seria perfeito ;)
Foi a resposta que me enviou quando eu a convidei para me encontrar
no Bacanal. Apesar da minha mensagem parecer um convite, era uma ordem.
Afinal, ela queria entender o meu mundo e no meu mundo quem ditava as
ordens era eu. Além do mais, ela gostou do clube e pareceu muito satisfeita
quando esteve ali. O agravante era ela se achar no direito de sugerir uma nova
data. Liz realmente não entendia como a coisa deveria funcionar.

— Petulante — verbalizei em voz alta e Vivian silenciou


imediatamente — não foi com você, desculpe — ela sorriu.

Precisava de uma bebida para relaxar, por isso acenei para o garçom.

— Um Whisky, por favor! — Pedi ao homem que se aproximou.

— O que trouxe você aqui, Vivian? — Indaguei após a bebida ser


entregue.
— Você me ligou e eu vim, senhor — disse, simplesmente,

— Você gostaria de estar aqui? — Devolvi a pergunta.

— Sim, senhor. Gosto de servi-lo — limitou-se a responder.


Podia apostar que ela estava estranhando toda aquela conversa.
Geralmente não conversamos, apenas deixávamos que nossos corpos se
conectassem, era o suficiente para ambos.

Vamos voltar ao normal, César.

— Dance para mim! — Recostei-me na cadeira e aguardei que ela


começasse.
Vivian se levantou e mexeu seu corpo sensualmente, o movimento
cadenciado dos seus quadris atraiu a minha atenção. As mãos dela seguiram
em direção aos seios, tocando-os por cima da roupa.

— Tire a blusa — solicitei.


Sua mão seguiu até zíper frontal do cropped e ela libertou os seios em
poucos segundos. Seus quadris balançaram de um lado para o outro e os seios
pesados sacodiram com a dança erótica.

O meu celular vibrou, tentando roubar minha atenção. Travei uma


batalha que durou alguns segundos, ignorando a notificação e tentei me
concentrar no momento. Naquela altura eu não era o único expectador da
dança, alguns homens já se masturbavam e outros apenas aguardavam um
sinal permissivo meu para se juntar à Vivian, dentre eles, Silvio.

Celine: Pai, vou dormir na casa da Fê. Te amo.

Foi a mensagem que encontrei quando cedi a curiosidade.

Eu: Certo, amor. Te amo.


Desliguei o aparelho e voltei a atenção a Vivian. Ela continuou a tocar
seu corpo numa dança lenta e sensual. Acertei uma palmada forte em sua
bunda quando ela rebolou de costas na minha frente. Meu toque a excitou
ainda mais, o que resultou na liberdade de se livrar da saia sem a minha
permissão. Vivian me olhou em expectativa, aguardando a punição pela falha
proposital. Repeti o gesto, dessa vez com um pouco mais de força e a marca
dos meus dedos avermelharam sua pele.

Faço sinal para que Silvio se aproxime. Ele sorriu e logo abocanhou o
seio direito, deixando que sua mão dê atenção ao seio ao lado. Vivian gemeu
escandalosamente com o toque. Na posição de voyeur, assisti os dois se
entrelaçarem, as mãos dele afastaram a calcinha fio dental, penetrando-a com
dois dedos. Vivian dançou na mão do Silvio e, por isso, ele enfiou mais dois,
fodendo sua boceta com quatro dedos que entravam e saiam rapidamente.
Silvio se afastou, um tempo depois, para abrir a calça apenas o suficiente para
liberar o seu membro ereto e vestir a camisinha. Ele ordenou que ela tocasse
o chão, se empinando inteira e a penetrou por trás em estocadas ritmadas. A
cena se prolongou por mais um tempo até que os dois ficaram satisfeitos.

E eu não senti absolutamente nada.


— Pai? — Celine abriu a porta do quarto após duas batidas — preciso
do seu carro!

— Boa noite para você também — retirei os óculos de leitura,


deixando de lado junto com o livro.
— Boa noite — ela sorri — a minha carona babou e preciso do seu
carro, o meu foi para revisão.

— Para onde você vai mesmo? — fingi esquecimento.

— Itabaiana.
A ideia de Celine dirigindo durante a noite não me agradava, ainda
mais quando o destino era uma festa. Sempre instruí minha filha a não
combinar bebida e direção, os índices estatísticos estão para quem quiser ver,
mas os jovens, em especial, tendem a ignorar os conselhos dos pais. E, por
mais que Celine não seja imprudente, não era o suficiente para estar a salvo, a
direção não dependia só dela. Por isso, assumi a postura de pai chato e
superprotetor.

— Não precisa, pai — me dispensou prontamente — Itabaiana é logo


ali do lado. Além do mais, a sua leitura parece estar tão interessante... Não
quero atrapalhar seu raro momento de folga — argumentou.

— Você nunca atrapalha, meu amor — lancei mão do meu arsenal de


pai amoroso — além do mais, você sabe que eu não gosto que dirija à noite.
— Mas são só cinquenta minutos de carro...

— Mais um motivo para eu te levar — levantei-me rapidamente da


poltrona.
— Eu te amo. Mas eu não quero curtir uma festa com o meu pai,
desculpa.

— Desde quando você tem vergonha do seu pai? — Fingi estar


ofendido, mas o sorriso nos meus lábios me traiu — não tenho a menor
intenção de curtir uma festa denominada “dos caminhoneiros”. Não se
preocupe que o seu velho pai te deixará longe das amigas para não “queimar
o seu filme”.

— Pode apostar que elas até curtiriam a presença do velhote — sorri


abertamente e meu pensamento vai até a Liz.
— Fico pronto em dez minutos! — Afirmei, pondo fim nas minhas
divagações.

— Vou avisar a Liz que vou atrasar um pouco mais, então — ela sai
do quarto enquanto envia uma mensagem para a amiga.
— Tem certeza que não quer ficar? — Celine perguntou, assim que
parei o carro próximo a uma das entradas do local. No trajeto até Itabaiana,
ela não parou de falar animada sobre a festa. Estava acompanhando em
tempo real pelo stories da Liz e, a julgar pela fala desconexa e as risadas
altas, estava bêbada e aquilo me incomodava mais do que eu gostaria.

Dirigi boa parte do percurso em silêncio e minha filha acabou


interpretando a minha mudança brusca de humor como uma resposta a sua
negação a minha presença na festa. E desde então tentava me convencer a
ficar, embora eu tenho reafirmado o meu interesse real em ficar longe da festa
e, consequentemente, da Liz. Seu convite era por educação, estava evidente
em seu olhar que ela não desejava que eu permanecesse no mesmo lugar que
ela.
— Não quero ficar, filha — um carro buzinou alto atrás de nós e o
homem colocou a cabeça para fora para gritar comigo. Estava atrapalhando o
fluxo de carros e não tinha um acostamento livre.

— É a minha deixa — ela sorriu e beijou o meu rosto antes de abrir a


porta do carro.

— Divirta-se com juízo e não esqueça...


— Não esqueça de avisar que chegou bem em casa — ela completou
sorrindo e sorri orgulhoso — não se preocupe, estarei com a Liz.

E a minha preocupação pareceu redobrar.


O homem atrás de mim buzinou novamente e pus o carro em
movimento antes que acabasse entrando em uma confusão de trânsito.
Enquanto dirigia para longe da festa, observei o ambiente ao meu redor. A
praça, local do show, havia sido cercada por grades de ferro. Além disso,
havia um grande número de policiais em circulação, bem como um forte
esquema de segurança privada. O que me deixava um pouco mais tranquilo.
Minha empresa já prestou serviços de segurança em festas abertas e eu sabia
o quanto aquele tipo de evento exigia a máxima atenção.

Distanciei-me cada vez mais e parei em um restaurante com uma


fachada espelhada. Não havia jantado, por isso decidi que aquele era um bom
lugar para uma refeição. O lugar era aconchegante e estava razoavelmente
vazio, por isso fiz rapidamente o meu pedido. Antes mesmo que a minha
refeição fosse servida, meu telefone tocou e o contato “filha” apareceu na
tela. Quando um filho te liga após você deixá-lo em uma festa não pode ser
um bom sinal.
— O que aconteceu? — Indaguei temendo a resposta, meu coração
prestes a sair pela boca.

— Eu preciso de você — a voz dela estava fraca e notei que estava


tentando não chorar.

— Você está bem? — Joguei uma nota de cem reais sobre a mesa e
saí em disparada em direção ao carro.
— Eu... A Liz... — a garota parecia incapaz de produzir uma frase,
fazendo com que eu soubesse que algo grave havia acontecido.

— Onde você está? — Perguntei algo prático para que ela


conseguisse raciocinar e me ajudar a chegar.

— Vou enviar a localização, mas é próximo ao local que me deixou.


Não demora...

— Já estou a caminho! — encerrei a ligação e conferi a localização,


colocando o carro em movimento, em seguida.
Tentei estacionar o mais próximo possível e segui o restante do
caminho da localização, que não era distante, a pé. Avistei minha filha
sentada com a Liz aninhada ao seu corpo. Celine abraçava o corpo da amiga
enquanto a outra tremia e chorava compulsivamente.

Dessa vez, Liz realmente parecia uma criança desamparada


precisando de carinho e cuidado. Aproximei-me e encarei a Celine que
acenou negativamente com a cabeça quando eu tentei me abaixar.

— Liz, posso te ajudar? — Perguntei, desejando ardentemente saber


como acabar com a sua aflição. Mas ela não respondeu e continuou chorando
descontroladamente. — Celine o que aconteceu? — Precisava de respostas
para saber se deveria ligar para a polícia primeiro ou levá-la para o hospital.
— Um filho da puta tentou agarrá-la, mas eu cheguei a tempo...

O medo que eu sentia foi substituído por uma fúria crescente. Que
tipo de homem fazia aquele tipo de merda? Não quero nem imaginar como
Liz estaria se Celine não tivesse chegado a tempo.

— Vamos para a delegacia — anunciei — entrem no carro!


— Não — Liz pareceu acordar do seu torpor — quero ir para a minha
casa — as palavras são ditas tão fracas quanto um sussurro.

— Pai, vamos levá-la para casa — Celine determina.

— Certo, lá a gente conversa melhor. Posso ajudá-la? — ela não


respondeu e eu me aproximei, pegando-a no colo.
Notei que a jaqueta que a minha filha usava estava cobrindo-a, no
meu colo a peça se abriu um pouco e notei que seu vestido havia sido
destruído pelo filho da puta. Controlei minha fúria enquanto andava com a
Liz até o carro, depositando seu corpo com cuidado no banco traseiro.

O trajeto que Liz havia informado era curto, mas parecia longo, pois
foi preenchido por seus soluços. Assim que parei o carro em frente ao
endereço informado, senti o peso do mundo sobre minhas costas. As duas
mulheres no banco de trás do carro estavam assustadas e a sensação de
impotência me atingiu em cheio. Não havia nada que eu pudesse dizer para
confortá-las. Não existiam expressões ou frases feitas que se aplicassem a
situação.
Liz foi vítima de tentativa de estupro!

Senão fosse a Celine, ela faria parte da estatística de mulheres que são
violentadas a cada minuto no Brasil. A não concretização do delito não
tornava as coisas mais fáceis. A vontade de Liz havia sido ignorada por um
maldito homem que usou da sua força física para tentar alcançar seu objetivo.

Ela não deveria passar por isso. Nenhuma mulher deveria passar por
isso. Poderia ter sido a minha filha, a sua sobrinha, a filha do nosso melhor
amigo. Talvez nenhuma delas tivesse alguém por perto para impedir que o
crime acontecesse e tudo isso aumentava ainda mais a minha angústia.
O ar pareceu sumir dos meus pulmões e respirei fundo para
normalizar a respiração. Olhei pelo retrovisor e senti meu coração se apertar
com a Liz desamparada no banco de trás e a minha filha tentando consolá-la.

— Liz, você não teve culpa! — Verbalizei o óbvio.

Pela primeira vez naquela noite, ela me encarou. Virei-me e movi


minha mão para tocá-la, mas a voz de Celine me lembrou que não estávamos
a sós.

— O meu pai tem razão, você não deve se sentir culpada. Os culpados
são esses machos escrotos que acham que podem fazer o que quiser.
Senti meus olhos arderem e o princípio de emoção buscando a sua
liberação. Não teria problemas em demonstrar as minhas emoções, mas
aquele não era o momento ideal. Alguém precisava manter o controle.

— Vamos? Você precisa descansar! — Destravei as portas.

Liz respirou fundo, numa tentativa de conter o choro e enxugou as


lágrimas que ainda molhavam seu rosto. Quando ela estava pronta, saímos
todos juntos do carro. Assim que descemos notei uma movimentação na
varanda da casa, Liz buscava a chave com as mãos tremulas. Ela demorou
mais que o necessário para encontrar o objeto na pequena bolsa que trazia
junto ao corpo.
— Liz? — Uma mulher abriu a porta devagar.

— Sou eu mãe, esqueci a chave.

— Me conta uma novidade!? — A mãe sorriu — Chegou cedo, filha.

— É, eu estou com um pouco de dor de cabeça — respondeu de


cabeça baixa, evitando contato visual.

Celine e eu permanecemos parados aguardando a interação acabar. A


mãe desviou os olhos da filha e notou a nossa presença.

— Desculpa, não notei vocês. Entrem! — A mulher nos deu


passagem.
— Temos visitas, Bete? — O homem, que presumi ser o pai de Liz, se
aproximou.
— Desculpe aparecermos sem avisarmos a essa hora, mas... —
comecei.

— A gente veio dar uma carona a Liz — minha filha completou antes
que eu revelasse o real motivo da visita inesperada — sou a Celine e esse é o
meu pai, César.
— Ouvimos falar muito bem de você, Celine — a mulher sorri — eu
sou Elizabete, mas todo mundo me chama de Bete e esse é o meu esposo
Jorge.

— Muito prazer — Jorge estendeu a mão em minha direção e retribuí


o aperto.

— É a primeira vez de vocês em Itabaiana?


— Já vim algumas vezes, mas não conheço quase nada — respondi.

— Será que posso usar o banheiro rapidinho? — Celine perguntou,


segurando Liz pela mão.

Minha filha não esperou a resposta e praticamente arrastou a amiga


para dentro da casa, me deixando sozinho com os pais de Liz. Era inevitável
olhar para eles e não constatar que a nossa idade era próxima, a mãe dela
apresentava algumas linhas de expressão, provavelmente ocasionadas pela
Liz. Deus deve ser testemunha do que aquela garota deve ter aprontado
quando criança. No pai, observei fios brancos se sobressaindo aos pretos. Liz
herdou da mãe o sorriso e o formato do rosto e do pai, os olhos.
— Enquanto os jovens se divertem os velhos ficam em casa — a voz
de Jorge pôs fim às minhas divagações.

— Eu não me sinto tão velha assim — Bete sorriu para o esposo.

— E não deveria mesmo — elogiei.


— Agradeço o elogio — sorriu enrubescida — que tipo de anfitrião
nós somos que não oferecemos uma bebida? Prefere cerveja ou suco?

— Quer se juntar a mim na cervejinha gelada? — ele levantou o copo


que estava segurando. — Também tenho Whisky.
— A cerveja está ótimo — ele prontamente me entregou uma lata
estupidamente gelada.

— Vou preparar uns petiscos para vocês — a esposa se afastou antes


que eu pudesse recusar.

— Tem algum hotel próximo? — Indaguei após um longo gole na


minha bebida.
— Para vocês? — Assenti — de jeito nenhum permitiremos que se
hospede num hotel. Temos quartos disponíveis.

— Não quero incomodar.

— Incômodo nenhum — Jorge sorriu — a gente gosta da casa cheia,


desde que a Liz foi morar em Aracaju sentimos falta do movimento. Com ela
aqui sempre tinha um grupo de amigos curtindo um churrasco. Era tio Jorge
para lá, tia Bete para cá.

O homem se empolgou em falar da filha e quando me ofereceu mais


uma cerveja, aceitei sem pestanejar, tentando digerir os últimos
acontecimentos.
Mais do que pronta, fui com a minha vizinha para a festa. Lá,
encontraria as meninas. Celine e Érica viriam juntas, com a última sendo a
motorista da rodada para variar.

Dancei e curtir muito, cantando alto e dançando sozinha ou com quem


me chamasse e não notei as horas passarem. As meninas estavam atrasadas,
alguma coisa com o carro da Erica pelo que vi nas mensagens. De qualquer
forma, bebi algumas doses de príncipe enquanto aproveitava a festa. O
Príncipe Maluco é um drink que misturava vodka, conhaque, whisky,
cachaça, guaraná em pó, canela em pau e em pó, cravos da índia e outras
iguarias. É servido em pequenos copinhos descartáveis, daqueles para tomar
cafezinho, com uma rodela de limão besuntada no leite condensado. A gente
virava a dose forte e chupava o limão com leite condensado em seguida.
Particularmente, bebia o drink sempre que encontrava nas festas. Apesar de
forte, ao ponto de sentir a pupila dilatar, não costumava ter ressaca com ele.
Quase sem voz de cantar alto e gritando, senti vontade de ir ao
banheiro. Qual o problema dos organizadores de evento quando criam a
logística dos espaços? O número de mulheres era sempre muito maior do que
o de homens em shows, logo a equação era simples: mais banheiros
femininos, menos filas = mulheres felizes.

Entretanto, esse era um ideal longe de ser alcançado. E numa tentativa


de fugir das filas quilométricas, atravessei a praça em busca dos banheiros
mais afastados. Essa era uma das vantagens de ser filha da terra, conhecia
cada trecho do evento como a palma da minha mão e sabia que os banheiros
no lado sul são mais vazios, pois eles ficam longe do palco. E numa festa
ninguém quer perder a sua música favorita porque foi no banheiro, por isso
sempre opta pelo mais perto.
— Liz? — Antes mesmo que eu compreendesse que era o meu nome
chamado, uma mão grande segurou o meu braço direito, me impedindo de
prosseguir a minha saga em busca de alívio.

Olhei para trás e logo reconheci dono da mão que me segurava.

Coelho! Foi o meu primeiro pensamento.


David foi o meu primeiro namorado, a minha primeira vez foi com
ele, e assim como a maioria esmagadora das primeiras vezes, ela foi
desajeitada e sem prazer. Tentamos mais algumas vezes e as coisas até que
melhoraram um pouquinho, mas nada espetacular. Para você ter ideia, logo
descobri que a minha escova de cabelo me proporcionava mais orgasmos do
que ele.

— Sou eu, o David! — Ele sorriu abertamente. Ele não tem mais
espinhas, constatei. Assim como não era mais o garoto magricelo, sua camisa
justa revelava músculos evidentes.
— Oi — Sorrio de volta. Meu braço foi solto imediatamente após
receber a minha atenção.

— Tá fazendo o que aqui? — David perguntou depois de beber o


restante da garrafinha de vodka que estava segurando.
— O mesmo que você — respondi e apertei uma perna contra a outra,
mais um segundo dessa conversa e o xixi escaparia entre as minhas pernas.

— Então vamos comemorar! — A sua mão voltou a tocar o meu


corpo, dessa vez o destino foi a minha cintura. Que mania chata de tocar as
pessoas!

— Não sou touch screen, David! — Afastei gentilmente a sua mão e


ele sorriu.
— Elas parecem procurar você — um sorriso sacana foi visto nos
seus olhos e ele não me despertou nada — vamos relembrar os velhos
tempos, que tal uma dança?

— Quem sabe numa próxima?

Não esperei pela sua resposta e segui apressadamente em busca do


alívio imediato. Quando abri a porta do banheiro químico fui recepcionada
por um cheiro desagradável, mas isso não me impediu de usá-lo. Em poucos
segundos, dou início ao contorcionismo feminino no uso do banheiro público:
uma mão seguiu até a porta para mantê-la fechada enquanto a outra ergueu o
vestido e desceu a calcinha até o meio das pernas. Quando o primeiro jato de
urina forte foi liberado, respirei aliviada. Mais um segundo e eu teria feito
xixi na roupa.
Depois de subir a calcinha com esforço, senti o celular que eu
havia depositado entre os meus seios vibrar. Retirei-o para conferir a
notificação, segurando-o firme na mão para que ele não caísse naquele espaço
apertado.

Celine: Amiga, cadê você?


Finalmente ela tinha chegado! Agora a festa ficaria melhor.

Eu: Banheiro! Sentindo oposto do palco.

A mensagem não foi enviada, o sinal da operadora estava oscilando


naquela noite.

Quando saí do banheiro, o David ainda estava do lado de fora.

— Por que deixar para depois quando estamos aqui? Vamos nos
divertir como nos velhos tempos — a frase foi recheada de segundas
intenções, os olhos dele me encaravam como se eu fosse uma presa e uma
sensação ruim se apoderou do meu corpo.

David caminhou decidido a pôr em prática seus planos e quando ele


cambaleou, notei que estava bem bêbado.
— Você está ainda mais gostosa — seus olhos estavam fixos nos
meus seios, expostos pelo decote do vestido.

— E você está bêbado. Vamos voltar para a festa — impulsionei o


meu corpo para a frente, mas ele impediu que eu me afastasse, segurando o
meu braço, dessa vez com força.

— Eu nunca esqueci do seu gosto — ele deu mais um passo e eu


recuei, mas estava sem saída, as minhas costas tocam a estrutura do banheiro.
Uma mão seguiu até a barra do vestido e acariciou a minha coxa,
enquanto a outra afastou o meu cabelo, para tocar a pele do colo.

— Não! — Tentei me livrar das suas mãos que pareciam garras.


— Relaxa, baby — as suas mãos continuaram me tocando, mas
aquele toque não me provocou nada mais do que repulsa.

— David, para! — Empurrei seu pesado corpo, mas ele não moveu
um único músculo, continuou pressionando o seu corpo contra o meu. —
Não! — Disse o mais forte que consegui, mas estava sendo tomada pelo
pânico.
— Eu sei que você gosta disso... Eu lembro... — a mão dele adentrou
o meu vestido e subiu pela minha coxa, se aproximando da calcinha.

— Me solta, por favor! — Supliquei.

— Para de fazer cu doce, Liz! Você acha que não chegou até o meu
ouvido que deu para a metade da cidade depois que a gente terminou? É a
minha vez de usufruir do seu corpo.
Paralisei diante da frase e, por causa disso, as minhas reações foram
lentas. Movi a cabeça para fugir do seu beijo, mas ele segurou meu queixo
com força, os dedos cravados na minha pele até que seus lábios tocaram os
meus, que mantive firmemente comprimidos. O meu corpo estava trêmulo de
pânico e as lágrimas começaram a escapar sem que eu tivesse controle.

— Abre essa boquinha para mim! — Ele pediu e continuei com os


lábios apertados.

David desistiu da minha boca e seguiu com a sua até o meu colo.
— Não! — Implorei entre lágrimas — por favor...

— Cala a boca sua vadia! — Ele rosnou e, antes que eu pudesse


protestar, puxou as alças do vestido que se romperam e revelaram meus seios
sem sutiã.

Tentei impedir que ele me tocasse, mas o esforço foi inútil. David
fechou sua boca sobre o seio esquerdo e o toque faz o meu estômago se
revirar. Eu me debati e o empurrei, sem sucesso.

— Socorro! — gritei alto em meio as lágrimas.


Em resposta, David me puniu ainda mais, girando o meu corpo e o
empurrando. Meu rosto se chocou contra a estrutura de plástico e ferro. Estou
imobilizada, semelhante as vezes que estive com César, mas não era
excitação que sentia naquele momento. Estava desesperada. Em pânico. Não
confiava no homem que me tocava, tampouco havia uma palavra de
segurança que o interrompesse caso eu decidisse.

Posicionado nas minhas costas, o desgraçado abaixou minha calcinha,


liberando sua ereção logo em seguida. Eu senti a pele do seu pau me tocar e
senti vontade de morrer. Aquilo não podia acontecer. Não podia ser real. Não
era possível. O ar pareceu sumir dos meus pulmões, mesmo que eu tentasse
inspirar profundamente, era como se algo obstruísse as vias nasais.

Grite, Liz. Não desista, grite! Livre-se dele!


Era a frase que minha mente gritava para mim e eu tentei obedecer.

— Socorro — gritei o mais alto que pude — socorro, pelo amor de


Deus! — implorei.

Minha boca estava seca e minha voz parecia estar desaparecendo. O


meu corpo não obedecia mais a nenhum dos meus comandos e uma onda de
calafrio provocou arrepios seguido de tremores em mim.
— Não! — Emiti um ruído de negação, entre soluços, mas ele parecia
não me ouvir.

— Larga ela! — Ouvi uma voz feminina que fez com que David se
assustasse. Senti seu pau se afastar sem me invadir e me afastei do seu toque
ríspido.

— Liz, você está bem? — Minha salvadora era a Celine, mas não
conseguia formular uma simples frase em resposta.
— Trouxe uma amiguinha para se juntar a nós, Liz? — David
indagou após fitar Celine longamente.

— Se você der mais um passo, vai se arrepender. — ela ameaçou,


mas o idiota não se amedrontou e continuou caminhando em sua direção.

— Vai me arranhar gatinha? — Ele acariciou o braço da minha amiga


sob a jaqueta de couro.
— Vou fazer ainda melhor!

Como num filme de ação, observei, em câmera lenta, o exato


momento em que Celine afastou a mão de David, segurando firme em seu
pulso, girando-o até imobilizá-lo. O babaca deixou escapar um gemido de
dor, mas Celine não afrouxou o aperto. David bradou agressivamente para
que ela o soltasse e tentou se livrar do golpe. Celine atendeu ao seu pedido
segundos depois, e o empurrou até que ele desabasse no chão, se contorcendo
de dor.

— Isso é para você nunca mais tocar numa mulher sem o


consentimento dela! — Ela acertou as costas dele com um forte chute, ele
urrou de dor.
— Isso vai ter volta, sua puta! — Ameaçou ainda deitado no chão.

— Vamos Liz! — Ela retirou a jaqueta e colocou sobre os meus


ombros. Em seguida avistou meu celular caído há alguns metros, se
abaixando pegá-lo.

Não sei como consegui dar o primeiro passo, mas com o auxílio de
Celine fui guiada para longe do banheiro, meu corpo ainda estava trêmulo e
tudo que eu conseguia fazer era chorar descontroladamente.
Quando retornei para o meu quarto naquela noite nada fazia sentindo.
O ambiente acolhedor não foi o suficiente para me acalmar. Era como se eu
tivesse saído do meu corpo e vagasse por aí sem direção, deixando uma
carcaça perplexa no lugar. Celine permaneceu ao meu lado e me ajudou a
livrar dos sapatos. Ela me explicou que a minha mensagem chegou minutos
depois e que enquanto tentava me responder, saiu a minha procura, foi
quando deparou com a situação. Se ela não tivesse ido ao meu encontro eu
não consigo nem verbalizar o que teria acontecido sem que um soluço
escapasse da minha garganta.

No banho, deixei mais uma vez que as lágrimas rolassem soltas,


juntando-se a água quente. Peguei a esponja de banho e esfreguei no meu
corpo com força, numa tentativa de me livrar dos vestígios de David.
Esfreguei a minha pele até que ficasse vermelha e ardendo. Entretanto, não
diminuiu a sensação de que aquelas mãos ainda estavam em mim.
Quando saí do banho, Celine me aguardava com um copo de água e
um comprimido, que aceitei sem questionar, tudo que eu queria era esquecer
completamente aquele dia. Adormeci após um longo período em meio a
lágrimas.

Todavia, ainda mesmo dormindo David me assombrou. No sonho, eu


estava imobilizada sobre uma cama, a minha boca estava amordaçada e meus
pés e mãos estavam presos por algemas de ferro. Olhei para os lados e
reconheci o ambiente, estava na suíte de César e uma onda de alívio
percorreu o meu corpo. Uma mão me tocou, abrindo as minhas pernas. Sua
cabeça se posicionou entre elas, uma lambida é sentida na minha boceta, mas
aquele contato me causou uma dor aguda. Abri os olhos para pedir que o
César parasse, mas o homem que me mantinha presa não era ele. David sorria
como um louco e jurava que ia me fazer pagar pela desfeita.

— Não! — Gritei, despertando abruptamente.


— Está tudo bem, agora — Celine apareceu rapidamente ao meu lado
— está tudo bem — repetiu e me abraçou quando as lágrimas escaparam dos
meus olhos.

Tive medo de fechar os olhos e reviver tudo novamente, mas as


minhas pálpebras pesaram e se renderam contra a minha vontade e a última
coisa que escutei antes de apagar foi a voz da Celine cantarolando.
Acordei diversas vezes e o meu sono irregular me trouxe dor de
cabeça na manhã seguinte. Sentia como se um elefante tivesse me pisoteado
durante toda a noite. Celine não estava no quarto e presumi que tivesse ido
embora sem querer me acordar. Tomei uma ducha rápida e vesti a primeira
roupa que encontrei na mala antes de seguir ao encontro dos meus pais.

Paralisei com a cena que vi: César sentado à mesa de jantar da casa
dos meus pais. Jamais passou pela minha cabeça que isso um dia pudesse
acontecer, meus pais, César e eu na mesma sentença. Era estranho. Mas tudo
estava estranho naquelas últimas horas.
— Liz, é verdade o que aconteceu? — Meu pai perguntou assim que
notou minha presença. Demorei alguns segundos até processar sua pergunta,
mas assim que os olhos do César encontraram os meus, soube muito bem do
que se tratava.

— Você não tinha o direito de contar aos meus pais! — Acusei.

— Meu pai não contou nada, Liz — Celine afirmou — chegou até o
ouvido dos seus pais que o seu ex-namorado havia tentado agarrar você na
festa, após você negar uma dança.
O filho da puta não tentou roubar só um beijo, ele ia me estuprar!

As palavras se formaram na minha boca, mas não verbalizei. Se meus


pais pareciam assustados e desesperados apenas com o boato, imagina se
soubessem o que realmente havia acontecido.
— É verdade, filha? — minha mãe perguntou — ele sempre foi um
bom rapaz.

— As pessoas mudam, Bete! — Meu pai rebateu irritado — por que


você não me contou, Liz? Eu mesmo teria dado uma surra naquele moleque.
— Isso não ia apagar o que aconteceu, pai.

— Mas ensinaria uma lição a ele! — O tom do César foi frio e tive
medo do que vi nos seus olhos. Ele devia me odiar por envolver a filha nessa
situação.

— Violência não é a solução! — Celine foi a voz sensata — se


queremos mesmo resolver essa situação devemos ir à delegacia.
— Delegacia? — A minha mãe levou a mão a boca — o próprio
delegado é sobrinho dos Peixotos — ela citou o sobrenome do David —
aposto que não vai dar em nada e ainda vai despertar o ódio deles que podem
tentar se vingar...

Quando você cresce numa cidade do interior, aprende que as famílias


poderosas são privilegiadas e isso cria um escudo de proteção ao redor delas.
Era como se elas estivessem acima da lei, do bem e do mal. Cresci vendo
amigos se envolvendo em confusões e sendo salvos por serem netos do
prefeito ou sobrinhos do dono da rede de supermercado. Essa era a realidade.
E ainda que eu não concorde com o pensamento da minha mãe, a
compreendo, afinal esse foi o mundo que ela cresceu.

— Vamos deixar por isso mesmo? — Meu pai reagiu, enérgico —


vamos deixar ele impune pelo que tentou fazer com a nossa filha? Eu não
tenho sangue de barata, Bete. Nem que eu passe meus últimos dias atrás das
grades eu vou correr atrás da justiça.
— Você vai destruir nossa família agindo de cabeça quente — minha
mãe disse entre lágrimas — não aconteceu nada com nossa filha, homem. Se
apegue a isso.

Buscar a justiça era o correto a se fazer. Mas o que aconteceria com o


David se eu fizesse o boletim de ocorrência? Se fosse indiciado, responderia
em liberdade por ser réu primário, não entendia muito das leis de proteção às
mulheres, mas sabia que elas não eram efetivas como deveriam ser.

O choro compulsivo da minha mãe, acrescido da fúria crescente do


meu pai, me auxiliaram a tomar a minha decisão e pôr fim, de uma vez por
todas, àquela situação.

— Mainha tem razão, eu estou bem! — disse com uma falsa calma. O
olhar de César recaiu sobre mim e fitei o chão para prosseguir: — Pai,
promete que o senhor não vai procurá-lo.

— A gente não pode deixar que ele saia impune, filha. A gente pode
pagar o melhor advogado.
— Pai, apenas prometa — supliquei — não é o senhor que vive
repetindo sobre a justiça divina? Deixe que ela se encarregue disso.

— Eu morreria se algo acontecesse com você — meu pai diz com a


voz embargada e os olhos cheios de lágrimas. Nunca vi meu pai chorar, não
somos dados a demonstração de emoções, mas isso nunca impediu que eu
soubesse o quanto era amada.

— Eu estou bem! — Enxuguei as suas lágrimas e ele fez o mesmo


com as minhas. Minha mãe se aproximou e nos envolveu em um abraço
apertado.
— Eu te amo muito, filha! — Ela disse chorando.
— Eu também amo muito vocês! Agora vamos parar com essas
lágrimas ou a Celine irá achar que somos uma família manteiga derretida. —
Fiz piada e eles sorriram.

— Celine, precisamos ir! — César se voltou para a filha e depois para


os meus pais — Obrigado pela hospitalidade.
— Já vai? — minha mãe indagou — nem servi a sobremesa.

— Fica para a próxima — a frase era apenas uma resposta gentil, era
óbvio que ele não pretendia retornar.

— Liz, qualquer coisa é só me ligar e estarei aqui— Celine se


despediu.
— Será que rola uma carona? — Perguntei, decidida a não
permanecer mais nenhum minuto naquela cidade.

— Claro! — Celine afirmou e César não demonstrou nenhuma


reação, parecia perdido em seus pensamentos.

— Achei que você iria apenas amanhã, filha — Minha mãe disse em
tom choroso.

— Amanhã tenho a primeira aula e dia de segunda é terrível para


transporte — justifiquei — Celine, eu vou pegar as minhas coisas e desço em
alguns minutos.

— Estou esperando no carro! — César se afastou antes que a filha


pudesse responder.

Segui para o meu quarto acompanhada da minha mãe. A pequena


mala estava praticamente arrumada e precisava apenas guardar a minha
necessaire e o carregador de celular.
— E o vestido? — a minha mãe apontou para a roupa largada no
chão. O vestido que eu usava ontem.

— Isso é lixo! — caminhei até ele, rasgando o resto do tecido antes de


jogá-lo na lata de lixo do banheiro.
Quando retornei para a sala, encontrei Celine e meu pai conversando
animadamente.

— A justiça divina não falha! — Meu pai vibrou e olhei para Celine
sem entender.

— O David se envolveu numa briga e acabou tendo o braço fraturado


— ela esclareceu dando de ombros.
— As fotos estão rodando nos grupos, aqui — ele vira a tela do
celular para mim e a imagem era chocante: o braço dele está inchado e o osso
fora do lugar no punho me causou desconforto.

Meus olhos seguiram da imagem para a Celine, temos características


de peso e altura parecidas, depois perguntaria como ela havia conseguido
fazer aquilo.

Naquele momento só precisava ir para o mais longe possível de tudo


aquilo.
Estar a quilômetros longe de Itabaiana não foi o suficiente para que o
meu estado de espírito melhorasse. Eu continuava vivenciando toda a
situação em looping eterno. Meu cérebro não parava de projetar as cenas e
passei mais uma noite em claro. Pois, era fechar os olhos e ser transportada
para as garras do David.

Quando o despertador tocou indicando que eu precisava ir a


universidade ainda não tinha conseguido dormir. Desliguei o alarme e
continue olhando para o teto, me daria o dia de folga. Assim que as meninas
saíram, coloquei uma música animada, ainda que ela não refletisse o meu
humor, e decidi organizar a minha parte do guarda-roupa que fora
negligenciada durante as últimas semanas.
Minha mãe enviou mensagem para saber como eu estava, me deitei
sobre as roupas espalhadas na cama para enviar a resposta informando, em
modo automático como tem sido a minha vida nas últimas horas, que estava
bem. Ela se despediu dizendo que me ligava mais tarde para não atrapalhar a
minha aula e não revelei que não estava na faculdade. Era o melhor a ser
feito. Meu celular vibrou novamente e o nome “Leão” surgiu na tela. Encarei
o aparelho em minhas mãos até a ligação cair na caixa postal.

Era a quinta vez que César me ligava naquela manhã. Não atendi
nenhuma das chamadas e ignorei as mensagens curtas que pediam para
retornar as suas ligações. Eu não sabia o que ele queria comigo, mas
imaginava que fosse me passar uma lição de moral sobre os perigos da rua e
me advertir sobre como a minha amizade colocou a sua filha em risco. Eu
mesma já estava me culpabilizando e não precisa de mais ninguém para
cumprir essa tarefa.
Cerca de meia hora depois o interfone tocou. Eu ainda estava deitada
sobre as roupas e decidi ignorá-lo, uma vez que não estava esperando visitas.
Seja lá quem fosse, insistiu alguns segundos depois de silenciado. Andei até a
cozinha para conferi quem era, talvez as meninas estivessem esperando
alguma encomenda.

— Oi — atendi o aparelho chato.

— Tem um César aqui, para falar com a Liz.

— Não pode ser...

— Posso liberar a entrada?

— Como ele sabe meu apartamento?


— Na verdade, ele me deu todas as características e era eu quem
estava aqui quando esse mesmo carro a deixou ontem, por isso deduzi que era
você.

— Esse não é o tipo de dedução que você deve ter... E se fosse um


sequestrador? Ou algum ex querendo me fazer mal?

— Eu não disse o seu apartamento, apenas interfonei. Estou seguindo


o protocolo lhe perguntando se libero ou não a entrada dele... — explicou
calmamente.
— Desculpe... — respirei fundo — pode mandar subir.

Desliguei o interfone e não me dei o trabalho de trocar a camisola


cinza com alças rosas e o desenho do Pernalonga comendo cenoura, que eu
estava usando.

A campainha tocou e respirei fundo, mais uma vez, antes de abrir a


porta. César não esperou o meu convite para entrar, invadiu o espaço e
fechou a porta atrás de si. Antes que eu pudesse verbalizar qualquer coisa,
seus braços puxaram o meu corpo para si e me prenderam em um abraço
firme. Aninhei meu rosto contra o seu peito.
— Eu quis fazer isso desde que te vi ontem — a frase foi dita em tom
baixo, como se ele temesse o que acabou de dizer.

Ergui a cabeça para fitá-lo e me perdi no escuro da noite que se


mantinha fixo em mim. Seu olhar parecia querer ler cada parte da minha alma
e uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto.

Desde o primeiro dia César conseguiu decifrar cada parte do meu


corpo, como se soubesse o que eu buscava ainda que eu mesma não soubesse
o que era. Mas naquele momento, aconchegada entre seus braços, senti como
se ele quisesse ir além do domínio do meu corpo.
Quanto sentimentalismo, Liz.

César enxugou a lágrima solitária e tocou meu queixo com o dedo


indicador. Fechei os olhos diante da leve carícia. Quando seus lábios tocaram
os meus, o mundo ao redor pareceu congelar. O leve roçar dos lábios foi tão
suave que não pareceu real, mas fez com que toda a minha atenção se
concentrasse ali. Todas as preocupações desapareceram enquanto vivenciei o
momento.

Era como se César acarinhasse a minha alma. Ele não impôs o ritmo,
apenas deixou que nossas bocas se conhecessem lentamente. Quando sua
língua tocou a minha, senti um aperto no peito, como se aquele fosse o
primeiro beijo que eu dava na vida.

Não era, já tinha beijado várias caras, de maneiras mais quentes e


sexys, mas nenhum momento se comparava aquele. Minha descrição podia
parecer a de uma adolescente de quinze anos, mas era a mais genuína
possível.

— A espera valeu a pena! — Sorri quando nos afastamos. César


sorriu de volta, o que era bem raro para mim testemunhar.

— Como você está? — Perguntou acariciando meu rosto.


— Acho que preciso de mais alguns beijos seus para me sentir melhor
— fiz piada e ele sorriu novamente. — Você fica irresistível quando sorri.

— Se é o que te fará se sentir melhor, te darei quantos beijos quiser.

— Tipo, agora? — insinuo.


— Daqui a pouco — o tom de voz ficou mais sério — Liz, estou
preocupado com você.

— Não precisa se preocupar. Você sabe que não aconteceu nada, no


fim das contas — andei até o sofá.

— Quem é o cara? — Ele perguntou ao se sentar ao meu lado.


— Um idiota qualquer — fui evasiva na resposta.

— Quero um nome e um sobrenome, Liz.

— Para que? O que você vai fazer? Vai na casa dele, arrastá-lo até a
delegacia ou o agredirá como o meu pai sugeriu?

— Já cogitei essas possibilidades infinitas vezes. Adoraria dar uma


lição nele...

— Não, César! — ele me encarou diante da minha ênfase.

— Você gosta dele?

— Eu gosto de você — pontuo — e não me perdoaria em colocá-lo


numa situação complicada. Ele não merece a sua atenção.

— Ele não teria a minha atenção se não surgisse no seu caminho —


rebateu irritado.
— Já passou, graças a Deus e a Celine não aconteceu nada...

— Mas poderia ter acontecido... — passou a mão no rosto — eu


deveria ter te orientado, cuidado da sua segurança. Você não pode beber e
ficar tão vulnerável, Liz.

Ele estava insinuando que eu me coloquei naquela situação?


— Você não é o meu pai, nem meu tio, nem nada meu.

— Mas eu me preocupo com você.

— Por quê? Sou só uma criança mimada que faz o que quer.
— Às vezes, são as crianças mimadas que mais precisam de atenção.

— Eu não...

— Shhh, fica quietinha, Liz. Deixa eu te abraçar... Fiquei desesperado


quando te vi naquele estado — ele me puxou para os seus braços.

— Eu... Não tive culpa... — respirei fundo para dizer a frase.

— Eu sei, eu sei... Sinto muito por ter dado a entender que tinha. Só
não quero que fique tão vulnerável.

— Eu não estava tão bêbada, só que ele era mais forte do que eu,
entende? Não sei como a Celine conseguiu... — disse antes que as lágrimas
irrompessem trazendo todos os momentos terríveis de volta.

— Celine fez algumas artes maciais e defesa pessoal, sempre achei


importante que ela soubesse se defender — ele acariciou os meus cabelos —
é sobre isso que quero falar, gostaria que você fizesse o mesmo.
— Defesa pessoal? — funguei.

— Sim, ou qualquer outra coisa que a faça se sentir segura e capaz de


se defender se for necessário. Quer me contar como tudo aconteceu? —
assenti porque precisava expelir aquelas malditas lembranças.

Narrei todos os detalhes do que aconteceu, chorando novamente.


César me abraçou e acariciou minhas mãos em vários momentos da narrativa.

— Vou fazer as aulas... — concluí com a frase.

— Isso me deixa mais tranquilo. Desde que você invadiu a minha


suíte, não há um dia que não pense em você, o que lamento é que os meus
últimos pensamentos não tenham sido eróticos, mas de preocupação...

— César... Só me abrace.
Ele me colocou em seu colo e eu me aconcheguei contra o seu corpo.
Suas mãos acariciaram meus braços e costas, fazendo com que eu fechasse os
olhos e relaxasse. Inacreditavelmente, adormeci ali por algum tempo.
O que me faz acordar é a voz da Malu, alta e alegre, como se quisesse
anunciar para o mundo todas as boas-novas possíveis.

— Liz, temos visitas! — Quando eu ouvi abri os olhos, um pouco


confusa sobre onde estava.
— Eita porra! — Foi o que escutei em seguida, na voz alta e clara da
Alexia.

Demorei um segundo para lembrar que estava na sala, no colo do


César e que agora tinha mais gente ao nosso redor. Eu tentei me sentar, mas
era tarde demais.

— O que foi? — Celine saiu de trás das meninas e ficou estática ao


nos flagrar. — Pai?
Levantei-me rapidamente, mesmo sentindo falta do abraço protetor
dele, dando alguns passos em direção às expectadoras.

— Celine, eu posso explicar...

— Péssima escolha de palavras — rebateu, irritada.


— Só me escuta, por favor...

— Não! — gritou — E você, pai, não tem uma frase pronta?

— Você está nervosa, mas... — ela o interrompeu.


— E não deveria? Encontro minha atual melhor amiga no colo do
meu pai e devo ter que fingir que sou um monge? Ou será que eu deveria
soltar fogos de artifício e comemorar o fato de que duas pessoas que eu amo
mentem para mim?

— Eu pretendia te contar — tentei novamente, com os olhos cheios de


lágrimas.
— Quando estivesse tomando banho de piscina? — Respondeu com
ironia.

— Vou te explicar tudo e...


— Não precisa mais fingir, Liz, já tem o que queria no sofá da sua
sala — ela jogou as palavras antes de nos dar as costas e sair.

— Eu vou atrás dela — César me comunicou antes de seguir atrás da


filha.

— Que cagada, amiga... — Alexia disse, de boca aberta.


— Das grandes — funguei — minha vida está uma grande e fedida
merda.
Se sentir impotente é horrível e era assim que estava me sentindo
desde que vi o que tinha acontecido com a Liz. Se eu pudesse voltar algumas
horas no tempo, teria descido do carro com a Celine e a levado ao encontro
de Liz. Assim, eu mesmo mataria o desgraçado que a agrediu. Descarregaria,
com os meus punhos, toda a fúria que o momento requeria sem me importar
em deixá-lo desfigurado. Ou vivo.

É comum que se confunda as práticas de BDSM com agressões,


alegando as violências físicas e morais. Esse é um dos piores erros que
existem: julgar sem conhecer. Com frequência, associam dominadores à
agressores e mulheres que se submetem a seres fracos, impotentes e
moldáveis. E não é por aí que as coisas caminham.
As brincadeiras que acontecem entre os participantes são consentidas,
precisam ser seguras e com participantes sãos. Um homem casado e baunilha,
que agride a esposa é um agressor, um homem que espanca a mulher ​– que
consentiu – durante uma cena, não. Se uma mulher desejar ser violada em
uma cena, interpretando o papel de vítima, o violador não é um estuprador.
Diferente de uma mulher que é invadida, em uma rua qualquer, contra a sua
vontade.

Há pessoas que acham que é uma linha tênue, mas nós sabemos que
não. Não dava para comparar as vezes em que amarrei e bati na Liz com o
que aconteceu no sábado a noite. E a prova disso era que em nenhuma das
vezes em que esteve comigo, ela saiu despedaçada como no encontro com o
filho da puta que queria matar.
Eu quis abraçá-la, dar-lhe um banho quente e colocá-la para dormir
no calor dos meus braços. Quis apertá-la contra mim para garantir que estava
segura. Quis sussurrar que tudo ficaria bem enquanto ouvia sua respiração se
acalmar. Mas não pude. Tive que me contentar em estar na mesma casa e
saber que alguém de confiança, minha filha, estava fazendo tudo isso por
mim.

Se eu achava que a noite em que ela me ligou bêbada tinha sido ruim,
não sabia de nada. Esta tinha sido quarenta vezes pior. Sequer fechei os olhos
na minha casa, mesmo sabendo que ela estava segura em um apartamento
rodeada de amigas.

No automático, fui trabalhar na segunda-feira pela manhã, ciente de


que tentaria de todas as maneiras aliviar um pouco do meu desespero. Liguei
diversas vezes e fui ignorado. Mandei mensagens que não foram respondidas
por isso, não me restava nada mais a fazer além de ir pessoalmente até ela.
Quando a abracei, senti uma onda de alívio me percorrer de maneira
avassaladora. Era como se uma peça perdida de quebra-cabeça tivesse sido
achada e encaixada.
O cheiro dela me fez voltar a respirar e um carinho inexplicável
tomou conta de mim. O beijo que ela tanto cobrava aconteceu de maneira
espontânea e tudo parecia tão certo que eu esqueci o quanto era errado.

Até que tudo veio à tona.


Quando eu vi a expressão da minha filha senti um misto de vergonha
e dor. Vê-la fugir de mim foi ainda mais doloroso, por isso fui a sua procura.

Ouvi seus passos apressados se chocando contra os degraus. Liz


morava em um prédio sem elevador e, nesse caso, era vantajoso pois me
permitiria encontrar a Celine por perto.

Corri para alcançá-la como se estivesse em uma disputa de fórmula 1.


A diferença era que pouco me importava o pódio, o meu prêmio já havia
recebido há mais de vinte anos. A minha corrida era para assegurar que ele se
mantivesse bem. Sem nenhum arranhão.
Celine era a pessoa mais importante da minha vida e ser flagrado por
ela nunca passou por minha cabeça. Talvez eu tivesse jogado a mais que
provável possibilidade no esquecimento de propósito, justificando o
injustificável com algo parecido com “isso aqui não vai dar em nada”, “ela
nunca vai saber”. Menosprezei a situação e agora ela saiu do controle.

O que estava acontecendo comigo, afinal?

— Celine! — chamei quando consegui estar no mesmo lance de


escadas que ela.
Minha filha me ignorou e manteve o ritmo firme.

— Não adianta correr, nós moramos na mesma casa — informei,


tentando colocar um pouco de racionalidade naquela situação.

Em resposta, a garota acelerou as passadas, saltando um degrau para


parar no seguinte. Não sei como aconteceu, foi rápido demais, quando
pisquei ela já havia se desequilibrado.

Foi a minha vez de saltar sem pensar para chegar o mais rápido
possível, não senti se meus músculos corresponderam ou não ao meu esforço
exacerbado, o mais importante era que eu havia conseguido me aproximar.
— Merda! — Xingou tocando no tornozelo.

— Deixe-me ver... — observei a perna que não estava inchada ou


com sinal de lesão, esperava que fosse um leve desequilibrar. Virei o pé de
um lado para outro e ela gemeu de leve — vamos para o hospital.

— Não precisa, gelo vai resolver — rebateu. Fiquei de pé e a coloquei


no meu colo. — Eu posso andar — resmungou.
— Quando você caiu da sua bicicleta pela primeira vez disse a mesma
coisa, mesmo com o joelho ralado e as lágrimas rolando.

— Garanto que essa torsão é o que está doendo menos nesse


momento — resmungou.

— Não sei o que dizer... — Confessei.


— É melhor não dizer nada.

— Filha, eu...

— Pai, eu não quero ouvir. Não quero saber como essa coisa
começou. Você tem noção do quanto isso é bizarro?
Silenciei e a carreguei no colo até a portaria do prédio. O porteiro nos
permitiu passar e eu dei mais alguns passos até o estacionamento externo,
onde meu carro estava.

— Seu carro? — Perguntei depois de colocá-la no banco do


passageiro.
— Está lá dentro, peço para alguém pegar depois.

Dei a volta e me sentei ao volante, colocando o cinto de segurança


antes de dar a partida.
— Ignorar não fará as coisas melhorarem — disse, deixando o carro
ligado sem sair do lugar.

Ela respirou fundo.

— Eu queria ter batido a cabeça na escada. Sei lá, talvez eu perdesse a


memória e esquecesse que o homem mais honrado que eu conheço se tornou
o mais patético.
— Eu ainda sou seu pai.

— Não, não é — gritou — meu pai nunca estaria transando com uma
amiga minha!

— Celine...
— Ela tem idade para ser minha irmã — grita novamente, me
encarando com lágrimas nos olhos.

— Eu sei.

— E não se sentiu ridículo? Não achou que ela pudesse estar


ganhando algum tipo de aposta por pegar o coroa? Sei lá, não achou
ESTRANHO?
Ela escolheu as palavras exatas que me acertariam. Minha filha, assim
como eu, quando entrava em uma briga não tinha a intenção de perder.

— Eu...

— Você o quê? Não aguentou ao ver uma boceta novinha?


— Olhe lá como fala, eu ainda sou o seu pai — elevei o tom da minha
voz — entendo o quanto isso tudo é difícil e estranho, mas não vou permitir
que falte com o respeito comigo.

— Respeito, pai? Que respeito? Você o perdeu junto com a confiança


que eu tinha em você. O doutor César, correto e cheio de regras, o dono da
razão e do universo, o cara que queria que eu não tivesse receio de me abrir e
falar sobre o que eu sentia MENTIU PRA MIM — ela berrou — não dá, não
dá para estar no mesmo ambiente que você agora.

Ela desatou a fivela do cinto de segurança.

— Você não vai dirigir! — impus.

— Ok, papai. Eu pego um táxi.


— Celine... — ela abriu a porta e desceu, se afastando do carro
devagar. — Porra! — bati com força no volante.

Fechei os olhos e respirei fundo, recostando minha cabeça no banco.

Não dava para fazer nada agora, por isso respirei fundo e dirigi para
casa.
Minha filha não dormiu em casa. Nem me avisou onde estaria, o que
me irritou profundamente, além de me deixar preocupado na mesma medida.
Não conseguia mensurar como Celine estava se sentindo, mas a dor e a
revolta em sua voz eram visíveis e eu me sentia péssimo por isso.

Se eu pudesse voltar atrás...


Quando peguei o aparelho celular para tentar, mais uma vez, falar
com a Celine ele tocou. Mas não era a minha filha. Era a causadora de toda a
confusão.

— Alô?

— Oi, César, você não me ligou e eu não consegui falar com a Celine.
Tá tudo bem?
— Não está. Ela não reagiu bem ontem e sumiu, não tenho nenhuma
notícia dela até então...

— Eita atrás de eita.

— O carro dela ainda está no seu prédio, olhei pelo rastreador.


— Você colocou um rastreador na sua filha? — ela pareceu chocada.

— No carro. Por questões de segurança.

— Sei...
— Olha Liz, preciso desligar.
— Você vai passar aqui hoje?

— Não.

— Você disse que me daria quantos beijos fossem necessários para eu


me sentir melhor — lembrou.

— A situação mudou de figura e, nesse caso, eu temo que a Celine é


quem esteja precisando se sentir melhor.

Ficamos em silêncio por um instante e eu lembrei rapidamente dos


momentos em que a tinha visto com a minha filha. Uma hipótese passou por
minha cabeça e eu formulei a pergunta:
— Liz, você usou a minha filha para chegar até mim?

Ainda não sei exatamente como as coisas se deram...

— Usei — ela responde, simplesmente — e não estou sentindo


orgulho em confessar isso. Era o que parecia melhor no momento, eu queria
você.
— Porra! Para você isso tudo pode ter sido uma brincadeira, Liz, mas
acabou de afetar a minha vida real.

— Eu nunca levei a sério porque era assim que as coisas eram. Nós
transávamos e seguíamos as nossas vidas.

— O erro foi achar que afetaria só as nossas vidas. Agora existe a


vida da Celine entre tudo isso...
— Eu sei e, acredite, não estou feliz com isso — lamentou.

— Ela é a pessoa mais importante da minha vida — lembrei.

— Ela é minha amiga também — rebateu.


— Mas foi você quem optou por esquecer esse detalhe quando veio
atrás de mim.

— Agora a culpa é só minha?


— Se eu tivesse tipo opção... — pensei alto.

— Ótimo, César. Eu me joguei. Eu te obriguei — ao que parece eu


havia verbalizado o meu pensamento — eu sou a bruxa má da história e você
o príncipe inocente.

— Nem idade para príncipe eu tenho... — rebati sua ironia.


— Pois é, mas esse é o papel que você está escolhendo desempenhar
nesse conto de fodas. Não se preocupe, não vou mais usar a maçã envenenada
contra você.

E com isso, ela encerrou a ligação.


Passei o restante do dia em busca da minha filha, mas sem sucesso.
Celular desligado, carro no mesmo lugar e nenhum sinal de fumaça como
aviso. Estava prestes a chamar a polícia quando ela chegou, às dez da noite.

Ainda sem o próprio carro, Celine chegou sem fazer alarde. Eu a vi


abrir o portão e entrar silenciosamente. Apurei minha audição e ouvi quando
entrou no quarto e fechou a porta devagar e só então respirei tranquilamente.
Esperei cerca de uma hora para ir até o quarto dela. As luzes estavam
apagadas e seu corpo descansava entre os lençóis claros. Minha filha dormia
como se tivesse acabado de tirar o peso do mundo das costas.

Meu coração apertou e eu dei um beijo em sua testa antes de sair do


aconchegante espaço.
As coisas desandaram desde aquela festa dos caminhoneiros. Tudo
estava indo bem até aquele fatídico dia em que acabei mal e precisei ser
consolada pelo César. Graças a isso, sua filha havia nos flagrado e desde
então ela preferia ver o diabo, mas não eu. Além disso, o segundo envolvido
jogou na minha cara que eu sou a culpada por tudo isso.

Eu sabia que era.


Tinha errado ao usar a Celine para saber mais sobre o estranho com
quem transei. Voltei a cometer erro por ter continuado mesmo descobrindo
que era pai dela e o pior de todos os erros era não ter confessado meus
pecados quando nos tornamos íntimas.

Ela estava certa em ficar chateada, mas eu precisava tentar me


desculpar. Por isso, depois de confirmar que ela havia sido vista na faculdade,
dei plantão no estacionamento, próximo ao carro dela.
Assim que ela destravou o carro, eu a abordei.

— Celine! — Ela se assustou ao notar a minha presença entre os


carros estacionados.
Não a tinha encontrado quando retornou ao meu prédio para pegar o
veículo porque ela tinha mandado outra pessoa pegá-lo. Aquela era minha
última cartada. Ela não atendia as minhas ligações, ignorava as minhas
mensagens e desaparecia na faculdade sempre que eu a procurava. Não sabia
mais o que fazer. Rapidamente, o susto foi substituído pela raiva, mas Celine
vestiu a máscara da indiferença em poucos segundos.

— Vai fingir que não me conhece? — Questionei, mas ela entrou no


carro, batendo a porta.

Sem me dar por vencida, abri a porta do lado oposto e me sentei no


banco do carona.
— Sai do meu carro! — Ela quase rosnou.

— Celine, preciso que você me escute.

— Desculpe, não estou a fim de ouvir mentiras — seus olhos estavam


fixos em um ponto qualquer na sua frente, sem me encarar.

— Eu não pretendia mentir.

— Você sempre mentiu — pontuou — agora cai fora do meu carro!

— Só me escuta um pouco e prometo que te deixo em paz — ela liga


o carro e o ronco do motor preenche o silêncio — eu não vou a nenhum lugar
até você me ouvir.
— Estou com tanta raiva que seria capaz de acelerar esse carro até
bater no muro só para te fazer sair daqui! — ela me encarou para dizer tais
palavras.

— Você não é louca.

— Você está me deixando, Liz — avisou — ou eu deveria te chamar


de madrasta?

— Eu sei que você está me odiando, mas vamos sair desse carro e
conversar. Quando estiver mais calma você dirige.

— Está preocupada comigo? — assenti — pena que não teve esse tipo
de cuidado antes de trepar com meu pai!
— Eu não sabia que ele era seu pai quando nos envolvemos... —
Confessei.

— E faria diferença se soubesse?

Ponderei. Eu não medi as consequências quando quis César, me


submeti ao seu jogo e embarquei nessa aventura de cabeça sem pensar nas
consequências. Nesse caminho, surgiu a Celine e o que iniciou como uma
ponte para alcançar o meu objetivo, se transformou numa amizade. Será que
eu deixaria de viver tudo que vivi se soubesse que César era pai dela?

— Eu já imaginava... — disse, depois que passei algum tempo em


silêncio — todo aquele papo de entrevista e banho de piscina, era para se
aproximar do meu pai?

Não consegui negar.

— Eu sinto muito, Celine.


— Sentir muito não é o suficiente, Liz — ela é enfática — quando
flagrei vocês dois juntos me senti duplamente traída. Primeiro, porque o meu
pai não confiou em mim para dividir que estava se envolvendo com alguém e
depois, a mulher que eu julgava ser a minha amiga, estava fodendo com ele!

— Eu sei que parece estranho, mas...

— Estranho? Estranho é você comer melancia com café. Estranho é,


na sua idade, ser fã de cantores infantis. Ficar com o pai da sua amiga é
trairagem, falta de vergonha ou de caráter, pode escolher...

As palavras parecem ter sumido da minha boca. O raciocínio dela é


rápido e o meu está parecendo a corrida entre uma lesma e uma tartaruga, por
isso não sou capaz de responder à altura os seus ataques. Eu não esperava que
a minha conversa com Celine fosse fácil, mas puta merda! A mulher não me
deixava formar um único pensamento sem me atacar furiosamente.

— Mas me conta, ele estava bancando você? Quanto? Mil, dois mil,
três? Ou o suficiente para você trocar de bolsa? — Apontou para a bolsa no
meu colo.
— Você está me ofendendo.

— Estou?

— Você está começando a perder a razão... Não vou ficar aqui sendo
insultada por você — abri a porta do carro.

— Finalmente!

— Sabe o que nos difere? — Celine me encarou — quando um amigo


precisa de mim, não o julgo. Eu o acolho. Não enfio o dedo na ferida para ver
sangrar...

— Desculpa se eu não banco a puta compreensiva...


— Mas também não precisava ser tão filha da puta — Celine
arregalou os olhos ao mesmo tempo em que sua boca se abriu até atingir o
formato de um “O” perfeito. Bati a porta e virei as costas.

Fim do jogo, Liz.

Hora de seguir em frente.


Entre provas, trabalhos e seminários de fim de período não me restou
muito tempo (nem vontade) para avaliar minha existência. Fui vivendo um
dia de cada vez, sorrindo com meus amigos e fingindo não sentir falta de
nada.

Meu telefone tocou e eu quase pulei da cama imaginando que estava


atrasada para aula, mas era sábado e não era o despertador que me acordava.
— Liz, você está em casa? — Minha mãe indagou e notei que a sua
voz estava mais agitada que o habitual. Ela parecia nervosa.

— Sim, acabei de acordar — Respondi, sentando-me rapidamente na


cama — O que aconteceu?

— Peça que ela desça até a portaria do prédio — escutei a voz


do meu pai distante — Você escutou o seu pai? Desça aqui! — Minha mãe
encerrou a ligação me deixando sem respostas.
Meus pais não sairiam de Itabaiana em pleno sábado, dia de
grande movimento na loja, se não fosse algo importante. Com o coração na
garganta, abri o guarda-roupas e peguei uma camiseta grande e larga, jogando
sobre o baby doll.

Desci as escadas correndo, tentando não me desequilibrar entre os


inúmeros degraus, e quando meus pés alcançaram o último, meu coração
parecia prestes a saltar pela boca. Uma parte disso provocada pela adrenalina
e a outra pela tensão da situação.
Assim que cheguei a portaria meu pai me recebeu:

— Filha, temos uma surpresa para você! — Meu pai sorriu


abertamente e naquele momento soube que tudo estava bem.
— Surpresa? — Olhei ao redor e não vi nenhum rosto conhecido,
quem será que havia vindo me visitar?

— Talvez você devesse ir até a calçada — minha mãe deu a dica.

Será que eles tinham decidido me animar com um carro de


telemensagem, daqueles bem bregas que as pessoas pagam para declarar o
seu amor ou felicitar alguém? Não, se o fizessem seria no meu aniversário.
Então, o que estaria me esperando do lado de fora? Saí de dentro do
condomínio disposta a descobrir, sendo acompanhada pelos meus pais bem
de perto.
No estacionamento externo havia um fiat Uno amarelo envolvido em
um enorme laço vermelho.

— Não! — Gritei sem conter a empolgação — Não acredito!


Ahhhhhh, é meu?

— Sim, nós sabíamos que você estava louca para adiantar o presente e
pensando em um agrado depois do susto daquele dia, decidimos que não
tinha motivos para adiar — meu pai justificou.
Eu me joguei nos braços dele e minha mãe nos envolveu no seu
próprio abraço.

— Estou muito feliz, muito obrigada!

— Agora você vai poder ir mais vezes nos visitar — dona Elizabete
fez questão de enfatizar.
— Vou ganhar bolsa gasolina? — perturbei.

— Claro que sim, até que possa se manter estaremos te dando todo
apoio — ela respondeu.
— Mas não gaste um tanque por dia, não há pai que consiga sustentar
uma filha que corre na fórmula 1.

— Vou pegar leve, pai! Agora vamos subir que vou preparar um
maravilhoso café da manhã para vocês dois.

— Quer dizer que tem biscoito cream cracker e café? — meu pai
perguntou desconfiado.
— Exatamente!

— Pode deixar que hoje eu cuido de você e das meninas — minha


mãe anunciou, andando até o carro deles para pegar as sacolas.

Aquele foi um dia refrescante que indicava que nada que era ruim
durava para sempre.
Ninguém poderia me acusar de ser atrasada hoje. Havia marcado de
encontrar Jaci para a sessão das 14h e cheguei ao shopping antes das doze,
uma vez que o professor não havia dado a última aula. Preferi ir mais cedo
para não perder a coragem ao chegar em casa, aproveitei para almoçar uma
refeição decente. Por decente leia-se um Mc Lanche Feliz, mas tudo que não
seja preparado por mim pode ser considerado decente.

Com o lanche em mãos procurei uma mesa que ficasse a vista da Jaci
para que ela me achasse com facilidade caso meu celular descarregasse, já
que eu havia esquecido o carregador em casa. Já havia abocanhado o pequeno
sanduíche e comido toda a batata frita quando eu senti alguém se aproximar
da mesa. Levantei o olhar imaginando que fosse dar de cara com minha
amiga, mas me deparei com um intenso par de olhos azuis.

Demorei alguns segundos sendo transportada para o dia em que eu os


fitei, zonza de prazer.
— Oi, eu estava passando e te vi, achei que deveria me apresentar —
disse com um sorrisinho nos lábios — me chamo Silvio.

Encarei a mão que ele me estendeu antes de observar seu blazer azul
marinho sobre a camisa branca de botões.

— Hum, oi — apertei a mão dele — meu nome é Liz, mas você já


deve saber.
— Na verdade eu não sabia, mas é um nome muito bonito — sorriu
— posso? — ele apontou para a cadeira vazia em minha frente.

— Ah, claro, é uma praça de alimentação, afinal — dei de ombros.

— Você estava almoçando? — ele olhou a bandeja ao meu lado.

— Tem cara de lanche, eu sei — sorri — e você, veio almoçar?

— Na verdade estava no hotel aqui do lado e precisei vir ao banco...


— Nesse hotel aqui do estacionamento? — ele assentiu — é de outro
estado?

— Ah, não sou um hóspede.

— Trabalha aí? — balançou a cabeça de maneira afirmativa —


gerente? — arrisquei.
— Quase. Sou o dono — abri a boca surpresa — mas acho que você é
um assunto bem mais interessante do que eu. O que faz da vida, Liz?

— Bem, com certeza não sou dona de um hotel chique — ele ri alto
— sou uma simples estudante universitária, senhor.

— Ouvir senhor da sua boca é um tanto tentador... Se não estiver se


referindo a minha idade, claro.

— Ao que mais eu poderia estar me referindo, senhor? — ele riu.

— Você é uma mulher interessante, Liz.

— Eu sei que sou — respondi, mas imediatamente a comparação se


fez presente em minha mente.
Ele me chamou de mulher e não de garota.

Ele veio até mim e não o contrário.

Ele está demonstrando interesse.


E no ponto em comum nós temos o melhor: ele também me deu
orgasmos.

Depois desses dias afastada do César achei que tivesse que me render
apenas ao prazer que eu mesma pudesse me dar, para não me decepcionar e
me frustrar com os coelhos da vida.
Mas parecia que o destino tinha outros planos para mim. Um plano de
olhos azuis e cabelos escuros.

Por que não?

— Sempre achei que donos de hotéis fossem daquele tipo que


trabalham muito e não tem tempo de ficar jogando conversa fora no
shopping...
— Donos de hotéis podem se dar algum luxo de vez em quando,
principalmente quando encontram uma companhia agradável.

— Ponto! Mas estou esperando uma amiga, vamos ao cinema —


esclareci.

Em resposta, meu celular começou a tocar sobre a mesa.

— Oi, Malu. Meu celular vai descarregar...

— Liz, não vai dar para ir ao cinema. Surgiu a chance de um teste


para uma peça...

— Não acredito!
— Mas ainda falta meia hora para nos encontrarmos, não saia de
casa...

— Já estou no shopping, mas não tem problema, boa sorte com o


teste.
— Obrigada, amiga, mais tarde a gente conversa.

— Beijo — encerrei a ligação.

— Acho que a minha sorte está dando sinais — ele disse, levantando
uma sobrancelha.

— Estava prestando atenção na minha conversa? — rebati.

— Talvez eu tenha entendido, otimistamente, que sua amiga não


poderá vir.

— Talvez, se eu fosse você jogava na loteria federal, quem sabe?

— Vou anotar a sugestão — ele respondeu e nós dois rimos.

Estava tão distraída no clima do flerte que não notei quando ele se
aproximou.
— Silvio? — a voz grave me fez olhar para o lado — estive no hotel a
sua procura e me informaram que havia saído.

— Sim, vim ao banco — ele respondeu simplesmente — o que


precisa?

Parecia que eu era invisível, uma vez que nenhum dos dois me dirigia
a palavra ou sequer o olhar, se encarando e conversando como se estivessem
a sós.
— Boa tarde para você também, doutor César — disse fuzilando o
homem de terno preto.

— Como vai, Liz? — Perguntou me encarando.

— Estou ótima, muita gentileza sua perguntar.


— Do que precisa? — Silvio perguntou novamente.
— Do seu auditório.

— Mas isso você poderia ter visto com o gerente...

— Preciso para hoje à noite.

— Ah, ok. Só um instante — Silvio sacou o celular do bolso e discou


algum número da chamada rápida — Ulisses, preciso que mandem ver como
o auditório está e prepare tudo para ser usado hoje... Sim, vou mandar o
homem que vai alugar falar com você agora. Qualquer coisa me ligue.
Obrigado — encerrou a ligação — pode procurar o Ulisses e dizer que falou
comigo.

— Obrigado, aconteceu um imprevisto na Safety.


— Disponha.

— Até logo, Liz — César se despediu.

— Tchau — respondi, observando-o se afastar.


Era impressionante como a simples presença desse cara fazia meu
corpo reagir. Ele mal havia me olhado e eu só conseguia pensar em me
trancar com ele no banheiro mais próximo.

Isso acontecia, provavelmente, porque ele era o único que conseguia


me fazer chegar lá.

Não o único. Olhe para frente, Liz.


— Espero que minha sorte não tenha se convertido em azar — ele diz
me estudando.

— Onde, exatamente, você quer chegar?

— Agora? — assenti — em um dos quartos do meu hotel.


— Direto ao ponto.

— Você usou a palavra “exatamente”. Devo admitir que pensei em


descrever o que gostaria de fazer quando estivéssemos lá.
— Posso imaginar...

— Podemos concretizar sua imaginação.

Engoli em seco.

Você está no controle, Liz. Ele não é o David.

Nós conversamos por alguns minutos mais e eu ri bastante com o


Silvio. Ele tinha um bom humor notável e era agradável fazer piadas de duplo
sentido com quem gosta de ouvi-las.

A sessão de cinema foi trocada por uma sessão privê em um dos


quartos do hotel dele. Quando a porta foi fechada, me perguntei se aquilo
tinha alguma chance de dar certo. Mas assim que ele me puxou pela cintura,
decidi deixar as coisas fluírem, meu corpo decidiria se aquilo seria bom ou
não.
— Quero provar cada parte do seu corpo, Liz — sussurrou em meu
ouvido — quer que eu amarre você?

— Não precisa, prometo que fico quietinha quando você mandar... —


sorri.

— Tudo bem, vamos ver se consegue fazer isso quando eu estiver


chupando você.
Eu gostei quando as mãos dele despiram minha roupa. Gemi quando
me jogou na cama de costas e curti quando sua boca percorreu meu corpo.
Adorei ser colocada de quatro e fodida com força. Esquentei com os tapas
que levei na bunda. E gozei quando ele acertou aquele ponto dentro de mim.

Recomeçamos. Chupei ajoelhada e fui chupada de pernas abertas.


Beijei e fui beijada e o fiz chegar lá com urros alucinantes. Silvio não me
decepcionou, provou que consegue manipular meu corpo muito bem e
passava longe da minha lista de coelhos.
Mas parecia faltar alguma coisa ali.

— Pode ficar aqui o tempo que precisar — ele disse dando um beijo
no meu pescoço — descanse, tome um banho... Se quiser jantar é só me
avisar. Vou precisar resolver umas coisas, se eu pudesse ficaria com você até
amanhecer — mordeu no mesmo lugar. — Me passe seu número, Liz —
pediu e eu ditei os números enquanto ele discava. Meu celular chamou
quando ele deu um toque — pronto, fique à vontade, gostosa!

Eu o ouvi dizer aquilo tudo, mas estava quase pegando no sono. Faria
o que ele disse: descansar, banho, jantar.
Era um bom plano.
Aracaju era uma cidade quente. Seu céu, geralmente azul e quase sem
nuvens, sustentava um belo sol com frequência. Mas não era assim que
estava o clima dos últimos dias. Já havia chovido, nos últimos quatro dias, o
dobro do que se esperava para todo o mês de julho. Por isso, a cidade estava
um caos com ruas alagadas, prédios interditados, moradores tendo que deixar
suas casas entre outros transtornos que eram noticiados nos telejornais
ultimamente.

Era quase como se o clima tivesse se adequando a mim: frio, escuro e


quase se afogando em problemas. Assim como a chuva intensa, os problemas
não paravam de cair sobre o meu colo.
E o Eduardo estava abrindo a porta da minha sala para me jogar mais
um:

— César, precisamos de um novo lugar para a formatura. O auditório


infiltrou e uma parte do teto cedeu — ele disse como se temesse minha
explosão.

Mas não havia como lutar contra a força da natureza, assim como não
era possível resolver o problema do teto em tempo hábil, por isso o mais
lógico era buscar as soluções, uma vez que a formatura da turma de vigilantes
aconteceria em algumas horas.
— Já iniciou a busca por um novo lugar? — Perguntei o óbvio.

— Sim, consultei diversos espaços e nenhum deles está disponível


para daqui há poucas horas — ele respirou fundo — e a empresa de
decoração gostaria de saber onde será feita a arrumação, eles têm outro
evento.

— Um problema por vez — disse em tom firme — continue o contato


em busca de um novo espaço, ligue para os hotéis, vou falar com algumas
pessoas — o homem assentiu antes de me deixar sozinho.
Fiz uma lista mental de quem poderia me auxiliar e o nome do Silvio
surgiu em destaque. É claro, ele é o dono de um hotel na zona sul da cidade.
Com sorte, o auditório estaria livre para hoje. Busquei seu nome na minha
lista de contatos do celular e quando o encontrei, fiz a ligação que só chamou
até cair na caixa postal.

Recorri ao número do Merity Hotel, sendo atendido quase


imediatamente. A ligação foi transferida algumas vezes até que eu
descobrisse que o dono do hotel não estava presente. Aleguei urgência e me
identifiquei como o empresário que prestava serviços para a segurança do
lugar, por isso me informaram que ele estava em uma das agências bancárias
do shopping que ficava ao lado do hotel. Munido de tal informação, peguei
minha carteira, a chave do carro e me levantei rapidamente para resolver esse
assunto. Não podia ficar de braços cruzados aguardando uma solução cair dos
céus, de lá só estava vindo água mesmo.

O Merity é muito bem localizado, estando praticamente dentro de um


dos melhores shoppings da cidade, os hóspedes contavam com a comodidade
de estar há menos de cinco minutos a pé, além de ser em uma área nobre da
cidade. Quando parei o carro, insisti na ligação para o Silvio, mas ela foi
rejeitada ao terceiro toque, tentei mais uma vez, sem sucesso. Liguei
novamente para o hotel e recebi a informação que ele ainda não havia
retornado.

Não havia alternativas, tentaria encontrá-lo no interior shopping. Para


a minha sorte esse lugar não era dos maiores, como em outras capitais do
país, contava com apenas dois pisos e três agências do banco instalada neles,
de modo que facilitaria a minha busca.

O estacionamento superior dava acesso à praça de alimentação, daria


uma olhada nela e seguiria para o banco localizado no mesmo setor. Assim,
que a porta automática se abriu, não fiquei agradecido pelo ar gelado que
tocou a minha pele, tampouco por encontrar quem procurava de imediato.

A sensação que me preencheu foi um misto de surpresa e desprezo. A


solução dos meus problemas estava a poucos metros, entretanto ao seu lado
estava um problema que eu vinha tentando ignorar nos últimos dias.
Liz era carta fora do baralho. Depois da confusão com minha filha as
coisas entre nós tinham sido congeladas, eu a acusei de não me dar escolhas e
ela assumiu a carapuça de bruxa, saindo de cena em sua vassoura encantada.

Era melhor assim. Celine e eu estávamos em banho-maria, tentando


devagar esquentar nossa relação de pai e filha, sem tocar no assunto que
queimaria toda a receita.

Respirei fundo e segui para solucionar pelo menos uma das partes do
meu problema.

— Silvio? — Concentrei a minha atenção nele — estive no hotel a


sua procura e me informaram que havia saído.
— Sim, vim ao banco — ele respondeu de forma direta — o que
precisa?

— Boa tarde para você também, doutor César — ela me


cumprimentou com a voz insolente de criança.

— Como vai, Liz? — Perguntei, tentando não deixar transparecer o


meu incômodo.
— Estou ótima, muita gentileza sua perguntar.

— Do que precisa? — Silvio perguntou novamente, fingindo não


notar nossa interação.

— Do seu auditório.
— Mas isso você poderia ter visto com o gerente...

— Preciso para hoje à noite.

— Ah, ok. Só um instante — Silvio sacou o celular do bolso e discou


algum número da chamada rápida — Ulisses, preciso que mandem ver como
o auditório está e prepare tudo para ser usado hoje... Sim, vou mandar o
homem que vai alugar falar com você agora. Qualquer coisa me ligue.
Obrigado — encerrou a ligação — pode procurar o Ulisses e dizer que falou
comigo.
— Obrigado, aconteceu um imprevisto na Safety.

— Disponha.

— Até logo, Liz — Me despedi.


— Tchau — ela se despediu e segui a passos firmes para longe dela.

Mas foi inevitável olhar para trás e flagrar os dois conversando


animadamente como dois velhos amigos.
Garota problema!

Andei até o hotel para resolver todos os detalhes para uso do


auditório. O céu escuro refletia meu humor depois de encontrar Silvio e Liz
juntos. Desde quando eles se falavam?

Isso não é problema seu.


Por que a cena me incomodou, se eu mesmo havia feito com que ela
acontecesse quando o levei para a cena na casa de praia?

Porque você é um idiota.

Liz não era a única mulher interessante dessa cidade, era só me


concentrar em outra e seguir em frente.
Você também não é o único cara que pode amarrá-la.

Respirei fundo para calar meus pensamentos e segui para solucionar o


problema do auditório com o gerente do hotel.
Vê-los conversando no shopping não havia sido o pior do meu dia.
Quando terminei de acertar a reserva com o Ulisses, fomos conferir o espaço.
Estava tudo certo, já havia ligado para a minha empresa e o pessoal da
decoração já estava indo para o Merity quando eu os vi entrando no elevador
principal do hotel.

Liz e Silvio, juntos, em um quarto.


Tentei não deixar que meu pensamento fluísse sem controle feito o de
um adolescente cheio de hormônios, mas meu lado racional estava com o ego
ferido.

Eu sabia que nunca houve compromisso entre Liz e eu.

Não havíamos estabelecido termos.


E, depois da confusão, nem nos víamos mais.

Sim, eu sabia disso tudo, mas pouco me importava no momento. Tudo


que passava em minha cabeça era: Liz e Silvio, juntos, em um quarto.

Aquilo estava me irritando profundamente. Minha vontade era voltar


dirigindo na chuva, subir os andares batendo de porta em porta até achar o
maldito quarto em que os dois estavam, dar um soco na cara dele por tocá-la
sem o meu consentimento e uns tapas na bunda dela por estar naquela
situação.
Era óbvio que eu não podia fazer isso, mas nada me impedia de me
certificar se meus pensamentos eram só imaginação ou, de fato, havia um
fundo de realidade ali.

Minha empresa forma vigilantes, transporta valores e, entre outras


coisas, cuida da segurança de diversas empresas com câmeras de segurança e
outros serviços. O Merity Hotel era um dos nossos clientes e eu podia ter
acesso as câmeras de segurança do lugar.
Sem pensar, saí da minha sala e desci as escadas até uma das salas de
vigilância, solicitando que me mostrassem as gravações de segurança do
hotel da última hora. Se fosse qualquer pessoa solicitando, ouviria uma
negativa em resposta, mas eu era o dono e, mesmo me olhando em dúvida, o
funcionário me mostrou as imagens.

Observei diversas pessoas entrando e saindo da portaria, notei a área


dos funcionários e diversos corredores até chegar aos elevadores. Em um
dado momento, eu os vi entrar na caixa metálica.

A postura de Liz não estava tensa, assim que ela entrou no espaço se
recostou na parede espelhada do fundo. Silvio, entrou em seguida, sorrindo
antes de se aproximar dela. Ele cochichou algo em seu ouvido e levou sua
mão direita para a cintura dela. Fixei meu olhar na tela querendo estourar o
aparelho com meu olhar. O elevador parou e os dois saíram bem próximos.
— Me mostre a câmera desse corredor — apontei para a tela — a
partir desse horário — ditei o horário que a tela mostrava.

Ele o fez e mostrou Liz e Silvio andando até a segunda porta do


corredor. O imbecil usou o cartão de segurança para destravar a porta, a
garota entrou assim que ele estendeu a mão. Não era possível observar o que
se passava dentro dos quartos, isso seria invadir a privacidade dos hóspedes,
por isso minha sessão de voyeur acaba ali.
Eu o havia visto fodê-la naquele dia, mas não tinha sentido metade do
incômodo que estava sentindo agora ao saber que haviam repetido tal feito.

Antes que eu pudesse me aprofundar nessa avaliação, a porta da sala


foi aberta e o Eduardo veio me trazer mais uma distração:
— César, temos um problema!
— Segurança — minha voz preencheu o auditório e os olhares dos
formandos e dos demais presentes se voltaram para mim em expectativa.

Sempre que formávamos uma turma de vigilantes, eu subia ao palco e


destinava algumas palavras aos novos profissionais. Em geral, minha fala era
breve e ensaiada. Daquela vez, com os últimos acontecimentos e imprevistos,
acabei esquecendo completamente de prepará-la. De modo que, quando o
cerimonialista me convidou para ir ao centro do palco, não tinha nada em
mente.
Só me restava resgatar resquícios dos discursos anteriores e tentar não
me distrair, assim deixei que as palavras seguissem o fluxo natural de
pensamento:

— Dentre todas as definições presentes no dicionário, eu aprecio a


seguinte definição: aquilo que protege de agentes exteriores; abrigo, proteção,
resguardo. A partir do dia de hoje, vocês não são mais Antônio, Jorge, Breno
ou Douglas — citei nomes aleatórios — vocês são agentes à postos para
garantir a integridade e o bem-estar dos outros. Vidas e bens estão sobre as
suas responsabilidades! É preciso se manter alerta e vigilante, e sobretudo ter
autocontrole. Ainda que o ambiente ao nosso redor seja instável e pareça
incontrolável...

Era como minha vida estava naquele momento: instável e


incontrolável. Cada vez que eu tentava controlá-la, sentia o controle se
esvaindo como areia. Já encheu a mão de areia e a fechou com força? Os
grãos escapam dos seus dedos na medida em que você tenta mantê-los
protegidos na palma da sua mão. Primeiro, foi a Celine. Durante toda a minha
vida tentei protegê-la dos perigos e mal do mundo e o que aconteceu? Fui o
algoz. O responsável pelas lágrimas que derramou e toda a dor sentida. Com
a Liz não foi tão diferente, quis protegê-la de mim, mantê-la distante,
entretanto a garota me desafiou e me ensinou, com seu jeito petulante e
irritante, que a vida é uma grande variável e não temos controle de tudo que
nos cerca. Principalmente sobre os nossos sentimentos...

Ergui os olhos e não fixei em nenhum rosto em específico, pois


nenhum deles era o de quem eu procurava. Nenhum deles prendeu a minha
atenção e, como se soubesse exatamente onde buscar, avistei a sua figura em
meio à multidão.
Os fios do seu cabelo estavam molhados, indicando que havia tomado
banho há bem pouco tempo. Liz me encarava, como se precisasse que eu
soubesse tudo que havia feito. Respirei fundo antes de continuar:

— Esse é o papel que a sociedade espera que vocês cumpram: agentes


protetores. Esse é o papel para o qual a Satefy os preparou durante esses
meses. Vocês estão prontos! — meu discurso patético foi concluído com
dificuldade, mas ninguém pareceu sequer notá-lo.

Todo mundo sabia que nessas ocasiões as pessoas querem que o


falatório acabe o quanto antes, uns para irem para as suas casas se livrar da
roupa apertada, outros para irem comemorar em suas festinhas familiares.
As palmas, seguidas de assobios e palavras que não compreendi,
ressoaram no auditório. Abandonei o centro do palco e tentei fugir do grupo
que viria me abordar, mas apenas alguns passos adiante fui rodeado de
cumprimentos, pedidos para fotos e todas aquelas obrigações que a situação
me obrigava.

Quando finalmente me livrei das obrigações, segui para o lounge bar


do hotel e pedi uma bebida forte. Qualquer coisa que me ajudasse a controlar
os meus próprios sentimentos. Retirei a gravata e guardei no bolso do blazer,
bebendo de um só gole o Whisky puro. Pedi uma nova bebida, pois a
primeira se mostrou insuficiente.
— Para mim o mesmo que o dele! — Não precisei erguer os olhos
para identificar a dona da voz — eu deveria sair de fininho, mas fiquei
completamente hipnotizada com o seu discurso — permaneci em silêncio,
pois temia que a minha voz entregasse minha confusão de sentimentos. —
Você é CEO, orador, dominador e pai exemplar? A cada dia descubro uma
nova faceta sua, o que ainda não sei sobre você, César?

Levantei o olhar para encará-la. Liz estava ao meu lado com aquele ar
petulante de quem sabia exatamente o efeito que causava no mundo e pouco
se importava com as consequências dele.

Ela estava tentando me envolver em um jogo de sedução? Aquele era


um bom jogo e nele eu sabia dar as cartas.
— Sabe quase tudo, principalmente como reajo quando tenho a minha
suíte invadida por jovens inconsequentes — um sorriso surgiu nos seus
lábios.

— Talvez eu goste do perigo.

— Talvez você não tenha noção do perigo.


— Quem tem? — ela deu de ombros — a gente cresce acreditando
que devemos viver em segurança, seguir o script da vida sossegada e dentro
da lei. E se a vida fora do eixo for mais divertida e repleta de possibilidades?
— É possível. Mas e se, ao cruzarmos essa linha, nos depararmos com
às consequências?

— E se o perigo for o combustível que precisamos para nos


mantermos vivos?! Não será válido correr todos os riscos? — Seus olhos
encontraram os meus, me fitando longamente.
— Não sei Liz, responda você — me perdi na intensidade do seu
olhar e a resposta pairou no ar.

Senti meu coração em ritmo acelerado, como se fosse um moleque


ansioso por causa de uma paixonite da adolescência.

— Boa noite, César — ela colocou uma nota sobre o balcão, ao lado
do copo intocado e se afastou.
Juro que toda vez que entro no meu carro tenho vontade de beijar o
volante de felicidade. Só por poder acordar um pouquinho mais tarde já que
descontava o tempo da condução, eu me sentia outra pessoa. Além disso, nos
dias em que o céu em Aracaju desabou eu ficaria ferrada e molhada se tivesse
de ônibus. Mas é melhor esquecer essa chuva, ou lembrarei do meu desespero
quando achei que meu geminha não fosse sobreviver aos alagamentos e fosse
parar no meio da Avenida que mais parecia um rio.

O sol já regressou e o calor voltou a dar o ar da graça e, para ficar


perfeito, só faltava o período acabar e trazer as lindas e desejadas férias. Mas,
enquanto isso não acontecia, eu estacionava o geminha na minha vaga do
prédio depois de mais uma manhã de aulas e me preparava para editar o
vídeo de uma matéria.
Quando abri a porta do apartamento e passei pela sala, para largar
minhas coisas no quarto, vi sobre o sofá a correspondência que tinham
deixado. Ignorei os envelopes até comer e tomar um banho, mas quando
decidi ver quais faturas de cartão de crédito me levariam a falência, notei que
um deles não era carta comercial. O envelope pardo de tamanho médio estava
escrito com o endereço de lá do AP, mas o destinatário estava resumido
apenas ao meu primeiro nome.

Eu o apalpei para tentar achar algo estranho, mas ninguém enviaria


uma bomba em um envelope tão fino, não é? De qualquer forma parecia
apenas papel ali. Rasguei a borda e derramei o conteúdo no sofá: um
panfleto, um cartão, uma folha de ofício e um pequeno pedaço de papel.
Obviamente comecei com o pedaço de papel que me parecia mais
informal e me deparei com letras de forma, levemente inclinadas, mas firmes.
Escritas em caneta preta:

NÃO ESQUECI. ESPERO QUE VOCÊ TAMBÉM NÃO.

O panfleto era o de uma academia e descrevia algumas artes maciais


que eles ofereciam lá. O cartão era do mesmo lugar e se parecia com aqueles
de crédito, magnético. Larguei os dois de lado para conferir a folha que os
acompanhava. Tratava-se de uma carta de boas-vindas, agradecendo a
matrícula de um ano e informando os dias e horários de funcionamento da
academia. Claro que ele não se daria o trabalho de assinar, tampouco de
perguntar se eu aceitaria.
Peguei meu celular e fiz a ligação, que foi atendida
surpreendentemente rápido.

— Liz.

Uma só palavra. Meu nome. Tão simples e que ouço todo o tempo.
Na boca dele parecia um palavrão, como aqueles que a gente podia gemer no
ouvido de alguém.
— César — tentei imitar, mas duvido que tenha ficado tão bom.

Ele ficou em silêncio.

— Estou ligando porque acabei de receber um envelope do Papai


Noel, mas o natal está um pouco distante...

— Achei que só crianças comportadas ganhavam presente do bom


velhinho.

— Talvez tenha sido algum dos anões que enviou por engano... — ele
riu.
— Você disse que faria as aulas, eu deixei claro que isso me deixaria
mais tranquilo. Então, é pelo bem da minha tranquilidade.

— Estou dividida entre agradecer e mandar você ir à merda...

— A escolha é sua! — rebateu.


— Não, não é. Pode ter sido antes, mas agora ela não é minha. Deus
me livre atrapalhar as famílias felizes dessa cidade.

— Liz...

— Já escolhi: vai à merda! — encerrei a chamada.

Encarei os itens recebidos antes de fechar os olhos. Eu precisava de


algo que me fizesse descarregar a frustração e fizesse com que eu me sentisse
mais segura, realmente. O ataque do David não tinha me causado grandes
traumas por causa da Celine, mas me deixava apreensiva sempre que estava
sozinha e alguém se aproximava, como em estacionamentos, por exemplo.

Se eu fosse uma pessoa mais doce e calma, terminaria a ligação


agradecendo ao César pelo presente, mas eu estava mais para um filhotinho
de cavalo cheio de vontade de dar coices em quem ousasse me irritar. Apesar
disso, me sentia grata por ele lembrar, se preocupar e se dar ao trabalho.

Conheceria a academia naquele dia mesmo.


Foi relativamente fácil escolher o que eu gostaria de aprender para
minha defesa pessoal. A academia que o César me inscreveu possuía uma
estrutura incrível e uma área especial para as artes marciais que, além de ser
um excelente esporte e uma boa maneira de entrar em forma, eram usadas
para autodefesa. Eles ofereciam aulas de Kickboxing, Caratê, Aikido, Wing
Chun, Jiu-Jitsu, Jeet Kune Do e mais uma infinidade de opções que pesquisei
em casa para saber do que se tratava, mas quando vi as definições do Krav
Maga soube que era o que precisava no momento.

Em minha pesquisa sobre as melhores técnicas de autodefesa acabei


optando pelo Krav Maga ao ler:
Esta é a arte marcial nacional de Israel, desenvolvida por Imi
Lichtenfeld e dedicada à incapacitação sem limites, com o objetivo de
sobreviver na rua. O Krav Maga incorpora o box ocidental, chutes e
joelhadas do karatê, golpes da luta greco-Romana, luta no solo do Jiu-jitsu
brasileiro, arremessos e agarramentos do Jiu-jitsu, e o mais importante:
golpes explosivos adaptados do Wing Chun. Ele é ao mesmo tempo defesa e
ataque: em vez de bloquear um ataque e então responder com outro, o
praticante bloqueia e ataca ao mesmo tempo. Por exemplo, com o braço
esquerdo é feito o bloqueio e o avanço, enquanto o defensor ataca com o
punho direito na garganta do oponente.

O método também visa atacar partes vulneráveis do corpo: olhos,


garganta e virilha. Os agressores vão sofrer ruptura do testículo quase que
certamente. A ênfase é dada no desarme dos atacantes usando facas e armas
de fogo, para “virar” estas armas contra o atacante. Treina-se
exclusivamente a coordenação olho-mão, até que a defesa se torna uma
segunda natureza e não exige pensamento.

Descobri que o Krav Maga não era considerado uma arte marcial,
muito menos um esporte, já que não possui quaisquer regras. Todos os golpes
são treinados com o objetivo de ultrapassar todo e qualquer tipo de situação
de violência, do modo mais rápido e eficaz, sendo por vezes necessários
golpes letais. E o melhor de tudo: um bom professor de Krav Maga pode
ensinar tudo que sabe a qualquer um, independente da forma física, em um
período curto, de 3 a 6 meses.
Foi assim que optei por ele e depois da primeira aula soube que tinha
acertado em cheio na escolha.
— Nossa Liz, seu ânimo é contagiante! — Érica perturbou e jogou
água para cima atingindo o meu rosto.

— O tiozinho roubou a sua juventude? — Alexia se juntou a outra na


missão de me irritar — vivi para ver Liz Paiva de Carvalho sentada à beira da
piscina bebendo drink sem álcool, Brasil!
— Vocês são duas vadias! — Rebati sorrindo. — Esqueceram que eu
sou a motorista da rodada?

— A gente poderia ter vindo de Uber, mas você insistiu em levar o


seu pintinho amarelinho para passear — Alexia fez menção ao meu carro
amarelo gema de ovo.

— Claro, até porque o Uber até aqui seria o preço de uma coxinha na
faculdade, né?

— Nem para coxinha da faculdade terei dinheiro — Alexia deixou


escapar um suspiro dramático. — Gastei toda a minha mesada nas festas e
meu pai foi incisivo ao dizer que não iria liberar mais nenhum centavo.

— Eita! — Respondi.

— Minha vida é eita atrás de eita! Então terei que sobreviver à base
de fotossíntese, a água e a luz solar serão os meus únicos alimentos.
— O lado bom de ser uma plantinha é que você poderá ser regada por
um regador de bico avantajado e robusto — insinuei sorrindo e discretamente
apontei para o lado. — Não olhem agora suas vacas!

Mas era inevitável. Quando alguém dizia “não olhe agora” parecia
que uma força sobrenatural girava a sua cabeça sem que você tivesse
controle. Elas viraram imediatamente em busca do alvo e encontraram o
dono do regador: uma figura alta e musculosa com um grande volume no
meio das suas pernas.
Apesar de não saber o seu nome, o reconheci da faculdade, cursava
Medicina. Entretanto, ele jamais chamou a minha atenção, pois sempre estava
de jaleco e cara de nerd, mas agora com sunga branca... Meu amor, é
impossível não pensar no seu regador em ação.

O cara ergueu o copo em um brinde e sorriu sedutor em nossa


direção.

— É a sua deixa, Alexia! — Sorri para a minha amiga.


— Ele pode estar olhando para qualquer uma de nós — afirmou, mas
incapaz de desviar o olhar.

— Bem, eu estou fugindo de problemas hoje — declarei — então ele


é todo seu.

— Também passo a vez para você, amiga.


— Será?

— Vai logo vadia, antes que outra decida roubar o seu regador.

Alexia não titubeou e mergulhou na água molhando os seus cabelos,


cruzou a piscina em um nado vagaroso e quando saiu da água, jogou a cabeça
para trás, fazendo com que os cabelos molhados caíssem feito cascata.
Parecia uma modelo de comercial de creme dental saindo da piscina, a vadia
conseguiu roubar a atenção do regador e quando ela aceitou o drink que ele
ofereceu sorrindo, soubemos que era match na certa.

— Vadia sortuda! — Érica exclamou e concordei sorrindo.


— Flor de Liz! — Tedy, o aniversariante e dono da festa, se
aproximou sorridente.

Sorri de volta, feliz por ter alguém para conversar. Assim que a
Alexia foi testar o regador, a Érica havia engatado em uma conversa com um
boy gatinho e eu torcia para que ela se deixasse levar pelo menos dessa vez.
Então, fiquei na piscina até que Celine e o seu grupo chegou e fez questão de
monopolizar a área brincando de vôlei aquático. Assim, eu me sentei em uma
cadeira de sol.
— Feliz aniversário, amor! — Abracei meu amigo com força — você
está mais disputado que o glitter na final de RuPaul's Drag Race — fiz
menção ao concurso de Drag Queen superstar.

— Eu estava finalizando o meu looquinho — deu uma voltinha para


que eu pudesse vê-lo completamente, mas era desnecessário, pois a bicha era
uma lantejoula ambulante, desde o boné até o sapato.

— Beeeeem basiquinha! — bati palmas e ele sorri alto — seu


presente está no carro.
— Espero que seja um consolo no formato do pau do seu tiozinho.

— Infelizmente não é — sorri — mas é tão grande quanto! —


Perturbei.

— É tão grande assim, mana? — Se abanou com as mãos.


— É literalmente do caralho! — Coloquei ainda mais fogo na
brincadeira.

— Necessito! — Ele sorri animado. — Cadê você naquele círculo de


bebida ali?
— Humm... Eu tô bem aqui — ergui o meu copo de água de coco.

— Espero que tenha destilado aí dentro ou eu vou ligar pro SAMU vir
te buscar e internar você, bicha! — Não contive a gargalhada. — O que
aconteceu entre vocês? — Ele indicou a Celine com a cabeça.

Ela estava sobre os ombros do Natan, disputando bola a bola com a


Naomi que estava sobre os ombros de um cara que eu não sabia o nome.
Hipócrita! Aponta o dedo acusador para mim, mas tem outros quatro
dedos apontando para ela mesma. Quem via aquela interação entre eles não
fazia a ideia do que havia acontecido entre as duas mulheres do grupo. Mas
eu e Celine sabíamos. De modo que quando o nosso olhar se encontrava, ela
desviava os olhos rapidamente.

Eu sei o que você fez no verão passado, querida!

— Ela soube sobre o pai dela e eu... Deixa para lá. Não vale a pena
estragar o clima com essa história. Mas me conte as novidades. Diga que
contratou um gogo boy para sair do bolo na hora dos parabéns!
— Não fui tão longe assim — sorriu — mas tenho amigos gatos
dispostos a fazer um strip-tease.

— Gosto disso!

— E eu não sei, vadia! — Ele me puxou pela mão e segui seus passos
para ser apresentada aos amigos gostosões.
Os caras eram realmente gatos, seguindo o combo: sarado, gostoso,
barbado. Mas eram todos gays. Divertidíssimos, me fizeram rir por horas,
além de dançarem como ninguém.

No fim da tarde, fui para os fundos da casa para observar o mar.


Queria ver o pôr-do-sol e respirar, por isso levei minha canga até a areia fofa,
próximo a casa, e me sentei para esperar o espetáculo da natureza.
Alguns minutos se passaram até que eu vi Celine vir para a praia,
acompanhada da Naomi. Segui com o olhar as duas passarem por mim em
direção ao meu lado direito. Elas não me viram, estavam envolvidas em
algum tipo de discussão que não me parecia sexy.

Saquei meu celular e me distraí vendo o Instagram, curtindo tudo que


haviam postado com a hashtag do aniversário do Tedy, além de observar os
stories dos convidados. O tempo foi passando e assisti ao crepúsculo que fez
o céu ficar alaranjado.

Foi então que eu vi o Natan sair da casa e vir para a praia e tentei me
lembrar se Celine e a irmã dele já haviam voltado... Mas ainda estavam lá.
Sem pensar, levantei rapidamente e abordei o homem que passava em minha
frente indo em direção onde as duas que poderiam estar se matando ou se
amando, eu preferia não arriscar o flagrante.
— Oi! — dei uma corridinha até o homem que estava usando sunga
preta, ele parou.
— Ah, oi. Você é a Liz, certo?

— Isso e você o Natan, não é?

— Sim. Já vi você em algumas fotos da Celine, mas não havíamos


sido apresentados ainda. Tudo bem, Liz?

— Tudo eu só lembrei que quando estava vindo meu pneu parecia


baixo e agora estava querendo ir embora e precisava de alguém que soubesse
ver isso para mim — ele me olhou de maneira estranha — sou recém-
motorizada.

— Ah claro, posso olhar, mas antes preciso encontrar a Celine. Estava


indo procurá-la.
— Ela não passou por aqui — menti tranquilamente — eu estou
sentada ali há um bom tempo e só vi um casal passando, provavelmente em
busca de privacidade.

— Um casal? — assenti. Ele sorriu amplamente — então não precisa


mentir sobre o pneu, bastava me dizer que tinha gente transando e que você
era a responsável para ninguém atrapalhar...

Eu gargalhei alto, sem saber o que dizer.

— Bem, desculpe por mentir, só não queria deixar a situação


embaraçosa.

— Tudo certo, vou procurar a minha namorada em outro lugar. Prazer


em conhecê-la, Liz.

— Muito prazer, Natan.


O cara se afastou em passos lentos e eu respirei fundo tentando saber
desde quando eu mentia tão mal... Ainda era possível vê-lo quando as duas
mocinhas se aproximaram de mim. Celine olhou firme lá para frente e o viu,
arregalando os olhos ao me encarar.

— Por nada! — Respondi ao que ela sequer perguntou e me afastei


para pegar minha canga ainda estendida na areia.
Enquanto dobrava o tecido sujo de areia, Celine se aproximou,
sozinha.

— Não precisa bancar a boa amiga, não pedi para fazer nada por mim
— acusou.

— Que maneira mais diferente de me agradecer...


— Não estava acontecendo nada entre mim e a Naomi.

— Nunca disse o contrário.

— Escuta aqui, Liz...


— Escuta aqui você, Celine. Eu agi por impulso quando vi que o
Natan estava indo na mesma direção de vocês. Não foi um ato heroico para te
salvar, foi instintivo apenas. Não somos mais amigas, já entendi isso e não
preciso que você fique repetindo essa ladainha, mas não haja como se não se
preocupasse com isso. Eu vi a sua cara de pânico quando o viu, mesmo de
longe.

— Aposto que você desejava que alguém fizesse o mesmo por você,
não é? Sei lá, que a Malu aquele dia evitasse que eu flagrasse você e o meu
pai, assim os dois ainda estariam me fazendo de trouxa.

— Ah, então está assumindo que está fazendo o Natan de trouxa? —


ela me encarou irritada — você pode não acreditar, mas acho que as coisas
aconteceram como deveriam acontecer.
— Você acha que você transar com o meu pai deveria acontecer? —
jogou a pergunta em tom de deboche.

— Eu não me importo se é certo ou errado que você transasse com a


Naomi ao mesmo tempo em que fazia o mesmo com o irmão dela e sabe por
quê? Porque aconteceu! Já aconteceu e não há nada que qualquer pessoa
possa fazer para mudar isso.
— Eu confiava em você... — ela lamentou.

— E eu sinto muito por não ter te contado, mas não posso mudar isso.
Agora eu tenho que ir, se cuida — me afastei deixando-a no escuro da noite.
Estava me sentindo quase como uma freira esses últimos dias. Além
de salvar a pele de uma pessoa que queria que eu me fodesse (no sentido ruim
da palavra), deixar um belo regador para a flor da minha amiga (segundo ela,
ficou bem molhada) não estava perseguindo nenhum dominador, nem sendo
atacada em festas, tampouco transando com donos de hotéis.

Nossa, Liz, parabéns!


Podia resumir as coisas em: fim de período. Todo e qualquer
universitário sabe que os professores são possuídos pelo espírito do ritmo
ragatanga nessa época. Era como se eles todos se juntassem e decidissem:
vamos ferrar com os alunos. E aí surgem artigos de última hora, provas para
completar média, seminários e tudo mais que as mentes maquiavélicas
conseguirem pensar.

Além disso, me inscrevi para participar da seleção para um estágio


remunerado. Se eu passasse ele me salvaria financeiramente para que eu não
extrapolasse nos pedidos de socorro aos meus pais e daria um belo “Up” no
meu currículo. A entrevista aconteceria daqui há dez minutos e, ao invés de
estar repassando mentalmente o que eu responderia quando me
perguntassem, estava pensando no resumo da minha vida.

Talvez pensar nesse resumo de freira fosse melhor do que relembrar


das vezes em que estive com o homem que abalou as estruturas do meu corpo
e causou um pequeno terremoto dentro de mim. Bem, eu já estava pensando,
não era? O César era como um imã que atraía os meus melhores e piores
pensamentos. Se eu tive vontade de bancar a louca inconsequente e ir em
busca do que queria? Claro que sim. A diferença entre a Liz que fez isso
antes e a de agora era que a atual já conhecia todas as consequências de tal
ato.
Não dava para pisar em todo mundo e pensar em mim porque agora
havia sentimento. Havia o sentimento de traição, a mágoa, o receio e algo
mais que estava esquentando em mim como uma lata de condensado fechada
em uma panela com água sobre o fogo. Já fizeram isso? Transformar o leite
condensado em doce de leite em banho-maria? Era uma delícia o resultado,
dava vontade de comer até a lata, mas o processo para chegar ali foi lento. A
água esquentou sobre o fogo e, bem devagar, aqueceu a lata que continha a
base do doce. O leite condensado foi cozinhado lentamente até chegar em um
ponto em que se transformou, não era mais o que já foi.

Não queria pensar muito sobre o sentimento que esquentava dentro de


mim e que estava se transformando em outra coisa porque não havia a
possibilidade de extravasar isso. Não tinha ninguém á beira do fogão,
segurando uma colher, louco para se lambuzar com o resultado.

— Liz Paiva de Carvalho? — ouvir meu nome me fez acordar dos


pensamentos sentimentais-gastronômicos — é a sua vez.
— César? O que você faz aqui? — perguntei ao me aproximar.

Ele estava com as mãos no bolso da calça, parado embaixo de uma


árvore, próximo ao estacionamento da Unichôa. O fluxo de universitários era
intenso, mas eu o reconheceria de longe. Ele estava usando uma calça de
sarja cinza e uma camisa polo preta, não era a roupa mais despojada, mas era
bem diferente dos blazers e ternos que costumava usar.
— Eu estava passando aqui por perto e quando vi estava aqui —
respondeu um tempo depois.

— Talvez você precise trocar o seu GPS — perturbei e dei mais


alguns passos até parar ao seu lado.

— Achei que fosse gostar do meu atual GPS já que ele me trouxe até
aqui...

— É imprudente deixar sua vida nas mãos de um sistema suscetível a


erros. Eles poderiam levar você a algum beco sem saída ou pior até um bando
de universitários histéricos.

— Você tem razão — deu de ombros — corri um grande risco ao me


deixar ser guiado, mas a linha de chegada à minha frente indica que todo o
percurso valeu a pena.

— E o que você vai fazer agora que chegou ao seu destino?


— Não planejei nada dessa vez e isso é um pouco desconcertante —
confessou e eu podia sentir meu rosto se contorcendo em um sorriso enorme
— talvez eu tenha vindo na esperança de conseguir confessar que estou
sentindo sua falta — meu coração ridículo acelerou ao ouvir isso — falta da
suas respostas atrevidas, do seu humor, do seu cheiro, do seu gosto na minha
língua...

— Você não pode surgir do nada, me dizer tudo isso — engoli em


seco — e esperar que eu apenas sorria e agradeça. A minha vontade é me
atirar nos seus braços, te encher de beijos e logo depois acertar o seu rosto
com um golpe que aprendi na minha última aula de defesa pessoal.
— O que te impede?

— De acertar a sua cara? — ele riu.

— Você sabe que não é sobre isso que estamos falando.


— Sei? — dei de ombros — nunca sei do que estamos falando, há
sempre uma supressão de palavras, pensamentos e sentimentos.

— Eu disse que senti a sua falta, Liz — César tentou ser didático.

— E eu te respondi dizendo que a minha vontade é te beijar.

— Eu não iria me opor.

— Não? — Arqueei a sobrancelha — estamos em local público, mais


precisamente na frente da faculdade onde a sua filha estuda. Minha cota
emocional de pais e filhas me culpando atingiu o nível máximo.

— Desde quando você pondera as suas ações, menina? — foi a vez


dele diminuir distância entre nós.
Sua mão direita tocou meu rosto, acariciando a pele antes de percorrer
minha nuca e estender a carícia até o meu braço.
— Desde que um tiozinho me acusou de ser atrevida e inconsequente.

Parecia que estávamos dando voltas em um circuito oval no qual


acabávamos sempre retornando ao ponto de partida. Eu estava cansada desse
jogo de gato e rato e não pretendia mais correr.
— Eu vou beijá-la, Liz e a menos que você se oponha nada mais
importa.

— Me diga que você quer esse beijo tanto quanto eu — pedi com
suavidade — me diga que está sendo verdadeiro, César.

— Eu estou aqui, Liz — pontuou — porque eu quero estar. Porque


senti falta de você, mesmo sabendo que isso significa sentir falta do caos.
Se os olhos dele eram escuros como a noite, seus lábios pareciam o
farol que fazia com que eu me encontrasse antes mesmo de saber que estava
perdida. Quando o seu olhar recaiu nos meus lábios, eu soube que aquilo era
o que nós dois queríamos.

Ainda que tivéssemos trocados poucos beijos, a sensação de tocar


aqueles lábios me era familiar. Tudo se encaixava perfeitamente, tudo parecia
certo. Os lábios que se movimentavam em sincronia, a língua ávida
explorando a minha, as mãos dele envolvendo a minha cintura, me puxando
para si enquanto os meus braços enlaçavam o seu pescoço.

— Eu também senti a sua falta... — Confessei num sussurro entre um


beijo e outro. A confissão acelerou o meu coração e o fez perder o compasso
— para ser mais precisa: você tem povoado os meus pensamentos de maneira
insistente.
— Interessante... — ele respondeu afastando nossos lábios, mas
mantendo a mão na minha cintura.
— Não é — sorri — eu estava na recepção aguardando o horário de
uma entrevista de emprego e tudo que eu conseguia pensar era tudo que já
fizemos.

— Espero não ter atrapalhado a sua entrevista ou me sentirei no dever


de procurar o entrevistado e solicitar um novo horário para você. Dessa vez,
estarei ao seu lado assim você não se dispersaria.
Eu gargalhei.

— Seria mais provável que nós dois acabássemos em algum canto do


lugar e quando me chamassem eu estaria descabelada e sem calcinha.

— Aposto que seria divertido — ele diz, me puxando para um beijo


mais uma vez.
— Eu não acredito no que estou vendo — a voz aguda de Celine me
fez afastar nossos lábios.

— Eu vou deixar vocês sozinhos... — informei, tentando me afastar,


mas César não me deixou ir.

— Quando me contaram que o meu pai estava agarrado a uma


mulher, eu custei a acreditar que você iria se expor ao ridículo na frente da
faculdade que eu estudo.
— Não estava fazendo nada que possa ser classificado como ridículo
— a voz dele estava tranquila.

— Tanto lugar para você ir, tinha que ser logo aqui? Tanta mulher no
mundo, tinha que ser ela?

— Já passou da hora de encaramos a situação de frente. Mesmo


magoada, você não pode falar da Liz como bem entender.
— Ah, posso. O que vai fazer? Vai me bater? — Provocou.

— Eu nunca bati em você. Talvez, se tivesse feito quando era menor


esse tipo de cena fosse evitada. Eu te ensinei a respeitar os outros e a tratá-los
como gostaria que fosse tratada.
— Eu... — gaguejou.

— Você irá para casa e quando eu retornar, se quiser conversar com


mais calma, nós o faremos como adultos.

— Você não vai para casa?


— Não, eu vou almoçar com a Liz. Se quiser se juntar a nós... —
assisti a interação muda, quase sem respirar com medo de explodir.

Celine também não respondeu, deu as costas e saiu pisando firme em


busca do próprio carro.

— Desculpe por isso — pediu, me encarando.


— Acontece nas melhores famílias — perturbei — o almoço é
verdade? Estou realmente morrendo de fome.

— Vamos saciá-la.

— Se eu não estivesse com tanta fome daria uma resposta sacana a


sua frase de duplo sentido, mas o meu estômago pode me fazer passar
vergonha mais uma vez.
— Podemos tirar um tempo para saciar todas as suas vontades.

— Essa é uma proposta bem interessante — ele riu e me puxou para


mais um beijo.

Enquanto nossas bocas se apreciavam e a mão dele descia até a minha


bunda, meu celular começou a vibrar no bolso traseiro da minha calça jeans.
Ele riu, assim como eu, que lembrei imediatamente do dia em que ele
usou o seu aparelho para me fazer gozar.

— Alô? — atendi, nos afastando uns cinco centímetros.


— Liz Paiva? — a voz de uma mulher séria chamou do outro lado.

— Eu mesma.

— Aqui é a Dayene do Jornal da cidade, estamos entrando em contato


para avisar que você foi uma das selecionadas para ocupar a vaga que
estávamos oferecendo.
— Sério? — sorri amplamente.

— Sim, parabéns, precisamos que você providencie sua


documentação e passe no RH do jornal ainda hoje, é possível?

Olhei para o César e levantei as sobrancelhas, como se me


desculpasse antecipadamente.
— Claro, eu vou passar por aí daqui há pouco.

— Enviamos por e-mail tudo que você precisa. Até mais, Liz.

— Obrigada por ligar — encerrei a ligação — nosso almoço vai ter


que ficar para outro dia.
— É do lugar em que foi fazer a seleção?

— Sim — quase dancei de felicidade — fui selecionada e preciso ir


hoje mesmo levar tudo que eles precisam.

— Nós remarcamos, então — ele riu — parabéns, Liz.


— Ah, me parabeniza direito, mereço um beijo...

— Merece uns tapas — ele me puxa e prende meu corpo contra a


árvore — mas vou te dar só o beijo agora — ele mordeu de leve meu lábio
inferior — os tapas eu te dou depois, quando estiver nua e desprotegida...

Puta que pariu! Quase tirei a roupa ali mesmo para que ele me
batesse. Mas não o fiz, depois do beijo de parabéns nos despedimos e eu
segui para providenciar tudo para a vaga de estágio.
Ah, Liz, as coisas estão começando a melhorar, hein?
Ser racional não significa não sentir. Por vezes, o ser racional era
visto como aquele que colocava o cérebro acima do coração em todos os
aspectos da vida. No trabalho era fundamental que fosse assim,
principalmente quando se trabalha formando pessoas que necessitam do
pensamento lógico para defender patrimônios e outras pessoas. Uma decisão
racional era aquela que, além de fundamentada, era a ideal para alcançar um
objetivo ou resolver um problema.

Por isso, analisando toda a situação, o resultado parecia óbvio: Liz


mexia comigo. De uma maneira que se, eu pudesse escolher, não mexeria.
Depois de vê-la após o meu discurso, fiz sua inscrição na academia para que
fizesse as aulas e pudesse se defender em situações de vulnerabilidade. Se eu
não podia matar o cara que quase a estuprou, cuidaria para que ela mesmo o
fizesse se alguém tentasse novamente.
A reação dela ao envio do cartão que garantia sua entrada na
academia foi ao modo Liz de ser: insolente. E terminou com mais uma
ligação encerrada antes que eu pudesse me despedir. Ao contrário do que
aconteceu das outras vezes, quando ela me mandou a merda e desligou eu
não me irritei. Comecei a sorrir, sozinho, olhando para o aparelho celular. A
garota não tinha jeito.

Nenhuma das mulheres com quem joguei, ao longo dos anos, fez com
que eu me sentisse propenso a mudar as regras. Acontece que Liz nunca
jogou conforme as normas. Ela entrou na minha vida feito um assalto a
banco: de uma vez só, usando munição pesada e estourando as portas de
vidro que serviam de segurança. Isso era o suficiente para que qualquer
gerente reforçasse a segurança, acontece que não adiantava fechar a porta
depois que o ladrão já estava dentro.
Liz havia se instaurado em mim sem que eu percebesse e enquanto eu
achava que tinha o controle da situação, estava apenas reagindo aos
comandos que ela enviava. Perceber isso não foi divertido, mas não havia o
que fazer a não ser lidar com isso. Desde a confusão com a Celine havíamos
nos afastado, mas isso não serviu para erradicá-la.

Passei a manhã na empresa, mas pouco antes das doze decidi que iria
almoçar em casa. Não tinha cozinhado desde o estrogonofe que havia feito
para Liz, talvez ir para o fogão clareasse os passos que eu deveria dar dali em
diante, assim entrei no carro com esse pensamento.

Quando passei pela Avenida Murilo Dantas, me vi dando sinal para


entrar na Unichôa. Se a racionalidade havia me feito perceber que não tinha
como evitar o que estava sentindo, quem sabe me deixar levar por um
impulso dessa vez mudasse um pouco as coisas de lugar.
E mudou. Encontrei Liz e expressei que estava sentindo falta do caos
que ela trazia consigo. Enfrentei Celine e deixei claro que as coisas eram do
jeito que eram e que precisaríamos lidar com isso. Havia avançado algumas
casas no tabuleiro daquele jogo maluco.

O telefone residencial tocou, me fazendo encará-lo. Com o uso do


celular e com o imediatismo, no qual as pessoas querem respostas rápidas, o
aparelho fixo quase nunca era lembrado. Apenas o pessoal do telemarketing e
a minha mãe insistiam em fazer ligações para aquele número, logo, a
probabilidade de ser dona Clarice ligando era grande.

— Alô.

— Meu filho — sua voz doce me lembrou o quanto estava com


saudades.

— Mãe, como a senhora está?


— Estou bem. Não sabia se era preciso ou não te lembrar, então
decidi ligar...

— Quanta sutileza para perguntar se vou ou não... — ela riu — eu


nunca deixaria de ir a uma renovação de votos de vocês.

— É que seu irmão não confirmou depois que te ligou.

— Ele deve ter esquecido, eu vou sim.

— E vai ficar aqui em casa, estou com muitas saudades da minha


neta.

— Como está o papai?


— Teimoso como só ele sabe ser... Quer dizer, não só ele, não é?

— Ora essa, mamãe, eu sou um ótimo filho — zombei.

— Só abandona a pobre mãe em todos os natais... — cobrou — estou


com saudades.
— Estarei ao seu lado logo... Mande um abraço para o senhor
Joaquim.

— Aguardo vocês, beijo meu amor — ela encerrou a ligação.


E eu decidi que era hora de comprar as passagens aéreas para ir ao
Rio Grande do Sul.
— Eu trouxe um presente para você — informei assim que parei o
carro na garagem.

O almoço para o qual eu havia convidado a Liz aconteceu no dia


seguinte, mas precisou ser em um shopping já que era o “meio do caminho”
para nós dois, segundo ela. Eu preferia que fosse em um restaurante mais
reservado onde pudéssemos conversar sem todo aquele barulho, mas ela não
tinha tempo e o shopping era onde passaria algumas horas, já que precisava
comprar roupas para o trabalho que começaria em poucos dias. Então,
precisei sequestrá-la no sábado seguinte para que fôssemos até a casa de
praia. Eu havia insistido com os donos para que me alugassem por tempo
indeterminado.
Liz me encarou enquanto eu estendia o envelope pardo para ela.

— Outro acordo de submissão? — ela disse de maneira espontânea.

— Outro? Nunca te dei um contrato — lembrei.


— Estou curiosa — ela puxou o envelope da minha mão, mas eu a
encarei antes que pudesse abrir.

— Você recebeu uma proposta? — ela ficou estranhamente quieta —


Liz?

— Hum, não sei bem como funciona, não chegamos nessa parte no
meu curso BDSM...
— Comece respondendo a minha pergunta.

— O Silvio me chamou para jantar e me entregou um envelope —


deu de ombros — era um contrato simples, mas me faria submissa dele.
Engoli em seco.

— Você assinou? — Perguntei de uma vez.

— Você acha que o meu dono ia gostar de saber que você está
interessado nessa resposta? — ela desafivelou o seu cinto.

— Você nunca responde o que te perguntam? — Rebati irritado.

Ela começou a rir.

— Está com ciúmes, César? — gargalhou — não assinei. Tinha muito


absurdo naquele papel: usar coleira, meu corpo passar a ser propriedade dele
e não mais minha, seguir meu dono com devoção, onde quer que vá e o que
quer que faça. Ele realmente não me conhece para achar que eu assinaria uma
coisa dessas, não é?
Deixei que o ar saísse dos meus pulmões devagar. Ela não tinha
assinado. Não tinha se encantado com o universo BDSM ao ponto de aceitar
ser submissa de outro homem.

— E se o que estiver aí dentro for um contrato meu? — Liz me


encarou.

— Significaria que você quer um tipo de relação comigo... Bem, eu


teria que analisar os termos.
— Não abra agora, vamos almoçar e curtir a tarde, no fim dela você
me diz se os meus termos são aceitáveis.

— Sim, senhor — fingiu docilidade.


Liz abriu a porta do carro e desceu.

Eu a segui.

— Realmente acho que uma coleira vai cair muito bem em você... —
insinuei quando entramos na casa.

— Eu uso, se você me deixar fazer você de cavalinho como aquele


cara lá do clube.

— Ah, Liz... Não queira jogar comigo — avisei.

— Ah, César. Você sabe que eu quero. Não há nada que me deixe
mais louca do que os seus joguinhos.

— Então pode se ajoelhar e começar.

Ela obedeceu de imediato, meu pau respondeu tão rápido quanto ela
se prostrou ajoelhada.
Nós tínhamos conversado bem pouco durante o almoço. Estávamos
na casa de praia para a qual ele havia me levado naquele fim de semana.
Ainda não sabia o que tinha no envelope, mas pela reação dele à proposta do
Silvio duvido que seja um contrato. César era um homem intenso, mas eu
sabia bem pouco sobre ele. Não conhecia os seus gostos, por isso decidi
puxar conversa.

— Vamos jogar? — ele me olhou erguendo uma sobrancelha — não


são os seus jogos. Eu te faço perguntas e você responde sem pensar. A
primeira coisa que vier em sua cabeça.
— Não estou vendo outra opção a não ser aceitar.

— Uma cor?

— Preto — respondeu rapidamente e eu sorri. Era a que mais usou


desde que o vi a primeira vez.
— Uma fruta?

— Manga.

— Sério? Achei que fosse dizer morango ou qualquer coisa mais


sofisticada — respondi, demonstrando a minha surpresa.

— Está julgando as minhas escolhas no jogo que me obrigou a


participar?

— Não, desculpe, só pensei alto... — sorri.

— Manga é uma fruta que aprendi a gostar aqui em Sergipe. Quando


está madura é muito suculenta e um aperto mais intenso faz com que seu
sumo escorra entre os dedos.

— Nunca mais vou ver uma manga da mesma maneira — comentei


quase salivando ao me imaginar lambendo o suco da fruta das mãos dele. —
Uma lembrança feliz?

— A primeira vez que ouvi “papa” da Celine.


— Quantos meses ela tinha? — perguntei com um sorriso ao imaginá-
lo com a filha, ainda bebê, em seu colo.

— Onze. Muito precoce e faladeira desde sempre — ele ri.

— Um desejo — continuei o jogo.


— Acrescentar uns quinze anos na sua idade — César disse de
maneira rápida, o que me mostrava que era algo que estava realmente em sua
mente.

— Não me importo com sua idade — deixei claro.

— Você não viveu nada, Liz. Sua vida está apenas começando.
— Você fala como se fosse um velho caquético com seis meses de
vida — rebati.

— Você me chamou de vovô quando me conheceu, se bem me


lembro, ainda insinuou que eu fazia uso de medicamentos para ereção — ele
lembrou.
— Eu queria irritar você!

— Você consegue fazer isso com uma frequência impressionante —


me acusou.

— Deve ser por isso que não conseguiu se livrar de mim ainda. Gosta
de ser irritado...
— Já acabou seu jogo? — dei de ombros — então vamos começar o
meu.

Ele me estendeu a mão e eu a aceitei, como sempre fazia.

Andamos até a cozinha e lá, ele abriu a geladeira.


— Que sorte, guardei essa na geladeira porque amo manga gelada...
— ele disse, mostrando a fruta de casca verde — sabe que tipo de manga é
essa, Liz?

— Espada — respondi rapidamente — minha mãe ama mangas!

— Parece que eu e ela temos algo em comum... Além de você — ele


ri — mas eu espero que não seja dela que você se lembre da próxima vez que
ver uma dessas.
— Hum...

— Sabe, Liz, é comum interpretar papéis nas cenas e eu tenho um


bem especial hoje para você: prato.
— Prato?

— Para começar, pratos não falam — avisou — nem usam roupas.

Com isso, ele me encarou fixamente e eu comecei a obedecer a sua


ordem, tirando minha roupa. Me livrei do vestido curto rosa de renda, da
calcinha e, em seguida, do sutiã.

— Deite-se no chão — lentamente, me deitei no piso. O contato do


chão frio com minhas costas nuas me gerou um arrepio leve. — A função do
prato é ser usado para servir a comida. No caso da manga, ele é usado para
que o sumo da fruta não respingue ou se derrame, sujando o ambiente — ele
explicou, depositando uma faca sobre o meu estômago, como se eu fosse, na
verdade, uma mesa.

A fruta foi colocada sobre o meu umbigo e, por estar gelada, enviou
uma mensagem direta para a minha boceta. Eu a contraí.
— Pratos não se movem, Liz — lembrou — cumpra a sua função ou
será penalizada. Lembre-se: sem falar, sem se mover.

Não respondi, começando a entender o jogo.

César pegou a faca e a manga, meus olhos se esticaram quando tentei


ver o que faria sem mover a cabeça. Com uma calma insuportável, ele
começou a descascar a fruta. Uma fina tira de casca foi se formando e logo
ela tocou na minha barriga.
Você já tentou ficar parada? Quero dizer: ficar totalmente imóvel!
Cara, parecia que formigas começavam a percorrer minha pele e eu sentia
vontade de me coçar.

Formigas imaginárias, suas filhas da puta, saiam de mim!

Mantive-me firme até que toda a casca estava sobre mim. Ainda
enquanto ele descascava, alguns pingos caíram sobre a minha pele. O cheiro
de manga era delicioso e eu quase gostaria de ser César e não o prato, para
chupar aquela gostosura. Eu me referia a manga, eu acho.

Quando ele levou a fruta, com as duas mãos, até a boca eu não desejei
mais ser o César, mas a própria manga suculenta. Eu queria que a boca dele
estivesse sobre mim, me abrindo, sugando e lambendo tal qual ele estava
fazendo agora com aquela porcaria amarela.

Com seus movimentos, o sumo escorreu entre os seus dedos e


pingaram em mim.

— Hum, está bem doce... Mas acho que pode ficar melhor — com
esse anúncio, ele se moveu até eu não poder vê-lo completamente, mas estava
perto dos meus pés.

Suas mãos, mais frias do que o habitual, separaram minhas pernas e


empurraram meus pés para que eu ficasse aberta para ele. Nada me preparou
para a maciez gelada na minha boceta.
Não tinha como eu não me mexer, era impossível com ele passando a
manga de um lado para outro da minha boceta. Estava me sentindo melada,
molhada e muito excitada. Eu quis gritar para que me fodesse de uma vez,
mas mordi o lábio inferior e fechei os olhos.

— Muito, muito mais gostoso agora — eu o ouvi quando a sensação


boa entre as pernas cessou.

O filho de uma égua estava chupando a manga?


Ele se aproximou do meu rosto e passou a fruta na minha boca.

— Experimente — abri a boca e ele a enfiou ali.

Eu saboreei a fruta, mordendo a carne, o que resultou em um fio de


suco escorrendo pelo lado da minha boca. César passou a língua ali,
limpando o que julgou estar sujo.

Foi a gota d’água.


Esqueci completamente o meu papel e levei as minhas mãos até sua
nuca, puxando sua cabeça para ainda mais perto da minha. Movi minha boca,
desprezando a manga, para me concentrar nos lábios dele. Estavam doces,
além do gosto da fruta. Tinham gosto de desejo, só não sei se do meu ou do
dele. Enfiei minha língua ali, sem dar chance para que ele pensasse, fazendo
com que ela se movesse freneticamente para alertar a dele. Que
correspondeu, se juntando a dança erótica. Nós nos devoramos pela boca.
Minhas mãos estavam firmes em seu pescoço como se eu quisesse impedi-lo
de se afastar.

Mas ele o fez. Primeiro, jogando longe a fruta esquecida. Depois,


segurando firme em meus pulsos, afastando de si.

— Pratos não se mexem — ele me lembrou, levando meus pulsos


para cima da minha cabeça.
Rapidamente eu o vi se esticar para pegar meu sutiã jogado ali perto.
Com maestria, meus pulsos foram amarrados com a peça, bem firme, ao
ponto de arder um pouco.

— Eu pretendia chupar a manga e você, ambas inteirinhas, até que só


restassem os caroços, mas você atrapalhou. Como punição, não vai ter sexo
oral. Além disso, vou te foder aqui mesmo, no chão frio, sem a menor
preocupação. Afinal, pratos também não sentem, não é?

Ele virou meu corpo, fazendo com que minha barriga ficasse no chão.
Ouvi o farfalhar das suas roupas sendo tiradas e por fim, minhas pernas
foram afastadas.
— Você não está tão molhada quanto gostaria — ele atesta, passando
os dedos pela minha boceta — mas é bom que doa um pouco, que seja bruto,
quem sabe assim você aprende a obedecer a porra da ordem de não se mexer?

Com essas palavras ele se enfiou em mim. De uma vez.


— Ah, porra! — Eu gritei.

— Isso, grita mais — ele puxou meu cabelo, fazendo com que eu
levantasse um pouco a cabeça — e não esqueça que aqui eu mando e você
obedece.

As estocadas eram firmes, indo fundo e rápido. O chão estava


desconfortável e o peso dos quadris dele me empurravam com força ali. Ele
puxou meu cabelo ainda mais forte e eu me movi o máximo que pude,
empinando o peito. Sua mão direita foi até o meu seio direito e o apertou com
firmeza, eu gemi.
— Huuuuuum...

Minha boceta se contraiu, gostando da rispidez com que estava sendo


possuída.

— Não goze, Liz — César ordenou.

Até parece que é assim tão simples, ele ordena e meu corpo obedece.
Não é, querido, continue me fodendo assim e já era...

Ele sabia, por isso se retirou, me fazendo lamentar com um suspiro


alto.

— Vire!
Obedeci, colocando as costas no chão e deixando a minha barriga,
marcada pelas cascas da manga que estavam embaixo de mim, para cima.
— Levante os quadris — firmei os pés no chão e ergui os quadris,
meus braços ajudando bem pouco a me manter estável naquela posição.

César afastou um pouco mais os meus joelhos e entrou na minha


boceta novamente. Dessa vez, eu pude ver cada um dos seus movimentos: ele
levantou minha perna esquerda e a posicionou em seu ombro e, em seguida,
fez o mesmo com a direita.
Caralho, aquilo era loucura. Meus pulsos estavam presos, minha
cintura no ar e as minhas pernas em seus ombros. Que a minha coluna
aguente, Senhor!

Quando ele começou a foder, nem lembrei se tinha ou não uma


coluna. Naquela posição, o pau dele ia muito fundo, preenchendo tudo. Ele
socou uma, duas, dez mil vezes e eu passei a gemer loucamente.

— Ai, caralho! — Gritei quando ele atingiu aquele ponto certo —


aiiiii...
— Goza para mim, pequena vadia — e assim, como se ele realmente
mandasse no meu corpo, eu explodi em um orgasmo maravilhoso.

Meu corpo estremeceu e eu neguei com a cabeça, sem poder fazer


mais do que isso para liberar tudo de mim.

Ele me conteve, segurando em minha cintura para estocar até que o


seu próprio gozo veio e me inundou.
— Nós vamos viajar — anunciou, como se desse um recado qualquer,
quando se deixou cair ao meu lado.

Meu coração que já estava descompassado de tudo aquilo parecia ter


aumentado ainda mais o ritmo com aquela informação.
Eu estava nervosa e quando César perguntou por que a minha mão
estava gelada aleguei que era a tensão pré-viagem. Quando recebi o convite
para viajar com ele para o sul, aceitei sem hesitar, mas agora começava a
acreditar que deveria ao menos ter ponderado. O envelope que ele me entrou
continha as passagens aéreas para acompanhá-lo em uma viagem.

Fiquei radiante com o convite, era um passo enorme na nossa relação


e uma prova concreta do quanto ele estava sendo verdadeiro em relação aos
seus sentimentos. As coisas tinham mudado, passamos do patamar de dois
estranhos que curtem foder juntos para um casal que curte a companhia um
do outro e sai juntos para além de clubes e casas escondidas. Então, por que
eu estava nervosa com essa viagem?
Talvez, seja o fato de conhecer toda a família dele de uma só vez. Isso
me causou taquicardia. A gente poderia ter começado com doses
homeopáticas: primeiros os pais no Natal, os irmãos em algum aniversário e,
nas próximas férias de julho, os demais familiares. Seria mais simples e fácil
para todos, né?

Além de toda essa tensão, podemos acrescentar nessa equação uma


companheira de viagem mal-humorada. A minha ex-amiga demonstrava
descontentamento pela minha presença, mas não proferiu nenhuma palavra
desagradável. Provavelmente, a conversa com o pai surtiu efeito, pois ela até
respondeu o meu cumprimento quando entrei no carro. De forma fria, é
verdade, mas já era um começo.

— Vou ao banheiro — avisei e me levantei rapidamente, mas antes


que eu chegasse ao meu destino, César tocou o meu braço e me guiou até um
canto afastado.

— O que está acontecendo, Liz? — Indagou preocupado.

— Quero fazer xixi — forcei um sorriso.


— É a terceira vez que você vai ao banheiro em menos de dez
minutos. Essa será a sua primeira viagem de avião? O transporte aéreo é
muito mais seguro que o terrestre, não precisa se preocupar — César
interpretou o meu nervosismo como medo de voar — Eu prometo segurar a
sua mão durante toda a viagem — ele pegou minha mão e acariciou o nó dos
meus dedos.

— Já viajei algumas vezes... — confessei.

— Já? — Arqueou a sobrancelha. — Então, qual o motivo do


nervosismo?
— Eu não sei se estou pronta para conhecer a sua família — prendi o
fôlego temendo a sua resposta — não na renovação de votos dos seus pais. É
um momento íntimo e familiar — justifiquei rapidamente.
— Não há momento mais propício que esse, Liz. É a celebração do
amor e nada mais significativo do que estar ao lado de quem se ama — as
palavras foram ditas em uma suavidade que me fez duvidar da minha
audição.

Eu tinha ouvido bem? Ele tinha dito que me amava? A gente não
tinha dito isso ainda. Tá, talvez eu tenha dito que o amava, após ele me levar
até um orgasmo arrebatador, mas nem um “eu também” foi dito por ele, em
resposta.

— Você não tinha dito que me amava... — Dei voz ao meu


pensamento.

— Eu pretendia fazer isso em um momento mais oportuno e não em


uma sala de embarque do aeroporto...

— Desconheço momento mais propício que esse — repeti sua frase e


um sorriso enorme surgiu nos lábios dele — obrigada por me dar o que eu
sempre preciso. E não estou falando apenas do sexo sempre fantástico — ele
sorriu — você parece ter o meu manual de instrução. Te amo, César!
— Eu...

— Não — levei os dedos aos seus lábios silenciando — guarde essa


frase para a sua noite romântica. Eu sugiro fondue de queijo com um bom
vinho, de preferência em frente a lareira, e você recitando poemas — ele
arqueou a sobrancelha sorrindo — assisti essa cena em um filme, fiquei com
um misto de “credo, que delícia!”

César me encarou como se eu tivesse falado em grego.


— “Credo, que delícia” é quando você demonstra desdém por algo,
mas lá no fundo, você quer aquilo — expliquei.
— É o famoso “quem desdenha quer comprar”?

— Da sua época, sim! — Ele sorriu e me puxou para um abraço.

— É tipo quando você tem a sua suíte invadida por uma novinha e seu
primeiro pensamento é expulsá-la, mas logo imagina qual seria o gosto que
ela tem?

— Exatamente! — É a minha vez de sorri. — Você olha para a


novinha e pensa: Credo, que delícia! — Ele gargalhou alto.

— Mais alguma sugestão baseada na sua lista credo, que delícia?


A resposta que eu ia dar não chega a ser iniciada por causa da voz
feminina na caixa de alto-falantes.

“Atenção passageiros do Voo G3 9126 com destino a Guarulhos e


conexões, o embarque foi autorizado. Nesse primeiro momento, os clientes
GOLD têm embarque imediato, para facilitar o embarqum tenham em mãos,
documento com foto.”

— Vamos Liz? — Ele estendeu a mão em minha direção.


— Sim! — aceitei a sua mão e seguimos juntos.

Quando ele segurava minha mão, tudo parecia mais fácil.


O voo até Caxias do Sul durou aproximadamente cinco horas, entre
escalas e troca de aeronaves. O aeroporto de Aracaju não possui voo direto,
de modo que, fizemos escala em Guarulhos e de lá seguimos, em outro voo,
para nosso destino.

Assim que desembarcamos, o ar frio da cidade gaúcha me


recepcionou de forma nada agradável. O vento gélido parecia perfurar a
minha camisa de tecido e penetrar a minha pele. Só tínhamos andado alguns
metros do avião até o interior do aeroporto, mas já deu para ter uma prévia da
diferença brusca entre as regiões.
Minha mãe estava certa quando disse para eu levar um casaco mais
pesado na mala de mão. Estávamos aguardando nossa bagagem na extensa
esteira, Celine desapareceu em algum momento entre a fila de desembarque e
o caminho até as esteiras.

Como se adivinhasse os meus pensamentos, César passou os braços


sobre os meus em um abraço apertado, me esquentando.

— Pedi para a Celine trazer um chocolate quente para você.


— Tem certeza que ela não vai cuspir no copo?

— Ela não seria infantil a esse ponto — lancei um olhar incrédulo na


direção dele — de todo modo, eu disse que era para mim.

— Agora estou mais tranquila — sorri.


— Finalmente! — César exclamou quando as nossas malas surgiram
após a quinta volta na esteira sem nenhum sinal delas.

Ele, como um homem prático, condensou todos os seus itens a uma


mala pequena, enquanto eu precisei de uma mala média para o fim de
semana. Já Celine... Bem, ela trouxe uma mala de mão e despachou duas
malas: uma grande e outra pequena. Era impossível que ela fosse usar todas
aquelas roupas que trouxe, não tínhamos dias disponíveis para ela usar os
itens das três malas.

César retirou todas as malas e me deixou com elas para ir ao banheiro.


Havia ligado meu celular assim que o piloto permitiu, ainda no avião, para
avisar aos meus pais que tinha chegado bem. Quando eu contei a minha mãe
que iria viajar, compartilhei apenas que iria na companhia de um amigo,
possível candidato a posto de namorado. Foi a melhor definição para o
momento. Todavia, isso serviu apenas para atiçar a sua curiosidade e ela me
bombardeou de perguntas sobre o eleito, mas fui evasiva e respondi, sorrindo,
que muito breve eles seriam apresentados oficialmente.

— Seu chocolate! — Celine estendeu o copo em minha direção e eu


fiquei sem reação, mas acabei aceitando.

— Obrigada — peguei o copo das suas mãos e nossos dedos se


tocaram, ela afastou os dedos como se o meu toque fosse mortal. Olhei para
os lados e nenhum sinal do César.
— Eu não envenenei você, Liz — disse em um tom debochado — nos
contos de fadas é a madrasta quem envenena.

— Nos contos de fadas, as mocinhas são doces e benevolentes e você


está longe disso — eu não ia cair nas provocações de Celine, mas isso não
significava que escutaria em silêncio todas elas.
— Em um ponto nós concordamos — ela sorriu e antes que eu tivesse
a oportunidade de recordá-la no que mais concordávamos, César juntou-se a
nós novamente.

— Seu tio acabou de ligar informando que chegou, vamos — ele disse
encarando a filha.
Celine pegou as duas malas menores e se afastou. César aproveitou o
momento para me dizer que seu irmão mais velho, João Antônio, insistiu em
pegá-lo no aeroporto mesmo sob seus protestos de que não precisava.

Dei de ombros e experimentei minha bebida quente, testando se não


havia nada diferente no gosto. Assim que alcançamos Celine, passamos pelas
portas automáticas do aeroporto e César se dirigiu ao homem de casaco azul.

— Quanto tempo... — Foi o cumprimento do irmão de César, seguido


por uma mão estendida. Eu esperei um abraço fraternal e mais calor naquele
cumprimento, mas nada além disso aconteceu.
— Tudo bem? — César apertou a mão estendida do irmão.

— Como você cresceu, Celine! — O homem disse de forma mais


calorosa para a sobrinha — tem o quê: três ou quatro anos, que vocês não
aparecem por aqui?

— Dois! — César corrigiu prontamente — e ela não mudou tanto


assim nesses dois anos.
— Já você, né pai? — Ela insinuou sorrindo e César fechou a cara.

— Ela está a cara da mãe, né César? — A mulher com cabelos


tingidos de loiro sorriu abertamente, mas não recebeu o mesmo sorriso de
volta — Celine trouxe uma amiguinha? — Ela se voltou para mim — prazer
em conhecê-la, eu sou a Tereza — a mulher estendeu a mão e eu paralisei
sem saber como sair daquela situação.

— Ela é a minha namorada — César, o meu salvador, tratou de


corrigir o mal-entendido.
— Muito prazer, Tereza. Eu sou a Liz — apertei a mão fria da
mulher e ela me deu um sorriso amarelado.

— Vamos andando que estão nos aguardando para o almoço — João


disse as palavras com rispidez e seguiu pisando firme em direção contrária. A
esposa seguiu seus passos logo atrás.

Se eu achava que o ar frio do Sul era desconfortável, deveria me


preparar para a tempestade que estava a caminho.
O trajeto até a casa dos pais do César foi realizado em profundo
silêncio. César sentou-se ao lado do irmão e coube a nós mulheres irmos no
banco de trás: Tereza entre Celine e eu. Minha ex-amiga estava concentrada
no celular, sua tia quase imóvel e a mim restou observar a paisagem pela
janela. O clima dentro do carro era tão frio quanto o do lado externo e eu não
sabia se os tremores leves no meu corpo eram ocasionados pela tensão ou
pelo frio da serra gaúcha.

Quando o carro estacionou em frente a uma casa de andar, com um


gramado verde na entrada, eu praticamente saltei do veículo. Um único
segundo a mais naquele jejum de palavras e eu teria morrido sufocada.
— Tem certeza que vieram passar apenas um fim de semana? —
Tereza indagou quando o esposo depositou a última mala na calçada.

— A Celine resolveu trazer todo o guarda-roupa — César justificou


sorrindo.

— A gente nunca sabe o que vai precisar, então melhor jogar tudo na
mala, certo? — Ela sorriu para a tia.
— Vamos ter que dar duas viagens para levar toda a bagagem para
dentro — João disse irritado.

— Eu posso levar a minha mala! — Me ofereci prontamente.

— Mulher não carrega peso na minha presença — dito isso, ele


segurou a alça da minha mala com a mão direita e a com a outra a maior mala
da Celine e andou até entrar na casa. A esposa e Celine seguiram seus passos
e eu fiquei ali parada sem saber se deveria segui-los ou aguardar o convite
para entrar.

— Está tudo bem? — César perguntou, enlaçando nossas mãos.


— Sim, só estou cansada — contei meia verdade.

Além do voo longo, na noite anterior eu quase não dormi, pois a


expectativa da viagem roubou o meu sono.

— Depois do almoço a gente vai para o quarto e descansa... Se bem


que eu tinha outros planos em mente — insinuou sorrindo.
— A gente sempre pode alterar os planos... — Sorri em resposta.

— Está pronta para conhecer os meus pais, querida namorada? — Era


a segunda vez que ele me chamava de namorada no mesmo dia e aquilo me
deixava perplexa, confesso.

— Não, mas se eu ficar mais um segundo aqui fora vou congelar —


dei de ombros.

— Eu não deixaria isso acontecer, tenho calor o suficiente para nós


dóis — suas mãos envolveram a minha cintura e eu senti o meu corpo
esquentar em resposta ao seu toque.

— Vamos entrar antes que eu me jogue sobre o filho e seja flagrada


pelos pais — me afastei antes que isso realmente acontecesse.

— Não tem como não gostar de você, Liz — disse com naturalidade.
— Não foi o que me disse depois do nosso primeiro encontro... —
lembrei.
— Era uma estranha invadindo meu quarto — justificou.

— Agora sou uma estranha invadindo a família — respondi


apreensiva.
Ele segurou meu rosto e olhou no fundo dos meus olhos:

— Não importa o que aconteça, Liz, você já faz parte de mim e nada é
capaz de mudar isso. Eu tentei.

— Vamos ver o que acontece se, por acaso, eu acabar colocando fogo
nessa casa linda.
— Não mate ninguém que eu compro uma casa nova — ele rebateu
sorrindo e eu gargalhei.

Assim que entramos na sala de estar meu sorriso diminuiu. Havia um


aglomerado de rostos desconhecidos voltados em minha direção. Todos os
tipos de olhares eram percebidos, desde os de surpresa até os de reprovação.
Eu me senti como um quadro numa galeria de artes sendo observado com
calma para que dessem opiniões diversas sem o menor critério de
conhecimento da peça.

Ao lado do João e da Tereza, estavam duas pessoas que, pela


familiaridade das características do rosto, a mulher deveria ser a irmã mais
nova do César, Maria Clara e o homem ao seu lado, o seu marido Cleomar.
Ao lado da filha, estava uma senhora de sorriso largo no rosto.

— Meu filho, que saudades! — ela tinha os cabelos totalmente


brancos e eu consegui notar de quem César herdou a cor dos olhos e o
formato da boca.

Clarice se aproximou com passos lentos e beijou o rosto do filho


afetuosamente.
— Você está mais magro ou é impressão minha?

Mães, eram todas iguais né? Só mudam o endereço.

— Eu estou me alimentando bem, mãe — César respondeu sorrindo.

— Quem é essa jovem bonita? — Ela perguntou com interesse e lá


estava eu novamente na posição de ser apresentada.

— Essa é a Liz, minha namorada.

— É um prazer conhecê-la, Liz — sorriu genuinamente e me trouxe


uma onda de alívio em meio a agitação.

— O prazer é todo meu — respondi educadamente.

— Você não avisou que traria uma namorada — a voz, masculina e


rude, captou os meus sentidos. Olhei em direção ao som e encontrei um
homem viril de cabelos grisalhos sentado numa poltrona bege, ele tinha um
cigarro em mãos.
— Eu queria fazer surpresa.

— E conseguiu! — O tom de voz dele deixava claro que ele era do


grupo de olhares irritadiços.

— Oi, Liz — Maria Clara se aproximou e me abraçou — seja bem-


vinda.
— Obrigada! — Sorri.

— Eu não ganho um abraço? — César indagou antes de receber o


abraço da irmã mais nova.

— Vamos almoçar, eu preciso voltar para a empresa! — O pai de


César informou e todos marcharam até a cozinha.
A mesa do almoço estava farta e muito apetitosa. Havia uma
infinidade de carnes nos mais variados tipos: costelinha ao forno, lombo
defumado, picanha. Além de uma grande diversidade de acompanhamentos,
como arroz carreteiro, vinagrete e batata assada.

A avó de Celine aproveitou a presença da neta e a encheu de carinho e


elogios. A conversa central da mesa girou em torno da celebração dos votos,
as mulheres falavam sobre o romantismo de se manter uma relação tão
duradoura e os homens apenas comiam em silêncio e foi nesse grupo que
permaneci até o fim da refeição.
Ao fim do dia a casa estava ainda mais movimentada: noras, netos e
amigos mais próximos da família apareceram para visitar César e Celine. Na
verdade, essa era uma justificativa para todos se reunirem em torno de uma
churrasqueira e beber um delicioso vinho.

César assumiu o posto de churrasqueiro contra a sua vontade, o pai


alegou cansaço e o irmão disse que estava ocupando com uma ligação
urgente ao celular. Eu tentei acompanhá-lo, mas as mulheres me convidaram
a ficar na área interna enquanto o churrasco era preparado. Celine estava com
um grupo de primas da sua idade e eu acabei deslocada, por isso permaneci
ao lado de Clara. Mas isso significava ficar próximo a Tereza e as outras
mulheres que fofocavam sobre a roupa e os preparativos da festa.
Não demorou muito para que esse assunto se dissipasse e a atenção se
voltasse para mim. Eu me sentia como se estivesse passando por uma
máquina da verdade, sendo bombardeada por perguntas e tendo as minhas
respostas analisadas.

— Onde vocês se conhecerem, Liz? — Clara quis saber curiosa —


amo histórias de primeiros encontros. Você sabia que meus pais se
conheceram na feira agrícola e jamais se desgrudaram?

— Claro que ela não sabe — a nora de Tereza, que não decorei o
nome, falou sorrindo — esse não é o assunto preferido dos homens e duvido
que César tenha compartilhado com ela essa informação.
— Mas e aí como vocês se conheceram? — Clara insistiu.

—Humm — hesitei — em uma festa dada pela Celine — respondi


depois de um tempo tentando organizar a minha resposta. Afinal, eu não
sabia qual seria a versão que César contaria.
— Então vocês já eram amigas... — Tereza concluiu e assenti em
confirmação.

— Eu não me imagino namorando o pai da minha amiga — a


namorada do filho mais velho de Clara afirmou — não consigo sentir atração
por um homem que tem a idade do meu pai.

— Pelo visto a Liz pensa diferente — Tereza insinuou. — Ele tem o


dobro da sua idade, né?
— Um pouco mais — respondi segurando a vontade de mandar cada
uma cuidar da própria vida.

— Desculpa a minha sinceridade, mas você não acha estranho? — a


sobrinha do César disse — ele mais parece o seu pai do que seu namorado.

— Não é nada estranho. Acredito que o amor não tem credo, idade ou
cor.

— O que importa é ser feliz — Clara confirmou.

Ficamos em silêncio por algum tempo e antes que eu levantasse e


saísse correndo do meio daquele bando de mulher enxerida, João gritou:

— A carne está pronta! — meu estômago roncou em resposta e eu


esperava que tivesse sido baixo, para não levar a fama de morta de fome
junto com a de Ninfeta.
A mesa de mármore da área externa foi ocupada rapidamente restando
apenas a cadeira ao lado do filho mais novo de Clara: Mário.

— É a sua primeira vez aqui em Caxias? — ele perguntou com


profundo interesse.
— Sim — sorri.

— Já visitou os lugares turísticos?

— Ainda não tive tempo.

— Se quiser um guia, estou de férias e com tempo de sobra — sorriu


abertamente.

— Obrigada.

— Por que você não se junta a gente no passeio de amanhã? Vamos


fazer uma trilha até a Cascata do Grutão. O lugar é foda!
— Vou falar com o César.

— Então... — Mário ponderou — é o que percurso até a cascata é de


trilha moderada. Não sei se ele tem saúde para essa caminhada.

— Quem não tem saúde? — César se aproximou sem que eu notasse.

— Eu estava convidando a Liz para conhecer a Cascata, tio.

— Espero que eu esteja incluído nesse plano — havia uma pontinha


de ciúme na sua voz.

— Claro — o menino gaguejou — eu só não convidei antes porque os


mais velhos preferem ficar em casa e descansar para a festa.
— Acho que prefiro ficar no grupo dos mais velhos — respondi
fitando César.

— Que coincidência, eu também — ele sorriu.


— Eu vou pegar mais uma bebida — Mário se afastou rapidamente e
César sentou no seu lugar.

— Sabia que deveria ter colocado uma coleira nesse pescoço com o
meu nome — perturbou — mas uma placa informando que você é minha vai
ter que servir.
— Está com ciúmes de um adolescente? — Arquei a sobrancelha —
Você esqueceu que eu prefiro a ala da terceira idade?

— Eu vou castigar você mais tarde pela piada insolente — avisou.

— Estou contando com isso — dei uma piscadinha e ele sorriu em


resposta.
Enquanto estava providenciando as passagens para viajar para a casa
dos meus pais, a ideia de levar a Liz surgiu em minha mente, como um sopro
leve. E, na medida em que cogitava a viabilidade daquilo, se transformou em
uma ventania. Não consegui reunir argumentos para me convencer de que
aquilo não era uma boa ideia.

Viajar com ela seria interessante, além de enxergar naquilo a chance


de uma aproximação entre ela e a minha filha, por isso comprei as passagens
e as coloquei em um envelope semelhante ao que mandei a inscrição da
academia. Liz me surpreendeu totalmente me contando a história de que
Silvio a tinha proposto um contrato de submissão.
Esta era uma das poucas hipóteses que não tinha passado pela minha
cabeça: Silvio querer ser o dominador da Liz. Com contrato para firmar a
relação e tudo o mais. Eu não fazia uso de contratos uma vez que não me
interessava nas relações para além das sessões esporádicas e havia deixado
isso claro para Liz no fim de semana em que passamos juntos. Isso não quer
dizer que não tenham homens e mulheres que usem as normas e estabeleçam
claramente, em um acordo, todas as regras da relação. Com certeza haveria
uma cláusula de exclusividade no texto que ele propôs, afinal, por que ele
faria questão de formalizar se não fosse para tê-la apenas para si?

O dia de hoje estava sendo bem intenso. Celine estava se


comportando bem, sem demonstrações de satisfação por viajar com Liz, mas
estava agindo feito uma adulta e não uma criança resmungona. Liz se
mostrou apreensiva durante o voo e, ainda mais, quando precisou interagir
com minha família. Tentei não demonstrar desconforto, mas estava nítido nas
caras e bocas do meu irmão e da sua esposa que aquilo tudo era um tremendo
erro. Meu pai agiu rigidamente, como sempre, sem dar uma opinião direta
sobre a situação. Minha mãe, pareceu surpresa, mas nos recebeu de braços
abertos e todos os outros pareciam analisar a nossa interação para descobrir o
que havia de tão interessante para unir duas pessoas com tamanhas
diferenças.
Ainda tinha o fato de ter que ficar de olho nos moleques que pareciam
comer com os olhos a minha namorada. Namorada. O título soava estranho
aos meus ouvidos e, um pouco mais, quando eu o proferia, mas não havia
uma palavra melhor para usar na frente da minha família.

— Enfim, sós — disse, quando tranquei a porta do quarto de hóspedes


— como se sente?

— Como se tivesse passado horas na cadeira elétrica — ela suspirou e


se jogou na cama.
— Não precisa ficar tão tensa, Liz — me aproximei da cama.

— Não sou uma pessoa controlada como você. Quando algo me


incomoda eu quero gritar e se alguém pisa no meu pé eu quero pisar de
volta... — ela confessou, fechando os olhos — isso é terrível, sou uma
criança mimada como você disse que eu era.

— Shhh — me deitei ao seu lado — eu me enganei. Se você fosse


essa criança mimada teria feito tudo isso, mas se conteve e se saiu muito
bem. A Liz que invadiu meu quarto teria mandado o João ir passear ainda no
aeroporto.

Ela riu.

— Só não mandei porque é seu irmão. E a mulher dele? Se não


estivéssemos na casa dos seus pais eu a teria feito ficar calada rapidinho —
dei risada sentindo o corpo dela relaxar.

— Você está no controle, Liz.


— Não estou, César, estou por um fio.

— O que posso fazer para ajudar você a relaxar? — passei a mão por
sua cintura.

— O que você quiser fazer...

— Não, Liz. Quando eu disse que você estava no controle era verdade
— fiz com que ela me encarasse — você manda, eu obedeço.

— Posso me acostumar com isso — ela abriu um sorriso sacana —


estou pensando se eu deveria me vingar, pedir uma massagem ou só te usar.

— Você precisa saber que vou obedecer às suas ordens, mas que
quando eu retomar o controle posso castigá-la.
— Hei, isso é chantagem! E vai acabar influenciando no meu controle
— reclamou antes de se sentar na cama.
— Tem que aprender a lidar com as variáveis, criança — instiguei
para irritá-la.

— Vamos começar parando de me chamar assim...


— Não é assim que funciona — rebati.

— Ok — ela respirou fundo e se aproximou — se me chamar de


criança de novo eu vou castigá-lo. Você não vai conseguir fazer xixi direito
se repetir isso, entendeu?

Arregalei os olhos diante da ameaça. Liz tinha jeito para aquilo e, se


eu fosse mais novo, provavelmente tremeria entre o medo e a ansiedade do
que ela poderia fazer quando eu desobedecesse.
— Tira a roupa e se deita na cama — ordenou — agora!

Fiquei de pé para obedecer a sua ordem. Abri o zíper do casaco preto


e o retirei, bem como a camisa preta que estava usando por baixo. O
aquecedor do quarto estava ligado, por isso as peças de inverno não fariam
falta. Minha calça foi descartada logo depois que tirei o tênis e as meias.

— O senhor fica uma delícia de cueca — o olhar dela percorreu meu


tronco e repousou na peça que restava.

— Você quer dizer “nada mal para a sua idade”? — levantei a


sobrancelha de modo questionador.

Era óbvio que eu não tinha o mesmo corpo jovem, sarado e super
definido, tal qual os caras com que Liz se já deve ter se envolvido. A
aparência de um homem passa por modificações com o tempo e, mesmo que
os julgamentos não sejam tão severos quanto era com as mulheres, todos
observavam quando seu cabelo passava a ficar grisalho, as marcas de
expressão se acentuavam e a pele perdia um pouco da sua elasticidade.
— Eu quis dizer exatamente o que disse — ela se aproximou e passou
a mão pelo meu peito — você fica uma delícia de cueca — a frase foi
encerrada quando ela alcançou meu pau — eu adoraria te mostrar o quanto
adoro quando você fica sem ela agora mesmo, me ajoelhando aqui, mas não
vou deixar passar a oportunidade que me deu. Trouxe gravatas?

A pergunta foi retórica, Liz se afastou e foi até o guarda-roupas onde


tínhamos colocado algumas das coisas que trouxemos na bagagem. Ela
escolheu a gravata cor de vinho e voltou até mim com ela nas mãos.

— Deite-se na cama.

Obedeci dando alguns passos até me jogar no colchão, subindo um


pouco mais para facilitar o que, com certeza, ela faria: amarrar meus pulsos
na cabeceira. Liz era atrevida e nunca perderia a chance de me manter preso
como já havia feito com ela tantas vezes.

— Você precisa dar um nó firme, mas na cabeceira nem tanto, já que


é a primeira vez e não queremos ter que destruir uma gravata minha com uma
tesoura, não é?
— Estou tão excitada com isso... — confessou, passando o tecido em
volta dos meus pulsos juntos.

— Eu imagino o quanto... Isso, agora de um nó aí — indiquei e ela o


fez com perfeição — agora você amarra a ponta na cabeceira e aproveita.

— Se eu soubesse que você me daria essa chance teria roubado umas


algemas e um flogger — confessou — ia adorar prender os seus pés e te bater
— Liz riu enquanto terminava de amarrar.
— Estou criando um monstro — respondi dando uma mordida de leve
em sua perna ainda totalmente coberta.
Com os pulsos presos, meus braços estavam esticados. Poucas vezes
eu troquei de lugar e estive nessa posição, me deixando dominar. Liz
precisava relaxar e com isso sua mente estava totalmente focada no que
queria fazer comigo.

Ela ficou de pé em cima da cama e sorriu ao observar sua obra de


arte. O sorriso que sustentava era genuíno, feito o de alguém que tinha
descoberto um tesouro secreto e poderia usufruir dele sem contar para
ninguém. Mas o sorriso mudou assim que ela desceu o olhar pelo meu corpo
e notou que minha ereção já dava sinais de vida.
Liz abriu o próprio casaco vermelho, descendo o zíper devagar. A
peça foi jogada no chão e então ela se dedicou a tirar a camiseta branca que
usava por baixo. O sutiã que ela usava parecia um top, mas era todo em renda
que se desenhava na pele como se fosse uma deliciosa tatuagem. Ela manteve
a peça enquanto jogava a calça longe. A calcinha, que fazia parte do
conjunto, era tão pequena que não deveria receber esse nome.

Liz deu uma voltinha para que eu visse que o fio se enfiava em sua
bunda desavergonhadamente, da mesma maneira que eu gostaria de fazer.

— Gostou? Eu escolhi cada peça para essa viagem — piscou.

— Maravilhosa — elogiei — mas eu gostaria de estar no lugar dessa


calcinha aí atrás — joguei e ela riu.

— Hoje quem decide onde você vai estar sou eu — lembrou —


enquanto decido vou colocar uma música, até porque se eu gemer não quero
que ninguém escute.

— Se?
— Quando — ela riu e desceu correndo da cama em busca do celular.
Não conhecia a música que começou a soar quando ela repousou o
aparelho bem próximo a cama.
Já é meia-noite
O lado esquerdo da minha cama só remete a nós dois
Hábitat natural da perdição
Daquele lado não cabia restrição, baby, ei
Eu fiquei na vontade, vem e fica até mais tarde
Eu 'to cheia de maldade agora, ahn, ahn, ahn
Vem chegando por cima, corpo a corpo,
Adrenalina, ahn, ahn, vai até de manhã

A melodia continha uma batida sensual e foi no ritmo dela, com o


quadril de um lado para o outro, que Liz retirou o sutiã, me dando a visão dos
seus seios. Ela passou a mão por eles e seguiu até chegar a calcinha. A peça
foi tirada devagar, enquanto ela continuava se remexendo sensualmente.
Com aquele beat que te faz tirar a roupa
'Cê perde a linha enquanto me deixa louca
Louca, tirando a roupa
Esse teu jeito me entorpece, você me merece
Bem louca tirando a roupa

Ela andou sobre a cama até chegar à altura do meu peitoral, colocando
uma perna em cada lado do meu corpo. Ainda se movimentando, Liz foi se
abaixando lentamente, até quase se sentar sobre mim.

— Quero que me sirva com a boca — o tom que usou foi um misto de
ordem e sussurro. Não passou despercebido que ela escolheu uma das frases
que usei para ordená-la.

— Sim, senhora — respondi louco de vontade de cumprir o que me


mandava.

Liz foi um pouco mais para frente, segurando na cabeceira de madeira


para descer até que minha boca pudesse alcançá-la. Abri a boca e deixei que
minha língua saísse para cumprimentá-la. Gosto de boceta sempre me deixou
louco. Não havia nada mais intenso do que ver e sentir uma mulher se
contorcer quando sua língua e lábios faz um bom trabalho. Naquela posição,
eu a sentia por completo: cheiro, sabor e textura. Liz se abria e se oferecia
para mim completamente. Sem as mãos, tudo que me restava era dar tudo que
minha boca pudesse proporcionar.
Lambi sua entrada molhada, fazendo sobe e desce, antes de tentar me
enfiar ali. Liz se mexeu, movendo o quadril um pouco mais para que seu
clitóris estivesse ao alcance da ponta da minha língua. Quando esteve, eu a
movi de um lado para outro, para cima e para baixo, fazendo com que a
mulher sobre mim gemesse. Liz se entregou completamente, esfregando a
boceta na minha cara, usando minha boca para fazer fricção. Eu adoraria estar
com as mãos livres para enfiar alguns dedos dentro dela, mas ao puxar os
pulsos notei que estavam bem amarrados. Ela rebolou ali, me lambuzando e
me fazendo ficar cada vez mais duro, até que decidiu parar.
Liz desceu pelo meu corpo, se esfregando contra ele, como se
quisesse me marcar inteiro com o cheiro da sua excitação. Quando ela chegou
em minha cueca cogitei a possibilidade de implorar para que ela se livrasse
logo do tecido e me enfiasse de uma vez entre as suas pernas.

Mas ela passou a se esfregar na minha ereção, de pernas abertas, me


impedindo de entrar por causa da maldita cueca.

— Liz...
— Hum? Não está gostoso assim?

Ela se esfregou desde a base até a ponta. Eu podia sentir sua pele
quente e escorregadia molhando o tecido e isso me deixava com mais
vontade ainda de rasgar aquela porcaria.

— Acha que eu consigo gozar assim? Me esfregando em seu pau...


Hum, é uma delícia.

— Garanto que é muito mais gostoso com ele dentro de você — gemi
— anda, Liz.
— Dá para sentir como estou quente? Caralho, César estou
pingando...

— Grrrrr.

Depois de me torturar mais um pouco ela baixou a peça preta, sem


tirá-la completamente. Ela se posicionou sobre o meu pau, levando-o com a
mão até a entrada.
— Não se mexa — ordenou — se você se mexer, juro que acabo
gozando com minhas mãos e deixo você só olhando.

— Porra, Liz!

— Olha, ele fala palavrão.


— Posso te xingar muito se a senhora quiser nesse momento.

Ela pincelou a entrada com a cabeça, arrodeando e provocando, sem


me deixar entrar.

— Diz...
— Safada!

— Você pode ser melhor que isso — ela afastou a boceta.

— Pequena vadia... — continuei.


Ela me levou até a entrada e deixou que a cabeça do meu pau
entrasse, mas se manteve firme.

— Está tentando ser educado, tio?


— Sua cadela, vai me pagar por isso. Vou te colocar de quatro e foder
o seu cu sem ter pena — soltei de uma só vez — e você vai implorar por
mais. Sabe por quê? Porque você é uma vagabunda, Liz. A minha puta.

— A sua puta — repetiu — a puta que manda aqui agora e a qual


você deve obedecer — ela se retirou novamente.
— Filha da...

Liz não me deixou concluir, se virou de costas rapidamente e desceu


sobre o meu pau de uma vez.

— Ahhh — gritei.
Ela rebolou, de costas para mim, jogando os cabelos para trás. Puxei
os braços para sentir os meus pulsos serem apertados pela gravata e me
distrair da sensação que já se acumulava nas minhas bolas. Porra, ela estava
deliciosa rebolando no meu pau, mas ainda não estava na hora de gozar.

Como se soubesse que tipo de pensamento eu tinha, Liz parou de


rebolar para se inclinar para frente, segurando no fim das minhas coxas.
Soube que meu fim estava próximo quando se apoiou nas próximas mãos e
passou a me foder. Ela me tirava quase completamente e se sentava de uma
vez. Uma, duas, três sentadas e eu já estava respirando fundo e gemendo
entredentes.

E então ela acelerou. Indo apenas até a metade e se batendo contra


mim.
— Caralho! Liz...

— Estou perto... Estou bem perto...

Fui de encontro a ela da maneira que podia, levantando o quadril para


tentar ir mais fundo. Liz não parou, manteve o ritmo em busca do orgasmo e,
para tal, soltou as minhas pernas e curvou os braços. Eu a imaginava tocando
os seios. Puxando os bicos, talvez. Ela tentava enviar uma nova descarga de
prazer para se misturar a sensação das estocadas.

Eu a senti se apertar e me preparei para ir junto.


Estava por um fio quando ela gozou, me liberando em seguida.
Acordei no dia seguinte sem a presença de César ao meu lado.
Espreguicei-me e, com a mesma lentidão de um gato que acaba de ser
acordado, permaneci em meio aos lençóis. O clima frio em contraste ao corpo
quente de César foram excelentes condutores de sono, além do sexo delicioso
que fizemos sob o meu controle.

Nem nos meus melhores sonhos eróticos um homem como o César


me deixaria dominá-lo. Sei que ele o fez porque se importa em como eu
estava me sentindo com toda a pressão do dia e isso só fazia tudo ser, além de
excitante, muito especial.
O meu celular vibrou no criado-mudo e estiquei o braço para pegá-lo,
provavelmente era o César me enviando uma mensagem. Todavia, não foi a
mensagem dele que me fez despertar abruptamente, mas sim o horário
indicado no celular: 10:30.

— Caralho! Eu dormi por dez horas ininterruptas? — Exclamei


e pulei da cama, dessa vez eu era um felino que escutou o som da ração sendo
colocada no seu comedouro.
Leão: Bom dia, bela adormecida.
Não te acordei porque estava parecendo um anjo
e nós sabemos que isso é raro rs.
Não estou ao seu lado porque estou indo a Porto Alegre buscar umas tias.
Desça e tome café. Sim, isso é uma ordem.

Eu: Você deveria ter me acordado.


Vou te perdoar por causa do “Bela Adormecida”.
Vai demorar?
Sorri para tela do celular enquanto aguardava a sua resposta. Os
ruídos vindos do corredor indicavam que toda a casa já estava acordada.
Precisava correr para me juntar logo a eles, antes que o meu sono se tornasse
alvo dos comentários do dia.
Depois do banho quente fiquei um tempo olhando as coisas que tinha
a minha disposição. Não sabia qual roupa vestir e, ao contrário da Celine, não
havia trazido todo o meu guarda-roupa na mala, afinal a maioria das minhas
roupas eram vestidos de tecido e shorts jeans incompatíveis com o frio do
inverno Sulista. Achei o macacão jeans longo, escondido abaixo dos cardigãs,
e uma camisa de gola alta preta. Peguei as duas peças e provei elas juntas,
substitui o chinelo de dedo pela bota de cano curto e gostei do visual criado
pela junção das peças. Hora de descer!

Na noite anterior, quando subi não prestei atenção no caminho até o


quarto, afinal César me distraiu com seus beijos. A casa dos seus pais ficava
localizada em um condomínio de luxo, daqueles em que as casas seguem uma
estrutura padrão de construção, a fachada da casa era de porcelanato e com
aço cromado o suficiente para você ter uma ideia do quão sofisticado era o
lugar.

César me confidenciou que os irmãos e ele foram criados em uma


chácara no interior da cidade. Na medida em que os filhos foram crescendo e
seguindo cada qual o seu caminho, a casa ficou vazia e eles resolveram
adquiri um imóvel na cidade. Além disso, os netos não curtiam tanto assim a
natureza.

A cidade possuía também a vantagem de ter proximidade com os


médicos e os filhos que moravam na região. Somente há seis anos eles se
mudaram definitivamente para a casa que moram atualmente, logo depois da
sua mãe sofrer um pequeno acidente doméstico. Ela subiu na escada para
pegar algo na parte superior do guarda-roupas e acabou se desequilibrando.
Naquele dia ela estava sozinha, pois o marido havia ido à cidade pagar contas
e o vizinho mais próximo estava a certa de 40 quilômetros. Clarice, que havia
fraturado o pé, se arrastou até a cama e quando conseguiu alcançar o telefone
na bancada solicitou auxílio ao filho mais velho. O episódio foi determinante
para a mudança de casa, eles realizaram algumas adaptações como rampas de
acesso, pisos antiderrapantes e barras de apoio na suíte do casal.

Além da estrutura da casa trazer mais conforto para o casal de idosos,


outro motivo para mudança era a segurança. Os Viana eram rigorosos e
atentos a segurança da família. Talvez por isso tivessem sucesso no ramo em
que atuam. O atual condomínio era monitorado vinte e quatros horas por dia.
Possuía câmeras de segurança nos locais de acesso compartilhado, além de
seguranças que rondam a região em carros, garantindo o acesso seguro ao
ambiente e impossibilitando a presença de invasores.

Segundo César, o empreendimento contava ainda com uma


infraestrutura completa de lazer: praças, piscinas, quadras poliesportivas,
quiosques com churrasqueiras, playground, além de um amplo salão de
festas. O lugar era arborizado e no paisagismo, algumas roseiras eram vistas
nas ruas do condomínio.

Ontem eu estava sob o efeito da tensão e não prestei atenção aos


detalhes, mas agora desacompanhada e sem olhares em minha direção, tentei
decorar o caminho para não me perder entre os cômodos.

Fomos acomodados na suíte e quando saí dela, segui pelo corredor até
a escada que continha os degraus em granito e corrimão em aço inox. A cada
passo que eu dava o burburinho de conversas aumentava.

Quando pisei o último degrau peguei meu celular do bolso frontal e


não havia nenhuma resposta do César. Respirei fundo e resolvi enfrentar mais
um dia. Eu estava um pouco mais familiarizado com o andar inferior,
primeiro nós encontrávamos a sala de jantar onde ocorreu o almoço e ampla
sala onde todos nos aguardavam quando chegamos. Ali embaixo havia
também a suíte dos donos da casa, o lavabo, o web space, que era um espécie
de sala de TV e jogos, o pátio com churrasqueira, o pergolado coberto e
quatro vagas de garagem. E o espaço mais importante de toda residência: a
cozinha. E foi para ela que segui, mas para isso era preciso atravessar a sala.

A sala era ampla e com decoração minimalista, tons pasteis e brancos


decoravam o ambiente. O que despertou a minha atenção foi o tamanho do
lugar, naquela sala caberia perfeitamente o apartamento que eu dividia com
as meninas e ainda sobraria espaço. A cada passo dado a sala parecia mais
distante do fim e o cheiro da comida já inundava os meus sentidos. As
pessoas não iriam estranhar se eu acelerasse um pouquinho os passos até
chegar a cozinha, né?
— Você pode me ajudar com essas flores? — uma mulher grávida
depositou o vaso em meus braços antes da minha resposta e afundou no sofá
— essa barriga parece roubar todo o meu fôlego — ela disse um tempo
depois.

— Posso imaginar...
— Você tem filhos? — Ela acariciou a barriga avantajada.

— Não.

— Então você não sabe de nada! — ela sorriu alto — você não sabe
quanto carregar um bebê dentro de você é exaustivo, tá vendo essa minha
respiração ofegante? — assenti — é ocasionada porque andei da garagem até
a sala. Eu costumava praticar tênis... — a mulher falava rápido e o sotaque
gaúcho tornava o monólogo difícil de acompanhar. — Tchê, desculpa a
minha falta de noção. Eu sou a Tici, esposa do Cláudio — se apresentou e
tentei organizar rapidamente a árvore genealógica do César, mas demorei
para estabelecer as ligações. — Você é nova na família, né? — Ela sorriu e
sorri de volta — Cláudio é filho da Clara e do Cleomar.
— Claro, conheci eles ontem, junto com o Mário. Eu sou Liz.

— A namorada do César! — Ela completou rapidamente.

Tici se levantou com dificuldade e esperei que ela estendesse a mão


como cumprimento, mas me envolveu em um abraço afetuoso.
— É um prazer conhecê-la.

— O prazer é todo meu — respondi com sinceridade.

— Cláudio e eu estávamos prontos para vim jantar com vocês, mas


eu estava nauseada e o carro em movimento iria aumentar. Esse piá —
apontou para a barriga— está deixando a mamãe maluca, né filho?
— Amor, eu disse para você esperar para trazer as flores — o homem
branco de olhos azuis como o oceano se aproximou e voltou sua atenção para
Tici, deveria ser o tal Cláudio — desculpe, não vi que estava acompanhada.
Bom dia! — Ele sorriu.

— Bom dia!
— Amor, eu duvido tu adivinhar quem é essa guria? — Ela indagou
animada para o marido. Ele me estudou por alguns segundos.

— Memória não é o meu forte, desculpe — respondeu desconcertado


— mas deve ser alguma prima distante que apareceu para a festa.

— Errou feio! — A esposa sorriu — Ela é a Liz! — Eles trocaram


olhares como se quisessem dizer: “A namorada novinha do César que
ninguém sabia existir”.
— Prazer, Liz! — exclamou — ouvi falar muito de você — sorriu e
estendeu a mão.

— Eu já quero ser amiga dela — Tici enlaçou seu abraço ao meu —


ela é do Nordeste amor, não seria tri legal passar as férias lá?

— Seria — o marido concordou animado — mas você vai acabar


assustando a Liz com essa sua animação.
— A guria aqui é tri louca, mas tem um bom coração tá, Liz? Quero
saber o que tem de bom na sua cidade, as praias, as comidas...

Eu queria guardar aquele casal em um potinho. Eles foram fofos,


engraçados e anfitriões de primeira. Enquanto os outros estavam envoltos nos
preparativos da festa, eles me guiaram até a cozinha e se juntaram a mim no
café da manhã tardio. Tici, que era apenas dois anos mais velha que eu, me
ensinou algumas expressões gaúchas e me fez cuspir o café enquanto ria
quando me contou que o pão jacó, que alguns chamam de francês, era
cacetinho no sul. Ela não me contou simplesmente, ela me olhou séria e
soltou:

— Liz você pegou o maior cacetinho da casa — foi o suficiente para


o meu lado moleca vim à tona e gargalhar. Não tenho culpa se a minha
mente fértil achou engraçado a conotação de cacetinho.
Quando eles se despediram após o almoço eu lamentei
profundamente. César ainda não tinha retornado, mas havia respondido a
mensagem e dito que estava a caminho e já com saudades.

As mulheres se reuniram em um dos quartos após o almoço. O local


se transformou em um espaço de beleza. Clarice informou que os
maquiadores e cabeleireiros eram para todos e se eu desejasse poderia
usufruir dos serviços, agradeci o convite e não descartei completamente a
ideia. Afinal, as minhas noções de maquiagem eram básicas e incluíam
apenas base, pó, lápis e a aplicação irregular do traço do delineador.
Entretanto, não me juntei ao grupo de mulheres no primeiro momento, fiquei
na área externa do fundo da casa, acompanhando a movimentação dos
decoradores preparando o local onde aconteceria a renovação dos votos.

Clarice acompanhava de perto a arrumação e comandava a equipe de


funcionários, tudo numa voz suave, mas com autoridade. Assisti quando
ofereceu ajuda para a funcionária que confeccionava os pequenos buquês que
decoravam as cadeiras, a mulher agradeceu a ajuda, mas Clarice insistiu até a
outra não ter alternativas e ensiná-la o passo-a-passo da elaboração.
Quando César apareceu, tive vontade de me atirar nos seus braços e
não o soltar nunca mais. Porém, nem que se quisesse poderia atender aos
meus instintos, uma vez que seu pai estava ao seu lado com cara de poucos
amigos. Por isso, apenas demonstrei que senti falta do meu namorado quando
retribuí o abraço forte que me deu, momento em que sussurrou um pedido de
desculpas por me deixar sozinha. E, mais uma vez desde que chegamos,
alguém nos afastou. Dessa vez foi o pai que pediu ajuda para mudar a caixa
de som de lugar.

— Vá para o quarto e me aguarde sem roupa! — A ordem foi


sussurrada ao meu ouvido antes de seguir para atender o pedido do pai.
As minhas pernas se moveram como se tivessem vontade própria e
caminharam rapidamente a caminho da suíte. A excitação acordando cada
músculo do meu corpo e enviando uma mensagem direta para o meio das
minhas pernas.

— Ela tem idade para ser filha dele! — A frase vinda do quarto no
qual as mulheres estavam soou alta pelo corredor.

Tentei não prestar atenção, ainda que eu fosse o assunto principal.


— Esse nem o maior problema — uma voz feminina rouca completou
— é tão claro quanto dois e dois são quatro que a ninfeta está com ele pelo
dinheiro. César é um excelente partido: viúvo, rico e bonito. Um alvo fácil
para as mulheres interesseiras.

Não me oponho ao fato do meu cunhado construir uma família


novamente — reconheci a voz de Tereza — todo homem precisa de uma
mulher em casa para ajudar na criação dos filhos. A mulher sábia edifica o
lar, mas não uma pistoleira qualquer.

— A gente não pode sair por aí julgando as pessoas com base em


impressões — Clara discordou — talvez, a Liz realmente ame o César.
— Você acredita mesmo nessas palavras, tia? — A voz era da Joice,
filha de Tereza — se ele fosse um pobretão você acha mesmo que ela iria
sequer olhar para ele?

Sim, eu iria! Se nosso primeiro encontro tivesse sido em uma estação


de metrô seria igual.
O que ninguém ali sabia era que me apaixonei pelo César e não por
seu dinheiro, carro ou status. Se estava ali, enfrentando a sua família, era
porque eu o amava e pouco me importava o que pensavam ao nosso respeito.
Mas isso não significava que as palavras não causassem dor em mim. Eu
estava sendo julgada precipitadamente e por causa da minha idade.

— O que será que ele viu nela? — Tereza questionou e uma


gargalhada alta acertou em cheio as minhas emoções, derrubando a barreira
que ergui desde que pisei o pé nessa cidade.

— Juventude e fogo, com certeza! — Alguém gritou — a novinha


deve satisfazer ele na cama.
— Mas e daqui a alguns anos quando a libido diminuir e ele começar
a sentir dores nas articulações? Será que a mesma que dá prazer cuidará dele?

— Eu duvido muito! — Alguém rebateu prontamente.

— Ok, já chega — a voz doce da Clara soou feito um trovão e


silenciou todos — mamãe jamais aprovaria que vocês se referissem a um
convidado dela desse jeito.
Toda aquela confusão de vozes e acusações me atingiram sem que eu
esperasse. Não tive energia para entrar lá e mandar todas elas calarem as
malditas bocas. Era como se um buraco tivesse sido aberto sob os meus pés
que me puxasse para baixo sem que eu tivesse forças para me agarrar em algo
e evitar a queda. Uma lágrima após a outra deram início a um choro sem que
eu conseguisse impedi-lo. Meu mundo parecia girar e tudo que eu mais
queria era a minha casa e o abraço da minha mãe.

Minhas pernas obedeceram ao comando do cérebro e comecei a me


afastar, tropeçando nos meus próprios pés. Não sabia explicar como consegui
passar correndo pela escada sem cair, mas quando pisei na sala de estar
avancei pela porta de entrada, em busca de liberdade. A respiração ofegante
se juntou às lágrimas quando cheguei ao lado de fora, mas não diminuí os
passos até estar longe de todas aquelas fofoqueiras desgraçadas.

Segui sem rumo, rua após rua, pelo condomínio. Em algum momento
cheguei ao playground, que por sorte estava vazio. Abri a pequena porta de
madeira e adentrei no ambiente, passando pelos escorregadores, balanços,
gira-gira e gangorra. Avistei uma casa na árvore ao fundo e caminhei
lentamente até ela, quando me dei conta, estava subindo os degraus de
madeira que davam acesso ao lugar. Tal qual uma criança que vê nesses
ambientes um abrigo, achei um esconderijo dos adultos.

Precisei me abaixar para passar pela porta e, assim que as minhas


mãos tocaram o assoalho de madeira, ouvi o som que parecia o choro contido
de um filhote. Aquilo despertou os meus sentidos.

— Tem alguém aí? — Perguntei, mas não tive resposta a não ser um
choro baixinho.
O lugar não era dos menores, por isso fiquei de pé, dava para umas
quatro crianças brincarem de correr ali dentro. As janelas estavam fechadas,
por isso a luminosidade era baixa. Usei a lanterna do meu celular para
verificar os cantos, quando criança eu temia a escuridão e nada mudou pelo
visto. A luz forte iluminou o ambiente e, para a minha surpresa, não foi um
filhote encolhido que meus olhos avistaram, mas a Celine abraçada ao
próprio corpo. Ela parecia tão triste quanto um cachorro de rua abandonado
na chuva, todo o seu corpo tremia enquanto chorava.
— Desculpa aí, não sabia que você estava aqui — desviei a lanterna
da sua direção e me preparei para fazer o caminho de volta, mas a voz dela
me parou.

— Pode ficar se quiser... — disse com a voz chorosa — mas já


adianto que esse é o esconderijo para quem está na merda.
— Então, acho que encontrei o meu lugar — sorri tristemente e
desliguei a lanterna.

Sentei-me do lado oposto ao dela e recostei a cabeça na parede de


madeira. Ficamos em silêncio por vários minutos.

— Eu encontrei meus avós maternos hoje — Celine rompeu o silêncio


e instintivamente virei o corpo em sua direção — fazia muitos anos que eu
não os visitava e estar na presença deles me levou até a minha mãe —
silenciou por alguns segundos e fiquei na dúvida se ela concluiu a frase ou se
arrependeu de falar comigo.
— Passei pela casinha que costumávamos ficar nas férias e estava
tudo igual, o balanço de madeira na varanda, a árvore com um coração e as
iniciais do nome dos meus pais, feito com uma faca, pela minha mãe... — Era
a primeira vez que eu ouvia mais do que duas frases curtas sobre a esposa de
César — não precisei fechar os olhos para me transportar para o passado e
enxergar o meu pai brincando comigo no quintal enquanto a minha mãe
registrava os momentos com uma câmera.

— E estar aqui é me conectar com a minha mãe, sabe? — assenti


mesmo sem saber se ela estava vendo ou não — precisei viajar quilômetros
para lembrar de quem eu sou e da mulher que me ensinou tudo o que eu sei
sobre o amor e a vida — Celine chorou um pouco mais. — A primeira vez
que fui ao teatro, pelo menos é a que me recordo — ela sorri — foi com a
minha mãe. Ela me levou para assistir Saltimbancos, a apresentação era
baseada na canção História de uma gata, de Chico Buarque, eu não lembro
muito sobre a peça, mas a música jamais saiu da minha cabeça. Todas as
noites eu fazia a minha mãe cantar antes de me colocar para dormir. Eu
queria aprender a letra — ela sorriu — O refrão era minha parte favorita.

Celine cantarolou mesmo com a voz embargada pelo choro:


Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás

— Eu fui compreender o real significado dessa canção, que tanto


mexia comigo, anos depois — ela fez uma pausa longa e o único som naquele
momento era o característico do choro compulsivo — eu tinha acabado de
completar doze anos quando os meus pais me deixaram faltar a aula para
ficar em casa. Eles sempre foram rígidos em relação à educação e o único
motivo para faltar à escola era doença. Mas eu não estava doente naquele dia,
Liz — um soluço escapou dos lábios e eu não sabia precisar se havia sido dos
dela ou dos meus.

Celine rastejou em minha direção e segurou a minha mão. Não me


afastei do seu toque, pelo contrário, segurei firme em resposta.

— Meus pais foram didáticos e explicaram que um caroço do


tamanho de uma laranja havia feito morada na barriga da minha mãe e que os
médicos iriam combater aquele invasor com remédios fortes. Isso deixaria a
mamãe indisposta e cansada por algum tempo, mas a vovó estava vindo do
sul para ajudar a mamãe nesses dias...
Não, não permita que o que eu esteja pensando seja verdade.

Repeti essa frase algumas vezes em minha mente como se ela fosse
mudar a história.

— Eu só fui entender a gravidade do que tudo aquilo significava três


meses depois, quando minha avó me levou para visitar minha mãe no
hospital. Eu passei a semana insistindo com o meu pai que queria ver a
mamãe, queria contar a ela sobre o garoto que me enviou uma cartinha
apaixonada. Aquelas coisas que a gente não compartilhava com o pai. Eu
estava ansiosa quando cheguei, lembro que a minha mãe usava um lenço
branco na cabeça. Lembro também do enorme sorriso que surgiu nos seus
lábios quando me viu passar pela porta do quarto. Ela fez sinal para que eu
me aproximasse ainda mais, já que eu tinha ficado paralisada com o número
de fios e aparelhos presos ao seu corpo. Ela tirou a máscara de oxigênio, sob
os protestos do meu pai, e me pediu um abraço. Minha mãe me abraçou forte
e eu não reclamei quando os ossos começaram a doer — ela fungou antes de
continuar — não sei como, mas a canção que havia tornando a nossa trilha
sonora preencheu aquele lugar e ela me soltou, pedindo que eu me sentasse
ao seu lado na cama. Seus braços voltaram a me abraçar e ficamos ali
curtindo aquele momento. Daquela vez, mamãe não interpretou a canção, a
sua voz estava rouca e ela apenas conseguiu cantar alguns trechos, ofegando
entre as frases. Quando a música terminou, ela disse que eu era igual a gata
da história: livre. Livre para escolher qual caminho seguir e que o consultor
que me ajudaria a saber se eu tomei a decisão correta seria o meu coração.
Lembro que ela levou a mão até o meu coração e disse: “Eu estarei sempre
com você.” A minha mãe estava se despedindo, Liz — ela soluçou e eu a
abracei, pois na falta de palavras deixei que o meu abraço dissesse tudo que
eu não conseguia verbalizar.
As lágrimas que escorriam dos meus olhos agora nada tinha a ver com
o que eu tinha vivido há pouco. Elas eram de dor pela menina que perdeu a
mãe. Pelo marido que perdeu a esposa e por todo o sofrimento que aquela
mulher deve ter passado ao saber que teria que deixar a família.

— Se a mamãe estivesse aqui talvez tudo fosse mais fácil. Ela sentaria
comigo e escutaria todos os meus medos e desejos sem julgamento, estou tão
confusa e metendo os pés pelas mãos...
— O seu pai te ama, Celine e tenho certeza que ele não julgará suas
escolhas.

— E se eu acabar o decepcionando? — ela me encarou chorando.

— Duvido muito que isso aconteça, ele é louco por você. Te ama
mais do que tudo. Basta ver a forma que os olhos dele brilham quando fala de
você.
— Os olhos dele brilham ainda mais quando você está por perto e isso
só aumenta quando ele fala de você para os amigos e parentes, notei desde
que chegamos. A forma como ele tem se comportado transmite uma
felicidade genuína. O meu pai é um homem de poucas palavras, mas as suas
ações revelam muito e ter você aqui, no seio familiar, é muito importante
para ele.

— Mas nem todos pensam assim... — Confessei com um aperto no


peito.

— Eu posso imaginar e lamento profundamente pela forma que tratei


você, Liz. A raiva de descobrir que vocês mentiram para mim durante todo o
tempo me cegou e eu acabei me tornando o que eu mais abomino: uma
pessoa hipócrita que sai por aí julgando e atacando os outros. Justo eu que
tenho teto de vidro. Você perdoa essa sua amiga cabeça dura e idiota?
— Só se você prometer que nunca mais vai bancar a bruxa má —
enxuguei as lágrimas e sorri.
— Serei uma boa filha, madrasta — ela perturbou.

— Nada de madrasta, seremos amigas como sempre fomos.

— É uma sabia escolha. Parece que a gente acabou de sair de uma


maratona de filmes do Nicolas Sparks — ela apontou para o meu rosto e se o
que eu via no rosto dela se repetia no meu, nem toda a maquiagem do mundo
disfarçaria os olhos e o nariz vermelho de quem passou os últimos tempos
chorando.

O celular começou a tocar e iluminar o ambiente.

— É o meu pai, ele deve estar preocupado porque não retornei as suas
mensagens — informou antes de atender — Oi, pai... A Liz?
Ela olhou para mim e a culpa me atingiu em cheio. Eu havia
desaparecido sem avisá-lo. Celine escutou atentamente o que o pai falou e
deixou escapar um palavrão ao final.

— Só um minuto, pai — ela silenciou a chamada e se voltou para


mim — ele soube agora pela tia Clara o que aconteceu e está preocupado com
você. Quer que eu diga que está bem?

— Eu mesma falo — estendi a mão e ela me passou o telefone. —


César... — Ele respirou fundo ao ouvir a minha voz.
— Onde você está, Liz?

— Estou com a Celine, está tudo bem.

— Não está nada bem — rebateu, irritado — as pessoas não podem


sair por aí falando o que bem entendem de você e esperar que eu haja com
tranquilidade. A Clara me contou que viu você descer as escadas correndo
após ouvir ataques de ódio gratuito. O único motivo pelo qual não arrumo as
minhas coisas agora e vou embora, são os meus pais. A minha mãe não
merece que um dia tão importante quanto esse seja estragado, mas assim que
a cerimônia acabar vamos embora. Está decidido!

— Calma, amor. Eu vou retornar para casa e a gente conversa.


— Não me peça para ter mais calma, Liz. Eu vi a indiferença com que
eles trataram você e não vou permitir que isso se repita novamente...

Uma parte minha ficou feliz em saber que ele se importava comigo ao
ponto de me defender, a outra preferia que ele não se indispusesse com a
família.

— Agora, me diz logo onde vocês estão, antes que eu faça um buraco
na sala de tanto andar de um lado para o outro — ordenou com aquele tom
bravo que me fazia tremer e esquentar ao mesmo tempo.
— Onde estamos é segredo — sorri para Celine — nos aguarde na
entrada, já estamos voltando. Beijo — encerrei a ligação antes que ele
pudesse se despedir.

— Vamos antes que o seu pai mande a polícia em nossa busca.

— Eu não duvidaria que ele fizesse isso — sorriu, enxugando


qualquer resquício de lágrimas.

Nós descemos as escadas e andamos de volta em silêncio, nada mais


precisava ser dito.

— Liz — ela me chamou quando chegamos na rua da casa dos avós


— os meus tios e demais parentes não a conhecem, não sabem a mulher
íntegra e leal que você é. Não conhecem o lado divertido e o coração
generoso que você tem. Não sabem a amiga confidente e amorosa que você é.
Mas eu sei de todas as suas facetas, sei que você é a pessoa que eu posso
contar para esconder um corpo e, somente após a gente se livrar do defunto,
você perguntará o que aconteceu. Não deixe que o que eles pensam sobre
você afete o seu relacionamento com o meu pai. Fui idiota e ciumenta, mas
quero que saiba que a minha aprovação você já tem — piscou para mim.

Não tive tempo de responder, César vinha andando a passos largos e


firmes em nossa direção.
— Eu vou matar as duas! — informou há alguns passos de nós, mas
assim que se aproximou, ele nos envolveu em um abraço apertado — não me
deixem tão desesperado. Amo tanto vocês que quase perdi o ar quando as
duas sumiram.

E, naquele momento nada mais importava.

César me amava e a sua filha apoiava a nossa relação.


O que mais eu poderia querer?
Assim que as duas surgiram no meu campo de visão eu fiquei calmo.
Elas juntas era o que faltava para acalmar o meu coração. Primeiro, foi a
Celine que não respondeu as minhas mensagens, sua última mensagem
informava que, após o passeio com os primos na cascata, iria encontrar os
avós maternos e desde então não havia dado nenhuma notícia. Depois, foi a
Liz que eu esperava encontrar nua no quarto e não havia nenhum sinal dela.
Não havia sinal seu em nenhum dos cômodos, foi quando encontrei a minha
irmã e ela me disse que a última vez que viu Liz, ela estava descendo as
escadas apressadamente e parecia desorientada.

Questionei o motivo e Clara me confidenciou que ela deveria ter


escutado Tereza e as demais mulheres falando mal dela. Deixei escapar um
palavrão e vociferei que se algo acontecesse com a Liz elas iriam se
arrepender profundamente de ter um dia cogitado a ideia de ofendê-la. Para o
bem de todos, Celine e Liz retornaram para casa, juntas e sorrindo, ainda que
os olhos vermelhos indicassem que estiveram chorando nas últimas horas.

Assim que entramos, ela e Celine solicitaram o maquiador e o


cabeleireiro e os dois homens seguiram para a minha suíte com suas maletas
de pincéis e secadores. Deixei a suíte livre para elas e fui me arrumar no
quarto que a Celine ocupava, quando retornei para o quarto o homem
finalizava a aplicação de um batom vermelhos nos lábios da Liz e eu contive
a vontade de dizer que ele não duraria muito tempo, pois eu planejava beijar
aqueles lábios infinitas vezes naquela noite.

— Você está bem, Liz? Eu vou entender perfeitamente se você quiser


embora — Repeti igual um disco arranhando que se Liz quisesse ela não seria
obrigada a confraternizar depois de tudo que aconteceu.

— E perder a chance de chocá-los por mais algumas horas? — Ela


lançou um olhar divertido para Celine que também sorria — não, obrigada.
Chegou nossa vez de nos divertir e pela quantidade de espumantes e pró-
secos que eu vi, a noite tem tudo para ser animada.

— Conte comigo para isso, Liz! — Celine sorriu abertamente e eu


não sabia se sorria pela cumplicidade ou temia pelos efeitos que aquela
aliança poderia provocar.

— Duas prendas, lindas! — O maquiador bateu palmas animadas para


as duas.

— O senhor é um homem de muita sorte! — O cabelereiro exclamou


e prendeu o último grampo na trança que prendia os fios longos da Celine —
Estará acompanhado das mulheres mais lindas e engraçadas nessa noite.

— Eu não chamaria isso de sorte — sorri — você acaba de me


lembrar que preciso estar bem atento essa noite.
— Sai fora, pai! — Minha filha exclamou — não quero você como
uma segunda sombra. Já basta na minha adolescência, ele parecia o meu
carcereiro, Liz.

— Eu posso imaginar — Liz gargalhou — conte comigo para distrair


o seu pai e deixar o caminho livre para você.
— Eu já disse que te amo? — Celine a abraçou.

— Vamos, antes que eu mude de ideia e como um carcereiro real


mantenha as duas presas no meu cativeiro improvisado — as duas
arregalaram os olhos e eu gargalhei quando aceitaram prontamente o braço
que eu oferecia. Celine enlaçou o seu braço ao meu esquerdo e Liz, ao
direito.
A renovação de votos contou com a presença de um padre que
discursou sobre o amor e a sua benevolência. Quando o padre saiu de cena,
meu irmão mais velho discursou sobre a importância da família e o quanto
bases sólidas de amor e união sustentavam um casamento. Eu, geralmente,
assistia aos discursos enquanto bebia sem prestar muita atenção no que fora
dito, mas dessa vez eu não podia permanecer indiferente. Não quando ele
pregava um discurso de amor e semeava discórdia.

— Onde você vai? — Liz indagou quando pousei a taca vazia com
força na mesa.
— Você vai descobrir — segui em direção ao centro onde meu irmão
estava e comecei a bater palmas fortes, ele me olhou sem entender nada,
afinal o discurso não tinha chegado ao fim.

— Se me permitem interromper o meu irmão eu também tenho


algumas palavras para compartilhar com vocês — os olhares estavam todos
atentos — o que é o amor? Para alguns é um sentimento indecifrável, para
outros uma necessidade irrefreável de estar junto a todo momento. Para os
meus pais é respeito e, acima de tudo, lealdade. Vocês já devem estar
cansados de ouvir a história de como eles se conheceram e o quanto eles são
amigos. Por isso, vou compartilhar um pouco da minha história de amor com
a Liz — os olhares dos pais de Luciana, avós de Celine e amigos da família,
encontraram os meus e me fizeram recordar de todas as vezes em que ela
esteve ao meu lado nessas celebrações, com um sorriso doce e uma
gargalhada única.

Depois da minha esposa houve um hiato em todos os sentidos na


minha vida, eu sentia falta da minha companheira e estar ali, ano após ano,
celebrando o amor não tinha mais um significado especial. Até a Liz aparecer
e ressignificar o meu mundo.
— Eu estava em uma fase serena da vida, como as águas do rio
Taquari, quando a Liz surgiu com toda a sua juventude e vontade de viver a
vida... — comecei.

Havia cerca de sessenta pessoas presentes, entre amigos e parentes,


mas nenhum deles detinham a minha atenção. Ainda que eles fossem o
pontapé inicial que me levou até aquele momento, o principal motivo de
confessar os meus sentimentos publicamente tinha um metro e sessenta e
oito. Mas parecia infinitamente maior quando impunha as suas vontades e
desejos. Ela, que no auge dos seus 21 anos me enfrentou de igual para igual,
me ensinou que não temos controle sobre os nossos sentimentos,
principalmente sobre o amor. E é nela que os meus olhos estão fixos. Mesmo
distante podia enxergar o brilho do seu olhar e as lágrimas que molhavam o
seu rosto, se contrastando com o enorme sorriso estampado nos seus lábios.

Ah, se ela soubesse o quanto aqueles lábios me dominam. Lábios que


me levaram ao prazer infinitas vezes, mas também me irritaram na mesma
proporção. Talvez, ela saiba. Com toda certeza, ela sabia que eu fui seu desde
a primeira resposta atrevida.
— O que um homem de cinquenta anos tem a oferecer a uma mulher
de vinte anos? Vocês podem se perguntar, afinal eu também não tenho essa
resposta. Mas eu descobri rápido o quanto a jovem Liz tinha a me oferecer.
Ela trouxe cor e humor aos meus dias, me ensinou a ser mais tolerante,
paciente e, principalmente, a compreender que o amor não tem regras.
Dei uma pausa antes de continuar:

— Eu sei que estou sendo prolixo, mas queria que vocês


compreendessem que o meu amor e o de Liz está fechado para comentários
maldosos, insinuações ofensivas e piadas de mau gosto — fitei o meu irmão
que agora estava ao lado da sua esposa e filhos, Tereza desviou o olhar e
fitou chão quando a encarei — aconselho que se acostumem a ver a Liz ao
meu lado, pois esse é o seu lugar! — Peguei a taça de espumante do garçom
que passava e ergui para um brinde. — Mãe, pai que o amor de vocês se
multiplique e faça morada nos nossos corações e que todos descubram o
quanto antes o amor genuíno, aquele que você pode ser quem você é sem
status, dinheiro ou títulos. Que todos encontrem alguém que dispa não
somente a sua roupa, mas a sua alma.
— Viva o amor! — Minha filha exclamou com a taça erguida.

— Viva! — Ticiane, esposa do meu sobrinho Claudio, puxou um


aplauso e logo outros se juntaram aos seus.

Dentre eles, os aplausos da minha mãe que me fitava com carinho e


lágrimas nos olhos. Meu olhar encontrou o de Liz que sorria radiante. O “eu
te amo” suspenso no ar foi dito ao mesmo tempo com um mover de lábios.
Dei o primeiro passo para encurtar a nossa distância e Liz fez o mesmo. Ela
caminhava apressadamente em minha direção e quando nos encontramos
nossas bocas buscaram uma a outra com sofreguidão. Como se a nossa
existência dependesse daquele beijo, nossas línguas entraram em sintonia na
ânsia de arrancar do outro o fôlego e despertar cada músculo do nosso ser.
Liz, que havia pousado as mãos ao redor do meu pescoço, apertou a minha
nuca quando as minhas mãos diminuíram ainda mais a nossa distância,
puxando o seu corpo contra o meu.
— Mas, bah tchê! — Um dos meus sobrinhos gritou e nossos lábios
se afastaram sorrindo.

— É tri legal que chama, né? — Liz indagou sorrindo, recuperando o


fôlego.
— É massa! — Usei a expressão muito utilizada em Aracaju para
expressar algo muito bom.

— Depois dessa o título de cidadão sergipano é seu — ela sorri —


porque o título de dono do meu coração já era seu há muito tempo. Eu sou
sua, meu senhor! — Liz sussurrou no meu ouvido.

— A minha vontade nesse momento, como o seu senhor, é de levar


você em meus braços até a suíte e amar você lentamente por horas a fio.
— Eu não me oporia... — sua voz estava rouca, tomada pelo
desejo.

— Temos uma noite inteira pela frente — informei e ela deixou


escapar um suspiro — agora vamos escandalizá-los com mais demonstrações
pública de afeto?

— Claro — Liz aceitou a mão estendida — afinal não sei quando


teremos uma oportunidade de esfregar na cara deles o nosso amor.

Caminhamos até a pista de dança montada para a festa. Nela alguns


casais já se moviam lentamente, no ritmo da canção. Entre eles estavam os
meus pais que sorriam um para o outro envoltos na própria bolha de amor.
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai
Cantarolei a canção ao pé do ouvido da Liz.

— Se você continuar cantando sedutoramente vou acabar pisando no


seu pé...
— É um risco que vale a pena correr — sorri e rocei os meus lábios
no seu pescoço.

— Puta que pariu! — Ela exclamou e eu gargalhei. — Você me pede


para esperar para mais tarde e fica me atiçando?

— Eu nunca disse que jogava limpo — rodopiei.


No refrão, sua voz se juntou a minha. Liz passou os braços pelo meu
pescoço e repetiu as palavras me fitando:
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

A voz doce da cantora que interpretava o clássico do Chico foi a trilha


sonora da noite. Uma canção após a outra, dançamos como um casal
apaixonado. Ticiane, Claudio e minha filha se juntaram a nós quando uma
música mais agitada animou a festa.

A noite foi divertida, Ticiane confirmou o desejo de conhecer


Aracaju e reforcei o convite de que as portas da minha casa estavam abertas.
Ela e Liz pareciam velhas conhecidas e as duas dançaram juntas, apesar da
enorme barriga de gestante, quando algum hit do verão desse ano foi entoado
pela banda.
Celine aproveitou a nossa conversa animada com o casal para dar uma
escapadinha. Seguida de perto do primo Mário, eles sorriam um para o outro
e o meu ciúme de pai falou mais alto. Não poderia sair algo bom desse
encontro depois do olhar daqueles dois. Mas, antes que eu pudesse interferir,
meu pai escolheu aquele momento para se aproximar.

— Estava falando com a sua mãe que já sabemos quem vai celebrar
a cerimônia no próximo ano — meu pai sorriu e me deu dois tapinhas nas
costas. Era a sua demonstração de afeto.
Meu pai fitou longamente a Liz que sorria enquanto conversava com a
Ticiane e eu esperei pela desaprovação quando abriu a boca, mas me
surpreendi com a sua pergunta:

— Ela te faz feliz?

— Muito — respondi de imediato.


— Se ela te faz feliz, ela é bem-vinda a família.

Ele voltou a olhar para Liz que, naquele momento nos fitava. Meu pai
ergueu o copo de Whisky que trazia em mãos em um brinde, ela ergueu a
taça de espumante e sorriu abertamente.

Aquela noite ficaria ainda melhor quando estivéssemos no quarto.


Nem pude gritar alto: FÉRIAS! Quando elas chegaram na faculdade,
meu estágio começou. O bom de os dois terem se separado durante um mês
foi que eu não me senti um zumbi. O estágio no Jornal do Dia era de meio
período e não oferecia muito de remuneração, mas todo bom universitário
sabia que precisava de ajuda na graduação e além disso, havia os créditos
para a formatura. Apesar de não receber muito, trabalhar em um jornal
importante me faria aprender muito pessoal e profissionalmente, por isso eu
vestia meu melhor sorriso (e melhor look) todas as tardes.

Quando as aulas voltaram, no começo de agosto, minha rotina ficou


um pouco mais cansativa. O sexto período estava se iniciando e isso
significava que faltariam só dois para que eu me formasse.
Com agosto chegou também a época de comemorar idade nova. 22
anos! Depois de me envolver com César passei a prestar mais atenção nesse
número, mas não por me importar com ele ou com a nossa diferença de
idade, mas de tanto as pessoas apontarem e comentarem. Era impressionante
o quanto os outros se metiam onde não lhes diziam respeito. Fato era que
agora eu tinha um ano a mais e ninguém faria questão de ressaltar isso,
apenas a quantidade de anos que faltam para que eu chegue a idade dele.

Meu aniversário caiu em um sábado esse ano. Meus pais estavam


loucos para comemorar e propuseram um almoço. Assim que saí do trabalho
na sexta, fui direto para Itabaiana. A bolsa e tudo que precisaria já tinha ido
comigo logo cedo para a faculdade e, em seguida, para o jornal.

Era a primeira vez eu dirigia pela BR e tanto César quanto meu pai
encheram os meus ouvidos sobre ir de ônibus, me dar carona e, por fim,
recomendações de como seguir. Senti um pequeno desespero apenas quando
um caminhão enorme me ultrapassou, fora isso, a viagem tinha sido
tranquila. Estacionei, viva e sem matar ninguém, em frente a casa dos meus
pais.

— Estou inteira! — anunciei depois de abrir a porta e entrar direto


para a cozinha.

— Graças a Deus, estava quase iniciando o terço pela segunda vez —


minha mãe disse, com cara de preocupada, quando veio me abraçar.

— Que confiança na sua filha dirigindo, hein? — Perturbei — cadê


painho?

— Está quase fechando a loja para vir, quer comer alguma coisa?

— Agora não, vou esperar o jantar. Vou subir para deixar as coisas...
Precisa de mim?
— Agora não... Subo já para a gente conversar — assenti e segui
escada acima, sacando o celular para avisar ao meu namorado que havia
chegado.
Eu: Não derrubei nenhuma mureta, ok?
Já estou em casa.

Não demorou para ele visualizar e decidir me ligar ao invés de


responder.
— Chegou bem? — perguntou assim que atendi a chamada.

— Sim e não matei ninguém. Acredita que minha mãe rezou o terço?
— bufei.

— Não é falta de confiança em você, Liz. Mas as pessoas correm


muito em BR e ultrapassam de maneira irregular...
— É, eu sei. Fiquei com um medinho, confesso, mas deu tudo certo.

— Você, com medo? — ele riu.

— Você nunca me assustou porque eu te quis desde o primeiro olhar


— confessei — você estava lindo com cara de bravo porque eu estava no seu
quarto.
— Você também estava linda nua levando uns tapas pela invasão... —
lembrou.

— Só em lembrar eu já começo a sentir calor. Onde você tá agora?

— Ainda na Safety.
— Esse meu namorado trabalha demais... — ele riu.

— Alguém precisa pagar a associação no clube BDSM — fez graça


— já comprei o seu presente.

— Uma fantasia de leoa? — chutei, sorrindo ao imaginar.


— Leoa?

— Você nunca notou que seu contato no meu celular está salvo como
“leão”?
— Não mexo no seu celular. Por que leão?

— O leão é um animal conhecido por seu, digamos, apetite sexual —


expliquei, ele deu uma risadinha — e se opõe, na minha opinião, ao coelho.

— Até onde sei os coelhos copulam muito...

— Muito rápido, você quer dizer. O coelho, além de ter o orgasmo


mais rápido do mundo animal, sofre um pequeno desmaio após o ato... Morro
de pena das fêmeas dessa espécie.

— Por que estamos tendo essa conversa tão zoológica?

— Você nunca se perguntou por que essa era minha palavra de


segurança? — dei a dica.
— Não fiquei me questionando a respeito, há algum motivo especial?

— Eu me considerava a própria cenoura humana! — confessei — só


andava arrumando uns caras que fodiam feito coelhos e não eram capazes de
me levar a lugar algum. Então, você apareceu e aí se tornou o rei da minha
selva.

César gargalhou como eu tinha ouvido poucas vezes: alto, sem


contenção e por alguns segundos.
— Você existe, Liz?

— Claro que sim, como você se apaixonaria se eu não existisse? —


foi a minha vez de rir feito boba.

— Enfim, não foi uma fantasia de leoa, mas vou anotar essa sugestão
para uma das nossas sessões e vou fazer questão de ser o leão no cio que fode
sem parar — determinou.

— Uh, estou ficando molhada só com a conversa...


— Filha? — minha mãe escolheu a hora que eu falava a frase mais
sacana da conversa para entrar no meu quarto.

— Preciso desligar agora — avisei — te vejo amanhã.

— Boa noite, amor.

— Você estava falando com o amigo namorado que comentou?

Quando viajei com César havia dito isso para ela e, desde então, não
tinha sentado para falar sobre o assunto. Até o momento. Ele e Celine viriam
para o almoço do dia seguinte, mas eu precisava conversar com ela antes.

Longe de mim submeter o César ao que eu mesma tinha passado


quando fui para Caxias do Sul. Não queria que nossa relação fosse
apresentada aos meus pais como um presente surpresa, vindo de mim, no
meu aniversário. Então, era melhor informar tudo hoje.
— Ele mesmo — sorri — senta aqui, ela o fez — não é mais algo tão
indefinido. Naquela viagem as coisas acabaram ficando sérias. Conheci a
família dele inteira!

— Que bom, Liz, então é sério, né? — assenti — ficava me


perguntando quando você se apaixonaria. Achei que ia demorar mais um
bocado, mas se estiver feliz, eu e seu pai ficaremos felizes também.

— Estou muito feliz, mãe. Ele é um homem inteligente, interessante,


consegue me agradar de muitas maneiras e me faz querer conhecer cada
detalhe dele, sabe?
— Ele vem amanhã? Já tenho que dizer para o Jorge e pedir para ele
se comportar como um homem moderno...

— Vem sim e estou contando com a senhora para isso. Mãe, em uma
relação, o que é mais importante para a senhora?
— O amor. Quando é um namoro novo não dá para dizer que ama
assim, né? Mas os sentimentos, se aquilo que você sente é bom e o que a
outra pessoa sente te faz bem... — assenti sorrindo.

— Eu o amo, mãe — ela me olhou de olhos arregalados — não


consigo explicar para a senhora agora, mas eu amo o meu namorado e sei que
ele me ama também.

— Não estão pensando em se casar já, estão? Com tanto amor assim...
Cuidado, filha, você precisa se formar e...
— Não vamos nos casar agora, relaxe! Mas ele tem uma filha...

— Esses jovens andam engravidando cedo mesmo, quase todas as


filhas das vizinhas aqui já são mães. Ainda se admiram que você não seja...

— A filha dele é a Celine — disse, de uma só vez.

Ela paralisou e me encarou. Depois, a boca foi se abrindo devagar,


mas em completo silêncio.

— Diz alguma coisa, mãe!

— O pai da Celine? — perguntou, como se quisesse se certificar de


que tinha ouvido direito. Eu assenti. — Bem, ele realmente é um homem
muito bonito... Educado e foi muito simpático aquele dia que te deu carona.
— Só vai dizer isso? — ergui as sobrancelhas.

— O que mais você quer que eu diga? Fiquei surpresa, claro, mas
você me disse que o ama...

— Ah, mãe — pulei em seu colo e a apertei em um abraço — nenhum


comentário sobre a idade dele?
— Sempre quis que seu pai se parecesse um artista de filme como ele,
com cabelos meio grisalhos e cara de gente famosa — confessou, me fazendo
gargalhar.

— Obrigada! Obrigada por me amar, por me aceitar meio maluca e


por não julgar as minhas escolhas. Eu te amo!

— Agora vou ter que contar para o seu pai e eu não sei bem se vai ser
sobre a beleza do seu namorado que ele vai querer falar comigo — ela riu
alto — falo com ele assim que chegar e no jantar nós três podemos conversar.
— Está perfeito!
O dia começou bem movimentado, com o entra e sai de minha mãe e
de algumas tias que a ajudariam a preparar a refeição. As horas passaram
voando e, quando dei por mim, minhas amigas da faculdade estavam
chegando junto com o Tedy. Logo depois, as lindas que moravam comigo
também chegaram, assim como algumas amigas da época da escola.

A grande área da frente foi transformada em salão de festas com


algumas mesas de quatro cadeiras espalhadas por ali. A churrasqueira já
estava em uso com um ajudante contratado para que nenhum dos meus
familiares precisasse se preocupar em deixar a carne queimar.
As cervejas começaram a circular de mão em mão, quando abri o
freezer da felicidade. E a música passou a animar o ambiente, com minha
playlist no pendrive que continha muito pagode e funk. Por mais que eu
amasse MPB, rock e músicas internacionais, para animar a galera era na base
do remelexo que eu também curtia.

— Liz, sua gostosa, vamos dançar essa! — Tedy gritou quando eu


passei perto das mesas que ele e as meninas do AP juntaram.

Tinha começado a tocar a música “não sou obrigada a nada”,


interpretada pela funkeira Pocah e eu ri do fato de o Tedy, engraçadinho, ter
lembrado de me chamar para dançar justo essa.
Ah, tá bom, agora quer mandar em mim
Coitadin', não passa de um contatin'
Abaixa o tom, respeita a mamãe aqui
— Bora! Vem Alexia, Érica e vocês todas aí — Jaci e Welma
permaneceram sentadas e os outros se juntaram a mim no meio da varanda.
Olha ele todo, todo se achando, 'tá metendo o louco
Daqui a pouco eu vou fazer que nem eu fiz com o outro
Se quando eu danço te incomoda, amor, eu acho é pouco
Ai, que ranço!

Nós nos balançamos de um lado para outro no ritmo da música até


que o refrão, com uma batida mais acelerada, começou a tocar:
Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba

Coloquei a mão no joelho e mexi a cintura e a bunda, rebolando.


Meus companheiros de dança começaram a bater palmas e fizeram uma
rodinha para me deixar no meio. Eu gargalhei e cantei alto:
Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada
Ninguém manda nessa raba
Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba

Advinha que horas César e Celine escolheram para chegar?


Exatamente, na hora em que eu estava gritando e cantando que ninguém
mandava na minha raba enquanto a mexia no chão. Eu soube que haviam
chegado quando Alexia parou de dançar na minha frente e deixou seu olhar ir
além de mim. Virei para olhar para trás e lá estavam os dois, na varanda,
vendo o meu show.

Celine sorria e César me encarava com uma das sobrancelhas


levantadas. Eu andei até os dois e Celine abriu os braços para me
cumprimentar.

— Feliz aniversário, amiga — me abraçou com força — você está


linda!
Eu estava usando um cropped branco de tecido, que vestia como se
fosse um pequeno colete, sendo fechado com um nó entre os seios. Além
dele, usava uma calça envelope, com estampa de listras coloridas, verticais. O
modelo da calça era lindo, se prendia ao meu corpo com um laço na cintura e,
por ser realmente um envelope, se abria como a fenda de uma saia longa
quando andava.

— Obrigada, você também está uma gata — disse ao notar seu short
preto de cintura alta que fazia conjunto com um uma tomara que caia curta da
mesma cor.
— Espero que goste — ela me entregou uma caixa de presente
colorida.

— Sei que vou amar — ela se afastou, fazendo menção de falar com
as meninas.

— Você está realmente linda — ele disse encarando minha barriga


exposta — parabéns! — eu me joguei em seus braços — nós dois sabemos
que manda nessa raba não é, Liz? — sussurrou no meu ouvido enquanto me
abraçava.
— Você estava prestando atenção na música? — perguntei ao me
afastar.

— Com você gritando tão alto? Além disso sua bunda estava quase
cantando também. Me diz: quem manda nessa raba?

Aproximei-me dele para dar um outro abraço e sussurrei:


— Você manda. Em todas as partes do meu corpo... Menos no meu
cérebro, claro — gargalhei ao me afastar.

— Esse é o presente apresentável — ele estendeu uma caixinha de


veludo preta.

— Sério? Vai ter um não apresentável? — sorri, aceitando o presente.


Ele piscou.
Abri a caixinha e me deparei com uma corrente dourada com uma
pedra vermelha, grande, com o formato de coração.

— É maravilhosa!

— Você dominou completamente o meu coração, Liz. Como não


posso arrancá-lo para lhe dar, tentei representá-lo.
Meus olhos encheram de lágrimas ao ouvir aquilo e o meu próprio
coração acelerou como se concordasse que o meu também havia sido
dominado.

— Ponha em mim — pedi estendendo a caixinha. César pegou a peça


e colocou no meu pescoço, eu segurei o pingente e o levei aos lábios para
beijá-lo — você dominou o meu corpo e a minha alma. O meu coração foi
seu desde aquele beijo. Eu amo você, César.

— Também amo você, pequena.

— Venha, vou te apresentar oficialmente para poder te beijar em


paz...

— Tem certeza disso?

— Meus pais já estão sabendo — anunciei antes de arrastá-lo pela


mão casa adentro.
Comemorei meu aniversário ao lado de pessoas que eu amo e que me
amam na mesma proporção. Ok, tinha um ou outro parente que eu não amava
tanto assim e estava presente porque eram parentes, não eram? Mas as coisas
tinham fluído muito bem naquele dia. Meus pais e César passaram a maior
parte da festa juntos, conversando e sorrindo. Celine, junto com todos os
meus amigos, bebeu e se divertiu bastante. Assim como eu que ri, dancei e
bebi. Se o César ficou observando a quantidade de cervejas que eu estava
ingerindo? Com certeza. Mas eu estava em família, por isso ele não
interferiu, apenas observou.

Naquele dia eu acabei ganhando mais um presente: minha


autoconfiança. Precisei sair no começo da noite para comprar mais bebida e
não queria incomodar ninguém que estivesse se divertindo, por isso acabei
indo sozinha, a pé. Enquanto andava na calçada, senti que alguém estava se
aproximando. Quando me virei dei de cara como imbecil do David. Dessa
vez, ele estava sóbrio, mas eu havia bebido um pouquinho, por isso quando
ele estendeu a mão com a desculpa fajuta de que queria apenas me desejar
parabéns eu permiti. Ele sorriu, presunçoso e me puxou para um abraço não
autorizado. Agi tão rápido que ele não teve tempo de reagir: manobrei meu
corpo para virar o braço que ele me puxava e o imobilizei, segurando o braço
torcido em suas costas. Lembro das palavras que cuspi na cara dele:
— Você precisa aprender a parar de tocar nas pessoas que não
pediram o seu toque!
— Porra, Liz, tá doendo. Eu só ia te dar parabéns!

— Eu deveria ter denunciado você, mesmo sabendo que não ia pegar


cadeia, mancharia esse seu nomezinho ridículo com um processo por
tentativa de estupro — disse, apertando ainda mais o braço do babaca. Eu o
soltei e o virei rapidamente, usando meu joelho para bater em seu saco — se
eu souber que você tocou em mais alguém eu vou castrar você com meu
alicate de unha! — berrei enquanto o deixava caído, se contorcendo no chão.

Não me orgulho de não tê-lo denunciado, era o correto a se fazer.


Qualquer mulher que se sinta abusada deve fazê-lo sem receios de represália
ou de julgamento. Não faça o mesmo que eu, ok?
Quando uma submissa usava uma coleira significava que ela possuía
um dono. Ela era o símbolo do compromisso entre o dominador (a) e o
submisso (a). Havia quem comparasse a coleira no mundo BDSM à aliança
no mundo Baunilha. Assim como havia também quem usasse a comparação
para explicar a cerimônia de encoleiramento, afirmando ser uma espécie de
casamento.

Nada era tão preto no branco e classificável assim. Existiam infinitas


relações e apenas os envolvidos eram capazes de determinar como as coisas
eram ou deixavam de ser.
Eu a vi quando entrou no campo de visão. Segurava uma rosa branca,
que significava a sua vida que seria entregue, e vestia um vestido branco,
rendado e na altura do joelho. Os pés estavam descalços. Os cabelos, presos
em um elaborado penteado que terminava em cachos.

Quando chegou de frente ao seu dono, levantou o olhar.


— Senhor, quero fazer do BDSM o meu estilo de vida e quero que me
guie nessa jornada — ela disse.

Um sino foi tocado. A coleira foi colocada nas mãos dela.


— Ofereço esta guia para que me dirija pela minha vida. É meu
desejo pertencer ao Senhor e segui-lo por onde achar que devo.

— Aceito esta guia como símbolo de sua entrega e prometo guiá-la


seguramente pelos caminhos da vida. Você me pertence e eu farei de tudo
para protegê-la em minha jornada. Você ajoelha-se aos meus pés e aceita este
símbolo de minha propriedade como uma marca para nós e para os outros que
encontraremos em nossa jornada?

— Me ajoelho como sinal de minha submissão e aceitação de sua


coleira. Eu a usarei com orgulho por todos os meus dias, Senhor.
Quando o sino tocou novamente, a coleira foi colocada em seu
pescoço.

— Agora, você me pertence.

— Agora, eu lhe pertenço, Mestre.

— Essa cerimônia é muito mais emocionante do que muitos


casamentos que já fui — Liz cochichou em meu ouvido.

— Não há nada mais sublime do que a entrega total, Liz — cochichei


de volta enquanto a cerimônia continuava — quem se submete de corpo e
alma, deseja isso, se sente completo servindo e completa aquele a quem
serve. Confiar em alguém ao ponto de lhe entregar o controle do seu corpo e
da sua alma pode parecer estranho para quem está de fora, mas aquele que o
doa está dando um presente, o melhor de si e se sente pleno com isso.

Ela me encarava com os olhos cheios de lágrimas. Não sabia se a


emoção que estava sentindo era por causa da cerimônia ou se eu a tinha
irritado de alguma forma com o meu discurso.

— Você já teve alguém assim... — ela disse quando uma lágrima


escorreu.
Não havia razões para mentir sobre isso.

— Sim.

— Vai me contar a respeito?

— Quando a cerimônia acabar — beijei a mão dela.

A cerimônia era de um casal de amigos com os quais havíamos


estreitado uma relação. Era íntima, com alguns participantes de BDSM e um
ou outro familiar do casal. Depois da cerimônia houve uma festa com
algumas brincadeiras BDSM, como por exemplo, o Dom emprestar a Sub
para que os convidados usassem as velas. Além disso, algumas apresentações
de dança e pole dance foram feitas para animar os convidados.

Mas Liz não estava mais interessada em nada daquilo. Permanecemos


na festa por pouco mais de quinze minutos, ela estava inquieta e curiosa para
saber mais sobre minha submissa.

— A maneira como você falou... Parecia que tinha conhecimento de


causa e eu achei que suas relações fossem apenas nas sessões — falou de
uma vez só tudo que se passava em sua mente.

— E eram, isso foi bem antes.

— Quem é? Por que deu errado? Ela devolveu a coleira ou você a


tomou? — ela despejou as perguntas sem pausas.
— Respire Liz — pedi antes de iniciar — o nome dela era Luciana.
Ela era minha esposa.

Liz se sentou de uma só vez no sofá.

— A mãe da Celine? — assenti.

— Nós nos conhecemos bem jovens, ela era daqui de Sergipe, mas os
pais foram morar lá no Rio Grande do Sul quando o pai dela foi transferido a
trabalho. Nós namoramos, nos separamos e depois de um tempo, mais
maduros, retomamos o namoro. Eu conheci o BDSM quando estava no
mestrado. Fui convidado para uma festa diferente e quando me vi no meio de
tudo aquilo fiquei louco para saber mais. Nós já tínhamos voltado a namorar,
estávamos caminhando para um noivado e então eu comentei com ela sobre a
festa. Inicialmente Luciana ficou surpresa por eu ter ido a um lugar tão
profano, mas a curiosidade falou mais alto e ela me pediu para procurar saber
quando haveria uma outra festa porque gostaria de ver com os próprios olhos.

— Continue...
— Minha namorada fez uma pesquisa profunda sobre o assunto e
quando fomos a festa, não ficou chocada. Ela se mostrou interessada em
muitos dos fetiches que estavam sendo expostos ali e eu também. Com o
tempo, nós iniciamos na prática e fomos testando tudo que dava vontade.
Conhecemos as liturgias, os rituais e fomos nos tornando íntimos do
universo.

— Ela era sua escrava? — Liz perguntou me trazendo de volta ao


presente.

— Sim. Eu era o mestre e Luciana era minha escrava. Usava minha


coleira e me servia de todas as formas que eu achava conveniente.
— Vocês se casaram ou fizeram apenas a cerimônia BDSM?
— Nossa relação era baunilha externamente. Os pais dela, assim
como os meus, são católicos e nós nos amávamos, então nos casamos, sim.

— Não sei o que dizer, estou surpresa — Liz ficou de pé e pegou o


celular, mexendo no aparelho. Isso significava que estava nervosa e que não
sabia como agir. O objeto nas mãos era uma das maneiras de tentar disfarçar
aquilo.
— Por que isso abalou você? — me aproximei e peguei o telefone,
deixando-o sobre o sofá — olhe para mim, Liz.

Ela obedeceu e eu enxerguei dúvida naqueles olhos quase verdes. Eles


estavam se enchendo de lágrimas enquanto ela me encarava e uma delas
escorreu antes mesmo que eu pudesse impedi-la de viajar naquele rosto lindo.

— Nunca vou ser o que você precisa, César — lamentou com a voz
embargada — ela era a sua submissa perfeita.
— Eu não estava procurando por ninguém para substituí-la, Liz.
Luciana foi minha esposa, minha escrava e a mãe da minha filha. Mas o ciclo
dela na terra se encerrou, assim como na minha vida. Nunca vou esquecer o
que vivi com ela porque faz parte do que sou, mas não fico preso a isso.

— Eu amo você, mas morro de medo de não ser o suficiente. De não


conseguir lidar com toda a intensidade do que somos.

— Como você acha que eu me sinto? Sou trinta anos mais velho...
Você tem uma vida inteira pela frente, tem o mundo para desbravar, descobrir
e aproveitar. Acha que me sinto suficientemente bom para fazer com que
perca tudo isso e opte por mim?
— Mas eu escolho você e quero continuar te escolhendo dia após dia.

— Assim como eu escolho você e tudo que ainda podemos fazer


juntos. Liz, eu e Luciana fomos. Passado. Eu e você, somos. E continuaremos
sendo enquanto esse for o nosso desígnio.

Nossas bocas se aproximaram devagar e se tocaram em afeto. Os


lábios macios de Liz se abrem lentamente e sua língua vem ao encontro da
minha. Segurei seu rosto e deixei que os meus polegares acariciassem a pele
da bochecha.
— Sou louco por você, Liz — sussurrei, passando a língua em seus
lábios — sou fascinado por cada detalhe que compõe a sua personalidade.
Amo os seus olhos, o seu nariz arrebitado e essa boca gostosa. Sou
apaixonado pela sua bunda e nem preciso comentar o quanto gosto da sua
boceta, não é? — Ela sorriu. — E esse sorriso é capaz de iluminar qualquer
dia escuro.

— Não sei se gosto mais do seu lado romântico ou do seu lado


dominador mandão e bruto... — mordi o lábio inferior de leve — hum, acho
que o dominador ganhou um pontinho a mais agora.

— Quer jogar, Liz?


— Quero.

— E o que vai ser?

— Quero ser uma aluna malcomportada que faz tudo que o professor
mandar para conseguir nota.
— Sou um professor bem exigente — avisei.

— Eu tenho boa vontade... — insinuou.

— Sou à moda antiga, daqueles que fazem arguição e usam


palmatória.
— Sou péssima em matemática, fica a dica — Liz piscou.

— Vá trocar de roupa. Gosto das minhas alunas com saias bem curtas,
vou preparar a sala de aula.
Ela saiu rebolando e eu a encarei até que sumisse da minha vista.

Como ela poderia não se achar suficiente se já era mais do que


sonharia em desejar?
Três anos depois

Com o tempo, a gente amadurece o olhar e passa a observar as


nuances que faz de cada ser, alguém diferente. Sério, eu cheguei a achar que
todos os homens eram iguais e jogar todos em um mesmo pacote, mas havia
descoberto que não era bem assim, não é?

David, Silvio, César e tantos outros não eram nada iguais. Não tinha
como enquadrá-los naquele meu antigo parâmetro. Eu achava que beijando
uma mulher descobriria se o problema estava neles, como se fosse algo de
gênero. Convenhamos que era um pensamento infantil: caráter, atitude e se
colocar no lugar do outro não tem a ver com gênero.

Quantos anos eu tenho? 25, recém-completados, e me orgulhava de


tudo que, dia após dia, estava realizando. Depois de um dia inteiro na redação
do Jornal da Cidade, tudo que eu mais queria era chegar em casa. Gostava do
meu trabalho de editora, dando a palavra final nos textos e na diagramação da
página das notícias, mas era cansativo.

Dirigi para casa agradecendo pelo trânsito está fluindo enquanto ouvia
a música que saía pelo autofalante do rádio. Assim que estacionei, subi os dez
andares recostada no elevador enquanto respondia as mensagens de
Whatsapp. Entrei em casa e larguei minha bolsa, bem como minha agenda,
celular e tudo mais que segurava no sofá, já começando a bagunçar minha
imaculada sala de estar.

Segui direto para o meu quarto, imaginando o que pediria para jantar.
Assim que entrei no espaço, quase gritei ao notar que havia alguém ali.

— Quem é você e o que está fazendo aqui?

— Desculpe eu estava procurando... — ele se virou, mas parou de


falar assim que me viu.
— A suíte deste quarto é privada, sabia que eu posso denunciá-lo por
invasão? — ele não respondeu, apenas deu um risinho que me incomodou —
vou chamar a polícia! — avisei e saí do quarto marchando, prestes a cumprir
minha ameaça.

Estava chegando às escadas quando fui puxada e encostada de frente


para parede. O peso do seu corpo, em minhas costas, impedindo meus
movimentos.

— Acho que isso não é uma boa ideia, criança... — sua voz era um
urro no meu ouvido. Sorri.
— Criança? Acho que o senhor está com problemas de vista, deve ser
a idade, estou longe de me parecer com uma... — rebati, incomodada com a
palavra.

Vamos ver se uma criança se comportava como eu.


Movi meus quadris de forma a esfregar minha bunda nele, por causa
dos saltos, estava exatamente da altura do seu pau.

— Nossa, será que isso que estou sentindo é uma ereção? Juro que
nem percebi quando você tomou o remedinho... — provoquei.
— Já lhe disseram que você fala demais? — acusou — mas eu vou
fazer você calar essa boquinha nervosa.

Ele se afastou o suficiente para que meu corpo descolasse da parede e


tivesse espaço para colocar as mãos nos meus seios e apertar com força.
Porra. A resposta veio num gemido rouco que deixei escapar. Fui conduzida
pelo corredor, ainda na mesma posição, seu corpo colado nas minhas costas e
suas mãos explorando meus seios. Não via a hora de tirar a porra do terninho
e tudo o mais que impedia o contato direto com a minha pele. Ele abriu a
porta ao lado a da suíte que invadiu, me conduziu até uma cama grande com
cabeceira de madeira e fez com que eu me virasse de frente para ele.

— Tire a roupa — ordenou.


— Como é que é?

— Tire a maldita roupa ou eu vou arrancá-la de você, sem nenhuma


delicadeza.

— Quem você pensa que é para invadir o meu apartamento e ainda


me dá ordens? — usei o tom incisivo.
— Sou o homem que vai te amarrar, te amordaçar e te bater antes de
te foder se não me obedecer agora! — explicou como o próprio diabo, em
tom frio e debochado, faria ao informar o porquê que uma alma tinha
acabado de chegar ao inferno.

— Ah, vai se foder, babaca! Não vou obedecer às ordens de um cara


que se acha dono do mundo. Faz terapia, meu filho — anunciei e tentei
passar por ele para sair daquele lugar.

— Atrevida! — acusou antes de segurar o meu braço e me puxar para


os seus braços — se você prefere que lhe mostre as desvantagens de não
obedecer...
Ele puxou o edredom, descartando de lado. E me empurrou na cama,
fazendo com que eu me deitasse. Não tive tempo para pensar, assim que
minhas costas tocaram na cama, ele usou as mãos, uma de cada lado, para
puxar de uma vez os botões da minha camisa social. Logo, meu sutiã estava
exposto, mesmo eu ainda estando de terno e camisa. Antes que eu pudesse
reagir, meus braços estavam imóveis, amarrados na cabeceira. Ergui o olhar
para notar que era a gravata dele que me mantinha cativa.

— Não faz isso... — pedi.

Ele não respondeu. Levantou minha saia social até a cintura e levou
os dedos até a minha calcinha, que foi retirada rapidamente. Ele abriu minhas
pernas e, sem nenhum pudor, me lambeu ali no meio. Estava praticamente
vestida, amarrada e sendo chupada pelo invasor.
Gemi alto quando os dedos dele se enterraram em mim, ajudando sua
língua e lábios a me enlouquecer.

— Você é mais agradável assim, gemendo — sussurrou contra minha


boceta.

E eu me lembrei da primeira vez em que ele me disse isso. Quando eu


mesma era a invasora.
— Você sabe que eu posso ser ainda melhor gritando — lembrei.

— Sei? Como poderia saber se essa é a primeira vez em que estamos


nos vendo? — César continuou no personagem.

— Não é não, amor — respondi porque sabia que ia irritá-lo.

Quando combinamos que essa seria a cena de hoje, depois que eu


voltasse do trabalho, as regras estavam claras: viajar no tempo, ser a Liz do
primeiro encontro e não o chamar de amor.

— Está quebrando as regras? — assenti, ansiosa para ser castigada. —


Ok, vamos pegar pesado — César deu um tapa na minha boceta, que pulsou
em resposta.

Ele me deixou ali amarrada enquanto conferia a corrente instalada no


teto. Ela descia até certa altura e, em sua ponta havia uma espécie de gancho
que podia ser aberto e fechado. Vi quando ele arrastou a caixa de madeira
pesada e a posicionou na direção das correntes, amarrando duas cordas nos
espaços ao lado da caixa.
César veio até mim e desatou a gravata que me prendia, me colocando
de pé em seguida para tirar toda minha roupa.

— Qual é a sua palavra de segurança? — Perguntou com a voz firme,


enquanto me ajudava a subir na caixa. — Se ajoelhe.

— Coelho — respondi, enquanto me colocava como ordenou.


Minhas pernas foram afastadas e as cordas usadas para me prender
um pouco acima do joelho, amarrando cada uma das pernas em uma
extremidade da caixa.

— Lembre-se da palavra quando tiver a ponto de desmaiar —


recomendou, passando outra corda ao redor dos meus pulsos.

César trabalhou nas voltas e nos nós elaborados antes de me deixar


totalmente esticada, com os pulsos presos pela corda, presos no gancho.
Dessa maneira, estava imóvel com braços esticados e presos acima da cabeça
e pernas amarradas e abertas, ajoelhada.

— Vou vendar você — avisou, antes de colocar uma venda preta


sobre os meus olhos.
Sem o sentido da visão e com os movimentos limitados, a audição
acaba sendo aguçada. Eu o ouvia se mexer, andando e separando objetos que
faziam barulho e isso fazia com que a expectativa crescesse em mim. Não
sabia dizer quanto tempo ele havia me deixado naquela posição. Tudo se
calou como se o César tivesse saído e me largado ali, presa e vendada.

Meu coração passou a bater mais rápido, mas não ousei abrir a boca
para chamá-lo. A tensão e a falta de previsibilidade me deixavam alerta e
ansiosa.

O som que se fez presente arrepiou minha pele. A batida forte e


marcada, com a voz rouca e sensual, do intérprete de Dirty Mind (mente suja)
foi a trilha sonora que César escolheu para a sessão.
I know what you like
Get the champagne
Hands on your thighs
Wanna get your body high
Get low
Or no

(Eu sei o que você gosta


Pega o champanhe
Mãos sobre as coxas
Quer ter seu corpo nas alturas
Agache
Ou não)

Senti as mãos dele percorrerem o meu corpo, de leve. Elas passaram


pelos meus peitos e eu os empinei. Com uma mão em cada, ele os juntou,
fazendo pressão, e passou a língua de um para o outro. Mordi meus lábios.
Sua boca se afastou, me fazendo sentir falta. Mas a sua mão voltou a
me tocar e viajou por minha barriga, escorregando até parar no meio das
minhas pernas abertas. César esfregou a mão ali, provocando minha boceta.
Eu tentei me mexer, mas não consegui, por isso mal pude me esfregar antes
que ele tirasse a mão.

Mais uma vez ele se afastou. Mais uma vez senti falta do seu toque. A
música soava alto e deixava aquilo tudo ainda mais intenso.
Yes or yes?
Do you want it in?
You wanna be stressed, I'd rather have sex
You and I and my dirty mind
We can stay high or no?
Yes or yes?
Do you want it in?
You wanna be stressed, I'd rather have sex
You and I could die a thousand times
We can stay high or no?

(Sim ou sim?
Você quer ele dentro?
Você quer ficar estressada, eu prefiro transar
Você e eu e minha mente suja
Podemos ficar excitados ou não?
Sim ou sim?
Você quer ele dentro?
Você quer fica estressada, eu prefiro transar
Você e eu poderíamos morrer mil vezes
Podemos ficar excitados ou não?)

Foi o maldito chicote de equitação que ele usou. Soube assim que ele
estalou contra minha bunda, fazendo arder. Aquela ponta de couro sempre me
fazia querer tomar o chicote da mão do César para devolver o golpe. Mas eu
estava imobilizada agora, então só me restava recebê-lo e absorver a dor.

César bateu na outra nádega, me fazendo gritar. E então foi


revezando, ora direita, ora esquerda, me fazendo xingar os mais diversos
palavrões do meu repertório.

— Desse jeito vou precisar deixar sua bunda em carne viva, Liz —
avisou — mulher não deve falar palavrão — provocou.
— Vai se foder! — rebati, por instinto, e mais um golpe me foi dado
— caralho!

Ele riu e então eu esperei por mais uma chicotada na bunda ardida,
mas ela não veio.
Let me change your mind
Give you new fame
Make you feel shy
Keep it fifty all night
Let go
Or no
We can let it ride
Play a new game
Heavy overtime
We can do it for life
Go pro
Or no

(Deixe-me te fazer mudar de ideia


Te dar uma nova fama
Fazer você se sentir tímida
Trocar prazeres a noite toda
Vamos lá
Ou não
Nós podemos deixar fluir
Jogar um novo jogo
Por muitas horas
Nós podemos fazer isso pelo resto da vida
Seja profissional
Ou não)

César acariciou minha bunda ardida, passando a mão por toda ela,
antes de se direcionar ao meu ânus. Eu o senti passar o lubrificante ali, com o
dedo, que aproveitou para se enfiar e me abrir um pouco. A sensação era boa,
César manipulava meu corpo com maestria todas as vezes em que o tocava e,
quando se tratava de sexo anal não era diferente. Ele era capaz de me fazer
gozar enterrado ali.

Senti quando ele empurrou o plug anal e gemi quando percebi que era
o que vibrava. Assim que ele o ligou, comecei a receber estímulos no ânus,
fazendo com que meu corpo ficasse imediatamente alerta.
— Fico louco quando te vejo assim, tão entregue — confessou
levantando meu rosto pelo queixo para me dar um beijo na boca — gostosa!

— Você não vai pegar leve mesmo? — perguntei, sentindo meus


braços formigarem, minhas pernas doerem e o meu corpo se tensionar.

— Se não aguentar, use a palavra de segurança. Está muito divertido


te ver nessa posição e a sua bunda... Ah, Liz, ela está tão marcada que
merecia ser registrada em foto e emoldurada.
— Louco!

— Por você. O que você gostaria que eu fizesse agora?

— Me desamarrasse e me levasse para a cama? — joguei.

— De verdade, Liz.

— Me fizesse explodir em um orgasmo capaz de me fazer dormir por


vinte e quatro horas depois de tão exausta — confessei.

— Essa é a minha garota! — ele riu.


César sugou meu mamilo direito, estimulando a ponta até que
estivesse dura o suficiente para prendê-lo com a presilha. Repetiu o gesto
com o esquerdo e eu gemi com o incomodo que aqueles acessórios me
causavam.
Por fim, ele completou minha tortura física com o massageador
vibrador que sempre que era usado me levava a loucura. Quem inventou
aquele negócio merecia um prêmio, porque a cabeça rotatória fazia qualquer
ser humano se contorcer quando usado em uma massagem nos ombros, ou
ainda, quando pressionado contra o clitóris, como estava sendo feito naquele
momento.

Meu corpo estava sendo estimulado de todas as maneiras com o


vibrador anal, os prendedores de mamilo e o massageador. Eu me debatia e
tentava fugir da sobrecarga de sensações, mas era impossível. Pouco a pouco
o nível de prazer foi aumentando e, sem aguentar, gritei quando o mix de
sensação me levou ao extremo.
O orgasmo arrebatador me fez tremer completamente, mas o César
não cessou, manteve a rotação no meu clitóris enquanto retirava um, depois o
outro, prendedor dos bicos dos meus seios. Isso tornou aquilo quase
insuportável e um novo orgasmo me arrebatou.

— Só mais um, Liz... — ele insistiu.

Mas eu não aguentava mais. Meu corpo estava completamente


sensível, sobrecarregado e eu me sentia mole me mantendo ali apenas porque
estava amarrada. Se eu tivesse solta, com certeza teria caído de exaustão.
A massagem cessou e eu o senti soltar minhas pernas. César as
movimentou, tirando-me da posição ajoelhada e me deixando agachada sobre
a caixa. Mas aquilo foi por tempo o suficiente para que ele se posicionasse.

Senti o meu apoio ser retirado quando a caixa foi afastada. Isso fez
com que meus braços se esticassem ainda mais, doendo muito.

— Co... — estava prestes a gritar a palavra de segurança porque não


aguentava mais.
Mas eu o senti segurar meu corpo, aliviando a pressão nos braços. As
mãos dele seguraram meus quadris e eu o senti se enterrar na minha boceta.

— Ahhhhh!
A vibração na minha bunda continuava e, junto a isso, o pau dele
começou a me foder. César entrava e saía rapidamente, buscando ir fundo e
rápido. Gemi, gritei e explodi pela terceira vez quando ele acertou aquele
pontinho especial dentro de mim.

César me fodeu por mais alguns minutos antes de gozar. Uma de suas
mãos soltou a corda do ganho e os meus braços caíram automaticamente. Ele
andou comigo em seus braços e me colocou na cama.

— Ainda está aí? — perguntou, tirando a venda dos meus olhos.


Mas eu não tive forças para abri-los. Estava cansada demais, por isso
só mexi a cabeça, assentindo.

— Está tudo bem? — perguntou novamente, tirando o maldito plug


vibrador da minha bunda. Mexi a cabeça novamente dizendo que sim — eu te
amo!

Ouvi-o dizer antes de apagar completamente.


Quando me espreguicei, ainda sonolenta, senti meus braços doloridos.
Como naqueles dias, pós-academia, depois de um tempo sem treinar. Os
músculos doem a depender da posição em que o coloquem. Senti as pernas
um pouco doloridas também, mas a sensação que mais me dominava era a de
plenitude. Graças a Deus era sábado e eu não precisaria ir trabalhar, porque
tudo que eu precisava era passar o dia inteiro na cama.

— Bom dia — eu o ouvi ainda com preguiça de abrir os olhos — se


dormir novamente vou ter que usar soro para te alimentar.
— Me deixe descansar, fui extremamente usada ontem a noite —
respondi com a voz rouca.

— Você não jantou, tem certeza que quer descansar mais ao invés de
devorar tudo isso aqui?

Abri apenas um olho para ver do que se tratava e o vi, lindo usando
apenas roupão preto, ao lado de uma enorme bandeja de café da manhã. Abri
o outro olho quando meu estômago roncou alto. César riu e apontou para a
comida.
— Coma, vou te fazer uma massagem relaxante e te dá um banho
depois. Além disso, preciso passar uma pomada cicatrizadora na sua bunda.

Eu me sentei e realmente senti minha bunda dolorida.

— Quase usei a palavra de segurança ontem — comentei ao me


sentar.

— Valeu a pena não ter dito?

— Três orgasmos e um desmaio de exaustão? Claro que valeu — ele


riu.

Havia manga, morango e banana cortados e misturados em uma mini


salada de frutas e foi por ela que comecei, usando mel e granola para
completar. Comi o pão de forma com queijo e presunto quentinho
acompanhado do café e não dispensei o bolo de cenoura com calda que
também estava ali. César me informou que já passava das dez e meia e que já
tinha comido, por isso preparou meu banho enquanto eu matava a fome.

Tomamos banho na banheira da minha suíte e César cuidou de cada


parte de mim: lavou meus cabelos, esfregou minhas costas e alisou todo o
meu corpo. Ele secou meus cabelos com o secador e passou a pomada na
minha bunda que estava menos ruim do que eu pensava.
— Celine está em São Paulo, me ligou mais cedo para cumprir sua
promessa de me manter informado — ele disse, abraçado a mim enquanto eu
escolhia o que veríamos na TV.

— Ela me mandou umas fotos ontem, vi quando estava no elevador,


mas aí você roubou minha sanidade e nem sequer consegui respondê-la até
agora — ele riu — ah, nós vamos para a cerimônia das rosas do Silvio, né?
Ele me mandou mensagem avisando a data.

— Vamos sim, ele me ligou para falar sobre isso — César concordou.
Eu amava as cerimônias e rituais significativos do BDSM.
— Achei! Vamos ver Instinto — anunciei, depois de zapear as
opções, ao ler a sinopse da série.
— Você quem manda — ele riu e beijou minha cabeça quando me
acomodei depois de dar o play.

Vimos a série e tivemos algumas ideias para pôr em prática qualquer


dia. Nos beijamos e trocamos carinho ao longo das horas. Quando a noite
chegou, fizemos amor lento e gostoso antes de dormir abraçados.
Essa era a minha vida ao longo dos três anos em que estávamos
juntos. O desejo pelo novo me movia, assim como ser levada ao limite. César
era o melhor namorado que uma mulher poderia ter. Era atencioso, cuidadoso
e fantástico na cama. No sofá. No carro. E nas sessões de BDSM.

César havia dominado meu corpo com maestria, mas dia após dia
reconquistava e mantinha meu coração refém do seu amor. Ele me acusava de
dominar seu coração e eu me sentia muito feliz em ser sua domme nesse
sentido.

Nós provávamos, a cada hora, que não existiam regras para o amor.
Não havia necessidade de se prender a fórmulas. Não havia idade, sexo ou
cor que determinasse o que era certo ou errado. Baunilha ou BDSM, desde
que os envolvidos fossem sinceros e consentissem ninguém tinha nada a ver
com o que faziam.

No final, o amor sempre vencia.

FIM
Toda vez que colocamos um ponto final em um livro sentimos um
misto de alívio e gratidão. Alívio porque conseguimos concluir mais um
sonho, dando existência a novos seres que farão parte da vida de quem os ler.
Além disso, concluir significa voltar a respirar em paz até que uma nova
loucura comece.

Escrever esse livro não foi fácil. Liz e César foram personagens
intensos que, por vezes, nos conduziram para onde quiseram pouco se
importando com o que acharíamos do caminho. Mas no fim, sobrevivemos,
não é? Talvez com umas dores musculares, muita insônia e uma pitada de dor
de cabeça. Nada que um Dorflex não resolva!
Obrigada a você que chegou até aqui e que se deixou dominar por
essa história. Não deixe de nos contar se gostou ou não, sua opinião é muito
importante para nós.

Obrigada ao Lucas Ares que se mostrou atencioso conosco nas redes


sociais, mas não só por isso, agradecemos também pelo trabalho maravilhoso
e informativo sobre a temática. É encantador ouvi-lo!

Obrigada a Júlia Rol que, mais uma vez e mesmo sem ser sua
temática favorita, nos emprestou seu tempo e os seus olhos. Você é linda!
Assim como a Karen Dorothy que nos atendeu e nos socorreu em tempo
recorde. Karen, você é um poço sem fim de amor. Obrigada!
Leitores, nós amamos vocês.

Ane Pimentel.
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Belo Mentiroso

Prazer em conhecê-los
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No Divã

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