Peed1298 D
Peed1298 D
Peed1298 D
Florianópolis/SC
2017
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
Inclui referências.
_____________________________
Prof. Dr. Elison Antonio Paim
Coordenador do Curso
Banca Examinadora
____________________________
Orientadora: Prof.ª Dra. Rosana Silva de Moura
Universidade Federal de Santa Catarina
____________________________
Prof. Dr. Jason de Lima Silva
Universidade Federal de Santa Catarina/MEN
____________________________
Profa. Dra. Lúcia Schneider Hardt
Universidade Federal de Santa Catarina/EED
____________________________
Prof. Dra. Luciana Dias
Universidade de Ouro Preto/Departamento de Artes
____________________________
Prof. Neiva Affonso Oliveira
Universidade Federal de Pelotas/UFPel/RS
____________________________
Prof.ª Dra. Maria Veronica Pascucci
Universidade Federal do Maranhão/DEART
A Irene, minha mãe.
(in memorian)
INTRODUÇÃO ................................................................................... 15
INTRODUÇÃO
1
Não iremos nos ocupar nesta dissertação de apresentar e discutir os distintos
períodos filosóficos de Martin Heidegger. Cumpre dizer que estamos cientes do
que passou a se chamar primeira e segunda fase (NUNES, 2016), sendo aquela
representada por “Ser e Tempo” e esta especialmente pelos escritos nos quais o
filósofo trata de questões como a técnica e a obra de arte.
2
Sobre o que é o Dasein para Heidegger, segundo Cerbone: “O Dasein é o lugar
para começar a responder a questão sobre o ser porque ele, diferente dos outros
16
tipos de entidades, sempre tem uma compreensão do ser: entes humanos são entes
para quem as entidades são manifestas em seu modo de ser. Isso não significa que
nós já temos uma concepção desenvolvida sobre o que é ser (se tivéssemos,
haveria pouco para Heidegger e Ser e tempo realizarem), mas, em vez disso,
nossa compreensão é em grande medida implícita e pressuposta, o que Heidegger
chama de “pré-ontológico”. Uma vez que o Dasein tem uma compreensão do ser,
ainda que implícita e não temática, Heidegger argumenta que a ontologia
fundamental deve começar com a tarefa de interpretar ou articular essa
compreensão pré-ontológica do ser. Fazer isso fornecerá uma primeira passagem
para responder a questão do ser em geral, uma vez que compreender o Dasein, ou
seja, o que é ser o tipo de ente que somos, pressupõe compreender o que
compreendemos, ou seja, o ser.” (CERBONE, 2013, p. 72)
3
O ser-aí para Heidegger através da perspectiva construtiva diz sobre a formação
de mundo como um acontecimento fundamental de sua essência como vigência
do mundo. No parágrafo §74, da obra “Os Conceitos fundamentais da Metafísica
– Mundo-Finitude-Solidão”, Heidegger problematiza a compreensão do homem
enquanto “formador de mundo” (HEIDEGGER, 2011, p. 448). E por isso,
desperto para um “despertar de uma tonalidade afetiva fundamental” (Ibid., p.
449) e, por conseguinte, é “Isto que dissemos serem os momentos fundamentais
deste acontecimento, o manter-se ao encontro da obrigatoriedade, a integração e
o desentranhamento do ser do ente.” (Idem). O homem é formador de mundo
porque necessita estar desperto de sua tonalidade afetiva na busca de sua
expressão mais livre para um “construir e habitar”.
4
Em “Introdução ao pensamento de Martin Heidegger”, Stein explicita a
“analítica existencial” como sendo o modo de operar a questão do ser em
Heidegger (Ser e Tempo, § 9). “A bipolaridade velamento-desvelamento é o
movimento que atravessa o caminho: fenomenologia: o desvelar-se do que se
vela, aquele que se busca no caminho: o ser que vela e desvela no tempo, e a
dimensão da verdade em que o ser manifesta.” (STEIN, 2011, p. 59).
Retomaremos este ponto no capítulo 2 desta dissertação.
17
5
A compreensão de mundo aqui, é inspirada a partir de Heidegger, sob o olhar
de José Carlos Marçal no seu texto “Geviert: o sagrado em Heidegger e a
serenidade em Mestre Eckhart”. Segundo este comentador, “O mundo é
entendido como clareira das sendas das orientações essenciais. A abertura que o
mundo representa permite que o ente saia de sua ocultação e a terra indica o
elemento que deve salvaguardá-lo. Heidegger utiliza um tom poético para
descrever os elementos da quadratura. A terra “é o sustento de todo gesto de
dedicação. A terra dá frutos ao florescer. A terra concentra-se vasta nas pedras e
nas águas, irrompe concentrada na flora e na fauna”. O céu é “o percurso em
abóbadas do sol, o curso em transformação da lua, o brilho peregrino das estrelas,
as estações do ano e suas viradas, luz e crepúsculo do dia”. Os deuses são “os
mensageiros que acenam à divindade. Do domínio sagrado desses manifesta-se o
Deus em sua atualidade ou se retrai em sua dissimulação”. E os mortais “são os
homens. Chamam-se mortais porque podem morrer. Morrer diz: ser capaz da
morte como morte”. É essa simplicidade que Heidegger determina como
quadratura: “Em habitando, os mortais são na quadratura”, daí o lugar
privilegiado do verbo habitar acima mencionado.” (MARÇAL, 2011, p. 160 e
161. Destaque nosso.).
6
Doravante “ST”.
18
“Tudo é íntimo.
Isso separa.
Assim resgata o poeta.
Temerário! De rosto em rosto quererias ver a alma.
Vens abaixo em chamas.”
(HÖLDERLIN, 1991, p. 201)
7
A compreensão aqui de órfica está relacionada aos mistérios dos cânticos dos
poemas, sobretudo na época da Grécia antiga, onde a vida e a morte estão em
sintonia com a arte. O poema dizia a palavra que habitava entre a vida e a morte.
Evocamos a lira do poeta Hölderlin em sua inspiração com a Grécia com um
fragmento do seu poema “Hipérion” “Desde a mais tenra juventude tenho
preferido viver sobretudo na costa da Jônia, da Ática e das belas ilhas do
arquipélago. Aos meus sonhos mais caros pertence o de peregrinar em algum
momento até o túmulo sagrado da humanidade jovial. A Grécia foi o meu
primeiro amor, e não sei se devo dizer que será o único.” (HÖLDERLIN, 2012,
p. 24).
8
“A poesia recebe desse modo sua mais alta dignidade, volta a ser no fim o que
era no princípio – mestra da humanidade, pois não haverá filosofia, não haverá
mais história, só a poesia sobreviverá a todas demais artes e ciências” (PAES,
1991, p.22).
23
9
Hölderlin, estudando a estética de Schiller e Kant, envia uma carta ao amigo
Neuffer explicando seu interesse pela filosofia e seu amor pela poesia: “Existe
de fato um hospital para onde os poetas desditosos da minha espécie podem
fugir sem desdouro - a filosofia. Mas não posso abandonar o meu primeiro
amor, as esperanças da minha juventude, e prefiro soçobrar sem mérito a me
afastar da doce pátria das Musas, da qual só o acaso me desviou.” (PAES, 1991,
p. 21).
10
A prova cabal de que em Hölderlin o filosófico estava a reboque do poético,
vamo-la encontrar na sua obra ulterior ao “Projeto” de 1795, a partir do chamado
ciclo de Diotima, isso tanto nos poemas propriamente ditos quanto no romance
“Hipéríon”, que também pertence ao ciclo: é nele que aparece pela primeira vez
o nome de Diotima. Esse nome Hölderlin o foi buscar em Platão, cujo influxo se
patenteia tão ostensivamente no “Projeto”. Diotima é a enigmática estrangeira de
Mantinéia que ensinou ao Sócrates do “Banquete” ser Eros ou o amor não um
deus mas um gênio, isto é, um ser a meio caminho entre o divino e o mortal, um
mensageiro do mundo dos deuses no mundo dos homens, “liame que une o Todo
a si mesmo”. (PAES, 1991, p. 22).
25
11
Ver, especialmente, o §6 de ST.
26
12
Octavio Paz (1914-1998) também professor e ensaísta mexicano e nome da
vanguarda da poesia moderna.
27
13
É necessário registrar aqui nesta nota um mapeamento feito por Claudia
Drucker sobre a relação Heidegger e Hölderlin. Então, “Heidegger dedicou as
seguintes preleções ao poeta Hölderlin: Os hinos de Hölderlin: “Germânia” e “O
Reno” (1934/35, GA 39), O hino de Hölderlin: “Andenken” (1941/42, GA 52) e
O Hino de Hölderlin: “Der Ister” (1942, GA 53). Heidegger dedicou a Hölderlin
um número de ensaios, alguns deles recolhidos na coletânea Explicações da
poesia de Hölderlin (1971, GA 4). Na coletânea Holzwege (1950, GA 5) temos o
ensaio “Para quê poetas?”. Na coletânea Ensaios e Conferências temos “...o
homem habita poeticamente” (1954, GA 7). Postumamente foi publicado um
volume (75) das Obras Completas todo dedicado ao poeta: Zu Hölderlin –
Griechenlandreisen. Não se incluem que em que Hölderlin não diretamente
citado, que não obstante dependem da interpretação heideggeriana do poeta são:
a coletânea A caminho da linguagem (1959), os ensaios “A coisa” e “Construir,
habitar, pensar” em Ensaios e Conferências.” (DRUCKER, 2015, p. 186).
28
14
Para compreendermos aqui, o que é o ente em Martin Heidegger na sua obra
“Ser e Tempo” é necessário expor a tarefa de uma análise sobre a presença a
partir do parágrafo §9 de Ser e Tempo. “O ente que temos a tarefa de analisar
somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez meu. Em seu ser, isto é,
sendo, este ente se relaciona com o seu ser. Como um ente deste ser, a presença
se entre a responsabilidade de assumir seu próprio ser. Ser é o que neste ente está
sempre em jogo.” (HEIDEGGER, 2013, p. 85).
29
15
Podemos perceber aqui a ascendência de Dilthey sobre Heidegger, quando
Dilthey assevera: “Em cada ponto, a compreensão abre um mundo” (DILTHEY,
2010, p. 184).
16
“O habitar do homem está ao mesmo tempo na errância e na escuta da palavra
em sua travessia, cujo retornar à fala e permanecer na fala, dá morada ao
homem.” (LIMA E SILVA, 2004, p. 2).
17
O que diz então construir? A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer
construir, “buan”, significa habitar. Diz: permanecer, mora. O significado próprio
do verbo bauen (construir), a saber, habitar, perdeu-se. Um vestígio encontra-se
resguardado ainda na palavra “nachbar” vizinho. O nachbar (vizinho) é o
“Nachgeburt”, o “nachgbauer”, aquele que habitar proximidade. Os verbos buri,
büren, beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e
32
circunstâncias do habitar. Sem dúvida a antiga palavra buan não diz apenas que
construir é propriamente habitar, mas também nos acena como devemos pensar o
habitar que ai se nomeia. Quando se fala em habitar, representa-se
costumeiramente um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a
vários outros modos de comportamento. Trabalhamos aqui e habitamos ali. Não
habitamos simplesmente. (HEIDEGGER, 2001, p. 126).
33
18
Benedito Nunes, em seu texto: “Poesia e Filosofia: uma transa”, afirma “A
filosofia não deixa de ser filosofia tornando-se poética, nem a poesia deixa de ser
poesia tornando-se filosófica. Uma polariza a outra sem assimilação
transformadora.” Parece impossível pensar que exista uma determinação
hierárquica que designe qual das duas artes seria mais profunda. Até porque não
pode ser medível, nem desqualificada este tipo de argumentação. Também nas
obras: “O dorso do tigre” e a “Passagem para o poético”, Benedito Nunes
empreende, de forma ampla, o acontecimento filosófico da poesia na filosofia e
vice-versa. Nunes compreende uma composição cíclica, uniforme, que une
existencialmente a poesia com a filosofia. (NUNES, 2009, p. 40).
19
“Nele se alternam pólos opostos mas, complementares, o dia e a noite, a
lucidez, e a embriaguez, a terra e o céu, o sofrimento e a alegria, numa série
antinômica cuja conciliação se faz à luz do sentimento do divino como uma
dimensão latente da consciência. Há nesse empenho de conciliação, algo de
órfico, na medida em que o orfismo representou, na realidade grega, a
harmonização entre o apolíneo e o dionisíaco.” (PAES, 1991, p. 43).
36
20
Outro poeta presente em “Para quê poetas?” é R. M. Rilke. Inclusive a
observação que o filósofo tece em defesa do poeta enquanto re-velador dos
vestígios dos deuses, e aquele a quem a palavra que tudo diz, ainda permanece
oculta. A poesia autêntica de Rilke resume-se, numa paciente antologia, aos dois
pequenos volumes das Elegias de Duíno e dos Sonetos a Orfeu. O longo caminho
até esta poesia é ele próprio, uma interrogação poética. Sobre este caminho, Rilke
experiência mais claramente a indigência do tempo. O tempo permanece
indigente, não apenas porque Deus está morto, mas também porque os mortais já
não conhecem nem dominam a sua própria mortalidade. (HEIDEGGER, 2014, p.
315).
21
“A linguagem é o pronunciamento da fala”. (HEIDEGGER, 2010, p.224).
38
22
Para o poeta mexicano Octavio Paz, a dimensão da poesia enviesada pela
existência do poeta é o que ele produz na sua existência em curso. “Quando um
poeta encontra sua palavra, logo a reconhece: já estava nele. E ele já estava nela.
A palavra do poeta se confunde com o seu próprio ser. Ele é a sua palavra” (PAZ,
2014, p. 53)
23
“Quem se mede pelo desconhecido são os mortais. Os mortais são os homens,
enquanto se demoram na terra e “habitam o mundo, como mundo”. Nesta demora,
o homem levanta olhos para o céu e, ao levantar os olhos, toma a medida: a
medida do que desconhece. No ordinário das palavras, a poesia revela o
extraordinário suspenso na terra e abrigado no céu. Mesmo que os homens de
hoje inventem os mais fantásticos foguetes e robôs de exploração espacial, jamais
seus braços darão conta de cobrir o horizonte onde se guarda o ser, já que tudo
aquilo que é torna-se amplidão no levantar de olhos entre o céu e a terra.” (LIMA
E SILVA, 2004, p. 4)
42
traz o homem para a terra, para ela, e assim o traz para um habitar”
(HEIDEGGER, 2001, p. 169).
Uma anunciação dos deuses naquilo que o humano, sente em sua
mundaneidade. “O habitar poético sobrevoa fantasticamente o real. O
poeta faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o habitar poético
é o habitar “esta terra” (HEIDEGGER, 2001, p. 169). O ser como o aí,
lançado, tem a necessidade de habitar. Por sua vez, o ser-o-aí habita a
linguagem. Portanto o ser lançado no mundo é, por sua vez, portador de
poesia e a sua de-mora nesta terra é a expressão do cuidado de si e do
mundo. Pois,
24
Sobre o acontecimento apropriativo em Martin Heidegger é “a
sobreapropriação do homem na essência, que tem de preservar, perder, inquirir e
fundar a verdade do seer (o adensamento histórico do homem). Assim como o
homem é apropriado em meio ao acontecimento pela verdade, ele pode
respectivamente se conter e se contém. A conservação da guarda e proteção do
acontecimento apropriativo. A cautela da vigília e a atenção dos guardiões
provêm da nobreza e da pobreza do homem da história do seer. Obediência como
consequência, que se segue à transversão - à despedida em meio ao acaso. A
cautela atenciosa da experiência do acontecimento apropriativo que é a dor da
exportação resolutora do acaso da diferença e da despedida do início.”
(HEIDEGGER, 2013, p. 190).
25
Nesta expressão “Levantar os olhos” em Heidegger é possível observar a
“medida” em que o homem habita esta terra. Ele está abaixo do céu, ou seja, os
mortais necessitam e evocam o retorno dos deuses enquanto aqueles que habitam
sobre a quadratura. “Mas justo nesse esforço e por esse esforço concede-se ao
homem levantar os olhos para os celestiais. Não obstante esse levantar os olhos
percorra toda direção acima do céu, permanece no abaixo da terra.”
(HEIDEGGER, 2001, p. 172)
44
26
O sentido heideggeriano de poiesis aqui, é compreendido como aquilo
inaugural que advém da linguagem. A poiesis é a fala inaugurante do
47
27
Benedito Nunes explica a transição entre o primeiro Heidegger e o segundo,
evidenciando seus passos e as obras que representaram tais saltos. (NUNES,
2016, p. 17)
54
28
Para registrar as demais variações do demonstrativo para além da palavra bauen
em sua forma originária. Martin Heidegger continua: “Construir significa
originariamente habitar. Quando a palavra bauen, construir ainda fala de maneira
originária diz, ao mesmo tempo, que amplitude alcança o vigor essencial do
habitar. Bauen, buan, bhu, beo é na verdade, a mesma palavra alemã “bin”, eu
sou nas conjugações ich bin, du bist, eu sou, tu és, nas formas imperativas bis,
sei, sê, sede. O que diz então: Eu sou? A antiga palavra bauen (construir) a que
pertence “bin”, “sou” reponde: “ich bin”, “du bist” (eu sou, tu és) significa: eu
habito, tu habitas. A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos
homens sobre essa terra é o Buan, o habitar.” (HEIDEGGER, 2001, p. 127)
62
29
Para Heidegger a compreensão das palavras “wuon” e “wunian” em relação ao
vigor dessas: “Mas em que consiste o vigor essencial do habitar? Escutemos mais
uma vez o dizer da linguagem: a mesma maneira que a antiga palavra bauen, o
antigo saxão “wuon”, o “gótico” “wunian” significam permanecer, “de-morar-
se”. O gótico “wunian” diz, porém, com clareza ainda maior, como se dá a
experiência desse permanecer. Wunian diz: ser e estar apaziguado, ser e
permanecer em paz.” (HEIDEGGER, 2001, p. 129)
63
30
Sobre a quadratura ou quadridade, este termo, embora esteja citado acima nas
Conferências de Heidegger na década de 50, em 1936 já era desenhado pelo
filósofo em sua obra “A origem da obra de arte”, que delineava a compreensão
sobre o enfrentamento dos mundos entre humanos e imortais, céu e terra. Uma
tentativa de visualizar o humano enquanto circundado por um fluxo que não
haveria como livrar-se.
64
deixa rastros de uma escrita delicada, pausada, com diretrizes daquilo que
advindo da poesia, é habitado por ela, em paz e serenidade.31
O filósofo canta a natureza em conexão com o homem, de tal
forma, que, acentua estas palavras: “A terra é o sustento de todo gesto de
dedicação. A terra dá frutos ao florescer. A terra concentra-se vasta nas
pedras e nas águas, irrompe concentrada na flora e na fauna. Dizendo
terra, já pensamos os outros três. Mas isso ainda não significa que se tenha
pensado a simplicidade dos quatro.” (HEIDEGGER, 2001, p. 129)
A poesia notada na escrita de Heidegger pode ser observada na sua
sutileza com o trato com as palavras. Martin Heidegger cantou o tempo a
tempo de experimentar o habitar poético. Nas palavras do filósofo, há
uma sincronicidade pertencente à quadratura, que representa a harmonia
em simplicidade e naturalidade. Pois,
31
Não adentramos nesta questão nesta pesquisa, porém, cumpre dizer que, já no
percurso demonstrado, Heidegger deixar mostrar pinceladas de sua atração com
o Oriente e com a Filosofia Budista, especialmente com o “Tao”.
65
32
Este conceito não é central nesta dissertação, mas para frisar a sua presença em
ressonância da temática abordada, vale ressaltar que “Produzir, em grego, é tíkto.
À raiz tec desse verbo é comum à palavra tékhne. Tékhne não significa, para os
gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixar-aparecer algo como isso ou
aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos
pensam a tékhne, o produzir, a partir do deixar-aparecer, A tékhne a ser pensada
desse modo, de há muito, se resguarda no tectônico do arquitetônico. Ela se
resguarda, ainda mais recentemente e de forma decisiva, no técnico da técnica
dos motores pesados. A essência do produzir que constrói não se deixa, porém,
pensar nem a partir da arquitetura, nem da engenharia e nem tampouco a partir
da mera combinação de uma e de outra. O produzir que constrói também não se
deixaria determinar de forma adequada se quiséssemos pensá-lo no sentido
originariamente grego de tékhne, ou seja, somente como um deixar-aparecer que
traz o produzido como uma coisa vigente para o meio de coisas já em vigor.”
(HEIDEGGER, 2001, p. 139).
70
viu o quanto a humanidade estava falida, naquilo que diz respeito ao trato
cuidadoso com si mesmo e com aquilo que estava sendo construído no
mundo. Assim, para Heidegger o Ser é fazedor de mundo.
33
“(Angst) é a mais fundamental dessas disposições basais do afeto, na medida
em que concerne não aos entes intramundanos, mas o ser-o-aí no mundo. Não se
trata de temor ou ansiedade pela perda de um objeto presente ou virtual, pela
cessação de um estado de coisas, mas um ânimo que abrange todas as
possibilidades de ser do ser-o-aí em sua raiz: tensão entre ser-si-próprio e perder-
se, desgarrar-se, a possibilidade sempre presente de falta de si.” (GIACOIA JR,
2013, p.75)
92
34
E como deus estava sendo anunciado pelo poeta, ou já houvera sido anunciado
as existências dos deuses foragidos, Heidegger complementa a sua espera: “O
verdadeiro só acontece apropriativamente na verdade de que pertencemos à sua
essenciação, de que conhecemos o perigo da inversão como o perigo enraizado
na verdade e não nos imiscuímos nem tememos seu poder desencadeado,
insistindo no risco do seer, obedientes ao serviço único do deus que ainda não
apareceu, mas já foi anunciado.” (HEIDEGGER, 2010, p. 18).
94
Para isto, pensar nessa ponte que sobrevive entre o sonho e a ação,
é que cantam juntos na mesma canção o poeta e o filósofo; para sonhar é
necessário tempo. O tempo do mundo que comungam “filósofos e
poetas”. Aquele tempo de que Heidegger fala, do que é preciso deixar a
terra dar o seu fruto; e respeitando esse tempo, o poeta levanta seus olhos
para o alto esperando e cantando sua conexão com os deuses. A ação para
o poeta é mediada pelo tempo meditativo, este tão importante na filosofia
de Heidegger.
Quando o sonho e a ação se encontram eles constroem. O sonho é
a poesia em verso pela existência. “La poesia es instauración por la
99
35
“Heidegger confia na potência silenciosa da meditação. Embora não tenha a
mesma eficácia instrumental do pensar calculatório, a meditação preocupada não
deixa de ser determinante, nem se esgota em reverência ao fato; a palavra
serenidade não é sinônimo de resignação. Com ela, o filósofo pensa um agir
amadurecido, liberado da instância compulsiva do ativismo, do falatório vazio e
pomposo vigente na esfera pública contemporânea.” (GIACOIA JR, 2013, p.102-
103).
36
A apresentação do conceito redução eidética, trabalhado por Giacoia Jr, que
significa pertencente à essência; a formas ou imagens com características, pode
ser compreendida como uma dimensão poética da percepção: “A redução eidética
parte da simples percepção sensível e, por meio de sua descrição metódica,
desvenda também suas estruturas formais ou ideais, que não são de natureza
psicológica ou subjetiva, mas lógicas e universais. Tais estruturas são essências
102
com o modo em que as coisas devem permanecer e sendo como elas são.
Ao contrário, é neste tempo que o necessário agir e pensar conecta-se com
a escuta, atento ao outro; ao meio em que se vive; e ao instante presente,
responsável pelo futuro.
O tempo meditativo traz a responsabilidade para o presente,
visando o futuro. O mesmo que evoca a história do ser. Mas é com a
experiência da consciência livre que integralmente se vive com o tempo
da noite do mundo aberto aos processos necessários para o agir, porque
“O homem, no entanto, só consegue habitar após ter construído num outro
modo e quando constrói e continua a construir na compenetração de um
sentido.” (HEIDEGGER, 2001, p. 169)
Para a Filosofia da Educação, é importante pensar sobre a
compreensão das necessidades existenciais do ser-aí enquanto aluno em
formação. No tempo do urgente37 é que evocam-se os deuses foragidos
para uma época carente de humanidade. “Mas é justamente à sombra do
perigo que urge retomar as palavras dos poetas e pensadores, da arte e da
filosofia” (GIACOIA JR, 2013, p. 104). Heidegger é um porta-voz dos
poemas de Hölderlin na era da noite do mundo. Embora Hölderlin não
estivesse mais neste mundo, Heidegger estava escutando suas palavras,
que fizeram morada no seu pensamento como vestígios dos deuses
foragidos até os últimos dias de sua vida.
É sendo conduzido por este respeito pela fala do poeta que
Heidegger continua espantado com a dimensão das palavras de Hölderlin;
“Pensando o que Hölderlin ditou poeticamente sobre o habitar poético do
homem; pressentimos, na própria diferença do modo de pensar, um
caminho que conduz ao mesmo que o poeta ditou poeticamente.”
(HEIDEGGER, 2001, p. 171) No poema de Hölderlin, nos versos 24 até
o 38 é encontrada a beleza da amizade e do esforço pelo qual Heidegger
é contagiado. Então,
ideias, porém diferentes das ideias platônicas, cuja existência real é admitida em
um mundo inteligível. As essências de Husserl são formas de a consciência visar
e exibir seus objetos.” (GIACOIA JR, 2013, p. 37).
37
Quando o imediato e urgente tornar o córrego da vida perigoso, clamemos os
poetas, neste caso, Hölderlin: “Lá onde há perigo, cresce também aquilo que
salva” (Wo aber Gefahr ist, wächst das Rettende auch) (GIACOIA JR, 2013, p.
104).
103
38
Na obra “Hinos de Hölderlin” de Martin Heidegger, o filósofo chama a
atenção para a necessidade do tudo a ser compreendido em relação aos sentidos
das palavras de Hölderlin, porque “O poema encontra-se à nossa frente,
impresso, uma estrutura verbal imediatamente legível, dizível, e audível. Como
uma tal estrutura linguística, tem <sentido>. (HEIDEGGER, 2004, p. 23).
113
39
As percepções dos poetas estão conectadas com sua memória e sua vontade de
si, pois manifesta-se constantemente em seu desejo de criar e recriar; do
descobrir-se para além e de si e do mundo. A poesia é uma revelação, um
desvelar-se. Um desejo de sempre e que nunca muda, porque é perene, insiste e
constrói. Sempre está na busca do Eterno Belo Verdadeiro. O artista busca a
perenidade da vida na beleza do que produz, escavando sua própria pele em busca
de revelações. “A obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e
114
por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ouvido, dito,
sentido ou pensado.” (CHAUI, 1996, p.316).
115
40
A expressão em alemão “Rede” é compreendida por Heidegger, segundo
Giacoia Jr, como: “Entender de ser, poder ser, compreender, em sentido
ontológico, é encontrar-se em uma disposição básica de abertura compreensiva,
prévia e tácita, de preocupação com o ser. Neste sentido, compreendemos o que
significa ser, sabemos mais ou menos o que queremos dizer quando empregamos
a palavra “ser””. (GIACOIA JR, 2013, p.77).
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi tecida uma trama que inclina o pensamento para o levantar dos
olhos sobre a de-mora dos mortais nesta terra. Sob o abismo da
emergência, na qual toda contemporaneidade se nomeia com licença
poética, pois é imediato o tempo do agora. E como o próprio Heidegger
menciona “...Na pretensa eternidade esconde-se apenas um transitório
armazenado, armazenado no vazio de uma agora sem duração”
(HEIDEGGER, 2014, p.367).
Neste escrito, o convite é pela experiência de outro tempo. Embora
esteja no tempo meditativo do agora-devir, aquele da outra margem de
Octavio Paz, a travessia para o outro lado. É um agora sem duração. Um
tempo outro. Aquele canto do poeta pela volta dos deuses foragidos, como
diria Hölderlin.
A feitura desta dissertação em si mesma já é uma experiência
formativa da construção e morada em um habitar poético. Os mortais
necessitam ver os vestígios dos deuses foragidos através da sua conexão
com os ecos do mundo, enquanto céu e terra, mortais e deuses. O ser é
resguardado sob a quadratura. Ou seja, estar na presença da quadratura é
cantar Dionísio enquanto o deus da festa e da vida, e repousar à sombra
do lugar da origem do ser, em celebração a natureza, pelo devir
construtivo e desconstrutivo, que vela e desvela os campos das
possibilidades artísticas em vida. Heidegger mesmo nos orienta nesta
direção de ser-aí enquanto formador de mundo que se dá pelo cuidado e
responsabilidade consigo mesmo. Todo o caminho possível, aqui
sugerido, então, só poderia ser dito de um lugar e modo singular de ser.
Trilhar por entre a proposta autoformativa é percorrer tal qual os
caminhos de florestas de Heidegger. Caminhando por entre floresta
fechada há seu labirinto, angústia, mistério. Mas há a beleza de cada
planta, céu, animais e deuses. O poeta sobrevive a si mesmo, fazendo do
seu próprio corpo residência de grandes acontecimentos mundanos. O
texto fala a sua alma na escuta originária. Por isso, a poesia é, sobretudo,
escuta. A fala antecede a escuta. Sendo assim, a poesia é fonte de
antagonismos que se enfrentam, mas habitam a mesma morada.
Por fim, pensar todo este exposto enquanto encontro possível entre
filosofia, poesia e educação é empreender uma possível dinamização
necessária que convoque o ser-no-mundo enquanto cura. Trazer o
chamado da linguagem é estar presente com pre-ocupação e cuidado. A
de-mora para construir e habitar poeticamente este mundo é o desejo que
construir para si mesmo uma casa da cura. Com a intransferível missão
de finalizar o inacabado e fluxo continuo deste texto, seguimos pontuando
a importância do tempo meditativo de Heidegger que evoca o “levantar
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OUTRAS REFERÊNCIAS