Os Intelectuais e A Sociedade - Thomas Sowell
Os Intelectuais e A Sociedade - Thomas Sowell
Os Intelectuais e A Sociedade - Thomas Sowell
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educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar
Thomas Sowell
TRADUÇÃO DE MAURÍCIO G. RIGHI
É REALIZAÇÕES EDITORA
SUMÁRIO
Prefácio
Agradecimentos
Capítulo 1
O Intelecto e os Intelectuais
Capítulo 2
Conhecimento e Noções
Capítulo 3
Os Intelectuais e a Justiça
Capítulo 7
Os Intelectuais e a Guerra
Capítulo 8
Os Intelectuais e a Guerra: Repetindo a História
Capítulo 9
Os Intelectuais e a Sociedade
Índice
PREFÁCIO
◆ ◆ ◆
AGRADECIMENTOS
◆ ◆ ◆
OS INTELECTUAIS
E A SOCIEDADE
CAPÍTULO 1
O INTELECTO E OS INTELECTUAIS
DEFININDO OS INTELECTUAIS
Devemos ser claros sobre o que queremos dizer com
intelectuais. Aqui, neste nosso caso, "intelectuais" será
entendido como uma categoria ocupacional, composta por
pessoas cujas ocupações profissionais operam
fundamentalmente em função de ideias - falo de escritores,
acadêmicos e afins.[5] A maioria de nós não atribui o papel
de intelectuais para neurocirurgiões e engenheiros, apesar
do exigente treino mental que são obrigados a trilhar. Na
prática, ninguém considera intelectual mesmo o mais
brilhante e bem-sucedido gênio das finanças.
No âmago do exercício da atividade intelectual
encontramos a noção do operador de ideias como tal - não
falo da aplicação prática das ideias, como fazem os
engenheiros, ao aplicarem princípios científicos complexos
na criação de estruturas físicas e mecanismos. Um bitolado
cientista social cujo trabalho pode ser descrito como
"engenharia social", raramente administrará os esquemas
que ele ou ela criam ou defendem. Tal trabalho é deixado a
cargo de burocratas, políticos, assistentes sociais, a polícia,
dentre outros, ou seja, de pessoas diretamente
responsáveis pela implantação das ideias do cientista social.
Rótulos como "ciência social aplicada" podem ser inseridos
no trabalho desse cientista social, mas o seu trabalho está
essencialmente baseado na manipulação de ideias gerais,
as quais podem ser usadas na produção de ideias mais
específicas e na gestão de políticas sociais que serão
aplicadas, por sua vez, por terceiros.
Nosso cientista social não executará, pessoalmente,
essas ideias específicas, diferentemente de um médico que
aplica os conhecimentos da ciência médica em seres
humanos de carne e osso, ou mesmo de um engenheiro,
calçando suas longas botas e que estará presente no palco
de operações, participando da construção de uma ponte ou
de um prédio. O resultado - o produto final - do trabalho de
um intelectual é constituído de ideias.
O produto final do trabalho de Jonas Salk foi uma
vacina, assim como o resultado do trabalho de Bill Gates foi
um sistema operacional para computadores. Apesar de todo
o poder mental, insights e talentos envolvidos nessas e em
outras grandes realizações, tais indivíduos não são
intelectuais. O trabalho de um intelectual começa e termina
com ideias, sem levar em conta a influência que essas
ideias possam ou não exercer sobre a vida concreta - nas
mãos de terceiros. Adam Smith nunca administrou um
negócio e Karl Marx nunca gerenciou um Gulag (*). Os dois
eram meros intelectuais. As ideias, como tais, não
constituem apenas a matéria-prima da vida intelectual, mas
também funcionam como critério para avaliar as realizações
intelectuais, apresentando-se como fonte de frequentes e
perigosas seduções para os participantes dessa ocupação.
No universo acadêmico, a nata dos intelectuais é
composta, por exemplo, por aqueles indivíduos cujos
campos de estudo estão mais impregnados pelas ideias. As
faculdades de administração, de engenharia, de medicina
ou o departamento de atletismo de uma universidade
qualquer não representam as disciplinas que primeiro vêm à
nossa mente toda vez que pensamos em intelectuais
acadêmicos. Além do mais, as ideologias e atitudes
predominantes entre acadêmicos intelectuais são, nos
departamentos citados, bem menos visíveis. Contudo, os
departamentos de sociologia são, geralmente, notados
como muito mais inclinados politicamente à esquerda, se os
compararmos com a escola de medicina, assim como os
departamentos de psicologia também são notoriamente
mais esquerdistas que os departamentos de engenharia, o
mesmo acontecendo com o departamento de letras, que é
mais esquerdista que o de economia, e assim por diante.[6]
O termo "pseudointelectual" é por vezes usado para
identificar os membros menos inteligentes ou menos
preparados da profissão. Mas da mesma forma que um
péssimo policial continua sendo um policial -
desconsiderando-se todo o problema que a situação gera -,
um intelectual superficial, desonesto e confuso continuará
sendo membro de sua ocupação, tanto quanto o seu modelo
máximo. Uma vez que a realidade da qual estamos tratando
fique clara, toda vez que falamos de intelectuais - a
descrição de uma ocupação profissional, em vez de um
rótulo qualitativo ou um título honorífico -, então podemos
olhar para as características dessa ocupação, observando
os incentivos e as restrições que ela comporta e
identificando como esses elementos afetam aqueles que
seguem esse campo, para, então, podermos constatar como
essas características se relacionam ao comportamento dos
intelectuais. A questão maior é, certamente, como o
comportamento dos intelectuais afeta a sociedade na qual
eles vivem.
Em geral, o impacto gerado pela atividade intelectual
independe do fato de os intelectuais serem reconhecidos
como "intelectuais públicos" - aqueles que se dirigem ao
grande público, comparando-se aos intelectuais cujas ideias
estão confinadas ao ambiente estritamente especializado
de suas áreas ou mesmo ao universo puramente intelectual.
Alguns dos livros que causaram mais impacto no século XX
foram lidos por poucos e compreendidos por um público
ainda mais exíguo. Estou falando dos trabalhos de Karl Marx
e Sigmund Freud escritos no século XIX. Porém, as
conclusões desses escritores - distinguindo-as da
complexidade de suas análises - inspiraram um vastíssimo
contingente de intelectuais por todo o mundo e, por
intermédio dos últimos, alcançaram o grande público. A alta
reputação que esses trabalhos alcançaram inflamou a
confiança de muitos seguidores, os quais não chegaram, em
grande parte, a dominar as obras nem sequer se esforçaram
para tal.
Mesmo intelectuais cujos nomes são praticamente
desconhecidos do público em geral tiveram um impacto de
repercussão mundial. Friedrich Hayek, cujos trabalhos -
notadamente The Road to Serfdom [O Caminho da
Servidão] - deram início a uma contrarrevolução, mais tarde
aderida por Milton Friedman, alcançando seu clímax político
com a ascensão de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e de
Ronald Reagan nos Estados Unidos. Essa obra era pouco
conhecida e pouco lida até mesmo entre os círculos
intelectuais, no entanto, inspirou muitos formadores de
opinião e ativistas políticos, os quais, por sua vez, tornaram
essas ideias tema para amplos projetos e discussões que
influenciaram políticas e decisões de governo. Hayek foi um
exemplo clássico do tipo de intelectual descrito pelo juiz da
Suprema Corte Oliver Wendell Holmes como um pensador
que "mesmo um século depois de sua morte e seu
esquecimento, homens que nunca ouviram falar dele
estarão, no entanto, se movendo na medida ditada por seu
pensamento".[7]
◆ ◆ ◆
A INTELIGENTSIA
Cercando um núcleo mais ou menos sólido de
criadores de novas ideias existe outra esfera de atuação
composta por aqueles cujo papel se restringe ao uso e à
disseminação dessas ideias. Estes últimos respondem, em
grande parte, pelo corpo de professores, jornalistas,
ativistas sociais, adidos políticos, funcionários do judiciário e
outros que fundamentam suas crenças ou ações a partir das
ideias produzidas pelos intelectuais do primeiro escalão. Os
jornalistas, no papel de editores ou colunistas, são, além de
grandes consumidores das ideias dos intelectuais de grande
porte, produtores de ideias próprias e, dessa forma, podem
ser considerados - em tais circunstâncias - intelectuais. A
originalidade não se apresenta como um atributo essencial
para definir um intelectual desde que as ideias sejam o
produto final. Contudo, no papel de meros repórteres, os
jornalistas estariam encarregados de simplesmente reportar
os fatos. No entanto, à medida que os fatos são filtrados e
modificados para que se alinhem às noções preponderantes
do universo intelectual dominante, esses repórteres acabam
desempenhando um novo papel, formando uma penumbra
ideológica cuja sombra reflete o núcleo intelectual central.
Eles se constituem, então, como membros de uma
intelligentsia, a qual inclui, mas não se limita aos
intelectuais. Finalmente, temos aqueles cuj as profissões
não estão sob grande influência das ideias provenientes dos
intelectuais, mas estão, no entanto, interessados em
participar e se inteirar das ideias, mesmo que seja apenas
para usá-las socialmente, sentindo-se lisonjeados ao ser
considerados membros da intelligentsia.
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◆ ◆ ◆
VERIFICAÇÃO EMPÍRICA
São externos os padrões pelos quais engenheiros e
financistas são julgados, pois a verificação se encontra para
fora do reino das ideias e para além do controle de seus
pares. Um engenheiro cujas pontes ou cujos prédios
desabam estará certamente arruinado, assim como um
financista que pede falência. Pouco importa quão plausíveis
ou admiráveis suas ideias possam, porventura, ter parecido
aos seus colegas engenheiros e financistas, pois a qualidade
do pudim será atestada, fundamentalmente, quando o
comermos. O fracasso, nesse caso, pode ser observado no
declínio de prestígio profissional, o que se dá como efeito e
não como causa. Por outro lado, ideias que num primeiro
momento pareciam desacreditadas por seus colegas
engenheiros e financistas podem vir a ser plenamente
aceitas entre os profissionais caso seu sucesso empírico se
torne patente. O mesmo vale para cientistas e técnicos
esportivos. No entanto, o teste fundamental para as ideias
de um desconstrucionista realiza-se na opinião de outros
desconstrucionistas, os quais irão dizer se acham ou não
acham as ideias interessantes, originais, persuasivas,
elegantes ou engenhosas o suficiente. Não existe um teste
externo.
Em resumo, dentre todos os que exercem ocupações
mentalmente exigentes, a linha demarcatória que separa os
mais propensos a serem vistos como intelectuais de outros
menos propensos a receberem o título divide aqueles cujas
ideias estão fundamentalmente sujeitas a critérios internos
de verificação de outros cuj as ideias estão
fundamentalmente sujeitas ao crivo externo da verificação
empírica. Entre os intelectuais, os próprios termos que
expressam admiração ou repúdio refletem uma total falta
de critério empírico. Ideias que são "complexas",
"excitantes", "inovadoras", "cheias de nuance" ou
"progressistas" são admiradas, ao passo que outras ideias
são prontamente rejeitadas por serem "simplistas",
"ultrapassadas" ou "reacionárias". Todavia, ninguém julgaria
as ideias de Vince Lombardi sobre o futebol americano por
sua plausibilidade a priori, ou pelo fato de serem mais ou
menos complexas do que as ideias de outros treinadores de
futebol, ou se elas representam novas ou antigas
concepções de como o jogo deveria ser jogado. Vince
Lombardi foi julgado pelo que aconteceu quando suas ideias
foram colocadas à prova no campo de futebol.
De maneira semelhante, no campo completamente
distinto da física, a teoria de Einstein sobre a relatividade
não conquistou aceitação em função de sua plausibilidade,
elegância, complexidade ou novidade. Nesse caso, não
obstante o fato de outros físicos terem sido inicialmente
céticos, o próprio Einstein declarou que suas teorias não
deveriam ser aceitas até que pudessem ser verificadas
empiricamente. O teste crucial ocorreu quando cientistas
em todo o mundo observaram um eclipse solar,
confirmando que a luz se comportara de acordo com a
teoria de Einstein, descartando-se o quão implausível a
teoria possa ter parecido quando fora formulada.
O grande problema - e o grande perigo social - de um
critério puramente interno é que ele pode facilmente blindar
as ideias, protegendo-as das verificações e dos feedbacks
do mundo externo, instituindo, assim, a permanência de
métodos de validação meramente circulares. A
plausibilidade ou não que uma nova ideia incita depende do
que cada um já tem incorporado como crença. Quando o
único critério de validação externa se assenta no que outros
indivíduos acreditam ou deixam de acreditar, tudo passa a
depender da posição que esses outros indivíduos ocupam,
ou seja, quem eles são. Caso sejam pessoas simples, as
quais têm, em geral, um pensamento similar, então o
consenso do grupo sobre uma nova ideia em particular
dependerá do que o grupo já acredita em linhas gerais,
porém não teremos nada a dizer sobre a validade empírica
a respeito dessa ideia no mundo externo.
Ideias que se encontram blindadas no mundo externo
e m relação à sua origem ou validação, podem, no entanto,
exercer grande impacto no mundo no qual milhões de seres
humanos vivem. As ideias de Lênin, Hitler e Mao exerceram
um enorme - e geralmente letal - impacto na vida de
milhões de pessoas, mesmo ao saber da diminuta validade
que tais ideias tinham em si mesmas, pelo menos aos olhos
dos que se encontravam fora dos círculos formados por
seguidores ideológicos e subordinados ambiciosos.
O impacto das ideias sobre o mundo real é bastante
evidente. O oposto, todavia, não se faz tão evidente assim,
apesar de dizerem o contrário certas noções da moda, as
quais nos querem fazer crer que grandes mudanças nas
ideias são geradas por grandes eventos. O recém-ganhador
do Prêmio Nobel, o economista George J. Stigler, destacou:
"Uma guerra pode devastar um continente inteiro ou
mesmo destruir toda uma geração sem, contudo,
apresentar quaisquer novas questões teóricas".[8] As
guerras têm feito, com frequência, as duas coisas ao longo
de muitos séculos, portanto essa questão não representa
um novo fenômeno para o qual uma nova explicação seja
necessária.
Alguém pode, por exemplo, considerar a economia
keynesiana um sistema de ideias particularmente relevante
aos eventos da época em que foi publicada -
especificamente, a Grande Depressão da década de 1930 -,
mas o que se faz notável é o quanto isso se torna
insignificante diante de outros sistemas intelectuais
marcantes. Os objetos em queda livre se verificavam em
maior ou em menor abundância quando as leis da gravidade
de Newton foram desenvolvidas? Novas espécies apareciam
e velhas espécies desapareciam mais rápida e
constantemente quando do lançamento de A Origem das
Espécies de Darwin? O que produziu a teoria da relatividade
de Einstein a não ser seu próprio pensamento?
◆ ◆ ◆
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Os intelectuais são, no senso estrito que estamos
vendo, fundamentalmente inconsequentes às exigências do
mundo externo. A predominância e a presumida
conveniência dessa situação é confirmada por coisas como
estabilidade de cargos e privilégios acadêmicos, além de
conceitos cada vez mais expandidos de "liberdade
acadêmica" e "autogerência acadêmica". Na mídia, noções
expandidas de liberdade de expressão e de imprensa
desempenham papéis semelhantes. Tal irresponsabilidade
diante do mundo real e concreto não se apresenta como
simples acaso, mas se coloca como princípio. John Stuart
Mill alegava que os intelectuais deveriam estar
desimpedidos até mesmo dos padrões sociais - ao passo
que ele mesmo determinava padrões sociais para os outros
seguirem.[9] Os intelectuais não foram apenas isolados das
consequências materiais, mas têm, com frequência, gozado
de imunidade contra, até mesmo, a perda de reputação,
mesmo quando se comprova que estavam completamente
errados. Como bem coloca Eric Hoffer:
◆ ◆ ◆
CAPÍTULO 2
CONHECIMENTO E NOÇÕES
DANIEL J. FLYNN[13]
◆ ◆ ◆
CONCEITOS DE CONHECIMENTO
CONCORRENTES
Frequentemente e de forma arbitrária, a forma como o
conhecimento é usado por muitos intelectuais limita que
tipo de informação verificada e analisada será considerada
conhecimento. Essa limitação arbitrária, em relação ao
significado do termo, foi expressa numa paródia sobre
Benjamin Jowett, mestre da Faculdade Balliol, na
Universidade de Oxford:
Meu nome é Benjamin Jowett.
Se for o caso de conhecimento, eu conheço.
Sou o mestre desta faculdade.
Aquilo que não sei, não é conhecimento.
Uma pessoa considerada "entendida" possui
geralmente um tipo especial de conhecimento. Talvez
possua conhecimento acadêmico ou de outro tipo qualquer,
mas que não é amplamente encontrado entre a população
em geral. Alguém que tenha muito mais conhecimento
sobre coisas mundanas, como encanamento, carpintaria e
beisebol, por exemplo, estará muito menos propenso a ser
reconhecido, pelos intelectuais, como "entendido ou
Versado", pois, para eles, tudo o que desconhecem não
pode ser considerado conhecimento. Embora o tipo especial
de conhecimento associado aos intelectuais seja
geralmente mais valorizado e receba mais prestígio social,
não é certo, de forma alguma, que seja, necessariamente,
mais significativo em seus efeitos no mundo real. O mesmo
vale para o conhecimento associado ao universo dos
especialistas. Sem dúvida, os profissionais encarregados de
conduzir o Titanic tinham muito mais qualificação nos vários
aspectos da navegação em comparação com a maioria das
pessoas comuns, mas o que revelou ser crucial, em suas
consequências, foi o conhecimento mundano sobre onde
estariam localizados os icebergs da região naquela noite. De
forma semelhante, muitas decisões econômicas se
encontram crucialmente dependentes do tipo de
conhecimento mundano que os intelectuais talvez
desdenhem, não o considerando um conhecimento genuíno
no sentido que geralmente atribuem ao termo.
A localização das coisas é apenas um dos tipos de
conhecimento mundano e sua importância não se restringe,
de forma alguma, à localização de icebergs. Por exemplo, o
conhecimento mundano sobre a localização do cruzamento
da Avenida Broadway com a Rua 23, em Manhattan, pode
ser considerado irrelevante para determinar se um sujeito
qualquer deve ser visto como uma pessoa entendida das
coisas. Todavia, para um negociante procurando abrir uma
loja, tal conhecimento pode representar a diferença entre a
falência e a capacidade de fazer milhões de dólares.
As empresas investem grande soma de tempo e
dinheiro para determinar a exata localização de suas
operações, e essas decisões não são, de forma alguma,
aleatórias. Não é mera coincidência que postos de gasolina
sejam sempre encontrados nas esquinas e geralmente
próximos de outros postos, da mesma forma que
concessionárias de veículos estão com frequência
localizadas umas perto das outras, ao passo que papelarias
raramente se encontram próximas umas das outras.
Pessoas bem-informadas sobre o mundo dos negócios
comentam que um dos fatores que respondeu pelo
espetacular crescimento da rede Starbucks foi provocado
pela atenção que seus gestores e executivos deram à
escolha dos pontos para o estabelecimento das lojas, e um
dos fatores que explica o fechamento de centenas de lojas
Starbucks, em 2008, foi justamente abandono de tal prática.
[21] Já se tornou clichê, entre os corretores, que os três
fatores mais determinantes sobre o valor dos imóveis são a
localização, a localização e a localização.
A localização é apenas mais um, dentre muitos outros
fatores mundanos que, não obstante, impõem
consequências significativas e, em geral, decisivas. O
conhecimento mundano de uma enfermeira sobre se
determinado paciente é alérgico à penicilina pode
representar a diferença entre a vida e a morte. Quando um
avião se aproxima do aeroporto em procedimento de
aterrissagem, a observação da torre de controle de que o
piloto se esqueceu de abaixar o trem de pouso é o tipo de
informação cuja transmissão imediata para o piloto se faz
crucial, apesar de tal conhecimento não exigir nenhuma
capacidade intelectual maior que a visão. Um conhecimento
antecipado sobre o local do desembarque das tropas aliadas
no Dia D, o qual previsse que aquele desembarque ocorreria
nas praias da Normandia e não em Calais, como esperava
Hitler, teria levado a uma completa alteração na distribuição
das forças nazistas, o que acarretaria baixas muito mais
altas, ceifando a vida de um número muito maior de
soldados, talvez de uma forma tão aguda que condenasse
toda a operação, mudando, assim, o curso da guerra. Dessa
maneira, boa parte desse conhecimento especial que se
concentra no universo dominado pelos intelectuais pode,
contudo, não ter o mesmo peso e as mesmas
consequências que tem o conhecimento muito mais
mundano e singelo que está espalhado entre a população
em geral. Em seu conjunto, o conhecimento mundano pode
sobrepujar em muito o conhecimento especial das elites
tanto em quantidade quanto em consequências. Se, por um
lado, o conhecimento especial dos intelectuais se estrutura
quase invariavelmente como conhecimento articulado, por
outro lado outros tipos de conhecimento não precisam estar
articulados entre si nem mesmo precisam estar
conscientemente articulados. Friedrich Hayek incluía como
conhecimento "todas as adaptações humanas ao meio
ambiente, nas quais a experiência pretérita foi
incorporada". Ele complementa:
◆ ◆ ◆
CONCENTRAÇÃO E DISPERSÃO DE
CONHECIMENTO
Quando tanto o conhecimento especial quanto o
conhecimento mundano são contemplados e tidos como
conhecimento genuíno, torna-se duvidoso se mesmo a
pessoa mais culta do planeta tem sequer uma pequena
fração de todo o conhecimento acumulado do mundo ou
mesmo uma pequena fração do conhecimento mais
significativo de uma sociedade qualquer.
Tal constatação traz sérias implicações, as quais
podem, dentre outras coisas, ajudar-nos a explicar o motivo
pelo qual tantos intelectuais proeminentes têm defendido,
tantas vezes, noções que provam ser absolutamente
desastrosas. Não é apenas com o apoio dado às políticas e
agendas particularmente desastrosas que os intelectuais
revelam os perigos embutidos em suas decisões e seus
favorecimentos. Toda a abordagem sobre a condução da
sociedade - a própria ideologia que comungam - tem em
geral refletido uma concepção fundamentalmente errada
sobre o conhecimento e sua concentração ou dispersão.
Muitos intelectuais e seus seguidores ficam
excessivamente impressionados pelo fato de as elites
altamente educadas - eles próprios - terem muito mais
conhecimento per capita - no sentido de conhecimento
especial - do que a população em geral. A partir dessa
noção é necessário apenas um pequeno passo para que
legitimem as elites educadas como guias superiores,
declarando que têm o direito de impor o que deve e não
deve ser feito na sociedade. Eles geralmente ignoram o fato
crucial de a população em geral ter uma quantidade muito
superior de conhecimento total - no sentido mundano - do
que têm as elites, mesmo quando tal conhecimento se
encontra espalhado em fragmentos, individualmente
insignificantes, dentre um vasto contingente populacional.
Se ninguém tem nem sequer 1% do conhecimento
atualmente disponível, sem contar a vastidão de
conhecimento ainda por vir, a imposição, de cima para
baixo, de noções estimadas pelas elites, por estarem
convencidas da superioridade de seu conhecimento e de
suas virtudes, é uma fórmula certeira para o desastre.
Por vezes o desastre é de ordem econômica, como
aconteceu, por exemplo, com a noção de planificação da
economia, adotada por tantos países mundo afora, durante
o século XX. Porém, até mesmo aqueles países governados
pelos comunistas e socialistas começaram, no final do
mesmo século, a substituir suas economias planificadas, de
cima para baixo, por noções de mercado livre. Sem dúvida,
os planejadores governamentais tinham muito mais
conhecimento e muito mais dados estatísticos à disposição
do que a pessoa comum dispunha negociando no mercado.
No entanto, a vastíssima superioridade numérica acumulada
de conhecimentos mundanos, acionada por milhões de
indivíduos comuns, os quais realizam e acomodam suas
operações em suas atividades diárias, tem produzido, quase
que invariavelmente, índices de crescimento econômico e
de melhora de padrão de vida muito maiores do que os
índices obtidos pelas políticas de planificação da economia,
as quais foram, finalmente, descartadas. Isso se deu de
forma notável na China e na Índia, onde os índices de
pobreza tiveram acentuada queda, ao mesmo tempo em
que o crescimento econômico sofreu grande aceleração.
Economia planificada é apenas um item que compõe
uma classe mais geral de processos de apropriação de
tomada de decisão, na qual se encontra implícita a
suposição de uma superioridade cognitiva das elites. Essa
noção afirma que as pessoas com mais conhecimento per
capita - no sentido especial - devem conduzir suas
sociedades. Outras formas dessa mesma noção geral
incluem ativismo judicial, planejamento urbano e outras
atividades institucionais que endossam a crença na
incapacidade da grande e inculta população para, a partir
de seus valores e suas ações, tomar decisões sociais de
peso. Mas se ninguém detém nem sequer 1% de todo
conhecimento disponível - ao considerarmos o sentido mais
amplo do conhecimento, no qual muitos tipos diferentes de
conhecimento são decisivos -, então se torna imperativo
que os outros 99% de conhecimento, que se encontram
espalhados em pequenas e individualmente insignificantes
quantidades entre as pessoas em geral, possam ter
liberdade de operação nas acomodações mútuas que se
estabelecem entre as pessoas. Essas inúmeras
acomodações e mútuas interações são responsáveis pela
inserção, na sociedade, dos outros 99% do conhecimento
acumulado - o que gera novos conhecimentos no processo
incessante de ida e vinda das transações, refletindo
mudanças na oferta e na demanda.
Esse é o motivo pelo qual os mercados livres, as
normas judiciais consagradas e a confiança nas decisões e
tradições baseados nas experiências de muitos - no lugar
das pressuposições de alguns poucos da elite - são tão
importantes para os que não compartilham da visão social
que prevalece entre as elites intelectuais. Portanto,
verdadeiros abismos ideológicos dividem aqueles que têm,
entre si, distintas concepções sobre o significado do
conhecimento, e que, consequentemente, veem o
conhecimento como algo concentrado ou disperso. "Em
geral, 'o mercado' é mais esperto que o mais esperto de
seus participantes individuais",[23] é a forma que o falecido
editor do Wall Street Journal, Robert L. Bartley, expressava
sua crença na força dos processos sistêmicos, os quais
podem, por meio das interações e mútuas acomodações
operadas por muitos indivíduos, engendrar muito mais
conhecimento para a sociedade e suas tomadas de decisão
do que qualquer um dos indivíduos isoladamente.
Processos sistêmicos são essencialmente processos
de tentativa e erro, os quais se alimentam dos resultados
repetidos e contínuos de suas ações, recebendo constante
feedback de todos os participantes envolvidos nos
processos. Em contrapartida, nos processos políticos e
legais as decisões iniciais são raramente alteradas, pelo alto
custo que representam às carreiras políticas, sempre que é
preciso admitir erros ou, no caso do sistema legal, que os
precedentes estão em jogo. Porque retirar o poder de
tomada de decisões das mãos dos que têm experiência e
interesses concretos sobre determinada questão e transferi-
lo para aqueles sem nenhuma experiência e
responsabilidade diretas pode ser tido como capaz de gerar
melhores decisões, e essa é uma questão raramente
colocada, e muito menos ainda respondida. Devido ao
grande custo de corrigir decisões tomadas por terceiros,
comparando-se com as decisões individuais, além do custo
ainda maior em se insistir no erro toda vez que se toma
decisões por conta própria, comparando-se com o baixo
custo de tomar decisões erradas quando não nos afetam
diretamente, o sucesso econômico das economias de
mercado não chega a ser surpreendente, como também não
nos surpreende a falta de produtividade e os resultados
geralmente desastrosos das várias formas de engenharia
social.
Pessoas dos dois lados da divisão ideológica podem,
contudo, acreditar que aqueles com mais conhecimento
devem receber mais destaque na tomada de decisões que
gerem impacto na sociedade, mas essas pessoas têm
concepções radicalmente diferentes sobre onde se
encontra, de fato, a maior quantidade de conhecimento na
sociedade. Caso o conhecimento seja definido de forma
expansiva, incluindo grande parcela de conhecimento
mundano cuja presença ou ausência é significativa e em
geral crucial, então os sujeitos com ph.D. serão
considerados tão estupidamente ignorantes sobre as coisas
mais significativas quanto os outros indivíduos o são, na
medida em que ninguém poderá ser realmente bem-
informado, no nível exigido para tornada de decisões cujas
consequências afetem a sociedade como um todo, exceto
dentro de uma margem estreita, a partir do vasto espectro
que compreende as preocupações humanas.
A parcela de ignorância, preconceito e pensamento
grupal que habita o universo de uma elite educada não
deixa de ser ignorância, preconceito e pensamento grupal, e
para aqueles que detêm 1% do conhecimento em uma
sociedade, conduzir ou controlar os outros 99% é tão
perigoso quanto absurdo. A diferença entre conhecimento
especial e conhecimento mundano não é apenas incidental
ou semântica. Suas implicações sociais acarretam grandes
consequências. Por exemplo, é muito mais fácil concentrar
poder do que concentrar conhecimento. Esse é o motivo
pelo qual tantos tiros da engenharia social saem pela
culatra e por que tantos déspotas levaram seus países ao
desastre.
Quando o conhecimento é concebido, corno o fez
Hayek, de forma expansiva, incluindo conhecimentos não
articulados, mas expressos em nossos hábitos sociais e
costumes, então a transferência desse conhecimento
compartilhado por milhões de pessoas para se concentrar
nas mãos de alguns poucos tomadores de decisão
terceirizados se torna algo muito problemático, para não
dizer impossível, na medida em que muitos dos que estão
operando com esse conhecimento não o articularam
completamente para eles mesmos, e com isso não podem
transmiti-lo para outros, ainda que queiram fazê-lo.
Muitos ou mesmo a maioria dos intelectuais opera sob
a suposição, implícita, de que o conhecimento se encontra
concentrado em pessoas como eles. Eles se tornam,
portanto, especialmente suscetíveis à ideia de uma
correspondente concentração de poder, legitimando e
apropriando-se, como elite, das decisões mais significativas,
em nome de um alegado espírito público o qual beneficiará
toda a sociedade. Tal suposição tem sido a base fundadora
dos movimentos reformistas, como o movimento
progressista dos Estados Unidos, como também dos
movimentos revolucionários em muitos outros países por
todo o mundo. Além disso, com o conhecimento
considerado significativo já tido como concentrado, aqueles
com essa visão frequentemente começam a conceber a
necessidade de se criar uma vontade e um poder para se
lidar coletivamente com uma ampla gama de problemas
sociais. A ênfase na "vontade", no "comprometimento", no
"cuidado" ou na "compaixão", colocados como ingredientes
cruciais para lidar com questões sociais, descarta,
automaticamente, se os que alegam ter essas qualidades
também têm conhecimento suficiente.
Por vezes a suficiência de conhecimento é
explicitamente afirmada e quaisquer questionamentos
sobre a real suficiência são sumariamente descartados,
como se refletissem ignorância ou obstrução. John Dewey,
por exemplo, declarou: "Em posse do conhecimento
necessário podemos, tomados de esperança, começar a
trabalhar num projeto de invenção social e engenharia
experimental".[24] Mas a pergunta ignorada é a seguinte:
Quem - caso exista alguém - possui esse tipo de
conhecimento?
Dado que os intelectuais têm todo incentivo do
mundo para enfatizar a importância do tipo especial de
conhecimento que possuem, em relação ao conhecimento
mundano que os outros têm, eles geralmente são os
promotores de projetos de ação que ignoram o valor, o
custo e as consequências do conhecimento mundano. É
comum entre os membros da intelligentsia, por exemplo,
deplorarem muitos métodos de separação e categorização
de coisas e pessoas, dizendo geralmente, no caso das
pessoas, que "cada uma deveria ser julgada como um
indivíduo". Todavia, o custo necessário para realizar esse
tipo de aferição quase nunca é considerado. Modelos de
custo mais baixo para a avaliação de indivíduos - abarcando
desde boletins de desempenho até testes de Q.I. - são
usados precisamente porque julgar "a pessoa como um
todo" significa a aquisição e a manipulação de vastíssima
quantidade de conhecimento a um custo altíssimo, o que
pode ocasionar o atraso de decisões em circunstâncias em
que o tempo é crucial. Dependendo de quão expansivo for o
conceito de "avaliação da pessoa como um todo", o tempo
necessário pode exceder a duração da vida humana, o que
tornaria a avaliação impraticável.
As forças armadas separam as pessoas em patentes,
as faculdades separam seus candidatos de acordo com o
resultado de testes de vestibular e quase todo mundo avalia
as pessoas por outros inúmeros critérios. Muitos ou mesmo
a maioria desses métodos de avaliação são criticados pelos
membros da intelligentsia, os quais fracassam em apreciar
a escassez e o alto custo do conhecimento e a necessidade
de se tomar decisões de peso, apesar da escassez e do alto
custo envolvidos, o que necessariamente inclui o custo
adicional de equívocos. Os riscos de se tomar decisões em
posse de conhecimento parcial ou incompleto (não havendo
alternativa) são parte integrante da tragédia da condição
humana. Contudo, isso não fez com que os intelectuais
cessassem de criticar os riscos inerentes a quaisquer
operações humanas, que acabam se complicando, da
indústria farmacêutica às operações militares, muito menos
os impediu de criar uma atmosfera geral de expectativas
irrealizáveis, na qual "os milhares de choques naturais que a
carne humana herda" se tornam milhares de motivos para
processos judiciais. Sem certa apreciação sobre a tragédia
da condição humana, é muito fácil considerar qualquer
coisa que vai mal como sendo culpa de alguém.
É comum, entre os intelectuais, agir como se o tipo
especial de conhecimento sobre generalidades pudesse e
devesse substituir e passar por cima do conhecimento
mundano dos outros. Tal ênfase no conhecimento especial
dos intelectuais leva geralmente a desconsiderar o
mundano, o conhecimento de primeira mão, tido como
"preconceituoso" e "estereotipado", favorecendo-se as
crenças abstratas que são comuns entre os intelectuais, os
quais podem ter pouco ou nenhum conhecimento de
primeira mão sobre os indivíduos, as organizações ou as
circunstâncias concretas envolvidas. Além do mais, tais
atitudes não são somente disseminadas para muito além
das fileiras da intelligentsia, mas se tornam base de
políticas, leis e decisões judiciais.
Um pequeno e relevante exemplo das consequências
sociais dessa atitude nos é dado ao observarmos o quanto
muitas políticas empresariais que estabeleciam os períodos
de aposentadoria para seus empregados se tornaram ilegais
por "discriminarem a idade". Foi dito que tais políticas são
baseadas em estereótipos sobre os mais velhos, os quais
poderiam ainda ser produtivos para além da idade da
"aposentadoria compulsória". Em outras palavras, terceiros,
cuja vida não tem qualquer interesse ou ligação com os
resultados concretos, nenhuma experiência direta com as
empresas e indústrias em particular, como também nenhum
conhecimento sobre empregados e indivíduos
particularmente envolvidos, são tidos, supostamente, como
possuindo uma compreensão superior sobre os efeitos da
idade sobre o trabalho, são considerados mais aptos a
decidir do que aqueles que têm, de fato, experiência em tal
situação, um conhecimento direto tão mundano quanto o
conhecimento pode ser. E ainda, os empregadores têm
incentivos econômicos para segurar trabalhadores
produtivos, especialmente pelo fato de terem que pagar
pelo recrutamento de substitutos e investir na preparação
deles, ao passo que tomadores de decisão terceirizados não
pagam preço nenhum ao se enganarem.
O próprio termo "aposentadoria compulsória" exibe
certo virtuosismo retórico característico da intelligentsia, e a
habilidade perniciosa que dele advém, ao se obscurecer, em
vez de esclarecer, uma análise racional. Raramente, houve
qualquer coisa como aposentadoria compulsória.
Empregadores estabeleciam uma idade, para além da qual
eles automaticamente cessavam de contratar as pessoas.
Essas pessoas ficavam livres para trabalhar em outros
lugares e muitas faziam isso. Mesmo dentro de uma
empresa com uma política automática de aposentadoria,
esses empregados que permaneciam claramente produtivos
e valiosos podiam ter a aposentadoria postergada, seja por
um período determinado ou mesmo indefinidamente. Mas
tais suspensões se baseavam em conhecimento específico
sobre pessoas específicas, não se faziam a partir de
abstrações generalizadas sobre quão produtivos os mais
velhos podem ser.
Da mesma forma, praticamente todas as conclusões
adversas sobre qualquer minoria étnica são sumariamente
desconsideradas pela intelligentsia, alegando-se
"preconceitos", "estereótipos" e assim por diante. Por
exemplo, um biógrafo de Theodore Roosevelt disse:
"Durante seus anos como fazendeiro, Roosevelt adquirira
boa dose de preconceito contra os índios, o que o colocava
numa estranha contradição diante de sua atitude
esclarecida em relação aos negros”.[25] Temos aqui um
escritor distante aproximadamente cem anos, em particular
dos índios com que Theodore Roosevelt teve que lidar
pessoalmente no Oeste, mas que declara a priori que as
conclusões de Roosevelt estavam equivocadas e eram
baseadas em puro preconceito, mesmo ao dizer que o
preconceito racial não era uma característica da
personalidade de Roosevelt.
Provavelmente, jamais ocorreria para esse autor que
era ele quem concluía, baseado num explícito
prejulgamento, um preconceito, mesmo que fosse um
preconceito comum, ao passo que as conclusões de
Theodore Roosevelt eram baseadas em sua própria
experiência pessoal com indivíduos em particular. Muitos
intelectuais parecem indispostos a conceder que o homem
em cena, em determinada época, possa chegar a
conclusões precisas sobre indivíduos em particular que
encontrou ou observou, ao mesmo tempo que negam que,
muito distantes no tempo e no lugar, poderiam, eles,
intelectuais, estar enganados quanto às conclusões
baseadas em seus próprios preconceitos.
Outro escritor, ainda mais distante no tempo e no
espaço, descartou como puro preconceito o conselho de
Cícero aos seus compatriotas romanos, o qual os exortava a
não comprarem escravos britânicos, pois estes não
aprendiam os afazeres com facilidade.[26] Considerando a
enorme diferença entre o primitivo, iletrado e tribal mundo
dos bretões da época e o sofisticado mundo dos romanos, é
difícil imaginar como um bretão, em cativeiro em Roma,
poderia compreender as complexas circunstâncias, os
métodos e as expectativas de uma sociedade tão
radicalmente diferente. Mas a própria possibilidade de
Cícero saber o que estava falando a partir de sua
experiência direta não recebeu nenhuma atenção do autor,
o qual o acusou de preconceito, sem direito à apelação.
Um exemplo muito mais recente de intelectuais que
desprezam a experiência direta e concreta de outros,
favorecendo as suposições predominantes entre seus pares,
envolveu acusações de estupro, nacionalmente divulgadas
pela mídia, movidas contra três alunos da Universidade
Duke em 2006. Esses alunos eram membros do time de
lacrasse e, na onda de condenação que instantaneamente
tomou conta do campus e da mídia, seu único defensor,
desde o começo, foi o time feminino do esporte. Essas
mulheres em particular já conheciam, havia muito tempo,
os rapazes acusados e foram, desde o início, inflexíveis em
sua posição, dizendo que os três jovens em questão não
eram o tipo de pessoa que cometeria esse tipo de crime. O
caso envolvia estupro e questões raciais, mas cabe destacar
que uma garota negra do time de lacrasse havia tomado a
frente na defesa do caráter dos meninos.[27]
Desde o início, na ausência d e qualquer evidência,
em ambos os lados da questão, não havia motivo para que
declarações não corroboradas a favor ou contra os acusados
devessem ser aceitas ou rejeitadas sem uma análise
criteriosa. No entanto, as declarações das garotas do time
de lacrasse não foram apenas descartadas, mas foram,
sobretudo, denunciadas.
Essas garotas foram caracterizadas como "estúpidas e
mimadas garotinhas", em comentários citados no Atlanta
Journal Constitution, como pessoas que "negam o senso
comum", segundo um articulista do New York Times, como
"imbecis", de acordo com outro articulista do Philadelphia
Daily News, e "ignorantes e insensíveis", segundo o
articulista do Philadelphia Inquirer.[28]
Em outras palavras, membros da intelligentsia, a
centenas de milhas de distância, os quais nunca tinham
visto os rapazes em questão, estavam tão convencidos de
sua culpabilidade com base num compartilhado a priori
grupal da intelligentsia, que se viram no direito de atacar e
ofender o grupo de meninas que conhecia direta e
pessoalmente os indivíduos envolvidos, incluindo sua
atitude e seus comportamentos em relação às mulheres em
geral e às negras em particular. Foi um exemplo clássico de
presunção de conhecimento superior exibido por
intelectuais que tinham, contudo, menos conhecimento do
que aqueles cujas conclusões eles prontamente
desqualificaram e denunciaram. Infelizmente, esse não foi o
único exemplo, nem mesmo um exemplo incomum.
◆ ◆ ◆
ESPECIALISTAS
Uma ocupação especial que se sobrepõe à dos
intelectuais, mas que não se faz completamente coincidente
a ela, é a dos especialistas. Alguém pode, afinal de contas,
ser especialista em literatura espanhola ou em filosofia
existencialista - cujo produto final, em ambos os casos,
consiste de ideias -, ou alguém pode ser especialista em
reparar transmissões de automóveis ou em apagar
incêndios em campos petrolíferos, cujo produto final é um
serviço prestado. Obviamente que apenas o primeiro grupo
de especialistas se encaixa em nossa definição de
intelectuais.
Os especialistas de qualquer área intelectual são
exemplos clássicos de pessoas cujo alto conhecimento está
concentrado dentro de uma margem estreita, a partir de um
vasto espectro de preocupações humanas. Além do mais, a
interação inevitável entre inúmeros fatores do mundo real
significa que, mesmo dentro dessa margem estreita, fatores
que chegam de fora da margem podem interferir nos
resultados de uma forma significativa, transformando um
especialista, cuja especialização não abrange esses outros
fatores, num amador. Tal realidade é fundamental quando
se trata de decisões que terão consequências de peso,
mesmo dentro do que é normalmente considerado o campo
de especialidade do especialista. Por exemplo, nos Estados
Unidos do começo do século XX, especialistas em
reflorestamento previram uma "fome de madeira" que
nunca se materializou, uma vez que eles não conheciam o
suficiente sobre economia para que compreendessem como
os preços, com o passar do tempo, alocam recursos, a ssim
como alocam recursos entre usuários em determinado
período.[29]
Uma histeria semelhante sobre uma iminente
exaustão de outros recursos naturais, como o petróleo,
floresceu no último século. Porém as repetidas previsões
catastróficas sobre uma quantidade de petróleo suficiente
para durar apenas uma década e meia foram repetidamente
desmentidas por experiências que mostraram o
aparecimento de novas reservas do recurso, aumentando a
quantidade de petróleo disponível em relação ao que
prevíamos.[30]
Ao seguirmos os especialistas, as organizações não
lucrativas e os movimentos sociais, os quais exibem nomes
com forte apelo idealista, vemos, quase sempre, uma
tentativa de induzir esforços desinteressados, os quais
estariam imaculados de qualquer interesse próprio. Essa é
mais uma das muitas percepções que não sobrevivem,
contudo, ao escrutínio empírico. Descontando-se os
interesses velados dos especialistas no uso de suas
especialidades, no lugar de outros mecanismos econômicos
ou sociais, ainda nos sobra bastante evidência empírica
para revelar sua parcialidade. Os urbanistas são um
exemplo típico:
Geralmente, os urbanistas organizam sessões
imaginárias, nas quais o público é consultado
sobre desejos de moradia que serão aplicados em
suas regiões.
O PAPEL DA RAZÃO
Existem tantas concepções de razão e de sua função
social quanto existem concepções do conhecimento e de
suas funções. Ambos, porém, merecem uma análise.
◆ ◆ ◆
RAZÃO E JUSTIFICAÇÃO
A suposição implícita de que existe um conhecimento
superior entre as elites intelectuais, o qual fundamenta as
exigências dos próprios intelectuais, existe, pelo menos,
desde o século XVIII, ou seja, a noção de que as ações,
políticas ou instituições "justificam-se diante do crivo da
razão". Contudo, os termos sob os quais essa exigência é
expressa mudaram desde o século XVIII, embora a premissa
básica tenha permanecido inalterada. Hoje, por exemplo,
muitos intelectuais apresentam acentuada indignação
porque alguns executivos corporativos recebem salários
muito polpudos. Como se tivesse que existir uma razão
determinando que terceiros, fora do mundo corporativo,
devessem entender ou legitimar esses valores ou mesmo
que sua compreensão ou seu consentimento devessem ser
necessários, influenciando aqueles que estão diretamente
envolvidos na contratação e no pagamento dos altos
salários desses executivos, os quais procedem com base no
conhecimento e na experiência diretos que têm sobre os
valores, num assunto que diz respeito a eles e não aos
intelectuais.[37]
De forma semelhante, muitos membros da
intelligentsia expressam não apenas surpresa como
também indignação e revolta com o alto número de tiros
disparados pela polícia nos confrontos com os criminosos.
Todavia, esses intelectuais, em sua maioria, nunca usaram
uma arma na vida e muito menos enfrentaram situações de
perigo desse tipo, nas quais a diferença entre morrer e viver
depende de decisões tomadas num átimo de segundo.
Raramente, se muito, a intelligentsia considera necessário
buscar informações sobre a precisão dos tiros, quando
disparados em situações de estresse e perigo, antes de
proferir sua indignação e exigir mudanças. Na realidade, um
estudo feito pelo Departamento de Polícia de Nova York
descobriu que, mesmo dentro de uma distância de apenas
dois metros, mais da metade dos tiros disparados pela
polícia errou o alvo por completo. Em distâncias de 14 a 25
metros, uma distância menor do que aquela da primeira
para a segunda base na demarcação do beisebol, apenas
14% dos tiros acertaram o alvo.[38]
Embora esses fatos possam ser surpreendentes para
os que nunca dispararam uma arma em situação de perigo
real, ou mesmo num alvo imóvel, dentro da segurança e
tranquilidade de um campo de tiros, o que é crucial para o
nosso caso é o fato de os membros da intelligentsia, e
aqueles que são influenciados por eles, não terem percebido
a necessidade de buscar informações factuais antes de
expressar sua indignação, mantendo-se em completa
ignorância em relação aos fatos. Além disso, mesmo quando
um criminoso é atingido por um disparo, isso não o torna,
necessariamente, incapacitado de reagir, o que pode
prolongar a troca de tiros sempre que o criminoso continue
a representar perigo real. Mas tal conhecimento mundano
não parece despertar o menor interesse para aqueles que,
dentro da elite, compõem os quadros que se exasperam em
indignação sobre coisas que estão muito além de sua
experiência e competência.[39]
Sob o alegado amparo da razão e a fim de exigir que
as coisas se justifiquem sob seu crivo, num universo onde
ninguém detém nem sequer 1% de todo o conhecimento
significativo, os intelectuais acabam, na realidade,
celebrando a ignorância que pode, então, agir livremente.
Como um neurocirurgião pode justificar seus procedimentos
para alguém que nada sabe sobre anatomia e
funcionamento do cérebro ou sobre cirurgias médicas?
Como um carpinteiro pode justificar sua escolha sobre os
pregos e a madeira usados para pessoas que desconhecem,
em absoluto, a prática da carpintaria, especialmente se o
carpinteiro em questão estiver sendo acusado de delito por
advogados e políticos cujas habilidades retóricas podem
exceder, grandemente, as do carpinteiro, muito embora o
conhecimento deles sobre carpintaria seja muito inferior? A
confiança gerada por um conhecimento acadêmico superior
pode ocultar, dos próprios membros da elite, a extensão de
sua ignorância e de seus equívocos. Além disso, os
argumentos contra o carpinteiro são articulados por uma
elite ignorante que se exibe para um público que é
igualmente ignorante sobre a questão, e tanto faz se esse
público se encontra nos júris ou nas sessões e cabines de
votação, pois os argumentos poderão facilmente mostrar-se
convincentes, mesmo quando eles são absurdos para os
carpinteiros.
Uma coisa é a população, em geral, realizar suas
próprias transações e acomodações em questões que lhes
são, individualmente, próprias, o que se faz, no entanto,
completamente diferente de impor decisões, coletivamente,
para a sociedade em geral. Tomadas de decisão cuja
aplicação é coletiva, seja por meio de processos
democráticos, seja por intermédio de ordens verticais de
comando, envolve pessoas que tomam decisões para
muitas outras, as quais são privadas de tomar as suas
próprias. O mesmo problema de conhecimento inadequado
e insuficiente aflige ambos os processos. Voltemos mais
uma vez, e por um momento, para a questão da
planificação total da economia, como o exemplo máximo de
tomada de decisão feita por terceiros, quando burocratas,
nos dias da União Soviética, tinham que determinar mais de
24 milhões de preços. A consecução dessa tarefa mostrou
ser impossível para qualquer grupo administrável de
burocratas, mas seria, no entanto, um problema muito mais
fácil de resolver num país composto por centenas de
milhões de pessoas, caso cada uma tomasse decisões
sobre, relativamente, o pequeno número de preços
relevantes às suas próprias transações econômicas.
Nesse caso, os níveis de incentivos, assim como de
conhecimento, são diferentes. Os incentivos para se investir
tempo e energia são muito maiores toda vez que as
consequências são diretas para a pessoa envolvida, em
comparação com o incentivo em investir um montante
similar de tempo e energia em decisões que afetarão, na
maior parte das vezes, a vida de outras pessoas e cujos
efeitos sobre o sujeito serão dificilmente alterados, num
processo em que se é só mais um dentre milhões de votos.
A noção de que as coisas precisam se justificar diante
do crivo da razão abre as comportas para condenações
arrasadoras, proferidas por pessoas que nada entendem do
assunto, embora possuam certa ignorância credenciada.
Diferenças de rendimentos e ocupações não são
compreendidas pelas elites intelectuais, pois geralmente
elas estão desprovidas de boa parte do conhecimento
necessário para entender essas realidades, tanto no que diz
respeito às especificidades mundanas quanto sobre a
economia em geral, que prontamente se transformam em
"disparidades" e "desigualdades", sem explicações
adicionais. Do mesmo modo fazem os intelectuais que
nunca dispararam uma arma na vida, mas que não pensam
duas vezes antes de manifestar sua indignação em relação
ao número de tiros disparados pela polícia em confronto
com criminosos. Dessa e de outras formas, meras noções
passam por cima do conhecimento toda vez que lidamos
com as noções predominantes entre os intelectuais.
Essa falácia central e as péssimas consequências
sociais que podem aparecer não se limitam às elites
intelectuais. O esmagamento do poder de decisão
individual, o qual é sobreposto pela imposição de decisões
tomadas em nome do coletivo, que nos chegam pelas mãos
de terceiros, sejam esses terceiros membros da elite ou das
massas, significa, geralmente, permitir que a ignorância se
sobreponha ao conhecimento. Uma pesquisa de opinião
pública ou o voto popular sobre questões envolvendo
procedimentos de carpintaria seria tão irrelevante quanto
são as noções agraciadas pela elite. O aspecto
reconfortante é que, em comparação com as elites, as
massas estão, em geral, muito menos propensas a pensar
que deveriam sobrepor seu veredicto sobre pessoas cuja
relação e cujo conhecimento sobre determinado assunto em
questão são muito maiores que os delas. Além do mais, as
massas não têm as mesmas habilidades retóricas para
ocultar dos outros, ou de si mesmas, a verdadeira
motivação de seus empreendimentos.
A exaltação que os intelectuais fazem da "razão" dá-
se, frequentemente, em detrimento da experiência,
permitindo que tenham uma impetuosa confiança em
assuntos sobre os quais têm pouco ou mesmo nenhum
conhecimento ou experiência. A ideia que fazem sobre o
que desconhecem, descartando tudo o que lhes escapa
como conhecimento não genuíno, pode ser traduzida em
chavões como "os tempos mais simples de outrora".
Chavões estes disparados por pessoas que, ao se
esquivarem de fazer um estudo detalhado de determinada
época, ficam pouco propensas a aceitarem a insuficiência
de seus próprios conhecimentos sobre as complexidades da
época em questão para, então, atribuir-lhe uma ausência de
complexidade. Oliver Wendell Holmes observou que a lei
romana continha "um conjunto de tecnicalidades mais difícil
e menos compreendido que o nosso".[40]
Burocratas planejadores não fazem parte da única
elite cujo conhecimento especial provou ser, na prática,
menos efetivo que o montante muito mais vasto de
conhecimento mundano, difundido entre a população em
geral, nem a economia de mercado é o único cenário onde o
desequilíbrio de conhecimento entre as elites e a massa, em
favor da última, é escancaradamente o oposto do que é
percebido pelas próprias elites. Se, corno disse Oliver
Wendell Holmes, a vida das leis está alicerçada na
experiência e não na lógica,[41] então, nesse caso, também
temos milhões de pessoas, especialmente as sucessivas
gerações, as quais, juntas, detêm conhecimentos muito
mais vastos, na forma de experiência pessoal, do que os
círculos relativamente menores dos especialistas em lei.
Isso não quer dizer que os especialistas não têm função a
cumprir, seja no caso do direito ou em outros aspectos da
vida. Mas a natureza dessa função apresenta-se de forma
muito diferente toda vez que o conhecimento especializado
das elites e a experiência das massas precisam ser
combinados.
Dentro de uma área suficientemente circunscrita de
poder decisório, os especialistas, respeitando seus limites,
têm um papel vital a cumprir. Aqueles que detêm um
conhecimento especializado em direito podem e devem
tomar decisões nos tribunais, aplicando leis que foram
desenvolvidas a partir da experiência de muitos. Isso é,
contudo, algo fundamentalmente distinto de criar ou alterar
leis para encaixá-las nos modismos ideológicos de juízes e
professores das faculdades de direito. Da mesma maneira,
alguém que tenha talentos e habilidades especiais para
coletar informações e transmiti-las ao público, usando os
canais de mídia, pode se tornar uma parte indispensável no
funcionamento de uma sociedade democrática, mas tal
função é completamente diferente daquela em que
jornalistas se apropriam das informações, filtrando e
alterando as notícias a fim de sustentar conclusões que
refletem as noções favorecidas dentro dos círculos
jornalísticos, como será mostrado no capítulo 5.
A diferença entre realizar o s papéis tradicionalmente
determinados e usar esses mesmos papéis para ampliar o
poder e expandir a influência, a fim de interferir em
questões sociais mais amplas, também se aplica àqueles
professores que atuam como doutrinadores nas salas de
aula ou àqueles líderes religiosos que promovem uma
teologia da libertação, assim como vale para os generais
que desalojam governos civis com golpes militares. O que
as várias e ambiciosas elites civis estão fazendo é criar
menores e mais numerosos golpes, apropriando-se das
decisões sociais que outros foram autorizados a fazer, a fim
de adquirir poder ou influência em muitos assuntos para os
quais elas não têm nem o conhecimento especializado nem,
em muitos casos, a mais simples competência.
A permanência de um sujeito dentro dos limites
ditados pela competência de sua especialidade, ou sua
aventura para além desse papel em áreas que ultrapassam
seu campo de especialização, depende, em parte, de se
esse sujeito presume possuir mais conhecimento do que as
pessoas cujas decisões estão sendo apropriadas. A forma
como o conhecimento é visto afeta a maneira como a
sociedade é vista, assim como afeta como o papel de um
sujeito, dentro dessa sociedade, é avaliado.
◆ ◆ ◆
O RACIONALISMO IMEDIATISTA
A fé dos intelectuais na "razão" assume, por vezes, a
forma de uma crença na capacidade de decidir todos os
assuntos usando recursos ad hoc, à medida que os
problemas surgem. Em princípio, a razão pode ser aplicada
a um período de tempo limitado ou expandido, como cada
um desejar, um dia, um ano, uma geração ou mesmo um
século, ao se analisar as implicações das decisões em
relação às quais a duração de tempo pode ser escolhida.
Um racionalismo essencialmente imediatista corre o risco
de restringir suas análises às implicações imediatas de cada
assunto à medida que vão surgindo, perdendo o foco das
implicações mais profundas sobre certas decisões. As
abordagens imediatistas podem apresentar méritos em
relação ao assunto imediatamente à disposição,
considerado de forma isolada, mas que pode se revelar
desastroso nos termos de suas repercussões no longo prazo,
que são ignoradas. Um exemplo clássico foi dado na
resposta de um intelectual francês à crise da
Tchecoslováquia, que levou à realização da conferência de
Munique de 1938:
GEORGE J. STIGLER[46]
◆ ◆ ◆
"DISTRIBUIÇÃO DE RENDA"
Por um lado, as variações de renda podem ser
observadas empiricamente e, por outro, podem receber
julgamentos morais. Os membros da intelligentsia
contemporânea, em sua grande parte, praticam ambos. Mas
a fim de aferir a validade das conclusões que tiram, é
aconselhável, em primeiro lugar, avaliar as questões
empíricas em separado das questões morais, em vez de
tentar destrinchar as duas ao mesmo tempo, sem nenhuma
expectativa de encontrar coerência racional.
◆ ◆ ◆
EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS
Considerando-se a renda da população dos Estados
Unidos, temos uma enorme quantidade de dados
estatísticos, os quais se encontram disponíveis no Censo, na
Receita Federal e em outros inumeráveis institutos de
pesquisa. Portanto, seria possível imaginar que os fatos
fundamentais sobre as variações de renda seriam
amplamente conhecidos pelas pessoas informadas, mesmo
que estas viessem a ter opiniões divergentes em relação
aos termos ideais na composição dessas variações. Na
realidade, todavia, são justamente os fatos mais
fundamentais que estão em litígio, e as variações no que se
considera ou não fatos relevantes parecem ser tão grandes
quanto às variações na própria renda. Em relação à renda,
tanto a magnitude das variações como suas tendências, ao
longo do tempo, são percebidas de forma radicalmente
diferentes, de acordo com distintas visões sobre a realidade,
mesmo sem levar em conta as diferentes expectativas das
pessoas.
Talvez o terreno mais fértil para geração de equívocos
sobre a questão da renda seja dado pela prática,
amplamente adotada, de confundir categorias estatísticas
com seres humanos de carne e osso. Tanto na mídia quanto
no mundo acadêmico, são muitas as afirmações que alegam
que os ricos não estão, apenas, aumentando sua renda,
mas, sobretudo, apropriando-se de uma fatia maior da
renda total, aprofundando a defasagem entre o topo e a
base da escala. Quase sempre tais alegações são baseadas
numa confusão sobre o que esteve acontecendo, ao longo
do tempo, nas categorias estatísticas e o que esteve
acontecendo, durante o mesmo período, com as pessoas
reais, as pessoas de carne e osso.
Por exemplo, um editorial do New York Times
denunciou que "A defasagem entre ricos e pobres nos EUA
aumentou".[48] Em 2007, conclusões semelhantes
apareceram num artigo publicado na revista Newsweek, o
qual anunciava "uma época em que a diferença entre
pobres e ricos está crescendo, como também aumenta a
diferença entre os meramente ricos e os super-ricos".[49]
Este se tornou um tema bastante comum em toda mídia e
em inúmeros programas de televisão. "Os ricos acumularam
ganhos muito maiores que os pobres", declarou Eugene
Robinson, colunista do Washington Post.[50] No Los Angeles
Times, um escritor disse: "A diferença entre ricos e pobres
está crescendo".[51] Segundo o professor Andrew Hacker,
em seu livro Money: “Embora todos os segmentos da
população usufruam de um aumento geral da renda, a
quinta parte mais rica da população teve um desempenho
24 vezes superior ao da quinta parte mais pobre.
Considerando-se as outras três partes intermediárias, todas
elas tiveram um crescimento inferior, comparando-se com o
topo da escala".[52]
Embora essas discussões sejam concebidas em
função das pessoas, a real evidência empírica assenta-se
sobre o que aconteceu com as categorias estatísticas. Isso,
porém, revela o oposto do que aconteceu com seres
humanos de carne e osso, a maioria dos quais passou de
uma categoria para outra ao longo da vida. Tendo-se em
vista as categorias estatísticas como tais, é de fato verdade
que tanto o montante de renda quanto a proporção de toda
a renda recebida pelos 20% mais ricos, no topo da escala,
aumentaram, alargando a defasagem com os 20% mais
pobres, na base da escala.[53] No entanto, os dados
fornecidos pelo Departamento do Tesouro dos EUA, o qual
acompanhou a evolução econômica de indivíduos
específicos a partir de suas declarações para a Receita
Federal, provam que, em termos pessoais, a renda desses
contribuintes, os quais compreendiam os 20% da base mais
pobre, em 1996, crescera 91% até 2005, ao passo que a
renda dos contribuintes que compunham os 20% do topo,
em 1996, crescera apenas 10% até 2005, e que a renda dos
5% mais ricos teve, de fato, decréscimo.[54]
Pode parecer que ambos os modos de avaliação
estatística sejam incompatíveis a ponto de não poderem ser
verdadeiros ao mesmo tempo, mas o que os torna
mutuamente compatíveis é o fato de os seres humanos de
carne e osso se moverem de uma categoria estatística para
outra ao longo da vida. Quando aqueles contribuintes, os
quais inicialmente se encontravam na faixa mais baixa de
renda, tiveram suas rendas praticamente dobradas em uma
década, isso os moveu para além da quinta parte mais
pobre da escala, e quando o grupo dos 1% mais ricos teve
sua renda decrescida em torno de um quarto, isso também
pode tê-los feito ir para baixo e fora da categoria máxima.
Os dados oferecidos pela Receita Federal seguem indivíduos
particulares ao longo de sua vida econômica a partir de
suas declarações de renda, as quais estão vinculadas aos
dados da Previdência Social, ao passo que os dados do
Censo e de muitas outras fontes fixam-se, apenas, no que
acontece com a composição das categorias estatísticas,
mesmo que não sejam mais os mesmos indivíduos a
compor as mesmas categorias ao longo dos anos.
Muitos dos dados que são usados para se alegar um
alargamento na diferença de renda entre "os ricos" e "os
pobres" - nomes geralmente atribuídos a pessoas com
diferentes níveis de renda e não diferentes níveis de
riqueza, como os termos rico e pobre deveriam implicar -
levaram muitos, na mídia, a alegarem um aumento na
diferença entre os "super-ricos" e os "meramente ricos". Sob
o título "Os Mais Ricos Estão Deixando até Mesmo os Ricos
Muito Atrás", um artigo de primeira página do New York
Times rotulou "a milésima parte mais rica" como os "hiper-
ricos" e declarou que eles "deixam para trás até mesmo
aqueles que ganham centenas de milhares de dólares por
ano".[55] Novamente, a confusão se dá entre o que está
acontecendo com as categorias estatísticas e o que está
ocorrendo com indivíduos de carne e osso na medida em
que avançam ou recuam de uma categoria para outra.
Apesar do aumento de renda de 0,1% dos
contribuintes mais ricos como categoria estatística, tanto
absoluta quanto relativa mente, em relação à renda
verificada em outras categorias, como seres humanos de
carne e osso esses indivíduos que compunham inicialmente
a categoria tiveram, na realidade, uma queda em suas
rendas em vertiginosos 50% entre 1996 e 2005.[56] Não
causa surpresa nenhuma se pessoas cuja renda é cortada
pela metade caírem fora do grupo dos 0,1% mais ricos. O
que acontece com a renda da categoria ao longo do tempo
não é o mesmo que acontece com as pessoas que
pertenciam a essa categoria num momento qualquer. Mas
são muitos os que, na intelligentsia, estão prontos para
adotar quaisquer números que pareçam corroborar sua
visão.
Por trás dos números, acompanhados de retórica
alarmista, encontramos uma realidade um tanto quanto
mundana: o fato de as pessoas, em sua maioria,
começarem a vida profissional na base da escala, com
salários de estagiários. No decorrer do tempo, à medida que
adquirem mais habilidade e experiência, a sua
produtividade crescente acarreta um crescimento da renda,
colocando-as, sucessivamente, em patamares mais altos da
escala. Essas não são as raras narrativas de Horatio Alger,
mas são padrões comuns recorrentes na vida de milhões de
pessoas cujas rendas, em 1975, compunham a base dos
20% de menor renda, mas que alcançaram o topo dos 40%
por volta de 1991. Apenas 5% das pessoas que estavam
inicialmente na base da escala, dividida em cinco
patamares, ainda se mantinham na base em 1991, ao passo
que 29% dos que inicialmente estavam na base tinham
alcançado a quinta parte superior da escala.[57] Ainda
assim, o virtuosismo retórico da intelligentsia transformou
uma faixa transitória, dentro de dada categoria estatística,
em uma classe permanente
chamada de "os pobres".
Assim como a maioria dos norte-americanos inseridos
na categoria estatística identificada como a dos "pobres"
não compreende, de fato, uma classe permanente, estudos
realizados na Grã-Bretanha, no Canadá, na Nova Zelândia e
na Grécia mostram padrões similares de transitoriedade
entre aqueles que participam das camadas de mais baixa
renda em determinado momento.[58] Mais da metade dos
norte-americanos que ganha salário mínimo ou um salário
próximo ao mínimo tem entre 16 e 24 anos de idade.[59] É
claro que esses indivíduos não podem permanecer entre 16
e 24 anos de idade indefinidamente, embora a categoria
etária permaneça, certamente, indefinidamente, fornecendo
a muitos intelectuais os dados que necessitam para
corroborar seus preconceitos.
Ao focar a atenção somente nas categorias de renda,
em vez de perceber o movimento real das pessoas que
transitam entre essas categorias, a intelligentsia foi capaz
de criar, retoricamente, um "problema", para o qual uma
"solução" se faz necessária. Eles criaram uma poderosa
visão de "classes", compreendendo "disparidade" e
"desigualdades" de renda, as quais são causadas por
"barreiras" criadas pela "sociedade". Mas a real e eficiente
rotina de milhões de pessoas, as quais escapam da quinta
parte de mais baixa renda da escala, dá pouca atenção às
supostas "barreiras" sociais tão alardeadas pelos
integrantes da intelligentsia.
Longe de usar suas habilidades intelectuais a fim de
esclarecer a distinção entre categorias estatísticas e seres
humanos de carne e osso, a intelligentsia, pelo contrário,
usa seu virtuosismo retórico com intuito de igualar a relação
numérica variável entre categorias estatísticas com o
crescimento econômico de seres humanos de carne e osso
ao longo da vida, embora esses dados digam uma história
diametralmente oposta à história sugerida pelas meras
categorias estatísticas.
A confusão entre categorias estatísticas e seres
humanos de carne e osso é mantida sempre quando há
confusão entre renda e riqueza. As pessoas chamadas de
"ricas" ou "super-ricas" receberam esses nomes pela mídia
com base em suas rendas, não em sua riqueza. Segundo o
Departamento do Tesouro: "Entre aqueles com as rendas
mais altas em 1996, o 1/100 do topo do 1% mais rico,
apenas 25% permaneceram nesse grupo até 2005".[60] Se
essas fossem pessoas genuinamente super-ricas, fica difícil
explicar por que três quartos delas não mais participam da
categoria uma década mais tarde.
Uma confusão relacionada, embora um tanto
diferente, entre categorias estatísticas e seres humanos
gerou muitas afirmações disparadas
pela mídia e pela academia, as quais diziam que a
renda dos norte-americanos estava estagnada ou que
crescera muito vagarosamente ao longo dos anos. Por
exemplo, durante todo o período entre 1967 até 2005, a
renda familiar média - ou seja, o ajuste de renda conforme a
inflação - cresceu em 31%.[61] Em períodos selecionados no
transcorrer desse longo tempo, a renda real familiar cresceu
ainda menos e esses períodos selecionados são
frequentemente citados pela intelligentsia para se alegar
que tanto a renda quanto o padrão de vida entraram em
"estagnação"[62]. Enquanto isso, a renda real per capita -
individual - cresceu em 122% no transcorrer do mesmo
período, de 1967 até 2005.[63] Quando um aumento de mais
que o dobro da renda é chamado de "estagnação", podemos
observar um dos muitos feitos do virtuosismo retórico.
A razão para tamanha discrepância entre a tendência
das taxas de crescimento no rendimento familiar e a
tendência das taxas de crescimento na renda individual é
muito simples e direta: o número de pessoas por família
tem declinado ao longo dos anos. Em 1996, o Censo
americano relatou que o número de famílias estava
crescendo mais rápido que o número de pessoas e concluiu
que: "O maior motivo para uma taxa de crescimento mais
rápida na formação de famílias é a tendência crescente,
particularmente entre indivíduos não ligados por laços
familiares, em manter a própria residência fixa, em vez de ir
morar com parentes ou mudarem para famílias já
constituídas como hóspedes, inquilinos, e assim por diante".
[64] O crescimento de renda individual tornou isso possível.
◆ ◆ ◆
CONSIDERAÇÕES MORAIS
Essa diferença entre categorias estatísticas e pessoas
reais afeta as considerações morais, assim como afeta as
questões empíricas. Por mais que se esteja preocupado com
a situação econômica de seres humanos de carne e osso,
isso difere, em muito, de uma indignação com a mera
situação das categorias estatísticas como tais. Por exemplo,
o livro de grande sucesso de Michael Harrington, The Other
America [A Outra América], dramatiza a situação das
estatísticas, lamentando "a angústia "em que vivem os
pobres nos Estados Unidos, dezenas de milhões de
"desfigurados em corpo e espírito" constituindo "a vergonha
da outra América", pessoas "presas num círculo vicioso" que
sofrem uma "deformação da vontade e do espírito, que é
consequência de ser pobre".[68] Mas imantar os dados
estatísticos de revolta moral nada faz para realmente tornar
um participante transitório de uma categoria estatística em
prisioneiro de uma classe permanente, consagrada por meio
do virtuosismo retórico da intelligentsia.
Houve uma época em que tal retórica poderia até
fazer algum sentido nos Estados Unidos, e existem outros
países onde ainda hoje ela pode fazer certo sentido.
Contudo, os norte-americanos que vivem, hoje, abaixo da
linha oficial de pobreza desfrutam, em sua maior parte, de
bens considerados, em outras épocas, exclusivos ao padrão
de vida da classe média, e isso apenas uma geração atrás.
Assim, em 2001, três quartos dos norte-americanos com
renda abaixo da linha oficial de pobreza tinham ar-
condicionado - um bem que apenas um terço dos norte-
americanos tinham em 1971 -, 97% tinham televisor em
cores - um bem que menos da metade dos norte-
americanos tinha em 1971 - e 98% dos "pobres" tinham
videocassete ou tocador de DVD - bens que ninguém tinha
em 1971. Somando-se a isso, 72% dos "pobres" que viviam
nos EUA tinham um veículo a motor.[69] Todavia, nada disso
foi suficiente para alterar a retórica da intelligentsia, apesar
do impacto das mudanças no padrão de vida dos norte-
americanos, especialmente entre segmentos mais baixos de
renda.
A mentalidade típica de muitos intelectuais é
encontrada no livro de Andrew Hacker, o qual se referia aos
trilhões de dólares que se tornam "renda pessoal de alguns
norte-americanos ", dizendo que: "A forma como esse
dinheiro é apropriado será o tema deste livro"[70] Mas esse
dinheiro não é, de forma alguma, apropriado. Ele se torna
renda por meio de um processo completamente diferente.
A própria frase "distribuição de renda" é tendenciosa,
pois ela começa a contar a história do processo econômico
quando ele já se encontra em pleno funcionamento,
contabilizando somente o montante de renda ou riqueza
que já existe. Isso é feito a fim de priorizar a questão de
como essa renda ou riqueza será distribuída ou
"apropriada", como o professor Hacker coloca. No mundo
real, todavia, a situação é bem diferente. Numa economia
de mercado, a maior parte das pessoas recebe renda a
partir do que produz, fornecendo a outras pessoas bens ou
serviços de que necessitam ou desejam, mesmo que esse
serviço seja só trabalho. Cada beneficiário desses bens e
serviços paga segundo um valor determinado em relação ao
que é recebido, escolhendo entre fornecedores alternativos,
a fim de encontrar a melhor combinação custo-benefício.
Esse processo mundano e utilitarista é um tanto
quanto diferente da visão de "distribuição de renda"
enfatizada pelos membros da intelligentsia, os quais
imantam a visão de angústia moral. Caso realmente
existisse um campo preexistente de renda e riqueza, no
caso uma espécie de maná dos céus, então realmente
haveria uma consideração moral em relação ao tamanho da
fatia que cada membro da sociedade receberia. Mas o fato é
que a riqueza é produzida. Ela não é um simples fator
natural já dado. Milhões de sujeitos são pagos segundo o
valor atribuído ao que produzem e isso é feito
subjetivamente, por milhões de outros indivíduos. Não fica
claro, de forma alguma, em que base se poderia dizer que
certos bens e serviços são sobre ou subvalorizados. Em que
base terceiros poderiam determinar que o trabalho em
cozinha deva valer mais, ou que o trabalho em carpintaria
deve valer menos, ou mesmo dizer que a vagabundagem
não é recompensada o suficiente?
Não há mistério algum no fato de milhares de pessoas
a mais escolherem pagar para ouvir Pavarotti cantar do que
pagariam para ouvir um cantor mediano.
Sempre que as pessoas são pagas pelo que
produzem, a produção de uma pessoa pode facilmente valer
mil vezes mais que a produção de outra para aqueles que
são beneficiários dessa produção. Isso acontece porque
milhares de pessoas a mais estão interessadas em receber
alguns produtos e serviços do que o estão em receber
outros produtos e serviços. Por exemplo, quando, devido a
uma lesão, Tiger Woods deixou de participar dos torneios de
golfe por muitos meses, os níveis de audiência nas rodadas
finais dos grandes torneios despencaram, chegando a uma
queda máxima de 61%.[71] Isso pode ser traduzido em
perdas de milhões de dólares em receitas com propaganda,
baseadas em números de telespectadores.
O fato de a produtividade de uma pessoa poder valer
mil vezes mais do que a de outra não significa que o mérito
da primeira é mil vezes maior que o da segunda.
Produtividade e mérito são coisas um tanto quanto distintas.
A produtividade de um indivíduo é afetada por inúmeros
fatores além de seus esforços. Nascer com excelente timbre
de voz é um exemplo óbvio, assim como ser criado num lar
em particular, recebendo um conjunto particular de valores
e de padrões de comportamento, viver num ambiente social
ou geográfico particular, meramente nascer com um
cérebro normal em vez de um cérebro danificado durante o
trabalho de parto, podem trazer diferenças enormes sobre o
que uma pessoa é capaz ou não de produzir.
Além do mais, terceiros não têm condição de avaliar,
de segunda mão, o valor da produtividade de alguém para
outros, e é difícil até mesmo conceber como o mérito de
alguém poderia ser julgado, com acuidade, por outro ser
humano que "nunca esteve em seu lugar". Um indivíduo
criado em condições familiares terríveis ou sob terríveis
condições sociais pode ter grande mérito por ter se tornado
um cidadão decente e mediano, possuidor de habilidades
medianas em seu trabalho de sapateiro, ao passo que outro
indivíduo nascido e criado em condições muito mais
vantajosas que dinheiro e posicionamento social podem, por
exemplo, conferir, pode não ter o mesmo mérito, mesmo ao
se tornar um eminente neurocirurgião. Mas isso é
totalmente diferente de dizer que reparar sapatos é tão
valioso para os outros quanto ser capaz de reparar
problemas cerebrais.
Dizer que o mérito pode ser o mesmo não é a mesma
coisa que dizer que a produtividade é a mesma. Nem
podemos lógica ou moralmente ignorar a discrepância
existente na relativa urgência dos que anseiam por seus
sapatos consertados diante dos que precisam passar por
uma cirurgia cerebral. Em outras palavras, não é
simplesmente uma questão de pesar os interesses entre
beneficiários diretos em suas relações de compra e venda,
mas levar em conta o bem-estar de muitas outras pessoas
que dependem do que esses indivíduos produzem.
Se alguém preferir uma economia na qual a renda
esteja divorciada da produtividade, então o caso para esse
tipo de economia tem que ser tornado explícito. Mas isso é
completamente diferente de uma mera manipulação
retórica, a qual ilustra dois conjuntos estanques, fixando
uma realidade de "distribuição de renda" de hoje versus
uma realidade alternativa de "distribuição de renda" de
amanhã.
Em relação à questão moral, para que certos grupos
de seres humanos sejam responsabilizados, em relação às
disparidades na produtividade entre as pessoas e seus
consequentes ganhos distintos, isso dependeria da
quantidade de controle que um dado conjunto de seres
humanos mantém, ou poderia possivelmente manter, em
relação aos inumeráveis fatores que levaram às diferenças
existentes na produtividade. Uma vez que nenhum ser
humano tem qualquer controle sobre o passado e muitas
das diferenças culturais mais determinantes vêm
justamente na forma de legados culturais, as limitações
sobre o que pode ser feito no presente são limitações reais
sobre até que ponto podemos atribuir fracassos morais para
a sociedade atual. Menos ainda podem as diferenças
estatísticas, entre grupos, ser automaticamente tidas como
"barreiras" criadas pela sociedade. Barreiras existem no
mundo real, assim como existe o câncer. Mas reconhecer
isso não significa que todas as mortes, ou mesmo a maioria
delas, tenham que ser automaticamente atribuídas ao
câncer, ou que a maior parte das diferenças econômicas
possa ser automaticamente atribuída às "barreiras".
Considerando-se as restrições dadas pelas
circunstâncias, existem coisas que podem ser feitas para
tornar as oportunidades mais amplamente disponíveis, ou
ajudar aqueles cujas deficiências são muito severas para
que possam utilizar quaisquer oportunidades que já se
encontram disponíveis. De fato, muito já foi e continua a ser
feito nos Estados Unidos, que é, no mundo, a nação número
1 em atividade filantrópica não apenas em função das
doações financeiras, como em função dos trabalhos
assistenciais, os quais exigem tempo e energia de pessoas
que se dedicam a essas ações. Mas ao se supor que tudo
aquilo que não foi feito poderia ter sido feito,
desconsiderando-se os custos e os riscos, podem-se culpar
os indivíduos e a sociedade, pois o mundo real nunca estará
à altura de algumas visões de sociedade ideal e a
discrepância entre o real e o ideal sempre será julgada,
pelos infalíveis visionários intelectuais, como fracasso moral
da sociedade.
◆ ◆ ◆
◆ ◆ ◆
SISTEMAS ECONÔMICOS
O fato mais fundamental em economia, sem o qual
não haveria economia alguma, é o de a necessidade de
todos sempre superar a disponibilidade das coisas. Se isso
não fosse verdadeiro, então estaríamos vivendo numa
espécie de Jardim do Éden, onde tudo se encontraria
disponível em ilimitada abundância em vez de vivermos
numa economia com recursos limitados e desejos ilimitados.
Por causa dessa escassez herdada, desconsiderando-se
qualquer que seja o sistema econômico em particular,
capitalista, socialista, feudal ou outro qualquer, uma
economia não apenas organiza a produção e a distribuição
da produção resultante, mas, por sua própria natureza,
também tem que ter meios de prevenir que as pessoas
satisfaçam completamente seus desejos. Ou seja, ela
transmite a escassez inerente, sem a qual não haveria
objetivo algum na atividade econômica, apesar de ela não
ser a causadora da escassez.
Numa economia de mercado, os preços transmitem a
escassez inerente por meio de ofertas concorrentes que
buscam recursos e produtividade que não podem ser
desfrutados, ilimitadamente, por todos os licitantes. Isso
pode parecer uma pequena e simples observação, mas até
mesmo intelectuais renomados, como o filósofo John Dewey,
parecem desconhecer essa realidade básica, culpando um
sistema econômico em particular que, ao transmitir
escassez, é tido como seu causador. Dewey considerava a
existente economia de mercado algo "que mantém uma
escassez artificial" em benefício do "lucro pessoal".[76] De
forma semelhante, George Bernard Shaw via na "restrição
da produtividade" o princípio no qual o capitalismo se
fundava.[77] Bertrand Russell desprezava a economia de
mercado por ser um sistema econômico no qual "os ricos
salteadores estão livres para cobrar do mundo o uso de
minerais indispensáveis".[78]
Segundo Dewey, para tornar "a abundância potencial
em realidade" seria preciso "modificar as instituições".[79]
Contudo, ele aparentemente achou desnecessário
especificar quais teriam sido os conjuntos alternativos de
instituições econômicas, no mundo real, que tivessem de
fato produzido uma abundância maior, superando as
instituições que ele criticava, culpando-as de "manter uma
escassez artificial". Como em muitos outros casos, a falta
fundamental de evidência factual, ou mesmo de uma única
afirmação que respeite a lógica, passa frequentemente
despercebida pela intelligentsia sempre que alguém está
dando voz à visão consagrada por seus pares, uma visão
consistente com o projeto da intelligentsia para o mundo.
Da mesma forma, um historiador do século XXI disse
de passagem, como algo muito óbvio para exigir maiores
elaborações, que "o capitalismo criou massas de
trabalhadores afetados pela pobreza".[80] Havia,
certamente, muitos trabalhadores nessa condição nos
primeiros anos do capitalismo, mas não ocorreu ao
historiador em questão, assim como não ocorre à maioria
dos intelectuais, mostrar que foi o capitalismo que
criou tal pobreza. Se, de fato, esses trabalhadores eram
mais prósperos antes do capitalismo, então não apenas
esse fato necessitaria ser demonstrado, mas, sobretudo,
teria que ser explicado o motivo pelo qual esses
trabalhadores renunciaram a esse padrão de vida anterior,
supostamente mais próspero, para trabalhar por menos
para o capitalismo. Raramente, qualquer uma das duas
tarefas são realizadas pelos intelectuais de tamanhas
afirmações e também raramente seus parceiros intelectuais
os desafiam a fazê-las sempre que dizem coisas que se
encaixam na visão dominante da intelligentsia.
◆ ◆ ◆
INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL
Entre as consequências mais comuns em função da
completa ignorância em economia, por parte dos
intelectuais, encontramos a visão da soma-zero já
mencionada, na qual os ganhos de um indivíduo ou de um
grupo representam, necessariamente, uma perda
correspondente para outro indivíduo ou grupo. Segundo
Harold Laski, "os interesses entre capital e trabalho são
irreconciliáveis em seus fundamentos, pois existe uma soma
a ser dividida e cada parte quer mais do que o outro dará”.
[100] Tal suposição é raramente afirmada tão cruamente,
NEGÓCIO
As organizações, grandes e pequenas, as quais
produzem e distribuem a maior parte dos bens e serviços
que formam o moderno padrão de vida das pessoas, o
mundo dos negócios, são alvos, faz muito tempo, da
intelligentsia. Acusações contra os negócios têm sido tão
específicas quanto taxar excessivamente e tão nebulosas
quanto fracassar em conviver com suas responsabilidades
sociais.
◆ ◆ ◆
GERENCIAMENTO
Intelectuais que nunca administraram um negócio se
mostram notavelmente confiantes em apontar quando os
negócios são mal administrados ou quando seus
proprietários ou gerentes ganham mais do que deveriam.
John Dewey, por exemplo, declarou: "Empreendedores
industriais colheram muito mais, e fora de qualquer
proporção, do que plantaram".[110] Evidências? Nenhuma.
Essa é mais uma de muitas declarações que passam
incólumes entre os interlocutores da intelligentsia. Sua
familiaridade e sua consonância com a visão prevalecente
funcionam como substitutos de evidência e análise.
A facilidade em se administrar negócios é uma crença
comum entre os intelectuais, ela já aparece no livro Looking
Backward [Em Retrospectiva], de Edward Bellamy, escrito
no século XIX.[111] Lênin dizia que administrar um negócio
envolvia "operações extraordinariamente simples", as quais
"qualquer pessoa minimamente educada pode
desempenhar", de forma que aqueles que estão
encarregados de tais empreendimentos não precisam
receber mais que qualquer trabalhador comum[112] Todavia,
três anos depois de tomar o poder, preso à sua economia
pós-capitalista à qual posteriormente chamou de "ruína,
fome e devastação",[113] ele reverteu seu posicionamento e
declarou ao Congresso do Partido Comunista de 1920:
"Nossas opiniões sobre gerenciamento de empresas são
excessiva e levianamente tomadas com espírito de total
ignorância, um espírito de ignorância sobre a atividade em
si".[114] Lênin reverteu tanto suas palavras quanto suas
ações, implantando sua Nova Economia, que concedia uma
margem maior de operação aos mercados, e a economia
Soviética começou a se recuperar.
Portanto, a primeira vez que a teoria sobre a alegada
simplicidade em se administrar um negócio foi colocada sob
teste, ela falhou fragorosamente. À medida que o século XX
foi passando, essa teoria fracassou, repetidamente, em
outros países do mundo, chegando a um ponto em que
mesmo os governos mais comunistas e socialistas
começaram a liberar os mercados. Isso ocorreu no final do
século XX, disparando índices de crescimento nunca vistos
nesses lugares, como aconteceu notoriamente na China e
na Índia.
Ao julgar aqueles que administram negócios, o critério
aplicado implícita ou explicitamente por muitos intelectuais
é frequentemente destituído de qualquer relevância em
relação à operação de um empreendimento econômico. Por
exemplo, certa vez Theodore Roosevelt disse: "Cansa-me
conversar com homens ricos. Você anseia conversar com
um homem de milhões, o líder de uma grande corporação,
esperando que seja um homem que valha a pena ser
ouvido, mas, como de regra, eles nada sabem do que está
fora de seus negócios".[115]
Isso, certamente, não poderia ser dito do próprio
Theodore Roosevelt. Somando-se à sua experiência como
político nos níveis municipal, estadual, nacional e
internacional, Theodore não era apenas um homem culto e
de alta educação, mas também um erudito em sua própria
maneira, cuja obra sobre a história naval retratando a
guerra de 1812 foi, por décadas, leitura obrigatória nas
academias navais nos dois lados do Atlântico. Autor de
quinze livros,[116] ele foi durante muitos anos um intelectual
em nossa visão, alguém que ganhava a vida com seus
escritos, especialmente durante os anos em que seu salário
como funcionário municipal ou estadual era insuficiente
para manter sua família, e durante os anos em que seus
empreendimentos na fronteira oeste deram prejuízo.
"Poucos seriam os norte-americanos que poderiam se
equiparar à grandeza de seu intelecto", segundo um
biógrafo de Theodore Roosevelt.[117] Certamente, poucos
foram os líderes econômicos comparáveis a Theodore em
abrangência e profundidade intelectual. Nem mesmo havia
qualquer motivo para que o fossem. Em muitos campos, é
com frequência o especialista, por vezes o maníaco-
obsessivo, pela questão que tende a produzir as realizações
mais altas. Ninguém esperava que Babe Ruth ou Bobby
Fischer fossem homens ecléticos e quem pensasse assim
teria ficado muito desapontado. O julgamento das pessoas
em áreas não intelectuais, pelos critérios intelectuais, fará
com que pareçam, quase que invariavelmente, não
merecedoras das recompensas que recebem, o que seria
uma conclusão legítima se as realizações não intelectuais
valessem automaticamente menos que as intelectuais.
Poucos seriam aqueles que defenderiam explicitamente tal
premissa, mas, como destacou John Maynard Keynes, as
conclusões geralmente prosseguem seu desenrolar sem as
premissas sobre as quais se baseiam.[118]
Outra concepção errônea e comum da intelligentsia é
aquela que afirma que os empreendedores individuais
deveriam, ou poderiam, ser "socialmente responsáveis",
levando em consideração consequências mais amplas das
decisões de negócio. Essa ideia nos remete a Woodrow
Wilson, outro intelectual em nosso sentido, por causa de sua
carreira acadêmica anterior ao seu ingresso na política. Ele
disse:
◆ ◆ ◆
RECESSÕES E DEPRESSÕES
Nada foi mais decisivo para sedimentar a ideia de que
a intervenção governamental na economia é necessária do
que a Grande Depressão da década de 1930. Os fatos puros
narram os desdobramentos daquela tragédia histórica: a
produção nacional caiu a um terço, entre 1929 e 1933,
milhares de bancos faliram, e o desemprego atingiu um pico
de 25%. As empresas, em geral, perderam dinheiro por dois
anos seguidos. Antes desse momento, nenhum presidente
tentara uma intervenção do governo federal a fim de
colocar fim em qualquer depressão econômica.
Muitos viram na Grande Depressão o fracasso do
mercado livre e do capitalismo como sistema econômico,
viram uma razão para se buscar um tipo radicalmente
diferente de economia. Para alguns a resposta estaria no
comunismo, para outros no fascismo e para ainda outros
nas políticas do New Deal da administração de Franklin O.
Roosevelt. Descontando-se a alternativa favorecida em cada
caso, o que foi amplamente tido como verdade dali em
diante foi que a quebra da Bolsa, em 1929, representava o
fracasso do mercado livre e a causa de um desemprego
maciço, o qual persistiu por anos durante a década de 1930.
Considerando-se as duas características mais marcantes da
época: a quebra da Bolsa de Valores e a disseminação do
controle estatal na economia, não é imediatamente óbvio
qual delas teve maior parcela de responsabilidade pelas
terríveis condições econômicas. Contudo, uma falta de
esforço notável foi verificada entre os membros da
intelligentsia a fim de identificar a causa ou as causas do
colapso. Segundo eles, essa é uma conclusão há muito
tempo resolvida: foi o mercado a causa do colapso e a
intervenção governamental, a graça salvadora.
Embora o desemprego tenha subido no despontar da
quebra da Bolsa, ele nunca alcançou patamares maiores do
que 10% em nenhum mês durante os doze meses que se
seguiram à quebra em outubro de 1929. Contudo, o índice
de desemprego, no despontar das subsequentes
intervenções governamentais na economia, nunca ficou
abaixo dos 20% em nenhum mês por um período de 35
meses consecutivos.[137] Portanto, embora a quebra da
Bolsa tenha sido vista como o "problema" e a intervenção
governamental como a "solução ", na realidade o índice de
desemprego que se seguiu ao problema econômico foi
menor que a metade do índice de desemprego que se
seguiu à solução política.
Uma das poucas coisas com que as pessoas, dentro
do espectro ideológico atual, concordam é que o Banco
Central foi incompetente durante a Grande Depressão.
Avaliando o que foi feito na época, Milton Friedman chamou
as pessoas que administravam o Banco Central de "ineptas"
e john Kenneth Galbraith disse que os funcionários do Banco
Central demonstraram "impressionante incompetência”.[138]
Por exemplo, à medida que a oferta de dinheiro no país
declinava em um terço no começo das maciças quebras dos
bancos, o Banco Central aumentou os juros, criando
pressões deflacionárias ainda maiores.
No intuito de salvaguardar os empregos dos
americanos, limitando as importações que competiam com
os produtos nacionais, o Congresso permitiu, em 1930, as
tarifas Smoot-Hawley, as mais altas em mais de um século,
apesar de um apelo público assinado por mais de mil
economistas com um aviso a respeito das consequências.
As outras nações, obviamente, retaliaram, procedendo
exatamente como os economistas previram. Isso reduziu
drasticamente as exportações norte-americanas, e os
empregos que dependiam do setor despencaram, de forma
que o índice de desemprego subiu ainda mais em vez de
cair. No início da implantação das tarifas, o nível de
desemprego subiu mais drasticamente do que ocorrera na
sequência da quebra da Bolsa. O nível de desemprego
estava em 6,3% em junho de 1930, oito meses após a
quebra da Bolsa, quando as tarifas Smoot-Hawley foram
adotadas. Porém, um ano mais tarde, o índice de
desemprego alcançava 15%, e no ano seguinte saltou para
25,8%.[139]
Todo esse nível de desemprego não precisa ser
atribuído às tarifas, mas a questão é que as tarifas foram
criadas, supostamente, para reduzir o desemprego. O índice
de desemprego já entrara em sua curva descendente por
meses seguidos quando a lei Smoot-Hawley foi aprovada,
uma tendência que, todavia, foi revertida apenas cinco
meses depois que as tarifas entraram em vigor. Quando o
índice de desemprego atingiu a casa dos dois dígitos, em
novembro de 1930, um índice de desemprego tão baixo
quanto 6,3% não foi visto novamente por toda década.[140]
As tarifas Smoot-Hawley, aprovadas no governo de Herbert
Hoover, foram simplesmente as primeiras de muitas e
maciças intervenções governamentais na década de 1930,
incluindo muitas outras sob o governo de Franklin D.
Roosevelt.[141] Há poucas evidências empíricas apontando
que essas intervenções ajudaram a economia, e muitas
evidências apontando o contrário, sugerindo que elas
deixaram a economia em pior estado.
O Congresso também aprovou leis que duplicaram ou
mais os impostos nos rendimentos dos mais ricos, no
governo de Hoover, e subiram para níveis ainda mais altos
com Franklin Roosevelt. O presidente Hoover exortou os
grandes empresários para que não reduzissem os índices de
salários dos trabalhadores durante a depressão, apesar de
uma acentuada queda na oferta de moeda ter transformado
os antigos níveis salariais em impagáveis com jornada
integral. Tanto Hoover quanto seu sucessor, o presidente
Franklin Roosevelt, buscaram segurar a queda dos preços,
fosse o preço dos salários ou dos produtos agropecuários,
supondo que isso pudesse evitar a queda do poder de
compra. Todavia, o poder de compra não depende apenas
do nível dos preços, mas do número de transações que
serão feitas em determinados níveis de preços. Com uma
oferta de moeda reduzida, nem a quantidade anterior de
emprego nem os índices prévios de venda dos produtos
agropecuários e industriais poderiam continuar com os
antigos preços.
Nem Hoover nem Roosevelt pareciam entender esse
ponto, nem mesmo chegaram a pensar tão longe. Todavia, o
colunista Walter Lippmann apontou o óbvio em 1934
quando disse: "Numa depressão os homens não podem
vender seus bens ou seus serviços nos patamares antigos
de pré-depressão. Se eles insistirem com os preços da pré-
depressão, não vão vender. Se eles insistirem nos salários
da pré-depressão, ficarão sem emprego".[142]
Resumindo, muitas das coisas que o Banco Central, o
Congresso e os dois presidentes fizeram foram medidas
contraproducentes. Considerando-se esses múltiplos
fracassos de política governamental, não fica claro, de
forma alguma, que foi a economia de mercado que falhou.
Não há certamente nenhuma forma de reviver a quebra de
1929 e deixar que o governo federal aj uste a crise, por
conta própria, para avaliarmos os resultados de tal
experimento. A situação mais próxima de um evento corno
esse foi a crise da Bolsa, de 1987, semelhante em
dimensão, mas não em duração, ao colapso de 1929. A
administração Reagan nada fez, apesar dos protestos na
mídia, com a ausência de intervenção do governo.
"O que será preciso acontecer para acordar a Casa
Branca?", perguntava o New York Times, declarando que "o
presidente abdica de sua liderança e corteja o desastre".
[143] A colunista do Washington Post Mary McGrory disse que
WALTER LIPPMANN[149]
CONFLITO DE VISÕES
No coração da visão social dos intelectuais
contemporâneos se assenta a crença na existência de
"problemas", criados pelas instituições existentes.
"Soluções" para esses problemas podem, todavia, ser
excogitadas pelos intelectuais. Essa é uma visão que abarca
tanto a sociedade quanto o papel dos intelectuais dentro
dela. Portanto, os intelectuais não se vêem simplesmente
como uma espécie particular de elite, em seu sentido
passivo, como grandes proprietários ou donos de diversas
sinecuras que se qualificam como membros de uma elite,
mas como elite ungida, como portadores da missão de guiar
os outros para a realização de uma vida melhor.
John Stuart Mill, que encarnou o intelectual típico,
expressava explicitamente essa visão ao dizer que o
"estado miserável da educação" e "o estado miserável dos
arranjos sociais" representavam "o único impedimento real"
para obtenção da felicidade geral entre os seres humanos.
[152] Além do mais, Mill via na intelligentsia "os intelectos
◆ ◆ ◆
ARGUMENTOS "SIMPLISTAS”
Relacionando-se à suposta falta de valor dos
oponentes, encontramos a alegação de que certos
argumentos não têm valor porque são "simplistas", porém
isso não é apresentado como conclusão advinda de
contraevidências ou contra-argumentos, mas os
desconsidera abertamente. Apesar de questionável do
ponto de vista lógico, essa é uma tática de debate muito
eficiente. Ao lançar mão de um termo depreciativo sobre
seu adversário, o sujeito coloca-se num patamar intelectual
superior sem oferecer, contudo, nada de substantivo.
Porém, é demonstrando, em vez de insinuando, que uma
explicação mais complexa é mais consistente logicamente
ou mais empiricamente válida.
O fato de determinado argumento ser mais simples
que outro não diz nada a respeito da validade empírica ou
analítica de ambos. Certamente, a explicação sobre muitos
fenômenos físicos, como, por exemplo, o sol se pondo no
horizonte, faz-se mais simples ao se usar o argumento de
que a Terra é redonda, diferentemente das explicações mais
complexas, sobre o mesmo fenômeno, feitas pelos membros
da Sociedade da Terra Plana. Evasões do óbvio podem se
tornar muito complexas.
Antes de a explicação ser descartada por ser
demasiadamente simples, ela tem, em primeiro lugar, que
estar errada. Mas, com muita frequência, temos o caso de
explicações que, por se parecerem muito simples, tornam-
se especialmente vulneráveis às investidas para se mostrar
que está errada. Por exemplo, quando o professor Orley
Ashenfelter, economista da Universidade Princeton,
começou a antecipar os preços de marcas particulares de
vinho, baseando-se única e exclusivamente nas estatísticas
climáticas, durante a época de crescimento das vinhas, sem
se preocupar em degustar vinhos ou em consultar
especialistas em vinhos, seu método foi sumariamente
descartado, por ser muito simplista, pelos conhecedores de
vinho, um dos quais se referiu à "bobagem implícita”[166] do
método. No entanto, as previsões do professor Ashenfelter
têm se mostrado mais certeiras do que as feitas pelos
especialistas em vinho.[167]
Somente depois que determinado método se mostra
equivocado é que podemos chamá-lo de "simplista". Por
outro lado, o uso que se faz de quantidades menores de
informações, a fim de produzir conclusões válidas, mostra a
maior eficiência da análise. Contudo, o uso indiscriminado
do termo "simplista" acabou se tornando uma
argumentação amplamente usada toda vez que não se
dispõe de provas concretas, uma forma de desqualificar
visões opostas sem a necessidade de confrontá-las com
evidências ou análises.
No intuito de caracterizá-la de simplista, praticamente
qualquer resposta pode ser manipulada. Isso é feito ao se
expandir indefinidamente a questão, englobando dimensões
que fogem ao controle explicativo em questão para, então,
insinuar-se inadequação, acusando argumento de simplista.
Por exemplo, na década de 1840, um médico austríaco
apresentou estatísticas que mostravam uma diferença
substancial, verificada nos índices de mortalidade entre
mulheres nas clínicas de maternidade em Viena, quando
eram examinadas por médicos que haviam lavado suas
mãos antes de examiná-las e por médicos que não o tinham
feito. Esse médico procurava impor a todos os outros a
obrigatoriedade de lavar as mãos antes de examinarem as
pacientes. Porém, sua sugestão foi rejeitada essencialmente
por ser simplista, fazendo uso de um tipo de argumento que
está conosco ainda hoje. Ele foi desafiado a explicar por que
lavar a mão de alguém afetaria a mortalidade das mulheres
em trabalho de parto e, uma vez que isso aconteceu antes
de a teoria bacteriana ser desenvolvida e aceita, ele não
tinha como provar.[168] Em poucas palavras, a questão fora
expandida a ponto de não poder ser respondida naquele
estágio do conhecimento, o que fazia qualquer resposta
parecer "simplista ". Todavia, a questão real não era se
aquele médico, o qual se baseava em dados estatísticos,
podia responder à questão mais ampla, mas se a evidência
mais pontual que ele indicava sobre a questão era válida e
se poderia, portanto, salvar vidas baseando-se apenas em
fatos empíricos. O perigo em se cometer a falácia post hoc
poderia ter sido facilmente evitado ao se continuar a colher
dados a fim de verificar se o procedimento de lavagem das
mãos, feito por outros médicos, reduzia os índices de
mortalidade das gestantes.
Hoje, aqueles que rej eitam uma ação policial mais
contundente, assim como a manutenção de punições mais
severas como formas eficientes de combate à
criminalidade, preferindo programas e esforços de
reabilitação social, frequentemente estigmatizam a
abordagem tradicional da "lei e da ordem". Isso é feito,
normalmente, ao se expandir a questão para que ela
abarque "as raízes do problema", ou seja, uma questão a
que a ação policial e o sistema penal não podem responder.
Tampouco, podem as teorias alternativas oferecer uma
resposta que seja convincente para os que exigem algo
mais que uma resposta e cuja única base está em
consonância com a visão da intelligentsia. A substituição de
teorias sedutoras pela questão mais pragmática e empírica
sobre qual abordagem, no controle da criminalidade,
apresenta um histórico mais eficiente é interpretada pela
intelligentsia como uma maneira muito simplista de ver as
coisas.
Ironicamente, boa parte dos que enfatizam as
complexidades dos problemas e das questões do mundo
real considera, no entanto, e com frequência, as pessoas
com visões opostas às suas como sujeitos intelectual ou
moralmente desprezíveis. Em outras palavras, apesar de
toda ênfase colocada nas complexidades envolvidas, essas
questões, quando anunciadas por outros, não são
consideradas complexas a ponto de exigirem diferentes
posições. São descartadas as muitas e diferentes nuanças
de avaliações, probabilidades e valores, as quais poderiam,
de forma legítima, gerar uma conclusão diferente.
Uma variação do tema sobre argumentos "simplistas",
imputados aos adversários, é dizer que é preciso evitar as
"panaceias", quando, na realidade, nada é panaceia, caso
contrário, por definição, todos os problemas do mundo já
teriam sido resolvidos. Quando, durante o colapso do bloco
comunista na Europa oriental, a imprensa mostrou a
Tchecoslováquia celebrando sua liberdade, o colunista do
New York Times, Tom Wicker, alertou seus leitores dizendo
que a liberdade "não é uma panaceia e que se o comunismo
falhou, não significa que a alternativa ocidental seja perfeita
ou mesmo satisfatória para milhões que vivem sob seu
peso".[169] O fato histórico concreto de milhões de pessoas
que viviam sob as diretrizes do bloco comunista e fugiram
para o Ocidente, comparado ao fato de uma fração ínfima
de pessoas que fugiram no sentido inverso, pode nos
sugerir onde realmente havia maior nível de satisfação. Mas
é claro que nada que compreendeu estritamente o humano
jamais alcançou a perfeição e, assim, o fato de os
intelectuais sempre poderem imaginar algo melhor do que
aquilo que existe de melhor não nos surpreende.
Certamente, todavia, a visão de Tom Wicker não é a mesma
que a de Richard Epstein, para o qual o máximo que
podemos esperar é "a mais tolerável das imperfeições".[170]
Outro posicionamento parecido é o que afirma que
nunca houve uma "era de ouro". Isso é frequentemente
colocado na boca de pessoas que nunca alegaram que já
houve tal coisa, mas que tendem a pensar que algumas
práticas do passado produziram resultados melhores do que
algumas práticas do presente. Em vez de oferecer
evidências que mostrem que as práticas atuais sempre
produzem resultados mais satisfatórios, "panaceias" e "eras
de ouro" são usadas para desqualificar argumentos
contrários. Por vezes, a mesma noção é expressa ao se
dizer que não podemos ou não deveríamos "voltar relógio
da história". Mas, a menos que alguém aceite, como dogma,
que todas as medidas subsequentes em relação a uma data
qualquer sejam automaticamente melhores do que o eram
anteriormente à data determinada, esse tipo de artifício
revela ser uma evasão que foge às especificidades das
questões, ou seja, mais um exemplo de argumentação sem
prova.
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A DICOTOMIA ESQUERDA-DIREITA
No âmbito da política, uma das fontes mais férteis de
confusão, em discussões sobre questões ideológicas, é a
dicotomia entre esquerda e direita. Talvez a diferença mais
fundamental entre esquerda e direita é que apenas a
primeira tem alguma espécie de definição. O que é
chamado de "direita" resume-se aos múltiplos e díspares
adversários da esquerda. Por sua vez, esses adversários da
esquerda podem não ter qualquer vínculo entre si, seja na
composição de princípios comuns, seja na composição de
uma agenda política comum, e podem variar, em suas
preferências, de libertários do livre mercado a defensores da
monarquia, da teocracia, da ditadura militar ou de
inumeráveis outros princípios, sistemas e agendas.
Para pessoas que tomam as palavras literalmente,
falar da "esquerda" é assumir que existe implicitamente
outro grupo adversário igualmente coerente que se constitui
como "direita ". Talvez causasse menos confusão se o que
chamamos de "esquerda" fosse designado por algum outro
termo, um movimento X. Mas a designação em se pertencer
à esquerda tem, ao menos, alguma base histórica nos
representantes que se sentavam à esquerda da cadeira do
presidente da Assembleia durante a reunião dos Estados
Gerais da França no século XVIII. Hoje, um resumo
aproximado sobre a esquerda política seria a visão que
promove a tomada de decisões coletivistas, por meio da
ação direta do governo e de suas agências, os quais visam
ao objetivo de reduzir as desigualdades socioeconômicas.
Podemos adotar posições moderadas ou extremas sobre
essa visão ou agenda da esquerda, mas entre aqueles
designados "de direita", a diferenÇa entre libertários do livre
mercado e juntas militares não é apenas de grau, na
perseguição de uma visão em comum, mas de fato não
existe qualquer visão em comum entre eles. O que significa
dizer que não existe um bloco que possa ser definido como
"direita", embora existam múltiplos segmentos designados
nessa categoria genérica, como os defensores do livre
mercado, os quais podem ser definidos.
A heterogeneidade que encontramos na "direita" não
é o único problema da dicotomia esquerda-direita. Dentro
do espectro político concebido pelos participantes da
intelligentsia, reina a imagem comum que se estende desde
comunistas que se posicionam no extremo à esquerda até
esquerdistas menos extremistas, passando por
progressistas mais moderados, centristas, conservadores,
direitistas mais radicais e finalmente os fascistas. Esse
quadro é tido como certo pela intelligentsia, mas é mais um
exemplo de conclusão sem prova, a menos que uma
interminável repetição possa ser considerada prova. Ao nos
desviarmos das imagens consagradas, buscando as
especificidades, observamos que, exceto pela retórica,
existe notável e mínima diferença entre fascistas e
comunistas. Observamos também que há muito mais em
comum entre fascistas e até mesmo a esquerda moderada
do que entre ambos e os tradicionais conservadores no
sentido norte-americano do termo. Uma análise mais atenta
esclarecerá o ponto.
Comunismo é socialismo com vocação internacional e
métodos totalitários. Benito Mussolini, o fundador do
fascismo, definia-o como nacional socialismo num estado
totalitário, termo também por ele cunhado. A mesma ideia
foi usada na Alemanha. Tivemos o Partido Nacional
Socialista Alemão dos Trabalhadores, o partido de Hitler,
agora quase sempre abreviado como partido dos nazistas,
enterrando-se e ocultando o termo socialista. Visto em
retrospecto, embora a característica predominante entre os
nazistas fosse o racismo em geral e o racismo antissemita
em particular, esse elemento de ódio racial não era inerente
à visão fascista, uma vez que não era compartilhado pelo
governo fascista de Mussolini, na Itália, ou de Franco, na
Espanha.
Numa ocasião, os judeus foram de fato amplamente
representados entre os líderes fascistas na Itália. Somente
depois que Mussolini se tornou o parceiro caçula de Hitler
na composição das forças do Eixo, no final da década de
1930, que os judeus foram expulsos do partido fascista
italiano. E só depois que a autoridade de Mussolini foi
neutralizada, em 1943, e seu governo substituído por um
governo fantoche implantado pelos nazistas, no norte da
Itália, que os judeus residentes naquela parte da Itália
foram cercados e enviados para os campos de
concentração.[193] Portanto, um governo explícita e
oficialmente dominado por ideologia e prática racistas
diferenciava os nazistas de outros movimentos fascistas.
O que distinguia os movimentos fascistas, em geral,
dos movimentos comunistas era o fato de os comunistas
estarem oficialmente comprometidos com a apropriação
governamental dos meios de produção, enquanto os
fascistas permitiam a manutenção da propriedade privada
dos meios de produção desde que o governo direcionasse
as decisões dos proprietários e limitasse os índices de lucro
que esses proprietários poderiam receber. Eram ambos os
sistemas totalitários, embora os comunistas fossem
oficialmente internacionalistas, ao passo que os fascistas se
diziam nacionalistas. No entanto, a proclamada política de
Stalin de "socialismo em uma nação" não era muito
diferente da proclamada política do nacional socialismo dos
fascistas.
Quando chegamos aos aspectos práticos,
encontramos diferenças ainda menores, pois é certo que a
Internacional Comunista servia aos interesses nacionais da
União Soviética, apesar de toda a retórica internacionalista
usada. A maneira como os comunistas do mundo todo,
inclusive nos Estados Unidos, retiraram a oposição que
faziam aos esforços conjuntos de ajuda militar entre as
nações ocidentais na Segunda Guerra Mundial, num período
de 24 horas após a invasão da União Soviética pelas forças
de Hitler, é apenas o mais dramático de muitos exemplos
que poderiam ser citados.
Em relação ao suposto comedimento do interesses
fascistas, limitados às políticas de seus próprios países, ele
foi desmentido pelas invasões efetuadas tanto por Hitler
quanto por Mussolini, assim como pela rede de operações
internacionais dos nazistas, que operava por meio de
alemães vivendo em outros países, abarcando do Brasil à
Austrália.[194] Todas essas agências estavam submetidas
aos interesses nacionais alemães, passando por cima de
inclinações ideológicas ou de interesses privados de seus
integrantes. Dessa forma, as queixas dos alemães que
viviam como sudetos, na Tchecoslováquia, foram inflamadas
durante a crise de Munique de 1938 como parte do plano de
expansão territorial da Alemanha, ao passo que os alemães
que viviam na Itália foram obrigados a abafar suas
reclamações, já que Mussolini era aliado de Hitler.[195]
À medida que a União Soviética proclamava seu
internacionalismo e anexava várias nações, que
continuavam a ser "oficialmente independentes", as
pessoas que detinham o poder real nessas nações,
geralmente sob o título de "segundo-secretário" do partido
comunista, eram quase sempre russos,[196] repetindo o
padrão dos tempos dos czares, os quais governavam o que
era mais honestamente chamado de Império Russo.
Portanto, a noção de que comunistas e fascistas se
configuram em polos ideológicos não é verdadeira nem em
teoria e muito menos na prática. Comparando-se, de um
lado, as semelhanças e as diferenças entre esses dois
movimentos totalitários e, do outro, o conservadorismo, há
muito mais semelhança entre esses dois sistemas
totalitários e suas respectivas agendas, incluindo a agenda
da própria esquerda, do que com as agendas da grande
maioria dos grupos conservadores. Por exemplo, entre os
itens que compunham a agenda dos fascistas na Itália,
assim como dos nazistas na Alemanha, temos (1) controle
governamental sobre os salários e as horas de trabalho, (2)
impostos mais altos sobre os ricos, (3) limites
governamentais sobre os lucros, (4) controle governamental
sobre os cuidados com a população de idosos, (5)
esvaziamento do papel da religião e da família nas decisões
pessoais e sociais e (6) estabelecimento de métodos de
engenharia social para alterar a natureza das pessoas,
geralmente desde a primeira infância.[197] Esse último e
mais audacioso projeto faz parte da ideologia da esquerda,
tanto a esquerda democrática quanto a totalitária, uma vez
que existe desde o século XVIII, quando Condorcet e Godwin
defenderam tal tipo de intervenção, e que ainda é
defendido por inúmeros outros intelectuais.[198] Esse projeto
já foi colocado em prática em vários países, recebendo
nomes como "reeducação" e "retificação de valores"[199]
Certamente, essas diretrizes são, para a maioria dos
conservadores nos Estados Unidos, inaceitáveis. Por outro
lado, são visões congênitas às abordagens defendidas pelos
liberais - os progressistas norte-americanos - dentro do
contexto político norte-americano. Deve-se notar que os
termos liberal e conservative, como são usados no contexto
norte-americano, não guardam muita semelhança com os
significados originais. Milton Friedman, um dos líderes do
movimento intelectual "conservador" de sua época,
defendia mudanças radicais nos sistema escolar dos
Estados Unidos, assim como queria alterar o papel do Banco
Central na economia. Um de seus livros foi intitulado The
Tyranny of the Status Quo [A Tirania do Status Quo]. Da
mesma forma que Friedrich Hayek, Friedman se via como
liberal, respeitando o sentido original do termo, mas esse
sentido foi completamente alterado nos Estados Unidos,
embora visões semelhantes às suas ainda sejam conhecidas
como visões liberais em alguns outros países.
Apesar disso, os estudos acadêmicos designam Hayek
como defensor do status quo, como um daqueles
intelectuais cuja "defesa do estado existente de coisas
fornece justificativas para os poderes consagrados".[200]
Quaisquer que fossem os méritos ou os deméritos das
ideias de Hayek, elas se distanciavam muito mais do status
quo do que as ideias dos intelectuais que o criticavam.
Pessoas como Hayek, que em geral são designadas como
"conservadoras", articulam ideias que diferem em grau e
em gênero de seus alegados pares ideológicos,
distanciando-se das ideias de outros participantes da
chamada direita política. Talvez se os liberais fossem
chamados simplesmente de X e os conservadores de Y
haveria menos confusão.
Conservadorismo, em seu sentido original, não tem
qualquer conteúdo ideológico específico já que depende do
que se está tentando, em cada caso, conservar. Nos últimos
dias da União Soviética, os indivíduos que lutavam pela
preservação do regime comunista existente eram
designados, acertadamente, de "conservadores", embora
aquilo que buscavam conservar nada tivesse em comum
com o que era defendido por Milton Friedman, Friedrich
Hayek ou William F. Buckley, nos Estados Unidos. Muito
menos esse "conservadorismo comunista" poderia ser
confundido com as posições do cardeal Joseph Ratzinger,
uma liderança conservadora no Vaticano e que,
posteriormente, foi sagrado papa. Indivíduos que recebem o
rótulo de "conservadores" têm posições ideológicas
específicas, mas isso não confere associação direta entre
suas especificidades, distintas em cada um dos diferentes
contextos e locais.
Caso nos esforcemos por definir a esquerda, segundo
seus objetivos proclamados, torna-se evidente que objetivos
muito semelhantes foram proclamados por pessoas que a
esquerda repudiou e anatematizou, chamando-as de
fascistas e de nazistas. Portanto, em vez de definir esses
grupos por seus objetivos proclamados, podemos defini-los
pelos seus mecanismos institucionais específicos e pelas
políticas que executam ou defendem a fim de alcançar
esses objetivos. Mais especificamente, esses grupos podem
ser definidos a partir dos mecanismos institucionais que
buscam impor, no intuito de controlar as decisões mais
significativas sobre a sociedade em geral. Para fins
explicativos de nossa análise é preciso separar, de um lado,
os processos que respeitam e defendem as decisões
tornadas individualmente dos processos que defendem
decisões de cunho coletivista executadas por terceiros. Essa
dicotomia esquemática é necessária diante da vastíssima
gama de possíveis mecanismos de decisão e controle.
Por exemplo, nas economias de mercado,
consumidores e produtores tomam individualmente suas
decisões. As consequências sociais são determinadas pelos
efeitos acumulados das decisões individuais na forma corno
os recursos são alocados na economia como um todo e na
resposta que dão à variação de preços, de renda e de
emprego, os quais, por sua vez, afetam a relação de oferta
e de demanda.
Embora esse tipo de visão sobre a economia seja
geralmente considerado "conservador" (no sentido original
do termo), uma vez colocado sob a longa perspectiva da
história das ideias torna-se uma visão revolucionária. Desde
os tempos antigos até o presente, abarcando sociedades
completamente distintas por todo o mundo, encontramos os
mais variados sistemas de pensamento tanto secular
quanto religioso, os quais buscam determinar como os
melhores, mais sábios e virtuosos podem influenciar ou
dirigir as massas a fim de criar ou de manter uma sociedade
mais feliz, viável e valorosa. Diante de tal quadro histórico,
foi um ponto de partida revolucionário quando, na França do
século XVIII, os fisiocratas se levantaram para proclamar
que, ao menos para a economia, o melhor que as
autoridades reinantes poderiam fazer seria deixar o
processo caminhar por si mesmo. Laissez-faire foi o termo
que cunharam. Os que adotavam a nova visão diziam que a
imposição de políticas econômicas pelas autoridades seria
uma preocupação "altamente desnecessária", usando as
palavras de Adam Smith.[201] Favorecia-se um sistema
espontâneo de interação, o qual funcionaria muito melhor
sem intervenções governamentais, embora não fosse
perfeito, apenas melhor.
Variações nessa visão de ordem espontânea podem
também ser encontradas em outras áreas, passando da
linguagem às leis. Nenhuma elite jamais se reuniu para
determinar as línguas dos povos, de qualquer sociedade
que seja. Esses idiomas evoluíram a partir de interações
sistêmicas entre milhões de indivíduos ao longo de muitas
gerações, nas mais variadas sociedades mundo afora. Os
acadêmicos em línguas estudam e codificam as regras da
linguagem, mas depois do fato. As crianças aprendem as
palavras e o uso, intuindo as regras do uso antes que elas
sejam ensinadas formalmente nas escolas. Apesar de ter
sido possível às elites criar línguas como o esperanto, tais
sistemas artificiais nunca se sobrepuseram às línguas
historicamente desenvolvidas.
Na esfera das leis, uma visão semelhante foi expressa
pelo juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes, quando
afirmou que: "A vida da lei não é dirigida pela lógica, mas
pela experiência".[202] Portanto, seja no universo da
economia, da linguagem ou das leis, essa visão concebe a
viabilidade social e o progresso em função direta com as
evoluções e os processos sistêmicos, não se subordinando
às prescrições das elites. A confiança em processos
sistêmicos, seja na área da economia e do direito, seja em
outras áreas, baseia-se na visão cautelosa e dos limites, a
visão trágica, a qual percebe as severas limitações de
conhecimento e de insight em qualquer indivíduo, mesmo
considerando todo o brilhantismo e a erudição que esse ser
humano possa porventura possuir. Os processos sistêmicos,
em cuja dinâmica integram-se conhecimentos e
experiências muito mais vastos, pois há uma quantidade
gigantesca de pessoas envolvidas, geralmente tradições
inteiras que evoluíram a partir das experiências de
sucessivas gerações, são processos muito mais confiáveis
do que os intelectos dos intelectuais.
Diferentemente, a visão da esquerda é a que favorece
os tomadores de decisão terceirizados e isso se realiza por
meio dos que supõem deter não apenas conhecimento
superior, mas o suficiente em suas ações como líderes
políticos, especialistas, juízes, dentre outros. Essa é uma
visão comum aos variados matizes da esquerda política,
abarcando tanto a ala radical quanto a moderada e que
também se faz presente nos setores totalitários, sejam eles
comunistas ou fascistas. Uma noção de propósito comum,
na sociedade, é central para a constituição de processos
coletivistas, expressa tanto em instituições democráticas
quanto totalitárias ou nas variações entre ambas. Uma das
diferenças existentes entre os sistemas democráticos e os
sistemas totalitários, dentro da mesma lógica coletivista, é
a de grau, a qual se traduz na amplitude e na penetração
das decisões terceirizadas pelo governo, assim como na
amplitude deixada para os indivíduos fora do controle do
governo.
O livre mercado, por exemplo, é uma gigantesca
esfera de ação que se furta ao poder governamental. Em tal
tipo de mecanismo não existe uma associação comum de
propósitos, exceto entre indivíduos e associações
específicos, os quais decidam voluntariamente agregar-se
em grupos, que podem variar de ligas de boliche a
corporações multinacionais. Mas mesmo essas agremiações
buscam, tipicamente, os interesses de seus respectivos
membros constituintes, e competem contra os interesses de
outras agremiações. Os que defendem esse mecanismo
social de controle disperso o fazem porque acreditam que
os resultados sistêmicos de tais competições e interações
são geralmente mais satisfatórios do que a formação de
uma monstruosa agremiação para imposição de propósitos
comuns, forçada, goela abaixo, por tomadores de decisão
terceirizados, os quais supervisionam todo o processo em
nome do "interesse nacional".
A versão totalitário-coletivista de um exército de
burocratas terceirizados, comandados por um governo
totalitário, foi resumida no lema de Mussolini: "Tudo no
Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".[203]
Além do mais, o Estado significava fundamentalmente o
líder político que o conduzia absolutamente, o ditador.
Mussolini era conhecido como Il Duce, o líder, antes que
Hitler recebesse o mesmo título na Alemanha, o - Führer. As
versões democráticas do mesmo mecanismo coletivista de
tomada de decisão, observadas em sociedades que
escolhem seus líderes em eleições, tendem a deixar
parcelas maiores de atividade socioeconômica fora do
controle do governo. Todavia, a esquerda raramente adota
princípios explícitos por meio dos quais as fronteiras entre a
ação do governo e as decisões individuais possam ser
facilmente determinadas. Isso acaba levando à tendência,
ao longo do tempo, de ampliar as zonas de interferência do
governo à medida que quantidades cada vez maiores de
decisões são retiradas das mãos dos indivíduos.
Preferências por tomadas de decisão de cunho
coletivista, feitas de cima para baixo, não esgotam todo o
repertório que a esquerda democrática compartilha com os
primeiros fascistas italianos e com os nacionais socialistas,
os nazistas, da Alemanha. Somando-se à política altamente
intervencionista sobre os mercados econômicos, a esquerda
democrática também compartilhou, com os fascistas e os
nazistas, a suposição de um abismo de compreensão e de
inteligência entre as pessoas comuns e as elites, como eles.
Embora tanto a esquerda totalitária - fascistas, comunistas
e nazistas - quanto a democrática tenham feito uso de
termos como "povo", "trabalhadores" e "massas",
colocando-os como beneficiários ostensivos de suas
políticas, essas categorias não ostentam, no entanto,
qualquer autonomia em suas decisões. Muito da retórica
orquestrada tanto pela esquerda democrática quanto pela
totalitária já esvaziou, há muito tempo, a importante
distinção entre as pessoas enquanto beneficiárias e
autônomas para tomarem suas próprias decisões. Nesse
universo ideológico, o privilégio das decisões é propriedade
exclusiva dos intelectuais ungidos, e isso é tido como certo.
Rousseau, apesar de toda ênfase que deu à "vontade
geral", deixou às elites o papel exclusivo de interpretar essa
"vontade geral". Ele via as massas como algo parecido a um
"estúpido e pusilânime inválido".[204] Godwin e Condorcet
também expressaram, no século XVIII, um desprezo
semelhante às massas[205] Karl Marx disse: "Ou a classe
trabalhadora se faz revolucionária ou não é nada".[206] Em
outras palavras, para esses intelectuais, milhões de seres
humanos só tinham qualquer importância se adotassem a
visão deles. O socialista fabiano George Bernard Shaw
incluía a classe trabalhadora entre os tipos "detestáveis",
pessoas que não têm "direito de viver". Ele completava:
"Ficaria desesperado caso não soubesse que todos
fatalmente morrerão e não há necessidade alguma que
justifique a permanência deles neste mundo".[207] Como
integrante do exército norte-americano durante a Primeira
Guerra Mundial, Edmund Wilson escreveu a um amigo: "Não
seria sincero se dissesse que as mortes desses homens,
esse 'lixo branco miserável do sul' e de outros me causam a
metade da dor que sinto com a mera convocação e o
alistamento de qualquer um de meus amigos".[208]
A esquerda totalitária tem sido igualmente clara em
seu entendimento sobre controle absoluto por parte de uma
elite política a controlar absolutamente os poderes
decisórios: a "vanguarda do proletariado", os líderes de uma
"raça superior" ou qualquer outro slogan em particular. Nas
palavras do próprio Mussolini: "As massas simplesmente
seguirão e se submeterão".[209]
Em relação às suposições fundamentais, a
semelhança entre os múltiplos movimentos totalitários e a
esquerda democrática foi abertamente reconhecida pelos
próprios líderes da esquerda dos países democráticos,
durante a década de 1920, num momento em que Mussolini
era totalmente idolatrado por muitos intelectuais das
democracias ocidentais, e numa época em que mesmo
Hitler angariava admiradores entre proeminentes
intelectuais de esquerda. Foi somente após o desenrolar dos
acontecimentos, durante a década de 1930, com a invasão
da Etiópia por Mussolini e o violento antissemitismo de
Hitler na Alemanha, além de suas agressões militares contra
países vizinhos, que eles se tornaram párias internacionais.
A partir daí seus sistemas totalitários foram repudiados pela
esquerda e retratados como sendo "de direita".[210]
Durante a década de 1920, todavia, o escritor radical
Lincoln Steffens escrevia positivamente sobre o fascismo de
Mussolini, assim como escrevera, mais notoriamente, sobre
as vantagens do comunismo soviético.[211] Ele não era,
contudo, o único radical ou progressista norte-americano a
fazer tal coisa.[212] Em 1932, o famoso romancista e
socialista fabiano H. G. Wells conclamou os alunos de Oxford
para que se tornassem "fascistas liberais" e "nazistas
esclarecidos".[213] O historiador Charles Beard estava entre
os apologistas de Mussolini que viviam nas democracias
ocidentais, o mesmo acontecia com a revista New Republic.
[214] O poeta Wallace Stevens chegou a justificar a invasão
◆ ◆ ◆
JUVENTUDE E VELHICE
Considerando-se as concepções altamente
divergentes de conhecimento entre os que partilham da
visão trágica e os que se consagram na visão do intelectual
ungido, é certamente inevitável que os dois
posicionamentos tenham diferentes entendimentos sobre o
papel e a competência dos jovens. Onde, grosso modo, o
conhecimento é concebido como aquilo que é ensinado nas
escolas e nas universidades, e a inteligência é concebida
como puro poder mental para se manipular conceitos e
articular conclusões, não há motivos para crer que os jovens
não seriam, no mínimo, tão capazes para essas coisas
quanto os mais velhos, uma vez que o desenvolvimento
cerebral atinge seu pico no início da idade adulta. Mas, para
os integrantes da visão trágica, para os quais o
conhecimento mais decisivo e repleto de consequências é
geralmente o conhecimento mundano, acumulado pela
experiência, em que a sabedoria é fundamentalmente
retirada ao longo desse processo, então, quase por
definição, a geração mais nova geralmente não se encontra
numa posição tão favorável para tomar decisões sábias,
tanto para si como, sobretudo, para a sociedade,
comparando-se com os que já acumularam muita
experiência.
Seguindo essa linha de raciocínio, os que comungam
a visão do intelectual ungido há séculos depositam grandes
esperanças nos jovens, ao passo que os que partilham da
visão trágica confiam muito mais nos mais amadurecidos
pela experiência.
A noção, veiculada na década de 1960, sugerindo que
"deveríamos aprender com nossos jovens" tinha
antecedentes que remontavam ao século XVIII. Fenômenos
sociais subsidiários, como a redução da idade para votar e o
esvaziamento do tratamento respeitoso para com os mais
velhos em geral e com os pais em particular, constituem, da
mesma forma, partes integrantes de toda a concepção de
conhecimento predominante na intelligentsia. Sempre que
os problemas sociais são vistos exclusivamente como
consequência das instituições e dos preconceitos existentes,
os jovens são, em geral, considerados menos aprisionados
ao status quo, o que os torna grandes esperanças.
De volta para o século XVIII, William Godwin
expressou tal entendimento quando disse: "A próxima
geração não terá de vencer tantos preconceitos”.[228] As
crianças, segundo Godwin, "são como matérias-primas
colocadas em nossas mãos"[229] e a mente delas "é como
folhas de papel em branco".[230] Ao mesmo tempo, elas são
oprimidas pelos pais e precisam passar por "vinte anos de
cativeiro" antes que recebam "a minguada porção de
liberdade que o governo de meu país oferece para seus
súditos adultos!". [231] Certamente que, nessa visão, os
jovens são vistos como candidatos para "liberação" tanto de
si mesmos quanto da sociedade, uma visão ainda em plena
vigência entre os intelectuais mais de dois séculos depois.
Todavia, essas conclusões caem por completo toda
vez que o conhecimento e a sabedoria são concebidos
dentro dos parâmetros da visão trágica. Por exemplo, Adam
Smith disse: "Geralmente, os mais sábios e experientes são
os menos crédulos". Portanto, em geral os mais velhos são
menos suscetíveis a noções mirabolantes. Ainda Smith: "É
apenas a sabedoria e a experiência acumulada que nos
ensinam a sermos incrédulos e elas raramente nos ensinam
o suficiente".[232] O zelo e o entusiasmo dos jovens,
tremendamente aclamados por muitos na intelligentsia, são
avaliados de forma muito diferente pelos que partilham da
visão trágica. Burke, por exemplo, disse o seguinte: "Não se
deve fomentar a ignorância presunçosa, que é acionada
pela paixão insolente".[233] Dentro da visão trágica, alguns
chegaram ao ponto de apontar uma invasão perene da
civilização por bárbaros, ou seja, os recém-nascidos, os
quais as famílias e as instituições sociais têm o dever de
civilizar, uma vez que, ao ingressarem no mundo, não o
fazem de forma distinta do que o faziam os bebês na época
das cavernas.
Pessoas com visões de mundo opostas não têm
apenas conclusões conflitantes em relação aos jovens e aos
velhos. Nesses, assim como em outros inumeráveis
assuntos, as conclusões a que cada um chega estão
envolvidas em corolários subjacentes sobre o conhecimento
e a sabedoria. Há algum tempo, questões sobre a condução
da educação dos jovens se constituem em campo de
batalha entre os aderentes das duas visões. O
entendimento de William Godwin, o qual afirmara que os
jovens "são uma espécie de matéria-prima colocada em
nossas mãos", permanece, passados dois séculos, uma
poderosa tentação para doutrinação em sala de aula tanto
nas escolas quanto nas universidades. No século XX,
Woodrow Wilson, ao escrever sobre os anos em que
trabalhou como administrador acadêmico, comentou:
"Sonhava em tornar aqueles jovens da nova geração em
pessoas muito diferentes de seus pais".[234]
Esse tipo de doutrinação pode começar muito cedo,
desde o primário, quando os alunos são encorajados ou
solicitados para escreverem sobre assuntos controversos,
por vezes em cartas destinadas a homens públicos. De
forma mais fundamental, o processo de doutrinação habitua
as crianças a tomarem posições sobre assuntos
excessivamente complexos e pesados, depois de ouvirem
apenas um lado das questões. Além disso, elas se habituam
a extravasar suas emoções, em vez de se habituarem a
analisar as evidências conflitantes e a dissecar argumentos.
Em poucas palavras, elas são condicionadas a tirar
conclusões pré-fabricadas, em vez de ser equipadas com as
ferramentas intelectuais apropriadas para que possam se
tornar capazes de elaborar suas próprias conclusões,
incluindo conclusões diferentes das de seus professores.
Nas faculdades e universidades, departamentos acadêmicos
inteiros funcionam e trabalham para a elaboração de
conclusões préfabricadas, seja em relação às questões
sobre raça, meio ambiente ou outros assuntos, que recebem
o nome de "estudos" sobre a questão dos negros, do meio
ambiente e das mulheres. Poucos ou mesmo nenhum
desses "estudos" analisam visões conflitantes ou mesmo
comparam evidências conflitantes, como seria exigido
dentro dos moldes e critérios de um estudo acadêmico, em
vez de meramente ideológico.
Os que criticam a doutrinação ideológica feita nas
escolas e faculdades geralmente fixam seus ataques nos
conteúdos ideológicos particulares, mas, do ponto de vista
educacional, isso foge à questão central. Mesmo que, para
uma questão de mera argumentação, todas as conclusões
alcançadas pelos diversos "estudos" sejam tanto lógica
como factualmente válidas, isso não alcança o cerne da
questão educacional. Mesmo se os alunos deixassem esses
"estudos" com aproveitamento de 100% em conclusões
corretas em relação às questões A, B e C, isso não os
equiparia, de forma alguma, com as ferramentas
necessárias para lidar com outras questões X, Y e Z que
tendem a aparecer ao longo dos anos futuros.
◆ ◆ ◆
◆ ◆ ◆
JEAN-FRANÇOIS REVEL[241]
FILTRANDO A REALIDADE
Deliberadamente ou não, muitos na intelligentsia
criam sua própria realidade paralela ao filtrarem toda
informação contrária à concepção que têm de como o
mundo funciona ou deveria funcionar.
Alguns foram ainda mais além. J. A. Schumpeter disse
que a primeira coisa que um homem fará por seus ideais é
mentir.[242] Todavia, não é necessário mais mentir a fim de
enganar, uma vez que a manipulação realizará com
eficiência o mesmo propósito do engodo. Isso é feito, por
exemplo, ao se registrar apenas e seletivamente os fatos e
as amostras atípicos, suprimindo todos os outros fatos
inconvenientes ou filtrando significados e termos.
◆ ◆ ◆
AMOSTRAS SELETIVAS
Filtrar as informações e repassá-las ao público pode
ser feito de várias formas. Por exemplo, Bennett Cerf,
fundador da editora Random House, sugeriu, durante a
Segunda Guerra Mundial, que os livros críticos à União
Soviética fossem retirados de circulação.[243]
Quando a economia americana estava se recuperando
da recessão, em 1983, e os índices de desemprego caíam
em 45 dos 50 estados norte-americanos, o programa de
notícias ABC News simplesmente escolheu fazer uma
reportagem em um dos cinco estados onde o desemprego
ainda não caíra ou, da forma como eles colocaram, "onde o
problema do desemprego era mais grave",[244] como se
esses estados fossem apenas exemplos mais graves de uma
condição geral quando, de fato, eles representavam uma
situação muito atípica.
Por exemplo, a manipulação também pode tomar a
forma de um incessante fluxo de dados que exibe os grupos
de negros ou de outras etnias não brancas com padrão de
vida bem mais baixo em relação aos brancos, além da
rejeição de empréstimos e das demissões durante as crises
econômicas, ao mesmo tempo que se censura a exibição de
brancos numa situação pior em todos esses mesmos
fatores, em comparação a outro grupo étnico: os norte-
americanos asiáticos.[245] Mesmo quando os dados são
mostrados contemplando todos esses grupos, os asiáticos
tendem a ser censurados das "notícias", as quais são, na
verdade, editoriais cujo compromisso é mostrar o quanto o
racismo branco é a razão principal para os baixos salários
ou a baixa mão de obra, além de outros infortúnios que os
grupos de não brancos sofrem.
Incluir os norte-americanos asiáticos nessas
comparações não introduziria apenas uma nota discordante,
mas levantaria sobretudo a possibilidade de se questionar,
afinal de contas, o quanto esses grupos respondem pelos
seus comportamentos e seus desempenhos, contrariamente
às suposições implícitas, e que essas diferenças de
comportamento refletem na renda das pessoas. Portanto, o
desempenho dos norte-americanos asiáticos tem
implicações que ultrapassam seus próprios grupos, na
medida em que a condição deles se torna uma ameaça para
toda uma visão preconcebida sobre a sociedade norte-
americana, visão essa que ampara o interesse de muitos
que farão de tudo para defendê-la tanto ideológica como
política e até economicamente.[246]
A mendicância é outra área através da qual boa parte
da mídia filtra a realidade antes de repassá-la a seu público.
Durante o período em que trabalhou na CBS News, Bernard
Goldberg noticiou a diferença entre o que ele via nas ruas e
o que era transmitido na televisão:
◆ ◆ ◆
SUPRIMINDO FATOS
Um dos exemplos históricos de desinformação da imprensa
ocorreu durante as crises agudas de fome impostas pelo
governo da União Soviética à Ucrânia e ao norte do
Cáucaso, o que matou milhões de pessoas na década de
1930. O correspondente do New York Times em Moscou,
Walter Duranty, escreveu: "Não existe fome alguma ou
mesmo escassez real de alimentos nem é provável que tal
coisa venha a ocorrer".[251] Ele recebeu o prêmio Pulitzer e
foi condecorado por suas reportagens, "marcadas pela
erudição, profundidade, imparcialidade, acuidade de
julgamento e excepcional clareza".[252] Enquanto isso, o
escritor britânico Malcolm Muggeridge, na mesma época,
relatava da Ucrânia que a população camponesa de fato
morria de fome: "Digo que eles passam fome em sentido
absoluto. Não é um mero estado de subnutrição como
acontece, por exemplo, com os camponeses asiáticos (...)
ou como vemos em casos de populações de desempregados
na Europa, mas de fato eles não têm, por semanas a fio,
quase nada para comer".[253] Muggeridge escreveu, num
artigo posterior, que a fome orquestrada pelo homem era
"um dos crimes mais monstruosos da história, tão terrível
que as pessoas no futuro terão dificuldade em acreditar que
tal coisa tenha de fato acontecido".[254] Décadas mais tarde,
um estudo sério realizado por Robert Conquest, The Harvest
of Sorrow [A Colheita do Pesar], estimou que cerca de seis
milhões de pessoas morreram de fome durante um período
de três anos.[255] Mais tarde ainda, quando os arquivos
oficiais foram finalmente abertos nos últimos dias da União
Soviética sob o governo de Mikhail Gorbachev, novas
estimativas sobre o número de mortes provocadas pela
fome na Ucrânia e no Cáucaso foram levantadas por vários
especialistas, os quais tiveram acesso aos documentos dos
arquivos oficiais. Muitas dessas estimativas igualavam ou
excediam as primeiras estimativas do dr. Conquest.[256]
Todavia, durante o período da fome essa foi uma das
operações de censura e desinformação mais bem-sucedidas
que se pode imaginar. O que Muggeridge disse foi
desconsiderado como "uma tirada histérica" por Beatrice
Webb, coautora com seu marido, Sidney Webb, de um
estudo internacionalmente conhecido sobre a União
Soviética.[257] Depois de suas observações sobre a União
Soviética, Muggeridge foi insultado e não conseguiu mais
trabalho como escritor. Ele ficou tão arruinado
financeiramente que sua esposa e suas duas crianças
pequenas tiveram que ir morar na casa de amigos. Não há
nenhum motivo para crer que havia qualquer conspiração
entre editores ou jornalistas para silenciar e levar Malcolm
Muggeridge ao ostracismo. Mas não é necessária nenhuma
conspiração para se filtrar e desinformar, com sucesso,
coisas que não se alinham à visão predominante naquela
época ou hoje.
Se não fosse pelo trabalho de Muggeridge e de
pouquíssimos outros, a orquestração de uma campanha
para impor deliberadamente a fome a populações inteiras
no intuito de dobrar a resistência aos opositores de Stalin,
matando um número comparável ou superior de pessoas
como aquelas que morreram no Holocausto nazista, seria
um evento histórico cuja realidade brutal teria sido
completamente censurada, varrida do conhecimento
histórico. Graças a Muggeridge, em vez disso, essa
campanha é, hoje, meramente ignorada. Os equívocos
cometidos por Duranty e outros não foram simples erros de
avaliação. O que Duranty disse em particular para outros
jornalistas e diplomatas, na época, era completamente
diferente do que ele relatava em suas correspondências ao
New York Times. Por exemplo, em 1933 um diplomata
britânico relatou: "Duranty acredita ser perfeitamente
possível que dez milhões de pessoas tenham morrido direta
ou indiretamente por falta de alimentos na União Soviética
no ano passado".[258]
Dados estatísticos também podem ser filtrados e
manipulados, seja omitindo dados desfavoráveis às
conclusões almejadas, como os dados sobre os norte-
americanos asiáticos, ou restringindo a liberação deles, os
quais ficam disponíveis somente àqueles pesquisadores cuja
posição sobre o assunto em questão se alinha com a
posição dos que detêm o controle sobre os dados. Por
exemplo, um estudo baseado em dados estatísticos
realizado pelos ex-reitores universitários William Bowen e
Derek Bok foi amplamente saudado. Suas conclusões
endossavam a implantação das diretrizes do movimento de
ação afirmativa em relação à admissão para as faculdades.
[259] Mas quando o professor Stephan Thernstrom, de
PESSOAS FICTÍCIAS
Manipulação e uso tendencioso das informações não
produzem apenas fatos fictícios, mas também pessoas
fictícias. Isso se torna claro no caso das ditaduras
totalitárias, nas quais tiranos genocidas são retratados pela
propaganda oficial como gentis, sábios e misericordiosos
líderes de seus povos, ao mesmo tempo que todos os que
porventura se oponham ao ditador, local ou
internacionalmente, são retratados como os tipos mais vis
de criminosos. Mas algo bastante semelhante pode ocorrer
em nações livres e democráticas, sem a intervenção de
qualquer agência oficial de propaganda, sempre que exista
uma intelligentsia inclinada a ver o mundo de uma forma
particular.
Talvez o exemplo mais notável de criação de uma
personalidade fictícia, a partir de uma figura pública, nos
Estados Unidos do século XX, sem qualquer coordenação
consciente entre os membros da intelligentsia, tenha-se
dado na pessoa de Herbert Hoover. O azar de Hoover foi ter
sido presidente dos Estados Unidos durante a quebra da
Bolsa de 1929, o que foi seguido pelo início da Grande
Depressão da década de 1930. Se nunca tivesse se tornado
presidente, Herbert Hoover poderia ter sido lembrado pela
história como um dos homens mais humanitários do século.
Não foi somente a incrível quantidade de dinheiro que ele
doou para causas filantrópicas antes de se tornar
presidente, mas a maneira como ele arriscou sua própria
fortuna pessoal para resgatar pessoas que passavam fome
na Europa, durante a Primeira Grande Guerra, que o tornou
um homem único.
Por causa das barreiras, da destruição e dos
distúrbios, a Grande Guerra deixara milhões de famintos
espalhados por toda Europa. Hoover decidiu então formar
uma organização filantrópica a fim de distribuir, em larga
escala, alimentos para os famintos da Europa. Todavia,
percebeu que se limitasse a operação às vias comuns, ou
seja, primeiro captando dinheiro com doações para então
comprar os alimentos, não haveria tempo e as pessoas
morreriam, enquanto ele ainda recebia as doações. Hoover
decidiu comprar os alimentos antes de recebê-las,
colocando sua própria fortuna pessoal em risco caso não
conseguisse, posteriormente, arrecadar o dinheiro para
saldar sua operação. Finalmente, vieram doações
suficientes para cobrir o custo com alimentação, mas não
havia, num primeiro momento, garantia alguma de que isso
aconteceria quando resolveu arriscar a operação.
Hoover também serviu como superintendente da
Seção de Alimentos, na administração do presidente
Woodrow Wilson, durante a guerra, quando ele
aparentemente impressionou os apoiadores de outro
membro daquela administração, um jovem que despontava
e se chamava Franklin D. Roosevelt. Esses apoiadores de
Roosevelt buscaram convencer Hoover para que ele se
lançasse como candidato democrata para presidência, em
1920, tendo Franklin Roosevelt como seu vice-presidente.
[281] Todavia, apenas a última situação aconteceu, com
EUGENIA VERBAL
Os numerosos filtros em operação tanto na mídia
quanto no universo acadêmico não são aleatórios. Eles
refletem um procedimento comum, filtrando inumeráveis
elementos indesejáveis, os quais poderiam ameaçar essa
visão consagrada. A manipulação retórica dos intelectuais
filtra tanto as palavras quanto os fatos, fazendo uso daquilo
que poderíamos chamar de eugenia verbal, análoga à
limpeza étnica. Palavras que adquiriram conotações
particulares ao longo dos anos a partir das experiências
acumuladas de milhões de pessoas, atravessando
sucessivas gerações, passam a ter seu significado
corrompido por um número relativamente pequeno de
intelectuais contemporâneos, os quais simplesmente
suprimem o antigo termo, substituindo-o por outro para
designar coisas iguais, até que as novas palavras
substituam as antigas. Portanto, "mendigo" foi substituído
por "sem-teto", "pântano" por "paraíso das águas" e
"prostitutas" por "profissionais do sexo".
Todas as coisas que gerações de pessoas haviam
aprendido, pela experiência, a respeito de mendigos,
pântanos e prostitutas são apagadas com a substituição de
novas palavras, limpando-se as antigas conotações. Os
pântanos são, por exemplo, lugares geralmente escuros,
lodosos e fedorentos onde os insetos reinam e os mosquitos
criam e espalham doenças. Por vezes, são também lugares
que criaturas perigosas como cobras e jacarés habitam.
Contudo, "paraíso das águas" apresenta um tom
reverencial, como se estivéssemos falando de santuários.
Novos termos cunhados para substituir palavras
antigas aparecem em muitos contextos, geralmente
apagando o que a experiência nos ensinou a respeito das
coisas. Portanto, o "aerotrem" foi transformado em termo da
moda, pelos defensores do transporte de massas, para
designar coisas que são muito parecidas com o que um dia
chamamos de bondes e que já foram muito comuns em
centenas de cidades norte-americanas. Os bondes foram
substituídos pelos ônibus, em quase todas essas cidades,
por razões concretas. Mas subitamente as conhecidas
inconveniências e ineficiências históricas dos bondes
desaparecem no ar, na medida em que são apresentados
como grande novidade chamada de "aerotrem", cujas
futuras maravilhas são descritas em termos exuberantes
pelos planejadores urbanos e por outros defensores,
seguros contra qualquer lembrança indigesta que possa
reavivar a história sobre o declínio e a queda do bonde.
Outro desenvolvimento significativo na arte da
eugenia verbal é o de modificar nomes usados para
descrever pessoas que abraçam a intervenção
governamental na economia e na sociedade, como a
maioria dos intelectuais tende a fazer. Nos Estados Unidos,
essas pessoas alteraram a designação de suas ideologias
por mais de uma vez, ao longo do século XX. No começo
desse século, elas se intitulavam "progressistas". Todavia,
durante a década de 1920, a experiência levou os eleitores
norte-americanos a repudiarem, por toda a década, o
movimento progressista, elegendo governos nacionais que
tinham uma filosofia muito diferente. Quando a Grande
Depressão de 1930 trouxe uma vez mais ao poder pessoas
alinhadas com políticas intervencionistas, muitas das quais
serviram no governo progressista de Woodrow Wilson, elas
mudaram o nome para "liberal", eximindo-se das
conotações negativas do antigo termo, da mesma forma
que muitas pessoas escapam de suas dívidas financeiras ao
declararem falência.
O longo reinado do "liberalismo" nos Estados Unidos,
o qual durou, com poucas interrupções, do presidente
Franklin D. Roosevelt e seu New Deal, na década de 1930,
até o presidente Lyndon B. Johnson e sua Great Society, da
década de 1960, finalmente terminou com o completo
descrédito do liberalismo diante da opinião pública. Daí em
diante, futuros presidentes e candidatos com longas
trajetórias de liberalismo rejeitaram esse rótulo, ou
rejeitaram qualquer rótulo, alegando ser falso ou sem valor.
No final do século XX, muitos liberais começaram a se
chamar novamente de "progressistas" para escaparem das
conotações negativas que o liberalismo tinha adquirido ao
longo dos anos, mas que não mais se aplicavam à palavra
"progressista", pois esse termo remontava uma época que
havia ficado muito no passado para que se pudessem fazer
associações entre o termo e a experiência.
Em 26 de outubro de 1988, uma longa lista de
influentes intelectuais, incluindo John Kenneth Galbraith,
Arthur Schlesinger Jr., Daniel Bell e Robert Merton, entre
outros, assinaram um anúncio, no New York Times,
protestando contra o que eles chamaram de "vilipêndio" do
presidente Ronald Reagan "contra uma de nossas tradições
mais nobres e antigas" tornando "liberal e liberalismo
termos de opróbrio". 85 Recuando ao significado original de
liberalismo como "a liberdade de os indivíduos atingirem
seu desenvolvimento mais completo", o anúncio nem
sequer reconhecia, e muito menos defendia, aquilo em que
na prática o liberalismo tinha se tornado, ou seja,
intervencionismo governamental sobre a economia e
engenharia social.
Sejam lá quais forem os méritos ou os deméritos
dessas intervenções, foram essas as reais políticas
adotadas, defendidas e levadas à consecução pelos liberais
contemporâneos, desconsiderando-se o que a definição
original da palavra "liberal" significou em outros tempos.
Porém, o anúncio apaixonado nem sequer considerava a
possibilidade de haver, no histórico dos liberais enquanto
movimento e governo, falhas que tivessem motivado o
descrédito total do termo, em vez de ser uma crítica
gratuita disparada por pessoas com uma filosofia diferente.
Além do mais, o anúncio sugeria, como algo estranho e sem
valor, o fato de conservadores como Ronald Reagan
criticarem os liberais, da mesma forma que os liberais
costumam criticar os conservadores, como o presidente
Reagan.
Da mesma forma que as pessoas, ao criticarem o
liberalismo com base no comportamento real dos liberais,
são acusadas de se opor ao liberalismo em sua definição
dicionarizada, também os que criticam o comportamento
real dos intelectuais são frequentemente acusados de "anti-
intelectualismo", no sentido de uma explícita oposição à
atividade intelectual em si mesma. O conhecido livro de
Richard Hofstadter Anti-Intellectualism in American Life
[Anti-intelectualismo na Vida Americana] equaliza as duas
coisas tanto no título quanto no texto, no qual ele faz
referência ao "desrespeito nacional pela atividade mental" e
às "qualidades em nossa sociedade que tornam a atividade
intelectual impopular".[326] O colunista do New York Times
Nicholas D. Kristof foi um dos muitos que escreveu sobre o
anti-intelectualismo como uma realidade histórica da vida
norte-americana.[327] Mesmo o prestigiado acadêmico
Jacques Barzun disse que "a atividade intelectual é
desprezada",[328] embora ele seja um crítico dos intelectuais
sem, contudo, ser alguém que desprezou a atividade
intelectual. No entanto, ele não mostrou que cientistas e
engenheiros eram desprezados pelos norte-americanos ou
mesmo por aqueles que se faziam críticos ferozes do
histórico dos intelectuais, no sentido de pessoas cuja
atividade começa e termina com as ideias.
◆ ◆ ◆
OBJETIVIDADE VERSUS IMPARCIALIDADE
Os artifícios retóricos permitem a muitos intelectuais
escaparem à responsabilidade por manipularem as
informações, cujo intuito é criar realidades virtuais a fim de
corroborar sua visão. Alguns membros da intelligentsia
inflam a níveis absurdos a questão sobre as escolhas,
filtragem ou não filtragem dos dados, para então
desconsiderarem os críticos, dizendo que estes esperam o
impossível, ou seja, uma objetividade perfeita ou uma
completa imparcialidade. "Nenhum de nós é realmente
objetivo", segundo o editor-chefe do New York Times.[329]
É claro que ninguém é objetivo ou imparcial. Métodos
científicos podem ser objetivos, mas os cientistas, como
indivíduos, não o são, e não precisam ser. Os matemáticos
não são objetivos, mas isso não significa que equações do
segundo grau ou o Teorema de Pitágoras sejam apenas
questões de opinião. De fato, toda questão que envolve
desenvolvimento e a constituição de métodos científicos
objetivos baseia-se no esforço em se ter acesso a
informações confiáveis sem, contudo, ficar sujeito às
crenças subjetivas e às predileções particulares dos
cientistas como indivíduos; ou se ter que ansiar por uma
objetividade pessoal, praticamente impossível entre a
maioria dos cientistas. Se os cientistas fossem naturalmente
objetivos não haveria necessidade de se dedicar tanto
tempo e esforço na elaboração e na formatação de métodos
científicos objetivos.
Mesmo o cientista mais rigoroso não é objetivo
corno pessoa ou mesmo imparcial em suas atividades
científicas. Cientistas estudando o desenvolvimento de
células cancerosas em seres humanos não são, certamente,
imparciais em relação à vida das células do câncer diante
da vida dos seres humanos. O câncer não é estudado
apenas por uma mera questão de curiosidade acadêmica,
mas precisamente para que se aprenda qual a melhor forma
de destruir as células cancerosas e, se possível, evitar o
reaparecimento da doença, no intuito de reduzir o
sofrimento e prolongar a vida humana. É difícil haver uma
atividade mais parcial. O que a torna científica é a utilização
de métodos especialmente concebidos para se chegar à
verdade, não para defender essa ou aquela crença. Pelo
contrário, pois os métodos científicos evoluíram
precisamente para colocar crenças concorrentes sob o
escrutínio dos fatos e, portanto, reconhecem implicitamente
o quão temeroso seria confiar na objetividade ou na
imparcialidade pessoal dos cientistas.
Embora J. A. Schumpeter tenha dito que "a primeira
coisa que um homem fará por seus ideais é mentir",
também disse que uma área científica só se configura como
tal com a constituição de "regras de procedimento" as quais
podem "eliminar erros ideologicamente condicionados" em
uma análise qualquer.[330] Tais regras de procedimento são
o reconhecimento implícito da falibilidade que se impõe
sobre nossa objetividade e nossa imparcialidade
Um cientista que manipulasse os fatos a fim de
favorecer uma teoria de sua preferência sobre o câncer
seria considerado uma aberração e ficaria completamente
desacreditado, assim como um engenheiro que fizesse o
mesmo ao construir uma ponte. Este poderia ser até
processado por negligência criminosa caso a ponte viesse a
desabar, matando pessoas. Contudo, aqueles intelectuais
cujo trabalho é tido como "engenharia social" não precisam
enfrentar essas responsabilidades, mas, pelo contrário, a
maioria dos casos está isenta de quaisquer
responsabilidades, mesmo quando a manipulação dos fatos
desemboca em verdadeiros desastres sociais.
O fato de tantos intelectuais fazerem uso do discurso
sobre uma inalcançável objetividade e imparcialidade
pessoal como motivo para justificar a manipulação
fraudulenta que fazem dos fatos, tornando seus argumentos
plausíveis, mostra, uma vez mais, o quanto a capacidade
intelectual deles está a serviço da manipulação retórica e o
quanto lhes falta de sabedoria. Em última instância, a
questão não é sobre ser ou não "justo", contemplando
"ambos os lados", mas o que é muito mais importante é ser
honesto com o leitor, o qual, afinal de contas, não pagou
para aprender sobre o psiquismo ou a ideologia do escritor,
mas para adquirir algum conhecimento real sobre o mundo.
Como Jean-François Revel coloca: "Eu não gastei sessenta
centavos para ser informado sobre as vibrações emanadas
pela alma desse correspondente espanhol”[331]
Aqueles intelectuais que resolvem manipular os fatos,
favorecendo os interesses de sua visão pessoal, negam aos
outros o direito que têm de acessar o mundo tal como se
apresenta e assim prejudicam que outros tirem suas
próprias conclusões. Ter ou expressar uma opinião é algo
que difere completamente da prática de bloqueio
sistemático da informação, a qual impede que terceiros
possam formar suas próprias opiniões.
◆ ◆ ◆
VERDADE SUBJETIVA
A verdade dos fatos empíricos ou uma lógica
convincente se revela inimiga dos dogmas, e isso é hoje tido
como inimigo por um pequeno, porém crescente, número de
intelectuais modernos, demonstrando, uma vez mais, a
divergência entre padrões intelectuais e interesses
pessoais. Não se trata apenas de termos ou verdades
particulares sendo atacadas ou abafadas, mas em muitos
casos o próprio conceito de verdade é solapado.
O descrédito da verdade, como critério decisivo, vem
sendo atacado sistematicamente, por um lado pelo
desconstrutivismo e, pelo outro, com o uso de artifícios ad
hoc. Dessa forma, temos a consagração de afirmações do
tipo "verdade para mim" versus "o que é verdade para
você", como se a verdade pudesse ser transformada em
propriedade privada, quando seu significado está, na
realidade, todo alicerçado na comunicação interpessoal. Por
exemplo, quando Robert Reich foi desafiado sobre a
acuidade factual de seus relatos, os quais haviam sido
filmados por terceiros mostrando situações radicalmente
diferentes do que ele havia descrito em seu livro, sua
resposta foi: "Eu não posso afirmar uma verdade maior do
que minhas próprias impressões".[332] Se a verdade é
subjetiva, então todo seu propósito perde sentido. Todavia,
isso pode parecer, para alguns, um pequeno preço a pagar
a fim de se preservar uma visão da qual muitos intelectuais
dependem para sobreviver, dando sentido à vida e ao papel
que desempenham na sociedade.
A aparente sofisticação da noção de que toda a
realidade "é socialmente construída "tem uma
plausibilidade superficial e ignora os muitos processos de
validação que testam essas construções. Muito do que é
dito ser socialmente "construído" é, de fato, socialmente
evoluído ao longo de gerações e socialmente validado pela
experiência. Mas boa parte do que muitos na intelligentsia
propõem é, de fato, construído, ou seja, deliberadamente
criado em determinado tempo e espaço, mas sem nenhuma
validação da experiência além do consenso de que é criado
entre os participantes da visão favorecida. Se os fatos, a
lógica e os procedimentos científicos são apenas categorias
arbitrárias, noções "socialmente construídas", então tudo o
que resta é o consenso, mais especificamente o consenso
grupal, o tipo de consenso que é importante entre
adolescentes, assim como entre muitos na intelligentsia.
Num sentido muito limitado, a realidade é de fato
construída pelos seres humanos. Mesmo o mundo que
vemos ao nosso redor é fundamentalmente construído
dentro de nosso cérebro a partir de dois pequeninos
remendos de luz que caem sobre nossas retinas. Como
imagens vistas do lado de trás das câmeras, a imagem do
mundo refletida no fundo de nossos olhos está de ponta-
cabeça. Nosso cérebro a recoloca para cima, reconciliando
as diferenças entre a imagem em um olho com a imagem
no outro olho, ao perceber o mundo em sua
tridimensionalidade.
Os morcegos não percebem o mundo do mesmo modo
que os seres humanos, uma vez que eles dependem de
sinais que são lançados e captados como se fosse um sonar
em operação. Algumas criaturas do mar percebem por meio
de campos elétricos que seus corpos geram e recebem.
Embora os mundos percebidos por diferentes criaturas, por
meio de mecanismos distintos, obviamente difiram uns dos
outros, essas percepções não são noções soltas, mas estão
sujeitas aos processos de validação dos quais questões tão
sérias como a vida e a morte dependem.
A imagem específica de um leão que você vê numa
jaula pode ser uma construção dentro de seu cérebro, mas
entrar na jaula demonstrará rápida e catastroficamente que
existe uma realidade para além do controle de seu cérebro.
Os morcegos não colidem contra paredes em seus voos
noturnos porque a realidade muito distinta construída no
cérebro desses animais está, da mesma forma, sujeita à
validação da experiência dada por um mundo que existe
fora dele. De fato, os morcegos não colidem contra janelas
de vidro, como por vezes acontece com os pássaros,
quando dependem da visão, indicando tanto diferenças nos
sistemas de visão quanto a existência de uma realidade que
independe desses sistemas de percepção.
Até mesmo as visões mais abstratas de mundo podem
frequentemente ficar sujeitas à validação empírica. As
visões de física de Einstein, as quais eram bem diferentes
das de seus predecessores, demonstraram ser válidas em
Hiroshima, ficando claro que não se tratava apenas de uma
visão particular de Einstein sobre a física - não era o caso de
sua verdade contra a verdade de outros, mas de uma
realidade inescapável a todos, principalmente aos presentes
naquele lugar e naquele momento trágico e catastrófico. Os
processos de validação são, de forma crucial, o fator
ignorado pela intelligentsia, o que permite que muitos
intelectuais vejam toda sorte de fenômenos de ordem
social, econômica ou científica como meras noções
subjetivas, o que permite, implicitamente, a adoção de
modelos favorecidos ideologicamente, transformando-os em
"realidade" e utopia.
Assim como acontece com a impugnação da ideia de
verdade objetiva, temos a impugnação dos padrões
tradicionais em vários campos, incluindo música, arte e
literatura. "Não há distinções rígidas entre o real e o irreal
nem entre o verdadeiro e o falso", segundo o dramaturgo
Harold Pinter.[333] Nem tal ideia está confinada aos
dramaturgos. O prestigiado historiador britânico Paul
Johnson destacou, por exemplo, que um romancista alcança
"domínio estético quando aqueles que não conseguem
compreender o que ele está fazendo, e por que está
fazendo, tendem a se desculpar por sua falta de
compreensão, em vez de culpar o autor por seu fracasso em
transmitir o que pretende".[334]
O mesmo e invejável resultado personalista foi
alcançado por pintores, escultores, poetas e compositores
musicais, dentre outros, muitos dos quais com ajuda
financeira dos contribuintes, aos quais eles não têm
obrigação nenhuma de agradar, nem mesmo para tornar
seu trabalho compreensível para eles. Em alguns casos, as
produções "artísticas" desses artistas subsidiados são
propositadamente concebidas para ridicularizar, chocar e
insultar o público e podem ser até mesmo questionáveis
como arte. Mas como Will Rogers disse há muito tempo:
"Quando você não é mais nada, pode alegar ser artista e
ninguém poderá provar que você não o seja".[335] jacques
Barzun chama acertadamente os artistas de "os
denunciadores mais persistentes da civilização ocidental"
[336] o que é perfeitamente compreensível, uma vez que não
◆ ◆ ◆
POSTURA CRÍTICA E ATITUDE DRAMÁTICA
Postura crítica e comportamento dramático
desempenham um papel especialmente importante na
carreira dos intelectuais, e isso é algo quase inevitável.
Embora o pensamento seja sua atividade central, pensar é
algo que todo mundo faz. O único argumento ou a única
justificativa para a existência de uma classe especial de
intelectuais é de que eles pensam melhor, de um ponto de
vista intelectual, em termos de originalidade, complexidade
e consistência interna de suas ideias, com uma ampla base
de conhecimento sobre determinado campo e a
consonância de suas ideias com premissas aceitas entre
seus pares, mas não necessariamente do ponto de vista das
consequências empíricas para os outros.
◆ ◆ ◆
CRÍTICOS CONTUMAZES
Numa época de disseminado acesso à educação
superior, para os que passam pelas sucessivas etapas de
seleção estar entre os 5% ou 10% mais qualificados, em
vários critérios, é geralmente crucial para se chegar às
instituições de ensino da elite, a partir das quais a maior
parte das grandes promessas para carreiras intelectuais de
sucesso começa. Uma preocupação com a postura crítica
não é, portanto, uma idiossincrasia individual, mas parte de
uma experiência de grupo que acompanha a aquisição de
territórios institucionais, e são muitas as triagens no
caminho para se tornar um intelectual. Mesmo aqueles
intelectuais que tiveram um histórico educacional mais
modesto incorporam a atmosfera dominante dos
intelectuais de ponta, tornando-se aptos a crer que os
intelectuais, como tais, formam um grupo realmente
especial e precioso.
Um senso de superioridade não se apresenta como
algo acidental, pois a superioridade foi essencial para levar
os intelectuais até onde eles se encontram. Eles são, de
fato, geralmente muito superiores dentro da estreita faixa
de preocupações humanas com as quais lidam. Mas da
mesma forma o são os mestres em jogos de xadrez,
prodígios musicais, programadores de softwares
sofisticados, atletas profissionais e outras pessoas
exercendo atividades mundanas cuja complexidade pode
ser apreciada apenas por aqueles que aprenderam a
dominá-la. O equívoco fatal de muitos na intelligentsia é
generalizar, a partir de sua especialidade de conhecimento,
uma sabedoria para lidar com os problemas do mundo em
geral, o que significa intrometer-se nos assuntos de outras
pessoas, cujo conhecimento sobre sua devida área é muito
superior ao que qualquer intelectual pode esperar oferecer.
Diz-se que um tolo veste melhor seu próprio casaco do que
um sábio a vesti-lo.
Muitos intelectuais, tão preocupados com a noção de
que o conhecimento especial que têm excede o
conhecimento especial médio de milhões de outras pessoas,
esquecem um fato muito mais repleto de consequências
que revela que o conhecimento mundano deles não
representa sequer um décimo do conhecimento mundano
total desses milhões que eles desprezam. Todavia, para
muitos na intelligentsia, a apropriação que fazem das
decisões individuais de milhões é tida como mera
transferência de um campo com menos conhecimento para
outro em que há mais conhecimento. Aqui se encontra a
falácia fatal por trás de muito do que é dito e feito pelos
intelectuais, incluindo-se os repetidos fracassos das
planificações centralizadoras e outras formas de engenharia
social, as quais concentram poder nas mãos em que há
menos conhecimento total, mas muito mais presunção,
baseando-se na suposição de que possuem um
conhecimento médio superior de um tipo especial.
Como já observado, havia 24 milhões de preços a
serem estabelecidos pelos planejadores centrais na União
Soviética[337] uma missão impossível para se executar, caso
esses preços possuíssem qualquer relação racional entre si,
como reflexo da escassez relativa ou dos custos de bens e
serviços, ou dos desejos relativos dos consumidores desses
24 milhões de bens e serviços, comparados entre si. Mas
embora isso se mostrasse uma tarefa esmagadora para a
comissão de planejadores centrais, é, todavia, uma tarefa
absolutamente administrável nas economias de mercado,
operada por milhões de consumidores e produtores
individuais, cada um deles acompanhando a quantidade
relativamente pequena de preços que são relevantes para
suas tomadas de decisão pessoal, com a respectiva
coordenação da locação de recursos e distribuição de
produtos e serviços na economia sendo feita por meio da
competição de preços no mercado para insumos e produtos.
Resumindo, os milhões de indivíduos sabem muito
mais do que qualquer comissão de planejadores pode
possivelmente conceber, mesmo que esses planejadores
centrais tenham todos altos títulos acadêmicos e a maior
parte das pessoas não tenha. Ignorância credenciada ainda
é ignorância. Ironicamente, o grande problema para os
intelectuais supostamente sabedores é que eles não têm
sequer o conhecimento suficiente para fazer o que se
propõem a fazer. Ninguém tem. Mas os intelectuais recebem
todo incentivo para afirmar que podem fazer mais do que
qualquer outro, e sua educação e a de seus pares são
suficientes para fazer essas alegações parecerem viáveis.
No entanto, considerando-se um nível de especialização
cada vez mais estreito, torna-se cada vez mais improvável
que mesmo os acadêmicos mais impressionantes, dentro de
determinada especialidade, possam abarcar todos os
fatores que compõem um problema prático no mundo real,
na medida em que muitos, ou talvez a maioria, desses
fatores quase sempre escapam ao domínio de uma única
especialidade.
As dimensões morais também parecem exercer uma
grande atração sobre a intelligentsia. Oportunidades para se
fazer moralmente superior diante dos outros, por vezes
incluindo toda a sociedade, são ferozmente cobiçadas, seja
na oposição às formas mais duras de punição criminal, seja
denunciando a destruição de Hiroshima e Nagasaki ou na
insistência em se adotar as determinações da Convenção de
Genebra aos terroristas capturados, os quais nem aceitam
os termos da convenção nem são por ela referidos. Padrões
morais duplos, denunciando os Estados Unidos por ações
que são quase por completo ignoradas quando cometidas
da mesma maneira ou de forma pior por outros países, são
defendidos sob a alegação de que deveríamos ter padrões
morais superiores. Dentro dessa lógica, um comentário
acidental pode vir a ser tomado como "racista" e provocar
mais indignação na mídia dos Estados Unidos do que a
decapitação de pessoas inocentes perpetrada por
terroristas, os quais divulgam as imagens para públicos
sedentos de sangue no Oriente Médio.
Raramente existe qualquer grande preocupação,
expressa pela intelligentsia, a respeito do efeito cumulativo
de tamanha manipulação de informações e de comentários
sobre o público em geral ou sobre a população estudantil
que recebe uma dieta regular desse tipo de manipulação
desde o primário até a vida universitária. O que é chamado
de "multiculturalismo" raramente representa um retrato
completo dos prós e contras das sociedades do mundo todo.
Muito mais comum é a ênfase dada aos aspectos
desagradáveis quando se trata de discutir a história e a
condição atual dos Estados Unidos ou da Civilização
Ocidental, ao mesmo tempo que se minimizam ou mesmo
se ignoram os aspectos desagradáveis toda vez que se
discute a Índia e outras sociedades não ocidentais.
Uma vez que todas as sociedades são desafiadas
interna e externamente, distorções que denigram a
sociedade têm consequências, incluindo a instauração de
um espírito de relutância para defender a própria sociedade
contra exigências impraticáveis ou ameaças mortais. Como
ficará claro no capítulo 7, isso pode significar uma relutância
em responder até mesmo às ameaças militares mais
temíveis, por vezes dando a inimigos potenciais, como um
Hitler, todo benefício da dúvida até que seja tarde demais.
◆ ◆ ◆
O DRAMÁTICO
E o dramático? A visão do intelectual ungido se
inclina, por si mesma, para decisões dramáticas e
categóricas, uma proliferação de "direitos", por exemplo -
em vez de favorecer o aumento do campo de negociações.
Sejam quais forem os benefícios e as perdas para o público
em geral, em cada uma dessas abordagens os benefícios
para os intelectuais são mais proveitosos nas tomadas de
decisão categóricas - aquelas que anunciam de forma
alarmante e dramática sua sublime visão -, ao passo que as
meras negociações reduzem as questões a enfadonhos
processos minuciosos de discussão, e tudo isso é feito num
plano de igualdade moral entre os adversários, ou seja, uma
tremenda heresia na visão do intelectual ungido.
Tal favorecimento tendencioso às decisões categóricas
produz consequências funestas para a sociedade como um
todo. Chega-se a um ponto que não importa mais em qual
política você acredita, pois, ao acreditar nela
categoricamente, qualquer política pode ser pressionada
até se tornar contraproducente. As instituições por meio das
quais as decisões são tomadas podem ser cruciais sempre
que algumas delas tendam a se tomar categóricas,
subordinadas a outras. Instituições políticas, especialmente
as instituições legais, inclinam-se a tomar decisões
categóricas, ao passo que as famílias e os mercados
tendem a decisões que favoreçam as negociações
compartilhadas, por causa de uma indisponibilidade em se
sacrificar completamente tanto o amor quanto a riqueza.
Existem outros motivos que explicam a tendência
em direção ao dramático. Vale a pena notar novamente que
aqueles que se fazem intelectuais no sentido aqui aplicado
não estão lidando fundamentalmente com matemática,
ciência, medicina ou engenharia, mas com línguas,
literatura, história ou psicologia. Embora a maior parte da
rotina de um médico, ao salvar vidas humanas utilizando
métodos médicos comuns, tenha uma reconhecida
importância social, a mera recordação de eventos prosaicos
não torna a história ou o jornalismo algo interessante, muito
menos os torna importantes aos olhos da sociedade ou um
caminho profissional pelo qual se conquista distinção,
reconhecimento ou influência para o intelectual que
transmite essas informações. São momentos e indivíduos
excepcionais que tornam a história algo que valha a pena
ser lido. No jornalismo, o adágio "Homem mordido por
cachorro não é notícia", mas o reverso é, transmite o
mesmo ponto. Também na literatura e na psicologia é o
tema ou a teoria excepcional que confere importância para
o profissional ou para a atividade.
Diferentemente, um médico que nunca faz nada que
esteja fora da prática da ciência médica recebe, no entanto,
reconhecimento e respeito por sua contribuição à saúde e
por salvar a vida dos seres humanos. Não há qualquer
necessidade de se alegar originalidade ou superioridade
para outros médicos a fim de receber tanto as recompensas
materiais quanto as morais da profissão. Todavia, na maioria
dos campos em que a intelligentsia atua, esse
reconhecimento automático não existe. Apenas o novo, o
excepcional ou o dramático coloca o profissional ou o campo
no mapa em relação a um reconhecimento público. Na
verdade, mesmo dentro desses campos, um domínio
completo do assunto pode significar pouco na carreira do
mundo acadêmico, sem necessariamente haver uma
contribuição pessoal para o desenvolvimento do campo. Daí
o imperativo entre os acadêmicos: "publique ou pereça".
No processo de gestação dos intelectuais, tanto os
incentivos à hostilidade crítica quanto os incentivos para
que continuem a mostrar sua natureza excepcional
contribuem para a constituição de um padrão
comportamental resumido na observação de Eric Hoffer: "0
intelectual não sabe atuar em temperatura ambiente".[338]
O mundano não pode sustentá-los, como sustenta as
pessoas em campos nos quais o mundano implica algo
amplamente reconhecido como vital em si mesmo, como na
saúde e na produção econômica. Considerando-se o
processo que seleciona e recompensa os intelectuais e os
incentivos que continuam a receber, é compreensível que a
atenção deles seja atraída para coisas excepcionais, as
quais demonstram sua natureza excepcional, e se afaste de
coisas que, embora mundanas, possam ser vitais para os
outros, mas são muito prosaicas para atrair o interesse dos
intelectuais.
Como observado no capítulo 3, boa parte da
intelligentsia mostra pouco ou mesmo nenhum interesse
sobre os mecanismos que facilitam ou dificultam a produção
econômica, muito embora seja basicamente uma produção
mais eficiente que responda pelo declínio da pobreza
generalizada com a qual os intelectuais têm se preocupado
por séculos. Muito do que é chamado de pobreza nas
nações industrializadas de hoje teria sido considerado uma
prosperidade inacreditável pela maioria das pessoas nos
tempos passados ou em algumas nações contemporâneas
do Terceiro Mundo. Mas os intelectuais contemporâneos que
mostram pouco interesse em tais coisas ficam, por outro
lado, enormemente interessados nas distribuições relativas
da riqueza, as quais fluem para os vários segmentos da
sociedade, e nas formas e nos meios de redistribuição dessa
riqueza, mesmo que historicamente o crescimento da torta
econômica, como aconteceu, tenha feito muito mais para
reduzir a pobreza do que as mudanças nas porções relativas
dos pedaços designados para os diferentes segmentos da
população.
Mesmo entre sociedades inteiras que foram criadas
com o propósito explícito de mudar os tamanhos relativos
das fatias de distribuição - os países comunistas-, essas
sociedades fizeram muito menos para reduzir a pobreza do
que os países cujas políticas facilitaram a criação de uma
torta maior. É difícil, ou mesmo impossível, explicar a
disseminada falta de interesse dos intelectuais pela criação
de riqueza, os quais ficam eternamente discutindo e
lastimando a pobreza, quando, na verdade, o crescimento
da quantidade geral de riqueza é o único processo que cura,
em larga escala, o problema da pobreza. As soluções
mundanas, mesmo em assuntos vitais, não são promovidas
pelos incentivos, pelas restrições e pelos hábitos dos
intelectuais.
Para uma demasiada parte da intelligentsia, a solução
para os grandes problemas, como a pobreza, acarreta
grande investimento intelectual que ela própria encarna. H.
G. Wells, por exemplo, disse que "escapar de uma
continuada frustração econômica para um estado de
abundância universal e justiça social requer um poderoso
esforço intelectual”.[339] De maneira semelhante, criar uma
paz duradoura "é uma imensa, pesada, complexa e
angustiante tarefa de engenharia mental".[340]
A coincidência entre o desafio do mundo real e o
desafio intelectual, que Wells e outros se propuseram a
tratar como algo quase axiomático, depende de suposições
iniciais que formam certa visão social. Suposições opostas
desembocam em conclusões não menos opostas, como
aquelas de George J. Stigler mencionadas no capítulo 1.
"Uma guerra pode arrasar todo um continente ou destruir
toda uma geração sem, contudo, levantar novas questões
teóricas".[341] Resumindo, mesmo as catástrofes mais
graves não se apresentam, necessariamente, como desafios
intelectuais.
Depois que o governo comunista chinês decidiu, no
final do século XX, tornar a economia de seu país
crescentemente capitalista, o acentuado índice de
crescimento econômico que isso gerou tirou do estado mais
baixo de pobreza, segundo estimativas, um milhão de
chineses por mês.[342] Certamente que qualquer um que
estivesse genuinamente interessado em reduzir a pobreza
não ficaria apenas satisfeito, mas curioso em saber como
tamanho benefício pode ser alcançado. Entretanto,
praticamente nenhum dos intelectuais que se mostram
preocupados com a questão da pobreza esboçou qualquer
interesse verdadeiro pela real redução de pobreza, por meio
dos mecanismos de mercado, ocorrida na China, na Índia ou
em qualquer outro lugar. A coisa não aconteceu nem do
jeito que eles previram nem do jeito que ansiavam, portanto
sua análise foi descartada, como se jamais tivesse
acontecido.
Novamente, o que está em jogo são as atitudes e não
os princípios. Atitudes que se orientam em políticas e
instituições que se baseiam nas visões predominantes entre
os intelectuais, em oposição a outras políticas e instituições
as quais produziram resultados demonstráveis sem,
contudo, refletirem ou sequer considerarem as visões dos
intelectuais.
Jornalistas e outros formadores de opinião que
escrevem para o público em geral encontram incentivos
adicionais e poucas restrições para explicarem o mundo em
termos que tanto seu público quanto principalmente eles
mesmos consideram emocionalmente satisfatórios. Muitas
questões são mal concebidas, não porque sejam muito
complexas para as pessoas entenderem, mas porque uma
explicação mundana é muito menos satisfatória
emocionalmente do que uma explicação que produz vilões
para se odiar e heróis para se exaltar. De fato, a explicação
emocionalmente satisfatória pode ser geralmente mais
complexa do que uma explicação mundana que está mais
em consonância com a verificação dos fatos. Isso é
especialmente válido em relação às teorias conspiratórias.
Talvez o exemplo clássico de uma preferência
disseminada por explicações emocionalmente contagiantes
tenha sido dado durante a reação da mídia norte-
americana, dos políticos e de boa parte do público às
mudanças de preço e à falta, na década de 1970, de
gasolina. Nenhum desses eventos requeria um nível de
sofisticação econômica que ultrapassasse o que é
encontrado em qualquer texto introdutório padrão de
economia. De fato, não é nem mesmo necessário atingir
esse nível de sofisticação a fim de compreender como a
oferta e a demanda operam num produto básico como o
petróleo, negociado em altíssima escala num mercado
mundial gigantesco, sobre o qual até mesmo empresas
apelidadas de Big Oil, nos Estados Unidos, têm pouco ou
mesmo nenhum controle sobre os preços. Também não é
necessária nenhuma inovação nas fronteiras do
conhecimento para se entender como o controle de preços
sobre o petróleo, durante a década de 1970, provocou
escassez de gasolina no mercado, uma vez que controles de
preço tinham gerado escassez de muitos outros incontáveis
produtos em países por todo o mundo, tanto nas sociedades
modernas quanto no Império Romano ou na antiga
Babilônia.[343]
Nenhuma dessas explicações mundanas, todavia,
provou ser tão atraente ou dominante na mídia e na política
quanto a "ganância" das companhias de petróleo. Ao longo
dos anos, numerosos executivos de companhias petrolíferas
norte-americanas foram convocados diante de comissões do
Congresso para ser denunciados em rede nacional de
televisão pelos preços da gasolina, pela escassez ou por
qualquer coisa que representasse a questão do momento.
Os políticos que proclamavam em alto e bom som sua
determinação em "chegar ao fundo da questão" deram
origem a numerosas investigações federais sobre as
companhias de petróleo, acompanhadas de manchetes
garrafais nos jornais e declarações igualmente dramáticas
na televisão. Posteriormente, as frustrantes conclusões
posteriores sobre as investigações apareceram tipicamente
em pequenos artigos enterrados nos cantos dos jornais, ou
de uma forma igualmente velada nos programas de
televisão, ou nem sequer apareceram. Com a catarse
emocional agora terminada, as conclusões mundanas que
confirmavam que nenhuma evidência de conluio ou de
controle de mercado fora encontrada não eram
consideradas mais, contudo, notícia.
Embora os intelectuais existam, em primeiro lugar,
porque supostamente pensem melhor ou porque têm posse
de mais conhecimento do que as pessoas comuns, na
realidade a superioridade mental deles é limitada a uma
faixa estreita dentro do vasto espectro das capacidades
humanas. Os intelectuais são geralmente extraordinários
dentro de suas especialidades, da mesma forma que são os
grandes jogadores de xadrez, os prodígios musicais e
muitos outros. A diferença é que essas outras pessoas
excepcionais raramente imaginam que seus extraordinários
talentos em uma atividade em particular lhes dão a
autoridade para julgar, pontificar ou direcionar toda a
sociedade.
Muitas pessoas, ao longo dos anos, têm acusado os
intelectuais de não terem senso comum. Mas é esperar
demais querer que a maioria dos intelectuais tenha senso
comum, uma vez que todo o papel da vida deles se baseia
no fato de se verem como incomuns, ou seja, em dizer
coisas que são diferentes do que todo o resto está dizendo.
No entanto, qualquer pessoa pode pretender ser original.
Além de determinado ponto, ser incomum significa se lançar
em excentricidades sem sentido ou usar de expedientes
astutos para chocar ou ridicularizar. Politicamente, pode
significar a busca por "soluções" ideologicamente
dramáticas, em vez de buscar negociações prudentes. Não
apenas os movimentos comunistas, mas também os
movimentos nazistas e fascistas exerciam um apelo todo
especial para os intelectuais, como observou o historiador
Paul Johnson:
RICHARD A. EPSTEIN[347]
◆ ◆ ◆
MUDANDO A JUSTIÇA
Certamente, as leis devem mudar na medida em que
as condições na sociedade mudam. No entanto, existe uma
diferença fundamental entre leis que mudam em função do
eleitorado, o qual decide votar em representantes que
promulgarão nova legislação que se tornará lei, não antes
de ser anunciada previamente, e leis alteradas
individualmente por juízes que informam de imediato
àqueles que se colocam diante deles no tribunal como sua
nova interpretação sobre as leis será aplicada à vida deles.
A famosa declaração do juiz da Suprema Corte Oliver
Wendell Holmes, "A vida da justiça não se assenta na lógica,
mas na experiência",[348] foi mais que uma mera avaliação
histórica, pois faz parte de uma filosofia judiciária. Em um
de seus pareceres como membro da Suprema Corte ele
disse:
A tradição e os hábitos da comunidade contam
mais do que a lógica (...) o reclamante deve
esperar até que ocorra uma mudança de hábitos
ou, ao menos, um consenso estabelecido de
opinião civilizada antes que possa ser esperado
que esse tribunal derrube as regras que os
legisladores e a corte de seu próprio estado
apoiam.[349]
◆ ◆ ◆
A CONSTITUIÇÃO E OS TRIBUNAIS
Intelectuais e juízes, tomados individualmente, podem
vir a conceber inúmeras e distintas formas de interpretar a
Constituição. Todavia, existem certos padrões e certas
normas que podem ser trilhados segundo períodos
particulares da história. A era progressista, no início do
século XX, testemunhou o começo de um padrão que se
tornaria dominante, primeiramente entre os intelectuais e
depois nos próprios tribunais. Essas ideias da era
progressista não foram promovidas somente por
acadêmicos ligados ao direito, como Roscoe Pound e Louis
Brandeis, mas também pelos dois únicos presidentes dos
Estados Unidos que foram, mesmo que por poucos anos,
intelectuais, no sentido que atribuímos ao termo, de
pessoas que ganham a vida a partir de seu trabalho
intelectual. Falo de Theodore Roosevelt e de Woodrow
Wilson.
Theodore Roosevelt, ao se referir às suas políticas
como presidente em suas memórias, inclui "minha
insistência na teoria de que o poder executivo se encontra
limitado apenas por restrições e proibições específicas as
quais aparecem na Constituição ou são impostas pelo
Congresso em posse de seus poderes
constitucionais".[355] Essa visão ignora levianamente o que
está escrito na 10a Emenda Constitucional, na qual o
governo federal pode exercer apenas aqueles poderes
conferidos a ele em particular pela Constituição, com todos
os outros poderes ficando ou nas mãos dos estados ou das
próprias pessoas.
Theodore Roosevelt virou a 10a Emenda de ponta-
cabeça, entendendo que todos aqueles poderes que não
haviam sido especificamente proibidos ao presidente eram
de seu uso. Tampouco suas palavras eram meramente
teóricas. Quando Roosevelt autorizou tropas a cercarem
uma mina de carvão durante uma greve, ele disse ao
general encarregado: "Eu lhe ordeno a não dar ouvidos a
nenhuma outra autoridade, nenhuma atenção a qualquer
ordem judicial ou a qualquer outra coisa a não ser meus
comandos". Nesse caso, ele tampouco estava disposto a
escutar um congressista de seu próprio partido, o qual
questionara a constitucionalidade das ações do presidente:
"Exasperado, Roosevelt agarrou Watson pelo ombro e
berrou: 'A Constituição foi feita para o povo e não o povo
para a Constituição'".[356]
Agindo dessa forma, Theodore Roosevelt, de forma
retórica, transformou a si mesmo em "povo", assim como
transformou a Constituição num documento opcional ou de
mera consulta, desafiando por completo o exato propósito
da Constituição como tal, ou seja, a forma legal por
excelência de se impor limites aos poderes governamentais
e a seus agentes.
Woodrow Wilson foi outro presidente intelectual no
sentido aqui definido. Ele se comportava, contudo, de forma
menos dramática, mas se mostrava igualmente impaciente
em relação às restrições determinadas pela Constituição.
Ele introduziu um tema que sobreviveria em muito a sua
presidência ao escrever, quando ainda acadêmico em
Princeton, sobre os "simples dias de 1787", data em que a
Constituição foi adotada, dizendo: "Cada geração de
estadistas olha para a Suprema Corte a fim de que ela
forneça a interpretação que servirá às necessidades de
cada época ".[357] "Os tribunais são o fórum do povo", ele
insistia, escolhendo uma instância diferente do governo
para substituir o papel e as decisões das pessoas. Da
mesma forma que Theodore Roosevelt, ele transformava a
Constituição num mero documento de consulta, relegando
aos fóruns o papel de determinar "a adequação da
Constituição em relação às necessidades e aos interesses
da nação", como a "consciência" da nação nos assuntos
jurídicos. Assim, Woodrow Wilson esperava que os tribunais
se constituíssem em instâncias criadoras de políticas
jurídicas, em vez de se apresentarem apenas como
instâncias judiciárias que aplicam e vigiam leis criadas por
terceiros. Que juízes federais vitalícios não eleitos sejam
chamados de "fórum do povo" é apenas mais um exemplo
de manipulação retórica, transformando uma instituição
especificamente isolada e protegida numa suposta
encarnação dos desejos e das opiniões populares.
Se os tribunais "interpretarem a Constituição
literalmente, como alguns propuseram", Wilson disse, isso
tornaria o documento em "camisa de força”[358]. Wilson
ainda usava outro argumento que no século seguinte seria
repetido por muitos outros, a saber, o papel da "mudança"
em geral e da mudança tecnológica em particular. "Quando
a Constituição foi elaborada não havia sistema rodoviário,
telégrafos, muito menos telefones",[359] ele dizia, já
antecipando muitos outros que usaram o mesmo argumento
por gerações citando aviões, computadores e outras
maravilhas tecnológicas. Wilson não fez qualquer tentativa
para explicar como essas e outras mudanças exigiam,
especificamente, que os tribunais buscassem novas e
distintas interpretações da Constituição. Pode-se levantar
uma longa lista de decisões controversas e marcantes feitas
pela Suprema Corte, desde o caso Marbury versus Madison
até o caso Roe versus Wade, e encontraremos poucos
casos, se algum, nos quais a mudança tecnológica fez
alguma diferença.
Aborto,[360] práticas religiosas nas escolas,[361] prisão
de criminosos,[362] segregação racial,[363] pena capital,[364]
exposição a símbolos religiosos em repartições públicas[365]
e diferenças representativas nas eleições[366] eram todas
questões absolutamente familiares àqueles que escreveram
a Constituição. Apóstrofos melodramáticos sublinhando as
"mudanças" representam o triunfo da retórica, mas têm,
raras vezes, qualquer relevância nos assuntos reais em
questão.
Em sua forma genérica, "mudança" é um dos fatos
mais indiscutíveis da vida para todas as pessoas e seus
respectivos alinhamentos ideológicos. Nem mesmo há
qualquer questão sobre se as leis, incluindo-se por vezes a
Constituição, precisam ser mudadas. Na verdade, a própria
Constituição reconheceu uma necessidade por tais
mudanças, estabelecendo um mecanismo que permite a
criação de novas emendas. Contudo, há uma questão
central que é resolutamente ignorada em toda retórica e em
todo debate envolvendo "mudanças" nos poderes
decisórios, que é: Quem vai decidir?
Afinal de contas, temos corpos legislativos e uma
instância executiva de governo, para não falar de toda uma
galáxia de instituições privadas disponíveis, as quais
também podem lidar com as mudanças. Ficar apenas
repetindo o mantra da "mudança" não oferece qualquer
razão que explique por que os juízes, especificamente,
devem ser os encarregados de fazer as mudanças. É mais
um exemplo de argumentos sem prova, a não ser que a
repetição possa ser considerada prova.
Por vezes, a "dificuldade" em se mudar as leis e
especialmente a dificuldade em se criar emendas
constitucionais é invocada como razão para justificar por
que os juízes devem se tornar os agentes que aceleram as
mudanças. Por exemplo, Herbert Croly, o editor-chefe da
revista New Republic, disse, em seu clássico da era
progressista, The Promise of American Life, o seguinte: "No
final, todo governo popular deveria, depois de uma
deliberação necessariamente estudada, consolidar o poder
para ser capaz de tomar qualquer ação necessária, sempre
que o bem-estar público está em jogo, segundo a maioria
da população". Ele completou: "Isso não é possível com um
governo subordinado ao controle da Constituição Federal".
[367] Ele deplorava o que chamava de "a imutabilidade da
ATIVISMO JUDICIAL
Os que defendem um ampliado raio de ação para as
"interpretações" dos juízes a fim de se adequarem às
supostas necessidades ou ao "espírito" da época, em vez de
se manterem presos ao significado estrito da lei quando
promulgada, parecem, implicitamente, supor que os juízes
ativistas inclinarão o sentido das leis na direção favorecida
por seus defensores, ou seja, orientarão a justiça na direção
da visão do intelectual ungido. Mas o ativismo judicial é,
contudo, um cheque em branco no qual se pode explorar
qualquer direção, em qualquer questão, dependendo das
predileções de cada juiz em particular.
Embora o presidente do Supremo, Earl Warren, tenha
feito um uso ampliado das interpretações a fim de banir a
segregação racial nas escolas públicas em 1954, quase
exatamente um século antes desse acontecimento o
presidente do Supremo, Roger Taney, também fizera uso
ampliado das interpretações para dizer, no caso Dred Scott,
que um homem negro "não tinha os mesmos direitos aos
quais um homem branco estava ligado".[385] Foram os
dissidentes daquele caso que insistiram em que se seguisse
a lei conforme fora escrita e conforme os precedentes
legais, mostrando que negros livres haviam exercido direitos
legalmente reconhecidos, em várias partes do país, antes e
depois da adoção da Constituição.[386]
Os intelectuais tanto da era progressista quanto de
tempos posteriores podem ter lido corretamente as
tendências de sua época, para que o ativismo judicial
movesse a justiça em direção aos objetivos e aos valores
dos intelectuais. Porém, isso não é nem inerente nem
inevitável. Se o princípio da livre condução judicial e da livre
elaboração das leis se torna estabelecido e aceito,
abarcando todo o espectro ideológico, então o balanço do
pêndulo ideológico, no transcorrer do tempo, pode detonar
uma guerra judicial de cada um contra todos, na qual o
conceito fundamental de justiça pela lei é, em si mesmo,
solapado juntamente da disposição das pessoas para se
prenderem aos ditames arbitrários dos juízes. Enquanto
isso, tomados pelo sofisma dos "resultados", os juízes
acabam ridicularizando o próprio conceito de justiça sob o
regime da lei, incluindo a Constituição dos Estados Unidos.
Um caso clássico de sofística judicial a serviço de
"resultados" sociais desejados'' foi o de 1942, Wickard
versus Filburn, o qual estabeleceu um precedente e uma
lógica que se estenderam para muito além das questões do
caso em particular. Sob a validade da Lei de Ajuste Agrícola,
de 1938, o governo federal tinha o poder de controlar a
produção e a distribuição de muitos produtos agrícolas. A
justificação legal vinha da autoridade do Congresso em
regular o comércio interestadual, como exposto na
Constituição. Ainda assim, a lei foi aplicada a um fazendeiro
de Ohio que plantava o que a Suprema Corte caracterizou
como "uma pequena produção de trigo"[387] para seu
consumo e para o de seus animais de criação. Esse
fazendeiro plantou algo em torno de 12 acres a mais do que
o Departamento de Agricultura permitia, mas ele desafiou a
autoridade federal a fim de que ela dissesse o que ele
deveria plantar em sua fazenda, uma vez que aquele
produto não participava do comércio interestadual ou
mesmo do próprio estado.
A Suprema Corte determinou que a autoridade federal
se impunha sobre "toda aquela produção que não fora
determinada para o comércio, mas completamente
destinada para o consumo na fazenda".[388] A
fundamentação da Suprema Corte foi a seguinte:
◆ ◆ ◆
AUTOCONTENÇÃO E "INTENÇÃO
ORIGINAL"
A "autocontenção judicial" foi por vezes resumida em
outra expressão idiomática: seguir "a intenção original" das
leis. Todavia, muitos, na intelligentsia, prenderam-se à
palavra "intenção" a fim de alegar que é difícil ou mesmo
impossível discernir exatamente o que aqueles que
escreveram a Constituição, ou a legislação para aquele
propósito, realmente intencionavam, especialmente depois
de muitos anos. Assim, o professor Jack Rakove da
Universidade Stanford disse:
O ÔNUS DA PROVA
Talvez nada seja mais fundamental na verdadeira
tradição legal norte-americana do que a incumbência ao
ônus da prova para a promotoria, nos casos criminais, e
para o acusador, nos casos civis. No entanto, a militância e
o zelo por "resultados" têm levado ao reposicionamento do
ônus da prova, que recai então sobre as costas do acusado,
o qual é obrigado a provar sua inocência em determinadas
ações legais. Esse princípio, ou falta de um, já aparecia nas
leis antitruste antes de ser aplicado aos casos envolvendo
os direitos civis.
Por exemplo, a lei Robinson-Patman tornou ilegal a
discriminação de preços, exceto sob certas circunstâncias.
Mas uma vez que um caso prima facie fez com que preços
diferentes fossem cobrados para diferentes tipos de
clientes, o acusado teve então que provar onde estavam as
exceções, como as diferenças de custo no serviço a esses
clientes, que se aplicavam ao caso. Uma vez que a
aparentemente simples palavra "custo" oculta, no entanto,
complexidades que podem manter contadores, economistas
e advogados atados em disputas intermináveis, a questão
pode então se tornar insolúvel tanto para o acusador quanto
para o acusado, ficando impossível provar, de forma
conclusiva, o litígio. Isso significa que o acusado ou perderá
casos como esse ou os negociará fora dos tribunais, nos
termos determinados pela outra parte, devido à
impossibilidade de provar sua inocência.
O problema mais fundamental, todavia, é que o ônus
da prova foi colocado sob a responsabilidade do acusado, na
contramão de tradições legais centenárias aplicadas nos
casos em geral.
O mesmo princípio de justiça engajada, que coloca a
incumbência ao ônus da prova sobre o acusado, reapareceu
mais tarde nos casos judiciais envolvendo as leis dos
direitos civis e suas políticas. Aqui, mais uma vez, tudo o
que se precisa é de um caso prima facie, ou seja, uma
acusação que não chega sequer a cumprir o padrão da lei
civil que determina a preponderância da evidência,
baseando-se simplesmente na "representação" estatística
das minorias ou das mulheres nos quadros de emprego de
uma empresa, para que então se coloque o ônus da prova
sobre os ombros do empregador, o qual se vê obrigado a
provar que não agiu com discriminação. Nenhuma
obrigação de prova, qualquer que seja, é exigida sobre
aqueles que pressupõem uma igualitária ou aleatória
distribuição de realizações ou de recompensas entre grupos
sociais ou raciais na ausência de discriminação, apesar de
haver enorme quantidade de evidências tanto históricas
quanto contemporâneas mostrando uma completa
desproporção nas realizações entre indivíduos, grupos e
nações.[433]
Um empregador que contratou, pagou e promoveu
pessoas desconsiderando raça ou sexo pode, no entanto,
achar impossível ou mesmo proibitivamente caro refutar
acusação de discriminação. Por exemplo, a Comissão por
uma Oportunidade Igual de Emprego (E.E.O.C.) moveu uma
ação de discriminação sexual contra a rede de lojas Sears,
em 1973, baseando-se somente em dados estatísticos, sem
ser capaz de apresentar uma mulher sequer trabalhando ou
já tendo trabalhado em qualquer uma das centenas de lojas
da Sears por todo o país, como prova de que fora
discriminada. Mesmo assim, essa ação se arrastou pelos
tribunais por quinze anos, custando US $20 milhões à Sears
em custos processuais antes que a Sétima Corte de
Apelação finalmente sentenciasse em favor da empresa.
Sabendo-se que pouquíssimos empregadores têm tal
volume de dinheiro para gastar em ações legais ou nem
têm como bancar a publicidade negativa gerada por
acusações desse tipo, as quais consomem longos anos, a
maioria acaba fazendo acordos fora dos tribunais, tentando
minimizar os danos, e esses numerosos acordos são então
citados na mídia e em outros meios como prova de quanta
discriminação ainda existe. Outra vez, tudo isso remonta à
prática de se colocar o ônus da prova sobre o acusado.
Tivesse o ônus da prova sido colocado sobre a E.E.O.C., é
bem provável que o caso, em primeiro lugar, nunca tivesse
chegado aos tribunais, na medida em que aquela comissão
não conseguiu apresentar uma mulher sequer que
afirmasse ter sido discriminada. Tudo o que havia eram
estatísticas, as quais não se encaixavam no preconceito,
predominante na intelligentsia, de que todos os grupos
tenderiam a ser proporcionalmente representados na
ausência de discriminação.
Outro caso semelhante e que seguiu um longo
caminho até chegar à Suprema Corte, demorando quinze
anos mais uma vez desde o julgamento original, foi decidido
em favor do empregador, mas posteriormente derrubado
quando o Congresso passou uma nova lei restabelecendo a
incumbência do ônus da prova sobre o acusado. O caso
envolveu a empresa Wards Cove Packing, baseada nos
estados de Washington e Oregon, mas com uma fábrica de
enlatamento de peixes mais ao norte, no Alasca. Uma vez
que a empresa recrutava seu corpo de gerentes onde os
escritórios centrais da empresa se localizavam e sua mão
de obra operacional onde o enlatamento dos peixes era
processado, isso levou a um quadro de gerentes composto,
em sua maioria, de brancos contratados em Washington e
no Oregon e uma mão de obra predominantemente não
branca no Alasca. Porém, esse fato estatístico se
transformou em base para acusações de discriminação. O
Nono Tribunal de Apelação favoreceu a acusação de
discriminação, mas a Suprema Corte invalidou a decisão e
reabriu o caso para reconsiderá -lo. Isso disparou
uma tempestade de críticas que vieram da mídia e do
mundo acadêmico.
A repórter do New York Times que cobre a Suprema
Corte, Linda Greenhouse, disse que a sentença do caso
Wards Cave v. Atonio "alterou o ônus da prova numa
questão central, passando dos empregadores para os
empregados, que acusam sofrer discriminação",[434]
avaliando quais seriam as repercussões sobre os grupos
sociais e os respectivos resultados sociais, em vez de se
preocupar com os princípios e as categorias jurídicas -
reclamantes e réus - nos quais o ônus da prova é, por
séculos, deixado para o reclamante, o qual é obrigado a
provar suas acusações. Mas, segundo Linda Greenhouse, a
decisão do caso Wards Cove "retirou dos empregadores uma
parte do ônus sobre práticas que mostram ter impacto
discriminatório".[435]
O que a sra. Greenhouse resolveu chamar de
"impacto discriminatório" era a diferença entre a realidade
demográfica dos empregados e da população, o que vale
dizer, fatos comuns no mundo real, mas que não se
encaixam na visão do intelectual ungido. Assim como em
outros contextos, a visão foi tida como axiomaticamente
verdadeira, de forma que os desvios estatísticos que saem
de uma uniforme ou aleatória distribuição dos membros de
grupos raciais que compõem a mão de obra de determinada
empresa são tidos como evidência de comportamento
tendencioso do empregador, uma suposição que passa
então a ser responsabilidade do empregador refutar para
que não seja condenado por violar uma lei federal.
O colunista do New York Times Tom Wicker acusou
igualmente a Suprema Corte por sua "radical decisão no
caso Ward Cove" de "reverter o padrão da lei estabelecida"
ao "designar o ônus da prova ao empregado que moveu
ação contra seu empregador, acusando-o de práticas de
contratação e administração empregatícias
discriminatórias". Antes disso, segundo Wicker, a Suprema
Corte, "ao se manter fiel ao costume legal, colocava o ônus
da prova sobre os ombros da parte mais capaz de mostrar
que os procedimentos em litígio eram justos e necessários,
é claro, do empregador". Outra vez, os precedentes legais
foram tidos como essenciais, mesmo que o precedente legal
desse caso, Griggs v. Duke Power, tenha durado muito
pouco em comparação ao caso Plessy v. Fergunson, quando
foi derrubado pelo caso Brown v. Board of Education.
Nada no artigo de Wicker dava aos leitores qualquer
pista de que colocar o ônus da prova sob responsabilidade
do acusado compreendia rara exceção nas tradições legais
que existem há séculos, exceção para certos casos cujos
"resultados" sociais assumiam uma importância capital e os
acusados, em particular o mundo dos negócios, estavam em
baixa com a intelligentsia, fosse nos casos antitruste sob a
lei Robinson-Patman, fosse nos casos dos direitos civis.
Quando o Congresso elaborou uma legislação a fim de
reverter o caso Wards Cave, o então presidente dos EUA,
George H. W. Bush, ameaçou impor um veto. Diante do
impasse, Tom Wicker disse: "Ele propõe tornar mais fácil
para que empregadores discriminem e endureçam o
tratamento aos empregados, geralmente membros de
minorias, e não tenham que responder legalmente por suas
ações".[436]
Os editoriais do New York Times posicionaram-se de
forma semelhante. O caso Wards Cave, diziam, "colocava
novas e pesadas obrigações aos reclamantes pelos direitos
civis”.[437] Mais uma vez, não era passada, aos leitores, a
mínima indicação sobre a realidade jurídica em questão. O
que o New York Times chamava de "pesadas obrigações aos
reclamantes pelos direitos civis" eram as mesmas
obrigações às quais a maior parte de outros reclamantes, e
na maior parte dos casos que não envolvem os direitos
civis, é obrigada a obedecer há séculos, com base no
princípio legal de que os acusados não são obrigados a
provar sua inocência.
Igualmente, uma coluna no Washington Post usou
como critério a lógica dos "resultados" sociais, criticando
que a decisão do caso Wards Cave "tornou muito mais difícil
para os reclamantes ganhar ações como essa".[438] Um
editorial no Boston Globe, de forma semelhante, reclamou
que a decisão do caso "tornava virtualmente impossível que
empregados vencessem ações de discriminação".[439] Outro
editorial do mesmo jornal se queixava dizendo que o ônus
da prova "agora mudava para o reclamante"[440] como se
esse fosse um lugar incomum para o ônus da prova estar.
A resposta dos acadêmicos não foi menos enfática
nem menos tendenciosa em sua apresentação dos fatos,
além de não ter sido menos comprometida com os
"resultados" sociais. O professor Ronald Dworkin, de Oxford,
escreveu sobre a "brutal disparidade" entre as raças, no
caso Wards Cave, ao que ele chamou de "discriminação
estrutural" e de "ônus impossível" colocado sobre as costas
dos reclamantes.[441] O professor Paul Gewirtz da
Universidade Yale disse: "A Suprema Corte deu duros golpes
em dois dos mais importantes mecanismos para se integrar
a força trabalhadora dos Estados Unidos".[442] Certamente
que seu foco se dirigia aos resultados sociais quando
mencionava "a integração dos trabalhadores dos Estados
Unidos", e não se dirigia, é claro, ao funcionamento
apropriado da justiça. O professor Reginald Alleyne, da
Faculdade de Direito da UCLA, não se mostrou menos
engajado com a justiça de "resultados" e atribuiu a decisão
do caso Wards Cave a juízes que "simplesmente detestam a
legislação dos direitos civis".[443] O professor Howard Eglit,
da Faculdade de Direito Chicago-Kent, caracterizou a
decisão do caso Wards Cove como um "tortuoso tratamento
revisionista sobre o ônus da prova".[444]
Outro professor de direito, Alan Freeman, da State
University de Nova York, em Buffalo, também usou a
inadequada noção de seus pares, batizando os juízes da
Suprema Corte que decidiram o caso de "apologistas
reacionários da ordem existente", os quais merecem nosso
"desprezo".[445] O professor de direito Candace S. Kovacic-
Fleischer, da American University, pediu ao Congresso para
que "restaurasse a alocação normal do ônus da prova, ou
seja, se o reclamante prova uma prática empregatícia ou
práticas que causam um impacto desproporcional, o ônus
então deve ser mudado para o empregador, que passa a ser
obrigado a provar uma necessidade operacional para tal
prática".[446] Mas essa alocação do ônus da prova foi
"normal" somente nos casos dos direitos civis e em alguns
casos antitruste, os quais, por sua vez, foram na contramão
de séculos de prática habitual da justiça anglo-americana.
A incumbência do ônus da prova colocado sobre os
empregadores não foi algo determinado pela lei de Direitos
Civis de 1964. Pelo contrário, durante os debates no
Congresso, os quais precederam a promulgação da lei, o
senador Hubert Humphrey e outros líderes que lutavam
para passar essa legislação repudiaram explicitamente a
ideia de que disparidades estatísticas seriam suficientes
para forçar um empregador a provar que não estaria agindo
de forma discriminatória.[447] O senador Joseph Clark, outro
defensor da lei dos Direitos Civis de 1964, disse que a
Comissão para uma Oportunidade Igual de Emprego,
estabelecida pela lei, "fica obrigada a provar, em posse de
fortes evidências, que a desqualificação empregatícia e
outras ações discriminatórias trabalhistas foram provocadas
por questões raciais".[448] Portanto, ele falava de fortes
evidências, como em outros casos de ações civis, não em
caso prima facie, cujo ônus da prova foi mudando, então,
para o empregador, como mais tarde se tornou padrão de
resultado das sentenças judiciais.
Foi na decisão da Suprema Corte no caso Griggs v.
Duke Power, de 1971, que se alterou o ônus da prova para o
empregador. Nesse caso, havia critérios de contratação -
testes de inteligência e diplomas de segundo grau - que
ocasionavam um "impacto desigual" sobre as minorias de
trabalhadores. A decisão do caso Griggs, que ocorrera
menos de vinte anos antes da decisão do caso Wards Cove,
tornou-se "lei estabelecida", a partir da qual Tom Wicker via
a decisão do caso Wards Cove como um desvio "radical".
Estranhamente, parece que esses jornalistas,
acadêmicos e seus pares ideológicos sabem que é sempre a
discriminação de empregadores racistas que se apresenta
como razão para as disparidades estatísticas de trabalho,
de forma que é apenas uma questão de tornar isso claro
para os tribunais para que eles cheguem às mesmas
conclusões. O que isso significa é que esses membros da
sociedade, os quais são vistos desfavoravelmente pelos
intelectuais ungidos, não terão os mesmos direitos que a
população em geral, muito menos os privilégios concedidos
aos que os ungidos veem de modo favorável. A ideia de que
a lei serve para tornar as coisas mais duras ou mais fáceis
para um segmento selecionado da sociedade, para que ele
vença ações movidas contra outros segmentos, passa pela
cabeça de muitos ou mesmo da maioria dos intelectuais que
criticaram a decisão do caso Wards Cove. Eles queriam
"resultados" e o Congresso lhes deu o que queriam com a
Restauração da Lei dos Direitos Civis de 1991, que colocou o
ônus da prova de volta sobre as costas do empregador, ao
contrário da Lei dos Direitos Civis de 1964.
◆ ◆ ◆
DIREITOS DE PROPRIEDADE
Em nenhum outro lugar os resultados das sentenças
de cunho social foram mais radicalmente opostos ao que
fora contemplado no início do que nos casos envolvendo o
direito de propriedade, que se constitui um grande campo
de batalha envolvendo visões sociais contrárias. À medida
que ideias como a de "uma Constituição viva" foram sendo
aplicadas às condições atuais, sempre que alguns juízes as
consideraram apropriadas, tornando-se dominantes a partir
da segunda metade do século XX, os direitos de
propriedade foram reduzidos, no melhor dos casos, a uma
condição subalterna. Como o estimado economista urbano
Edwin S. Mills afirma: "Os tribunais praticamente aboliram a
5a Emenda em sua aplicação às propriedades urbanas".[449]
Os direitos de propriedade são vistos em termos
radicalmente distintos entre os que adotam a visão trágica
e os que integram a visão do intelectual ungido. Os que têm
uma visão trágica sobre os defeitos e as fraquezas humanas
veem os direitos de propriedade como limitações
necessárias para restringir o poder dos agentes de governo
que possam, porventura, apropriar-se dos pertences da
população em geral, seja em seu próprio benefício, seja em
benefício de políticas de doação para outros agentes cujo
apoio os políticos anseiam. Tais práticas, tomadas pelos
detentores do poder, foram muito comuns durante os
despotismos em épocas antigas, não sendo também
desconhecidas nas democracias modernas. As pessoas que
fundaram os Estados Unidos da América, escrevendo sua
Constituição, viam a proteção aos direitos de propriedade
como salvaguarda para a proteção de outros direitos. O
direito de livre expressão, por exemplo, perderia todo o
sentido caso a crítica às autoridades levasse a retaliações
do governo na forma de expropriações dos pertences
pessoais.
Os economistas costumam ver os direitos de
propriedade como algo essencial para ( 1 ) manter a
tomada de decisões econômicas nas mãos de indivíduos
privados, ou seja, fora do controle dos políticos, e (2) para
manter os incentivos dos mesmos indivíduos, os quais
investirão seu tempo, seus talentos e seus recursos movidos
pela expectativa de poderem colher e reter os frutos de
seus esforços. Todavia, os que adotam a visão do intelectual
ungido, na qual tomadores de decisão terceirizados e
coletivistas são vistos como mais bem-equipados do que as
pessoas em geral para tomarem decisões acertadas, veem
os direitos de propriedade como obstáculos à realização de
muitos objetivos sociais desej áveis por meio da ação
governamental. Segundo os que comungam de tal visão, os
direitos de propriedade simplesmente protegem os
indivíduos afortunados o bastante para que se façam donos
de substanciosa propriedade à custa dos interesses mais
amplos da sociedade. O professor Laurence Tribe, da
Faculdade de Direito de Harvard, por exemplo, disse que os
direitos de propriedade representam simplesmente um
benefício individual em favor de uma "riqueza
entrincheirada”.[450]
Em outras palavras, os direitos de propriedade são
vistos em função de seus resultados individuais, em vez de
serem vistos em função de processos sociais facilitados por
um sistema de propriedade privada de tomada de decisão
econômica. Por outro lado, os direitos de livre expressão
quase nunca são vistos, em termos tão estreitos, como
benefícios de interesse especial para uso de uma pequena
parcela da população, justamente os que se fazem
escritores profissionais, jornalistas e ativistas políticos. Pelo
contrário, os direitos de livre expressão são vistos como
direitos essenciais ao funcionamento de todo o sistema de
governo representativo, embora os direitos de propriedade
sejam raras vezes vistos pelos intelectuais como também
essenciais ao funcionamento da economia de mercado. Pelo
contrário, os direitos de propriedade são atacados de
pronto, vistos como proteções especiais para os
economicamente privilegiados, segundo o professor Tribe e
muitos antes dele, como Roscoe Pound, Louis Brandeis, e
inúmeros outros.
Essas pessoas que desconsideram os direitos de
propriedade não ficam restritas à promoção de suas
próprias visões, mas em geral censuram e filtram a visão
oposta sobre os direitos de propriedade ou mesmo a
distorcem, fazendo dela a defesa de uma existente "riqueza
entrincheirada",[451] de forma que boa parte do público não
fica sequer sabendo qual é a questão em jogo, tornando sua
resolução irrelevante. Uma vez que os direitos de
propriedade ficam reduzidos, pela manipulação retórica, a
um mero benefício especial para uns poucos privilegiados,
esses direitos são vistos como menos importantes do que
outros benefícios para a sociedade em geral. Segue-se,
dessa linha de raciocínio, que os direitos de propriedade
têm com frequência que ceder diante de outros direitos
toda vez que a questão se coloca como "direitos de
propriedade versus direitos humanos".[452]
Tais argumentos, todavia, fazem sentido somente
quando inseridos no quadro ideológico da visão do
intelectual ungido. Por outro lado, não existe qualquer
embate entre direitos de propriedade e direitos humanos
porque (1) a propriedade em si não tem direitos e (2) são
apenas os seres humanos que têm direitos. Qualquer
embate é dado, na realidade, entre duas partes contrárias
compostas por seres humanos. Os direitos de propriedade
são barreiras legais contra políticos, juízes e burocratas que
arbitrariamente buscam se apropriar do patrimônio de
alguns seres humanos, transferindo-os para outros.
Aqueles que veem nos tomadores de decisão
coletivistas tanto o direito quanto o dever de promover a
"distribuição de renda", tornando a sociedade mais igual ou
mais justa, consideram os direitos de propriedade uma
barreira que não deve impedir o avanço do objetivo que se
sobrepõe a ela. À medida que as ideias dos intelectuais
progressistas se tornaram dominantes nas faculdades de
direito e nos tribunais, durante a segunda metade do século
XX, os direitos de propriedade foram sendo solapados por
decisões judiciais e a capacidade dos agentes
governamentais em se sobreporem aos direitos dos
proprietários ganhou terreno, justificada com base no
interesse público, supostamente em ação para contemplar
os interesse dos menos afortunados. Todavia, aqui como em
toda parte, ao se encaixarem na visão do intelectual, certas
noções carecem de extraordinária atenção de verificação
para se averiguar se elas também se encaixam nos fatos.
Em outras palavras, a noção de que o solapamento dos
direitos de propriedade beneficia aquelas pessoas com
baixa renda, as quais não possuem bens próprios de peso, é
tida como axiomática, em vez de urna hipótese a ser
testada empiricamente.
A suposição implícita de que o enfraquecimento dos
direitos de propriedade beneficiaria as populações carentes
em detrimento dos mais ricos, acaba por se verificar, em
inúmeros casos, como exatamente o oposto. Tendo mais
liberdade para confiscar a propriedade alheia, os agentes do
governo, em todos os níveis, acabaram promovendo
demolições maciças de áreas habitacionais da classe
trabalhadora e de baixa renda em programas de "renovação
urbana", os quais substituíram o antigo padrão desses
bairros, estabelecendo um nível mais alto de padrão de
habitação, construindo-se shoppings e outras atrações para
os membros mais afluentes da sociedade.
A quantidade acrescida de impostos que tais áreas
"remodeladas" são obrigadas a pagar forneceu óbvios
incentivos para que líderes políticos se beneficiassem à
custa da população desalojada. Essa população desalojada
é composta, em sua maior parte, por minorias e pessoas de
baixa renda, fundamentalmente negros. A consumação
máxima da tendência legal em se reduzir os direitos de
propriedade em função dos interesses de ação do governo
ocorreu em 2005 no caso Kelo v. New London, no qual a
cláusula constitucional dizendo que a propriedade privada
poderia ser usada para "uso público" foi expandida para
significar que tal propriedade poderia ser tomada para um
"propósito público". Enquanto o uso público incluiria coisas
como a construção de um reservatório de água, uma ponte
ou outra coisa do tipo, "propósito público" pode, por sua
vez, significar quase que qualquer coisa, e no caso Kelo
significou confiscar as casas das pessoas para repassar a
propriedade a incorporadores que construiriam uma série
de edifícios de alto padrão.
Um benefício ainda mais direto para os ricos e os
poderosos, em detrimento das pessoas de baixa ou de
média renda, provém do alargado raio de ação que os
agentes do governo têm para se sobrepor aos direitos de
propriedade em nome da criação de "espaços abertos",
"crescimento inteligente" e outras formas de impor
restrições arbitrárias e politicamente empacotadas sob uma
gama de rótulos retoricamente atraentes. Banir a
construção de casas ou de outras estruturas em
comunidades de alto padrão ou em torno delas reduz muito
a capacidade de as pessoas comuns viverem em tais
comunidades, tanto por causa da redução física de terrenos
disponíveis para construção quanto por que os preços
disparam a níveis absurdos toda vez que a área de
construção é artificialmente reduzida.
A subida de preços de moradia a duplicar, triplicar ou
mais toda vez que aparecem restrições de construção não
afeta, por outro lado, aqueles que já moram em
comunidades de alto padrão (exceto os locadores), mas de
fato beneficia esses proprietários com a valorização de suas
moradias num mercado que foi artificialmente restringido.
Os poderes arbitrários das comissões de planejamento
habitacional, dos conselhos de zoneamento e das agências
ambientais para restringir ou proibir o uso da propriedade
privada, conferem a esses organismos a condição de
barganhar concessões dos que buscam construir qualquer
coisa sob a jurisdição que controlam. Essas concessões
podem ser extraídas tanto de forma ilegal, com subornos
pessoais, quanto legal, ao forçar o proprietário para que
ceda parte da propriedade para a jurisdição local. Por
exemplo, na cidade de San Mateo, na Califórnia, a
aprovação para o desenvolvimento de um programa de
construção habitacional foi condicionado aos construtores
sob os seguintes termos: eles tinham que ceder às
autoridades locais "12 acres de terra nos quais seria
construído um parque público", além de contribuir com US$
350 mil para o desenvolvimento da "arte pública" e vender
15% das casas abaixo do preço de mercado.[453]
O presidente do Supremo, John Marshall, disse que o
poder para taxar é o poder para destruir. O poder de
regulamentação arbitrária é o poder de extorquir, da
mesma forma que o poder de colocar o ônus da prova sobre
os ombros do acusado.
No caso da moradia, as "condições" extorquidas dos
construtores são finalmente pagas pelas pessoas que
compram ou alugam as casas ou os apartamentos
construídos. A erosão dos direitos de propriedade permitida
pelos tribunais afeta até mesmo as pessoas que não têm
propriedade, mas que são obrigadas a pagar aluguéis mais
caros ou que ficam impossibilitadas de comprar ou alugar
em comunidades onde o preço de moradia foi
artificialmente inflacionado, por meio de restrições
habitacionais que se mostram restritivas até mesmo para a
grande maioria das pessoas, exceto para os ricos e
poderosos, estabelecendo, assim, um cordão sanitário em
torno das comunidades de alto padrão, isolando-as das
pessoas de renda média ou baixa. Sejam lá quais forem os
"resultados" buscados, em princípio, por aqueles que
exortam o enfraquecimento dos direitos de propriedade, são
esses os resultados realmente alcançados.
Mesmo aquelas pessoas de média ou baixa renda que
já vivem dentro de áreas que neutralizam os direitos de
propriedade com restrições arbitrárias de construção podem
ser obrigadas a saírem com a subida astronômica dos
preços dos aluguéis. Em San Francisco, por exemplo, a
população negra foi cortada pela metade, desde 1970, e em
outros municípios das áreas costeiras no estado da
Califórnia não é raro encontrar um declínio da população
negra em dez mil habitantes ou mais, entre os anos de 1990
e 2000, segundo o censo desse período,[454] mesmo
considerando o aumento populacional desses locais durante
o mesmo período.
Um dos muitos problemas advindos de decisões
socialmente engajadas é que os resultados reais nunca
ficam restritos aos resultados particulares que os juízes
tinham em mente, além de serem em geral imprevisíveis.
Considerando-se a instauração dos precedentes legais, os
"resultados" dessas decisões são poucas vezes reversíveis,
não importando o quão distante os resultados reais fiquem
em relação ao que era esperado. Reversão do ônus da prova
e enfraquecimento dos direitos de propriedade são apenas
dois exemplos, entre muitos.
◆ ◆ ◆
CRIMINALIDADE
A visão habitual sobre a criminalidade, entre muitos
dos intelectuais, tem uma história de no mínimo duzentos
anos, mas ganhou destaque e ascendência somente a partir
da segunda metade do século XX. A alegação de Louis
Brandeis, afirmando que a "ciência social moderna"
começara a questionar se a comunidade como um todo não
seria tão responsável pelo roubo quanto o próprio ladrão,
ignorava o fato de que imputar o crime à sociedade era uma
noção já bastante comum entre os que partilhavam da visão
do intelectual ungido, uma tradição que remontava ao
século XVlll, o que vale dizer que isso já existia antes do
aparecimento da moderna "ciência social",[455] embora
essas especulações mais antigas já ensaiassem a prática de
se enrolarem no manto da ciência.
A visão do intelectual ungido esvazia o aspecto
punitivo e reforça os aspectos preventivos procurando, em
primeiro lugar, as causas sociais que estão "na base" da
atividade criminosa e também investindo, por outro lado, na
"reabilitação" dos criminosos. Os temas secundários que
gravitam em torno da visão principal incluem a diminuição
de responsabilidade pessoal por parte dos criminosos,
alegando infâncias infelizes, histórias de vida angustiantes
ou outros fatores que, supõe-se, estejam acima do controle
dos indivíduos. Teorias conflitantes sobre criminalidade
podem ser interminavelmente debatidas e nenhuma dúvida
será respondida, ao mesmo tempo que outras questões
serão expandidas a dimensões infinitas. O que é relevante
em nosso caso, todavia, é o que a evidência dos resultados
reais tem nos revelado desde a ascendência da visão dos
intelectuais sobre a criminalidade, a qual se tornou
dominante, observando a reação dos intelectuais às
evidências.
Nos Estados Unidos, onde os índices de homicídio
declinaram por décadas e estavam, em 1961, abaixo da
metade dos índices de 1933, ocorreu uma inversão por
ocasião das reformas legais da década de 1960, que se
baseavam nas ideias dos intelectuais e eram
entusiasticamente apoiadas pela intelligentsia. As novas
abordagens foram seguidas, quase que de imediato, por
uma reversão daquela longa tendência de queda, e o índice
de homicídios dobrou por volta de 1974.[456] Na Grã-
Bretanha, a adoção da mesma visão sobre a criminalidade
foi seguida por abruptas e semelhantes reversões de
antigas tendências de queda nos índices de criminalidade.
Um estudo constatou:
EUGEN WEBER[496]
◆ ◆ ◆
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
De várias maneiras, a Primeira Guerra Mundial foi um
choque para muitas pessoas. Depois de quase cem anos
sem a ocorrência de grandes deflagrações e de maiores
conflitos no continente europeu, muitos da civilização
europeia começaram a acreditar, ilusoriamente, que a
Europa havia superado, de alguma forma, as guerras,
relegando-as ao passado. Muitos dos que pertenciam à
extrema esquerda acreditavam que a solidariedade
internacional entre a classe dos trabalhadores evitaria que
trabalhadores de diferentes países lutassem e se matassem
nos campos de batalha, pois, era suposto, não agiriam em
benefício de seus exploradores. Nos países de ambos os
lados do conflito, gerações que não tinham qualquer
experiência com a guerra marcharam envoltas em grande
exaltação pública, alegria e fanfarra, tomadas de forte
sensação de confiança, acreditando que tudo estaria
terminado -com a vitória alcançada - num tempo
relativamente curto.[498]
Poucos eram os que tinham a mínima noção sobre o
quanto a tecnologia moderna tornaria aquela guerra no
mais letal e desgastante conflito que o mundo já vira, tanto
para os soldados quanto para a população civil. Os
sobreviventes, por todo o continente, acabariam famintos,
vagando entre as ruínas e a destruição da guerra, e os
impérios tradicionais seriam despedaçados, jogados ao
esquecimento. Mas ainda muito menor era o número
daqueles que puderam avaliar o quanto um novo fenômeno
monstruoso - o totalitarismo - seria desovado durante o
caótico desfecho da guerra. Os intelectuais estavam entre
aqueles cujas ilusões seriam brutalmente esmagadas, por
todas essas catástrofes da Primeira Guerra Mundial.
◆ ◆ ◆
O PERÍODO PRÉ-GUERRA
No início do século XX, a única guerra que a maioria
dos norte-americanos tinha experimentado fora a Guerra
Hispano-Americana, durante a qual o poder esmagador dos
Estados Unidos foi suficiente para expulsar rapidamente os
espanhóis de suas colônias em Cuba, Porto Rico e nas
Filipinas. Ao olhar em retrospectiva para essa guerra,
Woodrow Wilson aprovara a anexação de Porto Rico pelo
presidente William McKinley, dizendo que os anexados "são
corno crianças e nós somos homens maduros nesses
assuntos profundos sobre governo e justiça". Wilson
desdenhava o que chamava de "lamentações e choramingo
anti-imperialista" dos críticos.[499] Assim como para
Theodore Roosevelt, mesmo antes de se tornar presidente,
ele não fora somente um apoiador da Guerra Hispano-
Americana, mas um participante significativo. De fato, foi ao
explorar, politicamente, seus feitos militares naquela
guerra, como líder de homens conhecidos pelo nome de
"cavaleiros destemidos", que Wilson se lançou pela primeira
vez como uma figura nacional.
Essa foi uma época em que o imperialismo era visto
corno missão internacional cuja atividade levaria a
democracia para outros lugares. Portanto, foi apoiado por
muitos intelectuais da era progressista.[500]O clássico da era
progressista, The Promise of American Life, escrito pelo
editor da New Republic, Herbert Croly, argumentava que,
sem a devida superintendência das democracias ocidentais,
a maioria dos dirigentes asiáticos e africanos tinha pouca
chance de tornar seus países nações democráticas
modernas. Ele dizia: "A maior parte das comunidades
asiáticas e africanas só conseguirá ter bom início político ao
se submeter à tutela preliminar; e a admissão de tamanha
responsabilidade por uma nação europeia representa uma
fase desejável para a constituição da disciplina nacional e
frequente fonte de genuíno avanço nacional".[501] Mais
genericamente: "Uma guerra movida em nome de um
excelente propósito contribui mais para a melhoria humana
do que uma mera paz artificial", segundo o próprio Croly.
[502]
A DEFLAGRAÇÃO DA GUERRA
Durante a Segunda Guerra Mundial, as nações
agressoras do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - não tinham
recursos suficientes, e tinham completa consciência disso,
para enfrentar os recursos combinados das nações
democráticas, incluindo-se a Grã-Bretanha, a França e os
Estados Unidos, durante uma corrida armamentista. A fim
de alcançarem seus objetivos, os poderes do dependiam de
(1) evitar que as democracias do ocidente mobilizassem
seus recursos a tempo de afastar derrotas devastadoras, o
que de fato as forças do Eixo infligiram de forma recorrente
durante os três primeiros anos da Segunda Guerra Mundial,
e (2) da falta de ânimo dos aliados para que continuassem a
lutar diante de uma cadeia incessante de baixas e de
retiradas tanto na Europa quanto na Ásia, até que os seus
recursos mais amplos pudessem ser finalmente mobilizados
para começar os contra-ataques.
Essa estratégia chegou perigosamente perto do
sucesso. Já era novembro de 1942, três anos depois que a
Grã-Bretanha entrara na Segunda Guerra, quando
finalmente o primeiro-ministro britânico Winston Churchill
pôde dizer, depois da batalha de El Alamein no Norte da
África: "Temos uma nova experiência. Temos a vitória".[634]
Antes disso não houvera nada além de uma constante
corrente de derrotas e de retiradas para os britânicos tanto
na Europa quanto na Ásia e poucos esperavam que a Grã-
Bretanha sobrevivesse em
1940,[635] depois que a França caiu de joelhos em
apenas seis semanas de combate, e quando a Luftwaffe
lançava uma operação de bombardeios maciços sobre
Londres e outras cidades britânicas.[636]
Os norte-americanos também tiveram sua primeira
vitória militar em 1942, com um impressionante golpe de
sorte que superou a desigual superioridade naval japonesa
na batalha de Midway.[637]
Os intelectuais tiveram um papel único na criação
daquela situação desesperadora em que tanto a Grã-
Bretanha quanto os Estados Unidos se encontravam,
batendo incessantemente o tambor do pacifismo e
impedindo esforços de defesa nacional durante o período
entre-guerras. Em outubro de 1938, um mês depois de
Munique e menos de um ano antes do início da Segunda
Guerra Mundial, o influente jornal britânico New Statesman
and Nation descrevia a política de rearmamento como "uma
forma ineficiente e custosa de subsidiar empresas que não
conseguem encontrar um emprego melhor para o capital" e
declarava que "nós não ganharemos respeito próprio ao
multiplicarmos o número de nossos aviões de guerra".[638]
Mesmo em fevereiro de 1939, alguns meses antes do início
da Segunda Guerra Mundial, o New Statesman and Nation
referia-se à "corrida armamentista internacional de Bedlam"
e questionava o dinheiro que era adquirido pelos
"fabricantes de aeronaves e de munições", os quais eram
descritos como "amigos" do "governo conservador".[639]
Hoje, sabemos que aqueles aviões e aquelas munições
foram responsáveis pela estreita margem de escape pela
qual os britânicos sobreviveram ao massacre aéreo de
Hitler, um ano mais tarde, apesar de uma visão geral, em
1940, de que a Grã-Bretanha não sobreviveria. A história
também sugere que anos de retórica sobre a "corrida
armamentista" e sobre "os mercadores da morte"
contribuíram bastante para tornar essa margem de
sobrevivência tão estreita e precária.
Os intelectuais tiveram um papel fundamental na
criação do ambiente de fraqueza militar e de irresolução
política que dominou as nações democráticas, o que fez,
para os líderes das ditaduras do Eixo, uma guerra contra
essas nações parecer vantajosa e de provável sucesso.
Além de ajudar a provocar a guerra mais devastadora da
história da humanidade, os intelectuais também impediram
a formação e a modernização das forças armadas nas
nações democráticas nos anos que antecederam a guerra,
demonizando os fabricantes de armamentos, tidos como
"mercadores da morte", uma expressão que se tornou
clássica, mas que fez as forças armadas norte-americanas e
britânicas ficarem frequentemente em desvantagem nas
batalhas,[640] até que esforços desesperados e atrasados
tanto na indústria de guerra quanto nos campos de batalha
evitaram por pouco a derrota total e mais tarde viraram o
jogo que levou finalmente à vitória.
Os custos de guerra, advindos dos movimentos e das
atitudes antimilitaristas e pacifistas apregoados pela
intelligentsia, foram assustadores tanto em vida humana
quanto em recursos materiais. Caso Hitler e seus aliados
tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial, os custos
duradouros para toda a raça humana teriam sido
incalculáveis.
Uma negligência em relação à história tem
possibilitado que nós, hoje, esqueçamos a estreita margem
pela qual as democracias ocidentais conseguiram escapar
da catástrofe total que teria sido uma vitória de Hitler e de
seus aliados. Mais importante, a negligência histórica nos
faz esquecer, em primeiro lugar, o que levou as
democracias do Ocidente a correr tanto perigo - e o
potencial de as mesmas noções e as mesmas atitudes,
promovidas pela intelligentsia de hoje, como foi feito pela
intelligentsia do mundo entre-guerras, levarem-nos aos
mesmos perigos abissais sem a mínima segurança de que
tanto a sorte quanto a fortaleza interior, que nos salvaram
da primeira vez, nos salvarão novamente.
◆ ◆ ◆
CAPÍTULO 8
OS INTELECTUAIS E A GUERRA:
REPETINDO A HISTÓRIA
ALEKSANDR SOLZHENITSYN[641]
◆ ◆ ◆
A GUERRA DO VIETNÃ
Dentre as muitas implicações da guerra no Vietnã,
temos aquela que, uma vez mais, consagrou o papel da
intelligentsia em sua capacidade de influenciar as políticas
de uma sociedade e o curso da história. Esse papel não foi o
que buscava Maquiavel, de influenciar diretamente o
pensamento, as crenças ou os objetivos dos governantes.
Nas nações democráticas modernas, a intelligentsia pode
exercer sua influência, e algumas vezes de forma decisiva,
ao criar um clima geral de opinião pública no qual se torna
politicamente impossível para os governantes fazer aquilo
que acham que é preciso ser feito.
Como já foi observado no capítulo 7, Stanley Baldwin -
e ele próprio mais tarde admitiu - não ousou relatar ao
público britânico que a Alemanha estava se rearmando em
1933, pois temia perder as eleições daquele ano, uma vez
que dizer que a Alemanha se rearmava implicaria a
necessidade de se rearmar a Grã-Bretanha, e o clima de
opinião pública da época teria rejeitado essa conclusão e
também o mensageiro que trouxesse essas notícias
indigestas. Portanto, Baldwin não ousou falar o que sabia;
[651] não apenas para salvar sua própria posição política,
R: Devotadamente.
P: Por quê?
A GUERRA FRIA
A Guerra Fria, entre os Estados Unidos e a União
Soviética, começou muito antes de os EUA entrarem na
Guerra do Vietnã e continuou durante muito tempo depois
do término dessa última. Se o reconhecimento sobre o
perigo que representava a União Soviética para as
democracias ocidentais pudesse ser datado em função de
um evento em particular, esse evento seria o discurso de
Winston Churchill, de 1946, em Fulton, Missouri, quando
destacou que o compromisso assumido durante a guerra
pelos soviéticos, de promoverem eleições livres e
viabilizarem governos independentes na Europa do Leste,
fora rejeitado, indicando uma política claramente
expansionista do governo ditatorial dos soviéticos:
◆ ◆ ◆
AS GUERRAS DO IRAQUE
Duas guerras contra o Iraque, começando
respectivamente em 1991 e em 2003 foram deflagradas sob
o espectro da Guerra do Vietnã, com previsões de outro
"atoleiro", em ambos os casos, embora, de fato, a guerra de
1991 tenha alcançado um total sucesso em expulsar os
iraquianos do Kuwait em pouco tempo, com um mínimo de
baixas de soldados norte-americanos diante de perdas
devastadoras infligidas sobre as tropas iraquianas. Tom
Wicker, do New York Times, por exemplo, previu em 1990
"uma sangrenta e mal concebida guerra contra o Iraque",
uma que traria "baixas devastadoras para as forças norte-
americanas".[735] Anthony Lewis, também do New York
Times, especulou um número em torno de "vinte mil baixas
norte-americanas".[736] Um escritor do Washington Post
noticiou um modelo matemático desenvolvido pelo Instituto
Brookings que produzia uma estimativa "otimista" de mais
de mil baixas norte-americanas na Guerra do Iraque, em
1991, e uma estimativa "pessimista" de mais de quatro mil
baixas.[737] Na realidade, 148 norte-americanos foram
mortos em combate durante a primeira Guerra do Iraque.
[738]
◆ ◆ ◆
PAUL JOHNSON[800]
◆ ◆ ◆
INCENTIVOS E RESTRIÇÕES
Quando definimos os intelectuais como pessoas
CUJOS produtos finais de seu trabalho são ideias submetidas
a um processo de validação assentado na mera aprovação
dos pares, descortinamos não apenas uma discrepância
ideológica entre eles e outras profissões igualmente
mentais, mas cujos produtos finais são palpáveis em termos
tecnológicos, médicos, científicos ou outros bens e serviços,
mas também descobrimos um diferente conjunto de
incentivos e restrições em jogo.
◆ ◆ ◆
◆ ◆ ◆
◆ ◆ ◆
RESTRIÇÕES
Diferentemente de engenheiros, de médicos ou de
cientistas, a intelligentsia não encontra nenhuma séria
restrição ou sanção baseada em verificação empírica.
Ninguém poderia ser processado por inépcia, por exemplo,
ao ter contribuído para a histeria causada em torno do
inseticida DDT e que levou a seu banimento em muitos
países por todo o mundo, mas que custou a vida de
literalmente milhões de pessoas devido ao reaparecimento
da malária. Por outro lado, médicos cujas ações tiveram
uma ligação muito mais tênue com complicações médicas
sofridas por seus pacientes tiveram que pagar milhões de
dólares em compensações por prejuízos, ilustrando, uma
vez mais, uma diferença fundamental entre as
circunstâncias profissionais da intelligentsia e as
circunstâncias das pessoas em outras profissões igualmente
exigentes do ponto de vista mental.
O fato de jornalistas não precisarem mais responder
legalmente por calúnia e por difamação, no caso de pessoas
consideradas "públicas", gerou, no entanto, consequências
sociais mais amplas, pois ao caluniar ou difamar pessoas
que detêm ou aspiram por altos cargos no governo,
prejudica-se o próprio público em geral, além de prejudicar
os indivíduos particulares. Isso acontece quando eleitores
são persuadidos a abandonar alguém que estavam, até
então, dispostos a eleger, como resultado de acusações
falsas divulgadas pela mídia, e isso pode ser tão prejudicial
quanto qualquer outra forma de fraude; ou quando
nomeados para os cargos de juízes federais, incluindo os
juízes da Suprema Corte, tiverem suas nomeações
sabotadas por causa de falsas acusações de racismo ou de
assédio sexual divulgadas pela mídia, privando a população
não apenas dos serviços desses indivíduos em particular,
mas também dos serviços posteriores de muitos outros, os
quais se recusam a prejudicar a própria reputação,
construída ao longo de toda uma vida, ao entrar num
processo de confirmação cujas acusações imprudentes e
sensacionalistas, espalhadas por toda a nação através da
mídia, tornaram-se a norma, e a prova de inocência é
praticamente impossível.
Não apenas o mundo externo, mas mesmo seus pares
profissionais impõem poucas restrições aos intelectuais
desde que estes estejam expondo a visão predominante do
intelectual ungido, especialmente para o público leigo. Nem
é da restrição fundamental - os padrões pessoais impostos
pelo próprio sujeito - que é difícil de escapar. Como
observou Jean-François Revel: "Cada um de nós deveria
perceber que cada indivíduo possui dentro de si a
capacidade formidável de construir um sistema explicativo
do mundo e, com ele, uma máquina para rejeitar todos os
fatos contrários ao sistema".[816]
Certamente, não falta aos intelectuais habilidade para
racionalizar e, afinal de contas, esse é um tipo de dom que
eles dominam melhor que a maioria das pessoas.
Considerando-se os incentivos e as restrições, ou a falta
deles, em jogo, muitas das coisas ditas e feitas pelos
membros da intelligentsia se tornam compreensíveis,
apesar de todo o prejuízo e de todo o desastre que têm
provocado nas sociedades ao seu redor.
◆ ◆ ◆
GOVERNO
Muitos dos incentivos e das restrições por trás dos
padrões dos intelectuais se aplicam a outro grupo - os
políticos -, cujas decisões como agentes do governo podem
engrandecer em muito a influência dos intelectuais. É
praticamente axiomático que, numa época em que o
governo legisla, regulamenta e financia uma gama de
atividades cada vez mais impressionantes! Não há um
indivíduo sequer com a quantidade ou a profundidade de
conhecimento significativo que possa decidir, de forma
competente, sobre uma gama tão vasta de assuntos. O
resultado final é que os políticos, assim como acontece aos
intelectuais, alcançam reconhecimento público sempre que
ultrapassam os limites de suas competências, e que eles
têm que proceder de tal forma, no mínimo, com a mesma
frequência dos intelectuais públicos, especialmente quando
muitos políticos não têm nenhuma área própria de
especialização, apenas a arte de se elegerem.
A quantidade de especialistas disponíveis para a
consulta dos agentes governamentais não é, de forma
alguma, um substituto adequado, uma vez que geralmente
existem especialistas em ambos os lados - ou muitos lados -
de cada questão. Escolher entre esses especialistas pode
também se revelar uma decisão que ultrapassa a
competência de muitos políticos. Além disso, a
especialidade real dos políticos profissionais - a de criar uma
boa impressão diante dos eleitores - pode tornar
desnecessário saber sobre o que estão realmente falando,
desde que suas palavras continuem a encontrar ressonância
nos eleitores. Na medida em que os políticos dizem e fazem
coisas em consonância com a visão predominante, eles
tendem a alcançar seu objetivo, pouco importando o quão
perto ou o quão distante da realidade esteja essa visão.
Juízes federais com cargos vitalícios se encontram
ainda menos constrangidos pela realidade. Legisladores não
possuem apenas mais funcionários à disposição do que os
juízes, a fim de colher informações, mas também recebem
feedback de peso, ou seja, feedback que não podem ignorar
ou descartar do conhecimento público sobre os efeitos reais
de suas legislações. Os juízes carecem de ambas as fontes
de informação e de correção, de forma que as ideias
provenientes dos setores da intelligentsia que absorvem
acabam tendo pouco feedback corretivo, e a importância
dos precedentes legais tornam as correções difíceis mesmo
quando existem receios, entre os próprios juízes, das
consequências sobre o que eles ou seus colegas fizeram.
Os juízes que se alinham à visão intelectual
predominante de sua época não se constrangem em
gratificá-la e tendem a ser adulados, em vez de criticados,
pelos setores da intelligentsia ligados à mídia ou às escolas
de direito, pois agem a fim de "inovar", tomando decisões
que tornam as políticas sociais consistentes com a visão do
intelectual ungido. Por outro lado, o máximo que se pode
esperar de juízes que restringem suas decisões ao círculo de
sua especialidade jurídica é que sejam ignorados. Em
muitos casos, tais juízes são atacados ao atrapalharem as
mudanças em nome do progresso, pois obstruem a visão do
intelectual ungido e não participam de sua implantação,
recusando-se a acompanhar seus colegas que a adotam.
Burocratas federais não têm a mesma permanência
dos juízes federais nem a amplitude de autoridade decisória
dos membros do Congresso, mas têm uma combinação das
duas coisas que os torna um poderoso "quarto poder do
governo". E um poder do governo que não se situa apenas
fora da estrutura de poder estabelecida pela Constituição,
mas um que com frequência combina poderes legislativos,
judiciários e executivos, os quais são tão cuidadosamente
separados pela Constituição. Embora as políticas, as
regulamentações e os gastos públicos promovidos pelas
burocracias não sejam tecnicamente legislação, têm,
contudo, quase sempre o mesmo efeito de uma legislação
sem sofrerem as restrições constitucionais que afetam o
Congresso. Expulsar um membro do Congresso requer
muito menos esforço dos cidadãos comuns do que tentar
reverter uma decisão da burocracia federal valendo-se dos
tribunais federais.
Grandes quantidades de dinheiro à disposição dos
burocratas também lhes dão grande influência sobre os
especialistas em suas áreas particulares de operação. As
escolhas arbitrárias da burocracia, as quais financiam certos
pesquisadores e acadêmicos, não apenas permitem que
eles influenciem a opinião pública em direção às políticas
favorecidas pelos burocratas, mas podem ter um efeito
assustador sobre especialistas que sabem que expressar
visões opostas àquelas dos donos do dinheiro público, seja
sobre autismo, seja sobre aquecimento global ou outros
numerosos assuntos, prejudica seu próprio acesso às
grandes quantias de dinheiro necessárias para se financiar
pesquisas de grande porte.
Uma vez que os financiamentos para pesquisa são em
geral fatores cruciais na carreira dos próprios especialistas e
de seus colegas, um silêncio discreto pode ser muito útil
sempre que um especialista se revela incapaz de acreditar
ou de defender a posição tomada pela burocracia. Um
ceticismo abertamente declarado, para não falar de uma
franca oposição, não apenas reduz as chances de obter os
fundos para pesquisa sobre aquele assunto em particular,
mas pode afetar, ao se posicionar de forma contrária aos
objetivos da burocracia, toda a instituição, que pode ser um
departamento acadêmico ou uma empresa de consultoria. O
especialista poderá então se tornar desagradável (com
todas as consequências que isso acarreta) para a instituição
e diante de seus colegas.
Resumindo, as burocracias são frequentemente
capazes de manipular as visões da intelligentsia para seus
próprios interesses, ao menos dentro das jurisdições em que
atuam, as quais estarão sujeitas a pequenas correções de
percurso por parte daqueles que sabem mais ou pela
população que sofre as consequências. Na medida em que a
mídia pensa e atua dentro da mesma estrutura de visão de
mundo, pode haver realmente poucos alertas transmitidos
para o público em geral de que existem outras visões e
outras possibilidades sobre as questões tratadas, e uma
quantidade ainda menor de postura crítica. Em vez disso, o
público provavelmente ouvirá que "existe um consenso
entre os especialistas" sobre a questão.
O governo em geral - ou seja, todos os três poderes
constitucionalmente estabelecidos, assim como o "quarto
poder", representado pela burocracia -é capaz de agir com
base em quaisquer noções ou suposições, mesmo que
infundadas, que por acaso predominem entre os setores da
intelligentsia. Podemos ter outras visões concorrentes em
potencial, mas para serem notadas elas terão que enfrentar
uma luta muito desigual. Evidências empíricas podem
abundar, as quais contrariam a visão predominante, mas
tais evidências serão tratadas como semente quando cai
em terra seca e não de forma adequada para a informação
do grande público. O moderno governo tentacular tende,
portanto, a engrandecer a influência da intelligentsia na
medida em que o governo é uma instituição de tomada de
decisão sob o controle de legisladores, de juízes, de
executivos e de burocratas, em que ninguém é constrangido
a permanecer dentro da área de sua própria competência
ao tomar decisões.
◆ ◆ ◆
COESÃO SOCIAL
Uma das coisas que os intelectuais fazem há muito
tempo é afrouxar os laços que sustentam uma sociedade.
Eles buscam remodelar os grupos nos quais as pessoas
tradicionalmente se arranjam, transformando-os em
agrupamentos criados e impostos pela própria intelligentsia.
Laços familiares, religião e patriotismo, por exemplo, têm
sido tratados pela intelligentsia como elementos suspeitos
ou prejudiciais, e os novos laços que os intelectuais criaram,
como classe - e mais recentemente "gênero" -, são
projetados como mais reais ou mais importantes.
A suposta solidariedade entre a classe trabalhadora fazia
parte das noções que ganharam prestígio entre os
intelectuais da esquerda. A Primeira Guerra Mundial foi um
choque para tais intelectuais, os quais tinham decidido, por
conta própria, que as classes operárias não entrariam na
guerra entre si, mesmo integrando nacionalidades
diferentes, presumivelmente porque os intelectuais
acreditavam que a nação era algo de menor valor que a
classe. Como se deu em outros casos, todavia, esses
intelectuais não se importaram em investigar se as próprias
classes trabalhadoras compartilhavam dessa visão.
Resumindo, a primazia da classe sobre a nação, como
tantas outras coisas na visão do intelectual ungido, não foi
uma hipótese a ser testada, mas um axioma proclamado.
Vimos no capítulo 7 algumas formas pelas quais os
intelectuais de destaque, nas democracias ocidentais,
abalaram a própria segurança nacional de seus países entre
as duas Guerras Mundiais. Antes que possa haver uma
defesa nacional, no sentido militar do termo, é preciso que
haja algum sentimento sobre a necessidade de se defender
a nação num sentido social, cultural ou outro qualquer. A
maior parte dos intelectuais modernos raramente contribui
para a manutenção desse sentido. Alguns chegaram até
mesmo a fazer afirmações como a de George Kennan:
◆ ◆ ◆
A LOCALIZAÇÃO DO MAL
Muitos entre a intelligentsia se consideram agentes
de "mudança", um termo muito usado de forma leviana,
como se as coisas estivessem tão ruins que a mera e
genérica "mudança" pudesse ser tomada como uma
mudança para melhor. A história das mudanças que
revelaram ser para pior mesmo em países em que as coisas
já estavam bem ruins - a Rússia czarista ou a Cuba sob o
regime de Batista, por exemplo -, recebe uma extraordinária
falta de atenção. Mas para que uma agenda de mudança
social benéfica e compreensível funcione e pareça plausível,
deve haver implicitamente a identificação do mal em
alguma classe, instituição ou grupo de representantes, uma
vez que pecados e deficiências universalmente presentes
nos seres humanos deixariam pouco lugar para se esperar
algo dramaticamente melhor numa sociedade reorganizada,
de forma que mesmo uma revolução seria vista como o
trabalho de reorganizar as cadeiras no deque do Titanic.
Reformas paulatinas que evoluem a partir das
experiências de tentativa e erro podem, ao longo do tempo,
implicar uma profunda mudança da sociedade, mas isso é
algo muito distinto do tipo de mudanças drásticas e
artificialmente impostas a fim de castigar o malvado e
exaltar o ungido, reforçando a visão ressentida e dramática
dos intelectuais. Essa visão exige a existência de vilões,
sejam indivíduos, grupos ou toda uma sociedade tida como
infectada por ideias erradas, mas que podem ser corrigidas
por aqueles que se apresentam como portadores das ideias
corretas. Esses vilões não podem estar muito longe ou
esquecidos para que recebam as devidas condenações dos
membros da intelligentsia. Vilões domésticos são alvos
muito mais acessíveis e vulneráveis, tendo maiores chances
de sucesso perante o público incitado pela visão da
intelligentsia.
O que deve ser atacado é a "nossa sociedade", para
que se submeta à "mudança" particular favorecida pela elite
intelectual. Os pecados da sociedade, no passado e no
presente, devem ser o foco dos ataques. Por exemplo, um
estudo sobre a pobreza global destacou o contraste entre as
perspectivas imensamente desiguais entre uma criança
negra nascida na zona rural da África do Sul e uma criança
branca nascida no mesmo dia na Cidade do Cabo,
chamando essas diferenças de "o legado das oportunidades
desiguais do regime apartheid".[824] Não resta dúvida de
que o regime apartheid foi nefasto ou que a invasão e a
conquista da África do Sul pelos brancos, cuja subjugação
das populações africanas nativas permitiu que o regime
apartheid fosse imposto, foram uma coisa maligna. Não
existe qualquer ambiguidade moral. Contudo, a conexão
causal com o estado de pobreza e de desigualdade presente
não fica clara.
Por acaso havia uma pobreza menor naquelas partes
da África subsaariana quando eram governadas pelos
negros? Mesmo durante os piores dias do regime apartheid
havia um grande fluxo migratório de outras populações
africanas enz direção à África do Sul, onde a pobreza era
menor do que em outras partes da África subsaariana
governadas por negros. Era menor o contraste entre a
pobreza dos negros da África do Sul e os brancos que
vieram conquistá-los antes da invasão, quando ambas as
populações de negros e de brancos viviam cada uma em
sua própria terra natal? A história nos mostra que a resposta
para ambas as perguntas deve ser "não". Esses drásticos
contrastes econômicos estão restritos à África e são
incomuns em escala global? Esses contrastes são peculiares
a grupos raciais particulares? A resposta a ambas as
perguntas também é "não". O mesmo autor destacou em
seu livro - na verdade, na página anterior - a gigantesca
diferença entre as rendas ao se comparar as populações dos
vários países africanos, um contraste muito maior do que o
que existe, por exemplo, nos Estados Unidos,[825] embora as
implicações não tenham sido trabalhadas aparentemente de
uma página para a seguinte.
Outro acadêmico destacou como uma pessoa poderia
traçar uma linha sobre o mapa da Europa e descobrir que
um bebê nascido no Leste Europeu teria perspectivas muito
menores do que um bebê nascido a oeste da linha.[826] Esse
contraste tinha séculos de duração e persistiu por toda
sorte de mudanças nos regimes de ambos os lados da linha.
Os males sociais não eram desconhecidos em ambos os
lados da linha, mas sair da condenação moral para a
explicação causal é tão válido na Europa quanto deveria ser
para a África ou para outros lugares.
A escravidão tem sido um mal difundido por todo o
mundo por milhares de anos, mas ao se confundir moral
com causa - buscando a localização do mal -, tivemos uma
completa inversão sobre a compreensão da história da
escravidão que se abateu por todo nosso sistema
educacional, assim como pela mídia e pela intelligentsia em
geral. Dessa forma, a escravidão foi retratada como se fosse
uma peculiaridade dos povos brancos cohtra os negros nos
Estados Unidos ou nas sociedades ocidentais. Ninguém
sonha em exigir reparações dos africanos do Norte por
todos os europeus que eles escravizaram, apanhados pelos
sarracenos, mesmo sabendo-se que esses escravos
europeus ultrapassaram largamente em número os
escravos africanos trazidos para os Estados Unidos e para
as treze colônias nas quais a nação foi formada.[827]
Uma vez que o Ocidente não está imune aos males,
aos erros e às deficiências da raça humana por todo o
mundo, a intelligentsia foi capaz de documentar esses
defeitos de uma forma que os faz parecer peculiares à
"nossa sociedade". No caso da escravidão, o que foi peculiar
em relação ao Ocidente foi o fato de que ela foi a primeira
civilização a se virar contra essa prática, um movimento
que começou no século XVIII e culminou com a abolição da
escravidão em todo o mundo durante o século XIX, não
apenas dentro das sociedades ocidentais, mas também se
estendendo às sociedades sujeitas de alguma forma ao seu
controle e à sua ameaça. No entanto, não há praticamente
qualquer interesse, dentre os membros da intelligentsia de
nossos dias, em saber como um fenômeno universal como a
escravidão foi eliminado depois de milhares de anos de
prática, pois ele não morreu simplesmente por conta
própria, mas foi suprimido à força pelo Ocidente por meio
de campanhas que tomaram o mundo e que duraram mais
de um século, enfrentando quase sempre a dura oposição
de africanos, de asiáticos e de outras culturas que queriam
a manutenção da escravidão. Contudo, a verdadeira história
não passa pelos filtros ideológicos e é raramente revelada.
O que é destacado é que havia escravidão no
Ocidente, como se isso fosse uma prática peculiar ao
Ocidente. O que também é destacado é que os povos
negros foram escravizados pelos brancos no Ocidente. Mas
mesmo no Ocidente pessoas brancas eram escravizadas por
outras pessoas brancas, por séculos, antes que o primeiro
africano fosse trazido acorrentado para o hemisfério
Ocidental. O próprio fato de esses africanos serem
chamados de "escravos" refletia o fato de haver um grupo
de homens brancos que fora escravizado por séculos - os
eslavos -, na medida em que a palavra para escravo deriva
do termo eslavo não apenas em inglês, mas o mesmo vale
para outras línguas europeias e para o árabe.[828] O
respeitado historiador Daniel Boorstin destacou: "Agora,
pela primeira vez na história do Ocidente, o status de
escravo coincidia com uma diferença de raça".[829]
Durante a maior parte de sua história os europeus
escravizaram outros europeus, os africanos escravizaram
outros africanos e os asiáticos escravizaram outros
asiáticos. Na medida em que a escravização em massa de
europeus se tornou uma opção menos viável, uma parcela
da maciça quantidade de africanos que eram escravizados
por outros africanos passou a ser transferida aos europeus.
O racismo nasceu dessa situação, mas não explica a
escravidão, a qual o precedeu por séculos. No entanto, a
impressão transmitida por muitos entre a intelligentsia é de
que o racismo explica o motivo pelo qual os brancos
escravizaram os negros. É uma impressão que se alinha
intimamente com a visão predominante, que a explora ao
máximo - deixando o resto da história sobre a escravidão
mundo afora de lado, o que faz com que a visão
predominante pareça plausível.
O imperialismo tem sido abordado da mesma forma
pela maior parte dos membros da intelligentsia, como um
mal que está restrito à "nossa sociedade". Mas é impossível
ler sobre a história do mundo, antiga ou moderna, sem se
deparar com o rastro sangrento de conquistadores e os
sofrimentos que infligiram sobre as populações
conquistadas. Como a escravidão, o imperialismo abarca
todos os povos da raça humana como conquistadores e
conquistados. Foi um mal que nunca foi, de fato, isolado,
apesar de todo o esforço, por parte dos intelectuais, em
retratarem alguns povos como nobres vítimas - mesmo às
vésperas de essas alegadas vítimas assumirem o papel de
algozes quando tiveram a chance, como muitos povos
fizeram depois que o direito de "autodeterminação" dos
povos de Woodrow Wilson levou as minorias oprimidas dos
desmembrados impérios Otomano e Habsburgo a
adquirirem suas próprias nações, nas quais uma das
primeiras preocupações foi com a opressão de outras
minorias, que passaram a viver sob o jugo de novos
senhores.
No entanto, a história das conquistas é hoje contada
de forma desproporcionalmente desfavorável aos europeus,
vistos como brutais conquistadores a submeter inocentes
povos nativos, esses últimos retratados com frequência
como "vivendo em harmonia com a natureza" ou alguma
outra versão do que Jean-François Revel denominou
acertadamente de "lírica da mitologia do Terceiro Mundo".
[830] Essa localização do mal é tornada plausível pelo fato de
◆ ◆ ◆
A PROPAGAÇÃO DA VISÃO
Uma pesquisa sobre todas as outras questões nas
quais a mesma distorção foi feita pelos intelectuais, seja na
história, seja em relação aos eventos contemporâneos,
preencheria volumes. O que é mais importante, essas coisas
entulham o material de estudo de nossas escolas e de
nossas faculdades.
A ideologia dominante do principal sindicato de
professores dos Estados Unidos - a NEA - é muito parecida
com a ideologia dos sindicatos dos professores franceses
que passaram muitos anos sabotando os esforços de defesa
nacional por toda uma geração de estudantes franceses,
igualando coragem com belicosidade e transformando a
história dos heróis que salvaram o país dos invasores da
Primeira Guerra Mundial numa história em que todos, de
ambos os lados, foram meras vítimas, nivelando assim as
tropas inimigas que buscaram devastar e subjugar a nação.
Imperfeições ou ineficiências raramente destroem
uma nação. Mas a desintegração de seus laços sociais e a
desmoralização da confiança e da aliança de seu povo
podem, no entanto, ocasionar sua destruição. Os
intelectuais contribuem em grande parte para ambos os
processos. Ao colocarem grupo contra grupo e ao verem
arbitrariamente inumeráveis situações sob o prisma de
"raça, classe e gênero", estabelecendo padrões
inalcançáveis de "justiça social" e impondo objetivos de
reparação histórica, os intelectuais garantem a criação de
uma situação interminável de conflito interno, prefigurando
o desmantelamento de qualquer sociedade, a qual é
sequestrada por uma intelligentsia e sua cruzada,
submetendo um público que aceita, passivo, a visão que os
intelectuais têm da sociedade e de si mesmos. Enquanto
pressuposições apressadas forem aceitas como
conhecimento e a pura retórica for considerada idealismo,
os intelectuais continuarão a triunfar em se projetarem
como vanguardistas de uma "mudança" genérica - de cujas
consequências eles continuarão a não prestar contas.
A intelligentsia alterou as grandes realizações e as
recompensas de alguns membros da sociedade, as quais
funcionavam como inspiração para muitas pessoas,
transformando tais ganhos em fonte de ressentimento e de
ofensas para com terceiros.
A intelligentsia desconsidera e ignora as coisas que
tornam os norte-americanos uma liderança no mundo -
incluindo a filantropia, a tecnologia e a criação de remédios
que salvam vidas -, tratando os erros, os defeitos e as
deficiências que os norte-americanos compartilham com os
seres humanos por todo o mundo como defeitos especiais
de "nossa sociedade ".
Ela encoraja as pessoas que com nada contribuem
para o mundo a reclamarem e organizarem protestos
porque os outros não estão fazendo o suficiente por elas.
Justifica a prática do crime por aqueles que preferem
se ver como azarados lutando contra um "sistema"
opressivo, mesmo quando eles são universitários
provenientes de famílias abastadas.
A intelligentsia transformou, tanto nos Estados Unidos
quanto na França, verdadeiros heróis militares que
colocaram e colocam a própria vida em risco por seu país
em vítimas de guerra, pessoas pelas quais alguém pode
sentir pena, mas que não inspiram ninguém.
Nas escolas e nas faculdades a intelligentsia alterou o
papel da educação, que é de equipar os alunos com o
conhecimento e as habilidades intelectuais para que
possam avaliar as questões e alcançarem independência
mental, transformando a educação em processo de
doutrinação, com as conclusões já fornecidas pelo
intelectual ungido.
Eles colocaram pessoas cujos trabalhos criam bens e
serviços que mantêm um crescente padrão de vida para
todos no mesmo plano das pessoas que se recusam a
trabalhar, mas são retratadas, não obstante, como
autorizadas a receber a sua "devida parte" do que outros
criaram - e essa autorização é dada sem nem sequer
considerar se eles preservam a decência nas ruas ou nos
parques.
A intelligentsia tem tratado as conclusões de sua
visão como axiomas a serem seguidos, em vez de hipóteses
a serem testadas.
Alguns membros da intelligentsia tratam a própria
realidade como subjetiva ou ilusória, colocando, portanto,
os modismos e as tendências intelectuais atuais no mesmo
plano dos conhecimentos comprovados e da sabedoria
cultural destilada pela experiência de gerações.
Os intelectuais dão às pessoas que já têm a
desvantagem da pobreza outra desvantagem adicional: a de
que são vítimas.
Eles agem como se fossem sujeitos ungidos,
detentores do privilégio exclusivo de decidir quais
segmentos da sociedade devem ser favorecidos, quais
seriam as pessoas autorizadas a realizar associações e
quais não estariam autorizadas, quais pequenos riscos as
pessoas estariam proibidas de contrair e a quais riscos bem
maiores estão liberadas.
Eles romantizaram culturas que deixaram seus povos
atolados na pobreza, na violência, na doença e no caos, ao
mesmo tempo que vilipendiam culturas que trouxeram
prosperidade, avanços médicos, lei e ordem ao mundo. Ao
fazer isso, eles frequentemente desconsideram ou filtram o
fato de que multidões de pessoas fugiam das sociedades
romantizadas pelos intelectuais, indo viver nas sociedades
que eles condenavam.
A intelligentsia é muito hábil em encontrar todo tipo
de desculpas para o comportamento criminoso, ao mesmo
tempo que é igualmente apta para imputar má conduta à
polícia, mesmo quando discutindo questões sobre as quais
não têm qualquer conhecimento técnico nem experiência,
como acontece com o problema das trocas de tiro.
Eles encorajam os pobres a acreditarem que sua
pobreza é culpa dos ricos, uma mensagem que pode
representar um incômodo passageiro para o rico, mas que
se torna desvantagem duradoura para o pobre, que pode,
com isso, não ver a necessidade de fazer mudanças
fundamentais em sua própria vida, as quais poderiam
melhorar sua condição socioeconômica, em vez de focar
seus esforços para prejudicar os outros.
Os membros da intelligentsia têm agido como se sua
ignorância sobre o motivo pelo qual algumas pessoas têm
rendas muito altas fosse razão para se acreditar que esses
rendimentos sejam suspeitos ou tidos como inaceitáveis.
A absoluta falta de senso crítico de muitos intelectuais
é vastamente verificável, mostrando-nos os contrastes, de
maneira grotesca, entre as noções que defendem e as
realidades do mundo que os cerca. Por exemplo, em 1932
muitos intelectuais norte-americanos de destaque se
pronunciaram publicamente para que as pessoas votassem
no partido comunista dos Estados Unidos, e muitos outros
notórios intelectuais, nas democracias ocidentais em geral,
mantiveram, durante toda a década de 1930, a ideia de que
o modelo da União Soviética representava uma opção
melhor diante do capitalismo dos Estados Unidos, numa
época em que as pessoas estavam de fato morrendo de
fome aos milhões na União Soviética e muitas outras eram
enviadas aos campos de trabalho forçado.
A noção de que uma política de desarmamento e de
concessões seria a única forma de evitar a guerra
sobreviveu à realidade de que foram precisamente esses
tipos de políticas que levaram à deflagração da guerra mais
catastrófica de todos os tempos. As mesmas políticas foram
restabelecidas pela intelligentsia durante a primeira
geração nascida depois daquela guerra e proclamadas com
igual zelo, senso superior de justiça e demonização de todos
os que ousassem pensar que uma abordagem diferente
representaria melhores chances de preservar a paz.
Também não houve muita reconsideração quando políticas
exatamente opostas levaram ao fim da Guerra Fria.
Os intelectuais buscam - em questões que
compreendem um espectro que abrange desde políticas
habitacionais até a legislação que regulamenta o
transplante de órgãos - apropriar-se das decisões que
deveriam ser tomadas pelas pessoas diretamente
envolvidas, as quais têm conhecimento e correm riscos
pessoais concretos, transferindo-as para terceiros que não
têm essas duas características e não pagarão preço algum
por seus erros.
Eles têm praticado a filtragem de informação na
mídia, nas escolas e nas universidades, deixando de lado
tudo que ameaça sua visão de mundo.
Acima de tudo, eles se exaltam e denigrem a
sociedade na qual vivem, jogando seus membros uns contra
os outros.
◆ ◆ ◆
RESUMO E IMPLICAÇÕES
As características dos intelectuais e os papéis que
buscam desempenhar se misturam. Isso se aplica tanto aos
próprios intelectuais - as pessoas cuja ocupação é a
produção de ideias como produto final - quanto à
intelligentsia como um todo, incluindo a grande zona
cinzenta formada por aqueles cuj as visões refletem as
visões dos intelectuais.
A revelação preferida da intelligentsia - seja o tema
específico ligado à criminalidade, seja à economia ou a
outras coisas - não é somente se mostrar conspicuamente
diferente da sociedade em geral, mas também, e quase
axiomaticamente, superior à sociedade tanto intelectual
quanto moralmente ou ambas as coisas. Sua visão de
mundo não é apenas uma visão de transformação do
mundo, mas é sobretudo a visão que eles têm de si
mesmos, pois se fazem em vanguarda autoungida,
conduzindo os outros para um mundo melhor.
Aqueles cujas ideias específicas ou visão geral são
diferentes -os ignorantes - são geralmente tratados como
elementos desprezíveis, meros obstáculos ao progresso,
incômodos que podem ser desconsiderados, contornados ou
desacreditados, em vez de ser tratados como pessoas que
participam do mesmo plano moral e intelectual, cujos
argumentos podem ser avaliados factual e racionalmente. O
uso disseminado e casual de frases como "ele simplesmente
não entende" revela uma preferência para se evitar um
confronto em termos iguais, o que significaria abrir mão de
uma parte da visão do intelectual ungido. Códigos de
discurso nas faculdades, repletos de critérios subjetivos e
geralmente provisões "reeducadoras" para aqueles que
expressam opiniões ignorantes, enfatizam a mesma
preferência nas instituições acadêmicas onde os intelectuais
têm o máximo controle direto.
Talvez o mais importante de tudo, a visão do
intelectual ungido representa um imenso investimento do
ego em um conjunto particular de opiniões e, portanto, um
grande obstáculo para uma eventual reconsideração dessas
opiniões sob a luz da evidência e da experiência. Ninguém
gosta de admitir que esteve errado, mas poucos são
aqueles que se comprometeram tão completamente com
um conjunto de crenças, como é o caso do intelectual
ungido, e que têm tão poucos incentivos para reconsiderar
as questões adotadas. Por exemplo, a brutalidade com que
o intelectual ungido ataca seus adversários e a virulência
com que eles se prendem às suas crenças, em desafio à
crescente evidência contra as "causas de base" da
criminalidade e outras teorias sociais, são claras evidências
sobre esse grande investimento pessoal em um conjunto de
opiniões sociais e políticas.
Os intelectuais não têm o monopólio do dogmatismo e
do ego ou do poder em racionalizar. Mas as restrições
institucionais que se colocam diante das pessoas nos
campos dos negócios, da ciência, dos esportes, dentre
muitas outras áreas, confrontam-nas com altos e
geralmente ruinosos custos em se persistir em ideias que
não funcionam na prática.[831]
De forma semelhante, a história de crenças
predominantes entre cientistas que se viram obrigados a
abandoná-las diante de evidências contrárias tem um papel
central em toda a história da ciência. No mundo dos
esportes, seja profissional ou colegial, nenhuma teoria ou
crença pode sobreviver a derrotas incessantes e nem
sobreviverá a elas qualquer diretor de clube ou treinador.
Tais restrições inescapáveis não fazem parte do
repertório das pessoas cujos produtos são ideias que
encontram apenas a validação de seus pares ideológicos.
Isso vale especialmente para os intelectuais acadêmicos, os
quais controlam suas próprias instituições e selecionam
seus colegas e seus sucessores. Nenhum professor que
goza de estabilidade profissional pode ser demitido porque
votou na implantação de políticas para o campus
universitário, que se verificaram econômica ou
educacionalmente desastrosas para sua faculdade ou para
toda a universidade, ou defendeu políticas que se tornaram
catastróficas para a sociedade como um todo.
Essa falta de prestação de contas para com o mundo
real não é fruto do acaso, mas compreende um princípio
profundamente enraizado cujo santuário recebe o nome de
"liberdade acadêmica". Da falta de prestação de contas
para o comportamento irresponsável é preciso apenas um
pequeno passo. Outros membros da intelligentsia, incluindo
tanto a mídia de noticiário quanto a mídia do
entretenimento, da mesma forma também dispõem de uma
ampla latitude em relação à validação do que dizem, tendo
como sua principal restrição a capacidade de atrair público
e audiência, seja com verdades ou falsificações, seja
produzindo efeitos construtivos ou destrutivos sobre a
sociedade como um todo.
De forma semelhante ao que acontece quando as
tartarugas recém-nascidas se dirigem instintivamente para
o mar, aquelas pessoas cujos produtos finais são ideias
tendem a gravitar em torno de instituições onde suas ideias
ficarão menos sujeitas aos perigos do descrédito factual.
Somando-se às instituições acadêmicas e à mídia, a
intelligentsia tende a gravitar em direção às organizações
não lucrativas em geral e a fundações em particular. O
dinheiro necessário para sustentar essas fundações
depende, em primeiro lugar; de discursos convincentes - um
dos talentos fundamentais da intelligentsia - que permitem
que as doações continuem a afluir, seja por meio de
alarmes sobre iminentes desastres, seja por meio de
promessas de "soluções" sociais.
Fundações com fundos próprios não precisam sequer
da modesta obrigatoriedade de atrair doações para sua
sobrevivência, de forma que podem perseguir a visão dos
que comandam essas fundações, sem precisar se preocupar
com mais nada além de influenciar o público da forma que
mais agrade seus agentes e a fim de conquistar a
aprovação de seus pares.
Esses lugares nos quais os intelectuais gravitam com
grande frequência tendem a ser locais onde o puro intelecto
faz toda diferença e onde a sabedoria não se faz necessária,
uma vez que são poucas as consequências a serem
enfrentadas ou os preços a serem pagos toda vez que ideias
promissoras se tornam verdadeiros desastres para a
sociedade em geral.
Embora sejam poucas as restrições que limitam o
trabalho da intelligentsia, o papel que aspiram
desempenhar na sociedade em geral só pode ser
conquistado por seus membros na medida em que o
restante da sociedade aceite passivamente o que a
intelligentsia diz, fracassando na avaliação de seu histórico.
Apesar das formidáveis armas que a intelligentsia tem à
disposição em suas cruzadas para a conquista da
hegemonia cultural, moral e ideológica, seus membros nem
sempre conseguem neutralizar as forças contrárias dos
fatos, da experiência e do senso comum. Isso é
especialmente verdadeiro no caso dos Estados Unidos, onde
os intelectuais nunca receberam o mesmo tipo de
deferência que há tanto tempo recebem na Europa, assim
como em outras partes do mundo. No entanto, mesmo entre
os norte-americanos, a constante intrusão de políticas, de
práticas e de leis baseadas nas noções e nas ideologias
predominantes entre a intelligentsia tem estreitado sem
cessar o campo de liberdades tradicionalmente gozadas
pelas pessoas comuns na condução da própria vida, e
criado muito menos espaço para que as pessoas tenham
voz nas políticas de governo.
O desprezo que os intelectuais têm pela realidade
objetiva e por seus critérios estende-se para além dos
fenômenos sociais, científicos e econômicos, abarcando os
campos das artes, da música e da filosofia. A única
consistência que permeia todas essas atividades díspares é
a autoexaltação dos próprios intelectuais. Diferentemente
das grandes realizações culturais do passado, como
magníficas catedrais construídas para inspirar tanto os reis
quanto os camponeses, a marca registrada das
autoconscientes arte e música "modernas" é seu caráter
inacessível ao grande público, e geralmente até certa
hostilidade deliberada ou mesmo uma ridicularização do
público.
Assim como um corpo orgânico pode continuar a
viver, apesar de abrigar certa quantidade de micro-
organismos cuja predominância o destruiria, da mesma
forma uma sociedade pode sobreviver a certa quantidade
de forças de desintegração que a compõem. Porém, isso é
muito diferente de dizer que não existem limites para a
quantidade, a audácia e a ferocidade com que essas forças
de desintegração agem sobre uma sociedade para que ela
continue a sobreviver sem ao menos ter a vontade de
resistir.
◆ ◆ ◆
FICHA CATALOGRÁFICA
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
(CIP)
2. Intelectuais
p. 315.
[5] Para aquele pequeno número de pessoas cuja riqueza permite que
1968, p. xi.
[12] Os resultados do estudo do governo sobre a segurança do Corvair
People Fall for Stupid Ideas. Nova York, Crown Forum, 2004, p. 4.
[14] Bertrand Russel, Which Way to Peace? Londres, Michael Joseph, Ltd.,
1937, p. 146.
[15] League of Professional Groups for Foster and Ford, Culture and the
17.
[17] "G. B. Shaw 'Praises' Hitler". New York Times, 22/03/1935, p. 21.
[18] Carta ao The Times de Londres, 28/08/1939, p. 11.
[19] George J. Stigler, Memoirs of an Unregulated Economist. Nova York,
Economy. 3. ed. Nova York, Basic Books, 2007, p. 275-81, para uma
discussão sobre a alocação de recursos no tempo, e p. 20-23 e 2 8-29
para uma discussão sobre a alocação de recursos em determinado
momento.
[30] Ver, por exemplo, ibidem, p. 275.
[31] Randal O'Toole, The Best-Laid Plans: How Government Planning
Congratulation as a Basis for Social Policy. Nova York, Basic Books, 1995,
cap. 2.
[34] Sidney E. Zion, "Attack on Court Heard by Warren". New York Times
10/09/1965, p. 1ss.
[35] U. S. Bureau of Census, Historical Statistics of the United States:
in Peace & War. Ed. Robert Rhodes. Nova York, Chelsea House, 1980, p.
552.
[44] Ibidem, p. 642-43.
[45] Um economista estimou que o custo de reconstrução de Nova
A14.
[49] Evan Thomas e Daniel Gross, "Taxing the Super Rich". Newsweek,
23/07/2007, p. 38.
[50] Eugene Robinson, "Tattered Dream; Who'll Tackle the Issue of
Scribner,1997, p. 10.
[53] Ver, por exemplo, David Wessel, "As Rich-Poor Gap Widens in the
Poverty, and Health Insurance Coverage in the United States: 2005". In:
Current Population Reports, P60-231, Washington, U.S. Bureau of the
Census, 2006, p. 4.
[62] Ver, por exemplo, "The Rich Get Richer, and So Do the Old".
p. 1A ss.
[72] Jeffrey S. Gurock, Whett Harlem Was Jewish: 1870-1930. Nova York,
Causes of the Wealth of Nations. Nova York, Modern Library, 1937, p. 98,
128, 249-50, 460, 537. Quando lecionava, prometi dar um dez para o
aluno que pudesse encontrar uma única caracterização positiva de
homens de negócios no livro de novecentas páginas de Adam Smith.
Ninguém conseguiu.
[93] Ibidem, p. 423.
[94] Meus rascunhos sobre esses argumentos podem ser encontrados
Possibilities for Economic Change. Nova York, Basic Books, 2001, p. 203.
[103] Beniamino Moro, "The Economists 'Manifesto' On Unemployment in
1969, p. 92.
[113] Idem, "The Role and Functions of the Trade Unions Under the New
360.
[116] Ibidem, p. 10-11.
[117] Loc. cit.
[118] John Maynard Keynes, The General Theory of Employment Interest
and Money. Nova York, Harcourt, Brace and Company, 1936, p. 19.
[119] Woodrow Wilson, Woodrow Wilson: Essential Writings and
Speeches of the Scholar-President. Ed. Mario R. DiNunzio. Nova York,
New York University Press, 2006, p. 342.
[120] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher: John Dewey and the
Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p.
31.
[121] John Kenneth Galbraith, American Capitalism: The Concept of
p. A34
[144] Mary McGrory, "Fiddling While Wall St. Burns". Washington Post,
29/10/1987, p. A2.
[145] “What the US Can Do". Financial Times (Londres), 28/10/1987, p.
24.
[146] Roger C. "If Reagan Were F.D.R". New York Times, 20/11/1987, p.
A39.
[147] "The Turning Point". The Economist, 22/09/2007, p. 35.
[148]Jim Powell, FDR 's Folly, p. xv-xvi.
[149] Walter Lippmann, Public Opinion. Nova York, The Free Press, 1965,
p. 80.
[150] Paul Johnson, Enemies of Society. Nova York, Atheneum, 1977, p.
145.
[151] Joseph A. Schumpeter, History• of Economic Analysis. Nova York,
2007.
[158] Ibidem, p. 9-17, 166-67, 198-99.
[159] Ibidem, p. 147-53.
[160] Ver, por exemplo, William Godwin, Enquiry Concerning Political
Peace, p. 212.
[162] Will e Ariel Durant, The Lessons of History. Nova York, Simon and
A3 1.
[170] Richard A. Epstein, Overdose, p. 15.
[171] Joseph Epstein, "True Virtue". New York Times Magazine,
24/11/1985, p. 95.
[172] Thomas Robert Malthus, Population: The First Essay. Ann Arbor,
in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House,
1980, p. 866.
[177] Ver meu A Conflict of Visions, 2. ed., p. 58-60, 256-60.
[178] Andrew Hacker, Two Nations: Black and White, Separate, Hostile,
16/05/1928, p. 370.
[182] Loc. cit.
[183] John Dewey, "If War Were Outlawed". New Republic, 25/04/1923, p.
234
[184] Ibidem, p. 235
[185] J. B. Priestley, "The Public and the Idea of Peace". In: Challenge to
Death. Ed. Storm Jameson. Nova York, E. P. Dutton & Co., Inc., 1935, p.
313.
[186] Ibidem, p. 309.
[187] Ver, por exemplo, William Godwin. Enquiry Concerning Political
Justice, v. 1, p. 456-57.
[188] T. S. Eliot, "The Cocktail Party". In: The Complete Poems and Plays.
Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. Nova York, The Free
Press, 1993.
[200] Lewis A. Coser, Men of Ideas: A Sociologist's View. Nova York, The
Capitalism, p. 456.
[208] Edmund Wilson, Letters on Literature and Politics 1912-1972. Ed.
Elena Wilson. Nova York, Farrar, Straus and Giroux, 1977, p. 36. Nem foi
devido ao racismo dos brancos do sul, pois Wilson fez referência ao
quanto Chattanooga lhe desagradava por causa "dos seus pretos e dos
moinhos" (Ibidem, p. 217, 220). Anos mais tarde, ao ver a pobreza da
Itália no final da Segunda Guerra Mundial, Wilson disse: "Essa não é a
forma como os brancos deveriam viver" (lbidem, p. 423 ).
[209] Citado em Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 38.
[210] As batalhas de rua entre nazistas e comunistas na Alemanha da
735-37, 754-55.
[212] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 28-29.
[213] Ibidem, p. 21. Um ano mais tarde, depois da ascensão de Hitler ao
People Fall for Stupid ldeas. Nova York, Crown Forum, 2004, p. 173.
[219] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 140
[220] Ibidem, p. 122-23, 146-48.
[221] John Dewey, Liberalism and Social Action. Amherst (NY),
Prometheus Books, 2000, p. 13.
[222] Edmund Burke, "A Letter to the Right Hon. Henry Dundas, One of
Closing the Racial Gap in Learning. Nova York, Simon & Schuster, 2003,
p. 43- 50; Thomas Sowell, "Patterns of Black Excellence". The Public
Interest, primavera de 1976, p. 26-58.
[228] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice, v. 1, p. 107.
[229] Ibidem, p. 47.
[230] William Godwin, The Enquirer: Reflections on Education, Manners,
the Age of Information. Trad. Curtis Cate. Nova York, Random House,
1991, p. 34.
[242] J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis. Nova York, Oxford
25/11/1932, p. 1.
[252] S. J. Taylor, Stalin's Apologist: Walter Duranty, The New York
and the Terror-Famine. Nova York, Oxford University Press, 1986, p. 303.
[256] Ver, por exemplo, Michael Ellman, "A Note on the Number of 1933
Famine Victims". Soviet Studies, v. 43, n. 2, 1991, p. 379; R. W. Davies e
Stephen G. Wheatcroft, The Years of Hunger: Soviet Agriculture, 1931-
1933. Nova York, Palgrave Macmillan, 2004, p. 415; Steve Smith,
"Comment on Kershaw". Contemporary European History, fev. 2005, p.
130; James E. Mace, "The Politics of Famine: American Government and
Press Response to the Ukrainian Famine, 1932-1933". Holocaust and
Genocide Studies, v. 3, n. 1, 1988, p. 77; Hiroaki Kuromiya, Stalin.
Harlow, England, Pearson Education Limited, 2005, p. 103-04. Até
mesmo as publicações soviéticas divulgaram relatórios sobre a situação
no país como um todo, constatando que "o número de vítimas que
pereceram de fome e por causa do terror durante a década de 1930 e
durante a guerra, de acordo com demógrafos soviéticos que não
estavam mais sob censura, excedia em muito as avaliações mais
severas da historiografia anticomunista". Jean-François Revel, op. cit., p.
208.
[257] S. J. Taylor, Stalin 's Apologist, p. 206.
[258] James E. Mace, "The Politics of Famine: American Government and
Shape of the River". UCLA Law Review, v. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.589.
[261] Gail Heriot, "Affirmative Action Backfires". Wall Street Journal,
24/08/2007, p. A15; "Race Data for Bar Admissions Research Stays
Under Wraps". California Bar Journal, dez. 2007, p. 1 ss.
[262] Peter Hitchens, A Brief History o f Crime: The Decline of Order,
So: How Media Make and Unmake the Scientific Picture of Reality.
Lanham, Maryland, Rowman & Littlefield, 200 1, p. 71.
[278] "Media Eat Up Hunger Study". Media Watch, abr. 1991, p. 1.
[279] Loc. cit.
[280] Robert E. Rector, "Hunger and Malnutrition Arnong American
15/06/1932, p. 669.
[290] "Wanted - A Government", New Republic, 04/03/1931, p. 58.
[291]
[292] Edmund Wilson, The American Jitters: A Year of the Slump. Nova
389-90.
[300] Merle Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman.
Ali: Ten Presidents from FDR to George Bush. Ed. Robert A. Wilson. Nova
York, Simon & Schuster, 1995, p. 58.
[305] Robert H. Ferrell, Harry S. Truman: A Life. Columbia (Missouri),
Inner City to the Ivy League. Nova York, Broadway Books, 1998, p. 116.
[310] Jeffrey Toobin, "The Burden o f Clarence Thomas". The New Yorker,
27/09/1993, p. 43.
[311] Carl T. Rowan, "Thomas is Far from 'Home"'. Chicago Sun-Times,
04/07/1993, p. 41
[312] Mary McGrory, "Thomas Walks in Scalia's Shoes". Washington Post,
27/02/1992, p. A2.
[313] Kevin Merida et al., "Enigmatic on the Bench, Influential in the
Struggle for Control of the United States Supreme Court. Nova York,
Penguin Press, 2007, p. 117.
[319] Edmund Wilson, Travels in Two Democracies. Nova York, Harcourt,
45.
[321] "Caste and the Durban Conference". The Hindu. Índia, 31/08/2001
(on-line).
[322] "Reservation Policy Not lmplemented in Full". The Hindu, Índia,
18/11/2001 (on-line).
[323] Tom O'Neill, "Untouchable". National Geographic, jun. 2003, p. 2-
31.
[324] Winston Churchill foi um dos que não se deixou levar pelas
the Soviet Union, China and Cuba 1928- 1 978. Nova York, Oxford
University Press, 1981, p. 13.
[326] Richard Hofstadter, Anti-Intellectualism in American Life. Nova
Classics, 2002, p. 2.
[329] Clark Hoyt, "'Keeping Their Opinions to Themselves". New York
241.
[332] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 343.
[333] Arnold P. Hinchliffe, Harold Pinter. Nova York, Twayne Publishers,
230.
[335] Will Rogers, A Will Rogers Treasury: Reflections and Observations.
1971, p. 117.
[339] H. G. Wells, The Anatomy of Frustration: A Modern Synthesis. Nova
2002, p. 165.
[357] Woodrow Wilson, Constitutional Government in the United States.
(1954).
[364] Furman v. Georgia, 408 U.S. 238 (1972).
[365] Lynch z,: Donnelly, 465 U.S. 668 (1984); Allegheny County v.
American Civil Liberties Union, 492 U.S. 573 ( 1989); Rosenberger v.
Rector and Visitors of University of Virginia, 515 U.S. 819 (1995);
McCreary County, Kentucky v. American Civil Liberties Union, 545 U.S.
844 (2005); Van Order v. Perry, 545 U.S. 667 (2005).
[366] Baker v. Carr, 369 U.S. 186 (1962).
[367] Herbert Croly, The Promise of American Life. Boston, Northeastern
4-5, 39.
[378] Louis D. Brandeis, "The Living Law". Illinois Law Review, fev. 1916,
p. 46 1
[379] Ibidem, p. 462.
[380] Ibidem, p. 464.
[381] Loc. cit.
[382] Loc. cit.
[383] Ibidem, p. 471.
[384] John Dewey, Liberalism and Social Action. Amherst (NY),
Prometheus Books, 2000, p. 68.
[385] Dred Scott v. Sandford, 60 U.S. 393 (1857), em 407
[386] Ibidem, em 562, 572-76.
[387] Wickard v. Filburn, 317 U.S. 111 (1942), em 114.
[388] Ibidem, em 118.
[389] Ibidem, em 128.
[390] United Steelworkers v. Weber, 443 U.S. 193 (1979), em 201, 202
[391] Ibidem, em 222.
[392] Oliver Wendell Holmes, Collected Legal Papers, p. 307.
[393] Adkins v. Children's Hospital, 261 U.S. 525 (1923), em 570.
[394] Day-Brite Lighting, Inc. v. Missouri, 342 U.S. 421 (1952), em 423.
[395] Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965), em 484.
[396] Michael Kinsley, "Viewpoint: Rightist Judicial Activism Rescinds a
A26.
[400] Joan Biskupic, "Top Court Ruling on Guns Slams Brakes on
26/04/2001, p. A23.
[403] Cass R. Sunstein, "A Hand in the Matter". Legal Affairs, mar./abr.
2003, p. 26-30.
[404] Jeffrey Rosen, "Hyperactive: How the Right Learned to Love Judicial
A18.
[407] Cass R. Sunstein, "Tilting the Scales Rightward". New York Times,
26/04/2001, p. A23.
[408] "Inside Politics", CNN Transcripts, 11/07/2005.
[409] Ver, por exemplo, Anthony Lewis, "A Man Born to Act, Not to
(1904), em 401
[417] Robert H. Bork, Tradition and Morality in Constitutional Law.
seção 1, p. 22.
[428] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters: The
Correspondence of Mr. Justice Holmes and Harold]. Laski 1916-1935. V.
1. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1953, p. 752.
[429] Abrams v. United States, 250 U.S. 616 (1919), em 629.
[430] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters, v. 1, p. 389
[431] Op. cit., v. 2, p. 913.
[432] R. R. Palmer, Twelve Who Ruled: The Year of the Terror in the
p. A19.
[437] "A Red Herring in Black and White". New York Times, 23/07/1990,
p. A14.
[438] William T. Coleman Jr., "A False 'Quota' Call". Washington Post,
23/02/1990, p. A23.
[439] "A Gentler Civil Rights Approach". Boston Globe, 03/08/1991, p. 18.
[440] "A Civil Right Setback". Boston Globe, 09/06/1989, p. 16.
[441] Ronald Dworkin, Freedom's Law: The Moral Reading of the
58.
[443] Reginak Alleyne, "Smoking Guns Are Hard to Find". Los Angeles
Times, 12/06/1989, p. 5.
[444] Howard Eglit, "The Age Discrimination in Employment Act, Title VII,
and the Civil Rights Act of 1991: Three Acts and a Dog that Didn't Bark".
Wayne Law Review, inverno 1993, p. 1.190.
[445] Alan Freeman, "Antidiscrimination Law: The View From 1989", The
History of Titles VII and XI of Civil Rights Act of 1964. Washington D.C.,
U.S. Government Printing Office, sem data, p. 3.005-07, 3.160, passim.
[448] Ibidem, p. 3.015.
[449] Edwin S. Mills, "The Attrition of Urban Real-Property Rights". The
71-72.
[461] Idem, "Who Needs a Gun?". New Statesman, 16/01/1970, p. 70.
[462] Peter Hitchens, A Brief History of Crime: The Decline of Order,
White: One Nation, Indivisible. Nova York, Simon and Schuster., 1997, p.
162.
[471] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 90-91.
[472] Ver, por exemplo, Franklin E. Zimring, The Great American Crime
Decline, p. 55.
[473] Sidney E. Zion, "Attack on Court Heard by Warren". New York
especialmente capítulos 3, 6, 7.
[477] Ibidem, p. xviii.
[478] Fox Butterfield, "Crime Keeps on Falling, but Prisons Keep on
Filling". New York Times, 28/09/1997, p. WK1. Antes disso, Fox
Butterfield disse o seguinte: "Estranhamente, durante a década de
1960, enquanto a criminalidade aumentava, o número de americanos
encarcerados, de fato, diminuía". Fox Butterfield, "U.S. Expands Its Lead
in the Rate o f Imprisonment". New York
Times, 11/02/1992, p. A16. Ou seja, em ambas as épocas, a relação
inversa entre crime e detenção era tida como um mistério.
[479] '"Prison Nation". New York Times, 10/03/2008, p. A16.
[480] Tom Wicker, "The Punitive Society". New York Times, 12/01/1991,
p. 25.
[481] Dirk Johnson, "More Prisons Using lron Hand to Control Inmates".
29/04/1996, p. 211.
[489] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 38; "Criminal Statistics
p. 428-34.
[495] Jaxon Van Derbeken, "Homicides Plurmmet as Police Flood Tough
Henry Holt, 1994, p. 29, 34; Barbara W. Tuchman, The Guns of August.
Nova York, Bonanza Books, 1982, p. 125, 127.
[499] Jonah Goldberg, Liberal Fascism: The Secret History of the
to Hitler, Lenin, Stalin, and World War lI. Nova York, Crown Forum, 2005,
p. 80-81. Ver também Arthur S. Link, Woodrow Wilson and the
Progressive Era: 1910-1917. Nova York, Harper & Brothers, 1954,
capítulos 4 e 5.
[508] O grande economista Alfred Marshall via a tentativa da Grã-
Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p.
20.
[515] Thomas J. Knock, To End All Wars: Woodrow Wilson and the Quest
for a New World Order. Nova York, Oxford Press, 1992, p. 77-78. Os
intelectuais não eram os únicos a idolatrar Woodrow Wilson. "Por toda a
Europa havia praças, ruas, estações ferroviárias e parques que
ostentavam o nome de Wilson." Margaret MacMillan, Paris 1919: Six
Months that Changed the World. Nova York, Random House, 2002, p. 15.
[516] Citado em Daniel Patrick Moynihan, Pandaemonium: Ethnicity in
Political Philosophy. Ed. Joseph Ratner. Nova York, Henry Holt and
Company, 1929, v. 2, p. 517.
[527] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 11.
[528] Alistair Horne, To Lose A Battle: France 1940. Nova York, Penguin
16/05/1928, p. 370; John Dewey, "lf War Were Outlawed". New Republic,
25/04/1923, p. 235.
[536] Robert Shepherd, A Class Divided, p. 50.
[537] Martin Ceadel, Semi-Detached Idealists, p. 359.
[538] Martin Ceadel, Pacifism in Britain 1914-1945: The Defining of a
Ltd.,1937, p. 179.
[541] H. G. Wells, The Anatomy of Frustration: A Modern Synthesis. Nova
York,
The Macmillan Co., 1936, p. 102.
[542] Kingsley Martin, "Russia and Mr. Churchill". In: New Statesmanship:
29/08/1926, p. El.
[547] O livro foi escrito por H. C. Engelbrecht e F. C. Hanighen. Ver Robert
06/07/1932, p. 210.
[550] H. G. Wells, The Work, Wealth and Happiness of Mankind. Garden
Death. Ed. Storm Jameson. Nova York, E. P. Dutton & Co., Inc., 1935, p.
319.
[554] E. M. Forster, "Notes on the Way". Time and Tide, 02/06/1934, p.
Peace, p. 314.
[557] "Roma in Rolland Calls for a Congress against War". New Republic,
06/07/1932, p. 210.
[558] Georges Duhamel, The French Position. Trad. Basil Collier. Londres,
in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House,
1980, p. 554.
[568] Alistair Horne, To Lose a Battle, p. 189.
[569] Ernest R. May, Strange Victory, p. 18-23.
[570] Ver, por exemplo, B. H. Liddell Hart, History of the Second World
War. Nova York, Paragon Books, 1979, p. 35-36; Ernest R. May, Strange
Victory, p. 5-6, 278.
[571] Ernest R. May, Strange Victory, p. 103-06. Ver também Winston S.
8.
[586] Ernest R. May, Strange Victory, p. 103-06.
[587] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice and Its
10/09/1938, p. 369.
[603] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher, p. 77.
[604] Oswald Garrison Villard, "Issues and Men: The President's
Disarmament Opportunity". The Nation, 31/01/1934, p. 119.
[605] William Manchester, American Caesar: Douglas MacArthur 1880-1
964. Boston, Little, Brown and Company, 1978, p. 154, 156; Matthew F.
Holland, Eisenhower Between the Wars: The Making of a General and
Statesman. Westport (CT), Praeger, 2001, p. 171-72.
[606] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher, p. 55·56.
[607] "The Way of Appeasement". The Times, Londres, 25/11/1937, p. 15
[608] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 241.
[609] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1993. Ed. Robert Rhodes
Storm, p. 216.
[611] Ibidem, p. 216-17.
[612] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 126.
[613] Ernest R. May, Strange Victory, p. 138.
[614] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 127.
[615] Ibidem, p. 126.
[616] Ibidem, p. 128.
[617] lbidem, p. 102, 107-l08.
[618] Ian Kershaw, Making Friends with Hitler: Lord Londonderry, the
Nazis and the Road to World War lI. Nova York, Penguin Press, 2004, p.
28, 30-31
[619] H. J. Laski, "Hitler - Just a Figurehead". Daily Herald, 19/11/1932, p.
8.
[620] Ian Kershaw, Making Friends with Hitler, p. 29-30.
[621] John Evelyn Wrench, Geoffrey Dawson and Our Times. Londres,
Hutchinson, 1955, p. 361. Em 1935, o correspondente norte-americano
para assuntos internacionais William L. Shirer registrou em seu diário
que um correspondente do jornal Times de Londres "queixou-se a mim,
em particular, que o Times não imprime tudo que ele envia, o jornal não
quer saber muita coisa - sobre o lado negro da Alemanha nazista e
aparentemente foi capturado pelos simpatizantes nazistas de Londres".
No livro de William Shirer, Berlin Diary, temos, na página 33, a
manipulação das notícias, por Dawson, estendendo-se à cobertura
jornalística da marcha das tropas alemãs aos Sudetos na
Tchecoslováquia, em 1938, onde a população predominantemente
alemã saudava as tropas, enquanto os tchecos fugiam do governo
nazista. "Todos os dias havia fotografias mostrando as triunfantes tropas
alemãs marchando pela região dos sudetos (...). Nas fotografias, o
entusiasmo com que as tropas alemãs foram recebidas dava
testemunho à aparente justiça do acordo de Munique. As fotografias dos
refugiados também tinham chegado ao The Times, mas Dawson recusou
publicá-las." Martin Gilbert e Richard Gott, The Appeasers. Boston,
Houghton Mifflin Co., 1963, p. 191.
[622] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1: The Gathering
Storm, p. 73
[623] William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich: A History of
Nazi Germany. Nova York, Simon and Schuster, 1960, p. 292-94. Ver
também William L. Shirer, Berlin Diary, p. 44-45.
[624] William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich, p. 293.
[625] Loc. cit. A conclusão de que a retirada alemã poderia ter
Storm, p. 196-97.
[627] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 23; Ernest R. May, Strange
Victory, p. 142-43.
[628] Ernest R. May, Strange Victory, p. 142-43.
[629] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1 : The Gathering
Storm, p. 197.
[630] "Harold Macmillan mais tarde observou, sobre o período
imediatamente posterior a Munique, que 'O mundo inteiro parecia unido
em gratidão ao homem que havia evitado a guerra. Sem dúvida que o
primeiro-ministro vivia num humor quase intoxicado de euforia.
Questionar sua autoridade era considerado um ato de traição, negar sua
inspiração era quase uma blasfêmia"' (Robert Shepherd, A Class
Divided, p. 225. Ver também p. 1-5).
[631] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 175, 260.
[632] Ibidem, p. 261.
[633] Ernest R. May, Strange Victory, p. 7.
[634] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963. Ed. Robert Rhodes
James, p. 809.
[635] "Contaram-me que Washington, em agosto, já quase desistira da
22/10/1938, p. 596.
[639] "Passing the Buck". New Statesman and Nation, 25/02/1939, p.
272.
[640] Como exemplo do que isso significava, obsoletos aviões
bombardeiros torpedeiros, durante a batalha de Midway, tinham uma
velocidade máxima que mal chegava às 100 milhas por hora e os caças
Zero dos japoneses, muito mais rápidos, abateram quase todos os
velhos aviões norte-americanos. Dos 82 norte-americanos que voaram
nesses aviões na batalha de Midway, apenas treze retornaram com vida.
Victor Davis Hanson, Carnage and Culture: Landmark Battles in the Rise
of Western Power. Nova York, Doubleday, 2001, p. 342-51
[641] A. Solzhenitsyn, "Nobel Lecture in Literature, 1970". In: Literature
46.
[644] Victor Da vis Hanson, "If the Dead Could Talk". Hoover Digest,
2004, n. 4, p. 17-18.
[645] Bertrand Russell, "The lnternational Bearings of Atomic Warfare".
United Empire, v. XXXIX, n. 1, jan./fev. 1948, p. 21. Ver também
Bertrand Russell, "lnternational Government". The New Commonwealth,
jan. 1948, p. 80.
[646] “Fight Before Russia Finds A tom Bomb". The Observer, Londres,
21/11/1948, p. 1. Depois que seus comentários foram noticiados em
ambos os lados do Atlântico, Bertrand Russell, numa carta para o The
Times, de Londres, disse o seguinte: "Eu não exortei, como foi noticiado,
a deflagração de uma guerra imediata contra a Rússia. Na verdade,
alertei as democracias para que se preparassem, caso necessário, para
o uso da força militar e que a sua prontidão para tal deveria ficar clara à
Rússia, pois se tornou óbvio que os comunistas,t assim como os
nazistas, só podem ser freados em suas tentativas de dominar a Europa
e a Ásia ao se constituir uma resistência determinada e combinada, é
capaz de utilizar todos os meios à nossa disposição, não se excluindo os
meios militares, caso a Rússia continue a desrespeitar todos os
compromissos" ("Lord Russell's Address". The Times, Londres,
30/11/1948, p. 5).
[647] Joseph Alsop, "Matter of Fact". Washington Post and Times Herald,
19/02/1958, p. A15.
[648] Paul Johnson, Intellectuals. Nova York, Haper & Row, 1988, p. 208-
10
[649] Neville Chamberlain, In Search of Peace. Nova York, G.P. Putnam's
Ordeal and Sacrifice During the Vietnam Years. Nova York, Harper &
Row, 1984, p. 181.
[655] Stanley Karnow, "Giap Remembers". New York Times Magazine,
24/06/1990, p. 36.
[656] Ibidem, p. 62.
[657] "How North Vietnam Won the War". Wall Street Journal,
03/08/1995, p. A8
[658] Loc. cit.
[659] Arthur Schlesinger Jr., "A Middle Way Out of Vietnam". New York
4, p. 16
[661] Drew Pearson, "Gen. Westmoreland Ouster Is Urged". Washington
14.
[664] Peter Braestrup, Big Story, p. 465-68; Victor Davis Hanson,
Generation Was Robbed of Its Heroes and Its History. Dallas, Verity
Press, 1998, p. 44.
[676] Victor Davis Hanson, Carnage and Culture, p. 422-23.
[677] B. G. Burkett e Glenna Whitley, Stolen Valor, capítulos 4-5 e 19.
[678] Victor Da vis Hanson, Camage and Culture, p. 393.
[679] Loc. cit.
[680] Ibidem, p. 394-98.
[681] Leslie Cauley e Mito Geyelin, "Ex-Green Beret Sues CNN, Time
in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House,
1980, p. 881.
[685] "Churchill Visit Scored". New York Times, 07/03/1946, p. 5.
[686] "Mr. Churchill's Plea". Chicago Daily Tribune, 07/03/1946, p. 18.
[687] Marquis Childs, "Churchill's Speech". Washington Post, 06/03/1946,
p. 8.
[688] "Press Reaction to Churchill Plan for Closer U.S. Ties With Britain".
United States News, 15/03/1946, p. 39; Walter Lippmann, "Mr. Churchill's
Speech". Washington Post, 07/03/1946, p. 11; "Let's Hang Together -
Churchill". Los Angeles Times, 07/03/1946, p. A4.
[689] "Europe's Capitais Stirred by Speech". New York Times,
07/03/1946, p. 5; "Mr. Churchill's Speech". The Times, Londres,
06/03/1946, p. 5.
[690] Neville Chamberlain, In Search of Peace. Nova York, G. P. Putnam's
230, 240, 242, 250, 271. A mesma ideia é, em outros termos, repetida
várias vezes em trechos distintos do livro.
[694] Escrevendo em seu diário em 31 de agosto de 1939 - exatamente
Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p.
53.
[696] John Dewey, Characters and Events: Popular Essays in Social and
Political Philosophy. Ed. Joseph Ratner. Nova York, Henry Holt and
Company, 1929, v. 1, p. 199, 201. (Esta foi a reedição de um ensaio de
Dewey publicado primeiramente em 1922.)
[697] Neville Chamberlain, In Search of Peace, p. 119, 132, 198.
[698] Ibidem, p. 53, 174, 208, 251-52.
[699] Loc. cit.
[700] Ver, por exemplo, Tom Wicker, "2 Dangerous Doctrines". New York
Times, 15/03/1983, p. A25; Strobe Talbott, "Behind the Bear's Angry
Growl". Time, 21/05/1984, p. 24, 27; Anthony Lewis, "Onward, Christian
Soldiers". New York Times, 10/03/1983, p. A27; Colman McCarthy, "The
Real Reagan: Can He See the Forest for the Trees?" Washington Post,
27/03/1983, p. G7; TRB, "Constitutional Questions". New Republic,
28/03/1983, p. 4; "The Lord and the Freeze". New York Times,
11/03/1983, p. A30.
[701] Dinesh D'Souza, Ronald Reagan: How an Ordinary Man Became an
1990, p. 680-81.
[703] Ibidem, p. 683.
[704] Ibidem, p. 677, 679.
[705] "Gorbachev ficou chocado. Os soviéticos já haviam reportado que
18/11/1985, p. A21.
[708] Tom Wicker, "30 Years of Futility". New York Times, 22/11/1985, p.
A35.
[709] George F. Kennan, "First Things First at the Summit". New York
16/03/1983, p. A26.
[715] Helen Dewar, "Senate Rejects Arms Freeze; Debt Ceiling Rise
Wrong in the Cold War and Still Blame America First. Nova York,
Perennial, 2004, p. 110-15.
[718] "SDI, Chernobyl Helped End Cold War, Conference Told".
Washington Post, 27/02/1993, p. A17.
[719] Herbert I. London, Armageddon in the Classroom: An Examination
C4.
[734] Robert D. Novak, The Prince of Darkness: 50 Years Reporting in
A25.
[736] Anthony Lewis, "The Argument of War". New York Times,
14/12/1990, p. A39.
[737] Barton Gellman, "How Many Americans Would Die in War with
06/01/1991, p. A21
[738] Donald Kagan, "Colin Powell's War", Commentary, jun. 1995, p. 45.
[739] Maureen Dowd, "Monkey on a Tiger". New York Times, 06/01/2007,
p. A15.
[740] Paul Krugman, "Quagmire of Vanitics". New York Times,
08/01/2007, p. A1 9.
[741] "A Detached Debate; Have the Senators Arguing over Iraq War
B8.
[743] Ron Walters, "Bush Won't Face Truth about the War in Iraq".
03/09/2007, p. A13.
[754] Frank Rich, "As the Iraqis Stand Down, We'll Stand Up". New York
14/09/2007, p. A2 1.
[758] Alan Nathan, "Slamming the Messenger". Washington Times,
18/09/2007, p. A17.
[759] Farah Stockman, "Intelligence Calls Iraq's Government Precarious".
'Take Off Your Rosy Glasses,' General Told in 10 Hours of Inquiries". USA
Today, 12/09/2007, p. 6A.
[763] Loc. cit.
[764] Elisabeth Bumiller, "A General Faces Questions from Five Potencial
800-01.
[788] Alistair Horne, To Lose A Battle: France 1940. Nova York, Penguin
His Wit, Wisdom And Satire. Ed. George J. Marlin et al. Nova York, Farrar,
Straus and Giroux, 1994, p. 138.
[801] John Maynard Keynes, The General Theory of Employment lnterest
Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p.
73.
[810] Durante uma transmissão no rádio em 27 de maio de 1941, o
Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. Nova York, The Free
Press, 1993.
[813] Ver Thomas Sowell, The Vision o( the Anointed: Self-Congratttlation
as a Basis for Social Policy. Nova York, Basic Books, 1995, p. 15-21.
[814] Eric Hoffer, First Things, Last Things. Nova York, Harper & Row,
1971, p. 117.
[815] James R. Flynn, "Massive IQ Gains in 14 Nations: What IQ Tests
the Age of Information. Trad. Curtis Cate. Nova York, Random House,
1991, p. 361.
[817] Lewis A. Coser, Men of ldeas: A Sociologist's View. Nova York, The
lt: The Mandarins and the Masses. Chicago, Ivan R. Dee, 2005, p. 296-
310; Bruce Thomton, Decline and Fall: Europe's Slow-Motion Suicide.
Nova York, Encounter Books, 2007, capítulo 3; Christopher Caldwell,
Reflections on the Revolution in Europe: lmmigration, lslam, and the
West. Nova York, Doubleday, 2009.
[821] Ver, por exemplo, o capítulo 2 de meu livro The Vision of the
Anointed.
[822] Edward Shils, The Constitution of Society. Chicago, University of
10. ed. Upper Saddle River (NJ), Pearson Education, Inc., 2008, p. 72.
[825] Ibidem, p. 71.
[826] Angelo M. Codevilla, The Character of Nations: How Politics Makes
and Breaks Prosperity, Family, and Civility. Nova York, Basic Books,
1997, p. 50.
[827] Ver de Robert C. Davis, Christian Slaves, Muslim Masters: White