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Formação Do Fisioterapeuta e Sua Intersecção Com A Saúde Mental Percepções Dessa Realidade

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A FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA E

SUA INTERSECÇÃO COM A SAÚDE


MENTAL: PERCEPÇÕES DESSA
REALIDADE
RESUMO
Estudo descritivo-exploratório e documental de abordagem qualitativa, realizado com
Vol. 12 | Nº. 27 | Maio/Ago. | 2020 vinte e nove participantes entre docentes e discentes do curso de Fisioterapia de uma
universidade pública de Alagoas e fisioterapeutas de um hospital geral de doenças
infectocontagiosas, por meio de entrevistas semiestruturadas e análise da matriz
curricular. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo e os
resultados revelaram que a formação do discente em fisioterapia para atuar na saúde
mental apresenta limitações, pois o conteúdo relacionado ao tema não é abordado
de maneira estruturada no curso. Assim, o estudo demonstrou a existência de
Murillo Nunes de Magalhães fragilidades na formação em saúde mental na graduação em Fisioterapia e sugere a
necessidade de avançar a discussão sobre o tema.
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas
(UNCISAL) Palavras-chave: Integralidade em Saúde. Saúde Mental. Fisioterapia.
murillofisio@hotmail.com
THE FORMATION OF PHYSIOTHERAPIST AND
Mara Cristina Ribeiro ITS INTERSECTION WITH MENTAL HEALTH:
PERCEPTIONS OF THIS REALITY
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas ABSTRACT
(UNCISAL) Descriptive-exploratory and documental study of a qualitative approach, carried out
marauncisal@yahoo.com.br with twenty-nine participants, including teachers and students of the Physiotherapy
course of a public university in Alagoas and physiotherapists from a general hospital of
infectious-contagious diseases, through semi-structured interviews and analysis of the
curricular matrix. The data collected were submitted to content analysis and the
results revealed that the training of students in physical therapy to work in mental
health has limitations, since the content related to the theme is not addressed in a
structured way in the course. Thus, the study demonstrated the existence of
weaknesses in the education in mental health at the undergraduate in Physiotherapy
and suggests the need to advance the discussion on the subject.

Keywords: Integrality in Health. Mental Health. Physiotherapy.

Submetido em: 09/08/2019


Aceito em: 22/01/2020
Publicado em: 22/06/2020

http://dx.doi.org/10.28998/2175-6600.2020v12n27p266-284

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons


Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
Murillo Nunes de Magalhães | Mara Cristina Ribeiro

1 INTRODUÇÃO

O exercício da fisioterapia no Brasil data do início do século XX, com a fundação do Departamento
de Eletricidade Médica pelo Professor Raphael de Barros da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (MARQUES; SANCHES, 1994).
A profissão teve respaldo legal em 1969 por meio do Decreto - Lei nº 938, a partir deste foi
estabelecida, dentre várias normas, a necessidade de formação do fisioterapeuta por uma Instituição de
Ensino Superior (IES), excluindo qualquer condição de técnico em saúde, além da caracterização das
atividades privativas do fisioterapeuta (BRASIL, 1969).
No decorrer dos poucos anos de existência, a fisioterapia firmou-se como ciência da saúde,
presente em diversas áreas e ambientes profissionais, inclusive com atuação na educação e promoção da
saúde, descaracterizando-se da sua condição de profissão puramente reabilitadora, impregnada devido ao
contexto histórico de sua criação (SILVA, 2007). Na atualidade, o fisioterapeuta possui perfil tanto para
atuar em centros de referência em reabilitação, clínicas especializadas, hospitais, universidades; quanto em
serviços comunitários e generalistas realizando sua função de educação, promoção e reabilitação em saúde
nos mais diversos dispositivos da saúde (DIBAI FILHO; RODRIGUES, 2010).
As Diretrizes Curriculares Nacionais/Fisioterapia (DCN) apontam que a atuação do profissional
deve ser multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar. Portanto, a formação acadêmica do
fisioterapeuta deve considerar essa indicação e proporcionar conhecimento teórico e prático para este fim.
Além disso, esta deve propiciar ao fisioterapeuta construir competências teórico-práticas para atuar em
todos os níveis de atenção à saúde, com uma visão global e ampla da pessoa e do coletivo (TEIXEIRA,
2005).
Aqui se utiliza a conceituação de competências relacionada à ética, para tanto, o profissional da
saúde deve saber fazer bem e, para isso, esse saber além de estar articulado à dimensão técnica e política
também, necessariamente, deve estar articulado à ética, sendo esta a mediadora entre as demais
dimensões (RIOS, 2006).
Destarte, o ensino e formação desses profissionais têm que acompanhar as mudanças conceituais
do cuidado e comportamentais da sociedade, tendo como perspectiva o indivíduo que sofre como um
todo, ou seja, não apenas considerando a sua doença física, mas partindo de uma olhar mais amplo,
compreendê-la em seu sentido subjetivo, uma vez que, de acordo com os princípios da psicomotricidade,
mente e corpo estão intimamente ligados por ações reflexas. Por conseguinte, o fisioterapeuta,
conhecedor dessas ciências, deve promover um olhar histórico, humano e social sobre as ações de saúde
e de prevenção.

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A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
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É através da equipe de saúde, com as diversas relações de conhecimento e trabalho, que o


desenvolvimento do indivíduo em tratamento funciona; é a instituição, considerando desde as responsáveis
pela formação dos profissionais, até as assistenciais, que podem transformar este ambiente facilitador para
o desenvolvimento e amadurecimento das equipes e dos profissionais (BATISTA, 2006).
As equipes de saúde são estruturas dinâmicas que podem funcionar, ora de forma mais coesa e
específica, ora de forma mais segmentada. Há diversas formas de se buscar o diálogo necessário para um
trabalho mais consistente. As universidades devem incorporar desde o início da formação a aprendizagem
baseada em equipes integradas, partindo de uma concepção ampla de saúde, que inclua a subjetividade
do indivíduo, suas interações com os outros, seu lugar social e sua relação com o corpo (GALVAN, 2007).
Diante desse contexto e considerando que não há como segmentar o cuidado físico do sofrimento
mental, o estudo aqui apresentado foi impulsionado pelo interesse em conhecer a percepção do
profissional e docente fisioterapeuta, bem como do aluno da graduação em Fisioterapia sobre o
atendimento direcionado ao paciente com transtorno mental em um hospital geral de doenças
infectocontagiosas no estado de Alagoas.
Assim, esta pesquisa teve as seguintes questões norteadoras: 1) Como a formação do fisioterapeuta
na área da saúde mental se apresenta e relaciona-se com os cenários de prática em que este profissional
está inserido; 2) Em que contexto a formação desses profissionais contribui para a integralidade na
assistência à saúde?
Diante do cenário aqui apresentado, os objetivos deste estudo foram descrever como se apresenta
o ensino de saúde mental em um curso de graduação em Fisioterapia e verificar como este influencia na
formação dos estudantes e profissionais em seus campos de prática, por meio da percepção dos principais
atores do campo pesquisado, a saber: discentes, docentes e profissionais.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 O cuidado na perspectiva psicossocial

A assistência em saúde mental no Brasil e no mundo tem passado por significativas mudanças
decorrentes dos movimentos advindos das novas tecnologias de atenção. Estas consistem na
transformação de saberes e práticas em relação à loucura, na percepção da complexidade do objeto de
intervenção bem como na presença de um novo olhar sobre o sofrimento psíquico. Incorpora-se ao
tratamento o sentido de cuidado, envolvendo para isso a família, a comunidade e o próprio usuário
(RIBEIRO, 2014).

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A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
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Ao considerar que os problemas de saúde mental estão cada vez mais presentes na vida cotidiana,
o Ministério da Saúde aponta que, no Brasil, 23 milhões de pessoas, ou seja, 12% da população necessitam
de algum atendimento em saúde mental (BRASIL, 2017). Embora os transtornos mentais sejam
responsáveis por mais de um terço do número total de incapacidades nas Américas, os investimentos
atuais estão muito abaixo do necessário para minimizar este problema de saúde pública (OPAS, 2018).
No contexto do conhecimento da funcionalidade humana, reconhecer as distintas e
complementares visões sobre o usuário em saúde mental pode fazer do fisioterapeuta e da fisioterapia
importantes componentes no conjunto de profissionais e ações de cuidado sobre os indivíduos que
apresentam, em suas trajetórias de vida, as suas funções interrompidas ou alteradas devido a transtornos
de ordem mental. Considerando que a atenção exercida por estes profissionais pode incluir mudanças em
aspectos físicos, cognitivos e sociais, é preciso que os profissionais e as universidades estejam com um
olhar definido para esta temática (DALTRO; GARCIA, 2016).
Para Oliveira e Dorneles (2005), a saúde mental não deve ser concebida como disciplina estanque,
mas integradora de diferentes abordagens. Não deve, ainda, confundir-se com um conjunto de técnicas
isoladas ou com tecnologias terapêuticas em um sentido estritamente médico.
Com o novo paradigma introduzido pela Reforma Psiquiátrica no campo da saúde mental, o da
Atenção Psicossocial, diferentes abordagens se apresentam nesse cenário – considerando que há
dificuldades teóricas em definir o que é bem-estar, estabelecer os limites sobre normalidade e patologia,
além das divergentes formas de compreender o sofrimento – seja ele físico ou mental. Aponta-se que essa
realidade dinâmica reflete na escolha de conhecimentos pertinentes à complexidade do cuidado em saúde
mental, gerando tantas concepções quantas forem as compreensões e práticas envolvidas nesse cuidado,
conformando-se num saber de caráter interdisciplinar.
Nesse contexto, na medida em que se deixa de ocupar com a doença e passa-se ocupar com o
sujeito, amplia-se as possibilidades materiais para esses sujeitos, o que implica na construção de práticas de
cuidado alicerçadas na conceituação do que é interdisciplinaridade:

A interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre especialistas e pela


integração das disciplinas num projeto comum, em que se estabelece uma relação de
reciprocidade, que irá possibilitar o diálogo entre os participantes (VELOZZO et al., 2016, p.
259).

Assim, na perspectiva teórico-conceitual, tem-se a saúde mental como um campo referente à


desconstrução de conceitos fundantes da psiquiatria (como doença mental, isolamento, cura, normalidade,
entre outros) e a construção de conceitos como o de existência – sofrimento, cuidado, acolhimento,
contratualidade; já o campo técnico-assistencial refere-se à construção de uma rede de novos serviços, de
espaços de sociabilidade, de trocas coletivas entre os atores do processo de cuidado (usuários dos serviços,
familiares e técnicos) e produção de subjetividades (RIBEIRO, 2014).

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2.2 A intersecção da Fisioterapia e Saúde Mental na realidade local

O ensino do cuidado de fisioterapia em saúde mental, enquanto dimensão da integralidade em


saúde, norteado pela Reforma Curricular, pela Reforma Psiquiátrica, pelas DCN e orientado pelo
paradigma de atenção psicossocial, enfrenta o desafio de integrar o campo da saúde mental com o campo
da saúde coletiva. Esse fato requer dos cursos de graduação em Fisioterapia a necessidade de reformulação
curricular e replanejamento de atividades, as quais focam em novos objetivos para a formação, a partir de
conteúdos que aproximem e integrem ainda mais a teoria e a prática profissionais (FREITAS; KLEBBE,
2013).
Portanto, a formação dos profissionais de saúde necessita contemplar os aprendizados técnicos e
cognitivos e, ao mesmo tempo, o da práxis. Para que seja garantida uma formação baseada na prática
regional e social em que vivem. (CAMPOS et al., 2013).
A utilização do contexto psicossocial-comunitário se apresenta como oportunidade para se pensar
a formação generalista sob os princípios do SUS. O conteúdo do cuidado em saúde mental relaciona e
integra o processo saúde-doença-cuidado do sujeito, da família e da comunidade. Tal conteúdo deve estar
alinhado à realidade epidemiológica e sanitária de forma a proporcionar a integralidade e
interdisciplinaridade das ações do cuidar em saúde (RODRIGUES; SANTOS; SPRICIGO, 2012).
Deste modo, existe a necessidade de refletir sobre as questões de saúde mental na perspectiva da
formação acadêmica do fisioterapeuta no atendimento em hospitais gerais, ambulatórios e no âmbito da
Atenção Básica, com objetivo de garantir a qualidade e integralidade da assistência para construir processos
coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que muitas vezes produzem atitudes e
práticas desumanizadoras que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde em
seu trabalho e dos usuários no cuidado de si.

3 METODOLOGIA

Trata-se de estudo exploratório, descritivo e documental de abordagem qualitativa. Para o seu


desenvolvimento, foi realizada análise bibliográfica e documental, além de pesquisa de campo com o uso
das técnicas de entrevista semiestruturada e diário de campo. O protocolo de pesquisa foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa sob a CAAE 87526518.5.0000.5011 e Número do Parecer: 2.678.402,
com data de aprovação de 28 de maio de 2018.
De acordo com Minayo (2010), a pesquisa qualitativa preocupa-se com um nível de realidade que
não pode ser quantificado e, portanto, com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um processo profundo das relações humanas e sociais.

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A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
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Para cumprir os objetivos do presente estudo, foram convidados a participar os fisioterapeutas de


um hospital público referência em doenças infectocontagiosas que estivessem atuando na assistência às
enfermarias; alunos do 5º ano do curso de graduação em Fisioterapia de uma universidade pública de
Alagoas que estivessem cursando o estágio curricular neste hospital durante a realização da pesquisa; e,
professores do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso de Fisioterapia desta universidade pública.
Uma amostra qualitativa ideal é a que reflete, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões
de determinado fenômeno e busca a qualidade das ações e das interações em todo o decorrer do
processo (MINAYO, 2017).
Esta pesquisa constitui-se do tipo exploratória, pois, dentro da sua elaboração, foi necessário
explorar o cotidiano e os processos de trabalho desses profissionais e alunos. Dessa forma, buscou-se,
como suporte bibliográfico, autores que tratam sobre saúde mental, integralidade da assistência à saúde
em serviços públicos e sua relação com o ensino. Gil (2008) indica que uma pesquisa exploratória tem por
objetivo o aprimoramento de ideias ou a descoberta de percepções sobre um determinado tema, o que
torna o pesquisador mais familiar com o assunto.
Vieira e Tibola (2005, p. 13) complementam, afirmando que “a pesquisa exploratória é usada em
casos nos quais é necessário definir o problema com maior precisão, identificar cursos relevantes de ação
ou obter dados adicionais antes que se possa desenvolver uma abordagem”.
As observações foram registradas em diário de campo e analisadas posteriormente e
dialeticamente com as análises das entrevistas dos participantes. E a análise documental ocorreu através do
estudo da matriz curricular e projeto pedagógico curricular do curso de Fisioterapia da referida
universidade, sendo realizada a intersecção com os conteúdos relacionados à saúde mental e as falas dos
participantes.
A produção dos dados ocorreu logo após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, foi
realizada em dias definidos e acordados com os participantes que foram convidados e apresentados
individualmente ao objetivo da pesquisa, na sala de aula do hospital, e na sala de reunião do NDE, de
maneira que puderam se sentir à vontade para aceitar ou não a participação.
Anteriormente à chegada do participante na sala, esta foi preparada com a disposição das cadeiras
uma em frente à outra, ou como o participante melhor se sentiu acolhido, um aparelho ajustado para a
gravação da entrevista estava disponível e a temperatura da sala considerada agradável, de forma que os
mesmos se sentissem à vontade e confortáveis no espaço.
Ao iniciar a entrevista semiestruturada, o pesquisador se apresentou e explicou novamente o
objetivo da pesquisa, dessa vez detalhadamente, esclarecendo o TCLE, que foi entregue em duas vias,
que após assinado ficou uma cópia com o pesquisador e outra com o participante, bem como os
procedimentos que englobam o registro das conversas por gravações e anotações para análise posterior,

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inclusive, que foram resguardados o sigilo e o anonimato dos participantes, e que para isso seus nomes
foram trocados por uma sequência de letra e números.
O instrumento utilizado para a produção dos dados foi a entrevista semiestruturada, guiada por
um roteiro contendo questionamentos específicos pertinentes a cada categoria entrevistada, os quais
buscavam conhecer as percepções dos participantes tanto sobre saúde mental, no que se refere à
preparação do aluno de fisioterapia para atuar nesse campo, quanto referente à participação do
fisioterapeuta nas rotinas de atendimento do serviço ao atender a demandas de pacientes de saúde mental
em um hospital geral de doenças infectocontagiosas no Estado de Alagoas e questões relacionadas à
formação em saúde mental de um curso de graduação de Fisioterapia do estado de Alagoas.
A entrevista foi gravada em forma de arquivo de áudio, mediante autorização prévia e,
posteriormente, transcrita, o que permitiu uma análise de dados mais fidedigna. Para preservar a identidade
dos participantes foi atribuído às falas um código composto pela letra inicial da categoria do entrevistado
(Aluno, Profissional e Docente), seguido do número referente à ordem em que ocorreram as entrevistas
em respeito aos participantes e às Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, do
Ministério da Saúde.
As entrevistas iniciaram no mês de junho de 2018, sendo encerradas no mês de novembro do
mesmo ano. Foram realizadas pelo próprio pesquisador, assim como a gravação e transcrição das mesmas
em sua totalidade e seu conteúdo analisado à luz da Análise de Conteúdo na modalidade temático-
categorial para promover imersão nas mesmas (BARDIN, 2011). Por meio de incursões nos discursos, foi
possível apreender a realidade que se esboça na prática diária destes participantes. A partir da
decomposição dos textos em blocos organizados, com seus significados correspondentes e leitura
exaustiva dos mesmos, foi possível a identificação de temas/ categorias de análise e logo se seguiu a fase
de inferência dos resultados e interpretação dos mesmos, chegando assim à atribuição de significados aos
conteúdos analisados, indo além do material coletado, sendo adotados referenciais teóricos próprios do
ensino em saúde, bem como da especificidade da área da saúde mental.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram realizadas 29 entrevistas, entre os dias 19 de junho de 2018 e 14 de novembro de 2018.


A partir da análise das entrevistas emergiram as seguintes categorias: A saúde mental na atualidade:
necessidades e compromissos; Saúde mental: resquícios de uma formação profissional em construção; e,
o Fisioterapeuta no cuidado à pessoa em sofrimento mental: transpondo barreiras.

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A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
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4.1 A saúde mental na atualidade: necessidades e compromissos

A humanidade sempre demonstrou ter dificuldade em lidar com as diferenças e com as


dissonâncias do senso e convivência comum. Na psiquiatria, por exemplo, o tratamento da loucura muitas
vezes foi baseado na intolerância frente aos comportamentos dos doentes mentais tendo na segregação
dos indivíduos uma opção para afugentar o diferente e proteger a sociedade, assim como observamos em
algumas doenças na infectologia (CARDOSO; GALERA, 2011). Ressalta-se ainda a questão da relação
conflituosa com álcool e outras drogas que a sociedade impõe com sendo de caráter punitivo e não de
tratamento, como se percebe nos trechos a seguir:

Aqui no hospital atendemos as diversas repercussões do HIV, e as inúmeras vulnerabilidades


sociais. E muitas vezes isso interferia também na nossa assistência. E é muito frequente a gente
ver os pacientes novamente aqui, por vezes, em decorrências dessas próprias vulnerabilidades
(P1).

Atende um público específico da doença infectocontagiosa, mas essas questões da saúde mental
são muito recorrentes, não é esse o motivo que traz o paciente pra cá, mas talvez seja esse o
motivo que faz ele não ter adesão ao tratamento, porque a gente não conseguiu entender como
é a dinâmica dele e como a gente poderia orientá-lo (P3).

Evidencia-se assim, a especificidade dos atendimentos no referido hospital e a relação dos


profissionais envolvidos com o cuidado e mostra ainda o despreparo de alguns profissionais com o
atendimento a esse público.
Nas últimas décadas, os hospitais psiquiátricos deixaram de representar o centro do sistema
assistencial, e deram espaço a uma rede de serviços comunitários de diferentes complexidades, visando-
se à desconstrução do modelo até então vigente. A internação psiquiátrica tornou-se mais criteriosa, com
períodos mais curtos de hospitalização que favoreceu a consolidação de um modelo de atenção à saúde
mental mais integrado, dinâmico e de base comunitária (CRISPIM, 2017).
Neste contexto, o paciente, sua família e os profissionais dos serviços comunitários passam a ser,
cada vez mais, os protagonistas do cuidado em saúde mental. Exigindo-se articulação entre diversos
serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em seus diferentes níveis de atenção (QUINDERÉ,
2014). Assim, os profissionais pertencentes à equipe multiprofissional dos serviços assistenciais, necessitam
realizar condutas baseadas na singularidade de cada usuário.
É na lógica do cuidado não excludente, do combate aos estigmas e aos preconceitos e da garantia
da diversificação do cuidado nos diferentes pontos da rede, que a RAPS se faz necessária, e garante a
autonomia e o acesso aos serviços (RIBEIRO, 2016).
O transtorno mental está em todos os níveis de atenção e todos os profissionais da saúde devem
estar preparados para o cuidado a esta população, indicando que a Universidade deve dar o preparo para
esta atuação. É nesse contexto em que o profissional fisioterapeuta se insere integrante de uma equipe

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multiprofissional, responsável por serviços que compõe à saúde pública. As falas abaixo ilustram como os
participantes da pesquisa percebem a necessidade de ampliação da práxis profissional e a importância da
saúde mental no contexto da formação:

A gente tem visto hoje que a saúde mental, os transtornos mentais, eles tem sido muito presente
e muito prevalente [...] A questão de saúde mental pode trazer muitas comorbidades e é uma
questão de saúde pública, então enquanto profissional da saúde eu preciso lidar também com a
saúde mental (A4).

importante porque quando vamos para os estágios, a gente se depara com pacientes que tem
problemas mentais, distúrbios mentais e como nós não tivemos nenhum preparo durante a
formação acadêmica, é nosso primeiro contato, a gente fica sem saber o que fazer (A1).

[...] fisioterapeutas em hospitais psiquiátricos, fisioterapeutas indo pros CAPS, fisioterapeutas indo
pro Melhor em Casa, fisioterapeutas do NASF que precisam ter alguns conhecimentos dessa
situação do ponto de vista da mente humana (D3).

O cuidado, portanto, tem sido desejado, por meio da capacitação de todos os envolvidos nesse
processo, porém, como relatado, os fisioterapeutas ainda precisam estreitar os conhecimentos à prática
em saúde mental. E nesse aspecto cabem às Universidades, que são responsáveis pela formação destes
profissionais, inserirem em seus currículos o estudo da saúde mental de forma crítico-reflexivo, associando-
se os conteúdos teóricos com a prática desenvolvida no território, como forma de colaborar e exercer
seu papel na sociedade.

Hoje eu posso dizer isso que não é algo de se direcionar apenas para um profissional e sim que
todo mundo entenda pra dentro da sua atuação, tratar da mesma maneira, ou da maneira mais
adequada. Afinal quando o paciente nos indaga, durante o nosso atendimento, sobre questões
pertinentes a algum fator relacionado à saúde mental, eu como profissional tenho o dever moral
de dar alguma resposta, ou pelo menos que eu possa entender aquele sofrimento e correlacioná-
lo com as alterações físico – funcionais que estou tratando (P 5).

O cuidado em saúde mental decorre de uma intrínseca relação entre os serviços de saúde, seus
profissionais, o paciente e sua família, considerando as particularidades de cada contexto cultural, social e
econômico. O domicílio é um espaço em que pessoas portadoras de doenças crônicas e outras afecções
podem viver com boa qualidade de vida e manter a estabilidade da doença (CARDOSO; GALERA, 2011),
desde que a família receba orientação e suporte dos serviços de saúde para isso.

No estágio de Comunidade, lá no Pontal, tive a oportunidade de ver uma vez um matriciamento


do CAPS lá no posto, discutindo o caso de um paciente que morava lá na comunidade e que
inclusive eu atendia. Achei muito interessante a preocupação da equipe do CAPS em ir até a
comunidade para conversar sobre o tratamento desse paciente, conversar tanto com os
profissionais do posto, quanto com alguns familiares (A8).

As pessoas têm sofrido com alterações de cunho psiquiátrico e/ou psicológico decorrente das
mudanças e novas exigências da vida em sociedade. Necessitando de intervenções multiprofissionais para
a sua recuperação. A fala acima indica que a assistência em saúde mental tem abordado novas tecnologias
de cuidado, exigindo compromissos diferenciados dos profissionais que lidam cotidianamente com o

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sofrimento mental. Essas tecnologias devem considerar a ampliação do cuidado para além dos serviços,
entendendo o sujeito dentro do seu contexto de vida.

4.2 Saúde Mental: resquícios de uma formação profissional em construção

O fisioterapeuta, conforme define o COFFITO, 1975 é o profissional de saúde responsável pelas


ações fisioterapêuticas com significativa atuação na sociedade, sempre em busca da globalidade funcional e
biopsicossocial do ser humano. É um profissional que tem como objeto de estudo o movimento humano
em todas as suas formas de expressão e potencialidades.
O curso de Graduação em Fisioterapia da universidade em que o estudo foi desenvolvido
apresenta em seu desenho curricular um elemento direcionador para a interprofissionalização, rompendo
com a estrutura tradicional, centrada nas disciplinas e na formação específica de determinado perfil
profissional. Para tanto, o curso tem um desenho curricular direcionado por cinco eixos integradores
comuns à formação dos diversos profissionais da saúde relativos a cada área de formação, perpassando
por todos os anos da graduação, constituindo-se dos conhecimentos e dos saberes necessários à formação
do discente (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE BACHARELADO EM FISIOTERAPIA, 2016).
Após análise da matriz curricular e do projeto pedagógico do curso, observou-se que dentre as
disciplinas ofertadas, a única que se aproxima de uma abordagem relativa à área de Saúde Mental está
contemplada no eixo Saúde e Sociedade, através da disciplina de Introdução à Psicologia, oferecida nos
semestres iniciais e de caráter generalista, esta tem o objetivo de promover a formação de profissionais da
saúde de forma a torná-los capazes de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença
mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as
dimensões biopsicossociais dos seus determinantes (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE
BACHARELADO EM FISIOTERAPIA, 2016).
Nesse sentido, o estudo indicou que as ementas não apresentam temas mais aprofundados em
relação à Saúde Mental e o papel do fisioterapeuta no cuidado à pessoa em sofrimento mental, o que
pode ser constatado por meio da análise da grade curricular, ementa do curso e das falas dos discentes e
docentes da instituição que demonstra uma lacuna comum à formação do fisioterapeuta. Mesmo a
instituição tendo em seu quadro de unidades assistenciais, serviços de saúde mental, como CAPS e
Hospital Psiquiátrico.

E nós temos enquanto acadêmicos da universidade um campo de estágio, belíssimo, que é o


hospital psiquiátrico e nós não temos oportunidade de fazer estágio lá. Seria um campo riquíssimo
para ter certa experiência nessa prática, além de ter, na graduação, incluído saúde mental,
poderíamos também ter um campo de estágio. Já que temos um hospital disponível pra isso e
que trabalha com esse tipo de estudo, além de lá ter fisioterapeutas também (A9).

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A universidade tem um local de estágio, que é o hospital psiquiátrico, que a gente nunca foi
atuante, a gente nunca mostrou interesse, porque nunca trabalhou mesmo (D2).

Interessante pontuar que, mesmo com as transformações atuais sobre o cuidado e os serviços de
saúde mental, as falas acima, tanto de acadêmicos quanto de docentes, referem como desejo de campo
de prática um hospital psiquiátrico, indicando que falta não só na formação, mas no próprio corpo docente,
conhecimento mais aprofundado sobre a Política Nacional de Saúde Mental.
Dessa maneira, faz-se necessário repensar mais momentos e estratégias de aproximação dos
estudantes com a comunidade, pois a formação deve estar em consonância com as necessidades da
população, e para que isto ocorra, deve haver a aproximação entre ambos, sendo esses profissionais,
portanto, conhecedores dessas necessidades
Ao serem indagados sobre a inserção curricular e desenvolvimento da temática da saúde mental
na formação dos fisioterapeutas, evidencia-se as seguintes ponderações:

A matéria de introdução à psicologia que seria, digamos, uma tentativa de colocar a psicologia
aplicada ao atendimento profissional [...] só que foi assim, uma abordagem que não colaborou
com o que seria importante, falava sobre Freud, história da psicologia [...] quanto à abordagem
do profissional de saúde diante de um paciente que tem uma alteração psicológica, a gente não
tem essa base, não (A4).

Essa inserção é feita pontualmente, porque assim, a gente tem alguns eixos, então em cada eixo
tem algumas aulas pontuais abordadas sobre o tema, porque na verdade a gente não tem um
módulo transversal que trate da saúde mental. No estágio na comunidade, no estágio nos hospitais
é aí que ele vai ter a experiência e a prática com o preceptor do estágio, mais durante a sua
formação isso realmente é muito pontual (D5).

Eu vejo como uma limitação da nossa matriz, então a gente precisa preparar o nosso aluno pra
isso e como essa é uma área que tem ganhado muito espaço na fisioterapia, ela tem que fazer
parte da formação do nosso aluno [...] (D3).

Florêncio, (2015) afirma que a organização curricular precisa oportunizar, desde cedo, a inserção
do discente nos cenários de atuação profissional, considerando-se que o processo de trabalho em saúde
é coletivo e envolve: comunidade, profissionais de saúde, universidade e indivíduo. Desta forma torna-se
imprescindível a inserção do discente nos serviços de saúde durante os primeiros anos do curso,
construindo-se um saber crítico e reflexivo em suas ações profissionais.
Nas entrevistas com os docentes que compõe o NDE do curso de Fisioterapia da universidade
alguns reconhecem a deficiência na formação do estudante, no tocante à integralidade na área da saúde
mental, como se observa nas seguintes falas:

A gente não é, pelo menos aqui na instituição, preparado pra atuar de forma integral nessa área.
A gente não tem essa formação aqui. É uma deficiência que a gente tem (D2).

Eu sempre trabalhei a parte que me cabia, no caso, os distúrbios respiratórios e motores, o foco
nunca foi à visão psiquiátrica. Eu confesso nunca ter pensado nessa possibilidade de abordagem
(D4).

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As falas dos participantes do estudo evidenciam que a abordagem do tema saúde mental no curso
de Graduação em Fisioterapia ainda é escassa, e isso reflete na dificuldade que os discentes e profissionais
da área possuem em argumentar sobre o assunto. Ao tentar fazê-lo, observa-se um conhecimento
superficial e sempre reforçando sentimentos preconceituosos trazidos pela sociedade, corroborando com
a exclusão desses pacientes, conforme podemos constatar nas falas a seguir:

A gente foi assistir a uma palestra no hospital psiquiátrico e aí tivemos que passar por entre os
pacientes e a sensação era de medo. Um profissional da saúde com medo de um paciente?A
fisioterapia precisa ter na matriz curricular a disciplina de saúde mental, e ela não deve ser
trabalhada como uma disciplina de base móvel não deve ser trabalhada de forma diferente [...] eu
acredito que seria de forma sempre correlacionando a saúde mental com o fazer do fisioterapeuta
(A10).

Eu não me sinto não seguro em atender a esses pacientes, por questão de algum tipo de violência
ou acidente de trabalho, então eu tenho muito receio em atender a estes pacientes aqui na
enfermaria [...] deles cometerem alguma agressão e gerar alguma contaminação com a gente (P8).

Eu mesma tenho dificuldade, às vezes eu tenho medo. Se o paciente tiver em surto, eu não sei o
que fazer e eu confesso que tenho medo, inclusive pela minha integridade física, [...] (P12).

Após a escuta, leitura e análise dos conteúdos, percebe-se que o estigma em relação ao paciente
com demanda em saúde mental é consequência da falta de conhecimento específico sobre o tema, além
de preconceito, baseado nas concepções culturais que ainda permeiam na sociedade atual. Além da
incompreensão gerada pela falta de conhecimentos sobre essa questão, consequentemente o acolhimento
a essa pessoa fica prejudicado (CANDIDO, 2012).
Santos et al. (2016), ao apresentarem estudo desenvolvido em universidades do estado da Bahia
com docentes responsáveis por disciplinas de saúde mental nos cursos de Graduação em Medicina e
Enfermagem, apontam o mesmo resultado, indicando que o estigma referente à pessoa com transtorno
mental é um dos entraves, principalmente porque ainda é atribuída as características de periculosidade e
agressividade a essas pessoas.
O fisioterapeuta deve estar consciente de seu papel humanizador no cuidado aos usuários
acometidos por qualquer que seja a doença, atentando para as suas reações psíquicas ante a enfermidade
(SILVA; SILVEIRA, 2011). Apesar de não receberem um preparo específico para lidar com pessoas em
sofrimento mental durante a graduação, o discente de fisioterapia e os profissionais muitas vezes, deparam-
se com a situação durante as aulas práticas e/ou estágios curriculares, assim como em suas atividades
laborais, que exigem conhecimento na área. Conforme vemos nos fragmentos seguintes:

Então, o primeiro contato que eu tive com paciente que tinha distúrbio mental, eu literalmente
não soube como agir, fiquei meio em pânico e até hoje na verdade eu tenho essa dificuldade. Eu
acredito que se tivesse algum curso, se tivesse sido preparada desde a faculdade isso iria me ajudar
muito. Infelizmente eu não tive (P1)

Eu não tenho segurança para abordar especificamente as questões de saúde mental. Na maioria
das vezes, eu me restringi de fato à questão da funcionalidade global, físico, funcional [...]. Apesar

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de enxergar essa necessidade. Mas era algo que eu não me sentia a vontade para fazer, não me
sentia e não me sinto preparada pra fazer [...] (P4).

Isso me causou muitas dificuldades em lidar com esses pacientes, a gente já pegou, assim de cara,
tem que saber lidar, não tem outra opção, você não tem como dizer: não quero não atender,
vou atender outro. Tem que aprender a curto prazo, mesmo sem ter passado por um processo,
atrapalha muito [...] a gente não ter tido nenhuma matéria nesse sentido(A6).

Nos discursos produzidos aqui, evidencia-se rupturas do ensino/aprendizagem em saúde mental,


esperam-se reflexões e ações em torno das mudanças ocorridas e necessárias na formação de
profissionais, com impacto inovador sobre a prática clínica. A participação de profissionais de embasamento
corporal, como o fisioterapeuta, tem se tornado cada vez mais necessária nas equipes de saúde mental,
devido à busca por terapêuticas capazes de minimizar as alterações corporais apresentadas pelos
portadores de transtornos mentais (SILVA et al., 2012).
Os cursos de fisioterapia precisam investir em novos modelos de atenção e formação nesta área
de forma prioritária, para que estes profissionais possam apresentar mais segurança e atuação técnica ao
dirigir sua atenção a estas pessoas. Algumas experiências exitosas precisam ser correlacionadas às práticas
das Universidades, como a experiência do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC),
que oferta o Módulo “Clínica fisioterapêutica em Neurologia e Psiquiatria”, sob a perspectiva da Saúde
Mental, este tem enfoque na atuação fisioterapêutica visando à adequação e inserção do indivíduo na
sociedade. Assim, um dos objetivos singulares do módulo é estimular o aluno ao conhecimento da área
de Saúde Mental, relacionando-a com a atuação fisioterapêutica na perspectiva da saúde pública.
(MORALEIDA; NUNES, 2013).

É importante pelo menos que a gente implante no curso uma experiência, porque campo de
estágio a gente tem (D4).

Deste modo, a formação deve capacitá-lo para a resolução de problemas nos mais diferentes
níveis: prevenção, promoção e recuperação da saúde, visando o atendimento integral e o respeito aos
direitos do usuário (MACIEL, et al., 2005). Para isso, o profissional deve estar preparado para lidar com a
solução dos problemas sociais e para o mercado de trabalho (TEIXEIRA, 2004). Para que haja mudança
na formação profissional, entretanto, além da transformação dos currículos de seus cursos, é necessário
também que haja novas práticas de formação em saúde (FADEL; BALDANI, 2013).
Portanto, é fundamental repensar os currículos das instituições formadoras do fisioterapeuta, no
sentido de abranger o cuidado à saúde das pessoas em sua integralidade, considerando que o profissional
deve estar preparado para lidar com as mais diversas situações, subjetividades e singularidades das pessoas
que se apresentam nos espaços onde o fisioterapeuta pode estar inserido.

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4.3 O fisioterapeuta no cuidado à pessoa em sofrimento mental: transpondo


barreiras.

A participação do fisioterapeuta no atendimento em saúde mental constitui um tema que merece


discussão e produção de conhecimento nos contextos acadêmico, curricular e profissional da área de
fisioterapia, uma vez que o assunto ainda parece desconhecido não somente pelos profissionais, mas por
muitos trabalhadores da saúde em geral. Quando questionados sobre alguma experiência com alguma
demanda em saúde mental, a maioria dos participantes revelou já ter se deparado com a situação e que
não se sentiu preparado no momento.

A maioria dos pacientes que eu peguei, eles já foram usuários de drogas, tinham quadros de
abstinência, [...] e aí foi bem difícil, porque não é a realidade que o acadêmico de fisioterapia, pelo
menos passa durante a graduação [...] nas práticas, nas vivencias... não é uma coisa que ele vê no
dia a dia, então é bastante chocante na verdade, um impacto( A10).

Relatou que tava como se fossem uns mosquitos mordendo ele [...] e [...] tipo ele não realizou a
fisioterapia nesse dia justamente por isso e [...] foi passado pra mim que poderia ser uma crise de
abstinência (A6).

E a gente como profissional que não vimos nada disso durante a graduação, fica muito difícil de
entender tal situação, até mesmo para ajudar ao outro, é difícil (D7).

A formação do fisioterapeuta deverá estar voltada ao cuidado integral do usuário, ou seja, não
somente do ponto de vista físico, mas também social ético e humano (SILVA; SILVEIRA, 2011). Além disso,
a integralidade abrange a interação entre os usuários e os profissionais de saúde para a execução de terapias
ajustadas na compreensão da pessoa e de suas necessidades (OLIVEIRA; ANDRADE; GOYA, 2012). Logo,
o fisioterapeuta, precisa ter o conhecimento e a compreensão acerca da humanização, integralidade e
particularidade do ser humano, como também qual é a sua função diante dos usuários dos serviços,
aceitando-os com suas reações psíquicas e atitudes ante a enfermidade (SILVA; SILVEIRA, 2011).
O fisioterapeuta deve então entender o indivíduo como um todo, pois, independentemente de
sua situação de saúde-doença, seu corpo fala. O fato dos transtornos psiquiátricos terem uma origem
psicológica não quer dizer que não se manifestem em sintomas físicos reais (DALTRO; GARCIA, 2016).
O entendimento das repercussões que os quadros de sofrimento mental produzem é importante,
tanto para a parte clínica quanto para a questão social na fisioterapia (GARCIA, 2008). O profissional que
se queixa da sua carência na formação em saúde mental, exerce muitas vezes a função de
professor/preceptor dos discentes que, também, apresentam a mesma deficiência em sua matriz curricular.
(SILVA, et al, 2015).
Com a análise das falas dos participantes da pesquisa, pode-se inferir que nas três categorias
participantes do estudo, o ponto de intersecção esteve voltado para o déficit na formação em saúde mental
na graduação, o que contribuiu para o distanciamento científico nesta área. E o que se percebe também é

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que no curso de Fisioterapia estudado, essa defasagem na formação ainda ocorre. E em relação à inserção
do tema na matriz curricular, a maioria dos docentes que compõem o NDE do curso, ainda apresenta
soluções distanciadas e abstratas. Implicando com isso, uma continuidade deste processo formativo
incompleto, na perspectiva da integralidade.
Deste modo, as Universidades devem exercer seu papel formador e orientador quanto à
integralidade do cuidado e isso perpassa também pela formação acadêmica e profissional. O fisioterapeuta
precisa ter o conhecimento quanto ao seu papel no contexto do cuidado em saúde mental, visando
contribuir para a reinserção social das pessoas em sofrimento mental e para a reorientação dos modelos
de atenção em saúde.

5 CONCLUSÃO

Os depoimentos dos participantes do estudo, bem como os dados da análise documental,


denotam que a formação do fisioterapeuta para atuar na saúde mental é deficiente, posto que a matriz
curricular do curso, na instituição pesquisada, não apresenta este conteúdo de maneira estruturada,
ressaltando não haver preparação durante a Graduação, perpetuando essa carência na formação na
perspectiva generalista e humanista, como apontam as Diretrizes Curriculares do curso.
A inserção do fisioterapeuta no campo da saúde mental, contudo, é um assunto pouco discutido
e ainda desconhecido pelos profissionais de saúde, pela população e pelos próprios fisioterapeutas. Espera-
se, portanto, que a matriz curricular dos cursos de fisioterapia priorize também conteúdos da área de
saúde mental, uma vez que estão evidentes os benefícios da fisioterapia na reabilitação biopsicossocial,
além disso, estes poderão deparar-se, em sua prática, com a necessidade de conhecimento mais
aprofundado na área, sem, entretanto, estar preparado para atuar, devido à lacuna em sua formação.
Neste sentido, os achados poderão ampliar a produção de conhecimentos no campo da
fisioterapia na saúde mental, bem como a inserção na matriz curricular de conhecimentos específicos em
saúde mental, trazendo a novidade de sua articulação com este campo o que possibilita o repensar em
relação à integralidade do ser humano nas ações de saúde.

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A formação do fisioterapeuta e sua intersecção com a Saúde Mental: percepções dessa realidade
Murillo Nunes de Magalhães | Mara Cristina Ribeiro

VIEIRA, Valter Afonso; TIBOLA, Fernando. Pesquisa qualitativa em marketing e suas variações: trilhas
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