Trabalho e Nomadismo Digital: Práticas, Sentidos e Regulações. Uma Introdução
Trabalho e Nomadismo Digital: Práticas, Sentidos e Regulações. Uma Introdução
Trabalho e Nomadismo Digital: Práticas, Sentidos e Regulações. Uma Introdução
129 | 2022
Número semitemático
Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/rccs/13942
ISSN: 2182-7435
Editora
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Edição impressa
Data de publição: 1 dezembro 2022
Paginação: 77-84
ISSN: 0254-1106
Refêrencia eletrónica
Ana Paula Marques, Elísio Estanque, Esser Jorge Silva e Ricardo Colturato Festi, «Trabalho e
nomadismo digital: práticas, sentidos e regulações. Uma introdução», Revista Crítica de Ciências
Sociais [Online], 129 | 2022, publicado a 10 fevereiro 2023, consultado a 14 fevereiro 2023. URL: http://
journals.openedition.org/rccs/13942
alteraram radicalmente o mundo laboral, marcado cada vez mais por infinitas
fragmentações e vulnerabilidades, mas onde também alguns – poucos –
alcançaram privilégios à sombra de uma disputa global em que a economia
e os mercados foram muito além dos investimentos produtivos, inventando
cadeias de valor com base na multiplicação de capitais e, muitas vezes, na
especulação financeira. O capital a gerar capital tornou-se mais aliciante e
auspicioso do que os projetos de investimento produtivo, enquanto a ino-
vação no campo da informática e do digital ajudavam a suprimir milhões
de empregos substituídos pelos novos equipamentos informáticos e pela
automação. Daí a proliferação de novas divisões sociais, novas subclasses, a
criação de fraturas abissais e desigualdades, entre incluídos e excluídos, ricos
e pobres, homens e mulheres, Norte e Sul global e tudo isto vem ocorrendo
em paralelo com um reforço do poder capitalista que opera na escala do
planeta, como bem argumenta Klaus Dörre (2022), uma expropriação dos
subalternos para os mais poderosos, praticamente sem resistência ou lutas
sociais significativas. Perante a multiplicação e desdobramento de novos e
mais frágeis vínculos laborais – com as subcontratações, o tráfico ilegal de
mão de obra, as formas flexíveis de trabalho temporário cada vez mais asso-
ciadas à expansão do campo digital, dos platform workers, da “uberização”
e, em geral, das novas ocupações desreguladas e sem direitos – cresceu todo
um exército de espoliados, segmentos vulneráveis da força de trabalho –
ainda que em muitos casos com qualificações escolares avançadas, como
ocorre na Europa – que, no entanto, parecem aceitar sem resposta a sua
condição precária e servil. Nasceu e consolidou-se, como denunciou Ricardo
Antunes (2018) uma nova “classe-que-vive-do-trabalho” onde grassa, sob
diversas formas, a exploração e a precariedade, inclusive apoiadas nas
plataformas digitais que aceleram e replicam a ausência de mecanismos
de regulação da força de trabalho (Huws et al., 2017). Perante tal cenário,
parece-nos difícil diagnosticar, na linha de Guy Standing (2013), que tais
camadas constituem uma nova “classe em formação” (o precariado) a não ser
que – muito voluntariamente – se imagine que este “exército de precários”
algum dia dará origem a um ator coletivo no sentido dado por Thompson
(1963), capaz de se organizar politicamente ou que possua algum esboço de
identidade coletiva ou ainda uma “experiência ou consciência de classe”.
Acresce que essa “classe-que-vive-do-trabalho”, que é constituída por uma
miríade quase ilimitada de condições, formas contratuais, informalidades,
tráfico de mão de obra, trabalho doméstico, nomadismo digital, etc., não
pode deixar de fora o pequeno empreendedor, o microempresário, o homem
do quiosque que trabalha arduamente com a sua família para poder viver
do seu pequeno negócio.
80 | Ana Paula Marques, Elísio Estanque, Esser Jorge Silva, Ricardo Colturato Festi
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Trabalho e nomadismo digital: práticas, sentidos e regulações. Uma introdução | 83
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Elísio Estanque
Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra | Centro de Estudos Sociais,
Universidade de Coimbra
Av. Dias da Silva, 165, 3004-512 Coimbra, Portugal
Contacto: estanque@fe.uc.pt
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6992-3397
Contributos: Concetualização, Redação do rascunho original, Redação – revisão e edição.
https://doi.org/10.4000/rccs.13942