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Filha o Da Mãe o Sofrimento Ético-Político de Mães Solo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

VALENTINA CABRAL LOPES DOS SANTOS

FILHA/ O DA MÃE: O SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO DE MÃES-SOLO NA


PERSPECTIVA INTERSECCIONAL

São Luís
2022
VALENTINA CABRAL LOPES DOS SANTOS

FILHA/ O DA MÃE: O SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO DE MÃES-SOLO NA


PERSPECTIVA INTERSECCIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Psicologia da


Universidade Federal do Maranhão (UFMA) como
requisito para a obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia com Formação em Psicólogo (a).

Orientadora: Prof.ª Dra. Claudia Aline Soares Monteiro

São Luís
2022
VALENTINA CABRAL LOPES DOS SANTOS

FILHA/ O DA MÃE: O SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO DE MÃES-SOLO NA


PERSPECTIVA INTERSECCIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Psicologia da


Universidade Federal do Maranhão (UFMA) como
requisito para a obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia com Formação em Psicólogo (a).

Aprovada em:_____________________________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Prof.ª Dra. Claudia Aline Soares Monteiro (Orientadora)
Doutora em Psicologia (UnB)
Universidade Federal do Maranhão

_______________________________________________
Prof.º Dr. Ramon Luís de Santana Alcântara (Examinador)
Doutor em Políticas Públicas (UFMA)
Universidade Federal do Maranhão

_______________________________________________
Prof.ª Virgínia Teles Carneiro (Examinadora)
Doutora em Psicologia (UFBA)
Universidade Federal de Campina Grande

______________________________________________
Prof.ª Dra. Rosane de Sousa Miranda (Suplente)
Doutora em Psicologia Social (UFPB)
Universidade Federal do Maranhão

São Luís
2022
À todas as mulheres que lutam pelo direito de
ser. Mulheres inspiram mulheres!
AGRADECIMENTOS

Não foi uma caminhada fácil. Ao longo desses 5 anos, foram diversos momentos
desafiadores dentro e fora da graduação, e como nada a gente faz sozinho na vida, é mais que
indispensável esses agradecimentos a todas as pessoas que fizeram com que esse percurso fosse
menos doloroso e mais gratificante. Sem vocês nada seria possível de ser realizado!
Em primeiro lugar, agradeço às forças divinas pela proteção diária e por me guiarem
para o caminho do bem.
À mulher mais importante da minha vida, que muito me tem e a quem tanto zelo. Te
amo, mãe! Espero que essa escrita seja motivo de orgulho a você, pois é a quem dedico.
Agradeço com muito afeto a minha família inteira, em especial a minha tia e madrinha
Marise por estar sempre junto a mim, por me socorrer nos embaraços da vida e por ter me dado
Maysa, minha prima/irmã/filha, meu amor.
Não podia em tempo algum deixar de agradecer as minhas tias Lulu, Raquel e tia Magá:
vocês são minhas preciosidades! Sempre dispostas a ajudar e me dar abrigo (literalmente).
Obrigada por simplesmente permanecerem, por não desistirem de mim e por me ensinarem a
matemática (mesmo eu não gostando rs), estarem nas apresentações da escola e me ajudarem
com esse trabalho. Além disso, a todos os meus primos e primas pelas memórias de infância e
por todas que ainda estamos construindo. Amo vocês!
À minha bebezinha, Pituca. Obrigada por me acompanhar nesse e em tantos trabalhos
pela janela da cozinha, pedindo carinho com o focinho gelado.
Agradeço também a minha vó, dona Lucília (in memoriam). Te sinto todos os dias e
continuo por você!
Ao meu parceiro de vida, meu amor: Felipe, todos dias agradeço a sorte de poder
caminhar lado a lado contigo. É muito bom saber que posso sempre contar com tuas gentilezas,
afeto e amor.
À minha amiga Paula Pinheiro, tu com toda doçura que te cabe sabe um tanto de mim e
ainda assim é minha amiga desde os tempos de colégio. Nos momentos mais difíceis, tuas
palavras foram conforto para mim, obrigada. Ao meu grande amigo, quase irmão: Gabriel
Lobato, obrigada por compartilhar tantos momentos felizes. Amo vocês!
Antes de passar em Psicologia, comecei em Serviço Social. Foi pouco tempo, mas de
uma coisa tenho certeza: fiz amigos para a vida inteira! Gostaria de agradecer em especial à
Beatriz Costa, Brunna Sousa, Natália Dequeixes e Weslley Guimarães. Quanta coisa já vivemos
até aqui! Dentre os momentos felizes e tristes, o mais importante é que continuamos a nossa
amizade. Fico imensamente feliz de tê-los em minha vida e grata por continuarmos tendo a
mesma conexão de 2016.
Agradeço ainda aos meus amigos que fiz dentro da graduação, com vocês tudo foi mais
leve. Começo falando do meu quarteto, que desde o início estivemos juntos e que espero que
possamos continuar com tantas trocas enriquecedoras. Ao meu amigo e dupla de todos os
trabalhos possíveis, Thales Soares, é tão fácil gostar de ti, obrigada por completar a minha risada
das coisas mais bobas e por todas as caronas. Agradeço também a Bianca Dilara: engraçado
como mesmo nos vendo em diversos outros espaços nós nunca havíamos trocado uma palavra
e agora ficamos tão próximas, principalmente nesse fim de curso. Te agradeço por toda
paciência comigo e por escutar todos os meus “surtos” na construção desse trabalho. À
Gleiciane Gomes, obrigada minha amiga por todas as trocas nas idas e vindas do 311 e caronas,
foram especiais.
As minhas queridas companheiras de sala e de estágio, local em que ficamos mais
próximas, Larah Bogea, Laura Neves e Renata Amador. Como é bom poder fofocar sobre a
vida com vocês! Estendo ainda a minha querida, Adriana Silveira, que sempre esteve conosco
e que também tenho grande carinho. Agradeço também a minha amiga Danielle Gonçalves por
todas as conversas sobre a vida e sobre o fazer psicológico, e por ter me acompanhado na
observação da Oficina de Conexão Criativa, foi muito importante para mim!
À minha orientadora Claudia Aline Monteiro, quem me deu suporte na orientação desse
trabalho, mas também que foi uma excelente professora, supervisora de estágio, coordenadora
de projeto de extensão, a quem fui monitora de disciplina e que hoje é também minha amiga.
Obrigada por tantas oportunidades e por acreditar em mim de tal forma que nem eu mesma
vislumbrava. Muito do que tenho construído profissional e pessoalmente é graças a você.
Estendo ainda meus agradecimentos ao Prof. Edson Bezerra, que me abriu a experiência de
conhecer a ACP e aos colegas do Projeto de Extensão Plantão Psicológico Centrado na Pessoa,
em especial Karlesandra Batista, pela união e comprometimento de lutar por uma Psicologia
gratuita, democrática, comprometida com o social e, claro, com um olhar ético-político
apurado.
Agradeço ainda a toda banca examinadora pelo aceite em ler essa pesquisa tão cara para
mim. Em especial, agradeço muitíssimo ao prof. Ramon Alcântara, que sempre acreditou na
potencialidade desse estudo e por todos os ensinamentos, descolonizando espaços e saberes da
Psicologia. Prolongo meu agradecimento a todo o Departamento de Psicologia da UFMA,
sobretudo ao prof. Lucas Guimarães, por sempre responder tantas dúvidas minhas com ternura.
Preciso ainda agradecer a Fernanda Albino, representante do Clube de Mães Caiane
Mateus e toda equipe técnica, vocês foram imprescindíveis para confecção desse trabalho.
Amplio também as mulheres mães participantes dessa pesquisa que muito me fizeram refletir e
desconstruir minha prática. Obrigada pela acolhida e disponibilidade comigo!
Sei que ficará faltando nomear muita gente, mas a todos aqueles que direta ou
indiretamente me ajudam a ser alguém melhor todos os dias: nós conseguimos, obrigada!
“Que nada nos defina, que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja nossa própria substância,
já que viver é ser livre (...)”
Simone de Beauvoir
RESUMO

Em meados do século XIX, a maternidade no contexto ocidental é encarada como o papel mais
importante na vida de uma mulher. Os movimentos feministas no Brasil e no mundo fizeram e
fazem um grande marco na história das políticas públicas efetivas ao gênero feminino. Contudo,
embora se saiba e reconheça a importância dos movimentos sociais no que se refere à conquista
dos direitos das mulheres, ainda há muitas questões a serem refletidas e discutidas com relação
à maternidade. Em contraponto ao termo mãe-solteira, historicamente utilizado para identificar
as mulheres que criam os seus filhos sozinhas, a expressão mãe-solo tem se popularizado na
sociedade atual como uma tentativa de desconstruir a definição pejorativa que está relacionada
ao estado civil da mulher com o fato de ser mãe. Mudar a forma de se referir a essas mulheres
visa, desta maneira, dissolver nuances de preconceito com as genitoras que não têm qualquer
relação com o pai de seus filhos, seja por terem se separado, ou porque optaram por serem mães
sem necessariamente estar em uma relação conjugal, entre outros motivos. Desse modo, o
presente estudo trata-se de uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa de caráter
descritivo, que visou compreender a vivência da maternidade-solo a luz da categoria sofrimento
ético-político em uma perspectiva interseccional. As participantes deste estudo foram 5
mulheres adultas, que possuem filho(s) e assumiram a maternidade de maneira solitária, em
situação de vulnerabilidade socioeconômica do Clube de Mães Caiane Mateus, na cidade de
São Luís no estado do Maranhão. A pesquisa se dividiu em 2 fases: o questionário
sociodemográfico com entrevistas individuais e a Oficina de Conexão Criativa com o grupo de
mulheres participantes. Nesses termos, identificou-se um latente sofrimento psíquico nessas
mulheres, por conta da sobrecarga, da responsabilidade exclusiva no amparo da família, da falta
de uma maior e completa rede de apoio e de políticas assistenciais específicas para esse tipo de
maternagem, o que provoca um sofrimento ético-político. Logo, os marcadores sociais de
gênero, raça, classe, idade e territorialidade fazem com que estas mães-solo estejam ainda mais
distantes de ações afirmativas que possam às contemplar.

Palavras-chave: Mãe-solo; Psicologia Social Comunitária; Sofrimento ético-político;


Interseccionalidade.
ABSTRACT

From the start of the nineteenth century, motherhood has been seen as the most important role
of a woman’s life. Feminist movements in Brazil and abroad had (and continue to have) a huge
impact in the history of effective, gender oriented public policies. However, although we
recognize the importance of social movements when it comes to conquering women’s rights,
there are, still, many questions that need answering concerning the topic of motherhood. In
reference to the term ‘single mother’, historically used as a way to identify women who raise
their children on their own, the expression ‘solo mother’ has grown in popularity in today’s
society as an alternative to the former term, known to be a derogatory expression of
motherhood, correlating a woman’s marital status to maternity. For a very long time, this term
was used as a way to forward and mantain patriarchal societies, in which motherhood represents
one of the many elements of subjugation of the female sex. Changing the manner of referring
to these women means to dissolve the prejudice associated with mothers who have little to no
contact with the father of their children, who are divorced or had simply decided to become
mothers without the aid of a partner. Therefore, this work is based on a field research of
qualitative and descriptive character, whose aim is to understand the impacts of solo mothering
in the lives of poor, socially vulnerable women, using Bader Sawaia’s (1999) ethical and
political suffering as a concept to reflect theoretically and methodologically on the various
kinds of inequalities found on this form of maternity, along with the interseccional theory, that
proposes the structural inseparability between racism, capitalism and cisheteropatriarchy. The
participants of this study will be five adult cis gender women that are part of the Clube de Mães
Caiane Mateus, located in the city of São Luís-MA, who raise their children on their own and
face social and economic vulnerability (low income) as well. This research is divided in two
stages: a sociodemographic questionnaire with one-to-one interviews and a focus group with
the participants. On these terms, it was identified a latent psychological suffering amongst these
women, due to the burden of shouldering exclusive responsibility for the provision of their
families, in addition to a lack of a support network and assistance policies - all of which are
factors that instigate ethical and political suffering. Thus, the social markers of gender, race,
class, age and territoriality distance these solo mothers from affirmative actions that may
contemplate them.

Keywords: Single Mother. Social Community Psychology. Ethical-Political Suffering.


Intersectionality.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 FILHO DA MÃE? ............................................................................................................... 18
2.1. Mas filho de que mãe? A maternidade e suas implicações na perspectiva social
crítica.................................................................................................................................... 19
2.2 A mãe-solo negra: questões interseccionais ................................................................ 22
3 OS IMPACTOS DO SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO NA SAÚDE MENTAL DAS
MÃES-SOLO .......................................................................................................................... 26
3.1 Os efeitos da invisibilização na saúde mental das mães-solo .................................... 26
3.2 A Pandemia ................................................................................................................... 30
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS .................................................................................... 33
4.1 Considerações Éticas .................................................................................................... 33
4.2 Delineamento de Pesquisa ............................................................................................ 33
4.3 Participantes .................................................................................................................. 34
4.4 O Clube De Mães Caiane Mateus ................................................................................ 36
4.5 Instrumentos e Materiais ............................................................................................. 37
4.6 Procedimentos ............................................................................................................... 38
4.6.1 Coleta de Dados ...................................................................................................... 38
4.6.2 Análise de Dados .................................................................................................... 40
5 DIÁLOGOS ACERCA DA MATERNIDADE-SOLO: UM OLHAR VIVENCIAL .... 44
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 67
APÊNDICES ........................................................................................................................... 72
12

1 INTRODUÇÃO

Em meados do século XIX, a maternidade no contexto ocidental é encarada como o


papel mais importante na vida de uma mulher. Desde a infância, é imposto ao gênero feminino
os cuidados com a casa e com os filhos. Isso é demonstrado principalmente pelos brinquedos
(por exemplo, bebês e cozinha) dados às crianças do sexo feminino. Em disparidade, os
brinquedos entregues aos meninos sempre convocam para uma diversidade de escolha de
carreira, como bombeiro, aviador, astronauta, policial e dentre outros; enquanto que para a
mulher ainda se é esperado o lugar de bela, recatada e do lar.
Os movimentos feministas no Brasil e no mundo fizeram e fazem um grande marco na
história das políticas públicas efetivas ao gênero feminino. A partir da Revolução Francesa,
surge mais visceralmente o feminismo, denunciando a opressão sofrida por conta do gênero,
em busca dos direitos humanos, civis e políticos, onde houvesse igualdade as mulheres.
Posteriormente, no movimento sufragista, as mulheres brancas passam a reivindicar os seus
direitos, como a garantia do voto, participação política e pública e a busca pela liberdade
trabalhista. Contudo, apesar do rompimento da escravidão, as mulheres negras destinavam-se
ainda a ocupar trabalhos, muitas vezes insalubres, “sofrendo as dores da privação econômica”
(DAVIS, 2016, p.94). Atualmente, os movimentos feministas latino-americanos, em maioria,
reivindicam pelos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, tendo como pauta a questão da
legalização do aborto (SANTOS, 2010).
As lutas travadas também modificaram, em certa medida, alguns aspectos jurídicos. As
alterações legislativas foram essenciais não apenas para a emancipação feminina em alguns
pontos, como também para o alargamento do conceito de família, sobretudo na forma de sua
constituição, para além do relacionamento conjugal. Menciona-se, por exemplo, o Estatuto da
Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962 – retirada da mulher casada enquanto indivíduo incapaz,
tornou-se facultativo o recebimento do sobrenome do marido, autorização de exercer toda e
qualquer profissão e a não restituição do poder familiar em relação aos filhos, caso a mãe
contraísse novas núpcias); Emenda Constitucional do Divórcio (EC 9/77 - rompimento do
vínculo matrimonial) e a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77 – rompimento do vínculo matrimonial),
Constituição Federal de 1988 (igualdade entre homens e mulheres, e reconhecimento da família
monoparental), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90 – previu igualdade entre
pai e mãe de poder familiar ), a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/96 – compreende o
Sistema Único de Saúde enquanto responsável pelo planejamento familiar, que é a garantia de
13

direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole) e o Código Civil de 2002


(consagrou novos arranjos familiares). Vale ressaltar, que o reconhecimento das famílias
monoparentais pela Constituição Federal de 1988 é um marco para as famílias formadas por
uma pessoa e seus descendentes, posto que exclui a necessidade de relação conjugal para sua
existência, inaugurando uma nova forma de constituição familiar (BORGES, 2020).
Embora sejam marcos importantes para os direitos do gênero feminino, ocasionados
pelos movimentos sociais, ainda há muitas questões a serem refletidas e discutidas. Cada vez
mais as mulheres conquistam a liberdade de exercer sua sexualidade desvinculada do
matrimônio, podendo planeja-la, decidindo ou não pela maternidade, além de adiá-la até o
momento que considerar mais propício para si. Contudo, ainda há uma pressão in(visível) da
massa para a mulher assumir a função de maternar. É o que se pode chamar-se de maternidade
compulsória: uma imposição social para que a mulher se torne mãe, visto que, nesse contexto,
ela atingirá teoricamente sua total completude. Dessa maneira, pode-se questionar sobre esse
ideal romântico de ser mãe, além desse amor materno que é tão afirmado como incondicional
e inato a mulher. Questiona-se ainda, até que ponto se cobra pela paternidade dos homens como
exige-se a maternidade das mulheres? Tais questionamentos são críticas a uma cultura que
perpetua uma visão da mulher a partir de sua natureza biológica, que consequentemente, associa
sua capacidade de gerar e ser mãe à construção de sua identidade como mulher (SOUZA;
FRANCA; DE DEUS, 2019).
Nesse sentido, tratando-se da maternidade em si e das mais diversas áreas da vida da
mulher, pode-se dizer que com a possibilidade de escolha de trabalho fora de casa, a mulher
passa a se encontrar em dupla - e muitas vezes até tripla – jornada. Além dessa jornada
exaustiva, por conta do viés onde o sexo feminino ainda está muito afincado nos afazeres
domésticos, cuidado com os filhos e com os mais velhos, essa mulher sobrevive tentando
sempre dar conta de tudo. Nesse cenário, de acordo com as autoras Souza, Franca e de Deus
(2019, p. 03) no geral, o que se identifica são mulheres sobrecarregadas, infelizes, excluídas e
culpabilizadas, “já que quanto mais próximas e preocupadas são às mulheres, no que tange à
maternidade, mais são vistas como invasivas, e quanto mais distantes do papel de cuidadoras,
mais são tidas como negligentes e egoístas. Logo, a culpabilização se torna inerente à
maternidade”.
Na atualidade, tendo em vista que ainda se sofre uma grave crise sanitária, abordar a
respeito da maternidade em consonância ao novo contexto é indispensável. O vírus infeccioso
SARS Cov – 2, mais popularmente conhecido como covid-19, que se manifestou inicialmente
14

na China, espalhou-se ao longo do tempo ao redor do mundo. A pandemia ocasionou diversas


consequências gravíssimas nas diferentes áreas da vida. Somente no Brasil, mais de 600 mil
pessoas faleceram em decorrência do vírus (BRASIL, 2021). Os efeitos da situação pandêmica
vigente incidiram também sobre a maternidade, visto que houve a necessidade do isolamento
social, logo se desaparece toda uma rede de apoio. Além disso, o desespero frente ao
adoecimento, a morte, ao processo de luto e a sobrecarga das multitarefas executadas durante
esse momento trazem sequelas ao psicológico. Dessa forma, o cuidado modificou-se
integralmente para o filho e para os afazeres domésticos, levando em conta a dinâmica
patriarcal, opressora e machista de modo naturalizado ao feminino. Muitas foram as mulheres
que perderam seus empregos, quando não, tiveram que se adaptar ao modelo home office. Outro
caso, foi a situação dos profissionais da linha de frente, onde muitos deles encontravam-se em
condições mais insalubres tiveram que ir presencialmente para manutenção do emprego, como
exemplo as empregadas domésticas. As redes de apoio e vínculo podem também ser citadas
havendo esse afastamento, gerando sofrimentos psicológicos, além da sobrecarga materna com
o convívio familiar e atenção aos filhos mais aflorada. Elucida-se que o contexto apresentado
faz um paralelo na perspectiva das famílias de modo geral, uma vez que se tratando de famílias
monoparentais há ainda outras variáveis.
Com relação aos dados específicos das famílias monoparentais, segundo estudo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 38,7% dos 57,3
milhões de domicílios registrados eram comandados por mulheres (chefes de família); e de
acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em mais de 42% destes lares a
mulher vivia somente com os filhos, sem marido ou companheiro (Ipea, 2011). Outro ponto
abordado pelo estudo, é que o Brasil ganhou 1,1 milhão de famílias compostas por mães sem
cônjuge nos últimos anos, passando de 10,5 milhões em 2010 para 11,6 milhões em 2015
(BRASIL, 2018).
Ainda de acordo com IBGE (2019), pela pesquisa “Análise das Condições de Vida da
População Brasileira”, cerca de 63% das famílias comandadas por mulheres negras sem cônjuge
e com filhos de até 14 anos vivem com montante de R$ 420,00 reais, o mesmo recorte cai para
39,6% abaixo da linha da pobreza para famílias sob o comando de mulheres brancas. Já na
pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2012), identificou-se que 48% das mães saem de
seus trabalhos nos primeiros doze meses após o nascimento de seus filhos. As concretudes da
vida enfrentadas por essas mulheres nos aspectos socioeconômicos fazem com que muitas
estejam em condições de vulnerabilidade social de pobreza e marginalização. Diante disso,
15

percebe-se que houve um crescimento significativo de mães-solo no país. Mas o que significa
ser mãe-solo?
Em contraponto ao termo mãe-solteira, historicamente utilizado para identificar as
mulheres que criam os seus filhos sozinhas, a expressão mãe-solo tem se popularizado na
sociedade atual como uma tentativa de desconstruir a definição pejorativa e relacionada ao
estado civil da mulher com o fato de ser mãe. Por muito tempo, o termo foi tratado sob a visão
de controle da sociedade patriarcal, na qual a maternidade se apresenta como elemento de
subjugação da mulher em relação ao homem. Mudar a forma de se referir a essas mulheres visa,
desta maneira, dissolver as nuances de preconceito com as genitoras que não têm qualquer
relação com o pai de seus filhos, ou com mães que se separam, ou mães que optaram por serem
mães sem necessariamente estar em uma relação conjugal. Contudo, por conta dos aspectos
históricos supracitados, ainda há uma série de estigmas vinculados ao assumir a maternidade-
solo (SILVA; CASSIANO; CORDEIRO, 2019).
Se ser mãe, mesmo em um formato triangular (mãe, pai e filho) já se caracteriza como
uma responsabilidade gigantesca que incide sobre a mulher, quando trata-se de mães-solos essa
responsabilidade torna-se exclusiva. Com isso, aponta-se que as principais dificuldades de ser
mãe-solo no Brasil estão na tentativa de equilibrar trabalho e maternidade, tendo em vista que
geralmente é ela que também deve garantir o dinheiro para o sustento da família. Além disso,
para essas mães há uma solidão sentida em todos os afazeres necessários para o cuidado com
os seus filhos, deixando pouco tempo para si mesma, como beleza e momentos de lazer, e
focando na família e na sobrevivência da mesma. Ressalta-se que as variáveis geradas por conta
do período pandêmico afrouxam ainda mais as desigualdades sociais pertencentes a este modelo
familiar nas mais diversas áreas da vida.
Desse modo, a presente pesquisa é perpassada pela inquietação da autora no
entendimento das experiências e sentidos de mulheres mães no processo da maternidade-solo.
Esta pesquisa se justifica, primeiramente, por fatores pessoais. Sou uma filha de uma mãe-solo,
experienciei em primeira mão as dificuldades vividas numa família monoparental. A minha
mãe assumiu, desde os meus dois anos de idade, a responsabilidade e dedicação exclusivos aos
cuidados da casa e da família. Dessa forma, não foi fácil manter o emprego, pagar as contas e
a manter a atenção à maternidade. Sabendo que não somente ela, como milhares de mulheres
precisam enfrentar essa realidade, e que não há políticas públicas específicas aos cuidados de
quem cuida, precisou-se não somente teorizar como partilhar de alguns momentos com mães-
solo que sabem as dores e delícias desse tipo de maternidade. Além disso, em concordância
16

com a luta pelos direitos de todas as mulheres, especialmente direitos reprodutivos e sexuais,
sabendo ainda a importância de meios sociais que estejam na promoção de saúde das mulheres,
para além da legalização do aborto.
O trabalho justifica-se ainda, por conta do cenário social em que a maternidade é
encarada como a fase mais importante da mulher, havendo um ideal romântico de maternidade
acima de questionamentos a maternidade real, o que será explorado e desconstruído com a
pesquisa, visto caráter original e atual da temática. Além disso, quando se trata da maternidade-
solo, torna-se ainda mais dificultoso o acolhimento dessa família pela sociedade, e cabe a
Psicologia discutir e se ocupar desses lugares e questões, possuindo importância social,
econômica e política. Apesar dos diversos estudos abordando acerca da temática da
maternidade, será de grande ganho científico e social uma pesquisa que retrate a realidade da
capital de São Luís.
O principal objetivo dessa investigação é compreender a vivência da maternidade-solo
à luz da categoria sofrimento ético-político em uma perspectiva interseccional. Outro objetivo
fundamental foi de identificar qual a visão sobre a maternidade-solo para cada uma das
participantes. Dessa forma, havia também uma perspectiva de investigar os modos e meios de
vida 1 dessas mulheres que vivenciam a maternidade-solo. Por fim, como último objetivo da
vigente pesquisa foi de analisar quais as maiores mudanças psicológicas e sociais após ser mãe-
solo na vida dessas mulheres.
A metodologia utilizada para a seguinte investigação foi a pesquisa de campo de
abordagem qualitativa de modo descritivo, de acordo com Gil (2008), Minayo (2013) e
Prodanoy (2013). Escolheu-se para esta pesquisa o modo qualitativo, por conta de que se
“considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido
em números” (PRODANOY, 2013, p.70). Esse tipo de pesquisa é entendida enquanto “aquele
que se ocupa do nível subjetivo e relacional da realidade social e é tratado por meio da história,
do universo, dos significados, dos motivos, das crenças, dos valores e das atitudes dos atores
sociais” (MINAYO, 2013, p. 22), tendo por objetivo levantar as opiniões, atitudes e crenças de
uma população, de acordo com Gil (2008).

1
Assume-se, aqui, a concepção proposta por Monteiro, Silva e Bezerra (2019, p. 93): “Quando utilizamos o termo
‘modo e meio de vida’, estamos referindo-nos a orientações ideológicas (que implicam em orientações políticas
religiosas, afetivas, sexuais, etc.) e ao lugar que a pessoa ocupa na dinâmica capital-trabalho em prol de sua
subsistência (pessoal e familiar), respectivamente”.
17

O texto foi organizado em duas seções de estudos bibliográficos, onde pôde-se refletir
e discutir a maternidade a partir dos referenciais teóricos: o conceito de sofrimento ético-
político de Bader Sawaia (1999) e a ferramenta de análise da interseccionalidade. No primeiro
capítulo, se discorre acerca do histórico da maternidade no Brasil e no mundo, assim como
algumas diferenças na maternidade para mulheres brancas e negras. Já no segundo capítulo,
será explanado acerca dos impactos na saúde mental das mães-solo a partir de tantas
adversidades a serem vencidas, contextualizando ainda a pandemia por covid-19.
Ao longo do trabalho, será apresentado a pesquisa em si a partir da análise de conteúdo
de Bardin (1977), onde possibilitou-se desenvolver as categorias a partir de premissas aceitas
pela pesquisadora, dentro do conhecimento teórico que detém acerca da maternidade-solo, de
modo a atribuir significados mais amplos aos conteúdos analisados. Essa análise foi realizada
a partir da observação, questionário, entrevista e oficina grupal, o que sinaliza um modo um
pouco mais integral de compreensão desse fenômeno na concretude de vida dessas mulheres.
Assim sendo, a partir das questões introduzidas, dar-se-á como foco principal a construção das
múltiplas nuances para o gênero feminino que vive a maternidade-solo.
18

2 FILHO DA MÃE?

Uma gota de leite me escorre entre os seios/ Uma


mancha de sangue me enfeita entre as pernas/ Meia
palavra mordida me foge da boca/ Vagos desejos
insinuam esperanças/ Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida. [...] (Conceição Evaristo, 2008, trecho
do poema “Eu-mulher”).

Ao longo do tempo, a maternidade foi naturalizada a um amor instintivo, conduzida


pelas questões sociais, históricas e políticas que estão transpassadas nas dolorosas vivências de
gênero e, muitas vezes, de cor e classe sofridas dentro dessa maternância. Logo, este trabalho
que traz em seu nome não somente um tabu linguístico (o palavrão), utilizado popularmente de
maneira pejorativa desqualificando a mãe de alguém, “pessoa que se considera desprezível ou
sem caráter” (DICIONÁRIO PRIBERIAM, 2008), como carrega em si também a necessidade
de ressignificação desses ditos populares. É possível se refletir ainda com essa expressão, a
responsabilidade do maternar que é empurrada e recai inteiramente a essa mulher, traduzindo
explicitamente o conceito de dispositivo materno enquanto “o lugar de subjetivação no qual as
mulheres são constituídas como cuidadoras ‘natas’” (ZANELLO e PORTO, 2016 p.113-114)
Assim como “filho da mãe”, o termo mãe solteira também trava esse lugar de
desqualificação dos direitos reprodutivos e sexuais que toda mulher deveria ter,
independentemente de sua trajetória materna: Por conta disso, torna-se valioso respeitar e
nomear essas mulheres enquanto “mães-solo”2. O fato é que esses jargões tão comumente
falados remetem o pensamento popular a respeito da maternidade: os papéis de gênero ainda
são impostos à coletividade. Isso porque desde a teoria aristotélica são debatidas questões a
respeito das diferenças físicas de modo binário-oposto (homem-mulher), afirmando que a
mulher era “homem menor, atrofiado”. Em meados do século XVIII, com a consolidação do
capitalismo, essas diferenças ficam mais acentuadas, delimitando-se, por exemplo, os espaços
públicos (homens) e privados (mulheres), e prorrogando-se as desigualdades sociais entre os
gêneros (Laqueur, 2001).
Adota-se nesse trabalho, através da filósofa Judith Butler (2012), o posicionamento de
gênero enquanto performance, visto que não há como se falar de uma identidade de gênero sem
se tratar da cultura arraigada e da compreensão dos lugares sociais exaltados a partir de uma
fabricação de gênero. Para além do sobreposto, é importante frisar que assim como os gêneros,

2
O termo é escrito com hífen em todo o trabalho monográfico no intuito de trazer um sentido de uma ideia una ao
mesmo tempo que, visualmente, separa a mãe enquanto pessoa de sua de sua função na maternidade.
19

a maternidade é uma invenção social, construída ao longo do tempo, que será melhor explanada
ao longo deste capítulo. Dessa forma, é válido e necessário a compreensão sobre a história da
maternidade e suas diversas particularidades, para que se possa desconstruir espaços, falas e,
porque não, palavrões.

2.1. Mas filho de que mãe? A maternidade e suas implicações na perspectiva social crítica

“As crianças ricas brincam nos jardins com seus


brinquedos prediletos. E as crianças pobres
acompanham as mães a pedirem esmolas pelas ruas. Que
desigualdades trágicas e que brincadeira do destino”
(Carolina de Jesus, 1960, trecho do livro “Quarto de
Despejo”).

A partir da introjeção dos discursos políticos, científicos e religiosos, além do advento


da Revolução Industrial adotando novos modos de produção, o aspecto da maternagem (ato de
cuidado) incide na vida das mulheres de maneira progressiva. Com isso, torna-se
intrinsecamente ligado o exercício da maternidade como função feminina por excelência,
concernente à natureza da mulher. Mas nem sempre foi assim...
Badinter (1985) em seu livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno” retrata
a respeito desse contexto histórico inicial da maternidade, mais precisamente da Idade Média,
onde o amor materno era desvalorizado. Dessa forma, as mulheres entregavam seus filhos para
as amas de leite e cuidadoras, para que pudessem receber os devidos cuidados fisiológicos, já
que a amamentação era vista enquanto um ato de primitivismo animal. Até o século XVII, a
autora afirma que era ressaltado para as mães que elas perderiam os seus filhos caso os
amamentassem com prazer. Nesta época, os teólogos encaravam a relação amorosa e física,
entre mãe e filho, como um erotismo e má educação.
Com isso, entregues às amas-de-leite ou a outras famílias, as mães biológicas só
voltavam a ver seus filhos, caso os mesmos não morressem, após oito anos. Muitas crianças
não conseguiam sobreviver, seja por conta do transporte precário ou das condições insalubres
em que viviam. Nesse sentido,
Ao completarem a idade de oito anos as crianças retornavam para as suas casas, e logo
eram enviadas para internatos ou conventos, onde recebiam instrução e educação.
Nesse contexto os meninos se dirigiam para os internatos, enquanto as meninas eram
encaminhadas para os conventos (RESENDE, 2017, p.178).
20

No século XVIII, com o aumento da mortalidade infantil na Europa, o governo tenta


mudar o cenário de crescimento populacional através de um discurso ideológico em que fossem
exaltadas as mães que se dispusessem aos cuidados dos filhos, em troca de um reconhecimento
social. No início, o discurso focalizava as questões da amamentação. Posteriormente, aumenta-
se as atividades vinculadas a esse cuidado com os filhos, contendo como plano de fundo falas
de cunho religioso, filosófico, médico e científico. Dessa forma, é perceptível que com as
promessas de reconhecimento social, direitos trabalhistas e felicidade na maternidade enquanto
uma função do qual o homem não podia (nem queria) participar, fazem com que a visão
feminina e de toda a sociedade se altere frente a essas demandas de maternagem (ZANELLO;
PORTO, 2016).
No Brasil colônia, houve uma mistura de especificidades que se transfiguraram com o
encontro entre as culturas indígenas, negras escravizadas e europeias colonizadoras. Com isso,
havia uma normatização embutida no ideal feminino e sendo empregado de diferentes formas
e tratamentos às mulheres brancas livres, negras e indígenas escravizadas. Tratava-se de,
novamente, uma roupagem do discurso religioso (da Igreja Católica) e político, para que
houvesse um projeto demográfico de ocupação dos vazios das terras recém-descobertas. Em
1920, além do ideal do amor instintivo materno, um lugar é preenchido pela ciência: a
supervisão dos cuidados com as crianças, no que condiz os especialistas (médicos, educadores
e até profissionais do campo psi). Com isso, no Brasil, percebe-se que o processo de controle
dos corpos pelo Estado e pelo homem teve sobre a mulher um efeito específico: sua redução à
figura da “mãe higiênica”. Essa nova condição, contudo, só foi possível através da aliança da
família com o poder médico (MOURA; ARAÚJO, 2004).
Dessa forma, para a produção da “mãe higiênica”, foi fundamental o discurso higienista,
no ataque tanto ao aleitamento mercenário (no Brasil, realizado por mulheres escravizadas),
colocando-o como responsável pela mortalidade infantil, quanto à suposta deformação moral
das crianças, pelo cuidado e convivência com amas e pessoas escravizadas. O comportamento
comum na sociedade da época, de recusa ao aleitamento materno realizado por mulheres
escravizadas foi codificado também no Brasil pelo discurso higiênico como uma infração às
leis da natureza, o que permitiu não somente a culpabilização dessas mulheres, mas também a
instalação de um sentimento de anomalia. Além disso, a insistência quanto à amamentação
permitiu que se regulasse a vida da mulher, confinando-a por um longo período ao ambiente
doméstico (os períodos de aleitamento se estendiam por dois anos ou mais), porém voltando
sua atenção ao cuidado, à educação e à vigilância não somente da criança como também da
21

família. Dessa forma, os cuidados maternos passaram a ser valorizados e esse novo olhar sobre
a criança possibilitou a manifestação do “amor materno”, que se tornou não somente desejável
como “natural” (MOURA; ARAÙJO, 2004).
Já no fim do século XX, há pequenas mudanças na visão do que é ser mulher, visto que
a maternidade é veiculada por propagandas de modo geral, mas agora não somente exaltando a
imagem da mulher relacionada ao bem-estar da família, sendo a maternidade responsável pela
sua felicidade, mas que também essa mulher precisa cuidar de si e ter uma profissão
(ZANELLO; PORTO, 2016).
Portanto, percebe-se que a figura da mulher foi introjetada, a partir de questões
religiosas, científicas e políticas, em um projeto social de maternidade que não advém de
nenhum instinto biológico, como muitos ainda colocam até os tempos atuais. Dessa forma,
reflete-se ainda a respeito da responsabilidade em maternar:
A mensagem propalada é de que uma boa mãe deveria se apagar em favor de suas
responsabilidades para com seus filhos, com a promessa de felicidade. A partir de
então, não amar os filhos tornou-se um crime, uma aberração, a qual deveria ser
evitada, ou sendo impossível, disfarçada. Por outro lado, a mãe foi cada vez mais
sacralizada: criou-se uma associação de um novo aspecto místico à maternidade, a de
santa (ZANELLO e PORTO, 2016, p. 107).

Com a história da maternidade tornou-se evidente que, além de não existir um “amor
materno instintivo/biológico/natural”, a maternidade incide em diferentes formatos para
diferentes mulheres, seja por conta de sua cor, de sua classe ou faixa etária. Contudo, no geral,
as problemáticas que envolvem as mulheres cis gênero mães-solo com frequência estão
imbricadas em condições socioeconômicas de difícil estado. Inevitavelmente, a estrutura
vivencial brasileira, corroborada pelo atual governo genocida, é demarcada pelo complexo
acesso às políticas públicas efetivas, retirada parcial e total de direitos de maneira gradual e
políticas neoliberais que acentuam o controle em massa de uma população que sofre
constantemente com altas cargas laborais e baixos níveis de remuneração, por exemplo. Dessa
forma, traz-se o conceito de sofrimento ético-político da Bader Sawaia (1999) para refletir
teórico-metodologicamente as diversas desigualdades encontradas nesse tipo de maternância.
A partir do livro “Artimanhas da exclusão – análise psicossocial e ética da desigualdade
social”, Sawaia (1999) traz a categoria de análise sofrimento ético-político através da dialética
inclusão/exclusão, que retrata acerca das desigualdades em relações verticalizadas de poder,
utilizando-se de mecanismos de controle social para manter esse movimento de um indivíduo
inserido, porém não incluso e culpabilizado. Com isso, esse sofrimento atravessa sentimentos
de afetividade através de campos singulares de cada sujeito onde há um entrelace ao social. Na
22

dialética inclusão/exclusão, trata-se “não [somente] de um sofrimento de ordem individual,


proveniente de desajustamentos e desadaptações, mas um tipo de sofrimento determinado
exclusivamente pela situação social da pessoa, impedindo-a de lutar contra os cerceamentos
sociais” (Bertini, 2014, p. 62). Dessa forma, a autora explicita que:
A categoria analítica sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do corpo
e da alma que mutilam a vida de diferentes formas (...). Portanto, o sofrimento ético-
político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época
histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como
inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade (SAWAIA, 1999, p.104).

Com isso, percebe-se que a análise da exclusão a partir do sofrimento ético-político


possibilita captar as diversas nuances vivenciais da pessoa que está rotineiramente no espaço
do não lugar (presença-ausência). Com essa categoria analítica será possível ampliar visões
desse sofrimento ético-político através da dialética inclusão/exclusão. Assim, a partir da história
e dos conceitos teórico-metodológicos, tornou-se evidente que enquanto para as mulheres
brancas a maternidade foi um projeto político construído tendo como carro chefe a
amamentação, para as mulheres negras a maternidade lhes foi negada. Dessa maneira, o
próximo tópico visa desconstruir e repensar como essa maternidade recai para as mulheres
negras.

2.2 A mãe-solo negra: questões interseccionais

Mama África/A minha mãe/É mãe solteira/E tem que


fazer mamadeira/Todo dia/Além de trabalhar/Como
empacotadeira/Nas Casas Bahia (Chico César, 1995,
música “Mama África”)

Desde o sequestro da população negra, advindos do continente africano pelos


colonizadores, em situações insalubres para utilização de forma exploratória e de dominação
como mão de obra barata e sexual, o lugar social do negro é tido como inferior frente aos
brancos. Isso advém do colonialismo histórico e está em toda a estrutura da sociedade. Todo
esse processo de construção da imagem do negro, garantido desde a Igreja Católica como o “ser
sem alma” e inacabado, reverbera ao longo do tempo como a raça que nasce naturalmente
inferior e que deve ser explorada. Isto também repercute nas singularidades de gênero, sendo
para as mulheres negras uma construção ainda mais difícil, como menciona-se no trecho a
seguir:
Esse novo e radical dualismo [dualismo corpo e alma] não afetou somente as relações
raciais de dominação, mas também a mais antiga, as relações sexuais de dominação.
23

Daí em diante o lugar das mulheres, muito em especial o das mulheres das raças
inferiores, ficou estereotipado junto com o resto dos corpos, e quanto mais inferiores
fossem suas raças, mais perto da natureza ou diretamente, como no caso das escravas
negras, dentro da natureza. É provável, ainda que a questão fique por indagar, que a
ideia de gênero se tenha elaborado depois do novo e radical dualismo como parte da
perspectiva cognitiva eurocentrista (QUIJANO, 2005, p. 129).

É válido ressaltar que “relações sexuais de dominação” se traduzem em estupros e


diversas outras formas de violência que as mulheres eram submetidas. Em consequência disso,
muitas mulheres negras engravidaram dos seus senhores, cujos os filhos acabavam sendo
vendidos ou não assumidos. Dessa forma, tratando-se das mulheres negras, além da mão de
obra escrava como as tarefas domésticas com a casa, ainda haviam os afazeres servis com os
senhores, como o cuidado com as sinhás e seus filhos. Esse cuidado com os filhos vai desde o
amamentar até a educação, por exemplo ensino dos bons modos (DAVIS, 2016).
Chamavam de amas-de-leite todas as mulheres escravizadas que estavam no período de
aleitamento de seus filhos e eram usadas como moeda de troca. Excluídas de qualquer tarefa
doméstica mais pesada, eram obrigadas a dividir seu leite com os filhos das senhoras, que não
tinham condições ou não queriam amamentá-los. Por um período, as amas de leite dedicavam-
se unicamente à amamentação. Dava-se preferência a amas de leite jovens e de boa aparência,
por acreditar-se que possuíam melhor leite. Jornais de grande circulação brasileiros, entre as
décadas de 1830 a 1870, trazem anúncios de vendas de mulheres negras com função de
mucamas (serviços gerais), amas-secas (babás) e amas de leite, exaltando as qualidades
estéticas, de índole e a versatilidade nas tarefas domésticas. No caso de amas-secas e amas de
leite, “ser carinhosa com crianças” e ter “muito bom leite”, respectivamente (RODRIGUES,
2017).
Dessa forma, nos mais diferentes papéis, percebe-se a mulher negra como um ser
humano não somente inferior, mas renegado, sendo o seu corpo lido como corpo-força de
trabalho: seja por um trabalho braçal na roça, seja com os seus senhores. A figura da mãe preta,
na visão ambígua dos colonizadores e até mesmo em literaturas, surge como aquela que
inviabiliza a relação com os seus próprios filhos frente aos filhos das famílias senhoriais brancas
por puro afeto. Quando, na verdade, essa mulher era muitas vezes forçada a deixar os seus filhos
em segundo plano, por conta das relações verticalizadas de poder. Com isso, é perceptível que
as mulheres eram um comércio e que a maternidade foi negada às mulheres negras, para tornar
possível a apropriação da sua capacidade de reproduzir e amamentar (SILVA, 2018).
Mencionando-se acerca dessa maternidade, para as mães pretas é uma vivência que acontece
24

de forma solitária, e isso é ainda mais comum entre as mulheres negras de camadas pobres, o
que também delimita outros aspectos de luta para essas mulheres (PACHECO, 2013).
Tratando-se acerca dos aspectos históricos de luta, se constitui o conceito de
interseccionalidade. Este que está sendo comumente difundido na Academia após a
Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas
de Intolerância, em Durban, na África do Sul, em 2001. Contudo, é necessário mencionar que
há perigos de esvaziamento do seu significado com sua difusão irrestrita. A interseccionalidade
é um instrumento teórico-metodológico que propõe a inseparabilidade estrutural entre racismo,
capitalismo e cisheteropatriarcado. É evidente que as mulheres negras, principalmente as mais
pobres, são repetidas vezes atingidas pela sobreposição de gênero, raça e classe (AKOTIRENE,
2019).
O conceito “interseccionalidade” foi cunhado por Kimberlée Crenshaw (1989), uma das
principais estudiosas da teoria crítica da raça. A partir da perspectiva de Carla Akotirene (2019),
autora brasileira do livro “Interseccionalidade” da coleção “Feminismos Plurais”, traz que há
prejuízos no uso do conceito de interseccionalidade quando feito de maneira irresponsável. Em
oposição ao ideal de neutralidade científica, a autora situa suas perspectivas a partir do
feminismo decolonial e menciona sua visão acerca do esvaziamento do termo, visto que tem
ocorrido uma apropriação do conceito pelo neoliberalismo que, em muitos casos, além de
negar a autoria feminista negra, utiliza-se da interseccionalidade para criminalizar corpos
negros. Desse modo, para Akotirene (2019), “A interseccionalidade é sobre a identidade da
qual participa o racismo interceptado por outras estruturas” (p. 48). Nessa perspectiva, o
conceito sugere que raça “traga subsídios de classe-gênero e esteja em um patamar de igualdade
analítica” (p. 36), pois, tal perspectiva teórica “mostra mulheres negras posicionadas em
avenidas longe da cisgeneridade branca heteropatriarcal” (p. 30). Sendo assim, utilizar a
interseccionalidade como um prisma, é analisar de forma imbricada às opressões estruturais, de
modo que elas não são somadas, já que são indissociáveis.
Outras autoras que estudam a temática são Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge, que
lançam no ano de 2021 o livro também intitulado “Interseccionalidade”, para tratar as
desigualdades sociais advindas de raça, classe, gênero, sexualidade, capacidade e etnia. Para
estas autoras decoloniais que trabalham através do viés do feminismo negro, o conceito está
para além de uma mera análise, e sim de uma descrição de como múltiplas opressões são
experienciadas por diferentes tipos de singularidades. Desse modo, o conceito de
interseccionalidade “fornece uma estrutura de interseção entre desigualdades sociais e
25

desigualdade econômica como medida da desigualdade social global” (p.34). Isto é, ao focar
em raça, gênero, idade e estatuto de cidadania, o conceito altera o modo de pensar-se os
principais indicadores econômicos, como renda. É importante mencionar que as autoras estão
mais preocupadas com o que a interseccionalidade pode fazer do que o que propriamente o
termo signifique. Dessa forma, a interseccionalidade é uma práxis crítica que precisa ser
reiterada sempre nas análises dos fenômenos psicossociais e políticos contemporâneos.
Levando-se em consideração a questão da interseccionalidade, alguns dos principais
pontos que caracterizam-se como problemáticas vividas pelas mulheres negras na maternidade-
solo, são: a violência obstétrica e mortalidade materna, que advém de um racismo institucional;
jornadas exaustivas no trabalho e subemprego, já que está sob sua responsabilidade sustentar a
família; questões estéticas e de divertimento, que todas as mulheres possuem e que, muitas
vezes, é um espaço negado a mãe negra – quando há tempo, não tem com quem deixar a criança,
por exemplo - e relacionamentos afetivo-sexuais, pois a mulher negra, geralmente, não é
escolhida para o amor, ou ela é hiperssexualizada ou ignorada, e isso são traços históricos
presentes até hoje (PACHECO, 2013). Para além disso, o Estado não providencia políticas
públicas mínimas que facilitem a criação das crianças, tais como creches públicas e
democráticas, escola em horário integral e transporte escolar por exemplo.
Portanto, a maternância preta é atravessada por diversos questionamentos,
enfrentamentos e atitudes, que são encarados ainda na gestação. Nesse processo, são muitos os
pensamentos e preocupações, por conta da criação de um novo ser humano e também da
sociedade racista. O impacto do racismo na vida dos filhos é algo que preocupa muito as mães
negras, sejam elas solos ou não. Ademais, todas as questões comentadas acabam sendo muito
mais do que problemas diários enfrentados por mães negras solo, como também geram
frustrações e angústias que atravessam toda a subjetividade dessa pessoa e repercutem
seriamente no âmbito psíquico dessas mulheres. Tratando-se ainda das mães-solos, de forma
geral, encontram-se muitas vezes em situação de vulnerabilidade social, em grande parte por
falta de políticas efetivas e a retirada de direitos e oportunidades a estas mulheres.
26

3 OS IMPACTOS DO SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO NA SAÚDE MENTAL DAS


MÃES-SOLO

3.1 Os efeitos da invisibilização na saúde mental das mães-solo

Não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira,


mesmo que as correntes dela sejam diferentes das
minhas (Audre Lorde)

Como já mencionado, os direitos das mulheres na maternidade foram obtidos com luta,
porém muitos ainda precisam ser conquistados. No capítulo anterior, consegue-se perceber
algumas das principais necessidades e desafios práticos e complexos perpassados por mães-
solo na contemporaneidade. Algumas adversidades mais práticas podem ser supracitadas, como
falta de creches públicas, poucas escolas públicas de tempo integral, transporte efetivo, saúde
digna e tantas outras políticas que refletem e interferem na grande e complexa dificuldade
central as famílias monoparentais: a desigualdade social. A desigualdade investigada é
transpassada seja pela política, economia e por todo o social, o que reverbera na dialética
inclusão/exclusão. Dessa maneira, reflete-se acerca das repercussões geradas em todos os
âmbitos da vida dessa mulher, ressaltando o campo psicológico.
Articulando-se dentro do lugar da Psicologia, é importante pensar em como pode-se
discutir e ocupar espaços para além de uma psicologização e/ou psicoeducação. Ainda assim, é
importante trazer à tona que esse sofrimento ético-político proveniente dessa inserção, e não
inclusão, possui consequências a todas as mulheres mães de modo coletivo, mas que
individualmente cada uma irá sentir em uma medida. Para tornar mais acessível o que está
sendo exposto, pode-se pensar no seguinte exemplo: uma mãe-solo busca um trabalho para que
possa pagar suas contas e ter como criar os seus filhos. No entanto, nas entrevistas de emprego
ao ser questionada sobre ter filhos, vem os questionamentos “você se dedicará ao emprego?
Com quem ficará os filhos?”. Logo, deve-se buscar creches/ escolas de tempo integral para
poder trabalhar, mas não há nenhuma instituição gratuita e para pagar precisa ter o serviço.
Desse modo, a conta não fecha, e apesar dessas famílias estarem inseridas (por exemplo, nesse
momento a política do auxílio emergencial para mães chefes de família), elas não estão, de fato,
sendo incluídas, pois há toda uma lógica que não corrobora para o término dessa desigualdade
social. Com isso, o campo afetivo e emocional dessas mães é atravessado por processos de
culpabilização, sobrecarga, cansaço/exaustão e solidão.
27

À vista disso, a saúde mental das mães-solo ainda é pouco problematizada e não há
ações afirmativas especificas para esse tipo de maternidade. Segundo Oliveira, Pereira e Rolim
(2021, p. 7), poucos estudos se propuseram a investigar de forma mais abrangente os fatores
psicossociais e suas implicações relacionadas à maternagem solo propriamente dita. Mas, em
estudo descoberto pelas autoras, realizado por Liang, Berger & Brand (2019, p.260), foram
encontradas evidências de que esse tipo de maternagem é “um fator de risco comum para a
depressão, ansiedade e estresse” à mulher.
No Sistema Único de Saúde (SUS), em sua regulamentação e leis próprias, os direitos
da mulher na atenção integral da gestação, parto, no puerpério e até os dois primeiros anos de
vida da criança são amparados. O acesso ao pré-natal de maneira gratuita, planejamento
familiar, ter acompanhante de sua escolha no parto, a vacinação dela e da criança, orientações
gerais sobre gravidez são exemplos reais de políticas garantidas com o SUS (BRASIL, 2004,
p. 63/64). Além disso, existem políticas específicas para diferentes populações como para a
mulher negra, mulher lésbica, mulher indígena, mulher residente e trabalhadora rural, e mulher
em situação de privação de liberdade. Contudo, tratando-se da maternância-solo não há
nenhuma intervenção específica encontrada pela pesquisadora. Ainda dentro do estudo da
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004), compreende-se que
a relação de gênero e saúde mental retrata o sofrimento psíquico vivido dado os aspectos sociais,
culturais e econômicos, dessa forma:
De acordo com o Guia de Direitos Humanos, as mulheres ganham menos, estão
concentradas em profissões mais desvalorizadas, têm menor acesso aos espaços de
decisão no mundo político e econômico, sofrem mais violência (doméstica, física,
sexual e emocional), vivem dupla e tripla jornada de trabalho e são as mais
penalizadas com o sucateamento de serviços e políticas sociais, dentre outros
problemas. Outros aspectos agravam a situação de desigualdade das mulheres na
sociedade: classe social, raça, etnia, idade e orientação sexual, situações que limitam
o desenvolvimento e comprometem a saúde mental de milhões de mulheres (BRASIL,
2004, p.45).

Já no campo da assistência social, pelo SUAS – Sistema Único de Assistência Social,


encontra-se o benefício eventual, por exemplo em virtude de nascimento, onde é prestado para
garantir apoio às famílias, por meio de bens de consumo ou valores monetários/pecúnia
(BRASIL, 2018, p.15). Além disso, evidencia-se que, acima do benefício em si, o apoio e o
acolhimento são essenciais:
Com a maternidade as cobranças podem aumentar juntamente com as necessidades
de apoio material e imaterial. Ainda que não seja a primeira experiência de
nascimentos/mortes na família, as mães podem requerer, com intensidades e formas
diferentes, acolhida e apoio para viver a maternidade ou o luto de modo saudável para
si, para a criança e para o grupo familiar. Por isso, neste momento, as equipes do
SUAS devem ficar atentas para sinais como depressão, reclusão/isolamento, privação
28

de sono, violência intrafamiliar entre outros que poderão indicar necessidade de ação
ágil e de pronto, para além do Benefício Eventual. (BRASIL 2018, p.17)

Frisa-se ainda que diferentes tipos de família são inclusas nesse suporte, dentre elas a
família monoparental, além de famílias e pessoas que geraram filhas/os ou se consideram mães
e que possuem orientação sexual ou identidade de gênero diferente da socialmente estabelecida;
casais que não possuem união oficializada; famílias adotantes de crianças; adolescentes
grávidas ou mães adolescentes; e pessoas que realizaram interrupção da gravidez nas situações
previstas em lei (BRASIL, 2018).
Em relação ao campo da Psicologia em si, encontra-se iniciativas pontuais de clinicas-
escola, docentes e discentes com envolvimento (porém não exclusividade) do público com
função materna de maneira geral, como plantões psicológicos. Algumas organizações civis e
ONG’s possuem projetos sociais que abarcam essa população de mães-solo, com o intuito de
auxiliar com cestas básicas e itens básicos necessários, como o projeto elaborado pela CUFA –
Central Única das Américas chamado “Mães na Favela”, que só no Maranhão já entregou
61.250 cestas básicas. Outro projeto que pode ser mencionado é o “Adote uma Mãe-solo” que
surgiu no período de pandemia enquanto uma assistência monetária, alimentícia, psicológica e
outros. Um outro exemplo bem interessante é o projeto “Segura na Curva das Mães”, idealizado
pelo Instituto Casa Mãe e o Coletivo Massa, criado para identificar e localizar mães em situação
de vulnerabilidade causada pela pandemia do novo coronavírus e garantir apoio emergencial
para este grupo. Na internet, há um fluído crescimento de coletivos e grupos de apoios
específicos a esse tipo de maternagem, como Coletivo Mãe Solo Resiste e também diversos
grupos online denominados “mãe solo” no Facebook, um deles com mais de 19 mil pessoas.
Situa-se ainda, algumas pessoas que cresceram no que se refere a números dentro do Youtube
e outras redes sociais por expor a realidade das vivências maternas, são elas: Pâmela Ghilardi
(Fofoca de mãe), Helen Ramos (Hel mother) e Thaiz Leão (mãe solo - trabalha no Instagram com
ilustrações sobre a experiência com a maternidade).
É fundamental ainda que se possa compreender e reconhecer que a desigualdade social
escancara-se dependendo do lugar social ocupado por essa mãe. Raça, classe, orientação sexual,
idade, territorialidade são fatores que podem determinar as confluências vividas por essas
mulheres. Por esse motivo, abordar a respeito da interseccionalidade torna-se tão importante.
Essa ferramenta de análise que, segundo Lélia Gonzalez (2020) advém de forma mais interna
pelo conceito de amefricanidade, onde todos os brasileiros são considerados ladino-
amefricanos, pois essa categoria “permite ultrapassar limitações de caráter territorial,
29

linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para melhor entendimento dessa parte do
mundo onde ela se manifesta: a América como um todo” (p. 137). Desse modo, a categoria
designa todo um processo histórico cultural de resistência a identidade étnica e que possui
grandes marcas das mulheres negras. Essas, que eram excluídas das pautas do movimento negro
e também do movimento feminista branco, nos tempos atuais ainda sofrem e são as mais
exploradas da sociedade, segundo a autora:
Pode-se concluir que discriminação de sexo e raça faz das mulheres negras o segmento
mais explorado e oprimido da sociedade brasileira, limitando suas possibilidades de
ascensão. Em termos de educação, por exemplo, é importante enfatizar que uma visão
depreciativa dos negros é transmitida nos textos escolares e perpetuada em uma
estética racista constantemente transmitida pela mídia de massa. Se adicionarmos o
sexismo e a valorização dos privilégios de classe, o quadro fica então completo
(GONZALEZ, 2020, p. 145).

Refere-se ainda aos problemas de classe, visto que acabam por cercear o lugar social
dessas mulheres negras. Com as mazelas executadas pelo atual governo federal, mantem-se e
perdura-se a mais baixa linha da pobreza, que é onde se encontram grande parte das famílias
monoparentais desse estudo. Dessa maneira, trata-se segundo Franco (2017, p.89) “de um
período histórico no qual se ampliam várias desigualdades, principalmente as determinadas
pelas retiradas de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação e da
criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo as negras e pobres.” Com isso, a
territorialidade tem interdependência com o quesito de classe, influenciando e dificultando
diversas condições de vida, por conta do preconceito, da marginalização e até pelas dificuldades
físicas de locomoção, mas também trazendo um cenário cultural de resistência dentro das
comunidades.
Ainda que se vivam realidades nas quais se destaquem a baixa oferta de vagas nas
creches e nas escolas; a procura, na primeira fase da juventude, de uma vaga no
mercado de trabalho; o baixo acesso às artes, ao estudo de línguas, a ambientes que
ampliem conhecimentos acumulados na história da humanidade, pode-se identificar
que as periferias se marcam pela criação de múltiplas inteligências e as mulheres
ocupam localização estratégica nesse processo (FRANCO, 2017, p. 93).

Assim, portanto, percebe-se a necessidade de ampliação e abertura de espaços


periféricos, pretos e pobres, não somente teóricos, mas que possam dialogar com os aspectos
vivenciais da mulher mãe-solo. Bem como, se essas mulheres forem negras, que estão em
territórios marginalizados e não possuem acesso aos campos básicos de saúde. Dessa forma,
retrata-se que a entrada nos serviços de saúde mental torna-se mais complexa, o que faz com
que essas mães estejam na linha da invisibilização. Creches e escolas em tempo integral, saúde,
disseminação de métodos contraceptivos e emprego digno são primordiais para que também a
Psicologia possa ser atuante dentro das comunidades. Nesse contexto, o sofrimento ético-
30

político das mães-solo, grande parte das vezes, tem a ver muito mais com questões concretas
como fome e pobreza. A conjuntura pandêmica, por exemplo, evidenciou as desigualdades
existentes, tendo como implicações o adoecimento mental.

3.2 A Pandemia

Luta diária, fio da navalha. Marcas? Várias/ Senzalas,


cesáreas, cicatrizes/ Estrias, varizes, crises/ Tipo Lulu,
nem sempre é so easy/ Pra nós punk é quem amamenta,
enquanto enfrenta a guerra (trecho da música “Mãe” do
Emicida).

A Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) despertou ao longo do biênio 2020/2021


preocupação e atenção por parte dos veículos de comunicação e toda a população, pela forma
como se disseminou. Trata-se de um problema de saúde coletiva, com sérias implicações para
a saúde pública, que “tem provocado modificações no estilo de vida da população,
principalmente no que tange às interações sociais entre pares” (DO BÚ et.al., 2020, p. 02). O
Coronavírus causa infecções respiratórias e intestinais, sendo que a maioria das infecções pelo
vírus são desenvolvidas a partir de sintomas de resfriado comum. No entanto, podem também
levar a infecções graves em grupos de risco (obesidade, doenças crônicas, imunossuprimidos,
idosos e crianças etc.), muitas vezes levando até a morte. Nesse momento, já existem vacinas
disponíveis e grande parte da população já pôde ser vacinada. Ainda não há um medicamento
específico (mesmo o atual presidente assegurando a existência do “kit covid”, que não foi
atestado cientificamente), mas as medidas sanitárias de higiene, o isolamento social ou a
evitação de aglomerações, e as vacinas já fizeram e fazem grande diferença na curva de
contaminação e no número de mortes diárias.
O vírus, que obteve um de seus primeiros casos na China, se espalhou pelo mundo
ocasionando uma pandemia sem precedentes. No Brasil, o que para muitos duraria apenas duas
semanas, gerou consequências gravíssimas de saúde, econômicas, políticas, sociais,
psicológicas e, infelizmente, a morte de milhares de pessoas. Somente no Brasil, mais de 600
mil pessoas faleceram em decorrência do vírus, até segundo os dados do governo (FURONI et.
al., 2021).
As repercussões da condição pandêmica vigente também recaíram na maternidade, visto
que houve a necessidade do isolamento social, além do desespero frente ao adoecimento, a
morte, ao processo de luto e a sobrecarga das multitarefas. O cuidado modificou-se
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integralmente para o filho e para os afazeres domésticos, levando em conta a dinâmica


patriarcal, opressora e machista de modo naturalizado ao feminino. Muitas foram as mulheres
que perderam seus empregos, quando não, tiveram que se adaptar ao modelo home office. Outro
caso, foi a situação dos profissionais da linha de frente, onde muitos deles encontravam-se em
condições mais insalubres, tiveram que ir presencialmente para a manutenção do emprego,
como exemplo as empregadas domésticas.
As redes de apoio e vínculo podem também ser citadas havendo esse afastamento, por
conta da necessidade de isolamento social, gerando sofrimentos psicológicos, além do aumento
da sobrecarga materna com o convívio familiar e atenção aos filhos mais aflorada. Algumas
redes de apoio que podem ser exemplificadas são a família extensa, a escola/creche, os amigos,
colegas de trabalho, relações comunitárias e serviços de saúde, de credo religioso ou político,
incluindo tanto as relações próximas como aquelas ocasionais (RAPOPORT e PICCININI,
2006, p. 86). Importante mencionar que as diferenças culturais e étnicas influenciam a
definição, percepção e a forma que os indivíduos dão, recebem, aceitam ou rejeitam o apoio
social (p. 88) e que este apoio é fundamental desde o momento da gestação.
Tratando-se particularmente da maternância-solo, todas essas condições e modos de
vida tornaram-se ainda mais complexos e alarmantes. Em pesquisa denominada “Mães na
quarentena: Um olhar aos desafios do isolamento social a partir das experiências maternas
2020” realizada pelo Projeto Mães em Quarentena (2020), - que é uma iniciativa independente
e colaborativa de mães - ao longo de 07 meses ouviu-se cerca de 200 mães a respeito dos
dilemas da quarentena. Por conseguinte, 26% delas eram mães-solo, sendo que 97% encontram-
se trabalhando em casa e 2% possuem guarda compartilhada dos filhos.
Ainda neste mesmo relatório, os principais desafios enumerados, por conta do contexto
pandêmico, foram: o desaparecimento súbito da rede de apoio, escolas foram fechadas, o
trabalho retornou pelo home office, ninguém podia mais se encontrar para que o vírus não fosse
transmitido; as novas funções a desempenhar, para além das tarefas de casa, cuidado com os
filhos, por não haver mais rede de apoio por exemplo a mãe teve que estudar junto com os
filhos, fora o apoio emocional e a gestão de crise, visto o estresse de não poder sair de casa;
trabalho simultâneo de cuidado, trabalhar dentro de casa foi dificultoso, por também existirem
outras variáveis como o barulho, por exemplo; falta de estrutura e condições para trabalhar,
principalmente com relação a privacidade; ampliação das horas de trabalho, acordando mais
cedo e dormindo mais tarde para conseguir dar conta; divisão desigual das tarefas de cuidado,
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as mulheres como principais responsáveis dos cuidados; e o impacto emocional, sobrecarga de


tarefas, pressão, auto cobrança, medos e etc. (p. 17).
Apesar da pesquisa anterior ter sido realizada com diferentes tipos de maternidade,
percebe-se que há muitas semelhanças com as dificuldades apresentadas pelas mães-solo.
Assim, segundo Insfrán e Muniz (2020, p. 36) acerca dos aspectos econômicos, “as mais
fragilizadas são as mulheres mães de grupos mais vulneráveis (negras, pobres, mães solo e/ou
em condições precárias de trabalho e existência), que estão desde o início da pandemia
recebendo apoio de grupos de ativistas que recolhem doações de mantimentos e dinheiro para
ajudá-las a sobreviver com suas famílias neste momento em que muitas perderam suas fontes
de renda”.
À vista de todo o exposto, compreende-se assim que a pandemia tem sido um
acontecimento grave e assustador para todas as pessoas, por conta de suas consequências
danosas. O medo da própria morte e dos seus entes queridos, a perda de fato de pessoas queridas
sem ao menos poder haver uma despedida digna, a falta de emprego e renda, o estresse
constante nas relações diárias, a perda da lógica do espaço-tempo, a mudança nas relações
interpessoais e o aumento do uso da internet, de modo geral, foram causados através desse
momento tão inquietante. Dessa maneira, para as mulheres, para as mães e, principalmente,
para as mães-solo foi um momento de extrema fragilidade, em que grande maioria necessitou
do auxílio emergencial para sobrevivência, em que muitas perderam suas fontes de renda ou
então tiveram que se submeter ao trabalho em linha de frente para conseguir dinheiro. Além
disso, havia ainda os cuidados com a casa e com os filhos, o que requisitava mais atenção. Com
isso, percebe-se que há grandes impactos nos modos de vida e, especialmente, na saúde mental
de mães-solo que se sentiram ainda mais cansadas, pressionadas, sobrecarregadas, ansiosas e
estressadas. Portanto, conclui-se reafirmando a importância de cuidado e atenção integral a
saúde mental da mulher mãe-solo.
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4 ASPECTOS METODOLÓGICOS

4.1 Considerações Éticas

É importante mencionar que a pesquisa obteve parecer favorável pelo Comitê de Ética
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de nº 4.900.034. Todas as mulheres
participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(APÊNDICE- A), para que pudessem estar informadas sobre os objetivos do estudo e de que
não haveria pagamento para a participação a nenhuma delas (participação voluntária).
Não houve prejuízos e os únicos possíveis prejuízos eram de impacto pessoal, visto que
podiam ser tocadas em questões de sofrimento psíquico passados dentro da temática da
maternidade-solo. Contudo, é válido ratificar que houve todo um cuidado e acolhimento com
as componentes dessa pesquisa, para que esses prejuízos fossem mínimos. Ainda assim, se
porventura tivesse ocorrido algum dano referente a pesquisa, o que não foi o caso, seria dada
assistência gratuita, integral e imediata as integrantes.
A pesquisa conseguirá demonstrar a realidade de 05 mães-solo do Clube de Mães Caiane
Mateus com relação a questão chave da maternidade-solo. Dessa forma, será benéfico o
desenvolvimento futuro de atividades pela pesquisadora com a supervisão e participação da
orientadora, tais como oficinas, rodas de conversa e entre outros, congruentes com as vivências
exploradas pelas participantes. Além disso, todas as participantes foram asseguradas em sua
privacidade, sendo mantido o sigilo das referidas e dos seus dados pessoais, tais como nome,
endereço, telefone e etc., ou seja, os nomes utilizados são fictícios. Toda a conduta profissional
da pesquisa está ancorada no Código de Ética Profissional do Psicólogo e na Resolução Nº 466
de 12 de dezembro de 2012, além das normas da resolução 510/16 da Comissão Nacional de
Saúde, que registra as pesquisas envolvendo seres humanos na Plataforma Brasil,
regulamentando assim a ética dessa pesquisa.

4.2 Delineamento de Pesquisa

A metodologia, segundo Minayo (2013, p.15) “inclui as concepções teóricas de


abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino
do potencial criativo do investigador”. No presente trabalho, intitulado “Filha/o da mãe: o
sofrimento ético-político de mães-solo em uma perspectiva interseccional” foi desenvolvido,
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em conformidade com Gil (2008), a partir da pesquisa de campo. Para o autor, a pesquisa de
campo procura o aprofundamento de uma realidade específica. Ela é realizada por meio da
observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas para captar as explicações
e interpretações do que ocorre naquela realidade. Prodanoy (2013, p.59) complementa que na
pesquisa de campo tem-se como objetivo central resgatar as “informações acerca de um
problema para o qual procuramos uma resposta, ou de uma hipótese, que queiramos comprovar,
ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”.
A pesquisa de campo pode ser classificada enquanto uma abordagem quantitativa ou
qualitativa, de acordo com Prodanoy (2013). Escolhe-se para esta pesquisa o modo qualitativo,
por conta de que se “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto
é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode
ser traduzido em números” (p.70). É imprescindível mencionar ainda que o método qualitativo
foi entendido nesse estudo enquanto “aquele que se ocupa do nível subjetivo e relacional da
realidade social e é tratado por meio da história, do universo, dos significados, dos motivos, das
crenças, dos valores e das atitudes dos atores sociais” (MINAYO, 2013, p.22).
Dando ainda mais especificidade a esse estudo, aposta-se em um modo de conduzir de
forma descritiva. Dessa maneira, trata-se de uma pesquisa que possui caráter descritivo, onde
são incluídas neste grupo as pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes e
crenças de uma população, de acordo com Gil (2008). Prodanoy (2013, p.52) partilha ainda que
as pesquisas descritivas são “a maioria daquelas desenvolvidas nas ciências humanas e sociais,
como as pesquisas de opinião, mercadológicas, os levantamentos socioeconômicos e
psicossociais”.
Com isso, o delineamento desse estudo é de uma pesquisa de campo de abordagem
qualitativa e caráter descritivo, no intuito de compreender a dinâmica vivencial de mães-solo
de um Clube de Mães. Necessita-se mencionar que é a partir do referencial teórico no conceito
de sofrimento ético-político de Bader Sawaia (1999) e nos estudos a respeito da
interseccionalidade que embasam a referida pesquisa nos aspectos de coleta e análise dos dados.

4.3 Participantes

As participantes deste estudo foram 5 mulheres adultas que tiveram filho(s) e assumiram
a maternidade de maneira solitária, em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com filhos
inscritos na Creche Comunitária do Clube de Mães Caiane Mateus, na cidade de São Luís no
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estado do Maranhão. Além disso, muitas dessas mulheres são transpassadas pelas vivências de
residirem em áreas periféricas da cidade. Incorpora-se nessa pesquisa o ser periférica como
Silva (2020) se apropria, “a experiência de estar num território plural em termos de classe e
raça” (p.65). Com relação a escolha quantitativa de 05 mulheres para essa pesquisa, foi feita
pensando no aprofundamento das questões e hipóteses perpassadas pela temática de forma
individual e acredita-se que foi um número coerente também para a atividade em grupo.
Como critérios de inclusão, tem-se: ser mãe-solo (bastando ausência prática do pai –
isto é, pode conter nome do pai na certidão da criança ou receber algum auxílio financeiro, mas
não há presença cotidiana da figura paterna), ser chefe de família e ter filho/a (s) com até 11
anos de idade, pois até essa faixa etária ainda se considera, segundo Piaget (1973), haver
estágios de desenvolvimento infantil, onde os cuidados exigidos para essa mãe são maiores com
relação a esse/a(s) filho/a (s). São critérios de exclusão: ter idade menor de 18 anos e não
autorizar a presença de gravador de voz. O critério específico sobre captação do áudio foi
necessário para que a pesquisadora pudesse estar em sua inteireza dentro dessa investigação,
visto que sua atenção não esteve dividida entre anotações e a escuta ativa com a entrevistada.
No quadro a seguir, há um demonstrativo do perfil das participantes da presente
pesquisa. Os dados foram coletados a partir do questionário sociodemográfico realizado na 1ª
fase da investigação:
QUADRO 1 – PERFIL DAS PARTICIPANTES DA REFERENTE PESQUISA
Nome Fictício Wanda Tereza Rita Maria Helena
Idade 28 28 30 38 49
Raça parda negra parda parda negra
Escolaridade ensino médio graduação ensino médio ensino médio não há
Estado Civil solteira divorciada solteira solteira casada
Nº de Filhos 3 2 2 1 3
empregada
Trabalho nail designer confeiteira cuidadora dona de casa
doméstica
Bolsa Família não sim não sim não
Contraiu
sim sim sim sim não
Coronavírus
Auxílio
sim sim não sim sim
Emergencial
Tempo no
nasceu nasceu 11 anos 20 anos 26 anos
território Turu
Fonte: Produção da autora
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É importante registrar que Rita, Tereza, Maria, Wanda e Helena possuem sua própria
história de luta e, mesmo com o quadro mais explicito anterior considerando diversas variantes
de vida e tentando identificar um pouco quem são essas mulheres, não há dimensões para
explicar suas histórias, narrativas e memórias. Além de que, recontar essas histórias geraria
novos trabalhos, quem sabe futuros. Um ponto a ser ressaltado é que uma das participantes se
declara enquanto uma mulher casada, porém apenas na certidão de casamento, pois, apesar de
já ter pedido o divórcio, o cônjuge não aceita. A mencionada atesta que se considera solteira.
A escolha das participantes foi feita pela representante do Clube de Mães Caiane
Mateus, através dos dossiês dos alunos matriculados na escola comunitária, averiguando os
critérios exigidos na pesquisa e entrando em contato com as possíveis participantes para saber
se gostariam de colaborar com o estudo. As primeiras 05 mulheres mães-solo que aceitaram
participar da pesquisa, foi feita uma breve explanação acerca do que se tratava e, com o aceite
das participantes, o contato foi repassado a pesquisadora da mencionada investigação científica
para que transmitisse maiores detalhes e informações de como se daria, além de averiguação da
disponibilidade de cada uma.

4.4 O Clube De Mães Caiane Mateus

O Clube de Mães Caiane Mateus (CMAMA) é uma associação civil sem fins lucrativos,
que surgiu em 22 de abril de 1984 a partir da necessidade que a comunidade enfrentava, pois
entre tantos outros problemas característicos de bairros periféricos da Ilha de São Luís está a
insuficiência de número de escolas para atender a demanda das comunidades relacionadas à
Educação e Assistência. Ademais, a referida instituição foi criada com a finalidade de prestar
assistência às crianças da comunidade, oriundas de famílias carentes e as mães que não tinham
com quem deixar seus filhos durante sua jornada de trabalho.
A infraestrutura da escola comunitária conta com 1 salão; 1 sala para atendimento
(coletivo ou individual); 4 salas de aula; 1 sala para o serviço de convivência e fortalecimento
de vínculos – SCFV; 1 refeitório; 1 brinquedoteca (em fase de organização); 2 áreas externas
cobertas; 1 área livre para atividades esportivas e recreativas; 1 banheiro padrão; 1 banheiro
adaptado para pessoas com deficiência; 2 banheiros adaptados para uso infantil; 1 secretaria; 1
dormitório; 1 depósito de limpeza; 1 dispensa; 1 parquinho; e 1 biblioteca (em fase de
organização).
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É válido ressaltar que as atividades realizadas pela entidade envolvem todo território no
âmbito municipal de São Luís do Maranhão, nos bairros: Divinéia, Olho D’água, Recanto do
Olho D’água, Parque Araçagy, Araçagy, Parque Telmão, Alonso Costa, Vila Luizão, Brisa do
Mar, Vila Planalto Turu I, Sol e Mar. Os respectivos bairros englobam situações de
vulnerabilidade socioeconômica com índice de violência urbana, tráfico de drogas, exploração
sexual e trabalho infantil, além das famílias que necessitam cumprir diariamente jornadas de
trabalho, necessitando, desse modo, de um espaço educacional seguro para inserir seus filhos.
Em relação a escolha do local, foi realizada através do conhecimento do espaço pela
profª Dra. Claudia Aline, orientadora desta pesquisa, que colocou em contato a pesquisadora e
a presidente da instituição. Com relação a permissão e a disponibilidade, o termo de
concordância do local de execução da pesquisa (APÊNDICE – B) comprova o aceite para a
vigente pesquisa.

4.5 Instrumentos e Materiais

Os materiais que foram utilizados, além dos materiais básicos como caneta, borracha,
papel e outros, foram uma prancheta de acrílico, para apoio dos papéis; e um gravador de voz
digital (instalado enquanto um aplicativo de celular) para que pudesse haver a captação da voz
das participantes individualmente e de forma grupal. Além disso, na segunda fase da coleta de
dados, onde houve o encontro das participantes da vigente pesquisa, ocorreu a utilização de
recursos expressivos, tais como, lápis de cor, giz de cera, tintas, pinceis, balões, massa de
modelar, tesoura, cola, fitilhos e forminhas. É válido ressaltar também que, por se estar em um
momento pandêmico, álcool em gel e máscara foram materiais disponibilizados e sua utilização
foi obrigatória. Foi levado também uma caixa de lenços, como um cuidado a mais caso
houvesse maior mobilização.
Com relação aos instrumentos utilizados houve um questionário sociodemográfico
(APÊNDICE – C) feito pela pesquisadora exclusivamente para essa pesquisa, além de
perguntas para uma entrevista semiestruturada (APÊNDICE – D), o que dá vazão para que
perguntas sejam acrescentadas a partir da necessidade de cada entrevista.
No questionário, foi feita a coleta de dados sociodemográficos (idade, raça, estado civil,
escolaridade, trabalho, renda familiar, dados com relação às dificuldades da pandemia e
mudança na relação com o/a(s) filho/a (s), dados com relação a moradia, número de filhos e
entre outros), com 15 itens no total. Esses dados foram escolhidos por conta do tema, visto que
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a compreensão dos modos de vida e de viver de cada uma das participantes faz-se
imprescindível para o conhecimento mais amplo da sua visão sobre a temática. Torna-se
necessário mencionar que não houve itens referentes a identidade/expressão de gênero e
orientação sexual, apesar do entendimento da importância pela autora, mas seriam novas
variáveis a serem investigadas, o que será deixado para futuros estudos.
Já na entrevista semiestruturada individual constaram as perguntas a respeito dos dados
relacionados à maternidade e seus efeitos psicossociais na vida dessas mulheres. Com isso,
foram apresentadas variáveis como: as implicações da vivência da maternidade, solidão e
sobrecarga, redes de apoio e vínculos e dados relacionados à pandemia. Com essa entrevista
individual, desejou-se apreender as vivências íntimas dessas mulheres com relação à
maternidade-solo.

4.6 Procedimentos

4.6.1 Coleta de Dados

A pesquisa se dividiu em 2 fases: 1ª fase) Questionário sociodemográfico com


Entrevistas iniciais individuais e a 2ª fase) Oficina de Conexão criativa com as participantes da
pesquisa. Inicialmente, após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, foi aplicado um questionário com os dados da entrevistada, podendo ser lido em
voz audível pela pesquisadora. Posteriormente, foi realizada uma entrevista inicial
semiestruturada com cada mulher, com tempo de 13 minutos a 1h 30 min por entrevista. Das
05 entrevistas individuais, 03 foram realizadas de modo presencial, em local adequado (1 sala
com ar condicionado, janela, cadeiras, mesa da Escola Comunitária Caiane Mateus - Divineia)
e reservado visando a melhor possibilidade de expressão dos sujeitos, bem como a qualidade
na captação do áudio. Havendo maiores necessidades com relação à pandemia e pela própria
escolha das participantes, 02 entrevistas foram realizadas de modo online pela plataforma
Google Meet. As entrevistas foram transcritas posteriormente pela pesquisadora e enviadas de
forma privada a cada uma das participantes, que concordaram com todo o conteúdo descrito.
Na 2ª fase, foi realizado o encontro de todas as 05 mulheres participantes desta pesquisa
para que pudessem juntas discutir e desconstruir acerca da temática maternidade-solo. O
objetivo desse momento era que as participantes coletivamente soubessem expressar de forma
verbal e não verbal (através da arte) os significados desse tipo de maternidade e refletir sobre
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os impactos nas diferentes áreas de sua vida. A ideia de realizar uma Oficina de Conexão
Criativa veio por meio dos escritos de Natalie Rogers, filha de Carl Rogers, quem desenvolveu
a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Inspirada na filosofia e nos princípios teóricos-
conceituais da abordagem criada por seu pai, Natalie Rogers manifesta um novo modo de estar
e facilitar grupos, e até em processo psicoterápico, daí advém a proposta de Terapia Expressiva
Centrada na Pessoa ou Abordagem Centrada na Pessoa para Terapia Expressiva. Na Terapia
Expressiva, combina-se recursos expressivos, como movimentos corporais, imaginação guiada,
comunicação verbal e não-verbal e outros, com o objetivo de facilitar a conexão aos processos
de expressão, consciência de si e criatividade. Dessa forma, não há um interesse no resultado
do trabalho no critério estético, e sim o processo a ser realizado e o que a arte pode alavancar
de conteúdos e sentimentos da pessoa, utilizando as atitudes facilitadoras3 da ACP. Natalie
Rogers exprime sobre o processo da conexão criativa com sua fala em um evento:
Estou intrigada com aquilo que chamo “a conexão criativa”. Quer dizer, a conexão
entre o movimento, escrita e arte. Quando toma consciência de meus movimentos, me
abro para sentimentos profundos que poderão então ser expressos em cor, linha ou
forma. Quando escrevo imediatamente após o movimento e a expressão artística,
existe um fluir (algumas vezes poesia). Quando descobri este processo, por mim
mesma, quis expandi-lo e criar uma atmosfera onde outros poderiam se explorar do
mesmo modo (ROGERS, 1982, p. 08)

Dessa maneira, assim como proposto por Natalie Rogers, visto que teriam mulheres
mães que ainda não se conheciam e havendo uma temática a ser discutida, foi pensado que os
recursos expressivos seriam, de fato, um caminho para maiores possibilidades de um fluído
acesso em conexão com a criatividade de cada uma das participantes. Com isso, esta oficina
iniciou-se com um momento de relaxamento, para que as participantes pudessem perceber seu
corpo e o ambiente em que estavam, e conseguissem estar mais imersas e focadas na vivência.
Em seguida, foi realizado um exercício de apresentação utilizando cores: cada uma tinha que
dizer seu nome e uma cor simbolizando como estava se sentindo, logo, as participantes puderam
se observar, se apresentar e se conhecer pela primeira vez. Após esse momento, foi realizado
através de recursos expressivos o manejo da vivência da maternidade-solo: como ela é
constituída, experienciada e visualizada. Dessa forma, através da pergunta “O que representa
ser mãe-solo para você?” cada uma expressou pela arte o que sentia. Ao final, cada uma
demonstrou o que foi possível ser feito e explicou sua visão sobre a expressão artística feita,

3
Por não ser foco deste trabalho, não se aprofundarão os conceitos relacionados a Abordagem Centrada na Pessoa
(ACP), tal como as atitudes facilitadoras. Contudo, para uma maior noção dessas concepções, recomenda-se a
leitura do capítulo “A Abordagem Centrada na Pessoa e seus princípios” do livro “Praticando a abordagem
centrada na pessoa: dúvidas e perguntas mais frequentes” (2010).
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houve também um breve diálogo sobre assuntos transversais a esse tipo de maternância, tendo
duração de aproximadamente 1h 30 min no total. Destaca-se ainda que para o registro tornar-
se mais fidedigno, além do gravador de voz e da minha própria observação, houve ainda a
presença da observadora Danielle Gonçalves, plantonista e facilitadora de grupos, na oficina.

4.6.2 Análise de Dados

Para a análise dos dados coletados, foi utilizada a análise de conteúdo na visão de Bardin
(1977). A autora define esse tipo de análise enquanto:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens
indicadores (qualitativos ou não) que permitem a interferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/percepção (variáveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN, 1977, p.42).

Com isso, a partir das diversas possibilidades de analisar conteúdos linguísticos orais,
classificados como comunicações de massa, está de acordo com a análise de entrevistas. Dessa
forma, a técnica da Análise de Conteúdo está imbricada no desenvolvimento desta pesquisa de
campo na análise das entrevistas individuais e da oficina grupal.
Quanto ao procedimento metodológico, Bardin (1977) sugere um modo de análise que
se divide em três momentos: a pré-análise, a exploração do material, e o tratamento dos dados
e interpretação. A primeira etapa denominada de pré-análise, também conhecida como “leitura
flutuante”, é o contato inicial do pesquisador com o material a ser analisado. Esta etapa
possibilita o entendimento dos conteúdos centrais, que posteriormente ganharão mais
visibilidade e foco.
A segunda etapa designada como exploração do material, que ressalta o trabalho de
categorização dos conteúdos a partir da análise temática de cada categoria, considerando que
“(...) classificar elementos em categorias, impõe a investigação do que cada um deles tem em
comum com outros. O que vai permitir o seu agrupamento, é a parte comum existente entre
eles” (p. 118). Segundo a autora, para qualidade da categorização necessita-se: a) Exclusão
mútua, um mesmo elemento não pode estar vinculado a duas ou mais categorias; b)
Homogeneidade, definir um único princípio norteador da organização das categorias; c)
Pertinência, as categorias deverão ser definidas de acordo com o material de análise e deverão
se adequar ao objetivo da pesquisa; d) Objetividade e Fidelidade, deve haver clareza no que
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cada categoria se propõe a tratar; e por fim, e) Produtividade, as categorias devem fornecer
resultados, contribuindo para a análise.
A terceira e última etapa, denominada tratamento dos dados e interpretação, consiste na
realização da inferência e da interpretação dos conteúdos que foram categorizados. Ambas,
tratam-se da atividade de desenvolver as categorias a partir de premissas aceitas pela
pesquisadora, dentro do conhecimento teórico que detém acerca do tema estudado, de modo a
atribuir significados mais amplos aos conteúdos analisados.
A seguir, estarão os quadros confeccionados pela autora que demonstram de onde surge
as categorias analíticas da referente pesquisa. Foi dividido em 2 quadros: o primeiro com
relação as falas situadas na 1ª fase das entrevistas individuais e o segundo quadro pertencente
a 2ª fase da oficina grupal com todas as 05 participantes.
QUADRO 2 – Análise De Conteúdo Das Entrevistas Individuais

ANÁLISE DE CONTEÚDO - ENTREVISTAS


Unidade de análise Categoria Falas
“é cuidar, é buscar dar amor, amor incondicional acima
de tudo” - Rita
“Cuidados, ensinamento, a educação, o carinho
familiar, que eu acho que seria essencial” - Tereza
“Ser mãe é um amor... um amor infinito de uma mãe por
Ser mãe um filho” - Maria
“Eu sou o espelho deles dentro de casa e isso pra mim é
muito importante” - Wanda
“educar o filho, cuidar, ter responsabilidade com o
filho, porque ser mãe não é só dar comida, ser mãe não
é só dar roupa” - Helena

Visão sobre a maternidade-solo “Da primeira sim, da segunda não.” - Rita


“(risos) não. Eu nunca desejei ser mãe, na verdade eu
sempre dizia que se um dia eu chegasse a me casar eu
iria preferir adotar, se fosse o caso. Mas ser mãe
mesmo... nunca passou pela minha cabeça” - Tereza
“Eu sempre sonhei em ser mãe, mas novinha assim eu
Desejo de ser sempre me cuidei sempre não engravidei não, fui
mãe engravidar mesmo nessa idade, mas não foi gravidez
que eu planejei” - Maria
“Eu nunca quis ser mãe. Foi uma coisa assim que caiu
na minha vida como uma bomba” - Wanda
“Sempre. Eu desejei ser mãe e queria ter mais filhos,
não tive mais porque dos dois eu tive eclampi (SIC)” -
Helena
“(...)eu ainda tentei tirar. Mas minha irmã me
aconselhou ‘não faça isso, porque ainda pode acontecer
tanto uma tragédia contigo como com a tua filha” - Rita
Aborto
“E....tu tirar uma vida de dentro de ti é um assassinato,
sabe? Então, estaria indo contrário ao que eu
acreditava, mesmo que eu não quisesse” - Tereza
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“Aconteceu d’eu engravidar, mas também nunca pensei


em tirar, nunca pensei em abortar não.” - Maria
“(...)eu fiquei tão desesperada... que eu só não fiz porque
a minha mãe não deixou” - Wanda
“Ele me levou no hospital pra tirar, eu fui sem saber” -
Helena
“Gostava muito de uma balada, de sair com amigas.
Hoje não, já me dedico a ficar mais em casa e junto com
elas” - Rita
“Eu não podia estar em todos os lugares que eu queria
estar, eu não podia estar com os meus amigos” - Tereza
“Eu nunca fui de sair assim pras festas, mas senti
mudanças assim, porque quando não se tem filhos, você
tem mais liberdade de sair pra fazer as coisas” - Maria
Vida social e
“Eu pensava assim ‘quando os meus irmãos crescerem
lazer
eu vou conseguir viver, eu vou poder sair, eu vou poder
fazer as coisas que eu não consegui fazer porque estava
cuidando deles’. E aí, lá eu engravidei” - Wanda
“Eu parei mais, eu chego mais cedo em casa, eu já tenho
aquele compromisso com ele de ir ao supermercado
fazer compras pra deixar pra ele, entendeu? - Helena

“Quando a minha filha nasceu eu tive uma depressão


dela” - Rita
“(silencio e risos) Eu nunca parei pra pensar como eu
Vivência de um me sinto” - Tereza
sofrimento “Pra te falar a verdade eu não me sinto nem
confortável” – Wanda

Maiores mudanças psicológicas “Normal assim, eu me sinto normal. Eu não tenho muito
e sociais após ser mãe-solo assim do que reclamar não.” - Maria
Naturalização “Eu me sinto bem. Tô fazendo o bem pra ele... eu não me
das mudanças sinto cansada” - Helena

“No início quando eu tive ela, eu fiquei muito triste,


porque eu queria vestir minhas roupas e eu não
conseguia” - Tereza
Autoimagem e
autoestima “Eu acho que o corpo muda totalmente” - Maria
“(silêncio) ele dizia pra mim ‘ninguém te quer, com
esses dente véi podi, cabelo véi seco, tem nem roupa’” -
Helena
“(...)não sinto mais aquele animo mesmo, porque quem
trabalha durantes o dia, chega a noite cuida de
criança... você não tem tempo, você... dá vontade só de
se deitar...” - Rita
“No início, eu me sentia muito sobrecarregada, agora
não, eu já consigo me virar melhor” - Tereza
Sobrecarga “Aí é o tempo que tenho pra mim, pra cuidar, pra limpar
a casa até a hora de ir buscar ela que é a hora que ela
chega da escola, aí já é o tempo todo só pra ela” - Maria
“É como eu me sinto! É como eu me sinto
sobrecarregada....” - Wanda
“Não me canso de fazer nada por ele. Não me cansa, pra
ele não me canso não” - Helena
43

“Ah, é um apoio grande. Muito mesmo! Porque as vezes


quando é nas folgas delas, elas ficam com minhas filhas
pra eu trabalhar” - Rita
“Eu como mãe e como mulher sinto falta do apoio de
ambos, da família dele e do pai, até porque me ajudaria
muito se eu tivesse esse apoio” - Tereza
Rede de apoio “Ela tá sendo mais pai que o próprio pai” – Maria
“Assim, a minha mãe faz o possível, dentro do possível
pra tá ali, pra me ajudar... não dá pra fazer mais do que
ela já faz, tendeu?” - Wanda
“Às vezes eu falo aqui ninguém é igual a eu, porque
ninguém faz nada de graça. Ninguém dá nada. Tudo sai
do meu bolso” - Helena
“Elas queriam me abraçar e eu não podia chegar perto
delas” - Rita
“A questão da escola deles, eu não sei ser professora, só
sei ser aluna (risos). Então, eu me estresso logo, eu me
zango, eu começo a brigar com eles por causa das
atividades” - Tereza
“Acredito que ficamos mais apegadas com a pandemia.
Pandemia Quando vou deixa ela no colégio, eu deixo muito porque
é o jeito...” - Maria
“Eles estavam muito era estressado, já tavam
estressados, não aguentavam mais ficar dentro de casa”
- Wanda
“É eu não ia fazer a faxina, eu só ia 1 vez na casa da
minha patroa, ela se isolava, eu fazia as coisas.” -
Helena
Fonte: Produção da autora

QUADRO 3 – Análise de Conteúdo da Oficina de Conexão Criativa


ANÁLISE DE CONTEÚDO – OFICINA GRUPAL
UNIDADE DE CATEGORIA FALA
ANÁLISE
“Assim eu sempre disse que as coisas iam melhorar depois do curso,
e aí, eles sempre perguntam porque agora terminou o curso, mas o
mercado de trabalho tá difícil.” - Tereza
“Então, é muito difícil, é uma batalha todos os dias, sabe?” - Wanda
“Se Deus botou na minha vida é porque tem um proposito, mas é
Fonte de sustento muito difícil.” - Helena
“Pra você com sua filha não passar necessidade, você tem que ter
outros meios, fazer outros bicos, e aquilo dali é muito cansativo.” -
Rita
Modos e meios
de vida “Eu pensei assim na época, é direito deles, o dinheiro é deles,
voltado para escola deles, pra educação deles, pros materiais, pras
roupas deles, tudo é deles.” - Tereza
“Ele queria pagar 5% pras duas crianças, 5% do salário mínimo, o
Responsabilização advogado até riu, e é uma briga pra pagar esses 200 reais” - Wanda
paterna

“Eu assim nunca quis botar ele, cada um tem sua opinião, e eu não
quis.” - Helena
44

“Porque a menor está na justiça, só que o juiz já determinou que ele


depositasse o alimento, já tá com uns 2 meses..” - Rita

“O pai, eu disse que vou botar na justiça “bota, não fiz filho nenhum,
não vou pagar pensão pra ela” (choro), isso que ele diz pra mim
(silêncio)” - Maria

“Aquilo ali acabou comigo de uma certa forma que nunca vou
esquecer.” – Wanda

“Eles perguntavam, “mãe, não vai comer?” e eu dizia que ia depois,


Fome e aí passava e não comia.” - Helena

“Tive que conviver com 12 irmãos tendo que dividir uma banda de
ovo, com não sei quantos irmãos e encher a barriga de água, e ir
dormir com fome.” - Rita

Fonte: Produção da autora.


No capítulo a seguir serão discutidas as categorias supracitadas, sendo ilustradas por
algumas falas que são derivadas dos quadros anteriores.

5 DIÁLOGOS ACERCA DA MATERNIDADE-SOLO: UM OLHAR VIVENCIAL

O presente trabalho buscou enaltecer as diversas vivências e sentidos que comparecem


em 05 mães-solo do Clube de Mães Caiane Mateus. Diante disto, ressalta-se algumas
considerações iniciais com relação ao processo de pesquisa. Faz-se importante situar que na 1ª
fase da pesquisa, foi utilizado um questionário e todas as mulheres se autodeclararam enquanto
mulheres negras (03 pardas e 02 negras). Entretanto, duas das participantes que marcaram o
item “parda” demonstraram dúvidas em como se identificavam racialmente, questionando a
pesquisadora sobre o que ela achava, sendo devolvida a pergunta à pessoa. Elucida-se que há
probabilidades de uma não compreensão de identidade étnico-racial, principalmente tratando-
se do lugar do pardo. Dessa forma, Lima (2008) retrata que o processo de identidade étnico-
racial é perpassado pelas categorias de pertencimento, vinculação e também o reconhecimento
de si e dos outros.
Além disso, não houve dúvidas com relação aos itens do questionário e nem ao TCLE.
Não houve maiores dificuldades após o contato inicial, de maneira virtual, com as participantes,
onde foi averiguado a disponibilidade das mencionadas e a pesquisadora se adequou a elas.
45

As unidades de análise foram geradas através dos objetivos específicos da vigente


pesquisa. Com isso, as 03 unidades de análise foram: visão sobre a maternidade-solo; maiores
mudanças psicológicas e sociais; e modos e meios de vida. A partir dos estudos com questões
de gênero, maternidade e especificamente maternidade-solo, a pesquisadora construiu
categorias de análise que poderão em sequência ser exploradas de maneira mais minuciosa por
intermédio das unidades de análise supracitadas.

5.1 Visão da maternidade-solo

5.1.1 Ser Mãe

Inicia-se a discussão pela categoria “Ser Mãe”, onde desenvolveu-se a visão sobre
maternidade de cada uma dessas mulheres. Percebe-se que ainda há perante a sociedade uma
visão docilizada e romantizada da maternidade. Em um trecho das falas, a participante Rita diz
sobre o que é ser mãe para ela: “é cuidar, é buscar dar amor, amor incondicional acima de
tudo e tá sempre presente na vida do seu filho”. Nesse trecho, nota-se que a visão de
maternidade da participante é de amor sem medidas (incondicional), o que exprime uma ideia
já esclarecida no primeiro capítulo deste trabalho, onde o amor materno é visto enquanto um
amor naturalizado e intrínseco à mulher. É válido ressaltar que esse pensamento faz com que
haja culpabilização das mães que não conseguem ter um afeto desde o início por ser filhos, que
por vezes passam por transtornos nessa fase da vida, tal como a depressão pós-parto.
Por outro lado, um ponto repetido por duas participantes é no sentido de ser referência
para os filhos. Nas falas de Wanda e Helena coloca-se que, respectivamente,: “Eu sou o espelho
deles dentro de casa e isso pra mim é muito importante” e “tem que o filho se olhar na mãe
ser o espelho da mãe e a mãe ter respeito pra ela poder dar pro filho dela e ela poder cobrar
do filho”. Ser exemplo e dar esse exemplo de boa conduta aos filhos, através da fala dessas
mães, parece ser muito importante, como se atitudes das mães repercutissem no modo de agir
dos filhos diretamente. Essa imagem também influencia na construção da categoria nativa da
“mãe guerreira”, muito imbricada ao fenômeno da maternidade-solo, que “aquela que se
sacrifica para não abandonar o filho, que se colocaria no lugar dele para não vê-lo sofrer”,
conforme Mestre e Souza (2021, p.03). Desse modo, comparece também na citação de Zanello
(2016):
A maternidade é pintada a partir de um ideal que não distingue a mulher real ao
encontro de uma função que se delineou social e historicamente nos últimos séculos
46

e que tem sido marcada por uma sobreposição de tarefas, muitas das quais, inclusive,
a mulher não pode controlar (por exemplo, a formação da personalidade da criança).
A Psicologia também deu o seu quinhão na construção dessa maternidade, sobretudo
através da ideia de higienização e do controle dos afetos, ao prescrever o que seria
uma “boa mãe” e os efeitos “nefastos” de uma mãe má (ZANELLO, 2016, p.115).

A autora retrata na citação anterior dando ênfase ao que popularmente é tido como ser
boa ou má mãe através das atitudes de cuidado e que poderia no senso comum influenciar na
personalidade da criança. Toda criança exige atenção e dedicação, mas deve ser refletido sobre
como o papel materno também pode acarretar em culpabilização materna quando a mulher não
consegue cumprir com todas as tarefas de cuidado exigidas. Apesar da valorização do lugar
social da mulher pela sociedade ao se tornar mãe, os sentimentos negativos das mesmas são
desvalorizados na maternagem. Isto faz com que elas se vejam obrigadas a serem fortes o tempo
todo e a todo custo, sobretudo ignorando os aspectos desfavoráveis que estão atrelados à
maternidade (PADILHA, 2021, p.2). Dessa forma, há uma tendência de compreender a
maternidade enquanto sonho e desejo de toda mulher, que se verá mais evidentemente na
próxima categoria.

5.1.2 Desejo de ser mãe

Nesta categoria, a participante Maria diz: “Eu sempre sonhei em ser mãe, mas novinha
assim eu sempre me cuidei sempre não engravidei não, fui engravidar mesmo nessa idade, mas
não foi gravidez que eu planejei”.
Anteriormente a mesma participante havia dito sobre ser mãe “Pra mim o que é ser mãe
é ter uma base, é algo que toda mulher quer ser um dia ne?”. Pode-se perceber, dessa maneira,
a ideia de que toda mulher sente vontade de ser mãe, como se fosse um sonho inerente ao ser
mulher, é o que se chama de maternidade compulsória. Porém, é interessante mencionar que
muitas mulheres não possuem esse desejo, assim como, na contemporaneidade, as mães estão
tendo uma maior facilidade de comunicar que a maternidade não é o centro de sua vida, o que
outrora era lido como um problema. Dessa maneira, complementando acerca do conceito de
maternidade compulsória as autoras esclarecem que,
(...)o desejo da maternidade não é inerente à condição de ser mulher, e não é por gestar
que o amor incondicional e a vontade de cuidar irá emergir neste indivíduo.
Consonante a isto o que se espera é que a sociedade consiga ampliar sua visão
permitindo uma discussão empática e livre de julgamentos acerca do tema, e que a
partir disso a maternidade possa torna-se opção, perdendo o seu status de imposição
social (SOUSA, FRANCA, DE DEUS, 2019, p. 04).
47

Com isso, a obrigatoriedade de ser mãe deve ser reformulada por parte da sociedade,
dando opções a essas mulheres. Um desses processos, se for de escolha da mulher, poderia ser
o aborto, caso fosse uma ação afirmativa legalizada no país, como irá se observar na próxima
categoria.

5.1.3 Aborto

Diferentemente das demais categorias, esta não veio a partir das perguntas
semiestruturadas produzidas pela pesquisadora, mas foi algo trazido de forma espontânea por
todas as mães nas entrevistas. Estima-se que, pelas dificuldades de se manter em uma
maternidade de responsabilidade exclusiva, essas mulheres devem ter sido questionadas em
algum momento da gestação sobre conceber ou não o filho.
Falar dessa questão é sempre polêmica, pois são muitos os fatores a serem refletidos.
Para Pires (2016, p.28), na cartilha Aborto e (não) desejo de maternidade(s): questões para a
Psicologia, “o tema do aborto pode ser compreendido como uma questão de natureza ética,
situada na esfera da livre decisão, no caso, das mulheres, no que diz respeito ao significado da
vida pré-natal incipiente”. No Brasil, a situação atual do aborto é de ilegalidade, exceto em
casos de risco de vida, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal, sendo proibido em
todos os demais casos. O fato é que apesar da prática ilegal, de forma velada muitas mulheres
se utilizam do ato. Contudo, mulheres de classes mais altas conseguem ter todo um cuidado e
assistência médica para um procedimento tão invasivo. Já as mulheres mais pobres que buscam
não experenciar a gestação, se colocam em condição de risco nas diversas clínicas clandestinas
existentes. Em pesquisa sobre aborto no Brasil, “Avanços e desafios para o campo da saúde
coletiva”, de Greice Menezes e Estela Aquino (2009), mostra-se que o perfil das mulheres
brasileiras que morrem em decorrência do aborto é de jovens, negras, de estratos sociais menos
privilegiados e residem em áreas periféricas das cidades.
Dito isso, a entrevistada Rita diz que foi aconselhada por parente a não prosseguir com
o ato:
(...)eu ainda tentei tirar. Mas minha irmã me aconselhou ‘não faça isso, porque ainda
pode acontecer tanto uma tragédia contigo e com a tua filha; tu não consegue abortar
aí a criança nasce com deficiência, as vezes a mãe morre naquele ato de tirar’ aí eu
aceitei o conselho da minha irmã.

Além de Rita, Wanda diz que não tentou abortar por conta de sua mãe:“(...)eu fiquei
tão desesperada... que eu só não fiz porque a minha mãe não deixou. Na época, ela não deixou,
48

ela disse que se eu fizesse ela ia me bater, ela ia me dar uma surra tão grande... que ela nunca
fez nenhum aborto, porque que eu ia fazer?”. Wanda ainda na entrevista retrata que não sabia
que desde a primeira relação sexual já poderia engravidar e que nunca houve conversas sobre a
temática com a sua família. Assim, revela-se a importância dos diálogos abertos a respeito da
educação sexual para os mais jovens dentro das instituições de ensino, visto que:
A escola pode ser um espaço protetivo para os adolescentes, mesmo em contextos
sociais de maior vulnerabilidade. Assim, o contexto escolar pode ser um local potente
para pensar em intervenções que busquem diminuir as desigualdades em saúde, pois,
além de ser um espaço de convivência, acaba por ser parte constituinte de
subjetividade (EW et.al., 2017, p. 52).

Assim, a escola pode tornar-se um espaço de propagação de diversas informações sérias


que contribuam para a saúde coletiva, pois tanto com relação a sexualidade e gravidez, como
também as questões referentes a própria exposição às Infecções Sexualmente Transmissíveis
(IST’s) poderão ser temáticas exploradas que auxiliem e protejam adolescentes que estão
iniciando ou já obtém vida ativa sexualmente.
Aborda-se ainda que apesar de muitas vezes se pregar por toda a sociedade a rivalidade
feminina, pode-se perceber que outras mulheres discutiram com essas mães-solo a ideia do
aborto, possivelmente tentando protege-las das consequências danosas de um ato que por sua
ilegalidade coloca as mulheres em risco de vida. Segundo Siqueira (2017, p. 100), a temática
contemporânea da rivalidade feminina “pode reforçar estereótipos de gênero sobre, por
exemplo, a mulher economicamente mantida pelo homem e sobre a mulher que não pode ser
amiga de outra mulher”. Contudo, na atualidade, as expectativas é de que a sororidade se
estabeleça não somente como conceito, mas impulsionando “o companheirismo entre mulheres,
em um contexto patriarcal e machista” (p. 101).
Outro ponto interessante a respeito da questão do aborto é o quanto ainda há uma visão
de julgamento e crucificação, principalmente colocando as mulheres que procuram essa
intervenção enquanto pecaminosas e assassinas. As religiões, principalmente aquelas de origem
judaico-cristãs pregam o conceito de família no formato triangular tradicionalista, e tudo fora
dessa normalização seria um ato de pecado. Na fala de Tereza, vê-se claramente essa situação:
Na verdade, acho que mais pela religião, ne? Pela, vamos dizer assim, porque nós
éramos uma família, na verdade nós somos uma família de evangélicos, né? E....tu
tirar uma vida de dentro de ti é um assassinato, sabe? Então, estaria indo contrário
ao que eu acreditava, mesmo que eu não quisesse, como eu não queria naquele
momento, eu assumi minha responsabilidade daquilo que eu fiz, tendeu?
49

A descoberta de uma gravidez indesejada pode corroborar para o pensamento de retirada


da maternidade. Contudo, a situação trazida por Helena tem relação direta com o aborto paterno
e violência obstétrica. Nesse caso, a participante desejava ser mãe, mas o seu ex marido não
queria que a gravidez continuasse. Dessa forma, violentamente, ele a leva a uma clínica para a
retirada do feto, que não prosseguiu, pois, a entrevistada compreendeu o que iria acontecer e
conseguiu sair do local. Em trecho da fala de Helena traz: “(...)aí quando eu tava grávida ele
disse ‘pode tirar que eu não quero’. Ele me levou no hospital pra tirar, eu fui sem saber. Eu
tava com 4 meses, do meu filho mais velho, eu falei que não ia tirar e ele disse ‘tu vai tirar, vai
tirar’”.
É essencial que se possa entender que essa fala, infelizmente não é uma exceção, onde
homens tentam impor a todo custo suas próprias escolhas. Por Helena ser uma mulher, negra
retinta, mais pobre, que não possuir escolaridade, pode-se identificar distintas nuances dentro
de uma relação de dominação, onde o sofrimento ético-político dessa mulher é desconsiderado.
Pode-se exprimir ainda dessa última fala que, todo este trabalho monográfico trata-se
do aborto paterno, ou seja, de homens que decidem não se responsabilizar por seus próprios
filhos. Dessa maneira, é importante colocar-se que, de acordo com a Associação Nacional dos
Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) (2021), quase 100 mil crianças nascidas em 2021
não têm o nome do pai no registro civil. Com isso, o questionamento feito no início deste
trabalho em relação à cobrança da responsabilidade de cuidados aos filhos não ser igualitária
para homens e mulheres, torna-se ainda mais notória no cenário onde o aborto é criminalizado
para as mães e indiferente para a figura masculina.

5.2 Maiores mudanças psicológicas e sociais

5.2.1 Vida Social e Lazer

Esta é a primeira categoria de análise da unidade sobre mudanças psicológicas e sociais.


Aponta-se inicialmente que são tantas as tarefas realizadas pela mãe-solo que a vida social dessa
mulher acaba ficando um pouco comprometida. Na fala de Rita, percebe-se que houve a
renúncia de algo que trazia prazer para ela, para que pudesse dar atenção e cuidados maternos
às suas filhas. No seu discurso, traz que “Primeiro, gostava muito de sair. Saia demais, perto
daqui de casa. Gostava muito de uma balada, de sair com amigas. Hoje não, já me dedico a
ficar mais em casa e junto com elas”.
50

Outras mães que também ressaltaram a questão da liberdade de ir e vir foram Tereza e
Maria que, respectivamente, dizem
Eu não podia estar em todos os lugares que eu queria estar, eu não podia estar com
os meus amigos... a dificuldade que era pra sair com eles com aquele monte de coisas
e ter que pegar ônibus.

Eu nunca fui de sair assim pras festas, mas senti mudanças assim, porque quando não
se tem filhos, você tem mais liberdade de sair pra fazer as coisas, de sair, de se
divertir, de ter poucas responsabilidades, de fazer suas coisas... e quando você é mãe
não.

Dessa forma, observa-se através de Patias e Buaes (2012) que os cuidados com os filhos
tendem a posicionar a mulher como a cuidadora da família - concepção tradicional, mas ainda
presente no imaginário social. Essa representação produz, segundo as autoras, a noção de que
“a mulher é responsável pela integridade física e psíquica do filho, tendo que estar disposta a
abdicar de certos prazeres para ‘vigia-los’, o que, consequentemente, acarreta sacrifício,
abnegação, renúncia a seus próprios desejos e projetos de vida” (p. 304).
Outras autoras que também retratam reflexões expressivas sobre o tema são Mestre e
Souza (2021), afirmando que:
A maternidade, alicerçada na responsabilização exclusiva das mulheres, é nitidamente
uma instituição influenciada pelo patriarcado, ao impor um estilo normativo para
mulheres, cuja função/responsabilidade seria a de disciplinar e cuidar dos filhos,
contribuindo para uma classificação da maternidade com base em um padrão ideal,
avaliado na flexibilização da mãe em abdicar de seus projetos pessoais, profissionais
e políticos em prol da dedicação incondicional aos filhos (p. 05)

Com isso, as referidas autoras garantem que é a partir de um sistema de opressão como
o patriarcado que muitas mulheres são ensinadas a renunciar a si mesmas e suas próprias
vontades em prol do bem de seu filho. Além disso, existem sacrifícios que devem ser feitos
caso seja uma boa mãe, segundo a sociedade, como a denúncia feita por Tereza com relação às
dificuldades encontradas ao utilizar o transporte público juntamente com suas crianças.

5.2.2 Vivências de sofrimento

As falas referentes a esta categoria têm os resquícios de uma série de eventos e situações
geradas por todo um sistema de opressão que causa muitos sofrimentos a essas mulheres e que
estão imbricados nas vivências de gênero, raça e classe.
Nesta primeira fala, percebe-se que mesmo com todas as dificuldades vividas no
puerpério, onde biologicamente altera-se de forma abrupta os hormônios no pós-parto, essa mãe
experiencia o fenômeno da depressão pós-parto. São muitos os sentimentos que reverberam
51

naquele momento, porém chama atenção a interferência de pessoas próximas indicando como
ela deve se portar.
Quando a minha filha nasceu eu tive uma depressão dela. Eu estava no resguardo lá
no serviço, no apartamento. As minhas amigas de trabalho que me dava muito apoio,
diziam ‘Rita, não fique assim se não tu vai acabar quebrando teu resguardo e vai
passar toda a tua angústia pro leite da criança. Tu não pode ficar assim’. Me dava
só vontade de cortar os meus pulsos... Aí eu comecei a me apegar a criança, as vezes
eu nem queria dar o peito... aí depois foi passando, passando... (Rita).

Como mencionado, as grandes transformações referentes ao período do puerpério,


acabam tornando a mulher mãe mais vulnerável e podem trazer algum adoecimento psíquico.
Segundo Oliveira e Arrais (2016, p. 849), o baby blues é o transtorno mental mais comum dessa
etapa, sendo definido como estado depressivo mais brando, com surgimento geralmente no
terceiro dia do pós-parto. Esse período caracteriza-se por fragilidade, hiperemotividade,
alterações do humor, falta de confiança em si e sentimentos de incapacidade. Os julgamentos
de todo o corpo social não só não ajudam como fazem com que a sensação de culpa, exclusão
e negligência apenas sejam reforçadas. Julgamentos esses que também influenciam na forma
como Wanda experiencia a maternidade-solo e como ela se sente perante a sociedade.
Pra te falar a verdade eu não me sinto nem confortável. Porque eu sinto como se
estivesse sendo irresponsável, de estar com a idade que estou saindo pra algum lugar
e deixando eles em casa. Eu fico assim com medo do que as pessoas vão pensar ‘poxa,
Wanda tá deixando os filhos dela com outra pessoa pra ela tá em tal lugar’. Eu fico
pensando o que os outros vão pensar de mim por estar fazendo isso, sabe?

Pontua-se ainda acerca da dificuldade que é para muitas mulheres mães-solo terem a
possibilidade de compreender diversas violências e opressões vividas, além das marcas
deixadas por elas. Ainda há muito o pensamento do filho frente aos seus cuidados próprios,
além dos apontamentos alheios. A correria do dia a dia e as suas múltiplas funções fazem com
que seja surreal expressar o que se sente, como uma forma até de não demonstrar fraquezas,
seria o mito da mãe guerreira, o que em mães-solos se sobressai. Com isso, Tereza descreve
que pela correria que vive ela não costuma parar para refletir os seus sentimentos e conflitos
mais internos.
(silencio e depois risos) eu nunca parei pra pensar como eu me sinto. Eu fui
simplesmente vivendo, onde eu achava que eu estava triste eu tentei trabalhar a minha
mente, porque que nem ontem eu disse para um amigo meu que ‘eu não sou doida
não, mas eu converso sozinha’ (risos). Mas o meu conversar sozinha sou eu tentando
me tratar, porque as vezes dá vontade assim de gritar, sabe? Mas...

5.2.3 Naturalização das mudanças


52

Apesar de que, na categoria anterior, observa-se diferentes sofrimentos advindos do


cisheteropatriarcado, existem participantes que, mesmo com as mudanças sociais presentes, não
se sentem afetadas de forma negativa por elas, como se vê na fala de Maria:
Normal assim, eu me sinto normal. Eu não tenho muito assim do que reclamar não.
Me sinto mesmo assim tranquila, eu sou tranquila, o tempo todo pra mim tá bom, não
tem tempo ruim. Tem só aquilo mesmo de mudanças assim, mas assim aquilo tudo
normal, são mudanças normais.

Assim como Maria, Helena também entende que mesmo com as mudanças sociais
oriundas da maternidade-solo não se sente sobrecarregada: “Eu me sinto bem. Tô fazendo o
bem pra ele... eu não me sinto cansada... eu não me estresso com ele, ele é muito carinhoso.
Ele fala ‘mamãe eu te amo’, é ele fala.”
Embora compreenda as narrativas dessas mulheres, é válido que certa inferência
enquanto pesquisadora possa ser feita com relação ao fenômeno supracitado. Tendo em vista
que em outros momentos as participantes confirmam as diferentes transformações que ocorrem
com a maternidade-solo, identifica-se que há possibilidades de uma resignação das mudanças
psicológicas, pois não existem espaços para a discussão do tema, é considerado normal sofrer
por amor (o materno então é parte da função), a sociedade como um todo está a todo custo
julgando as mães e entre outros. Dessa forma, a categoria de análise “fatalismo” de Ignácio
Martin-Baró esclarece muito essa maneira de se situar na vida. Para o autor (2017, p. 175) o
fatalismo “é a compreensão da existência humana em que o destino de todos está
predeterminado e todo fato que ocorre de modo inescapável”. Em vista disso, observa-se que
essas mães-solo naturalizam as mudanças psicológicas sofridas por ser o modo encontrado para
a continuação dessa maternidade.

5.2.4 Autoimagem e autoestima

Segundo Peixoto (2020, p. 47), “a autoimagem e a autoestima estão relacionados à


forma como a mulher se vê no corpo grávido, se essa estética lhe é agradável ou desagradável,
e se a adaptação a essa nova imagem ocorre ou não”. As alterações corpóreas da mulher no
período de gestação são necessárias para que o se possa acolher uma nova vida que está em
desenvolvimento dentro de si. Por mais que algumas mulheres considerem os efeitos corpóreos
como algo divino, muitas são as mulheres que demonstram também insatisfação com essa serie
de transformações, e até que não conseguem se reconhecer nelas.
53

Nas falas seguintes, percebe-se que há certa dificuldade de identificação com a nova
imagem que não cabe mais nas roupas antigas:
É... tem muita coisa... fora a mudança estética também que... no início quando eu tive
ela, eu fiquei muito triste, porque eu queria vestir minhas roupas e eu não conseguia,
ia na loja comprar roupa nova e eu não me agradava de nada, tendeu? (Tereza)

Eu acho que o corpo muda totalmente...barriga estica, peitos cresce, e eu imaginava


assim que não ia ficar tão grande como ficou, eu fiz um barrigão mesmo... fiz um
barrigão, não imaginava que ia ser assim ser mãe, pensei assim que seria diferente
cuidar de criança, porque cuidei tanto de menino, ai agora vem mais a minha pra
mim cuidar será se vai ser bom ou não? será se vai ser diferente de como cuidar do
filho dos outros? (Maria)

As modificações fisiológicas que acontecem podem também refletir na autoestima, na


tentativa de compreensão de sua identidade enquanto mulher. Essa autoestima também pode
ser alterada a partir dos julgamentos alheios sobre o corpo dessa mulher. Até a própria falta de
tempo para si e para o autocuidado, já que há inúmeras funções a serem executadas. Na fala de
Helena, percebe-se que de forma violenta, uma pessoa que era para ser o principal parceiro
contribuía significativamente para uma autoestima negativa e para uma própria autoimagem
distorcida. De forma exploradora, a ameaça contida na fala pode trazer mulheres para
relacionamentos abusivos e dependência emocional.
(silêncio) ele disse assim pra mim ‘ninguém te quer, com esses dente vei podi, cabelo
vei seco, tem nem roupa’... eu era magrinha, porque eu passava muita fome, largava
de comer pra dar pros menino. Quando ele comprava ele comprava só um pouquinho,
aí as vezes quando sobrava eu comia.

5.2.5 Sobrecarga

A sobrecarga é um aspecto que surge desde o início do trabalho, pois está muito
intrínseco ao gênero feminino. No entanto, com a maternidade pode-se dizer que se eleva o
nível de responsabilidade e atribuições, consequentemente a sobrecarga também aumenta. De
acordo com Pereira e Leitão (2020, p. 06), com relação a essa divisão desigual dos papéis de
gênero, “trata-se de uma distribuição pautada numa visão naturalizada de comportamentos
vistos como masculinos e femininos, em que se supõe que à mulher cabe uma maior
responsabilidade no que diz respeito aos cuidados com os filhos”. Com isso, pode-se perceber
que se torna cansativo ter que dar conta de trabalho, cuidado com os filhos, atentar-se ao lar e
outras tantas tarefas. Como já dito, são a falta de recursos e pessoas que estejam a acolher a
demanda da mulher mãe-solo que fazem com que o sofrimento psíquico acabe ocorrendo,
chegando muitas vezes ao esgotamento mental. Nas duas falas a seguir, constata-se o cansaço
eminente de Rita e Wanda implicando em sua disposição e no psicológico.
54

(...)não sinto mais aquele animo mesmo, porque quem trabalha durante o dia, chega
a noite cuida de criança... você não tem tempo, você... dá vontade só de se deitar...
(Rita).

É como eu me sinto! É como eu me sinto sobrecarregada.... olha, quando eu chego


em casa eu tô tão cansada, que eu fico na cama eu vou só chorar. Eu choro tanto,
‘meu Deus, eu não vou dar conta sozinha’, só consigo chorar. Aí eu tiro uma
responsabilidade pra ele e ele não consegue fazer uma simples coisa que pedi a ele.
Eu não conto com ele pra absolutamente nada. Nada, nada, nada (Wanda).

Nota-se que à medida em que a criança vai crescendo e entendendo um pouco sobre si,
algumas tarefas também podem ser remanejadas para as mesmas efetuarem. Este é o caso de
Tereza que se sente sobrecarregada, mas afirma que no início era bem mais cansativo, pois
existiam ainda mais obrigações.
No início, eu me sentia muito sobrecarregada, agora não, eu já consigo me virar
melhor. Até porque eles estão maiores e já consigo delimitar várias responsabilidades
para eles, pras crianças mesmo. Mas o pai deles é muito ausente.

Apesar de que a maioria das mulheres assume essa posição de sobrecarregadas e


culpabilizadas, existem opiniões contrárias que também devem ser expressas. Nesse caso,
Helena estabelece que para a referida não existe um cansaço de fato, porque está fazendo com
afeto, “Eu gosto muito dele. Gosto muito. Tenho muita pena dele, cuido dele. Não me canso de
fazer nada por ele. Não me cansa, pra ele não me canso não. Eu posso tá cansada como tiver,
se for pra ele eu faço”. Acredita-se ser importante revelar ainda que a sobrecarga que as
mulheres admitem sentir não invalidam o amor e os afetos sentidos por ser descendentes, mas
que demonstram efeitos alarmantes a saúde integral (física e psicológica) da mulher mãe-solo.

5.2.6 Redes de apoio

Ter uma rede de apoio e vínculo efetivo com outras pessoas é essencial para a que a
maternagem-solo possa acontecer de forma mais tranquila. Já se sabe das sequelas decorrentes
da sobrecarga existente nessa maternidade e o apoio social vem no intuito desse afago a essa
mulher. Uma rede de apoio pode ser formada pela família extensa e até por amizades, mas é
essencial destacar o simbólico que está na mãe das mães, sendo uma das figuras mais comuns
desse zelo. Segundo Rapoport e Piccinini (2006), o apoio social é extremamente necessário
desde a gestação e ele pode ser dividido:
O apoio social é classificado de acordo com o tipo de ajuda que é fornecida e é
dividido em: apoio disponível (pessoas ou instituições disponíveis), percebido (quem
a mãe percebe que lhe dá apoio) ou recebido (quem de fato dá apoio). Uma outra
classificação segundo estes autores é quanto ao tipo de apoio: emocional (expressões
de conforto e cuidado), informacional (informações e orientações), ou instrumental
(provisão de recursos, serviços e solução de problemas) (p.86).
55

Observa-se que grande maioria das falas traz é de um apoio percebido seja o disponível
realizado por babás ou escola, ou aquele percebido, principalmente pela família extensa e/ou a
mãe. Na fala de Rita ela traz sobre o vínculo estabelecido com suas primas que moram na
mesma residência. Já para Maria, a madrinha de sua filha tem exercido esse papel, ao que ela
comparar estar sendo mais “pai” que o pai biológico da criança.
Ah, é um apoio grande. Muito mesmo! Porque as vezes quando é nas folgas delas,
elas ficam com minhas filhas pra eu trabalhar... porque, às vezes, eu trabalho até dia
de final de semana, até feriado, aí elas vêm ficam com elas (Rita).

“(...)porque quem mais ajuda mesmo é a tia dela, que ajuda ela, sempre que ela pode
ela deposita uma quantia pra ela, sempre ligando querendo saber como é que ela tá,
ela pergunta também se ele já depositou alguma coisa. Ela tá sendo mais pai que o
próprio pai” – Maria

No entanto, nem todas as participantes conseguem ter uma boa rede de apoio, podem
contar com os pais ou com algum serviço como o de babá, mas nem sempre é possível seja para
os pais ajudar ou até mesmo pagar algum serviço especializado. Elas colocam ainda o quão
importante seria se o pai cumprisse com as suas obrigações.
Eu como mãe e como mulher sinto falta do apoio de ambos, da família dele e do pai,
até porque me ajudaria muito se eu tivesse esse apoio. Às vezes eu fico muito restrita
as coisas que eu tenho que fazer por eu não ter muitas vezes com quem deixar as
crianças. Quando o pessoal aqui em casa não pode me socorrer, teria que ter uma
segunda opção que seriam eles e eu não tenho esse apoio deles e nem do pai (Tereza)

Assim, a minha mãe faz o possível, dentro do possível pra tá ali, pra me ajudar... não
dá pra fazer mais do que ela já faz, tendeu? Eu super entendo e também nem peço.
(...) E tipo assim eles me apoiam muito nas decisões que eu tomo, eles me dão muita
força, porque eles veem também, acredito também que eles veem que eu já me esforço
bastante no meu dia a dia pra dar tudo certo, sabe? Mas ainda não é o suficiente, tá
faltando ainda que é essa parte como eu tô dizendo, que eu tô deixando a desejar pros
meus filhos, não tô conseguindo... é... ser uma boa mãe (Wanda).

Porque não é toda vez que tenho dinheiro pra pagar babá, e ela só fica se pagar. Às
vezes eu falo aqui ninguém é igual a eu, porque ninguém faz nada de graça. Eu deixei
ele com a madrinha dele (...) quando ela tá em casa, aí ela não cobra nada. Mas a
não ser, as outras pessoas..., mas nem ela liga, ela não dá leite, ela não dá uma
máscara, ela não dá nada. Ninguém dá nada. Tudo sai do meu bolso (Helena).

Com isso, é relevante ratificar a necessidade de políticas efetivas que possam se tornar
redes de apoio dessas mães. Dessa forma, diversos serviços de cuidado e atenção, incluindo a
Psicologia, poderiam ser esse enlace do individual com o coletivo tanto para as mães, mais
também para as suas crianças.

5.2.7 Pandemia
56

A pandemia exigiu diversas atitudes para a contenção do vírus: Isolamento social,


higienização frequente, uso de máscaras, além de medidas necessárias a pessoas que tiveram
contato com outro indivíduo contaminado com a testagem. Querendo ou não, todas essas
condições modificaram a forma de se relacionar nos diferentes âmbitos, ou seja, trabalho,
escola, família, amigos e etc. Com isso, foi possível ouvir das participantes a respeito das
repercussões da pandemia para cada uma delas.
Enquanto para Rita, o vírus a distanciou de suas filhas, para Maria e Wanda apesar de
ser um momento grave, amedrontador e estressante puderam estar mais presentes na vida dos
filhos.
Ah... foi muito difícil. Mais uma questão delas que elas tiveram que ficar em casa. Aí
aquele medo também de pegar... eu tive covid, aí eu não podia ficar. Elas queriam me
abraçar e eu não podia chegar perto delas. Elas perguntavam o porquê que eu não
queria abraçar elas, aí até explicar tudo... a maiorzinha entendeu, mas foi muito
difícil (Rita).

Acredito que ficamos mais apegadas com a pandemia. Quando vou deixa ela no
colégio, eu deixo muito porque é o jeito... eu venho me embora, eu venho pra casa eu
fico contando nos dedos a hora de ir buscar... a convivência é muita (Maria).

Eles estavam muito era estressado, já tavam estressados, não aguentavam mais ficar
dentro de casa. Mas foi o momento que a gente mais ficou junto, porque a gente não
saía e aí a gente ficou mais junto. A gente brincava, a gente comia junto, a gente fazia
a festa. Então, foi o momento que a gente mais teve pra ficar junto foi na pandemia
(Wanda).

Pontua-se sobre a questão laboral e o quanto afetou na renda e na vida como um todo
dessas mulheres que são as provedoras centrais, isto é, chefes de suas famílias. Revela-se ainda
as dificuldades de adaptação com as crianças em casa e com a falta da rede de apoio, no sentido
até mesmo da solidão sentida, visto que o isolamento social era necessário enquanto medida de
prevenção do vírus. A Escola Comunitária Caiane Mateus é uma rede de apoio institucional
fundamental a essas famílias, e que, no pior momento pandêmico, teve que se estabelecer de
modo virtual, o que foi também uma nova adaptação de ensino, interferindo também nas
relações entre mães e filhos.
Durante minhas aulas que eram a noite, eu botava algo pra eles assistir pra eu poder
ficar quieta, mas não era o suficiente. No meu trabalho, baixou muito o negócio de
pedido, primeiro porque meu pai proibiu todo mundo de sair de casa, eu não tinha
como sair pra comprar material, pra fazer bolo, então basicamente eu parei por 6
meses. A questão da escola deles, eu não sei ser professora, só sei ser aluna (risos).
Então, eu me estresso logo, eu me zango, eu começo a brigar com eles por causa das
atividades, aí passei a pagar a minha irmã pra ela ensinar eles durante esse período,
porque ela é mais paciente (Tereza).

É eu não ia fazer a faxina, eu só ia 1 vez na casa da minha patroa, ela se isolava, eu


fazia as coisas. Mas tudo era com máscara, tudo direito..., mas a gente não teve não
(o vírus), porque a gente não saía, nem na escola ele não vinha. (...). As atividades
57

da escola a menina que fica com ele, a babá lia tudinho, dizia como é que era, aí ela
marcava as páginas, aí ele fazia tudinho direitinho (Helena).

Convoca-se, dessa maneira, ao pensamento interseccional com relação a gênero, raça,


classe, idade e territorialidade, visto que no contexto pandêmico essas mães ficaram ainda mais
expostas a vulnerabilidade a partir de sua posição social. Como consiste nas falas anteriores,
algumas das mulheres entrevistadas tiveram que equilibrar ainda mais os gastos, visto que
autônomos ficaram parados, principalmente no lockdown. Outras, enfrentaram a pandemia de
frente, trabalhando e tentando manter os cuidados necessários. Dessa maneira, questiona-se
acerca dos cerceamentos sociais onde estão implicadas essas mães, como essa realidade poderia
ser diferente se houvesse não somente o auxílio emergencial temporário, mas intervenções no
cuidado a essas famílias.

5.3 Modos e meios de vida

Nessa unidade de análise, trabalha-se com base no encontro grupal de todas as 05


participantes. Com relação a disponibilidade ao definir o dia do encontro em grupo, houve certa
dificuldade pelo fato do choque de horários nos seus respectivos empregos. Contudo, o
compromisso foi marcado com antecedência e assim foi realizado. É válido ratificar que a
proposta inicial era de um grupo focal, no entanto, apesar da vontade das participantes e da
pesquisadora, houve somente um encontro grupal, por conta dos horários adversos das
participantes. Acredita-se ser importante mencionar que o grupo ocorreu de forma presencial,
com a participação de todas as 05 mães-solo, sendo que a Maria trouxe a sua filha para esse
momento, e a criança não saiu do colo de sua mãe em nenhum momento das atividades. A
presença da filha na oficina é muito significativa do quanto a maternidade a acompanha em
todos os momentos, neste caso inclusive literalmente.
Na Oficina de Conexão Criativa, como já exposto, foram realizados 3 exercícios para
que a autoconsciência e criatividade pudessem ser afloradas. O primeiro exercício foi de
relaxamento, onde observou-se que a maioria das mães não tinham o hábito de parar e perceber
seu corpo e como estavam se sentindo. A exemplo, a participante Rita aparentou, tanto para a
facilitadora como também para a observadora, dificuldade em se manter sentada e parada, visto
que a mesma estava a todo momento se balançando e colocando sua bolsa no colo e
posteriormente no chão, pelo menos umas 3 vezes. Ainda assim, a referida aparentava tentar se
concentrar, mantendo-se com os olhos fechados e repetindo o comando do exercício. Finalizado
58

a atividade de focalização, pôde-se ouvir das demais mães o quanto havia sido “relaxante” e
que estavam se sentindo mais “calmas”, termos usados por elas.
Posteriormente, foi realizado o exercício de apresentação, visto que ao chegarem foi
questionado se as mesmas se conheciam ou se já haviam se visto pela escola, o que foi negado.
Nesta atividade, elas se apresentaram utilizando cores para expressar como estavam se sentindo.
Apesar de existir compreensão da atividade, elas pareciam estar envergonhadas de começar
demorando um pouco para se apresentarem. Com relação a escolha de determinada cor, muitas
das justificativas tinham mais a ver com o gosto pessoal pela cor do que como estavam se
sentindo naquele momento. Contudo, não deixou de ser interessante, visto que elas puderam
expor os seus gostos através das cores, outro aspecto que pôde-se conhecer das referidas. Nesse
momento também, a Helena, além de se apresentar, fez o movimento de contar como conheceu
e acolheu o seu filho, pois a mesma, além dos seus dois filhos biológicos mais velhos, acolheu
uma criança de sua vizinha e, desse modo, cuida e ampara a criança de modo solitário.
Em seguida, foi realizada a atividade “expressando a maternidade-solo”, onde as
participantes produziram artisticamente o que representa ser mãe-solo a cada uma delas. Um
dos desenhos realizados foi o de Tereza, onde havia uma casa ao fundo, 3 bonecos de palito
representando sua família e uma frase “meus filhos, eu os amo”. Com a voz embargada e os
olhos cheios de lágrimas, ao apresentar sua arte, ela pôde dizer das dificuldades em encontrar
um emprego, mesmo depois do curso concluído e como a cobrança dos filhos e até dela mesma,
de querer ter um espaço seu, com maior privacidade, a abala constantemente.
Posteriormente, Wanda mostra um balão da cor lilás de um lado desenhado uma carinha
feliz e do outro uma carinha triste. Mobilizada, ela indica que haviam dias que estava mais feliz
e em outros mais triste, mas, pelos filhos, sempre tem que demonstrar felicidade, pois este é
“seu papel de mãe”. Com isso, nota-se novamente a dificuldade em transmitir fragilidades e
demonstrar as vulnerabilidades existentes. Nesse sentido, o sofrimento ético-político foi calado,
para não alimentar possíveis frustrações aos filhos.
A seguir, Helena manifesta a necessidade de falar. Ela não quis, por escolha própria,
fazer nenhuma arte expressiva, ao ser questionada sobre ela disse que “é melhor falando, se
você me fizer uma pergunta eu te respondo”. Dessa forma, quando se abriu para a diálogo
grupal, ela demonstrou interesse em expressa-se verbalmente, logo após Wanda. Helena conta
um pouco de sua história de vida que envolve diferentes tipos de violência desde de sua infância
até com o seu ex-marido. Diferentemente da entrevista, ela não chega a chorar, e traz
firmemente a adoção da criança enquanto um propósito de vida. Na fala de Helena, há muito
59

uma vertente religiosa juntamente na categoria do fatalismo com frases no sentido de “dou
graças a Deus que fui judiada, pois só sou assim hoje por conta das coisas que passei”. Tanto
na entrevista como no grupo, ocorre a resignação e naturalização perante as situações negativas
vividas, sofrimento este que possui diversas sobreposições de opressões como ser uma mulher
negra retinta, analfabeta, de idade mais avançada, trabalhando enquanto empregada doméstica,
morando em um bairro periférico e vivenciando a maternância-solo.
Após certo tempo, Rita mostra a todas os dois docinhos cor de rosa que realizou com
massa de modelar e explica que fez os doces, dando o significado de algo que ela quer muito
conquistar: ter o próprio negócio, onde ela possa ser sua própria chefe. Com isso, ela acredita
que tornaria mais fácil enfrentar as barreiras da vida e proporcionar conforto e alimentação as
suas filhas. Por uma visão da pesquisadora, a referida mãe aparenta estar agitada ao longo da
oficina, pois a mesma assim como no primeiro exercício continuou mexendo o corpo, parando
em poucos momentos como quando a própria falava e quando alguma fala à mobilizava a se
expressar. Acredita-se, pelo que a participante contou, que sua dupla jornada de trabalho e muita
correria vivida no dia a dia com os cuidados das crianças e de sua casa, podem ter correlação
com todo o modo dinâmico que a mencionada transparece as pessoas.
Por fim, Maria revela o desenho de duas bonecas de palito na cor verde, uma maior
outra menor, simbolizando-a com sua filha. Muito emocionada, isto é, chorando e sem
conseguir emitir sua voz, ela não consegue se expressar verbalmente sobre a arte realizada,
apenas comenta que é sempre as duas juntas (ela e a sua filha). Mas ao final da oficina, ela
consegue trazer outras questões sobre pensão alimentícia e dificuldades financeiras. Estas
questões aparentemente colocam-na em conflito, do que seria certo ou errado em colocar o pai
de sua filha na justiça.
Um diálogo com relação a questões que atravessam a maternidade-solo inicia-se, e é a
partir dele que as seguintes categorias foram resgatadas.

5.3.1 Fonte de sustento

Com esta categoria, pode-se observar a respeito das adversidades cotidianas


principalmente concernentes com a área econômica. Na atualidade, as desigualdades tornaram-
se cada vez mais acentuadas, o que inclui fortemente a família monoparental. Embora haja uma
luta diária, tendo o propósito de educar, cuidar para as crianças se desenvolverem, define-se
60

como uma “batalha” frustrante, pois não há tantas oportunidades às mães-solo. A maioria das
mães-solo participantes dessa pesquisa reafirmam as dificuldades de sustentar um lar.
(...) Dar mais oportunidades pros meus filhos... e eles querem também muito, eu
prometi, sabe?... e assim eu sempre disse que as coisas iam melhorar depois do curso,
e aí, eles sempre perguntam porque agora terminou o curso, mas o mercado de
trabalho tá difícil (Tereza).

(...) Então, é muito difícil, é uma batalha todos os dias, sabe? Só a gente que cria os
nossos filhos sozinhas sabe o quanto a gente pena pra batalhar, pra dar tudo que eles
precisam. Porque a gente não tem, não podemos contar com a ajuda de outras
pessoas. Eu sei que sou eu, eu e eu mesma (Wanda).

Se Deus botou na minha vida é porque tem um proposito, mas é muito difícil. Às vezes
pergunto pra mim mesma, “será se estou fazendo o bem?” Porque é muito cansativo.
Já vou fazer 50 anos e eu tô cansada, já trabalhei muito, muito. Meus filhos me ajuda,
mas também trabalho (Helena).

Aí tu ganha o salário mínimo, contado pro aluguel, pra conta de água, pra luz, tudo,
comprar as coisas das crianças e hoje as coisas de criancinha são tudo mais caro e
ele não dá nada. Pra você com sua filha não passar necessidade, você tem que ter
outros meios, fazer outros bicos, e aquilo dali é muito cansativo (Rita).

Ao longo das falas, percebe-se que a questão monetária faz com que o mito da “mãe-
guerreira” seja novamente frisado, onde muitas das participantes acreditam que somente com
luta, sofrimento e sacrifício, elas conseguiram ascender socialmente. Contudo, todas elas
manifestam também sua indignação frente a essas adversidades. Acredita-se ser louvável
mulheres colocadas a margem da sociedade e ainda assim conseguirem expressar com
veemência suas frustrações em relação ao papel de mãe (mesmo elas também amando serem
mães).
Um dos trechos da fala de Wanda, trata acerca da solidão que é viver a maternidade-
solo “sou só eu, eu e eu mesma”. Assim, conforme Alves (2018), é muito comum que a solidão
compareça com rigidez na primeira gravidez, principalmente na fase do puerpério. Porém, no
caso das famílias monoparentais, a solidão parece ser um sentimento constante, tendo em vista
o cerceamento social de marginalização estabelecido pela sociedade. Com isso,
O sentir-se só, não implica necessariamente estar sozinho, é apenas uma percepção de
solidão, ainda que se esteja rodeado de pessoas. Assim, a solidão do “sentir-se só”
pode considerar-se uma incapacidade de encontrar sentido na vida, um sentimento
negativo e desagradável que poderá estar associado a relações sociais deficitárias ou
a sentimentos de incompreensão, isolamento e marginalização (ALVES, 2018, p. 06)

Além disso, existe também um sentimento de frustração por algumas vezes não
conseguir proporcionar bens materiais as suas famílias. Desse modo, o capitalismo opera na
lógica de lançar produtos a todo momento, assim novas metas serão desejadas. A autora Yazbek
(2012) compreende que
61

O entendimento é de que o sistema de produção capitalista, centrado na expropriação


e na exploração para garantir a mais-valia, e a repartição injusta e desigual da renda
nacional entre as classes sociais são responsáveis pela instituição de um processo
excludente, gerador e reprodutor da pobreza, entendida enquanto fenômeno estrutural,
complexo, de natureza multidimensional, relativo, não podendo ser considerado como
mera insuficiência de renda é também desigualdade na distribuição da riqueza
socialmente produzida; é não acesso a serviços básicos; à informação; ao trabalho e a
uma renda digna; é não a participação social e política. (YAZBEK, 2012, p. 01)

Com isso, os produtos não serão consumidos por todos, sendo que os mais pobres
convivem com a frustração de não alcançar esses bens de consumo, muitas vezes básico. No
caso de Tereza, a casa tem também esse simbolismo.

5.3.2 Responsabilização paterna

A categoria analítica vigente tem como referência o posicionamento de pais biológicos


frente ao processo jurídico de pensão alimentícia. A paternidade é muito mais que prover de
maneira monetária seus descendentes. Contudo, no caso das mães-solo que participaram da
presente pesquisa nem mesmo o mínimo está sendo feito. Conforme Moreira e Toneli (2013),
Antes a paternidade estava atrelada à divisão sexual do trabalho, se fundia à
capacidade de prover financeiramente a família, independentemente da relação
concreta do pai com seus filhos (as). Atualmente, o leque de atributos que integra a
paternidade cresceu, em especial no que diz respeito ao tema do cuidado (p. 390).

Com as transformações ao longo do tempo, muito se modificou no pensamento do que


é ser pai, assim:
No campo econômico, a precarização das relações de trabalho mostra-se de
fundamental importância. Tal processo faz com que seja cada vez mais difícil o
sustento familiar ser assumido por apenas um membro da família, aumentando
também a participação das mulheres no mercado de trabalho. No campo científico,
após a criação do exame de DNA, a paternidade passa a ser algo concreto, não pela
relação de parentesco estabelecida, mas por se constituir em um dado empiricamente
demonstrável. No campo social, o movimento feminista e seu impacto na persistente
busca de relações pautadas por equidade de gênero (p. 391).

Dessa forma, apesar das mudanças, na maternância-solo torna-se ainda mais evidente
todo um descaso com as crianças e também com a mulher, o que pode ser ressaltado com as
seguintes falas relativas ao auxílio financeiro:
Eu pensei assim na época, é direito deles, o dinheiro é deles, voltado para escola
deles, pra educação deles, pros materiais, pras roupas deles, tudo é deles. Então, a
outra parte que consigo por fora eu complemento, mas eles têm aquele ali que é deles.
Eu não posso tomar aquele ali que é deles (Tereza).

Ele queria pagar 5% pras duas crianças, 5% do salário mínimo, o advogado até riu,
e é uma briga pra pagar esses 200 reais (Wanda).
62

Porque a menor está na justiça, só que o juiz já determinou que ele depositasse o
alimento, já tá com uns 2 meses. Só que mesmo assim ele quer só botar em novembro,
e você tirar 300, 400, 500 reais do seu salário já faz falta (Rita).

Tudo que ela pede é pra mim. O pai, eu disse que vou botar na justiça “bota, não fiz
filho nenhum, não vou pagar pensão pra ela” (choro), isso que ele diz pra mim
(silêncio) (Maria).

Apesar de muitas mulheres compreenderem que os pais possuem responsabilidades,


algumas mães não acreditam que apenas colocar na justiça seja efetivo, principalmente se o pai
não quiser pagar, que é o caso de Helena: “Eu assim nunca quis botar ele, cada um tem sua
opinião, e eu não quis. Eu acho que tem que ser de bom grado, se ele sabe que são os filhos
dele. Se ele não quer dar, não acho certo dar se não tem vontade”.
Todo esse aspecto tão conflitante entre as mulheres de cobrar ou não, através do
judiciário, pelo direito de seus filhos, também possui correlação com o fato de que a sociedade
ensina que somente as mães são responsáveis pelos filhos. Logo, cobrar dos pais seja dinheiro
ou afeto não faz sentido, tendo em vista a lógica patriarcal. Caso falte algo a criança, é porque
a mãe não conseguiu proporcionar. Isso quando o discurso da pensão alimentícia não está
embasado em expressões de que a mulher vai ficar com o dinheiro que é da criança. Com isso,
a toda uma precarização da experiência da maternidade, visto que os homens não fazem o
mínimo, inviabilizando a sua função/responsabilidade paterna.

5.3.3 Fome

Por fim, a última categoria de análise traz, de forma latente, o sofrimento ético-político
experienciadas por três mães dessa pesquisa: a fome. Como mencionado no capítulo 02, grande
parte das vezes, o sofrimento ético-político de mães-solo é perpassado por um lugar de gênero,
raça, classe, idade e territorialidade, tendo a ver muito mais com questões concretas como fome
e pobreza do que de uma psicologização de um sofrimento individualizante. Dessa forma, as
implicações psicológicas do fenômeno que é passar fome podem ser diversificadas. Nas falas a
seguir, percebe-se como a pobreza é intermédio para vivências dolorosas.
“Então, (choro) gente, aquilo doeu tanto em mim, ele perguntando se só tinha arroz,
não tendo de onde tirar, eu não sabia nem o que fazer, tu botar simplesmente arroz pro
teu filho comer, tu não saber o que responder. Aquilo ali acabou comigo de uma certa
forma que nunca vou esquecer.” – Wanda

“Assim, quando tinha comida, eu não comia. Eu não comia... Aí eu ia lavava louça,
lavava roupa pra deixar a minha comida, pra eles terem o que comer de noite, porque
se eu fosse comer eles não iam ter. Eles perguntavam, “mãe, não vai comer?” e eu
dizia que ia depois, e aí passava e não comia.” – Helena
63

“Meu sonho é ter meu próprio negócio e dar algo melhor as minhas filhas, aquilo
que não pude ter. É... tive que conviver com 12 irmãos tendo que dividir uma banda
de ovo com não sei quantos irmãos e encher a barriga de água, e ir dormir com
fome.” – Rita

A fome e a pobreza são partes da experiência diária dessas mães. Com isso, os impactos
negativos das transformações em andamento do novo capitalismo deixam indícios a respeito da
população mais pobre: o subemprego e o desemprego; a precariedade laboral e intermitente,
influenciando diretamente no acesso à saúde e debilidade da mesma; o desconforto da moradia
precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a fome, a fadiga, a resignação, a revolta, a
tensão e o medo são sinais que muitas vezes anunciam os limites da condição de vida dos
excluídos e subalternizados na sociedade. Estes sinais expressam também o quanto a sociedade
naturalizou e banalizou a pobreza e a fome das classes sociais mais baixas.
Em vista disso, a disparidade entre a estrutura econômica capitalista e os investimentos
sociais do Estado brasileiro tornam-se incompatíveis. Incompatibilidade legitimada pelo
discurso, pela política e pela sociabilidade engendrados no pensamento neoliberal, que,
reconhecendo o dever moral de prestar socorro aos pobres e "inadaptados" à vida social, não
reconhece seus direitos sociais. Assim, portanto, as mulheres empobrecidas ficam mais
vulneráveis a maiores dificuldades maternas, ao acesso às políticas de âmbito geral, incluindo
saúde, educação e alimentação e assistências sociais e psicológicas (YAZBEK, 2012).
A vivência da maternidade constitui-se em uma experiência singular na vida da mulher,
que envolve mudanças e adaptações. Tratando-se da experiência de passar fome, por ser um
direito básico e constitutivo de todos os seres humanos, especialmente das crianças, as mulheres
mães-solo, enquanto matriz da subsistência familiar para além da amamentação, lutam em seu
cotidiano para que isso nunca aconteça. Dessa forma, ressalta-se ainda o quão doloroso foi para
essas mães vivenciar e expor essa experiência negativa de necessidade básica. Com isso,
observa-se os impactos da fome que reverberam diretamente no psicológico e emocional dessas
mulheres.
64

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mulher a culpa que tu carrega não é tua/ Divide o fardo


comigo dessa vez/ Que eu quero fazer poesia pelo corpo
e afrontar as leis (Ekena, 2017, música Txdxs Putxs).

A presente investigação, surgiu do propósito de entender o meu próprio formato


familiar, e com isso, repensar o lugar da mulher mãe-solo na sociedade. Ao começar a refletir
sobre a temática em 2019, no 7º período, poucos escritos foram encontrados, o que trouxe o
questionamento do porquê de ninguém estar teórico-metodologicamente falando sobre a
realidade de mais de 1,1 milhão de famílias (isso em 2018, com tendência de crescimento ao
longo do tempo). No entanto, em 2020, os veículos comunicam a chegada da pandemia, o que
acarreta em maiores dificuldades a um trabalho que se propõe à ida ao campo. A partir disso,
há um pensamento também sobre como as famílias monoparentais estariam vivenciando tudo
isso. Nesse contexto, é que se inicia os estudos e primeiros rascunhos dessa pesquisa
monográfica que tanto mobilizou a referida pesquisadora.
Por conseguinte, o trabalho dividiu-se em estudos bibliográficos para que houvesse um
entendimento da atual conjuntura. Desse modo, no primeiro capítulo, aponta-se a história por
traz dos estigmas da maternidade tanto para mulheres brancas como também para as mulheres
negras. Com isso, fez-se necessário a utilização do conceito de sofrimento ético-político da
Bader Sawaia (1999) e da linha epistemológica do feminismo negro com base na perspectiva
interseccional. Foi-se possível, nesse capítulo, apreender a origem do “amor instintivo”, da
maternidade compulsória e das marcas de silenciamento com a maternância negra. Já no
segundo capítulo, frisa-se no tocante da saúde mental das mulheres que vivem esse tipo de
maternidade. Dessa maneira, utilizou-se de alguns aspectos como políticas públicas de saúde e
assistência social para exprimir os argumentos que demonstram a necessidade da Psicologia se
ocupar mais desse público. Além disso, fora essencial tratar do contexto pandêmico atual, que
dificultou o acesso dessa mulher as ações afirmativas e ocasionou um aumento no adoecimento
psíquico dessas mães.
Assim, a vigente pesquisa visa compreender a vivência da maternidade-solo de
mulheres participantes do Clube de Mães Caiane Mateus à luz da categoria sofrimento ético-
político em uma perspectiva interseccional. Dessa forma, identificou-se a visão de maternidade-
solo para cada uma das 5 participantes; investigou-se os modos e meios de vida das mães-solo;
e analisou-se as maiores mudanças sociais e psicológicas após de tornarem mães-solo. Estes
65

objetivos só puderam ser cumpridos através da observação, do questionário sociodemográfico,


das entrevistas individuais e da Oficina de Conexão Criativa.
Aborda-se acerca da execução da pesquisa em si, onde pode-se dizer que foi mais
tranquila do que se esperava. Não houve grandes problemáticas com as participantes seja nas
entrevistas, seja no encontro grupal. Com relação a 1ª fase do questionário sociodemográfico e
entrevistas, é cabível situar que, apesar de ter sido um primeiro momento, as participantes
conseguiram não somente se expressar com facilidade, como também demonstraram estar
muito à vontade para falar de situações muito pessoais e, por vezes, muito angustiantes.
Acredita-se que havia a necessidade de escuta, principalmente por não existir espaços/ pessoas
acolhedoras que possam estar preparadas e disponíveis para ouvir as demandas dessas mães-
solo enquanto sujeitos que passaram por inúmeras violações.
Na Oficina de Conexão Criativa, destaca-se um ambiente de emancipação, acolhimento
e identificação, que foram sendo construídos a medida em que aquelas mulheres tiravam as
“máscaras” e as “armaduras” que utilizam na sociedade enquanto forma de proteção de si
mesmas. No início, sentia-se no ambiente um certo medo e vergonha de possíveis julgamentos,
até quando uma primeira participante expõe suas fraquezas e vulnerabilidades, é perceptível
que há um acolhimento mútuo e forma-se verdadeiramente um grupo. Tanto que após esse
encontro, foi feito pedidos para novos momentos em grupo, mas que não foi possível, por conta
do conflito de horários das mesmas.
Nessa oficina e nas entrevistas individuais, não haviam perguntas diretas para que fosse
teorizado sobre as respectivas teorias feministas e interseccionais, sobre feminismo negro e
racismo, e demais premissas e conceitos, visto que não era este o objetivo. Contudo, constata-
se que visceralmente nas relações estabelecidas, principalmente através do encontro em grupo,
comparece de modo espontâneo nas suas vivências a ferramenta analítica da
interseccionalidade. Um exemplo disso é quando as participantes estão concordando e
discordando entre elas acerca da pensão alimentícia e dos aspectos jurídicos enquanto um
direito da criança, elas “abraçam” uma das mães que ainda está em um momento de indagação
e conflito sobre colocar ou não o pai biológico na justiça. Há um movimento de grande parte
delas de apoio e até um auxílio com advogados ou número da Defensoria Pública do Estado
(DPE), o que remete a concepção concreta do que o feminismo traz. Com essas posturas, nota-
se que mesmo não tendo um conteúdo verbal fundamentado em princípios e conceitos
feministas, elas vivenciam uma perspectiva interseccional e acolhem o sofrimento ético-político
uma das outras.
66

Pontua-se ainda que uma surpresa de tema transversal que foi comentado por todas as
mães foi com relação ao aborto. Foi surpreendente, posto que além de ser uma temática
mobilizadora e polêmica, é um ato ilegal em nosso país. Mesmo assim, foi trazido diferentes
visões sobre abortar com relação ao adoecer e ao morrer, a religião e ao pecado, e ao julgamento
de pessoas próximas e da sociedade de modo geral. Outro tópico mencionado que vale ser
destacado, foi com relação as diversas violências sofridas. Observa-se que algumas das
participantes conseguiram externalizar as condições de violência física em que viviam com os
seus antigos parceiros. Contudo, tratando-se a respeito da violência psicológica, elas
naturalizam a dependência financeira e emocional em que viviam. Com relação ao assunto das
violências sofridas, embora compareça em algumas falas, foi uma escolha não lança-lo de forma
solta nesse estudo, tendo em vista ser um tema tão rico, podendo ser feito uma pesquisa apenas
da violência física e psicológica sofrida por mães-solos em relacionamentos anteriores. Expõe-
se, dessa forma, enquanto uma sugestão de futuros estudos.
Com isso, evidencia-se que a investigação se defrontou com a realidade de 05 mães-
solo distintas, que representam uma gama de famílias monoparentais. Identificou-se um latente
sofrimento psíquico nessas mulheres, por conta da sobrecarga, da responsabilidade exclusiva
no amparo da família, da falta de uma maior e completa rede de apoio e de políticas
assistenciais, de maneira geral, específicas para esse tipo de maternagem, o que provoca um
sofrimento ético-político. Logo, os marcadores sociais de gênero, raça, classe, idade e
territorialidade fazem com que estas mães-solo estejam ainda mais distantes de ações
afirmativas que possam às contemplar. Dessa forma, deseja-se que esse trabalho possa salientar
meios e modos concretos de suporte em todas as áreas da vida dessa mulher. Torna-se essencial
que ocorra a garantia de direitos pelo Estado, como creches/ escolas em tempo integral,
transporte público de qualidade e emprego digno e seguro, por exemplo. Além disso, necessita-
se de um posicionamento ético e crítico da Psicologia, na construção de serviços democráticos
e públicos que possam escutar e acolher as mães-solo, sendo uma possibilidade ações em
formato grupal, posto a natureza coletiva existente dentro desse assunto. Portanto, afirma-se
que não há um esgotamento da temática em si neste trabalho monográfico de TCC, o que sugere
novas produções científicas sobre a temática.
67

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72

APÊNDICES
73

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Nome E-mail Telefone


Pesquisadora Valentina Cabral Lopes valentina.lopes@discente.ufma.br (098)98565-9752
responsável dos Santos
Orientadora Profª Dra. Claudia cas.monteiro@ufma.br (98)98206-9191.
Aline Soares Monteiro

Tenho ciência de que o estudo compõe o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do


curso de graduação bacharelado em Psicologia da pesquisadora, cujo título é Filha/ o da Mãe:
O Sofrimento Ético-Político de Mães-Solo na Perspectiva Interseccional, e visa
compreender a vivência da maternidade-solo de mulheres participantes do Clube de Mães
Caiane Mateus. Concordo que minha participação consiste em conceder uma entrevista e
participar de um grupo temático com mais quatro mulheres, que também foram entrevistadas.
Concordo também que tanto a entrevista quanto a interação do grupo sejam gravadas para
posterior transcrição, que me será exposta para minha anuência quanto ao conteúdo, para, então,
ser analisada pela pesquisadora. Entendo que esse material, gravado e transcrito, será mantido
sob a guarda da pesquisadora e de sua orientadora.
Enquanto critérios de inclusão para que eu possa participar da pesquisa, tem-se: ser mãe-
solo (bastando ausência prática do pai – isto é, pode conter nome do pai na certidão ou receber
algum auxílio financeiro, mas não há presença cotidiana da figura paterna), ser chefe de família
e ter filho/a (s) com até 11 anos de idade, onde os cuidados exigidos para essa mãe são maiores
com relação a esse/a(s) filho/a (s). São critérios de exclusão: ter idade menor de 18 anos e não
autorizar a presença de gravador de voz. O critério específico sobre captação do áudio é
necessário para que a pesquisadora possa estar em sua inteireza dentro dessa investigação, visto
que sua atenção não estará dividida entre anotações e a escuta ativa com a entrevistada. A
escolha será feita pela representante do Clube de Mães Caiane Mateus, através dos dossiês dos
alunos matriculados na escola comunitária, se dando a partir das 05 primeiras mulheres que
aceitarem participar da pesquisa e estiverem aptas aos critérios exigidos.
74

Considerando que o presente estudo possui finalidade de pesquisa acadêmica e que os


dados obtidos são de interesse da comunidade científica da Psicologia e da sociedade, concordo
com a publicação de minhas falas e dos conhecimentos decorrentes, desde que o meu anonimato
seja garantido. Ademais, sei que posso abandonar a pesquisa quando quiser e que não receberei
nenhum pagamento por minha participação. Confirmo ainda a minha ciência de que a presente
pesquisa poderá gerar alguns riscos, ainda que mínimos, como alguma comoção, e que a
pesquisadora e sua orientadora, assumindo uma postura ética de cuidado, têm recursos
profissionais para a minimização deles. Ainda assim, caso haja algum dano referente a pesquisa,
será dada assistência gratuita, integral e imediata as participantes. Toda a conduta profissional
da pesquisa estará ancorada no Código de Ética Profissional do Psicólogo, na Resolução Nº 466
de 12 de dezembro de 2012, e as normas da resolução 510/16 da Comissão Nacional de Saúde,
que registra as pesquisas envolvendo seres humanos na Plataforma Brasil 4, regulamentando
assim a ética dessa pesquisa.

São Luís, _____, de __________________ 2021.

Eu, Valentina Cabral Lopes dos Santos, pesquisadora, comprometo-me a cumprir todos os
cuidados éticos previstos neste TCLE. Assinatura: _______________________________

___________________________________________________

Assinatura da participante

4
Endereço: Avenida dos Portugueses, 1966 CEB Velho Telefone: (98)3272-8708 Bairro: Bacanga
UF: MA CEP: 65.080-805 E-mail: cepufma@ufma.br Município: SAO LUIS
Fax: (98)3272-870
75

APÊNDICE B - Termo de Concordância do Local de Execução da Pesquisa


76

APÊNDICE C – Questionário de Dados Sociodemográficos

DATA: / /

DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS5

▪ Idade: _________ anos.

▪ Raça/ Cor/ Etnia:  Branca  Parda  Negra  Indígena  Outra

▪ Estado civil:  Solteira  Casada  Divorciada  Viúva  Outro tipo de


relacionamento

▪ Escolaridade:  Não tenho  Ensino fundamental I  Ensino fundamental II 


Técnico  Ensino médio  Graduação  Pós-graduação e/ou outros

▪ Trabalho/ Profissão/Ocupação:____________________________________________.

▪ Renda Familiar:  Abaixo de um salário mínimo  Salário mínimo  Acima de um


salário mínimo

▪ Você é assistida por alguma política pública? Se sim, qual? Exemplo: Bolsa família
______________________________________________________________.

▪ Você ou alguém de sua residência contraiu Corona Vírus:  Sim  Não

▪ Com a pandemia, você conseguiu receber o auxílio emergencial?  Sim  Não

▪ Quantas pessoas moram com você atualmente? __________________

5
Este questionário surge da necessidade de coleta de dados acerca da maternidade solo com as mulheres do Clube
de Mães Caiane Mateus para desenvolvimento de estudos. Lembre-se que o anonimato está garantido, e que você
pode desistir da participação na pesquisa a qualquer momento.
77

▪ Quem são as pessoas que moram com você hoje? Ex: Filho,
pai...______________________________.

▪ Em sua casa, você possui:

Água encanada potável:  Sim  Não


Recolhimento do lixo semanal:  Sim  Não
Energia elétrica:  Sim  Não
Televisão:  Sim  Não
Geladeira:  Sim  Não
Cama:  Sim  Não
Fogão:  Sim  Não
Celular:  Sim  Não
Internet:  Sim  Não

▪ Mora a quanto tempo no território: ____________________.

▪ Número de filho/a (s): ______________.

▪ Idade dele/a (s): __________________________________.


78

APÊNDICE D – Entrevista Semiestruturada Individual

QUESTÕES PARA A ENTREVISTA:67


a) Para você, o que é ser mãe?
b) Você sempre desejou ser mãe? Desde quando?
c) Você sentiu mudanças na sua vida depois que se tornou mãe? Se sim, quais?
d) Como você se sente em relação a essas mudanças?
e) Existem pessoas que te ajudam com seu/sua filho/filha (s) quando você precisa trabalhar
ou sair, por exemplo? Quem são elas? Qual sua percepção do apoio por elas recebido?
f) Você acha que sua relação com seu/sua filho/ filha (s) mudou com a pandemia? Se sim,
em que?

6
Esta entrevista semiestruturada surge da necessidade de coleta de dados acerca da maternidade solo com as
mulheres do Clube de Mães Caiane Mateus para desenvolvimento de estudos. Lembre-se que o anonimato está
garantido, e que você pode desistir da participação na pesquisa a qualquer momento.
7
As questões suleadoras serão lidas em voz alta e audível para a entrevistada com a presença de um gravador de
áudio.
79

APÊNDICE E – Oficina de Conexão criativa

Facilitadora: Valentina Lopes

Observadora: Danielle Gonçalves

Orientadora: Prof.ª Claudia Aline Monteiro

Dia: 14 de setembro de 2021 (terça-feira)

Horário previsto: 16 h às 18 h

Local: Clube de Mães Caiane Mateus

Nº de participantes: 5 mulheres mães-solo

Atividades vivenciais
1) Presentificação (previsão: 10 minutos):
▪ (Com uma música relaxante de fundo)
▪ Pedir para os participantes caminharem pelo espaço, se atentarem ao ambiente e ao seu
corpo;
▪ Após esse momento, parar, sentar-se onde desejar e com os olhos fechados, pedir para
que:
▪ Percebam os seus pés, os dedos dos pés, canela, joelho, coxa, barriga e colo;
▪ Com as mãos, solicitar que as fechem/abram-nas; com os dedos, tocar nos ombros e
todo o braço, massageando-os e sentindo a textura e a tensão;
▪ Continuando com os dedos, apalpar o pescoço, o rosto, as orelhas, os olhos e a testa;
▪ Nesse momento, pedir para que as participantes se imaginem em seu lugar preferido;
▪ As participantes devem inspirar profundamente, segurar o ar por alguns segundos e logo
depois soltar o ar lentamente, por pelo menos 3x.;
▪ Por fim, as participantes devem ‘retornar’ para a sala e abrir lentamente os olhos.

2) Breve apresentação (previsão: 30 minutos):


Utilizando-se da categoria cor, cada participante escolherá a sua, através da pergunta
“Como estou me sentindo?”. Depois, cada participante se apresentará ao grupo da seguinte
forma: “eu sou (cor), eu escolhi essa cor, pois...”. Pode nesse momento também ser falado
outras características e dados que cada uma quiser dizer.

3) Expressando a maternidade (previsão: 30 minutos):


Utilizando-se de foto, desenho, colagens, um texto, palavra, frase ou uma dança,
demonstre “o que representa ser mãe-solo para você?”. Posteriormente, quem se sentir à
vontade em partilhar com o grupo, poderá falar a respeito de sua arte.

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