Reforma Política No Brasil
Reforma Política No Brasil
Reforma Política No Brasil
Belo Horizonte
Editora UFMG
2006
Inclui referências.
ISBN: 85-7041-536-2
PNUD Brasil
julho 2006
Introdução 11
Parte I
Reforma Política no Brasil
e na América Latina 15
A Reforma da Representação 17
Fátima Anastasia
Felipe Nunes
Transição e Governabilidade
nas Democracias Mexicana e Brasileira 63
Alberto J. Olvera
Tradução: Áurea Cristina Mota
Parte II
Entendendo as Mudanças
Necessárias no Sistema Político 71
1. Republicanismo 73
Republicanismo 73
Heloisa Maria Murgel Starling
Financiamento de Campanha
(público versus privado) 77
Renato Janine Ribeiro
Voto Obrigatório 86
Cícero Araújo
Iniciativa Popular 94
Sonia Fleury
Plebiscito e Referendum 99
Cláudia Feres Faria
Corporativismo 116
Renato Raul Boschi
3. Método de Constituição
das Instâncias Decisórias 123
Federalismo 123
Marta Arretche
Autonomia/Independência
dos Bancos Centrais 212
William Ricardo de Sá
Parte III
O Presidencialismo de Coalizão
Precisa ser Mudado? 221
Leonardo Avritzer
Fátima Anastasia
e os impactos prováveis das alterações nas programática, situação que veio a tornar-se
regras do jogo presentes na agenda da re- mais aguda sob o atual governo.
forma, seja sobre o comportamento dos ato- A questão do presidencialismo de coali-
res políticos e seus padrões de interação, zão remete ao fato de o Brasil ser, entre os
seja sobre os resultados do jogo político. países da América Latina, um dos que con-
O terceiro elemento central para o debate solidou o seu sistema político mais tardia-
sobre reforma política diz respeito ao arranjo mente. O sistema político pós-autoritarismo
institucional brasileiro, denominado por Sérgio na Argentina, no Chile e no Uruguai implicou
Abranches de presidencialismo de coalizão, a volta ao sistema de partidos existente no
e aos seus problemas. Nesse arranjo, o pre- período democrático anterior. No caso do
sidente se elege por maioria absoluta, mas México não houve ruptura entre o sistema
o seu partido dificilmente consegue uma de partidos que já operava no período auto-
bancada com mais de 20% das cadeiras ritário e o sistema pós-democratização. No
na Câmara dos Deputados. Apesar de boa caso brasileiro, as identidades partidárias pre-
parte da intelectualidade na área de ciência gressas não foram recuperadas e um novo
política no Brasil considerar o presidencia- sistema partidário emergiu no contexto da
lismo de coalizão como um sistema exitoso redemocratização da ordem política. Nesta
(Figueiredo; Limongi, 1999), há, também, um publicação, apresentamos diferentes artigos
grupo significativo de críticos do sistema, comparando a situação política brasileira
especialmente na ciência política norte-ame- com a latino-americana dando destaque ao
ricana, que questionam o sucesso do presi- problema da reforma política em perspec-
dencialismo de coalizão no Brasil (Mainwaring, tiva comparada.
1999; Ames, 2003). Finalmente, vale perguntar, reformar para
A crise política atual recoloca a discussão quê? É importante sublinhar que a reforma
sobre o êxito do presidencialismo de coali- das instituições políticas no Brasil será bem
zão por dois motivos: em primeiro lugar por- sucedida se contribuir para o aperfeiçoamento
que ela põe em questão o método de e o aprofundamento da ordem democrática,
formação de coalizões. Coalizões podem ser incidindo positivamente sobre o comporta-
construídas no processo eleitoral, tendo por mento político dos atores em interação e
principal “cimento” o voto, que é o recurso sobre os resultados produzidos.
mais legítimo sob a democracia. Porém, sob
o presidencialismo com multipartidarismo e
representação proporcional, dificilmente sairá Estrutura
das urnas uma coalizão governativa majori-
tária. Portanto, a transformação da coalizão Este livro sobre reforma política no Brasil
eleitoral vitoriosa em coalizão governativa está dividido em três partes: uma primeira
majoritária exigirá a mobilização de outros parte compreende considerações gerais
recursos. Embora se saiba que a persuasão sobre o funcionamento do sistema político
e a produção do consenso, resultante do no Brasil e na América Latina; a última parte
processo deliberativo, são recursos funda- procura apresentar a controvérsia que atra-
mentais da política democrática, sabe-se, vessa a ciência política brasileira no que se
também, que no Brasil esses recursos têm refere ao presidencialismo de coalizão. Entre
sido usados de forma parcimoniosa, espe- as duas partes, o conjunto de 31 verbetes
cialmente dada a natureza das coalizões tem como objetivo oferecer ao leitor inte-
políticas que têm sido organizadas com ressado na reforma do sistema político uma
vistas ao exercício do governo: a grande introdução didática ao amplo cardápio de
maioria, para não dizer a totalidade, das questões envolvidas nesse tema. Os ver-
coalizões construídas no pós-88, no Brasil, betes estão organizados em quatro seções:
caracterizou-se por ser composta por par- republicanismo, participação, constituição
ceiros com pouca afinidade ideológica e das instâncias decisórias e regras decisórias.
Fátima Anastasia
Felipe Nunes
Introdução
3
Nas palavras de Lijphart: “as democracias majoritárias, principalmente no que se
refere à dimensão Executivo-partidos, não ultrapassam o desempenho das de
consenso, quanto à administração macroeconômica e ao controle da violência —
na verdade, estas últimas apresentam um resultado ligeiramente melhor —, mas
as democracias de consenso ultrapassam de fato, claramente, o desempenho
das majoritárias quanto à qualidade e à representatividade democráticas, como
também quanto ao que eu chamei de generosidade e benevolência na orientação
de suas políticas públicas. Na segunda dimensão, as instituições federais da
democracia de consenso dão vantagens óbvias aos países grandes, e os bancos
centrais independentes que fazem parte desse mesmo conjunto de características
consensuais servem, de fato, ao propósito de controlar a inflação” (p. 339).
nas democracias os sistemas bipartidários tituição das instâncias decisórias, com ca-
não o são por imposição legal, mas resultam racterísticas do modelo majoritário, decor-
da interação entre as instituições e as esco- rentes das regras de tomada de decisões.
lhas políticas dos atores; O Brasil é uma República, presidencia-
3) a composição do Poder Legislativo, se lista, federativa, com representação propor-
expressiva da pluralidade de identidades, cional e multipartidarismo. O Poder Legislativo
interesses e preferências presentes na socie- é bicameral: na Câmara dos Deputados,
dade e aberta à representação das minorias eleita através do sistema proporcional de lis-
ou do predomínio de um partido majoritário, tas abertas, se fazem representar os cida-
seja ele governista ou oposicionista; dãos, enquanto no Senado Federal, eleito
através do sistema majoritário, se fazem re-
4) no caso de governos de coalizão, a com-
posição e a natureza das mesmas, obser- presentar os estados da Federação (três se-
vando-se a sua contigüidade no espectro nadores para cada estado da Federação).
político-ideológico (Inácio, 2006) e os recursos Tais características são, todas elas, ten-
utilizados para cimentá-las. Coalizões contí- dentes à dispersão de poder entre os atores
guas e resultantes, fundamentalmente, da relevantes, garantem a participação institu-
competição eleitoral coadunam-se melhor cionalizada das minorias e facultam a ex-
com o consensualismo, por contraste com pressão da heterogeneidade e do pluralismo
coalizões ad hoc e/ou intermitentes e societais. Portanto, no que se refere ao eixo
construídas a partir de práticas distribu- método de constituição das instâncias deci-
tivistas. sórias, o Brasil pode ser classificado como
O quarto eixo refere-se à operação efetiva pertencente ao modelo consensual de demo-
das instâncias decisórias, que constitui variá- cracia.
vel dependente das interações entre os três Vale, no entanto, ressaltar que alguns
primeiros eixos. Neste eixo estão englobados: procedimentos adotados nas eleições pro-
porcionais provocam distorções na represen-
1) Relação entre os Poderes: Equilíbrio entre tação e precisariam ser modificados para
os poderes x predomínio do Executivo. A garantir a observância do princípio de
concentração de poderes de agenda e de igualdade política entre os cidadãos. Os dis-
veto nas mãos do Poder Executivo é caracte- tritos eleitorais, no Brasil, coincidem com os
rística do majoritarismo, enquanto a distri- estados da Federação, e a Constituição de
buição equilibrada desses poderes entre 1988 determinou um número mínimo de oito,
Executivo e Legislativo coaduna-se melhor e máximo de setenta representantes por cada
com o consensualismo. distrito. Na prática, isso acarreta uma sub-
2) Padrões de interação entre os atores da representação dos cidadãos de São Paulo e
coalizão governativa: coesão x disciplina x a sobre-representação dos eleitores dos es-
distributivismo (fisiologismo, clientelismo, tados menos populosos, como Acre e Ro-
patronagem). raima. A legislação eleitoral faculta, ainda, a
celebração de coligações para eleições pro-
3) Padrões de interação entre governo e
porcionais, gerando uma disjunção entre o
oposição(ões): cooperação x competição.
sistema partidário eleitoral e o sistema par-
4) Sistema Partidário: dinâmica bipartidária x tidário parlamentar (Lima Jr., 1993; Lima Jr.;
pluralismo moderado x pluralismo polari- Anastasia, 1999).
zado (Sartori, 1994; Santos, 1986). Quando se analisa o segundo eixo — re-
A análise do arranjo institucional brasilei- gras de tomada de decisão —, percebe-se
ro pós-88 à luz da matriz analítica proposta a operação de um padrão bastante distinto.
permite verificar que tal arranjo expressa uma Embora haja procedimentos que se coadu-
combinação de características do modelo nam com o consensualismo, a estes se so-
consensual, decorrentes do método de cons- mam características mais afins ao modelo
por conseqüência desta exposição, de for- que aprovam dez por cento das proposições
ma a aproximá-la, o máximo possível, da que são introduzidas, do que no conjunto da
expressão do melhor interesse público. Casa, que aprova 98 por cento das leis que
As atribuições de legislar e de fiscalizar chegam ao Plenário (Arnold, 2004, p. 154).
devem ser realizadas, como é sabido des- Cada uma das Casas Legislativas que
de Stuart Mill, através da deliberação entre compõem o Congresso Nacional — Câmara
pares. Porém, a identificação do melhor in- dos Deputados e Senado Federal — possui
teresse público exige a construção de uma Comissões Parlamentares, permanentes ou
base informacional ampliada (Sen, 2000), temporárias, com funções legislativas e fiscali-
capaz de abrigar a multiplicidade de identi- zadoras, na forma definida pela Constituição
dades, preferências e demandas caracterís- Federal e por seus Regimentos Internos. No
ticas das sociedades atuais, e de sinalizá-las cumprimento dessas duas funções básicas,
para os legisladores, libertando-os dos la- de elaboração das leis e de acompanha-
ços exclusivos com a sua constituency e mento das ações administrativas, no âmbito
capacitando-os a falar, agir e decidir em do Poder Executivo, as comissões promo-
nome do conjunto dos cidadãos abrangidos vem, também, debates e discussões com
pela Casa Legislativa. a participação da sociedade em geral, sobre
Para realizar suas atribuições de legislar os temas ou assuntos de seu interesse.
e de fiscalizar, os parlamentares desempe- O papel desempenhado pelas comis-
nham atividades variadas que envolvem, em sões na organização interna do Congresso
maior ou menor grau, deliberação e decisão Nacional, embora importante, deveria ganhar
9
política e, muitas vezes, interações continu- maior centralidade. Tal postulação se justi-
adas com outros atores, tais como os líde- fica pelo seu caráter deliberativo e pelo fato
res de coalizões, os titulares de cargos no de que nelas se situam os principais meca-
Poder Executivo e os cidadãos. nismos que facultam a participação dos ci-
No interior do processo legislativo, as dadãos no processo legislativo, existindo,
comissões são as principais instâncias de inclusive, em várias Casas Legislativas bra-
deliberação. O sistema de comissões exis- sileiras, comissões que admitem sugestões
te para proporcionar ganhos informacionais de grupos organizados da sociedade civil e,
para os legisladores e para o Plenário. As muitas vezes, as transformam em proposi-
comissões funcionam como comitês: locais ções legislativas. A título de exemplo, vale
especializados de discussão e deliberação citar a Comissão de Legislação Participativa
sobre determinados temas, com a virtude (CLP) da Câmara dos Deputados.
de propiciar interações face a face entre os Criada em maio de 2001, a Comissão de
seus membros (Sartori, 1994). Portanto, as Legislação Participativa tem por objetivos
comissões são, por excelência, os loci facultar aos cidadãos acesso ao sistema de
apropriados para a promoção da interação produção legal do País e aproximar repre-
institucionalizada e deliberativa entre repre- sentantes e representados no Poder Legis-
sentação e participação política. Nas pala- lativo Federal.
vras de Arnold: A CLP tem por atribuição o recebimento
As comissões são o verdadeiro coração do de sugestões legislativas da sociedade civil
processo legislativo. A maior parte do organizada (associações, sindicatos, entida-
suspense sobre o que o Congresso fará a
des, órgãos de classe, ONGs, etc.), exceto
cada ano encontra-se mais nas comissões,
de partidos políticos. Também podem apre-
sentar sugestões legislativas os órgãos e
entidades da administração pública direta e
indireta, com participação paritária da soci-
edade civil, como, por exemplo, os conse-
9
Ver, a respeito, o artigo de Santos, neste volume. lhos temáticos setoriais (da educação, da
de plebiscito sobre forma e sistema de gover- Federal e dos prefeitos; (b) a Proposição 427/
no e uma revisão constitucional, ambos em 1997 estabelece critérios para edição e ree-
13
1993 (art. 3º das Disposições Transitórias). dição de medidas provisórias (EC 32 de
Ademais desses dispositivos constitu- 2001); (c) o Projeto de Iniciativa Popular, que
cionais, várias iniciativas sobre a reforma tramitou como Proposição 1517/1999 e foi
da representação foram propostas à consi- transformado em norma jurídica, estabele-
deração dos legisladores. Entre 1989 e ce punição para o crime de compra de vo-
14
2005, cerca de 180 proposições legislativas tos, prevendo a possibilidade de cassação
tramitaram no Congresso Nacional, a grande de registro do candidato que doar, oferecer
maioria delas de iniciativa de legisladores ou prometer bem ou vantagem pessoal em
individuais (deputados ou senadores). troca do voto (Lei da Captação do Sufrágio);
É interessante observar que há uma con- (d) e, finalmente, a Proposição 548/2002 dá
o
centração de apresentação de propostas de nova redação ao parágrafo 1 do artigo 17
reforma no período mais recente, especial- da Constituição Federal, disciplinando as
mente nos três últimos anos, o que explica coligações eleitorais.
por que tais proposições, em sua maioria, Há temas que têm sido, recorrente-
estejam ainda em tramitação e apenas 11 mente, objetos de iniciativas dos legislado-
delas tenham sido transformadas em nor- res: fidelidade partidária, listas partidárias,
mas jurídicas. propaganda eleitoral, pesquisas eleitorais,
Algumas das proposições que se torna- financiamento de campanhas, coligações
ram leis provocaram importantes impactos eleitorais, ainda que, muitas vezes, essas
15
sobre o comportamento dos atores, a dinâ- iniciativas tenham sinais trocados.
mica de interação entre eles e seus resulta- Vale, no entanto, assinalar, a partir da
dos: (a) a Proposição 1/1995, que foi análise de alguns dados produzidos no âm-
transformada em emenda constitucional, per- bito da Pesquisa sobre Elites Parlamentares
16
mite a reeleição do Presidente da Repúbli- Ibero-Americanas (Módulo Brasil) , que há
ca, dos governadores de Estado e do Distrito alguma convergência de opiniões entre os
legisladores quanto à natureza e à desejabi-
13 lidade de algumas medidas relacionadas ao
“Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da
promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do tema da representação política.
Congresso Nacional, em sessão unicameral.” No que se refere ao sistema eleitoral,
14
Foi possível localizar, através do site da Câmara dos Deputados, 180 verifica-se a existência de clara preferência,
proposições legislativas relacionadas ao tema da reforma da representação,
apresentadas entre 1989 e 2005. por parte da maioria dos deputados, pelo
15
A título de exemplo, examinem-se as ementas de algumas dessas
sistema proporcional, “que garanta a repre-
proposições: sentação eqüitativa de todas as forças polí-
• Proposição 242/2000 “dá nova redação aos arts. 17 e 55 da Constituição
Federal, que dispõem sobre fidelidade partidária, promovendo a perda do ticas”, por contraste com a adoção de um
cargo eletivo nas hipóteses de o ocupante deixar o partido pelo qual foi eleito sistema majoritário, “que garanta governos
e de grave violação da disciplina partidária”;
• Proposição 254/2004 “retira do texto constitucional a exigência de filiação fortes e efetivos”.
partidária como condição de elegibilidade”; A questão relacionada ao tipo de lista
• Proposição 461/2005 “cria novo instrumento de democracia participativa na
Constituição Federal, a fim de possibilitar a autoconvocação popular para partidária já desperta maiores controvérsias,
realização de plebiscito”;
• Proposição 669/1999 “altera o artigo 6º da Lei 9.504, de 30 de setembro de
ainda que a maior minoria (aproximadamente
1997, impedindo a celebração de coligações para eleição proporcional”; 40% dos respondentes) declare preferir a lis-
• Proposição 1974/1999 “altera o artigo 9º da Lei 9.504, de 30 de setembro
de 1997, aumentando para dois anos o prazo de filiação partidária com vistas ta aberta — caracterizada como um “siste-
a cargo eletivo”; ma de voto personalizado que garanta uma
• Proposição 3949/2000 “cria o voto em lista partidária preordenada para
eleições proporcionais”. relação próxima entre o eleitor e seus repre-
16
Pesquisa realizada junto aos deputados federais através da cooperação entre
sentantes” — ao “sistema de voto de lista
o Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política (CEL- fechada, que favoreça a formação de parti-
DCP) da UFMG e o Instituto Interuniversitário de Estúdios de Iberoamérica y
Portugal, da Universidad de Salamanca, Espanha. Foi construída uma amostra dos fortes e coesos” (23%). Cerca de 18%
de 134 legisladores, estruturada por quotas partidárias. Os questionários dos legisladores escolheram uma posição
foram aplicados no período compreendido entre julho e dezembro de 2005.
As tabelas que apresentam os dados examinados nesta seção encontram-se
no Anexo I.
intermediária da escala, sinalizando suas deveria “renunciar à sua cadeira para que ou-
preferências, provavelmente, pela adoção de tro membro do partido ocupe seu lugar”.
listas flexíveis, que sejam previamente or- A opinião declarada pela maioria não
denadas pelo partido, mas que admitam a conseguiu, no entanto, transformar-se em
interferência do eleitor no reposicionamento orientação para a ação, já que as propostas
dos candidatos no interior da lista, caso seja que visam reforçar a fidelidade partidária não
de seu interesse. lograram, até o momento, obter aprovação
Percebeu-se a existência de um consenso no plenário da Câmara dos Deputados.
forte entre os deputados federais quanto às
conexões existentes entre democracia e par-
tidos políticos, que sinaliza a concordância Conclusão: Propostas de reforma
dos mesmos com o exercício do monopólio da representação e
da representação pelos partidos políticos. A efeitos esperados
esmagadora maioria de 80% dos responden-
tes declarou concordar muito com a frase Neste artigo foram abordados temas e
“sem partidos não pode existir democracia”. questões relacionados à representação polí-
Vale observar que esse consenso atravessa tica. Na primeira seção propôs-se revisitar
os partidos políticos, só se mostrando um Lijphart, com o intuito de oferecer eixos analí-
pouco mais frágil no interior do PL. ticos que permitam distinguir as característi-
Não obstante, 64% dos legisladores con- cas dos modelos majoritário e consensual que
cordam com a assertiva de que “poucas se referem ao método de constituição das
pessoas identificam-se verdadeiramente instâncias decisórias, às regras decisórias,
com os partidos”, e 33% concordam que à composição e ao funcionamento efetivo de
“existe um crescente distanciamento entre tais instâncias. No entanto, o argumento cen-
sociedade e partido no Brasil”. Além disso, tral daquele autor, segundo o qual o modelo
quando perguntados sobre suas escolhas consensual é mais democrático do que o
relacionadas a questões que expressem modelo majoritário, foi resguardado e fun-
conflitos entre a posição do seu partido e a damentou as análises desenvolvidas na se-
do seu estado, 45,5% dos parlamentares (a gunda e na terceira seções sobre o exercício
maior incidência de respostas) declarou vo- da representação política no Brasil e sobre
tar “sempre de acordo com as necessida- as propostas de reforma que freqüentam a
des de seu estado”, por contraste com 20,9% agenda dos legisladores brasileiros.
que disseram votar “sempre com o partido” Portanto, as indagações sobre o que re-
— destacando-se, aí, os deputados petis- formar e como fazer devem ser respondi-
tas (52,2%) —, e 20,1% que afirmam que das tendo por parâmetro o objetivo de tornar
sua posição “depende dos temas”. a representação mais democrática. Nesta
A pesquisa indagou também, dos res- perspectiva, as características que promo-
pondentes, suas opiniões relacionadas aos vem a dispersão de poder entre os diferen-
temas da fidelidade e da disciplina partidá- tes atores devem ser mantidas e, onde
ria. Embora a disciplina seja uma questão necessário, aperfeiçoadas: República presi-
mais polêmica, que divide a opinião dos filia- dencialista, bicameral, com representação
dos a diferentes partidos, a fidelidade parti- proporcional e multipartidarismo.
dária parece ser um comportamento Porém, os procedimentos responsáveis
valorizado, o que se revela bastante curioso por distorções na representação, tais como
em uma Casa Legislativa que tem na mi- números máximo e mínimo de legisladores
gração partidária uma prática recorrente por estado da Federação e coligações para
(Melo, 2004): aproximadamente 60% dos res- eleições proporcionais deveriam ser altera-
pondentes pensam que, ao desvincular-se dos. Além disso, considera-se que a demo-
do partido pelo qual se elegeu, o deputado cracia brasileira ganharia com a substituição
das listas abertas por listas flexíveis ou fe- de preferências dos cidadãos perante os
chadas, desde que se garantisse a realiza- representantes eleitos.
ção de prévias democráticas para a Os cidadãos teriam maior capacidade de
composição das listas partidárias. Com isso fiscalizar seus representantes se os legisla-
seria possível fortalecer essas agremiações, dores tivessem que se manifestar sempre
17
controlar o poder das oligarquias partidárias através do voto aberto e se houvesse
e ampliar a identificação dos cidadãos com mecanismos que aumentassem os custos
os partidos políticos. relacionados às migrações partidárias. A dis-
No que diz respeito às regras decisórias seminação e o aperfeiçoamento de meca-
seria necessário promover uma distribuição nismos institucionalizados de interlocução
mais equilibrada dos poderes de agenda e entre cidadãos e representantes eleitos, na
veto entre os poderes Executivo e Legislativo arena legislativa, diminuiriam a assimetria
e entre os atores, no interior das Casas informacional entre estes atores e tornariam
Legislativas; aumentar a centralidade do sis- mais plurais as fontes de informação dos
tema de comissões; aperfeiçoar os instru- legisladores, capacitando-os para conhecer
mentos de accountability vertical e fortalecer quais são e como representar os melhores
os instrumentos que permitam a vocalização interesses dos cidadãos.
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17
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Anexo I
Tabela 5 - Opiniões sobre Sistemas Eleitorais, por Deputados Agregados segundo Filiação Partidária,
Câmara dos Deputados, Brasil, 2005
PARTIDOS
Sistema proporcional e
sistema majoritário PDT PT PTB PMDB PL PFL PSDB PCdoB OUTROS Total
(1) 2 7 6 8 5 6 6 2 15 57
66,7% 30,4% 42,9% 40,0% 41,7% 37,5% 50,0% 100,0% 46,9% 42,5%
(2) - 3 - 1 1 - - - - 5
13,0% 5,0% 8,3% 3,7%
(3) - 3 1 3 1 1 2 - 4 15
13,0% 7,1% 15,0% 8,3% 6,3% 16,7% 12,5% 11,2%
(4) - 2 - 1 - - - - - 3
8,7% 5,0% 2,2%
(5) - 2 3 1 - 7 4 - 7 24
8,7% 21,4% 5,0% 43,8% 33,3% 21,9% 17,9%
(6) 1 3 1 - - - - - 2 7
33,3% 13,0% 7,1% 6,3% 5,2%
(7) - 1 - 1 - 1 - - 2 5
4,3% 5,0% 6,3% 6,3% 3,7%
(8) - 2 2 1 - 1 - - - 6
8,7% 14,3% 5,0% 6,3% 4,5%
(9) - - - 1 - - - - - 1
5,0% 0,7%
(10) - - 1 2 5 - - - 2 10
7,1% 10,0% 41,7% 6,3% 7,5%
N.S. - - - 1 - - - - - 1
5,0% 0,7%
Total 3 23 14 20 12 16 12 2 32 134
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
(1) Sistema Proporcional que garanta a representação eqüitativa de todas as forças políticas.
(10) Sistema majoritário que garanta governos fortes e efetivos.
Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados Representação Política e Qualidade da Democracia – Instituto Interuniversitario
de Estudios de Iberoamérica y Portugal/Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
Tabela 6 - Tipo Preferido de Lista Eleitoral, por Deputados Agregados segundo Filiação Partidária,
Câmara dos Deputados, Brasil, 2005
PARTIDOS
Sistemas de voto PDT PT PTB PMDB PL PFL PSDB PCdoB OUTROS Total
(1) 2 2 9 6 10 3 1 2 18 53
66,7% 8,7% 64,3% 30,0% 83,3% 18,8% 8,3% 100,0% 56,3% 39,6%
(3) - 1 1 1 - - - - 1 4
4,3% 7,1% 5,0% 3,1% 3,0%
(4) - - - 1 - - - - - 1
5,0% 0,7%
(5) - 7 2 3 2 5 4 - 1 24
30,4% 14,3% 15,0% 16,7% 31,3% 33,3% 3,1% 17,9%
(6) - 1 - - - - 1 - 1 3
4,3% 8,3% 3,1% 2,2%
(7) 1 4 - - - - - - - 5
33,3% 17,4% 3,7%
(8) - 5 - - - - - - 3 8
21,7% 9,4% 6,0%
(9) - - - 2 - 1 - - - 3
10,0% 6,3% 2,2%
(10) - 3 2 6 - 6 6 - 8 31
13,0% 14,3% 30,0% 37,5% 50,0% 25,0% 23,1%
N.S. - - - 1 - 1 - - - 2
5,0% 6,3% 1,5%
Total 3 23 14 20 12 16 12 2 32 134
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
(1) Sistema de voto personalizado que garanta uma relação próxima entre o eleitor e seus representantes.
(10) Sistema de voto de lista fechada que favoreça a formação de partidos fortes e coesos.
Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados Representação Política e Qualidade da Democracia – Instituto Interuniversitario de Estudios
de Iberoamérica y Portugal/Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
Tabela 7 - Opiniões sobre Democracia e Partidos Políticos, por Deputados Agregados segundo
Filiação Partidária, Câmara dos Deputados, Brasil, 2005
Se concorda ou não
com a frase: PARTIDOS
Sem partidos não pode
existir democracia PDT PT PTB PMDB PL PFL PSDB PCdoB OUTROS Total
Discorda - 2 - - 2 - 1 - 3 8
8,7% 16,7% 8,3% 9,4% 6,0%
Concorda Pouco - - - 1 - - - - 1 2
5,0% 3,1% 1,5%
Concorda mais ou menos - 3 3 1 3 1 1 - 3 15
13,0% 21,4% 5,0% 25,0% 6,3% 8,3% 9,4% 11,2%
Concorda muito 3 18 11 18 7 15 10 2 23 107
100 % 78,3% 78,6% 90,0% 58,3% 93,8% 83,3% 100,0% 71,9% 79,9%
N.S. - - - - - - - - 1 1
3,1% 0,7%
N.R - - - - - - - - 1 1
3,1% 0,7%
Total 3 23 14 20 12 16 12 2 32 134
100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 %
Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados Representação Política e Qualidade da Democracia – Instituto Interuniversitario de Estudios
de Iberoamérica y Portugal/Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
Tabela 9 - Opiniões sobre Disciplina Partidária por Deputados Agregados segundo Filiação Partidária,
Câmara dos Deputados, Brasil, 2005
PARTIDOS
Disciplina partidária PDT PT PTB PMDB PL PFL PSDB PCdoB OUTROS Total
Deveria se exigir sempre a 3 5 6 10 3 7 7 - 8 49
disciplina de voto na bancada 100% 21,7% 42,9% 50,0% 25,0% 43,8% 58,3% 25,0% 36,6%
partidária
Deveria se permitir - - 1 3 3 3 1 - 12 23
sempre que cada deputado dê 7,1% 15,0% 25,0% 18,8% 8,3% 37,5% 17,2%
seu voto de
Alguns temas deveriam estar - 18 7 7 6 6 4 2 12 62
sujeitos à disciplina partidária 78,3% 50,0% 35,0% 50,0% 37,5% 33,3% 100,0% 37,5% 46,3%
Total 3 23 14 20 12 16 12 2 32 134
100% 100,0% 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 %
Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados Representação Política e Qualidade da Democracia – Instituto Interuniversitario de Estudios
de Iberoamérica y Portugal/Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
Tabela 10 - Opiniões sobre Fidelidade Partidária, por Deputados Agregados segundo Filiação Partidária,
Câmara dos Deputados, Brasil, 2005
O que o deputado
deveria fazer ao PARTIDOS
desvincular-se
do partido? PDT PT PTB PMDB PL PFL PSDB PCdoB OUTROS Total
Conservar sua cadeira e se - 5 5 6 8 2 6 - 16 48
integrar a outra bancada 21,7% 35,7% 30,0% 66,7% 12,5% 50,0% 50,0% 35,8%
Total 3 23 14 20 12 16 12 2 32 134
100% 100,0% 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 % 100 %
Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados Representação Política e Qualidade da Democracia – Instituto Interuniversitario de Estudios
de Iberoamérica y Portugal/Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
Leonardo Avritzer
1
Os Estados Unidos são o exemplo mais clássico de um país cuja constituição
não fala das formas de participação no nível local. Formas de participação local
existem na região de New England desde o período da colônia e foram
preservadas no momento da constituição do poder central enquanto poder
representativo. Vide MANSBRIDGE, 1980. A França tem uma arquitetura política
distinta com os governos locais tendo sido proibidos até a reforma política
realizada por Mitterand em 1981 (GAUDIN, 1999). Entre os países em
desenvolvimento a Índia é o país que mais tem instituições participativas. Veja
HELLER; ISAAC, 2002.
incisos XII e XIII, sobre os Municípios, que e no controle das ações em todos os níveis”.
dispõe que [o] Município reger-se-á por lei Finalmente, o artigo 227, parágrafo 1º, acer-
orgânica, (...) atendidos os princípios esta- ca da Família, da Criança, do Adolescente e
belecidos nesta Constituição, na Constitui- do Idoso, dispõe que “ [o] Estado promove-
ção do respectivo Estado e os seguintes rá programas de assistência integral à saú-
preceitos: “... iniciativa popular de projetos de da criança e do adolescente, admitida a
de lei de interesse específico do município, participação de entidades não-governamen-
da cidade ou de bairros, através de mani- tais (...)” (Avritzer; Dolabella, 2005). O artigo
festação de, pelo menos, cinco por cento 186 sobre a reforma urbana requer a elabo-
do eleitorado...”. Assim, não se trata, quan- ração de planos diretores municipais em
do falamos de participação, apenas de um todas as cidades com mais de 20 mil habi-
artigo isolado na formulação das formas de tantes. Nesse caso, apenas a legislação
expressão da soberania popular mas de infraconstitucional, o assim chamado “Esta-
uma arquitetura que se desdobra para os tuto da Cidade”, requer a participação da
entes federados. É interessante notar, tam- população na elaboração dos planos direto-
bém, que a exigência de participação não res (Caldeira; Holston, 2004; Avritzer, 2006).
se esgota nos níveis do Poder Executivo, mas Assim, o próprio processo constituinte se
abrange também o Legislativo. O artigo 61 tornou a origem de um conjunto de institui-
da Constituição de 1988 assegura que “[a] ções híbridas que foram normatizadas nos
iniciativa popular pode ser exercida pela apre- anos 90, tais como os conselhos de política
sentação à Câmara dos Deputados de pro- e tutelares ou as formas de participação a
jeto de lei subscrito por, no mínimo, um por nível local. Em seguida, iremos analisar o
cento do eleitorado nacional distribuído pelo impacto de cada uma das legislações parti-
menos por cinco estados, com não menos cipativas no Brasil democrático.
de três décimos por cento dos eleitores de
cada um deles”. Sendo assim, as formas de
exercício direto da soberania, plebiscito, refe- Plebiscito e referendum:
rendo e iniciativa popular estão amplamente uma breve incursão sobre o seu
incorporadas no texto constitucional ainda uso político no Brasil democrático
que elas tenham sido pouco exercidas no
Brasil democrático.
Os mecanismos de democracia direta,
Há uma segunda forma de participação 2
em especial, o plebiscito, o referendum e a
que está prevista na Constituição de 1988
iniciativa popular de lei, não foram as for-
que é a de atores ou entidades da socieda-
mas de participação ampliada mais utiliza-
de civil na deliberação sobre políticas públi-
das no Brasil democrático. Um plebiscito e
cas. Essas formas presentes nos capítulos
um referendo foram convocados no Brasil
da seguridade social e da reforma urbana
democrático, o primeiro, acerca da forma de
tornaram-se amplamente difundidas no Bra-
governo, e o segundo, sobre a comercializa-
sil democrático. Em relação à gestão das
ção das armas de fogo. Foram propostas
políticas públicas, o artigo 194, parágrafo
três leis de iniciativa popular, todas elas apro-
único, inciso VII, a respeito da Seguridade
vadas ainda que através de processos dife-
Social, assegura o “caráter democrático e
renciados na Câmara dos Deputados.
descentralizado da administração, median-
Vale a pena, apesar das poucas experiên-
te gestão quadripartite, com participação dos
cias em curso, discutir os três tipos de utilização
trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do governo nos órgãos cole-
2
giados”. O artigo 204, inciso II, sobre a As- Vale a pena para os objetivos deste artigo diferenciar plebiscito de referendum.
sistência Social, prescreve a “participação Ainda que os dois sejam uma consulta direta à população sobre aspectos
políticos, o que os diferencia é que o plebiscito é uma decisão soberana da
da população, por meio de organizações população tomada diretamente, que irá gerar uma lei, ao passo que o
representativas, na formulação das políticas referendum é uma ratificação pela via eleitoral de uma lei ou de partes de uma
lei já aprovada pelo Poder Legislativo.
projetos, apenas o primeiro se tornou lei a menta que na forma atual da legislação so-
partir de uma rápida tramitação no Congresso bre a iniciativa popular os casos são pou-
Nacional, e os outros dois se tornaram leis a cos, e a possibilidade de anulação posterior
partir da sua proposição por parlamentares. da legislação é grande devido a incertezas
As duas outras iniciativas de lei que fo- do processo de conferência de assinaturas.
ram apresentadas ao Congresso, mudança Ele sugere a transferência para as comissões
na lei dos crimes hediondos e o projeto do de participação dos legislativos da sistema-
fundo nacional da moradia, se tornaram leis tização das iniciativas populares e a sua pro-
por processos mistos, envolvendo a iniciati- posição pelos próprios parlamentares, tal
va popular e a ação de parlamentares. No como já acontece no plano federal e em
primeiro caso, a iniciativa popular de lei pro- alguns legislativos estaduais (Whitaker,
pôs aumentar a pena para crimes hedion- 2003). O que iremos mostrar, em seguida,
dos e suprimir a possibilidade de um é que os mecanismos participativos efeti-
segundo julgamento em caso de condena- vamente utilizados no Brasil são aqueles li-
ção. Foram coletadas mais de um milhão gados a deliberações no campo das
5
de assinaturas pelos seus patrocinadores, políticas públicas.
mas o projeto tinha problemas formais liga-
dos à coleta de assinaturas. No entanto, o
relator do projeto de lei sobre o tema incor- Conselhos e orçamentos
porou as sugestões do projeto de iniciativa participativos: a participação
popular, resultando na Lei 8.930, de 6 de nas políticas públicas
setembro de 1994, que deu nova redação à
lei dos crimes hediondos (Sgarbi; Assad). As instituições participativas que real-
O outro projeto, o da moradia popular, foi mente se multiplicaram no Brasil democrá-
apresentado em 2004, e aprovado em to- tico são os conselhos de políticas e os
das as comissões das Câmaras dos Depu- orçamentos participativos. Os conselhos de
tados. Nesse momento ele tramita no política são resultado das legislações espe-
Senado Federal. cíficas ou infraconstitucionais que regulamen-
Através de uma rápida comparação en- tam os artigos da Constituição de 1988 sobre
tre os mecanismos de exercício direto da a saúde, a assistência social, a criança e o
soberania popular é possível perceber que o adolescente e as políticas urbanas. As prin-
plebiscito e o referendum não foram muito cipais legislações participativas surgiram a
utilizados no Brasil democrático e, quando partir da Lei Orgânica da Saúde (LOS), da
foram, acabaram sendo convocados em Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
decorrência de conflitos internos ao Poder do Estatuto da Criança e do Adolescente e
Legislativo. O instituto de soberania direta do Estatuto da Cidade. Cada uma dessas
que realmente se destaca é o da iniciativa legislações estabeleceu a participação de
popular de lei. Ainda que ele não tenha sido uma forma diferente, mas a partir dos anos
muito utilizado, quando o foi, ele acrescen- 90, todas essas formas de participação fi-
tou uma lógica societária ao sistema políti- caram conhecidas como conselhos. Pode-
co. Entre os três casos, pelo menos dois mos definir os conselhos como instituições
expressam fortes movimentos da socieda- híbridas nas quais há participação de atores
de civil, a CNBB e o Movimento Nacional de
Luta pela Moradia. O terceiro movimento
expressa uma personalidade pública capaz 5
Entre os patrocinadores da iniciativa de lei sobre crimes hediondos encontram-se
de dar visibilidade mediática ao movimen- famílias de pessoas assassinadas de forma brutal. A adesão da autora de
telenovelas Glória Pérez foi importante para a tramitação da iniciativa popular
to. No entanto, não há dúvidas de que dada de lei sobre crimes hediondos.
a amplitude da legislação, os três mecanis- 6
Existem pouquíssimos casos de iniciativa popular nos legislativos estaduais.
mos são pouco utilizados no nível nacional e O Movimento Nacional de Luta pela Moradia conseguiu aprovar um fundo
6 estadual da moradia popular em Minas Gerais que é, até o momento, a única
ainda menos no estadual. Whitaker argu- iniciativa popular de lei aprovada no estado. O mesmo movimento não
conseguiu aprovar uma proposta de lei semelhante no estado de São Paulo.
A iniciativa popular de lei proposta pelo movimento de moradia naquele
estado foi considerada inconstitucional no seu processo de tramitação.
7
do Executivo e de atores da sociedade civil relacionados com a
área temática na qual o conselho atua. O formato institucional dos
conselhos, em todas as áreas mencionadas, é definido por legislação
local, ainda que os parâmetros para a elaboração dessa legislação
sejam dados pela legislação federal. Todos esses conselhos ado-
tam a paridade como princípio, ainda que a forma específica da
paridade varie de área temática para área temática. Assim, no caso
dos conselhos de saúde, os usuários ocuparam metade da repre-
sentação, no caso da assistência social e dos conselhos da criança e
do adolescente, entidades da sociedade civil ocupam metade das
vagas no conselho. O que é importante perceber é que há uma
grande variação no que se denomina de entidades da sociedade
civil nesses casos, variação essa que se torna ainda maior no caso
dos conselhos de meio ambiente que existem em diversos estados
da Federação. O Gráfico 1 mostra os dados do IBGE acerca do
número de conselhos existentes no Brasil em 2001:
Gráfico 1
Número de Conselhos Municipais no Brasil
Saúde 98%
Assistência Social 93%
Direitos da Criança e do Adolescente 77%
Educação 73%
Trabalho 34%
Meio Ambiente 29%
Turismo 22%
Cultura 13%
Habitação 11%
Política Urbana 6%
Transportes 5%
Orçamento 5%
Fonte: Pesquisa de Informações Básicas Municipais – IBGE, 2001.
7
Existem alguns poucos conselhos no Brasil que têm representantes do Poder
Legislativo, mas na maioria dos casos isso não ocorre. Já há jurisprudência de
que eles pertencem à estrutura do Poder Executivo.
8
O método através do qual o IBGE chegou a esses números é questionável.
O IBGE trabalhou apenas com informação das prefeituras sobre a existência
desses conselhos. Esse método é limitado uma vez que já existem evidências
na literatura de conselhos formalmente organizados, mas que não se reúnem
nem ao menos uma vez por ano ou de conselhos que são organizados pelo
prefeito e não desempenham nenhum papel fiscalizador ou deliberativo na
política pública em questão. AVRITZER; CUNHA; CUNHA, 2003.
9
Nem todos os conselhos de educação têm o mesmo papel no Brasil. Há uma
tendência dos conselhos de educação de se tornarem em alguns casos
instância normativa e reguladora das instituições educativas existentes no
estado. Tal fato mostra que mesmo a legislação atual sobre conselhos não é
sistemática e não envolve a adoção de padrões semelhantes de tomadas de
decisão.
variação na sua presença nas diferentes re- namento exitoso em algumas grandes cida-
giões do país. As regiões Norte e Nordeste des ou no caso do papel desempenhado
são as que ainda não apresentam uma rede por alguns conselhos nacionais, como os da
completamente constituída de conselhos, saúde e da assistência social.
com um número de conselhos da criança e A outra instituição participativa que tem
do adolescente e do meio ambiente significa- se destacado no Brasil democrático é o
tivamente menor do que as demais regiões. É Orçamento Participativo (OP), a única entre
importante também mencionar que os da- as instituições discutidas neste artigo cuja
dos do IBGE não distinguem entre a infor- criação não é decorrência direta da Consti-
mação sobre a presença de conselhos e sua tuição de 1988. O orçamento participativo é
efetividade pensada, seja em termos do uma forma de balancear a articulação entre
número de reuniões realizadas por ano, seja representação e participação ampla da po-
pela sua capacidade de pautar a delibera- pulação através da cessão da soberania por
ção da política pública a ele vinculada. Da- aqueles que a detêm enquanto resultado de
dos parciais de pesquisa para algumas um processo eleitoral. A decisão de iniciar o
regiões do país revelam essa discrepância, OP é sempre do prefeito. A soberania passa
que sugere que alguns conselhos não se a ser partilhada com um conjunto de assem-
reúnem ou, em alguns casos, não chegam bléias regionais e temáticas que operam a
nem ao menos a existir efetivamente (Avritzer, partir de critérios de livre participação. Todos
Cunha; Cunha, 2003). os cidadãos são tornados, automaticamente,
Ainda que não existam dados conclusi- membros das assembléias regionais e temá-
vos sobre o papel dos conselhos na mudan- ticas com igual poder de deliberação. A prin-
ça do padrão de políticas públicas nas áreas cipal experiência de OP, até esse momento,
nas quais eles estão melhor estruturados, ocorreu na cidade de Porto Alegre a partir de
1990. Belo Horizonte, São Paulo e Recife são
alguns indicadores parciais merecem ser
outras capitais de porte que também têm o
mencionados. No caso dos conselhos de
orçamento participativo. As experiências de
saúde e de assistência social há uma ten-
orçamento participativo tiveram até 1997 um
dência democratizadora da ação dos con-
cunho fundamentalmente partidário, uma vez
selhos nos lugares em que eles são mais
que a sua grande maioria esteve vinculada
atuantes. Essa tendência envolve o levanta-
ao Partido dos Trabalhadores. A partir de
mento de um conjunto de queixas e deman-
1997 há uma tendência à expansão do orça-
das sobre o funcionamento de postos de
mento participativo e à sua pluralização no
saúde, que acaba tendo um efeito positivo
universo partidário. Existiam em 2004 170
sobre a organização da política pública. Es-
experiências de orçamento participativo
ses casos envolvem principalmente grandes
espalhadas pelo país da seguinte forma:
capitais com organização significativa dos
conselhos de saúde (Coelho; Veríssimo, Mapa 1 – OPs Gestão 2001 - 2004
2004; Avritzer, 2004; Cortes, 2002). Há tam-
bém evidências de organização mais efici-
ente das políticas públicas na área da
assistência social. A partir da resolução do
Conselho Nacional de Assistência Social de
redistribuir os recursos de emendas de par-
lamentares a partir de critérios técnicos, há
uma tendência mais racional de distribuição
dos recursos federais na área. Assim, ainda
que não tenha havido até o momento uma
avaliação nacional do papel dos conselhos,
existem evidências parciais de um funcio-
Fonte: Avritzer, 2006.
possível apontar como o problema maior para O ideal seria que os arranjos participativos
a proliferação das formas de participação locais tivessem algum tipo de participação
direta, a dependência que elas ficaram, na de representantes dos Legislativos. Para
sua formulação constitucional, de autorização isso, faz-se necessária uma mudança norma-
do Congresso Nacional. O ideal em relação a tiva, já que a legislação existente entende
essas formas amplas de consulta da popu- os conselhos de políticas como parte da
lação é que elas sejam amplamente inde- estrutura do Executivo, o que, a nosso ver,
pendentes do Poder Legislativo, e que, com parecer ser um equívoco. Assim, à guisa de
o tempo, adquiram uma lógica própria. conclusão, podemos afirmar que apesar da
O segundo tema analisado neste artigo, intenção do legislador constituinte de criar
o da proliferação das formas de participação formas híbridas de relação entre a partici-
no nível local, parece apontar na direção con- pação e a representação, esse objetivo ainda
trária. Os orçamentos participativos e os não foi alcançado no Brasil democrático. É
conselhos se tornaram as formas principais desejável que nos próximos anos as formas
de participação no Brasil democrático. No de democracia semidiretas adquiram auto-
entanto, essas novas formas locais de parti- nomia em relação à dinâmica do Congresso
cipação não têm se articulado bem com os Nacional, assim como é desejável que os
legislativos locais, que têm sido, via de regra, arranjos participativos locais se articulem
postos em um segundo plano na sua capa- melhor com os legislativos locais. Somente
cidade decisória. Essas instituições, cujas assim cada uma das formas de exercício
prerrogativas e capacidade de decisão são, da soberania, a participação e a represen-
em geral, baixas, não têm sido capazes de tação, poderão complementar déficits ou
se articular com as formas de participação incompletudes presentes na outra.
e têm perdido legitimidade na política local.
Referências
Introdução
1
Brasil (1988), Colômbia (1991), Equador (1998) e Venezuela (1999) convocaram
Constituintes. A Venezuela o fez depois de haver experimentado uma série
de reformas pontuais em sua constituição entre o final dos anos 80 e meados
dos anos 90. Argentina e Bolívia em 1994, o Uruguai em 1996 e,
recentemente, o Chile em 2005, realizaram reformas constitucionais no curso
de processos legislativos ordinários.
2
A afirmação não inclui o Suriname, a Guiana e a Guiana Francesa.
dessa Casa. Finalmente, no que se refere à gras vigentes e sob estas condições esta-
Câmara dos Deputados, foram registradas beleceram suas estratégias — perde parte
a introdução de sistemas eleitorais mistos, de seu valor. A mudança nas regras exigirá
a modificação no número dos representan- um novo aprendizado. Mais importante, ain-
tes e a alteração do número de cadeiras em da, sob as novas regras, os resultados po-
disputa nos distritos. dem ser de difícil previsão. Mesmo que seja
O texto está organizado da seguinte ma- possível avaliar a possibilidade de ganhos
neira: na primeira seção é feita uma breve imediatos ligados ao contexto em que se
abordagem acerca dos problemas envolvi- realiza a reforma, a situação pode se alterar
dos nos processos de reforma político-elei- com o tempo: não se pode prever como re-
toral e das condições que podem favorecer, agirá o conjunto dos atores à medida que
ou dificultar, a sua ocorrência. A seguir são todos se familiarizem com as novidades; não
discutidos e comparados os casos da Argen- se sabe exatamente como se combinarão
tina, Bolívia, Brasil, Chile, Uruguai e Vene- (em termos de efeito sobre o processo polí-
3
zuela. Para cada país são apresentados os tico) as novas e as antigas instituições; não
atores responsáveis pela condução das re- se pode impedir a interferência de fenôme-
formas, o tipo de constrangimento — insti- nos diversos que anulem ou minimizem os
tucional e/ou social — sob o qual atuavam, efeitos esperados. Em outras palavras, como
e analisados os resultados. Na conclusão, é toda mudança institucional, uma reforma
feito um rápido balanço dos seis processos eleitoral é um tipo de investimento de longo
reformistas. prazo (Tsebelis, 1998), o que torna mais difí-
cil o controle do processo e aumenta a chance
de que sejam produzidas conseqüências
O jogo da reforma eleitoral não intencionais.
A experiência recente das democracias
A democracia pode ser entendida como consolidadas fornece exemplos de reformas
um tipo de jogo em que a incerteza é institu- eleitorais cujos objetivos foram plenamente
cionalizada (Przeworski, 1994). Arranjos ins- alcançados e outras onde o fracasso foi
titucionais possuem impacto sobre o retumbante. No primeiro caso encontra-se a
resultado dos conflitos políticos, fazendo com Nova Zelândia que, a partir de 1993 e após a
que determinados resultados sejam descar- realização de dois referendos, transitou de
tados, delimitando o leque dos desfechos um sistema eleitoral majoritário de tipo in-
possíveis e apontando aqueles que são os glês para um sistema misto, ao estilo ale-
4
mais prováveis. Isso é tanto mais verdadeiro mão. O objetivo dos reformadores era
quanto mais consolidado se mostre deter- possibilitar o acesso dos partidos minoritá-
minado arranjo: a institucionalização é “o rios à House of Representatives e, com isso,
processo através do qual as organizações conferir maior representatividade ao sistema
adquirem valor e estabilidade” (Huntington, político (Denemark, 1996; Lima Júnior, 1999).
1975, p. 24).
Um processo de reforma eleitoral é um
tipo de mudança institucional que pode en-
volver, nas palavras de Tsebelis (1998), alte- 3
Como ficará claro, os países serão agrupados dois a dois: Argentina e Uruguai;
rações no conjunto de jogadores, nas Bolívia e Venezuela; Brasil e Chile. A escolha dos países se justifica por serem
expressivos de diferentes contextos de reforma.
jogadas permitidas, na seqüência do jogo
4
Os deputados neozelandeses eram eleitos até então em 99 distritos, cada
e/ou na informação disponível para cada jo-
um deles elegendo um representante para a Câmara. A partir das eleições de
gada. Trata-se, geralmente, de um jogo mar- 1996, metade dos deputados passou a ser eleito por meio de voto proporcional
em lista fechada. A outra metade continuou a ser eleita de forma majoritária.
cado pela incerteza (Norris, 2000). O
O eleitor passou a contar com dois votos, um reservado à disputa no distrito
conhecimento adquirido pelos atores políti- e outro à disputa entre as listas partidárias. O número de votos dados nas
cos — que aprenderam a lidar com as re- listas serve como referência para o cálculo das cadeiras atribuídas aos partidos,
o que assegura que os resultados da eleição sejam proporcionais, corrigindo
a distorção típica dos sistemas majoritários puros. O sistema misto foi introduzido
pelos alemães em 1949.
O objetivo foi alcançado, e a partir das elei- mão de estratégias de persuasão e de modi-
ções seguintes a Nova Zelândia passou a ficação (Arnold, 1990). O objetivo das primei-
5
apresentar um sistema multipartidário. ras é não só o de convencer os legisladores
A Itália ilustra o segundo caso. Também quanto à justeza das propostas em pauta,
em 1993 e novamente após a realização de mas principalmente o de tranqüilizá-los quan-
referendos, os legisladores italianos substi- to a seus impactos eleitorais. Quanto às se-
tuíram o sistema de representação propor- gundas, trata-se de modificar aspectos da
cional em vigor desde o pós-guerra por um proposta ou de tornar sua implementação
6
sistema misto. O objetivo era reduzir a frag- gradual, de modo a contemplar as preferên-
mentação partidária e aumentar o grau de cias de seus liderados, atrair novos adeptos
estabilidade governamental (Morlino, 1996). e, se possível, dissuadir oponentes.
Mas a mudança no sistema, segundo Pas- Finalmente, é preciso levar em conta o
quino (1997), apenas reforçou uma tendên- arranjo institucional em tela. Democracias
cia, já em curso, de desalinhamento eleitoral que se organizam com base em arranjos
e crise do sistema partidário, que terminou, consensuais (Lijphart, 2003), ou proporcio-
como se sabe, por implodir pouco tempo nais (Powell, 2000), tendem a ampliar o nú-
depois. A partir de 1994 as eleições italia- mero e a pluralidade dos representantes
nas passaram a ser polarizadas por duas presentes no processo de produção de polí-
grandes coalizões, de centro-esquerda e ticas, o que aponta para a necessidade de
centro-direita, dentro das quais se abrigava conformação de maiorias mais amplas e
um enorme número de novas organizações para processos decisórios mais negociados
partidárias. Em 2005 a Itália, por iniciativa e incrementais. Democracias que, por outro
do governo Berlusconi, voltou a adotar o sis- lado, se baseiam em uma concepção majo-
tema de representação proporcional para ritária tendem a concentrar poderes nas
7
Câmara e Senado. mãos de uma maioria estrita, diminuindo o
A incerteza inerente ao processo reformista número de atores com poder de negocia-
pode dificultar a construção de uma coali- ção e, em função disso, podendo tornar mais
zão capaz de conduzi-lo. Mesmo que tais fáceis os processos de mudanças, ainda
coalizões contem com apoios no poder Exe- que, no limite, também possam gerar deci-
cutivo e na sociedade, a adesão de uma sões menos representativas.
maioria de congressistas se mostra essen- O impacto do arranjo institucional pode
cial para o sucesso da empreitada. Legisla- ainda ser maior ou menor a depender do grau
dores, como se sabe, são especialmente de desinstitucionalização exigido pela pro-
preocupados com sua reeleição, e não se posta reformista. Evidentemente, reformas
deve esperar que adiram a projetos que co- políticas baseadas em projetos de lei ordi-
loquem em risco sua sobrevivência política. nária são mais fáceis de serem aprovadas
Dessa forma, os atores interessados em li- do que aquelas que exigem alterações cons-
derar processos reformistas devem lançar titucionais. Neste último caso, o sucesso da
empreitada reformista poderá depender, ain-
5
O domínio absoluto dos partidos Trabalhista e Nacional foi questionado. Nas da, do quórum necessário para a realização
eleições de 2002, a Câmara dos Deputados neozelandesa chegou ao seu de emendas constitucionais. Exigências de
momento de maior fragmentação, apresentando um número efetivo de
partidos (N) igual a 4,6. Em 2005, a fragmentação voltou a diminuir e o valor maiorias mais elevadas conferem às dife-
de N baixou para 3,0. rentes minorias maior poder de veto sobre
6
O sistema misto na versão italiana distingue-se da matriz alemã pelo fato de as mudanças.
que 75% dos eleitos são escolhidos nos distritos, restando apenas 25% das
Apesar de permanecerem cercadas de
vagas a serem preenchidas a partir das listas partidárias.
7
incertezas, reformas eleitorais têm sido fre-
O novo sistema italiano traz como inovação um “bônus de maioria”, de modo
a garantir que a coalizão mais votada não possua menos do que 340 (em 630) qüentes nos últimos vinte anos. E se isso
cadeiras na Câmara dos Deputados. Evidentemente, Berlusconi esperava ocorre deve-se a que os resultados obtidos
que sua coalizão chegasse em primeiro lugar. O sistema estabelece ainda
que coalizões partidárias necessitam obter pelo menos 10% da votação pelos arranjos eleitorais vigentes passam a
nacional (votos válidos) para ter direito a assento no Legislativo. No caso de
partidos que concorram sozinhos, a exigência cai para 4%.
23
(Gamarra, 1997; Mayorga, 2001). A dinâ- • Estabelecimento de uma cláusula nacio-
mica moderada da competição entre os nal de barreira de 3% nas eleições para a
partidos permitiu que o processo de demo- Câmara dos Deputados.
cratização fosse conduzido paralelamente à Percebendo o agravamento das tensões
introdução de drásticas medidas de austeri- sociais, os proponentes das reformas pre-
24
dade econômica. Mas em que pese a re- tendiam: a) aumentar a representatividade
lativa estabilidade política dos primeiros dez do sistema político através da introdução de
anos, a política econômica neoliberal não se deputados eleitos em distritos uninominais;
26
mostrou capaz de evitar o declínio das con- b) reduzir a fragmentação partidária por meio
dições de vida da grande maioria da popu- da cláusula de barreira; c) descentralizar o
lação. Como resultado, em 1995, o governo processo político e d) diminuir a possibilidade
de Gonzalo Sánchez de Lozada (MNR) — de impasses por ocasião do segundo turno
eleito em 1993 — teve que enfrentar uma das eleições presidenciais (Jost, 1998).
série de conflitos envolvendo trabalhadores, Tal como na Venezuela, embora de ma-
estudantes, professores, plantadores de neira menos “espetacular”, as tensões acu-
coca e um movimento de caráter separatista. muladas ao longo dos anos 80 e 90 fizeram
Durante 180 dias o país esteve sob estado com que o multipartidarismo moderado bo-
de sítio (Gamarra, 1997). liviano entrasse em crise levando de roldão
O processo de reformas teve início antes a estabilidade política e o otimismo dos
da eclosão dos protestos. Em 1993, o go- reformadores. Sánchez de Lozada havia sido
verno fez aprovar no Congresso a Ley de 27
eleito pela coalizão MNR/MRTK. A aliança
Declaratória de Necesidad de Reforma de com o MRTK (Movimento Revolucionário
25
la Constitución Política del Estado. Em 1994, Tupac Katari) permitiu que pela primeira vez
foi apresentado um amplo e ambicioso pro- um líder indígena, Víctor Hugo Cárdenas,
jeto de modernização, o Plan de Todos, que assumisse a vice-presidência do país e re-
incluía em sua “agenda política” uma série presentou uma tentativa de Lozada e do MNR
de mudanças no sistema político e eleitoral. de recuperar o prestígio perdido entre as
As modificações efetivamente realizadas no massas pobres e reatar o elo com a “Bolívia
sistema eleitoral foram: profunda” (Arzabe, 1998; Gamarra, 1997).
• Determinação de que o segundo turno das A aliança MNR/MRTK gerou um governo
eleições para a presidência da República, que
que, ao mesmo tempo, mantinha a política
na Bolívia é realizado no Congresso sempre
econômica liberalizante e assumia como
que nenhum candidato alcança a maioria
objetivo estabelecer uma democracia “autén-
absoluta dos votos, se realizasse entre os
tica, real y participativa” em contraposição
dois primeiros colocados e não entre os três
à “democracia formal” (Jost, 1998, p. 452).
primeiros como anteriormente;
31
opinião pública. E em apenas uma oca- Entre os maiores problemas merecem des-
sião, a introdução da reeleição, o Poder Exe- taque: os excessivos poderes do Conselho
cutivo mobilizou sua maioria no Congresso de Segurança Nacional, a inamovibilidade
com o objetivo de alterar a legislação, nesse dos comandantes das Forças Armadas, a
caso, a seu favor. presença de nove membros não eleitos no
Esta última observação remete a um pon- Senado e o sistema eleitoral baseado em
32
to levantado por Soares e Rennó (2006). Se- distritos binominais.
gundo esses autores, a discussão sobre Parte da explicação para a longevidade
reforma política no Brasil faz parte da agenda da constituição ditatorial está na força eleito-
do Poder Legislativo, geralmente tem origem ral da direita chilena, cujos dois maiores
em iniciativas individuais dos congressistas, partidos — União Democrática Independente
e raramente chega ao plenário. Ora, como (UDI) e Renovação Nacional (RN) — sempre
se sabe (Figueiredo; Limongi, 1999), o Exe- obtiveram votação suficiente para atuar como
cutivo brasileiro é quem apresenta cerca de atores com poder de veto sobre qualquer
85% das proposições legislativas aprovadas mudança constitucional proposta pelos go-
no Congresso Nacional. Isso certamente aju- vernos da Concertación. Particularmente,
da a entender por que a reforma política no como assinala Garretón (2001), a iniciativa
país não vai muito além dos debates, no do veto sempre coube à UDI, extremamente
Congresso e na academia, e dos noticiários fiel ao legado pinochetista e capaz de man-
na imprensa. ter sob sua influência a RN.
O último país a ser analisado, o Chile, é A outra parte da explicação, no entanto,
o caso de maior estabilidade institucional reside na própria herança constitucional da
dentre os seis e, certamente, em toda a ditadura. De um lado, a presença dos nove
América do Sul. De 1989, ano que marca a senadores não eleitos, entre eles membros
eleição do primeiro presidente após a dita- designados pelas Forças Armadas e pelos
dura do General Pinochet, até 2005, o siste- Carabineiros, sempre favoreceu a bancada
ma eleitoral chileno havia passado por conservadora. De outro, o sistema eleitoral
apenas duas modificações dignas de regis- sempre beneficiou a força minoritária, no
tro, ambas por ocasião do processo de rede- caso a coalizão direitista. É o caso de expli-
mocratização: o aumento do número de car melhor. Nas eleições chilenas, tanto para
senadores eleitos e a diminuição do man- a Câmara como para o Senado, são eleitos
dato presidencial de oito para seis anos. dois representantes por distrito — sendo 60
Ao longo de todo esse período, uma coa- distritos para a primeira casa e 19 para a
lizão de centro-esquerda, a Concertación por segunda. As duas cadeiras são destinadas
la Democracia, venceu as eleições presiden- para o partido ou coalizão majoritária ape-
ciais, derrotando a coalizão conservadora, nas quando esta obtém mais do que o do-
mas nunca conseguiu maioria suficiente nas bro de votos da segunda colocada. Quando
duas Casas Legislativas — 3/5 dos mem- esta última obtém pelo menos 1/3 + 1 dos
bros — para modificar vários dos artigos da votos, sua representação iguala-se à da coa-
Constituição imposta por Pinochet em 1980. lizão majoritária. Isso terminou por garantir à
coalizão conservadora, na maioria das vezes,
31
Embora as mudanças tenham sido aprovadas pelo Congresso a menos de a segunda colocada nos distritos, mais ca-
um ano das eleições de 2006, o TSE decidiu por sua aplicabilidade imediata. deiras do que votos no Congresso chileno.
Segundo declaração do ministro Marco Aurélio de Mello ao jornal Estado de
São Paulo do dia 26 de maio de 2006, “o anseio popular por mudanças pesou Apenas recentemente, em setembro de
na decisão”, referindo-se às expectativas de mudança geradas por ocasião do 2005, após um longo processo de negocia-
escândalo do “mensalão”. Outras modificações devem vigorar a partir de
2008: a) definição, a cada ano, de um limite dos gastos de campanha para ção, os resquícios autoritários puderam ser
cada cargo em disputa; b) proibição de divulgação de pesquisas nos 15 dias retirados da Constituição. Ainda que a coali-
que antecedem as eleições; c) definição do tempo de televisão de cada
partido com base na bancada eleita e não na existente por ocasião da posse. zão conservadora tivesse condições de con-
32
Nos anos 1989 e 1991, relata SIAVELIS (2001), algumas reformas limitaram
tinuar a exercer seu poder de veto, optou por
o alcance do poder presidencial, como a eliminação da capacidade do
Presidente de dissolver a Câmara dos Deputados.
não fazê-lo, certamente tentando se desven- advindas da sociedade, têm poucas chan-
cilhar do passado e entrar na disputa presi- ces de serem iniciados até que: a) os resul-
dencial de 2006 em melhores condições. Foi tados gerados pelo sistema vigente passem
devolvida ao governo civil, através do Presi- a desagradar a um número expressivo de
dente da República, a prerrogativa de con- atores dotados de poder de agenda e, b) as
vocar o Conselho de Segurança Nacional e vantagens de se optar por novas regras ou
de nomear, bem como remover, os coman- por um novo sistema estejam claras para o
dantes das Forças Armadas e dos Carabi- partido ou coalizão majoritária.
neiros. Foi ainda ampliada a composição do Na Argentina e no Uruguai, a reforma elei-
Tribunal Constitucional, órgão encarregado toral teve início por decisão de parcela da
de resolver os conflitos entre os poderes de elite política, sem que houvesse outro cons-
Estado, que deixou de contar com a pre- trangimento que não aquele estabelecido em
sença do representante das Forças Arma- lei, ou seja, os respectivos quóruns neces-
das. Quanto ao sistema eleitoral, não houve sários para a mudança constitucional. Na
acordo para que fosse modificado o siste- Argentina, a motivação inicial das reformas
ma eleitoral assentado em distritos binomi- foi a disposição do presidente Carlos Menem
nais. Dessa forma puderam ser realizadas de conseguir o direito à reeleição. Para su-
duas alterações: perar o constrangimento institucional, no
• A redução do mandato presidencial de seis entanto, foi necessária a negociação com o
para quatro anos; principal partido de oposição. Dessa forma,
o processo assumiu as características de
• A extinção das vagas reservadas aos sena-
33 um jogo de soma positiva. As mudanças
dores designados ou vitalícios.
foram aprovadas, a situação conseguiu seu
objetivo imediato — a reeleição do Presidente
—, a oposição ampliou o seu espaço institu-
Conclusão cional, e o sistema político tornou-se mais
representativo e accountable. Nada disso
Reformas eleitorais costumam ser fenô- impediu que poucos anos depois a socie-
menos complexos. Qualquer sistema, após dade argentina se levantasse furiosa contra
razoável tempo de funcionamento e mesmo todos os seus representantes, e o país mer-
que apresente problemas, tem a seu favor a gulhasse em profunda crise.
inércia. Os atores políticos conhecem sua No Uruguai, os partidos Colorado e Nacio-
estrutura de escolha, têm à sua disposição nal, pressionados pelo crescimento da Frente
estratégias de ação conhecidas e podem se Ampla, possuíam a maioria necessária para
antecipar às ações dos adversários. A alte- dar início ao processo de reforma e trataram
ração, ainda que temporária, desse quadro de fazê-lo. Mas as mudanças não foram
é sempre motivo de preocupação e, muitas capazes de modificar, e nem seria de se
vezes, razão suficiente para bloquear proces- esperar que o fossem, a tendência de reali-
sos reformistas, por mais bem-intenciona- nhamento eleitoral então em curso no país.
dos que estes sejam. Por outro lado, seja A Frente Ampla continuou a avançar no eleito-
porque as experiências de reforma deste tipo rado até então cativo dos partidos tradicio-
são muito recentes, seja porque o desem- nais. Não venceu as eleições que se
penho de um sistema político é invariavel- seguiram à reforma constitucional de 1994,
mente multideterminado, é difícil prever com mas o fez de forma inapelável no pleito
segurança quais serão os efeitos da mudan- seguinte. Também nesse caso, como na
ça proposta, ou seja, não há como ter certeza Argentina, o processo reformista acabou ge-
de que os objetivos iniciais dos reformado- rando efeitos positivos para o sistema de
res serão alcançados. representação no país.
Desse modo, é possível prever que pro- 33
Eram considerados senadores vitalícios os ex-presidentes a partir do General
cessos reformistas, na ausência de pressões Pinochet.
por acentuado grau de polarização política. O tos adotados — pode depender o destino
arranjo institucional venezuelano afastou-se do da (frágil) democracia boliviana.
“sistema de segurança mútua” que, de acordo Chile e Brasil fornecem exemplos de si-
com Dahl (1997), caracteriza uma poliarquia. tuações em que a ausência de pressões so-
Cada um dos lados, chavistas e antichavis- ciais e a inexistência de uma coalizão capaz
tas, trabalha para retirar o outro de cena, re- de contornar os obstáculos institucionais fi-
duzindo o espaço para a tolerância e o diálogo. zeram com que a agenda reformista, ainda
Como afirmam Anastasia, Melo e Santos: que se mantivesse na pauta, se realizasse
de forma muito precária.
É possível que Chávez se mantenha no po- A reforma da Constituição de 1980 sem-
der a despeito da oposição. Mas é pouco pre esteve na agenda da coalizão de centro-
provável que a Venezuela desfrute de algu- esquerda que governa o Chile desde 1989
ma estabilidade nos próximos anos. Falta um e, certamente, sempre foi uma aspiração de
mínimo de consenso, seja quanto às alter- seu eleitorado. Mas ainda que vitoriosa em
nativas de política, seja quanto aos procedi- todas as eleições presidenciais, a Concerta-
mentos para dirimir os conflitos. Tampouco
ción nunca conseguiu os 3/5 de votos em
se pode apostar que o recém-inaugurado
ambas as Casas Legislativas, necessários
arranjo institucional se consolide. O novo
para levar seu projeto à frente. As mudan-
regime tem a fragilidade peculiar das cons-
ças realizadas em 2005 só foram possíveis
truções apoiadas em lideranças carismáticas;
graças a um acordo com a oposição. Mas
Chávez é o seu alfa e o seu ômega, e a sobre-
as negociações não permitiram que fosse
vivência de ambos encontra-se intimamente
conectada (2004, p. 156).
alterada uma das peças centrais do arranjo
imposto por Pinochet: o método de consti-
Na Bolívia, como pode ser visto, o pri- tuição da Câmara dos Deputados. A exis-
meiro governo de Sánchez de Lozada (MNR) tência de distritos binominais é responsável
se aliou a um partido de origem indígena na pelo viés acentuadamente majoritário do sis-
formulação do projeto reformista, numa ten- tema eleitoral chileno.
tativa de recuperar os vínculos com a gran- No Brasil, a explicação para que as refor-
de massa de excluídos do país. Dez anos mas no sistema eleitoral tenham ocorrido de
depois, o mesmo Lozada seria forçado a forma pontual, na forma de pequenos aper-
renunciar de seu segundo governo devido a feiçoamentos de caráter incremental ou como
um levante popular. A aliança MNR/MRTK, resposta a questões conjunturais, repousa
firmada em 1993, primava pela incongruên- no fato de que o ponto, simplesmente, não
cia. De um lado, bradava por uma democra- constou da agenda de nenhum dos Executi-
cia participativa, de outro, oferecia ao povo vos eleitos desde 1989. FHC e Lula, por
boliviano um cardápio ortodoxo em termos exemplo, conseguiram constituir maioria
de política econômica. O governo seguinte, legislativa e aprovaram, com maior ou me-
do ex-ditador Hugo Banzer, encarregou-se de nor grau de dificuldade, parte expressiva de
minimizar o impacto democratizante de al- sua agenda. Além disso, os partidos forma-
gumas das reformas contidas no Plan de dores de ambas as coalizões — PSDB e PT
Todos. Ao fim e ao cabo, a estratégia refor- — possuíam projetos de reforma política.
mista revelou-se incapaz de conter o proces- Não obstante, tais projetos não puderam
so de erosão do sistema partidário e do ser transformados em projetos de governo,
próprio regime representativo. No vácuo ge- pelo simples e bom motivo de que não eram
rado pela crise, a eleição de Evo Morales compartilhados pelos seus parceiros de
trouxe a esperança de que as reivindicações coalizão. Na única ocasião em que a reforma
da Bolívia “profunda” sejam levadas em con- política foi incorporada à agenda de um go-
ta. Do sucesso ou fracasso de seu governo verno foi aprovada a reeleição do então presi-
— e no caso de sucesso, dos procedimen- dente Fernando Henrique Cardoso. Alguns
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Essa forma limitada de transição conse- ceção dessa regra geral foi a perda do po-
guiu passar pela prova prática nas eleições der do Presidente da República, que, com
de 2000, nas quais, pela primeira vez em 70 efeito, era o grande árbitro de todos os con-
anos, o PRI perdeu a Presidência da Repú- flitos até 1997. Nesse mesmo ano, a perda
blica. Nos estados da Federação o proces- da maioria absoluta na Câmara dos Deputa-
so prolongou-se mais, pois as entidades dos por parte do PRI pôs fim à tradição não
públicas que eram responsáveis pela orga- escrita de que o Presidente dominava por
nização das eleições estaduais e municipais completo o Congresso e o Poder Judiciário.
continuavam sendo controladas pelos parti- Este último, por sua parte, começou a ganhar
dos no poder local em algumas partes do um espaço de autonomia graças às refor-
país. Tão grande foi este déficit que boa parte mas constitucionais de 1994 e à nomeação
das eleições locais, posteriores a 2000, aca- de uma Suprema Corte completamente nova
baram sendo decididas pelo Tribunal Fede- em 1995 (González Plascencia, 2005). Esse
ral Eleitoral, em um processo conhecido hoje processo radicalizou-se em 2000, quando o
como “judicialização da política”, que, na partido do presidente Vicente Fox, o PAN,
realidade, não abarca somente o terreno elei- ficou com minoria na Câmara dos Deputados
toral, mas sim quase todos os conflitos in- nas eleições daquele ano (41,2% a 42,2%
ternos de uma elite política incapaz de dirimir do PRI), e, inclusive, perdeu poder nas eleições
suas diferenças por meio da negociação legislativas de 2003 (30,4% a 44,8% do PRI).
(Merino, 2003). A onipresença do conflito está Assim, a aliança entre o PRI e o PRD foi
garantida por um calendário eleitoral incoe- capaz de vetar no Congresso as iniciativas
rente, no qual todos os anos há, pelo me- importantes do Presidente e, inclusive, impor
nos, três ou quatro eleições locais (eleições algumas decisões de política pública e em
de governador e/ou de Congresso Local em matéria orçamentária.
algum estado e de presidentes municipais, Essa transição democrática ainda é frá-
que ficam neste cargo somente por três gil e inacabada, e não pode consolidar-se
anos). Além do mais, a cada três anos são sem uma profunda reforma do Estado, ou
realizadas eleições de deputados federais, seja, uma reavaliação das relações entre os
e a cada seis anos eleições para senadores cidadãos e o governo, e entre as forças do
e Presidente da República. A proibição da velho regime e os partidos que representam
reeleição em todos os níveis coloca em es- a oposição política frente a ele. O empate
tado de permanente fluidez aos partidos e de forças políticas determinadas pelo caráter
às elites políticas, que não têm diante de si incompleto da derrota do partido do velho
nenhum incentivo para negociar acordos, e, regime conduziu à ausência de um pacto
sim, um sistema que serve para aprofundar político de transição, já que o processo legis-
os conflitos e marcar as diferenças. lativo não abordou as reformas centrais que
Devido a esses obstáculos de ordem ins- requerem a construção de um regime políti-
titucional, a transição não tocou, até agora, co fundado em um conceito mais amplo de
nos fundamentos do Estado, ou seja, nas democracia. A ausência de um pacto expli-
instituições, nas leis e, inclusive, nos pro- ca também a persistência de um ambiente
gramas do velho regime. Em termos teóri- de confrontação. A reconstrução do vínculo
cos rigorosos, pode-se dizer que o antigo entre legitimidade e legalidade conquistada
regime não foi completamente destituído, na através da realização de eleições limpas fica
medida em que ele ainda não foi desmonta- debilitada quando todos os atores políticos
do em seus fundamentos legais, institucio- recorrem a práticas imorais, ilegais e clien-
nais e culturais, e o novo regime não telistas com o propósito de permanecer no
conseguiu ser efetivamente instituído, pois poder e ampliar seus espaços.
a inércia do passado domina as escassas A experiência da transição deixou claro
inovações existentes (Cansino, 2000). A ex- que o Estado mexicano ficou relativamente
debilitado, primeiramente, com as reformas Estado foi possível, assinalou o limite políti-
neoliberais implementadas pelos governos co de um processo incompleto que, na prá-
do PRI entre 1985 e 1997, e, também, pelo tica, foi reduzido a uma pluralização política
colapso do velho modelo de presidencialis- das elites no contexto de uma continuidade
mo autoritário, que estava fundado em uma essencial do regime político. No Brasil, o
série de acordos metaconstitucionais, que processo constituinte que desemboca na
careciam de uma base jurídica firme (Cres- Constituição de 1988 marca uma clara se-
po, 2005). Com efeito, o Estado mexicano paração entre o velho e o novo regime e abre
tem problemas estruturais de desenho cons- brecha jurídica e política para as inovações
titucional, já que o sistema presidencialista democráticas que distinguem o Brasil no ce-
é legalmente precário, pois o Presidente ca- nário internacional.
rece de poderes de controle do Poder Legis-
lativo (seu poder de veto é fraco) e de
capacidade significativa de promulgação de O sistema partidário e os
decretos (que podem ser questionados di- problemas de governabilidade
ante da Suprema Corte); o Poder Legislativo
não é profissional, pois não existe reeleição A transição mexicana teve a particulari-
dos legisladores, seus regulamentos inter- dade de criar um sistema com três partidos
nos são obsoletos e trabalham poucos dias principais, nenhum dos quais é majoritário
ao ano; o Poder Judiciário é econômica e no Poder Legislativo federal; e três partidos
administrativamente frágil, além de pouco pequenos, com escassa representação par-
transparente, o que propicia a corrupção. Por lamentar. Até 1997, o PRI havia sido um par-
outro lado, o governo tem grandes espaços tido hegemônico, com uma prolongada fase
de fragilidade institucional, uma vez que al- de partido quase único. O PRI controlava a
guns de seus aparatos e organismos estão presidência, as duas Câmaras Legislativas,
colonizados por uma densa rede de interes- os governos dos estados e as presidências
ses privados, que vão desde sindicatos, em- municipais. Nesse caráter quase monopó-
preiteiros, máfias de políticos profissionais, lico fundava-se o poder metaconstitucional do
grupos delituosos e até alguns grupos orga- Presidente da República, sendo ele o diretor
nizados da sociedade civil, que atuam como de todo o sistema.
meros grupos de interesses. É fisicamente Nas eleições federais de 1997, o PRI per-
precário, pois sua capacidade de cobrar deu pela primeira vez a maioria absoluta da
impostos é uma das mais baixas da América Câmara dos Deputados, e, nas eleições de
Latina (11,8% do PIB). O governo, em senti- 2000, perdeu, também, o controle da Câmara
do amplo, tem uma profunda incapacidade dos Senadores. Desde 1989 os partidos PAN
de inovação. e PRD começaram a ganhar os governos de
Em outras experiências históricas, a tran- alguns estados e de vários municípios e, em
sição foi o momento de fundação de um 1997, conseguiram dar um salto qualitativo,
novo regime, na maioria dos casos, através já que o PRD ganhou a primeira eleição de
de novas constituições e de novos pactos um chefe de governo da Ciudad de México
políticos. Se, por um lado, um novo ordena- (que até então era designado pelo Presidente).
mento jurídico não garante a criação de um E o PAN ganhou o governo do estado de
novo sistema de governabilidade democrá- Nuevo León, o mais poderoso economica-
tica, pelo menos permite uma reordenação mente, e que, somado a outros governos
institucional que pode ter efeitos inovadores. estatais ganhados anteriormente por este
Precisamente nesse ponto, as transições do partido, permitiam-no governar mais de 30%
México e do Brasil divergem. A ausência de da população do país. Enquanto isso, o PRD
um processo constituinte no México, tão ra- também avançava, sobretudo em nível muni-
dical que nem uma modesta reforma do cipal (Lujambio, 2000).
Nas eleições de 2000, na qual o PAN Diante desse quadro, o governo do pre-
ganhou a presidência, o PAN e o PRI empa- sidente Fox decidiu seguir o caminho da con-
taram suas forças parlamentares, e o PRD tinuidade, o que só foi possível devido ao
quase se converteu em um partido minoritá- tamanho e à complexidade do Estado mexi-
rio, já que sua fracassada aliança com vários cano, à eficácia das novas políticas sociais
partidos pequenos o fez perder posições. criadas no último governo do PRI e do presi-
Sem dúvida, seus votos eram estratégicos dente Ernesto Zedillo (1994-2000), à força da
para constituir uma maioria parlamentar. O inércia burocrática e ao poder das congre-
PRD considerou que o trunfo do partido de gações de funcionários públicos. Diferente-
direita era perigoso para o país, e dado que mente de outros países latinos, o Estado
não havia uma agenda política comum com mexicano tem presença e controle em todo
o PAN, as reformas políticas necessárias para território nacional e, através da política de
dar governabilidade ao país ficaram penden- subsídios para o combate à pobreza, chega
tes. O PAN desejava, antes de tudo, termi- até aos povos mais afastados do país. Mo-
nar o ciclo das reformas neoliberais através ver ou mudar esse enorme Estado é uma
de três reformas pendentes: a trabalhista tarefa complicada e de longo prazo.
(flexibilidade na contratação, pensões), a Devido a essas condições, durante es-
energética (para permitir investimento priva- ses anos de transição, não se experimentou
do na indústria elétrica) e a fiscal (novos im- uma verdadeira crise de governabilidade no
postos ao consumo). O PRD não apoiava México, porém, tampouco, uma reforma da
nenhuma, e o PRI, que até 1999 impulsio- vida política. Marcado por certo conflito per-
nou o projeto neoliberal, decidiu, como táti- manente, o caso mais próximo de uma cri-
ca política, passar para a oposição, pois se foi a tentativa da Câmara dos Deputados
nenhuma das três reformas eram populares. de impor ao Presidente um orçamento pú-
Em 2000, diversos fóruns de intelectuais blico nacional diferente do que ele havia en-
e de políticos discutiram os conteúdos de viado à Câmara para aprovação nos anos
uma “Reforma do Estado” que, na realida- de 2004 e 2005. Durante esses dois anos,
de, era uma síntese de uma grande quanti- os Poderes Executivo e Legislativo se enfren-
dade de propostas de reforma constitucional, taram seriamente, e a lei parecia dar razão
uma agenda de novas leis, que incluía uma ao Legislativo, já que a Constituição indica
reforma política que mudava o calendário que é de sua exclusiva responsabilidade a
eleitoral (fazendo-o mais racional), uma re- aprovação do orçamento. O Presidente so-
forma do regulamento do Congresso, uma mente pode vetar as leis que tenham pas-
reforma do Poder Judiciário e algumas idéias sado por ambas as Câmaras Legislativas, o
para impulsionar a participação cidadã, atra- que não é o caso do orçamento. Sem dúvi-
vés da introdução de formas de democracia da, a Suprema Corte da Nação, atendendo
direta (plebiscito, referendum e iniciativa um recurso do Presidente, considerou que o
popular). Sem dúvida, nenhum partido apoiou Primeiro Mandatário pode, sim, ter capaci-
realmente esta agenda de reformas, pois, dade de revisão do orçamento aprovado pela
dado que não poderiam controlar o processo Câmara dos Deputados. Com efeito, nem o
legislativo, nem estavam dispostos a correr Presidente nem os partidos de oposição
o risco de convocar um Congresso Consti- quiseram levar ao extremo seus conflitos,
tuinte, era melhor aguardar e contar com uma calculando que os cidadãos castigariam, nas
conjuntura mais favorável. Em verdade, não urnas, o partido que causasse uma verda-
havia uma mobilização social que exigisse deira crise de governabilidade.
reformas, pois no imaginário cidadão preva- A Suprema Corte de Justiça assumiu o
lecia a errônea idéia de que a derrota do PRI papel de juiz dos conflitos entre os três po-
seria suficiente para mudar radicalmente a deres da União, entre os poderes estatais e
vida política. os municipais, e entre estes e a Federação.
certo prazo, o desgaste da sociedade e o herdou é uma camisa de força que lhe im-
início de um novo ciclo de ativação da mobi- pede de transformar o país, e existe a possi-
lização popular. bilidade de que eles peçam aos cidadãos
para se mobilizarem a favor de uma reforma
do Estado. As condições podem ser favo-
À guisa de conclusão ráveis para gerar um processo de mobili-
zação orientado para concluir uma mudança
A transição democrática no México é in- de regime que, sem dúvida, está pendente.
completa. As leis, instituições e cultura polí- Não está claro, no entanto, qual sentido pode
tica do velho regime seguem vigentes. Sem seguir tal mobilização, muito menos qual
dúvida, a competição entre os partidos é seria sua força e seu poder. Porém, está
autêntica, e é de se esperar que o impasse certo que a esquerda teria legitimidade para
atual, criado pelo empate de forças, seja su- encabeçá-la. Por outro lado, o partido de di-
perado num tempo razoável. Como se ob- reita não poderia, nem gostaria de fazer tal
serva, o próximo governo enfrentará, ainda, coisa, o que garantiria a continuidade da
um cenário de poderes divididos, com au- paralisia. A mobilização é também neces-
sências de regras e de incentivos para a for- sária para abrir espaço político para a de-
mação de coalizões de governo. Se a manda de novas formas de participação
esquerda ganhar, ela enfrentará um cenário cidadã que permitam aprofundar a limitada
parecido com que o PT teve que lidar no caso democracia mexicana.
do Brasil: altas expectativas da população, Sem uma mudança na correlação de
um governo com minoria que deve negociar forças políticas que vá mais além do plano
cada política pública, restrições orçamentá- eleitoral não será possível, ao México e ao
rias enormes e uma separação crescente Brasil, sairem dos dilemas em que se
entre o partido, as forças e o movimento da encontram sistemas de governo que tendem
sociedade civil que lhe deram origem e legi- a cristalizar os equilíbrios e convertem os go-
timidade política. vernos em reféns dos interesses dos partidos.
Sem dúvida, a esquerda no México pode
alegar a seu favor que o regime político que (Tradução: Áurea Cristina Mota)
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extremos; garantir a justa medida na qual Contudo, é certo que a divisão entre o
se realiza a justiça política; não se confundir mundo dos interesses comuns e a esfera
com a manifestação da expressão política dos assuntos privados não ocorre de ma-
da maioria ou da minoria, vale dizer, com os neira espontânea. A rigor, ela se impõe, jus-
dois regimes dominantes na Grécia clássi- tamente, pela postulação de um espaço
ca, a democracia e a oligarquia. Foi o termo público, dotado dos instrumentos que as-
politéia, nome de uma obra de Platão, que seguram seu reconhecimento, o caráter co-
Cícero traduziu para o latim res publica. letivo de sua apropriação e suas regulações.
Assim, os conceitos e as questões pró- Assim, o conceito república, visto na pers-
prias à tradição do republicanismo preten- pectiva da tradição do republicanismo, não
dem acentuar, na expressão res publica, a designa apenas a existência de uma esfera
referência à natureza política da comunida- de bens comuns a um certo conjunto de ho-
de — que designa sua agregação em vista mens, mas também, de imediato, a consti-
do bem, dos direitos e dos interesses co- tuição mesma de um povo, o lugar pátrio,
muns, o koinon sympheron dos gregos. Com suas instituições, regras de convivência e
efeito, o fim visado pela tradição não é dire- agências de administração e governo, cujas
tamente a virtude dos cidadãos — é, ao con- orientações derivam de um momento de ins-
trário, a efetivação da polis como forma tituição ou fundação política.
específica de organização do convívio dos República se diz, então, sobretudo dos
homens, vale dizer, a existência mesma da “regimes constitucionais” de governo, daque-
cidade vista como uma espécie de totalida- les em que as leis e regulações ordinárias,
de política capaz de indicar, desde sua ori- bem como as disposições do governo, deri-
gem grega, a possibilidade de agregação vam dos princípios que conferem sua forma
de seus membros, tendo em vista o bem, à sociedade e, postos acima de todos, pro-
os direitos e os interesses comuns. É essa tegem a comunidade de todo interesse par-
finalidade que nos remete, no fundamental, ticular ou transitório, de toda vontade
à significação de coisa pública, de esfera caprichosa ou arbitrária. Desse modo, o con-
dos interesses comuns, do bem comum. ceito república, na raiz de sua tradição, nos
Respublica, res populi: o que pertence ao remete particularmente à idéia de “governo
povo, o que se refere ao domínio público, o de leis” (e não de homens), de “império da
que é de interesse comum e se opõe ao lei” e mesmo de “estado de direito”, expres-
mundo de coisas e assuntos privados, mun- sões que declaram, na sua acepção mais
do relativo à alçada dos particulares, grupos, imediata, a prescrição de que os que man-
associações ou indivíduos. dam também obedeçam, mesmo nos ca-
A rigor, também decorre da referência à sos em que a forma de governo não seja
natureza política da comunidade, a relação democrática e em que apenas alguns, ou
que a tópica do republicanismo manteve mesmo um só, ocupam as posições de
com determinadas características particula- mando e os postos de governo.
res a um tipo muito específico de cidade — A preocupação com a esfera pública
a cidade que adquiriu a liberdade de admi- pensada como lugar de efetiva ação dos ci-
nistrar seus próprios assuntos. Nesse ponto dadãos oferece ao republicanismo uma con-
existe, sem dúvida, um componente indis- cepção ativa de liberdade associada ao vivere
sociável de um certo ideal de cidade que a civili invocado por Maquiavel — vale dizer,
tradição republicana retomou do Quattrocento associada a um movimento constante de
italiano, em especial dos trabalhos produzi- expansão que, articulado à cena da cidade,
dos pela geração dos humanistas cívicos de permite a todos exercerem suas potenciali-
Florença, preocupados em encontrar novos dades na qualidade de cidadãos. Como se
parâmetros para o significado da vida ativa vê, trata-se de uma certa concepção de liber-
no interior das comunidades políticas. dade capaz de combinar-se tanto com a
Referências
Financiamento de
Campanha (público
versus privado)
meses, sempre que surgia uma vaga na discussão do financiamento é uma espécie
Câmara, a eleição se desse no âmbito de de finale de análises ou relatos mais longos
um departamento inteiro — e, assim, mar- sobre a corrupção. Façamos uma tipologia
casse sucessivos tentos da esquerda repu- desta última, então. Propomos que seja dita
blicana contra a direita monarquista que, na antiga, “moderna” e pós-moderna. A corrup-
época, controlava um Parlamento eleito às ção antiga era dos costumes. Dos cidadãos
pressas, logo após a vitória prussiana na se exigia que fossem austeros, pondo a res
guerra de 1870. Cada pleito era, assim, um publica acima do interesse privado. A repú-
plebiscito, e concorria para enfraquecer o blica antiga era machista, enfatizando a cen-
peso dos versalheses que haviam esmaga- sura à lassidão dos costumes e à abertura
do a Comuna de Paris e desejavam restau- feminina aos sentimentos — que arriscavam
rar a monarquia em sua vertente legitimista destruir um Estado que tinha de ser varonil.
(cf. Halévy, 1930 e 1937). Ora, o paradoxo Já a corrupção “moderna” é a da apropri-
do presente debate brasileiro é que a refor- ação privada de fundos públicos. Tem uma
ma política, aqui, não é uma questão políti- versão, talvez mais amena, que é o patrimo-
ca. nialismo. Este, se for entendido como a apro-
Uma das raras exceções a essa dupla priação do bem público como patrimônio
indiferença política — partidária e popular — privado, geralmente opera em duas vias. O
está no financiamento público das campa- rico apropria-se da coisa pública, mas cede
nhas eleitorais. É um dos temas que mais alguns bens para uso público. O emprésti-
divide a esquerda e a direita. Enquanto o mo, no Brasil colonial, de prédios privados
voto proporcional ou distrital, obrigatório ou para sediar câmara e cadeia, o que em tese
facultativo, pode ter apoios e críticas em to- até mereceria elogio, acarretava a recíproca,
dos os lados da política, e sua discussão isto é, a percepção de que o aparato estatal
parece, sobretudo, técnica (uma espécie de poderia servir a seus patrocinadores priva-
“engenharia da legislação eleitoral” com o dos. Formas diversas de patrimonialismo
fito de resolver os grandes problemas políti- perduram na sociedade brasileira, inclusive
cos do País), no caso do financiamento pú- algumas muito elogiadas pela mídia, como
blico a direita é contrária, e a esquerda quando o cuidado com o verde público —
favorável. Os argumentos básicos são sim- jardins, praças, grama — é assumido por
ples. Os oponentes do financiamento públi- empresas privadas.
co afirmam que dinheiro precioso seria Mas a corrupção “moderna” não se es-
desviado de fins mais nobres — a educa- gota, nem tem sua figura canônica, no pa-
ção, a saúde, a segurança — para alimentar trimonialismo. Sua maior diferença em face
a atividade político-partidária. Considerando da antiga está em substituir a figura da de-
a má imagem que os políticos têm no Brasil gradação dos costumes — e da degrada-
— e que se agravou nos últimos tempos, ção feminina dos costumes — pela do furto.
quando o Partido dos Trabalhadores perdeu A corrupção “moderna” é apenas o furto da
a aura que o distinguia das demais agremi- coisa pública, reduzida ao erário. A idéia
ações — é compreensível que essa oposi- antiga de bem público é, assim, substituí-
ção ao financiamento público tenha apoio da, quando se fala do ataque a ele — isto é,
popular. Já os defensores do financiamento quando o bem comum é considerado a par-
público sustentam que este reduziria a cor- tir da corrupção, que é seu negativo, seu
rupção e a desigualdade entre os conten- princípio de morte —, pela idéia moderna
dores. de bens públicos de ordem material. Em vez
••• de um conjunto de valores imateriais, agre-
Qualquer análise do financiamento das gados na convicção qualitativa de uma pá-
campanhas deve remeter primeiramente à tria ou um coletivo pelo qual valia a pena
corrupção. Na literatura especializada, a morrer (pro patria mori) ou matar (pugna pro
patria), passamos a quantificar o bem pú- tant, 1958). Talvez por isso, o conceito restri-
blico, mensurando a subtração dos bens to e “moderno” de corrupção seja mais ade-
públicos. Isso debilita o conceito de corrup- quado, que o antigo, a nosso tempo.
ção. A acusação, hoje constante, de que os Contudo, em nossos dias cresce uma
políticos seriam ladrões e a redução, brasi- corrupção pós-moderna. Esta não é um fur-
leira e internacional, do debate político à dis- to aos cofres públicos efetuado por indivídu-
cussão da honestidade pessoal dos políticos, os ou classes gananciosos. É, em seu cerne,
acompanham esse downsizing “moderno” uma corrupção fruto da busca do poder pelo
da corrupção. poder, que portanto se auto-alimenta, por-
Mas convém empregar “moderno” entre que a praticam grupos que têm por finalida-
aspas, porque essa corrupção aparece já no de principal reeleger-se e assim necessitam
Antigo Regime — lembre-se a condenação de recursos pingues para serem competiti-
do filósofo e chanceler inglês, Francis Ba- vos no próximo pleito. É pós-moderna por-
con, em 1621 — e sua denúncia, como ates- que se joga no plano das imagens. Grassa
ta a Arte de furtar, de Manuel da Costa num ambiente de massas, em que os elei-
(1601-1667), também é anterior às revoluções tores se libertaram das amarras que antes
que constituem a modernidade política. A decretavam em quem votassem, mas não
corrupção é, pois, moderna no sentido da vêm a formular seu voto de maneira ilumi-
modernidade em geral, que se inicia com nista, pelo exame das diferentes propostas,
as Navegações, mas não é moderna no sen- e, sim, movidos pelo afeto. É legítimo votar
tido político, específico dos regimes mais seguindo o afeto, porque o que se decide
republicanos e democráticos que surgiram no voto são essencialmente valores, e esco-
posteriormente. Assim, há uma certa conti- lher um projeto individualista (ou liberal) e
nuidade conceitual entre a corrupção do social (ou socialista) em última análise ex-
Antigo Regime e a da modernidade políti- cede o que a razão pode gerar. Mas o pro-
ca. Apesar das alterações de escala e mes- blema está no seqüestro do afeto pela mídia,
mo qualitativas entre a corrupção na inflacionando os custos das campanhas
monarquia absoluta e nos governos eleitos mesmo quando a propaganda é gratuita e
modernos, há séculos não se percebe a cor- se veda, como no Brasil (mas não nos Esta-
rupção, majoritariamente, como sendo a dos dos Unidos, na Argentina e no Uruguai, para
costumes e, sim, como furto. Na verdade, citarmos alguns exemplos), a publicidade
por tentador que seja retomar a idéia antiga paga na telinha. Com isso se gera uma nova
de corrupção, enfrentando pois a corrupção corrupção, que se distingue da “moderna”
mediante uma educação solidária voltada por não beneficiar necessariamente o bolso
para um bem comum qualitativamente defi- do corrupto, mas um projeto político que
nido — e não apenas por medidas de audi- pode até ser justo e honrado. O terrível da
toria efetuadas por especialistas sobre os corrupção pós-moderna é que ela se torna
atos e instituições estatais —, por tentador quase a única maneira de sobreviverem, na
que seja devolver à ágora o papel de com- cena política tornada espetáculo, mesmo os
bater a corrupção em vez de delegá-lo a honestos.
peritos, fazendo-o incompreensível para o •••
leigo, isto é, para o cidadão e a Cidade —, o Só cabe estudar o financiamento público
risco da retomada do conceito antigo seria das campanhas pensando na e contra a
ameaçar o que Benjamin Constant chamou corrupção. Ele é defendido sobretudo pelas
“liberdade moderna”. Pois, muito da corrup- esquerdas, que, mais que isso, propugnam
ção antiga é o que hoje chamamos a liber- o financiamento público exclusivo das campa-
dade dos modernos, ou liberdade negativa nhas, proibindo-se o privado. Isso é lógico,
(Isaiah Berlin), a liberdade de divergir de um porque as esquerdas, se não abrirem mão
padrão de vida socialmente imposto (Cons- de seus ideais, dificilmente arrecadarão
grandes fundos junto aos maiores financia- Se as pessoas não confiam nos partidos, a
dores, isto é, os ricos e as empresas priva- missão da política se torna ilusória: para
das. Sem um financiamento amplamente mobilizar e orientar, os partidos precisam ser
público das candidaturas, essas tenderão a confiáveis. Como confiar em partidos que
ser reféns dos grupos de interesse que as operam às escuras? Como esperar que ad-
apóiem. O custo social pode ser maior do ministrem bem o Estado quando não podem
que a economia no gasto público resultante (ou não querem) mostrar sua própria admi-
nistração? Se hoje recebem fundos clandes-
do financiamento privado. Grupos de inte-
tinos, como acreditar que, amanhã, tenham
resse cobrarão, depois, com forte ágio, o
independência e autoridade para punir a clan-
que pagaram. 3
destinidade?
Por outro lado, é quase impossível as di-
reitas aceitarem uma proposta cortando os Porém, se o debate é quase candente,
recursos que podem obter dos indivíduos as propostas o esfriam. Praticamente não
mais ricos e das maiores empresas. A essa há projeto de solução de saída que enfatize
razão pragmática, soma-se outra: é extrema- a solução republicana — seja esta forte, isto
mente difícil fiscalizar a entrega de recursos é, propondo que caiba à ágora, aos cida-
às campanhas. Será fácil burlar as leis exis- dãos, enfrentar a corrupção, seja ela fraca,
tentes ou futuras — o que, por sua vez, como confiando numa imprensa livre e pluralista
apropriadamente comenta Delia Ferreira para equilibrar os pontos de vista opostos.
1
Rubio, requer a criação de órgãos capaci- Nesse sentido, o que se propõe em termos
tados para acompanhar a boa arrecadação de equilíbrio de chances entre os partidos,
e uso do dinheiro, o que, acrescentamos, no Brasil, não destoa muito de uma legisla-
leva mais uma vez a uma solução burocrá- ção eleitoral e um sistema judicial eleitoral
tica (sem sentido pejorativo) do problema, cujas principais preocupações mais pare-
por meio de algum órgão público, como um cem consistir em coibir a discussão e a ex-
tribunal ou uma agência, independente dos pressão de idéias — e seus exageros — do
poderes eleitos. Em face disso, Rubio pro- que em liberar o debate para os cidadãos.
põe uma solução intermediária: o financia- No fundo, há uma certa amargura ou decep-
mento público, sem proibição da contribuição ção no interior desses debates políticos: é a
privada, mas com forte fiscalização desta renúncia à expectativa de que a res publica
última (e do uso do dinheiro de ambas). possa prevalecer e, na sua falta, a aposta
Na verdade, a discussão sobre a doença numa burocracia weberiana que dê conta
e seu remédio, isto é, sobre a corrupção e o dos excessos. Para aqueles que pensam a
financiamento das campanhas, tem-se tor- política como um excesso (Rancière, por
nado altamente especializada e propõe cada exemplo, e os lacanianos), evidentemente,
vez mais a criação de órgãos tecnicamente aqui há um erro de base, uma redução da
capacitados, para coibir as formas de se- política à administração e à livre concorrên-
qüestro privado da coisa pública. Trabalhos cia entre os partidos, como se criássemos
2
como os de Fleischer, em que pese sua um conselho que, a exemplo do CADE, evi-
qualidade, apresentam o reforço dos con- tasse os monopólios e assegurasse a com-
troles como a principal saída para um ambi- petição.
ente corrupto. Este ponto contrasta com o
que dissemos no início do verbete, quando
comentamos que o debate sobre o financia-
mento público é um dos poucos capazes
de inflamar os ânimos políticos na discus-
são brasileira sobre a reforma. Pois, como
bem expressa Rodolfo Terragno em seu
Proyecto 95,
Notas
1
“Ante esse panorama [uma imagem de desonestidade
dos políticos de 87% na América Latina, contra 63%
na média mundial], a primeira reação é a proposta de
soluções normativas” (RUBIO, Delia Ferreira.
Financiamento de partidos e campanhas: fundos
públicos versus fundos privados. Novos Estudos
Cebrap. n. 73, p. 6-16, nov. 2005). Acrescenta que
“A nosso ver, a divulgação pública da origem e do
destino dos fundos que financiam a política é muito
mais importante que o estabelecimento de limites e
restrições de difícil aplicação e controle”, mas conclui:
“a efetividade das restrições legais depende
essencialmente da capacidade e eficácia dos órgãos
de controle”.
2
Ver, por exemplo: “Uma das razões para que a
corrupção política seja praticada com uma relativa
impunidade no Brasil é a total falta de mecanismos
internos e externos de controle.” In: FLEISCHER,
David. Political corruption in Brazil. The delicate
connection with campaign finance. Crime, law and
social change, 25: 311, 1997; ver, também, seus
Corruption in Brazil defining, measuring, and reducing.
Washington: CSIS Report; e, especialmente: O
impacto da Reforma Política sobre a Câmara Federal.
Plenarium, 1: 123-41, 2004.
3
Citado, sem indicação do nome de Terragno, no
interessante trabalho de CAMPOS, Mauro Macedo.
Financiamento de campanhas eleitorais e accountability
na América do Sul: Argentina, Brasil e Uruguai em
perspectiva comparada. Programa de Ciência Política
da UFMG, 2004.
Referências
Corrupção e
Estado de Direito
Newton Bignotto
que o aparato legal brasileiro, como o de tão no oitavo livro da República. Para o pen-
muitas nações democráticas, está longe de sador grego cada regime político correspon-
ser omisso em relação aos funcionários que de a um tipo de homem. Assim, numa
transgridem a lei. O código de conduta do aristocracia, um determinado grupo social
funcionalismo, assim como a legislação bra- restrito ocupa o poder e governa segundo
sileira em suas várias formas, prevê uma seus interesses e valores. Quando os filhos
série de punições, que são aplicadas com dos aristocratas perdem a capacidade de
maior ou menor sucesso pelas correge- reproduzir o comportamento de seus pais,
dorias públicas, assim como pela justiça o regime se corrompe e se transforma em
comum. A reforma da legislação certamente outra forma de governo. O importante nessa
pode torná-la mais eficiente diante dos mui- mudança de regime é que ela é inevitável
tos desmandos que dominam nossa vida aos olhos do filósofo e se tornava inexorável
pública. com o passar do tempo.
O que se deve perguntar, entretanto, é A herança platônica foi recebida por Aris-
se a análise por esse viés abarca todos os tóteles — que a ela dedicou páginas lumi-
aspectos do problema, mesmo na forma nosas no quinto livro de sua Política —, e
como é percebido pelo senso comum. O depois foi popularizada pelo historiador gre-
mal-estar que domina muitos setores da so- go Políbio, que viveu no segundo século de
ciedade brasileira, quando confrontadas com nossa era. Ele afirmava que os regimes
a pergunta sobre o funcionamento do Esta- mudavam segundo uma ordem predetermi-
do, não parece se esgotar na queixa contra nada e sempre num mesmo sentido. Dos
a ineficiência dos mecanismos legais em pu- melhores regimes passa-se para os piores
nir os transgressores. A corrupção é tida até que é preciso regenerar inteiramente o
como um problema para a sociedade brasi- corpo político. Para resistir a essas mudan-
leira, em grande medida, porque é percebi- ças, é necessário misturar na constituição
da como parte de nossa vida política em do regime elementos oriundos das três for-
toda sua extensão e não apenas em uma de mas não degeneradas de governo: a reale-
suas dimensões. Quando se fala da corrup- za, a aristocracia e a democracia. Com isso
ção dos políticos, o fenômeno ganha uma pretende-se evitar que a simples passagem
amplitude que não está prevista na análise do tempo destrua o corpo político sem que
de muitos cientistas sociais. A restrição da os homens possam fazer algo para detê-la.
questão, no entanto, como aquela operada No entanto, mesmo num regime misto, a
por Pasquino, tem o mérito de apontar para corrupção é um fato inexorável, que pode
soluções possíveis pelo uso de mecanismos ser retardado, mas não evitado para sem-
tradicionais de controle das atividades do pre. Para os antigos havia, portanto, uma
Estado, que se torna muito mais difícil, quan- relação direta entre o comportamento dos
do tomamos a corrupção em sua acepção homens e a corrupção do corpo político, mas
mais larga, que afeta a relação dos cidadãos ela dizia respeito à essência dos regimes. O
de um Estado com a vida política em geral que se corrompia eram as formas políticas,
e não apenas com uma de suas instâncias mas a origem do processo estava nos homens,
mais facilmente identificáveis. No caso bra- nos costumes degradados e na violação
sileiro, parece-nos, entretanto, que o concei- freqüente da lei. Durante o Renascimento,
to alargado de corrupção está mais próximo os humanistas italianos, Maquiavel em par-
das preocupações dos cidadãos comuns, ticular, retomaram o problema do estudo da
do que a abordagem restritiva proposta por corrupção, insistindo sobre o fato de que se
alguns cientistas sociais. os homens fracassam em defender os valo-
Historicamente o problema da corrupção res republicanos, a corrupção ganha terreno
faz parte do vocabulário da filosofia política e destrói o corpo político.
desde a Antiguidade. Platão abordou a ques-
a separação entre o público e o privado nem bem público sobre o bem privado. É claro
sempre é percebida como um fato derivado que os crimes cometidos por funcionários e
das leis fundamentais e nela refletidos. De cidadãos devem ser punidos segundo a le-
um lado, grupos ou partidos políticos que gislação vigente. Mas, se quisermos levar
chegam ao poder costumam desconhecer em conta a natureza verdadeiramente política
o fato de que o aparato constitucional cons- da corrupção, será preciso prestar atenção
titui um limite instransponível para suas a seu nascedouro nas relações promíscuas
ações. Agindo como grupo privado, vários entre os interesses de agentes particulares
atores políticos se comportam como se a e as ações governamentais. Sem uma defi-
vitória nas eleições significasse a posse da nição clara das fronteiras entre o público e o
totalidade dos poderes do Estado. A confu- privado e a extensão da punição a todos os
são entre a esfera do governo e os domínios agentes corruptores, as diversas práticas ile-
do Estado conduzem à crença de que a so- gais, que caracterizam a corrupção no Brasil,
berania popular, origem das leis em uma serão uma ameaça constante à manuten-
democracia, é apenas uma referência ideal, ção do Estado de direito. A idéia dos anti-
sem correspondência na realidade. Por ou- gos de que a corrupção dos homens leva à
tro lado, o próprio Estado parece reproduzir destruição do corpo político serve, assim,
seus quadros, como mostrou Faoro, criando como uma indicação dos riscos que corre-
um grupo dirigente, que não reconhece limi- mos, quando abandonamos o marco das
tes para suas práticas, além daqueles ine- leis fundamentais, para gerirmos a vida pú-
rentes às disputas políticas. blica com a lógica imediata das disputas
Olhando para esse quadro, é possível eleitorais.
concluir que no Brasil, se a corrupção é em
grande medida o efeito do comportamento Referências
ilegal de funcionários públicos, ela é um fe-
nômeno que atinge setores muito mais am- ARISTOTE. La politique. Paris: J.Vrin, 1982.
plos de nossa sociedade e ameaça romper BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Brasília: EDUNB, 1992, 2 v.
o equilíbrio constitucional atentando contra FAORO, R. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
alguns de seus princípios fundamentais. LOCKE, J. Two treatises of government. Cambridge: Cambridge University
Atacar o problema de frente implica retomar Press, 1960.
o debate sobre as definições entre o público MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Editora Abril, 1979.
e o privado e pensar numa reforma da legis- PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
lação que contemple o conjunto das forças RAWLS, J. A theory of justice. Oxford: Oxford University Press, 1973.
políticas, e não apenas os agentes do Esta- ROUSSEAU, J.J. O contrato social. Rio de janeiro: Martins Fontes, 1999.
do. Essa ampliação dos horizontes da análi-
se ajuda a ver que a corrupção é um risco
para os fundamentos da democracia. Ao
preferir os interesses privados aos interes-
ses públicos, mais do que transgredir a lei,
atinge-se o núcleo mesmo do Estado: sua
Constituição. Uma reforma da legislação terá
pois necessariamente que levar em conta a
ameaça representada pelos corruptos e o
fato de que a corrupção diz respeito à ma-
neira como a sociedade como um todo lida
com a coisa pública. O Estado de direito
não sobrevive sem que todos os atores en-
volvidos no processo sejam responsabiliza-
dos e sem a afirmação da superioridade do
Voto Obrigatório
Cícero Araújo
isso que o instituto da obrigatoriedade pare- contudo, esses grupos acabam reforçando
ce desprezar. E, ao induzir o voto leviano e sua marginalização social, pelas razões ex-
alienado, a regra provoca a ampliação de postas acima. O voto obrigatório seria então
práticas clientelísticas na relação candida- uma política de Estado que, mesmo não eli-
to-eleitor, cada lado vendo nela uma oportu- minando a desigualdade política derivada da
nidade de troca de favores. estrutura social, pelo menos a atenuaria. E
II) As ponderações de princípio, no en- isso já compensaria as desvantagens da
tanto, não esclarecem toda a questão. Mes- própria compulsoriedade. De fato, a série
mo que argumentos dessa ordem venham histórica de eleições nos Estados Unidos,
a nos fazer pender na direção do voto facul- onde o voto é facultativo, revela uma menor
tativo, seria imprudente desconsiderar os proporção de comparecimento eleitoral da
efeitos, reais ou possíveis, de sua institui- população negra em relação à branca. No
ção numa sociedade com tais ou quais Brasil, uma pesquisa de opinião recente in-
características. Se desprezamos esse as- dica que as faixas de menor escolaridade
pecto, uma medida, em tese, bem-inten- compareceriam menos do que as de maior
cionada pode revelar-se perversa na prática. escolaridade, se lhes fosse dada a opção
Ou, ainda que correta conceitualmente, a de- de não votar. O caso dos Estados Unidos,
pender da estrutura social sobre a qual se especialmente, é um alerta para o perigo de
ergue, acabe produzindo efeitos danosos que que a defesa do voto facultativo se torne um
superem muito os benéficos. É esse o pon- álibi para justificar o descompromisso deli-
to em que se fixam certos defensores do berado para com as camadas mais preteri-
voto obrigatório. das da sociedade.
Tomemos, por exemplo, os efeitos da Quanto aos efeitos da abstenção sobre
participação/abstenção eleitoral sobre a as decisões de governo, em especial as
representação política. Há quase um con- políticas públicas, os dados empíricos não
senso entre os cientistas políticos de que a são claros. Mesmo com informações incon-
maior ou menor extensão e variedade dessa clusivas, há quem pondere, tendo em con-
participação tem seus reflexos no compor- ta, por exemplo, a história do desempenho
tamento dos representantes. Quanto mais de Estados como o brasileiro para diminuir
um determinado grupo social é alijado do as desigualdades sociais — mesmo em
voto, menor a chance de encontrar agências tempos de democracia, mas com voto obri-
políticas dispostas a fazer ecoar suas quei- gatório —, que o impacto de um compareci-
xas ou defender seus interesses. Já o sim- mento eleitoral amplo e variado é nulo ou
ples fato de um representante saber que irrelevante. Os porta-vozes dessa opinião até
essa participação existe, altera seu modo sugerem que, no fundo, os grupos margina-
de proceder na arena pública. De modo que lizados têm um motivo bem razoável para
uma participação eleitoral diferenciada de se abster ou desejar se abster: a percep-
grupos sociais causa efeitos distintos na atu- ção, geralmente confirmada, de que seu voto
ação dos governantes. Quem participa me- faz pouca diferença. Não votar seria, portan-
nos recebe menos atenção. to, um sinal de protesto.
É isso que parece ocorrer quando o voto Mas se é um protesto contra as práticas
torna-se facultativo. Grupos marginalizados da representação política, por que não votar
da sociedade — marcados desfavoravel- em branco ou nulo, em vez de se abster?
mente pela escolaridade, pela distribuição Essa pergunta remete à relação entre o com-
de renda ou pelo preconceito racial — ten- parecimento eleitoral e o grau de compromisso
dem a participar menos das eleições. Seu dos cidadãos com a sustentação de um re-
próprio alijamento social os torna mais des- gime democrático. Será que esse compro-
crentes das instituições políticas, logo, me- misso deve depender exclusivamente do
nos estimulados a votar. Não votando, desempenho satisfatório dos representantes?
do regime democrático em si, diferença que KAHN, T. 1992. O voto obrigatório. Dissertação (Mestrado) – FFLCH-USP,
São Paulo. Mimeografado.
poderia ser muito bem marcada pelo com-
FIGUEIREDO, M. 1990. O voto obrigatório (comportamento do eleitor bra-
parecimento com voto nulo ou em branco. sileiro). Textos Idesp, n. 36. São Paulo: Idesp.
Porém, boa parte do eleitorado potencial não
LIPSET, M. (Org.). 1995. The Encyclopedia of Democracy. Londres:
a percebe, o que acaba facilitando o cami- Routledge.
nho da abstenção. PORTO, W. C. 2000. Dicionário do voto. Brasília: Editora da UnB.
O voto obrigatório, por sua vez, não pare- STUART MILL, J. 1980. Considerações sobre o governo representativo.
ce ser capaz de corrigir essa deficiência, na Brasília: Editora da UnB.
CPIs e
Investigação Política
massas” de Duverger. Seja como for, as terço de seus membros, para a apuração
constituições de vários estados norte-ameri- de fato determinado e por prazo certo, sendo
canos já contemplavam, desde a indepen- suas conclusões, se for o caso, encami-
dência, o mecanismo das comissões nhadas ao Ministério Público, para que pro-
parlamentares de inquérito, e elas continuam mova a responsabilidade civil ou criminal
a ter papel destacado, tanto no âmbito esta- dos infratores.
dual, quanto no federal. A influência da expe- A avaliação a ser feita do instrumento
riência dos Estados Unidos foi certamente a
representado pelas comissões parlamentares
de maior importância para a introdução do
de inquérito e do papel que têm cumprido
mecanismo das comissões parlamentares
na vida política brasileira é equívoca. Em
de inquérito no Brasil. Mas elas são tam-
princípio, elas certamente podem trazer con-
bém importantes em vários outros países,
tribuições positivas e importantes na expo-
podendo-se citar Alemanha, Grécia, Irlanda
sição pública de conduta imprópria em áreas
e Austrália como exemplos de relevo.
variadas e no seu eventual esclarecimento.
Um conveniente resumo do status das
Contudo, dada precisamente a publicidade
comissões parlamentares de inquérito nas
que tende a cercá-las, e que é afim às pró-
sucessivas constituições brasileiras é forne-
prias razões de que existam, a atuação das
cido por Sérgio Resende de Barros em texto
CPIs se vê exposta também às complicações
recente (Barros, 2006). Ausentes das duas
e dificuldades que, do ponto de vista do ideal
primeiras constituições, as de 1824 e 1891,
democrático, envolvem a operação da “opi-
elas vão aparecer pela primeira vez na cons-
nião pública” e as relações entre maiorias e
tituição de 1934, que previa a CPI em seu
minorias.
artigo 36. A CPI era aí restrita, porém, à Câ-
Assim, as comissões parlamentares de
mara dos Deputados, enquanto o poder para
inquérito são com freqüência, como suge-
criar comissões de inquérito estava restrito,
rido acima, objeto de partidarização e faccio-
no Senado, à parte dele que funcionava du-
rante o recesso parlamentar, a “Seção Perma- sismo excessivos, com conseqüências
nente”. Omitido, naturalmente, na Constituição negativas. Esse aspecto de facciosismo
de 1937, imposta por Getúlio Vargas, o instru- pode ser ligado, na atualidade brasileira, ao
mento da CPI retorna na Constituição de 1946, próprio dispositivo do artigo 58 da Consti-
sendo previsto para ambas as Casas legisla- tuição que estende às comissões, incluídas
tivas. Já a Constituição de 1967, no artigo 39, as CPIs, o princípio da proporcionalidade na
prevê a CPI mista de deputados e senadores, representação dos partidos ou dos blocos
além da CPI de cada Casa, introduzindo, parlamentares que participam da respectiva
ainda, a exigência de prazo certo para o fun- Casa legislativa. Embora o dispositivo possa,
cionamento da CPI, ademais de reafirmar a sem dúvida, pretender justificar-se em termos
exigência de que ela tenha “fato determi- democráticos, sua vigência redunda em que
nado” como seu objeto, que já vinha desde os partidos ou blocos majoritários possam,
a Constituição de 1934. com freqüência, estabelecer ou bloquear a
A Constituição em vigor, promulgada em instalação de CPIs, ou condicionar fortemente
1988, dispõe sobre comissões parlamentares o seu funcionamento uma vez implantadas.
de inquérito no parágrafo 3 do artigo 58, rela- A justificação democrática do dispositivo
tivo a comissões permanentes e temporárias remete à importância da regra da maioria
do Congresso Nacional. Diz o parágrafo 3: como meio, que parece natural ou mesmo
As comissões parlamentares de inquérito, inevitável, de traduzir em termos operacionais
que terão poderes de investigação próprios a idéia da vontade da coletividade, seja qual
das autoridades judiciais, além de outros pre- for a escala em que esta se defina. Mas os
vistos nos regimentos das respectivas Casas, problemas se introduzem se temos em con-
serão criadas pela Câmara dos Deputados e ta, com referência à coletividade política
pelo Senado Federal, em conjunto ou sepa- abrangente, o contraste entre o modelo da
radamente, mediante requerimento de um democracia direta, que tende a consagrar
ano seguinte. E o episódio tem o interesse oposição ao governo Lula tem permitido que
de permitir salientar de forma singularmente assuma a feição de “CPI do fim do mundo”,
dramática o caráter problemático do recurso como tem sido chamada na imprensa, com
à opinião pública, com suas idas e vindas: atuação legalmente questionável. Mas há, na
qual, na conjuntura, a “verdadeira” opinião direção contrária, o contra-exemplo de outra
pública, a que vociferava com Lacerda e a CPI recente, a CPI dos Correios, que inega-
UDN ou a que se viu mobilizada em seguida, velmente ajudou a lançar luz sobre os des-
com a comoção popular causada pela morte mandos do PT quanto à compra de apoio no
do presidente? Congresso, não obstante o governo ter su-
Mais recentemente, há vários exemplos postamente seu controle “total”, como regis-
de CPIs cuja atuação pode ser apreciada de trava a imprensa em meados de junho de
maneira positiva, embora a ligação entre a 2005.
maior ou menor legitimidade de suas decisões Uma indagação final sobre os matizes
e o “clamor público” ocorrido em torno delas na ligação entre CPIs e “opinião pública”. Ela
não seja menos problemática. Tivemos a CPI é sugerida, entre outras coisas, pelos dados
de Paulo César Farias, tesoureiro da cam- sobre o persistente apoio popular a Lula que
panha de Fernando Collor à Presidência, que as pesquisas apontam, apesar da derrocada
se dedicou a apurar denúncias de corrupção petista de 2005: a continuada exposição
e resultou, em 1992, no impeachment do pública das refregas que têm as CPIs como
presidente, que, em seu ineditismo, redunda cenário não concorrerá para a intensificação
em claro reforço do quadro institucional ao do desgaste da atividade política como tal,
fazer-se sem tropelias ou violências extra- com conseqüências, ao cabo, certamente
legais. Na esteira desses acontecimentos, negativas?
e com desdobramentos institucionais que
devem igualmente ser vistos com bons
olhos, tivemos em 1993 a CPI do Orçamento,
Referências
em que a Câmara foi levada a “cortar na pró-
pria carne”, como se ressaltou então, com a BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral das comissões parlamen-
cassação de vários deputados — os quais tares. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
incluíam, porém, o deputado Ibsen Pinheiro, BARROS, Sérgio Resende de. A CPI como instrumento de apuração da
posteriormente inocentado pela Justiça. Levan- corrupção. Disponível em: <www.raul.pro.br/artigos/cpi.htm>. Acesso
em: 13 maio 2006.
tamento realizado por Bertha Maakaroun em
COUTO, Cláudio Gonçalves. Voto aberto e prestação de contas. Folha de
matéria recente no jornal Estado de Minas S.Paulo, 02 de maio de 2006, p. 3.
(Maakaroun, 2006.) vê com grandes reservas DICIONÁRIO Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete “Lacerda, Carlos”.
os ganhos obtidos com as 125 CPIs criadas CPDOC/FGV. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/
verbetes_htm/2684_1.asp>. Acesso em: 12 maio 2006.
no Congresso Nacional nos últimos 22 anos:
ELSTER, Jon; SLAGSTAD, Rune (Ed.). Constitutionalism and democracy.
não só são poucas as punições efetivas de
Nova York: Cambridge University Press, 1993.
culpados, mas são também grandemente
KURAN, Timur. Private truths, public lies: the social consequences of
escassos os avanços legais resultantes de preference falsification. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995.
suas recomendações. E os problemas acar- MAAKAROUN, Bertha. Muita política e pouco resultado. Estado de Minas,
retados pelo facciosismo partidário continuam p. 1, 3-6, 5 mar. 2006.
a mostrar-se claramente em vários casos: REIS, Fábio W. Voto secreto, opinião pública e democracia. Folha de
S.Paulo, p. 3, 26 abr. 2006.
destaquem-se a CPI do Banestado, levada
REIS, Fábio W. Constitucionalismo e opinião pública. Folha de S.Paulo,
a sequer produzir um relatório final em con-
p. 3, 11 maio 2006.
seqüência do enfrentamento partidário entre
SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro:
o presidente e o relator (apesar da gravidade Forense, 1966.
das denúncias contidas em material rece-
bido do Ministério Público sobre os bilhões
de reais em contas de servidores públicos
no exterior); e a CPI dos Bingos, conduzida
no Senado, na qual o controle exercido pela
2
Participação e
Opinião Pública
Iniciativa Popular
Sonia Fleury
A soberania popular será exercida pelo su- aprovação de eventual emenda ou projeto
frágio universal e pelo voto direto e secreto, de alteração da Constituição e, finalmente,
com valor igual para todos, e, nos termos da rezava que o próprio texto constitucional
lei, mediante: deveria ser submetido a plebiscito, o que
I – plebiscito; jamais ocorreu.
II – referendo; O período democrático que se inaugura
III – iniciativa popular. em 1945 e se consubstancia na Constituição
de 1946 privilegiou a opção por uma demo-
A trajetória da inscrição da participação
popular nos marcos legais no Brasil tem sido cracia representativa sem participação po-
mais retórica que efetiva, só mesmo repre- pular, vistas como concorrentes, sendo que
sentando um novo patamar de exercício da apenas o plebiscito foi previsto para os casos
democracia a partir da CF/88. de alteração da divisão territorial. Por essa
Benevides (1991) historia a participação razão, o plebiscito que ocorreu em 1963, foi,
popular nas Constituições brasileiras desde por muitos, considerado sem respaldo jurí-
a existência do princípio da revogação dos dico. O clima político conturbado pela re-
mandatos de representantes no Império, em núncia do presidente Jânio Quadros e a
relação à possibilidade de perda de mandato edição de Emenda Constitucional (nº 4 de
dos eleitos para o Conselho de Procuradores 1961), alterando o sistema de governo com
do Estado. No entanto, este instituto previsto a instauração do parlamentarismo, propi-
em 1822, durou apenas um ano. Também ciaram a convocação do plebiscito no qual
menciona a ação popular na Constituição de a população aprovou, mais do que tudo, a
1824, que previa a responsabilização penal retomada dos poderes pelo presidente João
dos juízes de direito e dos oficiais de justiça Goulart.
em casos de suborno, peita, peculato e con- A atmosfera hostil à democracia presente
cussão. No entanto, recorre à interpretação na confecção da Constituição de 1967 e da
do historiador Francisco Iglesias para analisar Emenda nº 1 de 1969 não permitiu avanços
esta iniciativa como uma forma de disfarçar em relação à participação popular, apenas
a outorga da Constituição de 1824. acrescentando a consulta prévia à população
A Constituição Federal de 1891 não para a criação de municípios. A explosão da
continha instrumentos de democracia semi- participação popular como tema de debates
direta, embora as primeiras constituições e como prática política vem a ocorrer com
republicanas de alguns estados da Fede- a redemocratização e a mobilização e a orga-
ração, como a de São Paulo, admitiam não nização da sociedade civil em torno das
só a revogação dos mandatos legislativos grandes campanhas políticas como as Di-
como também o veto popular, ou seja, a retas Já em 1985 e as lutas por uma Assem-
anulação das deliberações das autoridades bléia Nacional Constituinte – ANC exclusiva
municipais mediante proposta de um certo e soberana. Apesar das derrotas sofridas
número de eleitores. Já as constituições em relação às duas propostas, com a insta-
republicanas dos estados do Rio Grande lação da ANC congressual em 1987, há uma
do Sul, de Goiás e de Santa Catarina, tam- intensa campanha pelo direito de apresen-
bém introduziram o princípio do recall , isto
tação de emendas populares que termina
é, o poder do eleitorado para cassar o man-
vitoriosa.
dato de seus representantes.
O regimento da ANC garantiu o direito à
Enquanto a Constituição Federal de 1934
emenda popular, (artigo 24) além da possi-
não acolheu os mecanismos de democracia
bilidade de apresentação de sugestões e de
semidireta, apenas introduzindo a inovação
audiências públicas nas comissões temá-
da representação classista, a Carta Outor-
ticas. As organizações da sociedade civil
gada de 1937 estabelecia quatro modali-
participaram ativamente do processo cons-
dades de plebiscito, relativas à alteração da 1
tituinte fazendo uso destes instrumentos,
divisão territorial, atribuição de poderes legis-
levando os constituintes a tomarem contato
lativos ao Conselho de Economia Nacional,
ato normativo, de nível constitucional ou infra- 88, além de preencher as lacunas na legis-
constitucional, podendo anteceder ou não à lação atual. São elas: subjetividade embu-
feitura da norma, com caráter necessaria- tida na definição do que são temas de
mente vinculativo. relevância nacional; caráter não vinculativo
Enquanto a doutrina clássica considera das decisões submetidas à decisão popular;
que no referendo consultivo, o qual antecede indefinição do âmbito da participação popu-
a qualquer lei ou ato normativo, não há ga- lar; ausência de procedimentos que garantam
rantia de que as autoridades irão acatar a a prioridade na tramitação e na aprovação de
manifestação popular, a opinião atual mais iniciativas populares legislativas.
corrente é que os referendos devem ter Em 1993 ocorreu o plebiscito sobre a forma
sempre caráter vinculante, caso contrário, e o sistema de governo, vencendo a forma
seriam plebiscitos (Benevides, 1991). de governo republicana e o sistema de go-
Outra polêmica diz respeito à convo- verno presidencialista. Já em 2005 houve o
cação de plebiscitos e referendos, já que a primeiro referendo, previsto no Estatuto do
Lei 9.709/98, ao regulamentar estes instru- Desarmamento, no qual a população rejeitou
mentos, determinou que em ambos os casos, a proibição de comercialização de armas de
apenas o Congresso Nacional (mínimo de 1/ fogo.
3 dos membros da Câmara ou do Senado) A iniciativa popular legislativa foi inscrita
poderá fazê-lo. Enquanto na CF/88 (artigo na CF/88 (artigo 61, parágrafo 2º.) e regu-
49, XV) o legislador dita que é competência lada pela Lei 9.709/98, estabelecendo que
exclusiva do Congresso Nacional autorizar ela pode ser exercida pela apresentação à
referendo e convocar plebiscito, na legis- Câmara dos Deputados de Projeto de Lei
lação infraconstitucional o termo utilizado, subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado,
em ambos os casos é convocar. Esta alte-
distribuído em pelo menos cinco estados,
ração é substancial, na medida em que fica
com não menos de três décimos por cento
assim vetada a possibilidade de que o povo
dos eleitores em cada um deles.
solicite a realização de plebiscitos e refe-
Estas condições são consideradas por
rendos, pois esta decisão é uma prerroga-
muitos como altamente restritivas, já que
tiva exclusiva do Congresso Nacional.
requerem um elevado percentual de partici-
Sobre este tema, tramita na Câmara dos
pação em uma sociedade que, em muitos
Deputados o Projeto de Lei 4.718/2004 de
lugares, carece de informações, educação
autoria do jurista Fábio Konder Comparato,
e cultura cívica. Além disso, não existe regu-
como parte da Campanha Nacional em De-
lamentação sobre a tramitação, sobre a obri-
fesa da República e da Democracia. O pro-
gação de o Congresso votar estas matérias
jeto pretende resgatar o princípio constitucional
e prazos para sua regulamentação. A legis-
da soberania popular, ao permitir que plebis-
lação em vigor também não esclarece se a
citos e referendos sejam convocados seja por
Presidência poderá exercer seu poder de
iniciativa popular (1% do eleitorado), seja por
veto.
iniciativa de um terço dos membros de uma
Mesmo assim, a partir de uma situação
das Casas do Congresso.
de comoção desencadeada pela tragédia
Além disso, o projeto prevê a extensão
que acometeu a escritora Glória Perez e, com
do referendo às emendas constitucionais e
aos tratados e outros acordos internacionais, o apoio da mídia, foi promulgada lei de inicia-
bem como a obrigatoriedade de referendo tiva popular (Lei 8.930/94) que ampliou o rol
sobre matérias eleitorais. Tais projetos de- dos crimes hediondos inafiançáveis e insus-
verão ter prioridade em sua tramitação e a ceptíveis de graça ou anistia. Outro Projeto
revogação ou alteração de uma lei oriunda de Lei de iniciativa popular contra a corrup-
de iniciativa popular só poderá ocorrer se ção eleitoral foi aprovado (Lei 9.840/99) a partir
submetida a referendo popular. de intensa mobilização da sociedade civil,
Este projeto pretende ampliar a partici- dando maiores condições à Justiça Eleitoral
pação popular nos termos previstos na CF/ para coibir a compra de votos.
4
A principal polêmica em relação ao uso governamentais, por meio das instâncias
da iniciativa popular diz respeito à impossi- colegiadas de co-gestão (Conselhos) e do
bilidade atual de que seja usado para propor mecanismo ascendente de formação da
ao Congresso Nacional emenda à Consti- política (Conferências).
tuição Federal, embora algumas Constituições Estas experiências têm se expandido
Estaduais e Leis Orgânicas Municipais asse- para outros setores de políticas públicas e,
gurem este direito à população. mais recentemente, passaram a incluir a
As lacunas apontadas não têm sido, participação popular na discussão do PPA–
entretanto, impeditivas da participação po- Plano Plurianual 2004-2007 e no debate das
pular, mesmo no caso em que a proposta políticas econômicas com a criação do Con-
de iniciativa popular esbarrou em um quesito selho de Desenvolvimento Econômico e
de constitucionalidade, por conter disposições Social (Fleury, 2006).
que afrontaram prerrogativas exclusivas do
Presidente. É o caso de lei de iniciativa po- Notas
pular, de 2005, com proposta de criação do
Sistema Nacional de Habitação de Interesse 1
Foram apresentadas 160 emendas subscritas por 12
Popular, do Fundo Nacional de Habitação e milhões de eleitores em temas diversos.
2
de seu Conselho Gestor. Foi vitorioso o enten- Lançada pela Ordem dos Advogados do Brasil, com
o apoio da CNBB e do MST.
dimento de que o projeto originado de inicia- 3
No caso de criação de territórios ou sua transformação
tiva popular constituiria exceção ao princípio em Estado, bem como na criação, incorporação, fusão
da reserva de iniciativa do Chefe do Poder e desmembramento de municípios, a CF/88 exige a
realização de plebiscitos (artigo 18, parágrafos 2º e 3º).
Executivo, sendo o projeto sancionado pelo 4
Não há proibição expressa sobre o assunto na CF/88
Presidente da República. nem na Lei 9.907/98, mas ambas mencionam apenas
Este caso se assemelha à experiência projetos de lei de iniciativa popular.
de implantação dos Orçamentos Participa-
tivos – OP em diferentes municípios brasi- Referências
leiros, nos quais o Poder Executivo abre mão
de sua prerrogativa de formular a lei orça- BENEVIDES, Maria Vitoria de Mesquita. A cidadania ativa – referendo,
mentária de forma exclusiva e convoca a plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Ática, 1991.
população para, dentro de critérios e regras FLEURY, Sonia. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do
previamente acordados, participar na formu- governo Lula. In: _____. Estado e gestão pública – visões do Brasil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.
lação e acompanhamento de sua execução.
SGARBI, Adrian; ASSAD, Chistianne C. Democracia semidireta no Brasil,
O caráter vinculativo da decisão não é esta-
plebiscito, referendo, iniciativa popular legislativa. Teor comunicativo e
belecido legalmente, mas por meio de um procedimento. Disponível em:<www.puc-rio.br/direito/revista/online/
compromisso moral dos governantes do rev05_adrian.html>. Acesso em: 19 abr. 2006.
Plebiscito e Referendum
Em que pese a existência dessa varie- Juntamente com a previsão desses me-
dade de tipos, Silva (2005) chama atenção canismos de democracia direta, a Constitui-
para algo que os une a todos: o fato de o ção reservou ao Congresso Nacional a
referendo ser um direito político. Segundo a competência exclusiva para autorizar referen-
autora, “o que permite reunir todas essas do, convocar plebiscito (art. 49, inciso XV) e
modalidades de referendo sob o mesmo para decidir sobre a relevância dos temas
nome é que todas elas, exceto o referendo submetidos à consulta popular. Ela mante-
consultivo, constituem um modo de associ- ve a exigência de plebiscito para questões
ar a vontade do povo a um ato normativo, de territoriais, ou seja, para a criação de esta-
tal sorte que essa vontade seja imprescindí- dos e territórios federais (art. 18, parágrafo
o
vel para a existência do ato” (p. 195). Daí a 3 ) e para criação, incorporação, fusão e
importância destes institutos enquanto ex- desmembramento de municípios (art. 18,
o
pressões adicionais da soberania popular. parágrafo 4 ). Ela não se pronunciou sobre a
Por meio deles, nos afirma a autora, os cida- possibilidade de referendo constitucional (re-
dãos tornam-se menos dependentes da von- forma, revisão ou emenda) e excluiu matéria
tade dos representantes, podendo expressar constitucional do âmbito da iniciativa popu-
diretamente suas vontades (p. 196). lar (art. 60). Ela não especificou se as con-
Esta importância foi relativamente obs- sultas são obrigatórias ou facultativas e não
curecida em função de episódios históricos, esclareceu se o resultado das consultas é
como os plebiscitos napoleônicos (1799, vinculante ou indicativo.
1850), aquele convocado por Hitler em 1938, Dez anos depois, foi promulgada a Lei
entre outros, através dos quais as técnicas 9.709/98, que visava regulamentar os meca-
plebiscitárias foram utilizadas para instituir nismos diretos de participação popular no
e/ou manter governos despóticos. O temor país. Esta norma legal prevê que o plebisci-
à instituição de governos totalitários com to será convocado com anterioridade ao ato
base no apelo popular fez com que o termo legislativo ou administrativo e que caberá ao
assumisse um sentido pejorativo e sua prá- povo aprovar ou denegar, pelo voto, o que
o
tica fosse vista com desconfiança. É im- lhe foi submetido. Seu artigo 3 manteve a
portante ressaltar, entretanto, que aquilo que convocação do plebiscito sob responsabili-
está em questão é menos o mecanismo dade do Congresso Nacional, mediante de-
de consulta em si e mais a regulamenta- creto legislativo, com proposta de, no
ção do instrumento. Dessa forma, tais ins- mínimo, 1/3 dos integrantes de qualquer
titutos podem ou não se tornar uma arma uma das Casas. Nos âmbitos estadual e
nas mãos do Executivo, dependente que municipal, o plebiscito deve ser convocado
estão das formas adequadas de regulação em conformidade com a respectiva Consti-
(Benevides, 1991, p. 57). tuição Estadual e com a Lei Orgânica Muni-
cipal. A mesma lei prevê que o referendo
será convocado com posterioridade ao ato
Brasil legislativo ou administrativo, cumprindo ao
povo a respectiva ratificação ou rejeição.
No Brasil, a Constituição de 1988 inau- A Lei 9.709/98 mostrou-se insuficiente em
gurou, de forma inédita no país, a prática da vários aspectos. Ela não contribuiu para dis-
democracia direta. Fruto de um processo sipar a aludida ambigüidade semântica que
intenso de participação da população e de caracteriza os dois termos, uma vez que a
seus aliados institucionais na Constituinte, o diferença entre os dois institutos limitou-se
artigo 14 dessa Constituição instituiu a práti- somente ao aspecto temporal: o plebiscito
ca do referendo, do plebiscito e da iniciativa é convocado antes do ato legislativo ou
popular legislativa nos três níveis de gover- administrativo, e o referendo é convocado
no — federal, estadual e municipal. depois. Além disso, ao manter nas mãos do
Política de Cotas
mulher nos parlamentos depende, em gran- são necessariamente as razões pelas quais
de medida, dos votos que somam em dis- os “não diferentes” estão nas posições de
puta com os candidatos homens (dentro ou representação: recursos econômicos, aces-
fora do partido). No último caso, as mulhe- so à mídia, redes familiares, muitas vezes,
res chegam ao Parlamento sem disputar são muito mais poderosos que qualidades
votos com os homens. pessoais para determinar o lugar de homens
A luta pelas cotas no sistema partidário brancos nos parlamentos e nos postos do
para as mulheres está estreitamente ligada Poder Executivo.
ao movimento feminista, disseminado no A terceira polêmica, a mais teórica de-
mundo ocidental a partir da década de 70, e las, diz respeito ao que a cientista política
ao concomitante descrédito na democracia inglesa Anne Phillips chamou de política de
liberal, que parte do ideal iluminista da igual- presença e política de idéias, isto é: para
dade entre todos os indivíduos como a base defender os interesses de um determinado
da justiça entre os seres humanos, indepen- grupo é essencial que este grupo esteja pre-
dentemente do sexo e de outras diferenças. sente, ou basta que alguém, ou um partido,
Mulheres, afro-descendentes e nativos em ou um grupo parlamentar independentemen-
países colonizados constituíram-se ao lon- te de sua origem defenda suas idéias? Esta
go do último quartel do século 20 como su- questão é particularmente sensível, pois a
jeitos políticos demandantes de um direito política de cotas não garante que as mulhe-
negado pelas democracias liberais que, não res, os afro-descendentes e os nativos elei-
considerando a diferença, haviam deixado tos para cargos legislativos ou executivos,
esses grupos historicamente fora dos parla- necessariamente, venham a defender as de-
mentos e dos cargos de mando político. mandas dos movimentos feministas, negros
Todos eram iguais, mas os parlamentos e ou indígenas. Há duas lutas concomitantes
os cargos executivos estavam sendo preen- nesta questão, a luta para que cidadãs e
chidos, repetidamente, por homens brancos. cidadãos discriminados tenham acesso ao
As cotas aparecem como uma forma de mundo da política e à luta para que cida-
compensar pontos de partida muito diferen- dãos e cidadãs discriminados constituídos
tes, que deixavam mulheres e outros gru- como sujeitos de luta pelos direitos de seus
pos dominados em condição de grande grupos tenham acesso às posições de po-
inferioridade na disputa por cargos políticos. der. Phillip tem reflexões fundamentais so-
O sistema de cotas, como de resto ou- bre o tema, afirmando que a presença é
tras formas de ações afirmativas, sempre fundamental para a idéia, mas que uma não
foi envolvido em polêmicas. Três delas são exclui a outra, isto é, é mais fácil que os di-
significativas: o perigo da naturalização da reitos das mulheres sejam defendidos pe-
diferença, não reconhecendo as razões his- las mulheres parlamentares, mas isto não
tóricas, isto é, mulheres, negros, nativos não exclui a possibilidade de que as idéias este-
devem ser sujeitos de políticas de cotas por jam presentes nos representantes homens.
suas naturezas de serem mulheres, negros Portanto, a eficácia das cotas pode ser me-
ou nativos, mas pelas posições em que as dida a partir de dois parâmetros: o número
condições históricas os colocaram. Portan- de mulheres que alcançam a eleição e a
to, a luta deve ser para superar esta condi- qualidade da presença em relação às de-
ção e, conseqüentemente, a necessidade mandas dos grupos que deram origem às
das cotas; a segunda delas diz respeito a cotas. Pode haver casos em que as cotas
uma desqualificação da representação ou sejam absolutamente cumpridas, e os inte-
mesmo da presença de segmentos, que resses dos grupos que as geraram não se-
seriam eleitos em decorrência das cotas e jam representados.
não por qualidades pessoais. Tal polêmica Em qualquer uma destas situações há uma
desconhece que qualidades pessoais não questão anterior que é a da possibilidade
problema a cota de 30%. Esta segunda ra- mais diversos partidos, têm atuado como
zão está diretamente relacionada à forma bancada quando os temas são de interesses
como as campanhas eleitorais são financia- das mulheres. A primeira experiência neste
das no Brasil. O financiamento privado de- sentido foi na Constituinte, quando 26 mu-
sobriga os partidos de apoiarem de forma lheres eleitas sem qualquer ligação com o
igualitária o conjunto de seus candidatos, daí feminismo superaram suas divergências
que a presença das mulheres, devido às partidárias, se autodenominaram Bancada
cotas, não muda de forma significativa as Feminina e apresentaram 30 emendas sobre
possibilidades dos candidatos homens. os direitos das mulheres, englobando prati-
A política de cotas em suas diferentes camente todas as reivindicações do movi-
formas tem sido fundamental para o aumen- mento feminista à época. A quase totalidade
to da presença das mulheres nos legislati- dessas emendas está presente em forma
vos, nos mais diferentes países do mundo. de artigos na Constituição de 1988.
No Brasil, estes efeitos ainda são muito tê-
nues. Para as legislaturas federal, estadual Referências
e municipal, que correspondem aos anos de
2003-2006, as mulheres representam 8,7% ARAÚJO, Clara. Mulheres e representação política: a experiência das
dos congressistas, 12% nas Assembléias cotas no Brasil. Revista de Estudos Feministas, v. 6, n.1, 1998.
estaduais e 11,7% nas Câmaras de Verea- DOSSIÊ MULHERES NA POLÍTICA, MULHERES NO PODER. Revista de
Estudos Feministas, v. 9, n. 1, 2001.
dores.
SOARES, Gláucio; RENNÓ, L.. Reforma política – lições da história
Do exposto, duas questões merecem
recente. São Paulo: FGV, 2006.
atenção: a primeira diz respeito ao fato de
MIGUEL, Luis Felipe. Teoria política feminista e liberalismo: o caso das
que as possibilidades de o sistema de co- cotas de representação. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 44,
tas mudar o quadro da ausência das mulhe- out. 2000.
res no Parlamento estão estreitamente PHILLIP, Anne. Género y teoria democrática. México: UNAM, 1886.
Regulação
das Pesquisas
Rachel Meneguello
expressa uma sociedade articulada em inte- cisos, que são conduzidos a votar no candi-
resses, resumindo-se à expressão de indiví- dato apresentado com chances de vitória.
duos atomizados, facilmente manipuláveis As hipóteses da influência abordam ain-
pelos agentes do jogo político. Em linhas da outros efeitos da percepção das informa-
gerais, afirma-se que a dinâmica democrá- ções das pesquisas pelo eleitor, como a
tica da sociedade de massas deve consti- hipótese do underdog effect, que define a
tuir suas bases de legitimidade em estruturas tendência do voto no candidato que está em
mais sólidas do que os efeitos promovidos último lugar, e a hipótese do voto estratégi-
por informações de momento, que conduzem co (o voto útil), que resulta do cálculo das
os cidadãos a atitudes meramente reativas chances de evitar uma maioria específica e
nos processos políticos. Nesse sentido, define o voto do eleitor em uma segunda
como fontes de informação dos eleitores, os opção.
resultados das pesquisas exerceriam uma Por outro lado, alguns estudos têm mos-
influência indevida nas eleições, dadas as trado que os efeitos do conhecimento pelo
possibilidades de erros e de manipulação das eleitorado de resultados de pesquisas elei-
informações pelos agentes do jogo político. torais têm um impacto menor sobre o pro-
A segunda dimensão da polêmica so- cesso de decisão do voto. Esses estudos
bre as pesquisas diz respeito ao impacto apontam que esse impacto é dependente
das informações sobre o processo de deci- de situações específicas do jogo político, e
são do eleitor. Não parece haver dúvida quan- ocorrem em geral quando as situações de
to ao fato de que os resultados das disputa eleitoral são acirradas. Além disso,
pesquisas exercem algum tipo de efeito a influência das pesquisas depende em
sobre a decisão de voto. A absorção dos parte do grau de confiabilidade estabeleci-
resultados pelos agentes de socialização e do no contexto das campanhas políticas.
intermediários culturais que realizam a inclu- No caso brasileiro, alguns estudos sobre
são do eleitorado na esfera da disputa políti- o papel das pesquisas nas campanhas in-
ca, sobretudo os meios de comunicação, dicam que há uma superestimação do seu
torna praticamente impossível que as prévi- impacto sobre o processo de decisão do
as eleitorais não sejam somadas ao amplo voto. Análises realizadas sobre as eleições
conjunto de informações que orientam as pre- presidenciais de 1989 e 1994 indicam que
ferências dos cidadãos. A discussão resi- seu papel foi limitado, e que as fontes inter-
de, portanto, na intensidade do efeito das pessoais e a propaganda televisiva, notícias
pesquisas e aqueles que defendem as res- e debates, foram meios muito mais podero-
trições de divulgação têm a seu favor uma sos de influência potencial sobre a decisão
extensa produção bibliográfica que aponta eleitoral. Os estudos mostram ainda que as
o real impacto das predições eleitorais so- pesquisas não figuravam como principal meio
bre o comportamento do eleitor. de informação política, e detinham razoável
A tese mais freqüente baseia-se na idéia desconfiança e indiferença de parcelas con-
de que sua divulgação conduz parte signifi- sideráveis do eleitorado quanto aos resulta-
cativa do eleitorado a votar no candidato que dos divulgados (Olsen; Cavallari; Straubhaar,
está à frente nas pesquisas, contaminando 1993; Venturi, 1995).
a opinião pública e distorcendo o curso na- O efeito predominante da propaganda
tural dos resultados. Essa hipótese de influ- política, sobretudo veiculada pela mídia ele-
ência denominada bandwagon effect — trônica, foi da mesma forma identificado para
uma metáfora que faz alusão ao vagão de a eleição presidencial de 2002, mas, neste
circo que conduz a banda, colocado sem- contexto, o grande número de pesquisas
pre à frente da caravana — afirma que os eleitorais realizadas, o acompanhamento
resultados das prévias eleitorais colocam constante pelos institutos de pesquisas do
uma pressão social sobre os eleitores inde- movimento das preferências por candidatos
Referências
Regulação da Mídia
Regina Mota
Francisco Tavares
(colaborador)
ao debate da comunicação junto à socieda- CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Curso de Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos,1964.
de. O CCS, entretanto, não cumpre devida-
MOTA, M.R.P. TV Pública no Brasil. A democracia no ar. Dissertação
mente seus objetivos, provavelmente em (Mestrado) – FAE/UFMG, 1992. 180 p.
função de sua composição exacerbadamente MOTA, M.R.P. Proposições de políticas públicas de inclusão social atra-
corporativa e alheia à complexidade da so- vés da plataforma de TV Digital Interativa. Relatório I: Histórico da legis-
ciedade brasileira. lação da radiodifusão sonora e de sons e imagens no Brasil. 1917-1997: 80
anos de exclusão. FUNDEP/CPqD, 2004, 90 p.
QUERINO, Carolina. Legislação da radiodifusão e democracia: uma pers-
pectiva comparada. Comunicação e Política, v. IX, n. 2, Rio de Janeiro,
Conclusão maio/ago. 2002.
STADINICK, Célia. A hipótese do coronelismo eletrônico. Porto Alegre:
FAMECOS, PUCRS, 1991.
A regulamentação da mídia no Brasil
Leis
carece de novos instrumentos regulatórios e
BRASIL. Código Nacional das telecomunicações. Lei nº 4.117, de 1962.
do cumprimento e vigilância de princípios
constitucionais e leis vigentes, assegurando BRASIL. Lei de Imprensa. Lei nº 5.250/67.
o exercício dos direitos difusos. A ação de BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
grupos sociais junto ao Ministério Público BRASIL. Conselho de Comunicação Social. Lei nº 8.389, de 1991.
tem conseguido, por meio da justiça, fazer BRASIL. Lei Eleitoral. Lei nº 9.504/97.
valer esses direitos, ao aplicar as sanções BRASIL. Lei Geral das Telecomunicações. Lei nº 9.472/97.
Corporativismo
assimétrica no que diz respeito às limitações recursos externos, como o imposto sindical,
sobre a capacidade de organização dos se- que desde a implantação da estrutura cor-
tores do trabalho em comparação ao patro- porativa oficial financia as atividades das
nato. Enquanto aos primeiros só era permitido entidades a ela pertencentes. O imposto sin-
se organizar em sindicatos segundo os cri- dical continua sendo, por essa razão uma
térios da legislação em vigor, aos segundos das peças-chave na discussão das reformas
foi facultada a possibilidade de manutenção atualmente em curso, tanto para as entida-
de algumas associações preexistentes e, des de trabalhadores, quanto patronais, já
sobretudo, a criação de novas associações que financia várias atividades com base na
paralelas à estrutura oficial, sem as amarras contribuição do valor de um dia de trabalho
relativas a critérios territoriais ou ao mono- deduzidos do salário em folha para os pri-
pólio da representação. Tal fato teve profun- meiros e uma contrapartida que varia de 0,02
das implicações no que diz respeito à a 0,8%, proporcional ao capital social da
maneira como a estrutura de representação empresa para os segundos.
de interesses do empresariado evoluiu sub- Como se viu, não em todos os países a
seqüentemente: primeiro no que concerne à fórmula de corporativismo adotada implicou
sua maleabilidade e flexibilidade para adap- a restrição de direitos políticos, a conces-
tação a novas conjunturas, num sentido po- são de direitos sociais como forma de con-
sitivo; segundo, quanto à sua fragmentação trole da participação política ou a adoção pura
e dispersão, numa direção menos positiva, e simples de instituições centralizadoras e
por exemplo, como um obstáculo à criação de cunho autoritário. Assim, se do ponto de
de associações abrangentes capazes de vi- vista econômico importa a relação entre in-
abilizar a formulação de plataformas de cur- teresses organizados e desempenho, do
to e longo prazo para o conjunto da classe. ponto de vista político, o eixo de discussões
A questão mais contundente se refere, po- se situa nas dimensões democráticas ou
rém, aos diferenciais de recursos para a ação autoritárias do corporativismo. Essa conse-
coletiva entre as classes: enquanto para os qüência também estrutura o debate na Ci-
trabalhadores a organização dos interesses ência Política, demarcando campos analíticos
é estrategicamente mais relevante e só pode distintos em função do papel dos grupos
se dar dentro de regras rígidas que impli- de interesses e do associativismo, em ge-
cam a compulsoriedade de afiliação indi- ral, na dinâmica política. O pluralismo de veio
vidual a um único sindicato, além da democrático e o corporativismo de cunho au-
dependência aos recursos estabelecidos toritário se constituíram como duas tradições
na legislação, o empresariado, dotado de analíticas distintas, conquanto em ambos os
mais recursos organizacionais e para quem casos a atuação de grupos de interesse es-
a ação coletiva é menos central, pode se teja presente e possa ser vista como ineren-
valer de dois mecanismos, sendo um mar- te à dinâmica política do Estado capitalista.
cado por essas mesmas normas que regem No primeiro caso são destacados, contudo,
o funcionamento da estrutura oficial corpo- os aspectos positivos da atuação de grupos
rativa em bases compulsórias, e o outro, tí- específicos no contexto da democracia. No
pico de uma modalidade voluntária de ação caso do corporativismo salientam-se, mais
coletiva para a afiliação de empresas. A ló- freqüentemente, os perigos inerentes à con-
gica envolvida nessa última modalidade é centração dos interesses em grupos hierar-
mais eficaz no sentido de controlar o acesso quizados e controlados a partir do Estado.
aos benefícios, por parte daqueles que não Os casos do corporativismo dos países nór-
contribuíram para a produção do bem cole- dicos da social-democracia negam a versão
tivo resultante. Assim, num quadro de ação autoritária que se atribuiu ao corporativismo,
compulsória, a lógica da ação coletiva fica tendo se instaurado, de fato, uma polêmica
extremamente pautada pela dependência a na fase áurea do Estado de Bem-Estar, sobre
tivismo, principalmente porque se trata de SANTOS, Wanderley G. dos (1979). Cidadania e justiça. Rio de Janeiro:
Campus.
instituições operando num contexto nacional
WERNECK VIANNA, Luiz (1999). Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo
e sobretudo internacional totalmente distinto.
Horizonte: Editora UFMG.
3
Método de
Constituição das
Instâncias
Decisórias
Federalismo
Marta Arretche
2000. Nestes, os governos locais são execu- PIERSON, Paul D.; WEAVER, Kent (1993). Imposing Losses in Pension
Policy. In: WEAVER, Kent; ROCKMAN, Bert A. (Ed.) (1993). Do Institutions
tores de programas formulados e financiados matter? Washington: Brookings Institution.
pelo governo federal. RIKER, William (1975). Federalism. In: GREENSTEIN, Fred; POLSBY, Nel-
Não constam da agenda de reformas son (Ed.). Handbook of Political Science. Massachussets: Addison-
Wesley Publishing Company. v. 5.
propostas para reverter o padrão uniforme
STEPAN, Alfred (1999). Para uma nova análise comparativa do federalis-
de oferta de serviços básicos no território
mo e da democracia: federações que restringem ou ampliam poder do
nacional. Ao contrário, as propostas em pauta Demos. Dados, 42, n. 2, 197-251.
— particularmente no tocante ao SUS e à TIEBOUT, Charles M. (1956). A pure theory of local expenditures. The
criação do FUNDEB — visam elevar a redis- Journal of Political Economy, v. LXIV: 416-424.
tribuição de recursos da União, de modo a TOCQUEVILLE, Aléxis de [1835] (1977). A democracia na América. Belo
Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP.
tornar o princípio mais efetivo. Isso ocorre
em função da reconhecida desigual capaci-
dade de oferta de serviços entre as unidades
da Federação, derivada de sua desigual
capacidade de gasto. Tais desigualdades
são avaliadas como injustas, o que revela a
supremacia do princípio moral que considera
necessária a igualdade de oferta de serviços
sociais no território nacional.
Por outro lado, tem presença permanente
no debate político a contestação do formato
centralizado de organização federativa das
competências comuns, pelo qual a União
tem elevada ingerência na agenda social dos
governos locais, limitando na prática sua auto-
nomia para definir seus próprios programas.
Argumenta-se que esta fere o princípio fede-
rativo da autonomia política, bem como li-
mita a capacidade de os governos locais
atenderem às demandas de seus cidadãos,
adaptando-se às necessidades locais. Tais
princípios orientam os debates internos à
organização de cada política setorial e repre-
sentam uma tensão permanente nas relações
entre os níveis de governos no que diz res-
peito à distribuição de autoridade na pres-
tação de serviços sociais.
Sistema Eleitoral
Em anos mais recentes, sistemas “mis- ter étnico, e sua distribuição geográfica, para
tos” têm sido implantados em numerosos que os sistemas eleitorais possam ou não
países, tais como a Itália, a Nova Zelândia exercer um efeito redutor sobre o número de
ou a Rússia, nem todos procurando, como partidos (Sartori, 1996). Esses condicionan-
o alemão, seguir os cânones da proporcio- tes impõem, até mesmo, às vezes, inverter
nalidade na atribuição de cadeiras aos parti- a direção da causalidade. Como observa
dos. Elegem-se, na verdade, dois estratos Vernon Bogdanor, a representação propor-
de representantes, um, segundo o princípio cional, em vez de necessariamente causar
majoritário, o outro, segundo o proporcional a multiplicação no número de partidos, foi
(Cintra, 2005, p. 75-90; Nicolau, 2004, p. 63-76). mero reconhecimento da prévia existência
de um sistema multipartidário (Bogdanor,
1993, p. 197).
Sistemas eleitorais e
sistemas partidários
Referências
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dos sistemas eleitorais estão seus possíveis encyclopedia of political science. Oxford: Blackwell Publishers.
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particular sobre o número de partidos polí- busca do equilíbrio na construção de um sistema eleitoral. In:
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ticos. A ciência política considera o número ano VI, n. 2. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer Stiftung. p. 61-93.
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cidade governativa e a estabilidade do pró- dação Getúlio Vargas.
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Centro de Estudios Constitucionales.
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lação geral à relação entre o sistema eleitoral
institutions and well-being in the world, 1950-1990.
e o número de partidos. O sistema majori-
SARTORI, Giovanni, (1996). Engenharia constitucional. Brasília:
tário, de maioria simples, levaria ao biparti- Editora da UnB.
darismo, e o proporcional, ou o majoritário
de dois turnos, ao multipartidarismo.
Trata-se do presumível efeito das restri-
ções do sistema eleitoral sobre o cálculo elei-
toral do votante. Na pluralidade, o eleitor não
desperdiçará o voto em candidatos com
poucas chances de vitória, e tal comporta-
mento induzirá, ao longo do tempo, ao estrei-
tamento do leque partidário em dois
partidos, primeiro em nível distrital e, even-
tualmente, em nível nacional.
No sistema proporcional, as barreiras são
menores e, portanto, não dissuadem o voto
em candidatos e em partidos menos popula-
res. Desde a sua formulação original, inúme-
ros autores testaram essas generalizações
e tentaram delimitar-lhes a validade. É pre-
ciso considerar, por exemplo, a própria pre-
sença, na sociedade, de um sistema
partidário, com maior ou menor estruturação
e polarização interpartidária, ou a existência
de clivagens sociais, entre elas as de cará-
Jairo Nicolau
que conseguem mudar suas posições na Por essa razão, as propostas de reforma elei-
lista. toral procuravam ser uma opção não para a
lista aberta em particular, mas sim à repre-
•••
sentação proporcional. Durante as décadas
O Brasil adotou o sistema de lista aberta de 1960 e 1970 o sistema majoritário (co-
em 1945, antes de outros países que se nhecido no meio político como voto distrital)
notabilizaram por utilizá-la (ela foi adotada foi a opção dominante nas propostas de re-
na Finlândia em 1955 e no Chile em 1958). O forma eleitoral. Nas décadas de 1980 e 1990
sistema atualmente em vigor no país oferece houve uma preferência por propostas que
duas opções aos eleitores: votar em um defendiam a adoção de alguma variação de
nome (voto nominal) ou em um partido (voto sistema misto (conhecido no meio político
de legenda). As cadeiras obtidas pelos par- como voto distrital-misto).
tidos (ou coligações entre partidos) são ocu- •••
padas pelos candidatos mais votados de
cada lista. É importante sublinhar que as Em 2003, a Comissão Especial de Re-
coligações entre os partidos funcionam como forma Política da Câmara dos Deputados,
uma única lista; ou seja, os mais votados presidida pelo deputado Ronaldo Caiado
da coligação, independentemente do parti- (PFL), sugeriu a substituição do sistema de
do ao qual pertençam, se elegem. Diferen- lista aberta pelo de lista fechada nas eleições
temente de outros países (Chile, Finlândia e para Câmara dos Deputados, Assembléias
Polônia) onde os eleitores têm que obrigato- Legislativas e Câmaras Municipais. Segundo
riamente votar em um nome da lista para ter os defensores da proposta, a lista fechada
o seu voto contado para o partido, no Brasil deveria ser adotada por duas razões. A pri-
os eleitores têm a opção de votar em um meira é o fortalecimento dos vínculos entre
nome ou em um partido (legenda). O voto os eleitores e os partidos. A segunda é que
de legenda é contado para distribuir as ca- apenas a lista fechada é compatível com o
financiamento exclusivamente público das
deiras entre os partidos, mas não tem ne-
campanhas eleitorais, outra proposta que
nhum efeito na distribuição das cadeiras
constava do relatório. O argumento é que
entre os candidatos.
seria impossível controlar os gastos do fundo
Já na década de 1950 o sistema de lista
de campanha devido ao grande número de
aberta brasileiro passou a receber críticas
candidatos que disputam as eleições. A pro-
de alguns políticos e estudiosos. Dois pontos
posta de adoção da lista fechada no Brasil
apareceram com mais freqüência nestas
gerou controvérsia entre estudiosos, políticos
críticas. O primeiro é que durante a campa-
e jornalistas. Entre os argumentos apresen-
nha eleitoral, ao invés de cooperarem entre
tados três merecem ser discutidos com
si, os candidatos seriam estimulados a com-
mais cuidado.
petirem pelas possíveis cadeiras obtidas
Redução da escolha dos eleitores. O sis-
pelos partidos. O segundo é que os candi-
tema de lista aberta permite que o eleitor
datos teriam fortes incentivos para pedir voto
faça duas escolhas simultaneamente: por
para si, mas poucos incentivos para enfatizar
um determinado partido (ou coligação) e por
a campanha partidária, o que contribuiria
um determinado candidato que concorre por
para promover a “personalização” e enfra-
esse partido (ou coligação). No sistema de
quecer os partidos. Em geral, essas críticas
lista fechada o eleitor poderia apenas votar
estavam associadas a outras dirigidas a
no partido. Assim, nas situações em que o
outros aspectos do funcionamento da repre- eleitor tivesse alguma restrição por um ou
sentação proporcional no Brasil (a distorção mais nomes dispostos nos primeiros lugares
na representação das cadeiras dos estados da lista (e que provavelmente seriam eleitos)
na Câmara dos Deputados; os efeitos da ele não teria nada a fazer. Portanto, o eleitor
fórmula eleitoral e a regra das coligações). teria a sua margem de escolha reduzida.
vimentos sociais, grupos econômicos, igrejas, CARSTAIRS, Andrew McLaren (1980). A short history of electoral systems
in Western Europe. London: George Allen & Unwin.
corporações) em detrimento de interesses
COLOMER, Joseph M. (Ed.) (2004). Handbook of Electoral System Choice.
mais gerais; sem contar o disvirtuamento Basingstoke: Palgrave.
do mandato com envolvimento em esquemas KARVONEN, Lauri (2004). Preferential voting: incidence and effects.
de corrupção. International Political Science Review, v. 25: 2, p. 203-226.
Grande parte das reformas feitas recen- KATZ, Richard S. (1997). Democracy and elections. Oxford: Oxford
temente em outras democracias tem procu- University Press.
rado alguma combinação que garanta NICOLAU (2004). Sistemas eleitorais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas.
simultaneamente o voto partidário e algum
NORRIS, Pippa (2004). Electoral engineering: voting rules and political
tipo de accountability pessoal. Muitos países behavior. Cambridge: Cambridge University Press.
(Itália entre 1993 e 1995, Japão, Nova Zelândia, SHUGART, Matthew Soberg (2005). Comparative electoral systems
Bolívia e Venezuela) adotaram sistemas research: the maturation of a field and a new challenge ahead. In:
GALLAGUER, Michael; MITCHELL, Paul. The politics of electoral systems.
mistos, que combinam a lista fechada e o
Oxford: Oxford University Press.
voto majoritário-distrital. A Suécia, depois de
uma longa discussão, abandonou o sistema
de lista fechada por um sistema de lista fle-
xível, que permite que o eleitor altere a lista.
•••
Número e Distribuição
de Cadeiras na
Câmara dos
Deputados
David Samuels
relação entre população e cadeiras nos es- Estados Unidos 295.000.000 435 678.000/1
(Agradeço ao Professor Jairo Nicolau do IUPERJ por disponibilizar as informações sobre o número de cadeiras
nas Câmaras de Deputados desde o século 19.)
Referências
Coligações Eleitorais
David Fleischer
6) Entre a coincidência (ou não) de eleições para ficar “livre” da verticalização em nível
1
majoritárias e proporcionais (Sousa); estadual. Esta tendência seria a composição
7) Entre os impactos de uma “cláusula de
informal de coligações “esdrúxulas” [termo
barreira” (Machado); e usado pelo TSE em 2002 para justificar a
verticalização].
8) Se existe algum mecanismo ou regra de Mas, por quais razões os partidos pro-
fidelidade partidária na fase pós-eleitoral. curam participar de coligações? Em geral,
Na Europa, é comum a formação de coli- nos sistemas proporcionais, a razão dos
gações eleitorais abrangentes, como na úl- “pequenos” partidos é a sobrevivência elei-
tima eleição italiana, onde duas coligações toral, frente a “barreira” do quociente elei-
praticamente empataram — União de Ro- toral Î quanto menor a bancada estadual,
mano Prodi e Casa das Liberdades (CDL) maior esta “barreira” para os pequenos par-
de Sílvio Berlusconi. Na Alemanha, também tidos. No Brasil, os menores estados têm
em 2006, nenhum dos dois grandes blocos uma bancada de oito deputados federais, e
— Social Democracia (SPD) e a Democracia assim o quociente eleitoral é um oitavo
Cristã (CDU/CDS) — elegeu uma maioria (12,5%) dos votos válidos, maior ainda que
absoluta de cadeiras no Bundestag e não a “barreira” dos 5%. Já nos estados maiores,
conseguiu articular uma coalizão majoritária como São Paulo com 70 deputados federais,
com os partidos menores. Assim, os dois o quociente eleitoral é menor proporcional-
formaram uma “grande coalizão nacional” mente – 1/70 ou 1,4% dos votos válidos para
para governar. eleger um deputado.
Logo, seria de se esperar uma maior fre-
qüência de coligações proporcionais nos
Coligações eleitorais estados menores, e uma menor freqüência
nas unidades maiores. Também, a sobrevi-
Embora haja um forte vínculo entre coli- vência das legendas pequenas [micropartidos]
gações eleitorais e coalizões de governo, seria facilitada em circunscrições maiores
especialmente em sistemas parlamentaristas (Schmitt). Por exemplo, no período 1945-
onde a fidelidade partidária é muito forte, a 1964, os pequenos partidos (PTN, PST, PRP,
presente análise vai abordar a fase eleitoral PRT e MTR) sempre conseguiram eleger
deste fenômeno — como e por que os partidos alguns poucos deputados em São Paulo e
se associam em coligações eleitorais? outros no Rio de Janeiro (ex-Distrito Federal/
Em 2002 e 2006 no Brasil, temos os casos Estado da Guanabara) — justamente grandes
de coligações (ou alianças) eleitorais “infor- colégios eleitorais naquela época (Oliveira).
mais” em função da verticalização das coli- Mas, por que então os grandes partidos
gações federais/estaduais imposta pelo TSE aceitaram os pequenos como parceiros em
em março de 2002 e mantida em 2006 coligações proporcionais? Aparentemente,
(Santos). Embora a coligação PSDB-PMDB para conseguir uma mobilização eleitoral um
fora formalmente “verticalizada” em 2002, em pouco maior contra os outros partidos gran-
apoio a candidatura de José Serra à Presi- des em cada estado — antes de 1964, fre-
dência da República, em vários estados o qüentemente havia apenas duas grandes
PMDB traiu este artifício e mobilizou votos coligações em nível estadual em torno dos
o
em favor de Lula já no 1 turno. Em 2006, dois mais importantes partidos locais (PSD,
muitos partidos evitaram participar de coli- UDN e PTB). A partir de 1994, no Brasil, as
gações presidenciais, para garantir maior eleições majoritárias (Presidente, Governador
liberdade de organizar coligações diversas e Senador) são coincidentes com os pleitos
nos 27 estados, inclusive o PMDB, que repe- proporcionais.
tiu a sua decisão de 1998 — não lançou candi- Porém, em 1954, 1958 e 1962, metade
dato presidencial e não participou de dos estados brasileiros tinham eleições co-
nenhuma coligação presidencial, justamente incidentes (Governador e Deputados, ambos
com mandatos de quatro anos) enquanto na votação, e depois se processa um novo cál-
outra metade havia mandatos não-coinci- culo proporcional entre as sublistas para ver
dentes (Governador, cinco anos e Deputado, quantos destes assentos conquistados cabem
quatro anos). Neste modelo quase “experi- a cada sub-lema.
mental”, Sousa mostrou que em 1962, 42,4% No Brasil, usou-se o artifício de sublegenda
dos deputados federais foram eleitos por apenas para cargos majoritários durante o
coligações. Mas, nos 11 estados com elei- regime militar (1964-1985) para eleger sena-
ções coincidentes, 61,7% dos deputados dores e prefeitos. Neste caso, a ARENA e o
foram eleitos via coligações eleitorais, po- MDB poderiam lançar até três candidatos a
rém, nos outros 11 estados (com eleições estes cargos, e o partido que recebia o maior
não-coincidentes) apenas 28,3% dos depu- número de votos vencia, e a sublegenda
tados foram eleitos via coligações. Também deste elegia o senador ou o prefeito, embora
cabe lembrar que em 1962, havia duas vagas o candidato (sublegenda) do outro partido
para senador na agenda eleitoral. Assim, talvez tenha alcançado a maioria simples
nestes 11 estados com eleições coincidentes, dos votos. Este mecanismo da sublegenda
além da coligação para deputado, o partido foi um casuísmo que favorecia a ARENA, que
“líder” negociava os cargos de vice-gover- tinha dificuldades em acomodar suas alas
nador e senador, além dos suplentes deste. (ex-PSD, ex-UDN, ex-PR, etc.) nestas eleições
Muitas vezes, os grandes partidos pro- majoritárias.
curam atrair médios e pequenos partidos Nas eleições majoritárias anteriores a
para a sua coligação eleitoral para aumentar 1964, as alianças partidárias eram seladas
o tempo disponível no horário eleitoral gra- pela composição das chapas — presiden-
tuito, especialmente para os cargos majori- te/vice-presidente, governador/vice-governa-
tários. Outra razão é o efeito do “federalismo dor, senador/suplentes e prefeito/vice-prefeito
— lembrando que naquela época os vices
partidário brasileiro” — onde alguns partidos
eram candidatos “independentes” (desvin-
são mais fortes em alguns estados, e outros
culados do cargo titular), e de suplentes a
não. Por exemplo, o PDT (um partido médio)
senador. A partir de 1985, os vices passa-
é mais forte no Rio Grande do Sul e no Rio
ram a constar numa chapa única com o titular,
de Janeiro. O PSDB e o PFL são fortes em
mas estes cargos ainda eram negociados
muitos estados, mas fracos no Rio Grande
para formar coligações.
do Sul, enquanto o PMDB é forte em quase
No período pré-1964, o conteúdo das ali-
todos os estados. Já o PT conquistou a maior
anças eleitorais também era esdrúxulo [na
bancada na Câmara dos Deputados em
linguagem do TSE, em 2002] —, conforme o
2002, mas somente elegeu três governadores
estado. Por exemplo, o PTB aliava ao PSD
em estados menores (Acre, Mato Grosso do
contra a UDN em alguns estados (como
Sul e Piauí) (Braga).
Ceará), e, em outros, a UDN coligava com o
É importante ressaltar que no Brasil nunca
PSD contra o adversário comum (PTB), como
se usou a “sublegenda” em eleições propor-
no Rio Grande do Sul. Em 1950, Getúlio
cionais, como em outros países, por exem-
Vargas e Adhemar de Barros selaram uma
plo, a Argentina. No modelo brasileiro,
aliança PTB-PSP para o retorno de Vargas à
quando os partidos formam uma coligação
Presidência (o PSP lançou o candidato a vice-
para deputado (com listas “abertas”) estas
presidente) e ainda queriam a adesão do PSD.
agremiações perdem a sua identidade, como Porém, o presidente General Eurico Gaspar
se a coligação fosse um “balaio grande”. Na Dutra vetou essa idéia e obrigou o “seu” PSD
Argentina, para exemplificar, numa coligação, a lançar candidato próprio — o pouco conhe-
cada partido participante tem a sua “sublista” cido deputado mineiro Christiano Machado.
própria que é apurada separadamente. Assim, No entanto, na maioria dos estados, o PSD
conforme a votação obtida, aloca-se a cada apoiou a eleição de Vargas “informalmente”.
coligação os assentos proporcionais à sua Assim, o PSD foi “cristianizado” (Soares).
Nas eleições proporcionais de 1994, por No modelo com sublegendas, cada par-
exemplo, várias coligações exibiam uma falta tido participante da coligação apresentaria
de consistência “ideológica” nas suas com- a sua lista de candidatos previamente orde-
posições — por exemplo: o PSDB de F.H. nada (do 1º nome ao 20º nome, por exemplo)
Cardoso se aliou com o PDT em sete esta- e na subdivisão das vagas conquistadas pela
dos, o PCdoB, em seis, e o PPS em quatro; coligação a parcela alocada a cada suble-
e o PFL de Marco Maciel aliou-se ao PDT genda participante obedeceria à ordem pre-
em seis estados. O PT tinha uma política de estabelecida em cada sublista.
coligações mais consistente naquele ano e Na alternativa sem sublegendas, os par-
se aliou com o PSDB em apenas um estado. tidos participantes da coligação “balaio
Naquela eleição, o PCdoB coligado com o grande” teriam que decidir quantos candi-
PT conseguiu eleger 10 deputados federais, datos caberia a cada legenda e a ordem
mas oito destes “às custas” do PT em fun- em que estes entrariam na lista única.
ção da lista aberta — onde o PCdoB man- Tanto uma como outra alternativa teriam
dava seus eleitores concentrar seus votos um impacto negativo sobre as chances de
em um só nome, enquanto eleitores do PT os pequenos partidos “aproveitarem” a coli-
dispersavam seus votos “na legenda”. gação para eleger seus candidatos, com-
parado com a simples lista aberta.
Finalmente, a proposta de transformar as
Reforma política e tradicionais coligações eleitorais no Brasil em
coligações eleitorais “federações” de partidos foi formalizada
através do Projeto Lei 2.679/03 aprovado pela
Várias propostas de reformar a legisla- Comissão Especial da Câmara dos Depu-
ção partidária e eleitoral têm sido apresen- tados em 3 de dezembro de 2003. Além de
tadas nos últimos anos. Algumas dessas “fechar” a lista proporcional para a eleição
modificações propostas teriam impactos so- de deputados, esse PL “enquadrou” os par-
bre o artifício de coligações eleitorais: tidos participantes de coligações [federações]
num esquema de fidelidade pós-eleitoral.
1) simplesmente proibir coligações nas elei- Cada “federação de partidos” [coligação]
ções proporcionais; teria que ficar unida durante três anos após
2) adotar listas “fechadas” e preordenadas
a eleição, e seus deputados eleitos seriam
pelos partidos/coligações; impedidos de mudar de partido. De uma vez,
esse mecanismo tentaria “preservar” os pe-
3) utilizar sublegendas dentro destas listas quenos partidos e, ao mesmo tempo, evitar
fechadas; e o “troca-troca” de legendas pelos deputados
4) adotar o mecanismo de “federações” de após o pleito. Em 2002, por exemplo, a coli-
partidos em vez de “coligações”. gação que elegeu o presidente Lula (em
segundo turno) havia eleito 218 deputados
A simples eliminação de coligações nas
no primeiro turno — mas até 1º de fevereiro
eleições proporcionais seria o fim da maioria
de 2003 (data da posse dos eleitos) a ban-
dos pequenos e micropartidos no Brasil —
cada governista havia recebido 34 “migrantes”
inclusive os chamados “partidos históricos”,
e contava com 252 deputados. Mais tarde,
como o PCdoB e o PPS. Talvez, apenas sete
com a adesão do PMDB e do PP, a bancada
ou oito partidos maiores sobrevivessem a
governista chegou a 370 deputados em junho
esta regra (Dalmoro; Fleischer).
de 2003.
Adotar listas “fechadas” é outra mudança
Na legislação atual de coligações, esta
cogitada nessas propostas para “enquadrar”
aparente “união” se desfaz no dia após o
o Brasil na variante do sistema proporcional
pleito, e cada deputado eleito, cada partido,
mais freqüentemente usado mundialmente.
toma seus rumos de uma maneira indepen-
Porém, duas alternativas são apresentadas
dente — como “um ficar” na linguagem dos
— com ou sem sublistas ou sublegendas.
jovens. Com a federação de partidos, seria SOARES, Gláucio Ary Dillon. 1964. Alianças e coligações eleitorais:
notas para uma teoria. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Hori-
como uma “união estável” de três anos. Po- zonte, 17:95-124.
rém, o PL 2.679/03 colocou alguns “condi- SOUSA, Vivaldo de. 2005. O comportamento das coligações eleitorais
cionantes” para formar tais “federações”, entre 1954-1962: pleitos majoritários coincidentes com proporcionais.
In: KRAUSE; SCHMITT (Org.). Partidos e coligações. p. 27-41.
inclusive a norma de “candidato nato” (os
atuais deputados teriam lugar cativo no topo
da lista fechada da federação) — obvia-
mente, para facilitar a aprovação pelos depu-
tados eleitos em 2002.
Mesmo com a inserção de vários “agra-
dos” para os deputados, esse Projeto de Lei
não entrou na pauta de votação na Câmara
dos Deputados por causa de ameaças de
três partidos médios — PP, PTB e PL (os
últimos dois muito beneficiados pela “migra-
ção” de deputados em 2002 e 2003). Quem
sabe, com uma grande renovação, a nova
Câmara consiga, em 2007, votar uma refor-
ma político-partidário-eleitoral e modificar
este mecanismo de coligações eleitorais.
Nota
1
Nos códigos eleitorais de 1950 e 1965, estes
“conjuntos” de partidos para fins eleitorais eram
chamados de alianças, já na legislação eleitoral a partir
de 1985 a denominação passou a ser coligações.
Brasília, 5 de junho de 2006.
Referências
Justiça Eleitoral
Matthew Taylor
século, tanto em seus números absolutos eleitoral gratuita, além de receber recursos
(atualmente em torno de 122 milhões), quanto do Fundo Partidário. Foram quase 380 mil
como porcentagem da população, culmi- candidatos a cargos municipais, estaduais
nando na outorga do voto aos analfabetos e federais nas eleições de 2004, sendo que
em 1985, que tornou o sufrágio adulto uni- muitos destes concorreram com seus cor-
versal. Enfim, o processo pelo qual os elei- religionários partidários, inflando o custo e a
tores participam do processo de votação, agressividade das campanhas. Diante das
supervisionados pela Justiça Eleitoral, bene- reconhecidas “deficiências técnico-materiais
ficia-se de alta taxa de credibilidade. e de recursos humanos” da Justiça Eleitoral
De outro lado, no entanto, o desempenho (Sadek, 1995, p. 67), o elevado número de
da Justiça Eleitoral deixa muito a desejar, candidatos e partidos e a acirrada concor-
avançando pouco no sentido de fiscalizar a rência entre eles dificultam imensamente a
participação dos partidos ou dos candidatos fiscalização.
nas mesmas eleições, e muito menos ainda A coibição preventiva da prática de cri-
na punição de eventuais erros decorrentes mes eleitorais, através do monitoramento
da atuação destes atores políticos. Tendo em efetivo dos candidatos e partidos políticos,
mente o propósito desta coletânea, de ofe- é difícil, em vista das inúmeras possíveis
recer subsídios para aprimorar as instituições contravenções, tais como o uso da máquina
políticas, é essencial assinalar as principais do governo para favorecer candidatos, o
fraquezas da Justiça Eleitoral. financiamento ilícito de campanhas, e as
Estas se resumem principalmente na difi- tentativas de compra de votos, fenômeno que
culdade de monitorar e detectar irregulari- pesquisa nacional estima ter atingido um em
dades e na dificuldade de punir efetivamente cada sete eleitores (Speck, 2003). O monito-
os envolvidos em eventuais crimes eleitorais. ramento de tais infrações pela Justiça Elei-
Embora a Justiça Eleitoral seja eficaz na pu- toral depende quase inteiramente de
nição de algumas manipulações do pro- denúncias advindas da sociedade civil. A
cesso eleitoral, como abusos por parte da única exceção a esta regra se dá no monito-
mídia ou abusos no horário eleitoral gratuito, ramento pró-ativo do financiamento de cam-
deixa muito a desejar na fiscalização e pu- panha, pelo qual todos os candidatos
nição de irregularidades relativas ao financia- apresentam as contas da campanha para
mento irregular de campanhas (“caixa dois”) consideração pela Justiça Eleitoral até trinta
e ao uso indevido da máquina governamental. dias após o pleito.
De acordo com um levantamento parcial das Mas a combinação de campanhas caríssi-
representações feitas diante da Justiça Elei- mas (Silva Bohn et al., 2002 estimam o custo
toral, 70% dos procedimentos são relativos de se eleger deputado federal em torno de 4,5
ao horário eleitoral, e apenas 0,3% resulta a 6 milhões de dólares), regras inócuas ou
em condenação por crime eleitoral (Santos, frouxas tanto de declaração de gastos quan-
2003). to do autofinanciamento da campanha pelo
Estas fraquezas da Justiça Eleitoral re- próprio candidato (o que dificulta o monito-
sultam de dois males maiores: o fato de ramento de ingressos suspeitos), e a falta
mudanças na legislação sobre campanha e de uma legislação mais rigorosa, que per-
sobre as eleições estarem justamente nas mita a rejeição de contas suspeitas, ten-
mãos dos que mais se beneficiam de uma de a dificultar o trabalho da Justiça Eleitoral.
legislação pouco rigorosa; e a dificuldade Como concluem Silva Bohn et al. (2002, p.
de se monitorar eleições efetivamente diante 351), devido a esses fatores, “as contas de
de um sistema político-partidário que incen- campanha acabam se tornando uma peça
tiva um número imenso de candidaturas e de ficção, e a prestação de contas é vista
partidos. O TSE já concedeu registro defini- como um acordo de cavalheiros, no qual
tivo a 29 partidos políticos, o que lhes per- cada partido ratifica a lisura da contabili-
mite participar das eleições e da propaganda dade alheia, para que, em troca, possa ter
R$1 milhão no ano passado para renovar sua passado pela Justiça Eleitoral. Em relação
frota de carros oficiais, mas dispôs de so- a benefícios, uma proposta recorrente é a
mente cinco funcionários para realizar todo o isenção fiscal dos contribuintes, que criaria
controle nacional das despesas partidárias. incentivos para tirar as doações das sombras
O segundo nível de reformas inclui mu- e aumentaria a transparência das campa-
danças na própria instituição da Justiça Elei- nhas. Finalmente, em termos de punição,
toral e na legislação relativa às eleições. o aumento das penalidades para a prática
Ambas haveriam de ser aprovadas pelo de “caixa dois” já foi proposto, com um au-
Congresso. Em relação à primeira, é de lon- mento na pena máxima de cinco a oito anos
ga data a crítica à investidura temporária dos e a elevação das multas. Mas essas puni-
membros dos tribunais eleitorais, que apre- ções deveriam ser estendidas, na prática,
senta “o inconveniente de impedir uma maior não somente aos políticos envolvidos, mas
especialização nos assuntos atinentes ao também aos doadores, que quase nunca
contencioso eleitoral” (Sadek, 1995, p. 38). sofrem as conseqüências pela prática de
Neste mesmo sentido, a Justiça Eleitoral “caixa dois”.
como instituição também poderia ser forta- Reformas mais profundas na legislação
lecida através de maiores dotações orça- relacionada à Justiça Eleitoral tendem a ser
mentárias para a Justiça Eleitoral e o de difícil implementação, especialmente
Ministério Público eleitoral, permitindo a porque a pressão pública a favor da reforma
ampliação de sua capacidade (se combina- chega a seu apogeu exatamente no auge
do com a racionalização e realocação de seu das crises políticas, quando os congressis-
gasto na linha recomendada acima). tas estão geralmente distraídos pelo acom-
Entre as propostas para aprimorar o con- panhamento do escândalo. Mas não se deve
trole dos gastos legítimos de campanha, o esquecer que mudanças mais profundas na
aumento da fiscalização, a criação de bene- legislação eleitoral, como o aumento da efi-
fícios para os contribuintes legais, e um au- cácia das penalidades, podem ser efetiva-
mento na efetiva punição são essenciais. Em das através dos esforços da sociedade civil.
relação à fiscalização, uma proposta seria a Nesse sentido, a aprovação da Lei 9.840 de
contratação temporária de auditores exter- 1999 é exemplar: um grupo de organizações
nos pela Justiça Eleitoral durante períodos civis, liderado pela Conferência Nacional dos
eleitorais. Estes auditores poderiam ser tan- Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos
to do setor privado quanto servidores públi- Advogados do Brasil (OAB), conseguiu mais
cos “emprestados” durante o período de um milhão de assinaturas para aprovar
eleitoral (do Ministério da Fazenda, dos Tri- uma iniciativa popular de lei mudando as
bunais de Contas, etc.) para incorporar co- penalidades impostas para a compra de
missões temporárias de fiscalização de voto, impondo não somente uma multa, mas
contas. Tal proposta não implicaria aumento também — e talvez de maior efeito dissua-
permanente no tamanho da burocracia, mas sor para os políticos — permitindo que a
garantiria uma divulgação mais rápida das Justiça Eleitoral rapidamente invalide a can-
fontes financiadoras legítimas e da relação didatura de políticos envolvidos. É difícil acre-
entre gastos efetivos e rendas declaradas. ditar que o Congresso teria tomado a
Uma segunda proposta, do Professor Mar- iniciativa de promover esta reforma sem uma
cos Cintra, centralizaria o orçamento dos pressão mais direta da sociedade.
candidatos na Justiça Eleitoral: qualquer do- Finalmente, embora não seja imediata-
ação ou gasto declarado teria que passar mente relevante a questão da Justiça Eleito-
pelo crivo da burocracia eleitoral, permitindo ral, mudanças mais amplas no sistema
maior fiscalização da fonte e destino dos re- político-partidário também poderiam ajudar
cursos declarados. Qualquer gasto extra-ofi- a melhorar a transparência do sistema elei-
cial seria facilmente reconhecido por não ter toral. As três propostas mais comuns são
de trocar a representação proporcional para SANTOS, Reinaldo dos. Mídia e democracia na legislação eleitoral brasi-
leira: um levantamento dos mecanismos legislativos de controle e com-
um sistema de voto distrital misto, criar lis- pensação do uso dos meios de comunicação em contextos eleitorais
tas fechadas de candidatos dentro de cada (1974-2000). Trabalho apresentado no XXVI Congresso Anual em Ciência
da Comunicação, 02-06 de setembro de 2003.
partido e introduzir regras mais rígidas de
SILVA BOHN, Simone Rodrigues da; FLEISCHER, David; WHITACKER,
fidelidade partidária. Juntas, estas propos-
Francisco. A fiscalização das eleições. In: SPECK, Bruno Wilhelm (Org.).
tas criariam um vínculo mais direto entre elei- Caminhos da transparência. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
tores e seus representantes distritais, de Campinas, 2002. p. 335-354.
diminuiriam a competição entre candidatos SPECK, Bruno Wilhelm. A Compra de votos – uma aproximação empírica.
Opinião Pública IX, n. 1, p. 148-169, 2003.
do mesmo partido, e fortaleceriam os parti-
dos políticos. Em suma, poderiam diminuir
o alto custo das campanhas, eliminando um
incentivo muito relevante no problema do fi-
nanciamento ilegal através de “caixa dois”,
além de aumentar os custos eleitorais de
transgressões eleitorais, tanto para candida-
tos específicos quanto para seus partidos
políticos.
Enfim, não faltam propostas para melho-
rar a transparência do processo eleitoral. Al-
gumas, como o financiamento público das
campanhas, não parecem ser soluções efi-
cazes, porque reduziriam pouco os incenti-
vos ao financiamento não contabilizado pelas
campanhas. Outras propostas, como um
aumento nas penalidades impostas aos in-
fratores, dificilmente alcançarão o sucesso
se não forem implementadas conjuntamen-
te com outras medidas que fortaleçam a
Justiça Eleitoral na sua capacidade fiscali-
zadora e punitiva. Finalmente, é importante
realçar a dificuldade de qualquer iniciativa
reformista prosperar sem maciço apoio po-
pular. Tendo em vista a ampla reação popu-
lar ao atual escândalo político, talvez seja
uma hora propícia para se pensar as alter-
nativas que possam criar um sistema mais
efetivo e capaz de coibir as piores contra-
venções das leis eleitorais, garantindo, as-
sim, a legitimidade do sistema democrático
brasileiro.
Referências
O Financiamento
de Campanhas
Eleitorais
O que compreende
o financiamento de
campanhas eleitorais?
montante dos recursos gastos em campa- rário eleitoral gratuito é concedido durante as
nhas, tornando as eleições menos custosas. eleições nacionais, estaduais e municipais.
Em resumo, o financiamento político no Bra- A distribuição deste espaço gratuito em
sil atualmente se caracteriza por ser muito um canal de comunicação tão importante
permissivo quanto à origem e aos volumes quanto rádio e televisão é de central impor-
dos aportes para os partidos e campanhas tância para os competidores, principalmen-
eleitorais. te levando em conta a proibição do espaço
A segunda abordagem na regulação do adicional pago (Lei Eleitoral 9.504/97, art. 44).
financiamento da política consiste na provi- A Lei Eleitoral aloca 1/3 do espaço em fra-
são de recursos públicos aos candidatos e ções iguais entre todos os partidos que apre-
partidos. A justificativa destes aportes públicos sentam candidatos na eleição e tiverem
aos partidos pode ser o seu papel interme- representação na Câmara dos Deputados.
diário entre a sociedade e o poder público. Com o número grande de partidos este es-
Os partidos seriam remunerados pelo serviço paço acaba sendo extremamente fraciona-
que prestam ao sistema político. Outro motivo do. Outros 2/3 do tempo são distribuídos de
pragmático seria o provimento de recursos forma proporcional à composição da Câma-
para substituir parcialmente as outras fontes ra no início do período legislativo. A vincula-
de financiamento e diminuir os riscos decor- ção de um dos mais importantes recursos
rentes do uso ilegal da máquina ou do finan- na eleição ao sucesso eleitoral no passado
ciamento privado. Neste caso a justificativa é tende a perpetuar a relação de forças entre
instrumental. Os partidos recebem recursos os partidos.
públicos para manter a sua independência. Outro fator de financiamento vai na mesma
As formas de financiamento público se direção. Desde 1995 os partidos políticos
dividem em três grupos: as isenções de recebem anualmente recursos diretos do
impostos aos partidos e aos doadores; o fundo partidário no valor total de aproxima-
acesso gratuito ou subsidiado a serviços pú- damente 1 real por eleitor (2005: 120 mil reais).
blicos e instalações; os recursos orçamen- Estes recursos não são destinados explici-
tários diretos. No caso brasileiro, a relevância tamente às eleições, mas por outro lado a
econômica da isenção do imposto de renda lei não proíbe tal utilização, exceto a 20% do
concedido aos partidos políticos é limitada. Fundo Partidário que deve ser destinado a
No entanto, o acesso gratuito concedido aos fins educativos. A distribuição de 99% dos
meios eletrônicos de comunicação represen- recursos do Fundo Partidário se dá pelo cri-
ta uma forte intervenção do Estado na com- tério do sucesso eleitoral na última eleição,
petição eleitoral. O horário eleitoral gratuito perpetuando outra vez a relação de força entre
em rádio e televisão foi introduzido em 1962, os partidos através dos subsídios públicos
e durante a ditadura militar a legislação foi (Lei dos Partidos 9.096/95, art. 41).
complementada em 1974, proibindo a con- Os projetos sobre a ampliação do fundo
tratação de propaganda adicional paga nes- partidário e a proibição dos recursos priva-
tes meios. Desde então o sistema brasileiro dos em anos eleitorais devem levar em con-
se caracteriza pela concessão de amplo es- ta a necessidade de se intensificar a
paço gratuito aos partidos antes da eleição. fiscalização para coibir de forma eficiente o
Os 100 minutos diários concedidos durante “caixa dois”. Outra preocupação é a impor-
45 dias antes da eleição aos partidos em tância dos critérios de distribuição dos re-
rádio e televisão representam uma dotação cursos do Fundo, quando estes se tornam
generosa, se comparada a outros países. O hipoteticamente o único recurso na campa-
valor comercial deste espaço de propagan- nha. Um desequilíbrio nesta alocação dos
da, estimado em 2,4 bilhões de reais, ilustra recursos públicos influenciará profundamente
a importância deste canal de comunicação as chances dos competidores políticos.
na sociedade brasileira (Speck, 2005). O ho-
digo da Receita Federal (CNPJ/CGC) e a data FLEISCHER, David. Reforma política e financiamento das campanhas
eleitorais. Cadernos Adenauer, ano 1, n. 10, p. 79-103, 2000.
da doação. Também é obrigatório registrar
KINZO, Maria D’Alva Gil. Funding parties and elections in Brazil. In:
as doações em espécie, estimando o seu
BURNELL, Peter; WARE, Alan (Ed.). Funding Democratization.
valor em dinheiro. Todos os recursos de cam- Manchester: Manchester University Press, 1998. p. 116-136.
panhas devem ser administrados em uma SAMUELS, David J. Pork Barreling Is Not Credit Claiming or Advertising:
conta bancária única de cada candidato. A Campaign Finance and the Sources of the Personal Vote in Brazil. The
Journal of Politics, v. 64, n. 3, p. 845-863, August 2002.
Justiça Eleitoral, responsável pela organi-
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A
zação do processo eleitoral, completou este regulação do financiamento político no Brasil. Cadernos Adenauer,
sistema com a introdução da prestação de ano 6, n. 2, p. 123-159, 2005.
O Bicameralismo
em Perspectiva
Comparada
Mariana Llanos
Francisco Sánchez
duas razões principais. Em primeiro lugar, e República Dominicana, além de sete países
apesar das reformas propostas no Brasil da América do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil,
relacionarem-se basicamente aos partidos Chile, Colômbia, Paraguai e Uruguai. Há pou-
políticos, elas também estão destinadas a cos anos, o bicameralismo prevalecia inclu-
impactar o funcionamento do sistema legisla- sive em um número maior de países. Aos
tivo, âmbito institucional em que os partidos casos do Peru e da Venezuela mencionados
atuam. Assim, não poderíamos desconsi- acima se somam as abolições das câ-
derar a existência de duas câmaras que, com maras altas que aconteceram no Equador
atribuições similares, participam da compli- e na Nicarágua nos anos 70, e em Cuba, em
cada engrenagem de elaboração das leis. 1959. Desse modo, nos últimos cinqüenta
Em segundo lugar, sabe-se que não apenas anos na América Latina se suprimiram mais
os sistemas eleitorais geram incentivos ins- câmaras altas que nas democracias avan-
titucionais que afetam o comportamento dos çadas. Ainda assim, o bicameralismo con-
atores políticos. As regras internas do Parla- tinua sendo uma instituição com grande
1
mento também o fazem, e, neste sentido, presença no continente.
dever-se-ia ter em conta que papel desem- Os sistemas bicamerais hoje vigentes
penha a instituição do bicameralismo, ou constituem um grupo homogêneo no que se
alguma de suas dimensões, como variável refere a dois elementos básicos: a legitima-
explicativa de tal comportamento. ção democrática das câmaras altas através
2
Por esses motivos, consideramos impor- da eleição direta dos seus membros e po-
tante começar examinando as característi- deres constitucionais quase equivalentes
cas básicas do bicameralismo na América para ambas as câmaras. De acordo com
Latina, a fim de identificar seus pontos for- essas características, os bicameralismos do
tes e fracos e oferecer elementos de análise continente encontram-se entre os mais po-
para uma melhor compreensão do caso bra- derosos do mundo.
sileiro. A seguir, mostraremos as múltiplas Para entender melhor o significado e os
dimensões que compõem essa instituição efeitos que trazem consigo os bicameralismos
e os múltiplos propósitos perseguidos por poderosos podemos começar remetendo a
elas. Da mesma maneira, nos referimos à Lijphart (1984, 1999), que distinguiu três
sua inter-relação com outras instituições. tipos — bicameralismo forte, intermediário
Dessa forma estaremos em condições mais e débil — segundo o posicionamento das
adequadas de avaliar melhor o impacto das câmaras legislativas em torno de dois eixos.
propostas de reforma, como também de con- Primeiro, o da simetria/assimetria, conforme
siderar se o bicameralismo no seu conjunto o qual o bicameralismo é simétrico se am-
— ou se algum de seus componentes — bas as câmaras são eleitas popularmente e
deveria desempenhar também um papel em possuem poderes constitucionais similares,
futuros processos de reforma institucional. e segundo, o da incongruência/congruência,
indicando que ambas as câmaras são incon-
gruentes e diferem em sua composição polí-
Bicameralismo, federalismo tica. Desse modo, os bicameralismos fortes
e presidencialismo são ao mesmo tempo simétricos e incon-
gruentes; os débeis combinam assimetria
As legislaturas bicamerais — quais se- com congruência; e os intermediários são
jam, aquelas em que as deliberações acon- casos de assimetria e incongruência, ou de
tecem em duas câmaras distintas (Tsebelis; simetria e congruência.
Money, 1997, p. 1) — são um modelo legis- A classificação de Lijphart é um ponto
lativo bastante difundido na América Latina. de partida importante, mas suas categorias
A metade dos países da região conta hoje resultam demasiado agregadas ao ser apli-
em dia com esse tipo de legislatura: México cadas aos estudos de caso relativamente
também integrada por representantes des- delas tem uma conformação política diferente
ses distritos. Além disso, os estados peque- do Poder Executivo (divided government),
nos já se encontram sobre-representados na requer-se uma grande vontade negociadora
Câmara Baixa, efeito que normalmente é bus- para superar bloqueios. O exemplo da Argen-
cado nas Câmaras Altas através da contri- tina, com um Senado com maioria do Partido
buição de cada estado ou província com o Justicialista desde o retorno da democracia
mesmo número de senadores. em 1983, é ilustrativo das falhas a este res-
peito: os dois presidentes não justicialistas
da terceira onda (Raúl Alfonsín; Fernando de
Algumas reflexões para la Rua) enfrentaram sérios bloqueios legisla-
o caso do Brasil tivos. Nenhum dos dois logrou terminar seu
mandato constitucional.
A reforma do sistema bicameral não Este é apenas um exemplo de como as
toma parte da atual agenda de reformas no reformas que apontam para um objetivo es-
Brasil, mas os objetivos dessa agenda gi- pecífico (como pode ser a consolidação de
ram em torno de temas que, de um modo partidos políticos fortes) podem produzir, ao
ou de outro, estão vinculados à divisão do mesmo tempo, efeitos não desejados. A
Legislativo em duas câmaras: “a formação combinação de partidos políticos fortes com
de maiorias estáveis no Parlamento para ga- presidencialismo e bicameralismo simétri-
rantir a governabilidade...” (Hofmeister, 2005, co pode trazer novos problemas, como o das
p. 11); ou, segundo expressou também o maiorias divergentes. Esses problemas irão
presidente do Senado, “a criação de condi- requerer, por sua vez, novas soluções: tal-
ções para um relacionamento produtivo e vez a necessidade de modificar algum as-
eficaz entre os Poderes da República, espe- pecto do sistema bicameral para tornar mais
cialmente entre o Executivo e o Legislativo. viável a convergência de interesses interins-
De modo que o governo possa, de fato, go- titucionais. Seria conveniente, então, consi-
vernar. E que o Parlamento possa, de fato, derar esses riscos no momento de encarar
legislar” (Calheiros, 2005, p. 2). as reformas planejadas.
Como o Poder Legislativo está compos-
(Tradução: Daniela Paiva de Almeida Pacheco)
to de duas câmaras, é possível prever que
as reformas do sistema eleitoral que se rela-
cionem principalmente ao comportamento
dos partidos na Câmara Baixa terão um im-
pacto mais amplo. Ocorre-nos pelo menos
uma forma em que isso pode chegar a acon-
Notas
tecer. Se considerarmos que uma parte im-
portante da reforma pretende diminuir a 1
Por exemplo, no Peru a discussão sobre um eventual
“infidelidade” do parlamentar durante seu retorno ao bicameralismo renovou-se recentemente.
2
mandato e aumentar o controle dos líderes A Argentina foi o último país a incorporar a eleição
direta de senadores na Reforma Constitucional de
partidários sobre o comportamento dos seus
1994, enquanto a reforma constitucional ocorrida no
liderados, não se pode perder de vista que Chile em agosto de 2005 acabou com os senadores
as mudanças nesse sentido introduzirão designados nesse país, os quais constituíam
aproximadamente 20% cento da Câmara Alta.
uma maior rigidez na política parlamentar. 3
Adicionalmente, os outros casos estudados — Bolívia,
Os governos que chegarem ao poder com Chile, Uruguai, Venezuela sob a Constituição anterior
— são menos simétricos que aqueles mencionados
maiorias próprias na Câmara Baixa poderão
no texto principal, mas, ainda, notavelmente simétricos,
gozar delas, mas os que não as tenham se comparados com outros bicameralismos fora da
8
enfrentarão dificuldades em alcançá-las. região.
4
Apenas no Chile o Senado não tem estas faculdades.
Adicionalmente, em um sistema bicameral 5
The Federalist Papers, principalmente o nº. 62.
simétrico, se as duas câmaras têm diferen-
te composição, ou se ambas ou alguma
6
Consultar também NEIVA (2004) para conclusões
similares sobre a relação entre presidencialismo e
bicameralismo forte.
7
Claro, tanto na Argentina como no Brasil, o distrito
eleitoral é a província/estado, mas enquanto o número
de senadores por distrito permanece estável, o de
deputados varia (com um mínimo de cinco deputados
na Argentina, e oito no Brasil).
8
Na mesma linha de pensamento FLEISCHER (2005,
p. 89) cita L.M.Rodrigues: “O eleitor não se incomoda
com a infidelidade dos parlamentares migrantes, já
que de alguma maneira ajudam o governo a construir
maiorias no Legislativo depois de cada eleição.”
Referências
Suplentes de
Parlamentares
Charles Pessanha
Ana Luiza Backes
todo aquele mandato (art. 112). A ordem de maior parte dos casos, não participaram das
chamada é a definida pelo desempenho de campanhas e, portanto, não assumiram
cada candidato na eleição, mesmo que, nos compromissos com o eleitorado, que os ele-
casos de coligação, o suplente seja de ou- geu sem conhecê-los e nem a suas propos-
tro partido coligado, e, não oriundo da mes- tas.
ma legenda do deputado substituído. Vale
lembrar que a regra se aplica também se o
suplente convocado tiver trocado de partido Outras Constituições
após o pleito — o critério para o preenchi-
mento das vagas é aquele resultante da elei- O preenchimento de vacância em eleições
ção, consagrado na lista de suplentes. Já majoritárias não é, realmente, tão simples
para o Senado Federal, a Constituição deter- quanto no caso das eleições proporcionais
mina que cada senador será eleito com dois em que, como foi visto, as listas partidárias
suplentes (art. 46, parágrafo 3º). O método criam, automaticamente, uma lista de su-
adotado para essa eleição é o de “chapa plência (sejam as listas abertas, ordenadas
única” — cada candidato ao Senado con- pelo voto do eleitor, ou preordenadas). As
corre com seus dois suplentes, implicando fórmulas mais usadas para a substituição
sua eleição, necessariamente, a eleição dos de representantes oriundos de eleições ma-
substitutos. O grande problema dessa fór- joritárias são a convocação de um novo plei-
mula é que ela acaba por ocultar os candi- to ou a previsão de eleição conjunta de
datos à suplência, cujos nomes não são suplentes para os cargos. Nos Estados Uni-
divulgados durante a campanha, não são dos, cujos desenhos institucionais tiveram
votados diretamente e permanecem assim grande importância para os países sul-ame-
quase sempre desconhecidos dos eleitores. ricanos, a Emenda Constitucional 17, de 1912
O que se observa na prática é que para a — que revogou as eleições indiretas para a
indicação do cargo prevalecem escolhas de Câmara Alta, pelas Assembléias Legislati-
parentes, de financiadores de campanha e vas, e estabeleceu eleições diretas para o
até acordos para divisão de mandato. Não Senado — regulamentou o problema da su-
raro, são eleitos suplentes que jamais exer- plência ao dispor que, “ocorrendo vagas na
ceram cargos públicos e/ou que não teriam representação de um Estado no Senado, a
condições de disputar, perante o eleitorado, autoridade executiva do Estado convocará
uma cadeira no Senado. A situação torna-se eleições para o seu preenchimento. Todavia,
mais séria pelo fato de as vacâncias perma- a Assembléia Legislativa poderá autorizar a
nente e provisória não serem incomuns no autoridade executiva a proceder a nomea-
Senado Federal. Desde a promulgação da ções temporárias enquanto o povo não pre-
Constituição de 1988, por exemplo, vários encher a vaga por eleição, nos termos
senadores renunciaram ao mandato para previstos pela Assembléia Legislativa. No
assumir cargo de Ministro do Tribunal de Brasil, já foram experimentadas algumas
Contas (1/3 da composição do Tribunal é fórmulas. A Constituição de 1891, um pou-
indicada pelo Senado Federal, que costuma co antes dos Estados Unidos, usou a fór-
optar por senadores ou ex-senadores); outros mula da nova eleição, para suprir as
renunciaram por razões diversas ou tiveram vacâncias, ao determinar que “o senador elei-
os mandatos cassados, pela Justiça Eleitoral to em substituição de outro exercerá o man-
ou por seus pares. No mesmo período, vários dato pelo tempo que restava ao substituído”
senadores se afastaram para exercer cargos (art. 31, parágrafo único). A Constituição de
previstos na Constituição, principalmente de 1946 partidariza a eleição para o Senado ao
ministros de Estado, ou por licenças médi- criar a figura do suplente ligado ao candida-
cas ou ainda para tratar de interesses parti- to, determinando que “substituirá o Senador,
culares. O mandato de senador nesses ou suceder-lhe-á nos termos do artigo 52, o
casos foi exercido por substitutos que, na suplente com ele eleito” (art. 60, parágrafo
4º). Na eventualidade da inexistência de su- três candidatos (sendo eleito o mais vota-
plente, cabia ao presidente da Casa solici- do, os outros dois convertendo-se em su-
tar ao “Tribunal Superior Eleitoral para plentes). No caso da opção pela sublegenda,
providenciar a eleição, salvo se faltarem teríamos a vantagem de obrigar os suplen-
menos de nove meses para o término do tes a disputarem eleições. Do ponto de vista
período”. Nesse caso, o eleito exerceria “o formal, não há nada que impeça a criação de
mandato pelo tempo restante” (art. 52). A um instituto semelhante para a eleição de
Constituição de 1967 determinou que “cada senadores hoje. Enquanto alternativa para
Senador será eleito com seu suplente” (art. os problemas da suplência dos senadores,
43, parágrafo 2º). O pronome reforçou a li- contudo, a solução deixa a desejar, pois a
gação do suplente ao titular. Em 1977, no superação do sistema atual seria facultativa,
ou seja, dependeria da opção adotada pelo
bojo do “pacote de abril”, foi incluída a fór-
partido. Além disso, para que se concreti-
mula de eleição do Senador “com dois su-
zem as vantagens (que os candidatos a su-
plentes” (art. 41, parágrafo 3º da Emenda
plente sejam obrigados a buscar apoio junto
Constitucional 1/69, com redação dada pela
ao eleitorado), torna-se necessária a exis-
Emenda Constitucional 8/77). Ao mesmo
tência de diversas candidaturas no interior
tempo, foi estendido para as eleições do
do partido. Esse sistema estimularia divi-
Senado o mecanismo da sublegenda parti-
sões nas nossas já frágeis agremiações par-
dária (a Lei 5.453, de 14 de junho de 1968
tidárias, transformando as eleições em uma
havia instituído o sistema de sublegendas
disputa interna entre as legendas. Os incon-
nas eleições para Governador e Prefeito), atra- venientes gerados por essas disputas pro-
vés do Decreto-Lei 1.541/77, permitindo o vavelmente superariam as vantagens
lançamento de mais de um candidato por associadas às mudanças que se pretendem
partido para cada vaga de senador. Segun- na forma de escolher a suplência.
do o método adotado, os candidatos não
b) Tornar suplentes os candidatos mais vota-
eleitos eram transformados em suplentes.
dos.. Uma alternativa freqüentemente aven-
O instituto da sublegenda facultava aos par-
tada como solução para o problema é a de
tidos políticos o lançamento de até três can-
transformar em suplentes os segundos e
didatos para o Senado e para as Prefeituras,
terceiros candidatos mais votados para o
sendo os votos de todos os candidatos do
Senado, no respectivo estado. Essa fórmula,
mesmo partido somados, destinando-se a
para ser implantada, exige a mudança da
cadeira ao mais votado dentre eles. O obje-
Constituição, já que contraria a letra do pará-
tivo da fórmula, contudo, não era resolver o
grafo 3º do artigo 46. Há várias Propostas de
problema da suplência, mas dar aos parti-
Emenda Constitucional em tramitação na
dos, durante a vigência do bipartidarismo Câmara, propondo justamente essa altera-
forçado, a possibilidade de expressar diver- ção (ver PECs 142/95, 541/97, 362/2001, 149/
gências. 2003, 312/2004). Essa mudança seria de fá-
cil implantação, pois aproveita o sistema de
Propostas em discussão eleição nos moldes atuais, sem necessitar
no Congresso de muitas adaptações nos mecanismos elei-
torais, o que talvez explique o grande núme-
ro de propostas que visam instituí-la.
a) Reviver a sublegenda. Uma alternativa em
Entretanto, não parece ser a melhor solução,
exame é a de reviver a sublegenda para a
pois significaria substituir o eleito pelo can-
eleição de senador, por via de lei ordinária
didato derrotado, cuja proposta pode ter sido
(ver PL 2.876/2004, do Deputado Costa
amplamente repudiada pelo eleitorado. Além
Ferreira, em tramitação na Câmara). Segun-
disso, é rompida a afinidade partidária entre
do a proposta, à maneira do que fazia o De-
creto-Lei 1.541/77, os partidos poderiam o substituto e o titular, podendo gerar todo
optar pelo sistema atual (indicando um can- tipo de atrito na hora da substituição, levan-
didato e seus dois suplentes) ou lançar até do mesmo o Senador a evitar o afastamento
para não alterar a participação de seu partido Constituição, pois a redação dada ao pará-
no Senado (impedindo, por exemplo, que grafo 3º do artigo 46 não impede que se
se candidate a governador de seu estado, proceda a uma escolha direta dos suplentes
ou que participe de ministérios). (ao contrário do que ocorre com a eleição
dos vices para os cargos executivos,
c) Criar a candidatura a suplente. Uma terceira
inseparáveis dos titulares, conforme o dis-
alternativa em discussão no Congresso é a
posto no parágrafo 1º do artigo 77). Essa
de permitir ao eleitor votar diretamente no
argumentação parece capaz de resistir ao
suplente, escolhendo entre as alternativas
exame de constitucionalidade requerido
apresentadas pelo partido. A idéia é que cada
para a adoção da medida por legislação
candidato ao Senado seria registrado com
infraconstitucional. O projeto do Senador
vários candidatos a suplente, e caberia ao
Suplicy afrontava a Carta Magna em outro
eleitor escolher quais deles iriam efetiva-
ponto, porém, já que previa a escolha de ape-
mente se credenciar a substituir o senador
nas um suplente, ao invés dos dois expressa-
eleito. Vale esclarecer que as eleições do
mente determinados na Constituição.
titular e de seus suplentes não seriam inde-
pendentes entre si, pois o eleitor escolheria d) Suplente assume apenas até nova eleição
os substitutos dentre os oferecidos na cha- para senador. Vários projetos em tramitação
pa do partido, os suplentes concorreriam vin- no Senado criam novas regras de substi-
culados à candidatura principal. Essa nos tuição: o suplente substituiria o titular ape-
parece ser a melhor fórmula para solucionar nas nos afastamentos temporários; nos
o problema da suplência, pois obriga os par- casos de vaga, seria eleito novo senador
tidos a tornar públicos os nomes dos candi- com mandato-tampão nas próximas eleições
datos a suplente, entregando ao eleitor a sua gerais subseqüentes (ver PECs 11/2003 e
escolha. E não tem os inconvenientes das 8/2004), ou seriam convocadas novas elei-
duas anteriores: nem criará suplentes com ções (ver PECs 5/2001 e 24/2001). A pro-
antagonismos irreconciliáveis com os titula- posta não resolve o problema de suplentes
res, nem obrigará à divisão dos partidos em desconhecidos do eleitor, mas pelo menos
sublegendas. Já foram apresentadas no Con- evita que eles venham a exercer longos
gresso Nacional propostas contendo essa mandatos. É necessário considerar, contudo,
fórmula, uma implantando a mudança por que a realização de um novo pleito pode
via de emenda à Constituição, e a outra por significar custos excessivos; a melhor alter-
legislação infraconstitucional. A PEC 67/ nativa, no caso, parece ser a de aguardar
2003, cujo primeiro signatário é o depu- até a próxima eleição geral.
tado Maurício Rands, propõe alterar a Cons-
e) Impedir registro de parentes para su-
tituição para adotar um sistema desse tipo,
plência. Outra proposta de alteração às
estabelecendo que o eleitor faça diretamente
regras de suplência foi tentada pela Sena-
a escolha de um suplente, dentre as alter-
dora Marina Silva (SF PLS 00190/99) pro-
nativas apresentadas pelo partido. Cumpre
pondo alterar a Lei Complementar 64 (Lei
registrar que a proposta reduz o número de
de Inelegibilidade), para vedar o registro de
suplentes para um, pois altera também o
suplentes que fossem parentes do candi-
mandato dos senadores, que seria reduzido
dato ao Senado, até o segundo grau. A pro-
a quatro anos (o número de dois suplentes,
posta, contudo, foi rejeitada no Plenário do
que está em vigor hoje, está relacionado ao
Senado (em 17/10/2001). Em 2003 foi apre-
longo mandato de oito anos, para o qual se
sentado projeto com idéia semelhante,
considerou que apenas um suplente pode-
dessa vez, como proposta de alteração cons-
ria ser muito pouco). No Senado, por sua vez,
titucional (ver PEC 11/2003).
tramitou um Projeto de Lei visando instituir
essa alteração por via de lei ordinária: o PL
29/1995, apresentado pelo Senador Eduardo
Suplicy, o qual foi arquivado. Era defendido
no projeto que não seria necessário alterar a
Referências
4
Regras Decisórias
Poderes de Agenda do
Presidente
Magna Inácio1
agendas de reforma para as questões rela- das casas legislativas em torno dessa
tivas aos processos eleitorais, à organização agenda, pois parte dessas propostas integra
partidária e às bases institucionais da re- o relatório de comissão mista especial for-
lação entre o Legislativo e o Executivo. Um mada para a análise do rito de tramitação
volume considerável de iniciativas legislativas das MPs.
tem como foco a distribuição de poderes Um outro item da agenda de reformas,
legislativos e a capacidade assimétrica do com impacto sobre os poderes de agenda
Presidente para implementar a sua agenda do Presidente, diz respeito à execução do
legislativa vis-à-vis os parlamentares. orçamento autorizado pelo Congresso. Um
Diversas proposições buscam alterar as dos focos do movimento parlamentar pela
bases constitucionais de exercício do poder reforma orçamentária consiste na limitação
de decreto do Presidente, por meio das da discricionariedade do Poder Executivo na
MPs, a despeito da sua recente regulamen- redefinição das prioridades de gasto condu-
tação pela Emenda Constitucional 32, de zida por meio do contingenciamento das
2001. Três grupos podem ser diferenciados: dotações autorizadas na lei orçamentária.
(1) proposições que buscam definir as Nesta direção, tramitam propostas relativas
matérias insuscetíveis de regulação através à execução obrigatória das dotações pre-
desse dispositivo; (2) proposições introdu- vistas na Lei Orçamentária Anual – LOA, tor-
zindo regras para a admissão e a eficácia nando o orçamento impositivo ao invés de
legal das MPs, e (3) proposições voltadas autorizativo, como vigente atualmente. Um
para a extinção do instituto. Entre as propo- desdobramento dessa agenda é a visibili-
sições do segundo grupo, algumas inicia- dade crescente de propostas voltadas para
tivas introduzem a exigência de aprovação a integração das comissões temáticas ao
de parecer de uma comissão mista sobre processo orçamentário. Essas iniciativas têm
a observância dos “pressupostos da urgência
como foco a descentralização do poder de
e relevância” para que se atribua “força de
deliberação orçamentária e o desenvolvimento
lei” à MP; redefinem os prazos para a perda
de capacidades difusas de acompanha-
desta eficácia e propõem a restrição do
mento e de fiscalização pelas comissões
número de MPs tramitando simultanea-
temáticas. O desenvolvimento dessas capa-
mente no Congresso.
cidades revela-se decisivo não só pelo poder
Um aspecto a destacar diz respeito às
de agenda presidencial em matéria orça-
condições de verificação e controle entre as
mentária, mas também devido às exigências
casas legislativas no que tange à apreciação
decorrentes da adoção de um marco legal
das MPs. Nessa direção, a discussão so-
de planejamento fiscal plurianual, pautado
bre a mudança no rito de tramitação das MPs
no princípio de conservação do equilíbrio orça-
passou a abranger também aspectos rela-
mentário, o que introduziu novos desafios
cionados aos legislative checks no interior do
para a deliberação e a tomada de decisão
sistema bicameral. Em relação à casa inicia-
acerca das prioridades na alocação dos
dora da votação, uma proposta em debate
recursos públicos.
é a alternância entre as Casas legislativas,
Diante desse quadro pode-se concluir
atualmente uma prerrogativa da Câmara dos
que as proposições acima apontam para
Deputados. Outra alteração proposta é de
uma agenda em que o fortalecimento da
“zeramento de prazos”, ou seja, a contagem,
em separado, do período de tramitação das posição institucional do Poder Legislativo
medidas em cada Casa legislativa, de forma ganha centralidade, indo além da simples
a garantir ao Senado um prazo adequado redução ou extinção de prerrogativas e de
de discussão da matéria. competências do Presidente. Se orientadas
Essas propostas apontam não só para para o desenvolvimento de capacidades
as iniciativas individuais dos legisladores, institucionais do Poder Legislativo relativas
mas evidenciam algum grau de mobilização ao conjunto das atribuições parlamentares
Nota
1
Com assistência de pesquisa realizada por Pedro
Lucas de Moura Palotti e Lívia Maria Alves Cândido
Pereira, alunos da EG/FJP.)
Referências
Modalidades e
Procedimentos de
Votação nas
Modernas Casas
Legislativas
Sabino Fleury
teórico comum, presente nas obras de im- ainda que haja, atualmente, o predomínio da
portantes pensadores como Hobbes, Locke concepção que admite a natureza não-im-
e Montesquieu, entre outros, nos séculos 17 perativa dos mandatos parlamentares. Esse
e 18, o reconhecimento de que parte da so- predomínio está associado aos conceitos
berania popular deve ser transferida para um consolidados no decorrer do processo
único ou para um colegiado específico de histórico de construção das limitações de-
representantes, que lhes garante a seguran- mocráticas ao exercício do poder dos gover-
ça individual ou a estabilidade coletiva das nantes.
relações econômicas e sociais. Essa trans- Como já se disse, o surgimento do Estado
ferência implica o reconhecimento da legiti- moderno está amplamente associado à
midade de atribuições específicas de órgãos transferência de parte da soberania individual
políticos especializados e, portanto, a inevi- ao corpo coletivo, fundamentada no reconhe-
tabilidade da representação dos interesses cimento de que somente assim poderia ser
gerais por meio de mandatos conferidos a assegurada a vigência de determinados va-
representantes escolhidos pela coletividade. lores e bens coletivos considerados indis-
Qualquer forma de representação (man- pensáveis para a existência da sociedade.
Nesse contexto, a questão dos limites da
dato) tem como elemento intrínseco o esta-
delegação, quando colocada, relacionava-se
belecimento de vínculos jurídicos e sociais
diretamente com o objetivo primordial do
entre duas categorias de sujeitos: os repre-
contrato: a princípio, seriam intoleráveis ape-
sentados (mandantes) e os representantes
nas os atos que pudessem afetar diretamente
(mandatários). Nos casos mais comuns nas
a própria sobrevivência da coletividade.
sociedades atuais, em determinadas ocasi-
Ao longo do processo histórico de cons-
ões algumas pessoas conferem poderes
trução liberal da democracia moderna, a prin-
específicos a outras para que pratiquem, em
cipal maneira encontrada para resolver o
seu nome, certos atos que são normalmen-
problema da responsabilização dos gover-
te específicos e bem definidos. Esse é o
nantes não se relaciona, portanto, com a
caso, por exemplo, das procurações que são
demarcação dos limites de sua atuação, e
outorgadas por determinados indivíduos para sim com o reconhecimento da necessidade
que outros pratiquem, em seu nome, atos de alternância no exercício do poder. A deli-
jurídicos específicos. Aqui, o mandante de- mitação temporal dos mandatos, possível
limita as condições do exercício do manda- com a existência de processos periódicos
to, acompanha a execução das atribuições de substituição dos mandatários, possibili-
pelo mandatário e, caso não as considere taria, em tese, aos mandantes o exercício
adequadas, pode, por ato unilateral, extin- do controle sobre o exercício das atribuições
guir a relação entre as partes, com a revoga- dos governantes. A predominância do con-
ção do mandato. A natureza das relações trole dos mandatos por meio de eleições
entre mandante e mandatário é imperativa: periódicas contribui para o reforço da tese
o descumprimento das condições pactua- da autonomia da representação: obedecidos
das é razão jurídica e fundamento válido para os limites pactuados no contrato, a sua exe-
a revogação dessa modalidade de contrato. cução, por parte dos mandatários, passa a
A lógica dessa relação assenta-se, portan- ser objeto de um elevado nível de discricio-
to, na ampla clareza das decisões e na ine- nariedade. Como conseqüência desse pro-
xistência de qualquer possibilidade de sigilo cesso, poder-se-ia considerar que, em
entre as partes. determinadas situações, a exposição aberta
O exemplo apresentado diz respeito a e ampla dos procedimentos de decisão não
relações que se estabelecem preferencial- seria condição absolutamente necessária,
mente no plano das atividades privadas e é pois a validação do mandato aconteceria no
normalmente regulado pelas leis civis. No momento eleitoral e teria como principal
campo da representação política a questão objeto o exame dos resultados obtidos pelos
não se apresenta historicamente resolvida, seus executantes.
Além dessa característica, um outro fa- Ao lado das modalidades apontadas há,
tor importante interfere na elaboração das também, dois tipos de procedimentos dife-
normas regimentais relacionadas com os renciados de votação: o simbólico e o nomi-
procedimentos de votação. Autores como nal. O procedimento simbólico, no qual a
David Mayhew (1974) e Douglas Arnold manifestação de vontade do representante
(1990), estudando especialmente o Congres- se dá por gestos ou palavras proferidas con-
so norte-americano e o comportamento dos comitantemente por toda a coletividade,
representantes eleitos, apontam como prin- constitui a regra geral. No Congresso brasi-
cipal motivação para a sua atuação a busca leiro, uma vez anunciado o início do processo
da reeleição. Entre as estratégias adotadas de votação os parlamentares favoráveis a
com vistas a alcançar esse objetivo, os con- uma determinada proposição são instados
gressistas adotam mecanismos que permi- a permanecerem como se encontram (as-
tem maior ou menor “rastreamento”, por parte sentados ou de pé); no Congresso norte-
dos eleitores, no que diz respeito às suas americano a manifestação se faz em primeiro
decisões e votações: escolhas consideradas lugar pela manifestação de voz por todos os
pouco vantajosas eleitoralmente tendem a presentes (pronuncia-se “aye” quando se é
ser ocultadas, ao passo que as lucrativas favorável e “no”, quando se é contrário) e,
devem ser amplamente expostas. em caso de dúvida quanto ao volume do som,
As modalidades e os procedimentos dis- por procedimento análogo ao brasileiro.
tintos de votação estão, portanto, relaciona- O procedimento de votação nominal é
dos, por um lado, ao processo histórico de adotado, no caso brasileiro, quando se exi-
construção da moderna democracia repre- ge quorum especial para a aprovação de
sentativa, marcado pela natureza não-impe- determinada matéria. Isso acontece nos ca-
rativa dos mandatos, e, por outro, à lógica sos de proposta de emenda à Constituição,
da ação dos parlamentares, orientada para de Projeto de Lei Complementar, de análise
a continuidade de suas carreiras políticas. de veto presidencial e em algumas outras
situações específicas mencionadas nos re-
•••
gimentos internos, normalmente relaciona-
Examinando-se o caso brasileiro atual, das com a aprovação de indicações para o
encontramos duas modalidades distintas de exercício de funções públicas relevantes ou
votação, previstas constitucionalmente e a remoção dos ocupantes de determinados
aplicadas em todas as Casas Legislativas, cargos.
seja no nível da União, no dos Estados ou Os resultados apurados em votação os-
dos municípios. São elas a ostensiva e a tensiva e pelo procedimento simbólico —
secreta. Como regra geral adota-se a vota- regra geral — podem ser co-validados por
ção ostensiva, na qual o representante aber- meio de apuração por procedimento nomi-
tamente manifesta a sua decisão quanto ao nal, a partir de requerimento aprovado para
fato ou à norma em exame. que se tenha a sua verificação, desde que o
A votação secreta constitui uma exceção fato seja solicitado por seis centésimos dos
e ocorre, em princípio, em situações expres- parlamentares, tanto no Congresso brasilei-
samente previstas no texto constitucional — ro, quanto no norte-americano (31 deputados
perda de mandato parlamentar, suspensão no caso brasileiro, 44, no norte americano).
de imunidades parlamentares durante o Es- Deve-se notar que a modalidade secreta
tado de Sítio, eleição para membros da de votação exige sempre o procedimento
Mesa Diretora, decisão sobre veto presiden- nominal, pois o simbólico pressupõe que se
cial. O Regimento Interno da Câmara dos tenha alguma forma de manifestação pública,
Deputados prevê, também, a possibilidade embora diluída na coletividade. Nesse caso,
da adoção de votação secreta quando seja divulga-se apenas o resultado final do pro-
aprovado requerimento nesse sentido, apre- cesso de votação, sem a discriminação da
sentado por um décimo dos parlamentares orientação de cada um dos parlamentares
ou líderes. considerados individualmente.
Pertencimento
do Mandato
representante por seu distrito, os eleitores Burgh (1714-1775), filósofo inglês que
estão escolhendo um parlamentar que não exerceu poderosa influência sobre os anti-
deve abrir mão da sua “opinião imparcial, federalistas, durante as discussões que
de seu juízo maduro e da sua consciência acompanharam a votação da Constituição
ilustrada”. Por trás dessa concepção está a norte-americana, na Convenção da Filadélfia
premissa de que a eleição é um procedi- (1787), e à sua ratificação pelos Estados, no
mento de escolha dos melhores entre todos, ano seguinte. Da mesma forma, os autores
que receberão um mandato aberto para de- de Catto’s Letters (1748), outra influência
cidir entre alternativas de políticas de acordo importante sobre os que se opunham à
com sua consciência e seu discernimento. Constituição, afirmavam que “O ciúme polí-
Raciocínio semelhante é o dos autores de tico (...) no povo é uma Paixão necessária e
Os artigos federalistas, de 1787. No capítulo merecedora de aplauso.” Os governantes
10, James Madison (1751-1836) argumenta devem ser “estritamente vigiados, e contra-
que uma das razões da superioridade da balançados com Restrições mais fortes do
república (representativa) sobre a democracia que sua Tentação de rompê-las”.
(direta) é precisamente o mecanismo da Posição semelhante tiveram as correntes
delegação do governo a um pequeno número democratas radicais e socialistas européias.
de cidadãos eleitos pelos demais. O sistema O mandato imperativo e a revocabilidade dos
assim concebido permite que “as opiniões mandatos por decisão dos eleitores foram
do povo” sejam “filtradas por uma assem- adotados pelos revolucionários da Comuna
bléia seleta de cidadãos, cuja sabedoria de Paris em 1871 e saudados como instru-
pode melhor discernir o verdadeiro interesse mentos da democracia socialista, em opo-
de seu país e cujo patriotismo e amor à jus- sição à democracia burguesa, por Karl Marx
tiça serão menos propensos a sacrificá-lo a (1818-1883), em seu estudo A Guerra Civil
considerações temporárias e parciais”. O na França (1871).
mandato como autorização ampla seria, Nos séculos 18 e 19, as discussões entre
assim, a condição da deliberação política partidários do mandato de conteúdo amplo
livre das injunções de interesses particulares e do mandato imperativo tiveram um caráter
e do espírito de facção. eminentemente normativo. Tratava-se de
No outro extremo, não foram poucos os estabelecer que tipo de mandato era mais
que, desde os primórdios do governo repre- adequado para realização de um dado ideal
sentativo, defenderam o mandato impera- de democracia.
tivo, ou seja, uma delegação limitada, por Os estudiosos da democracia, no século
meio da qual o titular estabelece o modo 19, sem abandonar de todo as preocupações
pelo qual o mandatário deverá agir em seu normativas, deslocaram a discussão para o
nome. terreno das condições que favorecem o
O governo representativo e, a seguir, a maior ou menor controle dos eleitores sobre
democracia representativa desde o início foram os representantes eleitos. Os argumentos
perseguidos pela sombra de uma outra idéia situam-se em níveis variados de abstração
de democracia, aquela que postulava a parti- e dizem respeito a duas questões: a inteligi-
cipação direta dos cidadãos nas decisões bilidade da vontade dos eleitores e a capa-
públicas e negava a legitimidade de uma cidade dos eleitores para efetivamente
organização política assentada no mandato. controlar seus representantes.
O mandato imperativo é a revanche da Joseph Schumpeter (1883-1950) pôs em
democracia direta sobre o princípio vitorioso dúvida a possibilidade de se atribuir um con-
da representação. Já que a delegação é inevi- teúdo preciso à escolha dos eleitores. Em
tável, que seja mínima sua amplitude e má- Capitalismo, socialismo e democracia
ximo o controle do titular sobre o mandatário. (1942) negou que “‘o povo’ tivesse uma
O povo deve reter o poder em suas mãos, opinião definida e racional sobre todas as
entregá-lo apenas com parcimônia e só sob questões individuais” e que objetivasse
a mais estrita supervisão, afirmava James “essa opinião — numa democracia —
condições em que as decisões são tomadas. SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. 3. ed. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1984. p. 336.
Como lembra Giovanni Sartori “a distinção
crucial quando se trata de poder é entre os
titulares que o detém e os que na realidade
o exercem”, pois o “poder é, em última ins-
tância, exercitium: exercício do poder”. Em
outros termos, o mandatário tem sempre a
possibilidade de exercer os poderes que lhe
foram delegados sem muita consideração
pelas expectativas dos eleitores que lhes
outorgam a delegação.
Titular do mandato, o eleitor, em uma
democracia representativa, de fato tem pouco
controle sobre como ele é efetivamente exer-
cido. Mantém o poder de punir o mandatário,
ex post, votando pela não renovação de seu
mandato.
Alguns sistemas democráticos dispõem
do mecanismo constitucional do recall, que
Migração Partidária
André Marenco
partidária, inibindo a adoção dessa estra- partidária (Santos, 2003). Assim, mesmo
tégia. Contudo, a expansão do multipartida- que afirme que sua eleição deveu-se à sua
rismo e a crise do PMDB e, em menor reputação individual e ao voto pessoal de
medida, do PFL, durante a legislatura eleita seus eleitores, esses votos foram insufi-
em 1986, contribuíram para incrementar a cientes para assegurar a eleição da maioria
freqüência nas trocas de legenda, conver- dos deputados eleitos. Mais uma vez, vale
tendo esse comportamento em um fenô- repetir: o êxito eleitoral de um candidato a
meno endêmico na dinâmica legislativa e mandato legislativo depende do desempe-
nas carreiras políticas no Brasil. Isso significa nho de seu partido e da cota de vagas que
que os altos índices de migração não estão este terá direito com base na soma dos vo-
relacionados apenas a processos de reali- tos de todos os seus candidatos. Por outro
nhamento político, como a criação do PSDB, lado, a regra de voto preferencial, operando
em 1988, ou o colapso do PRN, após o pro- no Brasil, permite que o eleitor, com um úni-
cesso de impeachment do ex-presidente co voto, interfira sobre a distribuição de po-
Collor de Mello. Mesmo com a estabilidade der em dois planos: 1) escolhendo o
do sistema partidário verificada a partir de candidato de sua preferência e definindo a
1994, sem cisões nos principais partidos, a ordem dos eleitos; e 2) determinando o ta-
freqüência das trocas de legenda manteve-se manho de cada bancada partidária nas Câ-
elevada, revelando não se tratar de fenômeno maras Legislativas. Quando troca de legenda,
de reacomodação de identidades ideológicas, o parlamentar despreza os votos responsá-
mas comportamento individual visando maxi- veis por sua eleição e viola a distribuição de
mizar oportunidades de carreira política. poder político entre os partidos, tal como
determinada originalmente pelos eleitores.
Considerando a observação de uma tendên-
Conseqüências cia governista presente na migração partidá-
ria, especialmente em contextos de governos
Quando a defecção partidária ocorre du- de coalizão e com alta popularidade presiden-
rante o mandato parlamentar, a principal cial (Melo, 2004), pode-se concluir que este
conseqüência institucional desse comporta- processo interfira, ainda, sobre a disposição
mento implica uma alteração na correspon- e a capacidade do Legislativo em adotar com-
dência entre votos e cadeiras, violando uma portamento pró-ativo, na produção legislativa
regra básica da representação política, de e no monitoramento e controle sobre agências
que a distribuição de preferências dos elei- governamentais, inibindo processos de ac-
tores constitua a condição e medida para countability horizontal.
definir as oportunidades de acesso a postos Duas outras conseqüências negativas
públicos. Para entendermos isso, devemos podem ser associadas à migração partidá-
lembrar que apenas um pequeno número ria, seja quando ocorre durante o mandato
de candidatos às cadeiras legislativas obtém ou ao longo da carreira política. Infidelidade
sufrágios nominais em número igual ou su- partidária revela que os partidos não são —
perior ao quociente eleitoral (a relação entre ao menos para os deputados que trocam
o número de votos válidos e as vagas em de legenda — condições indispensáveis
disputa), assegurando sua eleição com os para a geração de oportunidades de carreira
seus próprios votos. A grande maioria dos política. Quando se pode trocar de partido e
eleitos, embora tendo obtido votos nominais ainda assim assegurar uma reeleição, ou,
em proporção inferior ao quociente, conquista ainda, a mobilidade nos cargos políticos,
sua vaga beneficiando-se dos votos parti- indica que a fidelidade partidária possui pou-
dários: os votos excedentes dos deputados co valor na definição das estratégias da elite
que alcançaram o quociente eleitoral, os política. Ou, ainda, que os insumos para a
votos dos candidatos partidários que não são maximização de carreiras são obtidos junto a
eleitos e os votos conferidos à legenda outras agências (como acesso à patronagem
2006), pode-se verificar que a adoção de sentação política enfrenta o desafio eleitoral
estratégias de infidelidade não constitui fenô- através de esforços e estratégias individu-
meno homogêneo, variando segundo: 1) ais, inclusive no financiamento de campa-
características da circunscrição eleitoral de nhas, certamente, seu comportamento em
cada candidato (os estados), positivamente relação ao partido não terá as mesmas carac-
relacionadas com as taxas estaduais de vola- terísticas que teria, caso o partido fosse rele-
tilidade eleitoral (a flutuação partidária do elei- vante para a escolha dos eleitores. (Projeto
de Lei 2.679, Comissão Especial de Reforma
torado entre uma eleição e a anterior), sendo
Política, 2003.)
irrelevante o efeito provocado pela magnitude
eleitoral; 2) o tempo de filiação partidária Paralelamente, propostas de reformas
prévio à conquista da cadeira legislativa. incrementais supõem que medidas focali-
Maior probabilidade de defecção partidária zadas que ampliem o custo para a infideli-
pode ser verificada entre deputados filiados dade, como o aumento do tempo mínimo
a menos de quatro anos no partido respon- de filiação partidária, poderiam inibir estra-
sável pela vaga, e, quando a troca de parti- tégias de migração, sem os efeitos perversos
do é seguida pela tentativa de reeleição para eventualmente associados ao reforço de
a legislatura seguinte, são observadas me- máquinas partidárias.
nores taxas de reeleição entre os infiéis e
pior desempenho eleitoral (votos e posição
na ordem final) entre aqueles que trocaram Referências
de legenda após períodos de filiação parti-
dária prévia mais longos (acima de quatro CAIADO, Ronaldo (2005). Reforma para consolidar a democracia.
Folha de S.Paulo, 05 jul., p. A3.
anos).
CAREY, John; SHUGART, Matthew (1996). Incentives to cultivate
a personal vote: a rank ordering of electoral formulas. Electoral
Studies, v. 13, n. 4, p. 417-439.
Alternativas
COMISSÃO DE REFORMA POLÍTICA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
(2003). Projeto de Lei 2.679. Brasília: Câmara dos Deputados.
As proposições de reformas políticas vi- GROSE, Cristian (2003). Is it rational to switch parties? Long-term
versus short-term electoral effects of legislative party switching.
sando neutralizar os incentivos à migração
Paper presented at the 2003 meeting of the Midwest Political
partidária obedecem a escopos distintos Science Association, Chicago, Illinois.
quanto à sua amplitude e seguem os diag- KREUZER, Marcus (2004). Political parties and the study of political
nósticos sobre as causas responsáveis pela development: new insights from the postcommunist democracies.
World Politics, v. 56, n. 4.
adoção desta estratégia. A exposição de
HELLER, William; MERSHON, Carol (2005). Party switching in the
motivos do Projeto de Lei 2.679 correlaciona Italian Chamber of Deputies. The Journal of Politics, 67, n. 2.
voto preferencial com precário controle exer- MAINWARING, Scott (1991). Políticos, partidos e sistemas elei-
cido pela liderança dos partidos sobre as torais: o Brasil numa perspectiva comparada. Novos Estudos Cebrap,
São Paulo, n.29, p. 34-58.
carreiras políticas de seus membros e ado-
MARENCO DOS SANTOS, André (2001). Sedimentação de lealda-
ta uma proposta de reforma política mais
des partidárias no Brasil: tendências e descompassos. Revista
radical, com a introdução de procedimento Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 45, p. 69-83.
de listas fechadas, nas quais o ordenamento MARENCO DOS SANTOS, André (2003). Partidos em carne e osso:
dos candidatos a ocupar a cota proporcional votos e deputados nas eleições de 2002. Cadernos Adenauer, Rio de
Janeiro, v. IV, n. 1, p. 21-37.
de cadeiras partidárias ocorre antes da eleição
MARENCO DOS SANTOS, André (2006). Regras eleitorais, depu-
e com base em decisões tomadas pelos tados e fidelidade partidária. In: SOARES, Gláucio Dillon; RENNÓ,
órgãos partidários: Lúcio. Reforma política. Lições da história recente. Rio de Janeiro:
O voto em candidato, em vez de em partido, Fundação Getúlio Vargas. p. 176-192.
tem sido diagnosticado, de longa data, inclu- McELROY, Gail (2003). Party Switching in the European Parliament:
Why bother? Paper prepared for presentation at the 2003 meeting of
sive por eminentes líderes políticos, como the European Consortium for Political Research, Marburg, Germany.
nocivo à disciplina e coesão partidárias. Na
MELO, Carlos Ranulfo (2004). Retirando as cadeiras do lugar. Migração
medida em que boa parcela de nossa repre- partidária na Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Cláusula de Barreira
Mônica Mata
Machado de Castro
Somente os partidos que atingirem a cláu- forma isolada e sem visibilidade. A tendên-
sula de barreira terão direito a uma bancada cia, com o tempo, é que esses partidos
no legislativo federal, com estrutura de lide- deixem de existir, incorporando-se ou fundin-
rança, salas e assessores. E somente os do-se com outros partidos. Especialmente
partidos com liderança podem pedir a para os pequenos partidos ideológicos tra-
palavra a qualquer tempo em sessões do dicionais no Brasil, a cláusula de barreira
Congresso e escolher representantes para pode significar uma sentença de morte. Já
presidir as comissões de trabalho. os membros dos partidos nanicos, “de alu-
Os partidos que não atingirem a cláusula guel”, se eleitos, provavelmente se adapta-
de barreira participarão da distribuição de rão mais facilmente às novas circunstâncias,
somente 1% do Fundo Partidário e terão di- inscrevendo-se em partidos médios e gran-
reito a apenas um programa gratuito de dois des.
minutos por semestre, em rede nacional. Diversos projetos em tramitação na Câ-
Esses partidos pequenos elegerão deputados mara dos Deputados modificam as exigên-
se alcançarem o quociente eleitoral, mas cias da cláusula de barreira: há propostas
seus parlamentares não terão direito a toda de redução do percentual de votos exigidos
a infra-estrutura existente nas Casas Legisla- para o funcionamento parlamentar dos par-
tivas para garantir o funcionamento partidá- tidos dos atuais 5% para 2% ou mesmo 1%
rio. Sem acesso aos recursos assegurados dos votos nacionais para a Câmara dos De-
na Câmara dos Deputados aos partidos mé- putados; há projeto que garante funciona-
dios e grandes, os congressistas eleitos por mento parlamentar ao partido que tenha
partidos pequenos que não tenham atingido elegido pelo menos um deputado em cinco
a cláusula de barreira vão trabalhar quase estados da Federação; outro revoga os dis-
como se fossem avulsos. positivos da cláusula de barreira; há, ainda,
A assessoria da Câmara dos Deputados a proposta de se considerar superada a cláu-
calcula que, se a cláusula de barreira tivesse sula de barreira quando o partido preencher
sido adotada para a legislatura de 2003, con- uma ou outra das duas exigências: 5% dos
siderados os votos da eleição de 2002, votos nacionais ou 2% dos votos em 1/3 dos
somente sete partidos teriam garantido seu Estados. Esses projetos foram elaborados
funcionamento parlamentar: PT, PSDB, PFL, por deputados do PCdoB e do PL, mas tam-
PMDB, PP, PSB e PDT. Depois da eleição, bém tramita na Câmara um projeto de de-
também PL e PTB incorporaram deputados putado do PSDB que reduz de 5% para 2%
eleitos por outros partidos e atingiram as exi- dos votos válidos nacionais a exigência da
gências da cláusula de barreira. cláusula de barreira para o partido ter funcio-
Pode-se afirmar que a cláusula de barrei- namento parlamentar.
ra, como instituída na lei brasileira, funciona- Esses projetos, se levados à votação e
rá como verdadeira cláusula de exclusão, na aprovados ainda em 2006, supostamente
melhor das hipóteses, no médio prazo. Não não afetarão o funcionamento parlamentar
afetará diretamente a representação política tal como previsto na lei de 1995, cujas exi-
num primeiro momento, já que os parlamen- gências passam a vigorar somente agora.
tares eleitos pelos partidos pequenos que Dessa forma, tudo indica que será experi-
alcançarem o quociente eleitoral poderão mentada, pela primeira vez na democracia
assumir seus cargos. Mas, sem acesso a brasileira, a chamada cláusula de barreira.
recursos, esses políticos só terão provavel-
mente duas alternativas: mudar de partido,
o que afeta a representação política e au-
menta a desproporcionalidade da distribui- Agradeço a Felipe Nunes dos Santos, aluno do Curso
ção das cadeiras nos parlamentos, ou de Ciências Sociais, que recolheu informações para
este verbete, em pesquisa no sítio da Câmara dos
trabalhar com uma série de limitações, de Deputados.
Referências
Reforma
Constitucional
Gláucio Soares
• A extensão da Constituição
• O caráter da Constituição
• A representação dos partidos no Congresso
terão esses novos deveres precisam dos países com alta renda per capita. A previ-
meios para cumpri-los. Com meios adequa- dência do setor público causa um desequilí-
dos, os direitos constitucionais têm um im- brio maior do que a privada, que se refere a
pacto positivo, como demonstraram Lorenz um número muito maior de pessoas. Essa
Blume e Stefan Voigt da Universidade de discriminação é um dos fatores que levam a
2
Kassel . Blume e Voigt analisaram muitos cidadania a um afastamento em relação ao
indicadores de direitos humanos, políticos e ideal de ver no Estado e na Constituição “nós,
sociais, chegando a quatro fatores, um dos o povo”. Estado, Constituição, políticos e po-
quais tem que ver com direitos de proprie- der integram a alteridade. A falta de identi-
dade, outro com direitos específicos, eman- dade com “eles” gerou uma espécie de “lei
cipatórios (de mulheres e de trabalhadores) de Gerson” em relação a “eles” e as conse-
e dois que se relacionam com direitos políticos qüentes atitudes reivindicatórias. O corporati-
e com estruturas democráticas. Todos se rela- vismo impede que o Estado e suas instituições
cionam com a renda per capita em 2000 (log), sejam percebidos como “nossos”; a Nação,
mas os direitos de propriedade foram os que sim, o Estado, não.
mais se correlacionaram; foram, também,
os únicos que se correlacionaram significa-
tivamente com outros indicadores, como o Como saber se uma constituição
crescimento da renda per capita entre 1993 é “boa” ou não?
e 2000. Contrariamente ao mito, as ditaduras
e regimes opressivos são economicamente O teste do tempo tem sido enfatizado
ineficientes. como critério para avaliar a qualidade das
O caráter paternalista, protecionista e Constituições. Hague, Harrop e Breslin, em
assistencialista do Estado se revela na fre- 2001, reforçam a imagem das constituições
qüência com que certos temas aparecem como produtos da engenharia política, que
na Constituição. devem ser julgadas por quão bem resistem
ao teste do tempo. Esses autores acham
Figura 2 que freqüentes emendas constitucionais in-
Outros tipos de Protecionismo e
Assistencialismo na Constituição
dicam um sistema político sob pressão. Não
devemos esquecer que há dois parâmetros
importantes na análise das emendas (e re-
formas) constitucionais, o tempo e a dimen-
são. Há mais o que emendar e reformar em
Constituições de ampla cobertura, e se es-
pera que as emendas diminuam depois de
certo tempo. A maneira de emendar as cons-
tituições varia muito.
No Brasil, as emendas constitucionais
exigem maioria de 60% em cada Casa:
No Brasil, a herança corporativista pesou Esta maioria nas duas casas não é fácil
muito sobre os gastos do Estado, conce- de ser obtida em temas que separem go-
dendo ao funcionalismo privilégios e prerro- verno e oposição devido à pulverização parti-
gativas não encontráveis na maioria dos dária. Os dados referentes à Câmara dos
4
Deputados mostram que, em 1990, era neces- Carlos Ranulfo. Antes mesmo de iniciadas
sário que os cinco maiores partidos se unis- as sessões, assim como nos primeiros
sem para garantir a aprovação de emendas meses de cada legislatura, observa-se uma
constitucionais e quatro para obter maioria sim- debandada de deputados de vários partidos
ples; em 1994, eram necessárias as cadeiras na direção de partidos da base governista.
dos três maiores partidos para a maioria sim- Esse movimento só existe porque as cadei-
ples e quatro para obter os 60%; situação que ras são consideradas como pertencentes ao
se repetiu em 1998. Em 2002, tanto a maioria deputado e não ao partido e porque as tro-
simples quanto as emendas necessitavam de cas são permitidas.
todos os votos dos quatro maiores partidos. Pensar a formação de maiorias governis-
tas estáveis com base em partidos é, ape-
Figura 3 - Número de partidos necessários para nas, a primeira aproximação. Os arranjos
obter maioria simples e para Emendas Constitu-
cionais na Câmara dos Deputados institucionais brasileiros estimulam outra
característica, a infidelidade partidária, que
pulveriza as negociações para a formação
de maiorias estáveis com que governar. Além
de negociar com partidos e grupos, o gover-
no é forçado a negociar individualmente com
os parlamentares.
Reformas constitucionais de interesse do
governo podem, com relativa facilidade, ser
bloqueadas pela oposição; não obstante, as
mais necessárias são as relativas à crise fi-
nanceira do Estado, porque tocam no seu
caráter assistencialista, as que eliminem
privilégios e as que corrijam o desequilíbrio
entre direitos e deveres.
Um ponto importante de uma reforma
Não obstante, esse é apenas um exer-
constitucional seria aumentar o controle dos
cício ilustrativo. Em 2002, a segunda maior
eleitores sobre os eleitos. Lars P. Feld e Marcel
bancada, a do PFL, e a quarta, do PSDB,
R. Savioz (1997) estudaram os efeitos da
eram da oposição. Situação semelhante se
democracia direta e do maior controle sobre
configurou nas legislaturas que se iniciaram
o desempenho econômico na Suíça, con-
em 1998, 1994 e 1990. Com base, apenas,
cluindo que existe uma associação robusta
nos partidos, este exercício analítico sugere
entre os dois.
que a distribuição de cadeiras na Câmara
Num sistema eleitoral em que alguns inte-
dos Deputados tornou difícil governar e mais
resses corporativos e particulares garantem
fácil fazer bloquear a ação do governo e que
a eleição de parlamentares, é difícil alterar a
apenas as mudanças constitucionais quase
concepção do Estado, tal qual refletida na
consensuais são aprovadas. Não obstante, a
Constituição, de representação muito desi-
Constituição trazia embutida a necessidade
gual de interesses, com privilégios e prerro-
de muitas emendas, haja vista a que a pa-
gativas espalhados no seu texto, a um
lavra “emenda” aparece nada menos do que
Estado onde todos sejam, efetivamente,
759 vezes no seu texto. As emendas e refor-
iguais perante a Lei e onde direitos e deve-
mas constitucionais podem ter um impacto
res, gastos e receitas, se equilibrem. E, mais
sobre o crescimento econômico como argu-
3 importante, que tenhamos uma atitude de
mentam Sicat e Sicat.
paternidade e responsabilidade pelo Estado
A tentativa de obter maioria para poder
e não uma atitude exclusivamente reivindi-
governar se reflete nos dados sobre a mu-
catória. Nós, o povo...
dança de partidos, muito bem estudada por
Notas
1
Não obstante, há várias revisões que reduziram o
número de artigos, como a da Somália de 156 para
130, e a da Coréia do Sul de 171 para 166.
2
The Economic Effects of Human Rights, Paper Nº
66/04.
3 Ver, da mesma série, The Constitution and economic
progress: when “more is less and less is more”.
Discussion Paper No. 0413, September 2004.
4
Ver Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária
na Câmara dos Deputados (1985/2002). Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2004. 212 p.
Referências
Emendas
Parlamentares
Marcus Melo
partidos de oposição foi colocada na agenda. eleitorais que produzem incentivos para o
A principal questão, neste contexto, refere- comportamento individualista dos parlamen-
se ao impacto do processo de emendamento tares, como o voto proporcional com lista
sobre a capacidade governativa, especial- aberta adotado no país (idem). Esses incen-
mente no que se diz respeito à aprovação e tivos minariam, segundo essa perspectiva
implementação da agenda de reformas do analítica, a coesão e a disciplina partidárias.
governo. Neste contexto, o atribulado pro- A regra proporcional com cláusulas de bar-
cesso de tramitação de emendas constitu- reira excessivamente permissivas também
cionais na área da previdência social, da impactaria a governabilidade por produzir um
administração pública e da reforma tributá- quadro de fragmentação partidária, expres-
ria, pelo seu passo relativamente errático e so em um elevado número de partidos efeti-
sua extensão no tempo, levou a críticas e vos, exacerbando os problemas de formação
propostas de reforma institucional. Essas crí- de base de apoio para o governo. O federa-
ticas também estavam vinculadas ao rito pro- lismo, por sua vez, contribuiria para a ingo-
cessual de aprovação de emendas, que vernabilidade por fortalecer as lealdades
incluíam dispositivos sobre a apresentação políticas de caráter local e regional. Nessa
de destaques para votação em separado perspectiva, portanto, executivos débeis se-
(DVS) as quais favoreciam a obstrução por riam reféns de um congresso fragmentado
parte da oposição ao governo. e voltado para questões de caráter localista
O segundo contexto foi o do escândalo e paroquial. As emendas parlamentares
do orçamento no início da década de 90, seriam, ainda, nessa perspectiva analítica,
que revelou os mecanismos de corrupção os exemplos paradigmáticos de compor-
na apresentação de emendas. Finalmente, tamento de tipo localista.
os escândalos ocorridos durante o governo Na perspectiva rival, argumenta-se que
Luiz Inácio Lula da Silva, a chamada crise os executivos dispõem de um conjunto de
do “mensalão” e a crise da “máfia dos instrumentos institucionais que garantem ao
sanguessugas” envolvendo a execução de Executivo preponderância nas relações com
emendas ao orçamento na área da saúde. o Congresso (Figueiredo; Limongi, 2002).
O debate na ciência política brasileira e Dentre esses, destacam-se as medidas pro-
internacional em torno dessas questões teve visórias, as competências privativas na área
como eixo articulador as relações Executivo- administrativa financeira e orçamentária, e o
Legislativo e o papel das emendas ao orça- controle da agenda dos trabalhos congres-
mento na formação da base de apoio suais. Segundo tal perspectiva analítica, os
parlamentar ao Executivo. Esse debate se incentivos existentes na arena extracongres-
inscreve em uma discussão mais ampla sual — arena eleitoral, por exemplo — têm
sobre as instituições políticas e seus efeitos pouca influência no comportamento parla-
sobre a governabilidade. Duas perspectivas mentar no Congresso. Nesta última arena,
rivais podem ser identificadas. O argumen- as regras de funcionamento do Congresso
to geral que conclui que as instituições polí- conferem forte primazia ao Executivo e aos
ticas produzem ingovernabilidade focaliza os líderes partidários, possibilitando previsibili-
seguintes aspectos e relações de causali- dade ao resultado da interação entre o Exe-
dade: acredita-se que o presidencialismo cutivo e o Legislativo: poder-se-ia prever
produz ingovernabilidade devido às origens efetivamente grande sucesso do Executivo
separadas dos mandatos do Executivo e na aprovação de sua agenda.
Legislativo, abrindo-se, dessa forma, a pos- Como a questão das emendas parlamen-
sibilidade de existência de executivos sem tares pode ser analisada nessas distintas
sustentação parlamentar (Ames, 1995). linhas argumentativas? Três aspectos po-
Argumenta-se, também, que esses efei- dem ser destacados. O primeiro refere-se à
tos são potencializados pelo uso de regras relação entre execução de emendas e apoio
papel no jogo entre o Executivo e o Legis- governos, ao produzir uma demora indese-
lativo. No entanto, permanece o enigma de jável no processo de tomada de decisões,
por que tantos parlamentares se envolvem sobretudo em contexto de choques adver-
ativamente com o emendamento e a cons- sos ou crises, e ao afetar a racionalidade na
tatação de que, embora diminutas em va- alocação de recursos. Contudo, como assi-
lores, as emendas influenciam as chances nalado, as emendas parlamentares passaram
de reeleição. a representar, simbolicamente, as distorções
A agenda de pesquisas sobre essa ques- e as mazelas da democracia brasileira e as
tão deve considerar outros aspectos em aná- vicissitudes de governos de coalizão.
lises que controlem o efeito potencial de um
amplo número de variáveis explicativas do Referências
apoio parlamentar ao Executivo. Dentre esses
se destacam a distribuição de portfólios ALSTON, Lee et al. (2005). Who decides on public expenditures: the
ministeriais, de postos de comando nas political economy of the budgetary process in Brazil. Washington,
Inter-American Development Bank. Economic and Social Studies
empresas estatais e cargos na administra-
Series, RE1-05-006.
ção pública federal, nos fundos de pensão
AMES, Barry (1995). Electoral rules, constituency ressures, and
das empresas, como também alocação de pork barrel: bases of voting in the Brazilian Congress. The Journal of
contratos e concessão de crédito. Uma aná- Politics, v. 57, n. 2.
lise mais fina deveria desagregar os parla- FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando (2002). Incentivos elei-
torais, partidos políticos e política orçamentária. Dados. Revista de
mentares por categorias, uma vez que é Ciências Sociais, v. 32, n. 2.
razoável supor que o jogo das emendas in- LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina (2005). Processo orça-
dividuais ao orçamento envolve um conjunto mentário e comportamento legislativo. Dados. Revista de Ciências
Sociais, v. 48, n. 4.
específico de parlamentares — provavelmente
OECD/World Bank (2003). Results of the survey on budget practices
os que não têm acesso a outros recursos
and procedures, Paris.
políticos, tais como os citados acima. Outra
PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo (2002). Comportamento
variável que deve ser considerada é a dis- estratégico em presidencialismo de coalizão. Dados. Revista de
tância ideológica entre os membros da coa- Ciências Sociais, v. 45, n. 2.
Emendas
Constitucionais
função disso. A primeira situação vale na- que quanto mais difícil for mudar uma Cons-
queles países que não têm uma Constitui- tituição por meio de emendas, mais prová-
ção escrita, sendo o direito constitucional vel será a intervenção dos juízes na política
costumeiro renovável e revogável por deci- cotidiana. O Judiciário torna-se uma “válvula
sões parlamentares comuns (Reino Unido, de escape” para mudanças constitucionais
Nova Zelândia); a segunda, naqueles casos desejadas por setores da população, porém
que, mesmo dispondo de uma constituição difíceis de realizar pelos trâmites políticos
escrita, exigem-se para sua modificação normais. Levando para os tribunais a redefi-
procedimentos equivalentes aos da aprova- nição dos limites constitucionais à legisla-
ção de leis (Áustria); a terceira se verifica ção transforma-se a interpretação judicial
onde uma lei que contrarie a Constituição num atalho para mudanças: constitucionali-
não possa ser derrogada senão pela vonta- zam-se ou inconstitucionalizam-se judicial-
de do mesmo Parlamento que a aprovou mente normas vigentes que permaneceriam
(França). inalteradas até que se conseguisse modifi-
Outra conseqüência da soberania do Par- car o próprio texto da constituição mediante
lamento nos países sem supremacia cons- emendamento. Cria-se, porém, um sério
titucional é que não haverá outro órgão capaz problema de legitimidade democrática, já
de derrogar leis inconstitucionais. Porém, que juízes não têm representatividade, pois
onde a Constituição for soberana, a derro- não são eleitos. Esse quadro caracteriza a
gação da legislação e de outras normas jurí- situação dos Estados Unidos, onde a Cons-
dicas ocorrerá pela intervenção dos tribunais. tituição é pouquíssimo emendada, e a Su-
Esta pode ocorrer: a) apenas de forma loca- prema Corte possui papel importantíssimo
lizada, para o caso concreto, quando alguém na política cotidiana.
requer o direito de não cumprir leis inconsti- É engano supor que o ativismo judicial
tucionais, sem, contudo, implicar a anulação nos EUA decorra de ser a Constituição desse
da lei, que continua valendo para os demais; país muito sucinta e genérica, tornando-se
ou b) de forma geral, abstrata, por meio de alvo fácil da interpretação das cortes e facili-
um tribunal constitucional ou de uma corte tando sua intromissão na vida política. O
suprema, que se torna instrumento-chave problema não está no caráter genérico do
para assegurar sua prevalência sobre as texto, mas na dificuldade de emendá-lo. As
demais normas, anulando decisões parla- exigências para modificar formalmente o
mentares majoritárias que porventura estejam texto constitucional nos EUA são rigorosís-
em desacordo com disposições constitu- simas: requer-se o apoio de 2/3 de cada uma
cionais. Portanto, o controle judicial da cons- das câmaras do Congresso (Casa de Repre-
titucionalidade das leis impede que decisões sentantes e Senado) para se iniciar uma pro-
legislativas contrariem preceitos constitu- posta que, depois disso, deve ser aprovada
cionais, requerendo a aprovação de emen- por três quartos dos estados da Federação
das constitucionais. Daí que, na tentativa de nas Assembléias Legislativas ou em con-
explicar os processos de mudança consti- venções convocadas somente para isso. Não
tucional, costume-se relacionar estreitamente é casual que se aprovaram apenas 27 emen-
as regras de emendamento à forma como das em 220 anos; ou 17 emendas em 215
as cortes controlam (ou não) a constitucio- anos, desconsiderando-se as 10 primeiras,
nalidade da legislação. aprovadas num único pacote negociado
Todavia, essa relação é complicada para quatro anos antes, quando da aprovação do
o funcionamento da democracia, pois o texto original. Noutro extremo está o Brasil:
Judiciário pode agir não apenas como um em apenas 18 anos a Constituição foi emen-
protetor da Constituição contra normas incons- dada 58 vezes. O que explica essa diferença?
titucionais, mas também como um ator cons- O Brasil apresenta uma situação peculiar,
tituinte não-eleito. Donald Lutz (1995) observa comparado a outros países. A Constituição
de 1988 não contém apenas normas funda- tal situação foi gerada por uma Assembléia
mentais, mas uma série de disposições, que Nacional Constituinte que decidiu com base
são: a) detalhamentos de normas funda- numa regra de maioria estrita (50% + 1) em
mentais; b) regulamentações partidaria- sessão unicameral, mas que determinou a
mente controversas delas; ou c) normas necessidade de 3/5 dos votos em duas câ-
completamente estranhas às fundamentais. maras para alterar suas decisões no futuro.
Nos três casos, a Carta brasileira, em vez Portanto, criou-se no Brasil um problema de
de estabelecer apenas disposições consti- legitimidade intertemporal: uma maioria
tucionais propriamente ditas, estipula polí- estrita constitucionalizou matérias de natu-
ticas públicas. Isto traz duas conseqüências, reza infraconstitucional, permitindo que no
uma prática, outra de princípio. futuro apenas maiorias ampliadas pudessem
Conseqüência prática: a constitucionali- modificá-las, onerando governos e maiorias
zação de políticas públicas restringe a liber- legislativas com o ônus de construir con-
dade de governos e maiorias parlamentares sensos ampliados, caso desejassem imple-
estritas para implementar suas agendas. A mentar agendas conflitantes com as políticas
modificação de qualquer dispositivo da Carta herdadas.
exige maiorias ampliadas de 3/5 dos legis- De fato, os governos brasileiros empe-
ladores na Câmara dos Deputados e no Se- nharam-se em construir supermaiorias para
nado Federal, em duas votações em cada governar mudando a Constituição. Fernando
Casa, sendo que qualquer modificação efe- Henrique Cardoso construiu coalizões que lhe
tuada por uma delas naquilo decidido pela deram cerca de 75% das cadeiras nas duas
outra obriga a uma nova apreciação do pon- casas do Congresso; aprovaram-se 35
to alterado, até haver concordância. Isto re- emendas. Luiz Inácio Lula da Silva chegou a
quer coalizões parlamentares ampliadas, deter apoio semelhante na Câmara, mas jamais
bem mais onerosas do que as normalmente ultrapassou 60% dos votos no Senado; apro-
necessárias para que partidos eleitoralmente varam-se 13 emendas. As 48 emendas apro-
vencedores sustentem seus governos e im- vadas durante os mandatos desses dois
plementem suas agendas. Porém, como presidentes dão uma média de quatro por
as exigências para o emendamento consti- ano, idêntica à do período Itamar Franco,
tucional no Brasil são relativamente menores quando oito emendas passaram em pouco
do que em outros países, verifica-se um ele- mais de dois anos, seis delas (Emendas
vado índice de emendamento constitucional Constitucionais de Revisão) durante a Revi-
em termos comparativos — cerca de 3,13 são Constitucional agendada no próprio tex-
emendas por ano. Assim, nossa Constituição to da Carta de 1988 para ocorrer cinco anos
apresenta grande volatilidade formal, embora após sua promulgação, indicando que os
o grosso das modificações incida não sobre próprios constituintes anteviam que dispo-
provisões verdadeiramente constitucionais, sições como as da Constituição brasileira
mas sobre políticas públicas constituciona- necessitariam de mudanças, mesmo que
lizadas (Couto; Arantes, 2003). pouco tempo após sua aprovação.
Conseqüência de princípio: a constitucio- Como negociações para a aprovação de
nalização de políticas públicas é antidemo- mudanças sobre disposições de teor parti-
crática. Em decorrência dos trâmites mais dário geram muita barganha, essas emen-
exigentes para o emendamento constitu- das freqüentemente inseriram ainda mais
cional em relação à aprovação de leis, a políticas públicas na Carta, sendo raras as
constitucionalização de matérias que são alvo emendas que desconstitucionalizaram polí-
da controvérsia cotidiana dos partidos na ticas. Durante o período FHC a Constituição
política competitiva obstaculiza a alteração brasileira cresceu 15,3%, e a maior parte
do status quo por governos e maiorias parla- dessa taxa decorre de novos dispositivos de
mentares eleitas para fazê-lo. Curiosamente, políticas públicas (Couto; Arantes, 2003).
Referências
Orçamento Público no
Brasil Democrático
Paulo Calmon
decisórias; b) a certificação dos atores que Ela se fundamentava no princípio de que sem
participarão dessas arenas; e c) a estrutura- representação não haveria taxação. Esse
ção das normas e procedimentos que orien- princípio se consolidou e passou a estabe-
tarão a negociação entre esses atores. lecer um dos pilares dos sistemas políticos
Os processos orçamentários têm um de vários outros países. O orçamento enten-
papel muito importante na sociedade. Em dido como budget é fundamentalmente um
última instância, eles geram decisões que ato de natureza política, refletindo a natureza
irão definir os ganhadores e perdedores da e a dinâmica das instituições democráticas
ação do Estado. Não é por acaso que al- nesses países.
gumas das grandes revoluções na história E no Brasil? Que estrutura de governança
tiveram, entre suas principais causas, o é adotada no processo orçamentário brasi-
descontentamento com os tributos e o perfil leiro? Como essa estrutura evoluiu ao longo
do gasto público. Como bem afirmou Joseph do tempo? Qual a relação entre a evolução
Schumpeter, um dos grandes pensadores do processo orçamentário e a trajetória da
do século XX e pai da sociologia fiscal, democracia representativa no país?
O processo orçamentário no Brasil tem
O espírito de um povo, seu nível cultural, peculiaridades que estão diretamente rela-
sua estrutura social, o resultado das suas cionadas à sua estrutura social, econômica
políticas — tudo isso e muito mais está re- e política. Primeiramente, há que se consi-
fletido em sua história fiscal, desnudada de derar a evolução do Estado e como ela afe-
todas as frases. Aquele que consegue ouvir tou a capacidade de programar e controlar
sua mensagem é também capaz de discernir, as finanças do governo. Ao longo dos anos,
com maior clareza, os trovões da história. o setor público brasileiro foi se tornando maior
e mais complexo. Em função disso, os con-
Considere, por exemplo, as duas diferen-
flitos dentro do Estado se multiplicaram e
tes origens da palavra que usualmente é uti-
tornou-se cada vez mais difícil estabelecer
lizada para denominar o “orçamento público” mecanismos eficazes para a coordenação
e como estas refletem, em grande medida, da ação pública. Apesar dos avanços nas
diferentes percepções do que deveria ser a tecnologias de gestão do setor público, a
estrutura de governança do processo orça- tarefa de elaborar e executar o orçamento é
mentário. Na língua portuguesa, a palavra hoje muito mais difícil e complexa do que
“orçar” é um termo originalmente relacionado era há décadas.
à tentativa de direcionar uma embarcação, Em segundo lugar, mas igualmente im-
estimando onde se encontra a linha do vento. portante, há que se considerar também as
Nesse sentido, orçar é uma atividade voltada condições socioeconômicas do país. O Bra-
para a resolução de um problema técnico. sil é um país em desenvolvimento cujo pro-
No entanto, em grande parte dos países cesso de crescimento foi marcado pela
europeus o termo mais utilizado para se refe- geração de externalidades sociais importan-
rir ao orçamento público é a palavra budget. tes que aprofundaram um perfil desigual de
Trata-se de palavra com origem curiosa: distribuição de renda e riqueza, somado a
budget era a pasta de couro que o Chanceler uma trajetória da atividade produtiva caracte-
do Erário inglês levava ao Parlamento con- rizada por períodos de grande instabilidade
tendo a estimativa das receitas e despesas macroeconômica. Tais condições impõem ao
do Rei. O Parlamento então requeria que o governo uma enorme pressão. Há sempre a
Chanceler “abrisse sua pasta” (open the expectativa de que este seja capaz de preco-
budget) revelando as intenções do Rei e sub- nizar e implementar ações que resolvam os
metendo-as ao crivo dos representantes elei- problemas sociais e econômicos do país. Essas
tos pelo povo. A prática de submeter o pressões afetam as condições de governa-
orçamento público ao Legislativo prevaleceu bilidade democrática e criam constante incer-
na Inglaterra desde o início do século 13. teza na gestão dos recursos públicos.
de auditoria ineficiente ou predatória, que BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo. Economia do setor público no Brasil.
São Paulo: Campus, 2005.
consuma tempo e recursos disponíveis, mas
FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo
que gere pouco impacto substantivo em
na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
termos de efetividade das políticas públicas? Vargas, 1999.
d) Como estruturar cronogramas, procedi- GIACOMONI, James. Orçamento público. 13. ed. São Paulo: Atlas,
2005.
mentos, regras e arenas decisórias do pro-
LOPREATO, Francisco Luiz. O colapso das finanças e a crise da fede-
cesso orçamentário que viabilizem uma ração. São Paulo: UNESP, 2003.
participação substantiva, e não apenas ceri-
MONTEIRO, Jorge Vianna. Lições de economia constitucional brasi-
monial, do Congresso Nacional nas decisões? leira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.
E, de semelhante forma, como estruturar OLIVEIRA, Fabrício Augusto. Autoritarismo e crise fiscal no Brasil.
canais de deliberação e participação direta São Paulo: Hucitec, 1995.
da sociedade nas discussões e debates sobre REZENDE, Fernando; CUNHA, Armando. O orçamento público e a
os vários aspectos do orçamento público? transição de poder. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.
SENADO FEDERAL. Planos e orçamentos públicos: conceitos, ele-
e) Como estabelecer uma trajetória coerente mentos básicos e resumos dos projetos de leis do Plano Plurianual
e sustentável para criação de capacidade no 2004-2007 e do Orçamento 2004. Editado pela Consultoria de Orça-
mentos, Fiscalização e Controle – CONORF do Senado Federal.
setor público federal, estadual e municipal
Obtida, por meio eletrônico, em 9 de Junho de 2006 no endereço:
para elaboração, implementação e avaliação <http://www.senado.gov.br/sf/orcamento/sistema/CARTILHA2004.pdf.>.
das ações preconizadas não apenas nos seus
orçamentos? Como capacitar a sociedade
para participar desse processo de uma forma
construtiva?
Referência
SCHUMPETER, J.A. 1918. The crisis of the tax state. In: SWEDBERG,
R.A. (Ed.). Joseph A. Schumpeter: the economics and sociology of
capitalism. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1991.
Autonomia/
Independência dos
Bancos Centrais
William Ricardo de Sá
de governo, a empresas públicas e ao setor após as eleições sempre impõe custos sobre
privado, perde-se no quesito autonomia os investimentos, a renda real e o emprego,
(Cukierman et al., 1992; Grilli et al., 1991). como no Brasil em 2002-2003, quando da
Contudo, a diversidade de atribuições e eleição e do primeiro ano do governo Lula.
arcabouços legais entre Bancos Centrais não Assim, um guardião da moeda com auto-
dá conta das variações na sua autoridade nomia ou independência também seria um
de facto. Tal fica evidente, por exemplo, bom antídoto para os excessos dos merca-
quando se constata que mesmo sem alte- dos!
rações no indicador de independência legal Além disso, destaque-se o argumento
do Banco Central brasileiro entre 1964 e sobre o viés inflacionário dos governos que
1989, tenha caído tanto a sua autoridade se preocupam tanto com a estabilidade de
de facto a partir de 1967 (Maxfield, 1997). preços quanto com a taxa de desemprego,
Há, pois, que também ter em conta indica- do que resultaria um nível pretendido de
dores informais. Nessa linha, Cukierman e emprego maior do que o que se considera a
Webb (1995) desenvolvem um índice de sua taxa natural — aqui entendida como o
vulnerabilidade política dos Bancos Centrais limite a partir do qual mais emprego acarre-
que indica que parcela das transições polí- taria pressões inflacionárias. Essa discrepân-
ticas implica a troca da direção da autori- cia entre taxa natural e pretendida resultaria
dade monetária em um prazo de até seis do “peso morto” (custo social) da tributação
meses. Quanto maior aquela, maior a vulne- (Barro; Gordon, 1983) ou da obtenção pelos
rabilidade. sindicatos de salários reais maiores do que
Em termos teóricos, um primeiro argu- os que permitiriam ajustar o mercado de
mento a favor da maior autonomia destaca trabalho, gerando desemprego excessivo
os prazos para que se manifestem os efei- (Cukierman, 1992, cap. 3). A busca de sua
tos da política monetária, primeiro sobre o
diminuição pela expansão monetária é que
crescimento da renda ou produto e, depois,
daria viés inflacionário à política econômica.
sobre os níveis de inflação. A não visualização
Sabe-se, contudo, que só uma “inflação
dos benefícios de médio e longo prazo da
inesperada” teria impacto sobre o nível do
política, aliada à evidência de seus custos
emprego ou da renda real, e uma vez reconhe-
mais imediatos — ainda que passageiros
cido que os agentes econômicos têm ampla
— sobre os níveis de renda e emprego, poria
capacidade de prever as ações do governo,
em risco a sua continuidade. Um risco maior
daquela expansão monetária apenas resul-
em conjunturas eleitorais, quando mais im-
taria, ao fim e ao cabo, a manutenção da
portaria angariar suporte político já (Blinder,
taxa natural de desemprego combinada com
1999). Além disso, a desinflação tende a im-
um mais alto nível de preços.
plicar custos concentrados e benefícios difu-
Porém, a expansão monetária motivada
sos, propensos a angariar apoios menos
pela busca de alta do nível de emprego seria
decididos e oposição mais acirrada, tanto mais
mais típica de países desenvolvidos. Nos
se considerada a sua incidência temporal.
outros, em especial pela pequena dimensão
Mas a maior autoridade dos Bancos Cen-
de seus mercados de capitais, seria outra a
trais não seria um bom antídoto apenas para
razão mais provável das expansões mone-
os excessos dos políticos: sem barreiras ao
tárias e do viés inflacionário dos governos: a
uso eleitoral da política monetária, abre-se
monetização de seus déficits, dada a impos-
nos mercados a possibilidade do ganho
especulativo em um ambiente de incertezas. sibilidade de se financiá-los a custos razoá-
Fugas de capitais, desvalorização cambial veis, sem uma alta concomitante e significativa
e mais inflação são os problemas que se dos juros (Cukierman, 2006, p. 4).
evitam se esvaziadas essas incertezas por Também se tem boa evidência empírica
um Banco Central comprometido com a esta- de suporte à defesa da autoridade dos
bilidade dos preços. Afinal, a sua correção Bancos Centrais. Alesina e Summers (1993);
Além disso, há que considerar a fartura CUKIERMAN, A. (1992). Central bank strategy, credibility and
independence: theory and evidence. Cambridge, MA: MIT Press.
de mecanismos de informação e prestação
_______. (2006). Central bank independence and policy results: theory
de contas típica da atuação da autoridade and evidence. Lecture prepared for the International Conference on
monetária independente ou autônoma nas “Stability and Growth: The role of the Central Bank”. Mexico City,
modernas democracias. Em especial com November, 14-15.
a difusão do uso das chamadas “metas de _______. et al. (1992). Measuring the independence of central banks
and its effect on policy outcomes. The World Bank Economic Review,
inflação”, a partir dos anos 90, criou-se um 6, p. 353-398, September.
indicador facilmente monitorável do desem- _______. et al. (1993). Central bank independence, growth,
penho dos Bancos Centrais. No caso brasi- investment and real rates. Carnegie-Rochester Conference Series
on Public Policy, 39, 95-145, Autumn.
leiro, por exemplo, a grande disponibilidade
_______ ; WEBB, S. (1995). Political influence on the central bank:
de informações e a periodicidade da presta-
international evidence. The World Bank Economic Review, 9, 3, p.
ção de contas sobre a atuação do Banco 397-423, September.
Central é uma exceção em um universo de EIJFFINGER, S.; HAAN, J. (1996). The political economy of central
grande opacidade decisória. Assim, cabe bank independence. Princeton Studies in International Economics,
19, International Finance Section, Princeton University.
reconhecer na autonomia do Banco Central a
FISCHER, S. (1994). Modern central banking. In: CAPIE, F. et al. The
real possibilidade de representação priori- future of central banking. New York: Cambridge University Press.
tária das preferências mais permanentes da GRILLI, V. et al. (1991). Political and monetary institutions and public
sociedade sobre o controle da inflação frente financial policies in the industrial countries. Economic Policy, v. 6,
n. 13, p. 341-392.
às dos governos, eventualmente mais orien-
GUTIÉRREZ, E. (2003). Inflation performance and constitutional
tadas pela busca do sucesso eleitoral de
central bank independence: evidence from Latin America and the
curto prazo. Caribbean. Washington: IMF Working Paper 03/53.
Por fim, cabe lembrar as palavras de Lijphart LIJPHART, A. (2003). Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civi-
(2003): lização Brasileira.
MAXFIELD, S. (1997). Gatekeepers of Growth. Princeton: Princeton
Dar poder independente aos Bancos Centrais University Press.
é também outra forma de dividir o poder, e se MAZIERO, P.; WERLANG, S. (2004). Política monetária e autonomia
do Banco Central. In: GIAMBIAGI et al. Reformas no Brasil: balanço
enquadra no grupo de características da di- e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
visão do poder (a segunda dimensão) do
modelo consensual de democracia. Os
Bancos Centrais subservientes ao Executivo
se enquadram na lógica do poder concen-
trado da democracia majoritária (p. 265, 266).
Independência do
Banco Central
Incompatibilidade
entre Teoria e Prática
A teoria
fazendo com que a economia caminhe para cometem erros sistemáticos, o Banco Central
seu ponto de equilíbrio natural. perde credibilidade, e a tentativa de aumentar
Um segundo pressuposto teórico está emprego e renda via política monetária não
relacionado ao comportamento dos agentes tem nenhum efeito, causando apenas au-
econômicos, que formariam suas previsões mento da inflação. Essa é a essência do argu-
acerca do futuro de acordo com a teoria das mento. A reputação e a credibilidade para
expectativas racionais. Desse modo, qual- se manter uma política monetária crível, e
quer atitude discricionária do Banco Central que não produza viés inflacionário, é central
produz “ruídos” que podem levar os agen- para o argumento aqui apresentado (Barro;
tes formadores de preços a errar. Os erros Gordon, 1983).
diminuem a credibilidade do Banco Central, Para lidar com o problema da reputação e
ao mesmo tempo em que produzem efeitos da credibilidade dos formuladores de polí-
sobre o nível de produto e emprego somente tica, três seriam as possibilidades, quais
no curto prazo. No longo prazo, no entanto, a sejam, regra fixa de política monetária;
moeda é neutra, ou seja, não é capaz de Currency Board (o Banco Central se com-
afetar os níveis de emprego e renda, mas promete a manter o câmbio fixo, e a política
somente o nível de preços. Esse argumento, monetária é toda ela dependente do volume
portanto, justifica eventuais políticas de juros de reservas internacionais disponíveis) ou
altos porque a taxa de juros, que é a contra- Banco Central Independente. Neste caso, o
partida de uma política monetária, deve servir presidente do Banco Central deve ser esco-
aos objetivos de manter a inflação baixa. Os lhido entre pessoas de reconhecida capaci-
efeitos de curto prazo sobre emprego e renda, dade técnica e que seja avesso à inflação. A
no entanto, tendem a se dissipar no longo suposição implícita é que este critério de
prazo. Este é um ponto central na argumen- escolha seja dado, ou seja, não se discute
quem e o porquê dessa escolha.
tação e que será retomado adiante.
Segundo Cukierman (1992), ao apresentar
Segundo Kydland e Prescott (1977), sen-
os argumentos teóricos que sustentam a
do a moeda neutra no longo prazo, a política
tese de independência, um Banco Central
monetária deve se submeter ao objetivo pre-
que esteja comprometido com a inflação
cípuo de garantir inflação constante e baixa.
baixa acabaria atuando positivamente sobre
Com efeito, a inabilidade dos formuladores
os agentes privados, via credibilidade e repu-
de política econômica em se comprometerem
tação. Esses efeitos positivos na performance
com uma política econômica de inflação
econômica ocorreriam devido ao fato de que
baixa conduzirá a um crescimento excessivo
estando livre de pressões políticas, o Banco
da inflação. Segundo esses autores, os polí-
Central pode promover a estabilidade, prin-
ticos são incentivados, sistematicamente, a
cipalmente devido ao isolamento da política
produzir mais inflação através de uma polí-
monetária dos ciclos políticos eleitorais. Veja
tica monetária mais expansiva (com taxas
que aqui também está implícita a suposição,
de juros abaixo da taxa de equilíbrio). Em
com limitados resultados empíricos, de que
geral, tendem a fazer isso principalmente em
baixa inflação garante maior estabilidade do
períodos pré-eleitorais. Não obstante possam
crescimento.
ter sucesso em algum momento, como o
Importante observar que toda a construção
aumento do emprego e da renda, porque os
teórica acima apresentada pressupõe, implí-
agentes não esperariam esta atitude do go- cita ou explicitamente, que a interferência da
verno, este sucesso ocorre apenas no curto autoridade monetária para aumentar o nível
prazo. Como visto, no longo prazo, a política de produto e emprego é necessariamente
monetária expansionista produziria apenas deletéria no curto ou no longo prazos. Mais
aumento de preços sem efeito sobre em- do que isso, pressupõe um sistema de domi-
prego e renda. À medida que o governo vai nância monetária, ou seja, que a política
repetindo esta estratégia, e os agentes não fiscal é dependente da política monetária.
emprego, como é o caso dos ativos finan- monetária, facilitando, assim, o combate à
ceiros. Ou seja, a política monetária tem o inflação. Sem dúvida, uma política governa-
poder de permitir que a valorização do capital mental confiável, qualquer que seja ela, faci-
ocorra no chamado circuito financeiro e não lita a sua implementação e a obtenção de
no circuito produtivo (produção de bens e seus objetivos. No entanto, o que deve ser
serviços). Além disso, não existiria meca- discutido é como esta credibilidade é obtida
nismo algum em uma sociedade capitalista e o que ela significa. Existem vários proble-
que garantisse, naturalmente, a alteração mas com esta interpretação que merecem
desse quadro. A política monetária poderia, uma análise mais detalhada.
indefinidamente, possibilitar aos capitalistas Inicialmente é necessário reconhecer que
a ampliação de sua riqueza demandando o conceito de política econômica que tenha
ativos cuja oferta não implicasse na contra- credibilidade incorre em um problema de
tação de mão-de-obra. circularidade. Uma política para ter credibili-
Aceitar que a política monetária possa dade deve atingir seus objetivos. No entanto,
afetar permanentemente o nível de atividade segundo os adeptos do Banco Central Inde-
econômica implica também aceitar que é pendente, para atingir seus objetivos, a auto-
necessária uma coordenação entre esta e a ridade monetária deve possuir credibilidade.
política fiscal. A não coordenação pode deter- Ou seja, credibilidade é condição e resultado
minar o surgimento de duas situações alta- de uma política monetária. A necessidade
mente prejudiciais ao desempenho da de se implementar políticas confiáveis para
economia. Em primeiro lugar, poderia surgir a obtenção dos resultados desejados faz
uma situação de conflito entre a política mo- com que políticas alternativas à dominante
netária e a fiscal. Por exemplo, poderia ocorrer sejam excluídas a priori. A possibilidade de
de o Executivo estar conduzindo uma política se testar outras políticas é descartada por
fiscal expansionista, enquanto, no mesmo
definição. Ou seja, a própria reação de setores
momento, o Banco Central estaria implemen-
2 da sociedade faz com que alternativas não
tando uma política monetária contracionista.
possam ter o tempo necessário para atingir
Finalmente, do ponto de vista teórico,
seus objetivos, não conseguindo, assim, a
faltaria discutir os determinantes da inflação.
credibilidade necessária para se sustentarem
A proposta do BCI pressupõe que a inflação
no decorrer do tempo.
seja um fenômeno puramente monetário,
O comportamento de setores da socie-
onde a quantidade de moeda na economia
dade anteriormente descrito nos leva ao se-
determinaria o nível geral de preços. Essa
gundo ponto a ser destacado, vale dizer, a
hipótese é questionável. Aceitando esse
credibilidade de uma política econômica é
questionamento, a explicação sobre os de-
determinada por fatores endógenos à socie-
terminantes da inflação deve ser buscada
dade onde é implementada, e não determi-
em outra matriz teórica. Entre as diversas
nada, exogenamente, por um manual de
explicações para este fenômeno se destaca
economia qualquer. No atual mundo de libe-
aquela que trata a inflação como resultado
ralização financeira e globalização, a credibi-
de um conflito distributivo, principalmente
lidade de políticas econômicas é assegurada
entre capital e trabalho, sobre o excedente
pela mobilização de poderes políticos e
produzido na sociedade.
econômicos. Como salienta Grabel (1998),
programas econômicos não neoliberais se
A fragilidade do tornam endogenamente não confiáveis uma
conceito de credibilidade vez que aqueles governos que os põem em
prática, normalmente, são incapazes de
Um dos argumentos fundamentais para impedir que o capital, tanto doméstico, quanto
a tese de independência é a suposta credi- internacional, se engaje em atividades que
bilidade que esta decisão daria à política minem tais programas, como, por exemplo,
Notas
1
A dificuldade em encontrar qual seria a taxa natural
de desemprego motivou pesquisadores a utilizar um
conceito mais “moderno” de NAIRU (Non accelerating
inflationary rate of unemployment), que consiste na
taxa de desemprego compatível com a não aceleração
da inflação.
2
Esse é um problema recorrente na relação entre o
Banco Central e o Tesouro Nacional. No caso do
Brasil, a dificuldade em coordenar a política fiscal e a
política monetária é visível. Mas mesmo Alan Blinder,
um observador acima de qualquer suspeita com
relação à sua vinculação teórica, aponta que um Banco
Central independente não conseguiria lograr êxito
em sua política monetária sem a coordenação com o
Tesouro. Neste caso, sua proposta seria uma política
fiscal sempre equilibrada intertemporalmente, o que,
em última instância, impediria o governo de fazer
política econômica no curto prazo (Blinder, 1997).
Referências
Fabiano Santos
1. Introdução
1
Legislativo. Em uma palavra, a incidência de mesmo enfrentando uma oposição majori-
governos de minoria é tão comum no parla- tária no Legislativo — outra não é a experiên-
mentarismo, quanto no presidencialismo. cia predominante nos EUA do pós-guerra,
Argumenta-se, além disso, que os sistemas os chamados governos divididos, nos quais
presidenciais não geram incentivos para a a maioria que controla o Congresso não é
formação de governos de coalizão, o que, formada pelo partido ao qual é filiada e pelo
mais uma vez, longe está de corresponder qual se elegeu o presidente. Do ponto de
aos fatos da vida. Só para ficarmos em vista da condução do processo político e de
nosso continente, desde a última onda de negociação da agenda, governos divididos
redemocratização, o modelo institucional são certamente marcados por idas e vindas,
por excelência na América do Sul é o presi- negociações e, às vezes, conflitos abertos,
dencialismo de coalizão, experiência rica na todavia, isto em nada autoriza a conclusão
qual se observam exemplos de sólida esta- segundo a qual as chances de estabiliza-
bilidade com a Concertación no Chile, convi- ção do processo democrático, de sucesso
vendo com momentos fugazes e turbulentos, econômico dos governos, da capacidade
como foi o caso, inédito na Argentina, de maior ou menor de aprovar agendas sejam
governo de coalizão com os radicais e a maiores no parlamentarismo. De novo, to-
FREPASO. dos os fenômenos que tornam o processo
Voltemos, então, ao tema das diferenças. governativo mais lento e negociado, como,
Uma pergunta talvez elucide a dúvida fun- por exemplo, governos de minoria, de coali-
damental: Como é possível a formação de zão, ou os dois, ocorrem com a mesma fre-
governos de minoria em sistemas parlamen- qüência num e noutro sistema. O que os
taristas, se a confiança da maioria do Parla- diferencia, sim, é que no parlamentarismo o
mento é necessária para a sustentação do Executivo possui a prerrogativa de dissolver
governo? A explicação é simples: ter a con- o Parlamento quando lhe parecer de conve-
fiança do Parlamento significa basicamente niência política, na expectativa de aumentar
existir uma maioria partidária que pelo me- seu poder de barganha no Legislativo. Ade-
nos tolera o governo. Ora, tolerar um gover- mais, nesse sistema, uma maioria parlamen-
no não é o mesmo que dele participar. tar tem o poder de derrubar os mandatários
Portanto, freqüentemente, governos se for- do Executivo, nas ocasiões em que a mes-
mam sem que do gabinete façam parte par- ma decide não tolerar a situação. No presi-
tidos cuja soma das bancadas alcance a dencialismo, por seu turno, a única forma
maioria das cadeiras. É assim a prática mais de interrupção de mandatos parlamentares
comum na Escandinávia, em algumas oca- e do chefe do Executivo, guardados casos
siões na França, na Espanha e em vários ou- extremos de má conduta que levam ao im-
tros países da Europa. Contudo, quando uma pedimento ou à cassação, é o velho e bom
oposição não tolera o governo, derrotando-o voto popular.
em algum ponto importante de sua agenda A partir destas considerações, toda uma
ou, mais explicitamente, votando uma mo- agenda de pesquisa surge em torno das
ção de desconfiança, aí, sim, novas eleições experiências presidencialistas com foco na
são convocadas ou nova coalizão de gover- dinâmica de montagem e manutenção de
no se forma — e é aqui que reside diferença apoios no Legislativo ao chefe do Executivo.
fundamental entre um e outro sistema. Basicamente, duas práticas institucionais no
Quando em um sistema parlamentar a contexto desse sistema de governo têm cha-
maioria legislativa é formada por partidos mado a atenção dos analistas: os governos
que fazem oposição, o Parlamento pode vo- divididos e o presidencialismo de coalizão.
tar uma moção de desconfiança e haver a Neste texto, a ênfase recairá sobre a segun-
convocação de novas eleições, ao passo que
da prática institucional.
esta possibilidade não existe no sistema pre-
sidencial, isto é, o governo pode sobreviver,
1
O estudo clássico sobre o tema é de STROM (1990).
2
Segundo MENEGUELLO (1998) a necessidade de adequar a formação
ministerial à heterogeneidade de interesses conduz os governos a modificarem,
com certa freqüência, a estrutura organizacional dos órgãos ministeriais —
aumentando o seu número, desmembrando ministérios, fato que visa muito
mais à pressão da diversidade de interesses do que propriamente à critérios
técnicos.
3
AMORIM NETO (2000) usa o indicador taxa de coalescência para indicar o
desvio de proporcionalidade da relação entre postos ministeriais e o tamanho
das diversas bancadas na Câmara. O índice varia de 0 — indicando nenhuma
correspondência entre as variáveis — a 1, indicando uma alocação
perfeitamente proporcional. Ver a coluna taxa de coalescência da Tabela 4. A
última coluna da tabela indica a porcentagem de ministérios em que os
ocupantes não estão filiados a nenhum partido político.
FHC II FHC II - após PEC 32/2001 Lula – Sob regras da PEC 32/2001
1999 2000 2001 2001/2002 2003 2004 2005 2006
jan./dez. jan./dez. jan./set. (15 meses) jan./dez. jan./dez. jan./dez. 2 meses
N 47 23 33 102 56 73 42 4
Média
mensal 3,92 1,92 3,67 6,8 4,7 6,1 3,5 X
18
Pode-se replicar este método para o segundo mandato de FHC
e para os dois primeiros anos do governo Lula, com a diferença de
que incluímos dois partidos — o PL e o PSB. Esses partidos repre-
sentavam menos de 6% das cadeiras na Câmara no período 1994-
2001, logrando, todavia, uma ampliação nesta participação para
10% no governo Lula. Ou seja, a inclusão dos dois partidos se deve
à importância que adquiriram recentemente.
O padrão de contraste entre a centro-direita e a esquerda, consi-
derando a indicação de voto das lideranças é semelhante nos dois
mandatos de FHC. O exame da Tabela 3 confirma a hipótese da
consistência ideológica no segundo mandato do presidente FHC,
mas não no governo Lula. A liderança do PL, no período 1999-2002,
na maior parte das vezes, indicou votos conjuntamente com a es-
querda, entretanto, neste ínterim era um partido irrelevante que re-
presentava, em média, 2,4% das cadeiras na Câmara (e que além
disso sofreu um esvaziamento devido à migração partidária, ao
contrário do que ocorreu quando se tornou o parceiro eleitoral prefe-
rencial de Lula).
18
A amostra utiliza as votações que apresentam algum nível de conflito em plenário, eliminando aquelas
consensuais. Uma votação é definida como consensual se os líderes dos maiores partidos — PT, PFL, PMDB,
PSDB, PP, PTB, PL, PSB e PDT — sinalizam a mesma indicação de voto e, ao mesmo tempo, quando não
ocorre a oposição de pelo menos 10% do plenário. No entanto, é bom advertir o leitor de que foram
necessárias algumas adaptações. Por isso, são seguras as observações das tendências gerais dentro de cada
mandato, mas não tão rigoroso quando se comparam governos diferentes. Por exemplo, é seguro observar
que o PL, no segundo mandato FHC II, votou a maior parte das vezes com a esquerda, mas não é tão
aconselhável comparar a diferença numérica entre esse mandato e o de Lula. Neste último, os partidos de
oposição entraram constantemente em obstrução.
7. Disciplina partidária
19
Tabela 4 - Disciplina Partidária por Governo %
Sarney Collor Itamar FHC I FHC II Lula
1986-1989 1990-1992 1993 1994-1998 1999-2002 2003-2004
PT 98,8 96,7 97,8 97,1 98,9 95,8
PDT 93,5 92,9 91 91,5 94,3 86,4
PSDB 86,8 88,3 87 92,9 96,4 84,6
PFL 88,2 90,3 87,4 95,1 95 84,3
PPB 85,2 90,9 87,4 84,3 91,2 83,7
PTB 79,5 84,6 83,9 89,7 87 91,3
PMDB 83,7 87,5 91,2 82,3 86,8 83,1
Média 88,0 90,2 89,4 90,4 92,8 90,0
Fonte: Figueiredo e Limongi (1999), com exceção dos dados referentes à FHC II e Lula (Banco de dados Necon).
19
Na seleção das votações, optei pelo método sugerido por FIGUEIREDO e LIMONGI (1999) de considerar
como expressando algum grau de conflito as votações onde pelo menos um partido dos sete maiores colocar
uma posição contrária aos outros, e quando ocorrer a oposição de pelo menos 10% no plenário. No entanto,
algumas adaptações se fizeram necessárias a fim de incluir outros partidos menores.
no período 1946-1964. Santos (1997) afirma Ou seja, o argumento de Ames não ajuda a
que uma diferença fundamental entre os explicitar a variação entre os períodos. A
períodos é que a partir da Constituição de levar em conta, principalmente, os trabalhos
1988, a patronagem conjugada com os po- de Figueiredo e Limongi (1999) e Santos
deres de agenda ajudara a construir uma (2003) a explicação residiria na centralização
base mais segura de apoio parlamentar e do processo decisório na presidência e nas
incidiram de forma mais incisiva sobre a dis- lideranças partidárias.
ciplina partidária. Contrasta também a mu-
dança de uma agenda partilhada na primeira
experiência democrática para uma agenda 8. Conclusão
imposta, quase toda originada no Executivo
e, em sua maioria, aprovada em regime de A análise até o momento pode transmitir
urgência. a impressão de acordo com a qual não exis-
Por outro lado, podemos analisar os da- tem riscos de instabilidade no sistema pre-
dos em si mesmos. Para todo o período sidencial baseado em coalizões. Uma
1986-2004 a média de disciplina ficou em questão que vem imediatamente à tona diz
torno de 90%. Considerando apenas o perí- respeito à crise aguda no relacionamento do
odo mais recente, observamos que nos dois Executivo com o Legislativo, a partir de me-
mandatos de FHC o padrão de disciplina dos ados do mandato do presidente Luiz Inácio
partidos é muito semelhante, à exceção do Lula da Silva. O atual quadro de instabilida-
PPB, que aumentou seu nível de adesão no de possui pelo menos duas dimensões fun-
segundo mandato de FHC. Nos dois primei- damentais: 1) em primeiro lugar, o conflito
ros anos do governo Lula a queda da média político-partidário que se desenvolve no Con-
de disciplina foi causada pelo aumento da gresso; 2) em segundo lugar, o conflito no
indisciplina no PPB e no PDT, e em maior interior da base de apoio ao governo.
grau nos dois principais parceiros da ex-co- A observação do processo político em
alizão no governo FHC, agora na oposição. outras partes do mundo indica, ao contrário
Dito de outra forma, há evidências de que a do que supuseram, durante boa parte da
presença no governo dos partidos de esquer- década de 1990, os teóricos liberais e de
da pode produzir quedas nos indicadores esquerda — encantados alguns, desani-
de disciplina; nos partidos de direita, ao mados outros, pelo fenômeno da globali-
contrário, seria a não-participação formal no zação econômica — uma acentuação da
governo o fator que causaria impacto nega- clivagem entre conservadores e trabalhistas,
tivo sobre a disciplina. Entretanto, ainda é liberais e social-democratas, direita e esquer-
cedo para afirmarmos isto com segurança. da. Seja nos EUA, com a polarização entre
As duas vertentes apresentam elemen- republicanos e democratas, seja no Parla-
tos importantes ao debate sobre o caráter e mento Europeu, com a divisão dos “grupos
intensidade da disciplina partidária. Por um partidários” entre liberais e social-demo-
lado, os índices de disciplina calculados em cratas, seja na América do Sul, com a emer-
relação às votações nominais podem repre- gência dos socialistas no Chile, com o Frente
sentar a última fase de um processo intenso Amplio no Uruguai e o PT no Brasil, o fato é
de barganha, como aponta Ames (2001), e que as divergências no que tange à base
este fato não é irrelevante, pois os índices social, aos interesses e às idéias dos parti-
podem não revelar os custos de transação dos posicionados à direita e esquerda do
incorridos. No entanto, de outro lado, é funda- espectro político só têm se aprofundado. Inú-
mental considerar que os índices do período meros analistas e políticos brasileiros insis-
pós-Constituição de 1988 são consistente- tem em olhar apenas para a política monetária
mente mais elevados do que no período e, a partir daí, verificando a convergência no
democrático anterior (que também era um tratamento da política cambial e de juros,
regime presidencialista, federal e com concluir que não existem diferenças signi-
representação proporcional de lista aberta). ficativas entre os interesses e a coalizão
social dos que apóiam o governo Lula e contribuição ao processo governativo, toda-
dos que lhe fazem oposição. Entretanto, via, alternativas podem e devem ser bus-
sem considerar tais diferenças não conse- cadas quando o contexto não é tão propício
guimos entender as motivações e as estra- para a montagem de ministérios tão am-
tégias dos partidos de oposição, notadamente, plos. A experiência européia de governos
PSDB e PFL. CPIs, para a oposição, são de minoria e a norte-americana de gover-
um instrumento de combate político, com- nos divididos estão aí para provar que a
bate que tem em sua raiz uma disputa pelo participação no Executivo não é condição
poder de definir as políticas de distribui- necessária para a viabilização da agenda go-
ção e redistribuição de recursos e incenti- vernamental no Legislativo.
vos administrados pelo Estado.
O segundo tópico refere-se aos conflitos
no interior da base de sustentação do governo
— Lula administra um conjunto grande e
Referências
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disso, herda uma agenda de problemas cujo
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do presidente. O ideal, nestas situações, é PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo (2000). Uma teoria da preponderância do Poder Executivo: o sistema
de comissões no Legislativo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.15, n. 43, p. 45-67, junho.
que o governo organize um ministério mais
PEREIRA, Carlos; RENNÓ, Lucio (2001). O que é que o reeleito tem? Dinâmicas político-institucionais
homogêneo e negocie a aprovação de sua locais e nacionais nas eleições de 1998 para a Câmara dos Deputados. Dados, v. 44, n. 2, p.133-172.
agenda com os partidos de oposição nas
POWER, Timothy J. (1998). The Pen is Mightier than the Congress: Presidential Decree Power in
comissões do Congresso. Nestas condições, Brazil. In: CAREY; SHUGART (Org.). Executive decree authority. New York: Cambridge University Press.
o ganho em termos de transparência das REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (2000). Brasília: Centro de Documentação e
negociações e coordenação intragoverna- Informação, Câmara dos Deputados.
mental superará, certamente, os custos em SANTOS, Fabiano (1997). Patronagem e poder de agenda na política brasileira. Rio de Janeiro, Dados,
v. 40, n. 3, p. 465-491.
termos de conflitos intrabase no Legislativo
e das disputas por espaço de poder no SANTOS, Fabiano (2003). O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: Editora
UFMG.
Executivo. Em outras palavras, a prática
STROM, Kaare (1990). Minority government and majority rule. New York: Cambridge University Press.
de coalizões no Brasil tem dado enorme
Fernando Limongi
opera de forma similar a regimes parlamen- O fato de o governo aprovar a maioria das
taristas. A produção legal em um e outro alterações do status quo legal ocorridas des-
regime é controlada pelo Executivo a partir de a promulgação da Constituição de 1988
de seu controle sobre o processo decisório. e de sofrer poucas derrotas na arena legisla-
O exame da produção legal mostra que o tiva tendem a ser minimizados. As objeções
presidente brasileiro não apenas controla a usuais, a de que a análise não considera as
produção legal como também tem altas ta- alterações impostas pelos legisladores e
xas de sucesso em suas proposições. Esses tampouco leva em conta a parcela da agen-
traços, usualmente associados a governos da do governo não submetida em função da
parlamentaristas, desmentem boa parte dos antecipação da derrota, são consideradas e
diagnósticos existentes acerca da paralisia discutidas a fundo. Retoma-se também nes-
governamental. Não há evidências de que o ta seção o debate acerca das bases do apoio
governo brasileiro se veja paralisado em fun- consistente às propostas governamentais
ção dos obstáculos que o Congresso ante- em votações nominais. Qual o “preço” pago
poria às suas pretensões. Se algo, o pelo presidente para manter unida a sua base
verdadeiro, é oposto: o Congresso coopera de governo? Pode-se dizer que as negocia-
com o Executivo. ções políticas são levadas a cabo por parti-
A dominância e o sucesso legislativo do dos?
governo se devem ao apoio consistente dos Por fim, a última seção oferece conclu-
partidos que participam do governo. Em sis- sões a partir da reconstituição do argumen-
temas multipartidários como o brasileiro, to desenvolvido. O presidencialismo de
quando o Executivo não controla a maioria coalizão não deve tomar foro de mais uma
das cadeiras, recorrer à formação de uma destas realidades que só teriam lugar no Bra-
coalizão partidária para governar é uma op- sil. Governos de coalizão são ocorrências
1
ção usual. Não há nada de excepcional nes- normais onde nenhum partido controla a
ta estratégia. Governos de coalizão é um maioria das cadeiras no Legislativo. O po-
resultado corriqueiro onde não existe um der de agenda com que Executivos tendem
partido majoritário tanto em regimes presi- a ser dotados, seja em sistemas presiden-
dencialistas como em parlamentaristas. As cialistas, seja em parlamentaristas, reverte
suspeitas de que governos de coalizão seri- em controle sobre o processo decisório. Este
am inviáveis no presidencialismo não resis- mesmo controle, permite a estruturação e a
tiram ao exame empírico e teórico. Ainda proteção da base legislativa de apoio ao
assim a possibilidade de que partidos atu- governo que se expressa no suporte dos
em e o façam de forma consistente, votan- parlamentares em votações das matérias de
do de forma coesa e seguindo as orientações interesse do Executivo. A coesão da base
do governo, desafia a credulidade da maioria do governo explica o sucesso e o domínio
dos observadores da cena política brasileira. do Executivo na arena legislativa.
A despeito destas convicções arraigadas, é
isto que se passa. Ou seja, a conclusão a que
se chega, portanto, é que não precisamos Parte 1:
recorrer a especificidades ou características Da denominação
singulares para explicar o funcionamento do
governo brasileiro. Quando o General Ernesto Geisel desen-
A terceira parte examina as objeções cadeou o processo de distensão, as expec-
usualmente levantadas à caracterização e á tativas entre os acadêmicos quanto ao futuro
explicação oferecida na segunda parte. Sus- político de um possível regime civil eram fran-
peita-se que o governo brasileiro carece das camente pessimistas. As chances de que
bases mínimas para operar recorrendo ao
1
apoio consistente de uma coalizão partidária. Outras possibilidades devem ser consideradas, por exemplo um governo de
minoria comandado pelo presidente ou, em um caso extremo, a formação de
uma coalizão legislativa majoritária por partidos de oposição.
aquele processo culminasse em uma demo- Para fins da discussão desse texto, é impor-
cracia estável, de acordo com a maioria dos tante salientar que o exame aprofundado das
analistas, eram diminutas. As razões invo- condições apontadas revela que estas só se
cadas para prognósticos tão negativos eram sustentam se for verdade que presidentes
as mais variadas. Esta certeza da inviabili- não podem ser apoiados por uma coalizão
dade de uma ordem democrática plena ten- partidária no Congresso. Dito de maneira
deu a crescer ao longo do penoso e tortuoso inversa: se presidentes, à maneira dos pri-
processo. Com a proximidade do retorno dos meiros-ministros em governos parlamenta-
militares aos quartéis, ganhou importância ristas multipartidários, puderem contar com
crescente o diagnóstico institucional, segun- o apoio de uma maioria formada a partir de
do o qual a combinação do presidencialismo uma coalizão de partidos, se isso for possível
e do multipartidarismo condenaria a demo- então, não há razão para supor que a sepa-
cracia à instabilidade e ao fracasso. ração de poderes leve, necessariamente, a
Quando da convocação da Constituinte, conflitos insuperáveis entre o Executivo e o
isto é, quando a distensão já havia desem- Legislativo (ver Figueiredo; Limongi, 1999
bocado em uma democracia, parece-me e Cheibub e Limongi, 2000 para a reconsti-
correto afirmar que havia se formado um tuição desse argumento).
consenso no interior das elites intelectuais e O ponto de partida do raciocínio de Linz
políticas do país. Reformas políticas seriam é conhecido. O presidencialismo é um regi-
condições sine qua non para a consolidação me baseado no princípio da separação dos
2
da democracia. Tais reformas pediriam dois poderes e, portanto, o Executivo e o Legisla-
passos essenciais e fundamentais, a saber, tivo devem concordar para que alterações
o abandono do sistema de governo presi- do status quo legal venham a ocorrer. Não
dencialista e a revogação da representação há garantias de que a maioria dos legislado-
proporcional. O mantra repetido por todos res esteja em acordo com a vontade do Exe-
era: a consolidação da democracia requer cutivo. Mais do que isso, não há incentivos
partidos fortes e estes são inviáveis sob presi- gerados pelo próprio sistema para que a
dencialismo e representação proporcional cooperação entre os poderes ocorra. Isto se
com lista aberta. A insistência nas velhas deve, fundamentalmente, ao fato de os man-
fórmulas levaria o país a conviver permanen- datos serem obtidos e mantidos de forma
temente com a crise de governabilidade. Não independentes. Assim, esta é a conclusão,
havia consenso quanto à fórmula alternativa salvo condições excepcionais, o presidenci-
a abraçar — se o melhor seria adotar o parla- alismo tende a gerar conflitos insolúveis en-
mentarismo puro ou semipresidencialismo, tre os poderes. A separação de poderes é
se o sistema eleitoral misto ou o majoritário igualada, assim, a conflito entre poderes com
— mas havia convicção de que mudar era vontades e pretensões políticas diversas,
vital. Qualquer outro modelo institucional seria conflito este que não pode ser arbitrado por
melhor do que o adotado pela Constituição nenhum fórum legítimo. Ambos os poderes
de 1946. têm origem na vontade popular e não estão
No mais das vezes, a condenação do submetidos a qualquer outro poder.
presidencialismo seguiu as pegadas do tra- Há situações em que tal conflito não deve
balho clássico de Juan Linz (1990 e 1994). emergir. Se o partido do presidente contro-
Como é fartamente sabido, o cientista político lar a maioria das cadeiras no Legislativo,
espanhol oferece uma pletora de razões e espera-se que ambos os poderes sejam
argumentos em favor do parlamentarismo. capazes de adotar uma agenda política co-
mum. Quando esta feliz coincidência não
2
Outro ponto consensual era o de que a democracia sem avanços substantivos ocorrer, argumenta Linz, o chefe do Executivo
imediatos, isto é, sem ganhos concretos em termos sociais para a população estará condenado ao fracasso legislativo, e
mais carente também seria inviável, não sobreviveria. Em boa parte das análises,
estes dois pontos estavam intimamente relacionados. o país, à paralisia decisória. No caso de
países que adotam a representação propor- Retornando ao tema deste artigo: o uso
cional, como é o nosso caso, a possibilidade corrente da expressão presidencialismo de
de presidentes cujos partidos sejam majori- coalizão pode ser interpretado como o reco-
tários, para todos os efeitos, pode ser des- nhecimento de que o Brasil teria superado
cartada. os obstáculos vislumbrados por Linz. Daí a
Para fins de argumentação, no entanto, é necessidade de qualificar o presidencialis-
preciso reter esta possibilidade. Partidos mo brasileiro, de tomá-lo como especial.
políticos podem estabelecer o elo entre os Combinar presidencialismo e coalizões não
poderes, a razão para que a ação dos pode- é o normal, o esperado.
res seja coordenada. É certo que nestes ar- Na realidade, a expressão “Presidencia-
gumentos, mesmo esta possibilidade é lismo de Coalizão” foi cunhada por Sérgio
qualificada ou minimizada na medida em que Abranches em artigo que é hoje um verda-
se postula que o presidencialismo não favo- deiro clássico da literatura política nacional.
rece a emergência de partidos disciplinados. Para Abranches, a estrutura institucional bra-
Deixando esta objeção para consideração sileira seria problemática e tendente a gerar
posterior, cabe então indagar por que presi- crises não pelo fato de combinar presiden-
dentes minoritários não recorreriam à forma- cialismo e multipartidarismo, como argu-
ção de uma coalizão partidária para obter o mentavam os adeptos das proposições de
apoio da maioria dos legisladores? Afinal, Linz, mas sim da adição de um terceiro ele-
governos apoiados por coalizões partidárias mento a esta fórmula, a saber, o federalismo.
são algo normal e corriqueiro em países Da presença do federalismo, cuja análi-
parlamentaristas multipartidários. Por que se pelo autor não se limita a seus aspectos
presidentes não lançariam mão do expe- puramente institucionais, cobrindo também
diente a que recorrem primeiros-ministros? a diversidade e heterogeneidade socioeco-
nômica, Abranches deriva que as coalizões
Linz e seguidores oferecem duas razões,
para apoiar o chefe do Executivo teriam que
ambas singelas e diretas, para rejeitar esta
atender a critérios extrapartidários. Isto é, ao
possibilidade. Primeira: presidentes não o
construir sua base de apoio parlamentar, o
farão porque não querem. Simplesmente,
presidente teria que combinar critérios parti-
relutarão em dividir o poder após terem con-
dários e federativos, levando em conta, so-
quistado o “grande prêmio”. Assim, inebria-
bretudo, o poder dos governadores. A
dos pelo poder obtido nas urnas, em lugar
conseqüência deste recurso é a composi-
de buscar apoio partidário no Congresso,
ção de uma coalizão de apoio que, do ponto
presidentes preferirão apelar diretamente aos
de vista socioeconômico e político, será
eleitores, ou melhor, às massas, para recu-
marcada pela heterogeneidade.
perar o tom do argumento, para pressionar
Para que sejam capazes de atender este
o Legislativo e impor sua agenda.
duplo critério — o partidário e o federal — as
A segunda razão oferecida por Linz é que
coalizões serão necessariamente, sobredi-
se por ventura o fizerem, isto é, se buscarem
mensionadas e, mais importante, dada a
formar uma coalizão, os presidentes ouvirão
diversidade dos interesses sociais que abar-
respostas negativas de todos os partidos
cam, fadadas à ineficiência governamental.
convidados. Estes preferirão apostar no
Ou seja, ainda que as coalizões sejam con-
fracasso do governo, esperando assim con-
cebidas com o objetivo de superar o conflito
quistar o “grande prêmio”, o cargo de presi- entre os Poderes Executivo e Legislativo, a
dente, nas eleições vindouras. Logo, buscar grande coalizão partidária-regional acabará
o apoio do povo, usando-o para pressionar o
Congresso, seria a única alternativa política 3
Note que o argumento depende fortemente de que os atores políticos
viável deixada a presidentes em exercício. relevantes mantenham sua crença de que só há um prêmio a disputar e
Presidencialismo, portanto, levaria a um tipo obter: a presidência. Se presidentes souberem que dependem da cooperação
3 do Congresso e congressistas souberem que podem influenciar a política
de política plebiscitária. participando do governo, torna-se impossível sustentar que o presidencialismo
seja um jogo de soma zero. Para o desenvolvimento desse argumento,
consultar LIMONGI, 2003.
reduzida à impotência. Muito dificilmente ela via poucas chances de sucesso do presi-
será capaz de garantir a aprovação de uma dencialismo de coalizão. Ao recorrer a coali-
agenda presidencial consistente. zões heterogêneas, o presidente se tornaria
Assim, na visão de Abranches, o presi- “prisioneiro de compromissos múltiplos, par-
dencialismo de coalizão seria uma forma tidários e regionais”, situação em que “sua
peculiar de funcionamento de governos pre- autoridade pode ser contrastada por lideran-
4
sidencialistas encontrado apenas no Brasil, ças dos outros partidos e por lideranças re-
ainda que a amostra de regimes presiden- gionais, sobretudo os governadores” (1988,
cialistas com que trabalhe seja reconheci- p. 26). A outra opção, uma “coalizão con-
damente limitada. O fundamental, no centrada”, também não seria a solução, pos-
entanto, é notar que o presidencialismo de to que esta se, por um lado, “lhe confere
coalizão, dada a natureza heterogênea das maior autonomia em relação aos parceiros
coalizões formadas, seria de um regime com menores”, por outro, obriga o presidente “a
alta propensão a se defrontar com crises manter mais estreita sintonia com seu pró-
políticas. Nas palavras do próprio autor, o prio partido. Se o partido majoritário é hete-
presidencialismo de coalizão seria rogêneo interna e regionalmente, obtém-se
o mesmo efeito: a autoridade presidencial é
um sistema caracterizado pela instabilidade,
confrontada pelas lideranças regionais e fac-
de alto risco e cuja sustentação baseia-se
ções intrapartidárias” (1988, p. 26). Em últi-
quase exclusivamente no desempenho cor-
ma análise, a leitura destes excertos revela
rente do governo e de respeitar estritamente
os pontos ideológicos ou programáticos con- que, qualquer seja o curso adotado, presi-
siderados inegociáveis, os quais nem sem- dentes não contam com a possibilidade de
pre são explícita e coerentemente fixados na obter apoio partidário. Partidos são sempre
fase da formação da coalizão (1988, p. 27). caracterizados por sua heterogeneidade e
pelas considerações regionais.
O texto original é repleto de referências à Linz e Abranches, portanto, discordam
impossibilidade de funcionamento normal e quanto à possibilidade da formação de coa-
corriqueiro desta forma peculiar de regime lizões sob presidencialismo. Pouco provável
político. Na raiz dos problemas enfrentados, para o primeiro, inevitável para o segundo.
estaria a falta de mecanismos ou instâncias A despeito dessa discordância de fundo, há
para superar os prováveis conflitos entre o pontos comuns a notar. Ambos partem da
Executivo e o Legislativo: mesma suposição, a de que a separação
Governos de coalizão têm como requisito
de poderes pode ser equiparada a conflito
funcional indispensável uma instância, com entre poderes. As relações entre o Poder Exe-
força constitucional, que possa intervir nos cutivo e o Legislativo são pensadas a partir
momentos de tensão entre o Executivo e o de uma perspectiva vertical, assumindo-se
Legislativo, definindo parâmetros políticos que estes poderes têm vontades divergen-
para resolução de impasses e impedindo que tes e, em última instância, inconciliáveis.
as contrariedades políticas de conjuntura le- Um segundo aspecto comum deve ser
vem à ruptura do regime (1988, p. 31). notado: a ausência da consideração da hi-
pótese de que partidos possam oferecer
Abranches escrevendo antes da elabo-
bases suficientes para a constituição de co-
ração da Constituição de 1988, tomando a
alizões legislativas. Afinal, por que as coali-
experiência da República de 46 e os anos
5 zões consideradas por Abranches devem ter
iniciais do governo Sarney como exemplos,
como eixo considerações federativas? Por
que o simples critério partidário não seria
4
O autor reconhece ao longo do texto a existência de outros dois tipos de suficiente? A razão para tanto decorre da rí-
presidencialismos, o bipartidário e o de gabinete.
5
gida linha demarcatória traçada para distin-
Abranches recorre ao seu modelo para explicar as dificuldades do segundo
governo Fernando Henrique Cardoso. Ver ABRANCHES, 2001, p. 263 et seq.
guir os regimes parlamentaristas dos
Uma discussão sobre o termo pode ser encontrada em Insight/Inteligência
VII (8), 2005.
cada do significado da separação de pode- * Proporção dos Projetos de Lei do Executivo aprovados.
res. Nestas, o Legislativo é sempre pensado ** Proporção de leis propostas pelo executivo sobre o
como um ator único, dotado de um interesse total de leis.
comum cuja realização o coloca em confronto Fonte: Brasil: Banco de Dados Legislativos, Cebrap;
outros países: Inter-Parliamentary Union, Parliaments
com o Executivo. No entanto, legisladores of the World, 1976.
têm interesses políticos diversos e conflitan-
tes entre si, expressos em sua filiação parti- O sucesso e a dominância do Executivo são
dária. Alguns se beneficiam do sucesso do tanto maiores quanto mais estes índices se
Executivo, outros de seu fracasso. Logo, para aproximam de 100. As expectativas de que
os primeiros, os poderes de agenda do Exe- o Executivo tenha altos índices de sucesso
cutivo são bem-vindos. e de dominância em regimes parlamenta-
A comparação entre a estrutura da pro- ristas, como mostra a Tabela 1, são ampla-
dução legislativa brasileira com a que tem mente confirmadas pelos dados. Estes
lugar em países parlamentaristas mostra índices são resultados da inter-relação entre
quão próximo o nosso presidencialismo se o monopólio exercido pelo governo sobre a
6
Excluindo as 206 leis de origem do Judiciário.
7
A dominância, em realidade, se estende a produção de outras normas como
Leis Complementares e Emendas Constitucionais.
8
Inclui as votações dos deputados nas Seções Conjuntas do Congresso Nacional.
A quase totalidade dessas votações se refere a medidas provisórias que
tramitavam pelo Congresso Nacional até setembro de 2001.
Tabela 5 - Apoio da Coalizão de Governo à Agenda Legislativa do Executivo, Segundo a Indicação dos Líderes e os Votos
das Bancadas
Coalizão de Governo Coalizão Unida* Coalizão Dividida** Total
N° votações N° votações N° votações
Projetos do % de Projetos do % de Projetos do % de
Governo Disciplina*** Governo Disciplina*** Governo Disciplina***
Sarney 2 6 90,7 2 41,57 8 78,4
Collor 1 22 95,0 1 40,21 23 92,6
Collor 2 24 93,1 17 55,1 41 77,4
Collor 3 9 94,6 1 77,3 10 92,9
Itamar 1 9 90,7 23 72,3 32 77,5
Itamar 2 2 93,9 1 78,3 3 88,7
Itamar 3 3 95,9 1 69,6 4 89,4
FHC I 1 81 90,0 13 62,0 94 86,2
FHC I 2 209 87,8 22 69,9 231 86,1
FHC II 1 159 93,8 46 79,6 205 90,7
FHC II 2 14 92,4 1 64,8 15 90,5
Lula 1 77 95,6 7 67,4 84 93,2
Lula 2 29 90,1 7 67,3 36 85,7
Total 644 91,4 142 70,1 786 87,6
* Todos os líderes dos partidos da coalizão de governo indicam de acordo com a indicação de voto do líder do governo. (Inclui casos em
que pelo menos um líder libera a bancada.
** Pelo menos um líder dos partidos da coalizão de governo se opõe à indicação de voto do líder do governo.
10
Notem que esta média não pondera o tamanho da bancada do partido
dissidente.
das propostas ordinárias apresentadas pelo O significado dos vetos no interior das
governo é aprovada sob regime de tramita- relações Executivo-Legislativo vai além dos
ção urgente. Isso implica a retirada do pro- aspectos notados acima. Isso porque, em
jeto da comissão, diminuição dos prazos de geral, os vetos presidenciais raramente
apreciação e, este o ponto a frisar, imposição chegam a ser considerados formalmente
de restrições para consideração das emendas pelo Congresso Nacional. Isto é, não há um
apresentadas. Nestes casos, em última aná- esforço visível para reverter a decisão presi-
lise, são apreciadas apenas as emendas que dencial. Se, de fato, tivessem expectativas
contam com apoio dos líderes partidários. de ver as propostas que aprovaram sancio-
O fato é que o processo decisório no in- nadas, por que não procurar derrubar o veto?
terior do Poder Legislativo se organiza em Uma possível explicação é que parlamen-
torno das instâncias partidárias. A possibili- tares sabem que a proposta será vetada,
dade de participação individual na definição mas deixam ao Executivo o custo de fazê-lo.
do conteúdo das proposições legislativas é Outra possibilidade é de que os custos para
limitada. O Regimento Interno da Câmara aprovar uma medida sejam sensivelmente
dos Deputados favorece os líderes partidá- menores dos que os envolvidos para a consi-
rios cuja assinatura em questões procedi- deração de um veto, afinal, vetos são anali-
mentais tem o peso proporcional à sua sados pelo Congresso Nacional em Sessões
bancada, ou seja, líderes são tomados como Conjuntas, cuja convocação pede procedi-
agentes perfeitos das bancadas que repre- mentos próprios. Considerações estratégicas
sentam, minimizando os custos da ação que envolvem a antecipação da ação do outro
coletiva dos partidos. Nestes termos, par- ator, que, obviamente, não se encerram na
tidos, representados por suas lideranças questão do veto, serão discutidas a seguir.
formais, são peças centrais para qualquer Seja como for, o fato é que a taxa de domi-
negociação política envolvendo os interesses nância do Executivo sobre a produção legis-
do Executivo. lativa e o amplo uso que o presidente faz do
Note-se ainda que o Executivo conta com veto sem que este seja contestado mostra
uma poderosa arma para lidar com emen- que o Legislativo não é capaz de aprovar uma
das indesejáveis ou contrárias ao seu inte- agenda alternativa à do Executivo. O núme-
resse: o veto parcial e o total. Caso o projeto ro de projetos aprovados cuja iniciativa se
seja subvertido por meio da aprovação de deve a legisladores é pequeno. Estudos de
emendas, o presidente pode simplesmente caso — e eles existem em bom número —
não promulgá-lo, vetando-o na íntegra. Em mostram que as leis aprovadas a partir de
casos menos dramáticos, em que legisla- propostas dos legisladores visam atender
dores alteram aspectos específicos do pro- interesses miúdos e paroquiais (Almeida;
jeto ou aproveitam para usá-lo para pegar Moya, 1997; Lemos, 2001; Ricci, 2003; Diniz,
“carona”, o Executivo pode recorrer ao veto 2005; Amorim Neto; Santos, 2003). Como
parcial. O presidente faz amplo uso de am- já foi dito anteriormente, esta assimetria é
bos os recursos. O veto parcial presidencial um produto direto das prescrições constitu-
é usado, sobretudo, em suas próprias pro- cionais que garantem ao Executivo a prerro-
postas, indicando que o presidente é capaz gativa exclusiva de iniciar a legislação nas
de impedir mudanças indesejadas. Do total áreas de maior importância. A vedação cons-
de projetos aprovados de iniciativa do Exe- titucional para a aprovação de legislação que
cutivo, 9,6% foram objeto de veto parcial. envolva gastos sem a previsão de seus
Quanto aos projetos propostos por legisla- recursos neutraliza os incentivos com que
dores submetidos à sanção presidencial, contariam deputados para propor medidas
nada mais nada menos que 31,4% foram que beneficiem diretamente suas clientelas
objeto de veto total (Moya, 2006). eleitorais. Os direitos legislativos para tanto
foram subtraídos dos parlamentares.
uma agenda não submetida pela antecipa- A tese de que o país viveria imerso em
ção da obstrução do Congresso. Este recur- permanente “crise de governabilidade” pos-
so desconsidera os aspectos estratégicos tula que o Congresso barrará as propostas
invocados para justificar a antecipação de feitas pelos presidentes. As evidências
reações. O anúncio de propostas e, mesmo, empíricas nos mostram que tal obstáculo
seu envio ao Congresso, é parte da estra- simplesmente não existe. Somente diante
tégia do Executivo. O Executivo pode radica- dessa constatação é que os analistas pro-
lizar na proposta para depois ceder, recorrer curaram identificar uma agenda não apre-
a “balões de ensaio”, ameaçar mexer aqui sentada. Na realidade, muitas vezes, a
para obter vantagens acolá, etc. (ver Diniz, agenda não apresentada é inferida a partir
2005, para uma análise desse ponto). Em dos resultados não obtidos. Por exemplo,
resumo, preferências são reveladas ao pú- Ames invoca a persistência da inflação,
blico como parte da relação estratégica em pobreza e desigualdade de renda como indi-
que os atores estão envolvidos. cadores dos obstáculos postos pelo Con-
Do ponto de vista metodológico, fica cla- gresso aos projetos presidenciais. O mínimo
ro que identificar a verdadeira agenda do que se pede é a identificação de projetos
Executivo não é uma tarefa fácil. A identifi- efetivos com este fim não aprovados pelo
14
cação da “segunda face do poder” há muito Congresso.
desafia os cientistas políticos. Alguns pon- Na verdade, o exemplo do combate à
tos, no entanto, podem ser estabelecidos. inflação deve nos alertar para os equívocos
Revelar uma suposta “verdadeira” ou “sin- contidos neste tipo de raciocínio. O Plano
cera” preferência dos atores políticos, ex- Real foi aprovado sob a mesma estrutura
pressa privadamente, não é de qualquer institucional que explicaria o fracasso dos
interesse. Interessa estudar as propostas que Planos Verão e Collor. Logo, o problema do
fracasso do combate à inflação deve ser
de fato integram o mundo político. Políticos
creditado a outros fatores. Não foi neces-
atuam em um mundo repleto de restrições
sário reformar o sistema político para dar
postas pelo aparato institucional e pelas pre-
fim à hiperinflação.
ferências dos demais atores. Para que uma
Custa a crer que “projetos” consistentes
proposta seja considerada como parte da
e apoiados pela maioria da população não
agenda do Executivo deve-se requerer um
sejam submetidos ao Congresso porque sua
mínimo de formalização. Objetivos e inten-
rejeição seja antecipada com certeza. Sobre-
ções não significam o mesmo que uma
tudo porque o presidente não pode ter suas
agenda. Por último, deve-se notar que pro-
pretensões barradas por minorias. Seu poder
posições devem ser testadas tendo em vista
de agenda, expresso, no caso, na prerroga-
sua própria formulação.
tiva de editar medidas provisórias e de soli-
citar urgência para apreciação dos projetos,
impede que sua agenda legislativa seja
“engavetada”. Isto é, o presidente está em
condições de forçar o Congresso a rejeitar
explicitamente a sua proposta. Por que o pre-
14
Ames inicia seu livro propondo a seguinte reflexão: “Imaginemos o seguinte sidente deveria ceder às ameaças veladas
enigma: um país formalmente democrático enfrenta durante anos crises de
inflação, desperdício e corrupção no governo, déficits no sistema de congressistas? Por que não transferir o ônus
previdenciário, serviços sociais de má qualidade, violência e desigualdade da rejeição de uma proposta ao Congresso?
social. Parcelas importantes da população apóiam os projetos destinados a
combater estas crises. No Congresso, poucos parlamentares se opõem às Em última análise, não há boas razões
propostas por razões programáticas ou por pressão do eleitorado. E, apesar para supor que as taxas de sucesso e domi-
disso, os projetos raramente saem incólumes do processo legislativo. Muitos
sem qualquer chance de aprovação, jamais chegam às portas do Congresso. nância legislativa dos presidentes brasileiros
Outros morrem nas comissões. Alguns acabam sendo aprovados, mas a escondam um governo acuado e paralisado.
demora na decisão e concessões de substância minam seu impacto.
Raramente o Executivo pode evitar o alto preço a pagar, em benefícios O significado destes índices não é diverso
clientelistas e patronagem, para obter apoio parlamentar” (2003, p. 15). daquele que normalmente lhe é atribuído em
qualquer valor maior que zero para obter co- iniciativas do governo. Este tem o direito de
operação. Deputados competem pelos re- propor e, com isso, é capaz de estabelecer
cursos escassos controlados por uma única os termos da barganha com sua base de
fonte, o Executivo, este que fica em condi- sustentação.
ções de explorar esta situação em seu favor. Em resumo, a conclusão é a mesma a
Tratar os parlamentares dotados de um que se chega ao se examinar as objeções
mesmo interesse, mesmo que seja o da relativas às taxas de sucesso e dominância
reeleição, desafia os fatos. Parlamentares legislativa. Em geral, salvo os preconceitos,
competem por votos e, por isso mesmo, os argumentos normalmente apresentados
estão divididos em partidos. O poder de bar- para questionar o significado real das taxas
ganha dos partidos cresce com o tamanho de apoio à agenda legislativa do Presidente
da sua bancada e com suas perspectivas brasileiro são igualmente aplicáveis aos de-
eleitorais futuras, isto é, com a possibilida- mais países parlamentaristas.
de de ganhar as próximas eleições presi- O Executivo brasileiro está longe de es-
denciais. Logo, pequenos partidos não tar paralisado. É descabido insistir na tese
constituem um problema para a construção da crise de governabilidade após o governo
da base do governo. Antes o contrário. Por ter se mostrado capaz de aprovar tantas
definição, têm poucos votos a dar para o Emendas Constitucionais. Resta se apelar
Presidente, e suas perspectivas eleitorais para o caráter inconcluso ou incompleto das
futuras não são propriamente auspiciosas. reformas como prova das dificuldades do
Partidos maiores têm que pesar os prós governo. As reformas aprovadas, tornou-se
e contras de fazer parte do governo. O aces- usual argumentar, foram parciais e, prova-
so à máquina do governo e a formulação de velmente, as menos importantes. Há sem-
políticas traz dividendos, mas também en-
pre uma reforma que poderia ter sido
volve custos eleitorais. Partidos com chan-
aprovada. A agenda de reformas, no entan-
ces de vitória em eleições futuras podem
to, não tem fim. A cada reforma feita, uma
preferir aguardar. Ou, de outra parte, para
nova agenda de reformas é proposta pelas
que os ganhos compensem os custos, po-
agências multilaterais. Segundo a última con-
dem não interessar ao governo, que conta
tabilidade, o desafio atual é promover com
com melhores opções para formar sua base.
sucesso a “terceira geração de reformas” (ver
Por isso mesmo, pequenos e médios parti-
Melo, 2005). E novas gerações de reformas
dos são mais facilmente atraídos para a base
nascem do reconhecimento das falhas das
do governo do que os partidos grandes.
propostas anteriores. Ou seja, o sucesso na
Na realidade, a experiência brasileira
implementação da segunda geração não nos
mostra que fazer oposição ao governo é uma
livra da necessidade de passar pela gera-
opção que se reserva a poucos partidos,
ção seguinte. A conclusão é óbvia: o proble-
restrita aos partidos que podem aspirar diri-
ma pode estar na formulação das propostas.
gir o governo em futuro próximo. Este foi o
Dito de outra maneira, o resultado das políti-
caso do PT sob FHC e do PSDB/PFL sob
cas aprovadas e, mesmo, a sua qualidade,
Lula. O PMDB, em ambos os períodos,
não pode ser o critério para mensurar o de-
ficou a meio caminho. A possibilidade de
sempenho do governo. Estas são discussões
viabilizar uma candidatura presidencial pró-
pria foi sempre o argumento dos que defen- de outra ordem, isto é, que independem da
deram que o partido fizesse oposição ao estrutura do sistema político.
governo. O reconhecimento da inviabilidade
dessa alternativa alimentava os que propu-
nham a adesão.
O combustível que sustenta a coalizão
de governo no Brasil não é diverso do en-
contrado em outros países. O processo de-
cisório é desenhado de forma a favorecer as
O debate sobre a necessidade de reformas Seja como for, o fato é que os governos
políticas no Brasil tem tonalidades surrealistas. brasileiros ainda terão que se haver com inú-
Baseado em um diagnóstico institucional, meras gerações e ondas de reformas. Até o
ainda que considerações acerca da estrutura momento, para as gerações e ondas já pro-
social do país não fossem descartadas, postas, o sistema político brasileiro não foi
advogou-se que reformas seriam necessárias um empecilho. No frigir dos ovos, há de se
para obter governabilidade. Presidencialismo convir, o que constava no manual, foi apro-
combinado à representação proporcional vado. Se as reformas, as já aprovadas e as
com lista aberta seria uma fórmula explosiva, futuras, trarão os benefícios prometidos é
destinada a gerar partidos fracos e um Exe- uma outra questão. Uma questão que, com
cutivo impotente. Os defensores dessa fór- base nas evidências disponíveis, não passa
mula não se deram conta dos efeitos das pela estrutura institucional adotada. Nem
modificações que a Constituição de 1988 todos os resultados de políticas podem ser
adotou em relação ao quadro vigente sob a derivados das instituições. A política não se
experiência democrática anterior. O Poder resume à escolha das instituições. Há mais,
Executivo foi reforçado, dotando-o do poder muito mais, em jogo.
de agenda necessário para estruturar o pro-
cesso decisório. O Poder Legislativo não fi- (Este texto retoma temas desenvolvidos em trabalhos
cou imune a essas transformações, passando anteriores em co-autoria com Argelina Figueiredo. Sou
responsável pela redação deste texto particular e,
também por uma redefinição de sua estru- portanto, dos equívocos existentes.)
tura organizacional e institucional que reco-
locou a participação dos partidos no seu
Referências
interior. Sobretudo, o Regimento Interno da
Câmara e do Senado tomam os partidos
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares; MOYA, Maurício. A reforma nego-
políticos como as peças centrais em torno ciada: o Congresso e a política de privatização. Revista Brasileira de
das quais o processo decisório é organiza- Ciências Sociais, 12(34), p. 119-32, 1997.
do. Ou seja, do ponto de vista dos resulta- BAGEHOT, Walter. The English Constitution. Cambridge: Cambridge
University Press, 2001, p. 8, 9. Edição original de 1867.
dos, o Brasil tem o que as reformas
preconizadas pretendem obter. O governo CHEIBUB, J. A.; PRZEWORSKI, A.; SAIEGH, S. Government coalition
and legislative success under presidentialism and parliamentrism.
conta com as armas institucionais necessá- British Journal of Political Science, v. 34, p. 565-587.
rias para governar. Nada que se assemelhe DINIZ, Simone. Interações entre o Executivo e o Legislativo no pro-
à crise de governabilidade pode ser detec- cesso decisório: avaliando o sucesso e o fracasso presidencial. Da-
dos, v. 48(2), p. 333-369, 2005.
tado pelas evidências empíricas disponíveis.
FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem
Se democracias pedem partidos fortes, nos
constitucional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
termos dessa formulação, os partidos bra-
FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. O Legislativo e a âncora fiscal. In:
sileiros atendem esta exigência. REZENDE, Fernando; CUNHA, Armando (Ed.). O orçamento público e a
O Brasil, por certo, não é um país desen- transição do poder. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002a. p.
55-92.
volvido ou em que a pobreza e a desigual-
FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Incentivos eleitorais, partidos e política
dade tenham sido erradicadas, ou mesmo,
orçamentária. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
talvez, enfrentadas com a seriedade e a fir- IUPERJ, v. 45, n. 2, p. 303-344, 2002b.
meza esperadas. Na verdade, as reformas HUBER, John D. Rationalizing parliament. Cambridge: Cambridge
políticas permanecem na agenda na medi- University Press, 1996.
da em que seus objetivos se transformam LEMOS, Leany Barreiro. O Congresso Brasileiro e a distribuição de
benefícios sociais no período 1988-1994. Dados, v. 46(4), p. 699-734,
na velocidade dos acontecimentos. As mes- 2001.
mas medidas são propostas para sanar
LAMOUNIER, Bolívar. A democracia brasileira de 1985 à década de
qualquer problema, dos riscos da radicali- 1990: a síndorme da paralisia hiperativa. In: VELLOSO, João Paulo dos
zação política à paralisia governamental, do Reis (Org.). Governabilidade, sistema político e violência urbana. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 25-64.
combate à inflação à erradicação da pobre-
PRZEWORSKI, A.; CHEIBUB, J.; ALVAREZ, M.; LIMONGI, F. Democracy
za, dos problemas da previdência ao com- and development: political institutions and well-being in the world,
bate à violência urbana. 1950-1990. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 312 p.
Lucio R. Rennó
1. Introdução
1
Não irei aqui discutir a relação Executivo-Legislativo nos estados da União.
Para esse fim, ver SANTOS (2001). Para uma discussão sobre o
hiperpresidencialismo brasileiro no nível estadual, ver ABRUCIO (1998).
partido que apoiava o regime autoritário era no atual arcabouço institucional e espaço
praticamente completa. Hoje, nenhum par- para reformas políticas.
tido do Presidente, após as eleições presi- As visões críticas podem ser divididas
denciais de 1989, isoladamente obteve em três perspectivas: a primeira afirma que
maioria dos assentos no Congresso. Isso o sistema não permite a governabilidade.
significa que o Executivo precisa de coliga- Os incentivos institucionais simplesmente
ções com diversos partidos para poder apro- levam à paralisia decisória ou ao alto custo
var seus projetos de interesse no Legislativo. de negociação entre Executivo e Legislativo,
Surge justamente daí o caráter de coalizão negociação essa que se dá de forma indi-
do presidencialismo brasileiro. O jogo pas- vidualizada entre deputados e Presidente.
sa a ser centrado na negociação entre Exe- A segunda não nega que o sistema funcio-
cutivo e partidos políticos para construção ne com base na troca de recursos (cargos,
de apoio legislativo. Uma relação que antes emendas orçamentárias) e não apenas na
era de apoio incondicional, após a redemo- discussão programática entre partidos, mas
cratização passa a ser de apoio negociado. que essa troca é intermediada por lideranças
A questão-chave do debate atual sobre o fun- partidárias. Ou seja, lideranças partidárias
cionamento do presidencialismo de coalizão da base aliada e o Executivo discutem os
é justamente sobre os termos em que se dá aspectos programáticos das propostas legis-
a negociação entre Executivo e Legislativo e lativas e utilizam recursos financeiros legais
se os parâmetros da negociação variam a fim de criar um incentivo a mais para a
pelas diversas administrações, desde 1988, obtenção de cooperação dos deputados.
ou se são constantes, constritos institucio- Essas duas visões têm em comum o enfo-
nalmente. Na verdade, esse debate é talvez que na construção de maiorias dentro do
um dos mais interessantes e sofisticados Legislativo. Discutem os mecanismos usados
da literatura sobre política brasileira e tem pelo Executivo para obter cooperação dos
prestado contribuição significativa para a deputados federais.
discussão sobre política comparada na A terceira visão crítica enfoca principal-
América Latina. mente a discussão sobre qual é a natureza
O enfoque deste trabalho será discutir as da relação entre Executivo e Legislativo, se
críticas acerca do funcionamento do presi- uma de delegação ou de ação unilateral, e
dencialismo de coalizão no Brasil. A ênfase, se há variação no tempo nos termos dessa
portanto, recai nas limitações, entraves e relação. O ponto central, nesse caso, é que
possíveis implicações negativas que o de- o presidencialismo de coalizão não funciona
senho institucional presente possa ter para de forma uniforme através das distintas
a democracia no Brasil. Isso não quer dizer administrações que governaram o país. O
que não haja aspectos positivos no funcio- desenho institucional não condiciona de
namento do sistema atual. Há, na verdade, forma fixa o comportamento dos atores, ge-
um esforço por parte de alguns de demons- rando incentivos contraditórios que ampliam
trar os lados positivos do presidencialismo em demasia a margem de manobra de go-
de coalizão. Tais argumentos fundamentam, vernantes e dão muito espaço para que a
inclusive, um ponto de vista desfavorável à capacidade individual dos governantes tenha
necessidade de reformas no sistema político papel central no gerenciamento da base
brasileiro (Santos; 2006, Cheibub; Limongi; de apoio no Congresso e na formação de
2006). Os aspectos positivos não serão maiorias. Cada uma dessas visões será
exaustivamente discutidos aqui, pois são explorada em seqüência no texto. Mas, antes,
explorados em outros artigos deste volume. cabe uma rápida revisão da visão mais favo-
Contudo, há diversos autores que apontam rável ao presidencialismo de coalizão.
para problemas no presidencialismo de
coalizão. Segundo essa visão, há limitações
Executivo
Legislativo
Judiciário
2
Dentre as posições de poder no Legislativo, a Presidência da Mesa Diretora
ganha relevância maior, pois é esse posto que controla a agenda da Casa. Por
isso, não surpreende que o Executivo se preocupe tanto em ter um aliado,
preferencialmente de seu partido ou um elemento de confiança de outro
partido, mas da base governista, na presidência das duas Casas. Também
não surpreende as constantes tentativas de revolta do “baixo clero”, os
deputados que não têm posições de influência no Congresso e que se
sentem excluídos do processo decisório. A vitória surpreendente do Deputado
Severino Cavalcante para a Presidência da Câmara dos deputados foi, em
grande parte, um sinal claro da insatisfação de um grande número de deputados
que se sentem mudos no processo decisório.
pela medida e se manifesta contrário, isso que seus projetos legislativos sejam apro-
funciona como o acionamento de um alar- vados. Para permitir que decisões sejam
me de incêndio, que leva o Congresso a tomadas, o Executivo, então, apela para o
reexaminar a medida. As reedições, na uso de medidas provisórias para reduzir a
visão desses autores, são sempre alterações influência do Legislativo no processo deci-
de curso da proposta inicial levando em sório. A reedição de MPs, nessa visão, é
consideração as objeções de grupos da apenas um mecanismo de perpetuação das
sociedade civil captados pelo Congresso e propostas tomadas a fim de evitar a partici-
acrescentados às novas versões das MPs. pação do Legislativo.
Dessa forma, o Congresso Nacional delega A perspectiva da ação unilateral é con-
ao Executivo os custos de propor a política, traposta por Pereira, Power e Rennó à visão
mas monitora seu funcionamento e realiza de que o Legislativo delega ao Executivo o
ajustes de curso. papel de propor políticas e de negociar seu
Até aí, não há crítica nenhuma ao funcio- sucesso. Nesse último caso, o uso de MPs
namento da relação Executivo/Legislativo no se daria em um ambiente de concordância
Brasil. A crítica, no entanto, vem em um ou- e de cooperação entre Executivo e Legislativo
tro momento do argumento de Amorim Neto e é um instrumento para tornar o processo
e Tafner. Um ponto que os autores trazem é legislativo mais rápido e eficiente. O uso de
que o presidencialismo de coalizão, confor- MPs não vem de encontro ao uso de outros
me a descrição feita por Abranches, só existe mecanismos de legislar, como Projetos de
mesmo no Brasil durante a primeira admi- Lei (PLs). O executivo usa diversos instrumen-
nistração de Fernando Henrique Cardoso. tos para governar, sejam eles legislação ordi-
Para esses autores, em períodos anteriores nária (PLs, PLPs, etc.) ou extraordinária (MPs),
o sistema não funcionava de acordo com a sem visar com isso usurpar poder do Legis-
premissa de que o Legislativo exercia con-
lativo. Muito pelo contrário, toma as iniciati-
troles claros sobre o Executivo e que este
vas contando com o apoio do Legislativo.
último conseguia construir maiorias consis-
Estes autores concluem que no período
tentes e cooperativas. Portanto, o presiden-
de 1988 a 1998 há uma variação por admi-
cialismo de coalizão não é um resultado claro
nistração no uso de medidas provisórias.
do arcabouço institucional brasileiro, como
Essa variação não se dá quanto ao número
defendem Figueiredo e Limongi, mas sim
absoluto de medidas provisórias editadas.
um momento, possivelmente de exceção,
Outrosim, se dá quanto ao padrão de rela-
durante uma administração que soube recom-
cionamento entre Executivo e Legislativo nas
pensar seus aliados e lhes dar voz no pro-
administrações de Sarney, Collor, Itamar
cesso de formulação legislativa. Nos períodos
Franco e Fernando Henrique Cardoso, todas
de Sarney, Collor e Itamar Franco, não se pode
deveras condicionadas pelas diferenciadas
falar de uma relação Executivo-Legislativo nos
habilidades dos distintos presidentes da re-
moldes em que ela se dá na administração
pública e suas administrações de construir
de Fernando Henrique Cardoso.
maiorias no Congresso. O argumento é que
Pereira, Power e Rennó (2005; 2005a)
essas variações contextuais impactaram as
fazem argumento semelhante. Esses autores
estratégias do Executivo sobre qual meca-
contrastam duas visões distintas sobre como
nismo de formulação legislativa empregar e
se dá a relação entre Executivo e Legislativo.
A primeira é a visão de que o Executivo age impactaram a reação do Congresso frente
unilateralmente, passando ao largo do Legis- às medidas provisórias. Ou seja, prevalecia
lativo em suas decisões. O Executivo assume uma relação de ação unilateral por parte
essa postura principalmente porque encon- do Executivo. Já no período FHC, quando o
tra um ambiente de conflito e pouca coope- Presidente gerenciava sua coalizão de forma
ração dentro do Legislativo e não consegue bastante proporcional e contava com apoio
construir maiorias de apoio que permitam maior dentro do Legislativo, prevalecia uma
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