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Supremo Tribunal Federal

Decisão sobre Repercussão Geral

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 9

22/09/2023 PLENÁRIO

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.419.890 R IO


GRANDE DO SUL

RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE


RECTE.(S) : UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : NORIS MARIA HAX PRATES
ADV.(A/S) : LEONOR LIMA DE FARIA

EMENTA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.


DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AUTOTUTELA
ADMINISTRATIVA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. REVISÃO DE PROVENTOS DE
SERVIDOR PÚBLICO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRAZO DECADENCIAL.
TERMO INICIAL. ART. 54 DA LEI 9.784/1999. QUESTÃO CONSTITUCIONAL.
POTENCIAL MULTIPLICADOR DA CONTROVÉRSIA. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA.
1. Possui índole constitucional e repercussão geral a controvérsia
relativa ao exercício da autotutela administrativa para a supressão de
vantagem pessoal, de trato sucessivo, incorporada aos proventos de
servidora pública há mais de cinco anos, por erro da Administração,
tendo em conta a garantia de irredutibilidade dos vencimentos e os
princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.
2. Repercussão geral reconhecida.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a


questão. Não se manifestou o Ministro André Mendonça. O Tribunal, por
unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada. Não se manifestou o Ministro André Mendonça.

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RE 1419890 RG / RS

Ministra ROSA WEBER


Relatora

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.419.890 R IO


GRANDE DO SUL

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO


DA CONTROVÉRSIA. DIREITO CONSTITUCIONAL
E ADMINISTRATIVO. AUTOTUTELA
ADMINISTRATIVA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.
REVISÃO DE PROVENTOS DE SERVIDOR
PÚBLICO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO.
PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. ART.
54 DA LEI 9.784/1999. QUESTÃO
CONSTITUCIONAL. POTENCIAL
MULTIPLICADOR DA CONTROVÉRSIA.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

Manifestação da Senhora Ministra Rosa Weber (Presidente): Trata-


se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a
da Constituição Federal, pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS –
UFPEL, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, que deu parcial provimento à apelação.
Na origem, a recorrida, servidora pública aposentada, ajuizou ação
ordinária com objetivo de assegurar a manutenção do pagamento de
parcela remuneratória, ante a consumação da decadência do direito da
Administração de, a pretexto de exercer a autotutela, corrigir erro e
revisar parcela incorporada à sua remuneração há mais de 14 (catorze)
anos.
O Juízo de primeiro grau, após a devida instrução do processo,
julgou procedente a pretensão autoral, para (i) assegurar o pagamento da
verba, (ii) determinar à parte ré que se abstenha de proceder sua
supressão e de cobrar qualquer valor retroativo, bem como (iii) condenar
a ré a restituição dos valores suprimidos indevidamente do contracheque
da autora (eDOC. 8).
Manejado recurso, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região a ele deu parcial provimento tão somente para adequar o valor
dos honorários advocatícios, mantendo inalterado o mérito. O acórdão
veio assim ementado, in verbis:

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“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO


DE PROVENTOS. DECADÊNCIA.
1. Os órgãos da Administração Pública, no exercício de seu
poder/dever de autotutela, estão sujeitos ao prazo decadencial
de cinco anos para "anular os atos administrativos de que
decorram efeitos favoráveis aos destinatários" (art. 54 da Lei n.º
9.784/99), assim como às regras de tramitação do processo
administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa
julgada administrativa, quando a questão não envolver
ilegalidade do ato.” (eDOC. 18)

Os embargos de declaração opostos foram parcialmente providos,


para efeito de prequestionamento (eDOC. 22).
Nas razões do apelo extremo, a recorrente aponta violação dos arts.
5º, XXXVI; e 37, XV e § 5º, da Constituição Federal (eDOC. 26).
No tocante à configuração da repercussão geral, afirma presente a
relevância (i) jurídica, pois a decisão recorrida contraria o entendimento
do Supremo Tribunal Federal quanto ao direito de a Administração rever
os seus próprios atos; e (ii) econômica, porque a Autarquia haveria de arcar
com um pagamento indevido.
No mérito, assevera ser indevido o pagamento da parcela
remuneratória porquanto extinta com o advento da Lei 10.302/2001.
Relata que o último pagamento regular ocorreu em dezembro de 2001 e,
por equívoco, foi reestabelecido em dezembro de 2004, com pagamentos
retroativos.
Ressalta que o ato de concessão da aposentadoria da autora não é
objeto de exame, mas, sim, o pagamento mensal. Frisa inexistir direito
adquirido no caso posto, dado que a UFPEL fará mero ajuste no pagamento
mensal da parte autora para dele excluir parcela veiculada sem respaldo legal.
Pondera que a lei nova pode regular as relações jurídicas surgidas entre
servidores públicos e a Administração, extinguindo, reduzindo ou criando
vantagens, desde que observada a irredutibilidade nos vencimentos. Entende
não haver qualquer violação ao princípio da legalidade ao se deixar de pagar

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parcela remuneratória a qual afirma ter sido integrada ao vencimento básico.


Esclarece que o plano de carreira [vigente] substitui integralmente o
antigo, inexistindo a subsistência da GAE/CGT como parcela remuneratória
autônoma. Enfatiza que como a parte autora teve o valor referente à GAE
incorporado ao vencimento básico, conforme a nova tabela de vencimento, não
houve violação à garantia do art. 39, § 3º, da Constituição Federal.
Realça tratar-se de ato administrativo que implica pagamento em trato
sucessivo, de tal modo que o prazo de revisão se renova a cada pagamento
indevidamente realizado. Argumenta que o instituto da decadência previsto
no art. 54 da Lei 9.784/1999 deve ser interpretado à luz do art. 37, § 5º, da
Constituição Federal.
Destaca a imprescritibilidade da ação de reposição ao erário e alega
que a lógica impõe que a situação de percepção de valores a maior não deva
prosseguir, justamente pelo fato de esse plus financeiro, indevidamente recebido
pelo servidor, poder ser sempre recobrado pelo Poder Público.
Assinala, por fim, a inexistência de direito subjetivo à manutenção dos
efeitos do ato nulo, já que praticado em desacordo com o ordenamento jurídico.
Pontua, quanto ao poder de autotutela da Administração, a
possibilidade de ajustar a situação concreta à lei, com eficácia, ao menos, ex
nunc, isto é, para o futuro, prospectiva.
Requer o conhecimento e o provimento do recurso extraordinário
para o fim de anular ou de reformar o acórdão recorrido.
A recorrida apresenta contrarrazões pugnando pela inadmissão do
recurso extraordinário, ante (i) a impossibilidade de reexame do conteúdo
fático-probatório; (ii) a necessidade de análise da legislação
infraconstitucional; (iii) a falta de prequestionamento dos dispositivos
constitucionais e (iv) a deficiência da fundamentação. Quanto ao mérito,
requer seja o recurso desprovido (eDOC. 28).
A Vice-presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
admitiu o recurso extraordinário como representativo da controvérsia,
nos termos do artigo 1.036, § 1º, do Código de Processo Civil (eDOC. 30).
Destaco que a indicação do recurso especial, interposto
concomitantemente a este apelo extremo, como representativo da

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controvérsia foi rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça por entender


que a controvérsia foi resolvida à luz de fundamento eminentemente
constitucional (eDOC. 38). O recurso especial foi então rejeitado, pois o
acórdão recorrido adotou entendimento consolidado naquela Corte
(eDOC 40). Referida decisão transitou em julgado em 06.02.2023 (eDOC.
42).
É o relatório.
Presentes os pressupostos recursais intrínsecos e extrínsecos do
recurso passo ao exame da existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada.
Inicialmente verifico a existência de questão constitucional.
Em análise no presente recurso extraordinário a possibilidade de,
em decorrência da autotutela administrativa, efetivar-se a supressão de
vantagem pessoal, de trato sucessivo, incorporada por erro da
Administração aos proventos de servidora pública há mais de cinco
anos, tendo em conta os art. 5º, XXXVI e 37, XV da Constituição Federal.
Em resumo, cumpre verificar se, em relação de trato sucessivo, o ato
administrativo de concessão de determinada vantagem financeira se
configura, à luz do art. 37, § 5º, da Constituição da República, como termo
inicial do prazo decadencial para que a Administração reveja tal ato.
Anoto, desde logo, que a presente discussão jurídica não se
confunde com o objeto do RE 636.553/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes,
submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 445), no qual se
questiona a incidência do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei
9.784/1999 para a administração anular ato de concessão de
aposentadoria:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2.


Aposentadoria. Ato complexo. Necessária a conjugação das
vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas.
Inaplicabilidade do art. 54 da Lei 9.784/1999 antes da
perfectibilização do ato de aposentadoria, reforma ou pensão.
Manutenção da jurisprudência quanto a este ponto. 3.
Princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

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Necessidade da estabilização das relações jurídicas. Fixação do


prazo de 5 anos para que o TCU proceda ao registro dos atos de
concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o
qual se considerarão definitivamente registrados. 4. Termo
inicial do prazo. Chegada do processo ao Tribunal de Contas. 5.
Discussão acerca do contraditório e da ampla defesa
prejudicada. 6. TESE: “Em atenção aos princípios da segurança
jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos
ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do
processo à respectiva Corte de Contas”. 7. Caso concreto. Ato inicial
da concessão de aposentadoria ocorrido em 1995. Chegada do
processo ao TCU em 1996. Negativa do registro pela Corte de
Contas em 2003. Transcurso de mais de 5 anos. 8. Negado
provimento ao recurso.
(RE 636.553/RS, Tema 445, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, DJe 26.5.2020)

Reitero, portanto, que o tema veiculado no presente recurso


extraordinário não diz com as temáticas versadas no âmbito do RE
636.553/RS/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, pois em discussão, neste apelo
extremo, a possibilidade de, em decorrência da autotutela administrativa,
efetivar-se a supressão de vantagem pessoal, de trato sucessivo,
incorporada por erro da Administração aos proventos de servidora
pública há mais de cinco anos.
Em diversas oportunidades, esta Suprema Corte tem se deparado
com controvérsias em que se busca conciliar a autotutela administrativa e
os princípios da segurança jurídica e confiança legítima. Destaco o
enunciado da Súmula 473/STF, segundo o qual a administração pode anular
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles
não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos,
a apreciação judicial.
Nessa mesma linha, esta Suprema Corte, ao julgamento do RE
817.338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, submetido à sistemática da repercussão

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geral (Tema 839), o Supremo Tribunal Federal analisou questão atinente à


possibilidade de ato administrativo ser anulado pela Administração
Pública, evidenciada violação direta ao texto constitucional, mesmo
quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/1999. Fixou a
seguinte tese:

“No exercício do seu poder de autotutela, poderá a


Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a
cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº
1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com
motivação exclusivamente política, assegurando-se ao
anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo
legal e a não devolução das verbas já recebidas.”

Mais recentemente, essa Suprema Corte, ao julgamento do RE


1.283.360/AC, Rel. Min. Luiz Fux, reconheceu a repercussão geral da
controvérsia relativa à possibilidade de instituição de vantagem pessoal
nominalmente identificada – VPNI, por decisão judicial, em favor de
servidor público, a fim de conciliar o exercício da autotutela
administrativa com os princípios da proteção da confiança e da
irredutibilidade de vencimentos, após longo período de interpretação
inconstitucional da forma de cálculo de vantagem remuneratória (Tema
1.145).
Inegável, portanto, a presença de questão constitucional, pois em
discussão a interpretação de dispositivos da Constituição da República,
considerada a garantia da irredutibilidade de vencimentos, princípios
como o da segurança jurídica e da confiança legítima e da autotutela
administrativa.
Quanto à existência de repercussão geral da matéria constitucional
suscitada, desde logo, observo estar presente acentuada repercussão
jurídica, social e econômica na questão objeto do recurso extraordinário,
porquanto em debate controvérsia cujos reflexos se irradiam
cotidianamente no funcionalismo público, com efeitos financeiros
evidentes na administração pública federal, a ultrapassar o interesse

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subjetivo das partes e alcançar também a esferas estaduais e municipais


da federação.
Cumpre ressaltar que a questão possui expressivo potencial de
multiplicidade, como comprova a indicação, pelo órgão de origem, do
presente recurso como representativo da controvérsia, na forma do art.
1.036 do Código de Processo Civil.
A atuação desta Presidência insere-se, portanto, no contexto da regra
prevista no artigo 326-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, incluído pela Emenda Regimental 54/2020.
De outro lado, observo que a definição quanto ao alcance do
autotutela administrativa se alinha com o seguinte objetivo da Agenda
2030 das Nações Unidas: promover sociedades pacíficas e inclusivas para
o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos
e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os
níveis.
Ante o exposto, reconheço o caráter constitucional e a repercussão
geral da controvérsia trazida neste recurso extraordinário, submetendo o
tema aos eminentes pares.
Brasília, 14 de setembro de 2023.

Ministra Rosa Weber


Presidente

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