Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Oliver - 30 Dias para Conquistar - Sil Zafia

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 1111

Copyright©️2023 SIL ZAFIA

OLIVER – 30 dias para conquistar o chefe

Revisão: Laís Moreira

Capa: Sil Zafia

Diagramação: Sil Zafia

____

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio
eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet,
sem permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção, nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer
semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.


Índice

Sinopse

Playlist

Avisos e Gatilhos

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5
Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15
Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25
Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35
Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45
Epílogo

Série Clube dos Cretinos

Agradecimentos

Redes Sociais da autora


Um viúvo marcado pelo trauma de um incêndio que levou a vida

de sua esposa.

Uma garota em apuros financeiros.

30 dias para uma conquista.

Oliver Henderson é o herdeiro de uma multinacional de sucesso, mas

a culpa por não ter sido capaz de salvar a amada do terrível incêndio o

transformou em um homem solitário e perturbado.


Caroline Romano é uma das funcionárias da matriz, na Califórnia e,

por ser a única brasileira da equipe, é escolhida para acompanhar Oliver

quando ele é nomeado pelo pai a CEO da sucursal de São Paulo.

Atolada em dívidas, ela agarra a promoção com unhas e dentes.

O casal de gêmeos, filhinhos do viúvo, se apaixonam por Caroline

assim que a conhecem, mas não é só a confiança das crianças que ela

precisa ganhar.

O empecilho é que seu chefe é uma irresistível tentação, esconde um

segredo sombrio e ela tem apenas 30 dias para conquistá-lo.


Você fez algumas coisas ruins, mas eu sou a pior delas

Às vezes, me pergunto qual vai ser a sua última mentira

Dizem que olhares podem matar, e talvez eu tente

Eu não me visto para mulheres, não me visto para homens

Ultimamente, tenho me vestido para vingança

(Taylor Swift – Vigilant Shit)

Clique aqui para ouvir a Playlist


ATENÇÃO! O livro contém gatilhos como: Violência doméstica,

assédio moral, ansiedade, abuso de álcool e drogas, violência física,

brutalidade e tortura.

Em determinado capítulo, você encontrará um aviso de que as

cenas seguintes contêm violência gráfica. Pule para o próximo capítulo

se isso lhe causar qualquer tipo de desconforto.

Este livro é um Spin Off da Série Clube dos Cretinos, mas não é

preciso ter lido os outros livros da série para compreender.


Caroline

São Paulo

Quarta, 25 de fevereiro de 2032

— A polícia está investigando? — pergunto, começando a ficar

preocupada.

— Sim, eles estão, Carol. Mas não encontraram nenhuma pista até

agora.
— Graças a Deus! — sussurro para que ela não ouça. — Preciso

desligar agora, me manda mensagem se tiver alguma novidade e dê um

beijo em Giovanni por mim. Ligo pra ele mais tarde.

Encerro a chamada antes que ela se despeça. Me levanto e caminho

até a porta lateral que dá acesso a sala do meu chefe. Não me anuncio e não

mando mensagem. Estou nervosa demais para isso.

Oliver arregala os olhos quando me vê. Caminho até ele e agarro seu

pulso direito.

— Deixa eu ver sua mão — digo, a puxando para perto do meu

rosto.

O encaro com o coração batendo forte, pesado.


— Aonde você foi no domingo? — não é uma pergunta qualquer, eu

estou exigindo uma resposta.

Oliver permanece calado, mas não desvia o olhar.

— Você se despediu de mim no aeroporto, aonde você foi? — insisto

em questioná-lo.

— Fui dar um jeito nas coisas — ele responde.

— Meu Deus! — Levo uma mão ao coração e outra à boca.

Ele me puxa para seu colo e eu vou sem me opor, com o corpo tenso.

— Aonde você foi? — afasto a mão para repetir a pergunta mais

uma vez, porque preciso de uma confirmação.


— Você sabe aonde eu fui, amor — Oliver sussurra, simplesmente.

— É por isso que está aqui.

Ele me abraça, percebendo que estou em choque, e me embala como

se eu fosse uma criancinha, minha mente não consegue assimilar os fatos,

por mais que estejam na minha frente.

— Por que você fez isso? — consigo murmurar, com a cabeça

aninhada no seu peito.

— Porque ninguém toca em você e sai impune. — Oliver explica,

mas consigo assimilar que meu chefe fez isso. — Seu irmão te protegeu o

quanto pôde, mas agora você é minha responsabilidade, Caroline.


Caroline

Bento Gonçalves, Brasil

Sábado, 7 de fevereiro de 2032

1° DIA

Meus braços estão em volta dos seus ombros e tomo cuidado para

não o olhar, porque toda vez que faço isso, o pego me encarando de volta, e

não gosto nada de como meu coração reage.


— Seu irmão está encarando de novo — Oliver Henderson diz,

enquanto move os pés no ritmo White Flag da cantora Dido, uma música

lançada no ano em que nasci.

Fico ainda mais nervosa com a situação, como se já não bastasse

estar dançando com ele numa festa cheia.

Viro o rosto e vejo meu irmão mais velho, sentado à mesa com os

cinco amigos, e o fuzilo com o olhar.

Tenho que tomar cuidado de chamar meu irmão pelo seu

pseudônimo, Daniel Ruschel, quando estiver na Henderson & Co. É uma

decisão de Dimitri e eu a respeito. O chamei pelo nome na frente de Oliver,

na hora da confusão, mas estava falando em português e meu chefe não

deve ter percebido.


— Sinto muito pelo que ele fez, senhor Henderson. Aquilo nunca

mais vai se repetir. Daniel...

— Por favor, não me chame de senhor, só Oliver — ele pede e me

atrevo a encará-lo por um instante.

— Claro, eu me esqueci disso. Só Oliver — murmuro um pouco

acanhada por toda a situação. Ele estreita os olhos azuis como se estivesse

me analisando, e pudesse enxergar através da minha pele, o que mexe ainda

mais com meus nervos, porque geralmente sou boa em disfarçar as

emoções, mas com ele, não. — Sinto muito, Oliver. Daniel se preocupa

demais comigo, ele é muito protetor.

— Eu entendo — ele sussurra em inglês com um leve sotaque

britânico. — Se eu tivesse uma irmã como você também iria querer

protegê-la.
Desvio o olhar imediatamente, porque se continuar encarando, tenho

quase certeza de que meu chefe vai saber que fico nervosa perto dele, e que

meu coração martela contra os ouvidos.

— Mas não tem, não é, senhor? — Cometo a gafe de chamá-lo de

senhor novamente.

— Só Oliver — me lembra, com a voz mais séria.

— Mil perdões. Não vai se repetir. — É a segunda vez que digo isso,

mas garanto a mim mesma que posso me perdoar desta vez, pois há algo em

meu chefe, um tipo de magnetismo, que mexe com meu raciocínio.

Preciso me controlar quanto a isso, se quiser ter a mínima chance de

conseguir a promoção.
— O que não entendo é como seu irmão não soube que eu viria para

o casamento dele — Oliver diz e sinto minha pele queimar de vergonha. —

Você me disse que tudo foi acordado previamente.

Dimitri havia convidado Joana para o casamento, a CEO da sucursal

de São Paulo que está se aposentando, a qual Oliver Henderson irá

substituir.

Por questões de saúde, Joana não pôde viajar, então sugeriu que ele

viesse em seu lugar. Afinal, o Grupo Editorial Giordano é um dos melhores

parceiros da Henderson & Co., a multinacional fundada por Donovan

Henderson, o pai de Oliver.

Oliver está assumindo o cargo de CEO da filial e tem negócios para

tratar na Serra Gaúcha nos próximos dias, por isso, a ideia de vir ao
casamento a representando pareceu excelente para manter firmes os laços

com o Grupo Editorial Giordano.

Garanti a Joana que informaria a Dimitri, mas com toda a

organização da viagem, acabei deixando passar. Além disso, jamais

imaginaria que meu irmão mais velho fosse dar aquele showzinho ridículo

com os amigos.

Respiro fundo, murchando os ombros, porque não tem desculpas,

não depois de Oliver ter sido cercado pelo clube dos cretinos, e Dimitri ter

agarrado seu colarinho.

Fui escolhida para acompanhá-lo nas primeiras semanas dirigindo a

sucursal brasileira, por falar português e ser natural daqui. Até então, eu era

apenas uma das arquitetas que desenvolvem projetos para a matriz da

Henderson & Co., na Califórnia. Agarrei a oportunidade com unhas, dentes


e muita esperança de ser promovida ao cargo de COO, diretora de

operações e o braço direito do senhor Henderson, em São Paulo.

A música termina, mas ele não continua dançando quando a próxima

começa. Minha mão escorrega por cima do seu terno e sinto a firmeza do

seu ombro. Respiro fundo quando ele inclina a cabeça para sussurrar perto

do meu ouvido.

— Acho que alguém esqueceu de dar o recado ao noivo — ele

constata.

Mesmo que esteja nervosa, luto para que minha voz saia firme. Não

posso demonstrar fraqueza se quero uma chance de conseguir a vaga.

Ergo a cabeça, determinada a culpar a secretária de Dimitri pelo

deslize, mas Oliver está me encarando de novo, tão intenso que o imagino
lendo meus pensamentos.

— Acabei me esquecendo — assumo com o tom firme.

Ele me encara por mais alguns segundos, me mantendo presa ao seu

olhar, com os braços em volta da minha cintura, sem estarmos dançando.

Me incomoda não ser capaz de ler seu rosto, saber o que está pensando.

Oliver desfaz o contato visual e me solta, voltando para a mesa em

que estamos acomodados.

Engulo em seco antes de segui-lo. Nos sentamos em silêncio à mesa

vazia, os outros convidados ainda estão dançando.

— Sinto muito, de verdade. Ainda mais pelo que meu irmão fez —

insisto. — Sei que não tem desculpas...


— Não precisa se desculpar, tudo já foi resolvido — ele diz, um

pouco mais seco do que quando estávamos dançando.

— Quer voltar para o hotel? — pergunto ao vê-lo checando o

celular, enquanto segura uma taça de champagne.

— É a festa de casamento do seu irmão, podemos ficar mais um

pouco — diz levando a taça até os lábios carnudos.

Observo Oliver dar alguns goles, tentando entender se realmente não

se importa de ficar mais um pouco na festa ou se está me testando.

Nos últimos treze anos morando nos Estados Unidos, aprendi que

eles são obcecados por trabalho.

Fico ainda mais tensa em pensar que serei testada nos próximos

trinta dias. Já não basta o nervosismo pela confusão com Dimitri. Meu rosto
arde de vergonha só de lembrar de como os cretinos cercaram Oliver, como

se ele fosse da mesma laia que um dia eles já foram. Sinto vergonha até por

tê-lo chamado para dançar para escapar do vexame.

Para minha sorte, Stefan se aproxima da mesa e senta na cadeira ao

lado. Debruça a cabeça no meu colo e respira profundamente, me

impedindo de afundar em pensamentos negativos e todas as preocupações

que rondam minha cabeça a respeito do trabalho.

Passo os dedos pelos seus cabelos escuros, mas não desgrudo os

olhos de Oliver, que outra vez tira o celular do bolso checando a tela

bloqueada. Diferente de quando estávamos dançando, agora ele parece

tenso, preocupado. Mas não tem como saber, o conheci no mês passado.

Tudo que sei sobre Oliver Henderson é o fato de ser um dos herdeiros da

multinacional onde trabalho, ficou viúvo há cerca de dois anos e tem um


casal de filhos que são gêmeos. Ele e as crianças moravam na Grã-

Bretanha, no País de Gales, mas foram para os Estados Unidos há algumas

semanas, antes da viagem para o Brasil.

Respiro fundo, preciso que ele goste de mim, e mostrar o quanto sou

dedicada, responsável e capaz de ser seu braço direito, mas não sei se posso

sonhar tão alto.

A vida sempre arrancou dos meus braços tudo de mais precioso para

mim, desde que era criança, por isso não sou um exemplo de otimismo.

Stefan solta a respiração pesada outra vez, na tentativa de chamar

minha atenção. Desgrudo os olhos do meu novo chefe e noto uma ruguinha

de preocupação entre as sobrancelhas do meu irmão.

— O que foi? — Toco a pequena linha de expressão em sua testa.


— Ela nem olhou pra mim, sequer falou comigo quando tentei

cumprimentá-la — ele murmura em português e trava o maxilar.

Sei exatamente do que está falando, o motivo pelo qual assumi sua

responsabilidade há quase um ano e meio.

— Sabe que nem deveria se atrever a chegar perto dela, né? Você

não é exatamente um príncipe encantado. — Faço questão de lembrá-lo, um

pouco aliviada por poder conversar com meu irmão em um idioma que

Oliver Henderson ainda não entende.

— Sei que não sou, e é por isso que Ayla se apaixonou por mim —

ele diz, ainda com a cabeça apoiada do meu colo.

Ele tinha acabado de fazer seis aninhos quando fui obrigada a ir

embora do Brasil, mal o vi crescer, não sei ao certo como foi sua criação em
casa, com minha mãe e o nosso padrasto. Stefan se mostra muito carente

quando está comigo, assim como Dimitri mostrava.

Talvez a carência seja uma das características dos irmãos Romano,

vivemos tantas merdas que nenhum afeto jamais é suficiente.

— É sério, você vai ficar quietinho e não vai dar em cima da filha do

Artho e Charlotte. Ele é advogado e ela, juíza, você não quer mais

problemas com eles, muito menos arrumar confusão no casamento de

Dimitri.

Ele franze os lábios e suas narinas se inflam, parecendo o garotinho

zangado que era quando fui embora da nossa casa, partindo seu coração, da

mesma forma que Dimitri e depois Ícaro um dia partiram o meu quando me

deixaram, assim como ele deve ter feito com o nosso irmão mais novo,

Giovanni, quando deixou Jaguarão.


Nenhum de nós foi embora por conta própria, mas já fui criança, sei

como dói ficar para trás e perder o contato com alguém tão importante

como um irmão, andar pela casa e encontrar o quarto dele vazio.

O movimento da mão de Oliver para checar o celular outra vez traz

de volta minhas preocupações com o trabalho.

— É hora de a gente ir — aviso a Stefan, que se ergue me encarando

indignado.

— Ir embora? A festa não tá nem na metade — reclama.

— Preciso levar meu chefe de volta para o hotel, ele deve estar

preocupado com as crianças — explico, paciente.

— Isso vai influenciar na decisão de te promover?


— A partir de agora, tudo vai influenciar.

— Então você tem que levá-lo de volta para o hotel, mas eu vou

ficar. Tenho certeza de que Tatiana vai arranjar um lugar onde eu possa

dormir, pode ir em paz.

— Me garante que não vai arranjar problemas? — insisto por não

querer nenhuma confusão. — Dimitri e Giulia já passaram muita coisa para

não terem paz nem no casamento.

— Dou minha palavra — diz piscando o olho castanho escuro para

mim. — Mantenha a concentração no trabalho, sem querer fazer pressão,

mas dependemos disso.

— Eu sei — murmuro encolhendo os ombros, antes de levantar.


Aviso a Oliver que só vou me despedir dos noivos e já podemos ir.

Pergunto se quer ir comigo, para talvez melhorar o clima entre ele e meu

irmão, mas dispensa o convite com o olhar sério e um aceno de cabeça.

Procuro ignorar os meus nervos afetados pela tensão e caminho até a

mesa onde os seis amigos estão reunidos, rindo despreocupados como

adolescentes do colegial.
Caroline

— Posso ter um momento a sós com meu irmão? — pergunto em

alto e bom som, para que os seis escutem.

Os gêmeos batem continência e se levantam, sendo seguidos por

Artho, Eros e Lion.

— Não me arrependi de ter defendido você. Se veio exigir que peça

desculpas...
— Me defender de quê? — pergunto, sem paciência, desabando na

cadeira ao lado do meu irmão mais velho. — Eu não sou mais aquela

menina que foi embora do Brasil com quinze anos.

Dimitri me encara sério e franze o cenho.

— É difícil não querer tomar conta de você, quando sei do que

homens são capazes de fazer — murmura em resposta.

O encaro, incrédula.

— Se fica preocupado assim comigo, imagino como vai sofrer daqui

a alguns anos, com Diana.

Dimitri ergue a mão grande e tatuada para que eu pare de falar,

ficando ainda mais sério.


— Eu já sofro o bastante com isso, não precisa me lembrar.

— Coitada da minha sobrinha — brinco, mas ciente de que Dimitri

jamais será capaz de fazer algo que realmente possa machucar Diana. Bato

no seu ombro para fazê-lo relaxar. — Se ela puxar a tia, vai ser dedicada

aos estudos e não vai pensar em namorar tão cedo.

Ele me encara com um sorriso torto.

— Por isso me orgulho tanto de você, sabia? — Dimitri comenta.

Por um instante, me pergunto se ainda se orgulharia se soubesse das

mentiras que já precisei lhe contar. Mas, ele nunca desconfiou de nada,

afinal, aprendi a mentir desde que tinha nove anos. Fiquei tão boa nisso

que, muitas vezes, até eu acreditei.


— Não me tornei uma milionária, como você, mas não engravidei na

faculdade — o provoco, sabendo que Diana foi concebida quando ele e

Giulia estudavam na UFBG.

— Por que seu chefe veio ao meu casamento? — Ele muda de

assunto, estreitando os olhos ao me encarar, mas não adianta. O único que

me deixa nervosa ao ponto de temer que saiba o que estou pensando é

Oliver.

Dimitri não tem esse poder sobre mim.

— Ele saiu dos Estados Unidos para te acompanhar ao meu

casamento? — Ele continua me encarando com seus olhos azuis para tentar

descobrir se escondo algo.

Dou risada por dentro, imaginando o que está pensando.


— Senhor Henderson não veio como meu par romântico, se é isso

que quer saber.

— Ele é um Henderson? — Dimitri franze o cenho ao ouvir o

sobrenome do meu chefe.

— Sim, Oliver é o filho mais novo de Donovan Henderson, um dos

herdeiros da Henderson & Co. Joana está se aposentando e ele vai assumir a

direção da sucursal de São Paulo, é por isso que veio comigo. Fui escolhida

para acompanhá-lo por um mês aqui no Brasil. Foi tudo tão corrido que

acabei esquecendo de avisar, que ela não poderia vir e que Oliver viria no

seu lugar.

— Acho que não causamos uma boa impressão — Dimitri brinca. —

Mas é bom pra ele saber que você tem quem a defenda, não é porque é
herdeiro de Donovan Henderson que não vou te proteger. Se a tratar mal,

vou ter o prazer de mostrar pra ele como se trata uma...

— Dimitri, por favor! — peço, dando um tampinha no seu ombro.

— Ninguém mexe com minha irmãzinha. — Ele faz questão de

lembrar.

Engulo em seco, ciente de que minha mãe sempre esteve certa.

Precisei mentir para que meu irmão não se ferrasse ainda mais com esse

jeito de super-herói, de querer nos proteger.

— Obrigada — sussurro, sentindo um nó na garganta pelas

lembranças, então viro a cabeça e vejo Giulia dançando com minha

sobrinha. Respiro fundo para mudar de assunto. — Sua esposa é linda,

sempre foi, e minha sobrinha é perfeita.


— Sim, elas são incríveis. Giulia é a mulher mais bonita e

maravilhosa que já tive o prazer de ver. E nossa filha… Ainda fico chocado

que Diana tem alguns dos meus traços, e ainda assim, é tão perfeita. Giulia

e eu fizemos um bom trabalho — ele diz, tão apaixonado por ela como há

vinte anos.

Lembro como era quando nosso pai ainda estava vivo. A época em

que Dimitri tinha que se revezar entre trabalhar aqui, nessa mesma fazenda,

para agradar o pai de Giulia, e ainda cuidar da gente para que não

morrêssemos de tanto apanhar do nosso pai. Engulo a saliva e mordo a

língua para não fazer nenhum comentário sobre aquele tempo. Emilio é

quase como um nome proibido entre a gente. Não tocamos no assunto desde

que eu era criança.


Aprendi a ler seu rosto, e perceber que Dimitri ficava frio quando eu

citava nosso pai, um dos monstros do meu passado, então, para não

machucar ainda mais meu herói, parei de trazer Emilio para nossas

conversas.

Sim, Dimitri sempre foi meu herói, apesar de não ter conseguido me

salvar de tudo.

— Sabe… mesmo que você seja um dos três homens mais bonitos

que eu já vi, ainda acho que Giulia é muita areia pro seu caminhão —

brinco novamente, para espantar o clima, cutucando as costelas do meu

irmão com o cotovelo.

Ele dá risada, fazendo as covinhas aparecerem nas bochechas, e toco

uma com a ponta do dedo indicador.


— Nossa marquinha — o lembro. — Você, eu, e até Giovanni a tem.

E bem, Ícaro, tinha. A de Stefan não é tão marcante, mas está valendo.

— O que tem Stefan? — uma garota pergunta, parando ao nosso

lado, com o braço enroscado no de Ayla Becker.

A afilhada do meu irmão cutuca a garota para que se cale.

— Parabéns pelo casamento. — A menina troca de assunto.

— Obrigado — Dimitri agradece.

— Essa é Valentina Santos, neta de Miguel Santos, o antigo

advogado do Grupo Editorial Giordano — Ayla explica. As duas parecem

ter a mesma idade.


— Eros escolheu seu pai para substituir Miguel quando mudou para

São Paulo — Dimitri diz a Ayla e se volta para a outra garota. — Conheço

seu avô há muitos anos. É bom ter vocês aqui, obrigado por terem vindo,

mas nada de procurar Stefan. Nenhuma das duas. Entendido?

Dimitri fala como se não tivesse sido adolescente um dia, mas

entendo sua preocupação com as garotas. Stefan não é um príncipe

encantado. O ruim é que isso, em vez de afastar garotas de família, a atraem

ainda mais.

— Elas não vão procurá-lo. Stefan é passado, né, Ayla? — pergunto

e pisco para a garota de olhos azuis brilhantes, sem que Dimitri veja.

— Um passado morto e enterrado — Ayla acrescenta e dá um

sorriso.
Infelizmente, acabo de me dar conta de que temos algo em comum:

somos boas em fingir.

As duas acenam para nós e vão em direção a um grupo de

adolescentes.

— Lion e Ariela têm um irmão em comum, mais ou menos da idade

de Ayla, né? — questiono Dimitri.

— Breno Bianco — Dimitri diz e dá risada. — Eu roubei o cavalo

dele das terras dos Bianco em 2017, para vir até a Fazenda Ricci e pedir

Giulia em casamento no dia do aniversário dela. Era o cavalo mais bonito e

valioso dos Bianco. Pedro tinha comprado para Breno de aniversário.

— E Pedro descobriu que você roubou o cavalo do filho caçula?


— Não. Eu devolvi a tempo. Eu era muito bom em não ser pego —

ele diz, o que é irônico. — Pedro Bianco nunca soube.

— Breno veio para o casamento? — pergunto, ainda tentando

identificar o guri entre os adolescentes. — Ele deve ser, mais ou menos, da

idade de Ayla, né?

— Um pouco mais velho, mas não veio. Pedro Bianco nunca me

suportou. Não importa que eu tenha vencido na vida, para ele sempre vou

ser o fodido que matou a mãe, o pai, e ainda levou Lion para o mal caminho

— ele diz não parecendo se importar com isso.

— Imagine se soubesse que montou o cavalo preferido dele? —

brinco.
Dimitri ri novamente, depois estica os braços para receber Dom que

vem caminhando de mãos dadas com a avó, Tatiana.

Ele senta o garoto no colo e começa a beijá-lo, mas pego meu

sobrinho para mim.

Faço Dom dar risadinhas com cócegas em sua barriga por cima da

camisa branca e pequenina de botões. As covinhas marcam suas bochechas

redondas e os cachinhos castanhos sacodem conforme dá gargalhadas se

esticando no meu colo.

— Você disse que sou um dos três homens mais bonitos que já viu

— Dimitri murmura, e desvio a atenção de Dom e noto a testa do meu

irmão franzida. — Quem são os outros dois?


— Stefan… — respondo, em seguida beijo o nariz reto de Dom,

então o devolvo ao pai.

— E quem é o terceiro, Giovanni…? — Dimitri quer saber.

Meu coração dispara antes de responder. Fico de pé e beijo a

bochecha do meu irmão.

— Giovanni é só um guri. O terceiro é Oliver Henderson. Mas não é

exatamente nessa ordem — confesso perto do seu ouvido. — Aproveite a

lua de mel.

Me afasto antes que Dimitri consiga agarrar meu braço e me puxar

de volta para dar explicações.


Oliver

— Não precisa se incomodar em dirigir — minha assistente diz em

inglês assim que nos aproximamos da Range Rover alugada.

Sua voz é doce, mas soa muito melhor em português, mesmo que eu

não entenda mais que algumas palavras.

— Gosto de dirigir — respondo, a encarando na luz amarelada do

estacionamento lotado da fazenda.


Não consigo entender como ela esconde tão bem o que está

pensando. Não dá para ler nada em seu rosto ao dar a volta na Range Rover.

A chave de aproximação se encontra na sua bolsa, e as portas

destravam quando dá a volta e entra pelo lado do passageiro.

— Seu irmão não vai para o hotel? Pensei que tivesse reservado um

quarto para os dois — pergunto ao entrar no carro.

— Ele vai passar a noite na fazenda — Caroline responde

vagamente.

Dirijo rápido para o hotel onde meus filhos estão com a babá. Não

gosto de deixá-los sozinhos com quem não conheço, mas minha assistente

disse que a garota tinha ótimas recomendações. Ainda assim, passei toda a

cerimônia e a festa preocupado com eles.


Mesmo que o hotel tenha saídas de emergência, não confio em muita

gente para tomar conta deles. Não consigo afastar a ideia de uma tragédia

acontecer novamente e não estar lá para salvá-los.

Checo o celular para ver se tem alguma mensagem da babá, mas ela

não mandou nada.

De canto de olho, vejo a senhorita Romano trocando mensagens com

alguém. Desvio os olhos para não invadir sua privacidade.

Pode estar falando com um dos irmãos ou com um cara que pretende

encontrar, enquanto ficarmos hospedados aqui. Qualquer opção que seja,

não é da minha conta.

Lembro do irmão a defendendo com afinco e imagino que deve ter

uma fila de caras dando em cima.


Eu teria revidado se ele não fosse o noivo, mas não ia estragar a festa

caindo na provocação. Caroline Romano não é mulher para mim.

Ainda assim, foi interessante a forma como tentou defendê-la, apesar

da irmã não ser mais uma garotinha indefesa.

Tenho um casal de gêmeos: Jake e Celiny. Espero que eles cresçam,

continuem unidos e que, se um dia precisarem, um possa defender o outro.

Não tive isso em casa, Phillip não era o tipo de irmão mais velho que

me protegia na escola. Ele fazia mais o tipo que batia no irmão mais novo.

O fato de ser adotado não ajudava muito. Antes que eu entrasse para

a família e recebesse o sobrenome Henderson, Phillip era a única criança da

casa, era mimado e tinha toda a atenção dos nossos pais.


Quando me tiraram do abrigo e fui morar com eles, Phillip teve que

se acostumar a dividir a atenção dos pais comigo.

Ele descontava a raiva e o ciúme quando ficávamos sozinhos, ou

quando estávamos na escola. E eu, com medo de causar problemas e ser

obrigado a voltar para o abrigo, aguentei tudo sem me queixar com meus

novos pais. Tinha medo de que não acreditassem em mim.

Cinthia, minha falecida esposa, era filha única, então os gêmeos não

têm um exemplo de irmãos a seguir.

— Estava pensando… — divago, chamando a atenção de Caroline.

— Hum…? — ela murmura, voltando os olhos azuis e brilhantes

para me encarar. — É algo sobre o trabalho? Me dá só um segundo para

pegar o iPad e anotar o que for preciso.


— Não é sobre trabalho, relaxe, Caroline — falo seu nome com a

pronúncia em português, mas não soa nada parecido com a forma como os

brasileiros a chamam.

Ela dá uma risadinha colocando a mão na frente dos lábios carnudos,

mas ainda assim, posso ver a covinha na bochecha.

— Em português se diz Ca-ro-li-ne — ela pronuncia pausadamente.

— Vou continuar chamando seu nome pela pronúncia em inglês, se

não se importar — assumo.

— Por mim, tá tudo bem. Sobre o que estava pensando?

Mesmo que não consiga ler suas expressões, sinto que ela tem receio

de falar comigo. Na certa, está acostumada com os outros homens

Henderson e em como fazem questão de se mostrarem superiores.


Nem meu pai, e nem Phillip, gostam de se misturar com os

funcionários, mas eu não sou como eles.

— Estava pensando como ia gostar se as crianças defendessem um

ao outro, como seu irmão te defendeu no casamento. Ou tivessem o cuidado

e preocupação, como você faz com o seu irmão mais novo.

— Daniel é muito protetor e, como eu disse, Stefan precisa de mim

— ela diz com a voz séria.

Penso em dizer que nunca tive isso, mas me calo. Já estou forçando

intimidade demais.

Dirijo em silêncio até o hotel e entrego as chaves ao manobrista.

— Vou buscar as crianças na brinquedoteca — Caroline informa

assim que entra no saguão.


A acompanho em silêncio, ansioso por vê-los sãos e salvos.

Celiny vem correndo para os meus braços assim que entramos no

salão cheio de brinquedos. Jake está no topo de um escorregador e monta

nos meus ombros quando passo por ele.

— Se divertiram? — os questiono.

— Sim! — eles gritam em uníssono.

— Não sentiram minha falta? — procuro saber.

— Sim, papai, eu me diverti, mas senti muito sua falta — Celiny

explica.

Ela aprendeu a falar mais rápido e corretamente, enquanto Jake

conseguia subir e descer do berço quando ainda era um bebê.


Cada um com sua habilidade.

— Quer vir no meu colo? — Caroline pergunta a Celiny.

Minha filhinha de quatro anos estica os braços rechonchudos para

minha assistente e se joga contra seu peito. Caroline a segura e beija seus

cabelos alaranjados.

— Estão com fome? — ela os questiona.

— Não, a babá nos fez jantar. Tivemos que comer brócolis — Jake

informa com escárnio, indignado por ter que comer legumes.

— Então vou deixar vocês com ela mais vezes — comento e pisco

para babá que presta serviços ao hotel. — Obrigado por tomar conta deles.

Nos vemos amanhã.


Caroline traduz meu agradecimento e combina a hora em que

deixarei as crianças na brinquedoteca novamente, no dia seguinte.

Jake suspira, enquanto caminhamos até o elevador.

— Não foi tão ruim, a gente brincou muito — Celiny diz.

— E vocês precisam comer os legumes — Caroline os lembra. — O

que acham de um banho de banheira com muita espuma.

— Eu quero! — Jake se anima, enquanto a irmã bate palmas.

O elevador chega e olho nosso reflexo no espelho quando entramos.

Tiro Jake dos meus ombros e o puxo para meu peito, bagunçando

sua franja castanha e lisa logo em seguida.


— Você é a namorada do papai? — Ergo a cabeça e vejo que Celiny

está encarando Caroline através do espelho.

— Não, Cenourinha — minha assistente responde, apertando o nariz

pequeno, arrebitado e cheio de sardas da minha filha. — Estou trabalhando

para o seu pai, vou ajudá-lo na mudança para o Brasil e se a adaptar ao

novo país.

— Papai não namora, Cenourinha — Jake diz a Celiny, a chamando

pelo apelido que Caroline usou.

— Eu sei — minha filha responde assim que o elevador abre.

Caminhamos os quatro pelo corredor de carpete vermelho até a

porta.

— Posso dar banho e os aprontar para dormir — Caroline diz.


Penso em dispensá-la, mandar que vá descansar, mas sua presença

não me incomoda. E as crianças gostam muito dela.

— Papai poderia te contratar para ser nossa mamãe — meu filho diz

assim que entramos na sala que liga as duas suítes do apartamento.

— Não seja bobo, Jake! Mamães não podem ser contratadas —

Celiny o repreende com o rosto sério. Mesmo que tenham nascido com

poucos minutos de diferença, às vezes, ela parece ser bem mais madura que

ele.

— Uma mamãe de mentirinha pode. De faz de conta — ele teima,

fazendo a irmã suspirar e revirar os olhos.

— Você aceitaria ser nossa mãe de mentirinha? — minha filha

pergunta com curiosidade.


Estou tirando o terno, mas me detenho para ouvir a resposta.

— Perdi meu pai quando era criança. Acho que entendo um

pouquinho como se sentem — Caroline responde com doçura.

— E sua mãe ficou sozinha, assim como papai? — Jake pergunta

com os olhos redondos e claros, deixando claro sua curiosidade.

— Ela se casou de novo, mas… — Caroline para de falar e sacode a

cabeça.

A observo com atenção e vejo algo passar em seu rosto. Por um

momento, quase posso ler sua expressão.

— Você não gostava do novo namorado da sua mamãe? — É a vez

de Celiny interrogar.
Aquele lampejo desaparece do seu semblante e o rosto fica ainda

mais indecifrável, como se ela tentasse manter algo bem preso lá dentro.

Caroline abre um sorriso amarelo e bate as palmas das mãos uma

contra a outra.

— Vamos para o banho agora mesmo! — ela instiga as crianças

levando-os para a suíte onde há duas camas de casal, os prepara, retirando

os pijamas e objetos pessoais da mala, enquanto enche a banheira.

Meu quarto fica do outro lado, atravessando a sala de estar do

apartamento espaçoso.

Pego o terno no encosto da poltrona, vou até minha suíte, onde estão

minhas coisas e o jogo sobre a cama. Começo a tirar a gravata e abrir os

botões da camisa, considerando usar a jacuzzi localizada na varanda com


vista para os parreirais, mas me detenho. Não vou arriscar tirar a camisa

com Caroline ainda no apartamento. Se ela necessitar de mim com

urgência, para ajudar com as crianças, preciso estar vestido. Jamais deixaria

que alguém como ela visse meu torso.

Fecho os botões até o colarinho, e volto à suíte das crianças. Não que

eu não confie nela para dar banho neles, mas porque é bom vê-los se

divertindo com alguém a quem parecem gostar.

O cheiro de sabonete e xampu está espalhado pela suíte, e eu o

aspiro, relaxando os ombros. Entro no banheiro, me encostando na porta e

cruzo os braços ao som de suas risadas.

Caroline está agachada, ainda com o vestido de casamento de seda

amarela com alcinhas finas transpassadas nas costas, e as sandálias de salto

alto com tiras douradas.


O vestido é longo, mas ela precisou erguê-lo para se agachar ao lado

da banheira. Posso ver as panturrilhas torneadas, os joelhos lisos e uma

pequena amostra das coxas. Há uma cicatriz na parte de trás da perna

direita, alguns centímetros acima dos joelhos, que sobe em direção ao

quadril e se esconde no vestido.

Metade do seu cabelo loiro claro está preso no alto da cabeça, caindo

em ondas pelas suas costas. Senti o cheiro de frutas nas mechas quando

dançamos juntos.

— Papai! — Celiny grita ao me ver.

— Olha o que eu sei fazer, papai — Jake diz e em seguida mergulha

de cabeça, fazendo água e espuma espirrarem contra o vestido da minha

assistente.
Me adianto pegando uma das toalhas do hotel que estão dobradas

sobre uma prateleira de mármore, me agacho ao lado dela colocando a

toalha em seus ombros.

— Obrigada, não precisava se incomodar — ela agradece, abrindo

um sorriso meigo e relaxado. — As crianças me acalmam.

Ela esfrega a toalha na parte molhada do vestido e sinto o banheiro

ficar abafado quando vejo o biquinho do seio marcando a seda molhada.

Quero desviar a atenção, mas meu olhar se demora mais um instante no

formato arredondado dos seios e na pele uniforme.

Definitivamente, Caroline não é o tipo de mulher a quem eu

permitiria ver meu torso. Mesmo assim, minha maldita mente pervertida

fantasia o que faria com esses seios se a tivesse nua e amarrada na minha

cama, toda para mim.


— Vamos sair da banheira? Está na hora de vestirem o pijama e irem

para a cama — ela diz às crianças e me levanto.

Saio do banheiro para escapar dessa atmosfera. Me sento na poltrona

ao lado da janela e respiro fundo, tentando não me sentir culpado pelo que

pensei. Foi só uma fantasia boba que nunca vai acontecer.

Ofereço ajuda com as crianças, mas Caroline recusa, então mexo no

celular, passeio pelas redes sociais, mantendo os olhos longe das partes

ainda molhadas do vestido dela, até que meus filhos já estejam deitados.
Oliver

— Por que não dorme aqui, senhorita Romano? — Jake pergunta,

enquanto ela puxa o edredom até seus ombros.

— Podem me chamar de Caroline, meus anjinhos — ela diz com

tanta doçura que fico imaginando como seria ter uma companheira

novamente, alguém para dividir esses momentos comigo. — Mas estou

hospedada em outro quarto, alguns andares abaixo. Se precisarem mesmo

de mim, peçam ao papai para me chamar e virei correndo.


— Ahhhh — Jake e Celiny murmuram ao mesmo tempo, juntando

os lábios rosados em bicos fofos.

— Por que, Caroline? — Celiny insisti, enrolando a trança que

Caroline fez em seu cabelo ruivo na ponta do dedo. — Tem duas camas

grandes, você pode dormir comigo.

— Comigo! — Jake protesta, batendo as mãos contra o edredom.

— Esse é o apartamento da família Henderson, só um Henderson

pode passar a noite aqui — ela diz, inventando uma desculpa.

— Senhora Collins dormiria aqui com a gente se não estivesse de

férias — Celiny comenta esperta.

Caroline vira o rosto na minha direção, como um pedido de apoio.


Limpo a garganta e me endireito na poltrona, passando a mão pela

camisa de forma automática, para me certificar de que os botões estão

fechados.

— Senhora Collins, nossa governanta, tirou férias assim que fomos

do País de Gales para os Estados Unidos, mas chega ao Brasil na semana

que vem para ajudar com esses anjinhos — digo e pisco para os dois. — Ela

cuida deles desde que...

— Que nossa mamãe morreu — Jake completa.

Faz dois anos que fiquei viúvo, as crianças não se lembram dela.

Eram pequenos demais para terem recordações, para guardarem na

memória um pouquinho do amor que a mãe sentia por eles.


Senhora Collins ficou com eles e os acolheu durante o tempo em que

fiquei no hospital. Quando tive alta e fui para o novo apartamento, os via

chorarem com saudades da mãe, mas as semanas foram decorrendo e

passaram a perguntar cada vez menos por Cinthia.

— Acredito que senhora Collins é praticamente da família, por isso

dormiria com vocês — Caroline insiste, vira o rosto na minha direção

piscando o olho azul.

Não sei se ela desconhece o quanto é sexy, ou simplesmente não se

importa de me provocar.

Meus olhos traiçoeiros vão parar na sua bunda, empinada pela

posição em que ela está sentada na cama, emoldurada pelo vestido amarelo,

e engulo em seco, desviando o olhar assim que os pensamentos me atingem.


— Senhorita Romano precisa ir para sua suíte descansar — digo

sério, para que as crianças sosseguem. — Amanhã vocês passarão o dia

brincando com a babá. E eu passarei o dia com senhorita Romano

trabalhando.

Celiny e Jake se olham e dão uma risadinha por alguma coisa que só

eles sabem.

— Senhor Henderson está certo, crianças. Amanhã precisaremos

trabalhar, mesmo sendo domingo — ela diz, se inclinando ainda mais para

beijar a testa de Jake.

Ela levanta para dar um beijo de boa noite na testa de Celiny, se

despede deles e vai em direção a porta da suíte. A sigo pela sala de estar e

abro a porta do apartamento.


— Não precisava me acompanhar até a porta, senhor Henderson —

diz, me encarando com os olhos de sereia e o rosto indecifrável.

— Me chamando de senhor Henderson porque a chamei de senhorita

Romano... — murmuro, conseguindo arrancar dela um risinho.

Seu vestido ainda está úmido, revelando o biquinho pequeno, e noto

uma fisgada na virilha.

Não saio para caçar desde que senhora Collins saiu de férias. Não

gosto de deixar meus filhos passarem a noite com mais ninguém, além dela.

Não fodo há semanas, posso até imaginar a textura e o sabor do seu

mamilo na minha língua.

— Parece que o senhor não quer que seus filhos saibam que temos

uma certa intimidade, a ponto de nos chamarmos pelo primeiro nome —


aponta com o tom de voz baixo, provocando um arrepio na minha pele.

Movo o pescoço para disfarçar, sentindo o tesão acumulado me

enrijecer. Até chego a erguer a mão para apertá-la contra a parede,

imaginando o gosto que ela tem.

Se soubesse que nunca mais veria Caroline, iria devorar cada

pedacinho do seu corpo, mas jamais faria isso. Ela não é o tipo de mulher

com quem costumo foder, e nunca vou saber o gosto da sua boceta.

— É melhor você ir. Vou precisar dos seus serviços depois do café

da manhã — digo usando o tom de voz mais sério. Não aguento mais

encará-la sem saber o que está pensando.

— Estou ciente, não vou me atrasar. Precisa de ajuda com as

crianças antes de sairmos?


— Não, obrigado por hoje — respondo, mantendo a seriedade, com

medo de perder o controle.

— Não foi nada, eles são uns anjos. Amo crianças — ela diz e abre

um sorriso. — Quer que eu peça para trazerem o café da manhã no quarto.

— Às nove horas, por favor.

— Pode deixar. Boa noite, senhor Henderson — declara como se

realmente quisesse me provocar.

— Só Oliver — retruco, frustrado. — Boa noite, Caroline.

Ela começa a andar em direção ao elevador, mas não fico olhando.

Estou com fome e se eu ver sua bunda rebolando pelo corredor, vou

transformá-la em minha caça.


Entro no quarto e fecho a porta, mantendo a fera dentro de mim bem

longe da minha assistente.

— De todos as funcionárias mais velhas e dos homens que

desenvolvem projetos na matriz Henderson & Co., na Califórnia, por que

escolheram logo a mais gostosa para me acompanhar? — murmuro,

olhando para a fechadura eletrônica da porta.

Penso na única pessoa que poderia escolher Caroline como minha

assistente só para me infernizar: meu irmão.

Vou até o quarto das crianças, andando com cuidado, e vejo que já

pegaram no sono antes mesmo de me pedirem para contar uma história.

Verifico se estão cobertos e apago as luzes.


Sigo para minha suíte e abro a agenda do celular para falar com

Thompson, responsável pelo setor de RH da matriz. É sábado, mas sei que

ele vai me atender.

Ligo para o número corporativo sem verificar que horas são na

Califórnia.

— Thompson, Recursos Humanos dá... — Ele começa a dizer, mas o

interrompo.

— Sou eu, Oliver. Preciso se algumas informações — peço,

enquanto tiro os sapatos e abro os botões da camisa, dessa vez, ciente de

que não precisarei fechá-los novamente. — Você tem acesso aos dados da

senhorita Romano?
— Claro, senhor Henderson. Não tenho este número salvo na

agenda. Desculpe, o que precisa saber sobre ela?

Termino de tirar a camisa e vou até a varanda. Não posso ser visto

dos outros apartamentos ao lado, pois há muros altos nas laterais, revestidos

de pedras naturais que separam uma varanda da outra. Com privacidade,

caminho até o balaústre de coluna romana e me apoio no guarda-corpo,

olhando para a calçada, seis andares abaixo, em seguida para os parreirais

além do hotel, iluminados pela luz da lua crescente.

Ouço Thompson pigarrear ao telefone.

— Senhor Henderson, ainda está na linha?

Passo a mão nos cabelos, e respiro o ar puro, antes de voltar a falar.

— Estou.
— O que o senhor precisa saber sobre senhorita Romano? Ela lhe

causou algum problema?

Tirando o irmão que tentou me agredir, é gostosa demais.

— Pode me responder quem a escolheu para ser minha assistente

aqui no Brasil?

— Claro, senhor Henderson. Foi seu irmão quem a escolheu.

— Phillip — resmungo, fechando a mão em punho com força.

Não somos mais garotos há décadas, mesmo assim, algumas

semanas depois que saí do hospital, Phillip foi me visitar, no País de Gales.

Meu abençoado irmão sugeriu me levar para dar uma volta no

parque, para respirar ar puro depois de tanto tempo no hospital e depois no


novo apartamento. Só nós dois, coisa de irmãos, ele disse.

Aceitei e saímos. Estava calor, mesmo assim estava vestindo camisa

de mangas longas e calças.

Havia uma equipe com algumas modelos posando para fotos.

Phillip caminhou comigo na direção delas, até estarmos perto o

bastante, e então disse, com o tom de voz mais manso possível.

— Olha bem pra elas. São o tipo de mulher que você nunca mais vai

poder experimentar. Elas teriam nojo se vissem a aberração que você virou.

— Eu sei — respondi, me segurando ao máximo para fingir que

estava tudo bem, mas a verdade é que aquilo nem tinha passado pela minha

cabeça. Só conseguia sentir falta de Cinthia, ainda não estava cogitando ter
encontros novamente. — Sei melhor que ninguém a aberração que virei,

Phillip.

Ele riu como se isso fosse uma ótima notícia.

— Mas ainda te sobram as prostitutas. — Ele continuou falando e

bateu o ombro contra o meu como se contasse uma piada. — Mas não as de

luxo, não se anime. Estou falando das mais vagabundas, aquelas que topam

foder com qualquer coisa por dinheiro.

Eu poderia ter rebatido, enfiado a mão na cara dele, mas era Phillip,

o irmão mais velho que me sacaneou, agrediu e humilhou por ser adotado

em cada oportunidade que teve.

Deixei o abrigo aos oito anos, hoje tenho trinta e seis. O conheço há

vinte e oito anos, é tempo bastante para ter aprendido, da pior forma, que
Phillip Henderson sempre vence.

— Precisa de mais alguma informação sobre senhorita Romano,

senhor Henderson? — Thompson chama minha atenção outra vez.

— Ela trabalha há quanto tempo na empresa? — o questiono,

trocando o peso de uma perna para a outra, sentindo o ar fresco da noite

tocar minha pele sensível.

— Há mais de seis anos, senhor. Acredito que seu irmão a escolheu

por ser uma das funcionárias mais dedicadas do quadro de colaboradores,

senhor.

— É mesmo? — pergunto, curioso.

Caroline deve ser a arquiteta mais jovem da empresa. Passei pouco

tempo na matriz da Califórnia desde que vim do País de Gales, onde


morava desde a faculdade. Nas poucas semanas em que passei nos Estados

Unidos, aprendendo tudo o que podia sobre meu novo cargo, não vi nenhum

outro arquiteto que fosse mais novo que ela.

— Sim, senhor. Ela nunca se importa de trabalhar no sábado ou ficar

no escritório até mais tarde. Faz todas as horas extras possíveis. Parece que

precisa de dinheiro para ajudar a família, aí no Brasil. Ou algo do tipo.

— Interessante — murmuro, curioso.

Franzo o cenho, lembrando da fazenda luxuosa onde seu irmão se

casou. Sei que a propriedade pertence à sogra dele, e que é editor-chefe,

eles parecem ter dinheiro.

Por que Caroline precisa trabalhar dobrado para ajudar a família?


— É só isso, Thompson. Poderia manter a discrição e não comentar

com ninguém sobre o que conversamos?

— Certamente, senhor. Será como se não tivesse me ligado.

— Obrigado.

Encerro a ligação e me sento na beirada do deck que rodeia a

jacuzzi. Fico observando a água enchê-la, enquanto penso nas várias

possibilidades que fazem Caroline trabalhar tanto para ajudar a família,

quando o irmão mais velho, com certeza, poderia fazer isso.

Pensei que eles se dessem tão bem.

Claro, não é da minha conta, não tenho nada a ver com a vida

familiar da minha assistente, mas ainda estou com ela na cabeça.


Volto ao quarto, tiro o resto das roupas e pego uma cerveja no

frigobar, abrindo no caminho para a Jacuzzi. Entro na água morna tentando

relaxar.

Acabo pegando meu celular e procuro pelo Instagram de Caroline.

Infelizmente, seu perfil é privado. Curioso, digito o nome Daniel Romano

na busca, imaginando que tem o mesmo sobrenome que ela, porém não

localizo. Procuro pelo nome da noiva, mas também não encontro nada,

talvez porque ela ainda não use o sobrenome Romano.

Por último, procuro pelo nome do irmão mais novo. Dou mais sorte

e encontro o perfil de Stefan Romano aberto, mas não há muita coisa lá.

Foto do pôr do sol em Santa Mônica, algumas imagens fora de foco de

tatuagens, garrafas de bebida, cigarro. O resto é foto de carros. Não dá para

saber muito sobre a família através do perfil dele.


Solto a respiração pesada, volto ao perfil dela e clico para seguir.

Odeio ficar tão interessado em algo dessa forma, mas a solidão me deixou

um pouco obsessivo pelas coisas.

Termino a cerveja, voltando ao quarto visto um roupão e pego outra

cerveja.

Detesto ficar sozinho e sem sono à noite. Sinto falta de Cinthia, de

conversar com ela, ou simplesmente, ter a companhia da minha mulher no

quarto.

Odeio o silêncio da noite, porque é nesse momento que minha mente

fica povoada de pensamentos ruins.

Ando pelo quarto com o coração pesado, tentando me concentrar em

julgar o designer do interior da suíte, mas não sou arquiteto. Me formei em


administração. Entendo tudo sobre como dirigir uma multinacional,

trabalhei na empresa dos meus sogros por vários anos, mas não entendo de

designer, decoração de ambientes, nem nada disso. E é por essa razão que

Caroline veio comigo.

Entediado, cansado da solidão, saio para a varanda caminhando até o

guarda-corpo e me apoio.

Olho para a calçada do hotel, até que meus olhos perdem o foco.

Alguns minutos depois, vejo Caroline pegar as chaves da mão do

manobrista e entrar no carro que alugamos para nossa estádia aqui no Sul.

Ela dirige pela rampa fazendo o carro desaparecer ao passar por

baixo da laje que cobre a entrada do hotel, um instante depois, o carro desce

a rampa e Caroline se vai.


Acompanho as luzes vermelhas da traseira da Range Rover até

desaparecer na estrada.

Não é da minha conta para onde vai ou com quem irá se encontrar,

mesmo assim fico irritado.

Me pergunto se é alguém que ela deixou aqui, antes de se mudar

para os Estados Unidos, ou se é uma pessoa que conheceu em uma de suas

viagens de férias.

Me lembro de Thompson explicando que ela trabalha dobrado. Será

que tira férias regularmente?

Se Caroline não costuma vir com frequência para o Brasil, como

mantém um relacionamento à distância? Consigo pensar em duas opções.

Na primeira, é a pessoa que vai visitá-la na Califórnia, afinal ela quase não
viaja. Segunda opção: Caroline tem um aplicativo de encontros no celular,

achou alguém interessante na cidade, estavam trocando mensagens no

caminho da fazenda ao hotel e agora está indo se encontrar com ele. Pela

hora, o encontro vai acabar em sexo casual.

— E o irmão pensava que eu seria o problema — murmuro,

observando a rampa vazia.

Antes de voltar para o quarto, verifico se ela aceitou minha

solicitação no Instagram, mas a resposta é óbvia. Não, Caroline estava

ocupada demais para isso.

— Preciso de uma foda rápido — declaro para a brisa noturna e

sacudo a cabeça. — A porra acumulada tá afetando minha mente.


Só vou procurar alguém quando senhora Collins chegar. Não vou

deixar as crianças com babás para caçar prostituta.

— ... não as de luxo, não se anime. Estou falando das mais

vagabundas, aquelas que topam foder com qualquer coisa por dinheiro. —

A voz debochada de Phillip soa na minha memória.

— Pode deixar, irmão. Eu não seria tão ambicioso — respondo,

como se ele pudesse me ouvir. — Sei que uma garota de luxo não iria me

atender.

— Então por que está irritado por sua assistente ter saído para

trepar? — Agora é minha mente fantasiando a voz do meu irmão. — Sabe

que ela teria nojo de você, né?


— Não estou irritado, por mim ela pode fazer o que bem quiser —

respondo de má vontade. — E, como eu disse, não sou tão ambicioso.

Jamais iria perder meu tempo desejando alguém como ela.

— Isso, muito bem. Se coloque no seu lugar, aberração. — A voz de

Phillip me chama pelo apelido que me deu depois da morte de Cinthia.

— Estou exatamente no meu lugar — rebato com paciência,

passando a mão pelos cabelos.

— Não, aberração, você não está no seu lugar. Ocupa um lugar que

não é seu desde que papai resolveu adotá-lo. Eu fiz de tudo para você fugir,

para ir embora da nossa casa, mas grudou nos meus pais de um jeito... —

Ele suspira, e até sua respiração exala o ódio que sente por mim. — Enfim,

você está aí para ocupar um lugar que não é seu, como o herdeiro que você

não deveria ser.


Sacudo a cabeça e viro a garrafa de cerveja de uma vez, bebendo

rápido para afogar a voz de Phillip dentro da minha cabeça.

Franzo o cenho caminhando de volta ao quarto, deito de costas na

cama com o braço por baixo da nuca. Não quero mais pensar em Phillip,

nem em mais nada, essa é a verdade, mas minha mente está veemente,

tentando interpretar o que a voz, que eu mesmo fantasiei, pode significar.

Phillip não se mostrou contrário à decisão do nosso pai de me eleger

como CEO da sucursal de São Paulo, e não parei para pensar no quanto isso

poderia incomodar o único filho biológico de Donovan Henderson.

Como filho adotivo, tenho os mesmos direitos que Phillip, e isso

sempre o irritou, mas por que ele se incomodaria em me ver dirigindo uma

das sucursais da empresa, quando ele mesmo não tinha nenhuma ambição

de largar o cargo de vice-diretor da matriz e se mudar para São Paulo?


— A resposta é óbvia, aberração, o fato de você existir me

incomoda. — A voz de Phillip que vive na minha cabeça responde.

Com a mente cansada, levanto da cama e preparo um drink. Quem

sabe bêbado, consiga dormir.


Caroline

Os gêmeos são muito meigos e eu não menti para Oliver quando

disse que crianças me acalmam, mas longe dele posso respirar aliviada.

Não estou acostumada a ter um homem como ele olhando para mim

com tanta frequência. Embaralha os sentidos e me deixa nervosa. Oliver me

faz ter vergonha dos meus próprios pensamentos, seu magnetismo atiça as

partes mais indecentes da minha cabeça, ele me olha com tanta intensidade,

que deixa a impressão de que estou transparente diante dele.


Sei que vou me acostumar com sua presença, mas ainda não estou

adaptada.

No carro, sem Stefan comigo, fiquei ainda mais tensa do que no

casamento. Tentei pensar em outra coisa que não fosse meu chefe no banco

ao lado, mas fiquei consciente da sua presença o tempo todo. Seu perfume,

uma mistura selvagem de frutas cítricas, pimenta, verbena e madeira, me

deixou envolvida por todo o caminho.

No banheiro, enquanto dava banho nas crianças, a tensão ficou ainda

pior. Cheguei a pensar que Oliver Henderson podia estar interessado de

uma forma nada profissional.

Encaro meu reflexo no espelho e dou risada.


— Por que ele se interessaria por você, Carol? — pergunto a mim

em tom de piada, com os pés doloridos por causa das sandálias de salto. —

Alguém como ele tem a mulher que desejar. Você é uma piada!

Começo a tirar o vestido, desejando um banho de banheira bem

quente, mas exausta demais para esperar a banheira encher. Sozinha no

quarto, já que Stefan preferiu ficar na Fazenda Ricci, ando só de calcinha

até a mala e pego meus cosméticos.

Tomo um banho rápido, coloco o pijama e programo o alarme do

celular para despertar às oito horas, para não ter perigo de esquecer de ligar

para a recepção e pedir que entreguem o café da manhã do meu chefe. Só

depois, posso finalmente tentar relaxar e dormir.

Sei que estou sendo negligente por não ter contado a minha mãe

sobre nossa vinda para o Brasil, mas foi tudo tão rápido.
Não sei se ela sabe sobre o casamento de Dimitri. Se ficou sabendo,

deve imaginar que Stefan e eu viemos, mas não conversamos direito nos

últimos dias. Em todas às vezes em que trocamos mensagens ou falamos

por chamada de vídeo, me esquivei de comentar sobre a ideia de trabalhar

com Oliver em São Paulo.

Ainda não estou pronta para falar sobre isso com minha mãe e não

sei como vai reagir, afinal, ela depende financeiramente de mim e pode se

sentir insegura, mas sei que será melhor para todos se eu for promovida a

COO da sucursal do Brasil.

Estarei perto de Dimitri, Giulia e dos meus sobrinhos. Será incrível

ter uma família e um apoio na cidade.

Antes de Stefan ir morar comigo, fiquei anos sozinha. Só eu sei a

solidão que passei até ele chegar. Depois da escola e da faculdade, veio a
preocupação de mandar boa parte do salário para minha mãe.

Parece que a economia não conspirou a meu favor. No Ensino Médio

e uma parte da faculdade, o dólar estava em alta em relação a moeda

brasileira, e tanto minha mãe quanto Dimitri tiveram que desembolsar

muito dinheiro para bancarem minhas despesas, enquanto eu estudava.

Quando finalmente comecei a trabalhar, o real tinha se valorizado e,

com o dólar em queda em relação ao Brasil, a situação ficou apertada.

Meu salário não é ruim, mas não faz milagres com a situação da

minha mãe.

Se fosse antes, quando o dólar chegou a valer mais de cinco reais,

não me apertaria por ajudá-la e talvez pudesse até já ter dado entrada em
um apartamento, mas da forma como está, todo mês é uma batalha para

pagar todas as contas e não faltar com ela, que é minha prioridade.

Estou cansada de morar longe da família, perder os aniversários e as

datas comemorativas, quero estar perto do meu irmão caçula e poder ajudá-

lo trazendo-o para morar comigo em São Paulo. Estou farta de não ganhar o

suficiente, de me virar com tão pouco e ainda ser obrigada a fingir para

Dimitri que sou bem-sucedida, porque ele não pode nunca saber o que

passamos.

Stefan está se virando como pode para me ajudar, mas também não

gosta de morar longe da família, de sentir falta de todo mundo.

Amanhã vou ligar para minha mãe e contar sobre a possibilidade da

promoção, espero que ela encare com bons olhos e seja positiva.
Faço uma prece calorosa para conseguir conquistar meu chefe, para

conseguir mostrar o quanto sou dedicada e esforçada no trabalho. Fecho os

olhos para dormir, mas assim que começo a relaxar, meu celular toca.

Vejo o contato do meu irmão iluminando a tela e pego o aparelho

depressa para atender, com o coração disparado de preocupação.

— O que foi, Stef? — pergunto assim que atendo. — Em que

confusão você se meteu dessa vez?

Não é a primeira vez que atendo sua ligação na madrugada, e sei que

significa problema.

Ele respira fundo do outro lado da chamada, o que me deixa ainda

mais nervosa.
Aperto as unhas na palma da mão livre, procurando manter a calma,

mas com o coração subindo pela garganta.

— Não faz suspense, pelo amor de Deus! — protesto.

Stefan respira fundo novamente, como se não soubesse o quanto sou

ansiosa.

— Pode vir me buscar na Fazenda Ricci? — pergunta.

Sei, pelo seu tom de voz, que ele não está legal.

— O que você aprontou? — questiono, fazendo massagem no peito,

sentada na cama, tão tensa que minhas pernas começam a ficar dormentes.

Minha mente explode com as possibilidades. Pegar o carro de um

dos convidados para correr pela estrada como se não houvesse amanhã —
roubo. Tentar vender alguma coisa ilegal para os adolescentes ou qualquer

outro adulto hospedado na fazenda — tráfico. Ser pego por Artho em uma

situação embaraçosa com Ayla — encrenca das grandes.

— Stef, por favor, não fode com a minha cabeça... — choramingo,

sentindo meus nervos me corroerem. — O que aconteceu?

— Não aprontei nada, Carol. Só quero ir embora — ele diz. Mesmo

pelo telefone, o conheço o suficiente para saber que está péssimo. — Se não

puder vir me buscar, tento chamar um Uber.

Respiro fundo, procurando recuperar o controle dos meus

pensamentos, mas é difícil na nossa situação.

— Eu vou, só me dá alguns minutos. Vou vestir uma roupa, pegar o

carro e ir.
— O carro que seu chefe alugou, né? — ele pergunta. — É melhor

não vir, vou de Uber.

— Não, Stef, eu vou. Oliver nem vai suspeitar. Me espera que já tô

chegando.

Desligo e pulo da cama vestindo a primeira roupa que encontro na

mala e vou até a recepção, onde peço para o manobrista buscar a Range

Rover alugada.

Fico batendo o pé na calçada, até ver o carro virando a esquina. Nem

espero que suba a rampa, desço apressada para assumir a direção.

Me concentro em controlar a respiração por todo o percurso,

preocupada com meu irmão. Às vezes em que precisei atender seus pedidos

de ajuda no meio da noite rondam minha mente.


Quando chego à entrada da Fazenda Ricci, Stefan está com as costas

e um dos pés apoiados na pilastra, com um cigarro pendendo dos lábios.

Desço do carro e vou ao seu encontro.

— O que houve? — insisto em saber, agora que posso ver seu rosto

iluminado pelos faróis do automóvel.

Respiro fundo ao vê-lo quebrado, e pela sua cara, tiro minhas

conclusões.

— Foi Ayla? — pergunto baixinho, tocando seu ombro coberto pela

camisa branca de botões.

Ele dá de ombros tirando o cigarro dos lábios para soprar a fumaça

lentamente, com o cenho franzido e o rosto rígido como nunca vi.


Sua expressão dura me lembra a de alguém, mas não consigo

recordar quem seja. É como algo que está na ponta da língua.

— Vocês terminaram... — tento adivinhar, já que ele não fala. —

Artho ou Charlotte...

— Podemos não falar sobre isso agora, por favor? — meu irmão

pede com tanta tristeza que me faz estremecer. Apesar de tudo que já viveu,

nunca o vi assim.

— Claro — sussurro enroscando meu braço no seu cotovelo. —

Vamos pro hotel? Você precisa tomar um banho, relaxar e dormir.

Stefan joga a binga do cigarro no chão de terra e o apaga com o pé.

Enquanto o levo até o banco do passageiro, agradeço em

pensamentos por ter me ligado para vir buscá-lo, em vez de sair por aí e se
meter em problemas.

Conecto meu celular ao som do carro e coloco uma playlist com

músicas dos anos 80, 90 e 2000, as que ele mais gosta de ouvir.

Guio o carro pela estrada, me perguntando onde naquele lugar ficava

a casa onde vivi boa parte da minha infância. O mesmo lugar onde Dimitri

matou nosso pai com uma faca, onde Stefan viveu seus primeiros aninhos,

aprendeu a falar, andar... Tirando os bons momentos com meus irmãos, não

tenho boas lembranças daquele lugar. Graças a Deus foi demolido e

transformado em parreirais.

Uvas para vinho tinto de uma terra manchada de sangue. Dou um

risinho abafado pelos lábios fechados com a ironia, porque a mãe de Dimitri

e de Ícaro também morreu aqui. Até eu quase matei, com minhas próprias
mãos, naquela maldita noite que faço de tudo para esquecer, quando era só

uma criança magra e abatida de tanto sofrimento.

Sacudo a cabeça discretamente para afastar os pensamentos,

encarando a estrada à frente, e tento me concentrar na música tocando.

— Era uma vez, não faz muito tempo[i] — sussurro em inglês a

primeira frase da música Livin’ On A Prayer, da banda Bon Jovi, tentando

fazer com que Stefan cante comigo.

Cutuco suas costelas com o cotovelo, e o observo, por um instante

seu rosto é iluminado pelas luzes do painel do carro. Ele parece destruído,

mas dá um meio sorriso forçado.

Batuco as mãos no volante, tentando seguir o ritmo da música, sem

nenhum talento, cantarolando os trechos, sem saber o que posso fazer para
animá-lo.

— Tommy penhorou seu violão / Agora, ele reprime o que ele

costumava falar através do violão / Tão difícil, é difícil[ii] — canto um

pouco mais alto a segunda parte da música, balançando a cabeça, errando

todas as notas.

Stefan dá um sorriso um pouco mais largo.

— Gina sonha em fugir / Quando ela chora à noite, Tommy sussurra

/ Querida, ficará tudo bem, algum dia[iii] — ele começa a sussurrar

finalmente, com a voz aveludada, sem errar uma única nota, elevando a voz

no final da estrofe.

Fico um pouquinho mais aliviada ao ouvi-lo cantar, algo que ama

tanto fazer. Quando chega o refrão, seguro sua mão com força e a trago para
perto do meu coração.

— Temos que nos agarrar ao que temos / Não faz diferença se

conseguiremos ou não / Nós temos um ao outro e isso já é muito / Por amor,

nós iremos tentar / Oh, estamos quase lá / Oh-oh, vivendo em uma oração /

Segure na minha mão, nós vamos conseguir, eu juro[iv] — Stefan continua

cantando e o acompanho a todo pulmão, sem me importar em estar

assassinando a música do Bon Jovi, porque, mesmo que não sejamos um

casal, como na música, somos bem parecidos com Tommy e Gina, vivendo

de orações.

Abaixo as janelas do carro e aumento o som, com o coração

disparado, rezando em pensamentos, enquanto canto, para que as coisas

deem certo.

Preciso que as coisas deem certo.


— Estamos na metade do caminho — ele repete um trecho da

música quando ela acaba e começa a tocar Take On Me, da banda A-ha, e

então, sem que eu estivesse esperando, dá um soluço.

Desvio os olhos da estrada, mantendo sua mão próxima ao meu

coração e consigo ver as lágrimas escorrendo por seu rosto. É como levar

um soco no estômago. Desde que fui mandada para os Estados Unidos,

nunca mais vi meu irmãozinho chorar. Nunca, nunquinha. O que pode ter

acontecido de tão ruim para ele ficar assim?

— Ayla terminou de vez com você? — pergunto, após abaixar o

volume da música.

Ele se inclina na direção da janela aberta, e se debruça, deixando os

ombros, pescoço e cabeça para fora do carro, com o braço esticado para não

tirar a mão da minha.


— Ah, Stef... — sussurro e beijo os nós dos seus dedos, dirigindo

um pouco mais devagar. — Não fazia ideia de que gostava tanto assim

dela...

O que digo não ajuda muito, e me sinto péssima por não conseguir

consolar meu irmão, mas não tenho muita experiência com

relacionamentos. Saí com alguns caras, tive até um namoradinho no Ensino

Médio, mas nunca me apaixonei de verdade.

Fico esfregando a ponta do polegar nos nós dos seus dedos até

chegarmos ao hotel. Entrego as chaves ao manobrista e subimos para o

andar onde estamos hospedados. Na iluminação do elevador, posso ver o

quanto seus olhos estão vermelhos, e as olheiras começam a aparecer.

Bato meu ombro contra o seu braço, enquanto ele encara os próprios

sapatos.
— Você esqueceu o terno na fazenda — digo, observando sua

gravata frouxa.

— Ela vai guardar pra mim — Stefan responde, me encarando no

espelho.

— Pensei que tivessem terminado — não consigo deixar de

comentar.

Stefan esfrega o indicador e o polegar sobre o bigode ralo, mas não

responde.
Caroline

O elevador se abre e caminhamos, ambos cansados, pelo piso de

carpete.

— Você foi até o andar do seu chefe? — ele pergunta, enquanto

aproximo o cartão magnético da fechadura da porta branca.

— Fui, sim. Fiquei um pouco com as crianças.


Entro no quarto e vou direto para a cama, me aninhar nos

travesseiros, antes mesmo de colocar o pijama outra vez.

— É mais chique que aqui? — Meu irmão quer saber. Sei que ele

realmente não se importa, só está tentando distrair a cabeça, seja lá do que

aconteceu.

— Muito mais, você tinha que ver. — Dobro os joelhos e abraço

minhas pernas, empolgada ao ver no seu rosto alguma coisa parecida com o

esboço de um sorriso. Acho que chorar fez bem para ele. — É um

apartamento espaçoso, com duas suítes, sala de estar, varanda, jacuzzi.

Tudo da melhor qualidade.

— Parece melhor do que o hotel em que nos hospedamos quando

Dimitri nos levou à Disney — Stefan observa.


— Justo onde você fez merda, né, maninho? — soo o mais irônica

possível e atiro um travesseiro nele, esperando não estragar o clima.

— Merda é o que sei fazer de melhor — ele diz ao desviar do

travesseiro, puxa a gravata a tirando do pescoço.

— O que aconteceu entre você e ela dessa vez para você ter ficado

tão mal? — Aproveito a deixa, sei que sou a única com quem ele

conversaria sobre isso. — Eu sou mulher, já tive a idade dela, posso ajudar

a entender.

Stefan dá um risinho sarcástico.

— Acho que não nesse caso, Gina — ele diz, me chamando pelo

nome da garota da música do Bon Jovi. — Você não tem experiência nesse

assunto.
— Está me chamando de encalhada? — Agarro outro travesseiro e

arremesso contra ele. — Fique você sabendo que eu já tive um namorado.

Ele ri, segurando o travesseiro no ar e o jogando de volta, antes de

começar a abrir os botões da camisa branca.

— Você continua não tendo experiências no assunto — rebate.

Respiro fundo quando ele joga a camisa sobre a mala, largada

embaixo da bancada de madeira.

— Eu não tive pais para impedir o namoro, é isso? — questiono. —

Se for, saiba que eu preferia ter um pai e uma mãe como Artho e Charlotte a

viver por contra própria em um país estranho. Sei que você é novo, não vai

entender....
— Sobre eles se preocuparem com ela? — Stef ergue as

sobrancelhas grossas e escuras, caminha até a minha cama sentando na

beirada. — Eu entendo. Se eles soubessem metade das coisas que Ayla e eu

fizemos, os lugares aonde fomos, os riscos em que a coloquei, eu teria saído

com alguns ossos quebrados daquela “conversa” no estacionamento do

aeroporto.

Ele faz aspas com os dedos ao citar a conversa, então pega um dos

meus pés doloridos por baixo do edredom e começa a fazer massagem. Me

apoio na cabeceira e tento relaxar um pouco, aliviada por estarmos

mantendo um diálogo, por ele não se fechar para mim.

— Você não vale nada, sabia? — insulto, estreitando os olhos para o

alertar. — Dimitri também ficaria louco se soubesse.


Nesse momento, Stef murcha os ombros novamente, e seu semblante

fica sério como no carro.

— Por que garotas como ela, que têm tudo na vida, se atraem por

caras como você? — digo para aliviar o clima.

— Não sei. Se eu tivesse uma filha, a manteria bem longe de alguém

como eu — confessa.

— Então por que você não se afasta? Ficaram quase dois anos sem

se ver, por que você precisou ir atrás dela?

— Não te contaram isso, Gina, mas tudo que é proibido é muito

melhor.

Ele tem a audácia de dizer. Puxo o pé que ele está fazendo massagem

e chuto sua barriga, antes de avançar na sua direção.


— Seu safado! — o xingo, tateando as mãos pelos bolsos da calça de

alfaiataria preta até encontrar algo.

— Que merda, Stef, você disse que ia parar! — reclamo, olhando

para o objeto na palma da minha mão.

— Foi essa merda que nos ajudou a ter uma vida melhor nos últimos

meses. — Ele joga na minha cara.

Engulo em seco, me sentindo frustrada. Dimitri mandou nosso irmão

mais novo para que pudesse tomar um rumo na vida, e não fui capaz de

fazer nada em relação a isso.

— Eu não quero mais você mexendo com essa porcaria, entendeu?

— exijo, bem séria. — Chega disso. Vai apagar o número de todos aqueles

malditos clientes! Acabou, entendeu?


Ele franze os lábios e as sobrancelhas, mas assente.

— Sabia que a mãe de Artho era dependente química? — digo, para

talvez tocá-lo. — Ayla vivia com ela nos primeiros anos, e a vida da coitada

era uma bagunça... Meu Deus! E eu te deixei lá na fazenda pra se encontrar

com ela! Como sou sonsa. Se Artho descobre, se ele te pega com droga no

bolso...

— Ele não ia pegar, eu vendi quase tudo na festa, só sobrou isso.

O safado tem a coragem de admitir, não aguento, pego o travesseiro

lançando-o contra seus ombros com força.

— É por isso que dizem que bater não resolve. Todas as surras que

você levou daquele escroto do nosso padrasto não adiantou de

absolutamente nada.
— Nem sempre ele batia pra me ensinar alguma coisa, às vezes era

só por prazer. Você é o exemplo disso. Não merecia nada daquilo.

Fecho a cara, tocando a cicatriz na minha coxa. Os olhos escuros de

Stefan encontram minha mão.

— Dimitri alguma vez chegou a ver a porra dessa cicatriz? —

pergunta com rispidez, parecendo muito mais velho que seus dezenove

anos, me fazendo sentir como se fosse uma garotinha.

Fungo e luto contra o nó na garganta.

— Eu caí quando tava colhendo amoras do pé que tinha no nosso

quintal, em Jaguarão. Escorreguei e minha perna caiu em cima da ponta de

um galho recém aparado — repito as palavras que sei de cor desde os doze

anos.
— Mente tão bem — ele acusa, sacudindo a cabeça em negação. —

Quantas vezes repetiu essa mesma história? Começou a contar no hospital

depois da surra, quando precisou levar pontos? Foi nossa mãe que te passou

o roteiro?

— Eu nunca menti pra você — sussurro, fungo outra vez e volto a

falar com mais firmeza. — Posso ser uma boa mentirosa, mas nunca menti

pra você.

Omitir não significa exatamente mentir.

— Sei disso, Gina — outra vez, Stef volta a me chamar pelo nome

da moça da música —, você é minha melhor amiga, mas...

— Mas o quê? — pergunto. Meu coração está machucado, como se

ele tivesse puxado o curativo da ferida, e estou dando o melhor de mim para
não derramar uma lágrima.

— Você mente para Dimitri — ele diz me olhando bem sério. —

Sempre mentiu.

É como se uma mão invisível apertasse meu coração entre os dedos.

— A gente sempre mentiu — o corrijo — e você sabe muito bem o

porquê. Se ele soubesse que nosso padrasto nos batia, Dimitri...

— Mataria o nosso padrasto — Stefan murmura e estreita os olhos,

como se tentasse descobrir algo sobre mim que ele já não saiba. — Foi o

que nossa mãe sempre disse. Cresci com ela falando isso.

— É o que aconteceria. E Dimitri não merecia se ferrar ainda mais

por causa de alguém como Flaviano. Ele foi nosso herói uma vez, sofreu na

pele e na alma as consequências. Jamais permitiria que descobrisse, porque


Dimitri não deixaria barato. Da primeira vez, ele era menor de idade, ficou

um pouco menos de dois anos detido, mas se fizesse de novo, se matasse

para proteger a gente outra vez, iria para a cadeia e pegaria sei lá quanto

tempo — repito as palavras que já dissemos tantas vezes.

— A mãe sempre disse isso. Sempre que estava se aproximando o

dia de encontrar Dimitri, nos feriados ou férias, ela repetia incansáveis

vezes que estava tudo bem, que Flaviano era um ótimo padrasto, que era

amoroso e cuidadoso. Repetia tanto que até eu mesmo acreditava — Stefan

diz passando a mão no cabelo escuro e grosso.

— Aprendemos a mentir bem — tento dizer para melhorar o clima,

mas não ajuda muito.

— Sabe — ele continua, depois de deslizar os dedos indicador e

polegar pelo bigode ralo —, Flaviano não costumava me bater muito


quando era bem pequeno. Só quando eu aprontava...

— Você sempre aprontava — o recordo. Ele era a criança mais

sapeca que eu já conheci.

— Depois que você foi embora, e passaram alguns meses, ele

começou a bater com mais frequência — repete o que já me contou muitas

vezes, talvez por que só queira continuar mantendo a conversa. — Pensei

que as coisas melhorariam quando Giovanni nascesse, mas não foi bem

assim.

— Agora estamos livres, né? — Dou um sorriso amarelo e abraço os

joelhos outra vez.

Stefan fica me encarando por um instante, então se levanta e vai na

direção do banheiro, encerrando a conversa.


É claro que nenhum de nós está livre, mas a gente disfarça como

ninguém, mamãe foi excelente em nos treinar. Ela poderia dar curso de

como ser um bom mentiroso.

O barulho de água caindo, abafada pela porta fechada do banheiro,

chega até meus ouvidos e me aninho melhor na cama. Sem sono e com a

cabeça pesada, pego meu celular pensando em vagar pelas redes sociais até

o sono voltar, e sou surpreendida com a notificação do Instagram

informando que Oliver Henderson enviou uma solicitação para me seguir.

O choque é tanto que meu coração sobe pela garganta feito um

caminhão desgovernado. Fico olhando por alguns instantes, tentando

entender o que aquilo significa, até que me dou conta de que não há

nenhum significado. Oliver simplesmente quis me seguir porque estarei

com ele nas próximas semanas.


Clico na solicitação e aceito, seguindo seu perfil logo depois.

Dou uma olhada nas fotos e vídeos, admirando a fofura das crianças,

as observando ficarem mais jovens a cada post. Eles são muito fofos!

Estou olhando atentamente uma foto da esposa falecida dele quando

Stefan sai do banheiro.

Ela era ruiva, tinha sardas e olhos verdes, mas não há nada sobre a

causa da sua morte.

— Você não tem que acordar cedo amanhã? — Stefan pergunta,

enquanto entra debaixo do cobertor, na cama ao lado. — Tirei seu sono, né?

— Tá tudo bem, Stef — digo enquanto abro o Google para pesquisar

a causa da morte da esposa de Oliver.


— Trabalho?

— Mais ou menos. Estou pesquisando sobre a morte da esposa do

meu chefe, mas não aparece muita coisa — digo, com a testa franzida,

concentrada em ler as poucas informações. — Encontrei alguns sites

falando que ela morreu em um incêndio, mas que a investigação seguia sob

segredo de justiça... Isso é horrível.

Sinto um calafrio só de pensar.

— Investigação? Será que foi criminoso? — Stefan está deitado de

lado, com o braço por baixo do travesseiro, me encarando.

— Não sei, não encontro detalhes sobre esse acidente, se é que foi

um...
— Eles são ricos, e pessoas ricas gostam de privacidade. Podem ter

pagado a imprensa ou um hacker para tirar as informações da rede.

— Faz sentido — comento, sem saber ao certo o que pensar. —

Morrer queimado deve ser horrível...

— Ei, não fica pensando nisso — meu irmão sussurra e estica a mão

para tocar meu ombro. — Já pensamos coisas ruins demais por hoje.

— Você tem razão — digo fechando a aba do Google.

Bloqueio a tela e coloco o celular sobre a mesinha de cabeceira,

apago as luzes tentando relaxar para dormir.

— Gina...? — Stefan me chama, alguns minutos depois. — Ainda

está acordada?
— Sim...

— Nosso pai era mesmo uma pessoa muito ruim? — me pergunta

pela primeira vez.

Stefan não teve o desprazer de viver no mesmo tempo que Emílio

Romano, tudo que sabe sobre nosso pai é o que foi contado e a família não

fala muito sobre o assunto.

— Pense no nosso padrasto, agora multiplique... Não! Melhor,

triplique o tormento — digo, recordando as confusões em casa, às vezes em

que minha mãe se trancava no meu quarto e dormia comigo na cama

estreita, enquanto Dimitri ficava lá fora, tentando resolver. Sem contar, às

vezes em que meu irmão mais velho saía ou viajava com os amigos, e

Emilio chegava bêbado, distribuindo ira para todos, sem exceção. — Nossa

mãe tem o dedo podre.


— Acho que ela não tem mais nem dedo. Ele apodreceu tanto que

caiu. — Stefan tenta brincar, mas não consigo fingir uma risada. — Carol,

você ficou muito mal quando fui morar com você?

— Como assim? — pergunto, conseguindo enxergar sua silhueta na

penumbra.

— Imagino o fardo que sou...

— Nada disso, você ter ido morar comigo foi a melhor coisa que me

aconteceu, não sabe como fiquei feliz. A solidão é terrível. Ter meu melhor

amigo perto de mim é incrível — digo com toda sinceridade do mundo. —

Eu sei que não foi por escolha sua...

— Na verdade, foi escolha minha, sim — confidencia um detalhe

que eu não sabia. — Depois que as coisas se acalmaram, enquanto estava


tirando meu visto de estudante, Dimitri conversou comigo e me deixou

escolher entre ficar em São Paulo ou ir morar com você. Disse que, se eu

ficasse, me colocaria em uma boa escola para terminar o Ensino Médio,

depois pagaria minha faculdade, o curso que desejasse, me ajudaria no que

fosse preciso. Claro, sob várias condições, mas escolhi me afastar.

— Então é por isso que Ayla não quis olhar na sua cara quando te

viu no casamento, porque foi você quem escolheu ir embora. — Não é uma

pergunta, mas Stefan sabe disso.

— Sim, fui eu quem decidi. No começo ela não entendia, mas agora

consegue ver que as coisas poderiam dar muito errado se eu tivesse

continuado no Brasil. Nenhum de nós tinha juízo.

— Como se tivessem agora. — Minha voz soa carregada de

deboche.
Recebo uma travesseirada em resposta, mas estou coberta de razão.

Talvez, Stefan não tenha ficado porque queria a liberdade que não teria lá.

Sabia que eu não teria o pulso firme que Dimitri tem para impor limites.

Comigo, ele continuou levando a vida que tinha em Jaguarão, ou até

melhor, já que estava longe do nosso padrasto, e eu tenho a terrível mania

de passar a mão na sua cabeça.

— Obrigada por ter escolhido ir morar comigo, Stef — sussurro,

mesmo ciente de que não foi uma escolha sábia.

— Obrigado por ter me acolhido, Gina — ele brinca. — Desculpa

por toda a preocupação e trabalho que dei. Se conseguir a promoção, se

voltarmos mesmo pro Brasil, prometo que nunca mais vou aprontar.
— Não sei se meu chefe vai gostar de mim — confidencio meus

medos. — Se vai querer me ter como seu braço direito.

— Não tem como não gostar de você, Gina. Vai dar tudo certo.

— Nunca te vi tão otimista — observo.

— Precisamos ser, não é? Você merece essa promoção, tenho certeza

de que é a funcionária mais esforçada da matriz.

— E também não aguentamos mais morar longe da família —

acrescento. — Prometo que, se Oliver me promover, o salário for mais ou

menos o que imagino, e der para pagar as contas da nossa mãe e as nossas

sem passar aperto, vou pagar sua faculdade.

— Obrigado, Carol, mas não precisa se preocupar. Quando você for

promovida e nos mudarmos em definitivo, vou arranjar um emprego e


escrever nas horas vagas.

— Dimitri e eu vamos te dar todo apoio, mas fazer faculdade é

importante — digo e dou um longo bocejo. — Promete que não vai mais se

envolver com aquela merda?

— Prometo. Não vou mais dar trabalho, dou minha palavra — Stef

soa firme.

— Isso incluí o racha também, né?

— Vamos dormir, daqui a pouco você precisa acordar.

Dá vontade de dar um sacode nele, mas estou exausta demais para

isso.
Caroline

Domingo, 8 de fevereiro de 2032

2° DIA

Acabo de pedir à recepção que leve o café da manhã para Oliver e as

crianças no apartamento deles e arrasto minha mala para cima da cama.

Não tenho muita roupa boa para trabalhar. Antes, eu garimpava

muita coisa legal em brechó, mas eles viraram febre e isso encareceu o
preço das peças.

No final do ano, como presente de Natal, Dimitri enviou Pix bem

gordos, tanto para mim quanto para Stefan, e ficamos superfelizes. Pensei

em usar o dinheiro para comprar roupas novas e alguns utensílios

domésticos que estava precisando, mas mamãe ligou alguns dias depois e

começou a reclamar do celular e de como não conseguia comprar outro,

porque estava usando todo dinheiro da doceria para pagar a maior parte das

despesas da casa, porque Flaviano tinha machucado a perna e não estava

recebendo.

O dinheiro que ela tinha guardado, usou para comprar uma bicicleta

nova para Giovanni, já que ele estava crescendo muito rápido e a antiga não

servia mais.
Comecei a pensar em tudo que ela fez por mim, em como teve que

ralar para bancar minha vida nos Estados Unidos, até eu terminar os

estudos, em como se endividou... Então entrei no site de uma loja brasileira

e comprei um celular novo para ela. Poderia ter comprado nos Estados

Unidos, mas queria que chegasse até o Natal.

No mesmo dia, Dimitri ligou para conversar com a gente e saber se

não estávamos a fim de passar o Natal ou o réveillon na casa dele.

— Eu não programei nada com antecedência e vou trabalhar até a

véspera — lamentei.

— No Natal? — ele perguntou e a forma como sua voz soou triste

partiu meu coração. Estava morrendo de saudades e não tinha um fim de

ano descente há anos.


— Eu iria se não tivesse garantido a Phillip Henderson que poderia

contar comigo para supervisionar as últimas entregas de reforma do ano —

murmurei a resposta.

— Não tem ninguém que possa te substituir? — Meu irmão mais

velho quis saber. Seu rosto demonstrava a saudade que estava de mim.

Na verdade, até poderia ter alguém que me substituiria, mas não

queria deixar de ser aquela funcionária a quem eles recorriam para trabalhar

nos fins de semana e fazer horas extras.

— Infelizmente, não. — Inventei uma mentirinha. — Todo mundo já

fez suas programações.

Dimitri juntou os lábios carnudos e fez um bico muito fofo.


— Queria que Stefan viesse, mas também não quero deixar você

sozinha — ele murmurou, sem disfarçar a tristeza. — Sinto falta de quando

eu viajava para Jaguarão e passava o Natal com vocês. Parece que faz uma

eternidade que não passamos a data juntos.

Ele disse e um nó tomou conta da minha garganta. Dimitri sempre

fez de tudo para ser presente, para nos dar presentes. Sempre se importou

mais com a gente do que nosso pai jamais fez.

— Se Stefan quiser, ele pode ir, não tem problema. Vou ficar bem

sozinha — disse, mas imaginando que meu irmão não iria querer passar o

feriado em São Paulo.

Não sabia que Dimitri tinha lhe dado a escolha de ficar no Brasil,

depois que as coisas com os Becker se acalmaram. Sempre pensei que

Stefan tinha vindo a contragosto, até ontem.


— Stefan e eu enviamos presentes para vocês — contei com um

sorriso largo. — Já tem um tempinho, deve estar chegando.

A gente tinha juntado nossas economias e comprado algumas

lembrancinhas para nosso irmão, Giulia, Diana e Dom.

— Obrigada, Carol — ele disse, voltando a sorrir. — Conversei com

Giulia e preferimos mandar o Pix. Não é muito pessoal, mas vocês podem

escolher o que quiserem.

— Eu amei. Stefan então... — respondi, ansiosa por já ter gastado

um pouco com o celular da minha mãe. — Não precisava, mas obrigada.

Vou ligar para Giulia e agradecer também.

— Para qual dia posso comprar as passagens para o casamento?

Vocês dois virão, né? — quis saber.


Era nítido o quanto Dimitri nos queria por perto, mesmo que muitas

vezes tentasse parecer durão. Eu também morria de vontade de voltar para o

Brasil e estar perto da família, mas não podia mudar até arranjar um bom

emprego, um que fosse o suficiente para pagar minhas contas e as da minha

mãe, como aqui.

Endireitei os ombros e assumi a pose de garota bem-sucedida e com

estabilidade financeira.

— É seu casamento, Dimi — protestei. — Não precisa pagar nossas

passagens!

— Tem certeza? — Dimitri insistiu.

— Claro!
Dei um risinho nervoso. Assim que desliguei, fui para a frente do

espelho e bati no meu rosto por não ter aceitado, por fingir um orgulho que

não cabia, por não poder contar a meu irmão que não tinha dinheiro porque

mandava quase tudo para minha mãe.

Ela não queria que Dimitri soubesse e eu escondia seu segredo em

retribuição a todo sacrifício que fez por mim.

Stefan usou o dinheiro que Dimitri lhe deu de presente para comprar

um carro, não novo, mas veloz o suficiente — palavras dele —, pagou o

aluguel, algumas dívidas que tinha com uns caras perigosos e comprou

nossas roupas para o casamento. Usei o que sobrou da minha parte para

comprar as passagens, um presente de casamento, e resolvi guardar o resto

para uma emergência. Os utensílios domésticos podiam esperar.


Quando fui escolhida para acompanhar Oliver ao Brasil, agradeci de

joelhos por ter reservado o dinheiro, assim podia levar Stefan comigo e

ajudar a pagar suas despesas, sem que ele tivesse que se meter em mais

merda.

— Bom dia, Stef. Quando a gente for para São Paulo, você vai com

a gente, ou pretende ficar em Jaguarão? — pergunto assim que Stefan se

mexe abrindo os olhos.

Ainda estou revirando a mala sobre a cama do hotel, procurando

algo que seja a altura para acompanhar meu chefe.

— Bom dia, Gina — Stefan cumprimenta com voz de sono. — Não

vou para Jaguarão. Você pretende ficar na casa de Dimitri e Giulia?


— Sim, para economizar — respondo e faço uma careta, franzindo o

nariz. — Não conversei com eles ainda sobre ficar lá, foi tudo tão depressa.

Mas, a volta deles da lua de mel coincide com nossa ida para São Paulo.

— Então vou com vocês, se Giulia e Dimitri não se importarem de

me hospedar.

— Pensei que fosse aproveitar esse tempo para ficar com mamãe —

murmuro e, por um instante, vejo alguma coisa estranha passar pelos seus

olhos. Parece fúria, mas é tão rápido que não tenho certeza. — Você não a

vê desde que...

— Desde que me mandaram embora. Não quero ir pra lá — ele diz,

decidido. — Se não me quiserem em São Paulo, alugo um lugar para ficar.


— Claro que Dimitri vai te querer — digo. — Mas você não vai

querer nem fazer uma visita à mamãe e Giovanni?

Stefan desvia o olhar e pula da cama, indo em direção ao banheiro.

Franzo o cenho, sem entender essa reação. Mesmo quando ela o

mandou para morar com Dimitri, ele não ficou magoado, sabia que não era

por ela, mas por Flaviano. Não entendo por qual motivo não quer visitá-la

agora.

Não tenho muito tempo para refletir. Escolho uma calça de

alfaiataria bege, de modelagem reta, que tenho há anos, e uma camisa

branca, além de um par de sandálias marrons que vai combinar com a bolsa.

Quando estamos prontos, descemos para tomar café da manhã.


— Ontem casamento e hoje buffet de hotel chique. Dois dias

comendo bem, hein — Stef comenta com um sorriso largo ao ver as várias

mesas do restaurante do hotel, cheias das mais variadas opções de comida.

— Obrigado por me trazer com você, Gina.

Ele pisca o olho e se encaminha para a mesa de sucos, onde é

servido suco de uva produzido nas cooperativas da cidade.

Abro um sorriso espontâneo quando vejo uma mesa cheia de massas

típicas do Sul. Pego um prato para me servir de cuca e cueca virada, minhas

preferidas.

— Há quanto tempo eu não como isso — murmuro baixinho, sem

saber se meu estômago vai aguentar tudo que estou colocando no prato.
Me sento à mesa e dou a primeira mordida na cueca virada. Fecho os

olhos para saborear a massa crocante, matando a saudade.

— É bom estar de volta — digo a meu irmão, quando se acomoda a

minha frente com uma bandeja muito mais cheia que a minha.

Ele não responde com palavras, porque está com a boca cheia, mas

sacode a cabeça positivamente.

Engulo a comida, pego o celular e ligo para Dalila Valentini, a irmã

mais velha dos gêmeos, Natan e Gabriel.

Ela e o esposo administram a madeireira do pai, Geronimo Valentini,

a maior madeireira de Bento Gonçalves.

Marquei uma reunião com ela para essa manhã. Oliver pretende

fechar alguns negócios na Serra Gaúcha, entre hotéis e casas de alto padrão,
e a Henderson & Co. precisa de bons fornecedores na região.

Oliver

— Vai passar o dia juntinho da senhorita Romano, papai? — Celiny

pergunta quando agacho para me despedir dela e beijar sua bochecha

rosada.

Passo a mão no seu rosto sardento e empurro a franja alaranjada da

sua testa, que está crescida e caída nos olhos. Faço uma nota mental de

pedir a Caroline que encontre um salão nas proximidades. Não posso deixar

minha filhinha com a franja assim até senhora Collins chegar.

— Vou trabalhar com senhorita Romano, mas prometo que passarei a

tarde com vocês — garanto a Celiny, enquanto Jake escala um dos

brinquedos do salão.
Ela dá uma risadinha, colocando a mão na frente do rosto, e estreito

o olhar.

— Não adianta fazer essa cara, ela é apenas uma funcionária. —

Faço questão de lembrar, porque meus filhos estão empolgados com

Caroline desde que a conheceram no aeroporto. Isso porque nem viajamos

na mesma classe.

Ela faz um beicinho que me deixa preocupado. Não quero que as

crianças fiquem criando esperanças com cada mulher com quem me

relacionar. No País de Gales, eles nunca me viam com ninguém, agora que

tenho uma garota sempre perto, preciso deixar as coisas claras.

— Queria uma mamãe — ela diz e seus olhos esverdeados e

redondos ficam ainda mais brilhantes, como se fosse chorar.


— Ah, minha princesinha — lamento e um nó começa a ganhar

forma na minha garganta. A puxo para sentar na minha perna dobrada e

afasto a franja dos seus olhos outra vez. Preciso engolir o nó para conseguir

manter a voz firme. — Eu sei que é difícil, e daria tudo que tenho para ter

sua mamãe de volta, mas isso não é possível.

Meus filhos não sentem exatamente falta de Cinthia, porque não se

lembram dela, mas estão desesperados para terem uma figura materna.

— Eu sei — diz com o rostinho triste. — Mamãe teve que ir morar

no céu... Mas será que ela ficaria brava se você casasse de novo?

— Não, meu amor, ela não ficaria — respondo. O nó está cada vez

maior.

Sinto tanta falta da minha esposa que meu peito dói.


— Você não foi capaz de salvá-la. — A voz de Phillip soa nos meus

ouvidos como um julgamento e faz minhas têmporas começarem a latejar.

— A culpa é sua.

Sacudo a cabeça para afastar a voz. Não posso lidar com isso agora.

— Então, se ela não vai ficar brava, por que você e a senhorita

Romano não se casam? Ela foi tão legal com a gente.

— Porque não é assim que as coisas funcionam. Ela só veio com a

gente a trabalho, não para namorar.

— Mas ela saiu de madrugada para foder. — A voz irritante de

Phillip me lembra.

— Preciso ir agora, minha princesinha. Tenho que me arrumar e sair

para trabalhar. Vou fazer de tudo para não demorar — digo, com medo de
acabar respondendo a voz da minha cabeça na frente de Celiny.

Ela joga os bracinhos em volta dos meus ombros e me aperta com

toda sua força.

— Tenho medo que você vá morar no céu também, papai — ela

sussurra seu temor contra meu ouvido. — Que deixe a gente sozinhos.

Retribuo o abraço. Sei que esse é o maior medo dela.

— Não vamos pensar nisso, tá? Papai vai morrer velhinho. —

Seguro seus ombros e a encaro para que sinta a verdade no meu olhar.

Essas conversas com as crianças me enfraquecem, tiram minha

armadura, mas preciso ser forte, porque sou tudo que eles têm. Pelo menos,

Jake está distraído com os brinquedos. Se fossem os dois me fazendo essas

perguntas, eu não aguentaria, ainda mais depois da péssima noite de sono.


— Tá bom, papai. — Ela dá um sorriso meigo, levanta do meu colo

e corre na direção da piscina de bolinhas.

Amo a forma como seu humor muda drasticamente. Ela parece se

recuperar de um momento triste muito rápido, como se virasse uma

chavinha. Queria ser como minha filha.

Aceno para Jake e deixo a sala com o coração pesado. Sei o quanto

meus filhos desejam uma figura materna, mas casar novamente, ou até

mesmo ter um relacionamento, está fora de cogitação.

Caminho pelos corredores revestidos com carpete, passo ao lado das

vidraças do restaurante do hotel e vejo Caroline e seu irmão tomando café

da manhã, enquanto dão risada.


Nunca tive um momento assim com minha família adotiva, Phillip

não suportaria me ver rindo com nossos pais à mesa do jantar. Me pergunto

como é a sensação, como é amar os irmãos dessa forma, como eles parecem

se amar.

Fico olhando para Caroline, a forma como joga a cabeça para trás

enquanto ri e, conforme ela se move, os cabelos balançam em volta dos

seus ombros. Ela coloca as duas mãos na barriga e dá uma gargalhada com

alguma coisa que o irmão disse. Vejo covinhas em seu sorriso, parece tão

meiga.

Olhar para eles faz parecer que a vida pode ser perfeita, mas sei que

nunca será para mim.

Então me recordo que saiu para encontrar alguém essa madrugada,

que deve ter se divertido. Me pergunto como ela é na cama, se gosta de


ficar por cima ou se prefere ser dominada, se me deixaria fazer com ela

tudo que gosto...

Endireito a postura, passo a mão pela camisa, me certificando de que

os botões necessários estão fechados, e entro no restaurante.


Oliver

Seu irmão fica sério assim que me vê e diz algo para ela em

português.

Seus olhos azuis de sereia se voltam na minha direção e Caroline me

encara, surpresa.

— Ah... E-eu — ela começa a gaguejar no meu idioma, se

desconcertando. — Já estava terminando de tomar café, não sabia que


estava pronto.

Quero sorrir, porque ela fica uma graça nervosa, mas mantenho a

seriedade.

Ela pega o celular ao lado da bandeja cheia de farelos e checa as

horas. Sua proteção de tela é a foto de duas crianças, provavelmente seus

sobrinhos.

— Você não está atrasada — digo, para tranquilizá-la. — Acabei de

deixar as crianças com a babá. — Ainda vou subir e checar alguns e-mails.

— Ahhh — murmura e o som se estende nos seus lábios cheios e

rosados. — Quer se sentar? O café da manhã estava bom?

Apoio as mãos nas costas da cadeira vazia, não há uma justificativa

para eu ter vindo até aqui, para interromper o café da manhã deles, assim
como não existe motivo nenhum para me sentar, mas acabo fazendo.

— Celiny continua insistindo sobre... — começo a dizer, mas me

detenho. Não sei se posso falar isso na frente do irmão, não sei se ele é

fluente em inglês.

Caroline arqueia as sobrancelhas e dá uma risadinha.

— As crianças são muito fofas — diz, coçando a nuca.

Observo seu rosto sem maquiagem, a pele das maçãs do rosto e do

nariz são rosadas e tem algumas sardas claras. Seus cílios são loiro escuros

e longos, os dentes brancos, o mento é bem desenhado e o nariz, arrebitado.

— Já conhece meu irmão, Stefan, né? — ela diz e gesticula para o

rapaz moreno, sentado a sua frente, que ficou sério assim que cheguei.
— Você nos apresentou ontem, no aeroporto — o irmão dela

relembra em um inglês carregado de sotaque.

Não sei por que fico decepcionado pelo fato dele falar minha língua.

Não há nada que eu queira dizer a Caroline que ele não possa ouvir.

— Você é o irmão mais calmo — comento e os dois se encaram.

Caroline leva a mão aos lábios e dá uma risadinha.

— Daniel pensou que Oliver fosse meu namorado — confidencia ao

irmão.

— Você namorando o filho do dono da empresa? — o rapaz pergunta

a minha assistente. Não sei se a ideia parece absurda por sua irmã ser

demais para mim ou pela diferença social.


Não fazem ideia de que já fui muito mais pobre que eles.

— Daniel chegou acompanhado do clube dos cretinos e agarrou

Oliver pelo colarinho.

— Não acredito — Stefan responde. — Tudo bem, defenderem Ayla,

mas você...? Você tem vinte e oito anos.

Caroline me olha, mordendo o lábio, sem fazer ideia da reação que

isso causa em mim. Tem farelo de biscoito no seu queixo, e até me atreveria

a passar o polegar na sua pele, mas não com o irmão do lado.

Vinte e oito anos. Ela é oito anos mais nova que eu. Nasceu na época

em que fui adotado.

— Stefan teve a brilhante ideia de namorar a filha de um dos amigos

do nosso irmão mais velho, ainda por cima, afilhada de Daniel — ela
confidencia. — Claro que acabou com um olho roxo.

— Quase me expulsaram do Brasil — Stefan diz.

— Quase? — Caroline arqueia as sobrancelhas loiras e ri

novamente.

Noto que ela é bem parecida com o irmão mais velho, mas não tem

nenhuma semelhança com esse. Talvez sejam filhos de pais diferentes. Me

lembro de Thompson dizendo que ela trabalha muito para ajudar a família e

tenho ainda mais vontade de entender isso.

— Quase — o rapaz repete.

— Imagino o que ele iria tentar fazer comigo se fôssemos mesmo

namorados — comento e ela me encara, oscilando entre meu olho esquerdo

e o direito, com o semblante indecifrável.


— Ele não só tentaria fazer, Daniel ia sair no soco no meio da festa

do seu próprio casamento — é Stefan quem responde.

— Eu disse “tentaria” — faço aspas com os dedos —, porque não ia

conseguir. Tenho um irmão mais velho e, acredite, seu irmão não ia

conseguir me deixar de olho roxo.

Estou convicto disso, não que Phillip tenha ensinado a me defender,

mas apanhei tanto que comecei a reagir, e fiquei muito bom nisso na

adolescência, tanto que ele se viu obrigado a parar de arrumar briga comigo

e passou a me atormentar só com palavras.

— Você o conhece — digo a Caroline, e os irmão se encaram.

— Sim, ele é o COO da matriz — responde, franzindo o nariz. —

Mas vocês parecem ser bem diferentes.


— Diferentes em que sentido? — pergunto. Sei que, eu e Phillip, não

temos nada a ver, mas quero ouvir dela.

— Fisicamente são parecidos, mas seu irmão nunca sentaria à mesa

com uma funcionária, para começo de conversa.

— Eu sou o estranho da família, é por isso que me mandaram

embora — brinco e me arrisco a esboçar alguma coisa parecida com um

meio sorriso, sentindo o clima leve pela primeira vez em muito tempo.

Os irmãos Romano não sabem a sorte que têm por serem unidos

assim.

— Bom, vou deixar vocês trabalharem — Stefan diz e se levanta,

pegando sua bandeja.


Caroline faz uma pergunta e eles começam a conversar em

português. Ela fala sério e franze o cenho, enquanto o irmão balança a

cabeça positivamente.

— Nos vemos no saguão, em vinte minutos? — pergunta ao

caminhar comigo na direção do elevador.

— Perfeito.

Pegamos um elevador vazio e quando as portas se fecham, sinto a

tensão no ar. Caroline coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha e depois

faz um coque baixo. O movimento faz o perfume exalar da sua pele, uma

mistura de sândalo e baunilha.

Quero perguntar aonde ela foi na madrugada, no carro alugado, e

isso está na ponta da minha língua, mas consigo resistir.


O escritório da Madeireira Valentini fica na frente do galpão, em

uma área periférica da cidade.

A gerente da loja, uma mulher chamada Dalila Valentini, nos recebe

no escritório e conversa em português com Caroline, enquanto ela traduz

tudo para mim.

Primeiro nos oferece um café, enquanto Caroline conta a ela sobre o

prazer que foi encontrar os gêmeos Valentini na festa de casamento, os

mesmo que ajudaram seu irmão a nos cercar. Se conta sobre esse detalhe,

não traduz essa parte.

Em algum momento, falam sobre alguém que se chama Dimitri, mas

Caroline não me passa nenhuma informação sobre ele.


Depois de toda cordialidade e simpatia das duas, que observo

atentamente, porque pretendo manter contato tanto com os clientes quanto

com os fornecedores, para estar sempre a par de tudo, Dalila nos convida a

conhecer os vários painéis e os tipos de madeira com a qual a empresa

trabalha.

Um garoto um pouco mais novo que Stefan Romano, que Caroline

me apresenta como Jonas Valentini, neto do dono, nos acompanha pelo

galpão. É ele quem explica sobre cada tipo de madeira, suas características,

a disponibilidade e os prazos, enquanto sua mãe fala sobre valores.

Tudo ocorre bem, sem enrolações. Conversamos sobre um primeiro

pedido, que Caroline dará continuidade depois, quando finalizarmos as

reuniões com os possíveis futuros clientes.


A Henderson & Co. está atuando apenas em São Paulo e algumas

cidades da região Sudeste, mas antes de vir para o Brasil, estudei um pouco

sobre a região Sul. Com a oferta de matéria prima de qualidade, demanda

crescente e uma distância razoável da sucursal, pretendo fechar alguns

negócios aqui e ir expandindo o alcance da empresa no Brasil.

Dei sorte de terem me arranjado uma assistente que nasceu aqui.

Phillip pensou que estaria me fodendo, mas se enganou.

As coisas estão indo bem, percebo pela expressão corporal de

Caroline que elas estão se despedindo, quando um homem na casa dos

sessenta anos chega.

Ele entra sem anunciar, caminha até o lado da mesa e nos olha com

curiosidade.
— Esse é Geronimo Valentini, pai de Dalila e dono da madeireira —

Caroline explica rapidamente, enquanto a mulher nos apresenta a ele.

O nome que ouvi mais cedo, Dimitri, só que agora acompanhado do

sobrenome Romano, é citado pelo senhor com o tom carregado de ira.

Ele olha para Caroline com fúria e o rosto vermelho.

Fico de pé, mesmo não entendendo nenhuma palavra que ele profere

contra minha assistente, e me coloco entre a cadeira dela e o homem.

Caroline levanta e esbarra nas minhas costas, enquanto empurro o

velho com as duas mãos em seu peito, porque não vou deixar ninguém a

tratar assim, seja lá o que esteja acontecendo. O mando calar a boca, mas

não sei se entende inglês.


— Vamos embora daqui, agora — digo a Caroline, soando mais

grosso do que pretendia, enquanto Dalila e o garoto Jonas puxam o senhor

para longe. — Não permito que ninguém a trate assim.

Pego sua bolsa da cadeira e o iPad de cima da mesa e puxo Caroline

na direção da porta, enquanto o velho continua berrando.

O mando ir se foder, antes de sair do escritório e guiar minha

assistente até o carro. Abro a porta e a empurro levemente para entrar.

É verão no Hemisfério Sul, deve estar fazendo pelo menos trinta

graus hoje, os bancos de couro do carro estão quentes e ela estremece com o

calor quando se senta.

Dou a volta depressa, me acomodo no banco do motorista, ligo o ar-

condicionado no máximo e dirijo para longe dali, observando o GPS,


enquanto Caroline repete que está tudo bem, mesmo que as mãos estejam

tremendo e o rosto vermelho.

— Você não precisava ter me defendido — diz com a voz rouca.

— Não vou permitir que ninguém a trate assim — repito, sem saber

se isso pode amenizar ou piorar as coisas.

— Eu sei como Geronimo é, mas não imaginei que fosse aparecer no

escritório logo hoje — ela assume. — Ele odeia minha família, sempre

odiou.

— Não entendo como alguém pode ser grosseiro com uma mulher

como você. Mesmo que exista uma briga entre famílias. Negócio desfeito.

— Não precisa desfazer os negócios com a madeireira, é a filha dele

e o marido que administram, e têm bons produtos. O Geronimo é um velho


amargurado.

— Não entendo como você pode dizer isso depois do que aconteceu.

Viro o rosto e a encaro, as lágrimas deixaram seus olhos mais azuis

que antes.

Ela dá de ombros, parecendo destruída, como se alguém tivesse

remexido numa ferida emocional muito profunda.

— Quem é Dimitri Romano? É seu pai?

Ela arregala os olhos, parecendo ainda mais abalada.

— É uma longa história. Eu passaria o resto da semana contando, e

você não vai querer ouvir.


Quero insistir, quero dizer que temos mais que uma semana juntos,

mas não posso teimar quando ela está tão mal.

— Obrigada por ter me defendido, e desculpa por te meter em mais

uma confusão — diz e sua expressão passa de dor para susto. — Deus, em

dois dias eu meti o senhor em duas confusões! Que bela assistente eu sou.

Não resisto a tocá-la, quando paro em um sinal vermelho. Ergo a

mão e passo as costas do dedo indicador na sua bochecha quente e

vermelha, afastando as lágrimas.

— Não precisa se preocupar comigo — digo com gentileza. —

Aguento algumas confusões, desde que não a tratem mal na minha frente.

Ela dá um soluço e apoia o rosto no encosto do banco, me

encarando.
— Se fosse seu irmão no seu lugar, eu já estaria demitida desde

ontem — sussurra.

Dá raiva só de pensar em Phillip no meu lugar, aqui com Caroline,

tão próximo dela.

— Está tudo bem, não sou meu irmão, e toda família tem problemas

— digo, na tentativa de diminuir um pouco a tensão.

— Duvido que alguma família tenha mais problemas que a minha —

confessa, como se eu não já estivesse curioso o suficiente.

Não aguento vê-la assim.


Oliver

Há uma casa antiga e abandonada na beira da estrada. Ao lado da

construção de pedra há um pavimento, uma espécie de estacionamento para

alguns carros que lembra um mirante, com guarda-corpo de ferro, tomado

pela ferrugem, com vista para uma clareira cheia de hortênsias florescidas,

espalhadas no gramado.

Estaciono a Range Rover, tiro o cinto de segurança e viro no banco,

ficando de frente para Caroline.


— É sério, não precisa se preocupar com o que aconteceu. Sei que

você é competente o suficiente para estar aqui — murmuro na esperança de

que ela se sinta um pouco melhor. — Só não meti um soco na cara dele em

respeito a idade.

Caroline dá um risinho, com os olhos tão azuis e brilhantes que

quase me deixam cego, em seguida faz uma careta de dor.

Ela diz algo em português e me sinto frustrado por não entender.

— Preciso aprender a falar o idioma daqui o mais rápido possível —

comento, a fazendo rir outra vez.

— Relaxe, é difícil. Até eu esqueço como diz algumas palavras, por

falta de prática.
Ela é bonita pra caralho! Mais uma vez, obrigado Phillip. Mas eu

sou muito bom em me colocar no meu lugar e resistir.

— Ainda assim, acredito que você vai aprender com o tempo, apesar

das complicações. — Caroline, mesmo triste, ainda encontra uma forma de

tentar me animar.

— Quais complicações? — pergunto, aproveitando que está se

distraindo da confusão na madeireira.

— Hum... deixa eu pensar — diz levando o indicador até o queixo,

olha de lado, pensativa. — Um exemplo legal: “achar”.

— ach... ash...

— A-char — repete mais devagar.


— Achar — consigo pronunciar. — O que significa?

— Achar pode significar pensar, encontrar, também pode ser usado

para dizer que a pessoa é metida, ela se acha, ou que a pessoa teve sorte em

encontrar algo, um achado.

Ergo as sobrancelhas e respiro fundo.

— Parece que vou ter trabalho pela frente. Falo um pouco de

espanhol, mas até agora não tem ajudado muito.

— Muitos estrangeiros acham que falamos espanhol, mas é

diferente. Em espanhol se diz hablar, em português se diz falar —

pronuncia e as duas palavras ficam lindas na sua voz delicada. — É só um

exemplo das muitas diferenças, sem contar as pronúncias de algumas letras

do espanhol que diferem completamente do português.


— Quero aprender com você — murmuro, mas me arrependo logo,

porque soa inapropriado. Parece que estou querendo dar em cima dela.

Caroline me encara com os lábios levemente abertos, por onde parece

respirar. O pior é que dá vontade de beijar sua boca. — Quer dizer, quero

aprender logo.

Ela se vira no banco, tirando o cinto de segurança desce do carro. A

observo ir até o guarda-corpo enferrujado e se apoiar para olhar as

hortênsias.

Desço também e caminho até lá.

Caroline está tão bonita que não resisto, pego o celular no bolso e

tiro uma foto.


— Para o seu Instagram — digo, estendendo a tela para que veja a

imagem.

— Gostei — admiti um pouco surpresa. — As cores estão vibrantes,

a grama, as flores, o céu está lindo.

— Seu cabelo, suas bochechas rosadas, seus olhos — acrescento,

porque ela não vê que é o detalhe mais bonito da foto.

— Obrigada — diz me estendendo o celular de volta. — Pode me

enviar? Vou postar no meu Instagram, como você disse. Aliás, aceitei sua

solicitação.

Arqueio as sobrancelhas, surpreso, mas finjo não dar muita

importância.
— Fiquei ocupado com as crianças, não reparei na notificação —

comento, o que não é mentira. — Vou tirar mais algumas fotos, assim você

pode postar um carrossel.

Procuro um enquadramento bom e ela se vira, apoia as costas e os

cotovelos no guarda-corpo e joga a cabeça para trás. Tiro pelo menos três

fotos assim, até que ela volta a baixar a cabeça e olha para a câmera com o

rosto sério, os lábios entreabertos, sexy.

— Agora é minha vez de tirar fotos suas — anuncia e estica a mão,

pedindo o celular.

— Não precisa — tento dizer, mas ela está colocando as mãos em

mim, sobre a camisa, tocando partes sensíveis do meu corpo, ao me

empurrar até o capo do carro, em seguida dá uma risadinha. — Assim, uma

foto bem padrão.


Caroline se afasta alguns passos para trás e começa a tirar fotos. É

um pouco constrangedor porque fico com a sensação de que estou tão

exposto que, de alguma forma, ela poderá ver minha pele por baixo das

roupas. Isso é terrível.

Ergo a mão e toco o colarinho para me certificar de que os botões

estão fechados, só então respiro aliviado, mas cruzo os braços em uma

forma silenciosa de defesa.

— Essa ficou perfeita — elogia e me mostra a tela, devolvendo o

celular.

— Ficou mesmo — concordo para ser gentil, mas as que tirei

ficaram muito melhores, só porque tinha ela na tela.


Penso em guardar o celular no bolso, mas começo a filmar quando

ela caminha até as escadas que levam do estacionamento aos fundos da

casa.

— Me lembro da família que morava aqui — diz, caminhando pelos

degraus até chegar ao gramado. — A neta do dono dessa casa estudava

comigo, e eu vim aqui algumas vezes. Ela era minha melhor amiga, até...

— Até quê? — pergunto, para que continue falando.

— Até as coisas mudarem — sussurra encarando o balanço de corda

e madeira, pendurado no galho de uma árvore que fica nos fundos da casa.

Continuo filmando quando Caroline apoia a mão na madeira do

banco, testando se o balanço ainda aguenta peso.


— O que mudou, exatamente? — pergunto, mas usando um tom de

voz que não me faça parecer tão invasivo.

Ela senta no balanço esticando as pernas. Caroline não é baixinha,

apesar de ser vários centímetros menor que eu, tem pelo menos 1,75 de

altura.

Impulsiona o corpo para a frente, começando a balançar. O galho

range, mas ela parece não se preocupar com isso.

Dou zoom no seu rosto e ela olha diretamente para a câmera.

— A família Valentini não é a única a não suportar os Romano —

conta.

Fico olhando para a garota, me perguntando que merda de problemas

sua família tem.


— Dimitri é seu pai? — a questiono novamente.

— Não — Caroline responde, mas desvia os olhos para as

hortênsias.

Quero perguntar se é um avô ou alguém da família, se é a razão para

as pessoas não gostarem dos Romano, desejo perguntar até sobre os

problemas financeiros da família, porém, não faz sentindo toda essa

curiosidade.

Paro de gravar quando Caroline estremece, depois enfia a mão no

bolso para pegar o celular.

— É meu irmão, Stefan — informa, parando de se balançar e

apoiando os pés no chão. — Se importa se eu atender?

— Pode ficar à vontade.


Compartilho o vídeo com ela e guardo o aparelho no bolso da calça.

Ela conversa com o irmão em português e me esforço para entender alguma

palavra. Consigo reconhecer quando fala a palavra acho. Me pergunto se

está se referindo a pensar, a encontrar ou a alguém metido. Não acredito

que esteja falando sobre sorte.

Já entendo quando ela pronuncia eu, você, não, sim e outras poucas

palavras, mas, no contexto geral, não sei sobre o que está falando.

Ela tira o aparelho da orelha, bloqueia a tela e me encara.

— Stefan disse que Tatiana, a sogra do meu irmão, nos convidou

para almoçar na fazenda e passar a tarde por lá. O que acha?

— É um almoço de família, não vou atrapalhar. Mas pode ficar à

vontade e ir. Já terminamos o trabalho por hoje. Pode aproveitar o domingo


— digo, esperando que possa esfriar a cabeça.

— Não é um almoço de família, todos os amigos de Daniel e Giulia

estão hospedados lá com os filhos. Acho que Celiny e Jake iriam adorar sair

um pouco do hotel. Eles podem brincar com as outras crianças, andar de

quadriciclo e de cavalo. Tenho certeza de que se darão bem com os outros.

E posso ajudar a cuidar deles.

— Não se importa de passar o domingo ajudando a cuidar dos meus

filhos? — pergunto, e alguma coisa se agita no meu peito, só que não

entendo o que, é só uma pergunta.

— Não me importo nenhum pouco de ficar com eles — diz abrindo

um sorriso, como se já não lembrasse mais da merda que aconteceu. —

Seus filhos são muito fofos.


Meu peito se agita ainda mais. Talvez seja felicidade por saber que

ela gosta deles, mas não posso afirmar, já que não sinto felicidade genuína,

causada por outro ser humano além dos meus filhos, há muito tempo.

Talvez seja orgulho por saber que as crianças a cativaram.

A ideia dos meus filhos saírem do hotel e se divertirem com outras

crianças, ainda mais brasileiras, parece excelente. Eles estão entediados,

longe da senhora Collins há semanas, sem contar que o contato com

brasileiros será ótimo, afinal crianças se adaptam e aprendem muito mais

rápido que os adultos, mas não sei até que ponto Caroline está sendo sincera

e quer que a gente vá a esse almoço.

Não consigo ler isso no seu semblante. Tudo que consegui ver, mais

cedo, foi tristeza profunda, talvez porque aquele desgraçado tenha tocado
em um ponto tão sensível que ela não conseguiu manter a máscara, mas

agora está de volta.

Penso em sugerir que ela leve os gêmeos para se divertirem, assim

não invado ainda mais o seu espaço, porém seria abuso demais pedir que

Caroline cuidasse de Celiny e Jake sozinha. Jamais pediria isso.

— Tenho muitos e-mails para responder, algumas planilhas da

sucursal de São Paulo para analisar. Planejei fazer isso agora a tarde —

justifico da maneira mais cordial possível, como aprendi a ser com os

britânicos. — Mas agradeço o convite, fico mais grato ainda, por pensar nas

crianças.

— Tenho certeza de que Tatiana vai arranjar o escritório ou alguma

outra sala reservada da mansão para que você possa trabalhar, enquanto as
crianças se divertem comigo — ela diz e sorri, quase me deixando sem

opções de recusa.

— Não posso deixar meus filhos por sua conta a tarde toda —

comento.

— Não acha que eles vão se divertir comigo? — pergunta, mas não

parece ofendida.

— Eles iriam se divertir, sem dúvidas, mas não podemos te dar esse

trabalho, não faz parte da sua função ficar de babá das crianças, ainda mais

em um domingo à tarde.

— Oliver, vou ficar com eles porque gosto dos seus filhos, não por

trabalho — diz, franzindo a testa.


— Não tenho mais argumentos — murmuro, ainda procurando

alguma desculpa para fugir disso.

Talvez, eu devesse levar em consideração que sair para almoçar com

ela, a família e amigos do irmão seria intimidade demais, e que a última

coisa que quero forçar com Caroline é intimidade, mas ela me ganhou com

a ideia de distrair as crianças.

— Você não planejou nenhum outro programa para a tarde?

— Tipo o quê? — ela me questiona, levantando do balanço e indo

em direção aos degraus.

— Não sei, sair com alguém, os amigos que têm na cidade. — Tipo

o cara do aplicativo de namoro com quem ela saiu ontem.


Me viro a seguindo até o carro. Ela, mas à frente, me olha sobre o

ombro com o rosto impassível, como se a tristeza já tivesse sido varrida

para bem longe, assim como Celiny fez mais cedo na brinquedoteca.

Queria ter esse dom de me livrar dos pensamentos ruins tão fácil.

— Não tenho nenhum programa para a tarde — diz ao alcançar a

porta, mas se volta na minha direção. — Mas se realmente não quiser ir, se

não estiver se sentindo à vontade ou se não gostou das pessoas que estavam

no casamento, não precisa aceitar só porque estou insistindo.

— Tudo bem, não tenho nada contra as pessoas do casamento,

apesar de alguns terem tentado me intimidar. Acho que minha presença lá

vai mostrar para os amigos do seu irmão que não me intimido fácil — digo

e pisco pra ela.


Caroline dá um risinho.

— Mal posso esperar para ver as caras daqueles cretinos.

Dou a volta no carro e assumo o banco do motorista.

— Por que os chama assim? Acho que ouvi você falando mais cedo

sobre...

— Clube dos cretinos — diz em português, depois fala a tradução.

Tento repetir, mas soa tão ridículo que arranco uma boa gargalhada

dela.

— Desculpa, não estou rindo de você, mas com você — Caroline se

justifica. — É muito fofo quando tenta falar português... Tenho certeza de

que vai aprender rápido. Não ligue pra mim, sou uma boba.
Não sei como me sentir em relação a ela me chamando de fofo. Dou

o meu melhor para ignorar a agitação no peito outra vez.

— É um prazer te fazer rir — digo em tom de brincadeira, a

encarando, e me esforço para esboçar um sorriso.

— Tudo bem, por que os chama de clube dos...? — tento novamente

falar em português.

— Clube dos cretinos — diz pausadamente, sem fazer ideia de como

fica charmosa falando assim.

— Clube dos cretinos. — Acho que me saio melhor dessa vez, pelo

menos não a faço gargalhar. — Por que os chama assim?

— É uma coisa da época da adolescência deles. Eles são amigos

desde a infância, muito amigos, sabe?


— Hunrum — minto, porque não faço ideia de como é.

— Eles são em seis. Eros Giordano, o dono do Grupo Editorial

Giordano, com quem a Henderson & Co. tem parceria, Artho Becker,

advogado empresarial, meu irmão, Daniel Ruschel, Lion Bianco, contador,

e os gêmeos, Natan Valentini, engenheiro civil e Gabriel Valentini, o nerd

do grupo — ela explica, enquanto manobro o carro e o levando de volta

para a estrada.

Noto que o sobrenome do irmão é diferente do dela, por isso não o

encontrei no Instagram.

— No final da adolescência, eles fundaram o clube dos cretinos,

depois de algumas decepções amorosas, e juraram que nunca mais se

apaixonariam. Bem coisa de adolescentes. Algum tempo depois, os pais de

Eros morreram em um acidente, e os outros rapazes decidiram se mudar


para a casa de Eros, para fazer companhia, o que fortaleceu ainda mais a

amizade deles. Eles começaram a faculdade e as garotas amaram a ideia do

clube. Os seis eram bem populares na época, todo mundo queria ir a uma

festa no clube dos cretinos.

Ela explica de forma rápida, mas dá para ver o quanto parece ter

orgulho do grupo de amigos do irmão.

— E eles conseguiram permanecer amigos até hoje? — pergunto,

desviando os olhos da estrada para fazer contanto visual.

— Sim, é incrível. Com exceção dos gêmeos, Eros levou todos para

trabalhar no Grupo Editorial Giordano. Posso dizer com toda certeza do

mundo que eles salvaram uns aos outros, de uma forma ou de outra. E,

mesmo não trabalhando com Eros, os gêmeos também se mudaram com


eles para São Paulo. Você conheceu Geronimo Valentini, entende o que

quero dizer, né?

— Sim, entendo perfeitamente por que eles foram embora daqui.

Entendo, porque também me mudei para ficar longe de um parente. Só que,

no caso, mudei até de continente, e fui sozinho. Precisava colocar o oceano

entre nós.

— Tem alguém na sua família que é tão ruim assim? — ela pergunta.

Penso em contar sobre Phillip, sobre o fato que eu ser adotado, o que

ele nunca lidou bem, mas não sei se Caroline está interessada em saber

sobre os problemas familiares dos herdeiros dos Henderson.

— Como te disse mais cedo, toda família tem problemas —

murmuro, mas sem encará-la.


— Eu sei que tem — Caroline diz baixinho. — Também precisei

mudar de país por causa de um problema familiar.

Ergo as sobrancelhas, empolgado por ela ter mencionado algo mais

pessoal sem precisar que eu insistisse.

— Com quantos anos você foi morar nos Estados Unidos? — faço a

pergunta menos invasiva.

— Eu tinha só quinze — Caroline responde.

Arrisco encará-la e vejo algo em seus olhos, talvez um pouco da

tristeza que revelou quando saímos da madeireira.

— Tem a ver com algumas pessoas na cidade não gostarem da sua

família? — Procuro não soar curioso e, sim, como alguém que está jogando

conversa fora.
— Tudo está ligado — ela afirma, suscinta.

— Quer falar sobre isso? — pergunto, oscilando entre encará-la e

olhar a estrada.

— Não — Caroline dá uma risadinha, sem humor —, de jeito

nenhum.

— Algumas coisas não precisam ser reviradas, né? — digo como se

não estivesse curioso.

— Sim.

Ela se cala, e permanece assim até chegarmos ao hotel.

O manobrista vem nos atender, mas ela explica para ele que vamos

sair em pouco tempo, e que não precisa guardar o carro na garagem. Fico
atento a conversa, vendo quais palavras já consigo entender.

— Acho que podemos levar roupas de banho para as crianças. Se

eles quiserem nadar, estarão preparados. Além de roupas extras para o caso

de se sujarem brincando e precisarem se trocar. O que acha? — Caroline

sugere, quando estamos a caminho da brinquedoteca.

Isso me faz lembrar da minha esposa e de como era bom ter alguém

com quem dividir a criação dos nossos filhos.

— É uma boa ideia — digo, mas logo me arrependo de ter aceitado o

convite.

Se Jake ou Celiny quiserem entrar na piscina comigo, será um

desastre. Eu jamais faria isso.


Me lembro que é verão, o dia está quente e ensolarado, e pode

parecer esquisito aparecer lá de camisa de mangas longas, com os botões

fechados até o colarinho. Me lembro dos motivos de não ter aproveitado

muito o último verão com meus filhos, porque não caibo mais em ocasiões

como esta.

— Se coloque no seu lugar, aberração — Phillip debocha na minha

cabeça. — Se você aparecesse na piscina, ia assustar não só seus filhos,

como as outras crianças.

É só uma voz criada pela minha própria mente solitária, mas sei que

está certa. Acho que essa é a voz da razão.

Não permito que nem meus filhos me vejam em roupas de verão,

não quero traumatizá-los mais do que já são.


— Se eles quiserem entrar na piscina, vai ser um problema, porque...

— começo a dizer, antes de tocar a campainha ao lado da porta da

brinquedoteca, mas não sei exatamente que desculpa usar.

— Você estará numa sala climatizada respondendo e-mails e

analisando planilhas, mas eu entro com eles, não se preocupe. Prometo que

ficarei bem atenta — diz, abrindo um sorriso que faz meu coração se agitar.

Respiro fundo e aperto o botão da campainha, esperando que a babá

apareça logo e me distraia. Não quero dar atenção a agitação no peito.

Preciso dizer alguma coisa em agradecimento por tanta gentileza,

mas já ultrapassamos muitos limites de intimidade por hoje, e não sei mais

o que dizer, com ela sorrindo assim para mim.

Um dia, você vai me pagar, Phillip.


Oliver

A babá abre a porta e Caroline explica que viemos pegar as crianças

mais cedo. Jake praticamente me escala para montar nos meus ombros e

Celiny corre na direção de Caroline, que a recebe de braços abertos a

colocando no colo.

Os olhos da minha filhinha brilham ao se esticar para beijar meu

rosto. Caroline precisa segurar firme em sua cintura para que minha

princesinha não caia.


— Vamos passar o resto do domingo em uma fazenda, o que acham?

— Caroline informa, enquanto transfiro uma gorjeta para a conta da babá.

— Lá tem cavalos, quadriciclo, e outras crianças muito legais. Acho que

vocês vão se divertir.

— Crianças pequenas como a gente? — Celiny pergunta, agarrando

os ombros de Caroline e projetando sua cabeça para trás, a fim de encará-la.

— Sim, pequeninas como vocês — minha assistente responde.

— Tem menino também? — Jake quer saber.

— Sim, tem meninos e meninas, vocês vão gostar.

— Eba! — Jake grita, se agitando nos meus ombros, segurando no

meu cabelo, enquanto seguimos para o elevador.


— Eu tô muito animada! — Celiny vibra. — Sabia que a gente ama

cavalos, senhorita Romano?

— É mesmo? — Caroline a incentiva.

— Sim, vovô e vovó cria cavalo no rancho deles — Jake diz.

— Vovô levava a gente pra passear nos cavalos, mas tivemos que ir

embora — Celiny o lembra.

— E eu tô sentindo muita falta de vovô e vovó — Jake murmura,

escorregando os dedos no meu cabelo até minha barba cerrada, partindo os

fragmentos do meu coração.

Mesmo pensando que nada poderia me machucar depois da morte de

Cinthia, percebi bem rápido que estava muito enganado. A minha dor não

funciona em uma escala, não é porque experimentei a maior dor da minha


vida que dores menores não vão me abalar. A minha dor é cumulativa, eu

sangro por diferentes motivos, em intensidades que variam, mas todas

machucam. E não dá nem para dizer em quantos fragmentos um coração é

capaz de se partir, porque isso me surpreende a cada vez em que ele se

quebra mais, mesmo quando fui tolo de pensar que isso não seria possível.

Cada vez que percebo meus filhos sofrerem por minha culpa, a coisa

fica pior.

É uma sensação terrível saber que as pessoas que você mais ama

estão se quebrando por sua causa.

Eles têm poucas pessoas que amam, a família é pequena, não há

primos, minha esposa era filha única e Phillip não tem filhos. Os pais de

Cinthia são um dos poucos a quem Celiny e Jake podem se apegar, mas até

isso estou tirando deles.


— Prometo que vamos visitá-los assim que as coisas estiverem

organizadas — digo, para animar.

— Mas não vai ser a mesma coisa — Jake reclama baixinho. Posso

ver seu bico no espelho do elevador.

Caroline fica em silêncio, e vasculho minha cabeça à procura de

alguma coisa para aliviar a barra para Jake, mas não encontro nada.

— Eu sei, meu amor — sussurro e faço carinho nas perninhas

penduradas diante do meu peito, expostas pela bermuda que usa.

— Quer ajuda para arrumar uma bolsa com as coisas das crianças?

— Caroline pergunta.

Antes que eu possa responder que não precisa, porque já estou

abusando demais, Celiny grita que sim.


Vencido, caminho com eles até a suíte.

Sei que é abuso, mas deixo os gêmeos com ela no quarto e vou para

minha suíte. Preciso de alguns minutos a sós para tentar organizar a

bagunça de pensamentos.

— Você está dando liberdade para eles pensarem que ela é algo

além de sua assistente — a voz de Phillip alerta assim que entro no quarto,

mas eu bato a cabeça contra a porta fechada para evitar que continue.

Pego um energético no frigobar e sento na poltrona que fica ao lado

da bancada. Depois de abrir a lata, bebo alguns goles abrindo a galeria do

celular para observar as fotos que tiramos, me pergunto se vale mesmo à

pena manter o negócio com Dalila Valentini.


Por mim, não manteria, mas Caroline disse que eu não deveria

desistir de ter a Madeireira Valentini como fornecedora por causa daquele

estúpido que nem administra mais a empresa.

Penso no que ela disse sobre os amigos do seu irmão, Daniel, mas

especificamente sobre os gêmeos. Eles se mudaram para longe do pai,

talvez Dalila não tenha tido a mesma sorte, a chance de poder escolher.

Decido que vou dar uma chance e ouvir Caroline, afinal, os conhece

melhor que eu.

Paro nas fotos que ela tirou de mim e decido postar uma no meu

perfil do Instagram.

Abro um sorriso malicioso quando penso em marcá-la na publicação,

porque sei que Phillip verá. Imagino o que vai pensar: a aberração já está se
apaixonando pela assistente em poucos dias, quando ela descobrir como ele

é, vai ser divertido de ver.

— Também posso me divertir assistindo você ser enganado, irmão

— sussurro para a tela do celular. — Vou deixar você pensar que estou me

apaixonando por ela. Vamos ver quem se diverte mais.

Caroline

Não sou uma pessoa vingativa, até porque nunca tive oportunidade

de planejar nenhuma vingança, nunca fui forte o suficiente para isso, mas

tem uma ideia rondando minha cabeça.

Ainda estou em alerta, dominada por uma mistura de ódio, tristeza e

vergonha pelo que Geronimo Valentini fez no escritório da madeireira.


Sei que a humilhação teria sido muito maior se Oliver não fosse tão

gentil, tão diferente do pai e do irmão. Não sei se ele herdou genes

melhores e mais amistosos da mãe, porque seu temperamento não parece

nada com o dos outros homens da família, mas estou grata. Foi minha

salvação. Ainda não acredito que Oliver Henderson empurrou aquele velho

insuportável para longe de mim, e me defendeu como se eu não fosse só

uma funcionária.

Apesar de tudo, estou com uma ideia em mente. Arrumei uma bolsa

com algumas mudas de roupas para as crianças, além de chinelos e alguns

cosméticos, e agora estou no meu quarto, trocando a roupa de trabalho por

um short jeans e uma blusinha branca, uma escolha excelente para uma

tarde de sol.
Pego meu celular e procuro pelo contato de Gabriel na agenda.

Mando uma mensagem perguntando se pode me passar o número do seu

sobrinho, Jonas.

Enquanto espero, abro uma notificação do Instagram e vejo que

Oliver postou uma das fotos que tirei dele mais cedo. Ele me marcou como

a fotógrafa da foto. Mordo o lábio, feliz por ele ter gostado.

Gabriel não demora a responder com o número do seu sobrinho, sem

fazer perguntas.

Ligo para Jonas antes de pensar direito no que estou fazendo, porque

se eu considerar a ideia por mais alguns segundos, vou acabar desistindo.

— Quem é? — o rapaz pergunta assim que atende, na certa,

estranhando o DDI.
— Sou Caroline Romano, estive com vocês há algumas horas —

explico. — Pode falar?

— Sim, Caroline. Por favor, nos desculpe pelo que aconteceu, minha

mãe ficou muito mal, meu avô é um homem extremamente...

— Tudo bem, Jonas — o interrompo —, não precisa se preocupar,

sei que você e sua mãe não têm culpa do comportamento do seu avô. Foi

um prazer me reunir com vocês, meu chefe também gostou e não vai levar

em consideração o que aconteceu.

— Obrigado, Caroline — ele murmura. — Isso é importante para a

empresa. Tem mais alguma coisa em que posso ajudar?

Jonas é gentil, educado, responsável e trabalhador para a idade.

Imagino que queira dar orgulho aos pais.


— Tenho um convite para te fazer — respondo. — Tatiana está

dando um almoço hoje, na Fazenda Ricci, e pensei que talvez você fosse

gostar de ir. Seus tios estão lá, tem jovens da sua idade... Acho que você vai

gostar.

— Obrigado pelo convite, Caroline, mas meu avô não ia gostar

disso.

— Ele não precisa saber — sussurro como o diabinho no ombro. —

Você pode dar uma desculpa qualquer. Eu passo para te pegar daqui a

alguns minutos, o que acha?

— Você tá tentando se vingar pelo que meu avô fez, levando o neto

para passar o domingo com as pessoas que ele não gosta?

— Você é esperto, garoto! Muito esperto!


— Tudo bem, pode me buscar? Te passo a localização.

Abro um sorriso vitorioso, não é só pela vingança, mas o garoto

merece se divertir com os adolescentes da fazenda. Entendo que nem Natan,

nem Gabriel queiram ir contra o pai, levando o sobrinho para a Fazenda

Ricci, mas eu não sou eles.

— Claro, a gente se vê em breve.

Encerro a ligação, sinto como se estivesse realmente me vingando da

forma como Geronimo me tratou.

Encontro Oliver e as crianças no saguão do hotel.

Estranho o fato dele ainda estar com as roupas formais que usou na

reunião com Dalila, mas não comento nada.


— Se importa de darmos carona a alguém que também está indo à

fazenda? — pergunto ao meu chefe.

Seu rosto fica ainda mais sério, me encara com uma expressão que

não consigo entender.

— Acho que estou sendo folgada — digo, sentindo as bochechas

esquentarem.

Não considerei o abuso que seria pedir a Oliver uma carona para

Jonas.

— Tudo bem, eu não me importo — concorda, mas não parece

sincero.

— Posso pedir para um Uber buscar a pessoa — sugiro. — Você não

precisa dar carona...


— Tudo bem, Caroline. Não me importo — Oliver insiste, sua voz

soa mais ríspida.

Sinto um gelo no estômago, sem saber se insisto na ideia do Uber ou

se o escuto. Aquilo não deveria nem ter passado pela minha cabeça.

— Agora entendo por que seu pai e seu irmão não socializam com os

funcionários, você foi gentil comigo e já estou me aproveitando — comento

em tom de brincadeira, um pouco sem graça, enquanto ajudo a acomodar os

gêmeos nas cadeirinhas.

Ele não diz nada até ocupar o banco do motorista.

— Pode colocar a localização no GPS? — pede com o tom de voz

seco.
Não sei onde foi parar o homem que me defendeu na madeireira e

que me filmou balançando nos fundos da casa abandonada. Mas, também

eu nem deveria estar questionando, nós somos de mundos diferentes, e

jamais deveria pensar que tenho algum tipo de intimidade com ele.

Ansiosa, arrependida e me sentindo uma péssima funcionária, com

vários fatos que comprovam isso, digito o endereço que Jonas passou.

— Fica próximo a madeireira — diz ao observar o mapa na tela, no

painel do carro.

— Convidei Jonas para ir com a gente. Os tios estão lá e acho que

ele não tem muito contato com... — Minha voz morre quando me dou conta

de que já estou enchendo muito o saco.


— Você vai levar o garoto com a gente? — Oliver pergunta, e noto

algo mudar no seu rosto repentinamente.

A frieza se vai e o canto do seu lábio se curva levemente para cima,

é quase imperceptível, mas lembra um sorriso. Não faço ideia de qual

motivo causa a mudança de humor, mas preciso me refrear, lembrar de me

colocar no meu lugar.

— O velho não vai ficar furioso se souber disso? — Oliver pergunta.

Não consigo segurar e dou uma risadinha.

— Geronimo Valentini não vai saber, mas estarei sorrindo por dentro

— admito.

— Está usando o garoto para se vingar do avô, Caroline? — me

questiona com o tom de voz tão amigável que relaxo no banco, aliviada.
Seja lá o que tenha deixado Oliver de mal humor, foi embora.

— Só uma pequena vingança — anuncio, juntando as mãos diante

do colo.

— Você é pior do que eu pensava. Gostei disso — Oliver declara.

Meu coração e minha mente são tomados por algo que não explicar o

que é. Se parece com uma mistura de conforto e felicidade, mas é maior.

Olho para os tênis brancos que estou calçando e digo a mim mesma para

não me apegar a isso. Bons momentos assim nunca duram, e esse em

específico não tem nenhum motivo para render. Foi só uma brincadeirinha

que meu chefe fez em um momento de bom humor, ele não é meu amigo,

nem quer intimidade comigo.


Preciso urgentemente parar e estabelecer os limites, analisar o que

posso ou não falar com ele.

Me viro no banco dando atenção para as crianças, que contam

histórias sobre o rancho dos avôs, pais da falecida esposa de Oliver.

Quero perguntar algo sobre ela, mas, primeiramente não farei isso na

frente das crianças; segundo, acho que tentar entrar em detalhes sobre a

vida pessoal dele é ultrapassar os limites. Então, vou ter que engolir minha

curiosidade.

Desço do carro quando Oliver estaciona ao lado da calçada.

— Se meu avô descobrir, é capaz dele ir até a fazenda arrumar

confusão com você, e se não te encontrar, vai jogar a culpa nos meus tios —

Jonas declara o receio assim que coloca os olhos em mim.


— Ele não vai descobrir! — Abano a mão como se fosse a pessoa

mais despreocupada do mundo.

— Entendo por que todo mundo foi embora — ele acrescenta. — É

difícil ficar e ouvir os mais velhos remoendo as coisas que aconteceram há

décadas.

— É um absurdo que seu avô ainda não aguente ouvir o sobrenome

da minha família, mas ele não é o único — expresso para melhorar o clima,

se é que isso é possível, e gesticulo para que entre no banco do passageiro.

Me acomodo ao lado das crianças a tempo de ver Jonas

cumprimentar Oliver em inglês.

— Eu gostaria de pedir desculpas a ele também — Jonas diz, se

virando no assento para falar comigo —, mas não falo quase nada em
inglês.

— Não precisa se desculpar, Oliver já entendeu — asseguro, tocando

a mão do garoto para que fique mais calmo.

Não conheço seu pai, então não sei se é parecido com ele, mas os

olhos são iguais aos dos tios, Natan e Gabriel.

— Meu avô tem tanto ranço do seu irmão que chegou a cogitar que

Dimitri teve alguma coisa a ver com o assassinato dos irmãos Ricci —

Jonas diz, inocente, sem fazer ideia do peso que essas palavras têm.

Sinto um tremor nas mãos, porque é horrível ouvir coisas como

assassinato e o nome do meu irmão na mesma frase. Sem contar, que é

terrível escutar alguém mencionando aqueles homens nojentos, o pai e o tio

de Giulia.
Sei que Dimitri não teve nada a ver com a morte deles. Com toda

certeza do mundo, havia muita gente com motivos para fazer aquilo com os

irmãos Ricci, mas quando aconteceu, imagino que as pessoas mais velhas,

as que conheciam o caso do meu irmão, devem ter pensado nele.

Quem está de fora, não consegue entender que Dimitri é uma pessoa

boa, mesmo tendo atirado na mãe por acidente e matado nosso pai com a

faca da cozinha. Infelizmente, apesar dos anos terem passado, a história

ainda continua na memória de quem o conhecia na época.

Agradeço com afinco em pensamentos por Oliver ainda não entender

português. Mesmo assim, sei que percebeu o nome de Dimitri sendo citado

na Madeireira Valentini, pois até perguntou se era meu pai.

Preciso dizer a Jonas que Dimitri assumiu um novo nome quando foi

embora de Bento Gonçalves, só estou com medo de fazer isso na frente de


Oliver e ele acabar sacando.

Será que ficaria bravo comigo por mentir sobre o nome do meu

irmão?

Não é uma grande coisa, e nem é culpa minha, é uma coisa de

Dimitri, mas Oliver pode não me achar confiável, e tenho coisas demais em

jogo para arriscar.

— Tem um pequeno detalhe — digo a Jonas, tentando falar rápido

para dificultar que meu chefe consiga entender —, meu irmão assumiu um

pseudônimo quando se mudou com seus tios e os amigos para São Paulo,

porque não queria os Ricci interferindo na sua vida, então muita gente só o

conhece pelo outro nome, e ele prefere assim.

— Qual o outro nome? — Jonas questiona.


— Daniel Ruschel. — Mesmo pronunciando rápido, noto que Oliver

me encara pelo retrovisor.

— Daniel Ruschel — Jonas repete devagar. — Tudo bem, vou

lembrar disso.

— Só não comenta com seu...

— Não vou comentar com meu avô nem com ninguém da cidade,

não se preocupe.
Caroline

Não conhecia Jonas até essa manhã, sabia da sua existência e já tinha

o visto por fotos, mas nunca tive contato com ele, apenas com a mãe e os

avôs, porque Dimitri sempre foi muito amigo dos gêmeos Valentini.

É estranho, depois de tantos anos, conversar com alguém, além da

família ou dos cretinos, que sabe o que aconteceu. Dá vontade de perguntar

o que ainda falam a respeito de Dimitri, mas não posso fazer isso agora.

Também não quero ficar revirando esse assunto.


Pego Oliver me olhando novamente, mas volto minha atenção para

as crianças e tento não focar na ansiedade que está consumindo minha

mente.

Quando chegamos à Fazenda Ricci, um funcionário vai chamar

Tatiana e ela vem nos receber.

Também não tinha muito contato com ela, éramos de mundos

diferentes, apesar de Giulia e Dimitri terem feito a ponte entre esses dois

mundos, sempre soube que ela não era má como o marido. Fiquei muito

feliz quando recebi a notícia de que Giulia tinha herdado a fortuna de

Donato Ricci e passado para a mãe.

Achei muito inteligente da parte de Tatiana atear fogo na casa e ter

construído uma nova. Não sei se eu teria essa mesma ideia e disposição.
— Sua casa ficou incrível — digo, abrindo um sorriso ao

cumprimentá-la. — Não tive tempo de parabenizá-la ontem, aconteceu tanta

coisa.

— Minha querida, fico muito grata pelo elogio, ainda mais vindo de

uma profissional da área. Obrigada por ter aceitado o convite. Pedi a Stefan

para ligar porque estava um pouquinho ocupada. É a primeira vez, desde

que assumi a fazenda, que recebo tantos convidados assim. Confesso que

estava um pouquinho enferrujada.

— Imagina. Deixa eu te apresentar meu chefe, Oliver Henderson, e

seus filhos, Celiny e Jake — digo, gesticulando para os Henderson, assim

que descem do carro.

Tatiana estica os braços para acolher os gêmeos, que vão para ela

como se pressentissem o quanto é amorosa, em seguida, cumprimenta


Oliver.

— Tomei a liberdade de convidar Jonas para passar a tarde com a

gente, ele não convive muito com os tios — explico.

— Ah, eu entendo — Tatiana diz, esticando a mão para

cumprimentar o rapaz. — Não me leve a mal, mas seu avô é um homem

muito rancoroso.

— Infelizmente — Jonas comenta, um pouco acanhado.

— Sabia que ele se recusou a fornecer madeira para a construção da

casa quando citei, da forma mais inocente, que minha filha e Dimitri tinham

se reencontrado e estavam bem? — comenta, e novamente o nome do meu

irmão é citado na frente de Oliver. — Estávamos na fase dos acabamentos,

fui até a madeireira, porque queria uma peça em específico, Dalila me


atendeu muito bem, mas Geronimo que estava no escritório dando uma

olhada nos relatórios, perdeu a compostura quando citei Dimitri.

Praticamente fui expulsa de lá. Depois Dalila me ligou, pediu milhões de

desculpas, e tudo se resolveu.

— Ele é um homem complicado demais — Jonas diz. — Minha mãe

é quem acaba pagando.

— E não é só Geronimo que não aguenta nem ouvir o nome de

Dimitri. A família Bianco também não supera o que aconteceu — ela

acrescenta, reforçando algo que Dimitri tinha comentado comigo ontem, no

casamento.

Lembro do cavalo de Breno, que Dimitri roubou, e me seguro para

não rir.
— Esperamos que Geronimo não fique sabendo que eu trouxe seu

neto pra cá — comento e enrolo o cabelo sobre o ombro, evitando que o

vento o jogue contra meu rosto.

— Ele nunca vai saber, não esquentem a cabeça — Tatiana diz. —

Agora vamos levar esse príncipe e essa princesa para conhecer as outras

crianças?

Tatiana pendura Celiny em sua cintura e Oliver dá um passo à frente

quando ela pega Jake para pendurá-lo do outro lado, mas ela garante que

aguenta o peso dos dois.

— Trabalhei como cuidadora de idosos por alguns anos. Já carreguei

muito peso — ela explica. — Me acompanhem, o almoço está quase pronto.


A seguimos para a área gourmet, onde as pessoas estão fazendo

churrasco. No caminho, explico a Oliver mais ou menos o que estávamos

falando, sem citar a parte em que Tatiana trabalhou como cuidadora, com

receio de que peça mais detalhes, muito menos a parte sobre Dimitri.

Não estou pronta para conversar sobre isso com alguém que não

vivenciou o que aconteceu, porque todos os acontecimentos estão ligados.

Da minha infância, a morte do meu pai à minha ida para os Estados Unidos,

de mim até Tatiana, é preciso conhecer a história toda para conseguir

entender. Além disso, Oliver não vai querer ouvir a respeito dos problemas

da minha família, muito menos ter a paciência de ouvir toda a história, ele

tem mais o que fazer da vida.

— Tatiana, depois do almoço, meu chefe precisa verificar alguns e-

mails e relatórios, você poderia ceder alguma sala para que ele consiga
fazer isso? — pergunto, olhando sobre o ombro, me certificando de que ele

trouxe seu iPad do carro.

— Claro, tenho um lugar ideal pra isso — responde, muito

simpática. Entendo de quem Giulia e Diana puxaram a doçura.

Ao chegarmos à área gourmet, vejo os cretinos e suas esposas

conversando.

Gabriel Valentini é o primeiro a notar a presença do seu sobrinho,

Jonas, enquanto Tatiana se afasta com os gêmeos para levá-los até as outras

crianças. Gabriel abre um sorriso e vem na nossa direção.

— Que chefe é esse que não sai do seu pé, hein? — sussurra ao se

inclinar perto do meu ouvido ao passar por mim, antes de abraçar Jonas.
— Sem gracinhas! — alerto Gabriel. — Tomei a liberdade de

convidar Jonas pra passar a tarde com a gente.

— Não é porque seu irmão está em lua de mel que você não vai ter

supervisão, mocinha — é Natan quem diz quando se aproxima para falar

com o sobrinho.

Reviro os olhos, mas essa atitude me faz parecer ainda mais com a

garota inocente que devem pensar que ainda sou.

Quando Eros, Lion e Artho se aproximam, ergo as mãos em sinal de

trégua, antes que comecem com os comentários.

— Preciso apresentar meu chefe formalmente a vocês — declaro

com a voz firme, para que entendam que estão lidando com uma mulher.

Traduzo tudo para Oliver, enquanto faço as apresentações. — Este é Eros


Giordano, apesar de parecer um bobão rabugento, ele é dono do Grupo

Editorial Giordano, com quem a sucursal de São Paulo da Henderson & Co.

tem parceria.

— Oliver Henderson... é — Eros diz e franze os lábios, ficando sem

graça, mas faz a gentileza de falar em inglês, para que eu não tenha que

traduzir tudo. — Eu não sabia que era seu chefe...

Estreito os olhos para Eros, a fim de que entenda que todos passaram

dos limites ontem.

— Joana está se aposentando, e Donovan Henderson escolheu

Oliver, seu filho caçula, para dirigir a sucursal — continuo a falar em

inglês, sabendo que os cretinos entendem. — Decidi trazê-lo para que você

tenha uma segunda chance de mudar a imagem que deixou.


— Já te disse que está tudo bem, Caroline — Oliver diz com a voz

mansa, aveludada. — Entendo o que fizeram, se eu tivesse uma irmã como

você, também a defenderia. Além disso, não me intimido fácil.

Juro que sinto meu coração disparar e o rosto ficar quente por causa

dessas palavras, uma reação muito exagerada do meu corpo. Quando Oliver

vira o rosto na minha direção e pisca, só consigo pensar na forma como me

defendeu de Geronimo Valentini. Não que eu precisasse, mas foi legal da

parte dele.

Dou um suspiro e flagro Lion me encarando.

— Tô de olho em você. — Ele move os lábios, mas sem emitir

nenhum som.
Acho que viu Oliver piscando para mim, e que corei como uma

adolescente.

Ergo a mão esquerda para ocultar o que estou fazendo com a direita:

mostro o dedo do meio para Lion, depois me arrependo. Não posso esperar

que ele pare de ser infantil com uma atitude dessas.

Eros dá um risinho, passa a mão no cabelo curto virando o rosto na

direção de Artho e os seus olhos se iluminam.

— Lembrando que não fui único que cercou vocês ontem — ele faz

questão de lembrar. — Artho Becker, nosso querido advogado empresarial,

também estava envolvido.

Artho estica a mão para cumprimentar Oliver.


— Artho Becker. Aliás, sou o advogado que representa a Henderson

& Co. no Brasil — ele diz, mais relaxado que Eros. Na certa, sabe que

consegue conquistar todo mundo com o sorriso e uma boa conversa. Artho

nasceu para essa profissão. — Vocês são um dos meus melhores clientes.

Enquanto ele fala, as mulheres chegam para nos cumprimentar.

— Terminando as apresentações, este é Lion Bianco, contador —

explico a Oliver. — Se precisar de alguém para cuidar da sua contabilidade

aqui no Brasil, Lion é a pessoa certa. E esses dois caras de pateta são

Gabriel e Natan Valentini, cujo pai e a irmã você já teve o prazer de

conhecer.

— Oliver conheceu nosso pai? — Natan pergunta com os olhos

levemente arregalados.
— Sim, é um homem muito agradável — Oliver diz a Natan com um

tom de voz que não deixa transparecer o sarcasmo.

Percebo que ele tem a educação, discrição e a frieza de um homem

de negócios, que consegue engolir o que for necessário. Só é estranho,

porque não é um funcionário em ascensão que precisa engolir vários sapos

para manter o cargo e crescer na empresa. Ele é herdeiro, e pelo que

conheço de Phillip Henderson, herdeiros gostam de ser bajulados, não de

engolir sapos.

Olho para Oliver me perguntando por que ele é tão diferente do

irmão mais velho. Às vezes, faz parecer que somos do mesmo mundo.

— Meu pai? — Gabriel pergunta com as sobrancelhas erguidas. —

Então, você o pegou num bom dia.


— A verdade é que ele entrou no escritório enquanto minha mãe

fechava negócio com senhor Henderson, ela foi apresentá-los e ele teve um

surto quando ouviu o sobrenome Romano — Jonas entrega tudo, falando

em português.

Rapidamente traduzo para Oliver, que meneia a cabeça em

agradecimento.

— Típico dele — Natan diz e revira os olhos. — Sinto muito, não o

levem em consideração. Ele ainda é o dono da madeireira, mas é Dalila e

seu marido que administram tudo.

— Tudo bem, vamos manter o negócio — Oliver diz. De novo,

percebo aquele tom de voz cordial.


— Natan é engenheiro civil, e atua em alguns projetos da Henderson

& Co. — explico a Oliver. — Quando é necessário.

— Fez a lição de casa — Natan brinca e pisca para mim. Tive pouco

tempo para me organizar, mas consegui ficar a par de muita coisa da

sucursal de São Paulo. — Cuido da parte mais importante do projeto.

Tenho que dar risada.

— A parte mais importante? O engenheiro só cuida da parte

estrutural, somos nós que damos vida ao ambiente — retruco.

— Mas se não fosse o trabalho do engenheiro, essa vida não

resistiria muito — Natan insiste.

Reviro os olhos, mas sem ficar chateada, sabendo que de todos os

cretinos, talvez Natan seja aquele de quem preciso estar mais próxima aqui
em São Paulo.

— Deixa eu te apresentar as mulheres que aturam esses cretinos —

digo, gesticulando para Raquel primeiro.

Quando termino de apresentá-las, explicando o que cada uma faz,

deixo Oliver por alguns minutos com eles e levo Jonas até o outro lado da

casa, onde Tatiana mandou construir um salão enorme de jogos, com mesa

de sinuca, pista de boliche, entre outros jogos.

— Vou te apresentar a todos! — adianto, segurando no braço do

rapaz e procurando Diana ou Stefan.

Localizo meu irmão com Ayla e Valentina na mesa de sinuca. Diana

está jogando pingue-pongue com outro rapaz.


— Bom dia, gente! — os cumprimento, tomando cuidado de não

misturar os dois idiomas nos quais sou fluente e parecer ridícula. — Esse é

Jonas Valentini, sobrinho dos gêmeos. Ele mora aqui em Bento Gonçalves.

Jonas, esse é meu irmão Stefan, Ayla Becker, a filha de Artho e Charlotte, e

sua amiga Valentina Santos.

— Já te vi por fotos, mas você nunca foi visitar seus tios em São

Paulo — Ayla menciona, antes de abraçar e beijar o rosto de Jonas,

enquanto Stefan se limita a cumprimentar o rapaz com um aperto de mão.

— Não saio do Rio Grande do Sul — Jonas responde e dá de

ombros.

— Você tem os olhos dos seus tios — Valentina comenta, fazendo

uma leitura minuciosa do rosto de Jonas.


— Quem é aquele? — pergunto, apontando o queixo na direção do

adolescente que está brincando com minha sobrinha na mesa de pingue-

pongue.

— Aquele é meu primo, Hector Castro. Ele é sobrinho da minha

mãe, um filho perdido do meu tio Tomas — Ayla explica. — Está tudo

certo para ir morar com a gente em São Paulo. Vou apresentar a vocês.

Ela pega na minha mão e na de Jonas, então nos puxa na direção da

mesa de pingue-pongue. Enquanto faz as apresentações, me dou conta de

que ela parece feliz, e que estava jogando tranquila com meu irmão, não

parece que tiveram uma briga essa madrugada.

Os adolescentes são intensos, brigam de chorar e no outro dia, agem

como se nada tivesse acontecido.


Olho sobre o ombro e encaro Stefan, que está com o queixo apoiado

na mão sobre o taco de sinuca, esperando que as garotas voltem.

— Tia Carol! — Diana diz assim que me vê, se jogando nos meus

braços, toda amorosa.

É Ayla quem apresenta Jonas a Hector e Diana, em seguida, os deixo

no salão de jogos e vou à procura das crianças menores. Os encontro nos

brinquedos infláveis, em uma área externa da casa.

Vejo os filhinhos dos cretinos brincando com os gêmeos de Oliver,

parece que se deram bem, e respiro aliviada.

Jake está descendo no escorregador com Nicolas, o irmãozinho de

Ayla, e Celiny está na piscina de bolinhas com as outras crianças, enquanto

as funcionárias tomam conta.


Fico feliz pelas crianças estarem se divertindo, mas não interfiro.

Volto correndo para a área gourmet, porque já deixei Oliver tempo demais

sozinho com aqueles cretinos.


Oliver

Os amigos do irmão de Caroline não são como fizeram parecer

ontem, no casamento. Tanto eles quanto suas esposas conversaram em

inglês comigo, sem me deixar de fora da conversa, enquanto Caroline

estava ausente, o que foi muito gentil da parte deles, tendo em vista que sou

eu o estrangeiro, e quem deveria se esforçar mais para conversar no idioma

daqui.
Marquei uma reunião com Artho Becker para a semana que vem,

porque preciso verificar alguns contratos e ficar a par de tudo que acontece

na sucursal, e pedi a Lion Bianco que fosse ao meu escritório assim que

possível. Tem algumas coisas da contabilidade da empresa que estão me

incomodando.

Natan Valentini, um dos filhos do velho da madeireira, se colocou a

disposição para quando nossos projetos necessitarem do trabalho de um

engenheiro. Estou percebendo que nem Natan, e nem Gabriel, tem o

temperamento desprezível do pai, assim como Dalila também não, muito

menos o neto.

Fico me perguntando o que aquele homem tem contra a família

Romano, quando seus filhos parecem ser tão próximos deles.


Ainda não tive oportunidade de perguntar a Caroline porque o irmão

mais velho não usa o mesmo sobrenome que ela. Talvez eu consiga juntar

algumas peças com essa informação.

Considero que a pergunta não vai soar estranha, agora que me

apresentou aos amigos da família e ainda me trouxe para passar o domingo

com eles.

Caroline volta com a dona da fazenda, no momento em que Eros

Giordano fala com muito orgulho da coleção que sua esposa está

desenhando, e sobre o desfile, no qual vai apresentar suas novas peças. O

jeito como Eros fala e olha para sua esposa, Raquel, me faz lembrar de

como era bom ser casado, ter alguém que eu admirava mais que tudo.

Meus olhos vão parar em Caroline quando penso nisso, mas é só

porque a dona da fazenda, que lhe acompanha, está anunciando o almoço.


Ela senta ao meu lado à mesa grande. Cercada pelos amigos, parece

muito mais leve, se revezando entre falar os dois idiomas.

— As crianças estão bem, não precisa se preocupar — ela diz

quando pergunto o que eles estão fazendo, começando a ficar paranoico

com a segurança dos meus pequenos.

— Como é o lugar onde eles estão? É fechado? — não consigo

evitar perguntar. A ideia dos meus filhos em uma sala com apenas uma

porta de saída faz o desespero começar a mastigar meu cérebro.

— Eles estão na área externa com as outras crianças, e tem

funcionárias tomando conta — Caroline explica.

Sinto uma mão tocar meu braço, por cima da camisa, e estremeço

antes de me virar para Tatiana, que está sentada na cabeceira.


— Já mandei servir o almoço, eles estão bem cuidados e se

divertindo muito mais entre as outras crianças do que se estivessem aqui, no

meio dos adultos — ela diz com calma e gentileza, mas a arritmia não me

deixa relaxar.

Engulo a saliva e forço um meio sorriso, sem querer demonstrar que

não confio nas suas palavras. Caroline parece não saber como perdi minha

esposa, então não faz ideia das preocupações que perturbam minha cabeça.

Me concentro no sabor da comida brasileira, que é uma das melhores

que já experimentei, enquanto as lembranças ruins ficam rondando minha

cabeça, insistindo que devo ir verificar eu mesmo onde as crianças estão,

porque não há nenhum lugar seguro. É até difícil conseguir prestar atenção

na conversa à mesa, meu cérebro busca semelhanças entre essa casa e o

castelo onde morávamos.


A porcelana, os talheres, o lustre acima da mesa...

— Imagina a mansão pegando fogo! — Gabriel Valentini diz em

inglês, me pegando de surpresa.

Largo o garfo sobre o prato e tento entender por que ele está rindo

daquela tragédia.

— O que disse? — Não consigo disfarçar o choque na minha voz,

por saber que essas pessoas estão falando sobre o incêndio que matou

minha esposa e achando graça.

— Eles estão falando sobre o que Tatiana fez com a casa antiga —

Caroline explica rápido, apoiando a mão no meu ombro. — Quando herdou

a fazenda, que pertenceu ao ex-marido abusivo, ela mandou atear fogo na

mansão onde ele morou até morrer, e construiu essa casa novinha em folha.
Pisco, esperando os batimentos diminuírem, ao mesmo tempo, em

que torço para que ninguém tenha percebido como fiquei transtornado.

— Isso foi... — faço uma pausa para procurar a palavra, mas não

consigo.

— Sim, foi legal — Gabriel completa, demonstrando que não

percebeu nada. — Mesmo que a gente tivesse algumas lembranças boas da

casa, as ruins superavam.

Todo mundo concorda.

— Então seu irmão, Daniel, não tem sogro? — pergunto.

— Não tem — Caroline responde, tirando a mão do meu ombro.


Quando a refeição termina, Tatiana me guia até o andar de cima e me

oferece um escritório com vista para a piscina e um dos jardins da casa. Ela

não fala inglês, mas não preciso de palavras para entender o quanto a

mulher é gentil.

— Obrigado — consigo pronunciar em português.

Ela abre um sorriso e abana a mão, como se não fosse nada. Diz uma

frase, mas não consigo entender, então acena e deixa a sala, fechando a

porta.

Há alguns livros nas prateleiras da parede lateral, um sofá de couro,

poltronas e uma mesa de escritório. Me acomodo nela e abro o aplicativo no

iPad, onde estão os relatórios que precisam da minha atenção.


Aos poucos, as preocupações com as crianças, a ansiedade e as

lembranças ruins vão deixando minha cabeça, e consigo me concentrar nos

números.

Fico muito tempo analisando relatórios e fazendo anotações no

aparelho. Quando meus olhos começam a arder, percebo que vou precisar

muito mais de um contador de extrema confiança do que imaginava.

Faço uma nota mental de conversar com Caroline sobre Lion

Bianco. A sucursal de São Paulo tem o próprio contador, mas vou precisar

da opinião de alguém de fora.

Dou uma olhada nas notificações preenchendo a tela do celular e

percebo que Caroline me mandou algumas mensagens, enquanto estava

concentrado nos números.


Abro e me deparo com algumas fotos e vídeos que ela tirou dos

meus filhos. Primeiro, em brinquedos infláveis, depois na piscina.

Em uma das fotos, Celiny está deitada em um colchão inflável

colorido, ao lado de uma garotinha loira, mais ou menos do seu tamanho. A

franja alaranjada de Celiny está molhada, com uma mecha caída entre suas

sobrancelhas, e suas sardas estão mais evidentes sob o sol, mas ela parece

tão feliz ao lado da garotinha que meu coração se enche de amor.

Abro um vídeo e assisto Jake pular na piscina com um garotinho de

cabelo escuro, um pouco maior que ele, enquanto as outras crianças gritam.

Os dois meninos estão numa espécie de corrida para ver quem atravessa a

piscina primeiro.

Artho Becker está do outro lado, na borda da piscina acompanhado

da sua esposa, enquanto espera as crianças atravessarem. Vejo a cabeça de


Jake emergir da água, mas o outro garoto é mais rápido e consegue tocar a

borda da piscina primeiro.

A esposa de Artho pega o garotinho e o abraça, enquanto Artho pega

Jake no colo. Suponho que aquele seja o filho deles.

Jake parece não se abalar por ter perdido, e os dois descem dos

braços dos adultos e pulam na piscina novamente. Para eles, a diversão é

participar e não apenas ganhar.

O vídeo termina e vejo as fotos que ela mandou. Quando olho a

última, estou com um sorriso de orelha a orelha por saber o quanto meus

filhos estão se divertindo.

Digito uma mensagem para Caroline, antes de começar a pensar

demais sobre essa atitude.


Eu: Obrigado por ter insistido em nos trazer. Eles estão amando.

Alguns segundos depois, ela responde.

Srta. Romano: Você deveria descer e aproveitar um pouco.

Fico olhando para a tela por alguns instantes, meus olhos oscilando

entre sua foto de perfil e a mensagem. Eu jamais poderia descer e aproveitar

a piscina com eles, mas isso não me impede de imaginar como seria, se não

fossem os obstáculos.

Bloqueio a tela do celular, o deixando sobre a mesa e vou até uma

das janelas. Abro o vidro alguns centímetros e o escritório onde estou é

invadido pelas risadas e conversas das pessoas lá fora. Há várias crianças e

adolescentes brincando com meus filhos, além dos amigos do irmão de


Caroline com suas esposas, mas é na minha assistente que meus olhos se

fixam.

Ela está usando apenas a parte de cima de um biquíni de cortininha

azul e uma canga amarrada em volta do quadril. Sinto o fogo alcançar

minha virilha enquanto olho os seus seios, passando pela barriga lisa, a

cintura fina, até a maldita canga que esconde o resto.

Me movo impaciente, meus olhos param no adolescente que está

conversando com ela. Não faço ideia de quem seja, mas sinto um

pouquinho de inveja, tanto por ele ter a vida toda pela frente, mas também

porque pode ficar assim, numa piscina, ao lado dela e dos meus filhos, algo

que eu nunca vou poder fazer.

Caroline joga a cabeça para trás, rindo de alguma coisa que o garoto

disse, e seu corpo tentador sacode levemente. Os cabelos loiros e molhados


caem ao redor das suas costas e eu penso no cheiro deles.

À distância, não consigo ver se sua pele também está molhada, mas

imagino as gotículas da água da piscina escorrendo naquele veludo bonito

que é a sua pele. A cabeça do garoto se inclina e ele parece estar olhando

demais para o corpo dela.

Fecho a mão em punho, com a respiração acelerando, planejando ir

até lá para impedir o adolescente de olhar assim para Caroline.

Por sorte, me dou conta do papel ridículo antes de começar a me

mover para deixar o cômodo.

— Preciso foder o mais rápido possível — murmuro. — A porra

subiu pra cabeça e tá me fazendo desejar minha assistente.


— Será que uma puta barata vai satisfazer? — ouço Phillip

perguntar.

— Eu sei o que você quer — respondo, fechando a janela e voltando

para a poltrona. — Quer me ver rastejando por uma mulher, mas não vai

conseguir. Já tenho as putas, e isso tem bastado.

Volto para a mesa e procuro me concentrar nos números das tabelas

dos relatórios da sucursal, voltando a fazer minhas anotações.

Consigo me concentrar por um bom tempo, mas uma nova

mensagem de Caroline me afasta dos números.

Srta. Romano: Vai perder toda a tarde de domingo aí trancado?

Olho para a tela e abro outro sorriso. Não sei se está tentando só ser

atenciosa, uma boa assistente ou se realmente gostaria que eu estivesse lá.


Não deveria, mas me apego um pouquinho na última opção, talvez ela não

ache minha companhia tão desagradável.

Eu: Não curto piscina.

Envio a mensagem, sem saber com isso vai soar.

Tento voltar minha atenção para o iPad, mas a tela do celular se

ilumina com uma nova mensagem.

Srta. Romano: O que você curte? Podemos dar um jeito?

Fico olhando para a tela, pensando que eu curtiria ter uma

companhia feminina nesse exato momento, mas não posso dizer isso para

minha assistente.
Não consigo pensar em uma resposta que não me faça parecer um

homem insuportável, então não respondo.

Volto a olhar para a tela do iPad, mas as cenas que presenciei mais

cedo começam a tirar minha concentração. As pessoas desta cidade odeiam

a família Romano por algo que aconteceu no passado. Algo que faz

Caroline ser julgada até hoje.

Tem a ver com um tal de Dimitri Romano.

Perguntei sobre esse homem, se era seu pai, mas ela não me

respondeu.

O irmão mais velho não tem o mesmo sobrenome que ela. Ele é rico,

enquanto ela precisa fazer hora extra para ajudar a família, na qual,

provavelmente ele não pertence.


Não resisto a curiosidade. Abro o navegador e procuro por Dimitri

Romano na busca.

A tela é preenchida com vários links e textos em português. Respiro

fundo, me decidindo por deixar isso para lá, mas acabo clicando no

primeiro link, em seguida traduzo o texto original para o inglês.

Depois de abrir mais alguns links, sem confiar muito no tradutor,

levanto os seguintes dados: um garoto chamado Dimitri Romano, foi

responsável pela morte de sua mãe, Evelin Ruschel Romano, que morreu

baleada, no ano de 2002, quando ele tinha apenas sete anos de idade.

A investigação concluiu que o tiro que matou Evelin Ruschel foi

acidental. A arma pertencia ao pai, um homem chamado Emilio Romano,

que foi assassinado pelo mesmo filho, Dimitri Romano, no ano de 2012.
O jovem confessou ter matado o pai com uma faca e foi detido em

uma instituição para menores infratores por quase dois anos. Os irmãos,

Ícaro e Caroline Romano, ficaram com a madrasta. Alguns jornais dizem

que a mulher de Emilio Romano estava grávida, na época.

Faço as contas mentalmente e suponho que o bebê que ela carregava

é Stefan Romano.

Procuro uma imagem do tal Dimitri Romano, mas seu rosto está

borrado em todas as reportagens. Estranhamente, não encontro nenhuma

citação a Daniel Ruschel nos jornais que noticiaram as mortes. Ele tem o

mesmo sobrenome que a primeira vítima, Evelin Ruschel Romano, mas é

como se não fizesse parte dos irmãos.

Pelos meus cálculos, se Caroline tem vinte e oito anos, deve ter

nascido entre os anos de 2003 e 2004, um pouco depois da morte de Evelin,


então ela só pode ser filha da outra mulher, a que estava grávida quando

Emilio Romano foi morto. Sendo assim, Caroline e Stefan são irmãos

apenas por parte de pai de Dimitri Romano, o qual não consegui ver o rosto.

Me balanço na cadeira, analisando as informações e as coisas que

observei pela manhã. As pessoas não gostam dele pelo histórico de mortes,

mas porque não gostam da família em si?

Volto a ler a última matéria com mais atenção, a tradução automática

é péssima, mas consigo entender que o homem era alcoólatra e agressivo.

Caroline não me respondeu quem era Dimitri por que ela nunca o

perdoou por ter matado seu pai ou também por ter manchado o nome da

família?
Se ela não o perdoou, por que estava sorrindo quando Dalila

Valentini perguntou por ele? Por que continuou conversando com Jonas

Valentini que também citou Dimitri Romano, quando entrou no carro?

Tenho muito mais o que fazer da minha vida, mas estou aqui

tentando desvendar os segredos da família da minha assistente, porque isso

está ficando muito mais interessante que os furos na conta da sucursal de

São Paulo.

Abro um novo arquivo no bloco de notas e começo a digitar os

nomes dos possíveis irmãos, então me dou conta de que não vi e nem ouvi

ninguém citar Ícaro Romano.

Faço uma busca na internet e descubro que ele morreu na Itália, em

2025, em um acidente de carro. O corpo não foi trazido para o Brasil.


Volto a procurar sobre Daniel Ruschel, tentando entender em que

parte da família ele se encaixa, mas todas as informações que encontro são

atreladas ao Grupo Editorial Giordano. Não há nada sobre ele antes. Nome

em lista de faculdade, notícias, nada. É como se não tivesse vida além

daquela empresa.

Volto minha busca para o nome de Dimitri Romano e, passando as

matérias que noticiaram as mortes, encontro seu nome em uma lista dos

alunos aprovados para o curso de Jornalismo no ano de 2014.

Seu nome é citado mais duas vezes em listas que pareces ser de

festas, mas a tradução está péssima e não há nenhuma foto.

Não tenho nenhuma sorte com o nome de Caroline Romano, ela só

aparece nas matérias das mortes, mas resolvo procurar sobre a mulher que
estava grávida e deve ser sua mãe. Desisto depois de alguns minutos, ciente

de que não vou encontrar nada útil.

Bloqueio a tela do tablet e procuro organizar os pensamentos.

Dimitri matou a mãe e o pai, e talvez isso tenha feito as pessoas odiarem

todos com o sobrenome Romano, incluindo uma pessoa tão doce como

Caroline.

Ou talvez tenha sido pelo pai e pelo que aprontava na cidade.

Começo a ficar com medo de que minha assistente tenha vivido uma

infância tão cruel quanto a minha, e que o único alívio que teve, foi quando

o irmão acabou com a vida de Emilio.

Meneio a cabeça positivamente, aprovando essa suposição. Talvez

seja por isso que estava sorrindo quando Dalila citou o irmão assassino,
porque ele pôs um fim no sofrimento dela.

Chego à conclusão de que nunca teremos intimidade para ela me

contar algo assim. Acho que tudo que conseguirei são essas informações.

Se os irmãos sofriam mesmo na mão do pai, Dimitri Romano os

poupou. Meu peito dói só de pensar em Caroline sofrendo algum tipo de

abuso. Penso na cicatriz que vi na sua perna, me pergunto se foi causada

pelo pai.

Ainda não consigo encontrar o ponto onde Daniel Ruschel se

encaixa em tudo isso, mas imagino que não faz parte da família que

Caroline precisa ajudar financeiramente.

Dou minha investigação por encerrada e percebo que o sol já está se

pondo. Fiquei tanto tempo concentrado nas notícias que não percebi o
estômago roncar, nem a garganta seca.

Me estico na cadeira, flexionando os ombros doloridos pelo tempo

inclinado sobre a mesa, e me levanto para ir até os meus pequenos. Pelo

menos, tenho a vantagem de estar escurecendo, assim ninguém vai insistir

para que eu entre na piscina. Se acontecer, terei a desculpa de que já é noite

e precisamos ir embora.
Caroline

Segunda, 9 de fevereiro de 2032

3° DIA

Estou há três dias no Brasil e ainda não liguei para minha mãe, mas

faço uma promessa mental de que não passará dessa noite.

Sinto ansiedade só de pensar em contar sobre meu trabalho no Brasil

e em como ela vai reagir, ainda assim, é algo que eu preciso enfrentar.
Quanto mais o tempo passa, mais se torna difícil.

Estou na Range Rover, voltando de uma reunião em uma pedreira,

em Caxias do Sul. Meu chefe e eu, fomos negociar com um possível

fornecedor. Estamos buscando mármores e granitos, e a empresa oferece

tudo que precisamos com bons prazos e preços razoáveis.

Decidi que só vou me referir mentalmente ao homem sentado no

banco do motorista como meu chefe ou senhor Henderson. Pensar nele

como Oliver estava me fazendo misturar as coisas.

Não consigo parar de pensar nas mensagens que trocamos ontem, de

como disse que “não curtia piscina” quando o convidei para se juntar a nós,

e em como me ignorou quando perguntei do que ele gostava.


Me sinto ridícula e meu rosto arde de vergonha só em lembrar. O que

ele deve ter pensado?

Não sei como ainda não ligou para o departamento de RH da

empresa e mandou arranjarem uma assistente mais profissional, mas estou

grata por não ter feito, mesmo que eu seja uma péssima funcionária.

A promoção que eu precisava está cada vez mais longe, como um

navio indo em direção ao horizonte, se distanciando de mim, enquanto

afundo na areia da praia, o assistindo sumir.

Cruzo os dedos sobre o colo e olho para as unhas que comecei a roer

ontem, enquanto esperava que meu chefe respondesse a mensagem, o que

não aconteceu.
Urgh! Me senti tão ridícula quando percebi que ele não iria

responder.

O que eu esperava? Que ele dissesse “gosto de cavalgar” e

perguntasse se tinha cavalos na fazenda para cavalgarmos juntos?

Respiro fundo, observando um canteiro de hortênsias na frente de

um hotel, que some do meu campo de visão quando ele ultrapassa uma

carreta.

— Você está mais quieta que o normal — senhor Henderson diz de

repente, quebrando o silêncio no carro.

Passo a língua no lábio inferior, e repreendo em pensamentos o meu

coração agitado. Não posso ficar eufórica cada vez que ele me dirige a

palavra.
Limpo a garganta e arrumo o cabelo atrás das orelhas, tentando

escolher as palavras. Já não sei mais como agir.

— Está preocupada com alguma coisa? Acha que a pedreira não é

uma boa opção? Ainda temos mais duas para visitar. E você está aqui para

me ajudar a decidir, pode dar sua opinião.

— Não é nada. Acho que ela é uma boa opção sim, você está

escolhendo bem — respondo e minha voz sai rouca pelo tempo em que

passei em silêncio.

Estalo os dedos e me concentro na minha respiração, na esperança de

que meus batimentos se acalmem. Nunca fiquei nervosa assim perto de

ninguém, não consigo entender que porra de magnetismo o senhor

Henderson tem, que me afeta tanto.


Inspirar lentamente, prender o ar nos pulmões e em seguida expirar

devagar. Fecho os olhos e repito isso, prestando atenção em como minha

caixa torácica se expande e depois contrai, conforme respiro. Consigo focar

nisso por alguns minutos, até que meu chefe decide voltar a falar.

— Está sentindo falta da Califórnia? — me questiona e a pergunta

soa tão pessoal que o exercício para acalmar meu coração vai pelo ralo.

Solto o ar pesado em silêncio, frustrada por não conseguir controlar

as reações do meu corpo.

— Tem alguma coisa que te prenda lá? Alguém de quem você sente

muita falta? — senhor Henderson acrescenta, quando não respondo de

imediato.
Me sinto agoniada, porque sua pergunta parece muito pessoal, mas já

fui cortada duas vezes. Não sei como responder, não quero me prolongar na

conversa e ser ignorada como fui ontem.

— Não estou sentindo falta da Califórnia, eu gosto do Brasil —

respondo e me arrependo logo em seguida, porque ele não me perguntou de

que lugar do mundo eu gosto.

Preciso me ater a responder apenas o que foi perguntado, não é uma

coisa difícil de fazer, sempre fui muito centrada, mas porque fico tão

perdida assim na sua presença?

— Está sentindo falta de alguém...? — ele sussurra a pergunta que eu

não respondi.
Engulo em seco e tento pensar em alguém que possa me deixar

saudade, mas só tenho colegas de trabalho nos Estados Unidos. Todo

mundo que eu amo está no Brasil.

Adoraria saber por que senhor Henderson está me perguntando isso.

Talvez não tenha um motivo específico, e seja apenas para jogar conversa

fora. É assim que ele faz, puxa assunto e me corta quando fica entediado.

— Não sinto falta de ninguém de lá — respondo e aproveito para

deixar claro minha vontade de ficar no meu país, para o caso de ainda haver

a mínima chance dele pensar em me promover. — Amo trabalhar na

Henderson & Co., mas também adoraria permanecer na filial brasileira.

Acho que nada me realizaria mais profissionalmente do que isso.

Eu devo falar muita besteira!


Meu chefe se cala pelo resto do caminho até o hotel, o pior é que

dessa vez nem sei onde foi que errei.

Meus ombros estão caídos quando o sigo até a brinquedoteca para

buscar as crianças. Endireito a postura assim que toco a campainha.

Somos atendidos por uma babá diferente, um pouco mais velha que a

outra que costuma atender os gêmeos.

— Você é Caroline Romano, irmã de Dimitri Romano? — ela

pergunta assim que me vê.

Pode ser impressão minha, mas sinto os olhos de Oliver em mim,

como se a menção ao nome do meu irmão estivesse despertando sua

curiosidade.

— Sou eu — respondo em português, um pouco sem graça.


— Soube que você estava hospedada aqui. Eu era caloura do seu

irmão, no curso de Jornalismo. Como ele está? — a babá volta a perguntar.

Tento abrir um sorriso, mas a sensação de que senhor Henderson está

prestando atenção em cada palavra me deixa nervosa.

— Meu irmão se casou e tem dois filhos — respondo e abro um

sorriso. — Como você se chama? Vou dizer que te encontrei.

— Analice Figueiredo, mas não adianta falar sobre mim, ele fazia

parte do clube dos cretinos, era muito popular, não vai lembrar de uma

caloura. Além disso, nem terminei o curso — ela diz e dá um sorriso

amarelo, então começa a falar em inglês.

Os gêmeos pulam na gente assim que nos veem, cheios de perguntas

e abraços, tento ser o mais gentil possível, mas estou preocupada com o fato
de Analice ter mencionado o clube dos cretinos e o nome de Dimitri,

porque eu contei a meu chefe que era Daniel quem pertencia ao clube.

Espero que ele não tenha aprendido mais nenhuma palavra nova em

português.

— Precisa de alguma coisa para esta noite? Vão jantar no restaurante

do hotel? — pergunto, o mais profissional possível, na ida até o elevador.

— Vamos — senhor Henderson responde.

— Vai jantar com a gente, senhorita Romano? — Jake pergunta.

— Diz que sim! — Celiny pede com as mãozinhas postas, nos

braços no pai.
Faço de tudo para não o encarar, mesmo parecendo que senhor

Henderson não tem nenhum outro lugar melhor para olhar além do meu

rosto, desde que a babá nos atendeu.

— Ah, Cenourinha, eu tenho que trabalhar no meu quarto — rejeito

sendo o mais gentil possível. — Além do mais, é um jantar de família.

— Não é não! — Jake responde, parecendo indignado. — E você é

nossa convidada, né, papai?

— Eles não convivem com muita gente além da senhora Collins —

meu chefe explica.

Ergo o olhar devagar e o encaro. A força do seu olhar faz meu corpo

estremecer. Que merda! Parece que quanto mais eu tento estabelecer um

limite, pior as coisas ficam.


— Que tal fazermos a primeira refeição do dia no restaurante do

hotel, amanhã? — sugiro, com receio de ser cortada. — Se o pai de vocês

não se importar, é claro.

— Deixa, papai! — os gêmeos pedem em uníssono. — Por favor!

— Tudo bem — senhor Henderson concorda. — Vocês podem tomar

café da manhã com a senhorita Romano, antes de sairmos para os vinhedos.

— Está tudo confirmado para amanhã — o lembro.

O Vale dos Vinhedos é uma atração importantíssima no roteiro

turístico de Bento Gonçalves e, nascida aqui, não poderia deixar de levá-

los.

— Antes de irmos, poderia levar Celiny ao salão para cortar a

franja? Já está caindo nos olhos — meu chefe pede e me animo por receber
uma tarefa tão pessoal. Se ele confia em me deixar levar sua filhinha ao

salão, talvez não me ache tão incompetente assim.

— Claro — digo, sem conseguir disfarçar o sorriso de empolgação.

— Tem um salão nessa mesma quadra. Vou agora mesmo lá para agendar o

primeiro horário. Tomamos café da manhã, vamos ao salão, e depois aos

vinhedos.

Sei que visitar vinhedos não é exatamente um bom programa para

crianças, mas Oliver achou melhor levá-los do que deixá-los mais um dia na

brinquedoteca do hotel.

— Nos vemos amanhã, meus anjinhos — me despeço, jogando um

beijo para os gêmeos. Parada no corredor em frente a porta do apartamento

onde estão hospedados, respiro fundo e olho para o pai. — Até amanhã,

senhor Henderson. Se precisar de mim, é só ligar.


Não fico esperando para ouvir o que vai dizer, dou as costas ao som

da despedida das crianças e me encaminho ao elevador.

Deixo o hotel e caminho pela rua até a fachada do salão de beleza.

Ainda está de dia. Só me dou conta de que salões não costumam abrir nas

segundas quando dou de cara com a porta fechada.

Para minha sorte, o número para contato está fixado na vidraça. Não

dou tanta sorte assim com o horário, mas depois de pedir com muita

gentileza, a mulher do outro lado da linha resolve cortar a franja de Celiny

no seu primeiro horário da manhã.

Ainda parada em frente o salão, dou um pulinho de alegria, em

seguida me recomponho e olho em volta para ver se ninguém está

reparando em mim.
Parece uma besteira, mas cada ponto que eu marcar com meu chefe

será de grande importância. Sei que as minhas chances praticamente já se

esvaíram, mas vou lutar até o último segundo.

Caminho de volta para o hotel enquanto ligo para saber o que Stefan

está aprontando.

— Te dou minha palavra de que não voltei a oferecer pra ninguém

— ele me garante.

— Quem te ouve falando assim, pensa que você é um santo —

brinco, aliviada por ele estar levando meu pedido a sério. — Vem dormir

comigo?

— Depende de como as coisas vão se desenrolar até à noite — ele

diz.
— Stef, por favor, tenha juízo — peço enquanto vou até o quarto. —

Ayla é menor de idade, Artho e Charlotte têm o maior cuidado com ela.

Pelo amor que você tem a mim.

— O que eu poderia fazer demais? Não tenho nem carro para me

arriscar.

— Só toma cuidado — insisto. — Se acontecer qualquer coisa com

essa menina, se ela aparecer grávida...

Me calo, arrependida de dizer isso. Não quero atrair uma coisa

dessas para o meu irmão.

— Não vou foder com a vida dela dessa forma, Gina. Pode ficar

tranquila. Só estou aqui na fazenda para te dar espaço, assim você consegue

se dedicar totalmente ao seu chefe.


— Quem não te conhece que te compre — comento, mas feliz por

ele estar sendo sarcástico. — Ainda não entendi, você estava arrasado

naquela madrugada e no outro dia vocês estavam de boa. Você vai ter que

me contar a história toda. Não quero que fique escondendo coisas de mim,

ok?

— Ok, Gina — ele responde, dessa vez com o tom de voz mais

sério. — Você vai jantar sozinha ou com seu chefe?

— Vou só pedir um lanche.

— Por que não vem jantar na fazenda? Os cretinos só vão embora na

quarta, e Tatiana vai gostar de te receber novamente — meu irmão sugere.

— Se não quiser pegar o carro do seu chefe escondido, eu pago o Uber pra

você.
— Não, guarda seu dinheiro, você vai precisar em São Paulo.

— Tudo bem, então.

— Vou aproveitar essa noite e ligar para mamãe. Já conversou com

ela?

— Não. Preciso desligar agora, vou ajudar Tatiana com uma coisa —

Stefan se despede apressado.

— Vou dizer a mamãe que você ligou.

— Tá.

A ligação encerra antes que possa me despedir.

Entro no quarto e tiro as roupas. Tomo um banho, visto um pijama,

depois dou uma olhada no cardápio online do restaurante do hotel. As


massas e os vinhos servidos são muito atrativos, e meu estômago ronca,

mas os valores não são atrativos para meu bolso. Já recebi o pagamento do

mês, mas preciso fazê-lo render. Mesmo que o dólar ainda valha mais que o

real, se não me policiar, posso passar aperto.

Sei que vou precisar gastar com condução e alimentação em São

Paulo, e boa parte do meu salário já foi enviado a minha mãe.

Mordo o canto da unha, dou uma última olhada no cardápio,

imaginando o que eu pediria se estivesse em condições melhores, então

fecho a página e abro o aplicativo de delivery. Escolho um hamburguer e

um refrigerante que tem a taxa de entrega mais em conta.

Enquanto espero o pedido chegar, ensaio como vou contar a minha

mãe. Quanto mais penso, mais ansiosa fico, e quando o lanche chega, já não

estou com tanta fome.


Meus ombros doem de tensão ao me sentar na poltrona que fica ao

lado da janela de vidro, com vista para a cidade. Como o sanduíche

devagar, observando os carros passarem na rua.

Ligo para minha mãe assim que termino, porque não posso mais

adiar. Ela atende no terceiro toque.

— Oi, meu amor. Como você está? Chegou mais cedo do trabalho?

— ela dispara, antes que eu possa dizer olá.

— Estou no Brasil, mãe — confesso e tento me aninhar melhor na

cadeira, conforme meu coração acelera. — Você ouviu falar do casamento

do meu irmão?

A ouço pigarrear, mas sei o motivo. Ela não gosta de falar de Dimitri

na frente de Flaviano. Na verdade, é meu padrasto quem nunca tolerou falar


no meu irmão.

— Termina de comer, Giovanni. Você não quer ficar de castigo de

novo, né? — ela diz, um pouco distante.

Meu coração se aperta. Não quero acreditar que meu irmão está

sendo punido, que aquele escroto está castigando o próprio filho. Achei que

ele guardasse toda a raiva para os enteados.

A realidade de que preciso muito daquela promoção cai sobre os

meus ombros. Se eu tiver um emprego e uma estabilidade aqui no Brasil,

poderei levá-lo para morar comigo e poupá-lo de passar a adolescência com

o pai.

— Oi, filha. Vim para o quarto. Me conta, seu irmão casou, né? —

mamãe volta a falar. — Como foi? Quando você chegou?


— O casamento foi lindo. Aconteceu na Fazenda Ricci. Chegamos

no sábado, pela manhã. Stefan também veio.

— Pensei que você não estivesse com dinheiro para viajar — ela

comenta e alguma coisa revira dentro de mim, não é uma sensação boa. —

Dimitri pagou as passagens?

Ela está sussurrando ao pronunciar o nome dele, porque mesmo

trancada no quarto, tem medo de que o marido ouça.

— Sim, Dimitri pagou nossas passagens. — Não é mentira, afinal as

compramos com o dinheiro que ele nos deu de presente de Natal.

— Ah, que bom! Ia ficar puxado se você tivesse que pagar — ela

acrescenta.
— Mãe, porque disse a meu irmão que se ele não comece a comida,

ficaria de castigo? — questiono.

— Seu irmão sempre teve dificuldades para comer certinho, já te

falei. E se eu não falar sério com ele, é o pai quem vai fazer — ela explica.

— Ele não tá batendo em Giovanni, como fazia com a gente, né?

— Claro que não! — minha mãe nega. — Mas Flaviano é ignorante,

não sabe falar direito com o próprio filho.

Durante muitos anos me perguntei por que minha mãe simplesmente

não ia embora, assim como ela não tinha ido quando era casada com meu

pai. Demorou, mas eu aprendi o que é dependência emocional.

Faz anos que não a vejo, além das fotos e chamadas de vídeo, porque

nunca sobra dinheiro para viajar, mas imagino o quanto os casamentos ruins
a envelheceram. Ela era tão bonita. Ainda é, e muito, mas acho que a

câmera do celular não mostra realmente o que os anos fizeram com ela. As

imagens são bem generosas, na verdade, e faz parecer que sua beleza ficou

congelada no tempo, mas eu sei que, pessoalmente, ela não deve estar tão

bem assim.

— Mas me diz, ainda está no Brasil? Onde está hospedada? E seu

irmão? Vocês vêm nos visitar? — ela pergunta de uma vez.

— Estou num hotel...

— Num hotel? — me interrompe, antes que possa explicar melhor.

— Como assim, hotel? Pensei que estivesse na Fazenda Ricci ou naquela

casa que seu irmão morou quando estava na faculdade. Tem dinheiro para

hotel?
— A verdade é que estou hospedada aqui com meu novo chefe. Quer

dizer, ele está na suíte master dele e eu estou em um quarto simples, mas...

— Pigarreio para limpar a garganta. Sei que tenho vinte e oito anos e não

deveria me preocupar com a opinião da minha mãe, só que isso a afeta

diretamente. — Você sabe que a Henderson & Co. tem uma filial no Brasil,

né? Em São Paulo.

— Sei... — responde, desconfiada.

— A CEO dessa filial está se aposentando e o senhor Donovan

Henderson escolheu o filho mais novo, Oliver, para assumir a direção da

filial. Ele precisava de uma assistente que entendesse dos negócios, como

sou uma das funcionárias mais dedicadas e nasci no Brasil, me escolheram

para acompanhá-lo por um mês na filial daqui.


— Você vai receber por esse mês? — é a primeira coisa que minha

mãe pergunta.

— Sim... — digo, mas minha voz não transmite segurança.

— Vai receber em dólar ou em real? Porque se for em real, duvido

que seja o suficiente.

— Mãe, se eu me sair bem nesse mês de trabalho, Oliver Henderson

pode me escolher para ser seu braço direito na sucursal de São Paulo.

Imagina, eu serei promovida a COO e estarei mais perto de vocês.

— E vai receber em real? — ela insiste nisso.

— Mãe, uma diretora de operações ganha melhor do que uma

simples arquiteta, mesmo que seja em real — explico.


— É mesmo? Ah, filha, que orgulho! Meu Deus, você não sabe

como isso me deixa feliz. — É notável a mudança de humor pelo seu tom

de voz. — Que orgulho! Que orgulho! Minha filha, o braço direito do

diretor da empresa. Foi pra isso que dei meu sangue pra você estudar. Que

orgulho!

— Mamãe, é só uma possibilidade. Não estou dizendo que vou

conseguir a promoção. Só vai acontecer se Oliver Henderson gostar mesmo

de mim.

— E quanto tempo você ainda tem para conquistar esse tal chefe?

Ele é herdeiro, né?

— Isso. Tenho só vinte e sete dias.


— Durante vinte e sete dias você vai se dedicar por completo ao

trabalho, mais do que já se dedica, entendeu?

Respiro fundo, agora tenho mais uma pressão nas costas.

— Entendeu, Caroline? — ela soa mais autoritária.

— Sim, mãe.

— Isso, você vai conseguir. Já sabe quanto vai ganhar?

— Mãe, não coloque tanta fé em mim.

— É tarde demais, Carol, minha filha. Já coloquei. Agora me diz, vai

ficar nesse hotel até quando? Está em Bento?

— Viajo para São Paulo no sábado. Estamos hospedados em Bento

Gonçalves. Stefan está comigo e vai ficar no Brasil enquanto eu permanecer


aqui.

— Quero ver os dois, estou morrendo de saudades. Pode comprar

minha passagem e a de Giovanni? Ele vai adorar ver vocês.

Engulo em seco. Duas passagens de ida e volta de Jaguarão a Bento

Gonçalves não estava nos meus planos.

— Você não está pegando encomendas de doces? — resolvo

perguntar.

— Estou, mas não tem sobrado dinheiro. Aconteceram umas coisas.

Te explico quando chegar aí.

— Tá bom, vou comprar hoje mesmo, pela internet — digo, e me

dou por vencida.


— Mal posso esperar para ver meus filhinhos — mamãe vibra de

alegria, conseguindo me arrancar um sorriso sincero.

Assim que desligo, vejo a notificação do e-mail que recebi no

corporativo. O setor financeiro enviou um cartão eletrônico para minhas

despesas enquanto estiver no Brasil.

— Atrasado, mas totalmente necessário — confesso e começo a

pular pelo quarto feito criança.


Oliver

Terça, 10 de fevereiro de 2032

4° DIA

Vejo a franja de Celiny cortada logo acima das sobrancelhas assim

que ela passa correndo pela porta giratória, vindo em minha direção. Me

levanto da poltrona, onde fiquei assistindo um desenho no iPad com Jake na

última meia hora, e a pego nos braços.


— Você está tão linda, minha princesa ­— a elogio e faço festinha no

seu cabelo laranja.

— Papai! — ela diz em português, me surpreendendo. Só entendo

por que ando estudando muito nas últimas noites, depois que as crianças

dormem. — Eu fiquei bonita?

— Você é linda — respondo sua pergunta também em português,

pronunciando as palavras devagar para não passar vergonha, afinal,

Caroline está assistindo.

Não arrisco chamá-la de minha princesa, ainda tenho muita

dificuldade para pronunciar as palavras.

— Como você aprendeu a falar tão bem? — pergunto no nosso

idioma.
— Senhorita Romano me ensinou algumas frases, enquanto a

senhora do salão cortava meu cabelo. Ela disse que aprendo rápido —

Celiny explica.

— Espero que não se importe — Caroline diz, parecendo sem graça,

o que a deixa ainda mais linda.

Está usando um vestido branco com florzinhas azuis, da cor dos seus

olhos de sereia. Notei que sua pele está bronzeada e tem a marquinha do

biquíni, que usou na piscina da Fazenda Ricci, subindo dos seios até o

pescoço. O vestido é solto com um decote razoável, e cobre até acima dos

joelhos. O resto das pernas lisas, e agora douradas do sol, está exposto até o

par de tênis branco.

— Também quero aprender, senhorita Romano! — Jake protesta,

desviando minha atenção de Caroline.


— Vai ser um prazer ensiná-lo, meu anjinho — ela diz e seu sorriso

se ilumina.

Me pergunto se vou demorar a me acostumar com a forma carinhosa

como ela trata meus filhos.

— Precisamos ir agora para o primeiro vinhedo, se não quisermos

chegar atrasados — Caroline diz e franze o nariz pintado pelas sardas

discretas. — Verifiquei e descobri que têm um espaço infantil, para o caso

das crianças ficarem entediadas.

Penso em dizer algo, mas me limito a acenar com a cabeça.

Dou a mão para Jake e sigo minha assistente até a calçada do hotel,

com Celiny nos meus braços, onde o carro já está nos esperando.
Caroline abre um sorriso que parece ter luz própria e estende as

mãos para Jake, o pegando no colo e o levando até a cadeirinha com todo

carinho do mundo.

Merda, se meu futuro fosse diferente, se tivesse o direito de amar

outra vez, e ser amado também, era assim que gostaria que minha amada

fosse, que tratasse meus filhos.

Isso mexe com meus sentimentos, e com o coração todo fodido,

porque estou sorrindo para minha princesinha quando abro a porta do outro

lado e a acomodo na sua cadeirinha. Afivelo seu sinto e beijo a ponta do seu

narizinho arrebitado, enfeitado pelas sardinhas dar cor do seu cabelo.

— Você está linda — digo a ela em português, baixinho.


— O-bri-ga-da, papai! — ela responde devagar, no mesmo idioma,

me enchendo de orgulho.

Passo os próximos minutos dirigindo até o Vale dos Vinhedos,

enquanto Caroline ensina pequenas frases a Jake. Ele, assim como a irmã,

aprende rápido.

— Quando chegarem à escolinha, na semana que vem, já vão saber

se virar — Caroline diz, virando para mim. — Estou em contato com

Vivian, a secretária de Joana, e acertando a matrícula das crianças, para que

eles comecem a estudar junto com as outras crianças, no início do ano

letivo. Só preciso que me passe os documentos necessários.

Viro o rosto na sua direção, cada vez mais surpreso com o quanto ela

consegue ser atenciosa. Não é seu trabalho dar assistência as crianças, e não

precisei pedir por nada, além da ida ao cabelereiro, mas Caroline sempre
está disposta a ajudar, participar. O melhor é que acontece de forma natural,

e ela não só conquistou os pequenos, quando a mim também, desde o

primeiro sorriso.

— Também estou acertando sobre o transporte das suas bagagens.

Vivian disse que a casa que você comprou estava em perfeitas condições, e

só precisou de alguns ajustes na decoração — ela continua dizendo, me

surpreendendo ainda mais. — Aquele é o melhor condomínio da cidade.

Entrei em contato a com senhora Collins ontem à noite e pedi dicas do que

fazer no quarto das crianças, já que os conhece melhor que ninguém.

Espero que gostem do que a empresa está fazendo. Inclusive, garanti a

senhora Collins que alguém estará esperando por ela no aeroporto, na sexta-

feira, quando chegar ao Brasil.


Caroline se vira no banco e, pelo espelho retrovisor, a observo afagar

o rosto de Jake, depois beijar a ponta do dedo indicador e pousá-lo no

narizinho de Celiny.

Dá até medo de como meu coração se comporta.

— Eu sabia que a empresa trataria de alugar uma casa, mas não que

vocês cuidariam de tudo assim — comento e noto que minha voz sai rouca,

mas eu sei o porquê.

— Somos a Henderson & Co., é claro que trataríamos de decorar sua

casa — ela diz com um sorriso que oculta tudo que já sofreu.

Nunca fui tratado exatamente como Phillip, não é que meus pais

fizeram distinção, mas porque eu tinha tanto medo de ser rejeitado por eles
que corria atrás das minhas próprias coisas, sem esperar que os funcionários

da família fizessem tudo por mim.

Quando mudei para a Grã-Bretanha e comecei a faculdade, não foi

diferente. Mas, Caroline não sabe disso, acho que os outros funcionários do

Brasil também não. Meus pais são discretos, ainda mais com quem não é do

mesmo círculo social que eles. Ainda assim, agora que me mudei para cá,

as pessoas vão acabar descobrindo, porque nunca foi segredo, afinal, me

adotaram com oito anos.

Tem gente que puxa a ficha dos outros pela internet, como eu fiz

com a família da minha assistente. Não vou esperar que comigo seja

diferente, ainda assim, e não sei explicar a razão disso, gostaria que ela

soubesse primeiro por mim. Sei que não vai mudar em nada, mas vou ficar

mais confortável, se é que isso é possível.


Sigo a rota do GPS, enquanto penso em convidá-la para jantar, antes

de deixarmos a cidade, dessa forma posso contar para ela. Assim que

termino de concluir o raciocínio, me sinto ridículo. Por que Caroline se

importaria com o fato de ser ou não filho biológico dos meus pais? Não é da

conta dela, e não tem nenhuma ligação comigo para que precise de um

jantar para fazer um anúncio.

Balanço a cabeça, enquanto estaciono no primeiro vinhedo.

— Lembra de Lion Bianco? — ela pergunta, enquanto entramos.

— Claro, o contador.

— O pai e a madrasta dele têm um vinhedo também, o mais

lucrativo de Bento Gonçalves, mas são sistemáticos e não abrem para

visitação — Caroline explica. — Lion não se dá bem com a família.


— Parece que têm muitos problemas familiares por aqui — não

consigo deixar de comentar.

Ela dá de ombros e a sigo para o balcão, com Jake no colo, enquanto

Celiny caminha de mãozinha dada com Caroline. A recepcionista nos

atende e eu consigo compreender quando fala os valores. Acerto a compra

das entradas imediatamente.

— Está se saindo bem — Caroline elogia baixinho, quando a guia

nos chama em português e nos encaminha para a visita guiada.

Ela nos leva à primeira sala, onde começa a explicar como se dá o

processo da fabricação do vinho. Caroline sussurra para mim a tradução, e

para que não atrapalhe os outros visitantes, ela se inclina bem perto da

minha orelha.
Abaixo a cabeça, aproveitando o calor do seu hálito de encontro a

minha pele, e aninho Jake no meu colo, assim que ele suspira, entediado.

A guia nos direciona a outro salão, dessa vez em um andar abaixo,

no subsolo.

Minha respiração começa a acelerar logo nos degraus. Aperto Jake

contra meu peito e procuro pela mãozinha de Celiny. Encontro sua pele fria

pelo ar-condicionado e passo meu braço em volta do seu corpo, a içando

para cima, colocando-a no meu peito, mantendo os dois bem firmes, como

fiz naquela maldita noite, enquanto obrigo meus pés a descerem as escadas.

Meu coração bate forte e minha respiração acelera ainda mais.

— Posso carregá-la no colo — Caroline sugere. — Está cansada,

meu anjinho?
— Não precisa — digo, lutando para controlar o tom de voz, antes

que Celiny responda. — Eu gosto de carregar os dois assim de vez em

quando.

Minha filha debruça a cabecinha no meu ombro e vasculho o salão, à

procura de saídas de emergência, assim que desço o último degrau.

— Tem certeza? — Caroline insiste.

— Absoluta — respondo, esperando estar soando gentil.

A guia segue suas explicações e Caroline continua traduzindo, mas

não consigo prestar atenção. Dou meu máximo para tentar controlar minha

mente, para não pegar meus filhos e sair correndo daqui pelas escadas,

como se o salão estivesse pegando fogo.


— Papai, seu coração está batendo tão rápido — Celiny sussurra

perto do meu ouvido. Agradeço por ela falar tão baixinho que ninguém

mais consegue ouvir.

Fico me balançando de um pé para o outro, como se ninasse os

gêmeos, como fazia quando eram bebês, quando na verdade estou ninando a

mim mesmo, só assim consigo suportar ficar no subsolo, no meio dos barris

de vinho, enquanto a ansiedade tenta dominar cada parte do meu corpo.

Quando a guia bate as palmas das mãos, anunciando que as

explicações acabaram e que a degustação vai começar, me forço a abrir um

sorriso para demonstrar que estou gostando da visitação, como os outros

turistas.

Sigo o fluxo e deixo o subsolo, voltando a assumir o controle do meu

corpo.
— A guia disse que há uma área infantil para deixar as crianças,

enquanto os adultos experimentam os vinhos. O que acha? — Caroline quer

saber.

— Onde fica? — pergunto, ainda segurando as crianças com

firmeza.

— Eu quero ir, papai — Jake diz.

Se for no subsolo, não...

— Fica na sala ao lado da degustação, tem brinquedos e eles

oferecem suco de uva produzido aqui para as crianças.

— Também quero ir — Celiny concorda com o irmão. — Aquela

senhora falou tanto que fiquei com sono.


— Tudo bem — respondo, abaixando a guarda.

Beijo o topo da cabeça de cada um, antes de deixá-los na sala de

brinquedos. Vejo que tem uma funcionária simpática de avental com o

slogan do vinhedo bordado. Ela nos recebe com simpatia e Caroline troca

algumas palavras com ela em português. Há brinquedos pela sala e

mesinhas coloridas para crianças. Uma das paredes é toda de vidro, com

vista para o deck e os parreirais mais a frente, e há uma porta que liga está

sala com o local onde vamos degustar os vinhos.

Respiro aliviado, sabendo que posso ir até eles depressa, se precisar.

Acompanho Caroline até a sala da degustação. Ela se encaminha até

a única mesa vazia, os outros turistas já ocuparam os lugares. Me adianto e

puxo a cadeira para que ela se acomode.


Ela me encara com aquele olhar que não consigo ler, suas

sobrancelhas franzem e, por apenas um instante no tempo, eu vejo um

brilho no azul dos seus olhos de sereia. É nesse segundo que ela deixa

transparecer algo, mas é tão rápido, que não sou capaz de ler o que é.

Passa a mão nos quadris, arrumando o vestido, e senta.

Ocupo a cadeira ao seu lado e mexo nas taças que já estão

arrumadas.

— O vinho é bom — elogio assim que a primeira taça é servida e

bebo o primeiro gole. — É muito bom, na verdade.

— Lembre-se de que está dirigindo — ela diz, quando nos servem

uma taça de outra safra.


— Não vou esquecer — respondo, piscando para ela e bebendo um

gole, antes de descartar o resto no balde ao lado.

— Muito bem — Caroline me elogia.

Fico a encarando por um instante, tentando encontrar novamente

aquele brilho, mas não há mais nada, seja lá o que ela sente, está escondido

por trás dos seus olhos.

— Quero voltar aqui um dia, não a trabalho, mas para beber e comer,

como um verdadeiro turista — digo a Caroline, no meio da sobremesa,

enquanto os gêmeos brincam no pequeno escorregador que há no

restaurante.

É um espaço grande e está cheio, mas somos muito bem servidos.


— Gostou da comida? — ela pergunta, bloqueando a tela do iPad,

onde trabalhou durante boa parte do almoço. Não pude repreendê-la porque

estava fazendo o mesmo.

— A comida daqui é a melhor que já provei — declaro. — E não é

gentileza.

Ela dá um risinho fofo e come um pedaço da sobremesa, uma coisa

chamada pudim, muito saborosa.

— A comida dos Estados Unidos não chega nem perto da comida

brasileira — ela diz. — É uma coisa que senti muita falta.

Levo a mão ao meu estômago, após bloquear a tela do meu iPad, e

respiro fundo.

— Acho que exagerei no churrasco — assumo.


— Acho que estou exagerando desde que cheguei no Brasil —

Caroline me conta. — Lembra do almoço na fazenda? E os cafés da manhã

do hotel?

Ela fecha os olhos, abre um pouquinho a boca, colocando a ponta da

língua rosada e úmida para fora, e lambe os lábios.

Me pergunto se faz ideia do quanto isso é provocante.

Porra, estamos almoçando em um restaurante lotado, eu não deveria

sentir esse calor na virilha só por ver minha assistente lamber o lábio.
Oliver

O terceiro vinhedo que visitamos tem uma loja com vinhos, sucos,

espumantes, além de vários outros produtos fabricados a partir da uva. Após

a visitação, estou experimentando algumas bebidas, sendo servido por uma

moça gentil que fala meu idioma, enquanto as crianças brincam com um

gato, mascote do estabelecimento.

— Acho que sua esposa gostou dos cremes — a moça diz e aponta

com o queixo na direção da loja de cosméticos, onde Caroline está.


A vejo cheirando o pulso, de olhos fechados.

Me aproximo, ainda com a taça de vinho em mãos, e ouço um

gemido de prazer escapar dos seus lábios.

Endireito a coluna, como um predador, e olho para a garota a minha

frente com os olhos cheios de cobiça, porque estou imaginando-a gemendo

assim, amarrada e vendada na minha cama, enquanto farejo o cheiro da sua

boceta por cima da renda da calcinha, antes de arrancar a lingerie e devorá-

la viva.

— Sua esposa gostou mesmo — a moça diz, vindo até mim.

— Ah, eu não sou... — Caroline começa a corrigi-la, mas a

interrompo.

— Você gostou, meu amor? — pergunto, piscando para ela.


Investigo seu olhar à procura de qualquer tipo de reação, qualquer

brilho para demonstrar que minhas palavras lhe causaram algo, mas não

encontro nada. Não sei se ela é muito boa em esconder as emoções, ou

simplesmente não consigo afetá-la.

— Eu gostei, mas... — ela diz, baixinho.

— Mas o quê? — pergunto.

— Deixe seu marido sentir o cheiro — a atendente sugere em inglês

com o sotaque forte, por trás do balcão.

Caroline ergue o pulso e o seguro, inclinando a cabeça farejo sua

pele como o animal faminto dentro de mim gostaria de fazer com cada

pedacinho do seu corpo.


Sinto cheiro de uva e espumante na sua pele quente de veludo, a

combinação é tão sexy que faz o sangue fluir depressa para meu pau.

— Combinou com sua pele — digo baixinho para que só ela ouça,

com os dedos ainda segurando seu braço perto de mim, o abaixo devagar,

querendo adiar o momento em que vou soltá-la.

Será que estou tão carente assim?

— É mesmo? — Caroline pergunta e morde o lábio carnudo.

— Sim, por que não compra? — questiono.

— Parece bom, e a embalagem é muito bonita — ela diz baixinho,

inocente, sem ter a mínima ideia de como eu desejo fodê-la —, mas é caro

pra mim.
Um soco acerta meu estômago. Estou aqui cobiçando Caroline,

enquanto ela está desejando uma coisa que não pode comprar. É só um

creme, e nem deve ser tão caro assim, mas me lembro que ela faz hora extra

para ajudar a família, então não desperdiçaria dinheiro com uma coisa

supérflua.

Me repreendo mentalmente por não ter prestado mais atenção. Será

que seu salário já caiu na conta? Será que recebeu algum cartão ou um vale

para suas despesas? Percebo que estou sendo um péssimo chefe, enquanto

ela tem feito de tudo para facilitar minha vida e a das crianças, não me

preocupei nem com o que tem jantado à noite.

Parece que não sou tão diferente de Phillip quanto pensava.

— Pode embrulhar dois, por favor? — peço a moça no balcão. —

Separadamente.
— Oliver, não precisa! — Caroline diz e segura meu pulso, falando

aos sussurros. — É só um hidratante, não precisa comprar pra mim.

— É falta de educação recusar presentes — faço questão de lembrá-

la.

Seu rosto começa a corar e suas sardinhas ficam mais aparentes. Será

que ela tem ideia do quanto fica bonita assim?

— Temos esse outro creme — a atendente diz, esperta, colocando

um frasco de cor e formato diferente sobre o balcão. — Ele tem o cheiro

mais predominante da uva cabernet e fixa por mais tempo na pele.

— Embrulhe tudo que minha esposa gostar — digo a moça. —

Acerto o valor daqui a pouco.


— Oliver... — Caroline resmunga em tom de súplica, ainda

vermelha.

— Tudo para você, meu amor — brinco e pisco para ela novamente.

Gostaria que meu coração também levasse na brincadeira, mas ele

acelera de um jeito ridículo.

Volto ao balcão de degustações e dou uma olhada para ver se as

crianças ainda estão brincando com o gato.

Ao final da visitação, saímos carregando sacolas de garrafas de

bebidas e embrulhos com cosméticos.

— Você realmente não precisava ter comprado nada pra mim —

Caroline lamenta, enquanto me vê fechando o porta-malas cheio de pacotes.

— Eu já cometi vários deslizes como sua assistente e ainda te faço...


Bato a mala do carro e me encaminho para acomodar as crianças nas

cadeirinhas.

— A empresa está pagando suas despesas? Você já recebeu seu

salário? — pergunto.

— Sim, já recebi, e o departamento financeiro me mandou um cartão

eletrônico para as minhas despesas. Está tudo acertado até agora — ela

explica, me deixando mais aliviado.

— Você pediu para embrulhar dois frascos, separadamente, daquele

primeiro creme que experimentei — comenta assim que entra no carro, se

acomodando no banco do passageiro, ao meu lado. — Um é para mim e o

outro... é para dar de presente?


Não sei por que ela pergunta isso, mas confirmo, mesmo que esta

não seja a resposta certa.

Para meu desespero, toda a área de visitação do último vinhedo, o

maior deles, é no subsolo.

Caroline, percebendo o cansaço das crianças, as deixa com uma

funcionária do local, que cuida do espaço infantil, depois de comprarmos

lanches para eles.

Me apego a ideia de que estarei lá embaixo sozinho, que não

precisarei me preocupar com eles. Não é o subsolo em si que me assusta,

mas a ideia da claustrofobia, das escassas opções de saída, em como, num

incêndio ou em outra emergência, a coisa ficaria muito feia.


Posso cancelar, não sou obrigado a estar aqui, mas Caroline está

empolgada, porque conhece o homem que nos guiará pela visitação, um

enólogo que estudou com ela no ensino fundamental. Não quero estragar as

coisas.

— Tem outros turistas gringos, você notou? — ela pergunta quando

começamos a descer os primeiros degraus. — Lauro vai falar nos dois

idiomas.

— Isso é ótimo — murmuro, sentindo um caroço se formar na minha

garganta ao perceber que todo o interior da vinícola, e não só a área das

escadas, foi construído em pedra.

Lamentavelmente, isso me faz lembrar muito o castelo que pegou

fogo.
— Você acha que as crianças vão ficar bem? — pergunto na

esperança de que possa escapar dali.

— Eles amaram aquela moça. Vão se divertir muito mais do que se

estivessem aqui — Caroline responde.

Minha respiração está começando a acelerar, enquanto andamos com

o grupo pelos corredores. Olho para as paredes de pedra e vejo o fogo

lambendo as fundações do castelo que foi meu lar e de minha esposa por

muitos anos.

— É um trabalhão, né? — Caroline sussurra, chamando minha

atenção.

O guia está falando em inglês, olhando diretamente para mim, mas

não consigo prestar atenção no que diz, por mais que me esforce. Sinto
como se não estivesse aqui, como se minha mente quisesse me levar de

corpo e alma de volta aquele castelo.

Encaro o guia, enquanto ele fala, e meneio a cabeça para incentivá-

lo. Ao menos prestei atenção no nível do seu sotaque.

Meu coração bate tão forte que começo a ter medo de não conseguir

me controlar. Meus olhos deixam os do guia e percorro as paredes,

localizando as plaquinhas verdes que indicam o caminho de volta para a

escada.

Perco o fôlego lutando com os frangalhos da minha mente para

recuperá-lo. Aperto os olhos com força e os abro novamente. Vasculho o

local à procura das placas que indiquem a saída de emergência. Assim que

as encontro, vermelhas e chamativas, sinto algo tocar minha pele e

estremeço.
Demoro um momento para ficar consciente de que é Caroline

tocando minha mão. Sua pele está fria, por causa do ar-condicionado. Não

sei quanto tempo fiquei preso no meu próprio inferno, mas as pessoas estão

vários metros à frente, seguindo o guia.

— Vem comigo — ela diz tão baixo que mal ouço, então me puxa na

direção contrária de onde os outros visitantes estão indo. — Vai ficar tudo

bem.

Minha boca está seca e meus olhos ardem. Em algum lugar da minha

mente, tenho ciência do papel ridículo que estou passando, deixando que

outra pessoa me veja assim... ainda mais ela.

Em um espaço que eu gostaria que não existisse na minha cabeça,

Phillip dá uma gargalhada, me chama de fraco e pinta diante dos meus

olhos as formas como eu poderia acabar com aquilo.


Aperto os olhos, ainda caminhando com Caroline que empurra uma

porta vermelha e me faz entrar em um banheiro. Só quando vejo o espelho,

o reflexo do homem de olhos vidrados, é que tomo ciência das suas mãos

nos meus braços.

— Vai ficar tudo bem — sussurra como se falasse com uma criança

assustada. — Você está tendo uma crise de ansiedade, mas vai passar.

Sua voz é tão gentil, tão amável, que me permito respirar fundo e

soltar todo o peso das lembranças que estou carregando. Sinto vergonha por

ela me ver desse jeito, mas não tem o que fazer agora, já está feito.

Ela me empurra devagar até a pia, abre a torneira, molha a mão e a

leva até minha nuca. Estremeço com a temperatura da água, mas deixo que

continue molhando minha nuca.


Apoio as mãos na bancada de mármore e me concentro no toque, na

temperatura, em respirar, conseguindo afastar o pensamento de Phillip, das

suas risadas, das suas ideias e, principalmente, do fogo.

— Está ficando melhor, né? — Caroline pergunta.

Ergo a cabeça e a encaro através do espelho. No momento, sinto

tanto carinho por ela que poderia facilmente puxá-la para meus braços e

apertá-la contra o peito.

— Sim... — Minha voz é só um silvo baixo, porque tenho medo de

falar mais alto e trazer de volta o pior da ansiedade que nem passou ainda.

Presto atenção em como a gola da minha camisa está encharcada e

dou um sorriso de canto, envergonhado.


— Você ainda está tremendo — Caroline volta a sussurrar —, mas

vai passar.

Sem que eu esteja esperando, sem que eu esteja preparado, ela pega

na minha mão e entrelaça nossos dedos. Olho para nossas peles sob a luz

branca do banheiro e, de repente, fico muito mais consciente do toque da

sua pele do que do meu coração ameaçando explodir no peito.

— Ah, você ainda está tremendo tanto... — ela murmura com o tom

de voz preocupado, então se vira e me encara.

Seus olhos de sereia não escondem mais as emoções, e dá para ver a

preocupação neles, além de outra coisa que não sou capaz de identificar.

Ela fica na ponta dos pés, solta minha mão e me agarra, passando os

braços por cima dos meus, abraçando meu corpo bem forte, como se eu
fosse um garotinho.

— Shiii — ela sussurra e começa a me embalar, como fiz com as

crianças na primeira vinícola, quando a ansiedade começou a me castigar.

É tão bom, tão seguro, que relaxo. O coração ainda está batendo

forte, mas dessa vez é por outro motivo. É pelo presente, não pelo passado.

— Obrigado — digo com a voz rouca.

— Não precisa agradecer, eu... — ela faz uma pausa, então me solta

e dá dois passos para trás, apoiando a mão na bancada. — Eu também tinha

essas crises.

Pisco, não sei se devo, não sei se é o momento, mas resolvo

perguntar assim mesmo.


— Aconteceu alguma coisa para você se sentir assim? — Minha voz

sai ainda mais rouca, porque sei que não tenho o direito de invadir sua

privacidade.

— Quando eu tinha quinze anos — ela começa, então respira fundo

e agarra minha mão novamente, como se buscasse o mesmo apoio que me

ofereceu —, morava numa cidadezinha na fronteira do Brasil com Uruguai,

Jaguarão. Acontece que, meu irmão tinha problemas com uma família aqui

em Bento Gonçalves. Eles eram muito poderosos e o odiavam pra valer.

— Seu irmão Daniel? — pergunto.

— Isso, Daniel. Ele morava com os amigos cretinos na época, fazia

faculdade de jornalismo — Caroline diz e lembro do nome Dimitri Romano

na lista de aprovados do curso de Jornalismo.


O quebra-cabeças se encaixa na minha cabeça.

Não encontrei nada sobre Daniel Ruschel nas reportagens porque ele

nunca existiu. Antes de trabalhar como editor, em São Paulo, ele se

chamava Dimitri Romano. Não preciso me perguntar por que assumiu outro

nome. A resposta está mais clara que água, ele precisava fugir do passado

que deixou aqui.

As pessoas dessa cidade não sabem disso, que não atende mais pelo

nome de Dimitri. Tem sempre alguém perguntando por ele.

Caroline teve todo cuidado, sempre o chamando de Daniel na minha

frente, mas ela não contava que eu fosse curioso.

— Acontece que ele sempre foi apaixonado pela filha de um desses

homens, da família inimiga. O pai dela descobriu que eles estavam juntos, e
para dar um susto em Daniel, mandou um bandido, lá em Jaguarão, entrar

no meu quarto e fazer uma chamada de vídeo, no meio da noite. Se Daniel

não se afastasse de Giulia, eu que pagaria.

Agora nós dois estamos tremendo. Fecho minha mão livre em

punho, sentindo o ódio crescer no meu peito.

— O que ele... — Sinto um gosto amargo na boca, não sei se consigo

aguentar a resposta. — O que esse bandido fez a você?

Aperto sua mão em sinal de que agora sou eu que estou aqui por ela.

— Não fez nada, só fez a chamada e depois foi embora, porque

Daniel aceitou se afastar de Giulia — ela diz e solto a respiração que nem

notei que havia prendido. — Mas acordei antes que ele pulasse a janela para

ir embora, eu o vi. Gritei pela minha mãe, que veio correndo... Eu... Tive
pesadelos com aquele homem no meu quarto por muito tempo, e todo vez

que acordava, estava assim, como você ficou hoje.

— E onde esse desgraçado está agora? — pergunto com a voz mais

grave que de costume, pensando em como posso dar um jeito nas coisas.

— Morto. Eu pesquisei na internet, pelas listas de procurados pela

justiça, até que o encontrei. Fiquei vigiando pelo Google, mesmo que a

ansiedade me corroesse. Um belo dia, descobri que ele morreu numa troca

de tiros com a polícia.

— E quanto aos outros, os homens da outra família?

— Depois que aquele bandido entrou no meu quarto, meu irmão e

minha mãe juntaram todas as economias que tinham e me mandaram para

os Estados Unidos, para que não houvesse chance deles me machucarem


— ela confidencia. — Mas todos estão mortos agora. Aquela fazenda onde

o casamento aconteceu era deles. Os irmãos Ricci. É por isso que Tatiana...

— Colocou fogo na casa e mandou construir outra — concluo sua

fala.

— Você presta atenção nos detalhes — ela diz e dá um sorriso.

— Seu irmão ficou com a garota, no fim das contas — não posso

deixar de comentar.

— Eles se conheceram quando eram adolescentes, se separaram e

voltaram algumas vezes. É uma longa história, mas sempre se amaram, e

agora finalmente estão casados.

Quero perguntar mais coisas, quero dizer a ela que não precisa

chamar o irmão por outro nome da minha frente, que não vou julgar se ele
matou o pai para proteger os mais novos, mas ela está assumindo o olhar de

imparcialidade outra vez, ocultando as emoções.

— E você foi sozinha para os Estados Unidos? — arrisco perguntar,

sem saber se ainda vai me responder.

— Sim, vivi sozinha até 2030, quando Stefan foi morar comigo —

Caroline responde.

Seus dedos ainda estão entrelaçados aos meus e não ouso mover um

milímetro que seja de pele, para que ela não se afaste, para que não leve a

maciez da sua pele para longe de mim.

— E você procurou ajuda? — faço a pergunta mais invasiva

possível, e me arrependo logo em seguida. — Digo, você sofreu um trauma,

precisava de terapia.
Com a mão livre, ela coça a testa suavemente e dá risinho, mas seus

olhos continuam inexpressivos.

— Esse não foi nem de longe o pior dos meus traumas — responde,

fazendo a preocupação martelar na minha cabeça. — Mas eu fiz algumas

sessões com a terapeuta da escola, nos Estados Unidos.

— Isso é bom

Me pergunto como vou conseguir saber mais sobre ela, quais foram

esses outros traumas e se ainda há algo que posso fazer para resolver, ou

vingar.

— E quanto a você? — ela quer saber. — O que causa tanta

ansiedade?
Engulo em seco, sem saber como vou falar a respeito, porque não

tenho coragem de abrir a boca para falar sobre o incêndio que matou minha

esposa, ainda assim, ciente de que preciso ser recíproco, nem que seja só

um pouco. Ela me contou algumas coisas, e se quero mesmo saber mais

sobre ela, tenho que falar também.

— Cinthia, minha esposa... — começo a dizer e preciso respirar

fundo para continuar, minha boca quer se fechar a cada palavra. — Ela

morreu em um incêndio.

— Eu soube e sinto muito — Caroline diz, me deixando ainda mais

curioso.

— Tudo bem, foi há dois anos. — É mentira. Não está nada bem e

Caroline testemunhou que não. — Como você soube?


É aí que ela puxa a mão da minha. Coloca as mechas do cabelo loiro

e sedoso atrás das orelhas, franze os lábios.

— Eu pesquisei na internet — confessa, então coça a testa outra vez.

Me arrisco a dar outro meio sorriso, porque parece que estivemos

pesquisando sobre as famílias um do outro em segredo. Meu coração se

agita, como se estivesse se tornando algo grande, mas o repreendo com o

pensamento. Isso não significa nada.

— Você... — ela volta a dizer. — Estava no castelo?

Engulo a saliva e meneio a cabeça.

— Estávamos só nós quatro na ala que pegou fogo, os funcionários

dormiam em alas diferentes... Eu... Ela desmaiou com a fumaça e não fui
capaz de carregar todos os três para fora. Fui tirar primeiro as crianças, e

quando tentei voltar...

— Shiii — ela sussurra e me agarra outra vez, me aninhando ao

notar que a ansiedade está voltando. — É por isso que você se preocupa

tanto com eles?

— Lugares fechados, com poucas saídas de emergência... — explico,

enquanto ela me embala novamente.

— Você deveria ter dito, não precisávamos ter vindo aqui.

— Eu quis vir. E quis ficar também.

Inclino a cabeça e aspiro o cheiro dos seus cabelos, consciente do

calor da sua pele, do formato redondo e da maciez dos seus seios contra

meu tórax.
— E você fez terapia? — ela pergunta com gentileza.

— Fiz. — Mas eu não falava muito.


Caroline

Quinta, 12 de fevereiro de 2032

5° DIA

Estou ansiosa para ver minha mãe e o meu irmãozinho. Não é uma

ansiedade ruim, como a que Oliver enfrentou ontem, mas uma sensação

boa. Mal posso esperar para abraçá-lo.


Não comprei presentes, então separei um dos cremes que Oliver

comprou e vou dar para minha mãe.

Estou confusa novamente, pensando nele como pessoa, e não como

meu chefe ou senhor Henderson. Sinceramente, já não sei mais o que

pensar, nem como agir, então decidi deixar as coisas fluírem. Ele foi muito

legal comigo ontem, e não cometi nenhum deslize nos últimos dois dias, o

que tem sido ótimo, portanto, quero seguir otimista.

Estou em uma loja do Centro de Bento escolhendo uma camisa do

Grêmio para dar de presente a Giovanni. Passa das 15h30 e já acompanhei

Oliver em duas reuniões com empresários que pretendem construir novos

hotéis, além de ter fechado algumas reformas de alto padrão em um

condomínio em Gramado. Os negócios estão progredindo.


— Não sabia que era tão caro — exclamo alto demais ao ver o preço

na etiqueta. — Meu Deus, dá pra comprar vários lanches com esse valor!

— Essa é a réplica perfeita da original — o vendedor me explica.

— Não deixa de ser falsa — não posso evitar comentar.

Não entendo como cobram tão caro em uma camiseta que não é

original, mas meu irmão adora o grêmio, e desconfio que o pai não faz

muito para agradar o filho. Eu sei como é querer uma coisa simples e não

poder ter, e já que estou com um cartão corporativo para minhas despesas,

me vejo no direito de esbanjar um pouquinho.

— Não é a original, mas o acabamento é muito bom, guria — o

vendedor diz, esticando a peça na minha frente, mostra o acabamento do

bordado e das costuras.


— Tudo bem, vou levar. Você tem algum embrulho para presente?

Enquanto espero pela camiseta, ligo para Stefan pela milésima vez.

Mandei minha localização e estou esperando que ele me encontre no

Centro, para irmos juntos à rodoviária. Não sei por qual razão ele me daria

um bolo.

O vendedor me entrega o embrulho e pago pela camiseta, esperando

que meu irmãozinho goste. Quando chego à calçada, Stefan me liga.

— Vale lembrar que eu não te vejo desde domingo — digo assim

que atendo. — Onde você está? O ônibus vai chegar daqui a pouco.

— Ainda estou na fazenda — o safado diz e dá um suspiro,

parecendo cansado. — Eu não vou.

— O quê? — berro ao telefone. — Como não vem?


— Tô aproveitando os últimos momentos com Ayla — diz na maior

cara de pau.

— Stef — o chamo, tentando ser paciente —, nós vamos ficar na

casa de Dimitri, só algumas quadras de Ayla. Você não vê mamãe e

Giovanni há quase dois anos.

— Provavelmente vou ficar na casa de Dimitri, mas não é certeza.

— Nossa mãe vai chegar em pouco tempo. Você não pode estar

falando sério. Onde você está? — pergunto e me viro, esperando encontrá-

lo atrás de mim, mas não há ninguém além dos estranhos indo e vindo pela

calçada.

— Tô na Fazenda Ricci, Gina, já disse. Eu não vou.

Sinto a preocupação me atingir lentamente.


Olho em volta, sem saber o que estou procurando, e solto o ar

pesado dos pulmões. Alguma coisa me diz que isso não tem nada a ver com

querer aproveitar mais um pouco da namoradinha, tem algo mais sério

acontecendo. Algo que me assusta, mesmo que ainda não saiba o que é.

Eu sei que Stefan adora Giovanni e mamãe, sempre falou deles com

muito carinho no tempo em que morou comigo. O que pode ter rolado de

tão grave para não querer vê-los?

— Vou fazer uma pergunta e quero que você seja sincero, como

sempre somos — peço.

— Serei o máximo que eu puder. — O jeito como ele responde me

faz engolir a saliva.


— Isso não tem a ver com Ayla, né? — arrisco perguntar, com a

pulsação acelerando.

— Não tem, Gina. Mas, por favor, pelo amor que você tem a mim,

não pergunte o porquê — Stefan pede.

— Tá... Tchau. — desligo e aperto o telefone com força,

experimentando o medo como há muito tempo não sentia.

Não saber o que é me corrói por dentro, e meu peito está todo

inundado de dúvida, mas dou o meu melhor para me recompor.

Me enganei feio quando pensei que a câmera estava sendo generosa

com mamãe, que a imagem nas chamadas de vídeo estava sendo gentil em

ocultar as rugas causadas pelo sofrimento.


Minha mãe está tão bonita como dá última vez em que a vi

pessoalmente. Não entendo como pode estar tão conservada com quarenta e

nove anos, até parece uma esposa troféu, com o cabelo hidratado, como se

tivesse acabado de sair do salão, as unhas feitas com alongamento, os lábios

cheios... parece até que fez preenchimento.

— Uau — digo assim que a abraço. — Você está tão linda! E você...

Me viro para o rapaz ao seu lado, bonito como o desgraçado do pai,

e o abraço com força.

— Pode me explicar, como já é mais alto que eu se você só faz

catorze anos em março? — questiono Giovanni, então seguro o rosto dele

entre as mãos. — Sinto pena dos corações das garotas da sua escola.
Consigo arrancar um sorriso simpático dele. Seus olhos são mais

claros que os meus, mas tem cabelos loiros. As bochechas ficam vermelhas

conforme ri, e dá para ver que só se parece fisicamente com o pai, porque

Flaviano não sorri assim.

— Cadê seu irmão? — mamãe pergunta, olhando em volta.

— Stefan teve uns imprevistos e não conseguiu vir. Está trabalhando

na Fazenda Ricci para levantar um dinheirinho. Ele lamentou tanto. Vamos

pegar uma mesa? — pergunto, apontando com o queixo na direção de uma

lanchonete, esperando que tenha sido convincente.

— Estou com tanta saudade do meu menininho — mamãe reclama.

— Também queria ver meu irmão — Giovanni murmura.


— Se eu for promovida, ele volta pro Brasil comigo. É só uma

questão de tempo.

Saio de braços dados com os dois, ainda com a sacola dos presentes

pendurada no antebraço, com medo de não aproveitar o máximo que puder.

— Que história é essa de ser a melhor arquiteta da empresa? —

mamãe pergunta assim que nos acomodamos.

— Não sei se sou exatamente a melhor, mas sou a mais dedicada —

respondo. — Preciso ser, né?

Ela apoia o cotovelo na mesa e o queixo sobre a mão, então me olha

com orgulho.

— Valeu muito a pena todo esforço que Dimitri e eu fizemos para

mantê-la estudando fora — minha mãe comenta. — Já te disse o quanto


estou orgulhosa?

— Já, mãe. Você disse. — Dou um sorriso sem graça e toco a borda

da mesa, pensando em como perguntar isso a ela. — Mãe...

— Sim? — Ela está apontando a tela do celular, que eu lhe dei no

Natal, para o QR CODE na mesa, e apenas ergue as sobrancelhas bem-

feitas.

Olho das suas unhas com alongamento para as minhas roídas. Minha

mãe, mesmo sendo mais velha, é muito mais atraente e bem cuidada que eu.

Quanto tempo faz que não vou ao salão de beleza?

— Estamos pagando essa dívida desde que arranjei meu primeiro

estágio. Ainda falta muito tempo? — arrisco perguntar, morrendo de medo

de que fique chateada, afinal, a dívida foi feita por minha causa.
— Falta, minha querida — diz e dá um suspiro, voltando a olhar

para a tela do celular, como se não fosse muito importante.

— Você trouxe o carnê do banco? Posso dar uma olhada?

— Meu amor, hoje em dia é tudo eletrônico. Acha que as coisas só

evoluíram nos Estados Unidos e que ficamos parados no tempo?

— Não... eu... só queria ter noção de quanto ainda falta... — digo,

mas minha voz vai morrendo.

— O que vai querer comer, Giovanni? — ela pergunta a meu irmão,

não dando atenção ao que falei.

— Mãe? — a chamo outra vez, ficando ansiosa. — É que, às vezes...


Não quero jogar na cara dela que passo aperto para mandar o

dinheiro todo mês. Longe de mim fazer isso com minha mãe.

— Quando você conseguir a promoção, tudo vai ser melhor. Vamos

poder adiantar as parcelas e quitar em menos tempo — ela sugere.

Respiro fundo, observando meu irmão olhar o cardápio, ele é

simpático, mas não é exatamente o tipo de criança feliz. Tem alguma coisa

no seu rosto, tipo uma marca que só quem também tem consegue ver.

É a marca de crescer com um pai tóxico.

— Pode escolher o que quiser, eu pago — digo com carinho a ele. —

Aliás, trouxe uma coisa que acho que você vai gostar.

Pego a sacola e entrego para ele o embrulho. Meu coração se derrete

com o sorriso tímido que Giovanni dá, com as faces ficando vermelhas.
Não somos próximos, mas o amo com todo meu coração.

— Obrigado, Caroline. Não precisa... — diz, mas a voz dele morre

quando abre o pacote e vê a camiseta do seu time.

Fico feliz e, ao mesmo tempo, furiosa por saber que o escroto do seu

pai não faz algo assim pelo filho.

Entrego o creme para minha mãe que o esfrega um pouco no braço.

— Tem cheiro bom. Parece ser chique. Gostei — ela diz.

Há uma pausa para concluirmos nosso pedido, antes de voltarmos a

conversar.

— Carol, meu amor, você nunca comentou com Dimitri sobre a

hipoteca que eu fiz para conseguir pagar suas despesas, não é? — Suas
sobrancelhas se arqueiam de dúvida.

— Não, mãe. Você pediu para eu nunca contar — respondo.

Não foi uma, nem duas, nem três vezes que me desesperei, sem

saber como ia pagar as contas e mandar o dinheiro da hipoteca para minha

mãe, e pensei em ligar para Dimitri pedindo ajuda, mas não fiz.

— São tantos segredos que precisamos guardar — diz e olha para

Giovanni por um instante, depois volta a me encarar com os olhos azuis

escuros. — Quando o dinheiro da sua parte do sítio acabou, eu tive que me

virar. Flaviano estava em um momento difícil e eu tomava conta das

despesas da casa. Não tinha de onde tirar e não queria que seu irmão

soubesse que...
— Que você tinha casado com outro homem que não presta —

concluo e me arrependo logo em seguida. Giovanni não merece ouvir essas

coisas. — Quer dizer, Flaviano tem muitos momentos difíceis.

— Eu estava desesperada, sem saber o que fazer — explica, não joga

na minha cara, mas mesmo assim, machuca saber que ela se apertou tanto

para me sustentar. — Seu irmão pagava uma parte e dei todas as garantias

de que pagaria a outra metade dos seus gastos. Hipotequei a nossa casa sem

que Flaviano soubesse. Nenhum dos dois pode saber; Flaviano, porque me

mataria se descobrisse que fiz uma coisa dessas sem conversar com ele, e

Dimitri porque...

— Ele iria desconfiar do seu marido. — Não consigo controlar a

língua outra vez.


— Eu sempre tive muito carinho pelo seu irmão, você sabe. Cuidei

dele como filho por muitos anos, mas quando Flaviano foi morar comigo...

— Se seu marido soubesse que tinha contato com Dimitri, ia te

punir, então você teve que fechar a porta da casa pra ele — repito a

explicação que ela já deu inúmeras vezes.

— Foi melhor assim. Se Dimitri ao menos soubesse que Flaviano já

levantou a mão pra você ou pra Stefan, ele...

Minha mãe não precisa concluir o que ia dizer, porque eu sei. Dimitri

ia matar para nos proteger, sem se preocupar em estragar a própria vida,

outra vez.

— É por isso que nunca contei nada para ele. Nem nunca vou contar,

porque eu sei que, não importa quanto tempo passe, se ele souber, não vai
deixar barato... — explico. — Só não entendo como você ainda continua

com esse homem.

— Eu vou me separar, estou juntando uma graninha, é por isso que

te pedi para comprar as passagens.

Relaxo os ombros com sua decisão, feliz que vai tomar um rumo na

vida, finalmente.

Giovanni é calado como Dimitri era, impressionante que, apesar de

não ter o mesmo sangue, estamos todos ligados. Ele observa tudo em

silêncio, mas noto seu semblante mudar quando ela fala da separação.

— Como você se sente a respeito disso? — pergunto ao meu irmão

caçula, segurando sua mão e esfregando o polegar na sua pele.


— Acho que sou o único guri que torce para os pais se separarem —

ele assume, e encolhe os ombros, ficando mais tímido.

— Não é. Acredite. Quando nossa mãe era casada com meu pai, eu

torcia por isso também — confesso.

Eu ficava ajoelhada no quarto, ao pé da cama, rezando com toda a

minha fé para que mamãe fosse embora com a gente, enquanto no andar de

baixo, meu pai batia em Dimitri.

Dou um longo suspiro, pensando em como meu irmão mais velho

sofreu, em como a vida não foi justa com ele por tantos anos. Nada do que

passamos se compara ao que Dimitri enfrentou. Eu jamais permitiria que

ele, novamente, se ferrasse por nós, ainda mais agora que tem uma família.
Dimitri não precisa saber de nenhuma merda sobre Flaviano, muito

menos sobre o outro monstro que veio antes dele, porque não suporto nem

pensar na dor que meu irmão carregou por ter disparado, sem querer, aquela

maldita arma que matou sua mãe, Evelin Ruschel.

Tremo só de imaginar o peso que isso teve em sua vida.

— Flaviano não é nem metade do traste que seu pai era — minha

mãe faz questão de lembrar, me fazendo pensar que ainda o ama.

— Mesmo que um homem não espanque a família toda semana, isso

não significa que ele preste. Flaviano só não é tão mal quanto meu pai, mas

está longe de ser um bom homem.

— É isso que eu quis dizer — mamãe se adianta. — O fato é que a

casa está no meu nome, mas foi ele quem pagou sozinho por ela. Na época,
eu estava grávida de Giovanni e Flaviano quis me dar essa segurança...

Agora precisamos quitar a hipoteca o mais rápido possível, para que eu

possa ir embora sem ele descobrir o que fiz. Seja promovida e nos ajude,

filha, afinal...

— A dívida é minha — assumo.

— É nossa, mas eu não consigo pagar sozinha — mamãe retruca

com o tom de voz mais manso.

Respiro fundo, sentindo o peso da responsabilidade nos meus

ombros.

Estou ainda mais fodida do que antes. Para ela sair da casa, para

pedir a separação, eles vão mexer nos papeis. Não pode haver dívidas.
— Estamos falando de quanto? — pergunto segurando sua mão com

força, mas o garçom chega com nossos pedidos.

— Vou fazer os cálculos de quanto ainda falta, com os descontos, e

te ligo contando — ela responde encerrando o assunto.


Caroline

Sexta, 13 de fevereiro de 2032

7° DIA

Ocorreu tudo bem com a chegada da senhora Collins em São Paulo.

Um carro a buscou no aeroporto e a levou direto para a nova casa da família

Henderson, no condomínio de luxo onde tanto meu irmão, quanto os

amigos moram.
Troquei algumas palavras com ela ao telefone e, a princípio, nos

demos muito bem. Fiquei feliz por ter gostado de como a casa foi arrumada.

Tive pouco tempo, mas fiz um bom trabalho, mesmo à distância, e com a

ajuda do pessoal da sucursal de São Paulo.

A minha passagem e a de Stefan está programada para amanhã, no

mesmo horário do voo de Oliver, assim ele não vai chegar sozinho a São

Paulo, evitando qualquer possível aborrecimento.

Fechamos bons negócios e conseguimos ótimos fornecedores na

Serra Gaúcha. No fim das contas, Oliver ficou muito satisfeito, me disse,

inclusive, que achava que o pai ficaria impressionado.

Estou dez porcento mais otimista com a possibilidade da promoção.

Preciso continuar demonstrando que tenho tudo que o cargo e ele precisa,

facilitando não só sua vida, como também a das crianças e a da senhora


Collins. Além de fazer com que Oliver pense que não vai se sair bem sem

mim aqui no Brasil, que veja que sou a melhor opção como seu braço

direito.

Apesar da necessidade desesperada, ainda mais agora com tudo que

minha mãe disse, preciso confessar que faço isso não só pelo trabalho, mas

porque gosto de cuidar deles.

Oliver é muito mais gentil comigo do que qualquer pessoa da sua

classe social já foi, e as crianças são muito fofas. E sempre me derreto perto

deles.

Estou tão encantada que, às vezes, sinto que eles realmente precisam

de mim. Sei que não deveria me iludir tanto, principalmente me apegar a

Celiny e Jake, tendo em vista que posso ser mandada de volta para a matriz
na Califórnia, mas mesmo assim, já estou apegada. O que é um erro,

sabendo muito bem que a vida adora afastar de mim tudo que amo.

Mas, dessa vez, estou ouvindo meus dez porcento de otimismo e não

vou me apegar a essas possibilidades.

Vou focar no que é real. Preciso ligar para meu irmão para perguntar

se Stefan e eu podemos ficar na sua casa em São Paulo.

Estou dobrando algumas roupas, enquanto Stef mexe no celular,

jogado na cama, de cara fechada desde que Ayla foi embora com a família.

Assim que chegou, tentei descobrir o que havia de errado, por que

ele não foi comigo à rodoviária, mas desisti de insistir assim que percebi

sua relutância. Contei que mamãe quer que eu adiante as parcelas da dívida,

mas ele não disse nada.


— Ei, você deveria aproveitar a piscina — digo, para chamar sua

atenção. — O valor da diária nesse hotel é caro, e tudo que você aproveitou,

além do café da manhã, foi a academia. Parece um desperdício.

— Sabe o que foi um desperdício? — ele pergunta, abaixando o

celular para me encarar.

— O quê?

— Ter levado aquele guri com você no domingo. Totalmente

desnecessário!

— Jonas Valentini? — pergunto, já começando a rir.

— É! Esse mesmo! Na sua frente, ele tinha o temperamento do

gêmeo Natan, mas longe de vocês, era exatamente como Gabriel — Stefan

diz como se fosse um adolescente mimado. Nunca o vi falar desse jeito.


Parece até que uma criança ficou usando seu brinquedo preferido no

parquinho. — E quando fomos andar de quadriciclo, ele fingiu que não

sabia, só para as gurias ficarem em cima dele.

Não consigo segurar a gargalhada. Nunca tinha visto meu irmão com

ciúmes antes.

— Não tem graça nenhuma, Caroline — Stefan me repreende.

— Claro que tem, Stef! Você tá parecendo um dos cretinos. Só

espero que não tenha deixado Ayla perceber que isso o afetou.

— E tem mais! Não quero ele perto da minha sobrinha —

acrescenta. — Diana já é mocinha e parece que todo maldito adolescente

que coloca os olhos nela fica babando. Dimitri que não fique esperto.
Arqueio as sobrancelhas, chocada com a demonstração de ciúme de

Stefan. Não pensei que fosse se sentir protetor com Diana. Tudo bem que

ela realmente está se tornando uma moça linda, mas ele parecia não se

importar com muita coisa quando estava começando a se envolver com a

filhinha de Artho.

— Quanto a Diana, você pode ficar despreocupado, porque ela

puxou a tia e não vai namorar tão cedo — afirmo, piscando para ele. — Só

me admira você estar sendo tão protetor com ela, quando não se importou

com a idade de Ayla.

— Quem disse que não me importei?

Faço cara feia para meu irmão, sem querer jogar na cara as coisas

que ele mesmo assumiu.


— Sobre minha sobrinha — ele continua. — É diferente. Confio em

Diana de olhos fechados, sei que não vai querer saber de namoro tão cedo,

mas não gosto desses guris olhando pra ela. Sei o que passa na casa deles.

Vou ter uma conversa com meu irmão sobre isso.

— Você não vai ter conversa nenhuma com Dimitri. Ele já morre de

ciúmes da filha, se você for alimentar as paranoias, é capaz de mandá-la

para um convento.

— E por que você acha que é uma má ideia?

— Porque se Diana for, Ayla também vai — provoco.

— Ah, Ayla não vai! — Stefan dá uma risadinha debochada. — Não

vai mesmo! E se ela for, me visto de padre e vou até lá fazer a freirinha pe...
Não deixo ele termina de falar, porque vou para cima, batendo nele

com o travesseiro.

— Você é um maldito, safado! É pior que os cretinos! Muito pior! —

esbravejo, e para me irritar ainda mais, Stefan só ri. — É um hipócrita de

merda! Se juntar Artho, Dimitri, Eros, Lion, Gabriel e Natan, não vai dar a

metade do cretino que você é!

— Eu sei, Carol — confirma e pisca pra mim, agarrando o

travesseiro, o segura com as duas mãos, enquanto pairo sobre ele, vermelha

de irritação. — E ainda tem mais.

— Ainda tem mais? — quase choramingo. — Não sei se consigo

aguentar mais da sua merda.

— Sabe aquele sobrinho de Charlotte?


— Hector Castro? — pergunto e rolo para o lado da cama de

solteiro, me espremendo ao lado de Stefan. — O guri bonito e forte, de

olhos claros e cílios escuros?

— Que bonito o quê? — Stef resmunga. — Não sei por que estão

levando ele para terminar o Ensino Médio em São Paulo. Morar na mesma

casa que Ayla, dormindo debaixo do mesmo teto, toda noite...

Caio na risada. Ele está possesso e não pode fazer nada. Pelo tanto

que o conheço e sei como é fechado com as outras pessoas, imagino que

Stef nem deve ter demonstrado esse ciúme todo, deve ter aguentado tudo

calado, e estava segurando tudo para me contar.

— É por isso que você não arredou o pé da Fazenda Ricci esses

dias? — provoco. — Estava cuidando de Ayla para que o primo não

paquerasse ela?
— Estava cuidando não só de Ayla, mas dá minha sobrinha também.

Fiquei por perto e espantei os urubus só com o olhar. Dimitri vai me

agradecer quando voltar da lua de mel.

— Dimitri não vai saber de nada, porque você não vai enfiar mais

paranoias na cabeça perturbada do nosso irmão, entendeu? — declaro com

o tom de voz mais sério. — Falando nisso, preciso ligar pra ele. Ainda não

falei sobre ficarmos na sua casa.

Sento na cama estreita e Stefan passa o braço, que é mais largo que

minha coxa, em volta da minha cintura. Me puxa de volta e caio sobre o

travesseiro no seu peito.

— Não vai querer atrapalhar a lua de mel deles.


— Eu não queria, mas preciso — digo e volto a me sentar,

arrumando o cabelo. — Vamos para São Paulo amanhã e não temos lugar

para ficar.

— Eu sei... — Stefan murmura, mudando de humor rapidamente, ao

ficar mais sério. — Só queria que ele aproveitasse o máximo de tempo com

Giulia. Eles merecem.

— Sim, mas já tem quase uma semana que eles estão curtindo, e não

é como se fossem um casal que acabou de se apaixonar. Eles se conhecem

há duas décadas. Não é uma ligação rápida que vai arruinar a lua de mel dos

pombinhos, né? — Ergo as sobrancelhas, esperando que Stefan concorde

comigo.

— Acha que eles não estão aproveitando cada minuto longe dos

filhos?
— Era para você concordar comigo, agora fico sem graça de ligar e

atrapalhar alguma coisa. Já pensou, que esquisito!? — Stefan e eu fazemos

cara de nojo juntos.

— Liga, se ele demorar a atender, não precisamos ficar imaginando

o motivo — ele sugere.

— Vou aguardar três toques — digo.

Ando pelo quarto e pego o celular. Minha pulsação acelera quando

encontro seu contato. Fico parada, olhando para a tela, criando coragem.

Dimitri é muito importante para mim, sempre me amou mais que um pai, e

eu amo Giulia também, mas não quero incomodar.

— Liga — Stefan diz.


Respiro fundo e aciono o alto-falante, enquanto a ligação completa.

Para a minha surpresa, meu irmão atende no segundo toque.

— Aconteceu alguma coisa? — é a primeira coisa que ele diz.

Dá para perceber que parece preocupado pelo tom de voz. Também

pudera. Quem é que liga para o irmão em lua de mel?

— Não aconteceu nada demais, não precisa ficar alarmado — trato

logo de explicar. — É que...

— Fala logo, você tem que deixá-los curtirem os últimos momentos

— Stefan sussurra.

— Então... estou a serviço do meu chefe, Oliver, aquele que você

tentou intimidar na festa de casamento — faço questão de lembrar —, e


queria saber se você e Giulia não se importariam se Stefan e eu ficássemos

na sua casa.

Franzo o nariz para meu irmão, que senta na cama, também ansioso.

— É claro que não nos importamos — Dimitri responde, então seu

tom de voz se eleva. — Linda, meus irmãos vão passar um tempo na nossa

casa, você se importa?

— Claro que não, vai ser muito bom recebê-los — Giulia diz, ouço

sua voz distante, e solto a respiração.

— Quando vocês vão? — Dimitri quer saber.

— Amanhã. Quando vocês chegarem, já estaremos lá, mas agora não

vou incomodar mais. Aproveitem o resto da lua de mel.


— Tem visto minha filha? — ele questiona, antes que eu desligue.

Stefan se levanta da cama e vem na minha direção, mas o fuzilo com

o olhar antes que abra a boca para falar alguma besteira.

— Ela é uma criança maravilhosa, é tão comportada! — digo por

entre os dentes, enquanto tapo a boca de Stefan com a mão. — Aproveite...

Paro de falar ao sentir o celular vibrando com uma segunda ligação.

— Meu chefe está me ligando — informo.

— Olha, eu ainda vou ter uma conversa mais séria com ele, colocar

os pingos nos “is” — Dimitri tem a audácia de dizer.

— Deixa que eu faço isso — Stefan garante, se libertando da minha

mão —, já que seus amigos não valeram de nada.


— O quê? — Dimitri quer saber.

— Até logo, Dimi! Beijo, Giulia! — falo mais alto para que minha

cunhada ouça, então desligo e atendo Oliver imediatamente, empurrando

Stefan para longe de mim e lançando um olhar ameaçador. — Desculpa a

demora, estava longe do celular. Precisa de mim?

— Não exatamente — Oliver responde com a voz aveludada. — O

que está fazendo?

— Já verifiquei que a senhora Collins chegou e troquei algumas

palavrinhas com ela, chequei os últimos e-mails, agora estou começando a

arrumar as malas — explico. — No que posso ajudar?

— Tenho um convite para te fazer — diz e meu coração começa a

acelerar.
Tiro o celular do viva-voz imediatamente e o levo a orelha, fazendo

sinal para Stefan permanecer quieto.

— Um convite...? — sussurro, acanhada por ficar afetada na

presença do meu irmão.

— Estou sentado na varanda, com uma garrafa do espumante que eu

reparei que você mais gostou. O sol vai se pôr em menos de uma hora e não

paramos para assistir a isso juntos nenhuma vez. O que acha?

As palavras convite, pôr do sol, espumante e juntos começam a girar

na minha cabeça. O coração dispara feito doido, bombeando o sangue

depressa, aquecendo partes do meu corpo que não são tocadas há muito

tempo.
— E as crianças? — minha voz soa fraca, assim como estão minhas

pernas.

De repente, minha mente dá um estalo. É isso! As crianças! Ele só

quer que eu fique com as crianças! Como sou sonsa, ouvi e interpretei tudo

errado.

— Elas estão na brinquedoteca e garantiram que vão ficar lá até

fechar, por volta das vinte e duas horas. Abri uma exceção hoje, vou deixá-

los ficar acordados até tarde.

— Ah — murmuro, ouvindo o estrondo da minha suposição cair por

terra. — Eu... adoraria.

— Estou esperando você — ele completa com a voz ainda mais

aveludada, então desliga.


Me viro, coloco o celular sobre a bancada e me apoio nela,

agarrando a borda com as duas mãos, respirando fundo para me acalmar.

— O que foi? — Stefan quer saber.

— Oliver Henderson acabou de me convidar para beber espumante e

assistir ao pôr do sol com ele — assumo.

— O quê? Ah, não! — Stef murmura. — Não sou de ter ciúmes de

você, até porque você não tem vida social, muito menos amorosa, mas na

ausência de Dimitri, me sinto na obrigação de tomar conta de tudo.

Endireito a postura e apoio a mão na cintura, encarando o meu irmão

com um olhar incrédulo.

— É melhor você ir baixando sua bola! — ameaço. — Nem fodendo

que você vai vir com ciuminho pra cima de mim!


— Então você admite que existe algo entre você e seu chefe para que

eu tenha ciúmes? — pergunta atrevido.

Bufo perdendo o controle, tiro o chinelo do pé esquerdo e arremesso

contra ele.

Stefan o pega no ar e dá risada.

— É por isso que você ama tanto me ter por perto, Gina, porque

comigo você pode ser jovem, como não pôde ser antes — diz, acertando em

cheio.

Eu não tive tempo para ser jovem, para aprontar, me divertir. Estava

sozinha e precisava correr atrás das coisas, sem ficar incomodando ninguém

com meus problemas.


— Viu só? Sou tão bom nisso que já te fiz esquecer que estava toda

nervosa por causa da ligação do chefe — meu irmão brinca.

Seguro uma risada e reviro os olhos, porque não consigo ficar brava

com ele.

Estendo a mão e Stef me devolve o chinelo.

— Você quer beber espumante e assistir ao pôr do sol com seu

chefe? — ele questiona.

— Quero — assumo e mordo o lábio.

— Então, já que não posso ser o irmão ciumento, que te defende,

vou ser o irmão legal e te ajudar — ele declara indo em direção ao armário

onde estão as roupas que ainda não guardei na mala. — Acho que você
deveria usar um vestido ou uma saia. Se não conquistar seu chefe pelo

trabalho, pode conquistar pela beleza.

— Stefan Romano! — alerto para que ele pare com as gracinhas.

— O que foi? Você não é uma puritana, e precisa muito do emprego.

— Ainda mais agora. — Murcho os ombros, lembrando da hipoteca.

— Mas, só pra você saber, relacionamentos entre funcionários são proibidos

na Henderson & Co.

— É uma corporação bem rigorosa — pondera, analisando minhas

roupas. — Ainda acho que deveria usar um vestido, mas não tem nada

muito bom aqui. Ayla e aquela amiga, Valentina, têm roupas muito

melhores. Até Diana, que só tem treze anos, se apresenta melhor que você.
— Obrigada! — resmungo com sarcasmo. — Você não sabe como

isso vai ajudar na minha autoestima.

— Na maioria das vezes, você não precisa de roupas legais, porque é

muito bonita naturalmente, só que, nesse caso, para andar com um homem

como seu chefe, vai precisar se vestir melhor.

Murcho ainda mais os ombros e sento na beirada da cama.

— Acontece que eu não tenho como comprar roupas melhores tão

cedo. Preciso me virar com o que tenho — lamento. — Como sempre me

virei.

— Mas agora você está trabalhando como o braço direito do CEO.

— Menos de uma semana com Ayla e você já está dando dicas de

moda? — Ergo as sobrancelhas para disfarçar que estou triste.


— Ela acompanha o trabalho de Raquel, então fala sobre isso o

tempo todo. Sabe de uma coisa? Você deveria conversar com Raquel, acho

que ela emprestaria umas roupas da coleção, assim você pode andar mais

arrumadinha.

— Não posso pedir roupa emprestada pra Raquel Mendes. Ela ia

comentar com Giulia, e Dimitri iria acabar desconfiando que minto há anos

sobre minhas condições financeiras.

— Você pode dizer que é para divulgação — Stef sugere, provando

que não entende nada do que está falando.

— A grife de Raquel é famosa, e eu não sou ninguém. O que ela

ganha emprestando suas roupas? Vou divulgar pra quem?

Stefan franze os lábios e une as sobrancelhas grossas.


— Tentei ajudar.

— Depois de derrubar minha autoestima — o lembro. Fico de pé e

vou até o armário, o empurro com o quadril e pego um vestido azul que

comprei num brechó, quando isso ainda era acessível ao meu bolso. — O

que acha desse?

Seguro o cabide com o vestido solto na frente do meu corpo e Stefan

faz uma careta, como se estivesse olhando para um desastre.

— Vai esse mesmo! — Bufo. — Não estou indo para um encontro.

— Não derrubei sua autoestima. Você é linda, Gina, muito linda —

elogia com gentileza.

— Obrigada — sussurro, antes de me apressar para ficar pronta.


Caroline

Meu coração está dando um show no céu da minha boca, enquanto

observo os números subirem no painel do elevador.

— Ele só quer companhia — sussurro para meu reflexo no espelho.

— Não tem motivo nenhum para gastar energia ficando assim.

Olho para o vestido que tem um bom caimento no meu corpo, mas

logo percebo que não tenho razão para me preocupar com o que estou
usando. Não é como se eu estivesse indo acompanhar meu chefe a uma

festa chique. É só uma taça de espumante no último dia de trabalho.

No entanto, quando o elevador se abre, meu corpo age como se

estivesse indo para meu primeiro encontro.

Passo a língua nos lábios, me certificando de que estão hidratados, e

caminho pelo corredor, apertando o celular na palma da mão como se ele

pudesse me dar apoio.

Olho para as unhas dos meus pés, que não veem uma pedicure desde

a década passada, e me arrependo de ter ido de sandálias de tiras.

Penso na minha mãe, no seu cabelo hidratado, nas unhas bem-feitas,

no quanto ela se cuida, apesar de estar dando duro para manter as despesas

da casa.
Será que não estou me esforçando o suficiente? Que eu deveria

economizar mais e dar um jeito na minha aparência?

— Pelo menos sou muito limpa — digo baixinho, empinando o

queixo no corredor do andar mais chique do hotel. — Tem gringo que nem

gosta de tomar banho todo dia.

Mesmo não indo à pedicure, minhas unhas estão higienizadas e bem

aparadas — as das mãos estão ruídas, mas isso é um caso à parte. Acho que

a limpeza é mais importante.

Toco a campainha do apartamento de Oliver e aguardo.

De repente, não sei mais onde colocar as mãos, se deixo os braços

caídos ao lado do corpo, se os cruzo diante do peito ou se entrelaço os

dedos atrás das costas. Me sinto ridícula.


— Pensei que não viria mais — é a primeira coisa que Oliver diz

quando abre a porta.

Ele não é um desses gringos que não tomam banho todo dia. Oliver

está sempre cheiroso e com a pele limpa. Eu moro há muitos anos fora e sei

reconhecer quando a pessoa não é higiênica.

— Desculpe a demora — digo e percebo o quanto minha voz sai

rouca.

— Não precisa se desculpar, Caroline — expressa, gesticulando para

que eu entre.

Oliver me encara com intensidade, em seguida passa os olhos pelo

meu corpo, sobre o vestido azul. Tenho quase certeza de que ele pode ver
através do tecido, invadindo minha pele até chegar em minha mente e saber

tudo que andei pensando a seu respeito.

Droga, por que seu olhar está fazendo meu corpo esquentar?

Qual é a necessidade de o sangue fluir para o meu rosto logo agora?

Respiro fundo, aspirando seu perfume, e me dou conta de que

estamos sozinhos no seu apartamento. Ele continua gesticulando para que o

siga. Entro no seu quarto pela primeira vez e sinto o seu cheiro mais

intenso.

— Por aqui — mostra estendendo a mão na direção da varanda.

Engulo em seco quando vejo a mesa arrumada, iluminada pelo sol

que se encaminha no horizonte, indo cada vez mais para o oeste. Há uma
garrafa de espumante moscatel em um balde de gelo, duas taças de cristal

para a bebida, além de taças de água e tábuas com vários petiscos.

— Está esperando mais alguém? — me atrevo a perguntar. Sinto

uma pontinha de decepção ao pensar em outra pessoa dividindo esse

momento conosco.

— Não, somos só nós dois — ele responde, afastando o sentimento.

Caminha até uma das cadeiras e a puxa para que eu sente, como fez

das outras vezes em que almoçamos juntos, durante a semana.

Está usando calças de alfaiataria cinza claro e uma camisa branca de

botões, sempre elegante. A calça emoldura sua bunda, e me repreendo por

olhar demais, antes de dar o primeiro passo em direção à mesa.


Me sento e Oliver se acomoda na outra cadeira. Reparo em como sua

camisa está bem passada, com todos os botões fechados e entendo o que

Stefan quis dizer sobre eu ter que me vestir melhor. Me falta elegância e

sofisticação, até minha sobrinha de treze anos parecer ter mais estilo e

personalidade do que eu.

Endireito a coluna e jogo o cabelo para trás, prendendo as mechas

atrás das orelhas, antes que fique todo bagunçado com o vento.

— É uma pena que já estejamos indo embora amanhã — Oliver diz

enquanto abre o lacre da garrafa do espumante.

Percebo que ele realmente parece lamentar nossa partida.

— Você gostou mesmo daqui, isso é bom — digo e dou um risinho

nervoso.
Ele serve uma taça e me entrega, e segue o olhar para os parreirais à

frente do hotel.

— Olha essa vista, o clima. Poderíamos ter sentado aqui todas as

tardes para beber — ele comenta.

Quando seus olhos encontram os meus, a confusão invade o meu

cérebro.

— Poderíamos — me obrigo a dizer. — É uma vista muito bonita. É

o melhor hotel da cidade.

Ele serve sua taça e levanto a minha em direção a sua.

— Um brinde aos negócios que você fez aqui — me antecipo,

ansiosa.
— Um brinde aos negócios que nós fizemos aqui — corrige e dá

aquela piscada que me abala.

Me apego ao fato de que Oliver está me incluindo no trabalho. Isso é

um bom sinal. Meu otimismo sobe para quinze porcento e não me recrimino

por isso.

— Descobri que uma empresa de cruzeiros marítimos, uma das mais

importantes do Brasil, está planejando reformar boa parte da frota de

navios.

Meu queixo cai de repente e o lado profissional toma conta,

espantando a garota nervosa que, aparentemente, está desenvolvendo uma

quedinha ridícula pelo chefe.


— Eles vão contratar uma empresa de arquitetura e designer de

interiores — concluo.

Oliver confirma com a cabeça, mesmo sério, parece otimista.

— Precisamos pegar esse negócio. A Henderson & Co. é a melhor

do mercado — afirmo com orgulho. — Ainda não abrange todo o território

nacional, mas com certeza pode assumir esse projeto.

— Gosto muito do seu otimismo — Oliver elogia e mordo o lábio

animada, sentindo que já existe uma espécie de companheirismo entre nós.

Faz parecer que já me considera o seu braço direito.

Em poucos minutos, estou em ligação, marcando uma viagem na

empresa de cruzeiros para nós dois, assim poderemos conhecer o interior

dos navios, e posso desenvolver o esboço de um projeto, enquanto ele cuida


da parte administrativa do negócio mais lucrativo que posso ajudá-lo a

fechar.

— Falo em nome do senhor Oliver Henderson, o novo CEO da

Henderson & Co. Ele tem negócios para tratar com a companhia e preciso

que você faça reservas no próximo cruzeiro — explico a atendente em

português, enquanto meu chefe bebe espumante e observa a vista. — Por

gentileza.

Cruzo os dedos, preciso muito que tenha uma data disponível antes

que meus trinta dias com Oliver acabem. Quero estar com ele para ajudá-lo

a fechar o negócio mais importante dessa nova etapa da sucursal, quero ser

importante. E talvez isso possa me ajudar.

— Temos um cruzeiro disponível, saindo do porto de Santos, no dia

primeiro de abril, senhora — a atendente explica e murcho na cadeira.


Oliver arqueia as sobrancelhas, sem entender minha reação.

Em abril eu posso não estar mais aqui. Respiro fundo.

— A companhia não tem nenhum outro cruzeiro antes dessa data?

— insisto, mas dá para reconhecer a derrota no tom da minha voz.

— Senhora... — ela diz e faz uma pausa, enquanto seco o suor das

palmas das mãos no vestido. — Temos um cruzeiro saindo do porto do Rio

de Janeiro na semana que vem, dia dezenove. Mas é um cruzeiro para casais

de...

Abaixo o celular e abro um sorriso vitorioso para Oliver.

— Eles têm um cruzeiro disponível para semana que vem — conto a

ele em inglês. — Posso reservar?


— Para nós dois — ele faz questão de lembrar.

Encho os pulmões de ar, antes de voltar a falar no meu idioma

nativo, me sentindo radiante.

— A senhora entendeu? — a atendente pergunta.

— Sim! — digo, eufórica. — Preciso de uma reserva em uma cabine

da primeira classe e outra reserva na classe executiva.

— Vão viajar em cabines separadas? — a moça do outro lado da

linha parece estranhar.

— Vou embarcar com meu chefe, temos negócios para tratar no

navio, como te expliquei.


— Sim, a senhora vai viajar com o senhor Oliver Henderson. Já

tenho as informações. A senhora está ciente...

Abaixo o telefone novamente e toco o braço de Oliver, por cima da

camisa branca.

— Demos muita sorte. O próximo cruzeiro seria só para abril. Até lá,

outra empresa já poderia ter pegado o projeto — digo.

Ele ainda me olha como se tivesse o poder de atravessar minha pele,

mas seu semblante sério se desfaz por um momento e um dos cantos de sua

boca se curva em um sorriso torto. Eu perderia o fôlego, se já não estivesse

sem ar.

Não indiferente ao meu entusiasmo, mas nem de longe tão

empolgado quanto eu, Oliver bebe mais um gole do espumante.


Volto a dar atenção a atendente e finalizo as reservas com nossos

dados.

— Você não se importa de viajar em um cruzeiro? — questiono

depois de encerrar a ligação. — Não vai te deixar ansioso?

— Não, o mar me acalma. E meus filhos estarão seguros com a

senhora Collins — ele explica.

Respiro fundo e relaxo na cadeira, descansando as costas no encosto

e observando a vista. Há algumas nuvens no horizonte e o sol se pondo as

deixa com uma cor alaranjada na parte inferior.

— É lindo — sussurro.

Faz silêncio e consigo ouvir as batidas do meu coração. Penso em

falar com ele sobre a lista de materiais que recebi da escola onde
providenciamos a matrícula das crianças, mas desisto. Não quero estragar o

momento.

— Você tem razão — acrescento —, deveria ter sentado aqui e

aproveitado o pôr do sol todos os dias.

— Nós deveríamos — ele corrige.

Engulo dois goles generosos da bebida, esperando que ela possa

acalmar meus batimentos, mas não vale de nada quando Oliver se inclina

para a frente, apoia os cotovelos nos joelhos, o queixo sobre os punhos

fechados, e começa a me olhar, como se analisasse cada parte do meu rosto.

Eu tento. Quero desviar, voltar a observar o horizonte, mas ele é

mais bonito que qualquer pôr do sol.


Noto meu peito subir e descer veloz. Não sei por que está me

olhando assim, parecendo interessado, mas, pela primeira vez, não me sinto

tão acanhada. Quero que Oliver me olhe, que goste do que vê, que me

assista.

A voz de Stefan dizendo que não me visto bem chega a minha mente

de surpresa, mas a afasto. Não estou sendo muito racional agora, e é uma

sensação boa.

Mexo no meu cabelo, jogando algumas mechas por cima do ombro,

e passo a língua devagar no lábio inferior. Não sei a razão, mas esse

pequeno gesto atraí ainda mais a atenção de Oliver.

Enquanto seus olhos estão nos meus lábios, arrasto os dedos devagar

até a barra do meu vestido, não quero quebrar esse instante com

movimentos bruscos.
Ele engole a saliva e vejo seu pomo de adão se movimentar sob a

pele da garganta, abaixo da barba cerrada.

Toco a costura e puxo discretamente o tecido para cima, até deixar

meus joelhos à mostra. Sinto o quanto minha pele está quente quando uma

brisa mais forte sopra contra mim.

— Vai sentir falta daqui? — Oliver questiona, inesperadamente. —

Das pessoas daqui?

Pisco, com um lampejo de consciência, me dando conta de que

estava erguendo o vestido para meu chefe ver meus joelhos. Tem a

possibilidade de isso ser mais idiota?

— Caralho... — xingo em português, me endireitando na cadeira,

sentindo as mãos voltarem a suar e o calor, que estava lambendo minhas


coxas, subir para meu rosto. — Sim, quer dizer... Não exatamente.

Que resposta foi essa?

Estou mais nervosa agora, com medo dele chegar à conclusão

precipitada de que estou tentando seduzi-lo.

— Aproveitou todas as noites? — ele volta a questionar. — Pelo

menos, aquelas em que te deixei livre?

— Humrum — resmungo, torcendo para que tudo seja paranoia e

que ele não tenha imaginado nada.

— Quando sai para jantares, os homens que te levam para sair

costumam pedir esse tipo de espumante? — Oliver pergunta, movendo o

queixo em direção a garrafa do espumante moscatel.


Que pergunta é essa?

Minha cabeça parece girar e noto os primeiros efeitos da bebida no

meu corpo fraco para o álcool.

— E-Eu — começo a gaguejar, então algo se ilumina na minha

cabeça.

Me lembro dele dizendo, ao telefone, que estava sentado na varanda

com uma garrafa do espumante que havia reparado que eu mais gostava.

Meu coração dá um solavanco e não consigo refreá-lo, nem

organizar os pensamentos.

Pisco, me movimentando na cadeira, cruzando as mãos sobre o colo,

sem chegar à conclusão alguma, enquanto o homem charmoso espera por

uma resposta.
Limpo a garganta e obrigo minhas cordas vocais a trabalharem

melhor.

— Eu acho que... — preciso respirar fundo, me sinto boba, como

uma garota gostando de um garoto pela primeira vez. Agora percebo o

quanto foi ruim não ter aproveitado a juventude. — Nunca fui a um

encontro assim, ou em um restaurante chique, com garrafa de espumante e

tudo mais.

Fico aliviada por minha voz sair mais firme dessa vez.

— Não? — Oliver questiona, mas não o encaro para ver sua

expressão.

Ergo a mão e alcanço a taça. Só me dou conta que pode não ser uma

boa ideia beber mais quando já estou no terceiro gole.


— Não — digo, largando a taça e alcançando duas fatias de

salaminho e outras três de queijo de cabra.

As enfio na boca, esperando que devorá-las alivie a ansiedade.

— O que faz nos encontros? — ele volta a perguntar depois de

alguns instantes.

— Que encontros? — Meu tom de voz se eleva e dou uma risadinha.

— Meu irmão disse que não tenho nem vida social e nem amorosa.

Me arrisco a encará-lo agora, vejo suas sobrancelhas erguidas e

parece que há uma interrogação bem no meio da testa.

Me atrevo a dar mais alguns goles, satisfeita pela bebida estar

começando a fazer seu trabalho ao deixar meu corpo mais leve.


— Se não sai para encontros, onde foi na madrugada depois do

casamento? — Oliver questiona e engasgo com o espumante.

Tusso de forma ridícula, enquanto ele me oferece a taça de água.

Aceito, dando vários goles.

Leva alguns segundos até a tosse cessar, e quando isso acontece, a

gagueira volta.

— E-Eu...

Não acredito que me viu escapar no carro que alugou.

— Não me importo de ter pegado o carro ou de ter saído — Oliver

diz com o tom de voz mais relaxado. — Imaginei que tivesse ido encontrar

alguém, e você tem todo o direito de se divertir enquanto não está

trabalhando.
— Ah, não! — Abano as mãos, aliviada por ele não estar bravo. —

Fui buscar meu irmão. Ele estava chateado porque tinha brigado com a

namorada, parecia muito mal ao telefone, e como a irmã preocupada que

sou, não quis chamar um Uber e ficar esperando chegar. Peguei o carro sem

sua permissão, mas...

— Não precisava da minha permissão para pegar o carro, ainda mais

numa emergência — diz com tranquilidade, o rosto mais relaxado, e dá um

dos seus raros sorrisos de canto.

Já são dois nesse entardecer. Acho que posso me considerar uma

garota sortuda.

Dou um sorriso amarelo quando ele enche minha taça novamente.


— Você reparou no meu espumante preferido — murmuro,

observando as bolhinhas de gás subindo na taça.

— De todos os vinhos e espumantes, você só bebia um gole, em

todas as vinícolas em que fizemos visitação. O espumante moscatel era o

único que você bebia a taça toda.

Engulo em seco. Um sentimento desconhecido, mas potente, começa

a preencher meu peito. Não consigo organizar meus pensamentos com os

olhos de Oliver em mim.

— Você reparou nisso — sussurro e meus olhos ardem.

É um detalhe tão pequeno, mas ao mesmo tempo tão significante.

Acho que nenhum homem, além dos meus irmãos, nunca reparou em algo

assim. Nem mesmo o namorado que tive no colegial.


— Fizemos a degustação juntos, era impossível não reparar —

Oliver diz, como se não fosse nada demais, só que para mim é.

É importante. Meu chefe reparou na minha bebida preferida.

E tem outra coisa. Não estávamos sós, havia outros turistas em todas

as visitas que fizemos aos vinhedos.

— Obrigada por prestar atenção — sussurro e meu peito se enche

ainda mais do sentimento desconhecido.

— Não precisa agradecer por isso. Não é nada demais.

Quero dizer que é sim, que é mais do que estou acostumada a ter das

outras pessoas, além de Dimitri e Stefan, mas me controlo. Não quero

parecer coitada.
— Posso usar o banheiro? — peço o mais cordial possível.

Preciso de espaço, de um momento sozinha para organizar a mente e

tentar entender meus sentimentos.

— Pode usar o do meu quarto, fique à vontade, Caroline — Oliver

pronuncia meu nome em português, com o sotaque forte, mas é sexy.

Me levanto, mais ciente agora de que preciso mesmo de alguns

minutos sozinha.

Paro por um instante e apoio as mãos nas costas da cadeira.

— Como você soube que peguei o carro naquela madrugada? —

Minha curiosidade fala mais alto.

— Eu estava no guarda-corpo, vi você sair — Oliver confessa.


Meu coração se aperta quando me dou conta do quanto ele é

solitário. Acho que ainda não superou o luto. E sinto uma vontade imensa

de abraçá-lo, de cuidar dele.

— Com licença — digo, me afastando.

Atravesso seu quarto tentando me controlar para não olhar suas

coisas, as malas abertas nos cantos do quarto.

Me pergunto se ele tinha funcionários para fazerem suas malas no

País de Gales, ou se prefere cuidar disso sozinho. Não tenho noção de como

é ser tão rico.

É estranho que alguém do seu nível social observe tanto uma simples

assistente. Será que ele repara apenas em mim ou em outros funcionários

também?
Entro no seu banheiro e me deparo com os cosméticos. Vejo seu

perfume, a escova e pasta de dentes, o protetor solar, sinal de que ele cuida

da pele, mas tem algo que chama minha atenção. O mesmo creme

hidratante que ele comprou pra mim está sobre a bancada.

Me lembro de Oliver ter pedido para embrulhar um separado das

minhas compras, mas pensei que fosse para presentear alguém.

— Parece que ele não é tão solitário assim — soo ríspida,

imaginando que recebeu alguém aqui, desde que voltamos dos vinhedos.

É claro que recebeu. Um homem como ele não fica sozinho, e

precisa transar.

Por que meu estômago está doendo como se eu tivesse levado um

soco?
— Não é da minha conta — digo para o espelho, me achando boba

por seja lá o que eu tenha pensado antes. — E não vou me importar.

Recordo a forma como ergui o vestido nos joelhos, enquanto ele

observava meu rosto, e tenho vontade de enfiar minha cabeça em um

buraco. Se Oliver percebeu, deve ter dado gargalhadas por dentro.

Mas ele reparou no seu espumante preferido, dançou com você na

festa de casamento, sentou à mesa enquanto tomava café da manhã com

Stefan, te defendeu de Geronimo Valentini e puxou a cadeira para você

toda vez que almoçaram juntos.

— Ele quis ver o pôr do sol comigo — sussurro para a voz na minha

cabeça. — Mas tem se encontrado com outra mulher, até comprou o mesmo

creme pra ela... Urgh! Vou enlouquecer.


Dou as costas para o espelho e esfrego as mãos do rosto até o cabelo,

implorando para minha mente parar de ter ideias absurdas. A única coisa na

qual devo me concentrar é na minha promoção. Não tem por que fazer uma

análise minuciosa de cada atitude ou frase dita por Oliver Henderson. Nada

do que ele faz além do trabalho deveria significar algo para mim.

Sei que assumi mentalmente estar começando a ter uma quedinha de

leve por ele, mas preciso colocar a cabeça no lugar.

Oliver é bonito, cheiroso, viúvo, um pai muito preocupado, tem um

passado triste, o que estranhamente é um charme, é muito alto, forte e é

gostoso pra caralho com aquela bunda emoldurada pela calça...

Não!
Eu não posso e não vou mais ficar nervosa por cada coisa que ele

fizer.

Tenho que me controlar ou vou começar a ter uma queda de verdade

por ele, e isso não seria nada legal. Imagina... Um homem como ele não

deve querer uma mulher como eu nem para transar.

Toco uma mecha do meu cabelo ressecado com os dedos de unhas

ruídas e suspiro, me dando conta de que estou pensando demais.

Viro para o espelho e encaro meu reflexo.

— É só meu chefe — afirmo, confiante.

Estou emocionada assim porque não tive um chefe que me tratasse

com tanta decência antes. Phillip, seu irmão mais velho, até que tem um
rosto bonito e um corpo atlético, mas é tão arrogante, presunçoso e

desprezível que eu jamais desenvolveria qualquer tipo de atração por ele.

Ergo a cabeça, decidida a voltar à varanda e tomar o resto da minha

taça com toda discrição do mundo, mas antes de ir, pego o perfume dele. Só

para sentir o cheiro mais de perto, um pouquinho. Por que não?

Tiro a tampa e dou uma borrifada para sentir a fragrância de verbena,

frutas cítricas, madeira e couro, mas não é exatamente igual ao cheiro que

exalava do seu pescoço quando dancei com ele no casamento ou quando o

abracei no banheiro da vinícola. Aqui no frasco é só um perfume caro, mas

na pele dele a fragrância se misturava com seu cheiro de homem.

Largo o frasco quando noto que estou esquentando entre as pernas de

novo.
Acho que vou baixar um aplicativo de namoro quando chegar em

São Paulo, e começar a sair. Estou há tanto tempo sem transar que meu

hímen deve ter se reconstituído, se é que isso é possível.

— Vou ao salão hidratar esse cabelo e fazer as unhas também! —

prometo a mim mesma. — Nem que eu precise arranjar um segundo

emprego.
Oliver

Suas sandálias fazem um ruído suave de clac clac no mármore do

quarto. Ouço quando ela começa a caminhar sobre o piso de pedra da

varanda, chegando até a mesa.

— As luzes da jacuzzi acenderam — Caroline diz com a voz

delicada, parando ao meu lado, observando a vista. — Você usou ela?

— Só na primeira noite — confesso.


Ela contorna a cadeira e senta. Percebo que há algo de novo no seu

cheiro, além da mistura de sândalo e baunilha, e do hidratante que ela usa

desde que o comprei, no Vale dos Vinhedos. Me estico na cadeira,

discretamente, e respiro fundo. Identifico o cheiro do sabonete nas suas

mãos e as notas do meu perfume. É sútil, mas está lá.

Franzo o cenho, me perguntando o porquê dela estar com meu

perfume na sua pele.

— A escola mandou e-mails com a lista de materiais das crianças —

diz, alcançando sua taça. — Posso combinar com a senhora Collins de

irmos ao shopping no domingo para comprar tudo. Podemos levar as

crianças para escolher. O que acha?

— É domingo, pensei que tivesse outros planos — digo.


— Não tenho — ressalta e dá um sorriso.

A encaro, formulando na minha mente um jeito de perguntar por que

ela passou meu perfume, mas não a faço, mesmo que adore vê-la corando.

Ainda estou tentando me acostumar com a informação de que ela não saiu

para foder naquela madrugada.

Ela é toda minha. Uma voz, que não é a de Phillip, soa na minha

cabeça, mas não dou atenção a ela. Não tem nada em Caroline que possa ser

meu.

— Você não tem encontros por que... — limpo a garganta e espero

estar soando despretensioso — namorou por muitos anos?

— Não — ela responde e coça o pescoço. — Só namorei quando

estava no Ensino Médio. Depois que entrei para a faculdade, começaram os


estágios e eu não aproveitei muito. Estava ocupada trabalhando.

Engulo em seco. Minha mãe biológica, pelo pouco que me lembro,

não tinha tempo de ficar comigo, porque também trabalhava demais. Nas

raras folgas, ela enchia a cara, nunca estava lá para mim.

Uma vizinha espiou pela janela quebrada do trailer, me viu passando

os dedos em uma carreira de pó sobre a mesinha de centro, e depois

lambendo, enquanto minha mãe estava desmaiada em uma poça de vômito

no banheiro.

A vizinha chamou o conselho tutelar e, para completar, eu tinha

alguns hematomas que minha mãe não conseguiu explicar. Ela perdeu

minha guarda e a minha experiência com abrigos começou.


Não sei por qual razão lembro disso agora. Talvez, porque tanto

Caroline, quanto eu, tivemos uma infância fodida. Desejo, com toda as

forças, que a dela não tenha sido tão terrível quanto a minha.

— Você não deve fazer ideia do que é isso, né? — ela pergunta, me

trazendo de volta para o presente.

— Hum? — Ergo as sobrancelhas, sem saber ao que ela se refere.

— Você não deve fazer ideia do que é precisar trabalhar duro para

pagar as contas. Ficar tão ocupado com o emprego que não sobra tempo

para aproveitar a vida — Caroline diz com o rosto nu, sem aquela máscara

que costuma usar a maior parte do tempo.

Meu coração despedaçado dói só de olhar. Detesto que ela tenha

vivido tudo isso, seja lá qual for o problema que tem com a família.
— Você tem razão, eu não sei o que é trabalhar para sobreviver —

respondo e desvio o olhar para a taça de espumante. — Mas, nem sempre

fui rico.

Toco as gotículas de suor da taça, depois bebo alguns goles. Quando

volto a encarar, a curiosidade está estampada no rosto de Caroline.

— Como assim, você nem sempre foi rico? — ela pergunta com os

olhos de sereia arregalados. — A Henderson & Co. foi fundada há décadas,

muito antes de você nascer... Não entendo.

Passo a língua nos lábios, considerando se irei adiante ou não com

essa conversa. Acontece que Caroline já me viu em um dos meus piores

momentos, ela cuidou de mim no meio de uma crise, e isso nunca foi um

segredo.
— Não sou filho biológico de Lorraine e Donovan. Não sou um

Henderson de sangue — digo por fim e assisto o espetáculo das suas

expressões, conforme absorve minhas palavras.

Seu lindo mento desce quando ela abre a boca. Os dentes

branquinhos aparecem e os olhos de sereia brilham. Dá para ver a ponta da

língua rosada e úmida entre os dentes.

— Não? — ela questiona.

— Não. Eu fui adotado quando tinha oito anos — lhe conto.

Sua boca carnuda se fecha, mas os olhos ainda estão bem abertos.

Ela se move na cadeira, se inclinando na direção dos pés, e tira as sandálias.

Caroline dobra as pernas, acomodando-se confortavelmente de frente

para mim, e debruça a cabeça no encosto da cadeira com os olhos brilhando


de curiosidade.

— É um segredo de família? — ela pergunta baixinho, como uma

garotinha em um filme de aventura.

— Não é um segredo. Me admira você não saber. Meus pais nunca

esconderam que sou adotado, muito menos meu irmão.

— Nunca falaram muito sobre você na empresa — Caroline diz.

— E olha que trabalho há anos lá. Só ouvi falar do seu nome no mês

passado, pouco antes de você chegar.

Engulo em seco. Eu morei quase duas décadas na Europa, porém não

era como se estivesse morto para não ser lembrado assim. Sem contar que

meus filhos são os únicos netos que meus pais têm.


— Tanto Phillip como seu pai são muito discretos. Não são de

misturar negócios com família — ela trata de explicar, talvez supondo que

fiquei decepcionado. — Só vi sua mãe duas vezes, em todo esse tempo em

que trabalho na matriz.

— Ela não participa muito dos negócios — digo e concluo que

Phillip deveria ao máximo evitar que qualquer um mencionasse meu nome

na empresa.

— Não... — Caroline sussurra. É tão lindo ver a curiosidade

cintilando nos seus olhos. — Se incomoda de falar mais sobre seu passado?

Movo a cabeça, fazendo que não.

Ela morde o lábio e tira a cabeça do encosto da cadeira.


— Você se importaria se eu pegasse uma manta no armário? Está

esfriando um pouquinho.

— Não, pode ficar à vontade — respondo, noto que sua pele dourada

está arrepiada.

Enquanto ela se afasta, descalça, puxo a cadeira alguns centímetros

para mais perto da minha e como algumas fatias dos frios que estão sobre a

tábua.

Encho nossas taças, esvaziando a garrafa, mas confiante por saber

que há outra gelando no frigobar.

Caroline volta, enrolada na manta.

— Peguei um dos seus travesseiros. — Ela para em frente a cadeira,

sem perceber que a puxei, segurando o travesseiro entre os braços magros,


faz uma careta linda.

— Repito, pode ficar à vontade — digo e pisco.

Ela volta a atenção para a cadeira. Apoia o travesseiro no encosto e

sentando de lado, virada para mim e, para minha tentação, coloca as

panturrilhas encostadas no apoio do braço, com os pés descalços ao meu

alcance. A manta escorrega pelos seus ombros, enquanto ela joga o cabelo

para trás, antes de se aninhar no travesseiro.

Sinto vontade de ajudá-la com o cabelo, de colocar as mechas atrás

da sua orelha, mas me contenho.

— Está confortável? — pergunto, levando a taça até ela quando

termina de se acomodar e colocar a manta de volta em torno dos ombros.


— Até demais — Caroline responde, aceitando taça ela balança os

pés, como se estivesse muito relaxada.

Olho para eles por um instante, lutando contra o desejo de tocá-los.

São tão bonitos e delicados. A pele está queimada do sol e há uma

marquinha dos chinelos que ela usou na piscina.

— Então... você disse que foi adotado com oito anos — Caroline diz

e tiro os olhos dos seus pés, voltando a encará-la. — Você... — ela é

cuidadosa com as palavras. — Tem alguma recordação da sua família

biológica? Você os conhece?

— Só minha mãe biológica.

— Tem contato com ela?


— Não. Nunca mais a vi desde que me tiraram dela — respondo,

enquanto ela balança os pés, me provocando inconscientemente.

— E você já procurou por ela?

— Não.

— Já teve vontade de procurar? — Caroline pergunta e dá um gole

rápido no espumante. — Pode me cortar se eu estiver fazendo perguntas

demais.

— Tudo bem. Ela perdeu minha guarda por negligência, quando eu

tinha cinco anos. Nunca se importou de me procurar, de tentar me

recuperar, então... — conto e dou de ombros.

— Sinto muito — ela sussurra, logo emendando outra pergunta. —

Ela perdeu sua guarda por qual tipo de negligência?


Engulo em seco, talvez eu me importasse de responder isso a outra

pessoa, na verdade, não foram muitas pessoas que me perguntaram algo

assim, mas não me importo de contar isso a Caroline. Gosto da sua

curiosidade, que se interesse pela minha vida, mesmo que não seja muito

legal ficar relembrando.

— Ela não arranjava ninguém para tomar conta de mim quando saía

para trabalhar, então me deixava trancado em casa — preciso falar sem

pausas, porque faz muito tempo que contei isso a alguém em voz alta. —

Nem sempre voltava, e não tinha muita comida. Ela também não ligava de

deixar o pó que cheirava longe do meu alcance, então eu acabava brincando

com aquilo e ficava chapado. Sem contar as surras. Ela me batia por mexer

na porra do pó dela, por me encontrar chorando de medo quando chegava

em casa, por chorar quando estava com muita fome...


Não dá tempo de me preocupar com minha própria dor. Vejo as

lágrimas se formarem nos olhos de sereia e o peito aperta tanto que eu

respiro com dificuldade.

— Eu sinto tanto, Oliver — diz com a voz escapando dos seus lábios

e percebo que ela vai desabar. — Como uma mãe pode fazer isso com o

próprio filho?

— Tá tudo bem, Caroline — sussurro a mentira, pegando a taça das

suas mãos. Nunca esteve bem e nunca vai ficar, mas preciso mostrar que

não me importo para que ela não fique preocupada. — Isso foi há muito

tempo.

Apoio a taça sobre a mesa, viro minha cadeira para ficar de frente

para ela e toco sua bochecha, passando o dedo para afastar a lágrima que

escorre.
— Tá tudo bem. Não precisa chorar por mim — peço.

Ela já tem problemas demais.

— Desculpa por fazer você tocar nesse assunto — ela diz, piscando

os olhos com os cílios molhados.

Me obrigo a afastar a mão do seu rosto, mesmo que eu queira manter

o contato físico.

— Eu não me importo de falar sobre isso — minto descaradamente,

só porque não quero que ela vá embora, não quero perder esse momento. —

Pode continuar com as perguntas.

— Tem certeza? — Caroline questiona e assinto. — E seu pai

biológico?
— Nunca ouvi falar dele. — Dou de ombros. — E acho que minha

mãe deve ter ficado aliviada quando o conselho me levou, ela nunca quis

uma criança.

— Isso não era motivo para ela fazer o que fez com você — Caroline

diz e se inclina. — Quero consolar você, como se ainda fosse aquele

menino. Posso tocar seu rosto?

Solto o ar pesado nos pulmões. Queria tanto que as coisas fossem

diferentes, que eu fosse diferente, e que pudesse deixá-la tocar meu corpo

todo.

Alcanço sua mão e a guio até meu rosto.

Seus dedos encontram minha pele, minha barba, minhas

sobrancelhas. As pontas dos seus dedos são tão macias, mas estão frias e
provocam um rastro de arrepios na minha pele, por onde passam. Luto com

tudo que tenho para não fechar os olhos, para não me render a isso.

Por mais que eu tente me controlar, estremeço quando seus dedos

tocam uma cicatriz sob a barba. Engulo em seco, tentado a afastá-la

depressa, com medo que Caroline tenha sentido a protuberância na pele.

Aperto os lábios e a encaro procurando enxergar a estranheza em seu

olhar, mas ela parece não ter notado, então respiro aliviado.

— Você é boa nisso — digo baixinho, com medo de estragar esse

momento.

Seus dedos escorregam da minha barba, passando pelas maçãs do

rosto. Estremeço novamente quando toca minhas orelhas, e um arrepio

delicioso eriça os pelos do meu corpo, por baixo das roupas.


Caroline se inclina na cadeira, se aproximando mais de mim, e enfia

os dedos no meu cabelo, subindo pela nuca. É tão gostoso que preciso dar o

melhor de mim e não a puxar para meus braços, não beijar os lábios

carnudos tão perto dos meus.

Sinto todas as suas fragrâncias, o cheiro no moscatel no seu hálito, o

calor que emana a cada respiração.

— Está melhor? — pergunta.

Pisco. Se eu disser que sim, ela vai parar?

— Muito melhor — respondo, tentando não parecer desesperado

para que ela continue, mesmo que esteja. — Obrigado.

Quando suas mãos se afastam, eu quase a puxo de volta, porque

acabo de me dar conta de que quero isso mais que tudo. Quero uma mulher,
uma companheira, alguém para eu cuidar e também me tratar assim, como

Caroline está fazendo, não uma prostituta fodendo comigo porque paguei.

— Mas você não vai ter. — A voz de Phillip aparece na hora mais

imprópria.

— Eu estou costumada consolar meus irmãos — ela diz e franze o

nariz, voltando a se enrolar na manta que tinha escorregado dos seus

ombros. — Ainda consolo Stefan quando as coisas não vão bem.

— Deve ser bom ter uma irmandade assim. Ter alguém para lutar por

você, para defender — murmuro.

— Você nunca teve?

Faço que não com a cabeça.


— Eu não sei o que seria de mim sem os meus irmãos — diz e seu

rosto fica pensativo por um instante. Não volta usar a máscara. — Como foi

depois que sua mãe perdeu a guarda? Para onde você foi?

— Passei por abrigos e lares temporários por três anos, até meus pais

me adotarem — digo, torcendo para que não peça mais detalhes sobre esses

três anos.

— Os abrigos eram melhores que sua mãe biológica? — ela quer

saber.

Meus ombros caem, porque quero continuar falando, mas não sobre

isso.

— Era mais ou menos igual. Só que eu já estava maior, conseguia

entender melhor as coisas, guardar mais lembranças. É ruim não ter uma
família, não ter nada — acabo confessando, mas logo me arrependo. —

Então os Henderson me escolheram, me tiraram daquela vida, me salvaram.

Ela abre um sorriso de alívio, como se estivesse torcendo pelo meu

final feliz todo o tempo.

— Eles sempre te trataram bem, como um filho mesmo? — Caroline

questiona.

— Como tratavam Phillip, você quer dizer?

— Isso.

— Sim, meus pais sempre foram muito bons pra mim. Muito

amorosos e gentis, mas do que eu jamais sonhei em ter quando era pequeno.
— E você e Phillip? Ele tinha dez anos quando você chegou, né? Se

deram bem?

Dou uma risada sarcástica.

— Phillip me odiou, desde o primeiro momento, e nunca escondeu,

exceto dos nossos pais. Como ele era maior, me batia em toda oportunidade

que tinha, quando ninguém estava vendo. Ele sempre gostou de machucar,

se divertia com isso.

— E seus pais não faziam nada? Você disse que eles eram

amorosos... — Caroline volta a ficar preocupada.

— Eles nunca souberam de nada, eu não contava por que tinha medo

de causar problemas, temia ser mandado de volta para o abrigo. E alguns


demônios dos abrigos e lares temporários faziam Phillip parecer um anjo —

digo e dou um sorriso, mas seus olhos estão arregalados de novo.

— Oliver, você sofreu tanto...

Não resisto e toco um dos seus pés. Meus dedos deslizam na pele

macia e escorregam até a canela, depois faço o caminho de volta,

percebendo que Caroline ficou mais calma.

— Foi só no começo. Quando veio o surto de crescimento da

puberdade, fiquei maior que Phillip, aprendi a me defender e as coisas

melhoraram um pouquinho — conto, porém, prefiro não mencionar a parte

em que ele passou a fazer tortura psicológica. — Então, quando terminei o

Ensino Médio, consegui uma bolsa de estudos na Grã-Bretanha e não

pensei duas vezes.


— Você teve que colocar um oceano de distância entre os dois — ela

sussurra, fazendo referência a algo que eu disse dias atrás.

Sorrio por Caroline lembrar disso.

— Eu acho que... — faço uma pausa, alcançando a sola do seu pé,

dando tempo para que ela me afaste, e como Caroline não se mostra

contrária, pressiono os polegares na sola, massageando, mantendo o contato

físico entre nós. — Acho que nunca contei essa parte da minha vida a mais

ninguém além de Cinthia.

Seus lábios se abrem e os olhos se enchem de tristeza outra vez.

Caroline deve ter se dado conta de que meu final feliz nunca veio e não

virá.
— Eu sinto muito por tudo, pela sua infância horrível, por seu irmão,

por sua esposa.

— Está tudo bem. Já superei tudo. E tenho meus pais e os gêmeos, é

muito mais do que eu esperava ter.

Procuro parecer o mais otimista possível, ainda assim, não sei se

consigo enganá-la.

— Obrigada por se abrir comigo, por contar essa parte que quase

ninguém sabe.

— Não precisa agradecer por eu ter contado uma história horrível —

brinco e dou outro sorriso.

Acho que já sorri mais essa noite do que no mês passado inteiro.
— Obrigada por fazer massagem no meu pé e pelo espumante.

Dá vontade de dizer que o prazer é todo meu, e ela nem faria ideia

do quanto isso é verdadeiro.

— Você disse que pesquisou sobre minha esposa na internet...

— Sim, eu pesquisei — Caroline diz e suas bochechas ficam

coradas.

— Você não foi a única. Antes de você mencionar sobre isso, eu

também fiz minhas pesquisas — admito.

— Sobre o quê? — ela pergunta com o cenho franzido, surpresa.

— Sobre sua família. Eu queria saber quem era Dimitri Romano,

aquele que você não quis me dizer quem era, assim como você queria saber
como minha esposa havia morrido.

Caroline puxa o pé da minha mão, movendo-se na cadeira para

abraçar os joelhos. Percebo que está respirando com dificuldades.

Tenho que ser rápido, para que ela possa se acalmar.

— O que você descobriu? — ela pergunta, apoiando o queixo sobre

o joelho.

— Que ele era o filho mais velho de Evelin Ruschel e Emilio

Romano. Que em 2002, enquanto brincava com a arma do pai, disparou

sem querer e a bala acertou Evelin. Que em 2012, dez anos depois daquele

tiro fatal, ele matou Emilio, seu pai. Emilio era alcoólatra e batia em todos

vocês.

Caroline abre a boca, mas não consegue dizer nada.


— Descobri que em 2014, depois de passar vários meses detido,

Dimitri passou no vestibular para Jornalismo — continuo. — Só não

entendia como não encontrava nada sobre seu irmão, Daniel Ruschel, nas

notícias. Até sobre o outro, Ícaro, eu encontrei alguma coisa. Mas sobre

Daniel, nada. Então, na terça, quando eu tive aquela crise na vinícola, você

mencionou que Daniel havia se formado aqui, no curso de Jornalismo.

Então, entendi a razão de não haver nada sobre Daniel Ruschel naquelas

reportagens, porque ele nunca existiu. Foi um nome inventando para se

livrar do passado que deixou aqui.

Ergo a mão e toco seu rosto com carinho, afastando a lágrima.

— Preciso que você saiba que meu pai era um homem horrível, que

ele espancava todo mundo, mas principalmente Dimitri. Meu irmão se


colocava como escudo e levava a maioria das surras. Ele fez tudo que podia

para proteger a gente, chegou ao limite.

— Eu imaginei isso, não julguei e nem vou julgar seu irmão. Ele fez

o que tinha que fazer — digo e engulo a saliva, minha garganta está

começando a doer. — Só estou te contando para que saiba que não precisa

ficar preocupada de chamar Dimitri de Daniel na minha frente.

— Ele é a melhor pessoa do mundo. Acho que o amo mais do que a

minha mãe — Caroline diz, enquanto ainda estou fazendo carinho nela,

agora percorrendo os dedos pelo seu cabelo. — Obrigada por não o julgar,

porque já fizeram isso demais. O pai dos gêmeos, o pai de Lion... sem

contar as pessoas que não gostavam de nenhum de nós, só porque nosso pai

era um bêbado que arrumava confusão por onde passava.


— Eu sinto muito por tudo que você passou. Se quiser desabafar,

como eu fiz...

— Me lembro de sempre apanhar, de sempre ver minha mãe e meus

irmãos apanhando, que só tínhamos um pouco de paz quando meu pai não

estava em casa. Aí Dimitri ficou maior e passou a entrar no meio — ela faz

uma pausa, fitando o nada. — Mas no último verão, quando ele fez a

viagem que sempre fazia todos os anos, com os cretinos para a praia, as

coisas ficaram bem ruins. Para completar, Ícaro também viajou. E sobrou só

mamãe e eu, e meu pai...

Engulo em seco, minha mente começa a desenvolver ideias do que

pode ter acontecido. Tiro a mão dos seus cabelos e passo a esfregar seu

braço, por cima da manta.


— Ela estava grávida de Stefan, e ele teve a “decência” — Caroline

faz aspas com os dedos — de não bater muito nela nessa época. Descontou

tudo em mim. Lembro de uma vez... Meu pai era marceneiro, fazia móveis

planejados também. Por ironia do destino ou sina, hoje é um dos meus

trabalhos.

Ela faz outra pausa. Eu não consigo falar. Minhas mãos estão

tremendo de raiva. Pigarreio para limpar a garganta e obrigo as palavras a

saírem.

— O que houve? — pergunto.

— Eu mexi no material de trabalho dele, os papéis e os lápis que ele

usava para fazer os esboços dos móveis. Não era nada demais, nenhum

objeto caro. Era só um monte de papel e lápis — Caroline conta, e a mágoa

fica estampada no seu rosto, na forma como ela respira, no seu tom de voz.
— Mas, para ele, era um motivo. Ele puxou meu rabo de cavalo, me tirando

da cadeira, e me arrastou pelos cabelos do andar de baixo, pelas escadas, até

o andar de cima, me trancou no quarto e me bateu tanto que eu desmaiei...

Minha mãe tinha saído de casa, mas acho que ela não ia conseguir me

defender. Só Dimitri conseguia, e ele estava na praia.

— Se ele não tivesse matado seu pai... — me calo. Mas se Dimitri

não tivesse feito, eu mesmo mataria o desgraçado. Ia atrás dele onde quer

que estivesse.

Só não sei se soaria bem dizer isso a ela.

— Meu pai teria nos matado — ela conclui.

— Seu irmão fez a coisa certa — reforço. — Eu faria o mesmo no

lugar dele, pode ter certeza. Se tivesse uma irmãzinha, uma madrasta
grávida, eu faria o que fosse preciso para defendê-las.

— Obrigada por dizer isso, por entender. Não sabe como fico

aliviada. — Ela funga e passa os dedos nos olhos. — Estava com medo de

que você descobrisse o nome verdadeiro do meu irmão e que me achasse

uma mentirosa.

— Eu não pensaria isso. — Por que dá vontade de beijá-la logo

agora? Por que eu quero tanto uma dose maior de Caroline? Preciso

continuar falando, porque meu peito está pressionando os destroços do meu

coração, os espremendo, fazendo-os esfarelar. — Vi uma cicatriz na parte

de trás da sua coxa. Foi alguma coisa que seu pai fez?

— Não... — ela diz e puxa a manta, revelando toda a extensão da

perna lisa, dourada e macia.


A respiração acelera e procuro ignorar o fogo que começa a tomar

conta. Não é hora pra ficar com tesão.

Ela passa o dedo indicador na parte de trás da coxa, mas não posso

ver direito a cicatriz, pela fraca luz da varanda.

— Isso aqui foi por causa do meu padrasto.

— Seu padrasto? — minha voz sai rouca, minhas mãos voltam a

tremer.

— É... Em uma das surras que costumava me dar — Caroline diz e

dá de ombros, como se não fosse nada.

— Dimitri matou seu pai para proteger vocês e sua mãe casou com

outro homem que te batia?


Meu coração bate de uma forma diferente, como nunca senti antes. É

ódio puro.

— Mas Dimitri não sabe e não pode nunca saber, por favor. Isso

morre aqui. A coisa que mais temo é que meu irmão descubra sobre isso e

faça uma besteira. Ele não é mais adolescente, se acontecer de novo, vai

para a cadeia. Sem contar que tem uma família agora. Giulia e as crianças

precisam dele. Não podemos deixar que arruíne a vida mais do que já

arruinou — ela fala depressa, para me convencer.

Sinto como se o ódio corresse nas minhas veias.

— Ele já perdeu Giulia duas vezes por causa disso — Caroline

continua. — Da primeira vez, porque foi detido. Anos depois, na faculdade,

eles voltaram a namorar, mas o pai dela descobriu e mandou ela embora.
Foi dessa vez que mandaram um bandido entrar no meu quarto, lembra?

Falei dele pra você.

— Lembro — digo. Como eu poderia esquecer?

— Então, os Ricci a enviaram para a Itália, ela estava grávida do

meu irmão e não sabia. Foi obrigada a casar com outro homem. Dimitri foi

embora daqui e assumiu outro nome, quando Giulia conseguiu voltar, não

pôde localizá-lo. Eles só se encontraram por um acaso, há menos de dois

anos. Ele finalmente está bem com sua família. Imagina se descobre sobre

meu padrasto e arruína tudo isso...

— Eu nunca contaria, não precisa se preocupar — tento manter a

voz o mais controlada possível, para que ela não possa suspeitar das coisas

que estou pensando.


— Obrigada — Caroline sussurra, tão agradecida que dá um longo

suspiro. — Dimitri é tudo pra mim. Não quero mais vê-lo sofrer por causa

dessa merda, ele merece o final feliz.

Quero dizer que ela também merece, mas entendo seu ponto.

Caroline já foi embora, deixou aquilo para trás, e se eu tivesse alguém, um

irmão como ela tem, que sacrificou a liberdade para me proteger, também

esconderia isso dele a todo custo.

— Não se preocupe, no seu caso, eu também não iria querer que meu

irmão soubesse — reforço, para que ela sinta que pode confiar em mim.

Então tomo cuidado, a partir de agora, com cada palavra, com a entonação e

até minhas expressões, para parecer o mais despretensioso possível. —

Você disse que essa cicatriz foi por causa do seu padrasto... Como foi?
Ela se inclina para olhar a marca por trás da coxa e volta a ficar

ereta. Passa a mão no cabelo e respira profundamente.

— Mamãe tinha saído para procurar uma creche para Stefan, a gente

tinha se mudado para Jaguarão havia pouco tempo. Ela tinha me deixado

responsável pelas tarefas do dia. Limpar a casa e cozinhar. Mas, quando

meu padrasto chegou em casa do trabalho, eu não tinha terminado o almoço

— ela conta, escorregando os dedos pela cicatriz. — Agora parece tão

idiota.

— Continua... — murmuro.

— Ele perguntou por que não estava pronto e eu respondi que era

uma só pra fazer tudo. Então, ele me agarrou pelo pulso e deu um tapa na

minha boca por responder. Eu tinha alguma coisa na mão, não lembro o

que, faz muito tempo, e deixei cair, meu padrasto continuou me batendo e
fui tentar dar a volta na mesa para escapar, mas ele segurou pelo meu rabo

de cavalo. Igual meu pai tinha feito uma vez, e fiquei com tanto medo que

corri que nem doida para fora de casa. A porcaria do degrau da escada

estava podre e arrebentou. Mamãe já tinha pedido pra ele consertar. Eu

acabei caindo e uma lasca de madeira rasgou minha perna.

— Sinto muito — digo, quase sem mover os lábios.

— Ele ainda continuou vindo para cima de mim, mas minha mãe

chegou a tempo e viu que eu tinha me machucado. Ela pediu para eu contar

que tinha caído do pé de amora que havia no quintal, então eu menti no

hospital — ela diz e aperta os lábios. — Como eu disse, é uma coisa idiota.

Um acidente.

Engulo em seco, a mente trabalhando.


— E sua mãe não pensou em se separar dele depois disso? —

resolvo perguntar.

— Não... Acho que as surras que levou do meu pai deixou ela

meio... Não sei. Mas meu padrasto não era tão horrível quanto meu pai.

Acho que ela ficou por isso.

Caroline fica pensativa por um momento.

— Acho que Stefan sofreu mais que eu nas mãos de Flaviano — ela

volta a falar, revelando um nome.

— Flaviano é o seu padrasto? — pergunto, só para ter uma

confirmação.

— É sim. Flaviano Greco, o pai do meu irmãozinho, Giovanni, de

catorze anos. Eu te disse que fui encontrar ele e minha mãe essa semana.
— Sim, você disse — concordo. — Stefan sofreu mais...

— Porque ele era uma criança mais levada. Aprontava o tempo todo.

Além disso, ficou mais tempo. Eu fui embora de casa quando tinha quinze

anos, Stefan saiu um pouco antes de completar dezoito.

— Mas Stefan não conviveu com Emilio Romano, como você e

Dimitri. Você viveu oito anos com aquele demônio e, por mais que Dimitri

defendesse vocês, tinha momentos em que ele não estava em casa — a

lembro, porque ela se coloca em segundo lugar.

— Sim... Meu pai era pior que meu padrasto — ela concorda e

abraça mais forte os joelhos. — Eu convivi oito anos com ele e Dimitri,

dezessete. Ícaro também passou mais tempo que eu, mas ele adorava meu

pai. Nunca entendi.


Caroline dá um longo suspiro, antes de continuar.

— Alguns dias antes da minha partida para os Estados Unidos,

quando minhas malas já estavam prontas, meu padrasto entrou no meu

quarto, na madrugada — sua voz é apenas um sussurro. O ódio volta com

força total e preciso dar o meu melhor para que ela não veja minhas mãos

tremerem.

— O que ele fez? — me obrigo a questionar.

— Veio em direção a minha cama, mas eu ameacei gritar e ele foi

embora. Foi só essa vez — ela continua. — Nunca contei isso a ninguém,

nem mesmo a minha mãe.

A raiva está me deixando quase cego, mas eu preciso manter a

cabeça no lugar. Respiro fundo e procuro me acalmar.


— Como sua mãe se chama? — pergunto, para confirmar. — Li o

nome dela nas reportagens, mas não recordo.

— Telma Fernandes. Ela é tão linda. Você tinha que ver. Nem

aparenta ter a idade que tem.

A última coisa que eu quero ver é uma mãe assim, que deixa os

filhos passarem por esse tipo de tortura.

— E o que eles fazem para ganhar a vida em Jaguarão? —

pronuncio o nome da cidade com certa dificuldade, mas esperando não

esquecer.

— Meu padrasto está trabalhando na Fazenda Garcia, onde cultivam

arroz. Mas, no momento, não está indo porque machucou a perna. E minha

mãe faz doces. Os melhores da cidade.


Me obrigo a dar um sorriso, para esconder a raiva que me domina

por dentro.

— E seu irmão?

— Giovanni?

— Isso. Como é a relação dele com o pai?

— Acho que não é boa. Nunca convivi com ele, porque fui embora

poucos meses depois de ele nascer, mas Stefan sim, e me contou que

Flaviano batia em Giovanni, às vezes. Não com tanta frequência, mas batia.

Sem contar que ele presencia as brigas. Se eu ficar trabalhando em São...

Meu celular começa a tocar sobre a mesa, interrompendo sua fala.


— É do hotel — digo a Caroline, reconhecendo o número. Deu o

tempo de buscar as crianças na brinquedoteca.

— O tempo passou tão rápido. Quer que eu os busque? — ela se

prontifica.

— Não precisa, pode ir descansar. Obrigado pela companhia.

— Obrigada pela bebida e pela conversa.


Caroline

Sábado, 14 de fevereiro de 2032

8° DIA

— Não acreditei quando Stefan disse que vocês viriam nos buscar —

digo assim que passamos pelo portão de desembarque e avisto Charlotte e

Artho.
Os gêmeos correm em direção a Nicolas, enquanto empurramos

nossos carrinhos.

— Eu disse que tinha arranjado uma carona e que você podia

dispensar o motorista, não disse? — Stefan diz, orgulhoso, e pisca para

mim.

— É claro que viríamos — Charlotte comenta e me abraça. — Se

não viéssemos, Ayla não daria paz.

— Eu imagino — respondo e abro um sorriso para minha cunhada,

enquanto Artho cumprimenta Oliver e Stefan.

— Fiquei muito feliz por Ayla e Stefan se tornarem amigos agora —

Charlotte começa a dizer e a ficha cai. — Eles tiverem aquele namoro, anos
atrás e, você sabe como é difícil nessa idade. Pensei que ficaria um clima

estranho quando ele voltasse, mas ainda bem que estão se entendendo.

— Sim, Stefan e eu nos tornamos amigos — Ayla confirma e dá um

sorrisinho inocente para a mãe, com a voz mais doce possível, ao mesmo

tempo em que Stefan conversa com Artho sobre o voo.

Minha mente grita: Meu Deus, como podem ser tão cínicos?

Eu compreendo que só tem uma semana que Stefan chegou e talvez

eles queiram dar um tempo antes a todo mundo, ver como as coisas vão

rolar, mas eu sei que estão ficando. Agora, virem com esse papinho de

amigos...

Ou eles gostam de perigo ou adoram mentir.


Olho para o meu irmão e ele pisca novamente para mim. Só queria

ter um travesseiro em mãos para jogar contra ele.

Ayla continua sorrindo, tão angelical, e eu respiro fundo. Só conheço

alguém que consegue mentir tão bem quanto ela: eu.

— Eles se deram tão bem — ela diz, enquanto Nicolas e os gêmeos

brincam, correndo em volta dos adultos, conversando em português e

inglês.

Percebo que Artho está combinando de levar Oliver amanhã para ver

um carro, na loja de carros importados de um cliente. Fico aliviada.

Acho que acabei de ganhar mais alguns pontos com meu chefe.

Quase posso ver minha promoção cintilando no fim do túnel escuro.


— Vamos? — Charlotte diz em inglês. — Reparamos que você

gostou da comida do Sul e preparamos um almoço típico para vocês.

— Vocês não precisavam se incomodar com nada disso, mas eu

realmente agradeço. É a melhor comida que já experimentei — Oliver

responde, o mais educado possível.

Vou para o lado de Artho e agarro seu cotovelo.

— Está tentando se redimir por você, meu irmão e resto dos cretinos

terem encurralado Oliver no casamento? — sussurro em português.

— Trabalho com a Henderson & Co. e só estou sendo receptivo com

um dos meus clientes mais importantes — Artho sussurra de volta. — Mas,

vou logo avisado, se eu perceber que ele está dando em cima de você, vou

deixar a recepção de lado.


— Cuida da sua vida! — brinco, mas não me irrito.

De certa forma, é bom saber que tenho pessoas por mim, não que eu

esteja precisando. Mas é importante me sentir querida.

Olho para Artho, antes de soltar o braço dele, para a coroa de louros

tatuada no seu pescoço e me lembro de quando ele a fez. Foi depois que

todos eles passaram no vestibular. Dimitri me contou.

Ele também me contou sobre os problemas que a mãe de Artho tinha

com as drogas. Hoje ela está bem, mas foi uma barra.

Me dou conta de que ele e Oliver têm muito em comum. Os dois

viveram situações muito parecidas na infância, com as mães viciadas. Não

sei o quanto disso eles superaram. Não sei se dá para superar algo assim.

Espero que sim.


Depois do almoço na casa dos Becker, vamos deixar Oliver e as

crianças na sua nova casa.

É uma mansão, maior do que parecia nas fotos.

— Acho que é a casa mais bonita do condomínio inteiro — Stefan

comenta, enquanto ajuda a tirar as malas do carro. — E olha que aqui só

tem casarão.

Ele está certo. Conviver com Oliver faz a gente esquecer o quão rico

ele é, mas olhando para a casa, dá para ter uma noção. Ele não se importa

de se misturar com a gente, não faz distinções entre as pessoas, e por isso,

eu esqueço que ele é um herdeiro do senhor Henderson, e agora sei o

motivo. Ele já foi tão fodido na vida que passava fome. Mesmo assim, não
deixa de ser da elite e não posso achar que somos amigos só porque ele me

chamou para tomar espumante na varanda, ontem à noite.

— Vocês chegaram — diz uma senhora muito simpática, descendo

os degraus da entrada, assim que percebe a movimentação da casa.

— Senhora Collins! — os gêmeos gritam e correm para abraçá-la.

— Estarei na casa do meu irmão, fica a algumas quadras daqui.

Qualquer coisa que precisar, é só mandar uma mensagem — digo ao meu

chefe, me despeço e entro no carro com Charlotte.

Ela nos leva até a casa de Dimitri e agradeço tamanha gentileza.

Uma senhora chamada Cecília nos recepciona e nos guia até os

quartos, seguindo as instruções que Giulia passou pelo telefone.


— Nós almo... — começo a me desculpar quando ela nos chama

para almoçar, mas Stefan me belisca.

— Nós estamos morrendo de fome — ele mente.

Desço com ele para a sala a cozinha e comemos pela segunda vez.

No começo, faço cara feia para Stefan, mas me dou conta de que gastei

algumas calorias no caminho, depois subindo as escadas, e fico feliz em

almoçar pela segunda vez.

— Essa é uma das melhores comidas que eu já experimentei — digo

a Cecília, que almoça com a gente depois de insistirmos muito.

— Seu chefe ia gostar — Stefan observa.

— Acho que sim.


— Vocês estavam com fome, e esse é o melhor tempero — Cecília

diz, toda modesta.

Ela mal sabe que nossos estômagos estão quase explodindo.

Começo a tirar os pratos para lavar a louça, mas sou expulsa da

cozinha sem direito a fazer uma reivindicação. Então subo para o quarto e

arrasto Stefan comigo.

— Que história é essa de você e Ayla serem só amigos? — pergunto

assim que fecho a porta.

— Ayla prefere assim, diz que precisamos pensar bem nas coisas

antes de contar para alguém.

— E você adora isso né? De se encontrarem às escondidas?


— O que ninguém sabe, ninguém estraga — ele responde. — Você

deveria experimentar, sabia? Por que não baixa um app de encontros?

— Acho que vou baixar mesmo — concordo. — Já passei tempo

demais trabalhando duro.

— Você também pode sair pra balada — Stef sugere, deitando na

cama que vou ocupar, se tudo der certo, nas próximas semanas.

— Sair com quem? O único jovem que conheço, com quem eu

poderia sair à noite é você, mas acho que não vai rolar. — Me deito ao seu

lado, na cama queen, aliviada por estarmos falando de outra coisa além de

problemas.

— Não fico à vontade para sair à noite, ainda mais pra lugares em

que Ayla não pode ir — ele se desculpa.


— Não fica à vontade ou ela não deixa? — provoco.

— Ninguém manda em mim, você sabe — ele retruca, tentando

manter a pose, como se eu não o conhecesse.

— Aham, sei.

— Você pode ir ao Clube dos Cretinos. Os gêmeos estão lá na

maioria das noites — Stef volta com as sugestões.

— Ao clube com Gabriel e Natan para me vigiar? — pergunto com

as sobrancelhas arqueadas. — Eles me tratam como se eu tivesse doze anos.

— E vão continuar tratando se você não aparecer com um cara bem

na frente deles e os colocar nos seus devidos lugares — meu irmão fala com

muita sabedoria.
— Você tem toda razão. Vou ao Clube dos Cretinos e vou ficar com

um cara bem gostoso — brinco. — Quero ver aqueles dois virem se meter

na minha vida. Mas, não hoje, porque quero esperar Dimitri e Giulia

chegarem, e passar a noite com meus sobrinhos.

— Eles já devem ter chegado à Bento Gonçalves para pegar as

crianças na fazenda — Stefan diz. — Vou buscá-los à noite no aeroporto, já

que agora tenho habilitação.

— E eu vou ajudar Cecília a preparar tudo para recebê-los. Estou

morrendo de saudades.
Caroline

Domingo, 15 de fevereiro de 2032

9° DIA

— Isso não está me cheirando nada bem — sussurro para Giulia e

Ariela, enquanto observo meu irmão mais velho e Lion saírem para irem

acompanhar Oliver e Artho até a tal loja de carros importados do amigo de

Artho.
— Eros disse que também vai — ouço Lion informar a Dimitri,

lendo a mensagem no celular, enquanto caminham na direção da garagem.

— Vai nos encontrar lá.

Estalo a língua. Quatro cretinos sozinhos com Oliver. Tudo bem que

Artho é o advogado da empresa, meu irmão e Eros têm negócios com a

Henderson & Co., mas eu não sei se é uma boa ideia os quatro juntos sem a

minha supervisão, e sem ao menos suas esposas para controlá-los se

passarem dos limites.

Levanto da mesa, vou até onde estão as crianças, e entrego

Hermione Granger a Diana, então corro até a garagem aberta, a tempo de

pegar Dimitri entrando no carro.

— Dimi, por favor — peço, segurando na porta do motorista,

enquanto Lion estreita os olhos, acomodado no banco do passageiro. — Eu


quero muito que Oliver me promova, que me ofereça o cargo de COO aqui

no Brasil, quero estar perto de vocês, dos meus sobrinhos, da minha família,

então, pelo amor que você tem a mim, não faça nada que vá possa

atrapalhar meu emprego.

Dimitri mantém o rosto sério.

— Você fala como se eu fosse um irmão ciumento — diz e arregalo

os olhos.

— Como é que é? — Elevo o tom de voz. — Pensa que eu esqueci o

que vocês fizeram?

— Foi só um caso isolado. Não é ciúme, é precaução — ele retruca

na maior tranquilidade.
— É, Carol. Fica tranquila. — Lion dá um sorriso sarcástico. — A

gente só toma conta de quem amamos. E não vamos fazer nada demais com

seu chefe, só ajudá-lo a escolher um bom carro. Você deveria agradecer.

— Sim, Carol. Oliver terá a opinião de quatro amigos. Não entendo

qual a razão dessa preocupação toda. É só uma ida à uma concessionária —

Dimitri completa.

— Sem contar o fato de que Artho arranjou com o dono para nos

receber hoje, num domingo. Você já ganhou vários pontos com seu chefe —

Lion diz e coloca o cinto de segurança.

— Vá fazer compras com as garotas tranquila. Vamos dar tratamento

VIP ao seu chefe — Dimitri diz e dá a partida.


Volto para dentro de casa com os ombros caídos, me perguntando se

eles seriam capazes de colocar os próprios negócios em risco só para me

irritarem.

Charlotte chega logo atrás de mim. Está usando uma saia

quadriculada e uma blusa de alcinhas branca, de seda. Dá para ver que é

uma roupa muito cara. As unhas estão feitas, o cabelo hidratado e escovado,

ela usa pouca maquiagem, mas é tão linda.

Está carregando Nicolas, que corre para brincar com os gatinhos

assim que os vê. Ele pega Hermione Granger do colo de Diana, enquanto

Dom mantém Harry Potter sobre um skate e o puxa, por uma cordinha, da

cozinha até uma das salas, fazendo um som que imita o motor de um carro

com os lábios, enquanto as outras crianças o seguem como se fosse um trio

elétrico.
Me aproximo da mesa, onde as mulheres estão sentadas e pego Ron

Weasley do chão, fazendo carinho na sua cabeça.

— Stefan chegou logo depois que Artho saiu — Charlotte diz

animada. — Meu sobrinho saiu, e Ayla disse que ela e Stefan vão maratonar

uma série nova. Nem quis sair com a gente para fazer compras. Coisa que

ela nunca recusa.

— Ela e Stefan se deram bem novamente — Giulia comenta. — Isso

é ótimo.

— Sim, afinal todo mundo vive junto. Seria complicado se os dois

mantivessem uma birra — Ariela acrescenta.

— Vocês têm razão — digo com a minha melhor cara simpática. —

Ainda bem que eles se acertaram.


— Cheguei! — Raquel Mendes anuncia, entrando na cozinha como

uma rainha de desfile.

Assim que Bananinha vê que Nicolas está brincando com a gata,

corre e toma Hermione Granger das mãos dele.

— Aqui, Angel — digo me apressando para entregar Ron Weasley a

ela —, não precisa brigar com o amiguinho.

— Eles sempre brigam — Diana explica. — Sempre, sempre!

— Você não quis assistir a série com Ayla e seu tio, Di? — Charlotte

pergunta a minha sobrinha.

— Ah, não, tia Charlotte. Eu quero ir ao shopping com vocês —

Diana responde, depois pisca para mim, sem que as outras percebam.
Algum tempo depois, estamos deixando todas as crianças, menos

Diana, no parquinho do shopping para irmos as compras do material escolar

deles. Senhora Collins está com a gente e me disse que não vê a hora de

ficar fluente em português, que está fazendo um curso online, mas que,

mesmo assim, Celiny e Jake já aprenderam mais que ela nos poucos dias no

Brasil.

— Crianças aprendem muito rápido — Ariela comenta em inglês.

Ela tem a estatura alta como a minha, é muito bonita. É a mais alta

das amigas.

Raquel e Giulia são quase da mesma altura, Charlotte é a mais

baixinha, mas todas são lindas e elegantes. Cada uma delas tem um tipo de

charme diferente, e a maioria das pessoas do shopping vira o rosto para

olhar quando elas passam, não posso deixar de notar.


— Os cretinos são muito sortudos — murmuro.

— O que disse? — senhora Collins pergunta em inglês. — Ah, meu

amor, você está falando em português, me desculpe.

— Não tem problema, eu só estava comentando para mim mesma

como os maridos das garotas têm sorte — digo a ela no seu idioma. — Não

dou um mês para a senhora estar entendendo tudo. Com o curso e as

crianças, vai se dar muito bem.

— Minha cabeça já não funciona como antes — ela diz e dá uma

risadinha.

Senhora Collins alguns, centímetros menor que eu, tem o cabelo

tingindo de uma cor que se parece com vinho tinto, sobrancelhas finas,

olhos azuis e pele branca com muitas marcas de expressão.


— Senhor Henderson ficou estudando até tarde ontem — ela me

confidência, andando de braços dados comigo. — Talvez aprenda a falar

primeiro que as crianças.

— É mesmo? — questiono, curiosa.

— Quando ele coloca uma coisa na cabeça, não desiste até conseguir

— Senhora Collins diz.

— E a senhora acha que ele aprovou a casa? A decoração...? As

crianças gostaram? — investigo, entrando em uma loja de material escolar e

brinquedos enorme, agradecendo em pensamentos por todas as crianças

terem ficado no parquinho. São muitas e não sei se nós daríamos conta.

— Ele não costuma demonstrar muita felicidade — Senhora Collins

me conta o que eu já tinha notado, enquanto abrimos nossos iPads para


verificarmos as listas. — Fica a maior parte do tempo sério, mas acredito

que ficou muito satisfeito. As crianças amaram. Já os instalei em seus

quartos e eles dormiram sem nenhuma dificuldade. Estão apaixonados pelo

Brasil.

— Isso é muito bom.

— Jake me contou que senhor Henderson e a senhorita passaram

muito tempo juntos, e que ele e Celiny estão achando que o papai vai

namorar — senhora Collins me confidencia.

— Eu não sei de onde tiraram isso — digo e dou um sorriso amarelo.

— Senhor Henderson é muito respeitoso.

— Eles nunca virão o pai com uma mulher, é só isso. Logo se

acostumam — ela me tranquiliza.


Depois do shopping, vamos direto para a casa de Oliver, deixar os

gêmeos e a senhora Collins. Para minha surpresa e espanto, os cretinos

estão lá.

— Estamos inaugurando a área gourmet do seu chefe, Carol — Lion

tem a audácia de dizer.

Encaro Dimitri, enquanto as crianças se espalham pela casa,

correndo por todos os lados, cheias de energia.

— Ele comprou um Jaguar e um Ranger Rover — Dimitri conta.

— Ele poderia ter escolhido uma Lamborghini, mas Oliver não é

alguém que gosta de ostentar — Artho comenta e dá um sorriso.


— Além do mais, ele tem filhos e parece não gostar muito de farra

— Eros acrescenta com os braços cruzados. — Não iria usar muito a

Lamborghini.

— Espero que vocês não tenham feito nenhuma gracinha — digo

baixinho, quase por entre os dentes, torcendo para Oliver ainda não estar

entendendo direito português.

— Não confia em nós, Carolzinha? — Lion pergunta e aperta os

meus ombros. — Somos os melhores amigos que ele pode fazer na cidade.

— Não vou nem responder — é tudo que murmuro.

Desvio a atenção deles e encaro Oliver, procurando um pedido de

socorro em seus olhos, mas ele parece estar tranquilo com a presença de

todo mundo pela casa.


Me aproximo e dou um sorriso, torcendo para ninguém presente na

área gourmet escutar meu coração acelerado.

Detesto isso.

— Está tudo bem? — o questiono discretamente. — Você pode pedir

para eles irem embora se quiser. Não precisa tolerá-los aqui só porque

alguns deles irão trabalhar com você.

— Está tudo bem — ele responde mais baixo ainda. — Eu não me

importo. Graças a eles, tenho dois veículos e já andei pela cidade. É muito

bom que a empresa tenha negócios com os melhores amigos do seu irmão.

Isso é perfeito e facilita as coisas.

— Se precisar de alguém para expulsá-los, é só me chamar — digo,

aliviada pelos rapazes não terem estragado nada.


Oliver pisca para mim e, por um instante, entendo que ele realmente

está curtindo isso. O churrasco, as conversas, as crianças fazendo barulho,

porque ele não teve um lar assim, mas foi algo que sempre desejou.

Meu coração se aperta e sou tomada pela mesma vontade de

consolá-lo que senti na sexta, quando falou sobre seu passado.

— Vem com a gente — Raquel diz, segurando nos meus braços.

— Aonde? — pergunto, assustada.

— Para minha casa. Vamos deixar as crianças aqui, se divertindo

com os papais e titios — ela explica.

Sou levada até o carro de Raquel, colocada no banco traseiro, no

meio. Charlotte ocupa o banco do carona e Giulia e Ariela sentam ao meu

lado.
Ela dirige até sua casa e descemos. As sigo para o interior da

mansão, um pouco apreensiva de ter deixado Oliver com os quatro, mas

procuro relaxar quando Raquel me oferece uma taça de vinho branco.

— A Vinícola Bianco produz o melhor vinho de Bento Gonçalves —

Giulia comenta, dando o primeiro gole.

Me sento em um dos sofás chiques da enorme sala de visitas e bebo

um gole, esperando relaxar.

— Tenho que concordar — Ariela diz.

— Vai, abre o jogo com a gente — Raquel pede, de repente, me

encarando.

— Queremos saber tudo. — Viro o rosto e dou de cara com os olhos

azuis e profundos de Charlotte em mim, exigindo algo que não faço ideia
do que seja.

— Do que vocês estão falando? — questiono, com o cenho franzido.

— Do seu chefe gostoso, com quem fiquei sabendo que você passou

uma semana inteira em um hotel — Giulia diz com o tom de voz carregado

de insinuações.

— Trabalhando! — me defendo.

— Se não tivesse uma química entre vocês dois, os cretinos não

teriam ficado de olho — Ariela diz. — Você acha que eles estão lá na casa

dele por quê?

— Gurias, eu juro pra vocês que não tem nada demais. Os maridos

de vocês veem coisas onde não existe. É só isso — explico, me


acomodando melhor no sofá, com a falsa esperança de que isso vai me fazer

relaxar.

— Nós vimos o jeito que ele olhava para você à mesa — Ariela

relembra do almoço na fazenda.

— E o jeito que você olhava pra ele de volta — Charlotte faz

questão de mencionar.

Solto o ar pesado dos pulmões e coço a cabeça.

— Nós tínhamos nos conhecido há pouco tempo, ele apareceu pela

primeira vez na matriz em janeiro...

— Não é questão de tempo, cunhada — Giulia diz, tocando minha

coxa, sentada ao medo lado. — Seu irmão e eu nos apaixonamos no

primeiro olhar.
— Vai, Carol! Queremos fofoca! — Raquel implora.

— Ok! — Ergo as palmas das mãos em sinal de rendição. — Ele é

gostoso... é viúvo, é cheiroso e é um pai incrível, mas...

As quatro dão gritinhos como se estivessem no Ensino Médio. Fico

olhando de uma para a outra, até elas se acalmarem.

— Mas — elevo o tom de voz para evidenciar que existe um grande

porém —, nossa relação é exclusivamente de trabalho. Oliver é o novo

CEO da empresa e fui escolhida para acompanhá-lo. Nesse meio tempo,

estou torcendo para que ele goste do meu trabalho e me escolha como seu

braço direito para trabalhar na sucursal daqui. É só isso.

Elas estão me olhando com caras incrédulas.


— Por favor, Carol, vocês foram passear pelos vinhedos juntos,

como uma família feliz — Raquel rebate.

— E Nicolas me confidenciou que os gêmeos disseram que

adorariam que você fosse a mãe deles — é a vez de Charlotte colocar mais

lenha na fogueira.

— Dessa eu não sabia! — Giulia diz e abre a boca em formato de

“O”. — Cunhada, você já tem a aprovação dos filhos.

Sacudo a cabeça em negação.

— Imagina eles se casando em Bento Gonçalves também, no mesmo

lugar onde se apaixonaram — Ariela diz a maior palhaçada da noite, mas,

por um mísero segundo, consigo fantasiar a cena.

No instante seguinte, me recrimino por isso.


— Vocês são tão fanfiqueiras — digo com sarcasmo. — Oliver é de

outro mundo, sem contar que não estou interessada nele.

— Os gringos não tratam quem não tem intimidade pelo primeiro

nome — Ariela observa. — E você não o chama de senhor Henderson.

— Ele não gosta que eu o chame de senhor — justifico.

— Porque ele tá afim de você, cunhada — Giulia diz e sacode minha

coxa.

Relembro a noite de sexta, todas as coisas que contamos um para o

outro, os segredos que ele prometeu que guardaria, e mordo o lábio. Penso

na troca de carinhos, em como cada célula do meu corpo adorou o toque das

suas mãos.
— Ele não está, mas... — faço uma pausa, sem saber se devo revelar

isso a elas.

— Mas o quê? — Giulia praticamente implora.

— Eu preciso da fofoca completa. — Ariela faz uma expressão,

como uma criança pedindo um brinquedo.

— Na tarde de sexta, ele me ligou convidando para assistir ao pôr do

sol e beber espumante na varanda do seu apartamento — revelo.

— Hummmm — elas dizem em uníssono.

— Vocês têm quantos anos? — pergunto, irônica.

— Anda, continua — Charlotte praticamente ordena, sentada na

poltrona ao lado. — Você foi?


Ela dá mais um gole do vinho, finalizando a taça e a completando

novamente com a garrafa sobre a mesinha de centro.

— Fui — resumo e dou um longo gole de vinho também.

— E como foi, o que fizeram? — Raquel quer saber, repondo o

vinho da sua taça.

— Ele disse que reparou que eu tinha um espumante preferido, pela

forma que degustei as bebidas nas vinícolas — confesso. — Então comprou

uma garrafa para tomarmos enquanto o sol se punha.

— Ele está muito afim de você, mas não sabe como dar o primeiro

passo — é Charlotte que concluí. — Ele parece ser um cara legal, e pode ter

medo de parecer assédio.

— Concordo — Raquel diz.


— Talvez você deva demonstrar alguma coisa — Giulia sugere. —

Fui eu que dei o primeiro passo com seu irmão. Fui até o quarto dele no

meio da noite, quando a gente era adolescente.

— Meu Deus — exclamo, sacudindo a cabeça, sem querer saber

mais detalhes da intimidade dos dois. Então minha mente se ilumina com

uma ideia e mordo o lábio. — Nós temos negócios em um cruzeiro

marítimo. A empresa vai fazer uma reforma em alguns navios e Oliver quer

pegar o projeto. Embarcaremos na quinta.

— Vocês dois em cruzeiro... ele não vai aguentar — Ariela comenta,

como se realmente levasse a sério essa brincadeira toda. — Vão ficar

quantos dias?

— Voltamos no domingo. O problema é que não trouxe muita roupa

legal, principalmente para uma ocasião assim — conto a elas, mas sem
querer dizer que não trouxe, porque eu não tenho. — Só coloquei na mala

roupa de trabalho.

Franzo o nariz e espero que isso passe batido, que ninguém

desconfie da minha situação, se é que já não repararam que eu não chego

nem perto da elegância delas.

— Vamos montar seus looks pra viagem, não se preocupe — Raquel

me garante. — Você será a mulher mais gostosa daquele cruzeiro.

— Raquel é especialista nisso — Charlotte elogia. — Digo por

experiência própria, fui seu projeto na faculdade.

— Oliver não vai resistir, tenho certeza disso. — Ariela só falta bater

palminhas de empolgação. — Não vai ser só o pôr do sol que ele vai querer

ver com você.


— Gurias, eu garanto a vocês que não tenho segundas intenções com

ele — digo a elas, mexendo nos cabelos, sentindo a ansiedade tomar conta.

— Meu interesse é exclusivamente na promoção.

— Sim, acreditamos, cunhada — Giulia caçoa. — Nenhuma de nós

reparou no jeitinho fofo que você chegou para falar com ele na área

gourmet.

— E nos olhinhos brilhando — Ariela faz questão de acrescentar.

— Vocês são muito fanfiqueiras — repito. — Mas, muito obrigada

pela ajuda com os looks, eu estava muito preocupada com isso.


Oliver

Segunda, 16 de fevereiro de 2032

10° DIA

Eu poderia ter deixado senhora Collins levar as crianças sozinha com

o novo motorista, no primeiro dia de aula na escolinha, mas quis estar

presente. Afinal, é um primeiro dia de aula em uma escola nova, num país

estranho.
Por sorte, é a mesma escola em que o garoto Becker e a garota

Giordano estudam, então meus filhos não estão tão sozinhos.

Depois de me despedir deles, o motorista que Caroline e a secretária

da sucursal conseguiram para minha família, me levou até a empresa.

Eu queria não ter prestado atenção, mas parecia que os olhos de cada

um dos funcionários, desde a portaria, estavam em mim.

Esperava encontrar Joana, a antiga CEO, no escritório, para me

passar as principais informações administrativas, mas ela não estava lá.

— Ela está cuidando de um problema de saúde — Caroline diz,

vestindo uma camisa branca e uma saia azul marinho, seu cabelo está preso

em um coque, usando apenas batom rosado e uma fina camada de

maquiagem na pele que disfarça as sardinhas, ainda assim, está mais bonita
do que qualquer outra mulher que vi nos últimos dias. — Mas, Vivian e eu,

estamos disponíveis para auxiliar no que você precisar, cem porcento

disponíveis.

Ainda de pé, antes de sentar à mesa pela primeira vez, observo

Caroline parada ao lado da minha futura cadeira. Meus olhos vão parar nos

seus pés mal cobertos pelos sapatos pretos. Lembro da textura, da sensação

de tocá-los e no quanto gostaria de fazer isso novamente. Percorro suas

pernas lisas e faço o caminho de volta até encontrar seu rosto.

Ela gesticula para a cadeira de couro e dá um sorriso.

— Quer se sentar?

Caminho até a mesa, abro o botão do terno e ocupo o lugar pela

primeira vez.
— Você não tem nenhuma reunião para hoje, mas eu acho que os

arquitetos e demais colaboradores esperam que se apresente, senhor

Henderson. Fique à vontade para decidir quando fará isso. Minha sala está

localizada à esquerda, antes era usada para armazenar documentos, mas

Vivian deu um jeitinho e um dos arquitetos providenciou tudo, então tem

uma porta bem aqui que liga as duas salas, para facilitar o acesso — ela

explica, apontando com o queixo bonito para uma porta no canto da parede

esquerda. — Mas pode deixá-la trancada o tempo todo se quiser, senhor

Henderson. E Vivian virá se apresentar em instantes. Ela continuará sendo

sua secretária, se o senhor gostar dos seus serviços.

— Por que está me chamando de senhor? — pergunto e estreito os

olhos ao encará-la. — Dessa forma, nem parece que estava no churrasco de

inauguração da minha casa, ontem.


Mesmo com a fina maquiagem, posso ver seu rosto corar.

— Pensei que você preferisse manter a discrição aqui na empresa —

diz baixinho, como se fosse um segredo.

Não sei por que, mas tenho vontade de puxá-la para o meu colo e

continuar aquele carinho que comecei na sexta.

— Prefiro que as coisas continuem assim, com você me chamando

só de Oliver — comento e Caroline morde o lábio carnudo.

Meu peito reage a esse pequeno ato, mas somos interrompidos por

uma batida na porta da frente.

— Entre — Caroline diz e baixa o tom de voz para falar comigo. —

Deve ser Vivian vindo se apresentar.


Uma mulher, mais ou menos da mesma idade de Caroline, entra.

— Eu estou um pouco nervosa, você me corrige se eu errar alguma

coisa? — ela diz em português para Caroline, imaginando que não vou

conseguir compreender. Pelo menos é o que eu consigo interpretar, de

acordo com o que tenho estudado.

— Claro — Caroline garante a ela.

A mulher limpa a garganta, antes de começar a falar em inglês.

— Meu nome é Vivian Campos e eu trabalho na Henderson & Co.,

como secretária de Joana, há mais de seis anos. Estou aqui para tudo que o

senhor precisar — ela diz devagar, mas de modo que consigo compreender.

— Obrigado, Vivian. Vou até a sala dos arquitetos em alguns

minutos, poderia deixá-los preparados? — peço.


— Claro, senhor Henderson. Com licença.

Caroline coloca as mãos no apoio do braço da minha poltrona assim

que a secretária sai.

— Por que não pediu para que ela o chamasse só de Oliver também?

— sussurra e dá um sorriso, como se estivesse gostando desse joguinho.

Aspiro o cheiro do seu perfume de sândalo e baunilha, e do

hidratante, e me controlo para não dizer o que estou pensando.

— Já conheço você há mais tempo. Cheguei à matriz em janeiro,

lembra? Temos intimidade. — Pisco pra ela.

Caroline volta ficar ereta.


— Vou para a minha sala começar estudar todos os projetos que a

empresa está desenvolvendo, assim vamos conversando a respeito. Estarei

bem ali, quando precisar.

Ela sai em direção a porta lateral e quero, mas não consigo deixar de

olhar sua bunda na saia justa. Coço a nuca e xingo meu irmão mentalmente,

ciente de que isso foi minuciosamente planejado para me torturar.

Mas, o bom é que a senhora Collins já está no Brasil e posso sair à

noite. Uma foda e esse desejo de devorar minha assistente vai desaparecer.

— Caralho! Eu tenho uma sala só para mim! — Caroline diz

baixinho, em português, sem saber que já consigo entendê-la. Dou risada,

mas fico sério assim que ela se vira, segurando a porta. — Pode passar a

chave na porta se quiser, não vou incomodá-lo.


Caroline

Oliver não trancou a porta e fiquei tentada abrir uma frestinha e

espiá-lo trabalhando. Não sei exatamente o motivo. Talvez porque as

garotas colocaram ideias inapropriadas na minha cabeça, ontem.

Mas não fiz isso.

Analisei projetos o dia inteiro e não fiz pausa para o almoço, como

os outros funcionários. Fiquei na minha sala e pedi um lanche pelo

aplicativo de delivery, assim, consegui aproveitar melhor o dia.

— Quer carona para casa? — Oliver pergunta, ao final do

expediente.

— Não precisa se incomodar, eu vou depois.


— Não é incomodo. Vamos para o mesmo condomínio, o motorista

já está esperando — diz com o rosto sério, e parece cansado.

A verdade é que eu pretendia ficar mais algumas horas, ir embora lá

pelas vinte horas, mas tem alguma coisa nele que não me deixa recusar.

Desligo os aparelhos e deixo a sala o mais rápido que posso, para

não dar mais trabalho. Pego o elevador com ele e evito fazer contato visual.

— Tudo certo para a viagem de quinta? — Oliver pergunta.

— Sim, está tudo certo.

As portas do elevador se abrem e me despeço da recepcionista com

um aceno. Quando chegamos à calçada, vejo Stefan parado, encostado em

um poste, de braços cruzados.


— O que está fazendo aqui? — pergunto, desconfiada.

— Dimitri me enviou para levar você até o prédio da Editora, e de lá

irmos juntos pra casa. Ele está só esperando você para ir embora.

Checo as horas no celular, já passa das dezoito.

— Pensei que ele costumava sair do trabalho as dezessete —

comento, enquanto Oliver espera.

— Como eu disse, ele está só te esperando.

Respiro fundo e me viro para Oliver.

— Obrigada pela carona, foi muita gentileza sua — volto a falar em

inglês com meu chefe. — Meu irmão está me esperando. Até amanhã. Dê

um beijo nas crianças por mim.


— Você poderia fazer isso pessoalmente — ele diz, mas alguma

coisa na sua expressão me faz pensar que muda de ideia logo ao terminar de

falar. — Até amanhã, Caroline.

Oliver e Stefan se cumprimentam com um olhar, e ele segue para o

Ranger Rover novinho e reluzente, que os cretinos o ajudaram a comprar.

— Deixa eu ver se eu entendi. Dimitri ficou uma hora a mais na

editora só para me esperar, e depois te mandou para fazer minha escolta até

lá? — questiono no nosso idioma.

— Você é inteligente, Gina.

— E você concordou com essa palhaçada? — Ergo minha bolsa para

arremessá-la contra Stefan, mas me lembro que o iPad corporativo está


dentro dela, e que eu não teria dinheiro para comprar outro, caso quebrasse,

então me contento em revirar os olhos e bufar.

— Estou aqui pela sua segurança, São Paulo é uma capital muito

perigosa, nunca ouviu falar? — Stefan pergunta com o tom de voz cheio de

ironia.

— Não tem nada a ver com segurança. Dimitri suspeitou que Oliver

ia me oferecer carona e resolveu interferir. Só isso. Mas, deixa ele.

Stef ri ao meu lado, passa o braço em volta da minha cintura e nós

caminhamos até a editora.

Assim que chegamos ao Volvo de Dimitri, empurro Stefan para o

banco de trás e ocupo o assento ao lado do meu irmão mais velho.


— Eu não tenho que te pedir permissão, é óbvio, mas estou te

informando, porque estou hospedada na sua casa — começo a dizer ao

colocar o cinto.

Dimitri aciona o botão que liga o carro e sinto o motor funcionar

silenciosamente, enquanto ele vira o rosto para me encarar.

Stefan apoia as mãos entre os dois bancos e se aproxima para ouvir

melhor.

— Vou viajar com Oliver na quinta e só volto no domingo — digo

de uma vez.

Eu não deveria nem me preocupar com isso, mas meu coração

acelera conforme Dimitri estreita os olhos.

— Vai pra onde? — ele pergunta, exigente.


— Um cruzeiro. É uma viagem de negócios — explico.

— Stefan vai junto? — Dimitri questiona.

— O quê? Como assim? Eu vou viajar com meu chefe a negócios!

— respondo, sem paciência, Stef começa a rir do banco de trás e me viro

para ele. — Não se atreva.

Ele se cala e apoia as costas no banco, ciente de que posso me vingar

depois.

— Que tipo de negócios vocês teriam para tratar em um cruzeiro? —

Dimitri quer saber, ainda com o carro parado no estacionamento.

Respiro fundo, abro e fecho minhas mãos, pensando se vale a pena

dar explicações, alimentar esse ciúme, mas então eu penso em tudo que que

ele já fez por mim e relaxo.


— Se você tem medo de que meu chefe tente dar em cima de mim,

que me seduza, que parta meu coração, pode ficar despreocupado, Dimi —

digo o mais mansa possível. — Oliver não está interessado em mim e,

mesmo que estivesse, eu sei cuidar de mim mesma.

— Eu não... — Dimitri murmura.

Ergo a mão e toco seu rosto, escorregando os dedos até as tatuagens

geométricas em seu pescoço.

— Você tem sua família para cuidar, já fez muito mais do que podia

por nós, está livre desse fardo há muito tempo, não precisa se preocupar —

garanto. — Né, Stef?

— Sim, claro — meu irmão diz. — Cuide da sua família, dos nossos

sobrinhos.
— Vocês nunca foram um fardo pra mim — Dimi diz, mas eu sei

tudo que ele teve que sacrificar por nós.

— Relaxa, irmão. Por favor — peço com gentileza. — Eu posso

cuidar do meu próprio coração. Na verdade, estou cuidado dele sozinha há

mais de uma década, não sei se você lembra...

— Tudo bem, vou tentar relaxar, mas eu ainda quero saber o que vai

fazer naquele bendito cruzeiro — Dimitri diz, custando a entregar os

pontos.

Mesmo falando com mais calma, sei que ele terá algumas recaídas

de vez em quando. O seu instinto de proteger é maior.

Explico sobre os negócios do cruzeiro no caminho de casa, e que ele

não precisa ficar me esperando além do seu expediente de trabalho só para


que eu não pegue carona com Oliver.
Caroline

Terça, 17 de fevereiro de 2032

11° DIA

— O que vocês acham? — pergunto a Diana e Stefan, que estão

sentados na cama do quarto em que estou hospedada.

Stefan, deitado de costas, com o braço por baixo da nuca, usando

jeans rasgados, regata preta e com os coturnos sobre a colcha da cama, solta
um risinho, com os lábios fechados.

Diana está sentada ao lado de Stefan, com as pernas dobradas e vira

o rosto de lado, parecendo procurar outro ângulo para fazer uma análise

melhor.

Alcanço Dom no chão, o fazendo largar o brinquedo de algum

personagem de desenho com que está brincando, e o seguro nos braços.

— Como a titia está? — pergunto, nervosa com o silêncio deles.

— Titia linda! — Dom se expressa com o tom de voz alto, me

fazendo sorrir ao mostrar os dentinhos.

Tiro um cachinho da sua testa e beijo sua bochecha fofa, então o

coloco de volta no chão para que possa brincar.


— Obrigada, meu anjinho. Titia ama muito você.

Ele joga um beijo barulhento, antes de voltar sua atenção para o

brinquedo.

— Viram só? Dom gostou do meu visual! — digo, pousando as duas

mãos na cintura, como uma xícara de duas alças.

— O personagem preferido dele é uma galinha, você não deveria

nem considerar essa opinião — Stefan declara sem nenhum rodeio.

Diana começa a rir, mas logo se cala, mostrando a gentileza que meu

irmão não tem.

— Tia, você vai a uma boate. Acho que poderia usar uma roupa mais

ousada, com brilho. Quando minha mãe sai com meu pai para ir ao Clube

dos Cretinos, ou outro lugar assim, ela usa roupas mais...


— Provocantes — Stefan completa. — Essa calça jeans com essa

blusa não vai chamar a atenção de ninguém e você está indo à caça.

Diana leva a mão a frente dos lábios e dá uma risadinha.

— O problema é que eu não tenho uma roupa assim, como vocês

estão descrevendo. Só tenha o vestido do casamento, mas ele é longo.

— Você pode usar um dos vestidos da minha mãe — minha sobrinha

sugere. — Ela saiu com meu pai, mas tenho certeza de que não vai se

importar.

— Não dá, Giulia tem muito mais — digo, fazendo uma careta de

desespero e aponto para os meus quadris — bunda que eu.

— Eu sei quem pode te ajudar, porque ela usa o mesmo tamanho que

você — Stefan diz.


— Ayla — concluo, murchando os ombros, me sentindo

envergonhada porque vou pedir ajuda a uma guria de dezesseis anos.

Diana levanta da cama e vem até mim. Ela passa os braços em volta

da minha cintura e me encara com tanto amor que eu relaxo.

— Não fica assim, tia Carol. Ayla vai adorar ajudar, e vai fazer um

bom trabalho. Ela entende de moda e sabe maquiar muito bem. Você vai

conquistar um namorado hoje à noite!

Stefan estica as mãos para Dom.

— Vem, meu amor — ele diz e nosso sobrinho ergue os bracinhos

imediatamente, indo para seu colo. — Vamos ajudar sua tia a sair da seca.

Quase uma hora depois, Ayla me encara com um olhar satisfeito.


— Você tem o olhar de sereia — ela comenta. — E esse delineado é

perfeito para esse tipo de olhar. Chamamos de siren eyes.

— Olhos de sereia — sussurro. — Nunca reparei nisso.

— Eu acho lindo. Vou só dar mais um retoque no iluminador e você

está pronta... cunhada — Ayla diz e sorri.

— Obrigada! — Sorrio de volta. — Muito obrigada!

Quando me olho no espelho, levo um choque. Preciso de um

momento para reconhecer a mulher deslumbrante e sexy refletida no

espelho. Ela fez um delineado tão perfeito que eu jamais conseguiria

reproduzir. O batom vermelho rubi contorna meus lábios, os fazendo

parecer mais carnudos.


Estou usando um vestido preto, frente única, amarrado no pescoço e

justo nos quadris, e Ayla usou um babyliss para fazer ondas no meu cabelo.

— Estou me sentindo linda — admito, impressionada.

Apenas as sandálias são minhas, mas são pretas, e ela não fez

nenhuma objeção a isso.

Deixo o seu closet e saio para o quarto, onde Stefan, Diana, Dom,

Nicolas, Hector e Charlotte estão aguardando para me ver.

— Dá uma voltinha — Diana pede.

Ayla segura minha mão e me faz girar. Enquanto me movimento,

fico emocionada porque nunca tive um momento assim, mas consigo

disfarçar.
Os gritos e assobios de Stefan e Hector preenchem o quarto,

enquanto as crianças batem palma.

— Você está linda, Carol — Charlotte elogia.

— Obrigada. Foi Ayla quem fez tudo — explico.

— A beleza é sua — Ayla coloca algumas mechas do meu cabelo em

volta dos ombros —, eu só realcei.

— O que tá acontecendo aqui...? — Artho começa a perguntar,

parando na porta do quarto. — Uau.

— Carol vai ao Clube dos Cretinos hoje e a ajudei a se arrumar —

sua filha explica.


— Vou ligar para Natan agora mesmo e dizer para ficar de olho —

Artho brinca, enfiando a mão no bolso da calça para pegar o celular.

— Nem se atreva — Charlotte sai de onde estava sentada, na

poltrona da escrivaninha de Ayla, e empurra o marido para o corredor. —

Hoje Carol vai aproveitar a noite.

Respiro fundo, considerando que eu deveria ir em outro clube que

não o dos gêmeos, mas entendo que preciso dar um passo de cada vez. Se

me sentir desconfortável, pelo menos terei dois conhecidos por lá.

Ayla e Stefan me seguem até o carro em que viemos, o Fiat 500 de

Giulia.

— Depois, Hector e eu levamos seus sobrinhos em casa — Ayla diz

e meu irmão praticamente bufa, como se fosse um touro.


Não aguento e dou risada, enquanto entro pela porta do carona. Me

acomodo no banco, mas deixo a porta entreaberta para poder ouvi-los,

como a irmã fofoqueira que sou.

— Eu só vou acompanhar Gina, não vou nem beber — Stefan se

justifica, tão manso que aperto os lábios para não rir alto. — Eu te disse, ela

é péssima em socializar.

— Como se você fosse muito melhor que eu — comento indignada,

para que os dois escutem.

Ouço a risada delicada de Ayla e relaxo as costas no banco. Queria

poder voltar no tempo e ter a idade dela para aproveitar a juventude.

— Tudo bem, só porque confio na minha cunhada — Ayla diz, em

seguida, ouço o som de um beijo.


— Vocês são loucos, se querem manter em segredo, se controlem —

os lembro.

— Eu tenho que ir — Stefan anuncia. — Mas prometo que não vou

demorar muito lá. Caroline garantiu que vai voltar de Uber. É só o tempo

dela se soltar.

Reviro os olhos, sentindo o rosto esquentar, mas lembro que estou

bonita e me sinto um pouco melhor.

— Tudo bem — Ayla responde, em seguida, escancara a porta ao

meu lado e se inclina para me abraçar. — Curta a noite! Você merece muito

se divertir.

Ela beija meu rosto com carinho.

— Obrigada — sussurro. — Por tudo.


Quando fico a sós com Stefan no carro, dá vontade de perguntar até

que ponto das nossas vidas ele contou a Ayla, mas não sei se estou pronta

para a resposta.

No caminho, troco mensagens com Vivian para verificar se ela vai

me encontrar lá, como combinamos durante o expediente.

— Vou mandar preparar pra vocês o melhor drink da casa — Natan

diz, após nos recepcionar. — Vocês querem ficar no camarote ou preferem o

andar de baixo?

Olho em volta, percebendo que o clube está bem movimentado para

uma terça-feira, e me sinto logo deslocada. Pego na mão de Stefan,

buscando conforto.
— O que você acha? — pergunto a ele.

— Camarote? — Stef sugere. — Mas eu não vou beber. Estou

dirigindo.

Fico orgulhosa dele.

Natan nos acompanha até o andar superior, onde ficam os camarotes,

e somos recepcionados pelo sorriso largo de Gabriel.

— Dimitri deixou você sair assim? — o gêmeo questiona, em

seguida, cumprimenta Stef.

— Sem gracinhas — o alerto, elevando o tom da voz para sobressair

a música. — Pensei que você estivesse em Campinas.


— Voltei hoje — ele explica. — Vou dar uma volta e ver como estão

as coisas. Fiquem à vontade.

— Vou pedir a um garçom para entregar seu drink e uma bebida sem

álcool para o motorista da vez — Natan avisa, antes de acompanhar seu

gêmeo.

Me acomodo no sofá de couro do camarote e observo as pessoas que

estão em volta. Homens e mulheres bebem, conversam ou dançam, e me

pergunto como vou me soltar e conseguir curtir como eles. Eu gosto de

dançar, mas sozinha no meu apartamento ou até mesmo em festas

organizadas pelo pessoal do trabalho. Nunca em uma boate assim.

Meu celular vibra na bolsa e o pego para ver a mensagem. É Vivian

dizendo que chegará em quinze minutos. Respiro mais aliviada por ter uma

garota comigo.
Bloqueio a tela para guardar o aparelho de volta, mas uma nova

mensagem chega. Dessa vez é do meu chefe. Desbloqueio a tela

imediatamente, sem saber o que esperar.

Oliver Henderson: Já jantou?

Olho para a mensagem, tentando entender o significado por trás.

Sinto os batimentos acelerarem.

Mordo o lábio e passo os dedos pelos cabelos, antes de digitar uma

resposta.

Eu: Ainda não, por quê?

Aparece que ele está digitando, mas a mensagem demora um século

para chegar.
Oliver Henderson: As crianças já jantaram e vão para a cama

daqui a pouco, mas estão perguntando por você. Estão sentindo sua falta.

Pensei que você poderia vir aqui e jantar comigo, dar um oi pra eles.

Fico olhando para a tela, minha mente dá um monte de sugestões,

mas ignoro todas, já que nenhuma delas faz sentido.

Oliver volta a digitar e eu tenho a impressão de que não é um convite

qualquer, parece que ele realmente quer que eu vá.

— O rapaz do camarote ao lado pediu para entregar essa bebida a

você — um garçom diz de repente, parado em frente à mesa de apoio para

copos, me encarando.

Viro o rosto em ambas as direções do sofá, procurando outra garota

com quem ele possa estar falando.


— Pra mim? — Meu tom de voz revela a surpresa.

— Sim, você mesma. — O garçom meneia a cabeça e transfere a

taça com a bebida da bandeja até a mesa.

— Ah... Agradeça a ele por mim — digo a primeira coisa que vem à

mente.

O garçom faz um gesto de cabeça e sai. Um instante depois, um

outro funcionário trás as bebidas que Natan instruiu.

— Começou bem, Gina — Stefan me encoraja.

Olho para o camarote ao lado e percebo um homem na casa dos

trinta me encarando. Suponho que foi ele.

Volto minha atenção ao celular e leio a próxima mensagem.


Oliver Henderson: Podemos abrir uma garrafa do seu espumante

favorito.

Meu coração se aperta, as crianças estão sentindo minha falta e eu

não as vejo desde domingo, sequer pensei em fazer uma visita. Respiro

fundo e bebo um gole da bebida que Natan enviou. É doce e cítrica, aquece

meu peito.

Eu: Sinto muito. Se eu soubesse que eles sentiam minha falta, tinha

passado aí mais cedo. Vim com meu irmão ao clube dos gêmeos.

Não dá tempo de pensar direito na resposta que dei. A notificação de

uma nova mensagem de Vivian avisando que chegou aparece na tela.

Guardo o celular e aviso a Stefan que vou buscá-la na entrada.


— Acha que posso ir embora agora? — ele pergunta. — Você vai

ficar bem?

Quero zoar meu irmão por estar voltando cedo para casa, por estar

tão obediente, só para provocá-lo. Porém estou nervosa demais para essas

gracinhas.

Ele me acompanha até a entrada e se despede.

Vivian fica comigo no camarote. Natan manda servir mais bebidas,

ganhamos outras dos homens mais próximos e, algumas taças depois,

estamos conversando com um grupo de amigos.

Eles trabalham com criptomoedas e Gabriel os conhece, então não

fico muito preocupada.


Fazem perguntas sobre minha vida nos Estados Unidos, sobre o

trabalho de Vivian, e contam a respeito dos investimentos que fazem.

Os gêmeos nos avisam que estão indo embora, mas que o segurança

vai chamar um Uber de confiança para nos levar, quando quisermos ir

embora, então ficamos mais tranquilas. Além disso, iremos juntas e não

pretendemos demorar. Temos que estar na empresa amanhã cedo.

Logo, o grupo resolve descer para a pista de dança e Vivian me puxa

para acompanhá-los. Está tocando música pop e, como bebi o suficiente

para me soltar, me atrevo a dançar com ela. As garotas do grupo são legais.

Pelo menos três caras já deram em cima de mim.

Um deles chega mais perto, na tentativa de dançar juntinho, e me

viro na direção de Vivian, mas a encontro colada com um dos rapazes.

Respiro fundo e me preparo para dar um fora no cara, nem sei o porquê, já
que ele é bonitinho e saí disposta a ficar com alguém, quando vejo um

homem muito parecido com meu chefe, em um canto da pista, a alguns

metros de mim.

Sacudo a cabeça. São só as luzes coloridas e a bebida confundindo

minha mente. O rapaz chega por trás e segura uma das minhas mãos.

Olho novamente para o homem e o pego me encarando.

Ele é tão parecido com Oliver que eu poderia facilmente confundi-

los.

O rapaz segura minha outra mão e me desvencilho dele. Me viro na

sua direção e dou um sorriso amarelo. Apoio as mãos no seu peito e o

empurro levemente para sair de cima, afinal, preciso respirar.

Me dou conta de que não estou progredindo muito desse jeito.


Analiso seu rosto, nem lembro seu nome, mas decido ceder. Foi para

isso que eu vim, né?

Volto o corpo para outra direção, a fim de que ele toque minhas

mãos outra vez, que faça o que pretendia.

O homem ainda está com os olhos fixos em mim.

— Oliver — sussurro seu nome e um arrepio percorre meu corpo.

É impossível ser ele. Meu chefe está em casa, dormindo ou

aprendendo a falar meu idioma, jamais viria a essa boate, ainda mais no

meio da semana. Não combina nada com ele.

Mesmo estando ciente que é improvável, começo a andar na direção

do homem. Vivian está ocupada demais, aos beijos, para reparar que estou

me afastando. E é só por um instante. Vou passar ao seu lado e dar uma


conferida de perto, ver o quão parecido com meu Oliver... com meu chefe

ele é.

Odeio que meu coração acelere tanto, detesto que, de repente, é

como se eu não soubesse mais respirar. E nem é Oliver, é só alguém muito

semelhante.

Mas quando passo ao seu lado, o homem segura meu pulso e me

puxa para seu peito.

Ele dá alguns passos para trás, me levando para um canto escuro.

— Oliver — sussurro seu nome.

— Caroline — ele responde.


Sinto seu cheiro, minhas mãos tocam seu peito por cima da camisa.

Eu sinto a rigidez dos seus músculos e um calor escaldante se apodera das

minhas coxas.

— O que faz aqui?

Fico na ponta dos pés para perguntar, para que ele me ouça, mesmo

com a música alta. Adoro que suas mãos estejam em volta da minha cintura.

— Eu não sei — ele admite.

Me inclino para trás e o encaro. Mal posso ver o tom dos seus olhos

com a fraca iluminação. Tudo está palpitando, o peito, os tímpanos, até meu

clitóris. Droga! Eu preciso mesmo de um homem.

— Você está maravilhosa — Oliver diz e tira uma das mãos da

minha cintura, a desliza na pele exposta, graças ao vestido provocante,


passando ao lado de um dos meus seios, subindo até agarrar as mechas do

meu cabelo, na nuca.

Gosto da forma como ele me pega, forte, exigente.

— E-eu... Obrigada.

Suas mãos me puxam para mais perto, nossos quadris se encontram e

sinto a dureza do seu pau, o calor que emana do seu hálito, do seu peito e,

principalmente, do seu quadril.

Um gemido de prazer escapa dos meus lábios, porque agora eu sei

que Oliver também está afim. Ele poderia negar com palavras, mas não dá

para mentir sobre o que está acontecendo dentro da sua cueca.

Não sei por que veio até aqui, não sei como ficaremos amanhã, mas

eu não ligo no momento.


— Por favor, Caroline — Oliver pede com a mão grande sobre a

minha lombar, me fazendo mover o quadril contra o dele. — Eu não

aguento mais isso.

— Você veio até aqui por mim? — desejo saber. — Para me

encontrar?

A mão na minha nuca me puxa e nossos narizes se tocam. Amo o

cheiro de menta no seu hálito, seu perfume me envolvendo.

Sua boca está tão perto que eu quase posso sentir o gosto da sua

língua.

— Por favor, Caroline, me dê apenas um motivo para não te beijar.


Oliver

Suas mãos quentes deslizam através do meu peito. Uma desce para o

meu tórax e a outra envolve a parte de trás do meu pescoço, provocando

uma infinidade de arrepios diferentes ao tocar as partes sensíveis.

Estremeço, respirando seu cheiro, seu hálito. Estou a um passo de

descer a mão e agarrar sua bunda, de impulsioná-la para cima e fazê-la

abraçar meu quadril com as pernas.


Caroline se aproxima e roça os lábios nos meus. É um misero toque,

mas atiça ainda mais a fera dentro de mim. Ela está tão sexy que eu a

devoraria aqui mesmo, com todo mundo em volta.

— Tem aquela regra de que funcionários não podem se envolver —

ela diz e sinto como se jogasse um balde de água fria.

Mas estou quente demais para que um só balde cumpra o papel.

Quero dizer que não sou um funcionário qualquer, que a regra não se

aplica ao filho do dono, mas preciso recobrar a consciência. Preciso me

agarrar a sanidade.

Pisco e faço que sim com a cabeça. O pau dói de tanto desejo, o

coração também, por ser rejeitado.


Abro a boca para dizer alguma coisa, relutando em afrouxar as mãos,

adiando o momento de soltá-la, mas não sei o que falar.

Eu saí de casa porque não conseguia pensar na minha assistente em

um clube noturno. Dirigi até aqui guiado apenas pelo desejo, sem

raciocinar.

Ainda bem que ela me dispensou, que se preocupou com essa regra

boba. O que eu faria se seguíssemos adiante? O que aconteceria depois?

Eu não saio com uma mulher decente desde a minha esposa, estou

fodendo com prostitutas há dois anos, e as coisas vão continuar como estão.

Não preciso de um caso com minha assistente, não preciso de um

relacionamento, não preciso de nada dessa merda.


Afrouxo os braços, soltando-a, tomado pela raiva ao perceber que

Phillip está ganhando, que está atingindo o seu objetivo. Ele sabia que eu

não aguentaria, que eu perderia a cabeça com essa demônia de mulher.

— Você... — ela começa a dizer.

— Só dei uma passada para ver como o clube era — minto

descaradamente. — Os irmãos Valentini me convidaram para conhecer.

— Ah, claro. Entendo. Estou com Vivian, sua secretária. Preciso

voltar antes que ela perceba que sumi — Caroline diz, arrumando o cabelo.

— Acho que seria estranho se ela nos visse juntos aqui.

— Seria, sim.

Seu vestido cobre apenas até metade das coxas, é preto e parece que

o tecido da parte da frente não será o bastante para manter os seios cobertos
se ela se movimentar muito. Está preso por alcinhas finas ao pescoço, as

costas são nuas.

— Ela vai foder com qualquer um desse clube, menos com você — a

voz de Phillip caçoa.

Emito um rosnado e torço para que Caroline não tenha percebido.

— Você tem carona para ir embora? — Não sei por qual razão ainda

pergunto.

— Tenho sim. Nos vemos amanhã, na empresa.

Metade de mim agradece por ela fingir que nada aconteceu, a outra

metade está tão furiosa que poderia colocá-la de quatro e dar umas

palmadas na sua bunda.


Caroline se vira e meu pau lateja. Ela volta para a pista, as luzes

iluminam sua pele queimada do sol, daquele dia em que a vi de biquíni, e eu

fico aqui aguardando, esperando que as coisas se acalmem dentro de mim.

Quando percebo que não vai acontecer, deixo a boate. Me irrito com

o segurança que pede para conferir a comanda digital, mas digo a ele, num

português péssimo, que não consumi nada.

Foi ela quem me consumiu.

Atravesso o estacionamento e entro no Jaguar antes que a porta

termine de abrir totalmente.

Respiro fundo e ignoro todas as merdas que a voz de Phillip grita na

minha cabeça. Abro o aplicativo onde eu possa encontrar uma puta que me
obedeça como se sua vida dependesse disso, coisa que eu deveria ter feito

antes.

O que Caroline deve estar pensando a meu respeito? Como vou olhar

para sua cara amanhã?

É isso que acontece quando deixa a porra subir para a mente.

Jogo o celular no banco e bato o punho fechado contra o painel.

Onde eu estava com a cabeça quando achei que poderia ter alguma coisa

com ela além das minhas fantasias?

Eu não consigo ir em frente, não consigo fazer o que é preciso. E

ainda estou no carro quando ela sai do clube, acompanhada da secretária e

de dois caras.
Eles vão em direção a um utilitário branco, que está estacionado na

fileira da frente, com uma plaquinha luminosa escrito UBER em letras

azuis. A secretária se agarra com um dos homens diante do capo do carro.

Meu sangue ferve quando vejo o outro cara passar o braço em volta

da cintura de Caroline, enquanto ela abre a porta do carona para entrar. Eu

sei que ela pode ter bebido demais e não estar ciente das coisas.

Eu jamais interferiria na sua vida se tivesse cem porcento de certeza

de que ela está sã, mas não é o caso. Ainda mais quando vejo que tenta se

esquivar e entrar no carro. Abro a porta do Jaguar e desço sem pensar duas

vezes.

Chego até eles em poucos passos, bem a tempo de ouvir Caroline

sussurrar um não.
— Ela disse não — me atrevo a falar em português novamente, mas

não dou a mínima com a minha pronúncia horrível.

— Oliver? — ela pergunta, espantada.

O babaca se afasta de Caroline alguns centímetros, para tentar

entender o que está acontecendo, antes que eu comece a empurrá-lo para

longe dela.

— Vou te levar para casa — digo em inglês, não é uma sugestão, é

uma ordem.

Espero que ela não me negue isso, porque a raiva está tomando conta

de tudo e não sei quanto mais posso segurar.

— Senhor Henderson? — Vivian pergunta, surpresa ao perceber

minha presença.
— Estava no clube, tenho negócio com os donos — invento a

primeira mentira que me vem à cabeça, falando em inglês para ter mais

segurança. — Vi vocês duas saindo, posso levá-las?

Os caras trocam algumas palavras entre si, mas nem me dou ao

trabalho de prestar atenção ou tentar interpretar. Só noto o babaca que

estava insistindo com ela sumir da minha frente, voltando em direção à

boate, deixando o outro para trás.

— Vou levar você pra casa — repito a Caroline, exigente.

— Não precisa, Oliver... Eu...

— Sem discussão — a interrompo.

De jeito nenhum vou deixá-la voltar sozinha.


— Eu combinei de voltar pra casa com Vivian, não vou deixá-la

voltar sozinha — ela tenta arranjar uma desculpa. — Vamos dividir o Uber.

É um motorista conhecido dos gêmeos, não precisa se preocupar.

— Posso levar as duas — sugiro.

— De jeito nenhum, senhor Henderson — Vivian diz, abanando as

mãos em um gesto nervoso, se afastando do homem com quem estava

agarrada.

A voz da razão tenta falar comigo, dizer que estou exagerando, mas

a calo com um soco de raiva.

Vivian diz algo a Caroline em português. Me esforço pra prestar

atenção e entendo que ela está dizendo que pode ir para casa sozinha, já que
o motorista é um homem confiável. Caroline insiste em seguir o

combinado.

— Ok — ela se dá por vencida.

Ela fica esperando a colega de trabalho entrar no Uber, que se limita

a despedir do cara com um aceno. O Uber se vai, levando Vivian, o homem

volta em direção a boate e Caroline respira fundo.

— Não sei o que dizer — murmura.

Ergo a mão para colocar em volta da sua cintura, mas, de repente, é

como se um choque de realidade atingisse meu corpo. Eu não fui embora,

fiquei no estacionamento e não sei o quão estranho isso pode parecer.

O que diabos ela está pensando?


— Você tinha bebido um pouco, aquele babaca estava insistindo e eu

fiquei preocupado — explico.

— Foi só isso? — Caroline me encara, parada com os braços caídos

ao lado do corpo, o rosto indecifrável.

Quero segurá-la, quero puxá-la para mim e dizer que não é só isso.

— O que poderia haver além disso? — sussurro.

— Você estava me esperando, Oliver? — Ela estreita os olhos, como

se quisesse me pegar na mentira.

— Não — respondo, decidido.

Não tenho que lhe dar explicações, não importa o quão estranho

pareça, não importa como eu esteja me sentindo por dentro.


Caroline continua me encarando, mas ela não vai arrancar mais nada

de mim.

— Não entendo como você ainda estava no estacionamento, não

entendo nem porque veio até a boate, mas... — ela faz uma pausa e respira

fundo. — Ele só estava brincando, eu saberia me defender, caso precisasse.

Mesmo assim, obrigada por ter feito.

Solto a respiração que nem sabia que estava prendendo. Algo no seu

olhar diz que nem ela realmente tem cem porcento de certeza de que

conseguiria se defender, se fosse esse o caso, isso afasta ainda mais a razão

dos meus pensamentos, deixando a mente livre para todas as preocupações

e insanidades possíveis.

— Eu quero proteger você — digo sem pensar. — Não vou tolerar

nenhum babaca colocando as mãos em você outra vez.


Ela pisca os cílios grandes, os olhos ainda mais azuis, destacados

pela maquiagem sexy que está usando, e percebo que exagerei.

— Se for contra sua vontade — acrescento, para não parecer tão

maníaco.

Ela se vira e começa a andar na direção do carro.

— Eu nunca andei de Jaguar — diz sobre o ombro e o tesão vai

sobrepondo a fúria.

— Fico feliz que sua primeira vez seja comigo — respondo, indo

atrás dela. Quero apoiar a mão na sua lombar, mas tenho medo.

A sigo até a porta do carona, pego o celular que joguei no banco e

ofereço a mão para ajudá-la a entrar.


Dou partida, enquanto as portas deslizam para baixo e aspiro seu

perfume provocante.

Guio para a rua e nos levo de volta para casa, lutando para não olhar

para suas coxas expostas, batalhando contra o desejo de tocá-las, de apertá-

las.

— E se Vivian estranhar tudo que aconteceu? O fato de você ter

insistido em me trazer? — ela pergunta, de repente, quando estamos

passando pela portaria do condomínio.

— Moramos a algumas quadras de distância, o que tem de estranho

nisso? — pergunto, mas Caroline fica em silêncio até que eu pare em frente

à casa do seu irmão.


— Eu também não queria que ele me beijasse — ela confessa ao

acionar o botão que libera cinto de segurança. — Estava me esquivando.

Recebo a informação e me controlo para não demonstrar as

emoções. Uma mistura de alívio por ter ficado no estacionamento, por estar

lá por ela, com o orgulho de saber que ela não queria o babaca.

— Não errei em interferir então — murmuro, desejando ler seus

pensamentos, saber se é o meu beijo que ela quer.

— Não, Oliver, você não errou. Obrigada por me defender — ela diz

tão manhosa que sinto como se meu peito derretesse.

Meu pau pesa dentro da cueca, implorando pelo mínimo de atrito.

Caroline descansa as costas no banco, relaxando por alguns

segundos, então vira o torso na minha direção. Ela está tão maravilhosa
com esse vestido, o cabelo caindo sobre os ombros, a maquiagem, e os

olhos brilhantes de sereia, refletindo as luzes do painel do carro e da rua,

que chego a pensar que nunca vi outra mulher que fosse mais bonita que

ela. Nem mesmo Cinthia.

— Não precisa me agradecer por te defender, eu sempre vou fazer

isso — digo com convicção.

Até quando ela não precisar saber.

Caroline passa a ponta da língua no lábio inferior, devagar, e só

consigo pensar no quanto cheguei perto de prová-los.

— Por que você me olha como se quisesse me devorar? — ela

pergunta.

— Porque eu quero — respondo, quase rendido.


— Então é melhor eu ir, antes que você comece — o demônio de

mulher diz, então abre a porta e sai.

— Inferno — digo e bato o punho fechado contra o banco do

passageiro, onde ela esteve sentada.

Não quero pensar no que dissemos, não quero considerar como será

meu dia de trabalho amanhã sabendo que ela estará na sala ao lado. Não

posso pensar em como vou continuar resistindo depois dessa noite.

Eu só não quero mais pensar.

Guio o carro até minha rua, ignorando o desejo, as vozes, tudo.

Chegando em casa, pego uma garrafa de uísque no bar e subo para o quarto.

Ainda não me acostumei a chamá-lo de meu quarto.


Pelo menos, Jake e Celiny estão se sentindo em casa, gostando mais

do que o último apartamento onde moramos.

Abro a mesinha de cabeceira e encontro o outro aparelho celular,

onde está o número com o DDI daqui do Brasil, que ninguém mais sabe que

tenho, além do homem que contratei para ficar de olho nas coisas em

Jaguarão. Uma espécie de “detetive” que faz outros trabalhos sujos além de

investigar.

Não é difícil de encontrar essas coisas quando se tem dinheiro e sabe

como usar a dark web.

Ele é do leste europeu e já havia o contratado uma vez, para tentar

descobrir se o incêndio que matou minha esposa foi criminoso, porque não

confiava totalmente no trabalho da polícia. Mas ele não descobriu nada.


Voou para o Sul do Brasil menos de vinte e quatro horas depois do

meu contato.

Desbloqueio a tela do celular e vejo a notificação do aplicativo de

mensagens criptografadas.

“Se o homem estava doente, já voltou a trabalhar.”

Em seguida, o “detetive” descreve o que observou da rotina de

trabalho, de ontem para hoje, do padrasto de Caroline, como o caminho que

ele pega para ir trabalhar, o veículo que usa e seus horários, principalmente,

se está sozinho.

Me intriga o fato dele acrescentar ao final da mensagem que o

desgraçado parecia muito bem, para quem esteve machucado há pouco

tempo.
Passo algumas instruções ao “detetive”, antes de entrar no site de

uma companhia área de aluguéis de jatinhos.


Caroline

Quinta, 19 de fevereiro de 2032

13° DIA

Oliver e eu aterrizamos na cidade do Rio pela manhã e embarcamos

no cruzeiro, no Píer de Mauá, por volta do meio-dia.

O navio estava programado para partir às dezessete horas, e como

nossas cabines ainda não estavam disponíveis, nós fomos almoçar em um


dos restaurantes.

Ontem, tentei ignorar o que aconteceu na noite de terça, porque boa

parte das coisas que me lembro podem ter sido uma fantasia causada pelos

vários drinks que bebi no Clube dos Cretinos.

Sei que Oliver realmente foi até lá, que chegou no momento certo e

interferiu quando um cara tentou me beijar, já que Vivian fez questão de

contar essa parte da história com detalhes, assim que trouxe o café da

manhã na minha sala.

Não sei se o resto das coisas que lembro é real: a parte em que ele

me agarrou na boate, quando quase nos beijamos, quando disse no

estacionamento que queria me proteger e não iria tolerar nenhum babaca

colocando as mãos em mim.


Não posso nem considerar a parte em que Oliver disse, no Jaguar,

que queria me devorar.

Como Oliver também está agindo como se nada demais tivesse

acontecido, concluo que tudo não passou do efeito da bebida no meu corpo

e mente carentes. Na noite de terça, em vez de pegar alguém, o álcool me

iludiu e achei que meu chefe estava afim de mim.

Dou uma risada do meu próprio desespero, enquanto almoçamos e

mexemos nos nossos iPads. Já tive acesso as plantas do navio e estou

começando a trabalhar em alguns desenhos.

— O que foi? Teve alguma ideia de um projeto inovador? —

pergunta ao ouvir meu riso.


Encontro seu olhar e tento não dar atenção as batidas do meu

coração. Eu tenho que me acostumar com isso. Uma hora ou outra, preciso

me habituar ao magnetismo de Oliver.

— Já estou planejando alguns desenhos e, estando aqui no navio, as

ideias fluem muito mais fáceis. — Largo os talheres sobre o prato e coloco

as mãos por baixo das coxas, desviando o olhar para a lasanha pela metade.

— Mas não foi disso que ri.

— E o que foi então? — Oliver também larga seus talheres, posso

ver pelo canto do olho, mas não me atrevo a encarar. Não agora.

— Estou pensando se me comportei muito mal, terça à noite, no

caminho do Clube dos Cretinos até o condomínio — assumo. — Sei que

bebi um pouquinho e...


Coço a cabeça. Pelo menos não tive ressaca.

— Eu não te agradeci por você ter me levado embora — sussurro.

Não sei por que tenho que falar disso agora. Só preciso me

concentrar no meu iPad, no projeto que estou arquitetando, não corar como

uma boba.

Mexo na comida e levo uma garfada pequena de lasanha até a boca,

mastigando devagar.

— Você já me agradeceu, não precisa se preocupar com isso —

Oliver sussurra de volta. — Não lembra?

Continuo encarando a comida. Minhas memórias são uma confusão

que me deixa ainda mais vermelha. Recordo do corpo dele contra o meu,

sua mão no meu cabelo, seu cheiro selvagem de verbena e madeira bem
perto de mim, seu hálito, lembro até do seu pau duro contra o meu quadril,

mas é irreal demais para ter acontecido. Porque é Oliver Henderson, ele não

iria ao Clube dos Cretinos por minha causa.

— Lembro, claro — digo, tentando parecer convincente.

— Por que não olha nos meus olhos, Caroline? — Ele não pronuncia

meu nome em inglês, como de costume, mas na pronúncia em português, e

preciso morder o lábio para não soltar um gemido de satisfação ao ouvir o

sotaque.

Ergo o olhar devagar e o encaro, recebendo o impacto dos seus olhos

azuis no coração. Sim, ele me olha como se quisesse me devorar.

Ou está sou eu a um passo de perder o controle das faculdades

mentais.
— Sabe o que eu percebi? — digo depressa, para disfarçar tudo que

estou sentindo. — Não vi nenhuma criança desde que chegamos.

Oliver permanece me encarando por mais um instante, então vira o

rosto e olha ao redor, me liberando do poder do seu olhar.

— Tem razão. Também não vi nenhuma. Nem mesmo adolescentes,

apenas adultos — ele conclui.

— Pelo menos os gêmeos irão para a escolinha, vão ver outras

crianças, vão se divertir com a senhora Collins no sábado, e no domingo

você estará de volta — digo, procurando mostrar alguma empolgação. Sei o

quanto ele detesta ficar longe dos filhos.

— Você está certa. Vai passar rápido e eles nem vão sentir minha

falta — Oliver concorda. — Obrigado por ter tirado um tempinho da sua


noite para ter ido até lá ontem com seu sobrinho, por ter ficado um pouco

com eles.

— Não foi nada. Adoro seus filhos — respondo. — E Dom amou

brincar com eles.

Lembro das mensagens no celular, as recebi quando ainda não tinha

bebido demais, e Oliver me convidava para jantar com ele e dizia que os

gêmeos estavam perguntando por mim. Aquilo não foi ilusão do álcool, ele

realmente mandou as mensagens, mas não significa que o resto aconteceu.

— Na segunda, prometo que vou até lá novamente — garanto.

Eu amo quando o canto da sua boca se curva em um meio sorriso

muito discreto, porque Oliver quase nunca sorri, e testemunhar quando isso
acontece é incrível. Também há um brilho novo no seu olhar, é parecido

com a luz que vi no olhar de Dimitri, depois que ele reencontrou Giulia.

— O que acha de fazermos alguma coisa no fim de tarde, depois que

o navio partir do porto? — pergunta e pisca o olho azul. — Nada de

trabalho.

Engulo a saliva para que ela afogue meus batimentos e tento

raciocinar depressa.

— Dei uma olhada rápida no e-mail com a programação do cruzeiro

e vi que tem uma apresentação em um salão, onde dá para aproveitar o pôr

do sol — comento, tentando puxar pela memória, mas não li direito o e-

mail e tudo que lembro é do nome do salão, a parte pôr do sol e recomenda-

se chegar cedo para conseguir um bom lugar. — Acho que podemos ir.
— É uma boa ideia — Oliver concorda.

— Posso te encontrar em frente à sua cabine para irmos juntos, o que

acha? — sugiro.

— Não, eu te encontro na sua.

— Mas você não sabe onde é minha cabine — rebato surpresa,

afinal, fui eu quem cuidei das reservas, esse é o meu trabalho.

— Você acha que eu não consigo espiar o número no seu cartão de

embarque? — Oliver pergunta. — Te pego às 17h30, na sua cabine.

Meu coração bate exageradamente, então trato de voltar minha

atenção para a lasanha e o iPad.


Terminamos de almoçar em silêncio, depois vamos até a recepção e

recebemos as chaves das nossas cabines. Me despeço de Oliver aqui, ele vai

para a classe superior e eu, para a executiva.

Não tenho do que reclamar, vou comer, beber e viajar de graça em

um cruzeiro pela primeira vez, com um bônus de poder impressionar o

chefe com meu trabalho. Acho que poderia ficar até no convés que ainda

daria pulinhos de alegria.

Sou guiada até o corredor onde minhas malas estão esperando em

frente à porta da cabine, a abro com o cartão eletrônico.

A cabine não é muito espaçosa, é menor que o quarto de hotel em

Bento Gonçalves, mas tem uma cama confortável, uma bancada de madeira

para trabalhar, frigobar e até uma pequena sacada com vista para o mar.
É muito mais do que eu esperava, como visitante. Como

profissional, dou uma olhada mais apurada e concordo que a companhia

marítima precisa mesmo reformar o interior do navio. A decoração e os

móveis já estão ultrapassados, e o espaço pode ser otimizado.

Só me estranha o fato de haver uma sacola vermelha, com o slogan

do cruzeiro estampado, contendo alguns envelopes de preservativos e um

frasco de lubrificante. Franzo o cenho, sem entender, mas logo me dou

conta de que nunca estive em um cruzeiro antes e que não tenho nenhuma

experiência.

Coloco a bolsa e o iPad sobre a cama, e antes de voltar ao trabalho,

resolvo abrir a mala e admirar as roupas que Raquel me emprestou da sua

coleção, para que eu possa usar aqui no cruzeiro.

Não sei o que faria sem ela.


Penduro os vestidos, as blusas, saias e calças nos cabides, me dou

alguns momentos para pensar no que vou vestir mais tarde. Quero estar

bonita, não para Oliver, mas para acompanhá-lo.

Escolho um vestido midi da cor azul Tiffany que é frente única, de

um tecido que parece ser muito caro. Minha pele está bronzeada, do

domingo que passei na piscina da Fazenda Ricci, e o tecido vai realçar

minha pele.

Pelo menos é o que espero.

— Uau... — Oliver sussurra assim que abro a porta da cabine.

Estou usando sandálias prateadas, caprichei na máscara de cílios, no

perfume e tentei fazer algo parecido com o delineado que Ayla desenhou
nos meus olhos, na terça.

Pela cara de Oliver, acho que não ficou tão ruim assim.

— Gostou do vestido? — pergunto e dou uma voltinha para que ele

veja melhor. — Estou à altura para acompanhá-lo, senhor Henderson?

— Você está maravilhosa — diz gentil.

— É da coleção de Raquel Mendes. Ela é incrível — explico.

— O vestido é muito bonito, e você ficou linda nele — Oliver diz e

tenho que me segurar para não derreter.

É só um elogio e preciso me manter centrada.

Ele está usando calça de alfaiataria, camisa e gravata, ambas pretas,

e eu fico aliviada por ter me esforçado para estar bem apresentável. Não
íamos combinar juntos se eu usasse uma das peças do meu armário.

O navio é imenso, com vários andares e alas. Pelos corredores, há

instruções de como chegar aos espaços públicos, incluindo o salão onde

pretendemos ir.

— É engraçado chamar de “Dark Room” — digo baixinho, olhando

para a tela no elevador, onde mostra o mapa do hotel com os salões públicos

em destaque —, quando dá para ver o pôr do sol.

— Talvez porque fique escuro depois que o sol se põe — Oliver

sugere com um sussurro, mantendo o rosto sério. Não estamos sozinhos no

elevador.

Tem um casal que parece estar em lua de mel, porque não param de

se beijar, como se não fossem capazes de esperar para ficarem a sós.


Dou de ombros e o elevador abre.

Ele oferece o braço e me apoio ao caminharmos pelo corredor que

nos leva até o salão que leva o nome de “Dark Room”. Há cinco casais na

fila e a recepcionista instrui todos a lerem as regras que estão fixadas em

um painel ao lado da entrada em dois idiomas, mas nossa atenção é

desviada para o bar, que podemos ver já da porta dupla, com uma infinidade

de bebidas preenchendo uma parede espelhada de aproximadamente dez

metros de largura.

— Acha que eles têm seu espumante preferido aqui? — Oliver

sussurra a pergunta se inclinando para falar bem perto do meu ouvido,

enquanto a recepcionista atende os casais que chegaram primeiro.

O seu cheiro me invade e me aquece. Seguro no seu braço com mais

firmeza, ficando consciente da nossa proximidade.


— Será que eles têm alguma garrafa produzida em uma vinícola de

Bento Gonçalves? — pergunto para que ele não afaste o rosto do meu.

— Sinto que estamos com sorte hoje — Oliver responde e noto

aquela intimidade que conquistamos no hotel.

A diferença é que aqui não tem as crianças nem o meu irmão. Somos

só nós dois.

Engulo em seco, seu rosto ainda está inclinado na direção do meu. O

cabelo loiro escuro cai em mechas na sua testa, e ele volta a me olhar. Luto

com tudo que posso para não me envolver, mas não consigo controlar as

reações do meu corpo. Aspiro seu cheiro, sinto seu calor, sua proximidade.

Desvio o olhar antes que a quentura se apodere das minhas coxas.

Isso é inadequado de tantas formas, e já perdi as contas de quantas vezes


dialoguei comigo mesma sobre como preciso controlar minhas emoções na

presença do meu chefe, que dá vontade de me dar uns tapas por ser tão

fácil. Para minha surpresa, a cena que vejo na fila rouba minha atenção.

A mulher do casal que está na nossa frente está inclinada para a

frente, apoiada nos ombros do homem do casal a diante deles. Eles estão

conversando em espanhol e, sem que eu estivesse esperando, a mulher beija

o homem, enquanto seus parceiros ficam olhando.

Meus olhos se arregalam antes que eu consiga disfarçar.

— Eita — deixo escapar.

Oliver acompanha meu olhar, bem a tempo de ver os dois

finalizarem o beijão. A mulher mal tira as mãos do ombro do homem, e o

seu par que está logo a nossa frente, começa a beijar o homem que a mulher
acabou de beijar. As mãos seguram as nucas e as cinturas e, um instante

depois, as mulheres estão se beijando também.

Por alguns segundos, eu não consigo desviar o olhar, não consigo ser

prudente o suficiente para saber que é errado bisbilhotar a vida dos outros.

Mas estou sentindo uma mistura de fascínio e espanto por ver essas quatro

pessoas com tanta intimidade assim, na fila de uma apresentação, quando eu

não consegui nem beijar aquela cara na noite de terça.

Então a consciência sobressai e viro o rosto, começando a mexer no

meu cabelo, notando que meu peito sobe e desce depressa com a respiração

acelerada.

Quase dou um pulo quando o polegar de Oliver toca minha

bochecha. Me dou conta de que estou quente, provavelmente vermelha, mas

não de vergonha.
Pelo meu campo de visão, percebo os dois casais voltarem as suas

posições. O que está mais adiante vai ser atendido agora.

Oliver não diz nada, não demonstra nenhum sinal de que reparou

neles, e mantenho meu braço enroscado no dele até chegar a nossa vez.

— Leram todas as regras? — a recepcionista pergunta em português.

— Sim, lemos — minto, pois estava ocupada prestando atenção nas

bebidas e na pegação dos outros.

— Ótimo. Há duas cores de pulseiras. As azuis são para os casais

que vão apenas assistir, as pulseiras pretas são para os que estão abertos a

participar de todo o show e experimentar de tudo dentro do “Dark Room”

— ela explica, nos mostrando as pulseiras.


Não sei sobre o que é a apresentação, mas não preciso perguntar a

Oliver para saber que ele não vai querer participar de nenhum show. Muito

menos eu.

— Você só quer assistir, né? — pergunto a ele em inglês.

— Apenas assistir — confirma.

— Pulseiras azuis — volto a falar com a recepcionista e ela coloca

as pulseiras nos nossos braços.

Fico aliviada, porque se for um show de Stand Up, o comediante não

vai nos chamar para participar. Eu morreria de vergonha.

— Vocês encontrarão tudo que precisam nas camas, a troca de

lençóis é feita regularmente. Cuidem dos seus pertences e aproveitem ao


máximo — ela diz e abre um sorriso largo. — Ah, e não esqueçam. Não é

de bom tom usar o celular lá dentro.

Franzo o cenho com a história da troca de lençóis, mas Oliver

começa a entrar e o sigo pelo corredor, de onde só conseguimos ver o bar.


Caroline

Quando chegamos ao final do corredor de entrada, sou surpreendida

com um salão amplo, repleto de camas de casal baixas, sem pés. A parede

oposta à entrada é toda de vidro e dá para ver o Píer de Mauá ficando cada

vez menor, enquanto o navio parte para mar aberto.

Ainda sem largar o braço de Oliver, coço a nuca, sem entender todas

essas camas. O bar está localizado à esquerda da entrada, à direita há outro

salão, onde cortinas pretas estão cobrindo as vidraças, com várias mesinhas
e bancos altos de bar, e um palco coberto por uma cortina vermelha, onde

suponho que vai ser a apresentação. Há alguns sofás de couro espalhados

pelas laterais desse salão, que é menos iluminado que o outro, e bem mais

aconchegante.

Os casais que já entraram estão espalhados entre os sofás e as mesas.

Oliver me guia até uma mesa e me sento em um banco alto, de onde

eu possa me virar e ter uma visão da vidraça, mas também assistir à

apresentação no palco.

— Vou até o bar pedir alguma coisa para bebermos — avisa e eu

meneio a cabeça positivamente.

Apoio o cotovelo na mesa e o queixo na mão, localizando os dois

casais que vi na fila. Eles estão sentados em um dos sofás de couro, aos
beijos, mas já não sei mais quem é quem.

Quero desviar o olhar, mas assisto o homem puxar a tira do vestido

da mulher e deixar seu seio esquerdo à mostra. Então ele toca a coxa do

outro homem, próximo demais da virilha. A mulher com o seio exposto

espera, enquanto o outro homem se vira, inclina a cabeça e abocanha o seio

dela.

Meu queixo cai. Olho em volta, à procura de seguranças que possam

interrompê-los, ou outros casais que estejam incomodados, mas não

encontro ninguém disposto a pará-los. Por um lado, fico aliviada, porque

uma parte de mim quer assistir mais, uma parte que está gostando do calor

entre as pernas que a cena causa.

O primeiro homem puxa o lado oposto do vestido da mulher e

começa lamber o seio direito lentamente, enquanto ela se contorce no sofá,


debruçando a cabeça para trás, com os lábios abertos.

A outra mulher se levanta e vai para a frente deles, me impedindo de

vê-los com seu corpo.

Me inclino para o lado, na tentativa de continuar assistindo, mas sou

surpreendida com a volta de Oliver. Meu coração martela na garganta

quando ele para ao lado do meu banco.

— O garçom já vai trazer nossas bebidas — diz e olha o celular,

antes de me encarar.

É como se ele conseguisse enxergar dentro da minha mente e saber

tudo que andei vendo, como se eu tivesse sido flagrada assistindo a um

filme pornô.
— Você ainda está vermelha — comenta e toca meu rosto com as

costas dos dedos. — E quente.

Arfo e estremeço com seu toque, mas não quero que pare, porque

vem em um momento em que meu corpo mais anseia por um contato físico.

Fecho os olhos e fantasio que ele desliza a mão pelo meu pescoço.

Me imagino sendo audaciosa o bastante para perguntar se aquilo no

Clube dos Cretinos foi real, se ele realmente foi atrás de mim, que quase

nos beijamos, mas logo o garçom aparece e entendo que não vou fazer nada

disso.

— Moscatel, como você gosta — diz, batendo a taça contra a minha.

— A esse projeto — ofereço o brinde.


— Eu avisei para não falarmos mais de trabalho por hoje — ele

lembra, com o olhar que me desconcerta, então se inclina para falar ao pé

do meu ouvido. — Um brinde a nós.

Quero ser educada, mas não dá. Bebo toda a taça de uma vez, na

esperança de que o espumante alivie a tensão. Oliver pega a garrafa que

ficou sobre a mesinha e reabastece minha taça.

O salão ficou cheio depressa, e os casais estão se aglomerando nas

mesinhas e nos sofás quando a cortina abre.

Procuro o quarteto de exibicionistas, mas eles saíram do sofá onde

estavam.

Dois homens usando apenas calça de alfaiataria aparecem no palco,

ao som de uma música sensual, e começam a dançar de uma forma bem


provocante. Seus corpos são musculosos e parecem brilhar com as luzes.

As pessoas no salão demonstram adorar o show. É como se só Oliver

e eu estivéssemos quietos.

Em um dado momento, um dos homens vai até a beirada do palco e

observa a plateia, então escolhe uma mulher e a convida para subir ao

palco, através do microfone auricular discreto.

A mulher sai do meio do salão, toda animada. Quando sobe ao palco,

vejo sua pulseira preta e só tenho a agradecer por ter escolhido a azul. Eu

ficaria com vergonha só daquele homem me chamar.

Os dois dançarinos a cercam, enquanto ela ri, e meu queixo cai mais

uma vez, quando ela passa a mão sobre a calça de um deles, o que a

convidou ao palco.
— Grosso e duro. — Dá para ouvir a voz dela distante, graças aos

microfones dos rapazes.

Meu rosto fica mais quente. Não me atrevo a olhar na direção de

Oliver agora. Não quero seus olhos penetrantes em mim.

— Chupa bem gostoso, vai — o cara pede com o tom de voz

manhoso, ao mesmo tempo em que o outro, que está atrás dela, começa a

arrumar os cabelos da mulher em um rabo de cavalo.

— Que show esquisito é esse? — pergunto a mim mesma, baixinho.

Ainda assim, não tiro os olhos do palco.

A mulher fica de joelhos e o homem abre a calça, tirando um pau

ereto e de tamanho muito satisfatório para fora da cueca. As pessoas gritam


no salão e engulo em seco, reparando em como ela abocanha, como suga

depressa, fazendo o dançarino gemer de prazer.

Mas ela não se demora de joelhos, o outro a puxa para ficar de pé

assim que abaixa a calça e envolve o pau em uma camisinha. Ele a vira na

sua direção e levanta seu vestido. Dá pra ver que a mulher está sem

calcinha. Ele ergue seu quadril para que a mulher abrace o tórax dele com

as pernas.

Ela passa a gemer quando o pau dele começa a penetrar. O outro

dançarino puxa a parte de cima do vestido dela para descobrir os seios,

fazendo massagens neles, chupando seu pescoço.

Os gemidos aumentam e meu clitóris lateja. Estou em chamas.


Demoro, assistindo o pau dele entrar e sair da boceta dela, até

perceber que os gemidos não vêm só dos três no palco, mas dos casais no

salão também.

As pessoas estão se beijando, se despindo.

Me atrevo a virar o rosto até ver o outro salão. Meus olhos se

arregalam. Algumas camas já estão ocupadas. Pessoas vestidas, pessoas

seminuas, nuas, em dupla, em trio, em grupo.

Para onde quer que eu olhe, tem alguém fazendo alguma coisa

indecente.

Meu coração bate mais forte quando sinto a mão de Oliver tocar a

minha. Seu rosto volta a se inclinar na direção do meu ouvido, mas ele não

fala nada, só respira próximo a mim.


Tenho um lampejo de consciência, pensando na conversa que tive

com a atendente que marcou nossa viagem, e resolvo abrir o Google no

celular.

Meu queixo cai com os resultados que aparecem quando pesquiso

sobre “Dark Room”. Repasso a conversa com a atendente na cabeça, sei

que me disse que era um cruzeiro para casais, que parecia insistir nessa

informação, mas eu estava tão empolgada com as datas serem acessíveis

que não prestei atenção.

Bloqueio a tela do celular, o guardo na bolsinha que trago pendurada

no ombro, e começo a juntar as peças. Não vimos nenhuma criança ou

adolescente, em momento algum em que ficamos nas áreas públicas.

Lembro do casal se pegando no elevador, dos dois casais trocando

beijos na fila, e nas coisas que a recepcionista disse.


— A sacola de camisinhas e lubrificante! — digo horrorizada,

levando a mão em concha até os lábios.

— Também tinha uma sacola dessas na sua cabine? — Oliver

pergunta.

Ainda com a mão na frente da boca, me viro em sua direção,

temendo que minhas pernas não consigam suportar o peso da minha

estupidez no próximo segundo.

— Meti a gente em um cruzeiro de swings — digo, minha voz

saindo abafada contra a mão. — “Dark Room” é um lugar para troca de

casais!

Profiro todos os xingamentos que conheço em português. Vejo

minha demissão à vista.


— Eu sinto muito, Oliver. Não prestei atenção quando fui marcar a

viagem, meu Deus... Eu sou...

Ele não me deixa terminar, pega meus pulsos e me puxa para um

abraço, em seguida acaricia minhas costas nuas com ambas as mãos

quentes.

— Relaxe, Caroline. Não perca a cabeça, já aconteceu e somos

ambos adultos — ele diz com tanta calma que quase acredito que posso

mesmo relaxar.

— Que tipo de assistente leva o chefe em um cruzeiro para casais de

swings? — lamento, passando os braços em volta da sua cintura também,

envolvida com seu cheiro, seu calor, confusa, desesperada, envergonhada e

muito quente.
— A melhor assistente, pode acreditar — brinca, subindo a mão por

baixo dos meus cabelos, fazendo os pelinhos da minha pele se eriçarem. —

Além disso, era a única data próxima disponível, lembra? E precisávamos

embarcar logo.

Suspiro, finalmente relaxando com sua compreensão. Fico tão grata

que sou tomada por um desejo de expressar isso a Oliver, mas não sei como

fazer.

— O navio já partiu do porto — digo, olhando sobre seu ombro, para

a vidraça do salão das camas, ondes os casais estão fazendo coisas que

nunca imaginei ver pessoalmente. O céu está ficando alaranjado com o pôr

do sol. — Não dá mais pra gente desembarcar.

— Por que faríamos isso? — Oliver pergunta. — Eles só trocam de

casal aqui, se comportam no resto do navio e, mesmo que não se


comportem, o que tem demais?

Tento controlar a respiração, mas percebo que está acelerada, não

pelo constrangimento da confusão que causei, mas pelas mãos dele no meu

corpo.

Intensifico o aperto dos meus braços em torno do seu tórax,

aproveitando a sensação de ter meus seios contra seu corpo, e mordo o

lábio. Arfo ao perceber algo ganhando forma no seu quadril.

— Ainda bem que você escolheu a pulseira azul, Caroline — Oliver

sussurra meu nome com seu sotaque e não resisto, movo o quadril,

buscando uma maneira de aumentar nosso contato, com o clitóris latejando

novamente. — Eu não aguentaria ver alguém querendo roubar você de

mim.
Puta que pariu! Não posso acreditar no que acabei de ouvir. Minha

calcinha está molhada, minha boceta pulsa.

— Eu também não deixaria ninguém colocar as mãos em você,

Oliver — crio coragem e assumo, me rendendo completamente, varrendo

para debaixo do tapete a merda que fiz.

Debruço a cabeça no seu peito e assisto um homem chupar a boceta

de uma mulher. Ela se contorce no colo de outra, que oferece o seio para

que ela chupe, coisa que ela só para de fazer quando grita de prazer.

Enquanto isso, outro homem os assiste e se masturba.

— O que está olhando? — Oliver me pergunta.

Dou um risinho baixo, não sou ousada o bastante para dizer. Ainda

não.
Ele me empurra contra a mesa, ainda com os braços em volta do meu

corpo, encosta a testa na minha e respira fundo.

Seu pau está tão duro que massacra meu quadril. Só consigo

imaginá-lo pulsando dentro de mim. Sei que ele é meu chefe, mas não dá

para ser profissional aqui.

— Você quer ir embora? — pergunta com a voz rouca, como se

estivesse tentando controlar alguma coisa.

— Você quer? — devolvo a pergunta.

Juro que escuto um rosnado escapar da sua garganta, como se o

homem gentil tivesse dado lugar a um cara selvagem. Estremeço quando

Oliver segura minha garganta e me encara tão de perto que nossos narizes

se tocam.
— Eu não posso ter o que quero — ele diz.

É como se estivesse sofrendo, como se não suportasse mais.

O puxo para mais perto, com os pensamentos bagunçados, sentindo

seu pau pressionar minha pélvis, mas Oliver resiste.

— O que você quer? — questiono, sem entender a fúria que tomou

conta dele.

— Eu quero você, Ca-ro-li-ne — Oliver confessa com a boca a

menos de um centímetro da minha.

— Estou aqui, não estou fugindo de você — assumo, com o coração

martelando nos ouvidos, nas têmporas, no meu clitóris. — Também quero

você.
Outro rosnado.

Oliver leva a mão livre até meu queixo e o segura com força, me

mantendo presa pela mandíbula e pelo pescoço.

— Não me venha com aquela merda de que funcionários não podem

se envolver — ele murmura com a boca roçando a minha, quase me

fazendo implorar. É autoritário como eu nunca o ouvi ser, mas excita e

queima como o mais delicioso fogo.

Me dou conta de que ele realmente foi me procurar no clube, que

quase me beijou, não foi fantasia causada pelo álcool. Oliver Henderson

esteve me desejando esse tempo todo.

— Entendeu? — pergunta, furioso.

Me deixa com tanto tesão que tremo.


— Sim, senhor, eu entendi — sussurro.

— Isso, boa garota — ele elogia, então aperta mais minha mandíbula

e lambe meu lábio inferior bem devagar.

Arfo, enquanto meu sexo contrai, impaciente. As pessoas gemendo

em volta só dão mais tesão.

Oliver contorna meu lábio superior, só então me beija, invadindo

minha boca com sua língua quente, com o sabor do meu espumante

preferido. Eu o puxo para mais perto, quero me unir a ele o mais depressa

possível, e me surpreendo com o volume que conseguiu ficar ainda mais

duro contra minha pélvis.

O sugo, mordo seu lábio inferior, o beijo como se ele fosse todo

meu, como se não existisse o amanhã. E quando ele solta minha mandíbula
e escorrega a mão até meu vestido, afasto as coxas, ansiando pelo toque.

— Caralho, você tá toda lambuzada — ele diz, tocando sobre a

minha calcinha.

Solto um gemido, largo seu corpo me apoiando nas bordas da

mesinha, enquanto ele se agacha. Por sorte, é fixada ao chão e não virou

com nosso peso contra ela.

Oliver me fareja e pressiona o dedo exatamente onde pulsa.

Dou um gritinho e mordo o lábio. Alcanço seus cabelos e agarro as

mechas quando ele puxa a calcinha para o lado. Pega uma das minhas coxas

e a coloca apoiada no seu ombro, em seguida, chupa minha boceta toda.

Nunca senti isso antes. Jogo a cabeça para trás e me entrego, porque

não há lugar na minha mente para outra coisa além dessa sensação.
Meu corpo estremece, vibra. Levo uma mão até o seio e belisco o

mamilo sobre o tecido do vestido, enquanto a outra está nos cabelos de

Oliver. Sua língua serpenteia, rodeia meu clitóris, ele morde e chupa, suga

tão forte que eu penso que estou incendiando, mas para de repente.

Ele fica de pé e passa o polegar no lábio, em seguida me beija de

repente. Adoro como seu pau, mesmo por dentro da calça, se encaixa entre

as minhas pernas. Meu vestido ainda está erguido, mas eu não ligo, essa

Caroline que ele despertou não é cheia de pudores e não liga para as

pessoas fodendo ao lado, porque ela também quer ser fodida.

Correspondo a intensidade do seu beijo, rodeando seu quadril com a

minha coxa, agarrando suas costas, seu cabelo, latejando de tesão quando

ele impulsiona o pau contra minha boceta.


Então o beijo para e Oliver me encara por um instante. Há selvageria

no seu olhar que não lembra nada daquele homem gentil. Esse combina

muito mais com seu perfume de verbena, pimenta, madeira e couro do que

o Oliver bonzinho.

— Se você tivesse dito alguma coisa para me impedir, eu seria capaz

de dar umas palmadas nessa bunda empinada — ele diz e passa a mão no

meu quadril, apertando minha bunda com as duas mãos, me tirando do

chão.

Não sei se levar umas palmadas do Oliver malvado seria uma má

ideia, eu ficaria de quatro para ele.

Abraço seu torso com minhas pernas e pego a garrafa de espumante

quando ele começa a se afastar, indo em direção ao salão com vista.


Passamos pelos casais transando em todos os tipos de posições, mas

não fico constrangida, só mais excitada.

Acabo de me descobrir uma devassa.

Eu não trocaria de par, como estão fazendo, mas não me importo de

ficar com Oliver aqui.

Ele pega a única cama vaga ao lado vidraça e me deita nela, em

seguida abre minhas pernas e puxa a calcinha para o lado outra vez. Olho

para o céu alaranjado, enquanto ele mergulha a língua entre minhas coxas.

Me apoio nos cotovelos e bebo alguns goles do espumante, a fim de

aplacar o pudor que sinto quando percebo um casal me olhando.

Faço questão de deixar a pulseira visível, para que eles vejam que

não estamos aqui na mesma intenção, então debruço a cabeça nos


travesseiros e me delicio com a sensação da sua boca sugando meu clitóris.

Todo meu corpo treme quando Oliver o morde e o mantém entre os

dentes enquanto coloca um dedo em mim, começando a movimentá-lo, me

deixando com mais tesão ainda.

— Assim — eu peço, conforme ele movimenta o dedo, depois

coloca mais um.

A ideia de que ele é meu chefe me vem à mente, mas a jogo para

bem longe.

Arqueio as costas e aperto ambos os meus seios, gritando quando

tenho um orgasmo. O primeiro da minha vida.

Pisco os olhos, me perguntando se foi isso mesmo que aconteceu,

mas tenho certeza que sim. Não dá para descrever a explosão de prazer.
— Você gozou? — Oliver pergunta, debruçando o corpo sobre o

meu.

Afirmo com a cabeça, ainda perplexa com o que ele foi capaz de

fazer comigo. Minha boca está seca, meu corpo todo treme, mas eu sei que

preciso retribuir.

Eu quero retribuir.

Não tenho muita experiência em sexo oral, como Oliver se mostrou

ter, mas tento me lembrar de como a mulher no palco fez com o dançarino.

Escorrego minha mão pela sua camisa, enquanto ele me beija, me

deixando provar o gosto do meu orgasmo, e toco seu pau duro feito pedra

sobre a calça.
Minha outra mão segue e começo a abrir o botão, em seguida, o

zíper.

Oliver para de me beijar e apoia as mãos no colchão, uma de cada

lado da minha cabeça.

— O que está fazendo? — ele pergunta.

A fera selvagem ainda está nele, só que menos voraz.

— Vou chupar você — sussurro, sem saber se soei sexy o suficiente.

— Não — Oliver murmura, seco, fechando a cara, então senta entre

as minhas pernas e fecha o botão da calça.

Sinto como se levasse um golpe no coração. Ajeito a calcinha, puxo

o vestido para baixo e me sento também, dobrando as pernas. Meu rosto


volta a arder, mas dessa vez é de vergonha.

— E-eu... — começo a gaguejar, mas não sei o que dizer.

— Você quer mais? — ele me pergunta com o cenho franzido,

parece irritado outra vez.

Não sei o que responder.

Eu quero mais?

Meu corpo quer, minha mente não sabe, meu coração clama por

conforto.

— Você quer? — rebato a pergunta, o que é ridículo.

— Eu sempre vou querer mais, Caroline — Oliver declara, me

fazendo arfar. — Mas isso não importa.


— Também quero mais — sussurro, me rendendo novamente, sem

medo de um novo golpe.

Estico a mão e alcanço o cós da sua calça.

— Não! — ele brande e me encolho. — Aqui não.

Mordo o lábio.

— Não quer que eu te chupe aqui na frente deles...? — questiono.

— Se quiser mais, vai ter que ser do meu jeito — Oliver diz.

— De que jeito? — eu quero saber, a curiosidade começa a me

atiçar.

— No meu quarto, sob minhas ordens — ele murmura e me encara

com o olhar que derruba minhas estruturas. — E você estará vendada e


amarrada.

— Por quê? — Franzo o cenho. — É um fetiche?

— Sem negociações, amor — Oliver diz e fica de pé. — Vou esperar

na minha cabine. Vou entender se você não quiser ir, mas se aparecer, já

sabe o que te espera. E não aceito que faça perguntas a respeito.


Caroline

Pisco várias vezes, obrigando meu corpo a ficar de pé e segui-lo.

— Se eu não aceitar, vamos continuar o trabalho amanhã, como se

nada tivesse acontecido? — pergunto, caminhando depressa para

acompanhá-lo em direção à saída.

— Exatamente.
Passamos pela recepcionista e arranco a pulseira, descartando-a no

cesto de vime que há no canto. Ele faz o mesmo.

Agora há uma fila de casais esperando para entrar no “Dark Room”,

e nossa saída permite a entrada de um deles.

Oliver dá alguns passos, andando pelo corredor, então para e se vira.

— Você não precisa ir, se não quiser — ele repete. Novamente,

enxergo dor no seu rosto, como se estivesse farto de suportar, seja lá o que

for. — Mas, vou te esperar, mesmo assim. Você sabe onde é minha cabine.

Ele me dá as costas e se vai.

Fico parada ali no meio das pessoas que vem e vão, segurando a

alcinha da bolsa, com meu sexo ainda palpitando e o cheiro dele na minha

pele.
Olho para a entrada do salão e penso em como um lugar pôde mudar

tanto as coisas.

Não sei o que fazer, nem como me decidir se não consigo raciocinar,

então tomo o caminho para a minha cabine. Me jogo sobre a cama assim

que entro. Eu quero Oliver, quero seus beijos, seu corpo, sua boca, seu pau,

acho que o desejo desde que o vi pela primeira vez, e isso só foi

aumentando conforme passei a conhecê-lo melhor. Mas também quero meu

emprego. Melhor dizendo, eu preciso do meu trabalho mais do que qualquer

outra coisa.

— Eu o quero mesmo com todas aquelas regras estranhas? — Não

posso deixar de me fazer essa pergunta.

Mordo o lábio e viro de bruços na cama, agarro um travesseiro e

abafo um grito.
Se eu for até lá, e entregar meu corpo totalmente a ele, isso vai afetar

meu emprego?

Apesar de Oliver afirmar que o trabalho seguiria como se nada

tivesse acontecido, tenho que pensar que não é só minha situação financeira

que está em jogo, mas a da minha mãe também. Não só a dela, como a do

meu irmãozinho. Ela precisa pagar a hipoteca antes de se separar.

Sem contar em como eu poderia ajudar Stefan se fosse promovida.

— Mas eu quero ir — sussurro para o travesseiro.

Gostaria de poder tomar uma decisão pensando só em mim pelo

menos uma vez na vida. Percebo que deve ter sido assim que Dimitri se

sentiu a maior parte do tempo, todas as vezes em que precisou abrir mão de

Giulia para cuidar da gente.


— Como ele conseguiu? — pergunto para o quarto vazio.

Rolo na cama outra vez e olho para o teto. Oliver não é como os

homens de quem Dimitri precisou nos defender. É diferente, pelo menos

isso eu posso arriscar.

Então me levanto e, bloqueando todos os outros pensamentos, deixo

o quarto. Cruzo as alas e pego o elevador até a cobertura. Faço tudo no

automático, como se não sentisse os meus pés tocando o chão.

Em vez de mentalizar as coisas ruins, me apego a todos os

momentos em que Oliver foi gentil comigo, em todos as vezes em que ele

demonstrou querer minha companhia, e acredito que não vai me demitir, me

descartando na manhã seguinte, como um verdadeiro cretino.


Quando chego até sua porta, meu coração bate tão forte que meu

corpo treme.

Considero por um momento fugir, mas penso no seu beijo, na sua

boca, e aperto a campainha.

Fecho as mãos em punho e aguardo. Acho que nunca estive tão

nervosa antes, enquanto espero que ele me atenda.

Minha boca fica seca e eu penso na garrafa de espumante cara que

deixamos no salão. Alguns goles me ajudariam agora. Bato o pé, ansiosa,

para não ter que roer as unhas, até que a porta emite um clique metálico e se

abre.

— Você tem suas regras, mas eu também tenho as minhas — digo

depressa, antes que perca a coragem.


Oliver faz um gesto com a mão para que eu entre.

— Quais regras? — questiona, assim que passo por ele, entrando

numa suíte que caberia umas dez da minha cabine executiva.

A discrepância entre nossas classes sociais dá um tapa na minha

cara.

Ele só quer sexo, seja lá como gosta de fazer. Eu também quero

sexo, porém, também preciso manter meu sustento.

Engulo o nó que surge de repente na minha garganta e respiro fundo.

— Preciso de uma garantia de que você não vai me demitir amanhã

ou quando o cruzeiro acabar — digo. — Não por causa do que vamos fazer

aqui.
Ele franze o cenho, como se por um momento não entendesse minha

pergunta.

— Você está com medo de que eu te mande embora por foder

comigo? — Oliver pergunta de forma um tanto grosseira.

Faz parecer que o chefe bonzinho que mostrava ser não existe mais,

ou foi só uma farsa.

Cruzo minhas mãos diante do corpo e estalo os dedos.

— Eu preciso muito do trabalho, tenho várias responsabilidades e

não posso perdê-lo. Sei que cometi erros, como meter a gente em um

cruzeiro de swings, mas acredito que também acertei, que fiz um bom

trabalho.
— Caroline, eu preciso de você tanto quanto precisa de mim —

Oliver assume, me deixando de queixo caído. — Sabe que não sou

arquiteto, que não entendo disso. Sou administrador. Você foi escolhida

para passar um mês comigo por ser a melhor funcionária da matriz, e agora

é meu braço direito.

Eu não sei se as palavras dele significam a garantia da minha

promoção, mas saber que meu emprego atual está garantido é o suficiente.

Dou alguns passos na sua direção, mas me detenho, percebendo seu

semblante mudar, passar de chefe a devorador em um instante.

— Pensei que você não fosse ter coragem de vir — ele murmura, a

um metro de mim.
Passo a língua no lábio, enquanto as palpitações se espalham pelo

meu corpo.

— Sou curiosa — sussurro.

Ele inclina o rosto para o lado e me analisa minuciosamente. Minha

pele arde sob seu olhar, e eu espero, parada, com os braços caídos ao lado

do corpo.

— Tira o vestido — Oliver diz.

— Assim... Não... — Franzo o cenho, ficando mais nervosa.

— É uma ordem, Caroline — ele murmura meu nome em português

e eu arfo.
Ergo as mãos e começo a soltar o nó que prende a frente do vestido

ao meu pescoço, enquanto Oliver dá um passo à frente, ficando a poucos

centímetros de mim. Meu coração erra uma batida quando o tecido desliza

para baixo e ele percorre a curva do meu seio direito com o polegar.

Minha pele arrepia com seu toque quente, meus mamilos ficam

rígidos, e ele me olha como se me desejasse mais que tudo.

Toco seu peito por cima da camisa e fico na ponta dos pés para beijá-

lo, com o vestido ainda cobrindo das minhas costelas para baixo. Ele aceita

meu contato e, passando um dos braços em volta da minha cintura, segura

minha nuca com a mão livre. Puxa meu corpo para perto do seu e me

surpreendo novamente com a firmeza do seu pau por baixo da calça,

apertado contra meu ventre.


Agarro seus cabelos quando nossas bocas se encontram, e sinto o

tesão dominar meu corpo. Seu beijo é quente, seus lábios são macios e sua

língua é uma delícia.

Então ele para, tira a mão da minha nuca e envolve minha garganta,

me encarando com o olhar selvagem.

Oliver puxa meu pescoço, me obrigando a permanecer na ponta dos

pés, e me faz inclinar a cabeça para trás. Com o braço segurando minha

cintura, me mantém sob seu domínio, ele inclina a cabeça na direção do

meu colo, me mantendo presa pelo pescoço, e abocanha meu seio.

O toque da sua língua e dos seus lábios nessa região me provoca

uma onda de prazer intensa. Solto um gemido, perplexa com a sensação, e

me abandono nos seus braços, enquanto ele me sufoca e suga meu seio com

vontade.
Quando Oliver larga um seio e vai para o outro, estou implorando

por um alívio entre as coxas. Puxo a barra do vestido para cima e passo uma

coxa ao redor do seu quadril, encaixando meu sexo contra seu volume.

Gemo mais alto, impulsionando o quadril contra o seu, à medida que

ele suga meus seios de uma forma que varre todo o raciocínio para longe de

mim. Sinto o prazer se elevando e imagino que vou ter outro orgasmo.

É mais do que eu poderia desejar para uma noite.

Passo a apertar minha pélvis com mais força contra seu pau, indo

mais rápido, querendo chegar logo ao ápice. Oliver parece gostar, porque

grunhe com a boca no espaço entre meus seios.

Me agarro a sua cintura, com o corpo trêmulo, pulsando tanto que

queima, e me preparo para o que virá a seguir, mas Oliver para, solta minha
cintura e me faz ficar ereta de repente.

Eu arfo, tentando recuperar o fôlego, sem entender por qual motivo

ele parou logo agora, porque interrompeu na melhor parte. Encontro

dificuldade em dominar a respiração com sua mão grande agarrada a minha

garganta.

— Tira o resto do vestido — Oliver exige.

Eu vejo a mesma raiva nos seus olhos que enxerguei lá no salão. Ele

está furioso, e começo a puxar o vestido pelos quadris antes que precise

repetir a ordem.

O tecido azul cai aos meus pés e mordo o lábio, puxando o ar com

força para os pulmões.


— Pro chão. De joelhos — ele manda. — Você só vai gozar quando

eu permitir.

Estremeço com suas palavras. Empurro o vestido com a ponta da

sandália e me agacho. Oliver mantém a mão em torno do meu pescoço o

tempo todo. Só quando estou de joelhos, é que ele libera minha garganta.

Ele se aproxima e beijo seu pau por cima da calça, ansiando por tê-lo

na minha boca, assim como ele me teve na sua. Alcanço o cós e puxo a

camisa de dentro, então abro primeiro botão.

— Quieta e calada — Oliver dá outra ordem.

O encaro de baixo, com o olhar arregalado. Ele está furioso e não

faço ideia do que posso ter feito de errado.


Tira o terno e caminha até um dos armários, enquanto eu espero de

joelhos sobre o tapete, a alguns metros da cama king size.

Vejo pelo canto do olho, ele jogar o terno sobre o colchão e sentar na

beirada, com uma camisa azul marinho em mãos. Meus seios nus sobem e

descem com a respiração difícil, meus joelhos ardem e meu coração bate

forte, o tesão não me abandona, e não faço ideia do que vai acontecer.

Meu queixo cai quando Oliver começa a rasgar a camisa em tiras.

Engulo em seco e espero, ansiando de expectativa, com o medo e a

curiosidade atiçando minha mente.

Ele torna a ficar de pé e vem na minha direção com uma tira larga do

que sobrou da camisa, em seguida a coloca em volta dos meus olhos.


A escuridão faz meus batimentos acelerarem ainda mais. Minhas

mãos tremem quando percebo que Oliver se afastou.

Fico imóvel por um momento, aguardando, sem saber o que esperar

do minuto seguinte. Ouço o farfalhar de tecidos, um ruído baixinho dos

aparelhos elétricos funcionando, e o medo começa aumentar.

— Por que eu fui aceitar? — me pergunto baixinho.

As molas do colchão rangem e eu estremeço.

— Fica de pé e vem aqui — Oliver voltar a falar, com o tom de voz

frio.

Estou só de calcinha, vendada na suíte do meu chefe. Onde foi parar

a Caroline que eu era antes de entrar naquele salão?


— Fica de pé e vem aqui — ele repete com a voz ainda mais dura.

Obrigo meu corpo a se mover e me levanto.

— Venha, na direção da minha voz.

Estou tão nervosa que tenho medo dos meus joelhos fraquejarem,

mas me viro e dou alguns passos na direção da sua voz.

— Agora pare e se ajoelhe novamente — Oliver manda.

Respiro profundamente e obedeço, erguendo as mãos para buscar

apoio. Encontro a pele quente e os pelos do que imagino serem suas coxas.

São grossas e firmes. Ele está pelado e eu não posso ver, por causa dessa

maldita venda.

— Não toque em mim! — ele brande e afasto as mãos depressa.


— Desculpe — peço, trêmula.

Fico parada de joelhos, me perguntando se ainda posso correr, se eu

quero escapar ou continuar. Mas já aguentei até aqui, por que ir embora

agora?

— Me dê as mãos — ele pede, mais calmo.

Oliver amarra meus pulsos um ao outro, usando o que eu suponho

ser as outras tiras da sua camisa. Quando ele solta, eu abaixo as mãos, as

descansando diante do meu ventre, testando se amarrou forte o suficiente ou

se foi só de brincadeira.

Mal consigo mover os pulsos, Oliver apertou de verdade. Não

consigo libertar minhas mãos sozinha. Não entendo, mas isso me excita

ainda mais.
Eu sinto seu cheiro, o calor ainda mais intenso emanando dele, e

minha boca saliva quando me dou conta. Lambo os lábios devagar e espero.

Quando ele coloca a glande na minha boca, respiro fundo e passo a língua

úmida, circulando.

Ele solta um gemido e minha boceta se contrai de tesão.

Chego mais perto e passo a chupar a glande. Outro gemido escapa da

sua garganta, mas grave que o outro, e sinto minha calcinha ficando

molhada outra vez.

Seu pau é macio, quente, grosso e tentador como o pecado, e

estremece na minha boca, conforme escorrego meus lábios nele.

Oliver me segura pelos cabelos e me faz ir mais rápido. Quanto mais

eu chupo, mais gostoso ele geme. Preciso apertar minhas coxas com força,
sem saber se consigo suportar sentir tanto tesão assim.

— Que boca gostosa — ouço ele sussurrar, enquanto movimenta o

quadril contra meu rosto, estocando o pau.

Minha saliva escorre por toda extensão, e ele parece adorar isso.

Fico chocada que, por mais que desça meus lábios, não chego ao fim.

— Fica de pé novamente — Oliver ordena.

Obedeço imediatamente. As molas da cama rangem e o calor do seu

corpo toca o meu. Ele está atrás de mim agora. Seu pau úmido da minha

saliva escorrega no meu quadril, pulsando. Oliver segura um dos meus

seios, afasta meu cabelo e lambe minha nuca.

Fico toda arrepiada, desejando tocá-lo também. Empino a bunda e

aperto contra seu pau, provocando, o fazendo grunhir.


Sua língua escorrega pelo meu pescoço, costas, ele me faz virar e

mordo o lábio na expectativa. Gemo quando sua boca encontra minha

calcinha.

— Você tá toda molhada de novo — Oliver comenta.

Ele me fareja, antes de arrancar minha lingerie depressa, me

deixando apenas com a venda.

Abre os lábios de baixo e me preparo para sua língua, em vez disso

recebo uma palmada forte no clitóris. Arfo, buscando por ar, pasma com a

mistura de dor e prazer.

Ele me faz sentar na beirada da cama e abre minhas pernas o

máximo que aguento. Imagino que agora é Oliver quem está de joelhos.
Sua língua se aproxima e acaricia meu clitóris. Gemo e mordo o

lábio, é tão gostoso que percebo que faria tudo de novo só por esse instante.

Então o contato acaba e recebo uma nova palmada.

— Aiiii — dou um gritinho, entrelaçando meus dedos diante da

barriga.

Meu sexo pulsa. O maldito do meu chefe consegue me fazer palpitar

de desejo até na dor.

Ele volta a lamber, depois se afasta.

Abro mais as pernas, com o coração pulsando e o corpo em chamas,

ansiando pela nova palmada.

— Bate mais — eu peço.


— Eu não deixei você falar — Oliver diz com autoridade.

Aperto os lábios e me desespero, temendo que ele me puna, não com

palmadas, mas com a ausência delas.

Seu calor desaparece e uma careta domina meu rosto. Por que eu

tinha que abrir minha boca?

Aperto as mãos em punho, sofrendo por ser deixada assim.

Noto seu peso sobre a cama, e Oliver coloca alguma coisa nos meus

lábios. Tem cheiro de couro e ouço o tilintar de metal. Imagino que seja um

cinto.

— Você só vai falar quando eu mandar, entendeu?


Balanço a cabeça em afirmação, com o couro entre os lábios. Ele o

tira da minha boca e volta a se afastar.

Grito de susto quando recebo o impacto contra meu sexo.

Oliver acabou de bater com o cinto no meu clitóris e agora está

lambendo, sugando.

Minhas coxas tremem, enfraquecem e me perco no prazer. Mantenho

as pernas afastadas para receber a surra de cinto que ele dá. Uma cintada

seguida de um chupão lento no meu clitóris, repetindo essa sequência várias

vezes.

Não sei quantas vezes consigo aguentar de tão gostoso que é, o

lençol fica molhado abaixo de mim.


Mesmo que seja a coisa mais estranha que já fiz, essa é a melhor

noite da minha vida.

Mas ele parece saber quando eu estou chegando lá, quando o tesão

está me consumindo, porque dá um último golpe e não volta lamber.

— Porra! — eu xingo, baixo o suficiente para que ele não ouça.

Ele me faz levantar da cama, mesmo que cada pedacinho de mim

esteja fraco de desejo, e me empurra pela suíte.

Meu rosto encontra uma superfície rígida e fria. Imagino ser uma

parede. Oliver me pressiona com seu corpo contra ela, o pau apertando

minha bunda. O imagino, por um instante, com toda sua grossura e

extensão, enterrado em mim, pulsando.

Quase peço por isso, mas se fizer, posso ser castigada.


— Empina essa bunda pra mim — Oliver exige.

Eu faço, e sou premiada com o cinto batendo contra ela.

— Gostosa do caralho — ele diz, enquanto estremeço.

Então, começa a passar o cinto em volta do meu pescoço, fecha a

fivela e puxa, como se fosse uma coleira.

— Você pertence a mim a partir de agora, Caroline — murmura

contra minha orelha. — Se outro homem tocar em você, eu mato.

Entendeu?

Puta que pariu! Minha mente se embaralha na escuridão.

— Você entendeu, amor? — pergunta, puxando meu pescoço pelo

cinto, pronunciando “amor” em português.


Balanço a cabeça com veemência e aperto as coxas. Não sei mais

por quanto tempo ele vai me maltratar, antes de me dar o que preciso, mas

estou aqui sofrendo com outro afastamento.

Quando Oliver retorna, esfrega o pau entre as minhas nádegas.

— Não tomo anticoncepcional — digo, mesmo que não esteja

autorizada a falar. — Você vai ter que usar camisinha.

Estou disposta a bater o pé e discutir sobre isso se for preciso.

— Já coloquei — diz e volta a dominar meu pescoço pelo cinto.

Com a outra mão, ele ergue minha coxa, me deixando aberta para

recebê-lo. Seu peito toca minhas costas, seu pau escorrega entre meus

grandes lábios e gemo só com esse atrito.


Ele já me torturou tanto que o mínimo contato me faz revirar os

olhos por baixo da venda. Arqueio mais a coluna, ficando mais empinada e

sinto a glande encontrar minha entrada.

Só tenho noção da sua grossura quando a penetração começa. Apoio

a cabeça no que penso ser a parede e me entrego ao prazer de ser

preenchida aos poucos.

Como se soubesse o que anseio, Oliver se detém.

Por um momento, seu pau pulsa dentro do meu canal, que se contrai

sem que eu domine, e me entrego a sensação, extasiada.

Só depois de alguns segundos, percebo que ele está grunhido contra

meu pescoço, com a respiração pesada.


— O que é isso que você está fazendo? — me pergunta, mas não sei

se posso responder. — Você quer me enlouquecer de tesão, Caroline?

— Eu não sei... — sussurro, minha voz sai fraca. Estou com tanto

tesão que não controlo, aperto o canal para sentir seu pau, delirando

conforme ele pulsa — ... o que estou fazendo.

— Isso — Oliver diz e entendo.

Rio, baixinho, então aperto o mais forte que consigo.

Ele urra contra minha orelha.

— Caralho, você tem a boceta mais gostosa que eu já comi — ele

confessa.
Continuo o massageando por dentro, enquanto ele rosna. Nesse

momento, eu sinto que estou dominando, mesmo que o cinto ainda esteja no

meu pescoço, sendo puxado, ainda que seja Oliver que mantenha minha

coxa erguida e que meus pulsos continuem amarrados.

— Isso é a melhor coisa que já fizeram comigo — ele diz, antes de

enterrar o pau todo em mim, me fazendo perder o fôlego.

Ele movimenta o quadril com força e eu adoro a sensação. Meus

seios se espremem contra a parede e grito quando sinto o orgasmo vindo.

Temo que ele pare, que me dê outro castigo, mas continua metendo. O

clímax me atinge, muito mais gostoso que dá primeira vez, com arrepios

lambendo cada parte do meu corpo, e Oliver continua me fodendo.

Meu corpo fica fraco, só que ele me segura, largando o cinto e minha

coxa, me envolve com seus braços, indo com mais força contra mim, com o
suor escorrendo, me mantém presa como se tivesse medo de que eu fosse

escapar.

— Goza também — sussurro e ele rosna.

Morde o lóbulo da minha orelha quando contraio meu canal, como

fiz antes. Gemo com a última estocada e seu corpo dá espasmos contra o

meu. Sua respiração fica mais pesada e ele me solta, se afastando.

Fico parada, ainda contra a parede, esperando, até que os segundos

se transformam em minutos.

Oliver volta e seus dedos encontram meu pescoço. Ele me vira e

abre a fivela do cinto, me liberando. Fico na expectativa de que vai tirar a

venda, e vou finalmente ver seu corpo, como ele viu o meu, mas não

acontece.
Ele me guia de volta para sua cama, ainda vendada e amarrada, é

nesse momento que me dou conta do quanto estou cansada. Meu corpo

implora por um descanso, minha mente precisa apagar, e eu tenho que

recuperar as energias, mas todas essas ideias se vão quando ele me deita, de

lado, se posiciona atrás de mim e começa a deslizar as pontas dos dedos

sobre a minha pele.

Volto a gemer, mas preguiçosa dessa vez. Me surpreendo ao notar

que o quero de novo. Meu corpo não aguenta, eu não tenho mais forças,

ainda assim, meu clitóris está pulsando.

Nunca fui safada. Não sou de sair, eu só trabalho, vou as raras festas

da empresa e danço sozinha no apartamento pequeno. Não sou essa mulher

aqui, deitada com ele, quase pedindo para ser fodida novamente.
Isso é só uma fantasia. E amanhã as coisas voltarão a ser exatamente

como eram antes.

Lambo meu lábio inferior, conforme seus dedos passeiam em volta

do meu umbigo, indo em direção ao meu sexo.

— O que eu tenho que fazer para ganhar outra palmada daquela? —

me atrevo a perguntar, por que ainda estou na minha fantasia.

— Calada — ele me corrige, mas me faz erguer a coxa.

Eu a mantenho bem afastada e abro um sorriso que só é desfeito

quando grito de prazer por receber uma palmada violenta na boceta. É tão

gostoso que me contorço sobre os lençóis, implorando por mais.

Oliver começa a me penetrar outra vez, esfrega a palma da mão

contra minha boceta, depois dá outra palmada que atinge em cheio meu
clitóris.

Vou à loucura, me contraindo, gemendo e o fazendo grunhir também.

Corpo e mente estão cansados, mas ele não para, e continuo o

apertando por dentro, mantendo a coxa erguida para que ele bata, mesmo

que eu não esteja mais aguentando, que queira me abandonar no colchão e

tirar um cochilo, mas o tesão domina sobre o cansaço.

— Quero olhar pra você — peço, quando sinto outro orgasmo

chegando.

— Calada — Oliver me lembra.

— Por favor — insisto. — Eu quero gozar olhando nos seus olhos.


— Não. — Seu tom de voz não deixa brecha para que eu continue

insistindo.

Mesmo que seja algo que eu queira, não há espaço para ficar

chateada, ele continua me fodendo, levando embora o meu raciocínio.

Só relaxo quando o clímax me atinge.


Caroline

Sexta, 20 de fevereiro de 2032

14° DIA

Pisco para a luz que invade o quarto e procuro pelo celular para

checar que horas são, passando a mão por baixo do travesseiro, ciente de

que tenho um compromisso pela manhã.


Meu coração erra uma batida quando não encontro o aparelho.

Arregalo os olhos, de bruços na cama, me dando conta de que não estou na

minha cabine executiva. Estou nua na cama do meu chefe e o celular não

está comigo porque o deixei na bolsinha, na minha cama.

— Eu nunca mais vou beber! Eu nunca mais vou beber! — começo a

prometer a mim mesma, mas a realidade caí sobre mim como um balde de

água fria.

Eu não tinha bebido o suficiente para jogar a culpa no álcool. Vim

para cá em sã consciência.

— Puta merda! — xingo e me viro lentamente, sentindo o corpo

dolorido, percebendo que não estou sozinha na cama.


Não sei em que momento da noite ele tirou a venda dos meus olhos

ou soltou meus pulsos, mas estou livre agora. Pisco várias vezes até meus

olhos se adaptarem a claridade, e vejo Oliver deitado ao meu lado, de

costas, já vestido de terno e gravata, com o braço por baixo da nuca,

mexendo no celular.

Sento no colchão, tomando o cuidado de manter o lençol em volta do

meu corpo e as lembranças da noite anterior longe da minha mente.

— Bom dia, Caroline — me cumprimenta em inglês, tirando a

atenção do celular e me encarando. — Estava esperando você acordar para

tomarmos café da manhã.

— Bom dia — respondo com a voz fraca, enquanto meu estômago

ronca.
— Quer tomar um banho? — Oliver pergunta.

Tento encontrar uma ligação entre esse homem me encarando e o

Oliver que eu conhecia até entrar naquele salão do pecado, mas não

consigo, é como se ele fosse um novo homem para mim. Também acho que

não sou mais a mesma Caroline de antes, estou me sentindo perdida.

— Quero — digo.

Levanto, puxando o lençol comigo, com os músculos das coxas

reclamando dos esforços da noite anterior, mas antes que eu consiga dar um

passo, Oliver se movimenta na cama e me alcança. Ele segura minha

cintura e me encara com preocupação no olhar.

— Tá tudo bem? — questiona.


Dou um suspiro, emocionada por ver que ele realmente se importa

comigo e continuará me tratando bem.

— Sim, está tudo bem — digo e abro um sorriso fraco. — Só preciso

de um banho.

Caminho depressa na direção da porta do banheiro, vejo meu vestido

pendurado nas costas de uma cadeira, mas não o pego. Entro no box e tomo

um banho rápido. Só quando paro diante da pia, é que me dou conta do

frasco de hidratante que ele comprou na vinícola, o mesmo que eu tenho.

Estreito os olhos, sem entender por que o trouxe isso para a viagem.

Escovo os dentes com uma escova descartável e visto um roupão

branco que está pendurado no suporte. Saio do banheiro levando o frasco de

hidratante comigo.
Oliver não está mais no quarto. Atravesso o espaço até a varanda, e o

encontro sentado à mesa posta do café da manhã.

Me pergunto como ele pode ser tão bonito. O azul do oceano reflete

nos seus olhos e me tira o fôlego.

Ele me puxa para sentar de lado, no seu colo, assim que fico ao seu

alcance.

— Por que você tem esse hidratante? Por que trouxe ele na viagem?

— questiono, ciente de que já ultrapassamos todos os limites.

Oliver dá um risinho, então puxa o roupão do meu antebraço, pega

uma pequena quantidade do creme e espalha no meu pulso.

— Para lembrar do cheiro dele na sua pele — responde e me olha

como se isso não fosse nada.


— Desde Bento Gonçalves? — pergunto.

— Gostei do cheiro desde que você me fez provar — Oliver diz,

simplesmente.

Meu queixo cai. Ele me queria desde que estávamos no Rio Grande

do Sul e, às vezes, até estranhava algumas das suas atitudes, mas me achava

inferior para despertar o interesse em alguém como Oliver.

O encaro novamente, com a cabeça dando voltas. Não há mais

aquela dor no seu olhar, parece que ele finalmente relaxou.

Ergo a mão e toco seu rosto. Sei que isso é só uma coisa de

momento, que ele não gosta realmente de mim, mas não tenho cabeça para

me importar com isso agora.


Oliver também ergue a mão e, dessa vez, afasta o roupão do meu

colo, descobrindo um dos meus seios. Gemo quando ele lambe o mamilo,

depois chupa. Meu coração acelera, subindo pela garganta, palpitando entre

as coxas, mas o relógio em seu pulso me lembra da realidade.

— Tenho um encontro com a gerente comercial às dez — explico

quando sinto seu pau enrijecer contra minha coxa. — Seu relógio está no

fuso horário do Brasil?

— Sim — responde, fazendo uma careta, enquanto cobre meu seio

com o roupão, como se isso fosse um sacrifício.

— Se não me apressar, vou chegar atrasada — acrescento.

Levanto do seu colo, a contragosto, e sento na cadeira vazia.

Me sirvo de uma xícara de café e passo manteiga em um croissant.


— Você também tem uma reunião com o diretor — o lembro.

Oliver balança a cabeça, enquanto ajeita a calça.

— O navio vai atracar no porto hoje à noite — ele diz. — Você vai

descer?

— Eu vi na programação que tem uma festa do século passado em

um dos salões. Gosto das músicas. Acho que não vai ter gente pelada lá, né?

— Não tem. Eu já me informei. O sexo explícito só é permitido no

“Dark Room”, mas as pessoas podem ficar peladas nas piscinas. Só não

podem no interior do cruzeiro — Oliver diz.

Estreito os olhos notando o quanto ele está informado.


— Você sabia o que realmente significava “Dark Room” antes de

entrarmos lá? — pergunto de uma vez.

Ele dá um risinho.

— Mas, em minha defesa, como estava em um cruzeiro, em um país

diferente, tinha a possibilidade de significar outra coisa. Eu não quis

alarmar você sem ter certeza.

— Meu Deus, sou a única que não se deu conta... — lamento.

— Seu irmão é todo cuidadoso, ciumento com a irmãzinha, e ela me

traz para um cruzeiro de swings — Oliver brinca. — Isso foi uma

armadilha, senhorita Romano?

— Se foi, você gostou de cair nela? — provoco.


— Você não imagina o quanto.

Quando chego a minha cabine, encontro cinco ligações perdidas da

minha mãe e três de Dimitri no celular.

Ligo para meu irmão primeiro.

— O que aconteceu? — pergunto assim que ele atende.

— Por que não me atendeu ontem? Por que não deu notícias? —

Dimitri pergunta, com o suor escorrendo pelo rosto.

— Você não deveria ter ido levar as crianças na escola? — o

questiono, afastando as memórias do que estava fazendo ontem.


Ele está na academia da casa. Hermione Granger passeia pela janela

aberta com o rabo levantado, como se fosse a dona de tudo.

— É Stefan quem faz isso agora — Dimitri explica. — Ele queria

um trabalho, então arranjei.

Pobre da minha sobrinha, além do pai ser ciumento, agora tem o tio

para vigiá-la, como se algum deles tivesse moral.

— Estou bem — digo. — Obrigada por se preocupar comigo. Não

atendi porque acabei dormindo. Estava cansada, acordei cedo para pegar o

voo ontem. Cai na cama assim que deu.

Minha expressão não vacila nem por uma fração de segundos, e

Dimitri acredita em mim, me deseja um bom dia e pede que eu ligue se

precisar de alguma coisa.


Quanto as ligações da minha mãe, não retorno, sabendo que ela só

quer saber se estou tratando de garantir minha promoção.

Me arrumo e vou para a reunião, mantendo a cabeça centrada no

trabalho.
Oliver

Aquela demônia de mulher não atende minhas ligações, nem retorna

minhas mensagens.

Não é da minha conta onde ela está, mas não consigo controlar o

desejo de ir atrás, de ter só mais uma dose dela.

É noite, boa parte dos hóspedes desembarcaram no porto, mas eu

estou andando pelo navio, de salão em salão, à procura da maldita festa com

músicas do século passado.

Poderia parar e pedir informação a alguém, mas estou com raiva

demais para isso. Com raiva porque não sei como estamos. Não consigo

pensar na ideia dela em uma festa cheia de gente tentando tocá-la, seduzi-la.
Não é como se Phillip tivesse ganhado. Ela não virou minha cabeça,

como sei que foi a intenção dele fazer. Só quero Caroline por mais uma

noite, é tudo que eu posso ter dela.

Entro em um salão e encontro uma espécie de cassino, com mesas de

pôquer e outros jogos de azar.

O recepcionista me cumprimenta, enquanto corro os olhos pelas

pessoas no espaço, à procura dela. Dá vontade de chutar a porta quando

parto para procurar no espaço seguinte.

— Só por uma noite — murmuro ao passar por outro salão.

Pego a escada rolante, chego à próxima ala, me perguntando se essa

festa realmente existe, se ela não desembarcou no porto, como a maioria

dos casais.
Percorro mais um corredor e ouço a música. Acelero os passos até a

entrada.

— Boa noite! — digo para a recepcionista parada na porta do salão e

entro.

Este é o mais cheio de todos os salões que entrei. Parece que muita

gente, além de Caroline, gosta das músicas do século passado. O século em

que nasci.

Está tocando uma música francesa chamada Voyage Voyage, de

Desireless. A conheço porque meus pais gostavam de ouvi-la, e sei que foi

lançado anos antes do meu nascimento.

Sempre achei a música brega, mas preciso rever meu conceito

quando a encontro dançando em uma plataforma, próximo ao palco onde o


DJ toca.

Caroline está usando um vestido de seda vermelho, com uma fenda

que sobe pela coxa em direção ao quadril e luvas pretas que cobrem até

acima dos cotovelos. A plataforma redonda gira devagar, e posso ver as

tiras cruzadas do vestido quando ela fica de costas para mim.

Atravesso o salão depressa, enquanto tiro o celular do bolso e aciono

a câmera.

Chego perto da plataforma que não para de girar e começo a filmá-la

dançando, de olhos fechados, com um braço erguido, deslizando a outra

mão enluvada sobre a pele, escorregando até os seios.

Ela se vira, mexendo os quadris, agora escorregando as mãos

lentamente pelo vestido de seda. As luzes do salão a iluminam, fazendo o


vestido e sua pele ficarem ainda mais tentadores.

Dou uma volta em torno da plataforma, para pegar o melhor ângulo.

O preto das luvas contrasta com o vermelho do vestido, que sobe apertado

pelas coxas, conforme ela dança.

Fica linda levando a mão de volta para cima, alcançando o pescoço

que eu segurei ontem, passando a mão pelos cabelos.

Caroline abre os olhos e me vê filmando, dá um sorriso e paro a

gravação.

Outra música começa a tocar quando ela estende a mão para mim.

Faço que não com a cabeça, enfiando o celular no bolso.

— Vem dançar comigo — Caroline insiste.


— Não vou subir aí — me nego.

Ela faz um bico e franze as sobrancelhas, não demora nem um

segundo para me convencer. Pego sua mão estendida, apoio o pé na base da

plataforma e impulsiono meu corpo para cima, subindo no círculo que gira.

Fico tonto assim que paro, mas ganho um sorriso lindo como

prêmio. Ela passa os braços em volta dos meus ombros e abraço sua cintura.

Está tocando o refrão de Enjoy the Silence, da banda Depeche Mode,

outra música lançada antes do meu nascimento.

— Tudo o que sempre quis — ela começa a cantar o refrão da música

— Tudo o que sempre precisei está aqui em meus braços / Palavras são

muito desnecessárias / Elas só podem machucar.[v]


Sei que Caroline não é para mim, mas não vou pensar nisso agora.

Seguro seu queixo e a beijo como se fosse apaixonado por ela.

Sou correspondido como se ela sentisse o mesmo, enquanto a

plataforma continua girando lentamente, e o vocalista da banda diz que

“Tudo o que sempre precisei está aqui em meus braços”.

Seguro sua nuca e Caroline toca minha barba. Percebo o álcool na

sua língua quente. Eu a puxo para mais perto, querendo me unir a ela

novamente.

Enjoy The Silence termina e começa a tocar Listen To Your Heart, de

Roxette, e me desespero.

Não preciso que nenhuma música me diga para ouvir meu coração

agora, porque ele é só uma deformidade massacrada no meu peito, e não


sabe de nada, não é capaz de tomar uma decisão.

Afasto nossos lábios, buscando por ar, com o corpo querendo mais, e

tento pensar com clareza.

— Vamos descer? Tô ficando tonto — dou uma desculpa.

— Tudo bem — ela concorda.

Pulo da plataforma em movimento e a acolho nos meus braços. A

ideia é resistir, mas a beijo novamente.

Ela envolve meu torço com seu braço e eu aperto sua cintura, a

tirando do chão, devorando seus lábios até que não sobre mais ar.

— Não imaginei que você viesse — Caroline diz assim que nossas

bocas se afastam.
— Procurei por você de salão em salão — confesso.

— Era só perguntar a alguém sobre essa festa — ela diz, tão calma

que desejo ser capaz de roubar um pouco disso para mim.

— Estava com raiva demais para perguntar — admito.

— Por que estava com raiva? — Caroline inclina o tronco para trás,

a fim de me ver melhor, mas a puxo de volta.

Ela não pode encarar meus olhos agora.

— Porque eu queria você e não sabia se iria te encontrar sozinha.

Seu corpo estremece com um risinho.

— Você estava com ciúmes, pensando que poderia me encontrar com

outro homem?
— Não era ciúmes. — Como vou ter ciúmes de uma coisa que não é

minha? — Era ódio. E não pensei que poderia te encontrar com outro

homem, mas os imaginei tentando seduzi-la. Não só um homem, mas

casais, trios...

Ela ri mais alto dessa vez.

— Você é o único homem que eu desejo nesse navio — Caroline

murmura contra meu ouvido.

Me sinto ridículo por ficar aliviado com essas palavras.

— Eu amo essa música — diz quando começa a tocar Livin’ On A

Prayer, do Bon Jovi.

Eu sei que ela gosta, porque já a ouvi cantando com o irmão no

carro, enquanto estávamos indo do hotel ao aeroporto, no Sul.


— O que você bebeu? — pergunto.

— Uma dose de tequila — Caroline diz.

— Pensei que tivesse escutado você falar que não beberia mais — a

provoco —, hoje, pela manhã.

Ela se inclina novamente para me encarar, com a boca aberta

formando um “o”.

— Me lembro de ter falado isso em português, e baixinho — ela

observa, estreitando os olhos para me investigar. — Você já entende tudo

que eu digo no meu idioma sem eu precisar traduzir?

— O necessário — sou sincero com ela, então limpo a garganta e me

preparo para a risada que vai dar ao meu ouvir falar em português. — É

mais fácil entender que falar...


Caroline não ri, se limita a me encarar em choque.

— O tanto de xingamentos que eu falava na sua frente, pensando que

você não entendia — diz, horrorizada.

— Os xingamentos foram os primeiros que aprendi — digo e

Caroline leva a mão aos lábios. — Você fala muito boceta, caralho, e

manda muita gente se foder.

— Não posso acreditar, não xingo na frente das pessoas, só de você,

porque pensei que não entendesse.

Ela faz uma careta.

— Tudo bem, eu não me importo. Você fica uma gracinha xingando

no seu idioma — murmuro, a puxando para perto do meu peito outra vez.

— Se soubesse que ficaria constrangida, não teria contado.


— Por falar em constrangimento, não encontrei minha calcinha na

sua suíte, mais cedo. Fui embora sem. Você a encontrou? — pergunta perto

do meu ouvido.

— Ela não estava perdida, eu guardei, mas não vou devolver —

digo.

— Por que não?

— Porque tem o cheiro da sua boceta — murmuro perto do seu

ouvido. Sinto o pau começa a pesar na cueca apenas com o pensamento. —

Eu quero a que você está usando agora.

— Não estou usando calcinha.

O tesão me domina de uma vez. Imagino a boceta molhada, quente e

apertada, exposta por baixo desse vestido frágil.


— Por que não está usando calcinha? — exijo saber.

— Marca no vestido — diz, simplesmente.

A aperto contra mim, para que ela sinta o que suas palavras fizeram

comigo.

— Caralho — ela xinga em português.

Escorrego a mão até sua mandíbula e aperto, sem me importar com

as pessoas em volta.

— Quero sua boceta pulsando em volta do meu pau, me

massacrando como você fez ontem — digo contra seus lábios.

— Eu fico molhada só de pensar.


— Pro banheiro, agora — ordeno, com as mãos tremendo de vontade

de fazê-la se ajoelhar bem aqui, no meio do salão.

Caroline vai, obediente, rebolando a bunda no vestido vermelho, os

cabelos loiros balançando contra as costas cobertas apenas pelas tiras do

vestido.

Não consigo esperar mais que alguns segundos para segui-la, a

flagro entrando na última cabine do banheiro feminino. Pego uma

camisinha no bolso e começo a abri-la.

Entro na cabine, fecho a porta e me sento sobre o assento tampado

do vaso. Nunca fiz algo assim, nunca fiquei tão exposto desde o acidente,

mas não dá para pensar nisso agora.


— Tira o vestido, quero você nua pra mim — digo e ela começa a

fazer.

Abro apenas a calça e tiro o pau. Coloco a camisinha e a puxo para

perto quando se livra do vestido.

Aproximo o rosto da sua virilha e inalo o cheiro da sua boceta.

Caroline ergue a coxa e eu lambo, antes de morder.

Seu corpo treme e ela respira com dificuldade. A puxo ainda mais e

ela vem, deixando uma perna de cada lado do meu corpo. Seguro o pau e

ela começa a sentar devagar, apertada.

Travo a garganta quando sua boceta começa a me pressionar, reviro

os olhos conforme ela desce e geme. Seguro seu cabelo e chupo um dos
seios. É a primeira vez, desde que fiquei viúvo, que repito uma foda, mas

Caroline vale a pena.

Meu corpo arde de desejo, e seus gemidos só me deixam mais duro.

Ela começa a movimentar o quadril, buscando alívio para o tesão,

então comete o erro de tocar a gola da minha camisa, e começar a abrir o

botão.

Aperto seu pescoço com mais força, a solto para pegar seus pulsos e

levá-los para suas costas.

Eu a faço se levantar, empurrando seu corpo contra a parede, de

costas para mim, e tiro uma de suas luvas. Sem dizer nada, amarro seus

pulsos.
Ergo sua coxa e a penetro depressa, assumindo o controle,

escorregando a mão espalmada contra sua barriga, até a boceta molhada.

Começo a massagear e ela geme.

— Calada — digo contra seu pescoço. — Não quero que ninguém

escute você gemer.

Ela balança a cabeça, obediente, e eu meto voraz, enquanto ela goza,

apertando meu pau, massacrando. Seguro sua garganta e dou uma palmada

na sua boceta com a outra mão.

Caroline arfa.

— Você é toda minha. Lembre-se disso — digo, mesmo que isso não

possa ser verdade, porque o sentimento de posse, de domínio, dá um tesão

do caralho.
Dou outra palmada e seu corpo todo treme.

Ela deixa escapar um gemido e largo sua garganta para tapar sua

boca.

— Assim você não pode gritar — murmuro e estoco forte.

Aperto o clitóris e depois acaricio. Caroline roça os dentes contra a

palma da minha mão, abafando os gemidos, mas não a solto. Continuo

fodendo, a apertando contra a parede. Quando dou uma palmada mais forte,

ela tem outro orgasmo e se contrai tanto que gozo junto com ela, liberando

sua boca, deixando que gema de prazer.

Apoio as mãos na parede, ao lado do seu corpo, tentando recuperar o

fôlego, me dando conta do quanto estou fodido, porque isso era a última

coisa que eu poderia ter feito.


Oliver

Sábado, 21 de fevereiro de 2032

15° DIA

— Qual nome a gente dá a ele, papai? — minha filha pergunta, por

chamada de vídeo, enquanto Jake segura o cachorrinho vira-lata caramelo

que eles encontraram próximo à escola.


Fizeram, senhor Rodrigues, nosso motorista, parar o carro, pegá-lo e

depois levar até o veterinário para fazer o que Jake chamou de investigação

geral. Na minha ausência, senhora Collins cuidou de tudo e os autorizou a

ficar com o cachorro.

— Papai, você disse que devemos obedecer a senhora Collins —

Celiny me lembra. — Se ela permitiu, podemos ficar.

Estico as costas na cadeira e desvio os olhos da tela do Mac para o

mar por um instante.

— Você acha que ele tem cara de que, papai? — Jake pergunta,

impaciente.

— Podem chamá-lo de Daryl Dixon — digo a eles, olhando para os

olhos brilhantes do cachorro caramelo.


— É o nome de alguém? — Jake questiona. Ele senta o cachorro no

seu colo e consigo ver os ossos nas costelas do animal.

Eles prometeram que vão cuidar muito bem, ajudar a dar os

remédios e tratar para que ganhe peso logo. Fico feliz pela atitude deles.

— É um nome de um personagem de uma série de zombies —

explico.

— Qual série? — Celiny pergunta, enquanto afaga as orelhas do

mais novo membro da família.

— The Walking Dead. Já acabou faz tempo e não é para a idade de

vocês — os alerto.

— Tudo bem. Daryl Dixon — Celiny repete o nome e o cachorro

caramelo dá um latido, fazendo meus filhos rirem.


— Era seu personagem preferido da série, papai? — Jake é curioso.

— Sim.

Ele tinha cicatrizes, como eu, mas as suas eram mais fáceis de

esconder.

— E Caroline? — minha princesinha pergunta de repente, com um

sorriso.

— Estamos trabalhando. Já expliquei para vocês.

— No barco do amor — Celiny diz e Jake começa a dar beijos

estalados no ar de um jeito bem exagerado.

— Vocês são terríveis! — digo, sério. — Estamos aqui a trabalho.

Ela é minha funcionária, nunca vai passar disso.


— Humrum — os dois dizem em uníssono.

— Papai precisa desligar agora. Vou voltar a trabalhar.

Eles se despedem jogando vários beijos na tela e me fazem prometer

que vamos conversar em português quando eu chegar, para que possamos

praticar.

Considero uma ótima ideia.

Antes de voltar ao trabalho no Mac, recebo uma mensagem de

Caroline.

Srta. Romano: Vou dar um mergulho na piscina, aproveitar o

último fim de tarde. Pensei em te convidar, mas lembrei que você não curte

piscina.
— Não é que eu não curta, amor, eu só não posso — murmuro para

sua foto de perfil.

Eu: Em qual das piscinas você vai?

Srta. Romano: A que fica mais perto da proa.

Fecho o aplicativo e volto minha atenção para os relatórios. Ainda

estou dando suporte à empresa dos meus sogros, na Grã-Bretanha. Estou me

desligando aos poucos.

Tento focar no trabalho, mas a ideia de que são dezesseis horas de

um sábado de sol me convencem a ir dar uma volta.

Encontro um bar com vista para a proa, no quinto andar do navio, e

me sento à mesa mais próxima a vidraça. A parte de cima do vidro está

aberta, e a brisa traz o cheiro da maresia.


Peço uma bebida e corro os olhos pelas pessoas no espaço da

piscina. Ela é grande, e a maioria das cadeiras em volta está ocupada. Pelo

menos metade das pessoas estão nuas, como é permitido pelo cruzeiro.

Caroline só chega alguns minutos depois, vestindo o mesmo biquíni

de cortininha azul com a canga em volta dos quadris, que vestiu na fazenda.

Ela caminha em volta da piscina e senta na primeira cadeira vazia

que encontra. Carrega uma toalha e o que imagino ser um frasco de protetor

solar.

Fico assistindo-a espalhar o protetor na pele já bronzeada, desejando

poder estar lá com ela.

É por isso que não podemos ter nada. Não é porque ela é minha

assistente, ou porque trabalhamos juntos, ou até mesmo por sermos de


países diferentes. Nada disso. É porque não posso sequer acompanhá-la até

a piscina, não posso levá-la à praia, nem tomar banho com ela. Não posso

nem fazer uma coisa tão simples quanto dormir ao seu lado depois de uma

foda.

Eu fiquei acordado aquela madrugada toda, depois de tirar sua venda

e desamarrar seus pulsos.

Depois que fiquei viúvo, só fodi prostitutas em motéis. Aquela foi a

primeira vez que uma mulher pegou no sono na minha cama, desde Cinthia.

Eu não podia dormir ao lado de Caroline, porque precisaria estar

vestido. Fiquei com medo dela acordar, me ver usando calça e camisa, e

achar estranho. Por isso, fiquei sentado em uma das poltronas do quarto,

velando seu sono, até o dia amanhecer.


Jamais poderei ter alguma coisa com uma mulher incrível como ela,

mas já sabia disso, desde que meu irmão disse aquelas coisas, enquanto

olhávamos as modelos no parque depois que saí do hospital. Não é como se

eu tivesse me dado conta disso só agora, então, não entendo por qual

motivo meu coração parece estar sangrando.

Caroline fica de pé e espreguiça o corpo que eu tive o prazer de

tocar. Tira a canga e a coloca sobre a cadeira branca. Os raios de sol deixam

sua pele ainda mais dourada. Azul é a cor que mais combina com ela, a faz

parecer uma sereia. E quanto mais eu olho, mais meu coração se despedaça,

mais dói.

Ela vai até a borda da piscina, sem saber que estou a assistindo

daqui. Parece ficar pensativa por um momento, olha as pessoas ao redor,

então leva as mãos até as costas e puxa o nó da parte de cima do biquíni.


— Por que, Caroline? — murmuro a pergunta, quando ela joga o

pedaço de tecido azul na cadeira, com os seios, que deveriam ser só meus,

de fora.

Várias pessoas passam a olhar também, cobiçando minha sereia

como se tivessem esse direito. Ela levanta os braços acima da cabeça e

mergulha na água.

Um minuto depois, emerge do outro lado, subindo na borda com

facilidade, exibindo o corpo coberto só pela parte de baixo minúscula do

biquíni, com a água escorrendo na pele.

Minhas mãos estão postas, meus olhos ardem de raiva, meu pau

lateja. Phillip está gargalhando na minha cabeça.


Nós combinamos um jantar para comemorar o negócio que

conseguimos fechar com a companhia marítima. Não é nada romântico,

apesar de ser no melhor restaurante do navio. São apenas negócios.

Estou esperando há vinte minutos, quando Caroline aparece. Está

usando uma saia de pregas curta e uma blusa que mostra uma boa parte da

barriga lisa e que deixa os seios apertados um contra o outro. Os saltos

fazem os músculos das suas coxas se destacarem enquanto ela caminha, a

luz amarelada do restaurante faz o bronze da sua pele ficar ainda mais

bonito. Seu cabelo loiro está ondulado, caindo sobre os seios, ombros e

costas. A maquiagem nos olhos destaca o olhar de sereia.

— Desculpa a demora — ela diz ao se sentar na cadeira de couro

giratória com apoio para os braços.


— Você está maravilhosa. — Não tem como deixa de elogiar. O

cheiro do hidratante e do perfume me envolvem, provocam. — Não precisa

se desculpar.

O vinho é servido e pedimos comida italiana, porque sei que é a sua

preferida.

— Conseguimos — murmuro para puxar conversa. — Você

conseguiu. Eles gostaram de todos os seus desenhos.

Ela dá um sorriso e coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha.

— Fico muito aliviada de poder ajudar a empresa a crescer —

Caroline diz. — Eu estava pensando...

Espero que ela continue, mas fica mexendo na massa com a ponta do

garfo, encarando a comida.


— No que você estava pensando? — questiono, sentindo os

primeiros sinais da ansiedade quando vejo uma ruga de preocupação na sua

testa.

— É nossa última noite aqui — diz e me encara, mas está usando

aquela máscara outra vez, sem demonstrar as emoções. — O que aconteceu

nesse navio... entre nós... ficará aqui, né?

Não faz sentido meu peito se apertar. Ela tem toda razão.

— Sim. Ficará aqui — murmuro.

Caroline se balança, fazendo a cadeira girar, está a um metro de mim

e suas coxas queimadas do sol expostas pela saia curta.

— Segunda, voltaremos ao trabalho e tudo será como antes. Você é o

CEO e eu sou a funcionária que está te auxiliando — ela continua.


Abro e fecho a mão, morrendo de vontade de tocá-la.

— Sim, vamos deixar o que aconteceu aqui — acrescento, mas puxo

sua cadeira para mais perto da minha. — Ninguém precisa saber o que

fizemos.

— O que está fazendo? — Caroline pergunta quando olho em volta,

me certificando de que não tem nenhum garçom passando perto da nossa

mesa.

Enfio a mão por baixo da saia de pregas e encontro a tira da

calcinha. A puxo depressa, antes que alguém perceba. Caroline morde o

lábio, mas ergue o quadril para facilitar.

Preciso me agachar para tirar o pedacinho de renda dos seus pés. O

coloco no meu bolso da calça assim que me endireito na cadeira, com um


sorriso satisfeito.

— Por quê? Não posso andar por aí sem calcinha com essa saia —

Caroline murmura, com o cenho franzido.

— Você não se importou de tomar sol com os seios de fora, na

piscina — me entrego.

Ela estreita os olhos, empina o queixo e faz um bico.

— Não adianta fazer cara feia agora, amor — a provoco, puxando

sua cadeira outra vez, a fazendo girar para ficar de frente para mim.

Espero um garçom passar, então me aventuro entre suas pernas.

Caroline trava os joelhos, me impedindo de ir adiante, mas a encaro até

fazê-la relaxar. Quando toco sua boceta macia, ela está molhada.
Deslizo meu dedo para dentro e puxo a mão depressa, porque o

garçom está voltando.

Levo o dedo até a boca e provo seu sabor, enquanto Caroline me

encara com os lábios entreabertos.

— Você não faz ideia do quanto é gostosa — sussurro e levo a mão

outra vez para debaixo da saia.

Me demoro, movimentando o dedo dentro dela. Um gemido baixo

escapa da sua boca e faz meu pau pesar na calça, implorando para entrar

nela.

Coloco mais um dedo e Caroline move o quadril, rebolando

discretamente. Afasto a mão quando vejo o diretor da companhia entrar

com uma de suas sugar babys.


O cumprimento com um aceno de cabeça e, quando o homem se

senta, vou levar a mão até a boca, mas Caroline me impede.

Ela segura meu pulso e coloca a ponta da língua entre os lábios.

Dou o que ela quer e levo meus dedos até sua boca. Quando Caroline

suga, envolvendo minha pele com sua língua quente, sinto tanto tesão que

preciso me controlar para não agarrá-la aqui mesmo.

Não estamos no “Dark Room” e o sexo explícito só é permitido lá,

mesmo sendo um cruzeiro para casais de swings, existem regras.

Caroline fecha os olhos, ainda chupando meus dedos, e passa o

polegar no centro da minha palma, provocando um arrepio.

Quando tira a boca e solta minha mão, estou tão duro que dói.
— Promete que isso tudo vai ficar aqui no navio? — Caroline

insiste.

Eu, melhor que ninguém, sei que não posso levar à diante.

— Prometo — respondo e bebo um gole do vinho. — Você vai

esquecer?

Ela fica pensativa e me deixa com medo da resposta, independente

de qual seja.

— Acho que não dá para esquecer uma coisa assim — ela sussurra e

apoia o queixo na mão, com o cotovelo sobre a mesa, então abaixa o tom de

voz. — Eu deixei você me chupar em público. Jamais pensei em fazer uma

coisa dessas. Não tem como esquecer.

Seu rosto fica corado, ela dá um sorriso e morde o lábio.


— Mas foi gostoso — comento, voltando a tocar sua coxa, só que

dessa vez para fazer carinho —, mesmo sendo uma coisa nova.

Ela vira o rosto e me encara.

— Você vai esquecer? Mesmo tendo o cheiro do meu hidratante? —

questiona.

Me aproximo do seu ouvido para sussurrar.

— Também tem o cheiro da sua boceta nas calcinhas, não tem como

esquecer você — confesso.

— Não vai devolvê-las?

— De jeito nenhum.
Volto ao meu lugar com ela ainda me encarando. Não dá para saber o

que está pensando, mas me sinto como se estivesse em um beco sem saída.

Dessa vez, é Caroline quem se inclina para sussurrar perto do meu

ouvido.

— Você não liga de saber que estarei andando por aí, sem calcinha,

com a minha boceta molhada de tesão?

— Porra! Eu quero apertar sua garganta até você perder o ar —

minha voz sai rouca —, quero tirar o cinto e fazer ele de coleira, quero

deixá-la de joelhos e socar meu pau nessa boquinha suja, pra você não me

provocar mais.

Ela ri e volta a sua posição na cadeira.

Preciso de um minuto para acalmar as batidas violentas do coração.


— Posso perguntar uma coisa? — diz, ao mexer na comida

novamente.

— Pergunte o que quiser.

— Você sempre gosta de amarrar e bater? — Caroline questiona.

— Sempre — eu minto.

Não é que eu sempre goste disso, mas é são os sentimentos que me

dominam no momento, e o fato de saber que a única forma de ter prazer é

mantendo a garota amarrada e vendada, porque, em hipótese alguma, eu

deixaria que me tocassem durante o sexo, que me vissem sem as roupas.

Nem mesmo as putas baratas.

E a raiva de não poder ter uma única foda normal, olhando nos

olhos, me faz querer mandar, exigir.


— Foi muito ruim? — pergunto. Nunca fiz aquelas coisas com

Cinthia, e as prostitutas não reclamam, elas recebem pelo trabalho e vão

embora.

— Não foi nada ruim, eu adorei — Caroline confessa. — Adorei

tudo que você fez, cada detalhe.

Meu coração reage, como se ele tivesse algum direito.

Bebo mais um gole de vinho para anular as emoções.

— Posso confessar uma coisa? — Caroline questiona. — É um

segredo.

— Claro. — Me movo na cadeira, curioso.

— Eu nunca tinha gozado antes — ela admite.


Levo alguns segundos para entender que não está brincando.

— Como não? — pergunto.

— Você não faz ideia da surpresa que foi — ela diz e morde o lábio.

— Não sabia que era tão gostoso.

Quero lembrá-la que é só minha, que me pertence, porque não vou

suportar saber que outro homem a tocou, mas que direito eu tenho?

— Agora eu quero saber um segredo seu — Caroline continua.

Pisco, afastando os pensamentos ruins, a raiva.

— Você foi a primeira foda que eu repeti, desde que fiquei viúvo —

assumo e ela me encara como se não acreditasse.


— Como assim? Você transa com uma mulher e depois some? —

questiona com os olhos estreitos.

— Mais ou menos isso.

— Você é um cafajeste! — Caroline parece chocada.

— Não sou, não. Eu só fodo prostitutas, pago por sexo.

O choque fica ainda mais evidente no seu olhar e me arrependo de

ter falado demais.

— Por quê?

— Não quero me envolver com ninguém. Não quero um

relacionamento — respondo o mais suscinto possível.


— Mulheres também fazem sexo casual, sabia? É só procurar nos

bares, baladas.

— Prefiro pagar, é mais fácil — digo e dou de ombros, esperando

que ela acredite.

— Mas você ficou comigo, você prestou atenção em mim, quis estar

comigo desde que chegamos ao Brasil... — Caroline me analisa.

— Você é totalmente diferente. — Eu torço para ela não perguntar o

porquê, por isso desconverso. — Você falou sobre procurar mulheres em

bares e baladas, mas, pelo que fiquei sabendo, você trabalha demais e não

sai muito. Acho que não sou o único solitário aqui.

É ela quem dá de ombros agora.


— Pelo menos você era casado até dois anos atrás — Caroline diz

—, e ainda tem as prostitutas. Está no lucro.

— Não considero lucro perder a esposa — tenho que dizer.

— Ah, meu Deus! Desculpa, Oliver! Eu não quis...

— Tudo bem. — Ergo a mão e toco seu rosto. — Por que você

vestiu essa roupa tão provocante?

Ela dá uma risadinha.

— Vou a uma balada para encerrar a última noite no navio. Você

comentou sobre eu não sair muito, agora estou aproveitando.

— E não vai me convidar para ir também? — pergunto.

Caroline inclina o rosto para o lado, se afastando da minha mão.


— Acho melhor não. É uma balada, vai tocar música eletrônica e

você é todo sério, sempre de terno e gravata. Acho que o ambiente não

combina com você, Oliver — ela diz. Não é nada demais, só que as

palavras me acertam como um soco no estômago.

Caroline fica de pé, usando a saia que não deve ser muito maior que

um palmo da minha mão, enche a taça de vinho quase até a borda e bebe de

uma vez. Se inclina para sussurrar no meu ouvido.

— Já que não me devolveu a calcinha, vou ter que ficar na balada

com a boceta molhadinha exposta.

Eu tento segurá-la pelo pescoço, mas a safada é mais rápida e escapa

de mim, indo embora do restaurante depressa.


Pego minha taça e completo com vinho, na esperança de que o

álcool aplaque o ódio que começa a me dominar, mas a aperto com tanta

força que a parto em vários pedaços.

O garçom chega depressa, pedindo desculpas em português como se

tivesse culpa de algo.

— Está tudo bem — digo com meu sotaque ridículo, enquanto puxo

um caco da minha mão, que começa a sangrar.


Oliver

Entro na balada dos corpos perfeitos mesmo sem ser convidado,

mesmo que eu não caiba aqui.

Amanhã seguiremos como se nada tivesse acontecido, mas ainda

temos essa noite, e não consigo manter o pau e nem a mente longe dela.

Para chegar até a pista de dança, é preciso descer uma escada de

vidro em caracol. As luzes piscam por toda a boate, mudando de cor no


ritmo da música. A encontro com facilidade, dançando.

Paro alguns degraus antes de chegar à pista e observo um casal se

aproximando dela. Fecho a mão machucada em punho e sinto o corte

causado pela taça. Quando o casal chega mais perto, eu não fico aqui para

assistir.

Desço os últimos degraus e a puxo para meu peito, envolvendo sua

cintura com os braços, a apertando tanto contra meu corpo que a tiro do

chão, devorando seus lábios, sabendo que é nossa última noite.

Quando Caroline corresponde, a raiva vira desejo.

Afrouxo o aperto e ela me encara.

— Eu sabia que você viria atrás de mim — Caroline grita para

conseguir ser ouvida, mesmo com a música alta.


A giro para apoiar as costas no meio peito, e a abraço por trás. Ela

ergue os braços e alcança minha nuca, passando as pontas dos dedos no

meu cabelo e pescoço, movendo o quadril contra meu pau.

O casal nos assiste como se tivessem uma chance de tocá-la.

— Não aqui, não hoje. Eu mataria vocês antes de tentarem —

murmuro. — Homem ou mulher, não importa. Ninguém além de mim vai

tocá-la essa noite.

Caroline não escuta, graças à música, e continua dançando,

esfregando a bunda no meu pau, fazendo a saia de pregas subir e descer.

Seguro seu pescoço e coloco a mão por dentro do cós da sua saia.

— Você quer acabar comigo? — pergunto contra sua orelha, alto o

suficiente para que escute.


Me empurrando de leve, ela gira, ficando de frente, então tira a

gravata do meu pescoço.

— O que está fazendo? — Seguro os botões do colarinho para que

ela não tenha acesso.

Caroline passa a gravata pela cabeça e ajusta o nó em volta do seu

pescoço.

— Me come — ela pede com o tom de voz elevado e coloca a ponta

da gravata na minha mão.

Sinto uma fisgada na virilha quando entendo. Puxo a gravata, a

trazendo para mim pelo pescoço, e Caroline morde o lábio.

Saio dali, puxando-a pela gravata, e ela me segue, dominada. Não

escolho muito, entro no primeiro lugar escuro que encontro, embaixo da


escada que leva aos camarotes.

Não dá para enxergar nada. Empurro Caroline contra a parede e abro

a calça.

— Me come depressa.

— Cala a boca — digo e aperto sua mandíbula, puxando a gravata.

— Abaixa a blusa.

Às cegas, escorrego a boca na sua pele, até encontrar o seio. Ela

geme quando eu chupo, se contorce quando mordo.

A ergo pelos quadris e ela abraça meu torso com suas pernas,

passando os braços em volta dos meus ombros e me beijando. É uma

sensação tão boa que mergulho nela de uma vez.


Aperto meu corpo contra o dela, passeio com minha língua na sua

boca, e fodo, a fazendo gemer, gritar.

Seu canal me aperta, parecendo ainda melhor do que das outras

vezes, e solto a gravata, me rendendo as suas mãos que começam a me

tocar por cima da camisa. É a primeira vez que uma mulher me toca assim

depois do incêndio, e para o meu azar, é muito bom.

Eu fodo sua boceta e ela fode minha cabeça.

Lambo seu queixo, chupo seu pescoço, os seios e retorno para

devorar sua boca, deixando que ela passeie as mãos por cima da camisa,

desesperado para ter mais dela, do seu toque, seu cheiro, calor, tudo.

Fazia tanto tempo que eu não sabia como era ser acariciado nesse

momento, ainda que por cima da roupa, que sou pego de guarda baixa. Não
há como parar agora, se tudo que mais quero está bem aqui, nos meus

braços.

— Vou gozar — Caroline murmura e abafa um grito no meu

pescoço. Meto mais rápido e mais forte, enquanto suas mãos apertam meu

corpo, como se ela desejasse me trazer mais para perto, e também me

quisesse da mesma forma que eu estou desejando.

Os espasmos do seu corpo, sua respiração ofegante e a forma como a

sua boceta me aperta é meu limite, e eu gozo também, mais fodido do que

jamais estive.

Só me dou conta de que fizemos sem camisinha quando me afasto.

Fico imóvel por um instante, sem entender como alguém pode mexer

tanto com a minha mente a ponto de me fazer esquecer uma coisa tão
importante.

— Porra! — praguejo enquanto fecho a calça.

Não posso vê-la na escuridão, mas imagino que está se dando conta

da merda que fizemos.

— Eu preciso me lavar — ela diz, colocando o vestido no lugar.

Passa por mim, saindo debaixo das escadas e indo em direção aos

banheiros.

A sigo e espero na entrada. Tento raciocinar melhor e fico aliviado

ao lembrar que já vi pelo menos duas farmácias no navio.

Quando Caroline sai, seus olhos estão arregalados, ela parece

apavorada.
Tiro minha gravata do seu pescoço e pego sua mão. Esfrego o

polegar na sua pele, fazendo carinho por um instante, e beijo sua testa, antes

de guiá-la até as escadas.

Ela me segue sem dizer nada, em um silêncio que me faz pensar no

quanto está preocupada.

Vou direto até uma das farmácias que vi e compro a pílula do dia

seguinte, e Caroline espera lá fora. Ao pegar uma garrafa de água, me

pergunto o que diabos estamos fazendo, o que esse lugar tem para nos fazer

perder a cabeça dessa maneira.

Entrego o envelope com a pílula e a água. Ela toma rápido, mas

continua em silêncio, apoiada no guarda-corpo.


— Não tenho nenhuma doença — murmuro, ciente de que essa é sua

maior preocupação agora. — Eu fodo com prostitutas, mas nenhuma nunca

me fez perder a cabeça ao ponto de esquecer a camisinha. Além disso, meus

exames estão em dia.

Ela assente e respira fundo, relaxando os ombros, como se tirasse um

peso das costas.

— E se essa pílula não funcionar? — pergunta.

— Sempre funciona, por que falharia logo com a gente? Você tá no

seu período fértil?

Ela dá de ombros.

Eu quero interromper aqui, uma coisa dessas deveria ser nossa deixa

para finalizar, mas ainda assim, a puxo para mais um beijo.


Não consigo me cansar dos seus lábios. Ela diz que quer ir para sua

cabine e a acompanho só para ganhar mais um beijo. O último.

— Você quer entrar? Quer dormir aqui? — Caroline pergunta,

segurando no meu colarinho, sem fôlego.

Eu quero mais do que qualquer outra coisa essa noite, mas não vou

entrar. Não vou passar uma noite ao lado dela, por mais que eu deseje isso.

— É melhor não — sussurro e sinto um nó crescer na garganta.

Caroline faz um bico, solta meu colarinho e assente.

Mesmo depois que ela entra e fecha a porta, ainda fico parado no

corredor, me perguntando o que fiz para merecer essa merda.


Sinto as lágrimas se formarem e permito, só dessa vez, que elas

caíam. Conheço a dor desde que me entendo por gente, ela é minha

lembrança mais antiga e me acompanhou a vida toda. E nem o sei o que fiz

de errado para receber tanto castigo.

Domingo, 22 de fevereiro de 2032

16° DIA

Acordo, não feliz, mas com uma espécie de alívio por saber que,

quando o dia acabar, alguém vai ter pagado pelos seus erros.

Caroline mantém a postura quando desembarcamos.


— Lion Bianco é de confiança? — pergunto a ela, no caminho para

o aeroporto, na cidade do Rio. — Como contador, quero dizer.

— É sim. Ele faz a contabilidade de todo Grupo Editorial Giordano,

além de várias outras empresas de grande porte em São Paulo. É um ótimo

contador.

Assinto.

— Posso saber por quê? — ela questiona.

— Preciso de uma auditoria, mas tem que ser um contador de muita

confiança. Tem alguma coisa errada com as contas da empresa.

Caroline arregala os olhos.


— Alguém desviando dinheiro? Será que é por isso que Joana saiu?

Não por motivos de doença, mas por...

— Não precisa se preocupar com isso. Vou conversar com Lion

amanhã.

— Se tiver alguma coisa errada, ele vai descobrir, pode ter certeza —

Caroline me garante.

— Não acho que foi Joana — eu assumo. — Meu pai teria contado

se ela tivesse sido convidada a se aposentar por desvio de dinheiro.

Acredito que ele não sabe de nada.

— Tem razão, ele não te mandaria para cá sem uma informação

dessas.
— Você não vem? — ela me pergunta quando não a acompanho, no

portão de desembarque.

Seus irmãos e a cunhada estão esperando.

— Viemos na Hilux — Dimitri Romano explica em inglês. Daniel,

para as pessoas do trabalho. — Tem sete lugares.

— Não vou para casa agora, preciso pegar outro voo — digo a eles.

Caroline me encara, sem entender, mas não faz perguntas.

Acompanha a família e sigo para a calçada, à procura de um táxi que me

leve ao outro terminal.

O sol já se pôs quando subo no jatinho que aluguei, ainda quando

estava no hotel, em Bento Gonçalves.


Meu pai tem seu jatinho particular, mas é Phillip quem mais usa. Se

eu voei duas vezes nele foi muito.

A aeronave começa a andar na pista de decolagem e eu mando uma

mensagem informando ao “detetive”, que me esperará com o carro.

Penso nas coisas que ela me contou sobre o padrasto, nas surras que

levou tanto do pai quando dele, enquanto observo as luzes do aeroporto.

O irmão fez tudo que podia por Caroline, mas estou assumindo a

responsabilidade a partir de agora.

— Vou terminar seu trabalho, Dimitri Romano. Você já fez demais

por ela — sussurro, enquanto o jatinho decola.


Caroline

— Você transou — Stef sussurra perto do meu ouvido e arregalo os

olhos tanto que eles quase saltam.

— Calado! — ordeno, conferindo se Dimitri está olhando para a

frente, ao empurrar o carrinho com a minha bagagem em direção ao

estacionamento.
— Eu quero saber os detalhes — é a vez de Giulia sussurrar,

enroscando o braço no meu.

Engulo em seco, mas fico nervosa e dou uma risada que estraga

tudo.

— Do que vocês estão rindo? — Dimitri quer saber.

— Contei que um velho rico deu em cima de mim, no cruzeiro —

minto.

— Sorte dele que eu não estava lá — meu irmão mais velho diz, com

o rosto sério.

Giulia e Stefan dão risada e respiro aliviada.


Me acomodo no banco de traseiro da Hilux de sete lugares que

Dimitri usa quando vai levar meus sobrinhos e os filhos dos amigos para a

escola. Pego o celular e digito uma mensagem para Stefan, mesmo que ele

esteja ao meu lado.

Eu: Não fui passear, estava trabalhando! De onde você tirou que eu

transei?

Stef: Tá toda felizinha.

Reviro os olhos.

Giulia se vira para me encarar, com os olhos castanhos cheios de

insinuações.

— Sua pele tá mais bonita — ela comenta.


— Tomei sol — digo e estreito os olhos para minha cunhada como

um alertar para que ela pare, antes que Dimitri desconfie. — Meus

sobrinhos ficaram em casa? Estou morrendo de saudades.

— Ficaram com Cecília — Dimitri explica.

Em casa, quando saio do banho, minha cunhada está sentada na

minha cama.

— Quero todos os detalhes — ela diz e morde os lábios.

Respiro fundo, ainda de toalha, sento ao lado dela e desabafo.

Não conto os detalhes. As coisas que fizemos lá não dá para contar.

Segunda, 23 de fevereiro de 2032

17° DIA
Vivian deixa café e pão de queijo na minha sala toda manhã. Ela me

considera a segunda pessoa mais importante da empresa, ficando atrás

apenas de Oliver, desde que me viu ir embora com ele do Clube dos

Cretinos, terça-feira passada.

— Senhor Henderson está em reunião com Lion Bianco — me conta

quando passo por ela. — Parece ser importante.

Não vi Oliver desde o aeroporto, não sei para onde foi e por que não

me contou, mas tento a todo custo não pensar nele.

Passo a manhã focada no trabalho e só vou a sua sala quando me

chama.

Me surpreendo com as olheiras. Ele parece mais cansado e triste do

que de costume, ainda assim, os lábios se curvam em um meio sorriso


quando entro.

— Precisa de mim? — pergunto, parando em frente à sua mesa.

Olho para sua mão e noto que os nós dos dedos estão feridos.

— O que aconteceu? — Dou a volta na mesa, preocupada.

Oliver me pega pela cintura e me puxa para sentar no seu colo.

— Não foi nada demais — sussurra, aproximando o rosto do meu

pescoço.

— Foi sim. Parece que você se meteu em uma briga — observo,

lutando para manter a compostura, mas fica difícil quando ele começa a

beijar meu pescoço. — Para onde foi ontem?


— Você vai saber depois — Oliver diz, escorregando a mão

machucada para o meio das minhas coxas, por baixo da saia.

Quero dizer que esse não foi nosso combinado, as coisas que

fizemos deveriam ter ficado naquele navio, mas é tão gostoso quando seus

dedos massageiam meu clitóris por cima da calcinha.

Me viro, ainda no seu colo, e seguro seu rosto com as duas mãos. O

beijo lentamente, chupando seu lábio inferior, e o sinto afastar a calcinha.

— Caralho, te deixei molhada — diz contra minha boca.

Lambo seu lábio, palpitando de tesão, sem saber mais o que é certo

ou errado, e abro as coxas.

— Belisca meu clitóris bem forte — peço e Oliver faz.


Gemo na sua boca aberta.

Ele agarra minha cintura e, com facilidade, afasta o Mac e me

colocando sobre a mesa. A saia sobe até meu quadril e seguro as coxas, me

abrindo toda para ele.

— Você já comeu hoje? — pergunto.

— Ainda não — Oliver sussurra antes de abocanhar meu sexo e

sugá-lo tão forte que me deito sobre a mesa.

Me ergo outra vez, quando ele se afasta para dar uma palmada no

meu clitóris.

— Eu adoro quando faz isso — digo baixinho, ofegante, ardendo de

tesão.
Estico o pé e massageio seu pau por cima da calça, com o sapato de

salto, o fazendo gemer também.

Ele inclina a cabeça para me chupar novamente, mas a voz de Vivian

soa no autofalante, informando que Lion Bianco está lá fora.

Me dou conta da situação, de que estou arreganhada na mesa do meu

chefe, mas ele me mantém assim por mais um instante, e suga meu clitóris

gostoso. Coloco a mão na boca para não gemer. Lion não pode saber o que

estamos fazendo.

Desço da mesa e puxo a saia para baixo, enquanto ele tenta ajeitar o

pau grande dentro da calça, de alguma maneira.

— Não tem como disfarçar isso daí — eu digo.


— Vou atender o amigo do seu irmão com o gosto da sua boceta na

minha boca — Oliver brinca com o perigo. — Acho que nunca trabalhei tão

satisfeito antes.

Sacudo a cabeça em negação e vou para minha sala, saindo pela

porta lateral.

Não o vejo pelo resto do expediente, mas à noite, Oliver me manda

mensagem dizendo que as crianças estão com saudades de mim.

Sei que não é mentira, mas me pergunto se ele não está usando os

filhos para me atrair para uma armadilha.

Ciente de que eu cederia fácil, e querendo seguir com o que

combinamos no cruzeiro ou pelo menos tentar ser a Caroline decente de

antes, levo Dom comigo novamente.


— Vamos jantar na casa dos Henderson — digo a Dimitri, com meu

sobrinho no colo, enquanto ele ajuda Diana com as tarefas da escola. —

Não demoramos, dá tchau pro papai.

— Tchau, papai — Dom sacode a mãozinha e depois joga um beijo

para o pai e a irmã.

Caminho com ele nos braços, passando pelas quadras e observando

as mansões. Quando não aguento mais carregar seu peso, o coloco no chão

e brinco, fingindo que estamos apostando corrida.

Dom corre atrás de mim com os cachinhos balançando, me

chamando de titia e dando risadinhas.

Quando se cansa, o pego no colo de volta e o carrego até a mansão

de Oliver.
Fico sem entender quando ele abre a porta para mim com um

cachorro caramelo nos braços.

— Au au — Dom começa a apontar para o cachorrinho vira-lata.

— Quem é esse? — questiono, entrando.

— Os gêmeos o adotaram — Oliver explica. — Se chama Daryl

Dixon.

— Chão, titia — Dom pede assim que vê as crianças descendo as

escadas. Ele ama ter com quem brincar.

Eles começam a gritar meu nome assim que me veem. Jake me

alcança primeiro.
Me agacho no chão e o abraço bem forte, depois acolho Celiny

também.

— Senhorita Romano, sentimos falta — ela diz em português.

— Sentimos sua falta — Oliver a corrige.

— Nós estamos pra-ti-can-do — Jake explica, se enrolando para

pronunciar a última palavra.

— Estão indo muito bem — os elogio. — Podemos combinar de

falar só em português essa noite, o que acham?

— Eba! — os dois dizem, jogando os braços para cima de felicidade,

como se fosse a melhor brincadeira do mundo.

Dom se empolga e começa a comemorar também, dando pulinhos.


Oliver coloca o cachorro no chão, pega meu sobrinho no colo e o

leva até a outra sala. As crianças o seguem, chamando Daryl Dixon e me

puxando.

É uma sala grande, com uma parede lateral de vidro com vista para a

piscina, e todo tipo de brinquedos que uma criança pode sonhar em ter.

Oliver coloca Dom no topo do escorregador e ele desliza até o tapete no

chão, se levanta depressa e dá a volta, pedindo mais.

Oliver o pega e o faz descer pelo escorregador outra vez, mas Dom

não se cansa. Enquanto isso, Celiny faz Jake e eu sentarmos em uma mesa

baixinha e redonda de quatro lugares.

— É hora de chá... — ela diz em português.


Jake coloca o cachorro na cadeira vazia e Celiny pega um chapéu

cheio de fitas e coloca na cabeça de Daryl Dixon.

Dou risada porque imagino o personagem da série usando esse

chapéu.

O pobre cachorro parece ser bonzinho e tem a carinha triste que nos

faz querer acolhê-lo. Está tão magrinho. Fico feliz por ter sido adotado

pelas crianças.

— Parece que você gostou mais do cachorro que os gêmeos —

comento com Oliver, quando o vejo pegar o cachorro no colo outra vez,

depois do jantar.

Ele não diz nada, mas eu acho que sei o porquê. O faz lembrar da

criança que já foi um dia, antes dos Donovan o adotarem.


— Foi seu irmão que mandou você trazer seu sobrinho para te vigiar

outra vez? — ele pergunta, disfarçando.

— Dimitri não manda em mim — respondo.

— Era para você ficar aqui, depois que as crianças dormissem — ele

sussurra, enquanto as crianças brincam.

— E nosso acordo de fingirmos que nada aconteceu?

— Só mais uma vez. Precisamos terminar o que começamos de

manhã — Oliver responde.

Ainda bem que eu trouxe Dom, porque seria capaz de ceder.

— Não essa noite.


— Você pode levá-lo e depois voltar. Eu deixo o alarme desligado, é

só entrar. Vou te esperar no meu quarto, é a porta do corredor...

— Não adianta me esperar, Oliver, essa noite, não — digo, mesmo

que meu corpo queira.

— Por que está me punindo? — me questiona.

— Não estou te punindo, não temos nada, lembra? Não há um

motivo para... — baixo ainda mais o tom de voz — fodermos todos os dias.

— Gostava mais quando estávamos no cruzeiro — ele murmura,

feito uma criança emburrada.

Não cedo, na hora das crianças irem para a cama, vou embora com

meu sobrinho, sabendo que ele e os gêmeos se divertiram.


Oliver

Terça, 24 de fevereiro de 2032

18° Dia

Aquela demônia está me punido, e não sei o que fiz de errado.

Me ignorou o dia todo, só indo à minha sala para tratar de trabalho.

Para piorar, estava usando uma saia com uma fenda na coxa e blusa que

destaca a sua pele bronzeada.


É duro trabalhar com tesão, e não consigo nem considerar a ideia de

procurar uma prostituta.

Não é como se Phillip tivesse ganhado. Ainda tenho a esperança de

que isso seja só uma fase, que esse desejo seja mais pelo proibido do que

por Caroline em si.

— Vai passar — murmuro, deitado no escuro apertando o pau,

lembrando de como ela faz quando estou dentro dela.

Ser rejeitado não está ajudando, mas não sei por que estou insistindo

nessa merda. Talvez Caroline deseje mais que foder, talvez queira um

namorado, um relacionamento, e eu não sou esse homem.

Bato a cabeça contra a cabeceira da cama tentando entender por que

me deixei cair em tentação desse jeito.


Alcanço o celular e, como um viciado, mando uma mensagem.

Eu: Vem aqui me ver, por favor.

Me sinto ainda mais ridículo por implorar.

Srta. Romano: O que você vai fazer se eu for aí?

Ela responde depressa, mostrando que está acordada.

Eu: Te chupar toda.

Srta. Romano: O que mais?

Eu: Dar aquela surra de cinto na sua boceta, que eu sei que você

adora.

Srta. Romana: Nunca tinha me masturbado antes. Não sabia que

era tão gostoso...


A mensagem vem acompanhada de carinhas de demônio, o que

combina muito com ela.

Aperto o pau mais forte, o massageando da base até a cabeça,

ardendo de tesão.

Eu: Vem aqui, amor. Por favor. Eu posso te dar o prazer que você

precisa agora.

Srta. Romano: Adoro quando você me chama de amor. Tô

imaginando sua boca sugando meu clitóris. Ele tá pulsando de tesão.

— Maldita! — rosno, acelerando o movimento da mão.

Eu: Você não precisa vir, eu vou até aí, é só deixar o alarme

desligado e me dizer qual é o seu quarto.


Estou perdendo mesmo a cabeça.

Srta. Romano: Não tem medo dos meus irmãos ouvirem?

Eu: Não tenho medo de nada agora, amor.

Srta. Romano: Se você estivesse aqui, eu ia gritar tanto de tesão

que iria acordar a casa toda. Você não imagina como estou molhada.

— Filha da puta! — xingo, segurando para não gozar.

Outra mensagem chega, mas dessa vez é de voz.

— Coloquei meus dedos dentro, mas eu prefiro seu pau — ela

sussurra e dá um gemido. — Você não sabe como eu queria seu pau grosso

me fodendo agora, Oliver.

Chega mais uma mensagem de voz de Caroline gemendo, ofegante.


Ligo imediatamente, sem entender por que ela não vem.

Mas a demônia desliga na minha cara. Quase jogo o celular na

parede de ódio.

Eu: Se você estivesse aqui, eu iria te castigar tanto...

Recebo outro áudio.

— Estou imaginando você me castigando, batendo no meu clitóris.

— Consigo ouvir o tapa que ela dá na boceta, seguido do gemido

prolongado. — Eu vou gozar só de pensar em você me batendo assim.

Eu: Vem pra cá e eu te dou tudo que você quer. Se você não vier, eu

vou até aí.


Não consigo me dar conta da loucura, só quero Caroline no

momento.

Espero pela resposta, a imaginando com as pernas abertas, metendo

os dedos na boceta apertada e dando palmadas no clitóris com a outra mão,

tentando gemer baixinho para não ser ouvida por ninguém da casa, me

desejando tanto quando eu a desejo.

Com o tesão que estou, ia socar tão forte que ambos esqueceríamos

até nossos nomes.

Mais uma mensagem chega.

Eu: Vá dormir, Oliver. Amanhã acordamos cedo.

A demônia desgraçada gozou e não precisa mais de mim. Soco a

madeira atrás da minha cabeça para amenizar a raiva.


— Eu te odeio, Caroline Romano. Você não sabe o quanto eu te

odeio — murmuro, tentando ignorar as vozes na minha cabeça. — É só uma

fase.

A luz externa entra pelas vidraças do quarto, iluminando o recamier

em frente a cama, o lustre pendurado, os móveis. As sombras que deixa

pelo quarto, o faz parecer mais dramático.

Gostaria de não estar sozinho aqui. Quero ter uma esposa novamente

e, por mais que seja um tolo por pensar isso, desejo que seja como Caroline.

Respiro fundo, tão frustrado que meu corpo dói.

Fecho os olhos, na esperança de pegar no sono. Alguns minutos

depois, ouço o ruído de unhas arranhando a porta.


Abro os olhos e levanto para ver o que é. O cachorro caramelo dá

um latido assim que abro a porta.

— O que foi? Você quer sair? — pergunto.

Daryl Dixon anda em círculos e dá outro latido, então segue pelo

corredor, parando para me olhar, como se esperasse que eu o seguisse.

— O que você quer, Daryl? — insisto. — Já tenho problemas o

suficiente.

O vira-lata some na direção da outra ala da casa, onde ficam os

quartos das crianças e da senhora Collins. Quando entro no quarto e vou

fechar a porta, escuto sua respiração.

Me inclino no portal e olho para o corredor. Ele vem correndo,

arrastando a caminha pela boca. Para diante dos meus pés e larga a cama,
como se tivesse algo de errado com ela.

Dobro o joelho e faço carinho na cabeça dele.

— Não sei o que você quer, amiguinho.

Daryl volta a latir.

O pego no colo, junto com a cama, e atravesso o andar até o quarto

de Jake.

Os gêmeos estão revezando, cada noite é a vez de um deles dormir

com o cachorro. Hoje é a vez de Jake.

Tomando todo cuidado para não acordar meu filho e não me ver só

de calça de moletom, coloco a caminha do cachorro ao lado da mesinha de

cabeceira e deixo o quarto.


Na metade do caminho, ouço o estalo das suas patas no piso de

mármore.

Me viro e o vejo trazendo a cama de volta com a boca, atravessando

o corredor iluminado pelas luzes que entram pelas janelas.

— Você parece ser mais perturbado que eu — digo, mas o deixo

livre para ver o que quer fazer.

Daryl Dixon corre até meu quarto e entra.

Quando chego até lá, ele colocou sua caminha ao lado da minha e

está sentado, me esperando. Assim que me aproximo, ele começa a dar

voltas ao redor do próprio corpo, como se estivesse satisfeito.

— Você quer dormir aqui? — o questiono. — Eu pedi uma esposa,

não um cachorro.
Ele late, como se tivesse ficado ofendido.

— Nada contra você, amigo.

Acendo a luz do abajur e o encaro.

— É a vez de dormir no quarto de Jake. Foram meus filhos que te

adotaram — explico ao vira-lata, como se pudesse entender. Mas eu falo

com as vozes que fantasio na minha cabeça, conversar com um cachorrinho

é lucro. — Não tenho nada a ver com isso.

Daryl Dixon parece irredutível. Me pergunto como não consigo

negociar com uma criatura tão pequena.

— Você é muito exigente para quem morava na rua, sabia? — jogo

na sua cara, mas ele simplesmente não se importa.


Abana o rabo, vitorioso.

Vou até o closet e pego um suéter, para o caso de Jake acordar e vir

até meu quarto para procurar o cachorro. Abaixo a temperatura do ar-

condicionado e deixo a porta do quarto entreaberta.

Uso um edredom dobrado para forrar o chão e coloco a caminha por

cima, dessa forma, se o piso esfriar muito durante a madrugada, Daryl não

vai passar frio, porque sei o quanto é ruim dormir sentindo frio.

Ele sobe na cama e gira novamente em volta do corpo, mas parece

aprovar meu trabalho.

— Está confortável para você? — o questiono e Daryl se deita.

O cubro com outra manta, só para garantir que estará bem aquecido.
— É só por essa noite, fique ciente disso — o alerto, mas dou um

beijo na sua cabeça, antes de apagar a luz do abajur. Volto para a cama e

fecho os olhos. — Obrigado por se preocupar comigo, Daryl.

Rio sozinho no escuro, porque estou agradecendo a um vira-lata por

ter me dado um pouco de atenção, sinto vontade de chorar, mas me

controlo.

Quarta, 25 de fevereiro de 2032

19° DIA

Caroline

Minha mãe está ao telefone.

— Eu tô no trabalho, não podemos conversar depois? — pergunto.


Da última vez que nos falamos, ela perguntou se eu não tinha

dinheiro para adiantar algumas parcelas da hipoteca sem ter me passado o

valor total da dívida, como pedi. Não são nem dez horas da manhã e não

quero esse tipo de pressão tão cedo.

— Filha, aconteceu um acidente com Flaviano — ela diz, parecendo

apavorada pelo tom de voz. — Ele não voltava para casa desde domingo...

— Como assim? Ele tinha voltado a trabalhar? Você me disse que

estava sem dinheiro porque ele tinha machucado a perna e não estava indo à

fazenda.

Me inclino para trás, na cadeira, respirando fundo.

— Ele voltou ao trabalho no final de semana, mas não apareceu no

domingo — ela explica. — Não me importei com seu sumiço porque


estávamos brigados. Hoje me ligaram do hospital. Ele deu entrada na

segunda, mas só me procuraram hoje, acredita?

— Hum... — resmungo, pouco me importando para o que acontece

com aquele escroto. — Que tipo de acidente ele sofreu?

— Eu fui até lá e descobri que não foi exatamente um acidente, acho

que ele se envolveu em uma briga ou tentaram roubá-lo. Um funcionário da

fazenda viu o carro dele parado na beira da estrada, com as portas abertas, e

pediu socorro. Quando polícia e a ambulância chegaram, Flaviano estava

entre a vida e a morte. Não sei se ele...

Ela não termina de falar porque o choro a impede. Sei que ele é o pai

do meu irmão, e que devemos ser pessoas boas, mas eu não consigo ter

compaixão.
— Quem pode ter feito isso com ele? — questiono, sem conseguir

disfarçar a frieza na voz.

— Não faço ideia. Ele não arranja confusão com ninguém — mamãe

o defende.

— É, eu sei. Diferente do meu pai, que bebia e arrumava briga na

cidade, antes de vir pra casa nos espancar — digo com sarcasmo. —

Flaviano é diferente mesmo, ele só bate em mulher e crianças. Mas, se for

da vontade de Deus, ele vai melhorar. Tenha fé, mãe.

— Minha filha, os médicos não deram esperança — ela murmura,

sem conseguir segurar o choro

Então minha mente se ilumina. Flaviano provavelmente não tinha

nada de valor para roubarem, não tinha rixa, era covarde...


— A polícia está investigando? — pergunto, começando a ficar

preocupada.

— Sim, eles estão, Carol. Mas não encontraram nenhuma pista até

agora.

— Graças a Deus! — sussurro para que ela não ouça. — Preciso

desligar agora, me manda mensagem se tiver alguma novidade e dê um

beijo em Giovanni por mim. Ligo pra ele mais tarde.

Encerro a chamada antes que ela se despeça. Me levanto e caminho

até a porta lateral que dá acesso a sala do meu chefe. Não me anuncio e não

mando mensagem. Estou nervosa demais para isso.

Oliver arregala os olhos quando me vê. Caminho até ele e agarro seu

pulso direito.
— Deixa eu ver sua mão — digo, a puxando para perto do meu

rosto.

Analiso os nós dos dedos machucados, mas parece estar pior do que

na segunda.

— Eu soquei a cabeceira da cama ontem à noite, depois que você me

mandou ir dormir — ele explica. — Só piorou.

O encaro com o coração batendo forte, pesado.

— Aonde você foi no domingo? — não é uma pergunta qualquer, eu

estou exigindo uma resposta.

Oliver permanece calado, mas não desvia o olhar.


— Você se despediu de mim no aeroporto, aonde você foi? — insisto

em questioná-lo.

— Fui dar um jeito nas coisas — ele responde.

— Meu Deus! — Levo uma mão ao coração e outra à boca.

Ele me puxa para seu colo e eu vou sem me opor, com o corpo tenso.

— Aonde você foi? — afasto a mão para repetir a pergunta mais

uma vez, porque preciso de uma confirmação.

— Você sabe aonde eu fui, amor — Oliver sussurra, simplesmente.

— É por isso que está aqui.

Ele me abraça, percebendo que estou em choque, e me embala como

se eu fosse uma criancinha, minha mente não consegue assimilar os fatos,


por mais que estejam na minha frente.

— Por que você fez isso? — consigo murmurar, com a cabeça

aninhada no seu peito.

— Porque ninguém toca em você e sai impune — Oliver explica,

mas não dá para entender. Não consigo assimilar que meu chefe voou até

Jaguarão para espancar meu padrasto. — Seu irmão te protegeu o quanto

pôde, mas agora você é minha responsabilidade, Caroline.

— Por quê? — insisto em saber.

— Eu não sei explicar, só aceite — ele sussurra.

— A polícia está investigando, se você for pego, eu nunca vou me

perdoar...
— Shiiii — ele me cala, pousando o dedo indicador nos meus lábios.

— Não se preocupe, Caroline, não deixei rastros. Nunca vão descobrir

quem foi.

— Como você foi até lá sozinho? — insisto. — Não consigo

entender.

— Tive ajuda.

— De quem? — Me inclino para encará-lo, ainda mais preocupada.

Não com Flaviano, por mim ele pode morrer, mas com a segurança de

Oliver.

— Contratei um “detetive”.

— Por que fez aspas com os dedos? — exijo saber.


— Calma. Detetive é só a forma como eu o chamo. Soa melhor. Ele

é do leste europeu, trabalha com uma variedade de coisas.

— Tipo o quê?

— Ele investiga e mata se precisar, sem deixar rastros. — Oliver

conta sem enrolar. — O contratei da primeira vez para tentar descobrir se o

incêndio que matou minha esposa foi criminoso, porque não estava muito

confiante nas investigações da polícia, mas ele não descobriu nada.

— Você contratou um assassino de aluguel para ir atrás do meu

padrasto? — questiono, ainda abismada.

— É bom ter o dinheiro a meu favor. Mas fui eu quem o deixei

naquele estado. Descontei nele as surras que levei da minha mãe biológica,

nos abrigos e de Phillip — Oliver murmura, se justificando. — Ele bateu


em você, na sua mãe, em Stefan e, batia no seu irmão menor também.

Deixei as coisas bem equilibradas.

— Oliver...

— Só não o matei porque queria que ele sofresse mais alguns dias,

mas duvido que os médicos consigam salvá-lo — diz sem nenhum remorso.

Enterro a cabeça no seu pescoço, inalando seu cheiro selvagem de

verbena, pimenta e madeira, e tento procurar algum tipo de pena por

Flaviano no meu coração, mas não encontro. Minha única preocupação é

que descubram que foi Oliver.

— Você está segura agora. Vou cuidar de você e dos seus irmãos —

ele sussurra e faz carinho nas minhas costas. — Dimitri não precisa mais se

preocupar.
Passo os braços em volta dos seus ombros e o aperto.

— Você não deveria ter feito, mas obrigada — eu digo. — Agora

estou preocupada por você carregar essa culpa.

— Culpa de me vingar de um desgraçado daqueles? Não consigo

esquecer o que você me contou sobre ele ter entrado no seu quarto. Não se

preocupe, essa culpa eu jamais vou carregar — Oliver me garante. —

Nunca tinha feito justiça com as próprias mãos, mas não me importo de

fazer novamente, se for preciso.

Beijo sua boca com urgência. Não me lembro se algum dia me senti

tão protegida assim.


Ligo para Giovanni quando chego do trabalho, para saber como ele

está lidando com tudo isso. Penso em contar a Dimitri, mas não quero

mexer nesse assunto agora.

Tomo um banho demorado e saiu para procurar Stefan. Mas ele

quase nunca fica em casa à noite, está sempre na casa de Artho.

Passo no quarto de Dom para lhe dar um beijo de boa noite, me

despeço de Diana e escapo para ir à casa de Oliver.

Não tenho medo de que Dimitri me veja saindo, mas gosto da

sensação de correr o risco de ser pega, da forma como meu coração acelera.

Chego quando Oliver está levando os gêmeos para dormirem em

seus quartos. O ajudo na tarefa sem que ele precise pedir.


— Se você fosse nossa mamãe, eu ia ganhar beijo de boa noite todo

dia — Celiny diz quando a cubro.

O cachorrinho que eles adotaram fica sentado, ao lado da cama.

— Ainda não tirou essa ideia da cabeça, Cenourinha? — pergunto,

tocando a ponta do seu nariz, e ela faz que não, abrindo um sorrido, depois

dá um bocejo e fecha os olhos.

— Vou sonhar com isso — ela acrescenta. — Boa noite, senhorita

Romano.

— Pode me chamar de Caroline — sussurro perto do seu ouvido,

depois saio do quarto, levando Jake comigo, deixando Oliver a sós com ela.

— Também posso te chamar de Caroline? — Jake pergunta

misturando os dois idiomas de um jeito muito fofo.


O pego no colo e beijo sua bochecha.

— Pode sim, meu anjinho.

Ele já está de pijama e com os dentes escovados. O ajudo a se cobrir

e faço carinho na sua testa.

— É ruim não ter uma mamãe — ele reclama, ainda misturando as

línguas.

— Ah, meu amorzinho... — sussurro, desejando poder tirar sua dor.

— Se você casasse com papai...

— Seu papai não está procurando uma esposa — eu o interrompo.

— Eu sei... — Jake resmunga.


Continuo fazendo carinho no seu rosto até que seu pai chega. Daryl

Dixon o segue, confirmando minhas suspeitas de que Oliver parece estar

mais apegado ao cachorro do que seus filhos.

É fofo.

— Vou para casa — informo, antes de deixar o quarto. — Boa noite.

— Me espera lá embaixo — ele pede.

— Tá tarde.

— Espera pelo papai, Caroline — Jake sussurra, de olhos fechados.

— Espertinho! Vou esperar, mas só porque você pediu.

Dou mais um beijo nele e deixo o quarto. Caminho pelo corredor e

desço as escadas. A maioria das luzes estão apagadas, ainda assim, a


mansão não deixa de ser bonita.

Os funcionários já encerraram seus expedientes. O silêncio toma

conta.

Ando de uma sala para a outra, tocando os móveis, na penumbra, e

dou um gritinho quando ele me puxa.

— Você fica gostosa pra caralho com esse vestido — ele murmura

contra meus lábios, passando a mão pela saia rodada de florzinhas azuis,

enfiando os dedos por baixo dela.

— Você gosta? — Me contorço nos seus braços, conforme Oliver

lambe meu pescoço.

— Não faz ideia do quanto — diz e puxa o decote para baixo.


Queimo de tesão conforme ele chupa um seio, depois o outro.

O toco por cima da calça, apertando seu pau.

— Vem pro meu quarto — ele exige com os lábios contra meu colo.

— Não — me nego.

— Vem, Caroline. Você não vai me castigar de novo.

Empurro seus ombros na direção de um recamier próximo as

vidraças e o faço sentar na beirada.

— No meu quarto — Oliver insiste.

Monto sobre sua pélvis, deixando uma coxa de cada lado do seu

quadril e puxo sua gravata.

— Me come agora — peço contra seus lábios.


— Não tenho camisinha aqui — Oliver avisa, mesmo assim, abre a

calça e tira o pau gostoso.

— Goza dentro, não tô no meu período fértil.

— Você vai acabar comigo — reclama, puxando minha calcinha para

o lado.

Antes de penetrar, Oliver agarra minha bunda e me ergue como se

meu peso não fosse nada para ele. Apoio um pé na sua coxa e ergo a outra

perna, enquanto ele me chupa.

— Calada — ralha quando eu gemo.

Aperto os lábios e tento segurar o gemido quando ele suga meu

clitóris com força. Agarro seus cabelos, com o corpo estremecendo,

desesperada para gemer.


Oliver me desce outra vez e sua glande encontra minha entrada.

Agarra minha garganta e respira pesado contra minha boca, se esforçando

para não gemer, enquanto seu pau entra com dificuldade.

Por um momento, ficamos parados, aproveitando a sensação. Ele

pulsa dentro de mim e eu contraio o canal, o apertando, o deixando tão

louco de desejo que emite sons guturais.

— Sua boceta é gostosa pra caralho — Oliver diz e afunda a boca

nos meus seios.

Larga minha garganta e segura minhas mãos às costas. Mal posso vê-

lo na penumbra, mas isso só me deixa com mais tesão.

Luto para soltar minhas mãos, para agarrar seus cabelos, mas Oliver

segura meus pulsos com força. Então me impulsiono contra sua pélvis,
rebolando, me movimentando depressa, obedecendo à vontade do meu

corpo.

Oliver solta minhas mãos e agarra minha bunda. Sinto seus dedos

apertando minha carne com voracidade, mas a dor só me deixa com mais

tesão. Eu o abraço, o beijo, toco sua nuca, escorrego as mãos por cima da

camisa, o puxo para mais perto e me impulsiono contra ele, desejando que

seu pau se enterre cada vez mais fundo.

Ele não resiste mais e grunhi, respirando tão pesado que me faz

pensar que está sofrendo. O modo como suas mãos massacram minha

bunda, como ele passa a gemer contra minha boca, me faz imaginar que

isso é doloroso, que esse momento o machuca.

Dobro minhas pernas, as apertando em volta do seu quadril,

enquanto gozo, o abraçando, mordendo seu lábio inferior, puxando sua


camisa para tocar a pele das suas costas, sentir seu calor livre das roupas.

Ele me joga contra o recamier, sem que eu tenha tempo de me

recompor do orgasmo. Tira a gravata, me faz erguer os braços acima da

cabeça e a usa para amarrar meus pulsos.

Logo depois, tira o cinto dos passadores da calça com um único

movimento, o dobra na mão e o lança contra minha coxa.

Dou um gritinho, sem esperar por isso, ainda trêmula do orgasmo,

com a respiração ofegante. Não é para machucar, só atiçar, mas me pega de

surpresa.

— Calada — Oliver brande.

Ele envolve meu pescoço com o cinto e fecha a fivela, como se fosse

uma coleira.
— A senhora Collins pode nos ouvir — me arrisco a dizer.

— A casa é grande e o quarto dela é longe demais — Oliver me

lembra.

— Não tem nenhum outro funcionário nas dependências?

— Mesmo que tenha — Oliver puxa o cinto, me fazendo erguer o

pescoço — você é toda minha e ninguém vai impedir. A partir de agora,

você só fala se eu deixar, só goza se eu permitir, e vai fazer tudo que eu

mandar, entendeu, Caroline?

— Sim, senhor — sussurro, com o cinto apertado prendendo minha

respiração.

— Boa garota — Oliver elogia e solta o cinto.


Respiro depressa, com uma mistura de medo e excitação correndo

nas veias. A sala está escura, mas pelo menos não estou vendada. O receio

de que algum funcionário, que ficou depois do expediente para dormir nas

dependências, acorde e nos flagre, deveria me deixar apavorada, mas acho

que estou perdida.

Oliver fica sentado por um instante, com uma perna de cada lado do

recamier, assim como estão as minhas, então segura minha calcinha, que

está de lado, e a puxa com as duas mãos com tanta força que ela se parte.

O resto da lingerie vai parar no seu bolso.

Ele volta a se inclinar e me penetra de uma vez, puxando o cinto.

Aperto os lábios, desesperada para não gemer, quando sinto sua glande

escorregando no meu canal, massageando o ponto que dá mais prazer.


Me abro toda e ele me fode com força, impulsionando a pélvis

contra a minha, se enterrando lá no fundo. Encosta a testa na minha e solta a

respiração pesada, parece furioso. Ergo minhas coxas e laço seu quadril

com elas. Oliver grunhi e dá um tapa no meu rosto em resposta, mas não

pede para soltá-lo.

Aperto mais as coxas, o puxando ainda mais para mim, adorando

como ele mergulha na minha boceta.

Os pés do recamier batem no tapete, com o impulso do corpo de

Oliver, rangendo, reclamando nosso peso.

Quero pedir para ele ir mais fundo, como se isso fosse possível,

porque não consigo pensar em mais nada a não ser tê-lo todo dentro de

mim.
— Mais — sussurro tão baixo que ele não pode ouvir.

Quero baixar os braços e tocá-lo, quero puxá-lo com tanta força que

nunca mais se afaste de mim, estou com tanto tesão que não lembro nem

meu nome, só consigo pensar no seu pau se afundando lá dentro.

As batidas dos pés do móvel são um mero detalhe, porque a

respiração ofegante de Oliver chama mais atenção.

— Não goza!

Ele dá outra palmada no meu rosto e puxa o cinto um pouquinho

mais forte, impedindo que eu respire por um momento. Aperto minhas

coxas em volta do seu quadril, como um pedido para que afrouxe o cinto.

Em resposta, ele fode com mais força ainda.


Ouço um rangido mais alto, mas só me dou conta de que foi o pé do

recamier se partindo, quando o estofado tomba para o lado. Oliver solta o

cinto para segurar meu corpo e puxo o ar depressa para os pulmões.

Ele me ergue, ficando de pé comigo enroscada no seu corpo. Segura

minha bunda e continua me fodendo. Passo os braços em volta do seu

pescoço, mas não posso tocá-lo com os punhos amarrados. Meu orgasmo

está se aproximando quando Oliver grunhi mais alto.

Sinto sua porra me inundando lá dentro e imploro em pensamentos

para ele continuar fodendo, para que eu possa gozar outra vez, mas ele me

tira do seu colo.

— Pro chão, de joelhos! — exige, tirando meus braços dos seus

ombros.
Dobro os joelhos, rápido, com as pernas trêmulas. Oliver puxa o

cinto e dá um tapinha no meu rosto.

— Chupa tudo — ele manda.

Lambo sua glande, sugando tudo, engolindo seu pau até onde

consigo, bebendo seu gozo delicioso, sem desperdiçar nada.

Ele se inclina e tira a gravata dos meus pulsos. Mal dá tempo de

esfregar os dedos na pele e flexionar os músculos que ficaram tencionados

por muito tempo.

— Agora vai de quadro. — Oliver me faz engatinhar até o canto

mais escuro da sala, só então libera o aperto do cinto. — Empina bem esse

rabo pra mim.


Arfo, chocada com suas exigências, mais apoio os seios no chão,

deixando meu quadril bem empinado. O vestido escorrega até meus seios.

Ele abre minha bunda com as duas mãos.

Meu coração martela nos ouvidos e fico assustada, com receio do

que virá a seguir. Quase quebro a regra de não falar, quando ele cospe e

sinto sua saliva quente escorrer entre as minhas nádegas abertas.

Arregalo os olhos e abro a boca, surpresa quando ele ofega lá atrás,

como se estivesse me farejando.

— Alguém já comeu esse cuzinho? — Oliver pergunta no meu

idioma, com o sotaque forte.

Arquejo, totalmente despreparada.

— Não... É claro que não — respondo em português. — Nunca.


— Ele é minha propriedade a partir de agora — ele volta a falar em

inglês.
Caroline

Respiro pela boca, nervosa, com o coração batendo tão forte que me

faz estremecer.

O sinto ofegante outra vez, me cheirando, então ele lambe meu

orifício. Para minha surpresa, é tão gostoso que preciso tapar a boca para

não gemer.
Puta que pariu! Oliver começa a chupar meu cu e reviro os olhos,

com sua porra ainda escorrendo pelas minhas coxas. Nunca pensei que

fosse me sentir tão vadia assim, mas apoio melhor a cabeça no chão e ergo

os braços até minha bunda para abri-la, me oferecendo toda para ele.

Jamais imaginei que isso pudesse provocar tanto tesão.

Escorrego uma das mãos até minha virilha, deslizo os dedos no seu

sêmen e esfrego contra meu clitóris. Aperto os lábios com toda força para

aguentar calada. Enfio os dedos na minha boceta e os tiro para chupá-los.

Reviro os olhos, provando meu gosto misturado ao dele.

Oliver continua devorando meu cuzinho como se fosse a coisa mais

gostosa que já provou e sinto o orgasmo chegando outra vez. Imploro em

pensamentos para ele me deixar gozar agora. Volto com a mão até meu sexo
e empurro os dedos no canal, tirando e colocando bem rápido, imaginando

seu pau, mas o desgraçado percebe e puxa meu pulso.

— Você não vai gozar assim, amor — ele diz e sinto as lágrimas se

formarem. Nunca pensei que fosse chorar de tesão.

Ele empurra meu quadril contra o tapete e monta em mim.

— Não vou comer seu cu hoje, porque não quero te machucar —

Oliver sussurra, se debruçando em cima de mim —, mas vou fazer você

gozar bem gostoso.

Ele preenche minha boceta com seu pau e pressiona o dedo na minha

outra entrada. Empino a bunda quando começa a penetrar.

Aperto os dedos contra o tapete, as lágrimas escorrem quando ele

apoia a mão livre ao lado do meu pescoço e me fode com o pau e o dedo.
As lágrimas escorrem, o orgasmo vem pela frente, por trás. Meu corpo

inteiro vibra, não consigo mais aguentar e gemo contra a palma da mão,

chorando de tanto prazer.

— Goza de novo pra mim — Oliver pede e meu corpo obedece.

Mais uma, duas, três vezes.

Eu perco as contas, perco a noção de tempo, de espaço, de quem

somos, quando o último chega e me contorço toda, apertando tanto seu pau

que ele se derrama novamente dentro de mim.

Fico parada, tentando recuperar o fôlego, com o coração batendo

furioso, por vários minutos. Ele se deita ao meu lado e luto contra minha

mente para não pegar no sono.


Pisco até meus olhos se adaptarem a escuridão. O vejo fechando os

botões da camisa, ouço sua respiração pesada.

— Poderia me trazer um copo d`água? — consigo dizer, com a

garganta seca, relaxada como nunca me senti antes.

— Claro. Só um segundo.

Oliver levanta e se vai. Fico ouvindo os sons do meu coração,

buscando algum raciocínio claro, mas na minha mente só há lembranças do

maior prazer que já senti na vida.

Ele me ajuda a sentar quando volta. Bebo a água depressa e depois

vou para seus braços quando me puxa. Oliver apoia as costas na parede e

sento no seu colo, de lado.

— Você gozou quantas vezes? — ele pergunta.


— Perdi as contas — confesso. — Essa foi a melhor noite da minha

vida, acredite em mim.

— E nem planejamos nada — sussurra, mexendo no meu cabelo.

Respiro fundo. Meu clitóris ainda pulsa, no ritmo do meu coração.

— Por que, às vezes, parece que você está sofrendo, enquanto a

gente fode? — o questiono, conforme a minha consciência retorna.

Oliver fica parado por um instante, sem ao menos respirar, antes de

responder.

— É impressão sua — diz, finalmente.

— Tem certeza? Quando eu estava montada em você, no recamier,

parecia que estava com dor, sofrendo.


O coração dele bate muito forte por baixo da camisa, seu cheiro de

verbena, suor e sexo me envolvem.

— Já te disse, Caroline. É apenas impressão sua — Oliver repete.

— Falando no recamier — resolvo mudar de assunto —, o que você

fez com ele?

— Era fraco, não aguentou — ele diz e dá de ombros.

— Não era fraco! — discuto, sabendo que todos os móveis dessa

sala são de designers famosos e cada um deve custar alguns meses do meu

salário. — Você que é forte demais.

Toco seus ombros largos e escorrego as mãos pelos seus braços,

sentindo a firmeza dos músculos por cima da camisa.


— Eu treino todos os dias, antes do trabalho — ele explica.

— Por isso é tão gostoso — elogio e ele dá risada, fazendo o corpo

sacudir de leve.

— Tenho uma coisa que eu quero te perguntar já faz alguns dias —

diz, escorregando uma das mãos pela minha coxa.

Gostaria que houvesse alguma iluminação para poder ver seus olhos

agora e não apenas o contorno do seu rosto no escuro.

— Pergunte.

— Eu sei que você tem que trabalhar duro, que sempre fez horas

extras, trabalhou aos sábados. Tem uma dívida na família, né?

— Sim... tem — murmuro.


— Por que seu irmão mais velho não ajuda? — Oliver me questiona.

— Eu sei que ele fez tudo que podia, mas você trabalha tanto e ele tem

dinheiro.

Suspiro, considerando que Oliver já me conhece melhor do que

qualquer outra pessoa.

— Dimitri e minha mãe se juntaram para pagar meus estudos. Ela

usou a minha parte da herança, mas o dinheiro acabou e acabou se

desesperando, sem saber de onde tirar. Acabou hipotecando a casa do meu

padrasto, em Jaguarão, sem ele saber. E eu pago as parcelas desde que

comecei a estagiar.

— Se o dinheiro da sua herança acabou, por que ela não conversou

com seu irmão? Acho que ele daria um jeito.


— Dimitri não sabe dessa hipoteca. Eles brigaram há muitos anos e

minha mãe não quer que ele saiba nada sobre o que acontece em Jaguarão

— explico me movendo no seu colo, impaciente. — Por causa do

temperamento dele, por medo de que Dimitri faça alguma besteira. Já te

contei sobre isso.

— Então você passou aperto, trabalhou duro para pagar essa dívida,

mas nunca pediu ajuda a seu irmão? — Oliver diz, passeando a ponta dos

dedos lentamente pela minha coxa.

— Não, eu não podia.

— Como sua mãe conseguiu hipotecar a casa do seu padrasto sem

ele saber? — Oliver pergunta.


— Meu padrasto pagou pela casa, mas colocou no nome dela, no

começo do relacionamento. Eles não são casados no civil.

— Você sabe qual o valor total da dívida e quanto tempo ainda falta?

— Ela fez a hipoteca quando eu entrei na faculdade. Usou uma parte

do dinheiro para pagar as parcelas, até eu começar a trabalhar... Eu não sei

quanto ainda falta. Minha mãe não me passa o valor total.

— Ela não te manda os boletos? — Oliver questiona.

— Não, eu faço um Pix todos os meses e ela paga online, no

aplicativo do banco.

— Você nunca viu nada de concreto sobre essa hipoteca?


Por um instante, me sinto tola, alguém que pode ser facilmente

enganada, então me lembro que estamos falando da minha mãe e não de

uma estelionatária, e que não há motivos para desconfiança. Ela jamais faria

uma coisa dessas comigo.

Teve meses em que mal sobrava dinheiro para comer, e ela sabe

disso. Minha mãe viu todas às vezes em que me desesperei por ficar doente

e precisar de atendimento médico, antes do plano de saúde da Henderson &

Co., porque essas coisas são muito caras nos Estados Unidos. Ela me ouviu

chorar, implorando para me deixar voltar para o Brasil, quando eu não

suportava mais ficar longe, me fez erguer a cabeça e continuar batalhando,

porque tínhamos a dívida para pagar. Ela me ajudou a ser forte e me fez

levantar, até quando pensei que não fosse aguentar.


Não preciso desconfiar, não preciso de nenhuma prova, porque é da

minha mãe que estamos falando. Ela nunca, jamais faria uma coisa dessas

comigo.

Não sei se suportaria uma traição dessas.

— Ela vai me mandar as parcelas que faltam, porque precisa quitar

logo essa hipoteca para se separar — desconverso.

— O desgraçado do seu padrasto vai morrer, e você não terá mais

que pagar nada — Oliver diz.

— Acho que terei sim, para o meu irmão não herdar uma dívida que

não é dele.

— Peça para sua mãe reunir o contrato da hipoteca e todos os

comprovantes dos meses que já foram pagos e os boletos das parcelas a


vencer e enviar tudo para você.

— Por quê? — pergunto, curiosa.

— Vou terminar de pagar essa dívida, para que você não precise

mais se preocupar — ele diz, decidido.

— Oliver, não vou deixar você fazer isso. Não é problema seu —

murmuro, segurando no seu colarinho. — Já basta a surra que você deu

naquele escroto.

— Você e seus irmãos são minha responsabilidade, Caroline. Eu já te

disse. Ou você esqueceu o que conversamos mais cedo? — me pergunta. —

Nós nunca poderemos ter nada além do sexo, mas vou cuidar de tudo pra

você.
Suas palavras, em vez de me trazerem conforto, são como um soco

no estômago.

Nós nunca poderemos ter nada além do sexo.

Quero perguntar o porquê, mas não quero admitir que me deixei

iludir a esse ponto, não quero ouvir Oliver ter que falar sobre nossas

diferenças de classe, que sou apenas uma funcionária muito fácil.

Meus olhos se enchem de lágrimas, mas dessa vez não tem nada a

ver com prazer.

— Você poderia pelo menos dizer as crianças que não há nada entre

nós — cometo a burrada de falar, deixando transparecer a mágoa no meu

tom de voz.

— Eu digo o tempo todo, eles é que são teimosos — Oliver explica.


Eu fico de pé e sinto meu corpo dolorido. Seu sémen está secando

entre as minhas coxas.

— Posso me lavar antes de ir embora? — pergunto quando Oliver

segura minha panturrilha e beija um dos meus joelhos.

Me odeio por ainda arrepiar com seu toque.

— Vem comigo — diz, apanha o cinto, a gravata e fica de pé.

Me guia para atravessarmos a mansão, passando pelas salas, os

móveis caros nas sombras. O sigo pelas escadas e entro em seu quarto. Eu

vi toda a decoração pelo iPad, mas pessoalmente é muito mais elegante.

Oliver me leva até o banheiro e acende a luz.


— Pode me dar licença? — peço, torcendo para conseguir disfarçar

que suas palavras me afetaram.

— Quero te assistir tomando banho — ele diz e se apoia na bancada.

— Tire o vestido, Caroline.

Na claridade do banheiro, posso ver seu cabelo bagunçado, sua

camisa amassa, a mancha na calça, da sua porra que escorreu de mim,

quando me sentei no seu colo.

Quero mandá-lo ir se foder, mas não consigo. Porque a única

culpada dessa ilusão sou eu. Não houve nenhum momento em que Oliver

falou sobre ter um relacionamento comigo.

Tiro o vestido e abro o chuveiro. Deixo a porta de vidro do box

aberta e me ensaboo com seu sabonete, enquanto Oliver assiste, com o rosto
sério e o cenho enrugado. Aquele olhar de dor volta ao seu rosto e sei que

ele está sofrendo.

Mesmo magoada, me compadeço, sem saber o que ele vê em mim

que o machuca tanto que não consegue disfarçar.

— Quer vir tomar banho comigo? — o convido para poder consolá-

lo.

— Não posso, Caroline.

Passo a mão no meu rosto, afastando a água, para ter certeza de que

estou vendo seus olhos úmidos. Não posso acreditar que ele está prestes a

chorar, e nem sei o porquê.

Fecho a torneira depressa e vou até ele, me jogando, molhada, nos

seus braços.
— O que aconteceu? — pergunto, ficando na ponta dos pés para

beijar seu rosto, preocupada.

— Não posso, Caroline — Oliver repete e me afasta dos seus braços.

Seu semblante está tão duro nesse momento que me encolho. Ele

alcança uma toalha no suporte e a coloca em volta dos meus ombros, então

sai do banheiro.

Confusa, me seco e coloco o vestido. No seu quarto, só encontro

Daryl Dixon dormindo em uma caminha para cachorros, em frente à

mesinha de cabeceira. Ele dá um latido, despertando quando me aproximo

para fazer carinho na sua cabeça, depois vou embora.

Não encontro Oliver pela mansão. Volto para casa com o coração

pesado, o corpo dolorido. Encontro Stefan no meu quarto, sentado na


beirada cama, iluminado pela luz do abajur.

— O filho da puta morreu — é a primeira coisa que ele diz quando

eu entro na ponta dos pés. — Giovanni ligou tem uma hora, mais ou menos.

Fico imóvel, procurando o sentimento de perda no meu coração, mas

só encontro alívio.

Caminho até a cama e pego o celular na mesinha de cabeceira. Dou

uma olhada nas ligações perdidas e o coloco de volta.

Me deito e Stefan vem para o meu lado.

— Acabou, Gina — murmura, deitando de costas, com o braço

embaixo da cabeça. — Todo mundo que fez mal a você está morto.
Pisco os algumas vezes, sentindo os olhos arderem. Acho que... nem

todos estão mortos, mas Stefan não sabe disso.

Ele se vira, inclinando o corpo na minha direção para me encarar.

Quando o encaro de volta, fico em choque, com medo do que vejo. Fecho

os olhos com força e bloqueio todas as memórias, porque não posso pensar

nisso agora.

Stef me abraça e eu tremo, chorando contra seu ombro.

— Não fica assim, Gina — sussurra. — Aquele desgraçado merecia

morrer exatamente assim, de tanto apanhar. Nem Giovanni pareceu abalado.

— Não estou chorando por ele, mas de alívio — minto, não é por

causa de nada disso.


Estou lembrando de uma época em que ainda morávamos em Bento

Gonçalves, quando Stefan era só um bebê, Ícaro estava na casa dos pais de

Evelin Ruschel e Dimitri estava detido.

Fecho os olhos de novo e procuro pensar em Oliver, no quanto se

arriscou por mim, mesmo que tudo que exista entre nós seja apenas sexo.

Penso em dizer isso a Stef, contar que foi meu chefe quem se vingou

do nosso padrasto, para escapar dos pensamentos, mas não consigo falar

agora. Além disso, não conseguiria explicar o porquê de Oliver fazer isso,

eu mesma não entendo.

— Não sei quem foi o filho da puta que pegou Flaviano e o deixou

naquele estado. Se foi só um ou vários. Se bateram nele com uma barra de

ferro ou com os punhos. A polícia deve saber isso. Não sei se vão pegar o

culpado, mas eu espero que não.


— Ele teve o que merecia — consigo murmurar, quando meu irmão

me solta e volta a deitar ao meu lado. — E aposto que teve tempo suficiente

para pensar em tudo que fez.

— Da madrugada de domingo até hoje, ele deve ter pensado bastante

— Stefan concorda. — Espero que ele tenha implorado para morrer,

enquanto apanhava.

— Também espero que a polícia não pegue o culpado — digo,

baixinho, como uma prece.


Oliver

Quinta, 26 de fevereiro de 2032

20° DIA

Estou numa série de supino, na academia que fica nos fundos da

casa, depois do trabalho, quando recebo uma chamada de vídeo do meu pai.

Limpo o suor do rosto com uma toalha e atendo a ligação.


— Onde estão meus netos? — É Lorraine quem aparece diante da

câmera.

— Estão se preparando para o jantar. Aqui já passa das sete horas da

noite, mãe — explico a ela.

Alcanço a garrafa de água e bebo vários goles de uma vez. Atrás

dela, ainda posso ver a luz do sol.

— Quer vê-los?

— Agora não, meu bem, daqui a pouco. Seu pai precisa conversar

com você primeiro — minha mãe explica e entrega o celular para Donovan.

— Como vai, Olly? — meu pai me chama pelo apelido que me deu

desde a adoção.
— Estou bem, pai. Os negócios estão progredindo. Tem observado?

— Sim, estou acompanhando daqui. Liguei para dizer que mandei

entregar uma coisa aí no seu condomínio. É só seguir a localização que

mandei no seu e-mail que você vai encontrar.

— Uma coisa? Que tipo de coisa? — Arqueio uma das sobrancelhas

para o meu pai que dá um sorriso de canto, aquele que sempre dava quando

estava fazendo algo exagerando.

— Vai lá ver, Olly — ele diz.

Saio da academia, usando calça e camisa de ginástica de mangas

longas, vou até a garagem e entro no Jaguar. Encontro a localização no e-

mail e sigo pelos quarteirões, até o heliporto do condomínio, onde há alguns

helicópteros estacionados.
— Cheguei aqui, mas não vejo nada — digo a meu pai.

— Está vendo um helicóptero preto com a faixa azul? — me

questiona.

— Estou... — respondo, desconfiado, percebendo um funcionário vir

me receber.

— É seu, Olly.

— O quê?

Desço do carro e vou até a entrada.

— Pai, você não deveria ter feito uma loucura dessas — digo e

cumprimento o funcionário com um aceno de cabeça.


— Ouvi falar que o trânsito na sua nova cidade é horrível — ele se

justifica, como se não fosse nada demais.

— O condomínio onde moro é muito bem localizado, não precisava

mesmo — insisto, porque, diferente de Phillip, faz anos que não dependo do

meu pai.

Trabalhei muito tempo administrando os negócios dos pais de

Cinthia, e ganhava muito bem para isso.

— É só um presente, filho. Em agradecimento por ter aceitado

trabalhar na Henderson & Co. — ele explica.

O funcionário abre a porta do helicóptero e eu subo.

— Você precisa contratar um piloto — meu pai lembra.


— Vou providenciar isso depois. Muito obrigado, mesmo não

precisando.

— Ele gostou da cor? — escuto minha mãe perguntar, mas sua voz

está distante.

— Diga a ela que gostei muito.

— Direi — meu pai diz e respira fundo, antes de prosseguir. —

Espero que as coisas deem certo, que você consiga se adaptar aos negócios

da família.

— Estou me adaptando rápido — o garanto. — A arquiteta que

escolheram para me acompanhar é muito competente. Senhorita Romano.

— É mesmo? Isso é bom. Eu quero que você goste de trabalhar na

Henderson & Co., que ame nosso negócio tanto quanto eu amo — meu pai
acrescenta. — Porque um dia, e esse dia está mais perto de chegar do que

imagina, terei que me aposentar, e eu ficaria muito feliz se você me

substituísse.

Franzo as sobrancelhas, perdido com sua última fala.

— Papai, é Phillip quem trabalha com você, ele é o vice-diretor da

matriz, seu primogênito — murmuro, sem querer acrescentar que, além

disso, ele é o filho biológico. — Nada mais justo do que ele assumir a

direção geral de toda a multinacional.

— Seu irmão não passa de um merda, Olly. Eu jamais deixaria a

direção dos meus negócios na mão dele, preferia entregar aos sobrinhos da

sua mãe, e você sabe como nunca gostei da família dela — meu pai

confessa.
Dou risada com a brincadeira. Ele sempre detestou participar de

qualquer evento que envolvesse a família de Lorraine.

— Seu irmão é um merda — acrescenta mais sério do que de

costume. — O cargo de vice-diretor foi só uma tentativa de fazê-lo ter

responsabilidade, mas eu ainda preciso controlar as coisas. Com trinta e oito

anos, ainda preciso cuidar para ele não jogar o nome da família na lama.

— Eu não sabia — murmuro.

Sabia que era um merda, não que meu pai precisava cuidar do meu

irmão como se ele fosse um adolescente.

— O internamos em uma clínica de reabilitação, há alguns anos,

quando a situação fugiu do controle. — Pela primeira vez, vejo meu pai
parecer fragilizado. Nunca pensei que o veria assim. — Dois anos depois,

tivemos que fazer de novo.

— Por que eu nunca soube disso?

— Você estava na Grã-Bretanha, bem-casado, cuidando da sua vida.

Não queríamos preocupá-lo — ele diz. — Agora, preciso pedir ao contador

da empresa para monitorar os gastos dele, a cada fechamento de mês, é a

única forma de saber o que ele anda aprontando.

— Sinto muito por tudo, pai — murmuro, odiando meu irmão ainda

mais por fazer meus pais passarem por isso.

— Eu tenho dinheiro o suficiente para te dar um helicóptero sem

abalar meu patrimônio, mas não para comprar minha paz — ele diz, como

se tirasse um peso das costas.


— Dinheiro não compra tudo, pai — comento.

Conheço na pele o poder dessas palavras.

— Mas gostamos dele. — Meu pai dá outro sorriso de canto. — Dei

uma olhada na lista das herdeiras solteiras de São Paulo. As das famílias

mais ricas, é claro.

— Papai, por favor — imploro.

— Casamentos são negócios. Eu já te disse. Você fez um ótimo

negócio se casando da primeira vez, está passando da hora de procurar outra

noiva.

— Não vamos terminar a conversa assim. Você sabe que eu não

gosto de falar sobre isso. Chame a mamãe, quero agradecer a ela também.
— Você escapou desta vez, Olly — ele alerta. — Mas quero você

aqui na semana que vem. Vamos conversar pessoalmente.

Sexta, 27 de fevereiro de 2032

21° DIA

Lion Bianco marcou uma reunião comigo para essa tarde, e achou

melhor trazer Artho Becker consigo.

Caroline está na sala ao lado, mas não os vê chegarem.

Lion traz relatórios detalhados sobre aquela anomalia que encontrei

na contabilidade da empresa.

— A primeira notícia é que suas suspeitas estavam certas — ele diz.

— Alguém de dentro retirou uma quantia significativa. Não foram todos os


meses, mas, aleatoriamente. A primeira transferência foi a maior de todas,

as outras passaram a ser mais modestas. O valor é enviado para uma conta

na Grã-Bretanha.

Percebo minhas mãos suarem e as seco na calça.

— Conheço a antiga CEO há anos, presto serviços para Henderson

& Co. já tem um tempo — Artho comenta. — Não estou saindo em defesa

de Joana, mas não me parece ser do feitio dela.

— Foi alguém de dentro da empresa, e fez um trabalho muito bom,

para ter passado despercebido pela contabilidade — Lion explica. — Essa

pessoa tem acesso a principal conta bancária da empresa.

— Pode ter sido o gerente financeiro — Artho sugere. — Apesar do

que eu disse, não podemos descartar Joana.


— Não sei se algum deles teria motivos para mandar dinheiro à Grã-

Bretanha. Não é para lá que as pessoas costumam mandar dinheiro roubado.

— País de Gales, para ser mais específico. A agência de uma cidade

chamada Newport — Lion explica. — A conta foi registrada no nome de

Leif Owens.

Começo a ser incomodado por um zumbido nos meus ouvidos.

As únicas pessoas que teriam acesso livre as todas as contas

bancárias da empresa, além dos gerentes financeiros, são meu pai e Phillip.

— Newport é onde eu morava — murmuro. — Quando o dinheiro

começou a ser desviado?

— Em meados de 2029 — Lion diz.


— Quando eu ainda tinha minha esposa — murmuro baixinho.

— Sinto muito — Artho diz.

— Eu também sinto muito, a gente brinca, mas... — Lion começa a

dizer, sem graça.

— Não precisam se preocupar. Estou bem — minto.

Lembro do meu pai falando sobre monitorar os gastos de Phillip.

— Você quer que eu comece a tomar as providências para darmos

início uma investigação mais apurada? — Artho muda de assunto.

— Ainda não. Eu preciso verificar uma coisa antes de seguirmos à

diante — eu digo. — Obrigado pelo que fizeram até agora.


Coloco um cartão preto na mesa de Caroline, antes do seu

expediente acabar.

— O que é isso? — ela questiona, pegando o cartão e lendo seu

nome impresso em letras douradas.

— Um cartão de crédito para você ir até o shopping e comprar

algumas roupas novas, gastar algumas horas no salão de beleza, comprar

sapatos, essas coisas — digo, me sentando na cadeira em frente à sua mesa.

— Por que eu faria isso com seu dinheiro? — Caroline faz cara de

brava.

— Vamos à casa dos meus pais, na semana que vem, e quero que

você esteja deslumbrante.

Ela arregala os olhos.


— Com vamos você quer dizer...?

— Você e eu, amor — deixo mais claro.

— Por quê? — Ela pisca os cílios compridos, com as bochechas

pintadas de sardas ficando coradas.

— Porque eu quero que vá comigo. Não precisa mais pegar roupa

emprestada para me acompanhar. Gaste o quanto quiser, compre o que tiver

vontade, o cartão não tem limites. Sua mãe já enviou tudo que pedi sobre a

hipoteca?

— Ainda não, ela...

— Está de luto pelo escroto do marido — concluo.

Me levanto da cadeira e saio da sua sala, a deixando sozinha.


Vou embora mais cedo que de costume. Pego o celular com o DDI

do Brasil assim que entro no meu quarto e chamo pelo único contato salvo.

— Sobre a hipoteca da casa — o “detetive” diz assim que atende. —

Ela é real. Ainda faltam trinta e um meses para quitar.

Sou pego de surpresa, não esperava que fosse real, que a mãe de

Caroline realmente tivesse feito isso para ajudar nos estudos da filha.

— Eles não eram casados no civil e ela não precisou da assinatura

dele para conseguir o empréstimo — o “detetive” reafirma o que Caroline

me disse.

Ela tem lábia, consegue convencer até mesmo quem não presta.

Deve ter convencido o novo marido a registrar o imóvel em seu nome.

— Qual foi o valor do empréstimo? — questiono.


— Em torno de meio milhão de reais. A casa é bem localizada e tem

um terreno grande, você viu.

— Sim, imóveis são caros, até mesmo em cidades pequenas —

concordo.

Mas, meio milhão de reais para custear uma pequena parte dos

estudos de arquitetura, já que tinha a herança e Dimitri pagando metade.

Não faz sentido.

Quando voltar dos Estados Unidos, vou pessoalmente descobrir o

que essa mulher esconde, porque fez a filha trabalhar duro por anos e não

ter dinheiro sobrando nem para comprar um hidratante.

Caroline caiu na conversa da mãe porque ama a família mais que

tudo, mas é claro que tem alguma coisa muito podre nessa história. A
mulher tomou o cuidado de não deixar a filha contar ao irmão sobre a

hipoteca.

O que ela esconde deve ser grave.

— Precisa de mais algum serviço? — o “detetive” pergunta.

— Sim, preciso que descubra se meu irmão tem alguma relação com

um homem chamado Leif Owens, de Newport, no País de Gales.

— É um trabalho mais complicado, seu irmão não é qualquer um.

Anda com motorista...

— Ele vive bêbado em boates, não é difícil segui-lo. Depois que

estiver chapado, uma prostituta consegue pegar o celular dele.

— Nos falamos quando eu conseguir as informações.


Caroline

Quarta, 3 de março de 2032

26° DIA

Quando finalmente resolvi usar o cartão que Oliver me deu, porque

não dava para ir à casa dos pais dele usando as roupas das quais Stefan

caçoou, perguntei a Giulia se ela poderia ir comigo ao shopping.


Imaginei que ela fosse convidar as gurias, que as quatro iriam me

encurralar em alguma loja e me obrigariam a contar tudo que rolou entre

Oliver e eu nos últimos dias, mas fomos só duas no seu Fiat 500. Nem

mesmo Diana ela convidou para ir junto.

— Stefan passa a maioria das tardes escrevendo, trancado no quarto,

mas não me deixa ler e nem mostra a Dimitri — ela comenta, enquanto

estaciona o carro pequenino em uma vaga.

— Sim. Ele também nunca me deixou ler — digo a minha cunhada.

— Carol, eu entendo você não ter ido ao velório do seu padrasto, por

causa do trabalho, mas Stefan... — Giulia faz uma pausa.

Meu coração começa a martelar e luto para manter uma expressão

neutra. Não posso vacilar nem por um instante.


— Por que Stefan não foi? — Giulia questiona.

— Você perguntou a ele? — Por sorte, minha voz soa normal, calma.

— Ele disse que não gosta de funerais — ela responde.

— Também detesto. Desde que meu pai... — paro de falar. Não

quero citar o dia em que seu marido foi detido. Imagino o quão doloroso

deve ser.

— Mês que vem faz vinte anos que aquilo aconteceu — Giulia

murmura, contrariando minhas expectativas. — Que Dimitri...

— Foi uma noite horrível. Natan me tirou de lá, mas eu vi meu

irmão ensanguentado.
Olha para Giulia, sentada no banco do motorista. Ela abre a boca

para dizer algo, mas a fecha novamente. Fico tentada a perguntar o que é, só

que fico com medo.

Ficamos em silêncio por um momento, e aguardo meu coração se

acalmar, no entanto, sua próxima pergunta o faz acelerar novamente.

— Seu padrasto era bom pra vocês?

Me sinto como antigamente, quando ia encontrar Dimitri e precisava

jurar de pé junto que Flaviano era amoroso, mesmo se eu tivesse apanhado

um dia antes.

— Ele era muito bom pra nós. Um pai de verdade. — Dou um

sorriso triste, para demonstrar que vou sentir falta dele. — Foi uma pena o

que aconteceu. Ele não merecia morrer daquela forma.


Os cantos dos lábios de Giulia se curvam levemente para cima.

— Ele não batia em vocês, como seu pai? — ela ainda insiste.

— Não! Flaviano nunca levantou a mão pra gente. — Meu coração

bate tão forte que tenho medo de que Giulia escute, mas meu rosto

permanece calmo. — Ele dava bronca, às vezes, mas bater, jamais.

Entendo por que ela não trouxe as gurias, porque Giulia queria

conversar a sós comigo, longe de Dimitri.

— Por que Stefan não o chama de pai? — Giulia faz mais uma

pergunta. — Ele era a única figura paterna que Stefan conhecia, mas nunca

o ouvi chamá-lo de pai.

Stef o odiava com todas as forças, mas não posso contar isso a

Giulia. Mesmo que agora ele esteja morto, não posso admitir que mentimos
todo esse tempo.

— Stefan tem o gênio difícil — digo e dou de ombros, como se isso

pudesse justificar tudo.

Giulia assente.

— Tenho outra pergunta para fazer, você não precisa responder se

não quiser — ela continua.

Não posso nem respirar fundo, para ela não perceber que estou

nervosa.

— Pode perguntar o que quiser, cunhada — digo, com um sorriso

largo que esconde as emoções.


— Eu já fui muito rica, quando morava em Bento Gonçalves. Acho

que você deve lembrar.

— Sim, você e Dimitri namoravam.

— Exatamente, eu fui muito rica, mas depois minha vida deu uma

reviravolta e conheci a pobreza.

— Dimitri me contou, eu sinto muito por tudo que você e Diana

passaram — sussurro.

— Conheci os dois lados. — Giulia ergue a mão e toca minha

bochecha com as costas do dedo indicador, como se eu fosse uma garotinha.

— Sei que existe vários tipos de condições financeiras, mas... toda vez que

olho pra você, Carol, parece que está naquela mesma condição que eu
estava, antes de Dimitri nos encontrar. Sobrevivendo. Eu vejo isso até nas

suas roupas.

— Eu economizo — digo depressa, antes que o nó na garganta me

impeça de falar. — Não gasto muito com roupas. É tanto que Oliver me deu

o cartão dele.

— Economiza pra quê?

— Para o futuro. — Abro outro sorriso, mas tudo que eu quero é um

abraço.

— É só isso mesmo? — Giulia tenta mais uma vez.

— Claro, eu ganho bem, mas sou um pouquinho mão de vaca. É só

isso.
— Promete que vai pedir minha ajuda de precisar?

— Estou pedindo agora. Você sabe se vestir bem e pode me ajudar a

escolher o que devo vestir nessa viagem — digo, sem prometer nada.

Odeio ter que mentir para minha cunhada.

Quinta, 4 de março de 2032

27° DIA

Estou otimista. Se Oliver vai me levar para a casa dos seus pais,

deve significar que vou ser promovida a COO. Não há outra explicação. Os

Henderson são pessoas sérias e discretas, imagino que ele não levaria uma

mulher com quem fode para visitá-los.


Acho que ele está fazendo suspense para anunciar meu novo cargo,

quer me fazer uma surpresa.

Estou tão empolgada, e nervosa ao mesmo tempo, que bato o pé no

piso de mármore da sala de estar de Dimitri, esperando ao lado da mala.

O motorista chega para me buscar e quase dou pulinhos de alegria.

Já posso me imaginar alugando um apartamento e deixar de incomodar meu

irmão, pagando uma faculdade para Stefan e trazer Giovanni para morar

comigo.

Me acomodo no bando de trás, ao lado de Oliver, e procuro disfarçar

que estou feliz como uma criança.

— Gostou do meu vestido? — pergunto, passando as mãos no

vestido bege. — Mas vou me trocar quando pousarmos na Califórnia, quero


estar bonita.

— Você sempre está linda, Caroline — ele diz.

— As crianças não vão?

— Não.

É uma viagem de negócios. Cada vez me convenço mais da

promoção.

O motorista estaciona no heliporto do condomínio e Oliver me

conta, como se não fosse nada demais, que vamos para o aeroporto no

helicóptero que ele ganhou de presente do pai.

Me contenho, enquanto sobrevoamos a cidade de São Paulo. Quando

chegamos ao aeroporto, a aeronave dos Henderson já está nos esperando.


— Essa é a terceira vez que uso esse jatinho — Oliver conta.

— Porque você não veio nele com as crianças, dos Estados Unidos?

— questiono.

— Phillip estava usando — ele diz.

Esqueci o iPad no escritório, então passo a viagem em contato com

Vivian pelo celular, e checando meus e-mails. Em partes, para reforçar a

Oliver que ele não vai se arrepender se me promover, mas também para

aplacar a ansiedade.

Ainda assim, por mais que eu tente, quando chegamos a propriedade

dos Henderson, meu coração está ameaçando sair pela boca.

— Você está tremendo — Oliver diz, quando oferece a mão me

ajudando a descer do carro. — Não precisa ficar tão nervosa.


— Estou calma — minto, mas fico agradecida por ele manter o

braço em torno da minha cintura, enquanto subimos os degraus de acesso à

entrada da maior e mais luxuosa mansão que já vi.

Fico aliviada por não ter escolhido um par de sapatos tão altos. De

repente, acho que não saberia me equilibrar neles.

Ainda bem que não fui orgulhosa e aceitei comprar roupas de grife

com o cartão de Oliver. Se aparecesse aqui com minhas roupas, acho que

seria expulsa.

Estou usando um vestido preto midi, com o cabelo hidratado, as

unhas feitas e uma maquiagem discreta.

Dois funcionários carregam nossa bagagem e outro abre a porta de

entrada da casa.
A mão de Oliver ainda está na minha lombar, me dando um pouco de

conforto. Respiro pela boca quando vejo senhor Donovan Henderson e sua

esposa, que se aproxima de braços abertos para cumprimentar o filho.

Lorraine Henderson beija Oliver no rosto, enquanto o pai me encara.

— Boa noite, senhor Henderson — consigo cumprimentá-lo.

Não sei se ele lembra de mim do trabalho, acho que um homem

como ele não conhece todos os funcionários.

— Você trouxe companhia, pensei que viesse sozinho — a mãe de

Oliver diz.

Para completar, Phillip Henderson aparece no hall, com um sorriso

pretencioso que me deixa com ânsia.


— Vocês lembram de Caroline Romano? — Oliver pergunta e

estranho não me chamar de senhorita Romano, sem imaginar as palavras

que sairiam da sua boca a seguir. — Caroline e eu estamos namorando.

Engulo a saliva, sem entender.

Não sei quem faz mais cara de surpresa, Phillip ou a mãe, mas o

senhor Henderson mantém o rosto sério. Estou tão perdida quanto eles.

— Por que não avisou que traria sua namorada? — senhora

Henderson questiona.

— Eu quis fazer surpresa — Oliver diz. — A propósito, preciso

agradecer a você, Phillip, por ter escolhido a mulher perfeita para me

acompanhar ao Brasil.

Os dois se encaram, Phillip não parece gostar nada dessa revelação.


Não consigo imaginar o que Oliver está aprontando, muito menos

por que me meteu nessa.

Durante o jantar me sento ao seu lado, me limito a sorrir e a sacudir

a cabeça nas raras vezes em que me incluem na conversa.

Não vejo a hora de estarmos a sós e perguntar por que diabos ele

mentiu para os pais, por que inventou essa história de namoro.

— É por isso que não quis ouvir quando falei sobre as moças

solteiras das famílias mais ricas de São Paulo? — senhor Donovan

questiona quando a sobremesa é servida.

Sinto um desconforto no estômago por imaginar Oliver conhecendo

herdeiras bilionárias.

— Pai — Oliver pede.


— Como se alguma delas fosse querer... — Phillip começa a dizer,

mas senhor Henderson ergue a mão e o filho mais velho se cala.

Estou desconfortável. Me sinto um peixe fora d`água e, na primeira

oportunidade, pergunto se posso me retirar para descansar da viagem.

Uma funcionária me leva até a suíte onde estão nossas malas.

Tomo um banho, na tentativa de aliviar a tensão, mas não adianta

muito.

Vim para cá pensando que me anunciaria como COO da sucursal, e

Oliver me apresenta como namorada.

Visto um pijama novo de seda, composto por calça e blusa, e fico

andando de um lado para o outro da suíte, esperando-o chegar.


Os minutos passam e a ansiedade só aumenta. Ensaio várias

maneiras de perguntar por que armou esse circo e me escolheu como a

palhaça principal, mas assim que Oliver entra, as frases somem da minha

cabeça.

Ele caminha até a cama e se deita de costas, colocando as mãos por

baixo da cabeça.

— Vou ficar aqui até ter certeza de que meus pais já se recolheram,

depois vou dormir no quarto ao lado — diz, sem me explicar nada do que

está acontecendo.

Odeio a forma como meu coração se aperta.

— Por que disse a eles que estamos namorando? — consigo

murmurar a pergunta.
— Queria ver a cara de Phillip.

— Só por isso? — pergunto, chocada. — Me trouxe à casa dos seus

pais só para ver a cara do seu irmão quando dissesse que está namorando a

arquiteta?

— Você não entende, Caroline — diz, mas não me encara.

— Entendo sim. Você quis provocar seu irmão e seus pais.

— Só Phillip, por que ele...

— Não precisa se explicar — digo, me afastando da cama.

— Aonde você vai? — Oliver questiona quando abro a porta.

— Vou dar uma volta, preciso respirar ar fresco.


Deixo o quarto, decepcionada, não só com Oliver. Vim até aqui na

certeza de que ganharia a promoção pela qual tanto batalhei, mas deu tudo

errado. Faltam três dias para o meu prazo acabar

Acho que nem para o meu cargo na matriz posso voltar, já que

relacionamentos são proibidos entre os funcionários da Henderson & Co.

Encontro as escadas que imagino levarem ao terceiro piso, onde

espero ter um terraço. Subo um degrau de cada vez, sentindo o peso de

todos os anos de esforço nos meus ombros.

— Esse é o preço por transar com o chefe — murmuro e um nó trava

minha garganta.

Chego aos últimos degraus e percebo que no terceiro piso não existe

um terraço, mas sim outro andar coberto. Começo a descer quando vejo
senhor e senhora Henderson sentados em um sofá, enquanto Phillip anda de

um lado para o outro.

Agacho, antes que me vejam, e procuro pisar o mais silenciosamente

possível no próximo degrau, mas fico imóvel quando percebo que estão

falando sobre Oliver.

— Tinha aquela herdeira dos Matarazzo — senhor Henderson diz.

— Eu poderia ter ido ao Brasil na primeira semana e oferecido um jantar

para os dois se conhecerem.

— Como se ela fosse querer aquela aberração — Phillip diz.

Fico sem entender por que ele disse isso.

— Não chame seu irmão de aberração — senhora Henderson pede

com paciência.
Eu quero ir embora, sei que é errado ouvir a conversa dos outros,

mas sou curiosa demais.

— A arquiteta o quis — senhor Henderson fala e meu coração

acelera. — E eu conheço Olly o suficiente para saber que ele está

apaixonado por ela.

Meus batimentos se elevam tanto que temo ser pega. Me encolho e

levo uma mão ao peito e outra à boca, esperando abafar as marteladas do

coração e a minha respiração acelerada. Não posso parar de ouvir agora,

não depois do pai admitir que seu filho está apaixonado por mim!

— É claro que ele se apaixonou — Phillip diz. — Fui eu quem a

escolhi, porque ela era a funcionária mais gostosa, e também era

competente. Eu sabia que Oliver ia perder a cabeça tendo que ficar um mês
com ela. Mas eu não imaginei que ela fosse ficar com ele, não quando

descobrisse que ele é todo deformado.

Engulo em seco. Minha mente trabalha depressa. Como assim,

Oliver é todo deformado? Não, eu teria percebido.

— Oliver é um homem bom, qualquer mulher pode se apaixonar por

ele, mesmo com aquelas cicatrizes — senhora Henderson sai em defesa do

filho adotivo.

— A única coisa que uma mulher como Caroline Romano pode

querer daquela aberração é o dinheiro, e eu sei que ela precisa — Phillip

tem a ousadia de dizer.

Minhas mãos começam a tremer, como Oliver pode ter cicatrizes e

eu nunca ter visto?


— Se você chamar Olly de aberração mais uma vez, eu juro que —

senhor Henderson eleva o tom de voz e ouço o som de vidro quebrando,

mas não me atrevo a levantar para olhar o que ele derrubou. — Juro que te

deserdo, seu mimado de merda.

Porra! Aperto a mão na boca com força quando senhora Henderson

grita, pedindo para os dois pararem.

— Ela só quer o dinheiro da nossa família, pai — Phillip diz com o

tom de voz mais baixo. — Que outro motivo teria para dormir com um

homem...

— Você disse alguma coisa ao seu irmão, depois do incêndio? —

senhor Henderson questiona, imponente. — Disse algo que justifique ele ter

se isolado nesses últimos anos?


— Só a verdade — Phillip murmura. — Que ele nunca mais poderia

tocar em uma mulher bonita, que elas teriam nojo dele.

Outro objeto de vidro cai no chão, senhora Henderson implora para

que eles parem. Desço as escadas com cuidado, com medo de ser

descoberta. Volto ao quarto, mas Oliver não está mais lá, nem sua mala.

Me sento no chão, em frente a porta fechada, e observo minhas mãos

tremerem. Conto nos dedos quantas vezes transei com ele, três noites no

navio e uma na sua casa.

Ou estava escuro demais para que eu pudesse vê-lo, ou estava

vendada. Minhas mãos presas para não poder tocá-lo.

Penso em como parecia furioso, como parecia estar sofrendo, e disse

que era impressão minha.


Lembro da primeira vez quando apoiei as mãos nas suas coxas, eu

estava vendada e ele ordenou para não o tocar, quando acordei no dia

seguinte, ele já estava vestido. Sempre usando roupas sociais, até mesmo

nos dias quentes.

Não curto piscina.

Na última vez, quando me assistiu tomar banho, vi seus olhos se

encherem de lágrimas. Era porque ele queria entrar no chuveiro comigo e

tinha medo que eu o visse, que não o aceitasse?

Ele deu ouvidos as merdas que o irmão falou e imaginou que não

pudesse mais ter uma vida normal, um relacionamento?

Me levanto e saio do quarto. Vou para a porta ao lado e giro a

maçaneta. Está trancada e bato com os nós dos dedos contra a madeira até
ser atendida.

— Quem é? — a voz de Oliver soa abafada, dentro do quarto

fechado.

— Caroline. Abre a porta — peço. — Por favor.

— Espere um minuto.

O imagino se vestindo, enquanto aguardo. Ainda posso ouvir as

vozes no terceiro piso, só estão mais calmas agora.


Caroline

A porta se abre e vejo o quarto iluminado pelas luminárias sobre as

mesinhas de cabeceira. O encaro e sinto meu peito ser preenchido por uma

mistura de sentimentos. É diferente de tudo que já senti, tem poder.

Não espero ser convidada, passo por Oliver e fecho a porta, a

trancando de chave em seguida.


Ele está usando calça social bege e camisa branca de mangas longas,

com os botões fechados até o colarinho.

Fico na ponta dos pés e toco seus ombros.

— Vim passar a noite com você — sussurro contra seus lábios

carnudos, enquanto o fogo lambe minhas pernas, subindo pelos joelhos,

indo em direção as coxas.

Ele me vira de costas, envolve minha cintura com seus braços e me

empurra na direção da cama. Assim que caio sobre os lençóis, Oliver apaga

todas as luzes e vem para cima de mim.

Suas mãos encontram a bainha da blusa do meu pijama e a puxam

para cima. Ele abocanha um seio e o suga lentamente. Aperto minhas coxas
e me entrego por um momento, antes de recobrar a consciência do que vim

fazer aqui.

Não quero dizer que ouvi sua família conversando, não quero repetir

as coisas que seu irmão disse, mas ainda não sei como fazer para ele me

contar.

Consigo escapar das suas mãos, desço da cama e tateio na mesinha,

até acender a luminária.

Oliver senta na beirada da cama e vou até ele, seguro seu rosto e o

beijo. Deixo minhas mãos escorregarem pela sua barba, mas quando toco

seu pescoço, ele agarra meus pulsos depressa, com a raiva e o desejo se

revelando no olhar. Leva meus braços as costas e os segura com firmeza.


— Me solta — peço com um sussurro. — Você não vai me amarrar

hoje, Oliver.

— Ah, eu vou, sim — ele diz. — Amarrar e vendar. E você vai ter

que obedecer a todas as minhas ordens.

— Não, amor — continuo sussurrando —, hoje você não vai me

amarrar, muito menos me vendar.

Ele me encara com olhar confuso, mas solta meus pulsos. Levo as

mãos até a gola da camisa, mas sou detida antes que consiga tocar um

botão.

— Para, Caroline — diz com o tom de voz duro, segurando meus

pulsos diante do meu peito.


— Eu quero tocar você, quero ver você, quero beijar sua pele —

digo baixinho, com calma.

Oliver respira pesado, ainda segurando minhas mãos. É nesse

momento que a dor aparece. Fica visível que isso é tudo que quer, ser

tocado, ser beijado, mas as coisas que o infeliz do seu irmão colocou em

sua cabeça, o fizeram criar um escudo de defesa.

— Por que isso agora? — pergunta com o tom de voz rouco.

— Você é o homem mais bonito e gostoso que eu já vi, e eu quero ir

à diante.

— Já fomos à diante, Caroline — Oliver murmura e solta meus

pulsos. — Lembra o que fizemos da última vez?


Mordo o lábio, recordando os orgasmos múltiplos, mas procuro me

concentrar no que é importante.

— Não é isso... eu sei por que você quer me amarrar e me vendar,

porque você nunca tira a roupa na minha frente — admito, tomando

cuidado com as palavras.

Ergo as mãos e toco seus ombros, indo em direção ao seu colarinho.

Oliver não me impede dessa vez.

— Você sofreu queimaduras quando tentou salvar sua esposa —

sussurro e abro um botão da sua camisa. — Me deixa tocar você?

— Por favor, Caroline — ele implora. — Eu não quero perder o que

temos, mesmo sabendo que já perdi.


— O que te levou a pensar que eu poderia não te querer por causa

disso? — o questiono, abrindo outro botão.

Oliver respira fundo. Vejo uma cicatriz logo abaixo do seu pomo de

adão. Minhas mãos tremem, mas as obrigo a continuarem trabalhando.

— Por que uma mulher linda como você iria querer uma colcha de

retalhos como eu? — ele pergunta. — Se tivesse me visto antes, se soubesse

como eu era, jamais teria me deixado tocá-la.

— É mentira, eu não importo — digo baixinho, querendo acrescentar

mais alguma coisa, dizer o quanto gosto dele, mas ainda não sei se posso

declarar isso, dizer a palavra.

Abro mais um botão, me inclino na sua direção, afasto um pouco o

tecido da camisa e beijo sua clavícula marcada. Seu corpo estremece e a


respiração acelera.

— Você não precisa fazer isso, Caroline — ele murmura.

— Eu quero você — digo em resposta.

Puxo a camisa de dentro do cós da calça e termino de desabotoá-la.

Oliver fecha os olhos quando empurro o tecido pelos seus ombros. Seu

peito é musculoso, firme e os gomos do seu abdômen são destacados. A

maior das cicatrizes passa pelo seu peito direito, ombro e se estende em

direção às costas. Há outras espalhadas pelo peito esquerdo, nas costelas,

em ambos os braços, e descendo pela barriga, sumindo por dentro da calça.

Escorrego minha boca na pele quente do seu peito e deslizo os dedos

nas partes em relevo, o fazendo estremecer, o deixando arrepiado.

— Não precisa, Caroline — Oliver continua insistindo.


— Shiii — sussurro e o puxo para ficar de pé.

Ele vem, rendido, como se não suportasse mais. O afasto da cama e

tiro a camisa dos seus pulsos, enquanto observo seu rosto. Oliver

permanece de olhos fechados, seus lábios estão cerrados e a mandíbula

travada, a testa franzida.

Abro o botão e o zíper da sua calça social, encosto meu corpo contra

o dele e enfio a mão dentro da sua cueca. Meu clitóris palpita no ritmo do

meu coração quando o encontro pulsando.

— Ah, Oliver — sussurro e beijo seu peito, apertando seu pau

grosso, movimentando a mão em volta.

Ele faz uma careta e geme meu nome, respirando fundo, tomado pela

mistura de dor e tesão que eu vi o dominarem desde a primeira vez.


Coloco a outra mão dentro da cueca e toco seus testículos pesados.

Sua garganta produz um grunhido. Lambo seu peito musculoso, seu

mamilo, esfrego meu pé por trás do seu joelho e ele geme, enquanto

massageio pau e testículos, me excitando cada vez mais.

Tiro as mãos da sua cueca branca e a abaixo, junto com a calça,

relevando o pau com as veias saltando, a glande avermelhada, as coxas

firmes, a cicatriz que vem desde a barriga ao quadril. Desço as roupas até

seus tornozelos e me detenho por um instante, me perguntando como ele

coube todo dentro de mim.

Abro a boca em “o”, entendendo por que eu não conseguia chupar

por completo e não encontrava o final.

— Caralho — murmuro.
Quero me agachar e lambê-lo todo, mas me contenho. Dou a volta e

toco a pele marcada das suas costas.

— Pelo menos sua bunda escapou — digo sem pensar e mordo o

lábio.

Consigo arrancar uma risada de Oliver.

— Os médicos precisaram tirar pele das partes saudáveis do meu

corpo para enxertar nas áreas mais atingidas, mas resolveram poupar minha

bunda — ele diz, mais relaxado, me deixando aliviada.

A agarro com as duas mãos, provando a firmeza e mordo seu ombro.

— Caroline — ele murmura.


— Você é gostoso pra caralho, Oliver — digo, o fazendo rir outra

vez.

Me afasto alguns centímetros e vejo que também há uma cicatriz na

panturrilha.

— Foram quantas cirurgias?

— Nove. Cinco meses e meio no hospital, pra ficar desse jeito — ele

lamenta.

— Você sobreviveu — o lembro.

Oliver volta a ficar em silêncio. Não quero ficar imaginando como

ele era sem as cicatrizes, nem fantasiando, porque essas são as marcas da

sua história, de como é um herói e faz tudo para proteger quem ama.
— Não sei o que fiz para merecer isso — diz baixinho.

O abraço por trás e beijo suas costas, escorrego as pontas dos dedos

pelo seu peito e sinto as batidas fortes do seu coração. Não sei o que dizer

nesse momento, então continuo o acariciando, descendo as mãos até

encontrar sua pélvis. Quando toco seu pau novamente, Oliver me detém.

— Não precisa mais fazer isso, Caroline — diz ao se virar. — Eu sei

que só está aqui por pena. Não tem que mentir, pode ir embora.

Penso em protestar, em xingá-lo, mas me lembro das coisas que seu

irmão disse.

Tiro a calça do pijama de seda e a calcinha.

— O que está fazendo? — Oliver quer saber.


Pego sua mão e a trago para mim.

— Me toque e diga se o que tem na minha boceta é pena.

Ele arfa quando seus dedos escorregam pelos meus grandes lábios.

— Você tá molhada — diz, como se não acreditasse que ainda posso

desejá-lo.

— Não dá pra mentir dessa forma, dá? — questiono e o induzo a

penetrar um dedo em mim.

— Não — Oliver admite com o tom de voz grave.

Eu o solto, dou alguns passos para trás tirando a blusa do pijama,

sento na beirada da cama e, lentamente, abro minhas pernas.


Oliver assiste, enquanto eu lambo meu dedo indicador e o levo até o

meu clitóris.

— Hummm — gemo, inclinando a cabeça, me tocando. — Me fode

gostoso, amor.

Ele quase se desequilibra para terminar de tirar a calça e a cueca dos

tornozelos. Seguro seu peito quando me alcança. Oliver é grande e, mesmo

de joelhos, seu quadril alcança a altura do colchão. Ele arqueja quando

agarra minha bunda me puxando para mais perto.

— Sem camisinha? — pergunta, esfregando a glande avermelhada

contra meu sexo, rodeando meu clitóris.

Sinto-o pulsando e contraio meu interior, ansiando por tê-lo dentro

de mim.
— Sem, quero sentir você gozar lá dentro — digo e ele bate o pau

duro contra mim.

Mordo o lábio e gemo.

— Bate mais — peço e seguro minhas coxas por trás.

— Tem certeza? — Oliver me encara com um olhar safado.

É a primeira vez que estamos assim, os dois sem roupa, olhando nos

olhos, nos desejando.

— Tenho — respondo.

Ele afasta o quadril, toca meus joelhos e me faz abrir mais as pernas.

Depois, segura minha garganta e me inclina para trás, então, com a mão

livre, dá uma palmada violenta contra meu sexo.


A respiração fica presa na minha garganta e tento fechar as pernas e

Oliver aperta ainda mais minha garganta. Olho para baixo e vejo a marca da

sua mão na minha virilha.

— Você pediu, amor — diz e dá um sorriso de canto. — Achou que

eu seria bonzinho?

— Achei — sussurro, tentando puxar o ar para os pulmões, com o

peito subindo e descendo.

— Mas você não quer que eu seja bonzinho, ou quer?

Seus dedos afrouxam e eu consigo respirar melhor.

— Não — respondo, antes que ele aperte meu pescoço outra vez.

— Assim? — pergunta e dá outra palmada.


Arqueio as costas, sem conseguir medir o que é mais intenso, a dor

ou o prazer.

— Bate mais — peço.

Oliver inclina o rosto na direção das minhas coxas e cospe na minha

boceta. Sua saliva escorre e espero que ele chupe, me abro toda ansiando

por sua língua, mas ele fica imóvel, me olhando como se fosse um predador

assistindo sua presa encurralada.

— Por favor — sussurro e ele dá outro sorriso de canto.

Apoio os pés na beirada da cama e arqueio o quadril na direção da

sua boca.

— Chupa gostoso — peço, mas Oliver balança a cabeça em negação.


Minha bunda cai sobre os lençóis e tento apertar as coxas em busca

de alívio, mas sou impedida. Ainda segurando meu pescoço, ele afasta um

dos meus joelhos e me fareja, sem tocar, deixando apenas a respiração

quente vir de encontro a minha pele.

— Oliver, por favor. — É inútil.

Ele segue pelo meu ventre, passa pelas minhas costelas e atiça um

dos meus mamilos com a ponta da língua, mas só para piorar meu estado.

Quando ficamos cara a cara, solta meu joelho e dá outra palmada, em

seguida esfrega os quatro dedos no meu clitóris.

Sinto seu quadril se aproximar do meu, sua glande encontrar minha

entrada e toco sua pele, deslizando os dedos nas suas costas.


Oliver arfa com o meu toque, começa a me penetrar devagar e puxo

seu corpo para mais perto do meu. Ele me encara o tempo todo, deixando

transparecer o desejo e a agonia, o medo de ser rejeitado.

— Você é gostoso pra caralho — eu repito o elogio contra seus

lábios.

Seu pau pulsa em mim e gemo, enlaçando seu quadril com minhas

pernas, passando as mãos da sua nuca até a bunda, tentando trazê-lo o

máximo que posso para perto de mim.

Oliver também geme e me contraio, sentindo o orgasmo se

aproximar, mas tento controlar, adiar esse momento, porque estou derretida

por vê-lo rendido.


O beijo intensamente, mordo seu lábio e amo quando ele segura

minha bunda e dá a primeira estocada. Libero um gemido prolongado

contra sua boca e o abraço o mais forte que posso quando o clímax vem.

A sensação se prolonga com as investidas do seu quadril. Sua glande

provoca o ponto mais prazeroso do meu corpo e me perco nisso, na sua

força, no seu calor.

Quando Oliver segura meu corpo e me faz ficar por cima, o cavalgo

até o último orgasmo, aquele que me derruba, rouba minhas forças.

Ele me segura nos seus braços e goza junto, gemendo meu nome

contra meus lábios.


Oliver

— Você merece coisa melhor — sussurro, afastando o cabelo do

suor das suas costas, certo de que, Caroline vai cair em si a qualquer

momento e sairá correndo daqui.

Valeu cada segundo, mas é melhor me preparar.

— Não fala besteira, Oliver — ela diz, agarrada ao travesseiro, de

costas para mim.


Acaricio sua lombar com as pontas dos dedos e observo a pele

queimada do sol ficar arrepiada.

— Você é perfeita — elogio.

— Você também é — ela diz, virando-se para mim, com o corpo nu,

os mamilos durinhos, a pele brilhando de suor.

Rio da sua piada e passo a ponta dos dedos entre os seus seios.

— É perfeito sim — Caroline insiste. — É perfeito pra mim.

A encaro esperando o momento em que vai rir e dizer que não ficará

com alguém como eu, mas o que vejo em minha frente me desestabiliza.

Seus olhos de sereia brilham como se dissesse a verdade.


— Você é um herói, e todo herói de verdade carrega cicatrizes,

algumas internas, outras externas — Caroline diz e ergue a mão para tocar

meu peito.

Observo seu rosto, investigando se ela vai deixar transparecer que

sente nojo de mim, mas não consigo ver isso. É como se ela realmente

gostasse de mim. E eu amo o toque da sua mão na minha pele sensível, é a

melhor coisa que já provei. Gostaria de poder dizer isso a ela.

— Como soube das queimaduras? — pergunto e deslizo os dedos até

seu rosto, tocando as maçãs, as sobrancelhas e os lábios carnudos.

— Ouvi sua família conversando quando fui tomar ar — diz e faz

um bico. — Eu devia ter imaginado, mas pensei que era só fetiche.

Oliver...?
— Pergunte o que quiser — digo, arrumando seu cabelo atrás das

orelhas.

— Acho que seu pai pensa que estou interessada no seu dinheiro —

murmura e franze as sobrancelhas. — Você pensa isso de mim?

— Não, é claro que não — garanto.

— Eu não vou negar que preciso de dinheiro, você sabe disso, mas

eu queria conquistar com meu trabalho, como sempre fiz, não da forma que

sua família deve estar pensando — Caroline continua. — Desde que fui

para o Brasil com você, tinha esperanças de que gostasse do meu trabalho,

que me quisesse como seu braço direito e me promovesse à diretora de

operações. Quando me convidou para vir aqui, imaginei que iria anunciar

isso, mas o que sinto por você não tem nada a ver com dinheiro.
— Eu gosto do seu trabalho, quero você no Brasil comigo, o cargo é

seu, Caroline — informo e ela relaxa o rosto, dando um suspiro. — Não

conseguira administrar a sucursal sem você.

Caroline sorri e meu coração acelera. Fecho os olhos quando ela toca

as marcas na minha costela esquerda, lentamente, como se não se

importasse.

— Posso perguntar outra coisa? — sussurra.

— Tudo, amor.

Desço a mão pelo seu pescoço e rodeio um dos seios, assistindo

como o bico fica mais rígido.

— Quando disse que não poderíamos ter nada além de foder, era por

causa delas? — ela questiona.


— Como teríamos alguma coisa se você não podia me ver sem

roupa, se não podíamos tomar banho juntos, dormir juntos? — lamento.

— Porque o imbecil do seu irmão te fez pensar assim. Ele

ultrapassou todos os limites! — Caroline eleva o tom de voz, mas respira

fundo e se acalma. — Eu pensei que fosse pela nossa diferença de classe.

Você não sabe como me machucou quando disse aquilo.

— Ah, meu amor — sussurro, deitando ao seu lado e a abraçando.

— Eu vim de baixo, como você poderia pensar algo assim.

— Não achei outro motivo para você demonstrar tanto interesse, mas

não querer nada além de me comer — reclama e se vira de bruços.

Afasto as mechas de cabelo das suas costas e deito sobre ela,

apoiando a mão no colchão para sustentar meu peso, então aproximo a boca
da sua orelha.

— Eu não quero só foder você, mas amar você. — O coração bate

ainda mais forte, sei que posso me arrepender, mas resolvo ir em frente. —

Me apaixonei por você, Caroline. A quero na minha vida, na minha casa. Te

desejo de todas as formas que alguém pode desejar outra pessoa. Eu quero

que seja minha espos...

Paro de falar e aperto os lábios.

— Essa é uma péssima forma de pedir alguém em casamento —

brinco, torcendo para ela não me dar um fora.

Caroline vira lentamente e me encara. Seus olhos brilham e se

enchem de lágrimas.
— Eu nunca me apaixonei... — admite, respira fundo e uma lágrima

cai do seu olho, e a paro depressa. — Nunca me apaixonei antes de você,

nunca tive um homem que me tratasse tão bem. Tudo que mais desejo é ter

você todo pra mim.

— Sou seu, meu amor. E você é minha, já falei várias vezes — digo

e ela abre um sorriso. — Eu amo você, Caroline.

— Também amo você, Oliver — ela admite, me fazendo tão feliz

que dá medo, porque nunca me senti assim. — Sobre ser sua esposa...

Calo sua boca com meu dedo indicador.

— Não responda ainda. Eu sei que tenho dois filhos...

— Eu adoro seus filhos, você sabe — Caroline me interrompe e

imagino que ela diria sim. — E entendo que você é maduro, que quer voltar
a ter alguém ao seu lado, dividindo a criação dos gêmeos, sei o quanto eles

sonham em ter uma mãe. Entendo seu cuidado.

— Não dê a resposta ainda. Quero fazer um pedido de casamento

decente, pelo menos, estar ajoelhado e, principalmente, ter a aliança.

— Está disposto a encarar meu irmão? — Ela estreita os olhos.

— Qual deles?

— Stefan é tranquilo, me refiro a Dimitri. Você já viu como ele é

ciumento.

— Encaro mil Dimitris se for preciso.

Caroline ri e me empurra para deitar de costas, senta no colchão e

escorrega os dedos, atravessando meu peito.


— Tem certeza de que você quer mesmo ficar comigo, apesar de

tudo? — insisto em saber, porque é bom demais para ser verdade.

— Nunca tive estive tão certa antes.

Fecho os olhos, aproveitando seu carinho, fazendo uma prece em

pensamentos para isso não ser um sonho.

— Quando acordarmos amanhã, você ainda estará aqui? —

pergunto.

— Pode ter certeza que sim.

— Promete que não vai embora?

— Você é meu amor, Oliver. Por que eu iria embora? — Caroline

pergunta.
Ela toca as cicatrizes da minha barriga, então desce da cama de

repente.

— Aonde vai? — questiono ao vê-la enrolando um dos lençóis em

volta do corpo.

— Já volto.

A observo atravessar o quarto e sair. Volta menos de dois minutos

depois trazendo uma caneta.

— Deita de bruços — ela pede.

Me viro e coloco os braços por baixo da cabeça.

— O que está fazendo? — pergunto quando sinto a ponta da caneta

na pele.
— Calma — Caroline diz, sentada, inclinada sobre mim. Fica em

silêncio por um tempo, enquanto trabalha com a caneta. — Já ouviu a

música Cardigan, da Taylor Swift?

Franzo o cenho, sem entender sua pergunta.

— Não sei. Talvez tenha ouvido, não lembro.

— Humm — murmura, mas não para.

— Por quê?

— Estou desenhando estrelas ao redor das suas cicatrizes[vi], como

Taylor disse na música — Caroline sussurra e se debruça para beijar minha

nuca, sem ter ideia do que estou sentido.

Não digo nada, porque ia acabar chorando se tentasse.


Pensei que ela teria nojo das minhas cicatrizes, mas em vez disso,

está fazendo desenhos em volta delas. Como tive tanta sorte de encontrar

uma mulher assim?

Caroline

— Pode virar, acabei aqui — eu peço. — Fiz uma constelação nas

suas costas.

Oliver se vira e começo a rabiscar seu peito, mas não consigo ir

muito além, porque vejo seu pau ficando rígido, conforme passo as mãos

pelo seu corpo.

Não resisto e escorrego a boca até ele. O envolvo com a língua e

fazendo massagem com as duas mãos.


Ele me puxa para fora da cama e me leva até o batente da janela.

Apoio a bunda e o agarro quando me penetra pela segunda vez.

Não posso acreditar que ele é meu, nunca tive um momento feliz

assim.

Eu amo como me fode, como aperta meu pescoço, e quando

gozamos, lembro do dia em que ele me assistiu tomar banho.

Puxo Oliver para o banheiro e ele me pressiona contra o box, como

se sua fome não passasse. Gosto disso, porque meu desejo só aumenta.

Quando ele faz carinho no meu cabelo, deitados de volta na cama

com os corpos nus e exaustos, me sinto a mulher mais feliz do mundo. Não

imaginava que um dia fosse ser amada assim, que encontraria alguém que

cuidasse e me protegesse.
Mas, quando acordo, Oliver não está mais aqui.

O lado da cama em que dormiu está frio. Me enrolo na coberta e vou

até a janela. O sol aponta seu primeiro raio no horizonte.

Volto e procuro meu celular embaixo do travesseiro, para ligar e

perguntar onde ele está, mas lembro que deixei no outro quarto, junto com

minhas coisas. Encontro a calcinha e o pijama, me visto e saio.

Ando pelo corredor na ponta dos pés, não sei o porquê, mas estou

sentindo a ansiedade me corroendo por dentro. Não faz sentido. Vou ser

promovida e tem um homem incrível que deseja me ter como esposa, não

poderia ser mais feliz.

— Ele deve estar lá fora — murmuro para tentar acalmar o coração

que bate forte. — Oliver não diria que me ama para depois me deixar aqui.
Abro a bolsa e pego o celular. Corro os olhos pelas notificações,

quando estou para ligar para ele, mas uma delas me chama atenção.

É de um número com o código de área de Bento Gonçalves. Penso

em deixar para depois, imaginando se tratar de um cliente, mas acabo

abrindo a conversa.

Há um vídeo com cinco minutos de duração e logo abaixo dois

áudios. Foram enviados há oito horas.

Ligar para Oliver e saber onde está é muito mais importante, mas

minha ansiedade domina. Clico para carregar e aguardo.

A qualidade não é muito boa e o vídeo foi gravado à noite. Olho o

cenário em volta, o achando familiar, há uma mulher grávida em um dos

cantos.
A pessoa que filmou dá um zoom e reconheço o rosto da minha mãe.

Quero soltar o celular quando vejo a faca na sua mão, e me convencer de

que é só alguém muito parecido com ela, mas não tem como. Aquele

cenário é a cozinha da nossa antiga casa. O vídeo só pode ter sido gravado

por alguém que estava na janela que dava para o quintal.

Obrigo meus olhos a permanecerem abertos quando Emilio passa

pelo portal e ela o acerta em cheio no peito.

Começo a tremer tanto que mal consigo enxergar a tela. Emilio cai

no chão e quero tapar meus ouvidos com o estrondo do seu peso. Minha

mãe se agacha, monta sobre ele e enfia a faca mais fundo. Consigo ver os

pés de Emilio se debatendo, o sangue escorre.

Aperto as mãos com firmeza, tentando controlar o tremor. Dimitri

aparece e fica imóvel, diante do portal, por um instante. A testemunha dá o


zoom no rosto dele, em choque.

Era o dia do seu aniversário de dezessete anos.

O foco da câmera se afasta quando minha mãe começa a gritar.

Dimitri a tira de cima do nosso pai e se debruça sobre ele.

Meu irmão tenta tirar a faca, mas Emilio já não se debate mais. Está

morto.

Deixo o celular cair no tapete. O vídeo continua por mais alguns

segundos, até que para.

Caio de joelhos na frente do celular, sem conseguir respirar, meu

coração parece que vai explodir.


Eu não sei o que pensar. Dimitri não matou nosso pai, ele... Minha

mãe esteve mentindo esse tempo todo.

Deito no chão de costas e puxo o ar com força para os pulmões,

tentando entender o que aconteceu para ele ter levado a culpa, para ter sido

castigado daquela forma.

Então lembro dos áudios e procuro me recompor o suficiente para

sentar.

Não estou preparada, mesmo assim, pego o celular e pressiono para

ouvir o primeiro áudio.

— Você não foi a única a receber esse vídeo, Caroline — uma voz

masculina e madura diz. — Enviei uma cópia para a delegacia de Bento

Gonçalves e outra para a de Jaguarão, junto com o arquivo do processo do


assassinato de Emilio Romano. Tudo bem detalhado. Tá chegando o

aniversário da morte dele e eu tinha esse vídeo guardado, esperando uma

ocasião especial. Telma deu azar de me contar o que ia fazer naquela noite,

porque eu tinha uma câmera. Que azar, Telminha.

Eu quero deitar no chão outra vez, mas me obrigo a ouvir o outro

áudio.

— Sabe por que levei quase vinte anos para mostrar esse vídeo tão

precioso? — o homem continua falando. — Porque ela pagou pelo meu

silêncio, mas não pagou sozinha. Sabe aquela hipoteca?

Pauso o áudio quando ouço a palavra hipoteca. Fecho a mão em

punho e tento enfiar na minha boca para controlar a raiva. Não pode ser

verdade. Isso é só um sonho ruim. Minha mãe não poderia ter feito isso

comigo, muito menos com Dimitri.


Reúno forças para escutar o resto.

— Isso mesmo, Caroline. Você que esteve pagando as parcelas do

meu silêncio todos esses anos. E sua mãe sempre escapando de tudo. Você

deveria quitar a hipoteca toda pra que Telminha pudesse fazer um novo

empréstimo e continuar me calando. Mas, eu perdi a paciência de esperar.

Agora a polícia de uma das cidades já deve ter ido atrás dela. Fiz minha

parte para comemorar os vinte anos. Qualquer dia desses...

O áudio termina. Agarro o celular e o jogo contra a parede, tomada

por um ódio que faz meus membros tremerem. Me arrasto pelo tapete, pego

um par do sapato caro que está ao lado da mala e esmago o aparelho,

lembrando das surras que levei na infância, das coisas as quais fui exposta,

no quanto Dimitri sofreu. Bato no celular com a ponta do salto, pensando


em quantas vezes deixei de ter uma refeição decente para mandar dinheiro

para aquela desgraçada, imunda.

Recolho minhas coisas, decidida a ir imediatamente para o Brasil.

Não sei onde Oliver está, mas não quero que me impeça, não quero que me

faça esfriar a cabeça, acima de tudo, não quero que me veja nesse estado.

Não tenho muito dinheiro na conta, mas ainda estou com o cartão

que Oliver me deu. É o suficiente para chegar até ela.


Oliver

Algumas horas antes...

28° DIA

Desde que as crianças nasceram, passei a ter o sono leve, ainda mais

depois que Cinthia morreu. Mesmo ciente da presença da senhora Collins

em casa, qualquer ruído no cômodo me desperta. Até mesmo um celular

vibrando dentro da mala.


Viro de lado e encontro o corpo quente e nu de Caroline. Aspiro o

cheiro de frutas nos seus cabelos e a abraço, orando baixo para que isso não

seja um sonho, para que ela ainda esteja aqui quando o sol nascer.

Mesmo que isso tenha parecido impossível nos últimos anos, quero

ser amado e vou fazer o que puder para cuidar dela, para protegê-la.

Penso em ignorar o celular vibrando, mas percebo que não é meu

aparelho pessoal, e sim aquele com o DDI do Brasil, o que apenas o

“detetive” possui o número. O deixei ligado, dentro da mala, porque estou

aguardando qualquer notícia que ele possa me dar a respeito de Phillip.

Me movo com cuidado, a cobrindo com o edredom até os ombros, e

levanto da cama. Ando em silêncio até a mala.


Encontro o celular entre as roupas e caminho com cuidado até o

banheiro para retornar a chamada.

— Alguma novidade? — pergunto assim que o “detetive” atende.

Abro e fecho a mão, tentando controlar o nervosismo.

— Descobri a ligação do seu irmão com Leif Owens — ele

responde.

Meu estômago começa a embrulhar, porque, bem no fundo do meu

subconsciente, tem uma teoria se desenvolvendo desde que Lion Bianco me

contou sobre Leif Owens e a conta no País de Gales, mas não posso e não

vou dar ouvidos.

— Estou esperando — murmuro com a voz grave.


— O que eu descobri não deve ser contado por telefone — o

“detetive” diz com cuidado. — Posso embarcar no final de semana para o

Brasil. Nos encontramos...

— Estou na Califórnia. Mande a localização por mensagem. Te

encontro daqui a meia hora.

Desligo e vou para o quarto me vestir.

— Volto antes de você acordar, meu amor — sussurro para Caroline.

Pego um dos carros da garagem e sigo para o endereço que o

“detetive” enviou. O encontro no estacionamento de um motel, num bairro

afastado.

Desço do carro que vim dirigindo e entro no dele.


Ele abre a tampa de um notebook e a primeira coisa que vejo na tela

é o aplicativo de mensagens que provavelmente hackeou do celular de

Phillip.

— Comecei investigando pelo nome de Leif Owens e descobri que

ele morreu em 2026, mas descobri que um de seus funcionários, um homem

chamado Damon McGuire, usou o nome de Owens duas vezes, com

documentos falsos, três anos após sua morte. Uma para alugar um

apartamento em Newport e outra para abrir a conta no banco.

— Leif Owens trabalhava com o quê? — pergunto.

— Ele tinha uma companhia de reformas. Na época de sua morte, a

empresa tinha vinte funcionários.


— O castelo onde morei foi reformado em 2025. Qual era o nome da

empresa de Leif Owens? — questiono, lembrando que Cinthia e eu

decidimos fazer alguns reparos no castelo enquanto planejávamos ter nosso

primeiro filho.

— Makeover & Ink — ele diz e meu estômago revira. — A mesma

empresa que reformou seu castelo. Damon McGuire, o mesmo infeliz que

recebeu dinheiro desviado da companhia da sua família, trabalhou dentro do

seu lar, antes do incêndio.

Fecho as mãos em punho e procuro controlar os nervos para

conseguir ouvir o restante, ciente de que não será fácil.

— O incêndio foi causado por um curto-circuito. Investiguei todos

os funcionários do castelo, as últimas pessoas que estiveram com vocês, os

sócios dos pais da sua esposa, mas minha conclusão foi a mesma da polícia,
que tinha sido um acidente. A fiação era antiga, esse tipo de incêndio

acontece com frequência. Então, tive acesso as mensagens do celular do seu

irmão e descobri que McGuire não usava a conta de Owens sozinho, Phillip

também tinha acesso.

O “detetive” abre o aplicativo de mensagem e vai em um dos

contatos com quem Phillip conversou, em seguida, empurra o notebook

para o meu colo.

Subo a barra de rolagem com os dedos trêmulos, até chegar ao final

da conversa, que começou há três semanas.

Minha boca está amarga, a bile sobe pela minha garganta, minha

pele arde.
— Ele estava tão seguro de que nunca seria pego, que não fez

questão de apagar as últimas mensagens do celular — o “detetive” diz. ­—

Viu como foi fácil descobrir as ligações, o infeliz do seu irmão deixou o

contato salvo com as letras McG.

— Isso é o mesmo que entregar tudo de bandeja a você — comento

baixo, enquanto minha mente explode ao ler as mensagens.

Phillip: Pago assim que fizer o trabalho.

McG: Só trabalho com pagamento adiantado.

Phillip: Sempre paguei. E você não fez um trabalho bem-feito

daquela vez, era para ter acabado com quatro, mas só conseguiu um.

McG: Eles estão no Brasil agora e o serviço é muito mais caro. Não

tem como fazer se não tiver grana na conta.


Phillip: É justamente por isso que preciso que faça logo. Com

aquele bosta lá, não consigo fazer as transferências.

McG: Não tem uma libra na conta. Você era o único que podia sacar.

O combinado era colocar a grana aos poucos, até juntar o valor.

Phillip: Meu pai anda me vigiando e eu precisei limpar a conta pra

pagar minhas coisas.

McG: Não tenho nada a ver com seus problemas paternos. Coloque

o dinheiro na conta, libere o saque e em menos de um mês vai ser o único

herdeiro da família.

As mensagens não param por aí. A última na data de ontem, o

desgraçado ainda continua insistindo, mas paro de ler porque arrebento o


notebook contra o painel do carro, fazendo a tampa separar do resto do

aparelho.

— Se quiser que eu faça, já tenho a estratégia — o “detetive diz com

calma, enquanto eu quebro o vidro do carro com o cotovelo. — Não vou

cobrar nada pelos dois, é a minha reparação por não ter encontrado o

culpado do incêndio naquela época.

Não consigo responder, não sou capaz de prestar atenção nele.

Minha mente é dividida pela lembrança daquela noite e as formas de

quebrar cada osso do corpo daquele desgraçado.

Toda dor que passei depois, tanto no corpo quanto na alma, por ter

perdido minha esposa, por meus filhos terem perdido a mãe... Não dá para

acreditar que tudo isso foi encomendado por alguém que eu chamava de

irmão, mesmo sendo um que me odiasse.


Procuro pensar com clareza, mas saber que só não tentaram matar a

mim e aos gêmeos de novo porque o desgraçado não conseguiu tirar o

dinheiro da sucursal é ainda mais perturbador.

Penso em voltar para casa e o pegá-lo imediatamente, mas não posso

fazer isso. Se armar uma confusão na frente dos meus pais, vou precisar

contar a história toda. Não sei o que Donovan faria, se me ajudaria a matar

seu filho biológico, se me convenceria a deixar a polícia resolver ou se

tentaria solucionar as coisas de alguma forma que evitasse um escândalo.

Não quero deixar que a polícia resolva. O crime aconteceu no País

de Gales e ele está aqui. Um processo de extradição pode demorar e

qualquer pena seria pouco.

Ele nos queria mortos para não ter que dividir a herança.
Eu o quero morto também, mas não por dinheiro.

— O outro você pode matar. Queimado, como ele fez com minha

esposa — digo por entre os dentes. — E antes que ele faça alguma merda.

Quanto a Phillip... Preciso pensar com calma. Ele tentou contratar outro

assassino além desse?

— Não. Há outras conversas com traficantes, mas só sobre drogas. O

único contato que teve desse tipo foi McGuire.

Saio de um carro e entrou no outro. Dirijo de volta para a mansão

Henderson na luz da manhã, esperando que os minutos na estrada possam

ajudar a clarear minha mente.

Não sei se quero que meu pai saiba o que seu filho foi capaz de

fazer. Mamãe definitivamente não aguentaria, ela não é forte o suficiente.


Não preciso que mais ninguém da família sofra, apenas ele.

Estaciono na garagem e entro em casa antes dos meus pais

acordarem. Enquanto subo as escadas, torço para não encontrar aquele

miserável. Tenho medo de partir para cima, e preciso manter o controle.

— Nunca fiz nada contra aquele desgraçado — murmuro. — Nada

além de revidar.

Que culpa Cinthia tinha para ser queimada viva? Ela era tão boa, tão

gentil, e amava tanto as crianças. Foi ao seu lado que vivi os únicos anos de

paz da minha vida. Ela não merecia partir do jeito que partiu.

Se eu não tivesse acordado a tempo de tirar meus filhos... Sacudo a

cabeça, afastando isso.


Penso em Caroline e no quanto a presença dela poderá me acalmar

nesse momento. Tenho certeza de que, se deitar por um tempo ao seu lado,

poderei raciocinar melhor.

Ela conhece minhas dores do passado, agora sabe das minhas

cicatrizes, e mesmo assim me aceitou. É alguém que vou querer ter ao meu

lado em todos os momentos, até em situações extremas como essa.

Abro a porta da suíte onde passamos a noite, mas não a encontro na

cama. Imagino que acordou cedo por causa do fuso horário. Checo o

banheiro, mas está vazio.

Antes de cair na lábia da ansiedade, que quer me deixar ainda pior

do que já estou, vou até o outro quarto, onde está sua bagagem.
Não tenho mais um coração inteiro para se partir, então a decepção

de não encontrar sequer sua mala o tritura. Ainda assim, pego o celular e

ligo para ela.

A chamada não completa, o celular parece estar sem sinal ou

desligado.

Ando pelo quarto, considerando o que posso ter dito para fazê-la ir

embora, porque não quero considerar que Caroline mentiu sobre me querer,

que tudo que disse era mentira.

Parece que minha vida é uma sequência de golpes e me preciso

levantar pelos meus filhos, mas não sei quantos mais ainda vou suportar.

Me sento na cama e aperto as mãos contra as têmporas para aliviar a

dor de cabeça que me atinge, meus olhos ardem. Tem tanta raiva, mágoa e
decepção dentro de mim que não sei como mantenho a cabeça no lugar.

Meu celular vibra com uma notificação e eu o pego depressa,

imaginando ser algum sinal de Caroline, mas é só uma mensagem do

aplicativo do banco. Coloco o aparelho ao meu lado na cama e respiro

fundo.

Noto um celular todo quebrado no canto do quarto. Levanto da cama

e vou até lá para constatar que é o aparelho dela. Ele não foi danificado em

uma queda qualquer, parece ter sido destruído a pancadas.

Franzo o cenho, segurando os restos, tentando pensar no que pode

ter acontecido de tão grave para Caroline ter quebrado o celular dessa forma

e ido embora.
Resolvo afastar Phillip da cabeça por enquanto. O “detetive” vai

acabar com a vida daquele porco do McGuire o mais rápido possível, e o

desgraçado do meu irmão não faria com as próprias mãos.

Ele está aqui na Califórnia e, com meu pai monitorando seus gastos,

não vai contratar outro assassino tão rápido. Meus filhos estão seguros no

Brasil e Caroline também é importante para mim.

Ligo para a primeira pessoa que me vêm a mente. Vivian diz que não

recebeu nenhuma notícia de Caroline desde ontem, nem mesmo um e-mail.

Não quero alarmar ninguém, mas a preocupação me domina e ligo

para seu irmão mais velho. Não tenho o contato de Stefan.

Percebo o desespero na voz de Dimitri quando conto que ela

quebrou o celular e foi partiu sem nenhum aviso.


— Existe alguma coisa entre vocês além do trabalho? — ele

questiona em inglês.

— Existe, sim — respondo sem enrolação. — Mas posso garantir

que não fiz ou disse nada que a fizesse ir embora desse jeito.

— Se acontecer alguma coisa com minha irmã, se você tiver

machucado ela — ele faz uma pausa e ouço sua respiração pesada —, eu

vou matar você!

— Te dou minha palavra que não a magoei, pelo contrário.

— Meu não é Daniel Ruschel, eu me chamo Dimitri Romano e matei

meu pai quando tinha dezessete anos. Você não imagina do que sou capaz

de fazer — ele ameaça.


— Sei quem você é, eu pesquisei na internet, porque as pessoas não

paravam de falar seu nome em Bento Gonçalves. Você matou seu pai para

proteger seus irmãos, não é um assassino frio e não precisa fingir ser. Eu

amo sua irmã e não a magoei. Só quero descobrir para onde ela foi.

Faz silêncio do outro lado da linha. Me pergunto como pude me

atrair por uma mulher que tem uma família tão problemática quanto a

minha, com tanto drama.

— Vou ligar para todos os amigos — ele diz, finalmente.

— Se souber alguma coisa sobre ela, por favor, me ligue

imediatamente. — Quase acrescento que estou entre matar meu irmão ou

procurar a Caroline, mas me contenho.


— Verifique se ela não foi para casa que morava aí na Califórnia.

Vou mandar o endereço por mensagem. — Dimitri desliga.

Considero a possibilidade de Caroline ficar furiosa quando souber

que contei ao irmão sobre nós sem consultá-la, mas, desde que ela esteja

bem e segura, eu encaro as consequências.

Estou aguardando o endereço quando me dou conta da notificação

que recebi do aplicativo do banco, o mesmo em que fiz o cartão que dei a

Caroline. Desbloqueio a tela e procuro pela mensagem até encontrar os

alertas informando que o cartão dela foi usado duas vezes.

Primeiro, mais ou menos uma hora antes, no aplicativo da Uber.

Alguns minutos atrás, o cartão foi usado novamente em uma companhia

aérea.
Posso ficar aqui tentando decidir o que fazer com Phillip, ou ir até o

Aeroporto Internacional de Los Angeles e tentar a sorte de ainda encontrá-

la lá, ou posso pegar o jatinho do meu pai e voltar para São Paulo.

Não consigo pensar em outro lugar para onde ela iria.


Oliver

Sai de Los Angeles ainda pela manhã, mas devido ao fuso de quatro

horas, aterrizamos no Aeroporto Internacional de Guarulhos por volta da

meia noite, debaixo de chuva.

Encontro, Stefan, Dimitri e sua esposa no terminal.

— Ela não desembarcou no último voo que veio de Los Angeles —

Giulia informa assim que me aproximo. — E o próximo só chega dentro de


três horas.

— O voo poderia estar lotado — digo para tentar me tranquilizar —,

e ela teve que esperar pelo próximo.

Dá tempo de pegar o helicóptero e passar em casa para ver meus

filhos. Passei o voo em contato com eles, mas...

— Eros está me ligando — a voz de Dimitri interrompe meus

pensamentos.

Ele atende o celular e se afasta.

O nervosismo é tão pesado agora que não sei como meu coração vai

aguentar esperar as três horas.

— Você tentou falar com seu irmão? — pergunto a Stefan.


— Estou tentando, mas ele não me responde — ele diz em inglês

com o sotaque carregado. — Mandei mensagem até no Instagram. Está

chovendo muito lá.

— E sua mãe?

Stefan meneia a cabeça em negação.

— Ela também não responde. A rede elétrica, o Wi-Fi ou o sinal da

operadora pode ter caído. Não sei...

— Pensei em rastreá-la pelo iPad, mas descobri que ela o deixou no

escritório, na quarta — explico.

Parece que o mundo está conspirando contra.


— Eros me disse que... — Dimitri diz em português e faz uma

pausa, encarando a esposa de um jeito que só afeta mais os nervos.

— O que ele disse? — Giulia o questiona, também no seu idioma.

— Não é uma coisa que eu posso contar aqui — ele murmura, pega a

mão da esposa e começa a se afastar.

Stefan os segue e vou atrás. Os sigo até a saída do estacionamento,

onde o Volvo está.

— Telma... — Dimitri começa a falar no seu idioma, faz uma pausa

e olha para o irmão. — Sua mãe foi levada para a delegacia essa manhã.

Olho para Stefan, mas ele carrega aquela mesma máscara que

Caroline costumava usar, sem demonstrar nenhuma reação. Nem mesmo

abre a boca para perguntar o porquê.


— Você sabe o motivo? — é Giulia quem pergunta.

— O advogado que me defendeu, na época do assassinato de Emilio,

acabou de ligar pra Eros. A polícia de Jaguarão entrou em contato com ele

para avisar que recebeu uma prova de uma testemunha anônima.

— Que tipo de prova? — sua esposa pergunta, esfregando a mão

sobre o peito.

— Um vídeo mostrando o momento exato em que Emilio foi morto e

quem o matou — Dimitri diz.

O choque fica visível nos olhos de Giulia, as mãos do marido

tremem, enquanto Stefan permanece imóvel. Eu não sei se estou

conseguindo interpretar as falas corretamente.


— Alguém tinha um vídeo daquela maldita noite, provando que não

foi você quem matou Emilio e levou todos esses anos para entregar a

polícia? — ela o questiona.

Meus olhos se arregalam. Olho para o asfalto, juntando as

informações, com a mente trabalhando depressa.

— Telma pagou para essa testemunha ficar quieta — Dimitri volta a

explicar.

— A testemunha pode ter pedido mais dinheiro e ela não conseguiu

arranjar — Giulia sugere, dando dois passos em direção ao marido para

abraçá-lo.

— Não sabem quem é essa testemunha? — Stefan fala pela primeira

vez, desde que o irmão desligou o celular.


— Ainda não — Dimitri responde, procurando se manter forte diante

da esposa e do irmão.

— Como Telma conseguiu dinheiro para pagar uma coisa dessas?

Ela te deu metade do dinheiro da venda do sítio, usou outra parte pra pagar

os estudos de Caroline... O que sobrou seria suficiente pra comprar um

silêncio desse tipo?

— A hipoteca — murmuro em português, para que fiquem cientes de

que entendi a conversa o tempo todo.

— Que hipoteca? — Dimitri pergunta.

— A maldita dívida que minha mãe fazia Carol pagar todo mês,

desde que ela começou a trabalhar — é Stefan quem conta.

— Caroline pagava uma hipoteca? — Dimitri insiste.


— Um valor muito alto, o que sobrava do salário de Carol mal dava

para sobreviver nos Estados Unidos — o irmão acrescenta.

— Ela nunca me falou sobre dívida nenhuma, sempre disse que

estava bem — Dimitri murmura.

— Era mentira, e nossa mãe não queria que Carol te dissesse uma

palavra sobre essas parcelas, muito menos que te pedisse ajuda — Stefan

confirma tudo que Caroline me confidenciou.

— Por quê? Por que Carol mentiria pra mim?

— Nossa mãe treinou a gente desde pequenos, nos ensinou a mentir.

Quando você ia nos visitar, em Jaguarão, ela passava dias nos dizendo

como deveríamos nos comportar, o que responder para cada pergunta que

você poderia fazer — Stefan explica com detalhes, mas seu rosto não
demonstra raiva ou tristeza, apenas seriedade. — Quando eu fiquei maior, e

vinha te visitar aqui, ela me ensinou a mentir sem mexer um único músculo

do rosto, a nunca olhar para esquerda enquanto estivesse falando, dizia que

isso era coisa de gente mentirosa e que você poderia descobrir. Ela nos

treinou tão bem que Caroline e eu podemos mentir sobre qualquer coisa,

sem ninguém perceber.

— Por que ela fez isso com vocês? — é Giulia quem pergunta.

— Ela dizia que, se Dimitri descobrisse que o filho da puta do nosso

padrasto nos batia, ele o mataria e depois iria pra cadeia. — Stefan encara o

irmão mais velho. — Caroline morria de medo que você estragasse sua vida

outra vez, por nossa causa. Eu também não podia deixar que isso

acontecesse.

Dimitri está em choque.


— A culpa é toda minha — ele diz.

— Você nunca levantou a mão para seus irmãos, você assumiu o

assassinato do seu pai para que Stefan não nascesse na prisão e Caroline

ficasse sem a mãe. Você fez tudo que podia por todo mundo — Giulia

revela o motivo de todas essas mentiras.

Telma estava grávida de Stefan na época do crime.

— Você sempre cuidou de nós melhor do que ninguém, Dimitri. Até

quando eu não merecia — Stefan diz e faz uma pausa para respirar fundo,

demonstrando emoção pela primeira vez. — Acredite em mim, você nunca

ia descobrir o que a gente passava em casa e não é culpa sua, porque

iríamos mentir até o fim. A única culpada é a filha da puta da minha mãe.
Parece que não sou mais o único que está tremendo. Giulia é a

primeira que começa a chorar. O irmão mais novo esfrega o polegar e o

indicador nos olhos castanho escuros logo depois.

— Tudo que a gente passou por causa daquela desgraçada — Giulia

lamenta, apoiando o rosto no peito de Dimitri.

— Caroline ficou sabendo disso, de alguma forma — digo,

mantendo a conversa nos dois idiomas. — Para ela ter quebrado o celular

da maneira que fez, deve ter descoberto o real motivo da hipoteca.

— Eu não posso nem imaginar a raiva que ela deve estar sentido —

Stefan comenta. — Tudo que ela passou.

— Vamos esperar o próximo voo que vem de Los Angeles. Caroline

pode estar vindo nele — Dimitri volta a falar, com o tom de voz mais
controlado.

— Ela vai ter que descer aqui e pegar outro voo doméstico para

Pelotas, se estiver indo para Jaguarão — Giulia diz.

— É o aeroporto mais próximo de lá — Stefan acrescenta.

— Se ela não estiver nesse voo, a gente compra as passagens e vai

para Pelotas — Dimitri diz. — Vou ligar para Artho e Charlotte. Como

juíza, ela vai nos ajudar a manter aquela desgraçada presa, porque dessa

vez, Telma vai ter que pagar dobrado por toda a lágrima que fez cada um de

nós derramar.

— Caroline pode não passar pelo desembarque e ficar aguardando na

área de embarque. Vou comprar uma passagem para qualquer destino

internacional, assim posso ter acesso a área onde ela vai descer, se estiver
nesse voo — digo a eles em inglês, para ser mais rápido. — Vou esperar por

ela lá dentro. Não precisam comprar passagens para Pelotas, o jatinho da

família está pousado aqui, e iremos nele.


Caroline

Estava certa quando pensei que minhas emoções poderiam abrandar

se eu não partisse imediatamente.

Assim que o avião decolou com destino a São Paulo, me arrependi

de ter saído da casa dos pais de Oliver daquela forma, sem ter deixado uma

mensagem explicando. Mas como podia se, tomada pela ira, eu destruí meu

celular?
Não sei para onde foi, nem se demorou a voltar e o que pensou

quando não me encontrou lá, e não tenho como saber agora, então eu revivo

tudo.

Não posso deixar amenizar.

Foi por causa do meu amor incondicional por ela, por ser minha

mãe, que conseguiu me enganar e manipular todo esse tempo, e não posso

deixá-lo falar mais alto agora. Eu a odeio com tudo que posso, não importa

o quanto amei um dia.

Desço do avião e sigo para o salão de embarque, onde vou esperar o

próximo avião para Pelotas, com o pensamento focado no ódio.

Planejo procurar algum lugar onde eu possa acessar a internet e me

comunicar com Oliver, explicar porque saí sem avisar, quando o vejo
esperando por mim.

Não penso em nada, nem me questiono, apenas corro em sua

direção. Ele me segura nos seus braços, me tirando do chão. Deixo minha

bolsa de mão cair e me agarro a ele com toda força, e Oliver retribui.

Seu corpo quente e seu coração disparado são tão aconchegantes que

desabo no choro outra vez.

— Eu soube o que aconteceu, meu amor — ele sussurra.

Me coloca no chão, apanha minha bolsa, apoiando a mão na minha

lombar, ele me guia até um sofá vazio.

— Como você soube? — consigo perguntar, mas estou soluçando de

novo, como fiz no avião.


— Estou em contato com seu irmão desde que voltei para casa e não

te encontrei — Oliver diz com o tom de voz gentil, afagando meus cabelos.

— E como você chegou primeiro?

— Recebi a notificação do banco informando que você usou o cartão

de crédito em uma companhia área, arrisquei que estava vindo para cá e

peguei o jatinho.

— Eu tive que esperar algumas horas pelo próximo voo — digo,

tocando seus ombros, ainda sem acreditar que ele está aqui por mim. —

Desculpa por ter usado o cartão...

— Ele é seu — Oliver me interrompe.

Enterro meu rosto na sua clavícula e volto a chorar. Agora sinto uma

mistura de ódio e decepção, mas ao mesmo tempo, me sinto amparada. É


como se a vida tivesse colocado Oliver em meu caminho para aguentar esse

momento.

— Obrigada por ter vindo, eu estava me sentindo tão... — não

consigo achar a palavra certa. — Obrigada por estar comigo aqui.

Penso em perguntar aonde foi na madrugada, mas isso não importa

agora. Não há espaço na minha mente.

— A vagabunda da sua mãe fez você trabalhar para pagar a porra de

uma dívida...

— Você soube disso também? — questiono. — Como?

As lágrimas não param de cair. Me sinto tão estúpida, tão boba. Me

gabava em pensamentos por ser uma boa mentirosa, quando estava sendo
engana da pior forma, pela última pessoa do mundo que deveria fazer uma

coisa dessas comigo.

— Vamos sair daqui, eles estão esperando lá fora — Oliver continua

com o tom gentil.

Sacudo a cabeça em negação.

— Não, eu preciso ir até Jaguarão. Nunca mais quero olhar na cara

daquele demônio, mas tem meu irmão.

— Vamos no jatinho, meu amor — ele explica. — A propósito, seu

irmão já sabe sobre nós. Na verdade, ele sabe de tudo agora. Stefan contou

o que vocês passavam em casa. Acho que não tem mais nenhum segredo.

Deixo que Oliver me guie até minha família, mas assim que vejo

Dimitri, corro para seus braços.


— Por que escondeu de mim o que você sofreu todos esses anos? —

ele pergunta quando me acolhe nos seus braços, erguendo meu corpo com

seus braços fortes.

— Por que assumiu a culpa pela morte do nosso pai? — respondo

com outra pergunta.

Ele respira fundo e me coloca no chão.

— Eu não queria que você perdesse sua mãe e que Stefan nascesse

na cadeia — ele confessa. — Você era muito nova para entender.

Dou um soluço. A imensidão do amor que Dimitri sempre teve por

nós, o fez abrir mão da sua liberdade por alguém que não merecia.

— E eu morria de medo que você descobrisse e fizesse outra besteira

— admito, tirando pelo menos esse peso dos meus ombros. — Não queria
que você fosse pra cadeia.

— Sabe do que eu tô lembrando? — Artho comenta, uma hora

depois de decolarmos.

Me aninho melhor no peito de Oliver, não quero me distanciar do

conforto do seu abraço. Ele está me ajudando a manter a cabeça no lugar, a

não me desesperar ainda mais.

— Do quê? — Dimitri pergunta ao amigo.

Ele está sentado na poltrona ao lado de Giulia que tem suas pernas

cobertas por uma manta, a sua frente estão o amigo e a Charlotte.


— Daquela noite de janeiro de 2014, quando passamos no vestibular,

demos uma festa e o desgraçado do delegado apareceu — Artho diz.

— Fomos parar na delegacia e os Giordano saíram daqui de São Paulo...

— Eles foram de jatinho — Dimitri completa e noto seus olhos se

encherem de lágrimas. — Na volta, eles morreram.

— A gente se culpou por tantos anos — Artho murmura e Charlotte

faz carinho em seu rosto —, pela morte deles.

— O desgraçado imundo do meu tio começou seu ódio e

perseguição quando Dimitri assumiu a morte do pai — Giulia diz, fitando o

nada. A raiva fica visível no seu rosto. — E tudo por culpa daquela cobra

venenosa desgraçada enviada do inferno para foder com a vida de todos

nós.
— Juntou o demônio do seu pai e seu tio, e nós... — Dimitri sacode

a cabeça em negação. — Todos os anos que sofremos por causa dela...

— Vocês dois ainda têm sorte. São filhos de pais horríveis, mas pelo

menos tinham mães amorosas. Stefan e eu... — dou um risinho sarcástico,

enquanto Oliver apara minhas lágrimas com as costas da mão.

— A gente tem o sangue podre — Stefan concorda comigo. — Não

temos para onde correr.

— Vocês não são os únicos. Tenho o corpo coberto de tatuagens para

esconder as marcas que meu pai deixou, e minha mãe não era um exemplo

— Artho acrescenta.

— Não esqueço o que você passou com Ayla por causa dela —

Charlotte diz, se aninhando no peito dele. — Das vezes em que chegou em


casa e a pobrezinha estava chorando com fome, e sua mãe estava bêbada.

Ayla não é filha biológica de Charlotte, a mãe dela morreu no parto e

a menina praticamente foi criada pelos cretinos. Artho e Charlotte só se

casaram anos depois.

— Então meu sangue também é pobre — Artho concorda com

Stefan.

Oliver se move na poltrona, mas me segurando para não afastar meu

corpo do dele, e ajeita a manta que cobre minhas pernas dobradas.

— Eu também tenho o sangue ruim, igual a vocês — Oliver diz em

inglês e todas as cabeças se voltam para ele. — Fui adotado pelos

Henderson quando tinha oito anos, minha mãe era uma viciada que me

trancava em casa quando saía pra trabalhar, me deixava sem comida, me


espancava e até o pó dela eu acabava ingerindo, porque deixava ao meu

alcance.

Afago e beijo seu rosto, ciente de que, além da falecida esposa,

somos as primeiras pessoas para quem Oliver se abre assim.

Os outros dizem “sinto muito” e aperto meus lábios contra os seus,

desejando que fique comigo para sempre.

— É um voo de fodidos então — Stefan declara.

— Minha mãe é amorosa e eu perdi meu pai, mas ele era um bom

homem. Eu achava que era lascada na época da faculdade, por passar

aperto... — Charlotte diz. — Me considero tão privilegiada hoje.

Temos que concordar.


— Vou falar em português mesmo, agora que você já entende.

Depois que essa merda passar — Dimitri volta a falar, depois de alguns

minutos, olhando para Oliver —, você e eu vamos ter um acerto de contas.

— Não tenho medo de você — Oliver rebate e dá um sorriso de

canto. — Ainda mais agora que eu sei que não matou ninguém.

— Eu não deixava — Artho tem a audácia de falar.

— Quietinho! — Charlotte o repreende.

Percebo Stefan rir, no último assento do jatinho, enrolado na manta.

— Só vocês para me fazerem rir em um momento desses — Giulia

diz.
— Eu tô falando sério, você mexeu com a minha irmãzinha —

Dimitri ainda insiste.

— Eu também estou falando sério — Oliver responde. — Não tenho

medo de você.

— Parem os dois — digo, endireitando a postura e erguendo as

palmas das mãos. — Eu já vou fazer vinte e nove anos e não preciso que

você brigue por minha causa, Dimitri.

— É uma questão de honra, Carol — Artho insiste na provocação.

— Calado, ou vou fazer questão de recordar todas às vezes que você

não lembrou de honra! — sua esposa o intimida e ele se cala, relaxando as

costas na poltrona.
— Também quer que eu faça isso, Dimi? — Giulia questiona meu

irmão, que baixa a bola no mesmo instante.

A aeronave mergulha em um silêncio que só é quebrado quando

Stefan volta a falar.

— Giovanni acaba de responder minhas mensagens. Ele disse que

seu celular estava no quarto descarregado. Quando a polícia chegou, não

lembrou de pegar. Ele foi levado para a delegacia também, depois os avós

paternos vieram buscá-lo e levaram ele para Pedro Osório, onde moram.

— Ele conseguiu pegar o celular de volta? — pergunto.

— Sim, a polícia acompanhou os avós até a casa para pegar as coisas

dele. Ele só conseguiu ligar agora que chegou na casa deles.


— Charlotte, eu preciso trazer meu irmão comigo, não posso deixar

ele com os avós — digo a ela. — Você acha que eu consigo?

— Em primeiro lugar vem os avós na preferência da guarda de um

menor, em segundo, um irmão. Ainda mais quando eles são aposentados,

possuem residência fixa, estabilidade — ela explica, fazendo meu coração

se partir ainda mais.

— Estar morando na casa de Dimitri e de mudança para o Brasil,

pode atrapalhar? — questiono.

— Pode atrapalhar, no começo. Eu vou te indicar um bom advogado

e ele vai entrar com o pedido de guarda provisória, mas o juiz não vai

conceder se julgar que você não tem estabilidade para cuidar dele. Você

precisa provar que tem condições.


— Até mesmo esse pedido de guarda provisória pode demorar?

— Sim, isso pode levar algumas semanas. Para a guarda definitiva

sair leva meses.

— Se Caroline e eu nos casarmos, pode ajudar? — Oliver pergunta a

Charlotte, fazendo meu coração disparar de um jeito bom. — Tenho

residência no Brasil, condições de criá-lo.

— Com certeza, se Caroline for casada com alguém que tem a sua

estabilidade, as chances de conseguir a guarda serão maiores — ela diz.

— Você faria isso por mim? — pergunto olhando para ele, aliviada

por ainda existir tanto amor dentro do meu peito, mesmo tomada por tantos

sentimentos horríveis.
— É a segunda vez que eu te peço em casamento e não fui romântico

em nenhuma delas — Oliver sussurra para que só eu ouça. — Mas o meu

desejo foi sincero todas as vezes.

— Não acredito que você vai se casar com Carol para ajudá-la a

conseguir a guarda do irmão — Giulia expressa, levando as duas mãos a

boca. — É tão romântico!

— E porque a amo — Oliver acrescenta.

— Não podemos esquecer que as crianças estão pedindo para

Caroline ser a mamãe deles desde que chegaram ao Brasil — Charlotte

menciona. — Nicolas me contou tudo.

— Parem de se iludir, ninguém vai casar — Dimitri diz, querendo

mostrar seu autoritarismo. — Coloco um apartamento no nome de Caroline


e tá tudo certo. Com o emprego no Brasil, não tem motivos para o juiz

negar a guarda.

— Ela pode ter mais a segurança de um marido rico, né? —

Charlotte brinca.

— Com toda certeza — Giulia concorda.

— Não tem a menor necessidade — Dimi retruca e sacode a cabeça

em negação.

— Não me lembro de ter feito nenhum pedido de casamento a você,

cunhado — Oliver diz em inglês, com sarcasmo. — Então não há motivos

para você pensar que pode decidir por Caroline.

Artho grita como um guri da faculdade, levanta da poltrona e vem

cumprimentar Oliver com uma batida de mãos.


— Você é o cara certo pra Carolzinha — ele diz. — Já tem meu

consentimento. Você também aprova, Stefan?

— Eu sempre aprovei — Stef responde.

— Traidores de merda — Dimitri rosna e as meninas batem palma,

caindo na gargalhada e dizendo que Oliver é bem-vindo a família dos

cretinos.

Por um momento, caio na risada com eles. Me sinto tão feliz que

meus olhos se enchem de lágrimas, mas quando elas começam a cair, me

lembro de toda a merda e do motivo de estarmos nesse jatinho.

Sábado, 6 de março de 2032

29° DIA
Confessar um crime que não cometeu também é uma infração, mas

Charlotte e Artho dizem para Dimitri que não precisa nem se preocupar

com isso.

Charlotte liga para um amigo, um advogado criminalista, e pede para

que ele venha nos encontrar e ajudar assumir o caso, depois que aterrizamos

pela manhã.

Alugamos os carros na locadora do aeroporto e partimos para

Jaguarão.

Dimitri precisa dar um novo depoimento que explique o que

aconteceu naquela noite e porque assumiu a culpa. Artho o acompanha em

tudo, enquanto o outro advogado não chega.


Ficamos esperando encostados nos carros em frente à delegacia, e

quando ele termina, Artho o acompanha até nós.

— Só lamento que você tenha que reviver tudo isso, mas é um alívio

poder dizer a todo mundo — Giulia diz. — Fiz questão de ligar para minha

mãe, espero que ela espalhe a notícia de que você era inocente depressa.

Dimitri dá um longo suspiro e se inclina para receber o abraço de sua

esposa.

— O juiz já decretou a prisão preventiva, ela vai ser transferida para

uma cadeia, onde vai aguardar o julgamento em liberdade — Charlotte dá a

notícia.

— Posso falar com vocês três em particular? — Artho pergunta a

mim, Dimitri e Stefan.


— Você me espera aqui? — sussurro para Oliver.

— Claro, meu amor.

Artho assume a direção, Dimitri senta no banco do passageiro e

Stefan e eu ocupamos o banco de trás.

Stef segura minha mão o tempo todo, enquanto Artho guia o carro

até um local afastado.

— Preciso fazer uma pergunta a vocês — Artho diz, se virando no

banco de uma forma que possa olhar para cada um de nós.

— Pergunte — Dimitri fala.

— Como advogado, eu conheço alguém, que conhece alguém... —

Artho faz rodeios. — Enfim, posso mexer os pauzinhos e dar um jeito de


encontrar alguém que acabe com a vida dela na cadeia, antes do

julgamento, se vocês quiserem.

— Por mim, não — Dimitri responde primeiro. — Eu quero que ela

sofra na cadeia, que viva numa cela imunda, podre, que não tenha paz nem

para dormir. Quero que apanhe como eu apanhei quando fiquei detido, que

coma a mesma comida horrível que comi e, principalmente, não tenha

ninguém para visitá-la. Que ela sinta na pele e na alma tudo que eu passei.

Que pague por cada surra que vocês levaram e não puderam pedir ajuda.

— Ela vai sentir — é a minha vez de falar —, mas vai sentir com

juros, por muitos anos. E nunca mais nos verá, nenhum de nós, nunca mais

terá a chance de nos machucar.

— E quando a pena dela estiver acabando — Stefan acrescenta —,

você dá um jeito para que só saia de lá direto para a cova.


Sua mão treme, assim como as minhas e intensifico o aperto dos

nossos dedos entrelaçados.

— Será dessa forma, então — Artho conclui.

No começo da tarde, saímos de Jaguarão e faço uma prece para só

precisar voltar aqui para resolver os assuntos relacionados a guarda de

Giovanni, nunca mais por aquela maldita.

Passamos em Pedro Osório para ver Giovanni e ele deixa claro que

prefere ficar comigo do que com os avós Greco. Prometo que faremos o

possível para agilizar o processo.

Me parte o coração ter que deixá-lo para trás e considero a ideia de

raptar meu irmãozinho, mas Artho e Charlotte logo tiram essa ideia da

minha cabeça.
Quando aterrizamos em São Paulo, sinto que deixei um peso enorme

para trás. Voltamos para o nosso condomínio em silêncio, mas acho que

cada um que foi afetado por ela, está se sentindo vingado.

Dimitri me dá um abraço apertado quando aviso que vou dormir na

casa de Oliver.

— Eu desejo que você seja amada como eu sou — sussurra para que

só eu escute. — Que ele te faça muito feliz, porque você merece muito, mas

se precisar, nós estaremos sempre aqui para te acolher. E quebrar a cara

dele, se for preciso.

— Eu te amo tanto, Dimi — digo, apertando os braços ao redor do

seu corpo. — Me desculpe por todas as vezes que menti.


— Não se desculpe por isso, nunca mais. A culpa não foi nossa —

diz com carinho. — Eu te amo, Carol.


Oliver

Corro para abraçar as crianças quando chegamos à noite. Mesmo

cansado, os agarro e deito com eles no tapete do hall de entrada da casa,

beijando suas barriguinhas, bochechas, mãozinhas, me certificando de que

estão todos bem, enquanto eles dão tanta risada que perdem o fôlego, mas

me abandonam assim que Caroline entra, como se a preferissem.

— Pelo menos Daryl Dixon vem pra mim — digo, pegando o

cachorro no colo antes que ele comece a latir.


As crianças fazem festa em volta de Caroline, disputando para ver

quem vai subir no colo dela primeiro. Imagino como vão reagir quando

souberem que estamos juntos.

— Caroline vai dormir aqui hoje. Podem ficar calmos — digo e

analiso suas reações.

— Você resolveu contratar ela pra ser nossa mamãe? — Jake

pergunta da forma mais inocente possível.

— É verdade, papai? — Celiny também questiona.

Me agacho diante deles, colocando Daryl no chão, e respiro fundo.

Encaro Caroline por um instante e ela assente com a cabeça. Dá um sorriso

que esconde toda a tristeza que pela qual passou.


Queria poder fazer alguma coisa para aliviar sua dor, mas não sei

mais o que posso dar a ela além do meu amor.

— Não contratei Caroline para ser a mamãe de vocês — digo a eles

e, por um momento, sinto ainda mais dor por ver suas carinhas de decepção.

— Nós estamos apaixonados.

Eles começam a fazer festa em nossa volta novamente, nos beijando,

batendo palmas e dando gritinhos, enquanto Daryl Dixon late, sem entender

nada.

A senhora Collins desce as escadas depressa, para ver o que está

acontecendo.

— Papai e Caroline vão casar — Celiny diz se antecipando, juntando

as mãozinhas diante da boca.


— Casar? — Senhora Collins pergunta.

— Eles estão apaixonados — Jake diz com um sorriso largo

— Nós vamos tomar um banho e depois descemos para jantar.

Estamos cansados — informo a eles.

É sábado e os funcionários estão de folga.

Carrego a nossa bagagem até o quarto. Caroline me acompanha e

tranca a porta.

Ela acende as luzes e começa a se despir, mas eu me detenho, a

olhando não só com desejo, mas com admiração. Sei que não sou bom o

bastante, que corro o risco de tirar a camisa e fazê-la se dar conta disso, que

só amar não basta.


— O que foi? — Caroline pergunta, só de calcinha, com as mechas

do cabelo cobrindo um dos seios.

É tão bonita que meu peito dói só de pensar em perdê-la. Eu prefiro

viver no escuro outra vez, ficar sempre vestido na sua frente, usar venda e

amarras, do que deixá-la ir.

— Medo — consigo dizer.

— Medo de quê? — ela questiona, com os braços caídos ao lado do

corpo.

— De piscar e descobrir que tudo isso é um sonho. Que você aqui

comigo não seja real. Ainda tenho receio de tirar a roupa na sua frente e

você perceber que não é isso que quer para sua vida. Que não quer viver

com um homem todo remendado.


Ela vem depressa na minha direção e pressiona os dedos nos meus

lábios, não me deixando terminar de falar.

— Shiii — sussurra e começa a abrir os botões da minha camisa. —

Eu te amo e não quero que você diga mais uma coisa dessas, Oliver.

— Também amo você — sussurro.

A minha mente quer fantasiar a voz daquele desgraçado imundo do

meu irmão, quer me lembrar das ideias ruins que colocou na minha cabeça.

Lembro de tudo que descobri antes de vir para o Brasil, que o porco

do McGuire deve estar morto agora, e que ainda preciso decidir o que fazer

com aquele que mandou botar fogo no meu lar, para matar a mim e toda

minha família.
— Fica comigo, Oliver — Caroline diz baixinho, abrindo a minha

calça. — Deixa essas lembranças ruins pra lá e fica do meu lado, eu preciso

tanto de você. Mal provei do seu amor e já não sei mais como viver sem.

Vamos tentar superar toda a merda do nosso passado juntos. Vamos voltar a

fazer terapia... sei lá. A gente precisa abandonar as memórias ruins para

conseguir seguir em frente.

Ela não sabe o que estou passando, não faz ideia das coisas que

perturbam minha cabeça, mas tudo que diz se encaixa no momento. Eu não

quero deixá-la agora, não quero sair de perto dos meus filhos, não quero

passar mais um dia longe deles para resolver a porra dos problemas, mas

não posso deixar as coisas como estão.

— Eu quero ficar aqui com você, com as crianças — murmuro,

tocando seu rosto com delicadeza —, quero estar perto da senhora Collins e
até daquele cachorro caramelo. Percebeu como está engordando e ficando

mais atrevido?

— Percebi sim.

— Quero fazer parte do que sobrou da sua família, quero que os

gêmeos continuem brincando com os filhos dos seus amigos, quero que os

amigos do seu irmão façam churrascos aqui outra vez. Eu quero todas as

coisas boas que você me mostrou nessas semanas.

— Você terá tudo isso, porque merecemos um final feliz — ela diz e

me puxa em direção ao banheiro.

A sigo, decidido a deixar meus problemas de lado por mais algumas

horas.
Tiro sua calcinha e ela puxa minha cueca para baixo, em seguida vai

para o chuveiro e liga a torneira.

Fico parado por um instante, a observando se lavar, admirando sua

beleza mais uma vez.

— Vem — Caroline me chama, seus olhos azuis de sereia brilham.

— Eu te conquistei em menos de trinta dias — diz quando agarro

seu quadril e a levanto, me preparando para penetrá-la.

— Na verdade não, você me conquistou desde o começo — eu

confesso, enquanto meu pau entra com dificuldades na boceta apertada. —

No dia do casamento do seu irmão eu já queria foder você. E na manhã

seguinte, já estava imaginando você como minha esposa.

Ela ri e morde o lábio, conforme meto mais fundo.


— No casamento, você já fazia meu coração bater mais forte — diz

com a voz arrastada, antes de soltar um gemido prolongado. — Acho que já

vim para o Brasil apaixonada por você, Oliver.

A empurro contra o azulejo do banheiro e agarro sua garganta.

Quando Caroline começa a rebolar o quadril, sedenta de desejo, eu aperto

sua bunda e a faço parar.

Escorrego os lábios contra seu pescoço e desço a boca em direção

aos seios, enquanto ela contrai o canal, apertando o meu pau com a boceta

mais gostosa que já fodi.

Lambo o seu mamilo lentamente e ela aperta mais forte, ficando

ofegante, afundando os dedos na minha nuca e costas.

— Por favor, me fode — ela implora.


Intensifico o aperto em volta da sua garganta, seguro seu mamilo

entre os dentes e ela me pressiona tão forte que quase gozo.

— Caralho, amor — murmuro e solto um urro contra seu seio, antes

de chupá-lo com vontade.

Caroline geme mais alto, puxando meu cabelo e tentando inclinar o

corpo na minha direção. Quando percebo que está no seu limite, encosto a

testa na sua e volto a foder devagar, desejando prolongar o momento. Mas

Caroline enrosca os pés na minha lombar e eu perco a postura.

Me afundo nela depressa, ardendo de desejo, atingindo o clímax

junto com ela.


Quando saímos do banho, a coloco sobre a bancada da pia e seco seu

corpo com a toalha, depois espalho o hidratante que ela gosta no seu corpo,

enquanto Caroline me observa com os olhos brilhando. Beijo seus joelhos,

seus pés. Em seguida, penteio seu cabelo loiro e comprido. Nesse momento,

ela fecha os olhos e suspira.

— Não lembro quando foi a última vez que alguém cuidou de mim

assim — sussurra, quando termino de penteá-la.

Beijo a ponta do seu nariz e a ajudo a descer da bancada, nos

vestimos e vamos jantar.

Sento à cabeceira da mesa, Caroline senta ao meu lado direito, junto

da senhora Collins, as crianças ocupam o outro lado e colocam o cachorro

no terceiro assento da fileira de cadeiras.


— Você vai se mudar pra nossa casa, Caroline? — Celiny é a

primeira a perguntar, quando começamos a comer.

— Cenourinha, nós ainda estamos... — ela começa a responder e

morde a ponta do lábio. — Vocês gostariam que eu me mudasse pra cá?

As crianças gritam um sim em uníssono.

Caroline dá um sorriso tímido e me encara. É a primeira vez que eu

reparo nisso. Sempre que alguém pergunta o que quer, ela dá um jeito de se

colocar em segundo lugar. Respondendo com outra pergunta, como se sua

resposta, seu desejo, não fosse importante.

— Você gostaria de morar aqui, amor? — a chamo assim na frente

da família pela primeira vez.


Celiny leva a mão a boca, com os olhos azuis arregalados de

surpresa, enquanto Jake aproveita o momento de distração para colocar um

brócolis do seu prato na boca de Daryl Dixon, sentado na cadeira ao seu

lado.

— Eu... — Caroline começa, seus olhos oscilam entre seu prato e as

bandejas de comida na mesa, antes de se voltarem para mim. — Você quer

que eu venha morar aqui ou prefere que...

— Eu quero você aqui e as crianças também querem, mas você

precisa pensar na sua vontade, não na nossa.

— Tem o Giovanni — ela murmura e coça a nuca. Sua face começa

a ficar corada.

— Arrumamos um dos quartos pra ele — digo com praticidade.


— Ele pode morar aqui? — Caroline pergunta, surpresa.

— Eu achei que estivesse implícito quando disse que me casaria com

você o mais rápido possível para que pudesse conseguir a guarda dele.

— Eu... — ela fica pensativa por um instante. — Pensei que era uma

coisa de momento, que você estava brincando com Dimitri.

— Não brinquei, eu disse que ele não podia decidir por você.

As crianças e senhora Collins pararam de comer para ouvir a

conversa.

— Quem é Giovanni, papai? — Jake quer saber.

— É o meio irmão de Caroline. Ele tem treze anos — explico. — Ele

perdeu o pai e precisa vir morar com a irmã. Vocês o aceitariam aqui?
— Ele vai ser nosso irmão mais velho ou tio? — Jake quer saber.

— Com treze anos ele é só um adolescente, seria como um irmão

mais velho — é senhora Collins quem explica.

Caroline está nos assistindo, parece não acreditar que estamos

realmente considerando a ideia de incluir seu irmão nas nossas vidas, que

não é só uma ideia.

— Eu tenho um casal de gêmeos, a senhora Collins e um cachorro

recém adotado — lembro que ela não é a única que tem uma bagagem —, e

você tem apenas um irmão. Acho que estamos exigindo muito mais de

você.

Encarando seus olhos surpresos, é como se ela não conseguisse

entender sua importância, seu poder de decisão diante da própria vida.


— Você quer vir morar aqui, Caroline? — repito a pergunta.

Ela dá um longo suspiro e assente.

— Quero morar aqui com vocês — confirma.

— Vamos ser uma grande família — digo.

Percebo que todos estão sorrindo, até senhora Collins parece feliz

com a ideia de ter mais gente em casa. Eu também quero sorrir, mas ainda

não consigo.

Ainda tenho aquele maldito assunto para resolver.

Meu peito aperta e a respiração fica difícil, porque eu gostaria de não

ter mais que lidar com nenhuma merda, só aproveitar o momento.


— A gente pode dormir na sua cama hoje, papai? — Celiny quer

saber.

— Querida, é a primeira noite de Caroline aqui, vocês não acham

que seria melhor deixar ela e o pai dormirem sozinhos? — senhora Collins

dá o alerta com toda gentileza.

— Se Oliver não se importar, por mim não tem problema —

Caroline diz e os gêmeos comemoram.

Depois do jantar, ela pede a senhora Collins que prepare as crianças

para dormir e me leva até meu quarto.

— Você tem uma camiseta de mangas curtas e uma bermuda? —

Caroline questiona, sentando-se na beirada da cama.


— Tenho... — respondo, mas sem fazer ideia do que ela pode estar

tramando. — Por quê?

— Vista — ela diz. — Está na hora de contar às crianças que o papai

tem algumas marcas de herói pelo corpo.

Fico imóvel, no meio do quarto. Nesse momento, não desejo mais

nada além de acabar com quem fez isso comigo.

Caroline vem até mim e coloca a mão na minha nuca.

Seguro sua mão e coloco sobre meu peito, respiro fundo para

controlar a raiva.

— Você não pode se esconder dos seus filhos nessas roupas para

sempre. Eles irão crescer e fazer perguntas.


Reúno as coisas boas que ela me sentir no último mês e assinto,

mesmo sem estar certo de que é uma boa ideia.

— Se eles se assustarem? — pergunto, quando ela me empurra com

gentileza na direção do closet. — Se ficarem com medo de mim?

— Eles te amam mais que qualquer outra coisa no mundo, não vão

ter medo de você — Caroline garante e me deixa sozinho para trocar de

roupa.

— Eu quero fazer isso, ela está certa, eu não posso passar a vida toda

me escondendo deles — murmuro para tentar me convencer, por mais que

deseje fugir da situação.

Enquanto tiro as roupas, ouço suas vozes quando entram no quarto.


Caroline e senhora Collins contam a eles, da forma mais delicada

possível, o que aconteceu comigo no dia em que a mãe deles partiu.

Me obrigo a sair do quarto, aparecendo na presença de outras

pessoas sem ter todo o corpo coberto pela primeira vez, desde aquela noite.

Jake corre até mim primeiro, enquanto Celiny permanece ao lado da

senhora Collins. As luzes do quarto estão acesas, e tenho vontade de pedir a

assistente virtual que as apague, mas me controlo quando sinto os dedos do

meu filho tocarem a cicatriz no meu antebraço.

— Caroline disse que você tem marcas porque é um herói e salvou a

gente — ele diz, inocente.

Me puxa até a cama fazendo com que eu sente, depois sobe e

começa a analisar meus braços com atenção.


Celiny se aproxima e também sobe na cama. Ela me surpreende ao

beijar meu rosto primeiro.

— Você é lindo, papai — minha filha diz, como se não se importasse

com isso.

— Você é o melhor pai do mundo — Jake acrescenta.

Celiny toca a pele da minha clavícula com delicadeza, em pé, ao

meu lado, enquanto Jake vai para minhas costas e ergue minha camiseta.

— Boa noite, queridos — senhora Collins diz. — Vou me recolher.

— Obrigada por tudo — Caroline agradece.

— Boa noite, senhora Collins — as crianças e eu dizemos juntos.

— Dói, papai? — Jake quer saber.


— Não, meu amor — digo com a voz embargada.

— Antes doía? — Celiny pergunta.

— Um pouquinho — digo e consigo sorrir para eles, esperando que

não fiquem preocupados. — Mas os médicos me davam remédios.

— Você tomou injeção? — Celiny quer saber, arregalando os olhos.

— Algumas — digo, aliviado com a forma como estão me

aceitando.

— Papai é forte e corajoso, Cenourinha, ele não é medroso como a

gente — Jake a lembra.

— Eu ia chorar de medo da injeção — Celiny assume com a sua

inocência.
Caroline está ao lado da cama, olhando para nós com orgulho e os

olhos marejados.

Não sei como alguém pode ter mudado tanto minha vida em apenas

trinta dias. Acho que não é sobre o tempo que passamos juntos, mas em

como o aproveitamos. É mais sobre sentimento.

A cama é grande, e as crianças dormem entre Caroline e eu. Quando

os três pegam no sono, fico observando-os por um longo momento, quando

a velha ansiedade volta.

Me levanto em silêncio, pego o celular secreto na mala e saio para a

varanda, tomando o cuidado de fechar a porta de vidro.

— McGuire sofreu, posso garantir — é a primeira coisa que o

“detetive” diz. — Dez vezes mais que sua esposa.


Minhas mãos voltam a tremer e sei que não vou ter paz até isso ter

um fim.

Já sei o que vou fazer, sei como vou fazer.

— Posso enviar os vídeos dele queimando — o “detetive”

acrescenta.

— Envie — peço. — Vou assistir cada um com todo prazer.

— Quanto a seu irmão...

— Eu precisei voltar para o Brasil, mas viajo na segunda, não posso

mais adiar. Nos encontramos aí na Califórnia — digo, sentindo o ódio na

minha garganta, não só pelo que causou no passado, mas por ainda interferir

no presente.
Oliver

Segunda, 8 de março de 2032

Deixo Caroline responsável pela sucursal e viajo sozinho para a

Califórnia, com a desculpa de jantar com a família e amenizar o clima por

ter saído na sexta tão abruptamente.

A fúria me consome ao ver Phillip, mas tento usar aquela máscara

que via Caroline usar para esconder as emoções.


— Caroline e eu vamos nos casar — anuncio, assim que nós quatro

nos sentamos à mesa e começamos a nos servir.

Me preparo para ouvir o desgraçado começar com os insultos, a me

chamar de aberração pela última vez, mas se mantém calado.

— Tem certeza de que é isso que você quer? — meu pai pergunta

com o tom de voz sério.

— Olly é decidido, querido. Sempre foi — minha mãe diz com

amor. — Triste e solitário, mas decidido.

— Vão me expulsar da família por não me casar com uma herdeira

rica? — pergunto, encarando Donovan.

— E os gêmeos? — ele questiona.


— As crianças a amam — respondo.

— É tudo que importa — meu pai dá a aprovação do seu jeito, mas

eu já sabia que ele não iria se opor. Se fosse alguém que se preocupasse

com sangue, não teria me adotado.

— Quando vão começar a preparar o casamento? — minha mãe quer

saber. — Pretendem se casar em qual país? Já vou programar uma visita a

sua casa, para ajudar sua noiva.

— Não vamos fazer festa. Vamos nos casar apenas no civil, dentro

de um mês — os informo, enquanto o saco de lixo do meu irmão permanece

calado.

— Qual o motivo da pressa? — meu pai questiona.


— Adiantamos o casamento porque a mãe de Caroline acabou de ser

presa por ter assassinado o marido, e minha noiva está lutando para

conseguir a guarda do irmão de treze anos. Casando comigo as chances

melhoram — revelo, sem vontade de fazer rodeios.

Minha mãe abana o rosto com as mãos, em choque.

— Que noiva complicada você arranjou — meu pai comenta.

— Eu sabia que havia algum interesse por trás disso — Phillip não

consegue segurar. — Eu disse a vocês, não disse?

— Cale a boca, Phill. Olly é muito inteligente para saber se está

sendo enganado ou não — meu pai o repreende, como se ele fosse um

adolescente mimado. — É esperto, e é por isso que será meu sucessor, no

futuro.
Phillip bate o punho contra a taça de vinho, espalhando a bebida

bordô pela mesa, e sai.

— Querido — minha mãe levanta para ir atrás dele, mas meu pai diz

para que ela o deixe ir.

Continuo comendo, como se nada tivesse acontecido, e meus pais

fazem o mesmo.

— Nós vamos ao seu casamento, mesmo que seja uma coisa simples

— minha mãe diz com o olhar triste.

Imagino como deve ser doloroso para ela ter um filho como aquele

desgraçado. Em breve isso irá acabar e ele não vai mais infernizar a vida de

ninguém.
— Volto amanhã cedo, não posso ficar longe da sucursal —

comunico aos meus pais.

Horas depois, quando eles se recolhem, escapo para pegar o veículo

que o “detetive” deixou a um quilômetro na mansão, na floresta, porque não

vou usar nenhum dos carros da família.

***ALERTA DE TRECHO COM VIOLÊNCIA, BRUTALIDADE E

TORTURA.***

***PULE PARA O CAPÍTULO SEGUINTE SE ISSO LHE CAUSA

QUALQUER TIPO DE DESCONFORTO!***

Sigo a localização após receber a confirmação de que capturou

Phillip e o levou para o ponto combinado, em outra floresta, a alguns

quilômetros de Los Angeles.


Imagino que a ansiedade vai me acompanhar por todo percurso, mas

o meu sangue parece estar frio agora.

— Ele ainda está chapado — é a primeira coisa que o “detetive” diz

quando chego.

Phillip está amarrado a uma cadeira, com várias marcas de pancadas

no rosto. O sangue escorreu do nariz e da boca inchada, mas já secou.

— É claro que está — digo e paro diante dele, a raiva dominada cada

célula do meu corpo.

Dou o tempo para que o desgraçado me reconheça por trás do olho

inchado.

— Sabe por que está aqui? — pergunto com a voz controlada.


— Meu pai vai descobrir e você vai pra cadeia — Phillip fala, sua

voz sai embolada por causa do lábio inchado.

— Diga pra ele porque não vou pra cadeia, “detetive”.

— Depois que Oliver terminar com você hoje, vai te deixar aqui para

passar o resto da madrugada comigo, para que eu possa terminar o serviço.

Vou te colocar para assar na fornalha do porão.

— Mas vai começar devagar, para que você saiba como é sentir a

pele derretendo — digo lentamente, com a lembrança das dores tão fortes

que nem os remédios conseguiam aliviar. — Para que você aprecie a dor.

— E quando sua pele derreter toda e não sobrar muita coisa além dos

ossos — o “detetive” continua —, vou pegar seus restos e seu carro, e

deixar tudo tão perfeito, que ninguém, jamais, vai sequer suspeitar de que
não foi nada além de um acidente, em que seu carro pegou fogo e você

morreu carbonizado dentro da lataria.

Ele geme, chorando como um covarde, e mija nas calças.

— Para facilitar as coisas, você ainda saiu de casa sem motorista

hoje — acrescento, enquanto o “detetive” arranca suas roupas com a faca.

Tenho pouco tempo, preciso estar na casa dos meus pais logo.

Preciso entrar sem ser visto.

O “detetive” me entrega a faca e me aproximo. Phillip implora para

termos uma conversa civilizada.

— Eu poderia passar a noite descontado cada surra que você me deu

quando éramos garotos, o desgosto que dá ao nossos pais até hoje, mas vou

fazer diferente.
As mãos tremem quando encosto a faca no seu corpo e corto a

primeira fatia. O sangue escorre pelos meus dedos e seus gritos fazem meus

tímpanos arderem, mas não paro. Seu corpo entra em choque, começando a

se debater, mas o “detetive” o segura para que eu possa ir em frente.

Tiro um pedaço de pele do peito dele, no formato exato de uma das

minhas cicatrizes, enquanto ele urra de dor, forçando as cordas vocais.

Quando ergo o pedaço para que ele olhe, o desgraçado desmaia.

Dou um soco que quebra seu nariz, o fazendo acordar.

Conforme vou tirando os pedaços da sua pele, nos lugares exatos em

que o fogo me marcou, seu corpo passa a se debater cada vez mais e ele

desmaia, mas é acordado com pancadas em todas as vezes.


Os gritos passam a ficar roucos e depois se transformam apenas em

grunhidos, porque sua garganta já não aguenta mais.

Ao chegar na parte mais extensa, um trecho do peito, passando pelos

ombros, até as costas, minhas mãos não tremem mais.

A raiva não abranda, a dor interna não passa, mas fazê-lo sofrer

equilibra as coisas.

— Precisa ir embora, já está passando da hora — o “detetive alerta,

enquanto olho para os pedaços de pele ensanguentados no chão.

Me preparo para ir embora, mas volto. Não posso arrancar cada um

dos seus membros, quebrar seus dedos, porque a perícia não concluiria que

foi um acidente com ossos quebrados dessa forma, então eu soco seu
estômago, sua cara, faço a cadeira virar no chão com os impactos,

esperando que raiva diminua, e bato no seu corpo com a ponta da bota.

— Você precisa ir agora — o “detetive” insiste. — E tenho que

terminar o meu trabalho.

Assinto, com a respiração acelerada.

— O último pagamento caíra na sua conta assim que a polícia

decretar que foi um apenas um acidente de carro com uma explosão terrível

— digo, antes de ir embora.

— Não esqueça de se livrar das roupas e da bota — ele acrescenta.

Desejo não ver o “detetive” nunca mais. Torço para não precisar

mais fazer esse tipo de coisa, mas tenho certeza de que farei de novo para
proteger ou vingar aqueles que amo, se um dia for necessário, sem pensar

duas vezes.
Oliver

Quando recebemos a notícia do acidente que levou a vida do meu

irmão de maneira tão terrível, a sucursal fica abalada, mesmo que a maioria

dos funcionários nunca tenha visto Phillip pessoalmente.

Caroline sabe o que aconteceu de verdade, porque eu não quero

guardar nenhum segredo dela, por mais terrível que seja.


Vamos ao velório para não gerar nenhum tipo de desconfiança, mas

não ficamos por muito tempo. Não sou frio o suficiente para ver minha mãe

chorar por algo que causei.

Meu pai é mais duro.

— Pela vida que seu irmão levava, eu sempre soube que ele teria um

fim horrível — diz ao me ver. — Fiz o que estava ao meu alcance para

ajudá-lo.

— Sim, você fez, pai — murmuro e respiro fundo.

— Não adie seu casamento por causa disso, Olly. Ele não faria o

mesmo por você — constata sincero.

— Não vou adiar. Precisamos seguir em frente.


E eu sigo, porque não posso mais ficar agarrado ao passado quando

tem uma vida me esperando.

Quando volto para o Brasil, vou até uma joalheira e escolho as

alianças e um anel de noivado com um diamante azul que me lembra a cor

dos olhos de Caroline.

Os mantenho por perto, dentro da caixinha de veludo vermelha,

pelos próximos dias.

Caroline

Sábado, 20 de março de 2032

Ao longo da semana, Oliver mandou entregar trinta buquês de rosas

vermelhas todos os dias na minha sala, na Henderson & Co.


No primeiro buquê, o da segunda-feira, havia um bilhete que dizia:

“Obrigado por ter assistido ao pôr do sol comigo, em Bento

Gonçalves.”

Na terça, ele foi mais ousado:

“Não sabe como sou grato por você ser distraída o suficiente para

nos meter em um cruzeiro de swings. Aquilo foi a melhor coisa que poderia

ter acontecido.”

No terceiro bilhete, Oliver fez uma gracinha:

“Não sei se devo te agradecer por isso, mas você me fez ouvir a

música Voyage Voyage um bilhão de vezes, porque nunca vou me cansar de

ver o seu vídeo dançando na plataforma com aquele vestido vermelho.”


No quarto bilhete, ele me surpreendeu ao lembrar de um detalhe:

“Lembra a música que estava tocando quando você me chamou para

dançar, na nossa segunda noite no navio? Você sussurrou a letra no meu

ouvido, e eu penso nela todas as vezes que me abraça. Tudo o que sempre

quis / Tudo o que sempre precisei está aqui em meus braços.”

Na sexta, esse era o bilhete que acompanhava o buquê de rosas:

“Obrigado por desenhar estrelas ao redor das minhas cicatrizes.

P.S.: Você me fez gostar de Taylor Swift, Caroline. Tem ideia do seu

poder de persuasão?”

E agora, Oliver está ao pé da escada, segurando mais um buquê de

rosas vermelhas, me esperando descer para irmos jantar.


Meu coração acelera como da primeira vez em que dançamos juntos,

no casamento do meu irmão. Quando chego ao último degrau, Oliver se

agacha coloca um joelho no chão e tira algo do bolso.

Levo a mão aos lábios, ao me dar conta.

— Sei que já temos até a data do casamento marcada, mas você

merecia um pedido romântico.

Meus batimentos se elevam ainda mais, o sangue flui rápido pelas

minhas veias. Oliver presta atenção em cada mínimo detalhe, ele tem tudo

que eu poderia desejar em um homem. Tudo e muito mais.

— Você aceita passar o resto de sua vida ao meu lado, Caroline? —

ele pede no meu idioma, e me derreto ainda mais.

— Sim! Sim, eu aceito!


Quero dar pulinhos de alegria, correr pela sala gritando que vou me

casar, ligar para as gurias e contar que ele pediu minha mão em casamento,

porque não tivemos tempo e nem clima para comemorar quando

resolvemos isso, mas contenho minha alegria e estico a mão para que ele

coloque a aliança e o anel de noivado no meu dedo.

É um gesto tão lindo que não consigo segurar a emoção e o choro.

Por mais que os dias passem, mesmo que Oliver me trate como uma

princesa todos os dias, eu ainda não estou totalmente acostumada a ser

prioridade de alguém.

Sou surpreendida todos os dias, e gosto disso, da emoção.

Coloco a aliança no seu dedo e oro em pensamentos que dure para

sempre.
— Vamos? — ele pergunta, depois que levo o buquê de flores até um

vaso com água, na sala de jantar.

Seguro no seu antebraço, reparando em como minha mão fica linda

com o anel de noivado, e o sigo. Estou usando um vestido preto que possui

uma abertura nas costas que vai até a minha lombar.

No helicóptero, Oliver se acomoda no banco de trás, ao meu lado, e

atiça meu desejo, passeando os dedos por baixo do vestido, dos joelhos até

metade das coxas.

Suspiro e as afasto discretamente para o piloto não ver, então o toco

por cima da calça. O fogo me atinge quando o encontro duro. Fico na

expectativa, desejando que seus dedos subam mais um pouco, que

encontrem meu clitóris e me deem um pouco de alívio, mas Oliver se detém

alguns centímetros antes.


Viro o rosto e o encaro na penumbra com o olhar cheio de desejo, o

aperto por cima da calça e abro mais as pernas, mas ele afasta a mão,

abrindo um sorriso malvado.

Respiro fundo, e puxo o vestido para cima. Sentada atrás do piloto,

ele não vê o que estou fazendo nessa região.

Deixo que meu noivo me veja lambendo os dedos devagar, então

afasto mais uma coxa, puxo a calcinha de lado e desço a mão até meu sexo.

Me acaricio, sentindo o calor. Rodeio o clitóris com as pontas dos

dedos e mordo do lábio para conter um gemido, para que o piloto não ouça

através dos fones, enquanto Oliver assiste. Escorrego os dedos até minha

entrada encharcada e deslizo um pouquinho no banco, me contorcendo

quando começo a penetrar.


Ele coloca sua mão sobre a minha, procurando me tocar também,

mas me endireito, arrumando a roupa no lugar e empurrando sua mão para

longe.

O encaro e chupo o dedo lentamente, mas me arrependo ao ver a

fúria nos seus olhos.

Quando o helicóptero pousa sobre um arranha céu, Oliver me leva

para jantar em um restaurante no décimo segundo andar do prédio.

Me sinto como a mocinha de um filme, mas é muito melhor, porque

é real.

A louça é chique, os talheres são dourados e Oliver escolhe uma

mesa ao lado da parede de vidro.


— É lindo — sussurro, depois de jantar, olhando através da vidraça

com vista para a Ponte Estaiada, a cidade iluminada.

— Não pensei que fosse encontrar a mulher da minha vida no Brasil

— Oliver sussurra, observando as luzes.

— Na verdade, você me encontrou nos Estados Unidos — brinco,

esticando a perna para tocar sua panturrilha com meu pé. — Eu te amo.

— Eu também te amo — ele diz e pisca para mim. Mas meu coração

erra uma batida porque seu rosto passa a ficar sério. — Você se comportou

mal no helicóptero.

Engulo em seco, com um misto de medo e excitação.

— Você provocou primeiro — me justifico depressa, com o coração

acelerando.
— Shiii — Oliver pousa o dedo indicador sobre os lábios. — Calada,

amor.

Puxo o ar para os pulmões depressa, me sentindo tonta, quando ele

levanta e me dá a mão para segui-lo.

Saímos do restaurante e ele me leva em direção aos elevadores.

— Tira a calcinha, agora — exige, enquanto esperamos a porta abrir.

Abro a boca surpresa, e me viro para olhar em volta, verificando se

tem alguém vindo, mas Oliver agarra minha garganta.

— Eu disse agora! — diz em voz baixa, mas autoritária, puxando

meu rosto para perto do seu.


Estremeço, surpresa, enquanto sinto pulsação em várias partes do

meu corpo. Me movo para tirar a calcinha e ele só solta meu pescoço

quando termino.

Entrego a lingerie e ele a cheira.

O elevador chega, ele a coloca no bolso e nós entramos. Estou me

sentindo nervosa como da primeira vez, só que agora é mais intenso, porque

sei o que vai acontecer. Me concentro no brilho dourado da aliança no seu

dedo anelar quando Oliver começa a abrir o cinto.

Ele o puxa dos passadores e o dobra. A porta do elevador abre na

cobertura. Há apenas um hall de acesso a duas portas.

Oliver me leva para uma delas. É um apartamento moderno e amplo,

com vista para a cidade de São Paulo, do último andar do arranha céu.
Caminho até a vidraça e observo os carros indo e vindo, consigo

sentir o calor dele ao se aproximar do meu corpo.

— Tira o vestido pra mim — sussurra.

Me viro e o encaro, puxando a barra do vestido para cima, o tirando

pelos ombros. Seus olhos percorrem o meu corpo como se me vissem pera

primeira vez. Sinto meu sangue fluir, olhando para o cinto na sua mão, na

expectativa.

— Oliver — digo baixinho, como uma súplica — coloca a boca em

mim.

— Não disse que você poderia falar — ele ralha e ergue o cinto.

Respiro fundo sem saber o que vai fazer, e estremeço quando dá um

passo para junto de mim e esfrega o couro contra um dos meus seios. Me
movo agoniada, lambendo o lábio, ansiando pelo toque da sua boca, das

suas mãos, sentindo o calor que emana do seu corpo, seu cheiro de verbena.

Ele arrasta o cinto lentamente ao redor do meu seio, depois o leva

em direção ao mamilo. Meu sexo lateja, escorre, implora por um contato e

eu aperto os lábios para aguentar sem deixar um gemido escapar.

Por favor, imploro em pensamentos, e ele inclina para lamber o

mamilo, atiçando ainda mais o meu desejo.

Oliver esfrega o cinto no outro seio, enquanto suga o mamilo, depois

desce o couro pela minha barriga até encontrar meu sexo. Não aquento

esperar mais quando ele passa o cinto contra minha boceta, me penduro nos

seus ombros e coloco uma coxa em volta do seu quadril, encaixando nossas

pélvis e me impulsionando contra ele.


Ouço seu rosnado e torço para que ele não me torture mais.

Escorrego as mãos pelo seu cabelo, esfregando meu sexo contra o

volume duro feito pedra dentro da sua calça. Sua boca vai até meu outro

seio e o abocanha. É tão gostoso que eu quero ir mais rápido.

Para minha surpresa, Oliver aperta minha bunda e me empurra

contra o sofá da sala.

Me apoio nas costas do móvel e ele continua chupando meu seio,

permitindo que me esfregue contra ele, que puxe seu cabelo. Aperto meu

clitóris cada vez mais rápido, arfando ao sentir o orgasmo se aproximar.

— Assim não, amor — Oliver diz, afastando o quadril de mim

abruptamente.

— Por quê? — pergunto, frustrada.


— Quando você gozar hoje, será com meu pau enterrado no seu

cuzinho — ele diz ao erguer o cinto o afivelando no meu pescoço, me

deixando tonta. — Esqueceu que ele é minha propriedade?

— Não, senhor — respondo trêmula.

— Ótimo.

Ele puxa o cinto e o sigo até uma mesa, onde me coloca sobre o

tampo. Me permite que eu o beije, que tire suas roupas, que toque seus

testículos e o masturbe.

Eu subo na mesa ficando de quatro, enquanto ele se mantém no

comando com o cinto, abro a minha boca colocando a língua para fora.

Sugo sua glande macia e avermelhada quando se aproxima, o

encarando. O lambo todo, sugando depressa, o fazendo gemer, até que ele
se afasta, contorna a mesa e aproxima o rosto do meu corpo.

Primeiro, sinto sua respiração, depois os dentes mordendo a minha

bunda, antes de abri-la.

Me preparo arqueando mais as costas, me empinando quando ele me

faz abrir mais as pernas. Espero sua língua lá atrás, mas sou surpreendida

com uma palmada contra o clitóris.

Arfo, abaixando os ombros e encostando o peito no tampo da mesa.

— Você tá escorrendo de tesão — ele diz.

Ouço o arrastar de uma cadeira e imagino que está sentando atrás de

mim para me devorar.

— Se gemer, eu paro — ameaça.


Puta merda!

Sua língua encontra meu clítoris e preciso tapar a boca com força

quando Oliver suga, me chupando com voracidade, antes de tirar a boca e

dar uma palmada violenta no meu sexo, que me faz querer pecar para todo o

sempre.

Quero gritar, dizer para bater mais e mais, só que não posso, então

choramingo contra a palma da mão quando ele suga meu clitóris outra vez,

dessa mais lento e demorado. Levo outra palmada que faz meu clitóris

vibrar de tesão.

Sinto as pernas tremerem quando sua língua escorrega até meu

cuzinho.

Isso, amor. Penso, mas não posso falar.


Reviro os olhos, conforme ele o rodeia provocando antes de chupar.

Aperto a mão contra a boca e abafo um grito, estou desesperada querendo

mais. Me ergo, me apoiando sobre os joelhos, alcanço seu cabelo segurando

as mexas enquanto Oliver me devora.

Levo a mão até meu sexo e rebolo contra seu rosto, escorregando os

dedos em volta do clitóris.

Oliver puxa o cinto para me lembrar que ainda é ele quem manda,

então me faz descer da mesa.

— Espera de quatro, em frente a vidraça do quarto — ele ordena e

dá uma palmada na minha bunda.

Caminho sobre os saltos até a suíte do apartamento ao mesmo tempo

que ele entra no banheiro.


Me ajoelho e fico de quadro, esperando com a respiração acelerada.

— Abre a bunda e mostra o cuzinho pra mim, amor — ele pede.

Apoio o peito e rosto no chão, levo minhas mãos as nádegas e as

abro.

Seu calor encontra a parte de trás das minhas coxas e mordo os

lábios para aguentar quando Oliver voltar a me chupar. Meus olhos reviram,

meu clitóris vibra e meu canal se contrai, mas não dura.

Ele empurra minha bunda para o chão, meu fazendo deitar de

bruços, e dobra uma das minhas pernas.

Sinto quando derrama lubrificante e fico mais ansiosa quando coloca

a camisinha, mas quando Oliver se deita sobre mim, colocando uma das

mãos por baixo do meu corpo, alcançando meu sexo para acariciá-lo, sou eu
quem começo. Empino a bunda contra seu quadril e amo quando seu pau

roça lá atrás.

— Come meu cuzinho, amor — arrisco dizer e ele puxa o cinto, me

deixando sem ar.

— Se falar novamente, vai voltar pra casa sem gozar — Oliver

ameaça, mas eu amo isso.

Rebolo contra ele e respiro fundo quando solta o cinto. Oliver

intensifica o toque no meu sexo, escorregando os dedos para dentro, ao

mesmo tempo que sua glande encontra meu orifício. A palma da sua mão

faz massagem conforme começa a penetrar.

Movo o quadril contra sua mão, buscando alívio, encontrando o

prazer mais intenso e cruel que já experimentei, conforme seu pau entra e
seus dedos estocam minha boceta. Arranho o chão, apertando os lábios o

máximo que posso, me impulsionando contra sua mão, adorando seu calor

sobre mim, seus urros.

— Geme pra mim — Oliver pede.

Arfo, antes de soltar um grito de prazer. O orgasmo me atinge antes

que ele termine a penetração, e como não para, fico ainda mais excitada.

— Come meu cuzinho bem gostoso, vai — peço baixinho e recebo

uma palmada na coxa em resposta.

Mesmo assim, ele começa a mover o quadril, tirando e colocando.

— Assim — eu peço.
Oliver me puxa de lado se apoiando no cotovelo e coloca dois dedos

na minha boca. Começo a chupá-los imediatamente, como se fosse seu pau.

Ele mete o pau, e sugo seus dedos, estamos ambos ofegantes,

gemendo, grunhindo, mas não vamos muito longe. Quando gozo, me

contraindo toda e gritando contra seus dedos, Oliver também goza,

estocando bruto em cima de mim.

Agora sim, me sinto toda dele.


Caroline

Quarta, 24 de março de 2032

— Vocês já pensaram em ter um irmãozinho ou uma irmãzinha? —

pergunto aos meus anjinhos, quando eles estão na sala de jogos da casa,

depois da escola.

Vim mais cedo do trabalho para me preparar emocionalmente.


O advogado recomendado por Charlotte reuniu evidências

suficientes que comprovaram minha capacidade de assumir a

responsabilidade por meu irmão, mesmo antes do casamento. A nomeação

do meu novo cargo de COO, minha mudança para a residência de Oliver,

que é um lar com estabilidade, segurança e conforto, além do apartamento

que Dimitri colocou em meu nome, e a entrevista da assistente social, em

que Giovanni afirmava preferir morar comigo, fez com que o juiz cedesse

sua guarda provisória a mim.

É uma das melhores notícias que eu poderia receber.

O jatinho dos pais de Oliver está no Brasil e ele pediu que fosse

preparado para buscarmos meu irmãozinho no dia seguinte.

— A gente vai ter, mamãe Caroline — Jake responde.


Cada vez que me chamam de mamãe, meu coração se aquece.

— É, mamãe. Giovanni vai chegar. Você disse — Celiny concorda

com ele.

— Senhora Collins disse que ele vai ser nosso irmão mais velho —

Jake acrescenta, enquanto brinca com um lego gigante.

— Vamos pedir ao senhor Rodrigues pra comprar um bolo —

Cenourinha revela, confessando que estão preparando alguma coisa com o

nosso motorista. — Mas é uma surpresa.

— O bolo e os balões — Jake lembra a irmã. — Senhor Rodrigues

não pode esquecer.

— Será que ele vai gostar? — Celiny questiona, parecendo

preocupada.
Afirmo com a cabeça, emocionada por eles quererem recepcionar

Giovanni, fazerem com que se sinta amado. Quero abraçá-los e desabar no

choro, porque estou ficando cada dia mais emotiva, mas respiro fundo e me

seguro.

— Tenho certeza que Giovanni vai amar.

Um nó trava minha garganta, porque um dos meus irmãos finalmente

vai ter uma adolescência decente, com uma família que o ama de verdade.

Engulo em seco e me obrigo a continuar falando.

— Mas já pensaram em ter outro irmãozinho? — insisto, observando

suas reações.

— Um bebê? — Celiny pergunta primeiro.


— Sim, um bebê — confirmo.

Os dois me encaram com os olhos arregalados, e me contam que tem

uma criança na sala deles, na escolinha, que vai ganhar um irmãozinho

também.

— Ele disse que o bebê tá morando na barriga da mãe dele — Jake

diz, parecendo estranhar essa ideia.

— Perguntei a senhora Collins como o bebê entrou lá dentro, mas ela

ficou toda vermelha e não me respondeu — Celiny protesta e faz um

biquinho.

Me assusto, torcendo para que eles não me peçam essas explicações

agora, ainda não estou pronta.


Os olhos de Jake se arregalam de repente e sua boquinha se abre em

um grande “o”.

— Tem um bebê crescendo na sua barriga, mamãe? — ele pergunta.

Celiny leva as duas mãozinhas a boca, arregalando os olhos azuis.

— O papai sabe? — ela me questiona.

— Shiii! — Pouso o dedo indicador nos lábios. — É nosso segredo,

por enquanto.

Sexta, 26 de março de 2032

Acordo mais cedo que Oliver e as crianças. Saio na ponta dos pés e

atravesso o andar até a outra ala.


Escuto as funcionárias começando o dia de trabalho, preparando o

café da manhã, senhora Collins se movimentando no quarto, levantando

antes dos gêmeos para arrumá-los, e vou até o quarto que preparamos para

Giovanni.

Sei que chegamos tarde, mas não me aguento de ansiedade. Esperei

tanto por esse momento, para tê-lo comigo.

Entro no quarto com cuidado, as cortinas estão abertas e a luz do sol

nascendo passa pelas vidraças iluminando o quarto. Sua bagagem está perto

da escrivaninha, mas não é um grande volume. Meu irmão não tinha muita

coisa para trazer. Pouca roupa, os livros da escola, dois pares de tênis, e

nenhuma lembrança que quisesse trazer de lá.

— Você não sabe como é bom acordar longe daquele lugar — é a

primeira coisa que Giovanni diz quando eu tento, sem sucesso, deitar ao seu
lado na cama de casal sem acordá-lo.

— Era pra você continuar dormindo — murmuro, abraçando meu

irmãozinho de conchinha, sentindo o cheiro dos seus cabelos e me

lembrando das vezes em que dei banho nele, quando era um bebezinho,

antes de precisar ir embora.

— Já tava acordado — confessa com a voz grave. Não tem mais voz

de garoto, e irmãozinho é só um jeito carinhoso de o chamar, porque

Giovanni está mais alto que eu, e tenho 1,75m. — Não consegui dormir

direito.

— Por quê? — questiono, preocupada, me apoiando nos cotovelos

para encará-lo. — Não gostou do quarto ou da cama? O colchão é muito

duro? Muito mole? Podemos trocar o que você quiser, acho que Oliver não

vai se importar.
— Não é nada disso, Carol — diz e se vira, para me encarar. — É

que isso é muito bom para ser real.

Toco seu rosto, como faço com Stefan, e passo os dedos pelas

mechas do seu cabelo loiro.

— Eu sei como é. Ainda me surpreendo todo dia. Uma parte de mim,

aquela que ainda não desapegou dos dias ruins, fica tentando se manter

forte para o momento em que as coisas vão desabar.

— Aconteceram muitas coisas ruins nos últimos anos,

principalmente depois que Stefan foi embora — ele diz. — Não quero

voltar para aquele lugar, não quero que ela saia da cadeia, e me pegue de

volta. Eu quero ficar com você.

— Ela não vai sair, pode acreditar — garanto.


Não quero contar ao meu irmão que, quando aquela cobra infeliz

tiver sofrido o bastante, ou até pior, comer o que Dimitri comeu quando foi

detido, dormindo e vivendo como ele viveu, apanhado lá o bastante para ter

desejado estar morta várias vezes, quando tiver pagado com juros tudo que

nos causou, quando sua pena estiver chegando ao fim, ela vai morrer.

— Nunca mais irá nos fazer mal de novo, nunca mais — acrescento.

— Somos fortes agora, você está seguro e tem uma família enorme que te

ama.

Alguém bate na porta e digo que pode entrar.

As crianças são as primeiras, segurando os balões, enquanto Stefan

traz o bolo que eles pediram a senhor Rodrigues para comprar ontem. Diana

vem logo atrás, carregando meu sobrinho fofo no colo, seguida de Oliver e

senhora Collins. E começam a cantar parabéns para meu irmão.


— Eles fizeram todo mundo acordar mais cedo, porque queriam te

dar parabéns antes de irem para a escola — explico, observando como os

gêmeos estão empolgados. — Parabéns, Giovanni. Desejo que todos os seus

aniversários sejam felizes daqui em diante.

Os olhos dele brilham com a surpresa, mas logo escapa para o

banheiro, usando calça de moletom e a camiseta do grêmio.

— Esse é a comemoração de aniversário mais diurna que já vi —

Diana comenta quando estico os braços para pegar meu sobrinho.

Celiny e Jake pedem a ajuda do pai para amarrarem os balões na

mesinha de cabeceira.

— Eu não convidei ninguém — Stef resmunga — e não entendi esse

interesse todo em conhecer meu irmão.


Estreito os olhos para o safado, pensando em jogar um travesseiro

contra ele, mas me comporto.

— Somos todos uma grande família agora — digo, o fuzilando com

o olhar.

— Mas precisava acordar tão cedo? Parece que nem dormiu direito,

de ansiedade. Podia conhecê-lo depois — Stef continua reclamando.

— Qual é o problema? — Oliver pergunta no nosso idioma, quando

termina o trabalho com os balões.

Diana fica na ponta dos pés para cumprimentá-lo com um abraço.

— Tia Carol me mostrou uma foto de Giovanni e eu quis conhecê-lo

logo, é só isso — ela dá de ombros.


Meu irmão caçula volta do banheiro de rosto lavado e dentes

escovados, então se desdobra para receber os abraços de parabéns de cada

um.

— Perdemos a hora — Giulia se justifica, assim que entra no quarto

com Dimitri, alguns minutos depois. — Feliz aniversário!

Giovanni se inclina para abraçar minha cunhada, depois

cumprimenta Dimitri.

— Agora Diana tem alguém próximo da mesma idade que ela —

Giulia acrescenta. — Hector e Ayla são mais velhos, Valentina também...

— Sim, daqui a pouco eles vão pra faculdade — Diana diz,

parecendo melancólica.
— Vão matriculá-lo na mesma escola? — Dimitri pergunta, pegando

Dom do meu colo, enquanto Jake e Celiny disputam os braços de Giovanni

e Daryl Dixon late, para tentar apaziguar.

— É bom começar tendo uma amiga para mostrar a escola — Oliver

arrisca dizer, com o sotaque forte, e pisca o olho para mim, antes de pegar

as crianças do colo de Giovanni. Elas precisam se arrumar para a escola

Stefan abre a boca para se opor, mas o encaro com tanta seriedade

que ele se contém.

— É uma ótima ideia — Giulia concorda. — Agora precisamos ir.

Os acompanho até a saída e me enrosco no braço de Stef.

— Você não vai fazer Dimitri ter ciúmes da filha mais do que já tem

— murmuro próximo a sua orelha.


— Eu preciso protegê-la, Gina — ele rebate.

— Proteger de quê? Giovanni é um garoto e ela uma criança! — o

repreendo. — Se vier com gracinha mais uma vez, eu acabo com aquela

história de amizade que você tem com Ayla.

— Isso é golpe baixo — Stef reclama.

— Não me provoque! E vai ver a matrícula da faculdade, você

precisa tomar um rumo.

— Eu sempre tive um rumo, eles só levavam a um bom destino —

ele brinca.

O abraço bem forte, aliviada por finalmente poder ajudá-lo da forma

como ele merece.


— Mostre o livro a Dimitri, você é irmão de um editor chefe, o que

está esperando?

— O momento certo — ele responde.


Caroline

Sábado, 10 de abril de 2032

É tudo muito simples, até porque os piores acontecimentos

envolvendo os demônios das famílias são recentes. Vamos nos casar aqui

mesmo, com um juiz de paz e apenas as pessoas mais próximas.

Ayla está finalizando minha maquiagem quando Dimitri entra no

quarto.
— Ela está linda, não é, Dindo? — pergunta a meu irmão.

— Está perfeita — ele diz, se ajoelhando perto da poltrona onde

estou sentada, usando Black Tie. — Vim aqui para te dizer que não precisa

se casar.

O encaro e sacudindo a cabeça em negação, mas coloco a mão sobre

a dele quando toca meu ventre.

— Você já conseguiu a guarda provisória do seu irmão, e essa foi a

desculpa que deram para marcar esse casamento logo — ele brinca,

acariciando minha barriga com os dedos tatuados por cima do vestido

branco. — Pode fugir, Carol, eu dirijo.

— Não acredito que tô ouvindo isso — Ayla diz, colocando o pincel

sobre a bancada e se apoiando para assistir a cena. — Mas também não me


surpreendo.

— Você tá carregando nosso sobrinho, são três tios para ajudar a

cuidar, fora o resto dos cretinos e nossas esposas, não precisa de um

casamento por conveniência — Dimitri continua.

Toco a letra C que ele tem tatuada na falange proximal do seu dedo,

me representando, e suspiro. Além do C, Dimitri também tatuou o E, que

representa sua mãe, o G da sua amada e o S do irmão caçula

— Você também acredita que o bebezinho foi parar na barriga da

Carol por conveniência? — Ayla diz, porque não consegue segurar o

atrevimento.

Dimitri a encara com seu olhar frio, mas passo os dedos no seu rosto

e ele volta a relaxar.


— O que acha da proposta de fugir? — questiona e arqueia uma das

sobrancelhas.

— Só lamento por Oliver não ter ninguém para fazer propostas

idiotas a ele nesse momento — digo e faço um bico.

— Ah, Carol! — Ayla se apressa em abanar meu rosto com as mãos,

mas eu me seguro.

Dimitri se inclina e me abraça.

— Você sabe que ele já faz parte da família — meu irmão diz com

gentileza. — Foi aceito muito antes de vocês decidirem se casar.

Eu amo a forma como Dimitri toca meu rosto com delicadeza,

porque contrasta com seus traços marcantes, a cara séria e todas as

tatuagens.
— Da parte dele, só vieram o pai e mãe — comento, com um nó na

garganta. — E acho que o senhor Henderson não vai dizer absurdos ao filho

como você veio fazer.

— Não precisa se preocupar, Carol. Eu já reuni meu pessoal pra ter

uma conversa com seu noivo. Garanto que, se quando você descer, ele ainda

estiver lá te esperando, é porque realmente te merece.

Dou risada, enquanto Dimi deixa o quarto para cumprir sua palavra.

— Se eu fosse você, não comemorava — Ayla me alerta. — Aqueles

seis vão fazer todos os tipos de ameaça que puderem.

Não me preocupo com essa parte, sei que Oliver aguenta.

— Entra — ela diz para outra pessoa que bate na porta.


Stefan aparece, carregando um embrulho com um lacinho dourado e

aperta os lábios contra os de Ayla.

— Posso conversar um pouquinho com minha irmã? — pergunta em

seguida.

— Claro, eu já terminei aqui.

— Você fez um excelente trabalho — Stef a elogia e ela joga um

beijo no ar, antes de deixar o quarto.

Respiro fundo.

Ele me entrega o presente e eu abro, curiosa.

— Não é nada demais — ele se adianta —, mas obrigada por ter

contado pra gente antes. Queria ser o primeiro a comprar alguma coisa.
Mordo o lábio, emocionada ao ver o par de sapatinhos brancos

dentro da caixinha de acrílico. Meu coração está tão cheio de amor que

quase transborda.

— Obrigada! — sussurro. — São lindos!

Ele me abraça apertado e estão debruça a cabeça no meu colo.

— Me desculpe por tudo — pede, de repente. — Eu sei que dou

trabalho...

— Não há nada para se desculpar — digo com carinho.

— Giulia me disse que não sou o pior irmão Romano, que Ícaro era

uma decepção — Stef comenta, enquanto passo meus dedos pelo seu cabelo

escuro e grosso.
— Ícaro amava Emílio, para você ter noção — brinco, mas sinto um

peso no coração.

Engulo a saliva, não quero pensar nessas coisas agora.

— Então não sou o pior — ele volta a falar, mas Dimitri entra,

anunciando que não conseguiu fazer o noivo desistir de se casar.

— Acho que vocês são uns cretinos de merda, isso sim! — protesto,

para espantar a sensação ruim na boca do estômago.

Coloco a caixinha com os sapatinhos sobre a bancada e Stefan me

entrega o buquê. Me enrosco no braço de Dimitri e deixo que me guie pelas

escadas.

A emoção ruim vai embora e aperto o braço do meu herói com toda

força, enquanto pisamos nos degraus devagar, até o altar improvisado.


Não sonhava com um vestido de noiva com calda e uma festa

chique, nem ser o centro das atenções assim, porque jamais pensei que um

dia alguém fosse me amar dessa forma, mas eu sei que não poderia haver

ninguém melhor que Dimitri para estar ao meu lado nesse momento.

Ele desliza as costas dos dedos abaixo do meu queixo para aparar

minhas lágrimas, quando chegamos ao último degrau.

Os móveis da sala foram afastados, os nossos amigos estão em volta,

mas Oliver está me encarando do outro lado, e meu coração começa a bater

como das primeiras vezes.

— Última chance — Dimitri sussurra, antes de me entregar a meu

noivo.
Me seguro para não cair na provocação, ainda com as lágrimas

rolando, e fecho os olhos quando ele beija minha testa com amor.

— Você está maravilhosa, amor — Oliver diz em português.

Quero sussurrar que ele está lindo pra caralho, mas me limito a

dizer que também está maravilhoso.

Quando o juiz pergunta se tem alguém, presente nesta sala, que tem

algo a dizer que possa impedir nossa união, eu rapidamente viro a rosto,

localizando com facilidade Dimitri, Artho, Eros, Lion, Natan e Gabriel.

Encaro cada um deles com um olhar de ameaça, antes que abram a boca e

me façam passar vergonha na frente do senhor e da senhora Henderson.

Por sorte, o clube dos cretinos se comporta pela primeira vez.


— Eu te amo, Caroline — Oliver diz, antes de me beijar pela

primeira vez como meu esposo.

Acho que nunca vou me cansar de ouvi-lo pronunciar meu nome em

português com seu sotaque.

— Eu também te amo, Oliver — respondo, antes de prová-lo como

marido pela primeira vez.

Estamos dançando Thinking Out Loud, de Ed Sheeran, uma música

da época da minha adolescência, e Oliver me faz girar.

Nossa família e amigos estão na sala, dançando ou conversando,

bebendo espumante, enquanto as crianças correm pela casa e os

adolescentes se reúnem pelos cantos para fofocarem.


Os gêmeos se aproximam com uma caixinha comprida e dourada.

— Temos um presente de casamento pra você, papai — Jake diz e

Celiny ergue a caixinha para Oliver.

— Pra mim? — ele pergunta e ergue as sobrancelhas, surpreso. —

Meu aniversário é só Julho. É mamãe quem faz aniversário na semana que

vem.

— Esse é pra você, papai — Celiny insiste.

As gurias chegam mais perto, junto com os cretinos, e observo

quando Diana entra na sala, vai até meus sogros e os pega pelas mãos, os

convidando para se aproximarem.

— Obrigada — movo os lábios em agradecimento a ela.


Oliver se ajoelha paciente, pega o que parece ser uma caixa daquelas

canetas chiques, e dá um beijo na bochecha de cada um dos filhos, só

depois desfaz o laço e abre a tampa.

Prendo a respiração, enquanto ele está com a cabeça inclinada para

baixo, olhando para o teste de gravidez positivo que eu guardei todos esses

dias, desde que comecei a ficar enjoada pela manhã.

— É sério? — me pergunta e faço que sim com a cabeça.

— Tem um bebê na barriga da mamãe — Celiny diz.

— A gente não sabe como ele foi parar lá — Jake faz todo mundo

dar risada.

— É o melhor presente de casamento que eu poderia ganhar —

Oliver diz aos gêmeos e fica de pé.


Ele me pega depressa pela cintura e me tira do chão, me beijando

apaixonado na frente da sala cheia.

— Acho que aquela pílula do dia seguinte não funcionou — digo

contra seus lábios.

— Todos os enganos naquele navio foram os melhores da minha

vida — Oliver diz e faz meu coração se encher tanto de amor que imagino

não ser capaz de aguentar a emoção.

Domingo, 25 de abril de 2032

Oliver está deslizando os dedos na minha barriga, sussurrando

palavras em inglês para nosso bebê.

O sol ainda não nasceu, ele acordou cedo para ser o primeiro a me

desejar parabéns no meu aniversário de vinte e nove anos, mas eu já estava


acordada.

Não tenho dormido muito esses dias, e por mais que tente não

pensar, por mais que eu lute para nunca mais lembrar, não consigo.

Todos tiveram seus acertos, Dimitri, Giulia, Oliver, até Giovanni. E

eles pensam que também tive, mas... um eu guardei em segredo.

Não aguento mais segurar, porque está escapando do meu controle e

vou acabar falando no meio da noite.

Respiro fundo, implorando em pensamentos para conseguir dizer a

Oliver.

— Entre Emilio e Flaviano teve outro homem — começo, sentindo

meu peito pressionado.


Oliver se apoia no cotovelo para me encarar e aperto sua mão com

força.

— Ele só vinha à noite, e minha mãe pedia para não comentar com

Ícaro e nem ninguém. Ela sempre teve muitos segredos — conto aos

sussurros. — Numa noite, quando eu tinha dez anos, Stefan era um

bebezinho e Ícaro estava na casa dos avós Ruschel...

Faço uma pausa para esfregar a mão no rosto e respirar fundo.

— Caroline — Oliver murmura e consigo sentir o ódio percorrendo

seu corpo. — Eu só preciso do nome e vou até o inferno atrás desse

desgraçado.

— Eu também quis matar ele — confesso. — Você deve imaginar o

porquê.
Por alguns segundos, eu deixo as lágrimas caírem, antes de me

recompor.

— Caroline... — ele diz. Sua mão treme quando toca meu rosto.

— Ele não conseguiu terminar, porque minha mãe ouviu o grito e

correu pro meu quarto. Enquanto eles brigavam, desci correndo as escadas e

peguei a faca. Queria matá-lo do jeito que pensava que Dimitri tinha

matado nosso pai.

— Ele está vivo? — Oliver quer saber.

— Está, foi ele quem a entregou pra polícia. Me mandou o vídeo de

prova e alguns áudios explicando tudo, inclusive que fui eu quem paguei

pelo seu silêncio. Fiquei com tanto ódio que quebrei o celular. Mas

ninguém além de mim sabe que foi ele, porque acho que se as pessoas... —
Engulo a saliva e respiro fundo. — Eu não consegui matá-lo e ele nunca

mais apareceu em casa. Minha mãe conheceu Flaviano e nunca tocamos

naquele assunto, mas esse demônio conseguiu que eu o odiasse e tivesse

mais medo dele do que tive do meu pai e do meu padrasto.

— Vou matá-lo, não importa se ele ajudou a prender sua mãe —

Oliver garante. — Vou ligar para o “dete...

— Eu fiz de tudo para esquecê-lo, para conseguir dormir à noite. Fiz

de tudo para nunca mais pensar no seu rosto ou na sua voz, e eu consegui

por muitos anos — continuo dizendo, enquanto meu marido aguarda. —

Mas, de uns tempos pra cá, eu não consigo mais.

— O que aconteceu, meu amor?


— Lembra daquela madrugada, quando peguei o carro alugado para

buscar Stefan na fazenda?

Ele assente.

— Stefan estava tão sério que sua expressão me fez lembrar de

alguém, mas não sabia quem era... E na noite em que nosso padrasto

morreu, quando Stef foi me abraçar, eu tive medo de olhar pra ele, porque

era como se fosse aquele homem me encarando.

Aperto a mão de Oliver com toda força que tenho, porque eu sei que

ele entendeu.

Minha visão fica embaçada pelas lágrimas e sinto vergonha por

pensar uma coisa dessas.


— Se as pessoas o vissem, acho que também perceberiam que Stefan

e ele são muito parecidos. Acho que foi por isso que aquela desgraçada se

mudou com a gente para Jaguarão — me obrigo a acrescentar. — Ele pode

ser filho daquele demônio, mas...

— Eu desconfiei que Stefan não era irmão de Dimitri quando os

conheci — Oliver assume. — Eles não são nada parecidos.

— Eu queria que você dissesse que estou errada, que isso é um

monte de ideias idiotas de uma mente perturbada — lamento. — Porque a

última coisa que eu queria era contar ao meu irmão uma coisa dessas, ainda

mais agora que ele pensa que está tudo resolvido.

Oliver beija meu rosto com carinho e faz massagem na sua testa.

— Tenho certeza de que você tomará a decisão certa — sussurra.


Caroline

Novembro

Estou embalando Eva nos meus braços, ao lado do berço, enquanto

canto baixinho Livin` On A Prayer para ela, errando todas as notas, mas

com alívio de saber que ela vai ser a criança mais amada do mundo.

Alguém entra no quarto sem bater e levo um susto.


— Vim ver minha sobrinha — Stef diz, se aproximando, querendo

tirá-la dos meus braços.

— Não! — Me viro de costas, segurando minha bebezinha contra

meu peito, e me derreto de amores quando ela dá uma risadinha

involuntária. É a coisa mais fofa que eu já vivi. — Ela é minha!

— Se você não me deixar carregá-la, vou ter que fazer um bebê pra

mim — ele tem a audácia de dizer, vindo para minha frente e cheirando os

cabelinhos loiros de Eva.

— Só não te dou uma travesseirada porque... — reclamo, mas

começo a passar minha bebê de vinte e um dias com todo cuidado do

mundo para os braços do tio. — Lavou as mãos?

— É claro que eu lavei, Gina! Para de ser ciumenta e me dá logo!


Stefan a pega com jeito e começa a balançá-la devagar.

— Sabia que sua mãe julgava os irmãos por serem ciumentos e agora

não quer me deixar te carregar? — ele confidencia a Eva, baixinho.

— Você vem pegá-la pelo menos três vezes ao dia — o lembro.

— Eu não estava no Brasil quando seu priminho Dom nasceu, então

eu tenho que descontar todo meu amor por bebês em você, princesinha —

diz e a olha com tanto amor que fico imaginando como será quando for pai.

Oliver entra e aperta meus ombros, massageando. Ele está sempre

por perto, tentando me deixar o mais confortável possível.

— Eu já te disse o quanto você está maravilhosa hoje? — ele

pergunta, encostando os lábios no meu pescoço.


— Ainda não — sussurro, me virando para beijá-lo.

— Vamos sair daqui, princesinha — Stefan diz, passando por nós e

escapando com nossa filha do quarto.

— O pessoal chegou — Oliver informa. — E, a propósito, você está

maravilhosa.

O beijo novamente e digo o quanto o amo, tocando seus braços

expostos pela camiseta, coisa que ele demorou meses para usar na frente

dos amigos, com medo de ser julgado.

Quando finalmente se mostrou, ninguém se incomodou com suas

cicatrizes.

Já me acostumei tanto com elas que nem lembro mais que existem,

assim como nossos filhos.


Nos encontramos com eles nas escadas. Oliver os pega no colo e

descemos juntos. Stefan está exibindo Eva todo mundo, mas a mantendo

protegida em seus braços.

— Posso segurar, tio Stef? — Celiny pede.

Agora, Oliver, as crianças e a senhora Collins falam português, com

o sotaque carregado, mas conseguem se virar.

— Só porque foi você quem pediu — Stefan diz a ela.

Celiny desce dos braços de Oliver e senta no sofá para pegar a

irmãzinha no colo. Jake diz que é próximo da fila.

Daryl Dixon aparece e dá um latido para chamar a atenção de Oliver.

Ele se agacha e faz carinho na cabeça do cachorro, para que não se sinta

sozinho.
— Sabe o que eu estava pensando? — Eros diz, sentado ao lado de

Raquel.

As crianças estão correndo pela casa, os adolescentes devem estar na

piscina. Só Ayla está aqui na sala com a gente.

— O quê? — Lion pergunta, sentado no braço do sofá ao lado de

Ariela.

— Que até agora não teve nenhuma discussão sobre quem vai

batizar essa criança — Eros responde.

— Você é quem pensa — Oliver comenta e ergo as sobrancelhas.

— Já fui até o escritório dele, Mulher Maravilha — Artho diz

piscando para Charlotte. — Nosso nome é o primeiro da lista.


Ela cai na gargalhada.

— Eu acho mais justo que seja alguém que não trabalhe diretamente

com vocês — Gabriel sugere. — No caso, eu.

— Nem comece, Bibi — Natan o avisa e o cutucão de Maitê.

— Ou o quê? — Gabriel revida, mas Heloisa olha para ele, bem

séria, para que ele se comporte.

— Podem nos escolher. — Lion faz um gesto, apontando com a mão

para ele e Ariela.

— Não estranhe, Carol — Raquel explica —, cada vez que nasce um

bebê eles dão um jeito de arrumarem uma confusão.


— É por isso que eles vão nos escolher — Eros se antecipa —,

porque nunca estivemos envolvidos.

Dimitri se agacha ao lado do sofá onde Celiny e Jake estão com Eva.

— Oliver e Carol já escolheram os padrinhos — diz e toca a

bochecha da bebê.

— E quem vai ser, Dindo? — Ayla quer saber.

— Giulia e eu — ele afirma e dá de ombros como se estivesse óbvio.

— De todo o grupo, fomos os que mais apoiamos o relacionamento deles.

— Você nem tem a decência de dizer isso olhando na cara da sua

irmã — Giulia o repreende. — Eu apoiei, mas você... Ah, Dimi!


Ele não se vira para me olhar, mas eu sei que está rindo pelo

movimento dos seus ombros.

— Na verdade, Caroline e eu já escolhemos os padrinhos — Oliver

revela.

— Quem? — os seis cretinos perguntam.

— Stefan e Ayla — digo, olhando para cada um deles. — Se vocês

quiserem, é claro.

Ayla vem me abraçar com os dedos sobre os lábios, percebo que está

tremendo, surpresa.

— É claro que eu aceito — ela diz.


Depois de Stefan, é quem mais visitou minha filha nesses últimos

dias.

— Eu tô tremendo — sussurra para mim, enquanto os cretinos

voltam a discutir.

— Eu nunca imaginei que vocês fossem nos escolher — Stefan diz.

Abraça Oliver primeiro, e depois me aperta tanto que meus seios cheios de

leite doem. — Serei o melhor padrinho do mundo, Gina.

Ele e Ayla vão até o sofá tentar disputar Eva, mas logo terei que

cortá-los, porque está na hora dela mamar.

Em meio as conversas, alguém pergunta a Oliver se Celiny e Jake

são batizados, quando meu esposo diz que não, a disputa começa, como se

fosse um leilão.
Oliver ama isso, nunca se incomoda de ter a casa cheia.

Seu pai vai se aposentar dentro de alguns meses, e ele vai assumir a

direção da matriz, mas vai trabalhar a maior parte do tempo online. E eu

serei nomeada CEO da sucursal daqui.

Se, um ano atrás, alguém me dissesse que estaria assim hoje, eu

jamais acreditaria.

Lembro que, dentro de alguns meses, aquela desgraçada imunda vai

à julgamento, mas afasto isso da cabeça. Não quero pensar nela em um

momento tão bom.

— Você fez a coisa certa daquela vez — Oliver sussurra no meu

ouvido, apontando com o queixo na direção de Stefan. — Eu sabia que

faria.
Fim
Estes são os outros livros da SÉRIE CLUBE DOS CRETINOS:

1° ARTHO : Série Clube dos Cretinos - Livro 1 – Sil Zafia


Sinopse:

Ele é um cretino mulherengo, ela é virgem e tímida. Eles são

completamente opostos, mas ambos têm algo que o outro precisa muito.

Artho Becker é um dos membros do Clube dos Cretinos. Veterano do curso

de Direito, tem a reputação de pegador irresistível intacta, mas a fachada de

músculos e tatuagens esconde perigosos segredos.

Charlotte Castro é uma estudiosa caloura do curso, mas sua vida social é

um fracasso e ela nunca namorou. Quando os convites para as festas mais

badaladas do campus começam a surgir, o desespero e a timidez tomam

conta.

Um acordo de fake dating é a saída perfeita e a única regra é não se

apaixonar.
Mas quando os encontros de mentira se tornarem mais quentes e reais do

que planejavam, e o desejo ardente consumir seus corpos, qual dos dois será

o primeiro a resistir à iminente tentação?

2° EROS : Série Clube dos Cretinos - Livro 2 – Jussara Manoel

Sinopse:

Eros Giordano é o herdeiro Milionário do império construído pela sua

família. Ele é um dos membros do Clube dos Cretinos o mais sério, frio e
autoritário.

Todos esses adjetivos escondem o quanto ele é mulherengo, conquistador

e MUITO GOSTOSO.

Raquel Mendes é uma estudante de Moda, dedicada, sonhadora e que não

tem medo de falar o que pensa, principalmente para Eros. Quando seus

caminhos se cruzam, em uma festa na sede do Clube, se tornam

logo inimigos declarados.

Ele é turrão e fechado, ela tagarela e extravagante. As farpas entre eles são

inevitáveis.

Duas personalidades fortes, que não dão o braço a torcer.

Mas o que fazer quando o ódio e as brigas escondem uma ardente e

incontrolável paixão?
Um momento de fraqueza pode mudar tudo, mas seriam eles capazes de

deixarem o orgulho de lado e se entregarem ao desejo?

Um Enemies To Lovers de tirar o fôlego.

3° A LUA DE MEL DO CRETINO – UM CONTO DE ARTHO –

CLUBE DOS CRETINOS – Sil Zafia

Sinopse:

Ele era um eterno bad boy.


Ela, antes tímida e inocente, havia se transformado em uma mulher de tirar

o fôlego.

Um casal que se apaixonou intensamente, mas que a vida os separou por

longos anos.

Agora, juntos e casados, o fogo que os consome parece ainda mais intenso.

Em “A Lua De Mel Do Cretino”, temos a chance de passar mais alguns

dias com o casal que conquistou milhares de corações em ARTHO –

CLUBE DOS CRETINOS.


4° Dimitri : Série Clube dos Cretinos - Livro 3 – Sil Zafia

Sinopse:

Eles foram o primeiro amor da vida um do outro, mas não imaginavam

que uma tragédia iria fazer com que se odiassem.

Dimitri Romano é marrento, tatuado e dominador, mas quebrado por

traumas do passado, que arruma confusão por onde passa, como um bom

membro do Clube dos Cretinos.


Giulia Ricci é doce e pura, a única herdeira de um dos homens mais ricos e

poderosos da cidade, com o futuro todo traçado pelo pai.

Ela é o seu ponto fraco.

Ele é o último homem com quem ela deveria se envolver.

Uma história de amor proibido, obsessão e vingança.

5° Lion : Série Clube dos Cretinos - Livro 4 – Jussara Manoel


Sinopse:

O que acontece quando um cretino sedutor se apaixona por uma nerd?

Lion Bianco é gostoso, popular, atleta e herdeiro do vinhedo mais

conhecido da Serra Gaúcha. Um dos membros do Clube dos Cretinos, sua

vida, aparentemente perfeita, esconde uma relação familiar conturbada.

Ariela Schmidtz é tão tímida e estudiosa que não percebe o quanto sua

beleza chama a atenção dos rapazes. Com a vida toda planejada pela mãe,

ela não tem tempo para pensar em namoro.

A nerd virgem e o capitão do time de futebol seria a história clichê

perfeita, se não fosse por um detalhe familiar capaz de arruinar tudo.

Ariela é a única coisa que Lion não pode ter. Ele é o único rapaz que ela

não deveria jamais desejar.


Como controlar a paixão irresistível e proibida que nasce entre eles?

6° O casamento do cretino – CONTINUAÇÃO DE DIMITRI CLUBE

DOS CRETINOS – Sil Zafia

Sinopse:

ESTE ROMANCE É UMA CONTINUAÇÃO NÃO INDEPENDENTE

DO LIVRO DIMITRI - CLUBE DOS CRETINOS.


Ele era alguém que o destino partiu o coração várias vezes.

Ela se transformou em uma mulher forte e determinada.

Um casal que se apaixonou na adolescência e foi obrigado a se separar.

Quase duas décadas depois, eles ainda se amam como na primeira vez.

Em “O Casamento Do Cretino”, temos a chance de nos apaixonar

novamente por Dimitri e Giulia, depois de nos rendermos a eles em

“DIMITRI – Clube dos Cretinos”.


Vou começar agradecendo a minha família e a Jussara que me

aturaram todos esses dias, que aguentaram todos os surtos, as crises de

choro, de ansiedade.

Obrigada a Laís por não só ter revisado, mas também ter ouvido

todos os meus áudios desesperados e ter contribuído até no último

momento.

Ao Kevin, Fernanda, Sara e a Sophia pelo apoio de sempre.


As betas Paola, Beatriz e Juliana por aguentar até os surtos das

madrugadas.

Cleany, obrigada por ter me ajudado naquela escolha.

Tenho um grupo de leitoras maravilhoso, e eu gostaria muito de citar

alguns nomes aqui, mas sei que acabaria esquecendo de mencionar alguém

e odeio fazer isso, então vamos por partes.

As garotas dos melhores áudios da minha vida todinha! A todas que

alegram meus dias de desespero com mensagens de carinho.

Obrigada a Vanessa, Penny e ao grupo de parceiras incríveis.

A todas as meninas que reagem as meus stories de Bom Dia, Boa

Tarde e Boa Noite no Instagram.


Ainda é difícil acreditar que a série CLUBE DOS CRETINOS

alcançou tantos leitores, com nossos rapazes conquistaram vocês.

Estou muito ansiosa pelos livros dos gêmeos e da segunda geração.

E vocês?

Eu gostaria de escrever os livros dessa série, junto com Jussara, para

sempre. <3

Amo vocês, de todo meu coração.


Instagram: autorasilzafia

Grupo de leitoras

WhatsApp
Facebook
[i]
Once upon a time, not so long ago – trecho da música Livin`On A Prayer, do Bon Jovi.

[ii]
Tommy's got his six string in hock / Now he's holding in what he used to make it talk / So
tough, it's tough – trecho da música Livin`On A Prayer, da banda Bon Jovi.

[iii]
Gina dreams of running away / When she cries in the night, Tommy whispers /Baby, it's
okay, someday – trecho da música Livin`On A Prayer, do Bon Jovi.

[iv]
We've got to hold on to what we've got / It doesn't make a difference if we make it or not
/ We've got each other and that's a lot / For love, we'll give it a shot / Whoa, we're halfway there /
Oh-oh, living on a prayer / Take my hand, we'll make it, I swea… – trecho da música Livin`On A
Prayer, da banda Bon Jovi.

[v]
All I ever wanted / All I ever needed is here in my arms / Words are very unnecessary /
They can only do harm – trecho da música Enjoy The Silence, da banda Depeche Mode.

[vi]
You drew stars around my scars – trecho da música Cardigan, da Taylor Swift.

Você também pode gostar