I. Curso de Eclesiologia 2012 Cap. I Introdução
I. Curso de Eclesiologia 2012 Cap. I Introdução
I. Curso de Eclesiologia 2012 Cap. I Introdução
➢ A palavra "Igreja" ("ekklésia", do grego "ekkaléin" "chamar fora"), que por sua vez
traduz a palavra hebraica “qahal”, e que significa "convocação" ou “reunião”
(assembléia convocada ou assembléia reunida). Designa assembléias do povo (cf. At 19,
39), geralmente de caráter religioso. É o termo freqüentemente usado no Antigo
Testamento grego para a assembléia do povo eleito diante de Deus, sobretudo para a
assembléia do Sinai, onde Israel recebeu a Lei e foi constituído por Deus como seu
Povo santo (comunidade santa). (cf. Ex 19)
➢ Ao denominar-se "Igreja", a primeira comunidade dos que criam em Cristo se
reconhece herdeira dessa assembléia. Nela, Deus "convoca" seu Povo de todos os
confins da terra. O termo "Kyriakà", do qual deriva "Church", "Kirche", significa "a que
pertence ao Senhor". (CIC 751)
b) Essência e forma não devem ser identificadas. A essência e a forma da Igreja não
devem ser postas lado a lado: devem ser vistas na sua distinção. Embora esta distinção
entre essência e forma seja conceptual, é no entanto necessária. Não há uma forma da
Igreja – nem mesmo a do NT – suscetível de abranger a essência da Igreja, de maneira
pura e simplesmente a encerrar. Não há também uma forma da Igreja – nem mesmo a
do NT – que seja reflexo perfeito e exaustivo da essência da Igreja. Só podemos
contemplar a Igreja real quando, através desta evolução da forma, apreendermos como
distinta a essência não inalterável da Igreja e no entanto permanente.
Portanto, a essência da Igreja deve sempre ser procurada na sua forma histórica e a sua
forma histórica sempre deve ser compreendida a partir da essência e em função dela.
➢ “ Ninguém pode ter Deus por Pai, se não tiver a Igreja por Mãe”. (São Cipriano,
sobre a unidade da Igreja, 6).
A Igreja, como Mãe, gera, cria e educa na fé os filhos de Deus. “É em Igreja, em
comunhão com todos os batizados, que o cristão realiza a sua vocação. Da Igreja recebe
a Palavra de Deus, que contém os ensinamentos da ‘Lei de Cristo’; da Igreja recebe a
graça dos sacramentos que o sustentam no ‘caminho’; da Igreja recebe o exemplo da
santidade”. (CIC 2030).
➢ A Igreja não ocupa o centro dos mistérios da fé cristã, nem sequer é por si própria
objeto de fé. Cremos a Igreja e pela Igreja e não em ela. Cremos exclusiva e
imediatamente em Deus, que é único, que é Trindade de Pessoas – Pai, Filho e
Espírito Santo -, que se revelou a nós em Jesus Cristo e que estabeleceu a Igreja como
caminho necessário para chegar a Ele.
➢ A Igreja não é objeto de fé da mesma forma em Deus. Nas línguas latina e grega era
possível deixar essa diferença mais clara usando o verbo crer com a preposição em,
quando se confessava: creio em um só Deus Pai todo-poderoso, o cristão põe em
relevo a obra do Pai na história da salvação: é Ele “ o Criador do céu e da
terra”. Quanto ao Filho, o cristão afirma a obra salvífica do Filho: “Ele se fez
homem, nascendo da Virgem Maria; padeceu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu,
donde voltará para julgar os vivos e os mortos”.
➢ Quanto ao Espírito Santo, a profissão de fé nada ter a dizer que corresponda á sua
ação na história da salvação; é uma sentença seca e lacônica, que quebra a simetria do
CREDO. Depois do “Creio no Espírito Santo”, vem uma série de afirmações, que
pertencem a outro plano ou ao plano das coisas criadas: “Creio na Santa Igreja
Católica, na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da
carne e na vida eterna”.
➢ Estes cinco últimos artigos do Credo parecem estar fora de propósito ou sem nexo
entre si e sem conexão com os antecedentes. Na verdade, esta incoerência se deve
simplesmente a uma falha de tradução do texto grego para o latim e para o português.
O Símbolo Apostólico provém do rito do Batismo antigo. Este sacramento era
ministrado imergindo-se três vezes o catecúmeno na água da piscina batismal. Antes
de cada imersão, o oficiante lhe perguntava: “Crês em Deus Pai?”, “Crês em Deus
Filho?”, “ Crês no Espírito Santo?”. Esta terceira interrogação já no fim do século II
foi ampliada, de modo a se dizer:”Crês também no Espírito Santo, no seio da Santa
Igreja (en te hagía ekklesía) para a ressurreição da carne?”
➢ Esta terceira parte do Credo foi sendo ainda acrescida do enunciado de novas
manifestações do Espírito, que professamos na fórmula atual, de modo que se deveria
ler o final do Credo do seguinte modo:
“ Creio no Espírito Santo
(que existe e opera) na Santa Igreja Católica
(a qual é) a Comunhão dos Santos,
(para que haja) a remissão dos pecados
(em vista de) a ressurreição da carne
E (de) a vida eterna”.
➢ O ato de fé é uma ação pessoal, dirigida a uma outra pessoa. Na fé nunca se trata, em
última análise, de uma entrega a objetos, a frases, a dogmas, mas sim de doação,
entrega de uma pessoa a uma outra pessoa. “ O que é decisivo em todo o ato de fé é a
pessoa a cuja afirmação damos o nosso assentimento” (Tomás de Aquino). Mas só
perante Deus é possível uma doação pessoal radical, incondicional e irrevogável em
qualquer caso, só n’Ele o homem pode acreditar em sentido radicalmente pleno.
➢ Por isso, no Credo confessamos CREIO na Igreja, “fazemos profissão de crer a Igreja
Santa (CREIO ECCLESIAM), e não na Igreja (IN ECCLESIAM), para não
confundir Deus com as suas obras e para atribuir claramente à bondade de Deus todos
os dons que Ele próprio pôs na sua Igreja”. (CIC 750).
➢ O cristão crê em Deus e só n’Ele. “Quando dizemos ‘na santa Igreja católica’
devemos entender essa afirmação no sentido de que a nossa fé se refere ao Espírito
Santo, que santifica a Igreja, de maneira que significa: Creio no Espírito Santo,
santificador da Igreja. Mas é melhor e de uso mais geral que não se diga ‘na’ mas
simplesmente ‘a’ santa Igreja católica” (Tomás de Aquino, Summa, II-II p. 1 a. 9. )
A Igreja porém é, e permanece, criatura. Ela não é nem onisciente nem onipotente,
nem auto-suficiente nem autônoma, nem eterna nem isenta de pecado. Ela não é fonte
da graça e da verdade (guardiã), não é senhor; nem redentor, nem juiz. Qualquer
divinização da Igreja fica excluída. Ela é comunidade dos que crêem e que obedecem,
ameaçada sob muitos aspectos, mas que quer viver totalmente de Deus e para Deus e
por em Deus toda a sua confiança; que crê em Deus.
b). Que nós somos a Igreja. A Igreja, enquanto comunidade de fiéis, não se
distingue de nós. Ela não é uma pessoa coletiva gnóstica, que se ergue em face de
nós. Nós é que somos a Igreja; e nós somos mesmo a Igreja. E se somos a Igreja,
então essa Igreja é uma comunidade de seres humanos que buscam, que caminham e
que erram, que precisam de conselho, que sofrem e são atormentados; seres
pecadores e peregrinos. Se somos nós a Igreja, então essa Igreja é pecadora e
peregrina. Peregrina na escuridão, ela é a comunidade dos que ouvem e dos que
crêem, dos que se entregam inteiramente à graça e á verdade, ao perdão e libertação
vindos de Deus, e em Deus ela põe toda a sua confiança: de qualquer forma, não é em
si mesma que ela acredita.
➢ A Igreja que é objeto da fé, é realmente palpável e visível naquilo que ela é,
enquanto comunidade, e naquilo que pratica, enquanto age comunitariamente,
quando prega, ensina, reza e canta; quando faz profissão de fé ou quando batiza;
quando ajuda e quando consola. Mais ou menos visíveis são a pregação e o serviço
divino da Igreja, Batismo e Eucaristia, ensino e teologia, constituição e ordem.
A Igreja real é a Igreja acreditada dentro do visível e, como tal, uma Igreja invisível no
visível. Este seu caráter visível é, portanto, muito particular: tem o seu interior e
essencial invisível. O importante permanece encoberto dentro do que foi descoberto. O
visível da Igreja vive do invisível; é marcado, formado, dominado pelo invisível. A
Igreja é, portanto, na sua essência, mais do que aquilo que visivelmente aparece: não
apenas um povo ou população, mas um povo eleito; não só um corpo, mas um corpo
misterioso; não um edifício qualquer, mas um edifício espiritual.
➢ Não existem duas Igrejas, uma visível e uma invisível, ou como sucedeu, por
exemplo, no dualismo platônico e no espiritualismo, a Igreja visível (material e
terrestre) não é a imagem da verdadeira Igreja invisível (espiritual-celeste). Nem tão
pouco a invisível é a essência e o visível apenas a forma da Igreja. A Igreja única é,
na sua essência e na sua forma, sempre e simultaneamente, visível e invisível. A
Igreja em que acreditamos é, pois uma Igreja uma; a Igreja invisível, talvez melhor
dito oculta sob o seu aspecto visível. Esta Igreja é sujeito da fé e o objeto da fé.
➢ Mas não é também uma Igreja minimalista que, descontente de si, não pretende ter
ambições bastantes e, por isso mesmo, também não consegue fazer promessas. Na
Igreja real o homem pode viver, livre de ilusões idealistas e de complexos
minimizantes, livre para uma fé confiante e realista, dentro da comunidade dos
crentes. Na atualidade, a Igreja real tem um futuro, ao serviço de um mundo para
quem o futuro começou já, mas em que o presente ainda não foi dominado.
Pela primeira vez na sua história secular, a Igreja deu uma definição de si mesma na
constituição dogmática Lumen gentium e em outras constituições, decretos ou
declarações.
➢ Essa definição se caracteriza pela própria estruturada LG, evidente sobretudo nos
seus dois primeiros capítulos: cap. I: “O mistério da Igreja”; cap. II: “O povo de Deus”;
cap. III: “A constituição hierárquica da Igreja e de modo especial do episcopado”; cap.
IV: “Os leigos”; cap.V: “Vocação universal para a santidade na Igreja”; cap. VI: “Os
religiosos”;cap. VII: “Índole escatológica da Igreja peregrina e sua união com a Igreja
celeste”; cap. VIII: “A Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus no mistério de
Cristo e da Igreja”. Além disso, encontram-se muitos elementos de eclesiologia em
outros documentos conciliares, como as outras três constituições: sobre a liturgia
(Sacrosanctum Concilium), sobre a revelação (Dei Verbum), sobre a Igreja no mundo
(Gaudium et spes); assim como nos decretos: sobre a atividade missionária na Igreja
(Ad gentes), sobre o ministério dos bispos (ChristusDominus), sobre o ministério dos
presbíteros (Presbyterorum ordinis), sobre o apostolado dos leigos (Apostolicam
actuositatem), sobre o ecumenismo (Unitatis redintegratio).
➢ Passa-se, com efeito, de uma concepção que via a Igreja principalmente como
societas, e que teve reflexos muito fortes no Vaticano I e nos tratados eclesiológicos
subseqüentes, a uma concepção mais bíblica, com uma raiz litúrgica, atenta a uma visão
missionária, ecumênica e histórica, em que a Igreja é descrita como sacramentum salutis
(LG 1,9,48,59; SC5,26; GS 42,45; AG 1,5) fórmula que é a base das afirmações do
Vaticano II.
➢ Juntamente com essa reflexão, pouco a pouco se ressaltou que a visão eclesiológica
do Vaticano II comporta um conceito renovado de communio (LG 4,8,13-15,18,21,24s;
DV 10; GS 32; UR 2-4,14s., 17-19,22). Esta tem um significado básico de comunhão
com Deus, da qual se participa por meio da palavra e dos sacramentos, que leva à
unidade dos cristãos entre si e que se realiza concretamente na comunhão das Igrejas
locais em comunhão hierárquica com aquele que, como bispo de Roma, “preside na
caridade” a Igreja católica(cf. LG 13). Com razão afirmou o sínodo extraordinário de
1985: “A eclesiologia de comunhão é a idéia central-fundamental nos documentos do
Concílio”.
➢ Gaudium et Spes: trata da ação da Igreja no mundo atual, pois a Igreja deve
compartilhar de todos os problemas da humanidade. É esse exatamente o sentido da
primeira frase:
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo
dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma
verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.
➢ Concluindo, devemos ter claro que, embora a Eclesiologia seja uma disciplina
recente, os cristãos, os teólogos, os ministros da Igreja sempre pensaram a Igreja e
construíram uma imagem dela de acordo com o tempo em que viviam. Assim,
durante sua história, a Igreja sempre definiu sua identidade em relação com realidade
que a circundava. Por isso, as imagens que a Igreja tem de si mesma podem ser
diferentes. No próprio Novo Testamento, encontramos essas diferenças. O evangelho
segundo Mateus tem uma visão eclesiológica diferente do evangelho segundo Lucas.
O evangelho segundo João difere das epístolas aos Efésios e aos Colossenses. As
epístolas aos Romanos, aos Coríntios e aos Gálatas diferem das epístolas pastorais.