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Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL #1.669.638 - SP (2017/0101206-0) Relatora: Ministra Nancy Andrighi

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.638 - SP (2017/0101206-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : POMAR NOVO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
ADVOGADOS : MAURO CORREA DA LUZ - SP016777
CRISTIANE SANTIAGO DE ABREU CAMBAIA - SP174743
RECORRIDO : REITER TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA
ADVOGADO : RICARDO KÜHLEIS E OUTRO(S) - RS062810
INTERES. : TOKIO MARINE SEGURADORA S.A
ADVOGADO : MARCIO ANUNCIAÇÃO SACRAMENTO E OUTRO(S) - SP311679
EMENTA

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE
RODOVIÁRIO DE CARGAS. PRODUTO QUE CHEGA DETERIORADO AO
PONTO DE DESTINO. APLICAÇÃO DO CDC AFASTADA. AUSÊNCIA DE
RELAÇÃO DE CONSUMO.
1. Ação ajuizada em 25/07/2013. Recurso especial concluso ao gabinete
em 19/05/2017. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal é definir se está configurada relação de consumo
entre recorrente e recorrida, a fim de identificar qual o prazo
prescricional aplicável para o ajuizamento da ação de reparação de
danos materiais oriundos de suposta falha na prestação de serviço de
transporte rodoviário de carga.
3. Quando o vínculo contratual entre as partes é necessário para a
consecução da atividade empresarial (operação de meio), movido pelo
intuito de obter lucro, não há falar em relação de consumo, ainda que, no
plano restrito aos contratantes, um deles seja destinatário fático do bem
ou serviço fornecido, retirando-o da cadeia de produção.
4. Revela-se pertinente a premissa em que se baseia o acórdão recorrido
para afastar a configuração da relação de consumo, pois a recorrente
não pode ser considerada destinatária final – no sentido fático e
econômico – do serviço de transporte rodoviário de cargas. Vale dizer
que o mencionado serviço é utilizado para propriamente viabilizar a sua
atividade comercial, configurando inegável consumo intermediário
(operação de meio).
6. Em razão da inaplicabilidade do CDC à espécie, deve-se aplicar o prazo
prescricional previsto no art. 18 da Lei 11.442/07, que dispõe que
“Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos
aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do
conhecimento do dano pela parte interessada”.
7. Tendo em vista que a recorrente teve ciência da ocorrência do sinistro
em 19/04/2012, mas somente ajuizou a presente ação em 25/07/2013,
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mostra-se imperioso o reconhecimento da ocorrência de prescrição.
8. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira


Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 19 de junho de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.638 - SP (2017/0101206-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : POMAR NOVO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
ADVOGADOS : MAURO CORREA DA LUZ - SP016777
CRISTIANE SANTIAGO DE ABREU CAMBAIA - SP174743
RECORRIDO : REITER TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA
ADVOGADO : RICARDO KÜHLEIS E OUTRO(S) - RS062810
INTERES. : TOKIO MARINE SEGURADORA S.A
ADVOGADO : MARCIO ANUNCIAÇÃO SACRAMENTO E OUTRO(S) - SP311679

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por POMAR NOVO


IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, fundamentado nas alíneas "a" e “c” do
permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.
Recurso especial interposto em: 20/01/2016.
Atribuído ao Gabinete em: 19/05/2017.
Ação: de reparação de danos materiais, ajuizada pela recorrente, em
desfavor de REITER TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA, em razão da celebração de
contrato de transporte rodoviário de carga (1.512 caixas de uvas red globe e 792
caixas de uva crinsom seedless, de procedência do Chile). Afirma que, quando da
descarga da mercadoria, foi constatado que as frutas estavam em elevado grau de
maturação, devido à falta de manutenção da temperatura recomendada no interior
do caminhão durante o transporte. Por este motivo, requer:
i) a restituição do valor da carga contratada, no importe de R$
57.074,83 (cinquenta e sete mil, setenta e quatro reais e oitenta e três centavos),
a título de indenização por perdas e danos; e
ii) o pagamento de lucros cessantes, no importe de R$ 93.191,28

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(noventa e três mil, cento e noventa e um reais e vinte e oito centavos) (e-STJ fls.
2-42).
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos para
condenar a recorrida ao pagamento do valor relativo à carga contratada, bem como
ao pagamento de R$ 21.998,48 (vinte e um mil, novecentos e noventa e oito reais
e quarenta e oito centavos) a título de lucros cessantes (e-STJ fls. 402-405). No
mais, julgou improcedente a denunciação da lide estabelecida entre a recorrida e a
TOKIO MARINE SEGURADORA S.A (e-STJ fls. 440-447).
Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pela
recorrida, para reconhecer a prescrição da pretensão de ressarcimento dos valores
relativos às mercadorias contratadas, nos termos da seguinte ementa:

Apelação. Ação de indenização por perdas e danos c.c. lucros


cessantes. Contrato de transporte terrestre. Cerceamento de defesa não
caracterizado. Preliminar rejeitada. Incidência das normas do Código de
Defesa do Consumidor afastada. Prescrição ânua prevista no artigo 18 da
Lei nº 11.442/07 reconhecida. A existência de norma específica sobre a
matéria deve prevalecer sobre as demais, em atenção ao princípio da
especialidade das normas. Direito de regresso contra a seguradora não
reconhecido. Cláusula de exclusão expressa da responsabilidade que se
aplica ao presente caso. Recurso parcialmente provido (e-STJ fl. 538).

Recurso especial: alega violação dos arts. 2º, 3º, § 1º e § 2º, do


CDC, bem como dissídio jurisprudencial. Defende que o prazo prescricional
aplicável à espécie é o quinquenal, previsto na legislação consumerista,
sustentando que:
a) os usuários de transporte de cargas e de pessoas são consumidores
dos serviços de transporte terrestre, aplicando-se, consequentemente, o CDC nas
demandas instauradas entre usuários e transportadores;
b) a recorrente, apesar de não ser destinatária final da carga, é

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destinatária final dos serviços de transporte, que não são repassados a outrem,
razão pela qual representa a figura legal do consumidor;
c) a comercialização posterior das mercadorias transportadas não
descarta a destinação final em relação ao serviço, que é a atividade de transporte;
d) o fato danoso ocorreu por culpa da transportadora, motivo pelo
qual deve haver a prevalência do CDC sobre a lei específica (Lei 11.442/07), já que
se trata de relação de consumo; e
e) a prescrição ânua prevista no art. 18 da Lei 11.442/07 somente é
aplicável quando a empresa transportadora presta serviços regulares de
transporte, referindo-se, por exemplo, à ação de reparação de danos decorrente
de acidente de veículos e furto ou roubo de cargas (e-STJ fls. 619-677).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP admitiu o recurso especial
interposto por POMAR NOVO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA e determinou a
remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 822-824).
É o relatório.

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RECORRIDO : REITER TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA
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VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

O propósito recursal é definir se está configurada relação de consumo


entre recorrente e recorrida, a fim de identificar qual o prazo prescricional
aplicável para o ajuizamento da ação de reparação de danos materiais oriundos de
suposta falha na prestação de serviço de transporte rodoviário de carga.

1. DA NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA


ENTRE AS PARTES (ARTS. 2º E 3º, § 1º E § 2º, DO CDC; E DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL)
O contrato de transporte rodoviário de cargas é negócio jurídico em
que o transportador se obriga, mediante retribuição em dinheiro, a transportar
coisas por terra (estradas ou rodovias, vias em geral) de um lugar para o outro
(CREMONEZE, Paulo Henrique. Transporte Rodoviário de Carga: a responsabilidade
civil do transportador e o contrato de transporte. São Paulo: Quartier Latin, 2009,
p. 45).
Quanto à responsabilidade do transportador rodoviário, como mesmo
ilustra a supracitada doutrina:

O contrato de transporte rodoviário de cargas implica obrigação de


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fim, também conhecida como obrigação de resultado.
O transportador rodoviário obriga-se pelo resultado convencionado,
qual seja, entregar a carga confiada para transporte nas mesmas condições
gerais em que recebidas para o transporte.
Se o resultado positivo não for alcançado pelo transportador
rodoviário, o contrato de transporte não será aperfeiçoado.
O não aperfeiçoamento do contrato de transporte configura
inexecução da obrigação assumida pelo transportador e, com ela, a figura
da responsabilidade civil (presunção legal objetiva pelo descumprimento
da obrigação de resultado) (Op. Cit. P; 85).

Ressalte-se que os contratos de transporte rodoviário (terrestre) de


cargas são regidos pela legislação civil (arts. 730 a 733; e 743 a 756 do CC/02), que
disciplina os contratos de transporte de coisas e de pessoas em geral, e também
por lei especial (Lei 11.442/07), que dispõe especificamente sobre o transporte
rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração.
Na espécie, constata-se, de forma inegável, que o resultado positivo
não foi alcançado pela recorrida – transportadora rodoviária –, que tinha a
responsabilidade de entregar a carga confiada para transporte nas mesmas
condições gerais em que recebida.
Como mesmo consignado em sentença, “é incontroverso nos autos
que a requerida foi contratada pela requerente para o transporte de frutas
adquiridas por esta última no Chile, sendo certo que as mercadorias se estragaram
no caminho, chegando deterioradas ao destino indicado, porque a temperatura
média praticada foi elevada e, assim, insatisfatória” (e-STJ fl. 442).
Sobressai, indubitavelmente, a responsabilidade da empresa
transportadora, ora recorrida, pelo perecimento das uvas transportadas.
A controvérsia versada nos presentes autos, impõe-se, contudo, não
sobre a responsabilidade propriamente dita da transportadora rodoviária, mas sim
acerca da ocorrência ou não da prescrição para o ajuizamento da ação de

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reparação de danos materiais, proposta pela recorrente.
Disto dessume-se a necessidade de se discutir a relação jurídica
estabelecida entre recorrente e recorrida, a fim de que se conclua pela
aplicabilidade ou não do CDC, a depender do reconhecimento ou não da
configuração de relação de consumo entre as partes.
Impende, por oportuno, destacar as alegações das partes quanto à
relação jurídica preestabelecida. Enquanto a recorrente defende que a
comercialização posterior das mercadorias transportadas não anula a sua
qualificação jurídica de consumidora e destinatária final do serviço de transporte
propriamente dito, a recorrida sustenta que a recorrente “não figura na relação
como destinatário final, visto que o transporte contratado (...) foi realizado em
benefício à atividade econômica desempenhada pela empresa apelada” (e-STJ fl.
797).
Em verdade, não se olvida que, sob a ótica do contrato de transporte
marítimo de cargas, há precedentes antigos da Terceira Turma deste Superior
Tribunal de Justiça no sentido de que o embarcador – e não o consignatário da
carga – é consumidor do serviço, nos termos do art. 2º do CDC, porquanto dele é
destinatário final, na medida em que não transfere aquela atividade ao terceiro
adquirente, senão apenas a mercadoria transportada. Cito, a propósito: REsp
302.212/RJ, DJ de 27/06/2005; REsp 286.441/RS, DJ de 03/02/2003.
Entretanto, mais recentemente, esta Turma, em situação análoga,
pertinente ao transporte aéreo de cargas, reconheceu que a pessoa jurídica que
contrata o referido serviço não é dele última destinatária quando transfere o seu
custo para o preço final da mercadoria transportada, realizando verdadeiro
consumo intermediário. Confira-se:

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO


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INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO.
CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que
a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita
mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art.
2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e
econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o
consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo
produto retorna para as cadeias de produção e distribuição,
compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem
ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de
tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem
ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.
3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os
rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses
em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a
destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de
vulnerabilidade.
4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático
delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao
longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de
vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser
afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação
jurídica estabelecida entre as partes.
5. Recurso especial conhecido e provido (REsp 1.358.231/SP,
TERCEIRA TURMA, DJe de 17/06/2013 – grifos acrescentados).

Vale citar, ainda, que ao julgar recurso especial em que se discutia a


aplicabilidade do CDC à situação versada nos autos – hospital que importou
máquina de raio-x que chegou danificada após o transporte aéreo –, a Quarta
Turma desta Corte Superior decidiu, por maioria, na oportunidade, pelo
afastamento da legislação consumerista (REsp 1.162.649/SP, DJe 18/08/2014).
Em seu voto, o Min. Antonio Carlos Ferreira, relator para acórdão,
deixou expressamente consignado que:

Nos termos do art. 2º, caput, do CDC, "consumidor é toda pessoa


física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final".
A expressão "destinatário final", por sua vez, deve ser interpretada à

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luz da razão pela qual foi editado o CDC, qual seja, proteger o consumidor
porque reconhecida sua vulnerabilidade frente ao mercado de consumo.
Assim, em regra, considera-se consumidor aquele que retira o produto do
mercado e o utiliza em proveito próprio.
Evidentemente, sob esse enfoque, não se pode considerar
destinatário final aquele que, de alguma forma, com propósito meramente
comercial, adquire o produto ou serviço com intuito profissional, com a
finalidade de integrá-lo no processo de produção, transformação ou
comercialização.
(...)
No caso presente, a aquisição do equipamento de raio x destina-se a
ampliar a prestação de serviços pelo hospital ao destinatário final, que é o
paciente. Em outras palavras, a aquisição do bem tem como objetivo único
incrementar a atividade da instituição hospitalar, ampliando e melhorando
a gama de serviços e aumentando os lucros.
(...)
Partindo da premissa incontroversa de que a importação – aí
incluídos todos os atos praticados e contratos celebrados ao longo do
respectivo ciclo – visa a incrementar a atividade econômica, hospitalar, não
há como considerar a importadora, Sociedade Beneficente de Senhoras
Hospital Sírio Libanês, destinatária final do ato complexo de importação
nem dos atos e contratos intermediários, entre eles o contrato de
transporte, para os propósitos da tutela protetiva da legislação
consumerista.

Convém destacar, ademais, que se o vínculo contratual entre as


partes é necessário para a consecução da atividade empresarial
(operação de meio), movido pelo intuito de obter lucro, como
indiscutivelmente o é na espécie, não há falar em relação de consumo,
ainda que, no plano restrito aos contratantes, um deles seja destinatário fático do
bem ou serviço fornecido, retirando-o da cadeia de produção (REsp 1.417.293/PR,
TERCEIRA TURMA, DJe 02/09/2014).
A propósito, esta é a doutrina de Claudia Lima Marques (Manual de
Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.71):

Destinatário final seria aquele destinatário fático e


econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo,
segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático
do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou
residência - é necessário ser destinatário final econômico do bem,
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não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso
profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção
cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste
caso, não haveria a exigida "destinação final" do produto ou serviço, ou,
com afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das
cadeias de produção e distribuição (grifos acrescentados).

Também na linha desse entendimento, leciona Gustavo Tepedino


especificamente sobre os contratos de transporte de cargas (Comentários ao Novo
Código Civil. vol. X. Rio de Janeiro: Forense, 2008):

De ordinário, o contrato de transporte de carga insere-se em


ciclo produtivo, e constitui operação de meio para a
transformação do bem transportado em produto
manufaturado, com vistas a sua posterior colocação no
mercado de consumo. O contrato de transporte corresponde, aqui, a
uma fase de produção, como serviço agregado à atividade principal.
Nesse contexto afasta-se a aplicação do CDC, tratando-se de
relação estabelecida entre o transportador e profissionais da
indústria e do comércio (grifos acrescentados).

No mesmo sentido cita-se também o REsp 705.148/PR (QUARTA


TURMA, DJe de 01/03/2011).
À vista, portanto, da jurisprudência atualmente consolidada no STJ
sobre o tema, revela-se pertinente a premissa em que se baseia o acórdão
recorrido para afastar a configuração da relação de consumo, pois a recorrente não
pode ser considerada destinatária final – no sentido fático e econômico – do
serviço de transporte rodoviário de cargas. Vale dizer que o mencionado serviço é
utilizado para propriamente viabilizar a sua atividade comercial, configurando
inegável consumo intermediário (operação de meio).
Alerta-se, por fim, ao fato de que não há nos autos discussão acerca
de vulnerabilidade da contratante dos serviços de transporte rodoviário de cargas,
pessoa jurídica que se dedica à atividade empresarial, o que afasta a aplicação do
CDC à relação entre pessoas jurídicas (REsp 1.391.650/SP, TERCEIRA TURMA,

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DJe 21/10/2016).
Destarte, em razão da inaplicabilidade do CDC à espécie, deve-se
aplicar o prazo prescricional previsto no art. 18 da Lei 11.442/07, que dispõe que
“Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos
contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do
conhecimento do dano pela parte interessada”.
Tendo em vista que a recorrente teve ciência da ocorrência do
sinistro em 19/04/2012, mas somente ajuizou a presente ação em 25/07/2013
(e-STJ fl. 545), mostra-se imperioso o reconhecimento da ocorrência de
prescrição.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por


POMAR NOVO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA e NEGO-LHE PROVIMENTO,
para manter o acórdão recorrido, que afastou a incidência do CDC à espécie e
reconheceu a ocorrência da prescrição.
Mantidas as custas e honorários advocatícios conforme estabelecido
pelo acórdão recorrido (e-STJ fl. 546).

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0101206-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.669.638 / SP

Números Origem: 00152830320138260004 152830320138260004

EM MESA JULGADO: 19/06/2018

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MÁRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : POMAR NOVO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
ADVOGADOS : MAURO CORREA DA LUZ - SP016777
CRISTIANE SANTIAGO DE ABREU CAMBAIA - SP174743
RECORRIDO : REITER TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA
ADVOGADO : RICARDO KÜHLEIS E OUTRO(S) - RS062810
INTERES. : TOKIO MARINE SEGURADORA S.A
ADVOGADO : MARCIO ANUNCIAÇÃO SACRAMENTO E OUTRO(S) - SP311679

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Inadimplemento - Perdas e Danos

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e negou-lhe
provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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