Artigo Atualizado
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1. INTRODUÇÃO
A colonização do Brasil está diretamente relacionada com o processo histórico que se desdobra na
Europa: a expansão comercial ultramarina europeia. Esse movimento ocorreu num contexto em
que havia uma crescente demanda por novos mercados por parte dos países europeus e a
necessidade da descoberta de novas rotas comerciais. A expansão ultramarina europeia fez mais do
que descobrir novas rotas comerciais para o Oriente, também entrelaçou todos os continentes e
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Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
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Bacharel e mestre em administração e Doutorando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES).
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Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
estabeleceu um mercado mundial com uma clara divisão internacional da produção. Outra
consequência deste processo expansionista foi a colonização de diversas regiões do mundo,
incluindo o Brasil, foco deste artigo. As colonizações tinham como objetivo principal a busca por
metais preciosos e a produção de insumos pela colônia, ou seja, objetivos extrativistas. Essa
colonização moderna se caracterizou pela subordinação, econômica e política, de áreas dos demais
continentes à Europa Ocidental. O colonialismo, como ficou conhecido o processo de dominação
de parcela do globo por parte das nações europeias, impulsionou a acumulação de capital e
acelerou a formação do modo de produção capitalista em um grupo de países europeus, entretanto,
somente onde a estrutura socioeconômica o permitiu. Portugal e Espanha, nos séculos XV e XVI,
foram os pioneiros deste movimento.
Assim, é feita uma breve introdução do contexto histórico da expansão ultramarina europeia, bem
como dos aspectos singulares da colonização do Brasil. Na sequência, o artigo explora os períodos
coloniais brasileiros, com ênfase na escravidão e nos lucros gerados por essa atividade. No início da
colonização, a mão-de-obra escrava proporcionou lucros que foram fundamentais para a ocupação
e defesa do território brasileiro por parte dos portugueses. A importância dos lucros ainda se
mantém com a descoberta do ouro, apesar da dinâmica da escravidão ter sofrido algumas
alterações. No período do café, mesmo que os ganhos econômicos da escravidão ainda terem sido
altos, não foram fundamentais para o desenvolvimento da atividade cafeeira no país. São
destacados, ainda, alguns aspectos sobre o tráfico negreiro e seu caráter lucrativo. Por fim,
conclui-se que os lucros gerados pelo trabalho escravo foram fundamentais no início da
colonização do Brasil, e perderam relevância no século XIX, embora ainda se mantivessem. Desta
forma, o trabalho escravo teve papel fundamental na construção, desenvolvimento e consolidação
do Brasil colonial e atual.
Após o fim da peste negra, a Europa entrava em um novo momento de sua economia. Foi em meio
a depressão agrária, que ocorreu entre meados dos séculos XIV e XV, que iniciou-se a expansão
ultramarina europeia. Essa depressão, como mostra Fragoso et al., (2000), se caracterizou como um
momento de queda dos preços dos cereais e uma alta salarial. Ambos resultados se derivaram da
grande queda populacional causada pela peste, pois, se por um lado, a maior disponibilidade de
terras permitiu um aumento da produção, por outro, a redução populacional também gerou uma
diminuição na demanda por alimentos. Neste contexto, os custos da mão-de-obra se elevaram e os
ganhos senhoriais diminuíram. Esse declínio do poder da nobreza criava um espaço para o
fortalecimento da autoridade monárquica, contribuindo para o surgimento dos Estados Nacionais.
Com isso, cabia às monarquias, através de um poder militar e político concentrado, a própria
manutenção da autoridade aristocrática. Outro fator histórico elementar para entender os
movimentos dos países europeus é o avanço turco-otomano, que, entre 1326-1393, se apossou de
grande parte da península Balcânica. Esse evento fez com que os europeus iniciassem uma
“corrida” para o estabelecimento de novas rotas para o Oriente, visando o abastecimento de
especiarias.
Portugal, nosso objeto central de pesquisa, apesar de ter na agricultura sua principal base
econômica e social, desde o século XIII, via o comércio marítimo se apresentando como um
importante elemento da economia. Dado que, desde esse período, já eram mantidos contatos
comerciais com os Flandres, Espanha e o norte da África. Como aponta Fragoso et al., (2000), os
lusos ostentam o fato de serem os pioneiros do processo de expansão ultramarina, praticando um
mercantilismo que tinha como foco a exploração colonialista.
Esse precursionismo, como exposto por Fragoso et al., (2000), veio de uma combinação de diversos
fatores. O primeiro destes é a posição geográfica, que certamente o favoreceu, se apresentando com
uma condição altamente vantajosa. Porém, se considerarmos o fator geográfico inalterável, cabe
explicar o porquê deste processo ter ocorrido justo neste período e não em outro momento
qualquer. Embora importante, somente a posição geográfica não é capaz de explicar o processo de
expansão ultramarina. No início do século XV, Portugal, diferente de outros países da Europa, já
dispunha de fronteiras definidas, além de um forte poder estatal e em processo de contínua
centralização. Tal centralização propiciou a Portugal mobilizar recursos da sociedade,
transformando o Estado numa espécie de “empresário”, o que permitiu resolver a dificuldade de
reunir haveres econômicos para financiar estas expedições. Dentre os objetivos econômicos
existentes, a nobreza e a burguesia mercantil portuguesa compartilhavam de um mesmo interesse:
o processo expansionista. Havia um interesse mercantil em expandir suas rotas comerciais e tornar
seus empreendimentos mais rentáveis, aliado às pretensões da nobreza de obter novas fontes de
renda para o Estado. Outro desejo de Portugal era estabelecer novas rotas para o Oriente, com o
intuito de fortalecer o comércio de especiarias. Em consonância a isto e ao bulionismo, desponta o
interesse por metais nobres, amplificado pela disseminação de notícias a respeito de ouro no
nordeste africano. Este contexto caracteriza o início do processo de construção do império
comercial ultramarino português, permitindo a Portugal deslindar problemas internos de sua
sociedade.
Como mostra Caio Prado Júnior (1945), enquanto os holandeses, ingleses, normandos e bretões
ocupavam-se com sua vida comercial recém-aberta, os Portugueses já iam mais longe. Eles
procuraram empresas sem concorrentes mais antigos já instalados e buscaram na costa ocidental
da África, traficar com os mouros que já dominavam a população indígena. Neste avanço pelo mar,
descobriram as ilhas de Cabo Verde, Madeira e Açores, e continuaram buscando mais pela costa da
África em direção ao sul.
Essas descobertas permitiram solucionar parte dos problemas internos, pois como expõe Fragoso
et al., (2000), a conquista de Ceuta (1415), a da Ilha da Madeira (1419) e, posteriormente, Ilha dos
Açores (1439), reuniu os interesses de três diferentes partes: o Estado, os mercadores e os
aristocratas. Os mercadores tinham em mente que a conquista das praças mercantis mouras do
norte da África permitiria o acesso às rotas de especiarias e cereais do Marrocos. Para a
aristocracia, essa nova região poderia abrigar novos senhorios no futuro e, por fim, essas novas
regiões se tornaram mais uma fonte de renda para o Estado. No decorrer deste processo, além do
comércio de especiarias, Portugal estabelece novas unidades produtivas, baseadas na mão de obra
escrava. Constitui-se então um novo sistema econômico no Atlântico Sul, pautado em grandes
plantações e no trabalho escravo africano e ligados ao mercado europeu, as plantations. Essa
experiência no Atlântico, de acordo com Furtado (2005), é de grande importância para a solução dos
problemas técnicos que envolvem a produção de açúcar, estimulando a indústria de equipamentos
para engenhos açucareiros em Portugal.
Em 1482, foi fundada a feitoria fortificada de São Jorge da Mina, atualmente localizada na cidade de
Elmina, no Gana, litoral da África Ocidental, que se transformou em um importante centro para o
tráfico de escravos, marfim, ouro e pimenta. Entre 1505 e 1515, consolidou-se a presença
portuguesa no Índico para além da África e do Brasil, praticamente completando o império
ultramarino português. De acordo com Prado Jr. (1945), todas essas descobertas e conquistas são
resultados de mais um capítulo da história do comércio europeu, em que o avanço para o mar, a
partir da imensa empresa comercial europeia, alarga seus horizontes pelo Oceano.
A colonização do Brasil foi, em muitos aspectos, divergente das outras registradas, com
características peculiares e algumas delas incompreensíveis aos olhos de estudiosos da época.
Como mostra Fragoso et al., (2000), dentre estes aspectos se encontra a forma como a escravidão foi
introduzida no território colonial.
A economia mercantilista era regida pelo bulionismo, neste contexto, a descoberta de um novo
território trazia consigo a necessidade de que este possuísse jazidas de ouro, prata ou pedras
preciosas que financiassem sua ocupação, tornando-a atrativa à Coroa. Entretanto, apesar da
diversidade de fauna e flora acentuadas, os metais preciosos não foram encontrados em primeira
instância pelos portugueses, diferente do que aconteceu com os espanhóis em sua porção do
continente delimitada pelo Tratado de Tordesilhas. Assim, até a década de 1530, a exploração da
América portuguesa se deu a partir de feitorias, chamadas também de capitanias hereditárias,
espalhadas ao longo da costa brasileira e controladas pela Coroa, realizando a extração do
pau-brasil. Desta forma, a abordagem portuguesa não estabelecia estruturas produtivas que
servissem de base para se povoar o novo território.
Embora ainda não tivesse descoberto metais preciosos, a Coroa portuguesa não perdeu o interesse
em seu novo território. Devido às suas esperanças de encontrar ouro em partes remotas da região,
houve a intensificação das disputas com a Espanha pela divisão territorial do Novo Mundo. E, para
evitar invasão por parte de outras nações europeias, que se davam principalmente pelas incursões
de piratas franceses na costa brasileira, iniciaram um sistema agrário como forma de ocupar
grandes extensões de terra e gerar alguma forma de lucro para Portugal. Como revelado por Novais
(1989), a base desse sistema que permitia essa extração de riqueza por parte de Portugal de sua
colônia era o chamado "exclusivo metropolitano", que, em suma, se caracterizou por ser uma
reserva do mercado das colônias para a metrópole, isto é, para a burguesia comercial
metropolitana. Essa exclusividade permitia uma apropriação dos lucros excedentes gerados nas
colônias pela metrópole, processando-se ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII.
As plantações de cana-de-açúcar, de acordo com Fragoso et al., (2000), que já haviam sido testadas
com sucesso em Pernambuco (1516) e em São Vicente (1532), se mostraram um negócio lucrativo,
podendo então se adequar aos interesses de Portugal. Para que fosse possível produzir em grande
escala, implantou-se um sistema de ocupação em que a distribuição de terras se deu através de
doações reais (capitania-donatária): o rei cedia a um "capitão", uma pessoa de confiança da Coroa,
o controle parcial sobre um território e seus habitantes. Todo esse sistema funcionava sob o
controle de funcionários do poder central. Neste contexto, dividiram-se as terras em 14 capitanias
hereditárias, distribuídas entre 12 capitães. Como analisa Novais (1989), essa política foi adotada de
forma perspicaz por Portugal, pois permitiu uma liberdade de comércio na fase inicial, com o
intuito de estimular a vinda de recursos e capitais para a instalação da produção colonial, com um
posterior enquadramento no sistema exclusivista quando a economia periférica entrava em
funcionamento.
Naquele momento, a produção açucareira era realizada com uso de mão de obra escrava indígena,
os chamados negros da terra. Entretanto, a quantidade de escravos provenientes das guerras
intertribais não era suficiente para ampliar o sistema de produção e suprir a crescente demanda de
importação europeia, além de acarretar um aumento considerável nos gastos da Coroa portuguesa.
Apesar das exportações ascendentes para a Europa e o monopólio da produção de açúcar terem
promovido grandes riquezas para Portugal, os altos custos com mão de obra, transporte e produção
tornaram inviável manter a agricultura funcionando desta maneira na colônia. A necessidade
crescente de diminuir custos fez com que os portugueses aplicassem a forma de produção
escravista, usada nos arquipélagos de Açores e da Madeira, no Brasil. Começa a ser introduzido o
escravo negro na colônia portuguesa.
Compreende-se o quanto isto seria vantajoso aos traficantes. Estes faziam gastos
iniciais na armação dos navios, no pagamento às tripulações e na compra dos
produtos com os quais iam adquirir os escravos a serem vendidos nos portos das
Américas. [...] podiam os traficantes europeus adquirir os escravos por um preço
que, juntando todos os gastos feitos, não representaria senão pequena fração do
preço final no mercado americano; pois, enquanto o escravo não tinha valor na
África, o contrário sucedia do outro lado do Atlântico. (GORENDER, 1978, p. 125)
As altas taxas de lucro se davam principalmente pelo baixo custo do negro na costa africana, dado o
fato de que a grande maioria dos escravos eram os perdedores das guerras intertribais ou
provenientes de povos que viviam próximos à costa, em locais de fácil acesso para a captura.
Outros fatores importantes foram a precariedade do transporte, pois os primeiros navios,
chamados tumbeiros, transportavam até quatro vezes sua capacidade por viagem, além dos altos
preços de venda gerados pela demanda no Nordeste brasileiro. Isso dava ao traficante a
possibilidade de atravessar centenas de escravos de uma só vez, com custos que eram cobertos
mesmo perdendo até 30% da tripulação escrava negra.
Os africanos que resistiam à viagem e chegavam à colônia portuguesa com vida eram vendidos nas
ruas. Deste período até a venda, eles recebiam um melhor tratamento e eram postos à engorda, com
o objetivo de deixá-los com um aspecto mais saudável. À noite, eram enclausurados em armazéns e
no outro dia retornavam às ruas para a venda. Com o passar das décadas, o tráfico negreiro
tornou-se tão acentuado que nos séculos vindouros grande parcela da população brasileira seria
composta por escravos. Segundo Kok (1997, p.22), “No início do século XIX, dos quatro milhões de
habitantes que viviam na colônia, aproximadamente a metade dessa população era escrava.” Com
base nos dados da Slave voyages, estima-se que dos 12,5 milhões de africanos trazidos para a
América, o que equivale a quase 11,4 mil viagens negreiras, 4,8 milhões de escravizados tiveram a
América portuguesa como destino. Destes escravos que chegaram ao Brasil, cerca de 80% eram
trabalhadores dos engenhos de açúcar, os chamados escravos de campo, e os 20% restantes se
formavam por escravos domésticos e artesãos.
Como discorreu Furtado (2005), o engenho poderia continuar a sua ascensão enquanto o mercado
externo absorvesse as quantidades crescentes de açúcar num nível satisfatório de preços. Isso
aliado, é claro, a uma oferta elástica externa de força de trabalho, até ocupar todas as terras
disponíveis. Porém, se considerarmos uma relativa abundância de terras, é plausível admitir que as
expectativas de expansão eram ilimitadas por esse lado. Tudo indica, portanto, que a capacidade
produtiva foi regulada com o objetivo de evitar um colapso nos preços, ao mesmo tempo que se
buscava divulgar o açúcar e ampliar sua área de consumo.
A economia açucareira resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões, conseguindo
recuperar-se sempre que as condições do mercado externo a permitiam, sem sofrer nenhuma
modificação estrutural significativa. Nota-se que nesse período, o trabalho escravo foi
determinante para tornar lucrativa as atividades desenvolvidas no Brasil. Desde a venda de
escravos, passando pela produção pecuária para sustento e apoio às atividades de plantio de
cana-de-açúcar, até o cultivo e exportação da cana em si, em grande parte, os lucros eram
assegurados pela exploração da mão de obra escrava, tanto indígena como africana. Essa última, a
partir desse período, passou a ganhar cada vez mais importância para a persistência dos lucros da
colônia.
Contudo, na segunda metade do século XVII, o mercado do açúcar desarranjou-se. Teve início a
forte concorrência antilhana, reduzindo os preços à metade. Aliado a isso, por outro lado, a
economia mineira começava a atrair a mão de obra especializada, elevando os preços dos escravos e
reduzindo ainda mais a rentabilidade da empresa açucareira.
Esses fatores ocasionaram uma relativa pauperização dos senhores de engenho, que acabaram
perdendo terras e escravos.
Foi nesse contexto crítico que, na última década do século XVII, paulistas
descobriram depósitos aluviais de ouro em Minas Gerais. [...] Essa descoberta não
poderia deixar de ter efeitos importantes sobre a evolução econômica de Portugal e
sua colônia. De fato, o Brasil se tornou no século XVIII o maior produtor de ouro
do mundo, com uma produção superior à do restante das Américas e também à da
soma das produções dos outros continentes. (LAGO, 2014, p. 20)
Na última década do século XVII, a Coroa portuguesa passou a estimular a busca por ouro no
interior da colônia. Isso se apresenta como um desdobramento da necessidade de que o Brasil
continuasse sendo uma grande fonte de lucro, sendo este por meio do ouro em matéria ou através
de impostos exacerbados, como o Quinto e a meta anual de impostos. Entretanto, existem outros
fatores que levaram ao incentivo da busca e exploração dos metais preciosos. De acordo com
Fausto (1994) a competição por poder com a Espanha e a necessidade de aliviar o financeiro da
metrópole, mesmo que por um período curto de tempo, foram cruciais para o incentivo da
atividade mineradora.
Além das mudanças econômicas causadas pelas descobertas de metais preciosos, os fenômenos
sociais passaram a ocorrer de forma acelerada, o que promoveu uma demasiada alteração na
sociedade colonial. Essas mudanças foram causadas, principalmente, pela grande quantidade de
portugueses que chegaram ao país na corrente migratória causada pela corrida por ouro no início
do século XVIII.
As regiões onde as minas foram encontradas atraíram um grande número de pessoas, o que levou
ao desenvolvimento de vários núcleos populacionais na região das Minas Gerais, consolidando
assim o surgimento de uma vida urbana. Este contexto fez com que, em 1742, 70% da população da
região das Minas Gerais fosse escrava. Segundo Kok (1997, p. 27) "Do final do século XVII a meados
do século XVIII, calcula-se que 1.700.000 negros foram importados, sendo 1.140.000 vindos de
Angola e os demais da Costa da Mina".
A mineração, que no início se dava nos barrancos das margens dos rios ou em seu leito,
apresentava condições de trabalho bem precárias. Posteriormente, por volta de 1720, introduziu-se
também a exploração das encostas dos morros e das galerias subterrâneas. Os escravos
continuavam sendo mal alimentados e, frequentemente, castigados fisicamente. As punições que
eram aplicadas aos escravos passavam por espancamento, chibatadas e o tronco. O tronco se
caracterizava por ser um instrumento comum nas fazendas brasileiras, era utilizado para prender
partes do corpo do escravo e permitir que ele fosse brutalmente agredido.
Dado o contexto, caso confrontemos as condições de vida dos escravos do engenho de açúcar e os
da região mineradora, é possível se estabelecer que as condições de vida dos escravos na mineração
não se distanciavam das condições nas plantações de cana-de-açúcar, sendo igualmente precárias.
Como afirmou Kok (1997, p. 28) "Estima-se que a vida útil de um escravo minerador não passava de
sete a doze anos, dadas as duras condições de trabalho nos rios, lavando cascalho, e nas escuras
galerias subterrâneas."
Contudo, havia um fator particular da região mineradora que a diferenciava, pois nela o escravo
tinha mais chances de mudar sua condição, quer por fugas ou por alforrias. A alforria, anos mais
tarde, se apresenta com números relevantes, segundo Kok (1997, p. 29) "(...) em 1786, quando as
lavras declinaram, os alforriados constituíam 35% da população negra." Esse crescimento da
quantidade de escravos que adquiriram sua alforria são justificados pelo furto de ouro em pó e de
pepitas ou por meio dos rendimentos da mineração clandestina, que eram praticadas
costumeiramente à noite ou nos dias de folga. Outra forma de um escravo conseguir a alforria era
juntando seu próprio dinheiro, o que só era possível devido a uma condição peculiar, a de
autoaluguel, situação na qual o escravo pagava um valor ao seu dono para trabalhar para si mesmo.
Haviam também leis que promoviam a alforria a escravos que conseguiam realizar efeitos tidos
como raros. De acordo com Kok (1997), uma lei de 24 de dezembro de 1734 determinou que um
escravo que encontrasse um diamante de 20 quilates, um feito raro, receberia como recompensa a
alforria. Neste período, houve um aumento considerável nas compras de alforrias na região
mineradora.
Segundo Fausto (1994, p. 65), “O ouro não deixou de existir em Minas, porém sua extração se tornou
economicamente pouco atraente. O período de apogeu situou-se entre 1733 e 1748, começando a
partir daí o declínio.” Percebemos também que, durante a década de 1760, a produção das lavras
entrou em queda de forma acentuada, o ouro de aluvião se tornava cada vez mais raro no garimpo e
faltava técnica aos mineiros para extração do metal nas outras formas em que ele era encontrado.
Em meados de 1780, as minas estavam no seu pior momento, e a não solução deste problema fez
com que muitos escravocratas permitissem a alforria aos escravos que não eram passíveis de venda,
como mulheres, crianças e idosos, para que os custos com a fazenda caíssem e os lucros se
mantivessem.
Entretanto, ao contrário das expectativas, a queda abrupta na mineração não fez com que a
escravidão tivesse fim, de forma inesperada, o início e o desenvolvimento da cultura cafeeira no
Brasil, no final do século XVIII, absorveu uma parte significativa dos escravos.
No âmbito econômico, as medidas não somente libertaram a colônia das suas limitações ao seu
livre desenvolvimento, como também procuravam estimular as atividades do país. Isso se dava
através, por exemplo, da construção de estradas e da melhoria dos portos (como o de Recife). Os
dados do comércio exterior se elevaram substancialmente, índice fundamental numa economia
dependente como a brasileira. As exportações cresceram de forma substancial, porém, isso trouxe
um desequilíbrio na balança comercial externa. A economia brasileira, fora a produção dos gêneros
destinados à exportação, não conseguia concorrer com as mercadorias importadas do estrangeiro.
Essa dificuldade era ampliada pelo imposto ad valorem de 24% sobre todas as importações,
estabelecido ao decretar-se a liberdade do comércio, com posterior benefício à Inglaterra, dada a
redução para 15%. A produção brasileira voltou-se, cada vez mais, aos poucos gêneros de sua
especialidade e que se destinavam à exportação.
Visando a obtenção dos altos lucros via exportação, os produtores iniciaram uma ampliação
sistêmica do cultivo, assim, as plantações de café rapidamente tomaram grandes proporções no
Vale do Paraíba. Este complexo cafeeiro, apesar de lucrativo em seu início, encontrou diversos
problemas, como o território disponível para produção e a falta de investimento em tecnologias de
transporte, esses e outros fatores, que serão abordados em outro momento, levaram a produção a se
estender por São Paulo, onde teve seu maior desenvolvimento, e anos depois pelo Espírito Santo,
em menor proporção.
A empresa cafeeira permitiu a utilização intensiva da mão de obra escrava e absorveu grande parte
dos escravizados que vieram dos engenhos de açúcar, sendo essa uma das poucas semelhanças
entre as duas produções. Contudo, o início da expansão do plantio ocorreu na década de 1830,
período em que a repressão inglesa ao tráfico negreiro se intensificou, o que dificultou a
manutenção do sistema escravista como era conhecido, já que os preços dos escravos subiam
constantemente.
Neste mesmo período, em 1822, Dom Pedro I, filho de Dom João VI, proclamou a Independência
do Brasil, fazendo da colônia um Império. Essa alteração no sistema de governo não provocou
rupturas sociais no Brasil: a estrutura agrária continuou a mesma, a escravidão se manteve e a
distribuição de renda continuou desigual. A elite agrária, que deu suporte a D. Pedro I, foi a
camada que mais se beneficiou. Além disso, a independência trouxe problemas para a economia do
país. Para reconhecer a Independência do Brasil, Portugal cobrou uma quantia considerável da sua
antiga colônia e, para pagar a dívida, o imperador teve de recorrer a um empréstimo da Inglaterra,
o que deu início à dívida externa brasileira.
Com a proibição do tráfico negreiro em 1850, houveram dificuldades para suprir a crescente
demanda por mão de obra por parte da produção de café. Desta forma, parte dessa demanda foi
suprida pela transferência de escravos das províncias do açúcar para as províncias do café, o que
diminuiu a participação de escravos em atividades açucareiras (DE CASTRO, 1973).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
levou a um esforço ultramar em busca de novas regiões. Buscou-se, também, evidenciar que a
procura por metais preciosos e os constantes ataques sofridos ao território português, levaram ao
início da produção agrícola e da habitação da colônia. Além disso, as variações dos preços do
açúcar no mercado internacional, a busca de ouro, o surgimento da economia mineradora e o
desenvolvimento de uma produção cafeeira no Brasil, explicitam como a metrópole, com base no
"exclusivo metropolitano", se apropriou de grande parte dos lucros gerados na colônia.
Embora muitos dados quantitativos sobre os lucros gerados pelas atividades desenvolvidas no
Brasil colônia tenham se perdido (DE CASTRO, 1973), este artigo buscou demonstrar como a
atividade escravista era lucrativa em todas suas etapas, e como tal lucro foi essencial para a
manutenção da colônia por parte de Portugal. A mão de obra escrava se mostrou fator
determinante na exploração da cana-de-açúcar, o que possibilitou a defesa do território por parte
dos portugueses. Outra fonte de lucro era o próprio tráfico negreiro, que possibilitou enormes
ganhos à Coroa portuguesa. Naquele momento, a mão de obra escrava era utilizada não só para o
plantio e cultivo da cana, mas também para atividades necessárias à subsistência no Brasil, como
pecuária para fornecimento de alimentos e tração animal. Posteriormente, com a descoberta e a
exploração do ouro na região das Minas Gerais, o trabalho escravo entra como um fator importante
para a lucratividade da atividade de mineração. Embora a dinâmica da escravidão tenha mudado
um pouco, e o ouro tenha atraído mais pessoas, a escravidão ainda se mostrou fundamental no
processo de exploração e rentabilidade da atividade. Por fim, do período da produção cafeeira até a
abolição, para De Castro (1973), foi a atividade cafeeira que sustentou a continuidade da escravidão
no Brasil, a despeito da escravidão ter trazido lucros até sua abolição em 1888.
Constata-se, então, como durante três séculos, as nuances da economia do Brasil colônia se
alteraram drasticamente. Contudo, o sistema escravista, desde seu início na costa africana até os
diferentes tipos de escravos, é o ponto comum entre todos os processos econômicos ocorridos no
período em que o Brasil foi colônia de Portugal. Desta forma, não é possível desconsiderar a
importância do trabalho escravo para a rentabilidade da colônia e sua consequente manutenção
pelo Império Português.
As limitações deste artigo se dão pela falta de dados que permitam mensurar de forma quantitativa
os lucros obtidos através do trabalho escravo, apesar de sua importância ter sido destacada neste
artigo. Outra limitação a ser considerada é que o foco do artigo se deu na influência dos fatores
externos. Logo, seria interessante que estudos futuros busquem aprofundar mais nas questões
internas e que, se possível, utilizem os dados disponíveis para uma mensuração quantitativa dos
lucros gerados pela escravidão.
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