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128826-Texto Do Artigo-245776-1-10-20170324

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UM COMENTÁRIO SOBRE GERASA, A CIDADE

DA DECÁPOLIS .

MARISA BÁLSAMO STEINBERG


Instrutora da Cadeira de História da Civilização Antiga
e Medieval da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo.

Num remoto e quieto vale, junto às montanhas de Gilead, ex-


tendem-se as ruínas de Gerasa (Jerash atual), cidade da Decápolis .
Sente-se seu poderio através de suas ruas e monumentos em bom
estado de conservação: um dos mais complexos de cidade provincial
romana. Construída junto a um vale percorrido por um riacho, o
Chrysorhoas, cujas margens se apresentam cheias de álamos e no-
gueiras, verdes e refrescantes, enquanto as montanhas vizinhas redu-
zem-se a uma áspera aridês .
Gerasa fica a duas horas de Aman (capital atual da Jordânia,
antiga Filadelfia dos ,romanos), via Sweleh (vila ao sul de Gerasa),
ou um pouco mais distante, via Mafraq . A anterior é uma rota agra-
dável aos olhos, pelas montanhas, cruzando o rio Zerka (o bíblico
Jabbok), circundando uma "floresta" de pinheiros que cobre as
montanhas de Ajloun. Daí contempla-se as ruínas, tendo o Arco do
Triunfo em primeiro plano . A outra rota nos mostra aspectos do de-
serto oriental, entre Zerka e Mafraq.
Estando a mais ou menos 570 metros acima do nível do mar,
cercada por terras de pastagens e campos férteis, perto de um curso
de água (onde outrora existiu uma densa floresta), foi ocupada em
tempos muito antigos (Pré-história — Paleolítico e Neolítico) mas
nada se sabe exatamente por falta de provas . Talvez tivesse ela an-
teriormente nome diverso.
A primeira ocupação do local talvez tenho sido por um povo
semita (amoritas ou amonitas, mais ou menos no século XVII a. C.)
ou por nabateus-árabes . Seria uma pequena vila, exposta à influência
grega.
Reza a tradição que Alexandre-o-Grande, estabeleceu um desta-
camento de veteranos no local. Surge posteriormente duas hipóteses:
uma, que a cidade teria sido fundada por Antígono e outra, que
atribui a fundação da mesma ao general Pérdicas no IV século a . C.
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Depois da batalha de Ipsus (301 a . C . ) os Ptolomeus são


senhores da Palestina e Gerasa fica sob o seu contrôle como cidade
do distrito administrativo dos amanitas . A influência helenística no
local é intensa, daí, por exemplo, a transformação da vizinha Rabbath
•Ammon na cidade helenística de Filadélfia (sob o reinado de Ptolo-
meu II, 285-246 a . C. ) .
Com Antíoco III (223-187 a. C.) surge o contrôle selêucida
ocasionando a criação de Antioquia sôbre o Chrysorhoas (que seria
Gerasa) onde ela é definitivamente estabelecida. Foi instalada uma
guarnição selêucida no local. O templo de Zeus talvez tenha sido
edificado nessa época. Escavações feitas no local mostram alças de
jarros de Rodes e a presença de todo o Panteão grego.
Nos fins do II século e comêço do I século a . C . temos as pri-
meiras referências históricas sôbre Gerasa, mencionadas pelo histo-
riador judeu Flávio Josefo . Relata a ocupação do local pelo tirano
de Filadélfia Teodoro ou seu pai Zeno Cotilas, nos últimos anos do
século II a . C . E outros tiranos sucessivos que fazem do local de-
pósito seguro de seus tesouros . Teodósio perde o contrôle de Gerasa
depois do cêrco de Alexandre Janeu, sumo-sacerdote e rei dos judeus
(102 a 76 a . C . ) . Gerasa caiu sôbre a influência de um govêrno
judeu centralizado, fato que a prepara para a formação de uma liga
com outras cidades romanas das proximidades . Permanece em mãos
judias até a chegada de Pompeu, quando passa a pertencer à Pro-
víncia da Síria . Este foi o ponto alto da vida da cidade, como posto
avançado da civilização ocidental.
Logo ,Gerasa torna-se membro da Confederação das cidades li-
vres, conhecido como Decápolis (10 cidades reunidas) . Até hoje
continuam incertos os propósitos dessa confederação .
Até a- primeira metade do século I a . C . viveu a cidade um pe-
ríodo de paz . Teve um florescente comércio em contacto com os
nabateus (muitas moedas do rei Aretas IV foram encontradas) . So-
fre, também, a influência nabatéia na arquitetura, cerâmica, religião . . .
Encontram-se pedras gravadas com o tipo nabateu crowstep,
justificado com a arquitetura local; capitéis nabateus, cerâmica do
tipo sigillata . Inscrição bilíngüe, quase ilegível, em nabateu e grego
referente ao templo do deus sagrado Pakidas (o deus árabe) são en-
contradas na cidade . Deduz-se que êsse deus seja Dushara (Dionísio
para os árabes) o mais importante dentro da religião nabatéia . Ins-
crições encontradas nas vizinhanças da Catedral e do Pátio da Fonte,
sugerem a existência de um antigo templo de Dionísio no local, com
seu rito pagão.
Inscrições encontradas nas vizinhanças do Forum e do templo
de Zeus mostram-nos que no século I a . C ., a cidade extendeu-se no
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máximo, do templo de Zeus à Catedral. Mas nada se pode afirmar,


até que novas escavações sejam feitas no local.
Gerasa participa do progresso econômico-social com o estabele-
cimento da Pax Romana. Com sua posição previlegiada torna-se cen-
tro de rotas de comércio que se dirigem para o mar e para o Norte;
para o mar e para o Sul (como outrora fôra a Petra nabatéia) .
Um compreensivo plano da cidade foi traçado, baseando-se no
que podemos ver da rua das colunas e das outras duas ruas que se cru-
zam (os cardo cruzados em ângulos retos pelas decumani) com as
duas Tetrapilon (norte e sul) . Nenhuma mudança justificável foi
feita em seu plano até sua fase decadente . Uma inscrição no portão
noroeste mostra que a muralha da cidade completou-se em 75-76 a. C.,
fixando assim os limites para o desenvolvimento da cidade .
O nôvo templo de Zeus foi começado em 22-23 d . C . e perma-
neceu em construção até 69-70 d . C. , ajudado por presentes de ricos
cidadãos . O teatro do sul, próximo ao templo, elevou-se ao mesmo
tempo, o velho templo de Artemis foi embelezado com um pórtico e
provido de uma piscina, e algures erigiu-se um santuário para o Im-
perador Tibério .
Essa grande atividade construtiva continuou até o II século quan-
do o imperador Trajano extendeu as fronteiras do Império Romano,
anexando o reino dos nabateus (106 d . C . ) . Forma-se a nova Pro-
víncia da Arábia, onde inclui-se a Decápolis, dominada pela II Le-
gião Cirenáica, com o legado C . Claudius Severus .
Constroi-se um sistema de altos caminhos que incluia não só
a fronteira da Acaba à Bostra (que corre até o leste de Gerasa) mas
também grande número de estradas são reconstruídas no estilo romano.
Mais conhecida torna-se a cidade e muitos dos edifícios construí-
dos no I século são quase totalmente reconstruídos, mais elaborados
com estruturas ornamentais .
Duas enormes thermae são construídas, representavam o club life
da época.
O imperador Adriano visita a cidade no inverno de 129-130.
Isso foi motivo para novas- construções e um Arco do Triunfo foi
erigido em sua homenagem . Seria esta a idade do ouro da cidade, um
grande programa de construções, ampliação de ruas do Forum para ,,
o templo de Artemis e' substituição das colunas jônicas das ruas por
modelos coríntios . O templo de Artemis com grandes acessos a leste
e suas grandes saídas (portas) foi dedicado em 150 da nossa éra .
O templo de Zeus (nova construção) foi erigido em 163; o Nimphaeum
em 191. Muitas inscrições da época mostram altares, pedestais, está-
tuas, edifícios, oferecidos por cidadãos ricos . Outras inscrições mos-
tram a existência de sacerdotes para o culto do imperador vivo, ou-
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tras têm o nome de governadores, oficiais, e soldados da III Legião


Cirenáica e da X legião Gêmina .
No século III Gerasa foi favorecida pela proclamação do Cons-
tituto Antoniniana (212) e pela elevação a título de colônia com o
nome de Colonia Aurélia Antoniniana.
Daí em diante Gerasa sofre uma decadência gradativa . A des-
truição de Palmira e o desenvolvimento do reino dos sassânidas (no
Iraque) pôs fim ao comércio em grande escala e desviou muitas rotas
do leste. Cidades como Gerasa, sentiram êsse efeito . O enfraqueci-
mento do poderio romano e o instinto pedratório dos árabes começam
a atuar sôbre elas .
Com Dioclesiano, os sassânidas são derrotados e num curto pe-
ríodo novas construções surgem em Gerasa . Inscrições da época fo-
ram encontradas na base de pedestais, colunas, etc.
Na metade do IV século Gerasa foi uma grande comunidade cris-
tã, surgem a Catedral e o Pátio da Fonte, como se pode ver nos relatos
feitos por Epifânio . Referências são feitas à representação dos cris-
tãos de Gerasa no Concílio de Selêucia, em 359, pelo bispo Exerésio .
O bispo Planco representou-os no Concílio de Calcedônia em 451,
tempo em que o Cristianismo tornou-se religião oficial da cidade .
Igrejas são construídas, como a dos Profetas apóstolos (464-
-465) e a igreja dé São Teodoro (496) . Com Justiniano (531 a 565)
muitas igrejas são construídas, assim como edifícios públicos, com uma
superficial aparência de beleza . Os centros mais importantes da época
eram as igrejas.
Uma thermae especial foi construída pelo bisbo Placo, ao lado
da igreja de São Teodoro, para o uso de seus paroquianos (talvez uns
dos primeiros exemplos de limpeza diante' do sagrado) . Tôda uma
beleza e confôrto em relação às habitações em geral (que eram feitas
de forma muito rudimentar em relação às do período romano) . Os
grandes edifícios e templos possuiam beleza e confôrto requintados .
A última das igrejas construídas data de 611 e a invasão persa
em 614 assinala o princípio do fim da cidade . Os únicos vestígios
dessa invasão são as pilastras do goal, construidas no Hipódromo para
o jôgo de polo.
A conquista muçulmana, mais ou menos 635, completa o de-
clínio da cidade .
Uma série de tremores de terra destruiram muitas igrejas e edi-
fícios, sem que os mesmos fôssem reconstruídos. A igreja de São
Teodoro é um bom exemplo disso . O abandôno foi gradual . Em 720
o califa Iazide II baixou um decreto pelo qual tôdas as imagens e re-
tratos de bronze, madeira, pedra ou colorido, deveriam ser destruídos
em seus domínios As paredes internas dos templos mostram sinais
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de fogo (sistema, pelo qual, foram destruídos) . Êsse estado de coisas


continua até o estabelecimento, pelos turcos, em 1878, de uma colônia
circassiana .
Gerasa continuou pouco explorada e até hoje está por ser esca-
vada.

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