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Priscila Bermudes Peixoto

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PRISCILA BERMUDES PEIXOTO

ATÉ QUE A EUGENIA NOS SEPARE: RAÇA, SAÚDE E A


PROPOSTA DO EXAME MÉDICO PRÉ-NUPCIAL NO BRASIL (1918-
1936)

FRANCA
2017
PRISCILA BERMUDES PEIXOTO

ATÉ QUE A EUGENIA NOS SEPARE: RAÇA, SAÚDE E A


PROPOSTA DO EXAME MÉDICO PRÉ-NUPCIAL NO BRASIL (1918-
1936)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-
requisito para a obtenção do título de Mestre em
História.
Área de Concentração: História e Cultura Social.
Orientadora: Prof.ª Dra. Valéria dos Santos
Guimarães.

FRANCA
2017
Peixoto, Priscila Bermudes.
Até que a eugenia nos separe : raça, saúde e a proposta
do exame médico pré-nupcial no Brasil (1918-1936) / Priscila
Bermudes Peixoto. – Franca : [s.n.], 2017.

202 f.

Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual


Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientadora: Valéria dos Santos Guimarães

1. Politica populacional. 2. Medicina - Historia. 3. Eugenia.


4. Racismo. I. Título.
CDD – 301.3210981
ERRATA

PEIXOTO, Priscila Bermudes. Até que a eugenia nos separe: raça, saúde e a proposta do
exame médico pré-nupcial no Brasil (1918-1936). 2017. 202f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”. Franca, 2017.

Página Linha Onde se lê Leia-se


AGRADECIMENTOS 36 Agradeço à Fundação de Agradeço à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Amparo à Pesquisa do Estado
Estado de São Paulo de São Paulo (FAPESP) e à
(FAPESP) pelo Coordenação de
financiamento da presente Aperfeiçoamento de Pessoal
pesquisa por meio da Bolsa de Nível Superior (CAPES)
de Mestrado concedida – pelo financiamento da
processo 2015/08002-8 – presente pesquisa por meio da
sem a qual este estudo não Bolsa de Mestrado concedida
poderia ter tido sua – processo 2015/08002-8 –
completa realização. sem a qual este estudo não
poderia ter tido sua completa
realização.
PRISCILA BERMUDES PEIXOTO

ATÉ QUE A EUGENIA NOS SEPARE: RAÇA, SAÚDE E A


PROPOSTA DO EXAME MÉDICO PRÉ-NUPCIAL NO BRASIL (1918-
1936)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de


Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em História.
Área de Concentração: História e Cultura Social
Orientadora: Prof.ª Dra. Valéria dos Santos Guimarães

BANCA EXAMINADORA

PRESIDENTE:______________________________________________________________
Prof.ª Dra. Valéria dos Santos Guimarães, UNESP/Franca.

1ºEXAMINADOR:___________________________________________________________
Prof.ª Dra. Tania Regina de Luca, UNESP/Assis.

2º EXAMINADOR:__________________________________________________________
Prof. Dr. Vanderlei Sebastião de Souza, UNICENTRO/Guarapuava.

Franca, 29 de novembro de 2017.


Aos meus pais, Luciano e Ana Lúcia.
AGRADECIMENTOS

Depois de um longo caminho percorrido até aqui, é chegado o momento de prestar


minhas homenagens àqueles que contribuíram de alguma forma para a concretização deste
estudo.
Agradeço, primeiramente, à Prof.ª Dra. Valéria dos Santos pelo acompanhamento
desde a iniciação científica, ainda na graduação. Ao longo desses anos, adquiri conhecimentos
teóricos e práticos referentes à vida acadêmica por meio de nossas infinitas reuniões, seu
apoio e dedicação. Sempre com uma leitura atenta e conselhos valiosos, a Prof.ª Valéria foi
também uma amiga, transmitindo confiança nos momentos em que me deparei com dúvidas e
inseguranças. Muito obrigada acima de tudo pela paciência, zelo e cuidado que teve por esta
pesquisa. Os resultados aqui obtidos devem especialmente à sua orientação exemplar.
Ao Prof. Vanderlei Sebastião de Souza, por quem já tinha grande admiração devido à
leitura de seus trabalhos os quais muito me inspiraram, e que mais tarde pude conhecer
pessoalmente no minicurso sobre História da Eugenia, realizado pelo Programa de Pós-
Graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Feito esse
contato, o Prof. Vanderlei sempre se colocou à disposição para me auxiliar nesta pesquisa.
Agradeço por ter feito parte Banca no Exame de Qualificação e pelas sugestões que
seguramente enriqueceram esse trabalho.
Agradeço igualmente à Prof.ª Tania Regina de Luca que de modo magistral indicou
importantes caminhos de pesquisa e escrita tanto na oportunidade do II Seminário de História
Cultural, realizado na UNESP campus Franca, no ano de 2016, quanto no Exame de
Qualificação.
Aos meus familiares, em especial aos meus pais, Luciano e Ana Lúcia, e minha irmã
Letícia, pelo apoio e incentivo, além do grande carinho e aconchego sempre dedicados.
Ao fiel companheiro Luis Felipe que acompanhou de perto toda minha trajetória
acadêmica, vibrando cada avanço e sendo refúgio nos momentos de aflição.
É preciso agradecer também aos amigos, alguns que conquistei ainda infância: Ana
Laura, Micaelly e Marco Aurélio que estão constantemente presentes em minha vida.
Agradeço aos amigos da graduação: Diaico, Bruna e Daniel pelas lembranças felizes de
conversas nos corredores da UNESP e à Mayara pela companhia durante a pós-graduação, e
principalmente nas viagens aos congressos acadêmicos.
À Michele, Jorge e Renata, formidáveis companhias diárias que tanto me alegram.
Ao amigo Leonardo Dallacqua de Carvalho que também conheci no minicurso de
História da Eugenia, promovido pela Fiocruz em 2015. Desde então, foram várias conversas
sobre nossas pesquisas, troca de informações e trabalhos compartilhados. Essa pesquisa
certamente deve muito a sua inestimável ajuda.
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo
financiamento da presente pesquisa por meio da Bolsa de Mestrado concedida – processo
2015/08002-8 – sem a qual este estudo não poderia ter tido sua completa realização.
“No correr das discussões sempre acaloradas -
(gente apaixonada, esses Brasis) – algumas surpresas
têm aparecido. É natural. A Eugenia está,
exatamente, na ponte que liga a biologia às questões
sociais, à política, à religião, à filosofia e... aos
preconceitos. De sorte que seria exigir muito, um
debate em que tanta gente reunida só dissesse coisas
absolutamente certas e seguras.”
(Edgard Roquette-Pinto, 1933)
PEIXOTO, Priscila Bermudes. Até que a eugenia nos separe: raça, saúde e a proposta do
exame médico pré-nupcial no Brasil (1918-1936). 2017. 202f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”. Franca, 2017.

RESUMO

O objetivo desse trabalho consiste em analisar o debate de cunho eugenista acerca da adoção
do exame médico pré-nupcial ocorrido nos meios ligados à medicina e às práticas sanitárias
no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. A medicina social, baseada em doutrinas
higienistas e eugenistas, buscou intervir mais diretamente no cotidiano da população,
estabelecendo normas de conduta, sob o pretexto de prevenir moléstias e epidemias. O exame
pré-nupcial foi um dos aspectos desta orientação mais ampla. Sua realização era defendida
por médicos que pretendiam impedir ou adiar casamentos quando um dos nubentes
apresentasse alguma doença ou fatores considerados degenerativos, sempre orientados por
supostas medidas preventivas imprescindíveis ao que acreditavam ser o aprimoramento racial.
Observando que discurso eugênico classificou determinados indivíduos como inferiores e
pretendia impedir a reprodução destes, esta pesquisa busca compreender em que medida a
questão da raça esteve presente na proposta de intervenção matrimonial. Tomando como
referência a noção de discurso como um conjunto de regras adequado à sua prática,
constituído por conflitos e tensões internas, procura-se demonstrar como os eugenistas
tentaram impor seu saber à sociedade, ou seja, quais eram suas motivações para transformar o
exame pré-nupcial em uma lei aplicável em todo o país. Analisa-se ainda as controvérsias e
objeções reclamadas por seus críticos, notando como estas e a própria realidade do país
contribuíram para que determinadas políticas eugênicas não fossem adotadas, a exemplo da
obrigatoriedade do exame pré-nupcial.

Palavras-chave: Exame médico pré-nupcial. Eugenia. Raça. História da medicina. História


do Brasil.
PEIXOTO, Priscila Bermudes. Until eugenics do us apart: race, health and the proposal of the
prenuptial medical examination in Brazil (1918-1936). 2017. 202f. Dissertation (Master’s
degree in History) Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Franca, 2017.

ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze the eugenicist medical discourse about the premarital
medical examination occurred in the medical environment and the sanitary practices in Brazil,
in the early decades of the twentieth century. The social medicine, based on the hygienist and
eugenicist doctrines, would intervene in the daily basis of the population by establishing
standards of conduct, intending to prevent diseases and epidemics. The prenuptial exam was
one of the aspects of this wider orientation. The defense of its realization, gathered doctors
who could prevent or postpone marriages when one of the spouses had any disease, always
guided by supposed preventive and necessary measures concerning what they believed to be a
racial enhancement. Noticing that the eugenic speech classified some people as inferior and it
was supposed to stop their reproduction, this research aims to understand in which measure
the question about race was present in the proposal of matrimonial intervention. Taking as a
reference the notion of the discourse as a group of rules appropriate to its practice, constituted
by conflicts and intern tensions, we are going to show how the doctors tried to impose their
knowledge to society, in other words, what were their motivations to transform the premarital
examination in an applicable law in all over the country. It also analyzes the controversies
and objections claimed by the critics, noting how these and the reality of the country
contributed to the fact that certain eugenic policies were not adopted, such as the compulsory
prenuptial examination.

Keywords: Prenuptial medical examination. Eugenics. Race. Medical History. Brazilian


History.
LISTA DE ABREVIATURAS

CCBE – Comissão Central Brasileira de Eugenia


DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública
EPN – Exame pré-nupcial
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
PRR – Partido Republicano Rio Grandense
SESP – Sociedade Eugênica de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1. O CONTROLE MATRIMONIAL EM QUESTÃO: O SURGIMENTO DE UMA


PROPOSTA. ......................................................................................................................................... 21
1.1 Uma solução científica para a degeneração racial no Brasil. .......................................................... 22
1.2 Os “fundamentos” do exame pré-nupcial........................................................................................ 28
1.3 Impedimentos matrimoniais: quem não deveria se casar ................................................................ 41
1.3.1 Doentes, imorais e degenerados ................................................................................................... 47
1.3.2 Doenças Mentais .......................................................................................................................... 64
1.3.3 Casamentos consanguíneos .......................................................................................................... 67
1.3.4 Idade para casar ............................................................................................................................ 70
1.4 O ideal: casamentos eugênicos ........................................................................................................ 72

CAPÍTULO 2. DEFENDENDO A INTERVENÇÃO .......................................................................... 77


2.1 As condições de possibilidade da retórica eugênica no Brasil. ....................................................... 77
2.2 Uma suposta medida de “utilidade social” ...................................................................................... 91
2.2.1 A campanha em prol do EPN nos redutos acadêmicos ou especializados em eugenia: ............... 93
2.2.2 A campanha do jornal O Globo.................................................................................................. 103
2.3 A proposta do exame pré-nupcial inserida no debate internacional .............................................. 112
2.4 Aprimorando a raça por meio da saúde? Elementos conexos no discurso eugênico. ................... 116

CAPÍTULO 3. AS CONTROVÉRSIAS OU OBJEÇÕES AO EXAME PRÉ-NUPCIAL ................. 132


3.1 A liberdade individual em questão ou o direito de intervir ........................................................... 133
3.2 A Igreja Católica: um obstáculo à eugenia negativa ..................................................................... 139
3.3 Outras objeções: os problemas práticos do exame pré-nupcial. .................................................... 153

CAPÍTULO 4. O EXAME PRÉ-NUPCIAL NO PLANO LEGAL .................................................... 159


4.1 A proposta de lei de Amaury de Medeiros (1927) ........................................................................ 159
4.2 O exame pré-nupcial em debate na Assembleia Constituinte 1933-4. .......................................... 167
4.3 A persistência de um sonho eugênico ........................................................................................... 184

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 191

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................. 196
Fontes Primárias .................................................................................................................................. 196
Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 198

ANEXOS............................................................................................................................................. 203
12

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre a História da eugenia é uma tarefa importante não apenas pelo
conhecimento do passado, mas é também relevante à luz do presente se quisermos pensar em
seus desdobramentos. O desenvolvimento dos estudos sobre genética e a realização de
fertilização in vitro com diagnóstico pré-implantacional1 geram novos debates sobre ética,
moral, religião e ainda o surgimento de uma “nova eugenia”.2 Paralelamente, no contexto
atual observa-se o crescimento da xenofobia, a persistência do racismo, promessas de novos
muros demarcando fronteiras e outras medidas radicais. Ora, todos esses fatores nos revelam a
atualidade do tema.
Segundo Marc B. Adams, estudos realizados sobretudo a partir da década de 1980
foram fundamentais para a superação de estereótipos existentes em torno da eugenia. Após a
Segunda Guerra Mundial, na memória comum, o próprio termo remetia rapidamente aos atos
extremos praticados pelo regime nazista alemão, e recebia a partir de então o equivocado
rótulo de “pseudociência”.3 Ainda que o modelo de eugenia nazista deva ser ferrenhamente
rejeitado, não cabe ao historiador negar ou denegar fatos do passado.4 Logo, embora a eugenia
tenha sido eivada de preconceitos e que a posteriori tenham surgido novos conhecimentos
acerca da genética, não cabe ao historiador tratá-la como falsa ciência. Adams destaca a
importância da análise comparativa. As novas abordagens buscaram evitar generalizações e
demonstraram que a eugenia não foi um movimento único com as mesmas crenças e objetivos
nos diversos países em que foi discutida. De modo que tal movimento deveria ser
compreendido enquanto um complexo conjunto de ideias.5

1
Técnica que permite a análise genética dos embriões antes de sua implantação no útero capaz de identificar a
possibilidade doenças genéticas. Ver mais em: MENDES, Marcela Custodio; COSTA, Ana Paula Pimentel.
Diagnóstico genético pré-implantacional: prevenção, tratamento de doenças genéticas e aspectos ético-legais.
Revista de Ciências Médicas e Biológicas, v. 12, n. 3, p. 374-379, 2013. Disponível em: <
https://portalseer.ufba.br/index.php/cmbio/article/view/8269> acesso em 12 jun. 2017.
2
Uma reportagem publicada no site da BBC exemplifica bem o debate sobre a eugenia na atualidade. Ver:
COSTA, Camilla. 'Contra Deus'? A difícil escolha dos pais que fazem testes genéticos. In: BBC Brasil (on-line).
7 maio 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150504_testes_geneticos_cc>
acesso em 12 jun. 2017.
3
ADAMS, Mark B. Toward a comparative History of Eugenics. In: ADAMS, Mark B. (org.). The Wellborn
science: eugenics in Germany, France, Brazil and Russia. New York: Oxford University Press, 1990.
4
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Reflexões sobre a memória, a história e o esquecimento. In: SELIGMANN-
SILVA, Márcio (org.). História, memória, literatura: o testemunho na Era das Catástrofes. Campinas: Editora
Unicamp, 2003, p. 77.
5
ADAMS, Mark B. Toward a comparative History of Eugenics. In: ADAMS, Mark B. (org.). The Wellborn
science. op. cit., pp. 217-227.
13

Nesse sentido, o trabalho de Nancy Leys Stepan, “The Hour of Eugenics”6 (1991),
trouxe grandes contribuições à História das Ciências. Ao abordar o movimento eugênico na
América Latina, até então ignorado pela historiografia, a autora pôde observar suas
particularidades e a forte presença da perspectiva neolarmarquista7. A premissa de que as
melhorias no ambiente social resultariam em um melhoramento genético permanente teria
mobilizado ideias mais brandas ou “de modo soft”8 na região. Este fato, entretanto, não
significou a inexistência do mendelianismo9 ou de propostas menos radicais no Brasil.
Conforme destacou Vanderlei Sebastião de Souza, sobretudo a partir de finais da
década de 1920, parte dos adeptos da eugenia, como Renato Kehl, pretenderam autonomizar o
movimento, dissociando-o de outros a exemplo do higienismo e sanitarismo. Para este grupo
o projeto de eugenia “negativa”10 ganhava maior ênfase, sublinhando a defesa de políticas
extremadas e racistas: o controle da imigração, a esterilização dos supostamente degenerados
e a obrigatoriedade do exame médico pré-nupcial sob a justificativa de evitar o nascimento de
tipos considerados indesejáveis.11
Analisando o final do século XIX e início do XX, Lilia Schwarcz observou que as
elites intelectuais brasileiras fizeram diferentes interpretações sobre as teorias raciais
difundidas naquele período. Em seu esforço de adaptação, produziram ideias originais que
conformavam a possibilidade de um projeto nacional, mantendo, entretanto, o arquétipo de
hierarquia racial a fim de justificar as diferenças sociais existentes.12 Na mesma perspectiva, o
estudo desenvolvido por Nancy Stepan, cuja análise voltou-se particularmente ao movimento

6
O trabalho de Nancy Leys Stepan foi traduzido para o português em 2005 pela editora Fiocruz e recebeu o
título de “A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina”.
7
A teoria da herança dos caracteres adquiridos de Jean-Baptiste Lamarck postulava que o plasma germinativo
poderia ser alterado por meio de influências externas, do meio ambiente. Essas características adquiridas pelos
seres humanos ao longo de sua vida poderiam ser transmitidas para sua prole e futuras gerações.
8
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2005, p. 40.
9
Em linhas gerais, as teorias de Mendel e Weismann rejeitavam a ideia de que o material genético pudesse ser
modificado ao longo da vida.
10
Enquanto a eugenia positiva visava o estímulo aos ditos bons nascimentos e pregava a necessidade da
educação eugênica, saneamento básico, divulgação de noções de puericultura, controle de enfermidades, entre
outras medidas, a eugenia negativa visava impedir a reprodução daqueles tipos que consideravam degenerados,
defendia-se práticas anticoncepcionais, o exame pré-nupcial e até mesmo a esterilização daqueles que
supostamente não seria possível reverter o grau de degeneração.
11
Cf. SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A política biológica como projeto: a eugenia negativa e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2006. Disponível em:
<https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/6134>
12
Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930).
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
14

eugênico, teve por objetivo demonstrar que a América Latina não deve ser tratada como mera
consumidora de ideias e teorias vindas de fora.13
Numa linha semelhante, destaca-se o ensaio de Sérgio Carrara intitulado “Estratégias
anticoloniais: sífilis, raça e identidade no Brasil do entre guerras”, o autor buscou
compreender como os intelectuais brasileiros responderam ao racismo científico e demais
teorias estigmatizantes do país. Estas puderam ser reelaboradas. Determinados aspectos então
considerados negativos passaram a ser aceitos, contudo, ganhavam nova conotação. Em geral,
partia-se do princípio de que a degeneração era adquirida, e, portanto remediável. Entretanto,
não é possível dizer que houve um total abandono ou completa negação das teorias raciais.14
Em concordância com os autores supracitados, ao reconhecer as particularidades da
eugenia brasileira, observa-se que esta foi interpretada a fim de produzir um discurso repleto
de soluções científicas ao país. Forjando, assim, possibilidades de “regeneração” ao Brasil.
Por outro lado, nossos intelectuais utilizaram a eugenia para reforçar suas concepções raciais
e segregar determinados indivíduos. As recentes abordagens sobre a História das ciências, da
saúde, da medicina e da doença, procuraram sondar seus objetos dentro do domínio social que
os circunscreve e também os estrutura.15 Portanto, encarando a eugenia como “movimento
social e científico”16 é possível observar as relações entre sociedade e ciência, isto é, como a
primeira pode influenciar a segunda.17
Essa breve apresentação do estado da arte não encerra todas as contribuições feitas à
historiografia da eugenia e das ciências em geral, afinal, tal abordagem foi objeto de interesse
de vários historiadores brasileiros. Estudos específicos sobre a eugenia, suas instituições e
principais personagens no Brasil tornaram-se elementos centrais de artigos, dissertações, teses
e livros. Entretanto, tal temática não foi esgotada, permitindo ainda uma pluralidade de novos
enfoques e perspectivas contextuais, além da existência de fontes ainda não analisadas. 18 Esta
pesquisa tem por objetivo tratar especificamente de uma proposta amplamente defendida

13
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 10.
14
CARRARA, Sérgio. Estratégias anticoloniais: sífilis, raça e identidade no Brasil do entre guerras. In:
HOCHMAN, Gilberto (org). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América
Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp. 429-453.
15
HOCHMAN, Gilberto, and ARMUS, Diego, Cuidar, controlar, curar em perspectiva histórica: uma
introdução. In: HOCHMAN, G., and ARMUS, D., (orgs). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre
saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004, p. 18.
16
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 13.
17
Ibidem.
18
CARVALHO, Leonardo Dallacqua de; PIETTA, Gerson. Questões e perspectivas em torno da história da
eugenia: o que mais a historiografia tem a dizer sobre o tema? In: Revista Maracanan, Rio de Janeiro, nº 13,
dez., 2015, p. 112. Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/20126/14576> acesso em 19 jun. 2017.
15

pelos eugenistas brasileiros: a implantação legal do exame médico pré-nupcial. Penso que
seria interessante contar brevemente ao leitor como cheguei a esse objeto de pesquisa.
O interesse inicial, ainda na graduação, partiu do desejo de estudar as primeiras
mulheres a se formarem em medicina no Brasil. Elisabeth Juliska Rago nos apresenta em seu
livro “Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931)” algumas experiências
vividas pela baiana Francisca Praguer Froés (1872-1931), médica formada pela Faculdade de
Medicina e Farmácia da Bahia em 1893. Feminista, ela foi uma das fundadoras da Federação
Bahiana pelo Progresso Feminino (1931) e atuou ao longo de sua vida buscando proteger a
mulher e sua saúde, além de lutar pelo voto feminino e a lei do divórcio. Juntamente com
vários médicos do período, Francisca Fróes esteve envolvida no debate higienista e eugenista.
Atenta ao problema das doenças venéreas, a médica defendia a educação sexual como medida
profilática, contudo, saltou aos olhos outra medida pela qual Francisca batia-se: a
obrigatoriedade do exame pré-nupcial. A baiana estava preocupada sobretudo com as
mulheres, pois, segundo ela, frequentemente as recém-casadas eram infectadas por alguma
moléstia venérea do marido, assim, muitas se tornavam estéreis ou até mesmo faleciam.19
A partir de então surgia meu interesse pelo tema. Consultando a historiografia
verifiquei que outros médicos, e também educadores, políticos e juristas, defenderam a
mesma medida no início do século XX. Contudo, os adeptos da eugenia a tomaram como
parte de um projeto de aprimoramento racial, portanto, diferente do objetivo central de
Francisca Fróes. Pois, no caso da médica baiana, Elisabeth Rago destaca que: “[...] feminismo
e medicina aparecem amalgamados em uma única perspectiva, o que explica em parte a
singularidade de suas ideias no contexto científico- intelectual do período”.20
Alguns pesquisadores brasileiros, como por exemplo, Sérgio Carrara: “Tributo a
Vênus” (1996) e José Leopoldo Antunes: “Medicina, leis e moral” (1999), abordaram a
proposta do exame pré-nupcial no Brasil, afinal esse era um assunto frequente no meio
médico no início do século XX, portanto, certamente muitos historiadores dedicados à
História da medicina, das doenças e das ciências que trabalharam tal período tomaram
conhecimento dessa medida. Porém, o exame pré-nupcial (EPN) não era o objeto central de
suas pesquisas.21

19
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo: Annablume,
Fapesp, 2007, p. 184.
20
Ibidem, p. 170.
21
Moacyr Scliar (1937-2011) publicou em 1997 uma nota de pesquisa intitulada “O exame pré-nupcial: um rito
de passagem da Saúde Pública” nos Cadernos de Saúde Pública. Apesar de sua contribuição ao tema, o médico e
escritor parece não ter continuado e aprofundado sua pesquisa acerca do exame pré-nupcial no Brasil.
16

Em decorrência da carência de um estudo que tratasse particularmente do EPN no


Brasil, Fábio Voitechen (2015) analisou em sua Dissertação de mestrado teses médicas,
jornais e debates políticos que abordaram do assunto entre 1926 e 1934, de modo que o autor
optou por construir seu texto dividindo-o por fontes.22 O conhecimento desse trabalho deu-se
no momento em que a presente pesquisa já estava sendo desenvolvida. Apesar da evidente
aproximação temática e das contribuições do autor, acredita-se que cada estudo é
condicionado pelas perguntas que o historiador propõe aos documentos.23 Portanto, além da
análise de outras fontes, os trabalhos se diferenciam pelo tipo de problematização proposta.
Voitechen apresentou em detalhes o discurso eugenista em diversos suportes. O estudo aqui
desenvolvido pretendeu uma investigação mais aprofundada sobre o exame pré-nupcial,
refletindo sobre a questão racial e acerca dos fatores que possivelmente impediram a
implantação de medidas eugênicas mais radicais no país. Os questionamentos que
pretendemos responder nesta pesquisa serão apresentados a seguir.
Diante do interesse pelo tema, foram realizadas buscas em diferentes acervos on-line,
especialmente das bibliotecas de faculdades de medicina do país. Chamou atenção a
quantidade de teses médicas defendidas por volta das décadas de 1920 e 1930 que tinham o
termo “exame pré-nupcial” em seus títulos. No total foram encontradas oito delas, defendidas
em diferentes estados brasileiros (ver Anexo I). Na imprensa da época, tanto especializada
quanto naquela destinada ao público em geral, verificou-se que o mesmo assunto era
frequente. Logo, surgiam de início algumas perguntas: afinal do que se tratava esse exame?
Qual era o objetivo dos eugenistas ao defender a implantação do exame pré-nupcial como
medida generalizada e obrigatória a todos os nubentes brasileiros? Nessa concepção, quem
seria inapto ao casamento? E qual seria o tipo de união ideal pretendida?
A intenção dessa pesquisa foi responder tais questionamentos no primeiro capítulo,
sendo que os mesmos se desdobraram em outras indagações que permearam a investigação,
conforme se verá no decorrer da leitura. Buscou-se investigar o exame pré-nupcial como
possível incremento às propostas de “regeneração” nacional tão discutidas por intelectuais da
época. O recorte temático voltou-se para a análise da proposta do EPN dentro da perspectiva
eugenista. Portanto, foi analisado o período de maior “vigor” desta ciência no Brasil, isto é,
entre o início da década 1920 e finais de 1930. O ano 1918, mais especificamente, remete ao
22
Cf. VOITECHEN, Fábio. O exame pré-nupcial, nas páginas da imprensa jornalística, nas teses médicas e na
Assembleia Constituinte: 1926-1934. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em História Cultural. Florianópolis,
2015. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160663>
23
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 8.
17

surgimento da Sociedade Eugênica de São Paulo e a promessa dessa instituição em concorrer


para exame pré-nupcial. O recorte final definiu-se pelo ano de 1936, pois nesse ano foram
apresentados dois projetos de lei referentes à mesma medida. O cotejamento das fontes, que
foram diversas (teses médicas, atas de congressos científicos, jornais e revistas especializados
e da grande imprensa), levantaram novas perguntas e hipóteses.
Segundo Michel Foucault, os discursos podem ser entendidos como um conjunto de
práticas que formam os objetos sobre os quais falam.24 Nesse sentido, pode-se dizer que o
discurso eugenista constituiu o casamento (ou a sexualidade) como um de seus objetos. Resta
saber quais condições possibilitaram que os eugenistas pudessem se ocupar de tal assunto e
pretendessem impor seu saber sobre a sociedade. Todavia, aqui, os discursos foram
compreendidos enquanto projetos que nem sempre foram efetivados. Ou seja, foi preciso
evitar tomar como “dado relevante da realidade social o que não passava de um projeto
defendido por segmentos da corporação médica”.25
Ainda que a ideia de uma completa medicalização da sociedade deva ser revista, os
estudos sobre as transformações da medicina ou o surgimento, em fins do século XVIII, do
que se chamou de “medicina social” são pertinentes neste caso. Enquanto prática social, a
medicina procurou investir-se não apenas sobre o indivíduo enfermo, mas também nas
cidades e no corpo coletivo em geral, ditando medidas profiláticas que supostamente
impediriam a possível eclosão de doenças.26
Por meio da investigação do discurso eugenista em prol da obrigatoriedade do exame
pré-nupcial, levantou-se no segundo capítulo a seguinte pergunta: por que uma medida de
aspecto tão autoritário pôde ser amplamente defendida? Observou-se então o contexto social e
político vivenciado em especial no eixo Rio-São Paulo a fim de buscar responder tal
questionamento, afinal, é de interesse do historiador analisar não apenas o que foi dito ou
escrito, mas também compreender a realidade do período.
Notou-se que a abordagem eugênica, e em particular aquela relacionada à
obrigatoriedade do EPN, era considerada científica, e que, portanto, incluía-se na ordem do
normativo, apresentando credibilidade frente à sociedade. Mas enfim, quais eram os
argumentos empregados para justificar a dita necessidade do EPN? A retórica era semelhante

24
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p. 56.
25
EDLER, Flavio Coelho. A medicina brasileira no século XIX: um balanço historiográfico. In: Asclepio, v. 50,
n. 2, 1998, p. 174. Disponível em: <http://asclepio.revistas.csic.es/index.php/asclepio/article/view/341> acesso
em 09 ago. 2016.
26
Cf. FOUCUALT, Michel. O nascimento da medicina social. In: ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1985, pp. 79-80.
18

em suportes especializados do meio médico (teses acadêmicas, jornais e revistas) e na grande


imprensa? Essa análise privilegiou o jornal O Globo devido o destaque dado ao tema por este
veículo. No ano de 1926, foi realizada uma grande campanha que reuniu entrevistas com
importantes nomes da medicina. A intenção foi observar como se desenvolveu tal inquérito,
observando as possíveis divergências entre as opiniões dos entrevistados, além de refletir em
que medida O Globo auxiliou na divulgação dessa medida.
Observou-se ainda no segundo capítulo o modo como os eugenistas brasileiros
sublinhavam a abordagem internacional com intuito de dar possivelmente maior “respaldo” à
possível implantação EPN no país. Ademais, a elite brasileira e parte de nossos intelectuais
espelhavam-se na Europa como modelo civilizacional, como se sabe. O ideal de
branqueamento era renitente, contudo, a corrente sanitarista trazia novas perspectivas e
reivindicava um olhar atento à realidade brasileira. Sendo assim, buscou-se refletir em que
medida a questão racial – ou o racismo étnico e biológico – esteve presente na proposta do
EPN e no movimento eugênico em geral.
A análise social feita por seus adeptos esteve condicionada à perspectiva determinista.
As condições de vida, a pobreza e miséria foram veiculadas às interpretações da biologia e às
noções de hereditariedade. Nessa concepção, para garantir o aprimoramento racial, a
procriação dos mais pobres deveria ser controlada, enquanto das elites brancas, fortes e
saudáveis deveria ser incentivada.27 Os doentes e portadores de supostas degenerações
hereditárias também foram alvo da atenção eugenista e, igualmente, nessa concepção, não
deveriam se casar ou se reproduzir. Sob a pompa científica, os indivíduos foram classificados
entre saudáveis e enfermos, superiores e inferiores, assumindo-se uma postura discriminatória
em prol de suas ditas boas soluções ao país. Considerava-se que a regulamentação da vida e a
exclusão (ou eliminação) daqueles que representavam um perigo biológico trariam benesses
para o bem-estar coletivo.28

27
Assim dizia o médico e eugenista Renato Kehl: “Diremos, pois, com toda sinceridade, que é indispensável e
urgente divulgar entre as pessoas pobres e incultas, a necessidade de restringir a natalidade, ao mesmo tempo que
se lhes ensina os meios mais práticos de alcançar esse desideratum.” (KEHL, Renato. Aparas eugênicas: Sexo e
Civilização. Livraria Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1933, p. 87).
28
Compreende-se o discurso eugênico como uma manifestação do biopoder, tecnologia de poder que, segundo
Foucault, emerge na segunda metade do século XVIII e se dirige ao homem-espécie. Diferente do poder
disciplinar que se centrou no corpo e no indivíduo, o biopoder centrou-se na população, interessando-se por
processos biológicos, tem por objetivo promover a vida, mas também, por outro lado, busca controlá-la. Cf.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso do Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins
Fontes, 2005. Idem. Nascimento da biopolítica. In: Foucault, M. Resumo dos cursos do Collège de France
(1979-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 87-97, 1997.
19

Em que pese a legitimação científica em torno da abordagem eugênica e sua proposta


de EPN, a intenção do terceiro capítulo foi demonstrar que existiram resistências ou
controvérsias advindas de grupos como, por exemplo, juristas e membros da Igreja Católica,
afinal, estes também tomavam o casamento como objeto de reflexão. Contudo, verificou-se
que até mesmo alguns eugenistas criticaram a obrigatoriedade do exame. Analisando os
aspectos práticos, consideravam que a medida compulsória seria inexequível e defenderam
uma legislação de teor facultativo. O objetivo residiu então em demonstrar que a retórica em
torno do EPN foi alvo de conflitos externos e também internos, dada à falta de
homogeneidade do movimento eugênico no país.
No quarto capítulo são apresentadas as tentativas de incluir o exame médico pré-
nupcial na legislação brasileira: analisou-se o projeto de lei do deputado Amaury de
Medeiros, de 1927, que possuía caráter facultativo; as discussões na Assembleia Constituinte
de 1933-4; o projeto de lei do senador Césario de Mello e do deputado Nicolau Vergueiro,
ambos de 1936, igualmente requeriam a apresentação obrigatória de atestados de saúde física
e mental aos nubentes. A investigação final dessa pesquisa buscou refletir sobre os fatores que
provavelmente impediram a obrigatoriedade do EPN em território nacional e, portanto, a
efetiva realização de políticas eugênicas “negativas” ou mais radicais no Brasil.
Por fim, o estudo dos pormenores da proposta do exame pré-nupcial indicava a
ambição médica de investir-se sobre a vida privada da população, e destacava ainda uma
visão biologizada da sociedade que permitia aos eugenistas aconselhar de prontidão soluções
científicas às diversas mazelas sociais do país. Notou-se, entretanto, que esse discurso
encontrou resistências e disputou espaço com outras perspectivas. O acirrado debate não se
deteve apenas ao meio médico e acadêmico, haja vista que alcançou partidários na grande
imprensa e na política brasileira.
Esta investigação detalhada da trajetória do EPN pretendeu, assim, contribuir para os
estudos sobre a eugenia no Brasil. Ela abarcou diversos personagens provenientes de variadas
instituições, demonstrando a grande difusão do movimento eugênico no país, mas também a
falta de uma coesão interna do mesmo. Entre nossos eugenistas “softs” e “hards”,
neolarmaquistas e mendelianos, encontramos em comum um suposto compromisso com a
nação e a formação de sua identidade. A defesa do EPN, fosse facultativo ou obrigatório,
frequentemente vinha investida de ufanismo, e apresentava-se enquanto medida útil e
necessária que tinha supostamente por objetivo garantir o bem-estar coletivo. Buscou-se
realizar uma espécie de zoom out com a finalidade de compreender o projeto do EPN como
parte de um projeto mais amplo de civilidade e modernização do país. Por outro lado, ao
20

colocar a proposta do EPN em destaque foi possível pensar na forma a qual os adeptos da
eugenia visualizavam a sociedade brasileira. Observou-se que a influência de correntes como
o sanitarismo não mobilizou um pensamento antirracista em todo o movimento eugenista. Ao
contrário, notou-se a afluência do racismo; ora pela cor, ora pela condição social e pela
suposta falta de sanidade física e mental dos indivíduos.
Os médicos eugenistas, considerando-se arautos da ciência, apresentavam prontamente
seus receituários para a “moça peralta e sentimental”29: a nação brasileira. Ao longo dessa
pesquisa intentou-se demonstrar como o exame médico pré-nupcial esteve inserido nessa
orientação.

29
GODOY, Paulo. Pontos de Vista. In: Revista de Medicina, São Paulo, Maio de 1926, vol. III, n. 40, p. 2.
21

CAPÍTULO 1. O CONTROLE MATRIMONIAL EM QUESTÃO: O SURGIMENTO


DE UMA PROPOSTA.

“O aperfeiçoamento da espécie humana depende da seleção


conjugal efetuada com critério, regra e inteligência”.

RENATO KEHL30

No ano de 1937, Renato Kehl, o maior propagandista das ideias de Francis Galton no
Brasil, publicava sua obra comemorativa dos vinte anos de campanha eugênica no país. Trata-
se do livro intitulado “Porque sou eugenista” no qual o autor pretendia reforçar seus
argumentos e destacar os esforços de uma cruzada em prol do suposto aprimoramento racial
da população. Já nas páginas iniciais Kehl afirmava:
Nós, os eugenistas, queremos que de idade em idade cada geração seja superior à
geração que a precedeu. A eugenia, segura de seus desígnios, assentada em sólidos
alicerces científicos, guinada por sãos princípios, continuará, por intermédio dos
seus prosélitos, na faina de implantar o grande ideal de regeneração das raças. [...]
Para alcançar a regeneração humana e transformar este planeta em um novo jardim
de delícias, onde imperará a saúde, onde reinará a harmonia social e internacional,
só existe um caminho a seguir: o do ideal eugênico31.

Naquele período dos anos 30, a intelectualidade brasileira já conhecia bem seus
preceitos. O inglês Francis Galton (1822-1911), seu idealizador, propunha o estímulo dos
supostos bons nascimentos, enquanto os indivíduos tidos como degenerados, por sua vez,
deveriam evitar a reprodução. A eugenia passava a ser discutida no Brasil no início do século
XX, momento oportuno no qual as questões de identidade, raça e nação se colocavam na
pauta do dia.
Médicos, juristas e educadores fascinaram-se pela teoria que em sua chave
interpretativa dava margem à “regeneração” do brasileiro. A partir de 1917, se quisermos nos
valer do marco inicial estabelecido por Kehl, a campanha eugênica tomava corpo e sugeria
uma série de políticas à sociedade.32

30
KEHL, Renato. Eugenia e Medicina social: problemas da vida. Rio Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923, p.
35.
31
Idem. Porque sou eugenista: 20 anos de campanha eugênica 1917-1937. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1937.
32
Em abril de 1917, Renato Kehl realizou uma conferência sobre eugenia na Associação Cristã dos Moços de
São Paulo. Em dezembro do mesmo ano, em sessão ordinária da Sociedade de Medicina e Cirúrgia, foi lido um
ofício de Renato Kehl comunicando que seria fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo. O que de fato
ocorreu no mês de janeiro de 1918.
22

Esse capítulo analisará em detalhes a proposta do exame médico pré-nupcial que foi
debatida durante todo o período de maior “vigor” da eugenia no Brasil, isto é, as primeiras
décadas do século XX. Busca-se compreender de modo aprofundado o que era essa medida,
quais eram seus fundamentos e a quem se destinava. A seguir, entendendo que as doenças são
mais que fenômenos biológicos, pois se relacionam a questões de ordem social, a intenção é
investigar quais doenças eram consideradas disgênicas, segundo os eugenistas, e porque
foram tratadas como fator de impedimento matrimonial. Por fim, pretende-se demonstrar qual
era o ideal de casamento nessa mesma concepção, o que reverbera, num plano mais amplo, o
que se esperava das futuras gerações e da nação.

1.1 Uma solução científica para a degeneração racial no Brasil.

A problemática em torno da regeneração social e racial do Brasil era recorrente nas


discussões entre os intelectuais do início do século XX. O período em questão é marcado por
diversos apontamentos de supostos “venenos” e “remédios” à sociedade, legitimados por
discursos científicos. Já é bem conhecido na historiografia brasileira o papel da elite
intelectual em fornecer interpretações da sociedade, objetivando produzir uma nova realidade.
Uma vasta rede de instituições médicas, filantrópicas, policiais e pedagógicas buscaram
soluções para a agenda civilizadora do país que se impunha com o advento da República.
Mas quem eram esses homens de ciência que faziam prognósticos à nação? Não se
pode dizer que constituíam um grupo homogêneo. Nesse período, a formação institucional
dos intelectuais era bastante diversificada. Já não existia uma homogeneidade ideológica
como no passado, quando grande parte da elite ilustrada possuía formação em Coimbra e
carreira jurídica.33 Após meados do período oitocentista, diante da conformação de campos
acadêmicos distintos, se delineavam especializações profissionais. É possível notar o
amadurecimento de diversificados grupos intelectuais devido à formação e aspirações
profissionais variadas que possuíam.34
Quanto à origem social, certamente, em sua maioria, não provinham das camadas mais
pobres da população. Entretanto, como destaca Mariza Côrrea, não se deve interpretar que

33
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008, p. 37. O autor destaca que a formação intelectual em Coimbra foi importante que fosse
difundido aos estudantes brasileiros o Iluminismo português de tipo não libertário, evitando o contato com o
Iluminismo francês, tico como perigoso politicamente.
34
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-
1930. São Paulo: Companhia das letras, 1993, p. 33-4.
23

estes intelectuais eram apenas “porta-vozes” dos interesses das classes dominantes. Enquanto
categoria social, atribuíram para si o papel de “observadores da realidade”. Elegeram a
população como seu objeto privilegiado de análise, pretendendo um maior controle e
racionalização da sociedade.35
Para compreender as concepções intelectuais do início do século XX é preciso
retomar, ainda que brevemente, a década 1870, momento no qual o país vivenciava a ebulição
de um “bando de ideias novas”36, expressão bem conhecida do crítico literário e polemista
Silvio Romero. Foram difundidas correntes europeias de pensamento como o evolucionismo,
darwinismo, positivismo e a crítica religiosa. A Faculdade de Direito de Recife destacava-se
como núcleo difusor dessas novas ideias. A partir de então a homogeneidade ideológica da
elite política brasileira começava a se esvanecer.37
Emergia uma elite profissional que incorporava valores liberais e pretendia se livrar
das marcas de seu passado colonial ou da “sociedade ‘fossilizada’ do Império”.38 O
sentimento nacionalista e o engajamento político faziam-se presentes neste grupo. A geração
de 1870, como ficou conhecida, almejava colocar o país na imaginada rota do progresso, para
tanto defenderam reformas modernizantes na estrutura estabelecida: a abolição da escravatura,
a instauração da República e do regime democrático.39
Nessa conjuntura, os intelectuais se consideravam agentes de uma corrente
transformadora. Verifica-se, portanto, o surgimento de um utilitarismo intelectual. A
reprodução cultural tinha validade caso instrumentasse mudanças sociais. Diante de tal
movimento de mudanças, a atividade do intelectual era ampliada. 40 A ciência não era vista
apenas como profissão, mas, sim, como uma “espécie de sacerdócio”.41
Analisando a formação de uma intelligentsia no Brasil, vários pesquisadores têm
atribuído ao final da escravidão e à transição para o regime republicano papéis centrais no
desenvolvimento da reflexão sobre a identidade brasileira.42 Buscando explicações sobre a

35
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a Antropologia no Brasil. Bragança
Paulista: EDUSF, 1998, pp. 39-42.
36
ROMERO, Silvio. Explicações indispensáveis. Prefácio a Vários escritos. Tobias Barreto. Sergipe: 1926, apud
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 37.
37
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. op. cit., 86.
38
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São
Paulo: Brasiliense, 1999, p. 78.
39
Ibidem, p. 79.
40
Ibidem, pp. 80-2
41
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 39.
42
LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Revan: IUPERJ: UCAM, 1999, pp. 27-8. A autora usou a concepção de intelligentsia
24

realidade brasileira por meio de fatores considerados científicos como a raça 43 e o meio, o
discurso evolucionista foi empregado nas análises sociais. Este modelo de pensamento
respondia aos questionamentos sobre o suposto atraso do país em relação ao mundo ocidental,
o qual os intelectuais pretendiam que o Brasil passasse a integrar, e servia para justificar
inferioridades e desigualdades.44
Contudo, esses homens letrados sofreram uma grande desilusão após verem
concretizadas suas principais aspirações. A instauração da República, em 1889, e dos ideais
liberais deveriam gerar “uma atitude de maturidade e mais realismo”.45 Apesar do entusiasmo
inicial, especialmente a partir do governo de Floriano Peixoto, a intelectualidade brasileira se
via afastada do mundo político e dos grupos arrivistas adventícios da República.46 A sensação
de isolamento se dava também pelo alto índice de analfabetismo do país. Assim, destaca
Nicolau Sevcenko:
A imensa transformação social, econômica e cultural que eles [intelectuais da
Geração de 1870] ajudaram a realizar, atuando como catalisadores de processos
históricos, tomou um rumo inesperado e contrário às suas expectativas. Ao invés de
entrarem para universo fundado nos valores da razão e do conhecimento, que
premiasse a inteligência e competência com o prestígio e as posições de comando,
viram tudo reduzido ao mais volúvel dos valores: o valor do mercado. 47

Em que pese a decepção de alguns homens da época, além das crises econômicas,
lutas políticas e revoltas populares características do incipiente período republicano, a geração
de 1870 contribuiu para significativas transformações e seus feitos têm sido devidamente
reverenciados pela historiografia.48
Na passagem do século XIX para o XX, os polos dinâmicos da econômica nacional,
como Rio de Janeiro e São Paulo, vivenciavam uma intensa urbanização, incremento

de Karl MANNHEIM (1968, p. 38 apud LIMA, op. cit., p. 20): “grupo social cuja tarefa específica consiste em
dotar uma dada sociedade de uma interpretação de mundo”.
43
Segundo Schwarcz (op. cit., 1993, p. 63): “o termo raça é introduzido na literatura mais especializada em
inícios do século XIX, por Georges Cuvier, inaugurando a ideia da existência de heranças físicas permanentes
entre os vários grupos humanos”.
44
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 38.
45
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. op. cit., p. 86.
46
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das letras, 1987, pp. 26-7.
47
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. op. cit., p. 92. Sobre a desilusão dos literatos diante do regime
republicano ver: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda Pereira. Uma miragem de República: sonhos e
desilusões de um grupo literário. In: SILVA, Fernando Teixeira da. Et al. (org.) República, liberalismo,
cidadania. Piracicaba: Editora Unimep, 2003, pp. 53-72.
48
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo, Fundação Editora da
UNESP, 1999, p. 22.
25

industrial e crescimento demográfico.49 Abrigavam pessoas de diferentes nacionalidades,


culturas e níveis sociais, expondo desigualdades, vícios, criminalidade, ao mesmo tempo em
que epidemias e enfermidades como a febre amarela, cólera, varíola, entre outras,
aterrorizavam a população.50 Tais problemas minavam o bom desenvolvido da economia e
comprometiam o projeto de apresentar uma imagem de credibilidade do país.
Reunindo as oligarquias por meio do arranjo conhecido como “política dos
governadores”, a partir do governo de Campos Sales (1898-1902), garantia-se maior
estabilidade interna, ademais ao final de seu mandato o país parecia sair da recessão
econômica com a recuperação das finanças públicas. Com o orçamento em dia, a elite política
se arvorou na missão da “Regeneração”.51 Proclamavam-se as reformas urbanas e sanitárias,
juntamente com a política que ficou conhecida como “bota-abaixo”. A imprensa conservadora
saudava tal processo de transformações. Era o desejo de inserir o Brasil na modernidade,
afinando-se ao vibrante espírito da Belle Époque. O positivismo permeando a ideia de
progresso por meio da ciência contribuía para uma postura autoritária e tecnocrata.52
Especialmente na Capital Federal, surgiam novas oportunidades e cargos públicos (ainda que
por vezes postos decorativos) aos intelectuais que pareciam agora necessários para
consolidação do retrato de uma sociedade elevada. O desenvolvimento de novas técnicas de
impressão e barateamento da imprensa também foram fundamentais para a ampliação de sua
ação social.53
Nesse cenário convulsionado, os pobres passavam a ser vistos como classes perigosas,
porque poderiam, supostamente, oferecer mais problemas à ordem pública, assim como seus
vícios e comportamentos tidos como desordeiros afetariam todo o conjunto da sociedade.54
Alguns intelectuais supunham a necessidade de um maior controle higiênico da população – e

49
Ibidem, p. 24. SEVCENKO, Nicolau. Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do
progresso. In: SEVCENKO, Nicolau (org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das letras,
1998, v. 3, pp. 14-21.
50
Cerca de 2,74 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887-1914. A maior parte concentrou-se nas
regiões Centro-Sul, Sul, e Leste do país. Nesse período os italianos formavam o grupo mais numeroso e a
principal etnia a fornecer mão-de-obra às lavouras de café. Embora predominassem as atividades
agroexportadoras no país, verifica-se também o crescimento das cidades e da industrialização, de modo que as
cidades também atraíram muitos estrangeiros. É possível localizar imigrantes nas duas pontas da indústria: como
seus proprietários e como operários. O fluxo de imigrantes foi reduzido com o início da Primeira Guerra
Mundial. (FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, pp. 275-
295.)
51
Idem, pp. 258-9. COSTA, Angela Marques da. SCHWARZ, Lilia Mortiz. 1890-1914: no tempo das certezas.
São Paulo: Companhia das letras, 2000, pp. 64-5.
52
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. op. cit., 1987, p. 35.
53
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. op. cit., pp. 93-5.
54
CHAUHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Cia das letras, 1996,
p. 29.
26

aqui entenda-se uma higiene não só física, mas também moral – assim como o melhoramento
das condições sanitárias do país.55 A sociedade passava a ser compreendida como um corpo
doente que necessitava de cuidados. Envolvidos no ideário cientificista e desejosos em aplicar
suas teorias no contexto nacional, os médicos se proclamaram como agentes fundamentais
para a suposta “cura” da nação assumindo uma postura muitas vezes autoritária e
intervencionista.56
É também nessa conjuntura que irrompe o desprezo pelo saber mais generalista e a
consequente valorização da especialização da atividade intelectual, até então não constituída
uma ocupação profissional. Isto não significou, entretanto, o momento de inauguração do
saber científico no Brasil, e, sim, como destaca Dominichi Miranda de Sá: “uma variação nos
modos de se produzir ideias no país”, isto é, a produção de um trabalho científico
especializado e equiparado ao internacional.57
Estabelecendo uma verdadeira luta contra tudo aquilo que consideravam insalubre, os
médicos higienistas, tidos como possuidores de um conhecimento especializado, pretenderam
intervir no espaço físico das cidades e habitações, sobretudo aquelas coletivas, os cortiços,
precárias moradias mal arejadas e desorganizadas de onde irrompiam diversas moléstias. O
comportamento desregrado, nessa concepção, também era visto como a causa de diversos
males. Era preciso, dessa maneira, disciplinar e intervir ativamente nos hábitos da população.
Os costumes valorizados eram aqueles vindos de fora, do mundo europeu, considerados
modernos, em detrimento do nacional.
A Higiene ia adentrando os diversos espaços da vida cotidiana por meio de ações
coercitivas e intensa propaganda. Além de pretender afastar os indivíduos de fatores
supostamente nocivos, tal tendência almejava estimular o avigoramento do corpo humano,
para tanto ressaltava a importância da educação física. As mulheres deveriam estar atentas às
noções de puericultura, uma vez que as taxas de mortalidade infantil eram atribuídas à falta de
conhecimento higiênico das mães. A busca pelo tipo ideal de brasileiro envolvia noções de
salubridade, civilidade e beleza.58

55
Cf. HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de Saúde Pública no Brasil. São Paulo:
HUCITEC, 2006. Deste grupo certamente não faziam parte os chamados “intelectuais boêmios” que foram
atraídos pela cultura popular. (VELLOSO, Monica Pimenta. História & Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2010, p. 79-80)
56
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 262.
57
SÁ, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935).
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005, p. 15.
58
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., pp. 218-223.
27

Não se deve ignorar que o projeto de formação da identidade nacional estava


associado ao tema da homogeneidade étnica e cultural. Logo, a questão racial do país
conformava um problema para a elite brasileira. As teorias do racismo científico europeu
possuíam uma perspectiva determinista e afirmavam a superioridade da raça branca. A
miscigenação racial, nessa concepção, era considerada como um processo regressivo. Desde
1870, tais doutrinas de prognóstico pessimista foram difundidas no Brasil e aceitas por alguns
de nossos intelectuais.59 Outros, entretanto, conseguiram fazer adaptações às teorias originais
e desanimadoras estabelecendo uma resposta criativa a elas. A “teoria do branqueamento” foi
aceita por grande parte da elite brasileira entre 1888 a 1914.60 Nela, a miscigenação passava a
ser encarada de modo positivo, como uma via em direção ao progresso. Assim, mesmo em
tais interpretações singulares e otimistas havia ainda uma imagem idealizada de um Brasil
branco. Portanto, o racismo permanecia pela crença de que a miscigenação supostamente
levaria ao branqueamento da população.61 Ainda que a leitura positiva da mestiçagem não
representasse uma negação completa das teorias raciais, significou ao menos uma
relativização de seu significado.62
O movimento sanitarista foi fundamental para o deslocamento do paradigma racial do
Brasil. As precárias condições de vida e a situação de abandono da população nos sertões
foram deflagradas principalmente após a expedição científica do Instituto Oswaldo Cruz em
1912, coordenada por Artur Neiva e Belisário Pena, passando por vários estados do Nordeste
e Góias. Naquele momento, a intelectualidade cientificista do país passava a entender que os
problemas nacionais – étnicos, econômicos e sociais – não seriam resolvidos enquanto o
Estado não desenvolvesse políticas de saúde pública eficazes. Segundo os sanitaristas, a
degeneração não se definia apenas pelo clima ou pela raça, mas sobretudo pelas doenças e o
descaso público. Desse modo, o sertanejo antes tido como inferior e inapto, tornava-se vítima,
nessa concepção.63
A exposição de uma população doente e os avanços nos estudos de bacteriologia e
doenças tropicais reforçavam a ideia de que a organização nacional deveria ser atribuída à

59
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 38.
60
Periodização estabelecida por Thomas Skidmore.
61
Ver mais sobre a teoria do branqueamento em: SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e
nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. A relação entre o racismo e a eugenia
será abordada com maior destaque no Capítulo 2 dessa pesquisa.
62
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., p 167-8.
63
LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, Absolvido pela Medicina: o Brasil
descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos Chor (org.) Raça, ciência e
sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
28

medicina e à ciência. Em estudo sobre o movimento sanitarista, Gilberto Hochman afirma: “A


ciência, em especial a medicina, propiciaria um alívio para intelectuais, que, até então, não
enxergavam alternativas para um país que parecia condenado, dada a sua composição
racial”.64 Além de defenderem a promoção da saúde em todo o território nacional, por meio
do aprimoramento e a centralização das políticas governamentais, os sanitaristas acreditavam
que era preciso educar o homem comum com base no conhecimento médico existente. Em
sintonia com o higienismo, pregava-se a intervenção nos hábitos da população considerados
nocivos à saúde, mas também à ordem e à moral, elementos, por sua vez, que deixavam de ser
assunto privado. Por essas razões, os sanitaristas combatiam, a título de exemplo, o consumo
excessivo de álcool, a prostituição, a não utilização de calçados e latrinas.65
No desdobramento dessa busca por uma identidade de nacional e de exacerbada
confiabilidade na ciência, surgia uma proposta que chamaria a atenção de muitos
representantes da intelectualidade brasileira. Tratava-se do chamado “exame médico pré-
nupcial”. Amplamente discutido ao longo das primeiras décadas do século XX, ele teria
pretensões de inserir o Brasil na modernidade, como outros projetos da época? Fazia parte de
um plano mais amplo traçado pela elite intelectual? A hipótese é que as respostas sejam
positivas, conforme pretende-se demonstrar ao longo desse estudo. Contudo, antes de adentrar
especificamente no terreno dessa proposta em particular é preciso mapear em linhas gerais a
ciência que sustentaria sua defesa, portanto: o que é eugenia, seus principais pressupostos e
objetivos.

1.2 Os “fundamentos” do exame pré-nupcial

Os adeptos do sanitarismo acreditavam poder combater as endemias que atingiam a


população brasileira e que supostamente causavam seu atraso, como a opilação
(ancilostomose), o impaludismo (malária) e o mal de Chagas (tripanossomíase americana).
Porém, outros questionamentos surgiam: como sanar as ditas degenerações hereditárias? É
nesse contexto que a eugenia encontrava solo fértil ao apresentar-se como discurso científico
capaz de apontar novas soluções às mazelas do país.

64
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., 2006, p. 69.
65
Ibidem, p. 80.
29

A “nova” ciência, que aos poucos conquistava vários partidários no Brasil no início do
século XX, foi fundamentada pelo inglês Francis Galton (1822-1911), cuja obra “Hereditary
Genius” (1869) é considerada seminal da eugenia. Influenciado pela teoria naturalista de
Charles Darwin, Galton estabeleceu novas interpretações baseando-se em métodos estatísticos
e genealógicos. Por meio desses estudos, ele pretendia mostrar que as aptidões humanas
derivavam da hereditariedade e não da educação. A eugenia, termo cunhado por seu
idealizador, tinha por principal objetivo estimular a formação de supostas “boas gerações”,
buscava estabelecer uma seleção racial na humanidade, semelhante àquela realizada com
animais como cavalos e cachorros, por exemplo. Dentro dessa concepção, pautando-se nos
processos de hereditariedade, o aprimoramento racial dependia de nascimentos favoráveis, em
outras palavras, da formação de proles fortes e sadias, estas, na maioria das vezes, seriam
geradas por meio da procriação de indivíduos que possuíssem as mesmas qualidades. Galton
defendia, portanto, um controle matrimonial, pois, em sua concepção, o melhoramento racial
só seria possível se os casamentos fossem selecionados.66
A doutrina eugênica ganhava espaço nas instituições acadêmicas da Europa e Estados
Unidos no início do século XX. Em 1912, um ano após a morte de Galton, era realizado o
Primeiro Congresso Internacional de Eugenia, em Londres, reunindo pensadores de várias
nacionalidades. Naquele momento, a eugenia já possuía status de ciência e contava com
instituições especializadas em vários países.67
É também na década de 1910 que tais ideias começaram a circular no Brasil. O termo
“eugenía” é introduzido como título da tese de Alexandre Tepedino apresentada à Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro no ano de 1914, podendo ser considerada um dos trabalhos
que iniciam tal abordagem no país. Alguns anos mais tarde, em abril 1917, em São Paulo na
sede da Associação Cristã dos Moços, o médico Renato Kehl68 (1889-1974) apresentava sua
primeira conferência sobre o tema, fato este que marca o início da empreitada eugenista de
Kehl, o qual se dedicaria, a partir de então, muitos anos de sua vida à divulgação da ciência de

66
CASTAÑEDA, Luzia Aurelia. Eugenia e casamento. In: História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 10(3),
set.-dez. 2003, p. 910. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v10n3/19305.pdf> acesso em 03 abr.
2016.
67
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2014, pp.
44-6.
68
Renato Kehl nasceu na cidade de Limeira, interior do estado de São Paulo, em 1889. Formou-se em farmácia
no ano de 1909 pela Escola de Farmácia de São Paulo, e em 1915 formou-se em medicina pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Entre os anos 1927 e 1944, Kehl trabalhou no laboratório alemão da Indústria
Química e Farmacêutica Casa Bayer, a Bayer do Brasil. Seu interesse pela eugenia se iniciou por volta de 1917,
ao longo de sua vida escreveu várias obras e artigos sobre tema, foi diretor do periódico Boletim de Eugenia.
Kehl morreu aos 85 anos em agosto de 1974. (DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., pp. 123-4).
30

Galton no país, publicando inúmeras obras e artigos sobre o assunto.69 Pode-se mesmo dizer
que o médico foi o maior propagandista da eugenia no Brasil. Cujas ideias foram recebidas
com entusiasmo entre a classe médica na capital paulista, pois vinha somar forças às correntes
científicas da higienismo e do sanitarismo uma vez que compartilhavam do mesmo escopo
nacionalista.70 A boa recepção possibilitou em 1918 a fundação da Sociedade Eugênica de
São Paulo que, por seu turno, representou o primeiro passo da organização e
institucionalização desse movimento no Brasil.
Alguns membros da Liga Pró-Saneamento, articulada em 1917, tornaram-se
participantes da Sociedade Eugênica de São Paulo, como por exemplo, Renato Kehl, Belisário
Penna e Artur Neiva, o que demonstra os nexos existentes entre essas correntes. Além de
buscar difundir as bases do movimento sanitarista, a principal demanda da Liga era a criação
de uma administração nacional dos serviços de saúde pública.71 Os seguidores de Galton,
porém, acreditavam que a causa das degenerações do brasileiro não provinha apenas da falta
de saneamento, isto é, de condições sociais desfavoráveis. O problema era mais complexo,
porque, nessa concepção, a hereditariedade era determinante tanto nas aptidões quanto nas
degenerações do homem.
Apesar de não se saber exatamente como funcionavam os mecanismos da
hereditariedade, ao menos todos os intelectuais da época entendiam que ninguém estava em
condições de negar que as transmissões hereditárias existiam.72 A teoria dos caracteres
adquiridos fundamentada pelo biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck postulava que o meio
ambiente, ou seja, as influências externas poderiam alterar o plasma germinativo do
indivíduo, assim, as novas características adquiridas ao longo da vida seriam transmitidas às
futuras gerações. Mas, a teoria lamarquista foi contestada em 1890 pelos estudos de
Weismann, e mais tarde com a redescoberta dos trabalhos de Gregor Mendel, em 1900, os
quais traziam a afirmação de que o plasma germinativo – hoje conhecido como gametas – era

69
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto: a “Eugenia Negativa” e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). Dissertação (Mestrado em História das Ciências da
Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, Rio de Janeiro: 2006, p. 72.
70
NALLI, Marcos Gomes. Antropologia e a segregação eugênica: Uma leitura das lições de eugenia de Renato
Kehl. In: BOARINI, Maria Lucia (org.) Higiene e Raça como projetos: Higienismo e Eugenismo no Brasil.
Maringá: Eduem, 2003, p. 172.
71
Cf. HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., 2006.
72
CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. São Paulo: Saraiva & Cia. 1942, p. 7.
31

inalterável pelo meio ambiente, portanto, a educação e as boas condições ambientais não eram
assimiladas geneticamente e não eram capazes de prover benefícios às sucessivas gerações.73
Francis Galton convenceu-se que as ideias de Lamarck estavam erradas quando
formulou sua ciência, a eugenia. Países como Alemanha e Estados Unidos tenderam a adotar
uma eugenia mendeliana. Na França, a despeito dos novos estudos que contestavam o
lamarckismo, o mesmo continuou tendo grande autoridade até pelo menos a década de 1940.
Por sua vez, os intelectuais brasileiros, que consideravam a França como expoente na esfera
de pensamento e muito se influenciavam de sua medicina, aderiram ao neolamarckismo como
orientação científica do movimento eugênico de modo predominante até pelo menos finais da
década de 1920.74
De acordo com Nancy Leys Stepan, os latino-americanos tinham várias razões para
preferirem tal visão à mendeliana e weismanniana. Enquanto estas últimas traziam uma
perspectiva determinista e poucas possibilidades de aprimoramento racial – apenas por meio
do impedimento da reprodução dos ditos degenerados – o postulado de Lamarck permitia
certo otimismo já que as reformas do ambiente social poderiam trazer um melhoramento
permanente.75 Desse modo, cada país estabeleceu uma articulação teórica com base em seu
contexto social ao buscar colocar em prática as propostas eugênicas. Stepan destaca que essa
ciência recebeu interpretações originais no Brasil em função dos valores políticos e sociais
existentes naquele contexto.76
Contudo, a perspectiva “soft” ou branda propagada na América Latina não impediu o
desenvolvimento de uma eugenia negativa da reprodução.77 Os seguidores latinos dessa
corrente admitiam que as melhorias na educação e na saúde poderiam trazer benefícios ao
projeto de aprimoramento racial, isso, todavia, não quer dizer que tenham desprezado
políticas de intervenção na reprodução humana. Nesse sentido, o birth-control, a esterilização
dos ditos degenerados incuráveis e os atestados antenupciais fizeram parte do rol de medidas
defendidas por grande parte dos eugenistas brasileiros.
Nos países católicos os certificados pré-nupciais atestando as condições de saúde dos
nubentes eram aparentemente uma opção mais palatável a ser defendida. Representavam uma

73
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2005, pp. 32-4.
74
Segundo a autora Nancy Stepan: “O larmarckismo, de início uma teoria geral do começo do começo do século
XIX, transformou-se, ele mesmo, em um ‘neolamarckismo’.” (Ibidem, p. 79)
75
Ibidem, p. 82.
76
Ibidem, p. 77.
77
Ibidem, p. 40.
32

restrição às uniões consideradas inadequadas, sem envolver cirurgias, como era o caso da
esterilização. Apesar de as demandas pela proibição matrimonial dos supostamente
degenerados terem se intensificado por meio da retórica eugênica, tal proposta era anterior à
sua propagação. Os exames pré-nupciais foram inscritos na legislação dinamarquesa já em
1798 com poucos resultados. Esses testes também foram defendidos no início do século XX
por grupos feministas preocupados com as mulheres que contraiam doenças venéreas ao se
casarem com um noivo contaminado.78
Essa atenção ao perigo das infecções sexualmente transmissíveis, e provavelmente
também à influência da corrente higienista que antecede o movimento eugênico, motivou o
médico brasileiro Agostinho José de Souza Lima (1842-1921) a defender tal medida. No ano
1897, em uma conferência intitulada “Exame pré-nupcial”, Souza Lima pediu à Academia
Nacional de Medicina, instituição a qual era presidente, apoio para o estabelecimento de uma
lei que tornasse o exame obrigatório, por meio desta buscava-se instituir o impedimento
matrimonial aos tuberculosos e sifilíticos. Na concepção do médico a medida representava
uma “arma antivenérea”.79 Em relato posterior, o eugenista Renato Kehl saudava o colega por
ter sido pioneiro na defesa do exame pré-nupcial (EPN) no Brasil.80
A motivação principal da proposta de Souza Lima era a profilaxia da tuberculose e da
sífilis. O médico, entretanto, não obteve sucesso e o debate sobre a proibição de determinados
casamentos seguiu provavelmente adormecido até a difusão das ideias eugênicas no país.
Alexandre Tepedino (1914), que como constatado, apresentou um dos primeiros trabalhos
sobre essa corrente no Brasil, fazia referência ao dever do Estado em tomar medidas contra os
fatores disgênicos, afirmava então a necessidade de exames e assistência médica aos que
pretendessem contrair matrimônio.81 O assunto seria novamente introduzido na primeira
reunião da Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1918. Agora, a realização do exame médico
antes do matrimônio era vista não apenas como uma ferramenta que visava o indivíduo, ou
seja, uma profilaxia para evitar a propagação de doenças, apesar de envolver esse aspecto, o
objetivo último do EPN dentro da retórica eugênica era o aprimoramento racial da população.

78
Ibidem, p. 132.
79
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a Luta Contra a Sífilis no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
1996, p. 179. [grifos do autor]
80
KEHL, Renato. A Eugenia no Brasil. In: Actas e trabalhos Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de
Janeiro: s. n., v.1. 1929, p. 52.
81
TEPEDINO, Alexandre. Eugenía. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: 17 out. 1914, p. 127.
33

O debate acerca do exame pré-nupcial ganhava seus primeiros contornos ao passo que,
concomitantemente, tal abordagem ganhava maior força no país, pois “[...] a linguagem da
eugenia começou a incorporar discussões científicas sobre a saúde. O aprimoramento era
discutido em termos de fatores ‘eugênicos’ e ‘disgênicos’, aptidão e inadequação e ‘taras’
(defeitos) hereditárias”.82 De tal modo, tornava-se frequente o debate que envolvia a tríade
casamento-hereditariedade-eugenia. Os adeptos da referida ciência entenderiam que o exame
pré-nupcial constituía-se como um importante instrumento preventivo para garantir o
melhoramento racial e o progresso da nação.
A proposta do exame médico pré-nupcial visava impedir uniões entre indivíduos
considerados degenerados. Fazia parte do que se convencionou chamar de eugenia negativa.
A eugenia positiva visava incentivar as uniões consideradas frutuosas, enquanto que a
preventiva incluía ações como a puericultura, educação sexual e orientação pré-natal.83 Uma
importante informação já deve ser aqui incluída para melhor esclarecimento do leitor: é
imprescindível destacar que os eugenistas não constituíam um grupo homogêneo. Nem todos
foram partidários do exame médico pré-nupcial, e mesmo entre aqueles que apoiavam a
medida existiam discordâncias sobre sua aplicação prática na sociedade brasileira. Esses
aspectos serão melhor analisados no decorrer desse estudo.
Conforme exposto, embora os adeptos da eugenia tenham dado grande atenção à
campanha em prol do exame pré-nupcial, tal proposta surgiu no país antes mesmo do início
do debate eugênico. No ano de 1902, Souza Lima voltou a tratar sobre a profilaxia da sífilis,
defendendo a necessidade de divulgação o art. 20 do decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890.
Desconhecido por grande parte da sociedade, o artigo preceituava o direito dos pais, curadores
e tutores dos menores exigirem do noivo(a): “certidão de vacina e exame médico, atestando
que não tem lesão, que ponha em perigo próximo a sua vida, nem sofre moléstia incurável, ou
transmissível por contágio, ou herança”.84 No entanto, no Código Civil de 1916 este
“esplendido ensaio”85 foi derrogado, lamentava Renato Kehl, supondo a ignorância dos então
atuais legisladores. Em sua tese “Do valor eugênico do exame pré-nupcial” (1920) defendida

82
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 58.
83
CASTAÑEDA, op. cit., 2003, p. 915.
84
Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890. [online], CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus . op. cit., 1996, p.
180.
85
KEHL, Renato. Certificado médico pré-nupcial: regulamentação eugênica do casamento. O Brasil Médico,
Rio de Janeiro, n.6, fev. 1930, p. 64.
34

na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o médico Antônio Vita afirmava que a


supressão do artigo era injustificável.86
Atentos aos dispositivos jurídicos, os médicos eugenistas consideravam que a
legislação nacional era, em muitos aspectos, atrasada e inoperante. A principal crítica recaía
sobre o Código Civil de 1916. Essa acusação se dava pela suposta desatenção aos preceitos
higiênicos e eugênicos que, por sua vez, defendiam medidas consideradas profiláticas. Desde
o século XIX, o objeto da medicina deixava de ser apenas o indivíduo enfermo. Sua maior
atenção estava voltada ao corpo social pensado como espaço de promoção da saúde. 87 Os
médicos entendiam que mais importante que curar doenças era impedir que essas
irrompessem. E era essa a perspectiva que supostamente faltava na legislação brasileira.
O primeiro Código Civil brasileiro também conhecido como “Código Bevilaqua”,
referente ao seu construtor, o jurista Clóvis Bevilaqua, teve inspirações liberais e positivistas,
próprias de seu tempo. Apesar de redigido em 1899, foi aprovado apenas em 1916, em
decorrência das críticas imputadas pelo senador Rui Barbosa quanto à gramática e estilo do
texto.88 Os médicos eugenistas, por seu turno, estavam atentos não à forma, e, sim, ao
conteúdo da legislação que, segundo eles, apesar de trazer alguns impedimentos matrimoniais
ainda não eram suficientes para a regulamentação eugênica dos casamentos. Conforme
transcreve o médico paulista e professor catedrático de Medicina Legal, Antônio Ferreira de
Almeida Júnior (1892-1971), em sua tese de livre docência apresentada à Faculdade de
Medicina de São Paulo em 1927:
O nosso Código civil encerra, no seu art. 183, dezesseis impedimentos matrimoniais,
dos quais sete respondem, direta ou indiretamente, a conveniências da espécie.
Art. 183. Não podem casar:
I. Os ascendentes com descendentes...
IV. Os irmãos, legítimos ou ilegítimos, germanos ou não, e os colaterais, legítimos
ou ilegítimos, até terceiro grau, inclusive.
IX. As pessoas por qualquer motivo coactas e incapazes de consentir, ou manifestar,
de modo inequívoco, o consentimento.
X. O raptor com a raptada, enquanto esta não se ache fora do seu poder e em lugar
seguro.
XI. Os sujeitos ao pátrio poder, tutela, ou curatela, enquanto não obtiverem, ou não
lhes for suprido o consentimento do pai, tutor, ou curador.
XIII. As mulheres menores de dezesseis anos e os homens menores de dezoito.
XV. O tutor ou curador, e os descendentes, etc..., com a pessoa tutelada ou
curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, etc... 89

86
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. Tese apresentada para obtenção do grau de doutor
em medicina. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa Pindorama, 1920, p. 17.
87
LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 105.
88
Sobre a instituição do Código Civil ver mais em: CARVALHO NETO, Inácio de. Curso de direito civil
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007, pp. 57-9.
89
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. São Paulo: Instituto Dona Anna
Rosa, 1927, p. 35.
35

A legislação determinava idades mínimas para a realização do casamento e impedia a


união entre descendentes, ou seja, pessoas que possuíam algum grau de parentesco (até
terceiro grau). Almeida Júnior destacava alguns impedimentos matrimoniais existentes no
Código Civil que seriam importantes e favoráveis sob o ponto de vista eugênico, o veto aos
indivíduos muito jovens assim como aos casais que tivessem um grau de parentesco próximo
era essencial, pois, segundo os eugenistas, estes poderiam ter filhos fracos e defeituosos.
O Código não exigia dos nubentes qualquer atestado de sanidade física e mental, e
também não expressava nenhum impedimento matrimonial aos indivíduos portadores de
doenças graves e transmissíveis. Contudo, caso após o casamento o cônjuge tomasse
conhecimento que o outro possuía alguma moléstia deste tipo poderia requerer a anulação do
mesmo. Conforme estabelecia o art. 219: “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge: [...] III. A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável ou de
moléstia grave e transmissível por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do
outro cônjuge ou de sua descendência”.90
O médico Afrânio Peixoto (1876-1947), intelectual de intensa atividade, não deixou de
registrar sua opinião sobre o ordenamento jurídico civil brasileiro. Segundo ele, o art. 219 do
Código Civil constituía apenas uma providência. Para os eugenistas, entretanto, interessavam
mais as ações profiláticas. Nas palavras de Peixoto, tal lei significava remediar depois que “o
mal estivesse feito”, de acordo com o médico, de nada adiantava a anulação do casamento
depois que um dos cônjuges tivesse sido contaminado pela enfermidade do outro, podendo,
inclusive, ter também transmitido aos filhos. A cirurgiã-ginecologista Juana M. de Lopes91,
em artigo publicado nos Archivos Brasileiros e Higiene Mental, também questionava a
legislação dizendo:
Então, pode anular-se o casamento... quando o mal e o dano já não têm remédio.
Não seria melhor tomarem-se as medidas preventivas, e não as que conduzem à
anulação do casamento ou à punição do culpado? [...] A devolução da liberdade com
a anulação do casamento não pode restituir a saúde muitas vezes em perigo, nem a
felicidade, nem a honra.92

90
Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. [online]
91
Segundo as referências disponíveis no próprio artigo, Juana M. de Lopes era cirgurgiã-ginecologista do
Hospital Colônia de Psicopatas no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Era também secretária da XI seção de
estudos da Liga Brasileira de Higiene Mental.
92
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, v. 6, n. 2.
1933, p. 107.
36

Além disso, Afrânio Peixoto acreditava que depois que o casamento tivesse sido
consumado, seria pouco provável que o esposo(a) contaminado(a) fizesse uso dessa
legislação, ou seja, entrasse com um pedido de anulação do casamento por esse motivo . Logo,
assim dizia criticando o Código Civil: “as leis estúpidas são ineficazes e apenas compõem as
legislações”.93
É interessante destacar que o atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406 de 10 de janeiro
de 2002), considera como erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: “Art. 1.557, III – a
ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize
deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr
em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência”94. Nesse caso, o casamento pode
ser anulado no prazo de até três anos pelo cônjuge que incidiu em erro. Apesar disso, assim
como o Código de 1916, a legislação vigente não traz nenhum tipo de impedimento
matrimonial relacionado à presença de doenças pré-existentes, nem mesmo exige algum
documento que ateste bom estado de saúde dos futuros cônjuges.
Voltando ao debate das primeiras décadas do século XX, segundo os eugenistas, o
exame médico pré-nupcial obrigatório atuaria como uma medida preventiva. Caso se tornasse
lei, por meio deste, os nubentes tomariam conhecimento do estado de saúde de seus
companheiros. No entanto, a proposta médica não pretendia apenas informar sobre a saúde do
outro cônjuge, ela visava impor o saber médico à sociedade.95 Em outras palavras, os médicos
eugenistas não pretendiam somente expor aos nubentes as doenças e “estigmas degenerativos”
do companheiro ou apenas alertá-los quanto os riscos que estes poderiam representar à boa
formação da prole ou mesmo da descendência, deixando assim a decisão final sobre a
realização do casamento nas mãos dos futuros cônjuges. Esta decisão deveria caber aos
médicos, ou seja, tais profissionais almejavam ter o poder de impedir ou adiar (em caso de
doenças curáveis) os matrimônios.
A medicina, então, enquanto “saber-poder” buscou intervir não apenas no corpo
individual, mas também pretendeu se dirigir ao homem-espécie ou população, buscando
articular-se por meio de técnicas disciplinadoras e regulamentadoras, que nem sempre foram

93
PEIXOTO, Afrânio. Novos rumos da medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara, 1932, p. 36.
94
Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> acessado em 04 jul. 2016.
95
Segundo Foucault, com o desenvolvimento do capitalismo acompanha-se o surgimento da medicina social. Na
Europa, em finais do século XVIII, o saber médico, enquanto conhecimento científico é utilizado como
instrumento de intervenção do Estado para controlar e disciplinar a população. Ver mais em: FOUCAULT,
Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. No Brasil, segundo o autor Roberto
Machado a medicina social desenvolve-se no século XIX.
37

efetivadas.96 A ampliação das intervenções públicas tinham supostamente como objetivo


evitar o “enfraquecimento biológico das populações”97, essa era também a finalidade última
do exame pré-nupcial, que apesar de incidir diretamente sobre os indivíduos privilegiava uma
reforma no corpo coletivo.
Afrânio Peixoto demostrava-se fervorosamente favorável à inclusão do exame na
legislação brasileira. Segundo ele, era comum que os pais, por exemplo, indagassem quanto à
boa conduta moral dos possíveis esposos de suas filhas, contudo, o médico questionava: “Por
que a tara moral preocupará tanto, e tão pouco, ou nada, a tara física, que essa é inexorável?
Apenas ignorância”.98 Do seu ponto de vista, seria preciso fazer com que a sociedade
entendesse o quão era importante conhecer não só a “moral” de um indivíduo, mas também se
este possuía algo “físico” que pudesse comprometer a saúde do outro – em caso de doenças
contagiosas – ou de sua descendência por meio de males congênitos, hereditários. Sem que
fossem observadas essas condições, o casamento poderia transformar-se, segundo os
eugenistas, numa fonte de infelicidades, além de, é claro, desauxiliar no aprimoramento racial,
uma vez que dessas uniões nasceriam filhos fracos e débeis. Mas, essa aparente preocupação
com o indivíduo e sua suposta infelicidade pode ser interpretada como uma estratégia de
convencimento da população sobre a importância do EPN, já que, na verdade, o que
importava mesmo para os eugenistas era estimular as ditas boas procriações.
Assim, Afrânio Peixoto julgava necessária a introdução de um novo “costume” na
sociedade, referindo-se a uma maior atenção quanto à saúde na escolha dos cônjuges. O
médico paulista Almeida Júnior fazia duras críticas ao que chamava de “casamentos por
interesse”. Em sua opinião, as famílias que buscavam realizar tais uniões objetivando obter
riquezas muitas vezes se deparavam com consequências disgênicas.99
O Código Civil brasileirom do ponto de vista de Peixoto, tornava possível uma
reparação a posteriori por meio da anulação do casamento no caso de “erro essencial”, porém,
mais do que isso, a legislação deveria, segundo o movimento eugênico, “evitar, antes do mal a
fazer”.100 A lei vigente seria falha, segundo o médico, assim, era preciso instituir o exame pré-
nupcial, pois este evitaria “infinitas desgraças à família e à sociedade”.101

96
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: op. cit., 2005, p. 301-2.
97
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 250.
98
PEIXOTO, Afrânio. Novos rumos da medicina legal. op. cit., 1932, p. 28.
99
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 10.
100
PEIXOTO, Afrânio. Novos rumos da medicina legal. op. cit., 1932, p. 29.
101
Ibidem, p. 37.
38

A posição de Renato Kehl se assemelhava a de Peixoto, pois de acordo com o


primeiro, o Código se preocuparia mais com questões de ordem burocrática do que com
aquelas relacionadas à saúde ou à raça, pois apresentava, por exemplo, impedimentos
matrimoniais ao viúvo ou viúva, quando tivesse filhos do cônjuge falecido e não possuísse o
inventário de bens do casal. Ora, a legislação, entretanto, constatava Kehl com tom de
indignação, não se opunha ao casamento de um leproso ou sifilítico.102 Os eugenistas,
portanto, acreditavam que os legisladores deveriam estar atentos aos ditos fenômenos
biológicos e à hereditariedade. Sendo que sua pretensão era “domesticar a sexualidade” por
meio de dispositivos jurídicos.103 É possível notar, por consequência, uma tensão intelectual
ou “uma disputa entre médicos e juristas, higienistas e legisladores que se radicalizava”104
que, na verdade, ia além da questão matrimonial ou do Código Civil, trata-se de um debate
sobre quem deveria ter a competência de comandar os destinos da nação.105
Diante da suposta inoperância da legislação então vigente, os eugenistas propunham a
implantação do EPN. Com base no cotejamento das fontes, observa-se que no aspecto teórico
essa proposta se definia de modo bastante semelhante entre os que pretendiam validá-la.
Tomando a eugenia como parte de um projeto modernizador, a intelectualidade
brasileira podia pensar o futuro do país sob uma perspectiva otimista. Em sua tese, o médico
Estellita Ribas professava sua crença de que haveria no porvir um povo feliz e eugenizado e
um futuro em marcha do progresso graças à ciência de Francis Galton.106 O país poderia
regenerar-se, atingir um grau de civilização equiparável ao europeu, desde que fossem
implantadas algumas reformas na sociedade. Os eugenistas envolveram-se em diversos temas,
preocupados com as mudanças no meio e com as questões propriamente hereditárias. A
população foi dividida entre passíveis ou não de regeneração. Estes últimos, supostamente,
seriam inaptos ou impróprios à procriação.
Baseando-se nas prerrogativas de Francis Galton, assim como nas concepções
genéticas de Mendel e também na teoria da degenerescência de Benedict-Augustin Morel, os

102
KEHL, Renato. Certificado médico pré-nupcial: regulamentação eugênica do casamento. O Brasil Médico,
op. cit., p. 164.
103
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico.
Campinas: Editora da Unicamp, 1994, pp. 77-8.
104
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 312.
105
Muitos médicos positivistas desse período desejaram que o Código Penal de 1890 fosse reformulado, pois
defendiam que o criminoso fosse penalizado individualmente com base nos conhecimentos científicos da
medicina. No caso do EPN, também é possível ver essa “individualização”, já que propunha-se que cada nubente
fosse examinado para que só assim se definisse a possibilidade do casamento.
106
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. Tese apresentada à Faculdade de Medicina de São Paulo.
Estabelecimento Graphico Phoenix, Rua do Carmo, 72, São Paulo, 1927, p. 10.
39

eugenistas buscavam por meio das noções de hereditariedade estabelecer um controle dos
nascimentos, impedindo ou evitando a propagação daqueles considerados degenerados. Os
casamentos eugenicamente orientados teriam, portanto, este fim: estimular as uniões sadias e
evitar a “transmissão de disposições mórbidas de pais a filhos”.107
O médico psicanalista Júlio Pires Porto-Carrero (1887-1937) afirmava a expectativa
eugênica em relação aos casamentos, assim dizia: “Sob o ponto de vista eugênico, seria ideal
que só pudessem casar-se indivíduos completamente hígidos e em condições de procriar
filhos física e psiquicamente perfeitos”.108
Em linhas gerais os eugenistas entendiam a proposta do EPN nos seguintes termos:
visavam a realização de uma consulta médica e exames laboratoriais àqueles que pretendiam
se casar. Tratava-se de atestar as condições de saúde física e mental dos nubentes. Esse exame
não tinha por pretensão ser um atestado de virgindade das noivas. Ao que parece, no caso das
mulheres, não deveria ser um exame ginecológico, e, sim, apenas uma inspeção clínica
geral.109 Embora os prosélitos da eugenia concordassem sobre a suposta necessidade do
atestado de sanidade física e mental dos nubentes, restavam controvérsias sobre o modo de
sua aplicação legal. É possível dizer que o ideal era a implantação da obrigatoriedade nacional
do exame, mas, diante da realidade brasileira, alguns de seus partidários defenderam uma
legislação facultativa. Esses aspectos serão analisados em detalhes mais adiante.
Contar a trajetória da campanha em prol do EPN nas primeiras décadas do século XX
envolve uma variedade de instituições e intelectuais. Isso porque os partidários dessa medida
estiveram presentes em vários estados e nas Faculdades de Medicina de todo país. Poderíamos
citar Luciano de Mello Baptista, Henrique Tanner de Abreu, Leonídio Ribeiro, Carlos Seidl,
Mario Kroeff, Renato Kehl, Júlio Pires Porto Carrero, Darcy Moraes de Mattos e Antônio
Vita, entre aqueles que se formaram na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Alguns
partidários do EPN possuíam formação na Faculdade de Medicina da Bahia, como era o caso
de Afrânio Peixoto, Francisca Praguer Fróes e Luís Fabrício de Oliveira. Da Faculdade de
Medicina de São Paulo provinham nomes como Flamínio Fávero, Paulo de Godoy, Antônio
Ferreira de Almeida Júnior e Pedro Monteleone. Esses médicos estiveram reunidos em várias

107
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. Tese de doutoramento apresentada à
Faculdade de Medicina de São Paulo. São Paulo, 1929, p. 28.
108
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental, v. 6, n. 2. 1933. p. 88.
109
Contudo a possibilidade de realização de tais exames mais íntimos não era completamente descartada. Nos
projetos de lei de Amaury de Medeiros e Nicolau Vergueiro (analisados no Capítulo 4), afirmava-se que se a
gravidade do caso reclamasse, os exames ginecológicos poderiam ser solicitados.
40

instituições especializadas como a Liga Brasileira de Higiene Mental, além daquelas voltadas
especificamente ao campo da eugenia, a exemplo da Sociedade Eugênica de São Paulo e da
Comissão Central Brasileira de Eugenia. Todos esses intelectuais supracitados atuaram na
defesa do exame e bateram-se por sua implantação – fosse ela facultativa ou obrigatória.
De modo geral, os eugenistas que ambicionavam a obrigatoriedade do exame
idealizavam que este abrangesse a toda população. Isto é, através da análise das fontes é
possível perceber que nenhum eugenista propôs a realização dos testes apenas a um grupo
específico da sociedade. Independente de gênero, idade ou condição social, todos os nubentes
deveriam passar pela avaliação médica que determinaria a possibilidade ou não do casamento
civil.
Entretanto, é válido destacar que no Brasil o número de uniões extraoficiais era
considerável, mais de 50% em algumas regiões.110 Os eugenistas brasileiros tinham
conhecimento deste fato, conforme será abordado no terceiro capítulo do trabalho. Mas nem
por isso deixaram de defender a implantação legal do EPN, mesmo que não atingisse toda a
população, esta era forma encontrada para estabelecer a intervenção matrimonial eugênica.
Os médicos se elegeram como os profissionais responsáveis para desempenhar tal
função, pois, segundos eles, somente alguém especializado no campo da medicina seria capaz
de determinar e “diagnosticar” os portadores de estigmas que comprometeriam negativamente
a prole e a raça. Um indivíduo aparentemente saudável poderia portar algum “mal” ou
“defeito” imperceptíveis aos olhos dos leigos.
Um dos impedimentos matrimoniais deveria incidir sobre os portadores de doenças
consideradas como transmissíveis (por contágio), hereditárias ou sem possibilidade de cura.
Pode-se notar por meio das publicações de médicos eugenistas uma grande apreensão,
sobretudo, diante da sífilis, tuberculose, epilepsia e alcoolismo. Estas doenças, de acordo com
o discurso científico do período, eram prejudiciais não apenas ao indivíduo portador, mas
também para sua família, isto é, acreditava-se que sua esposa(o) ou sua prole provavelmente
seriam lesados de algum modo, comprometendo assim o aprimoramento racial.
Frequentemente os médicos criticavam também os casamentos consanguíneos, assim
como aqueles em que houvesse uma significativa diferença de idade entre os nubentes. De
modo semelhante, tais críticas eram fundamentadas na crença de que estas uniões nasceriam
filhos fracos, raquíticos e disformes. Assim, a retórica em torno do exame pré-nupcial
fundamentava-se por meio de discursos científicos próprios do período. As noções de

110
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit, 2005, p. 146.
41

hereditariedade e contágio de determinadas doenças contribuíam para determinar aqueles


indivíduos inaptos à reprodução e corroborar preconceitos. Por sua vez, esse ato de julgar
quem poderia ou não procriar pautava-se nos pressupostos da eugenia e na ambição de formar
de proles sadias a fim de garantir um dito melhoramento racial.
Segundo Nancy Stepan, entre os eugenistas existia “o desejo de “imaginar” a nação
em termos biológicos, de “purificar” a reprodução das populações para adequá-las às normas
hereditárias, de regular o fluxo de pessoas através das fronteiras nacionais, de definir em
novos termos quem poderia pertencer à nação ou não”.111
Para a autora Pietra Diwan, adeptos desse movimento acreditavam que a “intervenção
direta no corpo dos indivíduos”112 tornaria possível uma mudança no corpo coletivo.
Sobretudo por meio da cura de regeneração médica os adeptos da eugenia pensavam a
possibilidade de uma “salvação” nacional.113 As condições sociais e sensibilidades que
permitiram essa tentativa de avanço da intervenção médica (e eugênica) no país serão mais
bem analisadas no segundo capítulo desta dissertação.
A seguir, encaminha-se para uma investigação mais aprofundada acerca dos principais
impedimentos matrimoniais defendidos entre aqueles favoráveis à proposta do exame pré-
nupcial. Quem são os indivíduos considerados degenerados e que, logo, não deveriam se
reproduzir? Por que foram taxados assim? Entendendo, do ponto de vista eugênico brasileiro,
quais indivíduos deveriam ser impedidos de casar-se e procriar, pretende-se compreender qual
era o ideal de nação e de cidadão projetados por essa corrente.

1.3 Impedimentos matrimoniais: quem não deveria se casar

A partir de 1870 o Brasil vivenciava um período de grandes mudanças que podem ser
reconhecidas como parte do avanço da modernidade: o auge do ciclo do café concentrado em
São Paulo, os investimentos estrangeiros em ferrovias, navegação, a extinção da escravidão, a
difusão de novas ideias como o evolucionismo e positivismo, a separação do Estado e a da
Igreja com o advento da República, entre outras mudanças. Refutando essa tese, o autor José
Murilo de Carvalho demonstra que a despeito das grandes transformações ocorridas tanto do
âmbito econômico, político e social, a tradição rural, patriarcal e hierárquica ainda
111
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 117.
112
DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., 2014, p. 100.
113
Ibidem, p. 130.
42

permaneceu presente na sociedade.114 O Brasil sertanejo se agitava e revelava suas


concepções antagônicas às das elites modernizantes urbanas, haja vista os movimentos
religiosos messiânicos de Canudos e na região do Contestado. O mundo rural se mantinha
submetido ao poder dos grandes proprietários de terra. Mas, a força da tradição115 é
observada também nas cidades. As revoltas urbanas no Rio de Janeiro, ainda de acordo com
Carvalho, demonstram que parte população possuía valores diferentes dos da elite
modernizante. Além disso, e talvez o aspecto mais interessante para a pesquisa, é o fato de
que esses valores tradicionais estavam presentes dentro do próprio conteúdo do que era
considerado moderno por setores da elite.116 Da recente República estavam excluídos a
maioria dos cidadãos, não houve aumento da partição política do povo, ainda reinava o
analfabetismo e o trabalho semi-servil. Os ideais de igualdade e democracia ficaram apenas
na experiência retórica.
Se pensada constitucionalmente, com o advento da República e o fim da escravidão,
“a nação era depositária de iguais”.117 Mas, observa-se na prática a manutenção da
concentração de poder e a continuidade de uma sociedade marcada por desigualdades
profundas. Segundo José Murilo de Carvalho: “mais que indiferente, a modernidade era
alérgica ao povo brasileiro”.118 As teorias raciais do século XIX difundiram-se no contexto de
incremento da burocratização dos Estados nacionais ocidentais e serviram como pressuposto
científico para relativizar igualdades, consequentemente reconhecer diferenças e determinar
inferioridades.119 Vale destacar que este tipo de argumentação determinista utilizada para
justificar, portanto, exclusões e desigualdades, foi desenvolvida inicialmente nas nações
metropolitanas europeias.
A Europa era o centro do desenvolvimento econômico-capitalista e vivenciava um
processo de transformações significativas em finais do século XIX (que reverberavam de
modo periférico em todo o mundo, inclusive no Brasil, como vimos) em meio ao advento da
Segunda Revolução Industrial. O avanço tecnológico era visível, surgiam novas máquinas,

114
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998, pp. 107-9.
115
O trabalho de Arno Mayer “The persistence of the old regime” (título original) recebeu o título trazido de “A
força da tradição: a persistência do Antigo Regime, 1848-1918”. Nessa obra o autor destaca que a despeito dos
avanços da modernidade inúmeros elementos do Antigo Regime continuaram presentes na Europa até 1914.
Fazendo uma comparação José Murilo de Carvalho (ibid.) afirma que o mesmo pode ser dito, inclusive de modo
mais latente, sobre a realidade do Brasil no período que acompanha a Abolição e a instalação da República.
116
Ibidem, p. 119.
117
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. op. cit., 1994, p. 33.
118
CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. op. cit., 1998, p. 120.
119
HOFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. São Paulo: Editora Unesp,
2006, p. 139.
43

trens e navios a vapor, gramofones, lâmpadas elétricas incandescentes. O mundo se tornava


mais global e integrado: demograficamente maior e geograficamente menor. Mais do que a
simples introdução de novos equipamentos, todo esse processo significou uma mudança nos
hábitos cotidianos e convicções das pessoas. A ciência, por sua vez, parecia cada vez mais
essencial à tecnologia moderna.120
Ressaltando a relação entre ciência e sociedade, segundo Eric J. Hobsbawm, “os
processos do intelecto não são autônomos”, isto é, os problemas que se colocam, os métodos
empregados e as teorias que são consideradas satisfatórias vinculam-se com a realidade social
que ia além das paredes do laboratório.121 Nos grandes centros, como Londres, a capital da
grande potência inglesa, o desenvolvimento industrial e seus novos modos de produção trazia
como consequência a precariedade nas condições de trabalho da classe operária, enquanto o
vertiginoso crescimento urbano submetia a população mais pobre a viver em cortiços. O
otimismo de meados da era vitoriana ia se esvanecendo à medida que se instauravam uma
série de incertezas sobre a modernidade. Nesse ínterim, desenvolveu-se um movimento
científico de reformas sociais.122 A biologia e sobretudo a teoria evolucionista foram
utilizadas pela ideologia burguesa que então podia apontar a natureza como causa das
desigualdades humanas. Os burgueses possuíam, supostamente, superioridade hereditária,
enquanto os pobres eram vistos como naturalmente inferiores. Desde finais do século XIX, o
racismo parecia conveniente para a:
[...] legitimização da dominação do branco sobre indivíduos de cor, ricos sobre
pobres; isto talvez seja melhor explicado como um mecanismo através do qual uma
sociedade fundamentalmente inegalitária, baseada sobre uma ideologia
fundamentalmente egalitária, racionalizava suas desigualdades, uma tentativa para
justificar e defender aqueles privilégios que a democracia (implicitamente nas suas
instituições) precisava inevitavelmente desafiar. O liberalismo não tinha nenhuma
defesa lógica diante da igualdade e da democracia, portanto a barreira ilógica do
racismo foi levantada: a própria ciência, o trunfo do liberalismo, podia provar que os
homens não eram iguais.123

A partir da segunda metade do século XIX, as abordagens sobre a degeneração


deixavam de vinculá-la a causas climáticas e geográficas. As classificações raciais que
surgiam nesse contexto se baseavam num ideário biológico, a raça passava a ser entendida
como fator determinante de boa parte da constituição física e mental do homem. Para o conde
de Gobineau (1816-82) as degenerações não eram resultantes de influências externas, mas de
120
HOBSBAWM, Eric J. A era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, pp. 31-45.
121
Ibidem, p. 349.
122
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, pp. 31-2.
123
HOBSBAWM, Eric J. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 277. (grifos do
autor)
44

uma suposta impureza racial surgida por meio do cruzamento racial. Gustave Le Bon, Henry
Thomas Burcke, Benjamin Kidd e outros darwinistas sociais estavam em acordo com a ideia
de que a miscigenação era sinônimo de degeneração.124
Admitindo tais ideias deterministas, muitos médicos baianos, por exemplo,
acreditavam que a criminalidade, a loucura, os suicídios e a degeneração estavam fortemente
ligados aos processos de cruzamentos raciais. Um grande número de teses defendidas na
Faculdade de Medicina da Bahia, no início do século XX, abordavam o tema baseando-se no
saber produzido por criminalistas italianos como Lombroso, por exemplo, e elegiam a
frenologia como método de análise para identificação do delinquente. O grupo de médicos
conhecido por “Escola de Nina Rodrigues”125 foi importante na propagação do termo
“degeneração”. Na perspectiva de Nina Rodrigues, a grande quantidade de negros no país
sempre iria constituir a inferioridade de nosso povo.126
Analisando a produção científica da Faculdade de Medicina da Bahia, mais
especificamente os artigos da revista Gazeta Médica da Bahia, em finais do século XIX e
início do XX, Lila M. Schwarcz observa um “pessimismo atroz” em relação à miscigenação
devido à crença na inviabilidade de um projeto futuro para a nação brasileira. A situação
parecia sem solução não fosse o “uso inesperado” que as teorias raciais europeias passaram a
receber em finais dos anos 1920.127
Ao final da Primeira Guerra Mundial tornou-se possível uma reconsideração do
conceito de “civilização”. A deflagração da barbárie no mundo europeu, até então
considerado modelo de civilidade, permitiu repensar as nações latino-americanas antes
julgadas atrasadas. Surgia um novo nacionalismo que pretendia projetar os Estados-nação da
América Latina no cenário mundial. Muitos intelectuais passaram a olhar para a sociedade
fora dos moldes consagrados pelo pensamento europeu e encontrar soluções próprias para a
realidade de sua região.128 Enquanto na Europa o medo da degeneração era insuflado, nos

124
HOFBAUER, op. cit., p. 126. STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op.cit., 2005, p. 53. Lilia Moritz
SCHWARCZ (op.cit., pp. 77-8) define o darwinismo social como uma escola determinista racial que rejeitava a
ideia de transmissão de caracteres adquiridos. As raças eram entendidas como fenômenos finais e imutáveis,
sendo que todo cruzamento era considerado negativo.
125
Sobre a Escola de Nina Rodrigues e seus “discípulos” ver: CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a
Escola Nina Rodrigues e a Antropologia no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 1998.
126
HOFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. op. cit., 2006, p. 205
127
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 280.
128
FUNES. Patricia. Salvar la nación: Intelectuales, cultura y política em los años veinte latinoamericanos.
Buenos Aires, Prometeo, Libros, 2006, p. 79.
45

países latino-americanos surgia um sentimento otimista ou como afirma Nancy L. Stepan:


“uma nova determinação de realizar a regeneração nacional”.129
Especialmente após o trauma da primeira grande guerra, os cientistas brasileiros
estavam dispostos a reformular algumas das ideias estabelecidas sobre o país, os trópicos e a
raça, atribuindo-lhes novos valores, alterando seu significado. Porém, não podiam desprezar
totalmente as teorias vinda de fora, pois, ainda eram, em certa medida, dependentes de suas
ideias e estilo científico.130
A ideia da decadência física e moral do brasileiro não foi descartada pelos intelectuais
nacionais, entretanto, estas poderiam ser explicadas por fatores ambientais: existência de
doenças, ignorância e pobreza, enfatizando, com efeito, a teoria neolarmarckista. O autor
Sérgio Carrara acredita que as ideias nacionalistas formuladas pelas elites brasileiras durante a
primeira metade do século XX devem ser compreendidas como “estratégias anticoloniais” as
quais estabeleciam uma relação de double-bind.131 Apesar de aceitarem certos aspectos de
teorias que estigmatizavam o povo brasileiro, os pensadores lhes conferiam novas respostas.
Num “acordo aparente”, concordaram, por exemplo, que todo brasileiro tinha um pouco de
sífilis no sangue. Mas, ao aceitarem essa ideia, atribuíram a doença como principal fator da
degeneração, tirando o peso negativo dado à miscigenação. A sífilis poderia ser curada, logo,
“eles estavam escolhendo o menor de dois males”.132
A interpretação da eugenia feita no Brasil seguiu essa linha, atribuindo como problema
do país uma questão biológica e dividiu a população entre sãos e enfermos. Entendia-se que
alguns destes últimos indivíduos poderiam se regenerar. A intervenção na estrutura racial do
brasileiro seria possível, pois as raças eram “entendidas como passíveis de mutação, sujeitas a
um processo contínuo de saneamento”.133 Assim, as técnicas eugênicas de gestão
populacional seriam capazes de depurar a raça.134 De início, até os anos de 1920
aproximadamente, a eugenia no Brasil esteve vinculada ao higienismo e ao sanitarismo. Era
frequente a confusão entre os termos que por vezes eram tratados como sinônimos. O médico
e eugenista Olegário de Moura, por exemplo, chegou a dizer: “sanear é eugenizar”. 135 Assim,

129
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 46.
130
CARRARA, Sérgio. Estratégias Anticoloniais: sífilis, raça e identidade nacional no Brasil do entre-guerras.
In: HOCHMAN, Gilberto (org). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América
Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, p. 429-31.
131
Ibidem, p. 444.
132
Ibidem, p. 445.
133
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 280. [grifos da autora]
134
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. op. cit., 1994, p. 38.
135
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 44.
46

além de fortalecer a raça por meio dos supostos “bons nascimentos”, a princípio os eugenistas
brasileiros aceitaram que progressos no meio ambiente também poderiam trazer supostas
“melhorias” raciais ao povo brasileiro. Tudo isso contribuía, portanto, para uma perspectiva
mais esperançosa quanto ao futuro do país.
Os eugenistas acreditavam que o país novo, forte e sadio surgiria por meio da
intervenção na reprodução das populações.136 Para tanto, se a proposta da esterilização dos
considerados loucos, tarados, alcoólatras, parecia ainda consideravelmente radical para parte
dos eugenistas, a obrigatoriedade do exame médico pré-nupcial poderia ser considerada mais
palatável. Este cumpria a função de impedir a união de vários tipos pensados como
degenerados. O aprimoramento racial, conforme pretende-se demonstrar, significava muitas
vezes o branqueamento da população. Todavia, não era apenas este o único e exclusivo
objetivo dos eugenistas brasileiros. Além de um povo branco, era preciso que o brasileiro
fosse sadio, educado, apto para o trabalho, atendendo as necessidades do modelo capitalista
que se impunha no país desde finais do século XIX.137
Diversas doenças e epidemias assolavam o país e causavam preocupações aos médicos
e governantes, dentre estas é possível citar a febre amarela, a cólera, a varíola, contudo, mais
que um problema de saúde pública, algumas moléstias poderiam ser pensadas como
disgênicas por supostamente causarem danos à descendência. Sobre estas doenças
“deformantes da raça”138 os eugenistas dedicavam, portanto, maior atenção. De tal modo,
parte-se para a análise das principais moléstias que supostamente contribuíam de modo
negativo ao projeto eugênico, buscando compreender como estas poderiam, nessa concepção,
afetar os indivíduos e a descendência. Longe de pretender escrever aqui a história dessas
doenças, o escopo desta pesquisa é apontar como a presença destas enfermidades na
sociedade interferia no objetivo eugenista do melhoramento racial. Além disso, procura-se
demonstrar o modo como nas propostas do exame pré-nupcial a ênfase dos impedimentos
matrimoniais recaiu sobretudo aos doentes, demonstrando que a saúde tornou-se um fator
bastante caro aos eugenistas em sua busca pelo aprimoramento racial da população.

136
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 79-80.
137
LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira. op. cit., 1982, p. 61.
138
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. op. cit., 1994, p. 39.
47

1.3.1 Doentes, imorais e degenerados

A degeneração constituiu-se como um dos grandes temores do século XIX.


Diferenciando-se da noção adotada no século anterior, esse termo passava a comportar a
noção de espécie. Entretanto, segundo Foucault, Benedict-Augustin Morel em seu Traité des
dégénérescences (Tratado das degenerescências), publicado em 1857, partiu dos
ensinamentos anteriores, com base em Tissot, ao julgar que:
[...] o homem degenera a partir de um tipo primitivo, e isto não sob o efeito de uma
degradação espontânea, de um peso próprio à matéria viva, porém, muito mais
provavelmente, sob a influência das instituições sociais em desacordo com a
natureza, ou ainda como consequência de uma ‘depravação da natureza moral’. 139

Portanto, nessa concepção, a degenerescência significava o desvio doentio do homem


tipo primitivo perfeito. Ainda de acordo com Morel, um conjunto de circunstâncias do
ambiente físico-natural, social e moral ocasionava a degradação do indivíduo e da espécie. A
miséria e sua suposta influência desmoralizadora (excesso venéreo, abuso de bebidas álcool,
falta de instrução e salubridade) eram os meios mais favoráveis à propagação da loucura e das
degenerações.140 A hereditariedade, por sua vez, assumia um duplo papel: era uma das causas
e o fator principal de transmissão das degenerescências.141
Apesar da noção de degeneração ter sido anteriormente manipulada por filólogos,
etnólogos e naturalistas, a novidade da teoria moreliana foi relacionar a mesma com a
patologia. Segundo Sérgio Carrara, com Morel a degeneração passava a ser um conceito
“antropopatológico”. Admitindo que qualquer desvio do perfil de homem médio deveria ser
encarado como uma corrupção, abria-se caminho para que vários indivíduos fossem
considerados degenerados: loucos, doentes, criminosos, homossexuais, suicidas.142
Uma das formas de tratamento era a “profilaxia preservadora”, a higiene física e moral
da sociedade. Por várias décadas as ideias degeneracionistas influenciaram e justificaram
aparecimento de uma vasta rede de intervenções sociais. A luta contra o alcoolismo e as
doenças venéreas, o combate à prostituição, a esterilização dos anormais, e inclusive, o exame
pré-nupcial, apresentavam-se como meios de salvar a humanidade ou a raça.143

139
FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2013 [1972], p. 373.
140
Ibidem, pp. 375-6. Segundo o mesmo autor, no século XIX, a loucura recebe um sentido na moral social: se
torna um estigma de uma classe (a dos mais pobres) que abandonou as formas da ética burguesa.
141
Ver mais sobre a teoria dadegenerescência na obra de Benedict-Augustin Morel em: SERPA JR., Octavio
Domont de. O degenerado. História, Ciências, Saúde –Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, supl.2, dez. 2010,
pp. 447-473. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v17s2/11.pdf> acessado em 05 mar. 2017.
142
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, pp. 54-5.
143
Ibidem, p. 60.
48

Voltando os olhos aos eugenistas brasileiros é possível perceber que estes, assim como
higienistas, psiquiatras e outros profissionais ao longo de finais do século XIX e início do
XX, preocuparam-se não apenas com a hereditariedade genética, estabelecendo uma
associação entre degeneração moral e degeneração física. Nos discursos médicos desse
período, é possível observar que a suposta fragilidade moral da população era considerada a
causa de muitos problemas sociais e também de sua própria degeneração física.144
Serão analisados os discursos eugênicos sobre algumas patologias consideradas
disgênicas. Os portadores dessas moléstias, supostamente degenerados, deveriam ser
impedidos (temporariamente ou em definitivo) de se casarem e se reproduzirem. Conforme
veremos, nesse discurso, o comportamento transviado e consequentemente degenerado
tornava o indivíduo mais propício para adquirir doenças como a sífilis, tuberculose,
alcoolismo, etc.145 Desse modo, muitas vezes o enfermo era considerado culpado por sua
doença e um criminoso quando infectava outra pessoa ou transmitia os seus estigmas
degenerativos à sua prole.
A luta antivenérea pode ser considerada uma das “dimensões da luta mais ampla
contra a degeneração” na medida em que na virada do século deixava de ser uma doença de
indivíduos e passava a ser considerada como uma doença da raça ou da espécie. 146 O
problema da sífilis enquanto “mal venéreo” frequentemente era apontado nos jornais, revistas
e teses médicas brasileiras do início do século XX. Apesar do conhecimento acerca do
tratamento da doença por meio do mercúrio e dos sais de arsênico, os médicos debatiam sobre
possíveis medidas profiláticas, que incluíam desde a educação sexual e a defesa da castidade
até a proposta do exame pré-nupcial que seria uma maneira de impedir a propagação da
doença para futuro cônjuge.
Fruto de um comportamento sexual desregrado, de acordo com o autor Sérgio Carrara,
a sífilis era tida como uma “verdadeira caixa de Pandora”147, pois, do ponto de vista médico,

144
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836 – 1931). São Paulo:
Annablume, FAPESP, 2007. pp. 170-1.
145
Analisando as representações dos suicidas na década de 1910, Valéria Guimarães observa nos relatos
médicos, jurídicos, literários e oficiais que estes indivíduos aparecem associados a uma suposta degeneração
física e moral. Tratados como loucos, eram vistos como pessoas de “espírito fraco” que teriam se entregado às
paixões, assim como aqueles personagens dos romances que liam – leituras estas vistas como “contagiosas”. As
causas sociais que poderiam motivar o suicídio, como o desemprego, precárias condições de vida, parecem não
ser levadas em consideração pelo discurso médico. Evidencia-se que discurso médico defendia que o suicídio era
uma disfunção determinada por questões individuais e morais. (Ver mais em: GUIMARÃES, Valéria. Notícias
diversas: suicídios por amor, leituras contagiosas e cultura popular em São Paulo dos anos dez. Campinas:
Mercado de Letras, 2013.)
146
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, p. 61.
147
Ibidem, p. 42.
49

tal doença poderia ocasionar outros diversos males como, por exemplo, angina de peito e
afecções das artérias, tuberculose, câncer da cavidade bucal, além de poder levar o indivíduo à
loucura ou à morte.148 Segundo o médico José Lentino (1930) tal enfermidade seria a
responsável direta e indiretamente por quase toda patologia humana.149
Mas além dos diversos problemas que afetavam o enfermo, a sífilis também era
responsabilizada pela maioria dos casos de interrupção da gravidez, conforme atestava o
médico Luciano de Mello Baptista, em sua tese “Do exame pré-nupcial como fator eugênico”
(1926): “A grande quantidade de abortos, de natimortos, inviabilidade do produto de
concepção, crianças disformes, idiotas, paralíticas, cegas, correm, em grande parte por conta
da sífilis”.150 A infecção sifilítica também era apontada como um dos principais fatores do
abastardamento da população, não só Brasil, mas em todo o mundo, pois, diferente de
algumas doenças que seriam próprias de determinados tipos considerados inferiores, este mal
acometia os mais diversos grupos e raças.151
Segundo Michel Foucault, a medicina desde o século XIX, apresentou grande
interesse pelo campo da sexualidade, julgava-se que esta quando indisciplinada apresentava
duas ordens de efeitos: a primeira sobre o corpo, ou seja, sobre o indivíduo que por seu
comportamento considerado irregular ou devasso, adquiria várias doenças individuais, sendo
assim, “imediatamente punido”. Essa sexualidade pervertida ou inadequada causava
supostamente um efeito também no plano da população, pois acreditava-se que este indivíduo
devasso transmitiria seus estigmas hereditários, perturbando a descendência.152
Conforme é possível notar, no início do século XX, a sífilis era considerada como uma
enfermidade que poderia ser transmitida dos pais aos filhos, ao longo de gerações, a
hereditariedade sifilítica era considerada uma verdade comprovável e livre de qualquer
contestação.153 Assim, acreditava-se que a “sífilis hereditária seria aquela transmitida da mãe
ao feto através da placenta, aparecendo naquele a moléstia já em sua fase secundaria ou
septicêmica, sem o aparecimento da lesão primaria”.154 A crença da hereditariedade sifilítica

148
Ibidem, p. 39-40.
149
LENTINO, José. Algumas considerações em torno do problema da syphilis em São Paulo. Tese apresentada à
Faculdade de Medicina de São Paulo, 1930, p. 9.
150
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. Rio de Janeiro, 1926, p. 63.
151
LENTINO, José. Algumas considerações em torno do problema da syphilis em São Paulo. op. cit., 1930, p. 9.
152
FOUCAULT, Michel. op. cit., 2005, p. 300-1. Foucault cita o exemplo da sexualidade para demonstrar a
articulação entre duas tecnologias de poder; a técnica disciplinar e a biopolítica, sendo que a primeira estaria
mais centrada nos corpos, ou seja, produz efeitos individualizantes, enquanto que a segunda volta-se para o plano
mais “global” ou da população em geral, buscando controlar eventos.
153
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., p. 33 citando Alfred Fournier.
154
BACELLAR, Arnaldo. Etiologia da surdo mudez. Revista de Medicina, São Paulo, v. 008, n. 039, 1926, p. 6.
50

provavelmente deveu-se à ideia do “sangue corrompido”155, alguns relatos médicos


afirmavam que sífilis infiltrava-se no sangue dos enfermos, sendo transmitida, assim, ao
longo da descendência. Supõe-se então que a sífilis era pensada como uma “doença de
sangue”, ademais, nas primeiras décadas de século XX, era comum os eruditos utilizarem a
linguagem do sangue para se referir à descendência.156
Como explicava o médico Pedro Monteleone (1929), a transmissão da sífilis dos pais
para os filhos se dava apenas quando estes primeiros estivessem infectados pela doença, caso
fossem curados os filhos provavelmente nasceriam sadios. Admitia-se a ideia de que
determinadas infecções poderiam modificar a “cromatina geradora”, a sífilis poderia ser
transmitida pela “hereditariedade uterina”. Em outras palavras, segundo Monteleone, a
transmissão patológica se processaria por meio da corrente circulatória que liga a mãe ao
feto.157
Mas a doença em questão carregava a crença da “hereditariedade mórbida”. Os
médicos e eruditos do período acreditavam que pela hereditariedade seria transmitida uma
“disposição mórbida interna”158, isto é, pensavam que o estado mórbido dos pais acarretava
nas células germinativas esta mesma disposição, tornando os filhos mais aptos a
desenvolverem outras moléstias, assim, “uma doença ou anomalia dos ascendentes
engendraria nos descendentes doenças e/ou anomalias diferentes e mais graves”.159
As crianças heredo-sífiliticas que conseguiam nascer, pois grande parte era abortada,
seriam supostamente fracas e “miseráveis”, facilmente adquiriam outras doenças consideradas
banais, mas por seu estado debilitado muitas vezes faleciam ou necessitavam de um tempo
mais longo do que o considerado normal para se curarem. Além disso, estas apresentariam um
crescimento e desenvolvimento tardio tanto na infância quanto na puberdade, segundo
Monteleone: “A totalidade dos heredo-sífilitcos apresenta-se de tamanho pequeno e nunca
demonstram a idade que de fato possuem, parecendo sempre crianças, quando de fato, se trata
de indivíduos adultos – e a isto que se denomina de infantilismo”.160
Atualmente, sabe-se, comprovadamente pela medicina, que a sífilis de fato é uma
doença congênita. A gestante infectada não tratada ou tratada inadequadamente pode
transmitir a doença para a criança. De modo que algumas complicações podem ocorrer

155
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, p. 50.
156
Ibidem, p. 51.
157
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 25.
158
Ibidem, p. 28.
159
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, p.55.
160
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit. 1929, p. 34.
51

levando ao aborto espontâneo, parto prematuro, má-formação do feto, surdez, cegueira,


deficiência mental ou morte ao nascer.
Em sua obra “Eugenia e Medicina Social” (1923), Renato Kehl dizia que a sífilis
hereditária nem sempre era facilmente percebida e diagnosticada. Havia casos nos quais
algumas crianças apresentavam algum tipo de “anormalidade” e só posteriormente esta seria
diagnosticada como consequência de uma herança sifilítica, que poderia ter sido adquirida dos
pais ou até mesmo dos avós. Isto corria, pois, muitas vezes, um indivíduo contraia a doença,
iniciava o tratamento, mas o interrompia assim que desapareciam nódoas ou feridas,
acreditando que tinha se curado. O médico, no entanto, alertava que a sífilis era uma doença
traiçoeira. Algumas pessoas aparentemente saudáveis poderiam ainda estar infectadas. Estas
então muitas vezes se casavam, levando o vírus ao companheiro(a) e aos filhos pela
hereditariedade. Kehl afirmava: “Estes são os perigosos. São exatamente os sifilizados de
aparência sadia, sifilíticos, entretanto, na latência invernal, que constituem os mais numerosos
intermediários transmissores da infecção hereditária”.161
Na referida obra, portanto, Kehl trazia vários alertas à população, era preciso que esta
ficasse atenta, uma boa aparência nem sempre era sinônimo de saúde. O eugenista, porém,
afirmava que sua intenção não era causar pânico, ou como ele mesmo dizia “Não somos
terroristas” o objetivo não era causar nos leitores “a mania da sífilis”, ou seja, uma fobia em
relação a mesma. Era necessário informar a sociedade, principalmente sobre a sífilis,
considerada um dos maiores flagelos da humanidade.162 Entretanto, mais que dar noções
precisas sobre a enfermidade, Renato Kehl defendia que era preciso “praticar a Eugenia”, isto
significava não esperar passivamente a “força da natureza melhorar as coisas”, “não esperar
pela seleção natural”. O médico reforçava assim a necessidade de promover medidas e
mecanismos de intervenção social, como a implantação do exame médico pré-nupcial, por
exemplo.163
A sífilis, portanto, causava imensa preocupação ao movimento eugênico, porque além
de seu aspecto degenerativo ao indivíduo, poderia estigmatizar também as futuras proles,
comprometendo o principal objetivo eugênico: o aprimoramento racial. Conforme atestava
Pedro Monteleone: “[...] a sífilis mata o novo indivíduo no seio materno e, quando não,
provoca abortos ou então coloca na terra heredo-sífilicos, que serão no concerto mundial,

161
KEHL, Renato. Eugenia e Medicina social: op. cit., 1923, p. 144.
162
Ibidem, p. 149.
163
Ibidem, p. 151.
52

fatores negativos”.164 De tal modo, quando se tratava da profilaxia da sífilis era comum surgir
no meio médico a proposta do exame médico pré-nupcial165. Julgando ser uma medida de
“profilaxia social”, o médico José Lentino dedica em sua tese de doutoramento sobre a doença
um subcapítulo para explanar sobre do exame pré-nupcial. Segundo o autor, o exame poderia
ser considerado como “ótimo meio profilático, e preponderante fator eugênico”, pois,
supostamente diminuiria o número de crianças internadas nos hospitais diagnosticadas com a
“sífilis hereditária”.166 O colega de profissão, Estellita Ribas, possuía semelhante concepção e
afirmava: “Com a instituição do exame médico pré-nupcial diminuirá a porcentagem dos
heredo-sifilíticos o que já é uma grande coisa”.167
Ainda em sua tese, Pedro Monteleone cita o trabalho do sifilógrafo espanhol Sainz de
Aja alcunhado “Syphilis, Blenorhagia e Casamento” no qual o mesmo estabelece um estudo
acerca das permissões de nupciais aos portadores da sífilis. Um primeiro exemplo é
apresentado, quando o tratamento havia sido iniciado no período primário da doença, somente
apresentando o cancro e o exame de Wassermann – exame sanguíneo para detectar a presença
da sífilis – fosse negativo. Nesse caso seria preciso esperar três meses, se o exame de
Wassermann continuasse negativo, seria ainda necessário realizar novos tratamentos
específicos, refazer o teste, e apenas entre três a nove meses do último resultado negativo, ou
seja, depois do convencimento total da cura do enfermo, seria então possível autorizar o
casamento. Outros exemplos de casos clínicos são citados, quando o enfermo estivesse em
outros estágios da doença, haja vista que a doença normalmente era dividia em três níveis
“Syphilis primaria, Syphilis secundaria, syphilis terciaria e syphilis latente”168, nos casos de
pacientes em estágio primário ou secundário o enfermo deveria passar pelo tratamento,
realizar repetidas vezes o teste de Wassermann até que se tivesse uma comprovação precisa
da cura.169
Quando os pacientes estivessem já no estágio terciário, a atenção médica deveria ser
redobrada, pois a enfermidade poderia ter ocasionado “lesões no sistema nervoso” no
enfermo. Nesse caso o sifilógrafo recomendava o impedimento de casamento, dado que o

164
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 37.
165
Conforme já apontado, a exemplo do médico Souza Lima que várias vezes defendeu o exame pensando-o
enquanto medida profilática no combate à sífilis.
166
LENTINO, José. Algumas considerações em torno do problema da syphilis em São Paulo. op. cit., 1930, p.
43.
167
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 52
168
PUPO, Aguiar. Uma campanha salutar: a luta contra a syphilis em São Paulo – Sobre a organização de
dispensários anti-venereos e sua função prophylactica. Revista de Medicina, São Paulo, v. 003, n. 020, 1922, p.
17.
169
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 50
53

indivíduo não poderia “cumprir seus deveres de marido”, podendo falecer prematuramente,
ocasionando “problemas da viúves”, além disso, nasceriam filhos degenerados. “Por tudo
isso, pondera-se, que na generalidade, não se deve permitir o casamento a terciários
nervosos”170. No caso dos doentes quaternários, ou sífilis latente, o especialista é enfático ao
declarar que estes indivíduos nunca deveriam casar-se.
A defesa do impedimento matrimonial ou veto temporário aos sifilíticos, conforme se
pode perceber, era bastante frequente nos relatos médicos e eugênicos. O exame médico pré-
nupcial obrigatório seria uma importante medida para legitimar tal proibição. Mas nos
discursos em questão, não apenas os portadores da doença supracitada eram mencionados
como inaptos ao casamento e a consequente procriação, outra doença venérea era considerada
como um risco à formação de proles sadias, tratava-se da enfermidade hoje conhecida por
gonorreia, porém, mais comumente chamada de blenorragia nas primeiras décadas do século
XX. Segundo o médico Estellita Ribas, a sífilis e a blenorragia “desempenham um papel
saliente na vida matrimonial e no futuro da prole”.171
Ainda de acordo com o médico, a blenorragia era uma doença muito “espalhada” na
sociedade, a maioria dos homens já haviam tido, tinham ou iriam ter a enfermidade.172
Outrossim, assim como sífilis, segundo Ribas, era um mal universal, que atingia praticamente
a todos os povos de todos os países. Nas crianças ela poderia, supostamente, causar diversos
problemas oculares, inclusive a cegueira. Nos homens e mulheres causava cistites e nefrites
crônicas, podendo causar também lesões nos rins. Podia também infeccionar do colo no útero
das mulheres.
Contudo, Pedro Monteleone afirmava que diferente da sífilis que poderia ser adquirida
por meio de relações sexuais, mas também pela hereditariedade, a blenorragia era transmitida
exclusivamente por contagio sexual.173 O médico afirmava:
O casamento com a blenorragia é fatal. Diariamente, nas enfermarias da Santa Casa,
jovens apenas saídas da lua de mel já se apresentam com corrimentos blenorrágicos!
E dizer-se que muitos se casam doentes, com a infecção apanhada nos últimos dias
de despedida de solteiro, e, outros, aqui a maioria, acreditando-se completamente
curados, casam-se.174

Assim, segundo os médicos da época, frequentemente mulheres saudáveis se casavam,


sem tomar conhecimento, com homens contaminados por doenças venéreas. Estas moças logo

170
Ibidem, p. 52.
171
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit, 1927, p. 16
172
Ibidem, p. 30. MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 52.
173
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 52-3.
174
Ibidem, p. 54.
54

adoeciam também. Paulo de Godoy, formado pela Faculdade de Medicina de São Paulo,
relatava semelhante situação, mas no caso da sífilis:
Na enfermaria de Ginecologia e no Ambulatório [da Faculdade de Medicina de São
Paulo] da mesma clínica, onde trabalhamos, vemos diariamente moças
contaminadas e infeccionadas pelo marido. É fatal: o indivíduo se casa doente;
contamina a esposa; abortos; prole defeituosa e degenerada. Na enfermaria de
crianças vemos a grande porcentagem dos heredo-sifilíticos. Assim, permitir ao
enfermo o direito de perpetuar o seu mal, é doloroso, é lastimável. 175

Na opinião de Monteleone – e aqui pode-se incluir Renato Kehl e outros eugenistas –


estes indivíduos que se casavam infeccionados, tanto da sífilis como da gonorreia,
conscientemente, deveriam ser considerados como verdadeiros delinquentes. Nas mulheres a
blenorragia causava, segundo o médico, processos de desvio de ovários, trompas e útero.176
As infecções, como resultado, poderiam causar tanto no homem quanto na mulher a
esterilidade. Aos recém-nascidos a blenorragia, supostamente, ocasionava cegueira,
perfurações da córnea, conjuntivite, etc.
De tal modo, no que concerne a tais concepções, conclui-se que a sífilis e a
blenorragia eram enfermidades que possuíam um aspecto moral. Os adoentados eram vistos
como sujeitos degenerados e seu comportamento impróprio teria ocasionado, assim, tal
degeneração. Por conseguinte, os médicos eugenistas e higienistas defendiam a castidade e a
educação sexual como medidas profiláticas. A educação sexual por sua vez não era
“libertadora”, objetivava dar uma noção precisa da ameaça que significava a liberdade sexual.
O exame pré-nupcial surgia também como uma medida preventiva que não excluía as demais
citadas. Proibir o matrimônio de sifilíticos significava, supostamente, impedir a propagação
da doença e evitar a degeneração racial às futuras gerações.
Mas dentro da proposta do EPN não só os portadores da sífilis deveriam ter o
casamento vetado. O pedido de apoio à proposta de impedimento matrimonial do médico
Souza Lima em 1897 à Academia Nacional de Medicina, conforme apresentou-se
anteriormente, destinava-se aos tuberculosos e sifilíticos. De fato, nos anos subsequentes, os
defensores do exame pré-nupcial também acreditavam que os tuberculosos deveriam ter o
direito de união conjugal cessado. Como no caso da sífilis, a implantação da obrigatoriedade
do EPN deveria se juntar às demais medidas profiláticas da tuberculose.
A enfermidade atingia muitos brasileiros. O médico Estellita Ribas, em sua tese
defendida no ano de 1927, estimava que na cidade do Rio de Janeiro que era povoada por um

175
GODOY, Paulo de. Pontos de Vista. In: Revista de Medicina, São Paulo, v. 008, n. 040, 1926, p. 3.
176
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 54.
55

milhão e duzentas mil pessoas, pelo menos cinquenta mil eram tuberculosos.177 Renato Kehl
afirmava que a enfermidade se expandia, sobretudo, nos grandes centros urbanos do país. A
tuberculose atingia tanto os ricos quanto os pobres, no entanto, os primeiros adquiriam a
enfermidade por outros fatores “que não a miséria ou falta de higiene”.178
Acreditava-se que fatores como habitar uma moradia salubre e ter boa alimentação
poderiam evitar a infecção. Por outro lado, um indivíduo que se expunha ao vício, como um
alcoólatra, por exemplo, estaria mais propenso a uma possível contaminação do bacilo de
Koch. Logo, percebe-se aqui uma associação entre a prevenção física e moral. Era
imprescindível uma “higienização” não apenas do ambiente, das casas, do ar ou da água, a
classe médica acreditava que a população precisava alterar seus hábitos e condutas. Como
profilaxia da tuberculose, Kehl sugeria que era preciso “convencer o povo do mal que resulta
do péssimo hábito de escarrar e cuspir no chão: a necessidade de pernoitar em quartos
arejados, de se alimentar convenientemente, de não perder noites em pandegas, deboches e
bebedeiras”.179 Um homem que levava uma vida desregrada, sob o ponto de vista médico e
higiênico, adquiria mais facilmente a tuberculose, assim como o comportamento sexual
considerado inadequado ocasionava frequentemente a sífilis e blenorragia.
Mais uma vez, portanto, ressalta-se a associação feita entre moral e saúde, ou mesmo
moral e aprimoramento racial, pensada pelos médicos e eugenistas desse período. Doenças
como a sífilis, blenorragia, tuberculose e alcoolismo, como será destacado no próximo item,
possuíam um cunho genético, mas também moral. Havia a crença de que a suposta
depravação comportamental da população permitia que essas doenças fossem adquiridas com
maior facilidade. O enfermo muitas vezes era então culpado e responsável por sua doença. A
situação parecia ainda mais alarmante para eugenistas, pois tais moléstias poderiam afetar de
modo negativo toda a descendência, estigmatizando gerações e, consequentemente, afetando o
projeto de melhoramento racial eugênico.
Os doentes eram culpados e responsabilizados socialmente pelo modo de vida que
levavam, não adotando os costumes de higiene e de alimentação preconizados pela
medicina; eram responsabilizados pela saúde dos outros. Eram, cada vez mais, taxados
de perigosos e excluídos, por não terem condições adequadas de vida, por morarem nas
periferias, nos cortiços e, portanto, estarem muito perto das doenças desprezadas e
estigmatizadas, como a sífilis e a lepra.180

177
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit.,1927, p. 31.
178
KEHL, Renato. Eugenia e Medicina social. op. cit., 1923, p. 44.
179
KEHL, Renato. Melhoremos e prolonguemos a vida: a valorização eugênica do homem. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves, 1922, p. 217.
180
GONCALVES, Helen. A tuberculose ao longo dos tempos. In: Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de
Janeiro, v. 7, n. 2, p. 305-327, Out. 2000 . Disponível em
56

Segundo o geneticista Octavio Domingues, em artigo publicado no “Boletim de


Eugenia” (1931), a tuberculose não era uma doença hereditária. Mas seria, sim, congênita
como a sífilis. O vírus seria transmitido da mãe para o feto pela placenta. Octavio explica que
esta sua hipótese da transmissão congênita da tuberculose era uma novidade. Segundo o
geneticista, ele apresentara tal ideia em janeiro de 1929 em seu livro “A Hereditariedade em
Face da Educação” e logo esta foi confirmada pela “observação direta e imparcial”. Até
então, segundo o geneticista, era comum que os médicos e intelectuais acreditassem que a
doença era hereditária. E que os pais tuberculosos só poderiam gerar descendentes fracos e
débeis. De fato, ainda em 1927, por exemplo, o médico Antônio de Almeida Junior afirmava
que as noções divulgadas pela medicina afirmavam que as moléstias venéreas e a tuberculose,
por exemplo, influenciavam sobre a descendência, pois muitas vezes se transmitiam pelo
convívio conjugal.181 Para Octavio Domingues, à luz da genética e dos preceitos de Mendel,
parecia incompatível pensar “a criação de um ‘gen’ tuberculoso nos gametas dos pais”
contestando assim a suposta transmissão hereditária do mal.182
No mesmo periódico havia a tradução de um artigo no qual o professor da
Universidade de Florença, Giuliano Perondi (1931), afirmava que a tuberculose não era
transmitida com facilidade dos genitores à prole: “a tuberculose germinal não é demonstrada
nem parece verossímil que o seja (Marchifava); a transmissão trans-placentar é raríssima”.183
O filho do tuberculoso poderia nascer em boas condições, entretanto, a maior parte nascia
frágil, propenso a contrair mais facilmente outras doenças. Assim, na visão de Perondi, ainda
era preciso analisar em que medida a criança – filho(a) de tuberculosos – caso fosse retirada
do “ambiente malsão”, em outras palavras, do convívio com os infectados, poderia crescer e
viver normalmente. Segundo o mesmo, este era um estudo que ainda estava sendo
desenvolvido.
Considerando que uma criança, filha de pais tuberculosos, teria uma baixa imunidade,
Perondi acreditava que esta necessitaria de cuidados redobrados, assim, o mesmo questiona:
“se convém favorecer o nascimento de seres assim congenitamente tarados; a esta

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702000000300004&lng=en&nrm=iso>.
acessado em 10 jul. 2016.
181
ALMEIDA JUNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 38.
182
DOMINGUES, Octavio. Transmissão congênita da tuberculose. In: Boletim de Eugenia, Ano II, nel6, abril de
1930, p. 1. Disponível em: <http://www.ppi.uem.br/gephe/BE/BEAno2N16Abr1930.pdf> acesso em 15 mar. 16.
183
PERONDI, Giuliano. O problema da tuberculose do ponto de vista da eugenia. In: Boletim de Eugenia. Ano
III, ns 27, março de 1931, p. 3. Disponível em <http://www.ppi.uem.br/gephe/BE/BEAno3N27Mar1931.pdf>
acessão em 16 mar. 16.
57

interrogação, a Eugenia responde – não”.184 Do ponto de vista eugênico, apesar da


constatação de que a tuberculose não era hereditária, era aconselhável que tais enfermos não
tivessem filhos. O professor acreditava que um dos mais importantes esforços da sociedade
deveria ser o impedimento da “procriação de indivíduos tarados”. De tal modo, Guiliano
Perondi era enfático ao afirmar que “Os doentes e suspeitos de tuberculose não devem casar;
se casam e um dos cônjuges adoce, não devem procriar!”.185
Segundo os eugenistas, sob o escopo científico do melhoramento racial, os
tuberculosos deveriam evitar o casamento e a formação de nova família. O médico psiquiatra
Júlio Pires Porto-Carrero ainda afirmava que até mesmo do ponto de vista moral seria
lastimável que um jovem tuberculoso se casasse com uma moça “só porque assumiram um
compromisso de casamento, assim como é horrendo que uma jovem se deixe contaminar no
leito nupcial, só porque haja um namoro notório”.186 Este tipo de união, para os eugenistas,
além de danosa à raça, traria inúmeros infortúnios e tristezas ao próprio casal. Todavia, a
união de indivíduos tuberculosos poderia ocorrer normalmente no país, pois não havia
nenhum tipo de legislação que o proibisse, de acordo com o médico Luciano de Mello
Baptista: “Malgrado a falta do exame pré-nupcial, o tuberculoso casa-se, dando em resultado
filhos fracos, raquíticos”187.
Logo, se a hereditariedade da “peste branca” fora contestada, os eruditos, entretanto,
não tinham dúvidas de que de algum modo filhos de tuberculosos apresentariam estigmas
degenerativos. Nas palavras do médico Pedro Monteleone “os filhos se tuberculosos herdam
dos pais o hábito de ser tuberculosos. E, de fato, em outros tantos tuberculosos essas crianças
logo se transformam, porque são tuberculizáveis.”188, ou seja, Monteleone afirmava uma
predisposição destas crianças para contraírem a tuberculose e outras doenças, além de
apresentarem um quadro de distrofia geral. Renato Kehl também corroborava tal ideia,
segundo o eugenistas, a moléstia atingia mais frequentemente descendentes de tuberculosos,
por estes herdariam não a tuberculose em si, mas uma predisposição para adquiri-la.189

184
PERONDI, Giuliano. O problema da tuberculose do ponto de vista da eugenia (continuação e fim). In:
Boletim de Eugenia. Ano III, n. 28, abr. 1931, p. 3. Disponível em
<http://www.ppi.uem.br/gephe/BE/BEAno3N28Abr1931.pdf> acesso em 17 mar. 2016.
185
Ibidem, p. 3
186
PORTO-CARRERO, CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos
Brasileiros de Higiene Mental. op. cit., 1933, p. 89.
187
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., 1926, p. 105.
188
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 59
189
KEHL, Renato. Eugenia e Medicina social. op. cit., 1923, p. 45
58

Por meio da análise das fontes, portanto, torna-se possível supor que grande parte dos
médicos e eugenistas concordavam que o casamento em casos de tuberculose em um dos
cônjuges deveria ser proibido uma vez que tal enfermidade era julgada como um fator
disgênico à raça: “A gravidez tem na marcha da tuberculose, consequências funestas: a união
entre tuberculosos é disgênica e não devemos permitir a procriação de indivíduos, tais como
na sífilis, inúteis à família e à pátria”.190
Ora, uma das possíveis maneiras de se impedir que os tuberculosos se casassem seria
por meio da obrigatoriedade do exame pré-nupcial. Por meio deste, se o médico constatasse
que o candidato ao enlace possuía tal doença, poderia e deveria impedir que o mesmo
consumasse sua união matrimonial. Refletindo sobre os níveis elevados de tuberculosos no
Brasil, o médico Antônio Vita falava da utilidade do exame como medida profilática:
E num país cuja capital é a que possui mais tuberculosos e na qual 43% dos mortos
são vítimas dessa infecção, cremos ser utilíssimo juntar o exame pré-nupcial à
profilaxia desse grande mal social que hoje é tido como curável, reunindo um
conjunto geral protegendo a raça.191

Para se eliminar o número de pessoas suscetíveis ao “mal”, supostamente, era preciso


impedir o matrimônio entre tuberculosos – pois a prole de tuberculosos era mais suscetível a
adquirir a enfermidade. Quanto menos tuberculosos se unissem menor seria a chance de
novos indivíduos adquirirem a doença. Acreditava-se na seguinte proposição: pessoas que
nasciam fortes, sadias, livres de qualquer estigma degenerativo em sua descendência e
vivessem em condições higiênicas, longe de vícios, teriam uma maior resistência, estando,
portanto, menos propensas a contrair infecções ou moléstias em geral.
Por outro lado, se os eugenistas defendiam que era preciso combater a moléstia em
debate, uma vez que esta constituía um dos maiores flagelos da humanidade, esta era,
contudo, um “flagelo selecionador”, segundo Renato Kehl. A afirmação do eugenista devia-se
ao fato do mesmo considerar que tuberculose seria a doença dos fracos, débeis e desregrados,
conforme já apontamos, pois estes teriam uma menor resistência ao vírus. Assim, a
enfermidade atuava na eliminação destes indivíduos que supostamente em nada contribuíam
para a espécie, conforme apontava Kehl:
A tuberculose, perdoem-nos, talvez, o paradoxo, é uma doença, até certo ponto
misericordiosa, porque abrevia a vida sofredora de incapazes e defende a espécie da
sua influência debilitadora. Não fosse ela, e estaríamos esmagados pela massa
colossal das monstruosidades: - ter-se-ia criado uma sub-raça cacoplástica (sic): não

190
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., 1929, p. 61.
191
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., 1920, p. 39.
59

fosse ela, e o mundo seria hoje o teatro de uma situação muito pior [...]. Não
podemos negar, [...] ter sido cruel, mas “útil” flagelo selecionador. 192

Guiliano Perondi possuía uma visão semelhante a de Kehl, pois afirmava que apesar a
tuberculose ter um efeito disgênico, seria socialmente útil “porque, levando à extinção os
infelizes descendentes, elimina-os gradativamente da comunhão social”.193 O professor
acreditava que com a difusão das normas higiênicas de profilaxia, a seleção natural perdia
importância, pois, tais medidas perpetuavam a vida de indivíduos degenerados. Perondi,
porém, dizia não desaprovar a “difusão das normas higiênicas aptas para limitar a extensão do
flagelo”194, pois a necessidade urgente seria implantar medidas que impedissem a transmissão
hereditária da doença.
Ademais, os descendentes de tuberculosos ainda que não nascessem com a infecção e
fossem retirados do contágio (incluía-se aqui medidas como a mãe tuberculosa não
amamentar o bebê) seriam fracos. Estas crianças precisariam de cuidados especiais, uma
maior proteção. Guiliano Perondi considerava que tendo em vista os cuidados e despesas que
tais indivíduos gerariam, do ponto de vista eugênico, a sociedade não deveria, portanto,
favorecer o nascimento “de seres assim congenitamente tarados”.195
Fica claro, dessa maneira que, segundo os eugenistas, a tuberculose poderia acometer
qualquer pessoa, por ser uma doença infectocontagiosa. Entretanto, os indivíduos
considerados fracos seriam mais vulneráveis a ela – por fracos aqui podemos entender aqueles
que não tinham boas predições genéticas. Além disso, indivíduos que se comportavam de
modo boêmio e considerado depravado também eram mais suscetíveis a adquirirem tal
doença. Conforme será analisado a seguir, o alcoolismo também partilhou nos discursos
eugênicos da mesma associação entre depravação moral à física. Ainda, assim como a
tuberculose e a sífilis, a dependência alcoólica poderia comprometer a progênie de tais
enfermos. Logo, a reprodução destes deveria ser vetada. O exame pré-nupcial, conforme se
verá novamente aparecerá como uma solução para os eugenistas.
Os seguidores de Galton acreditavam que o alcoolismo era uma das fontes das
degenerações hereditárias, e claro, consequentemente raciais. Nessa esteira, o exame pré-
nupcial obrigatório mais uma vez aparecia como uma medida auxiliadora na busca do
aprimoramento racial, que significava, portanto, a não-procriação destes indivíduos fadados à

192
KEHL, Renato. Lições de eugenia. Rio de Janeiro: Livraria Alves, 1929, p. 120.
193
PERONDI, op. cit., abril de 1931, p. 3 .
194
Ibidem.
195
Ibidem, p. 2.
60

degeneração. De acordo com o médico Luciano Mello Baptista: “Se não houvesse sífilis, se
não houvesse alcoolismo, diz o professor Henrique Roxo, 80% dos alienados não
existiriam”.196
Em sua tese defendida em 1929 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o
médico Darcy Moraes de Mattos tratou sobre a necessidade do exame pré-nupcial. Segundo
este, os filhos de alcóolatras nasciam degenerados, raquíticos, epiléticos e candidatos à
tuberculose. Os dependentes do álcool, segundo Darcy, estariam fadados ao crime, à loucura e
ao suicídio. Eram, pois, candidatos às prisões, hospícios e hospitais.197
A dependência alcoólica era uma questão preocupante ao movimento eugênico, tanto
que foi amplamente discutida no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia realizado no ano
de 1929 na cidade do Rio de Janeiro. O higienista mental dr. Oscar Fontenelle, sempre ativo
nas discussões em torno da eugenia e defensor do exame pré-nupcial obrigatório, conforme
registrado na ata da primeira reunião do Congresso, realizada no dia 1 de julho, posicionava-
se a favor de uma maior atenção do governo em relação ao problema do alcoolismo. 198 O
psiquiatra Ernani Lopes concordava com Fontenelle e recomendava o encarecimento das
bebidas alcoólicas através do aumento progressivo dos impostos. Na terceira reunião do
mesmo Congresso, o médico Severino Lessa apresentou um resumo de sua tese “O
alcoolismo e a raça”, entre os participantes havia consenso que a legislação precisava de
revisões, o psiquiatra Murillo de Campos acreditava que o álcool deveria ser “colocado no
mesmo pé dos demais tóxicos”.199
A Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada em 1923, na então Capital Federal, Rio
de Janeiro, proporcionava um profícuo espaço de discussão entre psiquiatras, médicos de
demais áreas e intelectuais sobre temas que iam além da neuropsiquiatria, apesar de estarem
direta ou indiretamente relacionados, como a higiene, saneamento, controle da imigração,
combate às doenças venéreas, etc. Havendo, portanto, uma aproximação no campo de
interesse; a reforma ou a regeneração social, a eugenia foi bem recebida pelos higienistas
mentais, inclusive Renato Kehl, o grande propagandista da eugenia no Brasil, era membro
efetivo da instituição.200 Com a criação da Liga, segundo o autor Vanderlei de Souza, foram

196
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit. p. 99.
197
MATTOS, Darcy Moraes de. Exame pré-nupcial. Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1929, p. 70.
198
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Primeiro Congresso brasileiro de eugenia. Rio de Janeiro: s. n., 1929.
v.1., p. 13
199
Ibidem, p. 27.
200
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 40-1.
61

intensificadas as campanhas contra o alcoolismo.201 No periódico oficial da instituição


chamado “Archivos Brasileiros de Higiene Mental” eram publicados vários artigos abordando
o tema. Segundo a publicação de outubro de 1929, a Liga criara uma seção extranumerária
dedicada ao anti-alcoolismo, esta seção tinha como presidentes de honra Miguel Couto,
Afrânio Peixoto, Fernando Magalhães e Milciades de Sá Freire, contava com a presença de
vários outros médicos participantes, dentre eles Severino Lessa202. Nas reuniões discutia-se
sobre modos “para conseguir dos poderes públicos a votação de medidas restritivas, ou
melhor, de uma legislação antialcoólica”.203
Havia um debate em torno da possibilidade de criação da “lei seca”, apesar de alguns
médicos serem favoráveis, acreditavam que esta medida não poderia ser aplicada de imediato,
era essencial que primeiro criassem “medidas de transição”. O médico Miguel Couto204,
considerado um dos principais clínicos da época, afirmava que o álcool era um grande
elemento de degeneração do indivíduo e da raça.205 Fernando Magalhães206 concordava, pois
segundo o profissional da saúde, várias observações demonstravam que o álcool era um
“inimigo da raça”. Um indivíduo que não sofresse nenhuma contaminação, mas fizesse uso
desmensurado da bebida, só poderia esperar uma prole de doentes e inaptos. Para Magalhães
o álcool causava tanta devastação quanto a sífilis, comparava então estas duas moléstias:
O álcool está mais ou menos no mesmo pé da sífilis. É quase a mesma coisa. Assim
como a sífilis, o álcool evita a gravidez, a sífilis, o álcool complica a gravidez, assim
como a sífilis o álcool complica o parto; assim como a sífilis, o álcool complica o
puerpério. Sem dúvida alguma, é a mesma coisa. Mas em proporção os cálculos não
estão feitos.207

201
Ibidem, p. 109.
202
Severino Lessa nasceu em 30 de outubro de 1885, na cidade de Campos. Tornou-se médico e um dos
fundadores da Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia. Faleceu em 1930 no Rio de Janeiro. Disponível
em: < http://www.sfmc.com.br/node/163> acessado em 10 jul. 2016.
203
TRABALHOS de anti-alcoolismo. In: Arquivos brasileiros de higiene mental, Ano 2 Número 1, Outubro
1929, p. 12. Disponível em <http://www.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno2N1Out1929.pdf> acessado em
22 mar. 2016.
204
O médico Miguel Couto foi presidente da Academia Nacional de Medicina entre os anos de 1913-15, sendo
reeleito em 1929 até 1934, quando faleceu.
205
Discurso do prof. Miguel Couto para sessão inaugural da Semana Anti-alcoolica. In: Arquivos brasileiros de
higiene mental, Ano 2, Número 2, Novembro 1929, p. 78 . Disponível em: <
http://www.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno2N2Nov1929.pdf> acessado em 22 mar. 16. Miguel Couto
outras vezes se pronunciou contra o alcoolismo. Em discurso na Associação Brasileira de Educação, em 2 de
julho de 1927, por exemplo, falava da ação do álcool como fator de degeneração do indivíduo e da raça.
206
Fernando Magalhães nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1878. Doutorou-se na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, em 1899. Tornou-se, no ano de 1900, professor de ginecologia e obstetrícia na
mesma instituição.
207
Discurso do prof. Fernando Magalhães. In: Arquivos brasileiros de higiene mental, Ano 2, Número 2,
Novembro 1929, p. 81 . Disponível em: < http://www.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno2N2Nov1929.pdf>
acessado em 22 mar. 16.
62

Renato Kehl concordava sobre a ação “degeneradora” do álcool. O autor de “Lições de


eugenia” dedicava-se em sua nona lição a explicar a relação entre alcoolismo e prole, ou seja,
as consequências hereditárias do primeiro. O médico e farmacêutico apresentava algumas
estatísticas:
Quando só o pai é alcoolista, verificam-se 58% de casos de esterilidade, 22% de
natimortos, 20% de vivos, porém todos doentes, fracos, epilépticos. Quando é a mãe,
verificam-se 25% de casos de esterilidade, 25% de natimortos e 50% de indivíduos
normais. Como se vê, a intoxicação alcoólica paterna é predominante e mais grave.
Quando ambos são alcoólatras, pai e mãe, mesmo discretos, as consequências
tornam-se fatais, registrando-se 50% de natimortos, 50% de psychastenicos (sic) e
de degenerados de várias ordens.208

Kehl, assim como Miguel Couto, acreditava que se tornavam alcoólatras sobretudo
aqueles tinham tendências ancestrais ao vício. O álcool supostamente causava “desordens
blastoftóricas”, em outras palavras, deteriorava as células reprodutoras, de modo que,
conforme os números apresentados por Kehl, os filhos de dependentes químicos, na maioria
das vezes, nasciam com degenerações físicas ou mentais. Segundo Miguel Couto: “A
beberonia (sic) dos pais prolonga-se nos filhos através do óvulo; pais bêbedos, filhos
beberrazes, netos criminosos”.209 Pode-se dizer que os médicos desse período já
compartilhavam das descobertas científicas atuais que associam o alcoolismo com questões
genéticas além de sociais.
Todavia, no início do século XX, o alcoolismo é encarado para os médicos eugenistas
como um “veneno racial”. De modo que para Renato Kehl as pessoas que possuíssem esse
vício não deveriam se casar pelo menos até que estivessem por um longo período se abstido
das bebidas ou “tóxicos”. Caso fossem casadas, o eugenista aconselhava que não colocassem
“suas sementes avariadas” em contato com “as células do sexo oposto, fecundando-as”.210 O
médico Estellita Ribas contava em sua tese um exemplo particular da herança nociva do
alcoolismo, assim dizia:
Conheci um casal, aliás abastado, cujo chefe era um alcoólatra incorrigível. Deste
matrimônio nasceram quatro filhos, dois casais. O filho mais velho há muito que
faleceu de tuberculose. O mais jovem, ainda vivo, é imbecil. Das duas filhas
existentes a mais idosa é caquética, neurastênica; a irmã mais moça acha-se,
presentemente, sob o domínio da peste branca. Tudo é obra do álcool, que, não
contente de inutilizar o indivíduo faz espelhar na progênie os estigmas da
decadência como um pecado original!211

208
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit., 1929, p. 112.
209
COUTO, Miguel. Discurso de 2 de Julho de 1927 na Associação Brasileira de Educação apud RIBAS,
Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., p. 46.
210
KEHL, Renato. Por que sou eugenista. op. cit, 1937, p. 62.
211
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 47.
63

Na mesma obra, Ribas apresentava um esboço de uma legislação referente ao exame


pré-nupcial. O casamento só ocorreria mediante apresentação do certificado médico atestando
sanidade física e mental. No esboço, Ribas indica algumas moléstias que se detectadas pelo
médico por meio exames laboratoriais levariam ao veto matrimonial. Destacava então que os
portadores de doenças venéreas, epilepsia, lepra e tuberculose, taras hereditárias nervosas e
“ébrios habituais” ou “indivíduos reconhecidamente alcoólatras” teriam seu certificado
médico negado, logo estariam impedidos de se casarem até que realizassem um novo exame
que atestasse sua boa saúde.212
Conforme nota-se, além das medidas supracitadas como aumento de impostos nas
bebidas e criação da lei seca, os médicos defendiam o exame pré-nupcial como uma forma de
combater o alcoolismo, especialmente para as gerações futuras. Para o médico Antônio Vita,
não apenas alcoolismo, mas outros “vícios de intoxicação” como o uso de cocaína e morfina
agiam sinonimamente sobre a descendência. Segundo ele “o exame [nupcial] prévio das
vítimas poderá inibir o casamento, acautelando dessa forma a prole futura que fatalmente virá
tarada e predisposta ao mesmo vício dos pais”.213
De modo semelhante Darcy Mattos afirmava: “Na questão do exame pré-nupcial
também devemos incluir a questão do álcool, a fim de que possamos evitar uma descendência
imperfeita”.214 Assim, se o alcoolismo não se extinguia com o sujeito, para Mattos havia
razões mais que justas para que aos alcóolatras fossem “fechadas as portas do casamento”. O
mesmo questionava: “Se os alcoólatras são, pois, candidatos aos hospícios, às prisões, aos
hospitais, etc...e que sua prole vem sofrer, por hereditariedade, as consequências da
intoxicação alcoólica, por que não devemos proibir também que tais indivíduos se casem?”.215
Supõe-se que os eugenistas não viam problemas em restringir a liberdade dos
indivíduos quando estes representavam, em sua opinião, um perigo à raça. Ao contrário, lhes
parecia justo que intervissem em seus corpos, estabelecendo um controle da espécie. A
eliminação do “perigo biológico” supostamente era necessária para o fortalecimento da nação
e da espécie, seguindo o pensamento de que “a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do
degenerado, ou do anormal) é o que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais
pura”.216

212
Ibidem, p. 71-2.
213
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., 1920, p. 42.
214
MATTOS, Darcy Moraes de. Exame pré-nupcial. op. cit., 1929, p. 71.
215
Ibidem, p. 70.
216
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade . op. cit., 2005, p. 305.
64

1.3.2 Doenças Mentais

A relação entre hereditariedade e degeneração estava clara para os adeptos da eugenia.


Para combater a última recorria-se a primeira. No primeiro número do Boletim de Eugenia,
afirmava-se que as medidas eugênicas seriam fundamentais para combater a propagação das
doenças mentais. Segundo o psiquiatra Alberto Farani, o número de “degenerados mentais”
aumentava constantemente. Diante deste fato, a sociedade precisava tomar medidas para
reverter essa situação, entre os métodos sugeridos, Farani destacava a restrição matrimonial
ou a esterilização, medidas que, portanto, cessavam a transmissão hereditária destes males.217
Os médicos acreditavam que algumas destas degenerações mentais eram acarretadas
pela sífilis e pelo alcoolismo. A epilepsia e a “imbecialidade”, por exemplo, poderiam ser
ocasionadas por tais moléstias. De acordo com o médico Nestor Solano Pereira, a
hereditariedade das doenças mentais poderia ser similar ou dissimilar. No primeiro caso, a
mesma doença do ascendente surgiria no descendente, no segundo, surgiria uma afecção
diversa. Assim, para o médico, os parentes de um “maníaco depressivo” poderiam ser
psicopatas ou “dementes precoces excêntricos”.218
Pensando na profilaxia às psicoses transmitidas pela hereditariedade, Pereira possuía a
mesma noção de Farani, afirmando a necessidade de se recorrer à ciência de Galton; a
eugenia. A medida profilática em relação às degenerações suscetíveis à propagação por
gerações seria então “interditar aos degenerados à reprodução”. Contudo, diferentemente de
Farani que em seu artigo apontava as vantagens da esterilização, Pereira afirmava que esta
medida seria radical e violenta, além de ineficaz “dado a grande escala que deveria ser
aplicada”.219
Nestor Pereira acreditava que era mais interessante investir na propaganda e educação
eugênica, ou seja, trazer esclarecimentos à população sobre a hereditariedade e a própria
eugenia: “[...] a fim de evitar a reprodução aos portadores de graves taras de degeneração
física ou mental [...] o que se poderá fazer no presente é aconselhar aos membros dessas
famílias a não se casarem sob a pena de ter uma descendência infeliz”220, todavia,
demonstrava-se favorável ao exame pré-nupcial e à criação de leis que estabelecessem a

217
FARANI, Alberto. Como evitar as proles degeneradas?. In: Boletim de Eugenia. Ano III, n. 35, novembro de
1931, p. 6. Disponível em <http://www.ppi.uem.br/gephe/BE/BEAno3N34Out1931.pdf> acessado em 25 mar.
2016.
218
PEREIRA, Nestor Solano. Prophylaxia Mental. Tese apresentada à Faculdade de Medicina de São Paulo. São
Paulo: Irmãos Ferraz, 1928, p. 31.
219
Ibidem, p. 54.
220
Ibidem.
65

interdição matrimonial aos indivíduos considerados degenerados ou o que ele chamava de


“regulamentação legal do casamento”.
Em sua tese o médico Antônio Vita afirmava que o exame pré-nupcial era uma medida
importante a fim de que alguns doentes mentais fossem impedidos de se casarem e se
reproduzirem:
O exame pré-nupcial como se depreende deste escorço é de infinita utilidade para
um povo em formação como o nosso, a juízo de comissões médicas competentes e
hábeis no manejo da semiologia especial desses casos; é verdade, reconhecemol-o
(sic) de boa vontade, levantar-se-ão tropeços nesse caminho, principalmente neste
ponto de vista – doenças do psiquismo – e existirão casos difíceis insolúveis. As
vantagens entretanto hão de se manifestar aos poucos, pela compreensão gradual do
seu papel, que o brasileiro começa hoje a ver, entrando depois naturalmente a fazer
parte dos preceitos e deveres que casa um tem a realizar em favor da família e da
nacionalidade.221

Diante dos vários tipos de supostas degenerações mentais, caberia ao médico


determinar se o indivíduo estaria apto ou não para se casar. Conforme demonstra a médica
ginecologista Juana M. Lopes, nem sempre havia um consenso médico quanto às interdições
matrimoniais no caso daqueles que possuíam as chamadas “psicoses cíclicas” ou
“ciclotímicos”, “esquizotímicos”, enfim, personalidades que desviam do “homem do tipo
médio da raça”, mas que não configuravam traços psicóticos.222 Consequentemente, caberia
ao médico responsável analisar cada caso. Este avaliaria se tais desvios comprometeriam às
futuras proles ou não. A decisão do médico, mesmo nesses casos nos quais não existia um
consenso entre os pares, era sempre tida como mais acertada e imparcial que a dos futuros
cônjuges.
Segundo médicos psiquiatras, os suicídios poderiam ser decorrentes de patologias
mentais ou não. Existiriam sujeitos com uma maior tendência ao suicídio, tal predisposição
era chamada de “suicidothymia”. Por este motivo os fatores sociais eram vistos como
secundários:
É assim que as desventuras de amor, os desgostos de família, a miséria, as
infelicidades em negocias e tantos outros motivos considerados como causas do
suicídio não conseguem levar o homem a esse gesto trágico senão no caso
especialíssimo de achar-se num daqueles períodos de “suicidothymia”. 223

221
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., pp. 44-5.
222
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental. op. cit., 1933,
pp. 13-6.
223
CALDAS, Mirandolino. As causas e a prophylaxia do suicídio. In: Archivos Brasileiros de Hygiene Mental,
Ano II, n. 3, 1929, p. 114. Disponível em: <http://old.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno2N3Dez1929.pdf>
acessado em 16 Jul. 2016.
66

Além da hipótese de quadro patológico, o discurso médico defendia que o suicídio era
uma disfunção determinada por questões individuais e morais. O suicida era visto como um
louco, um fraco. Essa loucura muitas vezes provinha das paixões, por meio das ditas leituras
contagiosas como livros de romances e dos fait-divers publicados na imprensa brasileira
relatando os casos de suicídio, contando com detalhes, nem sempre verdadeiros, todos os
momentos finais da vida do indivíduo, métodos empregados, etc. Assim o suicídio também
estava relacionado a questões morais, sendo resultado de uma disfunção individual e não
social.224
[...] o grande propagador do suicídio é hoje constituído pela imprensa. Sim, a
imprensa a intoxicar diariamente o espírito fraco dos que já premeditando o
atentado, com os romances sentimentais bordados em torno de fatos concretos, e que
ela todos os dias está a elaborar a respeito de qualquer caso banal de suicídio. 225

A seguir o médico Xavier de Oliveira recomendava para a profilaxia do suicídio um


acordo com a imprensa que visasse restringir as reportagens sobre o suicídio. O mesmo
aconselhava não publicar os retratos dos suicidas nem quaisquer declarações escritas destes,
jamais publicar seus nomes, apenas suas iniciais. Nem tampouco fazer referências ao sexo,
idade, estado civil.226
Para Mirandolino Caldas o suicida era “vítima indefesa de uma constituição
patológica”. Ora, se o suicida era doente, a medicina deveria intervir, não deixando tais
indivíduos desamparados, entregues a sua fraqueza. Além dos recursos higiênicos e
terapêuticos para aqueles “infelizes” que não puderam fugir à sina de uma dita tendência
“suicidógena”, para a profilaxia dos suicídios era preciso combater a hereditariedade mórbida.
A resposta para isto seria, segundo Caldas, encontrada na Eugenia.227
Assim, apesar de não se ter encontrado nas propostas do exame pré-nupcial algo
relacionado diretamente aos suicídios, entende-se que tais sujeitos eram vistos pelos médicos
como degenerados, seja por uma condição patológica ou pelo seu comportamento
supostamente desregrado, vistos como seres de “espírito fraco”, entregues às paixões. Pode-se
inferir que por combater a “hereditariedade mórbida” ou a suposta tendência ao suicídio por
meio da eugenia entendia-se submeter à população às medidas eugênicas, sejam elas

224
GUIMARÃES, Valéria. Notícias diversas. op. cit., 2013, pp. 104-5.
225
OLIVEIRA, Xavier de. Da prophylaxia do suicídio. In: Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, Ano I, n. 2,
1925, p. 79-81. Disponível em: < http://old.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno1N21925.pdf> acessado em
16. Jul. 2016.
226
Ibidem, p. 81.
227
CALDAS, Mirandolino. As causas e a prophylaxia do suicídio. In: Archivos Brasileiros de Hygiene Mental.
op. cit., 1929, p. 115.
67

educativas ou por meio da não-reprodução dos degenerados; pelo exame pré-nupcial ou pela
esterilização.

1.3.3 Casamentos consanguíneos

Não só as doenças – sejam elas de cunho moral ou genético, ou ambos como vimos –
poderiam comprometer os nascimentos sadios. A consanguinidade, ou seja, a união entre
parentes de graus próximos, segundo a crença popular e até mesmo alguns estudiosos,
causava degenerações à prole. Diante desta constatação, alguns eugenistas se opunham a estas
uniões. O médico Antônio Vita afirmava em sua tese “Do valor eugênico do exame pré-
nupcial” (1920) que os filhos de um casal com grau de parentesco próximo em geral nasciam
raquíticos, com más formações congênitas, surdo-mudez, etc.228
Entretanto, Vita afirma que não havia um consenso sobre a consanguinidade causar
tais estigmas negativos. Ele cita casos de zootecnia, por exemplo, nos quais animais que
provinham do “ajuntamento sucessivo de pais e filhas e vice-versa” em nada apresentavam
degenerações, pelo contrário, notava-se um melhoramento da raça.229 O médico então
concluía que a eugenia não pretendia impedir a união entre ascendentes com descendentes até
terceiro grau, como colocado no art. 183 do Código Civil de 1916, mas que interessava aos
eugenistas impedir transmissão de “taras hereditárias” ou da “consanguinidade mórbida”. Ora,
a existência ou não destas deveria ser verificada por meio do exame médico antes das núpcias.
Do ponto de vista racial, portanto, “eliminando assim as fontes de vida deterioradas e
incapazes de realizarem a altíssima missão de gerar homens”.230
Segundo Afrânio Peixoto quando os progenitores eram sãos, mesmo que fossem
parentes, os filhos nasciam perfeitos. Com efeito, quando “tarados” tal degeneração
apresentava-se na descendência. Peixoto entendia que o horror ao incesto se fixou na
sociedade por motivos históricos e religiosos. No entanto nada comprovava a degeneração
racial:
A sociedade condena esses casamentos como incestuosos. A nossa lei estendeu o
tabu aos sobrinhos e tios. O receio da consanguinidade não procede da ciência, para
pureza e perfeição da raça. É exato que parentes próximos tem as mesmas taras, que
se somam. Mas não é o mal serem parentes senão serem tarados. Em vez de cega,

228
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., 1920, p. 30.
229
Ibidem.
230
Ibidem, p. 32.
68

continuando o tabu primitivo a lei devia impedir, o casamento dos degenerados,


parentes ou não.231

O geneticista Octavio Domingues concordava, dizendo que as experimentações


biológicas comprovavam que as boas ou más consequências das uniões consanguíneas
dependiam da composição genética dos indivíduos acasalados.232 Renato Kehl também se
dedicou a explanar sobre o assunto. Segundo ele, a crença popular dizia que tais uniões eram
perniciosas à raça. Mas baseando-se nos princípios da hereditariedade, Kehl dizia que quando
se casavam dois indivíduos consanguíneos fortes, os filhos destes também seriam fortes.
Assim, a consanguinidade não acarretava taras ou anomalias. O eugenista assumia que alguns
cientistas que consideravam tais casamentos como nefastos. Contudo, do seu ponto de vista as
uniões deveras preocupantes eram os “matrimônios entre tarados”. Renato Kehl considerava
então:
[...] de quando em vez é indispensável o caldeamento de um sangue estranho para
reavivar as boas qualidades e dissipar os efeitos nocivos acumulados pela
consanguinidade. Se isso não for feito, uma raça apurada começa a diminuir de
talhe, a restringir sua fecundidade e perder o seu vigor.233

Kehl acreditava que os candidatos ao casamento precisavam passar pelo parecer de um


médico. No caso das uniões consanguíneas seria fundamental avaliar se a família dos
nubentes possuía alguma tara. Entretanto, acreditava que era impossível que o médico
examinador tivesse certeza da inexistência de “tara familiar”. Existiam algumas “aberrações”
tão insignificantes que poderiam passar despercebidas aos olhos do examinador. Essas
pequenas degenerações existentes nos indivíduos da mesma família muitas vezes
insignificantes aos portadores, seriam “somadas” na prole. Por exemplo:
[...] um indivíduo é portador de uma tara nevropática (sic) mínima, a qual passa
completamente despercebida e a mulher consanguínea, em condições idênticas,
recebe-o como esposo. O produto de duas frações nevroticas somadas originará,
fatalmente, uma psicose de maior quilate que irá patentear-se na vítima
descendente.234

Deste modo, Renato Kehl concluía, pelo fato de não haver um critério seguro para
consentir-se ou não o matrimônio entre parentes, o art. 183 do Código Civil, era uma lei sábia
por inibir estas uniões. O médico eugenista considerava então que era melhor para a raça que

231
PEIXOTO, Afrânio. Novos rumos da medicina legal. op. cit., 1932, p. 25.
232
DOMINGUES, Octavio. Eugenia: seus propósitos, suas bases, seus meios (em cinco lições). São Paulo:
Companhia editora nacional, 1942, p. 265.
233
KEHL, Renato. Eugenia e Medicina social. op. cit., 1923, p. 235.
234
Ibidem, p. 233-4.
69

os casamentos consanguíneos fossem proibidos, pois segundo ele: “A consanguinidade tanto


serve para exaltar boas qualidades, o que é raro, na espécie humana, como para multiplicar as
más, o que é regra”235.
As concepções de Kehl sobre os casamentos consanguíneos assemelham-se ao que
hoje em dia se sabe sobre estas uniões e seus riscos. De fato, a consanguinidade pode trazer
riscos à futura prole, pois, os filhos podem receber um gene recessivo do pai e da mãe, assim,
essa dupla dose do gene recessivo pode manifestar alguma anomalia, que até então não havia
se manifestado nos pais. Por este motivo, ainda hoje essas uniões não são tão recomendáveis,
mas, caso se concretizem, necessitam de cuidados especiais.
Em trabalho apresentado ao Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia (1929), Renato
Kehl contava detalhes sobre o debate dos casamentos consanguíneos que vigorou
especialmente no ano de 1919 mediante a apresentação do projeto de lei de Elói de Souza e
Álvaro de Carvalho ao Senado que pretendia permitir a realização de casamento entre
parentes colaterais desde que fosse apresentado “motivo ponderoso” e um atestado médico
comprovando a sanidade dos nubentes.236 Percebe-se que não havia unanimidade quanto à
proibição destas uniões. Alguns batiam-se pela reforma do art. 183-IV do Código Civil, sendo
favoráveis à revogação da proibição de casamentos entre tio e sobrinho.
Em junho de 1919, a Sociedade Eugênica de São Paulo convocou uma reunião para
discutir tal proposta. Na ocasião Renato Kehl, Oscar Freire de Carvalho, Eduardo Monteiro,
Thomé de Alvarenga e Fernando Azevedo manifestaram sua preferência pela proibição dos
casamentos consanguíneos. Deste modo, existia um debate entre “anti-consanguinistas” e
“consanguinistas”, sendo que entre estes últimos é citado o dr. José Carlos Macedo Soares.
Apesar disso, aparentemente, os médicos eugenistas contrários aos casamentos consanguíneos
eram maioria. A Sociedade Eugênica de São Paulo se posicionou contra tais uniões, julgando
sábia a legislação proibitiva destas.237
A oposição da reforma do art. 183-IV provinha também da Academia Nacional de
Medicina e do Instituto dos Advogados de São Paulo e do Rio de Janeiro. De modo que o
projeto não pôde ser convertido em lei. Uma vitória para o movimento eugênico no terreno da
profilaxia matrimonial.238

235
Ibidem, p. 233.
236
CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. op. cit., 1942, p. 152.
237
KEHL, Renato. A eugenia no Brasil. In: Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, op. cit., p. 55-6.
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral: pensamento médico e comportamento no Brasil
(1870-1930). São Paulo: Editora UNESP, 1998, p. 202.
238
KEHL, Renato. A eugenia no Brasil. In: Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, op. cit., 1929, p. 55.
70

O Código Civil brasileiro de 1916, portanto, já trazia o impedimento matrimonial às


uniões consanguíneas. Na falta de um consenso sobre os males à prole que tais casamentos
poderiam ocasionar, os prosélitos da eugenia, em sua maioria, acreditavam que a legislação
era sábia ao proibi-los. Assim, o exame médico pré-nupcial não traria nenhuma novidade
neste aspecto – pois o impedimento às uniões entre parentes já era prevista por lei. Mas
considerou-se importante destacar aqui que para os eugenistas os casamentos consanguíneos
poderiam ser nocivos à raça, logo, na visão destes, o Código Civil fazia bem ao impedi-los.

1.3.4 Idade para casar

Quando se tratava da busca pelos “casamentos eugênicos” a idade dos nubentes


também era levada em questão. Os eugenistas discutiam quais eram as idades que os
indivíduos deveriam preferencialmente se casar. Fariam então outras críticas ao Código Civil
brasileiro vigente desde 1916. A legislação estabelecia idades mínimas para o casamento: para
as mulheres dezesseis anos e os homens dezoito.
No entanto, no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, alguns médicos criticavam
tal generalização, estabelecendo uma idade mínima para todos os indivíduos, sendo que para o
antropólogo Roquette-Pinto239 (1884-1954) a puberdade aparecia em diferentes idades, o
mesmo sugeria então que o Código Civil ao invés de estabelecer condições gerais para o
casamento, deveria pautar-se em condições individuais, levando em consideração fatores
biológicos, patológicos, morais e intelectuais.240
Joaquim Moreira da Fonseca (1886-1970) apresentou um trabalho no mesmo
Congresso, intitulado “Casamento e eugenia”. Já de início o médico afirmava que o
matrimônio deveria ocorrer quando os nubentes apresentassem boas condições de saúde e
completo desenvolvimento físico. Por este motivo, assim como o antropólogo Roquette-Pinto,
Fonseca criticava a legislação brasileira por estabelecer uma idade mínima a todos os
indivíduos para a realização do casamento. Segundo ele, haviam meninas de dezessete anos,
por exemplo, que não teriam ainda o completo desenvolvimento de seus órgãos sexuais, o que

239
Edgard Roquette-Pinto formou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1905. Foi professor de
Antropologia do Museu Nacional, instituição que mais tarde viria a presidir. Presidiu também o Primeiro
Congresso Brasileiro de Eugenia (1929). Possuindo uma concepção diferente de Kehl (após a década de 1920),
em sua obra Rondônia - Antropologia etnográfica, Roquette-Pinto afirmava que a miscigenação brasileira não
gerava tipos degenerados ou inferiores.
240
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, op. cit., 1929, p. 33.
71

incapacitava a realização de “prole válida”. Enquanto que existiam outras que aos quinze anos
já se encontravam em “plena maturidade sexual”.241
Fonseca fazia críticas aos casamentos precoces, estes, em sua opinião, trariam
prejuízos à raça, além de muitas vezes serem supostamente a causa da mortalidade infantil.
Souza Lima sugeria que as idades mínimas permitidas para a realização do matrimônio
deveriam ser alteradas, para os homens por volta dos vinte anos e para as mulheres aos
dezessete.242 Para Fonseca, antes desta idade as mulheres não teriam o diâmetro da bacia ideal
para a realização do parto normal. Assim, considerava um erro grave pensar que os sinais de
puberdade bastariam para autorizar um casamento, sendo necessário avaliar outros requisitos
que atestassem condições fisiológicas para a gravidez e boa formação da prole.243
Se os casamentos precoces deveriam ser desaconselhados os casamentos tardios
também apresentavam inconvenientes do ponto de vista de Fonseca. Francis Galton afirmava
que os casamentos aos 22 anos eram quatro vezes mais prolíficos que os matrimônios aos 33
anos.244 Segundo Fonseca, a mulher que engravidava em idade avançada apresentaria
dificuldades no parto. Os homens depois dos sessenta anos não eram os “melhores
elementos”, do ponto de vista eugênico, para a reprodução. De tal modo, de acordo com o
médico, a legislação brasileira deveria estabelecer limites de idade máxima para o casamento:
É indispensável pois, que se procure corrigir esse inconveniente de nossas leis sobre
o casamento, que nem sempre defendem os interesses supremos da raça. Para isso o
mais prático seria fazer com que o exame pré-nupcial atenda também a esse ponto
na escolha dos cônjuges, adiando a união dos que por incompleto desenvolvimento
da função procriadora ainda não estejam em condições de realizar uma prole
sadia.245

Joaquim Fonseca concluía que, diante da influência da idade dos nubentes sobre a
formação da prole, o casamento deveria ser realizado possível por meio do exame médico pré-
nupcial, pois desta forma o especialista analisaria individualmente cada um dos candidatos ao
matrimônio. Adiando então a união daqueles que ainda não apresentassem um completo
desenvolvimento de seu corpo, ideal para gerar uma descendência eugênica. Assim como
impedindo o casamento daqueles que fossem considerados em idade muito avançada, já que

241
FONSECA, Joaquim Moreira da. Casamento e eugenia. In: Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, op.
cit., 1929, p. 299.
242
FONSECA citando Souza Lima, Ibidem, p. 300.
243
Ibidem, p. 301.
244
KEHL, Renato. Aparas eugênicas: Sexo e Civilização. Livraria Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1933, p.
366.
245
Ibidem, p. 303.
72

estes, supostamente, teriam seus órgãos reprodutores já enfraquecidos e por vezes inaptos
para a procriação eugênica.

1.4 O ideal: casamentos eugênicos

Os médicos tinham muito a dizer sobre os casamentos nas primeiras décadas do século
XX.246 São várias as teses defendidas nas Faculdades de Medicina do país nas quais se
abordava a relação entre medicina, moral e casamentos. Era comum que os médicos
apresentassem as benesses do matrimônio, apontando que os casados viviam mais que os
indivíduos solteiros, por exemplo.
Para os tais profissionais, o casamento representava a moralidade, civilidade e bons
costumes. A vida dos solteiros, por sua vez, muitas vezes aparecia relacionada à boêmia e às
paixões, que supostamente acarretavam uma série de comportamentos considerados
desregrados. Os casados, ao contrário, teriam uma vida mais sadia, regulada, o que
prolongava sua existência.247
As paixões eram perigosas e doentias, segundo os discursos médicos. Podiam levar o
indivíduo à loucura e ao crime, além de ser apontada frequentemente como a causa dos
suicídios.248 As estatísticas apontavam que o número de suicídios entre os solteiros era maior
que entre os casados:
Isto serviu de argumento para a campanha do casamento civil, empreendida pelos
órgãos oficiais. O objetivo era combater o casamento informal ou o religioso, este
último identificado como o passado de crença e superstição que o “progresso” queria
aniquilar.249

O casamento civil era importante ao controle de dados e estatísticas precisas sobre a


população e a consequente intervenção nesta. Segundo Foucault, por meio da centralização da
informação das taxas de natalidade, mortalidade, reprodução, etc, a biopolítica extrai seu
saber e define o campo de intervenção de seu poder.250 Conforme observou-se, a efetuação do
próprio exame médico pré-nupcial, pensado pelos eugenistas, dependia da realização dos
casamentos civis. Este propiciava de fato um maior controle da população. Assim, em
246
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral: Pensamento médico e comportamento no Brasil
(1870 – 1930). São Paulo: Editora UNESP, 1998, p. 193.
247
Ibidem, p. 195.
248
GUIMARÃES, Valéria. Notícias Diversas. op. cit., 2013, p. 88.
249
Ibidem, p. 147.
250
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. op. cit., 2005, p. 291.
73

detrimento das cerimônias eclesiásticas, os discursos médicos e oficiais passarão a relacionar


a união civil à civilidade.251
Outro ponto relevante é destacado pelo autor Jurandir Freire Costa que nota uma
mudança na percepção do matrimônio, principalmente com o advento das ideias médicas
higienitas. O autor afirma que no período colonial os casamentos pautavam-se “sob a égide
das razões ou interesses familiares”.252 Ou seja, muitas vezes as uniões ocorriam por
motivações econômicas e sociais dos pais dos pretendentes. Por este motivo, nesse período
ainda eram comuns os casamentos consanguíneos, pois era uma forma de preservar a riqueza
ou status da família. Pelas mesmas razões, a grande diferença de idade entre cônjuges não era
um empecilho. Todavia, a partir do século XIX, em razão das noções higienistas “as
preliminares do bom casamento mudaram de tom”. A partir de então o casamento não deveria
mais justificar-se apenas por interesses particulares, era preciso se ater a um compromisso
com a raça e o Estado. Logo, do ponto de vista higienista, a escolha do cônjuge e a função do
casamento giravam entorno do objetivo de obter filhos fortes e saudáveis.253
O discurso higiênico trazia novos critérios e regras para o ideal de matrimônio. Os
nubentes deveriam avaliar primordialmente a moral e saúde de seus futuros companheiros. Os
casamentos que visavam apenas riquezas materiais tornaram-se condenáveis: “o dinheiro e
status social herdados só mereciam reverência quando aliados a uma boa saúde física e uma
boa constituição moral”.254
Com a difusão da eugenia ao Brasil a questão matrimonial se manteve presente e
sendo amplamente discutida, uma vez que a ciência desenvolvida por Francis Galton
apregoava que “a humanidade só poderia ser aprimorada se os matrimônios fossem
selecionados”.255 Segundo a autora Nancy Stepan: “os eugenistas pensavam a reprodução não
apenas como uma atividade individual, consequência da sexualidade humana, mas como
responsabilidade coletiva que levava à produção de boa ou má hereditariedade”.256
Os eugenistas brasileiros elegeram os principais tipos considerados degenerados e
inaptos à procriação, conforme colocamos anteriormente. Além dos males de ordem moral, os
maiores “venenos raciais” eram aqueles supostamente hereditários, em outras palavras, do

251
GUIMARÃES, Valéria. Notícias diversas. op. cit., 2013, p. 148.
252
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1989, p. 216.
253
Ibidem, p. 218-20.
254
Ibidem, p. 222.
255
CASTAÑEDA, Luzia Aurelia. Eugenia e casamento. In: História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 10(3),
set.-dez. 2003, p. 910. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v10n3/19305.pdf> acessado em 03 abr.
2016.
256
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 115.
74

ponto de vista eugênico, sobretudo os portadores de moléstias ou anomalias hereditárias,


possuíam estigmas comprometedores ao melhoramento racial. Como forma de barrar a
transmissão desta suposta “má descendência”, buscaram intervir nos casamentos, pois estes
seriam “um dos instrumentos mais eficazes para a melhoria da humanidade”.257
O médico Antônio Vita estabelecia uma relação entre eugenia e função reprodutiva,
afirmava que era no casamento que esta função exercia seu papel e se colocava em atividade.
Assim do ponto de vista eugênico, o ideal era que os jovens solteiros permanecessem castos
até se casarem. A vida sexual, nessa esteira, deveria iniciar após o matrimônio. Assim,
casamento e reprodução possuíam uma íntima ligação para os eugenistas.258
Como apresentou-se no item anterior, existiam casamentos a serem evitados ou
impedidos, segundo os adeptos da ciência de Galton. De tal forma, os mesmos buscaram
propagandear um tipo ideal de matrimônio, chamando a atenção da sociedade para quais
deveriam ser cuidados na escolha do esposo(a). Muitas vezes diziam que era necessária
“educação eugênica” do povo brasileiro, explicar e divulgar as ideias para que a populações
compreendesse sua importância.
A escolha dos cônjuges era tão cara aos eugenistas que Renato Kehl escreveu dois
livros abordando especificamente esta temática “Como escolher um bom marido: regras
praticas”(1923) e “Como escolher uma boa esposa” (1925). O primeiro título foi rapidamente
esgotado sendo reeditado em 1935, além disso, ambas as obras foram bem recebidas pela
imprensa no período.259 O ideal era que os indivíduos fortes, belos e sadios se cassassem e
constituíssem sua família com pessoas detentoras das mesmas características. Os nubentes,
segundo o Kehl, deveriam procurar conhecer bem a “ascendência familiar” do parceiro(a) que
escolhessem, observando se os pais e irmãos tinham alguma tara ou moléstia. O eugenista
ainda recomendava que se evitassem se casar com parentes próximos e pessoas de raças
diferentes.260 Além disso, aconselhava as pessoas a se casarem com aqueles que tivessem a
mesma classe social, evitando sobretudo, se casar com um indivíduo de classe inferior, pois
em sua opinião não haveria harmonia duradoura entre casais de condições diferentes. 261 Aqui,
portanto, fica evidente, conforme nota a autora Beltrão Marques, que as medidas eugênicas
ditas biológicas, pretendiam manter as diferenças sociais e as desigualdades.262

257
CASTAÑEDA, op. cit., 2003, p. 913.
258
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., 1920, p. 53.
259
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral. op. cit., 1998, p. 193.
260
CASTAÑEDA, op. cit., 2003, p. 917.
261
KEHL, Renato. Porque sou eugenista. op. cit., 1937, p. 65.
262
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. op. cit., 1994, p. 42.
75

Ainda segundo Kehl: “os indivíduos sadios, com ascendência sadia, devem escolher,
criteriosamente, os cônjuges com os quais vão se unir matrimonialmente. Não se deve lançar
boas sementes em maus terrenos ou em terrenos não preparados”.263 Os eugenistas buscavam
apontar as vantagens do casamento “sadio” e as penúrias de um casamento considerado
disgênico. Assim, atribuíam uma grande responsabilidade ao que pensavam ser uma
instituição “primordial, capital, necessária”.264 De tal modo, concordavam com os higienistas
quanto a uma função mais elevada dos matrimônios, que dizia respeito, portanto, a interesses
maiores que apenas aqueles individuais. Criticava, então o médico Estelitta Ribas dizendo:
Há muita gente que se casa, porque não dizer a maioria? Consultando apenas os seus
interesses particulares e sobrepondo estes aos da família, da sociedade, da raça e da
Pátria. Até aqui tem sido mais ou menos uma união cega impelida pelo amor,
quando não por interesses de todo em todo inconfessáveis e repugnantes. 265

Muito embora as uniões ocorressem, na maioria das vezes, motivadas por razões
distantes dos ideais eugênicos e higiênicos, os médicos e intelectuais em geral concordavam
que o matrimônio era uma “medida benemérita sob o tríplice aspecto moral, social e
religioso”.266 Sendo considerado ainda como uma necessidade social, capaz de regular as
relações sexuais. Segundo a autora Letícia Fagundes de Oliveira, os eugenistas voltaram sua
atenção ao casamento, pois tinham “o intuito de padronizar ou ainda normalizar as relações
entre os sexos”267, nele seria possível o desenvolvimento da “sexualidade perfeita”. Buscou-se
investir na sexualidade entre os casados, pois esta seria uma forma de manter os indivíduos,
sobretudo os homens, afastados da prostituição, que supostamente os expunha às doenças
venéreas.268
Era imprescindível que os fundamentos eugênicos fossem introduzidos nos costumes e
nas leis. Baseado nos preceitos da hereditariedade, a população deveria ser conscientizada da
importância do casamento para a raça e a sociedade em geral. Se tais feitos se concretizassem,
os benefícios supostamente seriam muitos, segundo Pedro Monteleone: “Os casamentos
eugenicamente orientados concorrerão para diminuir e atenuar os vícios de família, evitando a

263
KEHL, Renato. Porque sou eugenista. op. cit., 1937, p. 54.
264
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 22.
265
Ibidem, p. 24.
266
Ibidem, p. 26.
267
OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. A cruzada eugênica no Brasil: eugenia e sexualidade as décadas de 20 e 30.
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, para
obtenção do grau de mestre. São Paulo, 2003, p. 88.
268
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. op. cit., 1989, p. 229.
76

transmissão de disposições mórbidas de pais a filhos e a procriação de entidades mal


formadas, degeneradas, inúteis à família e à pátria”.269
Assim, os casamentos, segundo os médicos, traziam inúmeras vantagens aos
indivíduos. Longe de discordar disso, os eugenistas faziam uma ressalva, o casamento era de
fato vantajoso quando saudável e atendendo os demais requisitos eugênicos. As núpcias entre
sujeitos considerados degenerados em nada contribuía para o aprimoramento racial e seria,
inclusive, supostamente, uma fonte de infelicidade aos próprios cônjuges. Logo, em sua
arguição, os eugenistas apresentavam um suposto objetivo de garantir o bem-estar dos
indivíduos e da população, prolongando a vida e tornando-a mais sadia.
É possível perceber que para garantir a aceitação de seus enunciados, os eugenistas se
valeram de uma retórica persuasiva que garantisse sua validade e reconhecimento enquanto
conhecimento científico. O discurso eugênico pôde ser proferido e aceito porque se incluía
como “verdadeiro” dentro dos reconhecidos preceitos da biologia, além disso, as condições
históricas, políticas e sociais do país propiciaram sua difusão e assim como a emergência do
discurso médico intervencionista no Brasil, o que permitiu a formação de objetos como o
EPN. Afinal: “[...] não se pode falar qualquer coisa em qualquer época”.270 De tal modo, no
item a seguir a analisará as relações estabelecidas; processos políticos e sociais, entendendo
que estas permitem a aparição da defesa do EPN e sua justaposição a outros objetos e
discursos vigentes.

269
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., p. 28.
270
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987 [1969], p. 51.
77

CAPÍTULO 2. DEFENDENDO A INTERVENÇÃO

A proposta de tornar o exame médico pré-nupcial compulsório era bastante autoritária


uma vez que significava de fato uma grande intervenção social, pois os médicos, por meio de
um atestado, poderiam determinar quem se casaria ou não no país. Ao mesmo tempo, hoje
pode-se reconhecer que a pretendida política eugênica era ambiciosa e inexequível. Não
favoreciam a sua adoção as condições concretas apresentadas em um país de dimensões
continentais, sequer com acesso a serviços essenciais como saneamento básico e, ademais,
com um extenso número de uniões não oficiais, o que, na prática, inviabilizaria a imposição
da obrigatoriedade do exame ou, ao menos, não o tornaria universal como se queria. Então,
como exigir uma medida desse gênero? Os que assim o pretendiam se viam como portadores
de uma missão impossível? Mesmo que no presente sua inviabilidade possa parecer óbvia,
sobretudo porque se sabe que todas as tentativas foram malogradas, é preciso procurar
entender por quais razões o EPN pôde ser defendido e porque ele parecia válido aos olhos
daqueles homens.
Nesse capítulo investiga-se os principais argumentos utilizados pelos partidários do
exame. Porém, é indispensável compreender também quais são as condições de possibilidade
que permitem que uma medida deste tipo, tão invasiva no que tange à liberdade individual,
tenha sido amplamente defendida ao longo das primeiras décadas do século XX. Além do
contexto social e político, é necessário considerar o avanço da ciência e da medicina no
Brasil, no início do século XX, como elementos importantes para a consolidação das ideias
eugênicas e a propagação de suas medidas.

2.1 As condições de possibilidade da retórica eugênica no Brasil.

Primordialmente, esta análise volta-se sobretudo ao eixo Rio-São Paulo, pois, nestes
grandes centros acompanha-se o surgimento de instituições especializadas em eugenia. Isso,
contudo, não significa que o debate tenha ficado isolado nesses dois polos. Entretanto, dentro
dos limites dessa pesquisa, acredita-se que tal recorte espacial seja satisfatório para a
compreensão de como se deu a introdução de uma postura autoritária e paternalista, por parte
da elite modernizante brasileira em seus anseios de reforma e regeneração nacional. Tornando
possível assim a defesa de medidas como o exame médico pré-nupcial obrigatório.
78

O Rio de Janeiro irrompe o século XX marcado por uma série de transformações


advindas com o processo de abolição da escravidão e instauração da República em finais do
século XIX. As condições da Capital Federal do país eram prodigiosas em termos
econômicos, a cidade expressava-se como um grande centro comercial e populacional.271 O
número de pessoas que habitava a cidade era progressivo devido sobretudo à chegada de
imigrantes e ao êxodo rural associado à crise cafeeira: “Entre 1872 e 1890, a população do
Rio duplicara, passando de 274.972 para 522.651 habitantes. Em 1906, elevava-se para
811.444 habitantes. Era a única cidade do país com mais de 500 mil habitantes”272. Diante
dessa situação constituía-se um cenário convulsionado. Um grande contingente de pessoas
vivia em cortiços, precárias moradias insalubres na região central próxima ao porto do Rio de
Janeiro.
A nova elite brasileira, inspirada no racionalismo positivista e no darwinismo social,
acreditava que era preciso “ajustar o relógio” do Brasil que estava atrasado em relação às
nações europeias. Os primeiros governos republicanos logo se comprometeram em remover
os aspectos considerados coloniais e dar à Capital Federal, pensada como a vitrine do país, um
tom mais moderno e cosmopolita. Outrossim, para passar uma imagem de credibilidade ao
mundo era necessário efetuar um combate às várias epidemias e endemias, como a febre
amarela, a varíola, tuberculose, que assolavam a cidade e causavam medo naqueles que aqui
aportavam devido à sua imagem de “túmulo de estrangeiros”.273
Desde finais do século XIX, reformas foram conduzidas na cidade do Rio. O prefeito
Barata Ribeiro iniciou as mudanças da cidade. Intensificou a fiscalização da higiene e
saneamento, além disso, passou a empreender ações contra as habitações coletivas e
cortiços.274 É clássico o caso analisado pelo autor Sidney Chalhoub da demolição do cortiço
“Cabeça de Porco” no ano de 1893, medida esta que foi aclamada pela imprensa brasileira.275
Sob o suposto objetivo de modernizar e combater a insalubridade da cidade, as
reformas urbanas continuariam durante o governo do engenheiro urbanista Pereira Passos.
Inspirando-se na reforma urbana parisiense haussmanniana que havia acompanhado, o

271
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. op.cit., 1999, p. 27.
272
BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA,
Jorge; DELGADO, Lucília de A. N. (orgs). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente – da
Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 243.
273
SEVCENKO, Nicolau. Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:
SEVCENKO, Nicolau (org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1998, v. 3, p.
22.
274
RODRIGUES, Antônio E. M.; MELLO, Juliana O. B. de. As reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro:
uma história de contrastes. In: Acervo, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 19-53, jan./jun. 2015, p. 22.
275
CHAUHOUB, Sidney. Cidade febril. op. cit., p. 15.
79

prefeito possuía aval da Igreja, do presidente Rodrigues Alves (1902-1906) e da grande


imprensa para efetuar o “bota-abaixo”, isto é, a demolição os antigos casarões do centro do
Rio de Janeiro onde vivia a população pobre.276 A demolição dos cortiços parecia
imprescindível, pois, estes por um lado eram considerados pelos higienistas como focos
geradores de epidemias, dentre elas a febre amarela. Por outro, estes locais representavam
uma ameaça à ordem e à moralidade pública, devido aos hábitos e costumes de tradição
africana que deveriam ser reprimidos.277 Havia, dessa maneira, um projeto de higienização
não apenas dos espaços físicos, mas também uma “higienização” moral, que valorizava os
costumes europeus ditos civilizados, em detrimento de elementos da cultura popular e
africana que deveriam ser condenados – e na impossibilidade de seu total desaparecimento
deveriam ser ao menos excluídos visualmente da “vitrine”, isto é, a região central da
cidade.278
O governo não se mostrou preocupado com o destino dessas famílias pobres que
perdiam suas moradias, de forma que não houve nenhuma política que os realocasse ou que os
indenizasse de alguma forma. Diante disso, a única solução encontrada por essa gente
humilde era recolher os destroços das construções demolidas, seguir para os morros da cidade,
construindo ali seus barracos.279 Logo, as mudanças que supostamente civilizariam o Rio de
Janeiro, significavam, na verdade, uma “aristocratização da vida urbana”280 e não um
processo de democratização.
Rasgando boa parte da região central da cidade, a Avenida Central foi inaugurada em
1904. Nela foram criados bulevares, luxuosos prédios e importantes casas de comércio com
belas e imponentes fachadas, a iluminação pela energia elétrica também chegara ali. Tudo isso
contribuía para que a Avenida se tornasse “esteio da vida social e cultural da capital”281 e
revelasse o aspecto de modernidade e progresso almejado. Além disso, o Porto da cidade

276
RODRIGUES; MELLO, As reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro: uma história de contrastes. In:
Acervo, op. cit., p. 28.
277
SEVCENKO, op. cit., 1998, p. 21.
278
Apesar da criação dessas “muralhas”, José Adriano Fenerick observa que “os sons e a música, ao que parece
não respeitam muito essas paredes sócio-políticas”, pois o autor nota que havia uma relação entre membros das
camadas populares com integrantes das camadas médias e da elite social do país, dessa forma, o mesmo destaca
uma relativização da segregação do samba. (FENERICK, José Adriano. Nem do Morro, nem da cidade: as
transformações do samba e a Indústria Cultural 1920-1945). Tese apresentada ao Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. São Paulo, 2002, p.16.)
279
SEVCENKO, Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: Idem. (org.)
História da vida privada no Brasil. op. cit., 1998, p. 23.
280
Expressão usada por CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. op. cit., 1998, p. 121.
281
SEVCENKO, Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: Idem. (org.)
História da vida privada no Brasil. op. cit., p. 29.
80

cujas estruturas eram até então obsoletas, passou por uma reforma encampada pelo governo
federal.
Parecia evidente para os intelectuais, governantes e membros da elite, que a cidade do
Rio de Janeiro necessitava de reformas modernizadoras que a adequassem à nova realidade
econômica capitalista a qual o país se integrava de forma duvidosa e periférica. Além disso,
estes iam tomando consciência da necessidade de se investir na ciência e em projetos de
saneamento, especialmente diante das epidemias que ameaçavam a “valiosa força de
trabalho”282 tanto nas fazendas de café quanto nas fábricas e demais espaços urbanos.
Para o autor Gilberto Hochman, as epidemias levaram o tema da reforma urbano-
sanitária para a agenda pública, tornando possível o surgimento de “políticas de bem-estar”283.
Assim, o primeiro período republicano assiste ao “[...] crescimento de uma consciência entre
as elites em relação aos graves problemas sanitários do país e de um sentimento geral de que o
Estado nacional deveria assumir a responsabilidade pela saúde da população e salubridade do
território”.284
Hochman nota ainda o surgimento do que chamou de “consciência da interpendência
social”285. Esta consciência era proveniente sobretudo diante da ameaça da doença, que
poderia atingir igualmente todos os homens, independente de sua classe social ou raça. Dessa
forma, as elites passaram a entender que tinham “perdido a sua imunidade social”286 diante
das epidemias e demais doenças. Cresce, por consequência, a “convicção da perda de eficácia
das soluções individuais e locais”.287 Estas mudanças são fundamentais para o início do
movimento sanitarista no Brasil e a criação de programas federais e estaduais de saúde
pública.
Nancy Stepan, analisando o mesmo período, observa a crescente convicção por parte
dos intelectuais brasileiros de que a ciência poderia auxiliar os países em desenvolvimento em
sua busca pelo progresso.288 Por meio da ciência e seus mecanismos, as doenças poderiam ser
controladas ou combatidas. Segundo a autora, estas novas percepções em relação à ciência
foram importantes para a tomada de um certo otimismo sobre o futuro do país.289

282
STEPAN, Nancy. Gênese e evolução da ciência brasileira: Oswaldo Cruz e a política de investigação
científica e médica. Rio de Janeiro: Artenova, 1976, p. 63.
283
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., p. 28.
284
Ibidem, p. 40.
285
Ibidem, p. 52.
286
Ibidem.
287
Ibidem, p. 51.
288
STEPAN, op. cit., 1976, p. 63.
289
Ibidem, pp. 63-4.
81

O paradigma microbiano e bacteriológico fundamentado pelos trabalhos de Pasteur e


de Koch foram fundamentais nesse aspecto, pois, “[...] propiciaram uma outra compreensão
da causa das doenças, suas formas de transmissão e cura”.290 Por meio destes novos
conhecimentos vários males poderiam ser remediados, parecia ser possível investir em
medidas profiláticas uma vez que era possível identificar os agentes etiológicos das doenças
infecciosas e combater seus vetores.291
Gilberto Hochman entende que a primeira fase do sanitarismo no Brasil teria ocorrido
a partir da gestão de Oswaldo Cruz, nomeado diretor do Departamento Federal de Saúde
Pública em 1903. Nessa primeira fase, que segundo o autor se estende de 1903 a 1909, a
ênfase seria no saneamento urbano, de modo que nos anos posteriores, as atenções teriam sido
voltadas ao saneamento rural.292
Utilizando como referência teórica o trabalho de George Basalla293, historiador norte-
americano, Nancy Stepan afirma que a partir do século XX é que de fato pode-se notar no
Brasil um “rompimento na indiferença tradicional pela ciência”, além disso, após a fundação
do Instituto Oswaldo Cruz em 1900, “a ciência [no Brasil] começou a ser investigada com
certo grau de sucesso”294, pois este teria sido, na visão da autora, o primeiro instituto de
pesquisa que pôde consolidar-se ao realizar contribuições científicas constantes e originais,
por um vasto período de tempo, sendo inclusive reconhecido por países estrangeiros.
Contudo, a historiografia mais recente tem contestado a concepção de que a ciência
brasileira só se desenvolveu nos anos finais do século XIX com a institucionalização da
medicina pasteuriana.295 Jaime L. Benchimol, por exemplo, refutou a ideia de que a medicina
científica tenha sido iniciada a partir de 1900 com a fundação do Instituto Oswaldo Cruz em

290
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, p. 204.
291
Ibidem.
292
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., p. 61.
293
O trabalho de George Basalla, The spread of modern Science (1967), descrevia a introdução da ciência
moderna em países não europeus em três fases cronológicas e progressivas. A primeira fase seria aquela em que
tais países não produziam conhecimento científico e serviam como fonte para os países europeus, que realizavam
expedições e analisavam sua fauna e flora. Na segunda fase haveria a implantação de uma “ciência colonial”, ou
seja, dependente dos conhecimentos científicos dos grandes centros. Na terceira fase observa-se nestes países
não europeus o surgimento de ciência independente, produtora de conhecimentos originais. (SILVA, Márcia
Regina Barros da. História e historiografia das ciências latino-americanas: Quipu (1984-2000). In: Revista
Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, jan- jun 2014, pp. 51-2). Apesar de Basalla ter
motivado estudos locais, foi também bastante criticado pela historiografia latino-americana que acusava o
modelo de três fases de Basalla ser eurocêntrico e progressista.
294
STEPAN, op. cit., 1976, p. 19.
295
Outras abordagens tomaram a institucionalização universitária com marco fundador de uma fase científica no
país. A crítica ao paradigma universitário, realizada pela historiografia atual, questiona, segundo Nísia Trindade
Lima (1999), a ideia de “[...] uma descontinuidade absoluta entre a formulação de argumentos sociológicos no
período anterior a 1930 e aqueles que passam a se definir posteriormente, com a institucionalização universitária
das ciências sociais”(LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. op. cit., 1999, p. 17.)
82

Manguinhos.296 E destaca que para compreender o sucesso e o grau de inovação desta, seria
preciso retroceder pelo menos uma geração, levando em consideração estudos de grupos
anteriores, como da Escola Tropicalista da Bahia. Em seus estudos, Flavio Coelho Edler
questionou a interpretação de que a medicina acadêmica oitocentista tenha prescindido de
qualquer prática científica que fundamentasse a atuação dos médicos. Sublinhou os grandes
esforços empregados por médicos formados pelas escolas médicas do Rio de Janeiro e da
Bahia em produzir, revisar e validar conhecimentos científicos em especial sobre as doenças
que atingiam os trópicos.297
Assim, de longa data era o interesse pela ciência e a utilização para buscar resolver os
problemas de saúde pública do país. A partir de finais do século XIX, a elite médica forjava a
ideia de que a solução para as mazelas brasileiras dependia supostamente das técnicas
sanitárias, profiláticas e médicas e para eficácia dessas medidas esperava-se da sociedade sua
absoluta submissão. Para Nicolau Sevcenko, havia uma concepção “paternalista, autoritária e
discriminatória” de que aos sadios cabia a responsabilidade pelo destino dos enfermiços.298
Apesar das reformas sanitárias no Rio terem sido simbólicas, o estado de São Paulo
também esteve envolvido com as questões de saúde pública. A campanha presidencial de
Rodrigues Alves, marcada pelas reformas na Capital Federal, inspirava-se em sua atuação
como governante de São Paulo (1900-1902), quando teve contato e apoiou o movimento de
saúde pública naquele estado no período que precedeu sua assunção à presidência nacional. O
médico positivista Luís Pereira Barreto, primeiro diretor da Sociedade de Medicina e
Cirurgia, um dos primeiros a declarar a que ciência era a chave para o progresso do Brasil, foi
figura central do movimento sanitarista paulista que colaborou para a revitalização da cidade
de São Paulo na década de 1890.299
O Serviço Sanitário de São Paulo, órgão estadual de centralização das políticas de
saúde de pública, instalado no ano de 1892 e destacou-se como centro das atenções médicas e
sanitárias do país. Estendendo-se por todo o interior do estado, surgiam outras instituições no
final do século XIX responsáveis pela erradicação de moléstias e diagnóstico locais

296
BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil. In:
Ciência & Saúde Coletiva, vol.5, n. 2, 2000, pp. 265-292.
297
EDLER, Flávio Coelho. A medicina no Brasil imperial: clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2011, pp. 150-152. EDLER, Flavio Coelho. A medicina no Brasil imperial: fundamentos da
autoridade profissional e da legitimidade científica. Anuario de estudios americanos, vol. 60, n.1, 2003, pp. 139-
156.
298
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1984, p. 83.
299
STEPAN, Nancy. Gênese e evolução da ciência brasileira. op. cit., 1976, p. 64.
83

insalubres.300 São Paulo pretendia tornar-se um modelo a ser seguido em higiene, ordem e
saúde, representando uma “locomotiva sanitária do país”.301
A política estadual de importação de imigrantes, sobretudo para servirem de mão-de-
obra nas lavouras de café, pode ser considerada como uma das responsáveis pelo
desenvolvimento dos serviços sanitários paulistas. A cidade portuária de Santos e São Paulo
recebiam um grande número de estrangeiros e, por esse motivo, nelas se desenvolveram as
ações iniciais de saneamento. Era necessário combater doenças que poderiam se propagar
endemicamente por todo o estado e que consequentemente afetar as bases da economia.302
Uma das grandes ameaças à população era febre amarela. Em finais do século XIX até inicios
do XX os surtos se tornaram constates no estado paulista, disseminada em seu interior, mas,
principalmente na região litorânea, por isso a doença teria funcionado como “fio condutor na
formação dos serviços sanitários do Estado de São Paulo”.303
O debate sobre a febre amarela era intenso entre a classe médica brasileira, uma vez
que não havia um consenso sobre sua transmissão. Foram vários episódios conflituosos
envolvendo cientistas que se encontravam em desacordo sobre o diagnóstico, profilaxia e
tratamento das diversas epidemias que assolavam o território brasileiro. Os estudos realizados
pelo médico cubano Carlos Juan Finlay, em 1880-1881, formulavam a hipótese da
transmissão da febre amarela pelo mosquito, esta pôde ser reforçada após a descoberta, em
1898, que o inseto era o hospedeiro intermediário do parasito da malária.304
As especulações sobre a transmissão de doenças por insetos cresciam na imprensa
médica brasileira. Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário de São Paulo, e Adolfo Lutz,
diretor de seu Instituto Bacteriológico paulista, fundado em 1892, foram centrais na
divulgação e aceitação dessa teoria no Brasil, rejeitando as antigas concepções sobre a
transmissão hídrica ou miasmática da febre amarela. Com o apoio do presidente do estado de
São Paulo, Rodrigues Alves, foram realizadas experiências comprovatórias de que vetor de
transmissão da doença era o mosquito. A partir de 1901, no interior paulista, comissões

300
MOTA, André. Tropeços da Medicina Bandeirante: medicina paulista entre 1892-1920. São Paulo: EDUSP,
2005, pp. 50-3.
301
Ibidem, p. 47.
302
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento.op. cit., 2006, p. 213.
303
TELAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e Saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São
Paulo. São Paulo: Editora UNESP, 1996, p. 9.
304
Cf. BENCHIMOL, Jaime. Febre Amarela e a Instituição da Microbiologia no Brasil. In: HOCHMAN,
Gilberto (org). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp. 57-98.
84

sanitárias passaram a destruir os focos de mosquitos.305 Desse modo, as medidas adotadas em


São Paulo abririam caminho para as campanhas sanitárias de Oswaldo Cruz no Rio de
Janeiro.306
Seguindo os passos da experiência havanesa e paulista, sob o mandato presidencial de
Rodrigues Alves (1902-1906), Oswaldo Cruz, que também era partidário da teoria
culicidiana, realizou sua campanha contra a febre amarela na capital federal, Rio de
Janeiro.307 As ações das brigadas mata-mosquitos eram truculentas. As casas eram invadidas
para vistoria com apoio da força policial sem autorização dos proprietários. Algumas, quando
constatados sinais de ricos sanitários, poderiam ser demolidas com amparo da lei de março de
1904, enquanto que pessoas vitimadas por doenças contagiosas podiam ser removidas de seu
domicílio e levadas compulsoriamente aos hospitais da capital. Devido a essa atuação
violenta, várias críticas e sátiras foram clamadas pela população e pela imprensa durante esse
processo de saneamento.308
A regulamentação da lei de vacinação obrigatória contra a varíola, em 9 de novembro
de 1904, foi a gota d’água da indignação populacional que já conhecia a ação brutal e invasiva
dos fiscais e policiais encarregados de colocar em prática o plano da “regeneração”. O
regulamento elaborado por Oswaldo Cruz almejava uma ação rápida e massiva, a vacinação
englobava desde recém-nascidos até idosos, entretanto não havia nenhuma preocupação em
preparar psicologicamente a população sobre a vacinação.309 Diante disso, a população pobre,
despejada e humilhada num “surto espontâneo” voltou-se contra os visitadores e a força
policial, organizando um motim na região central da cidade, fato esse que ficou conhecido
como a Revolta da Vacina. Conforme bem mostra Nicolau Sevcenko, a reação dessas pessoas
humildes não era contra vacina em si, “mas contra a história”, isto é, contra a exclusão e
opressão que lhes era reservado.310 Ao final do confronto que durou dez dias, foi revogada a
obrigatoriedade da vacinação contra a varíola.

305
Ibidem. TEIXEIRA, Luiz Antônio. Da transmissão hídrica a culicidiana: a febre amarela na sociedade de
medicina e cirurgia de São Paulo. Rev. bras. Hist., São Paulo , v. 21, n. 41, p. 217-242, 2001 . Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200012&lng=en&nrm=iso>.
Acessado em 09 mar. 2017.
306
TELAROLLI JUNIOR, JUNIOR, Rodolpho. Poder e Saúde . op. cit., 1996, pp. 118-9.
307
Sobre a dinâmica de conhecimento biomédico moderno e as descobertas acerca da febre amarela no Brasil,
ver: BENCHIMOL, Jaime. Febre Amarela e a Instituição da Microbiologia no Brasil. In: HOCHMAN, Gilberto
(org). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp. 57-98.
308
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. op. cit., 1984, p. 55.
309
Ibidem, p. 83
310
Ibidem, p. 88.
85

Apesar da reação popular, Oswaldo Cruz, em 1905, anunciava que já não existia mais
febre amarela sob forma epidêmica no Brasil.311 Assim como a varíola, que pelas campanhas
de vacinação, também foi erradicada da Capital. Durante as campanhas contra essas
enfermidades, como nunca antes na história do Brasil a população foi exposta às ideias e
técnicas da medicina científica.312 Apesar das dificuldades, essas, ao final, haviam se tornado
um sucesso do ponto de vista sanitário sendo reconhecidas internacionalmente, a despeito de
ter desnudado a tensão social que se fez notar com a explosiva resistência da população à
intervenção oficial.313
Até aqui a intenção foi demonstrar como se constituiu, em linhas gerais, um
empreendimento, regido pela elite modernizante, de maior atenção às ciências no Brasil, e
como estas a princípio foram utilizadas para solucionar problemas de ordem local. Diante do
desenvolvimento dos movimentos sanitarista e higienista, os cidadãos passavam cada vez
mais a sofrer intervenções de ordem médica, saneadora, e pouco mais tarde, de ordem
eugênica. Ao passo que os intelectuais do período passavam a se convencer desta necessidade
de intervenção a fim de supostamente melhorar as condições do país, levando-o enfim ao
padrão de civilidade equiparável ao europeu.
Voltando-nos mais especificamente à medicina e sua intervenção sobre o cotidiano, é
possível remeter aos estudos de Michel Foucault, o qual afirma que a medicina moderna,
decorrente da economia capitalista, é uma medicina social. Para Foucault, a medicina que se
procedeu durante a Idade Média seria do tipo individual. Mas, com desenvolvimento do
capitalismo ao longo de finais do século XVIII e início do XIX, na Europa, o autor entende
que houve uma “socialização do corpo”. Foucault explora então três fases da medicina social
que seriam, segundo ele: medicina do Estado, medicina urbana e medicina da força de
trabalho.314
Utilizando a linha de pensamento de Michel Foucault, Roberto Machado e
colaboradores indicam que a partir do século XIX o Brasil vivenciou um “projeto de
medicalização da sociedade”. A atuação dos médicos sobre o espaço urbano visava desde
então prevenir a doença antes mesmo que ela eclodisse. De tal modo, a atuação médica deixa
de incidir apenas na busca pela cura do indivíduo enfermo. Os médicos passaram a pensar em
formas de prevenir as enfermidades, atuando sobre o coletivo. Segundo Machado [et.al]:

311
STEPAN, Nancy. Gênese e evolução da ciência brasileira. op. cit., 1976, p. 90.
312
Ibidem.
313
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. op. cit., 1984.
314
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. op.cit., 1985, pp. 79-80.
86

“Possuindo o saber sobre a doença e a saúde dos indivíduos, o médico compreende que a ele
deve corresponder um poder capaz de planificar as medidas necessárias à manutenção da
saúde”.315
Roberto Machado entende que o processo de formação de uma medicina social no
Brasil no século XIX significou uma mudança no modo de perceber a saúde da população,
além de ter se tornado uma medicina que cada vez mais buscou “intervir na sociedade de
maneira global”.316
O autor José Leopoldo Antunes, aparentemente longe de questionar esse anseio
médico de intervenção na sociedade, prefere utilizar o termo “socialização da medicina” ao
invés de “medicalização da sociedade”, pois, em sua visão, os médicos na verdade teriam
reconhecido, reproduzido e reprogramado a “realidade social que os cercava e que constituía a
matéria de sua apreciação”.317 Para o autor, por exemplo, se a medicina ou a higiene
produziram mudanças nas relações familiares, é preciso ter em vista que a medicina pode ter
sido anteriormente influenciada pela moral ou pelas mudanças de ordem social. Logo:
Outrora revestida de uma aura quase esotérica, transmitida e cultivada de modo
alheio a quaisquer injunções sociais, a medicina teria enfim se submetido à expansão
dos preceitos comportamentais da vida em coletividade, incorporando os novos
objetos que lhe foram impostos. Assim, aquilo que havia sido descrito como
"medicalização" da sociedade, no que tange à sexualidade humana, talvez ficasse
mais bem qualificado como "socialização" da medicina. Socialização não para a
multiplicação da oferta de serviços médicos, mas como apropriação social do
conhecimento científico nessa área e sua consequente transformação. 318

Antunes questiona ainda: como seria possível falar numa medicalização da sociedade
sendo que as diversas propostas médicas aventadas ao longo do século XX não foram
concretizadas ou regulamentadas por lei? Este é precisamente o caso do objeto desta pesquisa,
a obrigatoriedade do exame pré-nupcial. Segundo o autor, não havia nem ao menos um
consenso, conforme veremos a seguir neste trabalho, ou uma unanimidade geral quanto às
medidas propostas.
O mesmo, no entanto, reconhece a existência de: “[...] um processo historicamente
datado de modificação da própria medicina, uma reorientação de seus objetos e métodos. Um
deslocamento de seu foco preferencial de observação e análise”.319 Ou seja, trata-se aqui do
processo destacado por Roberto Machado [et. al.] como surgimento da medicina social, uma
315
MACHADO, Roberto, LOUREIRO, A.; LUZ, R.; MURICY, K. Danação da norma: a medicina social e
constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978, p. 18.
316
Ibidem, p. 154.
317
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral. op. cit., p. 12.
318
Ibidem, p. 163-4.
319
Ibidem, p. 274
87

medicina preventiva, voltada ao corpo coletivo da sociedade, ou ainda, como José Leopoldo
Antunes destaca, que esteve concentrada sobre temas relacionados à moral.
Contrapondo-se à abordagem de Machado, outros autores propõem uma releitura do
tema. A autora Mariza Corrêa afirma que seria “quase ilusório, ou ritual” falar da atuação de
higienistas, psicólogos, criminológos ou antropólogos nesse contexto como “função de uma
medicalização da sociedade”.320 Segundo Corrêa, à medida que a medicina ia se
especializando, os objetos de saber institucionalmente produzidos se multiplicavam, de modo
que não seria mais possível pensar na medicina “como uma espécie de matriz originária
desses saberes”.321 Por uma mera comodidade continua-se a chamar de médicos esses
personagens, pois na visão da autora, sua atuação levou-os a “despreender-se de sua filiação
institucional”.322
Não se almeja aqui dar respostas definitivas ao debate exposto em torno dos conceitos
de “medicalização da sociedade” ou “socialização da medicina”. Mas, entende-se que se o
primeiro conota uma ideia de poder total ou de plena autonomia da medicina sobre a
sociedade, é preciso que seja questionado como o fizeram José Leopoldo Antunes, Mariza
Côrrea, entre outros autores, pois muitos projetos médicos não foram efetivados, sendo então
impossível falar de medicalização total da sociedade. Logo, é preciso cuidado para não
confundir discurso e realidade.
Acredita-se que Foucault teve esse cuidado ao apontar que apesar de haver uma
cumplicidade inicial entre o mundo e a linguagem, os discursos não são mera reverberação
das coisas ou dos acontecimentos.323 De modo que não se deve “[...] imaginar que o mundo
nos apresenta uma face legível que teríamos de decifrar apenas; [...] Deve-se conceber o
discurso como uma violência que fazemos às coisas”.324 É verdade também que, segundo o
mesmo autor, o poder, enquanto prática social, longe de impedir o saber, o produz. Ou ainda,
os discursos formam os objetos de que falam. Contudo, se existem múltiplos discursos e
poderes, certamente nem tudo aquilo que foi projetado à sociedade obteve aplicações práticas.
Entendido como luta ou relação de força, o poder, portanto: “[...] pode recuar, se deslocar,
investir em outros lugares... e a batalha continua”.325

320
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade. op. cit., p. 306.
321
Ibidem.
322
Ibidem, p. 307.
323
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de Frances, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 43-4.
324
Ibidem, p. 53.
325
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. In: Idem. Poder – Corpo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p.
146.
88

As pesquisas mais atuais reconhecem que os discursos não causam, mas acompanham
os acontecimentos, aquilo que se sucede no mundo da experiência e bem diferente daquilo
que foi postulado pelas retóricas.326 Até mesmo Foucault não pretendeu que sua análise do
discurso pudesse levar a concluir o que as pessoas e os governantes fazem, isto é, os discursos
não conduzem as ações que se materializarão no mundo social.327 Entretanto, voltando ao
início do século XX no Brasil, também é inegável que os médicos (e eugenistas) conseguiram
lograr sucesso em algumas de suas propostas. Portanto, a abordagem matizada de Luis Ferla
(2009), ao analisar o “projeto-utopia” médico-positivista, parece interessante por negar dois
caminhos sedutores, porém equivocados, que seriam reconhecer a completa falência do
programa médico ou, ao contrário, considerar sua implementação plena, sem concessões e
percalços.328
O se defende é que houve uma mudança no papel do médico na sociedade. Ainda que
muitos dos projetos de cunho higiênico ou eugenista não tenham sido concretizados, parece
inegável que, por meio de seus discursos, tais grupos sociais pretendiam uma intervenção
social. Interessa, dessa maneira, observar as condições de possibilidade sociais, políticas e
científicas de tais discursos médicos.
Essa breve análise do contexto histórico da Primeira República permite a observação
de, ao menos, três aspectos relevantes à pesquisa em tela e que possibilitam compreender a
introdução da proposta do EPN nos discursos médicos: nesse período nota-se uma maior
atenção de políticos e intelectuais em relação às doenças e epidemias que assolavam o país,
comprometendo inclusive a economia, o perigo das enfermidades levou ao desenvolvimento
de políticas sanitárias nas cidades e nos campos. Ademais, este foi também um momento de
elevada confiança na ciência como chave para resolver todos os problemas nacionais. Com
base na autoridade dos conhecimentos científicos, os médicos assumiam uma nova postura
diante da população, uma vez que estes passaram a se julgar como as autoridades mais
competentes “[...] para prescrever normas racionais de conduta e medidas preventivas,
pessoais e coletivas, visando produzir a nova família e o futuro cidadão”.329

326
CALLEWAERT, Gustave. Bourdieu, crítico de Foucault. In: Educação, Sociedade e Culturas, n. 19, 2003, p.
144.
327
Ibidem, p. 143.
328
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados: a utopia médica do biodeterminismo - São Paulo (1920-1945). São
Paulo: Alameda, 2009, p. 40.
329
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890 – 1930). Rio de Janeiro: Paz
e terra, 1997, p. 118.
89

Diante da “nova vocação” médica, que ia além de curar os enfermos, tais profissionais
passaram a reivindicar reformas sociais, propondo medidas que pareceriam até mesmo
bastante invasivas, como o caso do próprio exame pré-nupcial, e também da esterilização
daqueles ditos degenerados, controle da imigração, regulamentação do meretrício, etc. Nos
discursos médicos a intervenção sobre a sociedade parecia justificável, pois, conforme atesta
Roberto Machado e equipe:
Se a sociedade, por sua desorganização e mau funcionamento, é causa de doença, a
medicina deve refletir e atuar sobre seus componentes naturais, urbanísticos e
institucionais visando a neutralizar todo o perigo possível. Nasce o controle das
virtualidades; nasce a periculosidade e com a ela a prevenção.330

Além disso, Lilia M. Schwarcz nota que, em finais do século XIX e início do XX, a
classe médica passaria a ampliar seu espaço de atuação concorrendo na atuação em espaços
até então destinados aos juristas ou “homens da lei”.331
Os discursos sofrem interdições e um controle constante. Os preceitos eugênicos
incluíram-se “no verdadeiro”, pois, obedeceram às regras de uma “polícia discursiva”, ou
seja, faziam parte daquilo que se considerava válido no discurso científico-biológico da
época, além de projetar-se em um contexto político-social favorável ao seu surgimento.332
Quando a eugenia passa a ser divulgada no Brasil, os médicos já estavam familiarizados com
as correntes higienista e sanitarista e suas propostas de intervenção social. De tal modo,
apontavam em suas teses e artigos supostas soluções à nação, indicando caminhos para
obtenção do progresso nacional. Vale ressaltar que as abordagens nestes veículos, como as
revistas médicas, por exemplo, eram diversas. Discutia-se sobre a composição racial do
brasileiro, reformas urbanas ou de ordem moral, o papel da mulher na sociedade, o cuidado
com as crianças, entre outros infindáveis debates. Os médicos pareciam estar sempre aptos
para discorrer sobre os mais variados assuntos.
Assim, nesse contexto, não é difícil compreender porque a eugenia seduziu tantos
intelectuais brasileiros. Aos olhos destes, a eugenia parecia abrir um novo campo de soluções
às mazelas do país. A ciência preconizada por Francis Galton em sua obra “Hereditary
Genius” (1869), disseminava a ideia de que “[...] a grandiosidade e o fortalecimento de uma
nação estavam em relação direta com a perfeição física e moral do seu povo”.333 De tal modo,

330
MACHADO [et. al.], op. cit., p. 155.
331
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., p. 263.
332
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso, op. cit., 1996, pp. 33-5.
333
BOARINI, Maria Lucia. Higienismo, Eugenia e Naturalização do Social. In: BOARINI, Maria Lucia (org.)
Higiene e Raça como projetos: Higienismo e Eugenismo no Brasil. Maringá: Eduem, 2003, p. 30.
90

a fim de alcançar esta dita “perfeição”, as medidas eugênicas implicavam em intervenções


diretas na sociedade, buscando interferir inclusive no livre-arbítrio do indivíduo sob a
justificativa de um suposto melhoramento racial, como era o caso das propostas de
esterilização compulsória e da interdição de determinados casamentos.
A principal maneira de atingir o aprimoramento racial seria por meio da obtenção dos
“bons nascimentos” e também por meio do impedimento da reprodução daqueles
considerados degenerados. Por este motivo a proposta do exame pré-nupcial foi defendida por
eugenistas de diversos países, não sendo, portanto, uma singularidade brasileira. Chegando a
ser instituído em países como Suécia, Noruega, Dinamarca, Estados Unidos, França, entre
outros.
Conforme se viu, no Brasil, o exame pré-nupcial já havia sido defendido pelo médico
Souza Lima em 1897, anos antes da chegada da temática da eugenia no Brasil. Era pensada
por este como uma importante medida profilática da sífilis e da tuberculose. A eugenia
serviria para fundamentar a suposta relevância do exame e incluir o aprimoramento racial
como objetivo último. Por meio das prerrogativas eugênicas, o exame pré-nupcial tornava-se
uma medida imprescindível à raça, ou, melhor dizendo, ao aprimoramento racial. Ora, como
busca-se demonstrar, fazia parte da atuação médica, ao menos no plano do discurso, indicar
normas ou recomendar reformas à sociedade. Logo, a proposta do exame pré-nupcial estava
no bojo entre tantas outras medidas discutidas por estes profissionais.
Assim, era comum que os médicos opinassem não apenas sobre temas de sua
especialidade, mas também acerca de questões de ordem social e cultural, pois consideravam
possuir respaldo científico para emitir seus juízos e se autonomeavam os únicos que
“poderiam desvendar – e combater – as causas que tornavam o progresso nacional incerto”.334
Observando o anseio médico em propor diversas reformas sociais, parte-se agora para
a análise dos argumentos em prol do exame médico pré-nupcial, medida que movimentou
muitas discussões ao longo da primeira metade do século XX. A intenção é compreender
quais eram as principais justificativas do ponto de vista eugênico e por quais motivos a
intervenção matrimonial parecia razoável aos olhos de seus partidários. Diante desse objetivo,
optou-se por estudar separadamente quais foram os argumentos utilizados em defesa da
legislação do EPN nos suportes voltados para o público especialista ou acadêmico e,

334
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.
14.
91

posteriormente, visualizar como se deu este discurso nos suportes de divulgação para o grande
público, como é o caso da campanha realizada pelo jornal O Globo.

2.2 Uma suposta medida de “utilidade social”

Os médicos e outros vários intelectuais do início do século XX estavam convencidos


de que o futuro da nação brasileira dependia de uma série de mudanças. Aos governantes
cabia a “obrigação de zelar pelo futuro da raça, pela qualidade dos homens, pela saúde da
população”.335 Nesse contexto, a máxima do médico Miguel Pereira (1916) de que “o Brasil
ainda é um imenso hospital”336 foi amplamente repetida pelos pares. Estes concordavam com
Pereira, constatando o estado de abandono em que muitos brasileiros viviam, principalmente
nos sertões do país, onde faltavam programas de saneamento e a população estava exposta a
diversas doenças e epidemias. Configurava-se uma ruptura com o pensamento que permeou
durante a segunda metade do século XIX de que os campos e os sertões eram propícios para
uma vida saudável, em contraste com as cidades que pareciam perigosas, espaços onde se
desenvolviam os vícios e doenças.337
As precárias condições do interior do país foram deflagradas em especial depois na
publicação, em 1916, do relatório da expedição médico-científica de Arthur Neiva e Belisário
Pena, realizada em 1912 nos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás.338 Parafraseando o
autor Jaime Benchimol, as revelações sobre um sertão brasileiro precário e doente
desmantelaram a exaltação ufanista da civilização do Brasil que havia sido insuflada após a
remodelação urbana do Rio de Janeiro.339
Os eugenistas diante da imagem de um país dominado pela doença acreditavam o
Brasil dependia supostamente do saneamento, da Higiene, e claro, da Eugenia – correntes que

335
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., p. 15.
336
Miguel de Pereira (1871-1918) em discurso realizado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1916
afirmava: “[...] fóra do Rio ou de S. Paulo, capitaes mais ou menos saneadas, e de algumas outras cidades em
que a providencia superintende a hygiene, o Brasil é ainda um imenso hospital.” (PEREIRA, 1916, p.194. apud
SA, Dominichi Miranda de. A voz do Brasil: Miguel Pereira e o discurso sobre o "imenso hospital". In: Hist.
cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 16. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702009000500016&lng=en&nrm=iso>.
acessado em 04 Fev. 2015.
337
LIMA; HOCHMAN, op. cit., 1996, p. 28.
338
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976, p. 202.
339
BENCHIMOL, Jaime. Febre Amarela e a Instituição da Microbiologia no Brasil. In: HOCHMAN, Gilberto
(org). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, p. 83.
92

apesar de suas particularidades ainda eram muito ligadas no início do século XX. A ciência de
Galton foi chamada algumas vezes inclusive de “religião”, dada a importância atribuída por
seus adeptos. Em concordância com os médicos-sanitaristas, o movimento eugênico defendia
que o governo deveria dar maior atenção à saúde pública. Contudo, estes últimos preocupados
em especial com a raça, julgavam que os legisladores não poderiam mais ignorar os
mecanismos da hereditariedade.
Em outras palavras, dentro da lógica eugenista, o crime, por exemplo, era fruto de uma
tendência familiar ancestral. O Estado deveria impedir a reprodução destes indivíduos, pois
dessa maneira impediria o nascimento de possíveis criminosos. Para a formação de uma nova
raça mais inteligente e bela, os governantes precisavam investir principalmente em um
controle dos nascimentos. Assim, dizia o médico Antônio Vita, em sua tese apresentada à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1920):
Os dirigentes de um povo não devem e não podem ser alheios à ciência que prevê e
à que seleciona; não devem esquecer-que os homens são “depositários efêmeros de
legados eternos” e que a geração atual é a resultante matemática e certa das
conquistas e derrotas biológicas, da luta incessante e inevitável contra as energias
mesológicas, animadas ou não, das gerações anteriores. E o porvir de uma família,
de uma nação tem para o seu passado e o seu presente a mesma relação da causa
para o efeito: o mesmo aspecto sobre a que sucede; sua disgênese e estiolamento
geral produzem o desparecimento da raça.340

Francis Galton destacava a importância da reprodução humana controlada a fim de


conquistar o aprimoramento da espécie.341 O autor André Mota afirma que existiram dois
tipos de ações eugênicas; uma do tipo “restritiva” e outra do tipo “constritiva”. A ação
restritiva abrangeria três medidas fundamentais: a regulamentação do casamento, a
esterilização e a segregação – sobretudo em asilos, representaria um isolamento daqueles
considerados incapazes de gerar uma “descendência normal”. A ação construtiva, por sua vez,
englobava a educação e propaganda eugênica em massa às populações.342
De tal modo, a implantação da obrigatoriedade do exame médico pré-nupcial poderia
ser considerada uma ação do tipo restritiva. Porém, na concepção dos eugenistas partidários
da medida, esta era supostamente útil e acima de tudo necessária, como dizia o médico
paulista Almeida Júnior em sua tese: “O exame médico antes do casamento constitui
providência de alta utilidade social e, de dia para dia, mais necessária”. 343 De modo
semelhante Estelitta Ribas afirmava que o exame pré-nupcial “cujo escopo altamente humano

340
VITA Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., p. 15.
341
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito. op. cit., p. 14.
342
Ibidem, p. 44.
343
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., 43.
93

e utilitário é impedir, para bem da raça e da humanidade, a proliferação lúgubre de tarados e


anormais”344, aparecia como uma necessidade, além de ser uma medida “justa, patriótica,
moral e benéfica”.345
Destarte, os eugenistas buscaram divulgar a dita “vantajosa” proposta inicialmente
entre os pares, por meio de teses acadêmicas, artigos e trabalhos publicados em suportes
voltados para o público especialista, seja da medicina ou especificamente da eugenia. Mas,
não tardou para que a grande imprensa também acolhesse a campanha em prol do exame pré-
nupcial, de modo especial o jornal O Globo a partir do ano de 1926.
Entendendo que as condições históricas preexistem a qualquer começo de discurso e o
sujeito não como “fundador” desses, mas como “sujeito do enunciado”, acredita-se ser
relevante observar o lugar de fala dos sujeitos, ou os lugares do discurso médico eugenista, e a
posição que estes ocupam.346 Desse modo, será analisado separadamente como se deu a
retórica em prol do EPN nos redutos e suportes destinados ao público
especializado/acadêmico e naqueles voltados ao grande público.

2.2.1 A campanha em prol do EPN nos redutos acadêmicos ou especializados em


eugenia:

Diante da boa recepção e entusiasmo em torno da nova ciência: a eugenia, em janeiro


de 1918 era fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo. Esta era a primeira associação
eugênica da América Latina e contava com cerca de 140 associados que em sua maioria eram
médicos.347 São Paulo já era um importante centro capitalista no momento de fundação da
Sociedade. A cidade era marcada por uma heterogeneidade étnica e social, vivia-se uma
“metropolização desenfreada”348 que, por sua vez, era motivo de orgulho dos paulistas.
Nessa conjuntura, observa-se o desenvolvimento dos serviços sanitários estaduais. A
insalubridade e as enfermidades ameaçavam “toda uma infraestrutura que sustentava as bases
da economia paulista e suas relações com o exterior”.349 São Paulo buscou sua independência
nas soluções sanitárias. Desatrelando-se dos órgãos federais foram fundados o Instituto

344
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., p. 52.
345
Ibidem, p. 53.
346
DÍAS, Esther. A filosofia de Michel Foucault. São Paulo: Editora Unesp, 2012, p. 91.
347
DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., p. 97.
348
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Cia das Letras, 1992, p. 36.
349
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., p. 214.
94

Butantã (1901) e o Instituto Pasteur de São Paulo (1903). Ainda sentindo necessidade de uma
identidade médica própria, em 1913 foi inaugurada a Faculdade de Medicina de São Paulo.350
De tal modo, o saber médico e os princípios da higiene e da bacteriologia já estavam
institucionalizados no momento de fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo (SESP).
Arnaldo Vieira de Carvalho, diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo, era o presidente
efetivo da instituição. Outros nomes importantes no período eram membros da SESP, fazia
parte da comissão consultiva o microbiologista Artur Neiva, que ficou conhecido por sua
expedição no nordeste brasileiro juntamente com o médico sanitarista Belisário Penna, o qual
fazia parte do corpo de presidentes honorários da Sociedade.
O estatuto da SESP afirmava que entre outros objetivos a instituição buscava
“concorrer para o exame pré-nupcial dos nubentes”.351 Em 1919, foram publicados por esta os
“Annaes de Eugenia”, cuja temática do exame pré-nupcial apareceu esporadicamente, sendo
que entre as publicações apenas o trabalho de N. Moreira Machado “A syphilis e o
casamento” voltou total atenção para esse assunto. Defendendo a instituição do EPN por lei,
Moreira Machado justificava que tal medida seria fundamental para a profilaxia de doenças
contagiosas e hereditárias. Em sua concepção, instituí-la significava cuidar da raça
brasileira.352 Em outro artigo, Renato Kehl, que era então secretário geral da Sociedade, dizia:
“A eugenia evita os males nas suas origens. Ela proíbe o casamento a todo indivíduo atacado
de mal hereditário. Quem não aplaude esta disposição proibitiva em defesa das nossas futuras
proles, que o talento admirável e benemérito de Souza Lima defende há 20 anos?”.353
Apesar de a institucionalização da eugenia ter ocorrido primeiramente no estado de
São Paulo, em análise das fontes, a tese acadêmica mais antiga que foi localizada a tratar
especificamente do exame pré-nupcial foi a do médico Antônio Vita, apresentada à Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro em 1920.354 Em sua obra, o autor discorreu sobre os
mecanismos de hereditariedade, definindo o que seria em sua visão uma “hereditariedade
normal” e uma “hereditariedade patológica”. Vita demonstrou como algumas doenças, por
exemplo a sífilis, tuberculose e o alcoolismo, segundo o conhecimento científico do período,
interferiam na boa formação das futuras proles – conforme se viu no capítulo anterior. A
seguir, apontava a relação do casamento e da eugenia de modo que dedicou o capítulo final

350
Ibidem, p. 217.
351
ESTATUTOS da Sociedade Eugênica de São Paulo. In: Annaes de Eugenia. São Paulo: Edição da Revista do
Brasil, 1919, p. 257.
352
MACHADO, Moreira N. A syphilis e o casamento. In: Annaes de Eugenia, op. cit., pp. 231-6.
353
KEHL, Renato. Que é eugenia? In: Annaes de Eugenia. op. cit., p. 222
354
Tese apresentada para obtenção do grau de doutor em medicina.
95

para tratar do exame pré-nupcial e a defesa de sua adoção na legislação brasileira. Segundo
ele: “A profilaxia social não pode deixar de lado o exame pré-nupcial, prevenindo a família
nacional de doenças e de degenerescências destruidores da raça, abatendo de um modo
palpável a nação”.355
Por se tratar de uma tese acadêmica, cujos pares formavam o público-alvo, empregou-
se linguagem e termos específicos do campo da medicina e da biologia, o que restringia o seu
alcance. Já se tratou anteriormente sobre atuação médica no país e seu desejo de intervenção
social, contudo, supõe-se que público leitor da obra de Antônio Vita, assim como o das
demais teses que serão analisadas aqui, limitava-se àquele do campo médico-acadêmico. Por
outro lado, por meio das citações feitas no decorrer dos textos dessas teses, é possível
perceber uma intensa circularidade de ideias entre as Faculdades de Medicina do país. Assim,
é possível supor que tais obras eram lidas por outros médicos e estudantes, inclusive de outros
estados e que, logo, não ficavam restritas apenas à instituição onde eram apresentadas. Cabe
observar ainda que, quando voltadas para o assunto da eugenia ou do EPN, esses textos
científicos geralmente eram apresentados à cadeira de Higiene das Faculdades de Medicina.
Segundo Schwarcz, a eugenia era “um jargão comum”356 tanto na Faculdade de
Medicina da Bahia quanto na do Rio de Janeiro, embora seu uso tenha sido diverso, pois na
primeira, tal abordagem serviu para atenuar o pessimismo sobre o futuro da nação, permitindo
uma “acomodação – afinal, a raça brasileira tinha solução”.357 Já no Rio de Janeiro, o discurso
eugênico viabilizou a busca de uma maior atuação médica ainda mais agressiva à sociedade.
Com forte expressão também na Faculdade de Medicina de São Paulo, a eugenia trazia
otimismo e foi recebida como solução para as mazelas brasileira. Parece correto supor que em
São Paulo a mesma tenha sido utilizada de modo semelhante à Faculdade do Rio de Janeiro,
pois foi empregada como arcabouço científico na tentativa de implantação de reformas
sociais. Embora seja possível perceber uma peculiaridade, pois em São Paulo, invocando uma
representação dos bandeirantes e seu espírito aventureiro e desbravador, desenvolveu-se a
ideia de uma sub-raça paulista que seria supostamente superior às demais existentes no Brasil.
A eugenia foi utilizada como “bandeira de reafirmação de uma raça [paulista] com destino e
definições próprias”.358 A ciência de Galton, na concepção do médico Pedro Monteleone, em
sua tese defendida da Faculdade de Medicina de São Paulo, seria fundamental para construção

355
VITA, Antônio. Do valor eugênico do exame pré-nupcial. op. cit., p. 65.
356
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., p. 309.
357
Ibidem, p. 310.
358
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito. op. cit., p. 98.
96

de uma “raça de gigantes”.359 Ainda segundo o mesmo, São Paulo, o estado líder e pioneiro
em higiene e eugenia, deveria implantar o exame pré-nupcial obrigatório, servindo de
exemplo a toda nação.
Neste item serão analisadas apenas as teses acadêmicas daqueles que defenderam o
EPN, uma vez que o objetivo nesse momento é observar quais eram seus argumentos em prol
do mesmo. É válido adiantar que existiram controvérsias e críticos a tal proposta, estas, por
sua vez serão analisadas no terceiro capítulo deste trabalho.
Embora de Faculdades distintas, é possível perceber semelhanças nas teses acadêmicas
que abordaram de modo especial e defenderam a proposta do EPN. Nestas, frequentemente
eram tratadas noções de hereditariedade e a tentativa de compreensão de seus mecanismos.
Apesar de não constituírem um grupo homogêneo, parece razoável supor que os adeptos da
eugenia estavam de acordo quanto a necessidade de se utilizar os conhecimentos sobre a
hereditariedade a fim de aprimorar racialmente a população. O médico baiano Luiz Fabrício
de Oliveira, defensor da obrigatoriedade do EPN afirmava:
[...] quer sigamos as ideias de Darwin, com as suas “gémulas”, ou as do Weissmann
com os seus “bióforos”, ou ainda as leis geniais de Gregor Mendel, hoje quase
universalmente aceitas, teorias e leis em cuja questão não entramos [...] a
hereditariedade, repetimos, é hoje uma coisa indiscutível e sobejamente
comprovada.360

O matrimônio também deveria seguir os preceitos da eugenia e da hereditariedade,


conforme dizia o médico Luciano Mello Baptista em sua tese, defendida na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro em 1926: “[...] devemos lançar mão dos recursos da seleção pelo
casamento que, dada a intangibilidade das leis da herança, conseguiremos, para o futuro, um
povo forte, uma raça mais perfeita”.361
Nas teses acadêmicas consultadas destaca-se que as propostas eugênicas à sociedade
eram fundamentadas em conhecimentos científicos acerca da hereditariedade e da
degenerescência. Isto contribuía para a defesa de se implantar o EPN no país. Os eugenistas
julgavam ter embasamento teórico suficiente para atestar as vantagens dessa medida e colocá-
la em prática. Sua visão extremamente biologizada ignorava diversas vezes os aspectos
sociais.

359
MONTELEONE, Pedro. Os cinco problemas da eugenia brasileira. op. cit., p. 18
360
OLIVEIRA, Luiz Fabricio de. Da eugenia e o exame pré-nupcial obrigatorio. Tese apresentada à Faculdade
de Medicina da Bahia, Bahia: A nova graphica, 1928.
361
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., p. 10.
97

É possível perceber a argumentação de que investir numa medida eugênica, como a


adoção legal do exame pré-nupcial, significava investir numa transformação nacional. Na fala
dos adeptos desse movimento, as ações ou reformas eugênicas trariam um benefício à nação.
Logo, estas providências além de estarem respaldadas no conhecimento científico, possuíam
um forte aspecto nacionalista.362 Esse tom ufanista pode ser percebido na fala do médico
Luciano Mello Baptista:
[A eugenia] É a ciência de proteção ao homem, à sua prole, ao seu povo e à sua raça.
Combate os males e doenças, condena os casamentos consanguíneos e proíbe-o a
todo indivíduo portador de tara ou doença transmissível por contágio ou herança.
Finalmente, é a ciência do belo, do bem estar e da saúde, quer a ascensão moral e
física do homem, não quer senão faze-lo útil e feliz, no seio da família, no coração
da pátria, no concerto dos povos. [...] Façamos a seleção matrimonial e teremos feito
grande e profícua prática da Eugenia, no que importa a grandeza futura e a felicidade
do Brasil de amanhã.363

Assim, uma das principais justificativas para a implantação do exame se dava por um
suposto compromisso com a nação. Nessa concepção, impedir que determinadas uniões se
concretizassem e assim impedir a reprodução dos ditos inaptos fazia parte da missão
regeneradora do país. O médico Darcy Moraes de Mattos (1929), que assim como Mello
Baptista também defendeu sua tese na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dizia ser
necessário prosseguir com a campanha em prol do EPN “para que possamos ver o Brasil
povoado, futuramente, por gente forte e sadia”.364
Paulo de Godoy que, por sua vez, defendeu sua tese sobre eugenia na Faculdade de
Medicina de São Paulo em 1927, falava, igualmente, sobre o objetivo nacionalista das práticas
eugênicas: “É nossa missão, pois, valorizar o homem nacional, tornando-o apto para lutar e
vencer na terra magnífica que os seus antepassados conquistaram”.365 O mesmo ainda
afirmava que obrigatoriedade do EPN atenderia os interesses da nação e da raça, estes
deveriam estar acima dos interesses individuais. Segundo ele: “No interesse da raça brasileira,
que se caldeia e se delineia, é imperativo a instituição do exame pré-nupcial”.366
Alguns críticos julgavam que o exame seria um fator de “despopulação”. Mas, do
ponto de vista de seus partidários isso não era um problema, pois na visão destes, tal medida
significaria uma diminuição apenas da população que não contribuiria em nada ao progresso
da nação e da raça:

362
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito. op. cit., p. 50.
363
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., 1926, p. 11.
364
MATTOS, Darcy Moraes de. Exame pré-nupcial. op. cit., 1929, p. 81.
365
GODOY, Paulo de. Eugenia e seleção. (Tese Inaugural). São Paulo: Editorial Helios Limitada, 1927, p. 19.
366
Ibidem, p. 50.
98

O exame médico pré-nupcial age, a nosso ver, como um fator de despopulaçao, bem
entendido, combatendo, evitando na sua origem, a população de degenerados,
inválidos, incapazes, que nada produzem capaz de contrapesar a carga morta que
representam na balança social.367

De tal modo, nota-se que os eugenistas elegeram um tipo de cidadão ideal em


detrimento daqueles considerados fracos, loucos, degenerados, que representavam o oposto
daquilo que era esperado pelo projeto racial eugênico. A historiografia já observou isso muito
bem. Analisando a idealização de “construção do homem brasileiro”, o autor Jerry Dávila
relata um fato curioso, ocorrido na década de 1930, sobre a criação de uma estátua que seria
colocada na entrada do novo prédio do Ministério da Educação e Saúde. A mesma deveria
representar o homem forte, sadio e branco – imagem almejada do que deveria ser o brasileiro.
Segundo Dávila, a estátua do Homem Brasileiro: “[...] deveria simbolizar o produto da
engenharia racial e social”.368 Entretanto, a figura elaborada por Celso Antônio desagradou o
ministro Gustavo Capanema, idealizador do projeto, pois remetia a “um caboclo, um homem
das matas, de raça mestiça”369, ela representava, portanto: “tudo o que Capanema esperava
que o Brasil deixasse para trás”.370
Diversos intelectuais e cientistas sociais do período idealizavam um novo retrato do
homem médio brasileiro. Acreditava-se que eugenia e suas práticas poderiam aperfeiçoar
física e mentalmente a raça humana pela manipulação dos traços genéticos; o exame médico
pré-nupcial se implantado obrigatoriamente no país ajudaria a alcançar tal objetivo. Assim, na
visão destes “homens cultos” não havia dúvidas sobre as vantagens da implantação do exame.
Apesar de não figurar como tema principal, a proposta sobre o exame também esteve
presente nas discussões ocorridas no seio da Liga Brasileira de Higiene Mental, cuja produção
escrita era também voltada a especialistas, embora de forma mais geral – ou seja, não apenas
para aqueles que se interessavam pela leitura mais específica de teses sobre o assunto da
eugenia, mas a todos que se interessavam pelo debate dentro da classe médica. Essa hipótese
tem como base o fato de que o suporte utilizado para difusão das ideias da Liga era uma
revista acadêmica intitulada Archivos Brasileiros e Higiene Mental, editada entre 1925 a 1947
a qual constituía-se no principal meio de divulgação dos trabalhos – artigos originais,
resenhas, análises, relatórios – desenvolvidos de seus membros. Nesta, não havia, entretanto,

367
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., p. 75.
368
DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil 1917-1945. São Paulo: Editora da
UNESP, 2006, p. 48.
369
Ibidem, p. 49.
370
Ibidem.
99

uma periodicidade definida, em 1925 foram publicados dois números. As publicações são
interrompidas e só retornaram em outubro 1929 tornando-se mensais até setembro de 1930. A
seguir, mais uma vez a periodicidade torna-se indefinida, mas havia certa regularidade na
produção até pelo menos o ano de 1935, havendo uma nova interrupção com retorno apenas
em 1939. O número de páginas também era variável, nas duas primeiras publicações havia em
média duzentas páginas, em 1930 o número cai para uma média de cinquenta e em 1931 por
volta de noventa páginas. Os Archivos abrangiam assuntos diversos da psiquiatria e os temas
relacionados à eugenia ocupavam um espaço significativo em suas páginas, o que dava a
medida de sua importância no meio médico de então.
Fundada pelo médico psiquiatra Gustavo Riedel em 1923 no Rio de Janeiro, inserida
no contexto do ideal de regeneração nacional, a instituição que reunia grandes nomes da
psiquiatria do Brasil esteve preocupada com os assuntos de ordem eugênica, pois, seu
interesse maior era, sobretudo a partir de 1926, na prevenção das doenças e não tanto em sua
cura.371 De modo que a eugenia poderia auxiliar nesse objetivo. A instituição, portanto,
“reacendeu o debate [eugênico] iniciado em São Paulo em 1918”.372 É possível perceber uma
“rede de relações” formada entre a intelectualidade brasileira, pois alguns dos antigos nomes
da extinta Sociedade Eugênica de São Paulo se tornaram membros da Liga Brasileira de
Higiene Mental, como por exemplo, o higienista mental Juliano Moreira, Renato Kehl e
Afrânio Peixoto, sendo que estes dois últimos médicos, como já vimos, eram partidários do
EPN.
O autor José Roberto Franco Reis notou que sobretudo a partir dos anos 1930, há um
“acirramento do debate eugênico”373 na Liga em consequência de uma mudança no
referêncial teórico, que passava do neolarmackismo para uma tendência mendeliana. Isto é,
Franco Reis observa que medidas intervencionistas, que já vinham sendo defendidas desde a
fundação da instituição, ganham ainda um maior apoio e destaque. Assim, o autor nota que a
partir desse momento há também “uma postura mais ofensiva dos defensores do exame pré-
nupcial obrigatório na Liga”.374

371
COSTA, Jurandir Freyre. História da Psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. Rio de Janeiro: Garamond,
2007, p. 47.
372
DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., p. 104.
373
REIS, José Roberto Franco. Higiene mental e eugenia: o projeto de “regeneração nacional” da Liga Brasileira
de Higiene Mental (1920-30). Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1994, p. 307.
374
Ibidem, p. 306.
100

Apesar do espaço crescente dado ao tema da eugenia em suas páginas, foram


encontrados apenas dois artigos tratando exclusivamente sobre o EPN nos Archivos
Brasileiros e Higiene Mental. Um destes é de autoria do médico Júlio Pires Porto-Carrero, um
dos maiores entusiastas da eugenia na Liga e vice-presidente da instituição, e outro da médica
ginecologista Juana M. Lopes, ambos publicados no mesmo volume no ano de 1933.
Franco Reis considera que a intensificação da campanha em prol da obrigatoriedade
do EPN na Liga Brasileira de Higiene Mental não foi tão forte quanto a defesa da
esterilização dos degenerados. A hipótese do autor é que isso decorreu pelo fato da primeira
medida já contar há tempos com um número considerável de defensores, enquanto que
proposta de esterilização dos degenerados ainda exigia uma campanha maior. Além disso,
havia:
[...] possivelmente um encantamento maior por certas medidas de eugenia restritiva,
como a esterilização, que empolgava preferencialmente os psiquiatras por se supor
mais eficiente e realizável (realizável não no sentido de aceitação da sociedade, que
não o era, porém no de controle prático da medida pelos psiquiatras). 375

No seu artigo sobre o EPN, o psicanalista Porto-Carrero argumentava que: “O


interesse da espécie está acima do interesse da sociedade contemporânea e muito acima dos
interesses do indivíduo, que nada mais é este do que a célula periodicamente renovável do
grande organismo da espécie”.376 O mesmo acreditava que o Estado deveria prover o bom
resultado das uniões reprodutoras na espécie humana e assim o exame pré-nupcial cumpria
esta função.
Na defesa do EPN este argumento era bastante comum, os eugenistas afirmavam que
os interesses da raça ou da espécie deveriam estar à frente dos interesses individuais. Apesar
disso, frequentemente os partidários do EPN, buscaram demonstrar que a medida também
seria vantajosa também para o indivíduo. Ela significava supostamente uma “medida
defensiva da saúde do cônjuge inocente”, ou seja, impedia a propagação de doenças entre os
casais. Um casal doente, do ponto de vista eugênico, era sempre um casal infeliz. Assim, de
acordo com a dra. Juana M. Lopes, o EPN ainda serviria “como elemento de profilaxia da
infelicidade conjugal”.377

375
Ibidem, p. 307.
376
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental. op. cit., p. 89.
377
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, op. cit., p.
103.
101

Porém, mesmo valendo-se de argumentos antiliberais, inesperadamente, ao final de


seu artigo, Porto-Carrero acaba por concluir que a obrigatoriedade do exame seria
ineficiente.378 Apesar de reconhecer as vantagens do exame, o médico julgava que não seria
vantajoso “apavorar o público com legislações draconianas”. Considerando que a população
possivelmente não obedeceria tal lei e diante das dificuldades de excussão do exame, teria
melhor benefício, em sua opinião, desenvolver uma “educação sanitária”, e quando isto
ocorresse seria mais fácil a propaganda do exame pré-nupcial.379 Ou seja, era preciso que
primeiro as pessoas se conscientizassem de sua suposta importância.
Diferente de Porto-Carrero, Renato Kehl e o psiquiatra Pacheco e Silva acreditavam
que a obrigatoriedade do exame deveria ser introduzida sem mais delongas.380 A dra. Juana
M. Lopes, que também escreveu um longo artigo sobre o EPN nos Arquivos Brasileiros de
Higiene Mental, considerava ser necessário que a “sociedade impeça o casamento dos
anormais, pois legalmente hoje em dia eles poderão procriar”.381 A médica rebatia ao
argumento do descumprimento da lei dizendo deveriam ser criados dispositivos punitivos
àqueles que a burlassem. Embora se julgasse partidária do exame pré-nupcial obrigatório,
Lopes reconhecia que, para começar, seria aconselhável a criação de consultórios para exames
pré-nupciais facultativos.382
Ao longo dessa análise buscou-se demonstrar quais eram os argumentos utilizados
pelos partidários do EPN nos redutos acadêmicos, médicos ou especializados em eugenia.
Nota-se que as principais justificativas residiam em considerar tal proposta como medida
nacionalista e científica. Observa-se que, apesar de falarem de instituições diferentes, havia
uma circularidade de ideias, de modo que entre os defensores da medida a arguição era
semelhante. Embora, todos os eugenistas reconhecessem as vantagens do exame no plano
teórico, havia discordâncias no aspecto prático sobre: como, quando e de que maneira deveria
ser implantada a legislação do EPN. Mas essas objeções serão ainda melhor exploradas no
terceiro capítulo.
Percebe-se que os adeptos da medida julgavam sua implantação legal necessária e
útil. O exame ainda era justificável por seu “nobre” objetivo, pois este contribuiria, em tese

378
REIS, José Roberto Franco. Higiene mental e eugenia. op. cit., p. 309.
379
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental, op. cit., 1933, p. 93.
380
REIS, José Roberto Franco. Higiene mental e eugenia. op. cit., p. 312.
381
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, op. cit., 1933,
p. 105.
382
Ibidem, p. 120.
102

para o progresso da nação. Além disso, estes eugenistas defendiam que os governantes não
deveriam desprezar as noções de hereditariedade, tidas como verdades incontestáveis.
É válido enfatizar que tal medida possuía naquele momento um respaldo científico
uma vez que era pensada enquanto uma ação eugênica, logo, isso também contribuía para sua
justificação. Apesar da historiografia após a Segunda Guerra ter nomeado de modo
equivocado a eugenia como uma “pseudociência”383, é preciso ter em mente que esta, para os
homens do início do século XX, era de fato uma ciência. De modo que, na visão do autor
Thomas Kuhn, as teorias que posteriormente foram descartadas não devem ser tomadas pelo
historiador como acientíficas.384 Ainda segundo Kunh, não se deve apenas observar as
“contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para nossa perspectiva privilegiada”,
na verdade, é necessário que o historiador perceba a “integridade histórica daquela ciência, a
partir de sua própria época”.385 As prerrogativas desse autor certamente podem ser aplicadas à
eugenia. De acordo com Leonardo Dallacqua de Carvalho, a validade científica da eugenia,
no início do século XX, pode ser observada, pois, esta, por exemplo, “firmou-se em
universidades dos Estados Unidos em práticas do governo e em congressos especializados”.386
O pai desse movimento, Francis Galton, ainda na visão de Dallacqua de Carvalho, era um
agente da ciência, suas pesquisas, ainda que gerassem controvérsias entre os pares, eram
baseadas na disponibilidade científica de seu tempo.387
A propaganda eugênica não ficou restrita apenas ao espaço médico-acadêmico, ela se
fez presente na grande imprensa de todo o país, numa grande variedade de jornais e revistas:
Correio da Manhã, O Paiz, Correio Paulistano, A Gazeta (SP), Careta, etc. A seguir será
analisado em especial o jornal O Globo, pois este empreendeu uma grande campanha em prol
do exame pré-nupcial. Embora estivesse em pauta em outros periódicos, O Globo destaca-se
por sua abordagem ampliada do tema, justificando assim a escolha em analisá-lo.

383
CARVALHO, Leonardo Dallacqua de. A eugenia no humor da Revista Ilustrada Careta: raça e cor no
Governo provisório (1930 – 1934). Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis -
Universidade Estadual Paulista. Assis, 2014, p. 35. – SOUZA, op. cit., 2006, p. 11.
384
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora perspectiva, [1962] 1998, p. 21.
385
Ibidem, p. 22.
386
Ver mais sobre a vida e obra de Francis Galton em: CARVALHO, Leonardo Dallacqua. Francis Galton, a
eugenia e os paradigmas do seu tempo. In: Idem. A eugenia no humor da Revista Ilustrada Careta .op. cit., pp.
38-85.
387
Ibidem, p. 46.
103

2.2.2 A campanha do jornal O Globo

Pode-se dizer que na década de 1920 o debate acerca do exame pré-nupcial já estava
bastante ampliado. Além de ter estado em foco na Sociedade Eugênica de São Paulo, havia
sido apresentada a tese do médico Antônio Vita à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
que parece ter sido a primeira a tratar especificamente do tema, publicada no ano de 1920.
Nesse mesmo ano, no mês de setembro, Renato Kehl enviou à Academia Nacional de
Medicina uma representação “pedindo que fosse sugerida ao poder legislativo a necessidade
de defender a família brasileira pelo estabelecimento das exigências já referidas, do exame
pré-nupcial e a proibição matrimonial a todos os indivíduos inaptos para a procriação
hígida”.388 O eugenista, desse modo, solicitava que a instituição enviasse uma petição de
emenda ao Código Civil impedindo a união daqueles ditos impróprios à reprodução.389
Segundo Kehl, a Academia nada fez a respeito. No mês seguinte, em outubro, o
eugenista ainda teria reapresentado sua ideia dessa vez à Sociedade de Medicina e Cirurgia,
sem sucesso. Talvez por alguma atuação de Kehl ou outro defensor do EPN nos bastidores –
hipótese de difícil averiguação, porém plausível, uma vez que esses grupos mantinham
proximidade –, no ano de 1926 a discussão sobre a implantação do exame pré-nupcial
ganharia ainda maior destaque sobretudo pela campanha iniciada pelo jornal O Globo.
No momento em que jornal O Globo foi fundado, em 29 de julho de 1925 por Irineu
Marinho, na cidade do Rio de Janeiro,390 a imprensa brasileira já contava com vários recursos
tecnológicos como o telégrafo, a fotografia, além da adoção da propaganda. Esses avanços
que incluíam também a evolução técnica do impresso erguiam as bases para a sustentação da
grande imprensa.391
Irineu Marinho, que já havia atuado como repórter no A Tribuna (1890) e havia
fundado o vespertino A noite (1911),392 faleceu 21 dias após a fundação do O Globo, que
passou a ser dirigido até o ano de 1931 pelo jornalista Eurycles de Mattos, amigo de Irineu
que havia também trabalho no periódico A noite. Inicialmente o Globo publicava em torno
33.435 exemplares, distribuídos a princípio por “gazeteiros”, chegando mais tarde às

388
KEHL, op. cit., O Brasil Médico, n. 6, fev. 1930, p. 164.
389
ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral. op. cit., pp. 206-7.
390
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4.ed., 1999, p. 372.
391
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tania Regina. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006, p.
39.
392
Ibidem.
104

bancas.393 O jornal se dizia livre de afinidades com governos políticos e era considerado pelos
jornalistas e imprensa do período como moderno e noticioso. Estava inserido, por
consequência, na tendência, própria do período, “dos jornais priorizarem a informação,
componente essencial para as sociedades urbanas”.394 Assim, assumia uma dita intenção de
informar sobre a realidade de modo objetivo, “numa linguagem que procura a isenção”.395
Isto, contudo, não significava que este havia perdido seu caráter opinativo ou que não
representasse interesses e valores de certos grupos sociais. Conforme atesta Tania de Luca:
“os jornais diários profissionalizavam-se sem perder o caráter opinativo e de intervenção na
vida pública”.396 Supostamente dedicado às questões populares, O Globo posicionou-se sobre
diversos assuntos: “defendia o aumento nos vencimentos do funcionalismo público, combatia
a carestia, criticava o abandono em que se encontravam certas ruas da cidade e acompanhava
passo a passo as ações da Central do Brasil e da Light”.397 Além disso, mostrou-se favorável à
entrada de capital estrangeiro no país e à importação de automóveis. No campo político, o
jornal posicionou-se contra a candidatura de Washington Luís e mostrou-se simpático ao
movimento tenentista conhecido como Coluna Prestes.
De acordo com Maria Helena Capelato “a meta [da imprensa] é sempre conseguir
adeptos para uma causa”398 e para atingir esse fim utiliza-se de artifícios diversos. Servem de
exemplo a tal assertiva as incessantes campanhas perpetradas pelos jornais da época,
conhecidas como “campanhas de regeneração”, nas quais o Globo toma parte.399 De tal modo,
em 23 de fevereiro de 1926, era anunciado na primeira página com grande destaque: “O
Globo inicia uma nova campanha a bem da raça e da humanidade!”, a campanha em questão
era em prol do exame pré-nupcial, uma das “causas” defendidas pelo jornal.400 Não era uma
novidade o jornal realizar essas campanhas. Antes de iniciar sua defesa do EPN, engajou-se
contra o alcoolismo, por exemplo. O Globo estava seguindo uma tendência recorrente dos
jornais da época que de modo semelhante no início do século XX realizaram numerosas

393
Informações disponibilizadas pelo site Memória. Disponível em: <http://memoria.oglobo.globo.com/>
394
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit.,1999, p. 36.
395
BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p.
96.
396
DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanez. Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2010, p. 137.
397
ABREU, Alzira Alves de. (coord.) Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930.
(Verbete O Globo). FGV/CPDOC. Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/GLOBO,%20O.pdf> acessado em 09 de out. 2016.
398
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988, p. 15.
399
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. op. cit., 1984, p. 62.
400
Em 1926 o exemplar avulso do jornal custava 100 réis em todo o Brasil. O Globo ainda dizia ter
correspondentes em outros países e em todos os centros importantes do Brasil.
105

campanhas de “saneamento moral” ou “higiene social”401. Dentre estes é possível citar O


Jornal do Brasil e a Gazeta de Notícias que se engajaram contra o curandeirismo, O Estado
de São Paulo, por sua vez, voltava-se contra a prostituição, enquanto A Gazeta de São Paulo
batia-se contra as drogas.402
Naquele mês de fevereiro de 1926 O Globo, entre outros assuntos do Brasil e do
mundo, deu ênfase à tentativa iniciada no governo Artur Bernardes do país em conquistar
assento permanente no Conselho da Liga das Nações Unidas, ladeadas de notícias e
entrevistas sobre os temas da eugenia, que vinham sempre em destaque, com grandes e
ruidosas manchetes que se perdiam na primeira página em meio a fait divers criminais como
assassinatos, suicídios, etc.
Entendendo que a imprensa “torna o discurso (de uma determinada especialidade ou
grupo) parte do cotidiano da sociedade, reforçando sua legitimidade ao conferir-lhe
visibilidade”403, observa-se que iniciada a campanha em prol do EPN, até meados daquele ano
de 1926, o jornal O Globo convidou e entrevistou vários médicos do país considerados
especialistas para opinarem sobre o assunto, dentre eles Afrânio Peixoto, Flamínio Favero,
Renato Kehl, Carlos Seidl, Rocha Faria, Leonídio Ribeiro, entre outros. Essas entrevistas
foram publicadas sempre na primeira página e na primeira coluna do periódico, na parte
superior à esquerda ou à direita, o que lhe dá o caráter de um artigo de fundo, de um editorial,
portanto. Isso faz supor que a defesa do EPN seja uma plataforma defendida pelos editores,
hipótese corroborada pelo texto que segue abaixo:
Pareceu-nos oportuno e urgente agitar o problema do exame pré-nupcial, pois já se
fala numa revisão do Código Penal. O problema oferece vários aspectos. Sobre cada
um deles consultaremos especialistas, de modo a dar exame imaginado as
amplitudes que ele merece. [...] O Globo tem de mira prosseguir na grande
campanha de defesa da saúde e da raça, campanha de que é, sem dúvida, uma
importantíssima face o movimento que iniciamos de propaganda antialcoólica e o
qual, sob certos aspectos, envolve as mesmas providencias que dita a necessidade do
exame pré-nupcial ou de fiscalização do estado de saúde dos noivos. Porque, é
preciso não esquecer, como assinala de passagem o professor Afrânio Peixoto, que
entre a sífilis e a tuberculose, os males que tanto sacrificam a prole e os cônjuges,
aparece ainda mais terrível nas suas consequências o flagelo do alcoolismo. Assim
se justificam de sobre os intuitos do O Globo iniciando essa campanha a favor do
exame pré-nupcial.404

401
GUIMARÃES, Valéria. Vício Chic: Os faits divers e as representações do bas-fond na Belle Époque
brasileira" In: GRANJA, Lúcia; ANDRIES, Lise (org). Literaturas e Escritas da Imprensa, França e Brasil:
século XIX, Campinas: Mercado de Letras, 2015, p. 198.
402
Ibidem.
403
GUIMARÃES, op. cit., 2013, p. 30.
404
OS EFFEITOS do exame pre-nupcial e imperiosa necessidade dessa medida. O Globo, Rio de Janeiro, 23 fev.
1926, Matutina, p. 1.
106

Desse modo, para convencer seu público-leitor da pertinência de sua campanha contra
o alcoolismo e, por consequência, de meios que o coibissem, o jornal serviu-se dos pareceres
de nomes importantes da medicina do país. É importante, porém, notar um detalhe: o editor
cita que “já se fala de uma revisão do Código Penal”. Ora, parece que ele possuía
conhecimento do debate ocorrido nos meios especialistas (como viu no item anterior) ou ele
teve acesso com o mesmo por meio de contatos com esse grupo de médicos que defendiam o
EPN (seja por laços pessoais, seja por convicção), o que poderia ter incentivado o jornal a
abrir espaço para um debate que não tinha força nos meios oficiais. Tanto é que o editorial
destaca algo de importância vital para a sociedade, a revisão do Código Penal – tema que
também estava em discussão na época, assim como do Código Civil. Todavia, sabe-se que
Kehl e seus colegas não estavam obtendo uma resposta efetiva de suas associações e
representantes no que diz respeito à intervenção na legislação a favor do EPN, o que torna
possível supor que talvez tenha havido um intricado jogo de interesses e convencimento que
envolvia a camada médica e jornalística para que estes últimos abrissem porta à discussão a
fim de que, com o apoio da opinião pública, o EPN ganhasse força e seus defensores, maior
influência junto aos órgãos competentes. Daí, supõe-se, o motivo de tanto destaque dado pelo
Globo ao EPN em ruidosas manchetes e textos, verdadeira “missão” que se personificava na
campanha favorável ao mesmo, supostamente “nobre”, já que, segundo o jornal, visava o
“bem” ou a “defesa da saúde e da raça”.
Em 23 de fevereiro de 1926, juntamente com o anúncio de início da campanha, é
publicada na mesma matéria a entrevista com Afrânio Peixoto. Embora no texto não seja
informado quem é o entrevistador, sabe-se que o diretor redator-chefe era Eurycles de Mattos.
Nessa entrevista, Peixoto expôs sua defesa do EPN por ser uma medida que preventiva de
muitas doenças. Assim dizia o médico: “É a salvação da raça, pelo saneamento do amor e da
família esse exame pré-nupcial”.405
Três dias depois, em 26 de fevereiro do mesmo ano, O Globo trazia um grande
anúncio na primeira página: “Por que foi revogado o artigo do Código Civil Brasileiro que
exigia o exame pré-nupcial?”. Logo em baixo, no canto superior esquerdo da página – mesmo
espaço onde havia sido colocada a entrevista de Afrânio Peixoto – anunciava a manchete:
“Um artigo do Código Civil Brasileiro que pode ser restabelecido”. Dessa vez o convidado
era o médico-legista Leonídio Ribeiro, que, segundo o jornal, era um dos “novos nomes mais

405
OS EFFEITOS do exame pre-nupcial e imperiosa necessidade dessa medida. (Entrevista de Afrânio Peixoto).
O Globo, Rio de Janeiro, 23 fev. 1926, Matutina, p. 1.
107

brilhantes da medicina brasileira”, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,


era discípulo e seguidor de Afrânio Peixoto. Diferente da entrevista de Afrânio onde
aparecem as perguntar e as repostas, nesta entrevista há apenas um parecer de Ribeiro sobre o
EPN, com ênfase no art. 20 do decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, legislação que
facultava aos pais o direito de exigir do noivo(a) do filha(o) a certidão de vacina e atestado
médico. Como já exposto anteriormente, este artigo havia sido revogado, um fato que o
eugenista lamentava. Ribeiro esperava que esse dispositivo fosse restabelecido no Código
Civil ou que então o Congresso aprovasse uma lei regulando o assunto:
O Brasil, que é este imenso país, cujo progresso cada vez mais está na dependência
exclusiva do aumento da população válida e útil, mais do que qualquer outro,
precisa por mãos a essa obra benemérita de patriotismo, que terá como consequência
imediata não só a diminuição do número de abortos e de natimortos, como também
dos portadores de lesões hereditárias quase todas incuráveis, que são entre nós uma
grande maioria, e em cujo quadro deverão ser incluídos os surdos, os mudos,
epilépticos, paralíticos, aleijados, idiotas e imbecis. 406

Apesar de haver uma linguagem mais coloquial, tal como nos suportes acadêmicos, no
jornal também aparecia o argumento de que o EPN era uma medida “patriótica” ou “em
benefício da nação”. Esse era empregado como uma forma de tentar convencer o leitor sobre
as supostas benesses do exame. Renato Kehl, o próximo entrevistado, também expôs uma
visão parecida, entendendo a implantação do EPN como um importante instrumento para a
regeneração do país. Para Renato Kehl a implantação do exame pré-nupcial por lei seria
motivo de comemoração nacional:
O dia em que se tornar realidade a exigência do exame pré-nupcial deve ser
comemorado como uma das maiores datas nacionais. Será o legítimo “dia da raça”,
solenizando a garantia dos lares, a regeneração e defesa da nacionalidade, que ora se
esboça raquítica e enfezada, em virtude dos casamentos de doentes e tarados, de
consanguíneos, além da degeneração causada pelas endemias que a castigam e pelas
levas imigratórias constituídas pelos (sic) rebotalho heterogêneo que vem complicar
mais ainda, as mazelas de nosso laboratório étnico.407

O jornal, por sua vez, sempre trazia uma fotografia e apresentação de seus
entrevistados ao público leitor que poderia talvez desconhecer estes homens. O Globo os
apresenta como intelectuais de prestígio a fim de demonstrar a “validade” de suas de ideias.
Além disso, fazia questão demonstrar como a campanha desenvolvida pelo jornal estava
sendo bem recebida por estes:

406
UM ARTIGO do Código Civil Brasileiro que pode ser restabelecido. (Entrevista de Leonídio Ribeiro). O
Globo, Rio de Janeiro, 26 fev. 1926, Matutina, p. 1.
407
O EXAME pre-nupcial e o seu valor eugênico (Entrevista de Renato Kehl ao jornal) O Globo, Rio de Janeiro,
02 mar. 1926, Matutina, p. 1.
108

Ao tratarmos da momentosa questão do exame pré-nupcial, que envolve um dos


pontos capitais do da eugenia, não podíamos deixar de ouvir o Dr. Renato Kehl,
cientista patrício que há mais de dez anos sustenta a propaganda dessa valiosa
iniciativa, desde quando fundou em São Paulo a primeira sociedade eugênica criada
na América Latina. [...] E a nossa pergunta de como recebeu a iniciativa do O Globo
e quais efeitos e a utilidade do exame pré-nupcial, respondeu-nos tê-la em alta conta,
felicitando-nos por inaugurá-la com a opinião do professor Afrânio Peixoto, que
abordou a questão de um modo brilhante e convincente, mesmo aos espíritos mais
céticos.408

O Globo noticiava que os colegas de imprensa também aplaudiram a campanha, era o


caso da “Gazeta dos Tribunais”, além do apoio de instituições como a Sociedade de Internos
do Hospital São Sebastião e o Serviço de Educação e Propaganda da Inspetoria de Profilaxia
da Lepra e das Doenças Venéreas.
O próximo parecer em prol do exame pré-nupcial era do Dr. Mario Kroeff, publicado
no dia 5 de março na primeira página do periódico. Já no dia seguinte, mais uma entrevista
sobre a “benemérita campanha”, era ouvido o obstetra Fernando Magalhães – membro da
Liga Brasileira de Higiene Mental. Como se observa, não há uma periodicidade definida
nessas entrevistas, elas aparecem de modo aleatório, mas sempre na primeira página, na
sessão que também aparece esporadicamente chamada de “As grandes campanhas do O
Globo”.
Apesar de considerar que o exame pré-nupcial deveria ser exigido por lei por ser um
“corolário lógico da defesa e da conservação social”409, Fernando Magalhães acreditava que
para que esta legislação atingisse seus objetivos, era preciso que houvesse uma instrução, isto
é, deveriam existir cursos de higiene sexual para moços e moças.
Em 11 de março, mais uma entrevista estampava a primeira página, dessa vez com o
médico Benjamin Antônio da Rocha Faria. Este afirmava que: “Em tese, teoricamente, não
pode haver discussão razoável sobre as vantagens da saúde dos casais na formação complexa
e delicada de cada lar”. A felicidade, segundo Rocha Faria, era impossível ao casal doente.
Mas, o médico questionava-se como resolver esse problema “sem atentar contra a liberdade
dos nubentes, num ato social tão relevante e de tão doce expectativa de felicidade”. A solução
era a educação higiênica: “Proceder sempre delicadamente de modo a atrair os jovens ao

408
Ibidem.
409
O PROFESSOR Fernando Magalhães e o palpitante problema. O Globo, Rio de Janeiro, 06 mar. 1926,
Matutina, p. 1.
109

exame invocando e insistindo carinhosamente sobre a conveniência de suas disposições


legais, pregando para convencer e não para punir ou perseguir”.410
Apenas alguns dias depois, o convidado da vez era Carlos Seidl, bacteriologista e
diretor do hospital carioca São Sebastião. Este, assim como Rocha Faria, concordava que
teoricamente não havia dúvidas quanto os benefícios do exame pré-nupcial. Todavia,
considerava que se implantada a lei de teor obrigatório seria burlada pela população: “o
problema não é de fácil solução. Admiro, mas não ouso acompanhar, os que o resolvem de
uma simples penada”.411
Entretanto, logo surgiria uma voz para rebater os argumentos daqueles que falavam
dos inconvenientes práticos do EPN. No dia 30 de março era publicada a entrevista com o
médico-legista Flamínio Fávero. O professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, assim
dizia:

Um mal muito nosso é a simpatia extremada pela lei do “tudo ou nada”. Se, em
qualquer iniciativa, não conseguirmos desde logo o máximo, a perfeição, o ideal,
então desistimos do empreendimento, ainda quando nos conduzisse a alguma coisa
proveitosa e passível de próximo aperfeiçoamento. É o que sucede com o atestado
ante-nupcial. Em teoria não se discute mais o seu valor. Na prática, contudo, surgem
dificuldades e, daí, se lhe decretar a inexequibilidade.412

Para Fávero as vantagens da implantação do exame seriam maiores do que seus


inconvenientes. Sobre a possibilidade de “ligações ilícitas”, ou seja, médicos de família
poderiam fornecer atestados falsos aos nubentes, Fávero apontava uma solução: bastava que o
exame fosse realizado por um médico legista, inspetores médicos escolares, enfim aqueles
profissionais de suposta confiança do Estado, que tivessem idoneidade comprovada. O
mesmo ainda rebatia a ideia de possíveis falhas nos exames médicos, afirmando que estas
seriam uma exceção.413
Mas, a defesa da “educação eugênica” e da propaganda precedentes à legislação do
exame voltava a ser tratada por W. Berardinelli, membro da Sociedade de Neurologia da Liga
de Higiene Mental. Este em sua entrevista fez uma analogia dizendo que a caneta tinteiro só
passou a ser comprada pela população depois de ser feita sua propaganda. O mesmo deveria

410
A FELICIDADE é impossível no casal doente: o que nos diz o professor Rocha Faria. O Globo, Rio de
Janeiro, 11 mar. 1926, Matutina, p. 1.
411
ENCARANDO o duplo aspecto theorico e pratico da questão do exame pre-nupcial. O Globo, Rio de Janeiro
16 mar. 1926, Matutina, p. 1.
412
FALA-NOS o Dr. Flaminio Fávero, professor da Faculdade de Medicina de S. Paulo. O Globo, Rio de
Janeiro, 30 mar. 1926, p.1.
413
Ibidem.
110

ser feito em relação ao EPN, caso contrário a legislação seria burlada, não chegando a realizar
seu objetivo.414
Analisando as entrevistas publicadas, chega-se a mesma conclusão feita na análise das
publicações acadêmicas: novamente, observa-se que apesar de não haver um consenso total
sobre a possível aplicação da lei, todos os médicos entrevistados concordavam que a
realização do exame pré-nupcial seria muito benéfica na profilaxia de doenças e para o
aprimoramento racial. Enquanto Kehl, em sua entrevista, afirmava que o momento já era
oportuno para a aplicação da lei do EPN, de modo que já era tempo de sair da propaganda
para entrar no período da “ação e da prática”, outros entrevistados com W. Berardinelli e
Rocha Faria, acreditavam que ainda era preciso investir numa “educação eugênica” que
conscientizasse a população sobre a necessidade e os benefícios de se consultar um médico
antes do casamento. Flamínio Fávero e Carlos Seidl em suas entrevistas não deixaram de
reconhecer os problemas práticos da legislação de obrigatoriedade EPN. Fávero, no entanto,
considerava que era possível superar esses problemas.
O jornal O Globo não publicou apenas entrevistas sobre o exame pré-nupcial. Em 8
de julho de 1926, por exemplo, anunciou na primeira página com grande título: “O novo
código sanitário do México consagra as ideias da nossa campanha pré-nupcial!”. Mais abaixo
estava notícia intitulada “O exemplo do México” na qual falava-se da exigência implantada
no país de apresentação do certificado médico para realização do matrimônio.
O último entrevistado a tratar do tema foi o dr. Américo Valério no mês de junho de
1926. Apesar do grande destaque que teve a campanha nos meses de fevereiro a junho, ao que
parece O Globo encerrou por ali seu inquérito em prol do EPN, ao menos no ano de 1926.
Pois, em 1927, a discussão seria retomada nas páginas do jornal, sobretudo devido à criação
do projeto de lei do deputado Amaury de Medeiros que facultava o exame pré-nupcial –
analisado no quarto capítulo desse trabalho. Entretanto, em 1927 a ênfase dada pelo jornal
está nas notícias, de modo que não são retomadas as entrevistas aos moldes de 1926.
Dessa forma, observa-se que o jornal O Globo, por meio de sua campanha e das várias
entrevistas feitas aos “especialistas” no tema, contribuiu para a divulgação do debate sobre o
exame no Brasil. O médico Luciano de Mello Baptista em sua tese, apresentada à Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro em novembro de 1926, elogiava a iniciativa do periódico: “A
imprensa brasileira não tem se descuidado do assumpto sobressaindo ultimamente a

414
O EXEMPLO da caneta tinteiro. O Globo: Rio de Janeiro, 12 abr. 1926, p.1.
111

campanha inteligente e criteriosa d’O Globo”.415 Além disso, Mello Batista na dedicatória de
seu trabalho afirmava que a campanha do jornal havia lhe “sugerido” o assunto do exame pré-
nupcial.
Acredita-se que o inquérito realizado pelo periódico tenha contribuído para a
ampliação da discussão acerca do exame. Seria difícil precisar em que nível se deu tal
contribuição, contudo, sabemos que o jornal era destinado à população em geral, assim o
debate do exame pré-nupcial saia neste momento do espaço exclusivamente médico-
acadêmico, podendo ser apreciado a partir de então por qualquer leitor do jornal.
Coincidência ou não, depois da campanha d’O Globo o número de teses médicas a
tratar especificamente sobre esse assunto aumentou.416 No estado de São Paulo, foi
encontrado um artigo do médico Paulo de Godoy publicado na Revista de Medicina, em maio
de 1926, no qual este fazia apologia à implantação do exame pré-nupcial no Brasil. No ano
seguinte, o mesmo médico, voltaria a tratar do tema na mesa revista. Ainda em 1927, também
foram localizados dois livros de teses médicas dedicando-se à defesa do exame. Antônio
Ferreira de Almeida Júnior, graduado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo,
defendeu sua tese para livre-docência intitulada “O exame médico pré-nupcial”. Localizamos
com título praticamente idêntico o livro da tese de Estellita Ribas: “Exame pré-nupcial”
também apresentada Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, cadeira de Higiene.
Além disso, no ano de 1927 surgiu o primeiro projeto de lei de Amaury de Medeiros
facultando aos nubentes o exame.
É válido enfatizar que as discussões sobre o exame não ficaram restritas apenas ao
eixo Rio-São Paulo, localizou-se uma tese do médico Valdemar de Oliveira, chamada “O
exame médico pré-nupcial” que foi apresentada à Faculdade de Medicina do Recife, em 1928.
No mesmo ano, na Faculdade de Medicina da Bahia, Luiz Fabrício de Oliveira também
apresentava sua tese “Da eugenia e o exame pré-nupcial obrigatório”.
A medida ainda seria destacada no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia (1929),
no periódico Boletim de Eugenia (1929-1933) e em vários outros jornais da grande imprensa.

415
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., p. 20.
416
Antes de 1926 a única tese médica que encontramos com o termo “exame pré-nupcial” em seu título foi a de
Antônio Vita. Após o ano de 1926, quando se inicia a campanha d’O Globo, foram encontradas seis teses que
utilizaram o termo em seu título, sendo seus autores: Luciano de Mello Baptista, Estellita Ribas, Antônio
Almeida Júnior, Valdemar de Oliveira, Luiz Fabrício de Oliveira e Darcy Moraes de Mattos. É claro que outras
teses sobretudo relacionadas à eugenia ou à profilaxia da sífilis trataram deste assunto, entretanto estas trataram
especificamente da temática.
112

Assim, supõe-se que o jornal O Globo ao posicionar-se a favor da implantação do


exame no país, somava forças na divulgação da medida e conquistava novos partidários, como
foi o caso do médico Luciano de Mello Baptista. Ao colocar em suas páginas entrevistas com
grandes clínicos da época, O Globo certamente contribuiu mobilizando novos aliados à
proposta do EPN, cientistas e não cientistas, mas também, por outro lado, provavelmente,
outros leitores se tornaram discordantes da medida. Logo, o jornal foi importante para o
incremento do debate.
Além de destacar o aspecto ufanista de suas propostas e lembrar o leitor de seu
embasamento científico, no próximo item será abordado outro artifício utilizando
frequentemente pelos eugenistas em sua campanha em prol do EPN: o ato de fazer referência
às experiências de outros países.

2.3 A proposta do exame pré-nupcial inserida no debate internacional

Tanto nas entrevistas ao jornal O Globo quanto em suas teses era comum que os
adeptos da obrigatoriedade do exame pré-nupcial citassem exemplos de outros países que
adotaram a medida. Isso demonstrava que tal proposta não era uma singularidade brasileira e
que já vinha sendo colocada em prática em alguns locais ou sendo ao menos debatida.
Segundo o médico paulista Antônio de Almeida Júnior, na Alemanha, Inglaterra, Itália e
Bélgica o assunto também estava em voga. Ainda de acordo com o mesmo, no ducado de
Luxemburgo, foi apresentado, em 1927 um projeto de lei instituindo o exame compulsório,417
enquanto que “A Suécia, a Noruega, e a Dinamarca não ficaram no terreno das doutrinas:
instituíram por lei [...] o atestado médico obrigatório”418 assim como nos Estados Unidos onde
vinte e três estados estabeleceram o exame pré-nupcial.419

417
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 47.
418
Ibidem, p. 48.
419
Ibidem, p. 49. Segundo Estellita Ribas (1927) alguns do estados norte-americanos que adotaram o exame pré-
nupcial: Oregon, Dakota do Norte, Carolina do Norte, Wiscosin, Wyoming e Novo México. Apesar de algumas
particularidades, em geral todos impediam o casamento de portadores de doenças venéreas, alguns incluíam à
lista de impedimentos tuberculosos, alcoólatras e epiléticos. Os estados de Nova York, Pensilvânia e Virginia
exigiam dos nubentes um juramento de não possuir doença venérea. (RIBAS, op. cit., pp. 54-5). Alguns anos
mais tarde Júlio Porto-Carrero (1933) abordava sobre o exame pré-nupcial nos EUA, as informações trazidas por
Porto-Carrero diferem das de Ribas, pois o primeiro trás novos estados à lista. Segundo Porto-Carrero:
Washington, Oregon, Dakota do Norte, Wisconsin, Alabama, Carolina do Norte, Wyoming e Lusiana
implantaram o EPN. Enquanto que Delaware, Indiana, Maine, Michigan, Nesbraska, Nova Jersey, Nova York,
Oklahoma, Pensilvânia, Utah, Vermont e Virginia teriam apenas proibido casamentos por doença venérea sem
exigir atestado médico. (PORTO-CARRERO, op. cit., p. 87).
113

O médico Estellita Ribas também citou a experiência de outros países em sua tese,
defendendo a aplicação do exame. Segundo ele, na Turquia o exame pré-nupcial havia sido
instituído por lei, o mesmo era realizado por um médico e caso fosse detectada alguma doença
venérea o casamento somente seria consentido após a cura do nubente. 420 Em 1924 em Porto
Rico era instituída a proibição legal de matrimônios entre leprosos ou de leprosos com
indivíduos não acometidos por esta doença. Enquanto que na Noruega em 1 de janeiro de
1919 foi promulgada uma lei de obrigatoriedade de apresentação do atestado antenupcial.421
Assim como Almeida Júnior, Estellita Ribas citava a Suécia e a Dinamarca. No
primeiro país, segundo o médico, em 11 de novembro de 1915 foi promulgada uma lei
[...] sobre a exigência do certificado de boa saúde. É vedado o casamento aos
epilépticos, alienados, e portadores de mal venéreo no período de contaminação [...].
O candidato tem que responder a um questionário declarando-se isento das moléstias
referidas e, no caso de falsidade, a pena imposta é a anulação do casamento. 422

Almeida Júnior afirmava que o exame pré-nupcial foi instituído como uma obrigatoriedade na
Suécia, mas, na fala de Ribas não fica claro se os nubentes passavam realmente por um exame
médico ou se apenas respondiam um questionário e declaravam-se isentos de moléstias. No
caso da Dinamarca, Estellita Ribas afirma que em 30 de junho de 1922 instituiu-se uma lei
proibindo o consórcio se indivíduos portadores de moléstias venéreas.423
A Alemanha e a Áustria, segundo Júlio Porto-Carrero, impunham que os candidatos ao
matrimônio visitassem os “consultórios pré-nupciais” onde passavam por um “conselho
médico”.424 Na Alemanha, portanto, o exame pré-nupcial não era uma obrigatoriedade. A
Liga Sanitária de Berlim distribuía aos futuros cônjuges um folheto onde alertava sobre a
importância de se conhecer o estado de saúde do outro e aconselhava que os noivos
procurassem um médico antes de se casarem.425
Na América Latina, a Bolívia por meio de uma lei promulgada em 1922 solicitava aos
nubentes um certificado médico além de interditar o casamento de tuberculosos e portadores
de outras moléstias infectuosas. Na Argentina, a lei nº12.331 aprovada em 1937, instituía o
exame pré-nupcial obrigatório.426 Segundo o artigo nº13:

420
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., pp. 54-5.
421
Ibidem, p. 57.
422
Ibidem, p. 58.
423
Ibidem.
424
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental, op. cit., 1933, pp. 87-8.
425
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental. op. cit., 1933,
p. 108
426
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 136.
114

Las autoridades sanitarias deberán propiciar y facilitar la realización de exámenes


médicos prenupciales. Los jefes de los servicios médicos nacionales y los médicos
que las autoridades sanitarias determinen, estarán facultados para expedir
certificados a los futuros contrayentes que los soliciten. Estos certificados, que
deberán expedirse gratuitamente, serán obligatorios para los varones que hayan de
contraer matrimonio. No podrán contraer matrimonio las personas afectadas de
enfermedades venéreas en período de contagio.427

De modo semelhante, o Código Civil do México de 1932 impedia casamentos de alcoólatras,


sifilíticos e portadores de doenças crônicas, enquanto que o Código Civil do Peru de 1936
proibia o casamento aos que tivessem doença crônica contagiosa, transmissível por
herança.428
Na França, país visto pelos médicos brasileiros como “líder intelectual e cultural”429, o
exame pré-nupcial também estava sendo discutido. A Sociedade Francesa de Eugenia,
sobretudo a partir de 1926, considerava que era imprescindível que o exame se tornasse
obrigatório.430 No entanto, de modo distinto daquilo que era proposto no Brasil, os médicos
eugenistas franceses não pretendiam impedir nenhuma união. Cabia-lhes apenas dar conselhos
e alertar os nubentes sobre os “perigos eventuais de um casamento, cuja realização seja
preferível evitar ou retardar”.431 A Sociedade Francesa de Eugenia concluía que:
O exame [...] não dá lugar a qualquer autorização ou interdição para o casamento,
ficando os interessados livres na sua decisão. A lei que instituir o exame médico pré-
nupcial obrigatório só comportará sanções, com respeito ao oficial do estado civil, se
ele celebrar qualquer casamento sem que os nubentes apresentem o certificado
médico, provando terem sido, previamente examinados. 432

Sob o governo Vichy, em 1942, foi concretizada a lei do exame pré-nupcial na França.
Nesta legislação, apesar do exame ter se tornado obrigatório, o governo não tinha o poder de

427
Lei 12.331. Buenos Aires, 17 dez. 1936. [grifos meus] Disponível em: <
http://www.comisionporlamemoria.org/> acessado em 23 ago. 2016.
428
CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. op. cit., p. 57.
429
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 1976, p. 73.
430
Segundo William H. Schneider: “The proposal for a physical examination before marriage came after a
conference on the subject sponsored by the French Eugenics Society in May and June of 1926. [...] The debate
over proposal was extensive, even among eugenicists who raised such questions as whether it would be
sufficient to have only the male examined, whether the other spouse should see the results, and wheter marriage
should be proscribed depending on the results of the exam. Althought the bill was reported on favorably by
parliamentary committee in 1927, it was delayed by counterproposals and continuing disagreements among
doctors and eugenicists.” SCHNEIDER, W. The Eugenics Movement in France. In: ADAMS, Mark B. (org.)
The wellborn science: eugenics in Germany, France, Brazil, and Russia. Oxford University Press on Demand,
1990, p. 79.
431
E.R. O exame pré-nupcial e o voto da Sociedade francesa de eugenia. In: Boletim de Eugenia. Rio de Janeiro.
Ano III, nº 27, mar. 1931, p. 6.
432
Ibidem.
115

impedir casamentos. A obrigatoriedade consistia apesar na apresentação de um documento


que comprovava a realização do exame, a decisão final ficava a cargo dos cônjuges.433
Ainda que não instituíssem exatamente o exame pré-nupcial obrigatório, segundo os
eugenistas, vários países estavam supostamente “defendendo a raça”, trazendo impedimentos
matrimonias em suas legislações, relacionados às enfermidades que eram consideradas
prejudiciais ao bom desenvolvimento das proles. O Brasil deveria seguir o exemplo de tais
países, contudo, os governantes brasileiros, na visão dos eugenistas, ainda estariam sendo
omissos neste aspecto. Acerca deste fato dizia o médico Paulo de Godoy, em artigo à Revista
de Medicina (1926), da qual era redator-chefe:
Em todos os países ciosos da raça e da nacionalidade, há a obrigatoriedade do exame
pré-nupcial. Nas repúblicas do Prata o encontramos na Argentina, Uruguai e,
mesmo, no pequenino México. Só a República do Brasil, moça peralta e sentimental,
não cuida desse grande elemento para a Eugenia da raça. Lamentável.
Dolorosamente lamentável.[...] Passam os governos e não sai a lei áurea que viria
impedir o enfraquecimento da raça brasileira, já heterógena e mesclada pelo
caldeamento de sangues de diversas origens. 434

É possível notar que a proposta do exame pré-nupcial, não era, dessa maneira, uma
singularidade brasileira. Mas, é válido destacar que, conforme observou-se, em alguns países
como na França, por exemplo, apesar do exame ser obrigatório, cabia aos noivos a decisão
matrimonial. Ou seja, mesmo o candidato tivesse alguma moléstia não seria impedido de se
casar. O médico poderia apenas aconselhar e informar sobre os possíveis danos que a futura
prole poderia vir a sofrer devido a enfermidade do pai ou da mãe. No caso brasileiro, todavia,
boa parte dos eugenistas considerava que a medida seria inócua caso fosse facultativa ou
semelhante ao caso francês, porque julgavam que o povo brasileiro ainda seria ignorante,
diferente dos alemães ou franceses, que seriam supostamente mais “instruídos” e que
consequentemente a estes bastava o aconselhamento.
Na visão da maioria dos eugenistas, o ideal seria que exame pré-nupcial fosse
implantado à população como uma obrigatoriedade, ainda que isso significasse a necessidade
de uma prévia educação eugênica. Outrossim, a classe médica, considerada como “elemento
culto”, deveria intervir totalmente nos matrimoniais, podendo inclusive impedir determinadas
uniões. Detentores do saber e do conhecimento científico, os profissionais da medicina

433
DIAS, Patrícia Fortunato. Prevenir é melhor do que curar: as especificidades da França nos estudos da
Eugenia. Dissertação de Metrado apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2008, p. 93-4.
434
GODOY, Paulo de. Pontos de Vista. In: Revista de Medicina. op.cit.,1926, p. 2.
116

deveriam, nessa concepção, decidir quanto ao futuro da população dita de modo geral inculta
e ignorante.

2.4 Aprimorando a raça por meio da saúde? Elementos conexos no discurso eugênico.

Desde o início desta pesquisa, chamou a atenção o fato de que nas propostas do exame
médico pré-nupcial os possíveis impedimentos matrimoniais sempre recaiam sobre os
indivíduos doentes ou portadores de alguma degeneração física hereditária, conforme se notou
no primeiro capítulo. Viu-se também que muitas destas doenças possuíam inclusive uma
condenação moral, como no caso da sífilis, tuberculose e alcoolismo. Assim, surgiram alguns
questionamentos diante de nossa pesquisa: em que medida a questão racial esteve presente nas
propostas do EPN? Por que os eugenistas brasileiros não sugeriam o impedimento aos
casamentos inter-raciais? Para tentar responder essas questões é preciso realizar uma análise
mais ampla, ultrapassando a questão do exame. Para tanto, serão tratadas as teorias raciais no
Brasil, observando a seguir como alguns eugenistas entendiam a miscigenação: esta era
considerada um problema ou uma solução?
Segundo Thomas E. Skidmore: “Americanos e europeus do Norte tinham o casamento
inter-racial por anátema”.435 Apesar desta condenação, provavelmente, no caso dos países
europeus, este problema não esteve colocado como questão prática ou em suas legislações
acerca do EPN, uma vez que a população já era branca, considerada então como raça
superior.436 Além disso, estes países não eram miscigenados ou “multirraciais”, logo, esta
problemática da mistura de raças não era tão alarmante quanto no Brasil. 437 No caso
brasileiro, onde havia uma grande “mistura” racial, visto como algo negativo, muitos
intelectuais julgavam ser preciso “branquear” a população, só assim haveria a possibilidade
do país tornar-se civilizado.
Celia Maria Marinho de Azevedo observa que a historiografia ao tratar da transição do
trabalho escravo para o trabalho livre desprezou em sua análise a questão racial subjacente.
Convencionou-se justificar a imigração no Brasil, no contexto da abolição da escravidão,
como solução para o problema da escassez de mão-de-obra. Entretanto, Azevedo nota que as
435
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco. op. cit., 1976, p. 71.
436
No caso dos EUA embora não aparecesse nas legislações referentes ao exame pré-nupcial impedimentos aos
casamentos inter-raciais, existiram em muitos estados norte-americanos leis antimiscigenação.
437
Ainda de acordo com Skidmore, no caso dos Estados Unidos “o assunto era de profunda significação”, pois
“Os americanos não podiam fugir à realidade histórica de que a miscigenação ocorre com frequência num
regime escravocrata”. Ibidem, p. 71.
117

motivações imigrantistas, isto é, a defesa da vinda de imigrantes europeus ao país,


reverberava questões raciais e a tese da inferioridade racial dos africanos. Diferente dos
abolicionistas que pensavam na possibilidade de incorporação social do ex-escravos, na
concepção dos imigrantistas, o negro, devido à sua origem racial, era tido como mau
trabalhador, “incapaz de interiorizar sentimentos civilizados”438, representava o atraso e
barbárie. O trabalhador branco, por sua vez, visto como racialmente superior, representava o
progresso e a civilização.439 Nessa concepção, o negro e escravidão aparecem como culpados
do atraso do Brasil. Para que o país alcançasse algum progresso era preciso uma “injeção
branca” no país, ultrapassando o número de negros aqui presentes, esperava-se estabelecer
uma espécie de “purificação étnica”.440
A partir desse contexto, em finais do século XIX e início do XX, a teoria do
branqueamento foi aderida no Brasil por boa parte da elite brasileira. Esta considerava que a
miscigenação processada no país, entre brancos e negros ou brancos e índios, tornaria a
população cada vez mais branca, dada a suposta superioridade desta última. Tal ideia se
desenvolveu como uma adaptação às teorias raciais clássicas que condenavam a mistura de
raças, assim “[...] surgia como uma espécie de solução mágica para as contradições de uma
sociedade multirracial, heterogênea e atravessada por uma rígida hierarquia”.441
Essa “teoria” foi defendida, por exemplo, pelo diretor do Museu Nacional, João
Batista de Lacerda e trazia uma concepção otimista quanto ao futuro do país que se tornaria,
supostamente, dentro de alguns séculos, totalmente branco. Além disso, expressava a crença
de que os mestiços não estavam fadados à degeneração.442 Segundo João Batista de Lacerda
(1911), com advento da República, muitos “mulatos capazes” puderam conquistar altos
cargos políticos e administrativos. Assim, diante da demonstração do talento e da capacidade
dos mestiços, os casamentos inter-raciais, entre mulatos e brancos, de acordo com Lacerda, já
não eram vistos com desdém de outrora.443
Vanderlei de Souza demonstra que, a princípio, vários eugenistas brasileiros foram
atraídos pela teoria do branqueamento. Rubião Meira, que fez parte da comissão consultiva da
Sociedade Eugênica de São Paulo, acreditava que embora a miscigenação pudesse ser vista

438
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites – século
XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 62.
439
Ibidem, p. 65.
440
Ibidem, p. 75.
441
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, p. 171.
442
HOFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. op. cit., 2006, p. 207.
443
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco. op. cit., 1976, p. 82.
118

como algo negativo, ao menos no Brasil vinham sendo realizados cruzamentos com uma dita
“população valorosa e sadia”, isto é, o cruzamento de indivíduos caucasianos com aqueles de
outras raças consideradas “inferiores”.444 De modo semelhante, o médico e eugenista João
Henrique considerava que mesmo o Brasil sendo um país miscigenado, logo constituiria uma
nacionalidade saudável, caso fosse dada a devida atenção às doenças e ao melhoramento da
saúde e da higiene no país. Fernando Magalhães, que era membro da Liga Brasileira de
Higiene Mental e favorável a legislação da EPN, também acreditava o processo de
miscigenação aqui ocorrido não era degenerado.445
A teoria do branqueamento, portanto, considerava que mestiços não estavam
predestinados à degeneração, mas matinha ainda o viés da superioridade da raça branca.
Todavia, no início do século XX surgia uma nova perspectiva. Em meados da década de
1910, os brasileiros foram “absolvidos” das frequentes acusações de inferioridade racial
advindas principalmente de intelectuais estrangeiros. Os conhecimentos médicos-higienistas
apontavam agora um “novo réu”, o movimento sanitarista afirmava que o principal problema
do Brasil era as doenças. Nessa perspectiva, a preguiça e improdutividade dos brasileiros
provinham das enfermidades, fruto do descaso dos governos.446 Daí surgiria a concepção de
que o brasileiro “não era assim, mas estava assim”.447 O sanitarismo, na concepção de Nísia
Trindade Lima e Gilberto Hochman, pode ser encarado com um ponto de inflexão às teorias
raciais.
Marcos Chor Maio acredita que o movimento sanitarista denunciava os males
brasileiros numa chave antirracista.448 O autor destaca então a existência de duas perspectivas
diferentes em inícios do século XX. De um lado havia a teoria do branqueamento: “uma
proposta liberal e racista [...] em defesa da substituição do povo brasileiro, constituído em
grande parte por mestiços e negros, por significativas levas de imigrantes europeus”. De
outro, estavam os adeptos do movimento sanitarista: “[...]intelectuais, médicos antiliberais,
como Belisário Pena, críticos contundentes da Primeira República, antirracistas, afirmavam

444
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 58.
445
Ibidem, pp. 60-62.
446
LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto, op. cit., 1996, p. 23.
447
Essa expressão foi utilizada por Monteiro Lobato como autocrítica ao tratar de personagem Jeca Tatu, que
antes aparecia na literatura de Lobato como culpado por sua ignorância e preguiça. Contudo, na fábula “A
Ressurreição de Jeca Tatu” o personagem era curado de suas enfermidades por um médico itinerante. Assim,
tornava-se saudável e feliz, conseguia transformar sua roça e viajava o mundo (SKIDMORE, op. cit., p. 203).
448
MAIO, Marcos Chor. Raça, Doença e Saúde Pública no Brasil: um debate sobre o pensamento higienista do
século XIX. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.) Raça como questão: História, Ciência
e identidade no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p. 78.
119

que a superação das doenças endêmicas que grassavam entre a população seria a precondição
para a construção da nação”.449
Já destacou-se anteriormente a influência do sanitarismo na eugenia brasileira, em
especial, no que tange à preocupação de ambos movimentos com melhorias ao meio
ambiente. Apesar disso, é possível perceber que, ao menos em Renato Kehl, tal aproximação
não significou um pensamento antirracista. Vanderlei de Souza observa que para Kehl:
[...] a mistura racial não degeneraria a população nacional, ao contrário, seria ela
responsável pela construção de uma nova identidade. A miscigenação seria, para
Renato Kehl, responsável, inclusive, pela assimilação do sangue das “raças negra e
índia”, que tendiam a desaparecer do território nacional devido a sua
450
inferioridade.

Até a década 1920, Kehl entendia que o mestiço não era um degenerado. Entretanto,
parecia estar próximo da teoria do branqueamento, supondo a superioridade da raça branca.
Portanto, possuía uma visão racista.
Ainda crentes da teoria do branqueamento, vários intelectuais brasileiros julgavam que
devido às uniões inter-raciais ocorridas aqui e ao cruzamento com o negro, estes iam sendo
“exterminados” devido às “diluições sucessivas de sangue branco”. 451 Por este motivo, de
acordo com o Skidmore: “o Brasil jamais poderia proibir os casamentos mistos”.452 Apesar do
casamento e cruzamento com uma pessoa mais clara fosse considerado o meio mais eficaz de
se garantir “branqueamento”, visualiza-se que eram “embranquecidos” aqueles negros ou
mestiços que tinham sucesso econômico e possuíam amigos brancos de classe média.453
Portanto, ainda que não considerassem a miscigenação como algo negativo, parte dos
eugenistas mantinha sua concepção racista. Sua adesão à teoria do branqueamento
exemplifica isso, pois, apresentava a possibilidade de um futuro branco em que os negros
desapareceriam, justamente por conta da mistura racial e a prevalência da raça branca –
supostamente superior e dominante – em relação à negra. Assim, esta concepção
aparentemente positiva da mestiçagem, na verdade, combinava-se muito bem ao racismo.454
Nas teses acadêmicas e outros materiais analisados nesta pesquisa, nota-se que quando
o exame pré-nupcial era discutido, as atenções estavam voltadas para o aspecto da saúde e da

449
Ibidem, p. 76
450
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit, 2006, p. 59. [grifos meus]
451
SKIDMORE, op. cit., p. 91.
452
Ibidem, p. 89.
453
HOFBAUER, op. cit.,p. 20.
454
MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.) Apresentação. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS,
Ricardo Ventura (orgs.) Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2010, p. 14.
120

hereditariedade – e aqui englobava também a questão moral, como exposto. No corpus


documental voltado especificamente para as propostas do EPN encontramos poucas menções
aos cruzamentos inter-raciais. Em geral, os eugenistas, ao tratarem desta medida, apenas
demonstravam os supostos malefícios das moléstias, em especial aquelas transmissíveis ou
hereditárias, para as futuras gerações. Outrossim, defendiam a aplicação do exame a fim que
apenas indivíduos sadios pudessem se casar e procriar.
Acredita-se a ausência do impedimento matrimonial inter-racial nas propostas
eugenistas brasileiras possa ser justificada, em primeira instância, devido à solução trazida por
meio da teoria do branqueamento. Como notam os autores Thomas Skidmore e Vanderlei S.
de Souza, a teoria do branqueamento admitia e até mesmo dependia das uniões inter-raciais.
Logo, aos olhos dos eugenistas atraídos por esta concepção, os casamentos entre casais de
raças diferentes poderiam ser vantajosos. De tal modo, nessa abordagem, não haveria motivos
para se impedir esse tipo de união.
Além da crença no branqueamento, até a década de 1920 a maioria do movimento
eugênico brasileiro interpretava a ciência de Galton sob a ótica neolarmarquista, como já
ressaltou-se anteriormente. De modo que a temática da saúde pública e do saneamento
interessava os eugenistas, pois auxiliavam em seu projeto de regeneração da raça. Dessa
forma, cuidar da saúde da população significava cuidar da raça.
É possível perceber por meio das propostas do EPN a importância dada à “saúde
455
racial” . Conforme aponta a autora Nancy Stepan, os eugenistas latino-americanos, e aqui
inserem-se os brasileiros, buscaram combater os ditos “venenos raciais”. Termo esse que os
próprios eugenistas usavam para se referir ao álcool, nicotina, morfina e às doenças venéreas,
hereditárias, etc. Ainda segundo Stepan, esse termo: “[...] significava ou a fusão da eugenia
com o saneamento preventivo, ou a expansão do saneamento preventivo para incluir o
saneamento da hereditariedade humana”.456 Na verdade, não só os latino-americanos
voltaram-se para tal concepção preventiva. Conforme viu-se no item anterior, nas propostas
de exame médico pré-nupcial de países europeus e estados norte-americanos o objetivo era
detectar doenças e aconselhar ou impedir (em alguns casos) que os enfermos incuráveis se
casassem e se reproduzissem. Logo, lá também a saúde era um fator de aprimoramento racial.
O médico Paulo de Godoy que era partidário do exame pré-nupcial, afirmava em sua
tese “Eugenia e Seleção”, que apesar da miscigenação vivenciada, o brasileiro não era um

455
Expressão utilizada por Nancy Stepan, op. cit, 2005, p. 92.
456
Ibidem, p. 93.
121

degenerado. Godoy concordava com Alberto Torres457, dizendo que os habitantes do país
eram capazes de atingir um alto grau de aperfeiçoamento moral e intelectual. Em sua visão, o
brasileiro era “atrasado” devido às doenças, à falta de higiene e educação: “O caboclo nada
sabe das leis de higiene, do código eugênico que rege a saúde”.458
Outro partidário da eugenia e do exame pré-nupcial foi o médico Luiz Fabricio de
Oliveira459. Assim como Godoy, este médico não concebia o brasileiro como um degenerado,
mesmo diante da mistura racial aqui operada. Pensadores como Le Bon e Gobineau, que
fizeram prognósticos negativos sobre Brasil, primordialmente devido à miscigenação, na
visão de Oliveira, estavam errados. De acordo com este, a raça brasileira estava em formação
e precisa apenas de “algum carinho para se tornar ideal”.460 Oliveira julgava que os elementos
disgênicos da raça eram os vícios – álcool, cocaína, éter, etc – e doenças como sífilis,
blenorragia, tuberculose... Para o médico, os cruzamentos raciais, por sua vez, não eram
fatores de degeneração, conforme apontado anteriormente.
Rubião Meira mostrava-se otimista quanto ao futuro da nação brasileira que em sua
concepção seria inevitavelmente branco, devido ao desaparecimento do negro do país.
Concentrou sua atenção às doenças consideradas degenerativas da raça e às formas de
prevenção destas. Sobretudo no caso da sífilis, apontava como profilaxia desta doença a
obrigatoriedade dos nubentes de apresentação de um certificado médico. 461
A eugenização do brasileiro não era impossível, mas dependia da erradicação do
analfabetismo, do saneamento, profilaxia de doenças como a sífilis, tuberculose, alcoolismo.
Estas seriam consideradas ações da eugenia preventiva. Mas, tanto Godoy quanto Luiz
Fabrício Oliveira, por exemplo, e tantos outros nomes como se viu aqui, apontavam a
necessidade de se investir numa eugenia do tipo negativa. Estas visavam evitar a dita
descendência malsã, para tanto seria, supostamente preciso recorrer ao exame pré-nupcial e a
esterilização462 daqueles considerados degenerados.

457
Segundo Skidmore, Alberto Torres “ridicularizava os sumos sacerdotes do arianismo [...] Acreditava que a
teoria científica mais recente (e citava especificamente Boas e Ratzel) havia provado que caracteres essenciais
podem ser transmitidos pela hereditariedade, o que estabelecia o meio ambiente como fator mais importante da
evolução social (SKIDMORE, op. cit., p. 136).
458
GODOY, Paulo de. Eugenia e seleção. op. cit., 1927, p. 9.
459
Natural do estado do Ceará. Ex-interno da Cadeira de Clínica Médica Propedêutica. Ex-interno da 2ª Cadeira
de Clínica Médica. Sócio da Sociedade Acadêmica Alfredo Britto.
460
OLIVEIRA, Luiz Fabricio de. Da eugenia e o exame pré-nupcial obrigatório. op. cit., 1928, p. 12.
461
RUBIÃO, Meira. Fatores de degeneração de nossa raça. In: Annaes de Eugenia, op.cit., p. 63.
462
A esterilização, segundo Luiz Fabricio Oliveira, deveria ser empregada principalmente naqueles que
possuíssem doenças hereditárias, mas não contagiantes. Nesse caso apesar de não poder reproduzir-se, estes
indivíduos ainda poderiam se casar. (Ibidem, pp. 15-6).
122

As propostas do exame pré-nupcial nos exemplificam como foi pensada a relação


entre raça, eugenia e saúde. Para Paulo de Godoy, o exame médico pré-nupcial era uma
“necessidade racial”463. Ou seja, para o médico, o EPN representava uma medida que viria
contribuir para o aprimoramento racial. Este aprimoramento seria possível pela união e
reprodução de indivíduos sadios, livres de doenças. Algumas doenças, desta forma, são vistas
como fatores de degeneração da raça.
A proposta autoritária da obrigatoriedade do EPN tinha por finalidade impedir a
reprodução daqueles indivíduos doentes, considerados, como degenerados, que supostamente
não contribuíam para o progresso do país. O discurso eugenista, portanto, dividia a população
entre aptos e não aptos, sadios e enfermos, superiores e inferiores. Estabelecendo essa
classificação, pretendia de excluir aquele grupo desprovido de características que
consideravam favoráveis ao melhoramento racial. A existência dos ditos “degenerados” seria,
nessa concepção, interrompida por meio do impedimento de sua reprodução. Com isso, a vida
em geral da população tornar-se-ia mais bela e forte. Portanto, a proposta do EPN esteve
maculada ao racismo biológico. Este novo tipo de racismo que surge em finais do século XIX,
difere do racismo étnico, pois volta-se:
[...] contra o anormal, é o racismo contra os indivíduos que sendo portadores de um
estado, seja de um estigma, seja de um defeito qualquer, podem transmitir a seus
herdeiros, da maneira mais aleatória, as consequências imprevisíveis do mal que
464
trazem em si, ou antes, do não-normal que trazem em si.

O racismo biológico é interno, em outras palavras, não visa a defesa de um grupo


contra outro. Ele possibilita rotular (e condenar) indivíduos dentro de uma dada sociedade, e
busca excluir aqueles que são vistos como um perigo ao coletivo. Segundo Foucault, o
nazismo, por exemplo, conectou esse novo racismo ao racismo étnico.465
Essa junção de preconceitos pode ser observada no movimento eugênico brasileiro.
Alguns de seus prosélitos mantiveram o ideal de branqueamento: quanto mais branco mais
civilizado e desenvolvido seria o país. Para muitos intelectuais, antes tida como problema, a
miscigenação passava a ser considerada uma panaceia. Mas, era preciso também que a
população fosse forte e sadia. Por meio das noções de hereditariedade pretendia-se uma
suposta proteção biológica da espécie. Era preciso combater as ditas degenerações e os

463
GODOY, Paulo de. Eugenia e seleção. op. cit, 1927, p. 49.
464
FOUCAULT, Michel. Os anormais: Curso no Collége de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 403.
465
Ibidem.
123

“degenerados”, ou pelo menos, o surgimento de novos “anormais”. Defendia-se a ingerência


na sexualidade, determinando quem se casava ou não.
Diferentemente dos brasileiros, segundo os eugenistas europeus e norte-americanos, a
pureza racial era sumariamente importante. Era preferível que cada indivíduo se unisse com
outro da mesma raça. Na visão do biólogo Charles Davenport, maior representante da eugenia
norte-americana, os cruzamentos raciais, supostamente, geravam uma série de “desarmonias
antropológicas” de ordem psíquica e social.466
Ao final da Primeira Guerra Mundial, surgiam questionamentos sobre o sistema liberal
e as democracias pareciam entrar em crise. É nesse contexto que se observa o avanço do
radicalismo, das ideias autoritárias e fascistas. Renato Kehl, em finais dos anos 1920, se
aproximaria cada vez mais do tipo de eugenia praticada na Alemanha e nos Estados Unidos.
Tal interpretação vinculava-se às teorias mendelianas, desprezando o neolarmarquismo e sua
teoria da influência do ambiente sobre a raça. As novas concepções de Kehl podem ser
percebidas em suas Lições de eugenia (1929)467:
Entre nós, os legítimos representantes da raça etíope e da selvícola acham-se um
pouco reduzidos, difundindo-se a maioria numa heterogênea mescla racial com
tonalidade cromática caprichosamente variada. Existem brancos, pretos, pardos,
cabras, cabrochas, fulos, cafusos, cabo-verdes, caribocas, caboclos, zambos,
mazombos, mamelucos, caborés, matutos... Tão variáveis são as cores da cútis,
como os demais caracteres antropomórficos numa confusa promiscuidade de
temperamentos psíquicos. Daí a índole indefinida, a mentalidade imprecisa e
468
inconstante, os vícios políticos e sociais da nossa gente.

Contudo, em seguida Kehl, dizia que dessa “química complexa e morosa” surgiria no
Brasil “apesar dos prejuízos acarretados à raça branca, uma nacionalidade melhormente
caracterizada”469. Pois, na visão do eugenista, em concordância com as teorias raciais

466
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Ciência e miscigenação racial no início do século XX: debates e
controvérsias de Edgard Roquette-Pinto com a antropologia física norte-americana. Hist. cienc. saude-
Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 23, n. 3, p. 601, set. 2016. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702016000300597&lng=pt&nrm=iso>.
acessado em 30 ago. 2016.
467
É importante destacar que até os anos 1920 Kehl manteve uma aproximação com os movimentos higienista e
sanitarista. Contudo, em finais daquela década e início dos anos 1930, Kehl “aumentaria sua aproximação em
relação a um modelo de pensamento eugênico mais radical que começava a ser gestado na Europa e nos Estados
Unidos” (SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 125). A visita à
Alemanha e também às instituições eugênicas daquele país em 1928, talvez possam ter contribuído para este
novo posicionamento do eugenista brasileiro. A partir desse momento Kehl voltaria maior atenção às questões
relacionadas à genética, hereditariedade e biometria.
468
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit.,1929, p. 188.
469
Ibidem, p. 188.
124

existentes desde meados do século XIX470, no decorrer do tempo os negros e indígenas


desapareceriam do nosso país, assim como os indivíduos provenientes dessa mestiçagem.
Dessa maneira, afirmava: “A nacionalidade brasileira embranquecerá à custa de muito sabão
de coco ariano!”.471
Nesse momento, há uma mudança no posicionamento de Renato Kehl que passava a
considerar que os mestiços eram inferiores. Opinião semelhante possuía Miguel Couto, então
presidente da Academia Nacional de Medicina, pois considerava que “a mistura racial levaria
à degeneração nacional”.472 Essa inferioridade mestiça a que Kehl se refere era gerada, em sua
concepção, pela união de um indivíduo branco com outro de raça negra ou indígena, estas
últimas consideradas inferiores e fadadas ao desaparecimento. Kehl era favorável à vinda de
imigrantes alemães, italianos, sírios, polacos, russos. Desde finais do século XIX, sobretudo
depois da abolição da escravidão, estes imigrantes, preferencialmente brancos e europeus,
eram considerados pela elite brasileira como fundamentais para supostamente atender as
necessidades de mão-de-obra do país, mas sobretudo contribuir para o branqueamento da
população:
[...] devemos apenas abrir os nossos portos e as nossas fronteiras a todos que
quiserem vir colaborar na obra nacional de paz e de trabalho, nunca, porém,
fomentar a imigração de indivíduos de raças como a negra e amarela. Bastam-nos os
473
que aqui aportam espontaneamente,... e que não são poucos!

Assim, na visão de Kehl, era fundamental que houvesse o aumento da procriação


daqueles considerados de “boa estirpe”, ou seja, os indivíduos brancos, que representavam
supostamente a classe produtiva e útil ao país.474 Enquanto que a procriação da população dita
degenerada – pobre, negra, mestiça – precisava ser controlada.
Apesar de afirmar a inferioridade dos mestiços, Kehl julgava que a situação do Brasil
era mais favorável que a dos Estados Unidos:
Com o processar dessa mestiçagem, é de esperar que no Brasil ser resolva, de acordo
com a opinião há anos emitida por [Theodore] Roosevelt, o problema social das
raças, de modo simples e eficaz, enquanto nos Estados Unidos, com a segregação
das raças negra e índia, o problema se apresentará dia a dia mais sério, dada a
475
multiplicação dos seus representantes em pureza de origem.

470
Segundo Thomas Skidmore vários pensadores brasileiros aderiram ao darwinismo social, principalmente até
1914. Estes acreditavam que: “O negro estava fadado à extinção, como o dinossauro, ou, pelo menos, à
dominação pelas raças brancas, mais “fortes” e “civilizadas”.” SKIDMORE, op.cit., 1976, p. 70.
471
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit.,1929, p. 188.
472
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, p. 308.
473
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit., 1929, p. 190.
474
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 180.
475
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit.,1929, p. 189.
125

As comparações entre o caso brasileiro e o estadunidense eram frequentes entre os


intelectuais. Os brasileiros acreditavam que nos EUA os negros eram segregados e que lá o
processo de miscigenação teria ocorrido em menor escala em relação ao Brasil. 476 Ao que
parece, apesar de criticar os cruzamentos inter-raciais, Kehl acreditava que ao menos estes
serviram no Brasil para “aniquilar” parte da população negra, que havia sido – ou vinha sendo
– “embranquecida”. Assim, para Renato Kehl, os Estados Unidos permaneceriam com uma
população negra em seu território por muito tempo, enquanto no Brasil os negros
“desapareceriam” mais facilmente devido à miscigenação praticada. Além do mais, nessa
perspectiva, se a imigração da população negra fosse proibida no Brasil, como Kehl almejava,
logo estes seriam supostamente “extintos” de vez no país.
Ainda em Lições de Eugenia (1929), apesar de fazer considerações pessimistas sobre
os cruzamentos raciais e defender a “pureza racial”, ao tocar na chamada “regulamentação
matrimonial eugênica”, o médico destaca apenas a questão da saúde. Kehl falava da
importância de ser apresentado para realização do casamento um “certificado de saúde”.
Neste último, o médico deveria atestar que os nubentes não apresentavam clinicamente
“doenças ou taras que incapacitem para a proliferação eugênica”.477
Destarte, em sua proposta sobre o que chamou de “regulamentação matrimonial
eugênica”, Kehl não faz nenhuma menção sobre algum tipo de interdição às uniões inter-
raciais. O autor elabora um modelo de atestado médico pré-nupcial e aconselhava que o
médico deveria realizar uma pesquisa sobre possíveis deformidades ou doenças familiares do
candidato ao casamento. Sobretudo deveria também examinar se este último teria doenças
venéreas, tuberculose, lepra, câncer, doenças mentais ou nervosas, etc.478
Alguns anos mais tarde em sua obra: Por que sou eugenista: 20 anos de campanha
eugênica 1917-1937, Renato Kehl afirmava que a eugenia não tinha “preferências raciais” e
que nem mesmo desconsiderava “os produtos oriundos de cruzamentos heterogêneos” embora
os desaconselhasse, pois, segundo ele, existiam provas científicas contra a miscigenação. Ele
acreditava que todas as raças, fosse a branca, a negra ou a amarela, deveriam defender sua
pureza racial.479 Mesmo fazendo tais considerações, buscava destacar uma suposta ausência
de preconceitos raciais. Era frequente desde o movimento abolicionista que diversos
intelectuais brasileiros, destacassem uma “suposta benignidade dos senhores para com os seus

476
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco. op. cit., 1976, p. 89.
477
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit.,1929, p. 161.
478
Ibidem, p. 164.
479
KEHL, Renato. Porque sou eugenista. op.cit., 1937, pp. 42-44.
126

escravos”480, pintando uma imagem de um paraíso racial, pois no Brasil supostamente não
havia esse tipo de preconceito.
Ainda que considerasse a miscigenação como aspecto negativo, tratando-se da questão
matrimonial, não foram encontradas nas fontes pesquisadas menções de Renato Kehl
sugerindo que fossem implantadas no país leis antimiscigenação, impedindo uniões inter-
raciais, como aquelas existentes em alguns estados norte-americanos. Neste aspecto, o médico
eugenista, ao que parece, contentou-se em restringir apenas ao plano do “aconselhamento”.
Era aconselhável ou preferível que se unissem casais da mesma raça e também da mesma
classe social.481
Supõe-se que Kehl não pretendia desnudar a artificialidade da ideia de igualdade
prefigurada ao menos juridicamente no país. Embora as relações sociais fossem racistas e
discriminatórias, o discurso público deveria manter uma imagem avessa à intolerância
racial.482 Como aponta Lilia Schwarcz, o racismo vigente no Brasil possui um caráter não
oficial, diferente de outros países que adotaram “estratégias jurídicas que garantiam a
discriminação dentro da legalidade”.483 Desde a Proclamação da República observa-se a
isonômica aplicabilidade da norma jurídica, ou seja, a lei não estabelece qualquer
diferenciação pautada na raça. Mas, como a mesma autora ressalta, esse silêncio não significa
a inexistência do racismo.484
Não se podia excluir pela cor da pele legalmente, além disso, nesse mesmo contexto,
havia uma releitura da mestiçagem que passava a ser apontada como solução à definição de
identidade nacional.485 Diante tais aspectos, do ponto de vista de Renato Kehl, no caso da
implantação de uma legislação eugênica matrimonial bastava que o exame médico pré-nupcial
fosse obrigatório e que por meio desse fosse interdito o casamento aos indivíduos portadores
da sífilis, tuberculose, epilepsia, lepra, entre outras moléstias transmissíveis ou contagiosas.
O eugenista norte-americano Charles Davenport, por seu turno, apresentava uma
concepção explicitamente mais radical que Renato Kehl. Davenport acreditava que o Estado
deveria impedir o surgimento de indivíduos “híbridos”.486 Em sua visão e também do

480
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. op. cit., 1987, p. 76.
481
KEHL, Renato. Porque sou eugenista. op. cit., 1937, pp. 42-44.
482
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 165.
483
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade
brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 79.
484
Ibidem.
485
Ibidem, pp. 47-8.
486
SOUZA, op. cit., 2016, p. 601.
127

norueguês John Alfred Mjöen “a constituição biológica dos mulatos geraria um maior
contingente de doenças”.487
No Brasil, muitos adeptos do movimento eugênico, consideravam que o negro
contaminava-se mais facilmente pela a sífilis, tuberculose e alcoolismo. O médico e eugenista
Rubião Meira, apesar de considerar que a escravidão teria sido nossa “desonra” e
“ignorância”, afirmava que a libertação dos escravos acabou tornando-se a ruína da raça
negra. Os libertos “sedentos de gozar ao máximo sua autonomia” acabaram caindo nos vícios
e nas paixões, adquirindo enfermidades.488 Nessa perspectiva, o adoecimento do negro não
ocorria devido sua composição biológica ou racial, mas sim por sua conduta vista como
imoral e inadequada.489 Essa mesma compreensão incluía os mestiços que supostamente não
eram degenerados devido à sua natureza racial, mas sim por aspectos do meio. Logo, havia
uma tendência em abandonar a leitura racista-determinista pela social, contudo, ainda eivada
em racismo. Diferente dos eugenistas norte-americanos e europeus, majoritariamente
mendelianos, os eugenistas brasileiros, em grande parte inspirados na tese de Lamarck,
acreditavam que a degeneração era adquirida.
Diante desse aspecto, apesar desta informação não constar nas fontes, pode-se
interpretar que, provavelmente, os eugenistas brasileiros acreditavam que caso o EPN se
tornasse obrigatório, como almejavam, a maior parte dos indivíduos impedidos de se casarem
e se reproduzirem seriam aqueles mais pobres e negros, pois estes tornavam-se mais
propensos aos vícios e às doenças ocasionadas pelo seu suposto comportamento desregrado.
O que denota um racismo renitente e implícito nas propostas do exame.490
Analisando as fontes relativas ao exame pré-nupcial, portanto, parece possível dizer
que a saúde, sob o viés da hereditariedade e também da moral, tornou-se um fator tão caro ou
preponderante aos eugenistas brasileiros quanto à questão da raça/cor. Com isso não se quer
asseverar que seus adeptos não se preocuparam com este último aspecto. Acredita-se que
havia uma relativização das teorias raciais, o que não significou sua completa negação, pois
por trás de uma aparente aceitação da miscigenação havia um ideal de branqueamento.491

487
Ibidem, p. 605.
488
MEIRA, op. cit., p. 51.
489
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 57.
490
Nas conclusões do Primeiro Congresso de Eugenia (op.cit., 1929, p. 340) dizia-se: “os indivíduos que
gravitam para o pauperismo atestam com esse próprio fato a sua inferioridade mental e moral”. Os pobres,
portanto, são vistos como inferiores. Sua condição de pobreza supostamente era fruto de tal inferioridade
mental e moral, como dito. Atestando assim o racismo de classe presente nessa concepção.
491
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, pp. 167-8.
128

Grande parte dos eugenistas, por exemplo, defendia o controle da imigração – sobretudo aos
indivíduos de raça negra e amarela.
A proposta de restrição da imigração estava fortemente ligada à idealização do
branqueamento à suposta hierarquia das raças. No Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia
ocorrido em 1929 tal assunto foi alvo de debates. O antropólogo Edgard Roquette-Pinto,
presidente daquele evento, questionava o determinismo racial e considerava que:
[...] o indivíduo passa na frente da raça quando se trata de aplicar os princípios de
eugenia à questão de imigração. Nesse particular, essencial é que o imigrante seja
homem individualmente são (física, moral e intelectualmente) e geneticamente
492
eugênico, representando elemento de progresso e civilização.

Dessa forma, observa-se que a saúde (ou da sanidade) aparece como elemento
fundamental à eugenização do país. Segundo Roquette-Pinto493, o cruzamento racial gerava
indivíduos normais, logo, a miscigenação não era a causa da degeneração e, sim, os fatores
sociais. Era essencial que o imigrante fosse sadio e não apenas no aspecto físico e genético
como também moral. Essa atenção aos aspectos individuais dos estrangeiros pode ser
justificada, pois nas primeiras décadas no século XX:
Os imigrantes, antes entendidos como a solução para o que julgavam ser o problema
racial, passam a ser vistos como uma ameaça pelos seus hábitos estranhos aos locais,
por concorrerem às poucas vagas existentes, por estarem associados aos crescentes
índices de violência e, sobretudo, por serem em número muito alto, chegando a
494
predominar em detrimento dos nacionais.

O médico e antropólogo Álvaro Fróes da Fonseca495 possuía semelhante opinião a de


Roquette-Pinto. Afirmava em seu trabalho “Os grandes problemas da Antropologia”,
publicado nas Atas do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, que a eugenização brasileira
não era um problema racial. Segundo ele, a eugenização da população brasileira tangenciava

492
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Atas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio
de Janeiro, 1929, vol. 1, p. 20, p. 16.
493
Roquette-Pinto bebeu das concepções antirracistas de Franz Boas e da abordagem mendeliana. Entretanto, o
antropólogo inverteu “o uso que Charles Davenport dera à genética mendeliana para alertar contra os
cruzamentos raciais nos Estados Unidos”. Para Roquette-Pinto os a miscigenação era normal e saudável.
(STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., p 171).
494
GUIMARÃES, Valéria. Notícias diversas. op. cit., 2013, p. 97.
495
Formou em 1914 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Iniciou suas atividades do Museu Nacional em
1926, onde a convite de Roquette-Pinto, tornou-se professor da Seção de Antropologia. (Ver mais em:
KEULLER, Adriana Tavares do Amaral Martins. Entre antropologia e medicina: uma análise dos estudos
antropológicos de Álvaro Fróes da Fonseca nas décadas de 1920 e 1930.In: . Boletim do Museu Paraense Emílio
Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 3, p. 687-704, set. dez. 2012. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v7n3/a05v7n3.pdf> acessado em 03 out. 2016.
129

questões de educação e higiene. De modo que: “A seleção que se impõe no movimento


imigratório é a seleção do indivíduo e não da raça”.496
Ainda no Primeiro Congresso de Eugenia, era discutida a admissão ou não da
imigração negra. Os presentes pareciam não chegar a um consenso. O médico e higienista
mental Oscar Fontenelle afirmava o aspecto negativo do cruzamento com raças diversas e
pedia atenção à questão das restrições imigratórias, pois estas poderiam impedir a entrada de
tipos tidos como “inferiores” no país. Roquette-Pinto rebatia argumentando que todo o
progresso do Brasil havia sido feito por essa gente ora taxada de inferior. Ademais, afirmava
que o problema do país não era a raça e sim a higiene, conforme havia sido notado pela
expedição de Belisário Penna e Arthur Neiva. O médico e obstetra Fernando Magalhães
aproximava-se do ponto de vista de Roquette-Pinto e dizia:
As restrições impostas às correntes imigratórias importam numa injustiça e num
suicídio. Demais, os pigmentos não excluem qualidades. Há uma injustiça, porque
todo nosso passado se funda no mestiço e há um suicídio, porque todos somos
497
mestiços e assim nos excluímos.

No mesmo evento foi posta em votação a décima conclusão feita no trabalho do Dr. J.
de Azevedo Amaral que assim dizia: “O Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia aconselha
a exclusão de todas as correntes imigratórias que não sejam de raça branca” 498. Roquette-
Pinto votou contra essa decisão, pois, em sua opinião aprová-la significaria negar todas as
conquistas “feitas pelos brasileiros no desbravamento e na ocupação de sua terra”. 499 Entre os
que apoiaram a posição de Azevedo Amaral estavam Oscar Fontenelle, Xavier de Oliveira e
Miguel Couto. Estes julgavam que “a miscigenação adicional com negros levaria à
degeneração racial”.500 Mas ao final, a décima conclusão de Azevedo Amaral foi recusada
pelo Congresso por 20 votos contra 17.501
Logo, a votação foi bastante acirrada já que conclusão de Azevedo Amaral foi
rejeitada pelo Congresso de Eugenia por apenas três votos de diferença. Isso demonstra que o
movimento eugênico no Brasil não era homogêneo. Parte dos intelectuais ainda consideravam

496
FONSECA, A. Fróes da. Os grandes problemas da Antropologia. In: Atas e Trabalhos do Primeiro
Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, 1929, vol. 1, p. 79.
497
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Atas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio
de Janeiro, 1929, vol. 1, p. 20.
498
AMARAL, J. de Azevedo de. O problema eugênico da immigração. In: Atas e Trabalhos do Primeiro
Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, 1929, vol. 1, p. 340.
499
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Atas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio
de Janeiro, 1929, vol. 1, p. 17.
500
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 171.
501
ACTAS do Congresso de Eugenia. In: Atas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, op.
cit., p. 20.
130

que a raça/cor era importante para o progresso e eugenização do país – e aqui incluem-se dois
grupos: aqueles adeptos da teoria do branqueamento e que, por conseguinte, não viam a
mistura racial como algo degenerativo, ao contrário, enxergavam nela uma solução, e aqueles
que defendiam a pureza racial, interpretando a miscigenação como um problema (Renato
Kehl e Miguel Couto, por exemplo). Outros, numa concepção bem diferente, acreditavam que
os aspectos individuais eram mais importantes que os raciais, como por exemplo, os
antropólogos Roquette-Pinto e Fróes da Fonseca. Em outras palavras, os intelectuais que se
aproximavam da concepção de Roquette-Pinto, acreditavam que a sanidade física, mental e
moral individual eram mais preponderantes do que a etnia. Portanto, no Primeiro Congresso
Brasileiro de Eugenia, ficou explícita uma cisão na intelectualidade do país.502
Com base no cotejamento das fontes e também da historiografia, observa-se que os
intelectuais e a elite fizeram várias interpretações sobre o problema racial no Brasil. Se em
finais do século XIX havia uma perspectiva bastante pessimista sobre o futuro da nação fruto
da concepção crítica em relação à miscigenação, nas primeiras décadas do século XX, a
retórica sanitarista, partindo de uma abordagem microbiológica, daria um novo tom ao debate,
levando o discurso para outro patamar, mais tendente à defesa das questões sanitárias, em
discurso que se queria mais racional e científico. Pois, afirmavam que o problema do
brasileiro não era sua formação racial, mas sim, suas doenças e epidemias, a falta de educação
e saneamento. Por outro lado, a teoria do branqueamento, também em voga nesse período,
apesar de questionar a degeneração mestiça, era renitente e tinha como modelo a civilidade
europeia. Os adeptos dessa teoria almejavam um país “mais branco” no futuro.
Depois dessa longa análise sobre as diferentes concepções acerca da raça e da
mestiçagem, nota-se que em acordo pareciam estar os eugenistas quanto à relevância da saúde
e da hereditariedade a fim de conquistar o aprimoramento racial. Estes aspectos,
provavelmente, não foram desprezados por nenhum intelectual da época. Mesmo os que
estavam crentes na superioridade da raça branca não deixaram de lado a saúde, a
hereditariedade e a moral. Assim, tanto os eugenistas que viam a miscigenação como algo
natural e positivo – a exemplo de Roquette-Pinto – quanto aqueles que a entendiam como
negativa – a exemplo de Renato Kehl, a partir de 1920 – demonstravam-se preocupados em
relação às doenças, vistas como disgênicas, isto é, degenerativas e prejudiciais ao
aprimoramento racial.

502
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, p. 232.
131

Parece, dessa maneira, acertado supor que na concepção dos eugenistas, para se casar
e, consequentemente para se reproduzir, era primordial que o indivíduo fosse saudável, livre
de estigmas que comprometeriam a descendência. Mesmo possuindo diferentes concepções
sobre a miscigenação, nenhum adepto do movimento eugênico parecia discordar que a saúde
(ou a ausência de supostos estigmas) era um aspecto primordial. A proposta do exame pré-
nupcial visava a todos, homens e mulheres, brancos, mestiços e negros. Mesmo na concepção
de um Renato Kehl, favorável à pureza racial, se um homem branco pretendesse se casar com
uma mulher branca, um casamento que a princípio poderia parecer ideal, mas possuísse
alguma moléstia hereditária ou transmissível, teria seu matrimônio vetado. De modo que,
dentro daquilo que era proposto por meio do EPN, ao menos em teoria, se uma negra
pretendesse se casar com um homem branco, não haveria objeções legais desde que ambos
fossem saudáveis – afinal, como se viu, juridicamente, a proibição aos casamentos inter-
raciais era impraticável no país. Todavia, é preciso destacar que embora a proposta do EPN, e
a legislação brasileira de modo geral, não explicitassem distinções raciais, estas eram
vivenciadas nas “relações sociais como um todo”.503
A proposta eugênica do exame pré-nupcial se mostra discriminatória e preconceituosa.
Com base em conhecimentos científicos da época, alegava defender a raça por meio da saúde.
Contudo, a própria noção de sanidade esteve subordinada à concepção ética burguesa, sob o
viés da moral. O racismo biológico dessa proposta é explícito, afinal os impedimentos
matrimoniais recaiam àqueles indivíduos portadores de patologias diversas vistas como
fatores de degeneração. Numa análise mais ampla do movimento eugenista verifica-se o que
hoje se entende por racismo étnico, haja vista o desejo em forjar um país branco, embora
surgissem novas abordagens advindas de perspectivas da antropologia, que renegavam o
determinismo biológico e buscavam um deslocamento do conceito de raça para o de cultura,
sobretudo a partir da década de 1930.
Com seus argumentos científicos, os médicos eugenistas apresentavam o EPN como
uma boa solução ao Brasil. Entretanto, esse discurso não seria prontamente aceito por outros
grupos que logo se levantaram contra tamanha intromissão na sociedade (ou num domínio que
desejavam também interferir?).

503
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade. op. cit., p. 75.
132

CAPÍTULO 3. AS CONTROVÉRSIAS OU OBJEÇÕES AO EXAME PRÉ-NUPCIAL

Uma forte característica do período analisado na pesquisa era a confiança nos


preceitos ditos científicos e em sua infalibilidade para a resolução dos diversos males sociais.
Diante disso, é possível notar nos discursos médicos uma “aparente simplicidade com que se
poderia resolver todos os problemas nacionais”.504 Isto é, por meio da aplicação prática das
teorias científicas. Por meio de uma percepção “biologizada”, os eugenistas, por vezes,
ignoravam o fato que as mazelas do país eram resultado das relações sociais historicamente
estabelecidas, julgando que a chave para os problemas estaria na hereditariedade.505
O autor Luis Ferla analisando o projeto positivista presente no discurso da medicina
legal durante o entre-guerras, nota o caráter utópico, ousado e totalizante de suas
reivindicações.506 Esse aspecto redutor ou simplista certamente também pode ser notado no
projeto eugenista de “salvar a nação”, uma vez que estes possuíam, aliás, um diálogo com os
próprios positivistas, higienistas mentais.
Sendo adeptos da doutrina biodeterminista, os eugenistas brasileiros imaginavam que
seria possível uma regeneração nacional, caso fosse interrompida a reprodução de indivíduos
portadores de estigmas considerados anormais. Na teoria a proposta da obrigatoriedade do
exame pré-nupcial lhes parecia totalmente pertinente. Mas, na prática, diante da realidade do
país, os próprios eugenistas chegaram a reconhecer alguns pontos frágeis do projeto que
dificultariam sua aplicabilidade, o que gerava um impasse nesse grupo sobre sua possível
execução no Brasil. Em publicação ao Boletim de Eugenia, no ano de 1931, o médico
ginecologista Edgard Braga dizia que a obrigatoriedade do exame pré-nupcial poderia ser até
aquele momento “utopia ou sonho carinhoso do poeta”.507 Braga dizia isso, pois, a proposta
ainda não havia logrado sucesso, a despeito dos esforços dos eugenistas, e quando falava do
“sonho carinhoso do poeta” provavelmente se referia a ele mesmo, já que este além de médico
também se dedicava às letras.
Utilizando o termo de Edgard Braga, a concretização desse “sonho”, entretanto, não
era tão simples. Como foi observado no capítulo anterior, os argumentos em prol do EPN
eram diversos, sendo talvez o maior deles, o suposto compromisso com a raça e a nação. Mas,
em que medida seria levado em conta o direito individual nessa perspectiva que se dizia atenta

504
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, p. 213.
505
DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., p. 148.
506
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados: a utopia médica do biodeterminismo - São Paulo (1920-1945). São
Paulo: Alameda, 2009, p. 17.
507
BRAGA, op. cit., Boletim de Eugenia. Rio de Janeiro, Ano III, nº 28, abril de 1931, p. 8.
133

ao bem-estar da coletividade? Ademais, e o direito de se casar e procriar defendido pela Igreja


Católica? Esses eram apenas os entraves de ordem ideológica ao EPN obrigatório, restavam
ainda os problemas práticos à sua implantação. Assim, parte-se agora para análise das
principais objecções em relação a esta medida e como os eugenistas buscaram contra
argumentá-las.

3.1 A liberdade individual em questão ou o direito de intervir

Nas teses médicas sobre EPN era comum que os próprios autores e partidários da
medida dedicassem algumas páginas para falar das objeções proclamadas pelos críticos.
Nesse sentido, o tema da liberdade individual era colocado em questão. O poder de
determinar quem poderia se casar, reivindicado pelos médicos, não seria uma forma de atentar
contra a liberdade individual?
O debate se iniciava já no início do século XX, no ano de 1902 na Academia Nacional
de Medicina, enquanto o médico Agostinho de Souza Lima proclamava-se favorável à
obrigatoriedade do exame pré-nupcial, o Dr. Costa Ferraz discordava da medida por julgar
que o casamento era um ato voluntário. Em sua visão, a questão do matrimônio caberia
apenas à família dos nubentes, porque dizia respeito à conservação da espécie.
As prerrogativas eugênicas que se difundiriam poucos anos depois no Brasil iriam
confrontar justamente a concepção de Costa Ferraz. Pois, para os eugenistas, a conservação
ou o aprimoramento da raça era uma obrigação do Estado, logo, este poderia sobrepujar a
família ou o indivíduo sempre que julgasse necessário para a conservação do suposto bem-
estar social. O discurso da ideologia comentada, dessa forma, estava em sintonia com a
concepção antiliberal de Estado defendida por parte da elite e da intelectualidade da época.508
A eugenia esteve vinculada ao projeto de normalização da sociedade, e pode ser
entendida como reflexo de uma racionalidade política moderna a qual Foucault entende por
biopolítica. O filósofo francês observou um “crescente ordenamento em todas as esferas sob o
pretexto de desenvolver o bem-estar dos indivíduos e das populações”509 sobretudo a partir da
segunda metade do século XVIII na Europa.
Nessa perspectiva, enquanto os mecanismos do poder disciplinar centram-se sobre o
indivíduo e buscam produzir corpos dóceis e produtivos, a biopolítica, como nova técnica de
508
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados. op. cit., p. 279.
509
DREYFUS, Humbert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault: Uma trajetória filosófica. Para além do
estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. XXII.
134

poder, dirige-se à população e pretende regulamentar a vida: “[...] é da natalidade, da


morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos efeitos do meio, é disso tudo que a
biopolítica vai extrair seu saber e definir o campo de intervenção de seu poder”. 510 A
organização do poder sobre a vida desenvolveu-se em torno desses dois polos que, por sua
vez, não se excluem, ao contrário, se articulam.
A biopolítica se expandiu sob a promessa de, por meio da ciência e da lei, proteger as
pessoas, torná-las mais saudáveis e felizes.511 Elemento indispensável para o desdobramento
do capitalismo, de acordo com Foucault e seus seguidores, tal tecnologia de poder possui
formas e procedimentos múltiplos utilizados por diversas instituições (escola, família, polícia,
medicina).512 Seu desenvolvimento permitiu a inserção do racismo nos mecanismos de
Estado. No século XIX, o racismo estabelece uma relação do tipo biológico, pois se funda a
seguinte proposição: quanto mais indivíduos supostamente inferiores e degenerados forem
eliminados, mais “eu”, não enquanto indivíduo, mas enquanto espécie, serei saudável e
vigoroso. Nessa premissa, a morte da raça inferior, portanto, tornaria a vida em geral mais
saudável.513
A eugenia buscou disciplinar, controlar e aprimorar os corpos, além de determinar
quem contribuía ou não para o melhoramento da espécie com o suposto objetivo de garantir o
bem-estar e felicidade dos indivíduos e das populações, de tal modo, pode ser observada
como uma manifestação do biopoder.514
Fazia parte da retórica eugênica o desejo de instalação de mecanismos que auxiliassem
na regulamentação da vida na eliminação do suposto perigo biológico. Dentre as medidas que
atendiam esse objetivo estava a obrigatoriedade do EPN. Os adeptos do movimento em
questão não encaravam o cerceamento da liberdade individual como algo negativo, pelo
contrário, defenderam-no em várias passagens de suas teses e demais publicações. Nestas,
também é possível notar alguns eugenistas receavam em tornar o EPN obrigatório. Esse
“receio” existia devido à possibilidade de a população revoltar-se ou simplesmente burlar a
medida. Ou seja, os eugenistas não viam problemas no controle da vida, contudo, temiam que
medidas desse gênero, se colocadas em prática, pudessem gerar uma reação negativa por parte

510
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. op. cit., 2006, p. 292.
511
DREYFUS; RABINOW, op. cit., p. 215.
512
Idem. A história da sexualidade: a vontade de saber – vol. I. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1998, p. 132.
513
Idem. Em defesa da sociedade op. cit., 2005, p. 305.
514
DA SILVA, Mozart Linhares. Biopolítica, educação e eugenia no Brasil (1911-1945). In: Revista Ibero-
Americana de Estudos em Educação, v. 8, n. 4, 2014. Disponível em:
<http://piwik.seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/5070> acesso em 27 jun. 2017.
135

da população, tendo em vista manifestações ocorridas anteriormente, como por exemplo, a


Revolta da Vacina.
Defendendo um maior controle da sociedade, as objeções levantadas em relação à
implantação do EPN pareciam incomodar o médico Estellita Ribas. Do seu ponto de vista,
estas pretendiam frear as ondas do progresso, como defendeu em sua tese:
Quando uma medida inovadora pretende injetar sangue novo no organismo da
nacionalidade, surgem, daqui e dali, como cogumelos, os que protestam como o
clássico e genuinamente brasileiro – não pode – contra a pretendida inovação. É a
velha guarda que se rebela querendo antepor diques à onda do progresso. É a legião
de conservadores inveterados – até certo ponto útil e proveitosa – que não quer, de
nenhuma forma, desgarrar-se de velhos e antiquados moldes aos quais se acha
aderida como ostras na casca. Mas esses, cedo ou tarde, terão que render-se à
evidencia dos fatos.515

Outrossim, Renato Kehl acusava os legisladores do país que, segundo ele,


continuavam “aferrados ao dogmatismo errôneo e anacrônico da liberdade garantidora dos
interesses individuais, mesmo quando de encontro aos interesses superiores da
coletividade”.516 Na visão do eugenista, o argumento da liberdade individual era o principal
fator que atravancava a obrigatoriedade do exame pré-nupcial no Brasil.
Mais uma vez pode-se perceber aqui o conflito entre médicos eugenistas e
legisladores. Os primeiros buscavam a inserção dos pontos de vista provenientes da medicina
nos códigos legais e baseavam-se nas interpretações biodeterministas, logo, concebiam que a
constituição biológica do indivíduo e sua hereditariedade determinariam toda a vida e ações
do indivíduo. Nessa concepção – que de certo modo seguia uma chave interpretativa bastante
semelhante a dos adeptos da Escola Positiva e seguidores de Lombroso – o crime, por
exemplo, era considerado um “evento revelador de aspectos da personalidade anormal do
criminoso”.517 Ou seja, acreditava-se que determinadas pessoas, devido às suas heranças
genéticas, possuíam predisposição biológica ao crime e a outros tipos de degenerações
mentais ou físicas. Essa perspectiva, portanto, denunciava a “ilusão na liberdade
individual”518, princípio primado pelos juristas brasileiros nesse período. Assim, as
concepções positivistas e eugênicas conflitavam com as ideias da Escola Clássica de
Direito.519

515
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., p. 65.
516
KEHL, Renato. Melhoremos e prolonguemos a vida. op. cit., 1922, p. 88
517
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados. op. cit., 2009, p. 24.
518
Ibidem, p. 55. Ver também: CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a Escola de Nina Rodrigues e a
Antropologia no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 1998.
519
Ibidem, p. 24.
136

Apesar de almejarem um fim comum, isto é, a implantação de medidas para o suposto


“melhoramento da raça”, eugenistas e juristas não se entendiam quanto os caminhos para
alcançá-lo.520 Na visão de Luis Ferla, muitos juristas viam com simpatia os esforços dos
médicos para implantar mecanismos de maior controle social. Apesar da existência de
embates, o autor defende que é preciso evitar uma análise simplista que associe a oposição
entre esses dois grupos exclusivamente a uma disputa corporativa, pois “as possibilidades de
colaboração e de estabelecimento de objetivos comuns estiveram sempre presentes nas
relações entre médicos e juristas”.521
Contestando a compreensão dos legisladores, segundo o movimento eugênico, em
nome do primórdio da liberdade – que na verdade, segundo o mesmo, poderia ser relativizada
devido às determinações biológicas –, as leis brasileiras permitiam que indivíduos
supostamente degenerados se reproduzissem, perpetuando a existência daqueles tidos como
loucos, tarados e criminosos. Do ponto de vista dos médicos e eugenistas, como Antônio
Ferreira de Almeida Júnior, Luciano de Melo Baptista, Renato Kehl, Estellita Ribas, Paulo de
Godoy, entre outros, em nome da liberdade individual, defendida pelos juristas, muitos
indivíduos se casavam e cometiam um “delito” ao infectar sua prole. Esta descendência
supostamente tarada, por sua vez, iria, futuramente, cometer crimes, roubos e assassinatos
“afogando a liberdade social bem mais ampla e sagrada que aquela”. 522 Na concepção dos
mesmos, a reprodução humana não era tida como uma atividade individual, mas enquanto
responsabilidade coletiva.523 Portanto, o suposto bem-estar da população ou da raça eram
mais fundamentais que a vontade do indivíduo. O Estado tinha por obrigação intervir, já que
deveria defender a comunhão e primar pelo engrandecimento da nação. Conforme aponta o
autor Marcos Nalli, no projeto eugênico de Kehl, o indivíduo consistiria num complexo
orgânico e a sociedade, destituída de sociabilidade, se reduzia apenas “às possibilidades de
cruzamentos eficazes para a permanência da espécie e para o aprimoramento racial”.524
O médico paulista Almeida Júnior, em sua tese, utilizou o argumento de que a
liberdade não dava o direito de infectar o outro, dizendo então: “Aos que impugnam a medida,

520
WEGNER, Robert; SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Eugenia ‘negativa’, psiquiatria e catolicismo: embates em
torno da esterilização eugênica no Brasil. História, Ciências, Saúde –Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.1, jan.-
mar. 2013, p. 281. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n1/ahop0113.pdf> acessado em 14 jan.
2017.
521
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados. op. cit., 2009, p. 367.
522
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., p. 69.
523
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 115.
524
NALLI, Marcos. Antropologia e racismo no discurso eugênico de Renato Kehl. Teoria & Pesquisa, n. 47, jul-
dez. 2005, p. 124.
137

como atentatória da liberdade individual [...] diz Ed. Perrier, em discurso na Sociedade
Francesa de Eugenia: ‘Nossa liberdade não nos dá o direito de infectar os outros’”.525 Além
disso, o médico julgava que o exame pré-nupcial seria uma modesta aflição da liberdade, em
sua opinião, seria exigir um pouco mais que a vacina obrigatória, por exemplo. Segundo ele,
nos tempos que lhe eram contemporâneos, raros passavam a vida sem se sujeitarem à
inspeção médica.526
Porém, o autor ainda expunha acerca da provável repulsa popular brasileira caso a
obrigatoriedade do exame fosse aprovada por lei, porque restringiria um direito tão
ciosamente defendido como o de casar. Almeida Júnior acreditava que uma lei como esta
deveria vir do povo e não do alto. Ou seja, para que fosse efetivada com êxito era preciso que
primeiro a população se conscientizasse de sua importância, caso contrário mesmo que a lei
existisse a população acabaria por desobedecê-la.527
Mas, o médico Luciano Mello Baptista parecia ter uma concepção mais radical que a
de Almeida Júnior. Para o primeiro, a lei deveria ser prontamente implantada. O povo
brasileiro era demasiadamente ignorante, portanto, do seu ponto de vista não tinham o direito
de reivindicar liberdade:
Faça-se a lei do exame pré-nupcial. O nosso povo não poderá, absolutamente,
acoimar, tal lei, como um atentado á liberdade individual, porque, mesmo que o seja,
este tolhimento redundará em seu próprio beneficio, e, demais, um povo como o
nosso, ignorante, analfabeto, não pode reclamar direitos de liberdade, se para tanto
lhe falta o fator indispensável da instrução, da razão precisa e capaz de o fazer
compreender os erros que comete.528

A médica ginecologista Juana M. Lopes (1933) igualmente confrontava a ideia que a


obrigatoriedade do exame fosse um atentado à liberdade individual e questionava como uma
lei defensiva e preventiva poderia ser considerada como um atentado dessa natureza, uma vez
que esta afastaria “da beira do abismo os que iam nele despenhar-se, sem nenhuma noção do
seu papel na família e na sociedade”.529 Mais uma vez, a suposta ignorância da população
servia como justificativa para regulamentação da medida.
Em sua tese o médico Paulo de Godoy estabelecia uma relação entre a moral,
civilidade e ciência para justificar a intervenção social, dizendo: “uma moral geometricamente

525
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 44-5
526
Ibidem, p. 58.
527
Ibidem, p. 66.
528
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., 1926, p. 79.
529
LOPES, Juana M. de, Em torno do exame pré-nupcial. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, op. cit., 1933,
p. 110.
138

individualista que não promove o bem da sociedade, é eugenicamente imoral”.530 Frente aos
desejos pessoais deveria vir a moral social, esta, por sua vez, teria como base sólida a ciência
e principalmente a eugenia: “Afirmamos o caráter biológico da ética. Proclamamos a função
orgânica e eugênica da moral, realizando as aspirações superiores da raça, controlando e
educando os instintos individuais”.531 O indivíduo ético não pensaria apenas em seus desejos
pessoais e egoístas, ele colocaria a sociedade e raça em primeiro lugar. Era obrigação do
homem zelar pela sociedade em que vivia, mas enquanto essa moral não se fixasse nos
costumes brasileiros, era necessária a intervenção do Estado:
Agarrados ao Código, rotineiros e teóricos, ignorantes de psicologia e
principalmente de psicopatologia e higiene, o público e o jurista formalista veem na
liberdade individual um símbolo divino, sagrado e indiscutível. Não percebem que
assim asseguram a liberdade de indivíduos perigosos, criminosos contra a sociedade
e a raça. Por causa dessa monumental liberdade individual, vemos mulheres e
crianças miseráveis, maltratadas e abandonadas pelos alcoólatras, psicopatas,
degenerados, pervertidos e amorais. Ao governo não compete apenas isolar e
prender esses indivíduos; mas e principalmente impedir a reprodução desses
germens infectados, interdizendo-lhes o casamento.532

Dessa forma, rebatendo o argumento da liberdade individual, os eugenistas defendiam


o direito de intervir sobre os corpos dos indivíduos – vistos como meramente orgânicos – a
fim de supostamente aprimorar o corpo coletivo ou social. Devido à sua visão “extremamente
naturalizada”533, a nação, para os seguidores de Galton, deveria ser entendida como “um
grande corpo biológico que deveria ser guiado de maneira racional, tanto pelas forças
políticas do Estado quanto pelo saber científico”.534 O exame médico, por seu turno, graças à
sua propriedade científica, nesta concepção, teria a capacidade de identificar aqueles não
estariam aptos para constituição de uma boa progênie.
O historiador Luis Ferla observa que os médicos positivistas buscaram uma
generalização do “direito de examinar”535. Estes reivindicavam que todos os delinquentes
passassem pelo exame médico legal, alguns ainda iam além ao propor que até mesmo os
criminosos mortos na prisão passassem compulsoriamente pelo exame. Essa retórica em torno
do que Ferla chamou de “direito de examinar” também parece presente no discurso eugenista.
Segundo o autor, esse tipo de reivindicação foi possível, pois, “a visão biologizada do

530
GODOY, Paulo de. Eugenia e seleção. op. cit., 1927, p. 44.
531
Ibidem, p. 45.
532
Ibidem, p. 46.
533
NALLI, op. cit., 2005, p. 124.
534
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 270.
535
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados. op. cit., 2009, p. 228.
139

comportamento humano fazia que a intervenção da medicina se apresentasse como


indispensável – ou pelo menos de grande utilidade”.536
Assim, o direito de examinar estava diretamente relacionado com a busca pelo direito
da medicina, enquanto saber, intervir e exercer seu poder. O poder, segundo Foucault, é uma
relação de forças uma vez que é múltiplo. Por isso é difícil saber de onde ele vem: “Ninguém
é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada
direção, com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se
sabe quem o não possui”.537 Logo, os poderes funcionariam como uma rede de dispositivos,
de modo que não emanariam de um ponto específico da estrutura social.538
Os defensores do eugenismo buscaram exercer seu saber-poder sobre a população,
contudo, de acordo com os preceitos foucaultianos, o poder é sinônimo de uma “luta”, onde
há poder há resistência.539 Essa resistência pode ser observada nas objeções feitas por outros
grupos às propostas eugênicas – como é o caso da Igreja católica como veremos no próximo
item.

3.2 A Igreja Católica: um obstáculo à eugenia negativa

A eugenia pretendia intervir em assuntos que a Igreja Católica já havia historicamente


se posicionado e conseguido exercer grande influência, isto é, sobre o casamento e a
organização familiar. Tanto o movimento eugênico quanto a Igreja procuraram defender a
união matrimonial. Os médicos costumavam apontar suas inúmeras benesses, os casados,
supostamente, viviam melhor que os solteiros. Entretanto, a proposta do exame médico pré-
nupcial obrigatório desagradava os clérigos por seu caráter intervencionista em um assunto
que, do seu ponto de vista, deveria ser da alçada religiosa. Nesse item será analisado o
posicionamento da Igreja em relação ao exame médico pré-nupcial a fim de refletir em que
medida o catolicismo pode ter sido um entrave para implantação de tal política eugênica no
Brasil.
Com a proclamação da República em 1890, o Brasil tornou-se um Estado de natureza
liberal e laico. Todavia, apesar dessa teórica separação entre Estado e Igreja, a Igreja Católica

536
Ibidem, p. 233.
537
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. op. cit., 1985, p. 75.
538
MACHADO, Roberto. Introdução: Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, op. cit., 1985, p. XIV.
539
FERLA, Luis. Feios, sujos e malvados. op. cit., 2009, p. 379.
140

ainda continuou a exercer considerável influência no país,540 e apesar de ter sido “expulsa” do
poder oficial pelo Estado durante o primeiro período republicano, continuou a receber
subvenções e favores da administração pública, pois era considerada uma instituição
necessária na manutenção da ordem, exercendo um tipo de autoridade não oficial sobre a
população.541
Segundo Sérgio Miceli, desde a década de 1920, tal instituição passou a ampliar sua
influência política. Os altos membros do clero expandiram sua presença em áreas estratégicas,
haja vista, na educação, na produção cultural e também no enquadramento dos intelectuais.
Ou seja, a Igreja buscou manter e ampliar sua presença em setores onde a intervenção do
Estado se tornava cada vez mais latente.542 Além disso, a estratégia de autodefesa foi
empregada diante dos novos movimentos como o comunismo e o protestantismo que
pareciam ameaçar, do seu ponto de vista, a ordem estabelecida. A Igreja não desejava
integrar-se na sociedade moderna, de modo que reforçou a sua concepção tradicionalista e
elitista e ideologia conservadora como meio de sobrevivência.543
A secularização da cultura também era vista como uma ameaça. Muitos intelectuais
brasileiros pretendiam por meio da ciência criar “uma alternativa para a visão religiosa da
realidade e um meio de estabelecer uma nova forma de poder cultural”. 544 Em razão disso,
muitos médicos elegeram a eugenia como uma “nova religião”, utilizando, inclusive, esse
termo para se referir a ela.
Sabendo da influência e poder da Igreja, os eugenistas buscaram por vezes um diálogo
com essa instituição, mas em outras ocasiões faziam críticas bastante incisivas à mesma. As
tradições e dogmas do catolicismo muitas vezes iam de encontro às ideias eugênicas,
sobretudo no que dizia respeito à reprodução humana. A Igreja católica historicamente sempre
se posicionou contra os métodos contraceptivos, apregoando a máxima bíblica “crescei e
multiplicai-vos”. Os defensores da eugenia, por sua vez, como tem-se dito, defendiam um
controle dos nascimentos, o chamado birth-control, esterilização dos degenerados e o exame
médico pré-nupcial obrigatório. Segundo Stepan, a Igreja se opôs a uma “eugenia reprodutiva

540
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 47.
541
MOURA, Sergio Lobo de; ALMEIDA, José Maria Gouvêa de. A Igreja na Primeira República. In: FAUSTO,
Boris. (Dir.) História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 2: Sociedade e
Instituições (1889-1930). São Paulo: Difel, 1985, pp. 328-30.
542
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979, p. 51.
543
VELLOSO, Monica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina, política e cultural católica. Revista de
Ciência Política 21.(3), jul./set. 1978, p. 120. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rcp/article/viewFile/59839/58163> acessado 14 mar. 2017.
544
Ibidem, p. 50.
141

extrema”, pois, julgava que a reprodução humana estava e deveria continuar sob sua
autoridade.545
A militância de intelectuais católicos leigos era bastante intensa nesse contexto. Estes
porta-vozes dos interesses da Igreja estavam organizados sobretudo em torno da revista A
Ordem (1921) e do Centro Dom Vital (1922) no Rio de Janeiro, ambos dirigidos por Jackson
de Figueiredo “o grande renovador do movimento católico brasileiro do século XX” 546 e
tinham a incumbência de discutir sobre as mais diversas questões de seu tempo.547 O próprio
nome da revista era significativo, expressava o desejo da Igreja em restituir a ordem na nação
face aos movimentos e revoltas considerados anárquicos.548
Buscando divulgar as concepções doutrinárias da Igreja549, a revista A Ordem tinha
por colaboradores nomes como Jonatas Serrano, Osvaldo Aranha, Carlos de Laet, Bandeira de
Melo, Leonardo Van Acker, Alceu Amoroso Lima, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cornélio
Pena, entre outros. A Ordem inspirava-se no tradicionalismo francês550 e possuía caráter
reacionário, traçando em suas publicações críticas ao socialismo e ao liberalismo, por
exemplo, além de buscar combater práticas religiosas e culturais que em sua concepção
fossem adversas ao projeto de “recatolização” ou restauração católica do país.551
A primeira fase da revista se encerra com a morte de Jackson de Figueiredo em 1928.
A partir de então esta passa a ser dirigida por Alceu Amoroso Lima, também conhecido por
seu pseudônimo Tristão de Ataíde. Nesse momento, A Ordem muda de perfil e deixa de ser
um órgão de divulgação da doutrina religiosa, passando a ocupar-se principalmente de
aspectos culturais ainda que de conotação católica.552

545
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 123.
546
MOURA; ALMEIDA, op. cit., 1985, p. 338.
547
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 273. MICELI, op. cit., 1979, p. 52.
548
AZZI, Riolando. O início da restauração católica no Brasil: 1920-1930. Síntese, v. 4, n. 10, 1977, p. 66.
Disponível em <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/viewArticle/2398> acessado em 16
jan. 2017.
549
O objetivo d’A Ordem era a doutrinação dos leigos. Entretanto, é válido destacar que suas publicações
possuíam diversos segmentos que nem sempre estavam ligados às orientações papais, pois, não havia uma
homogeneirdade entre as autoridades eclesiásticas no que se refere a posições ideológicas. Ver mais em: MOTA,
André; SCHRAIBER, Lilia Blima. Medicina católica e eugenismo no Brasil 1930-1950. In: MOTA, André;
MARINHO, Gabriela S. M. C (orgs). Eugenia e história: ciência, educação e regionalidades. São Paulo: USP,
Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2013, p.
106.
550
Exemplos: Joseph de Maistre, Charles Maurras e Louis de Bonald.
551
Informações obtidas no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB. Disponível em
<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/ORDEM,%20A.pdf> acessado em 15 jan.
2017.
552
Ibidem.
142

Durante a República Velha a corporação eclesiástica conseguiu estabelecer alianças


com facções oligárquicas estaduais e dinamizou sua presença territorial com uma maior
expansão organizacional da Igreja. Por esses motivos, Miceli afirma que a separação entre
Estado e Igreja não significou um “período das trevas” no qual a instituição teria perdido
poder ou influência. Na verdade, um conjunto de investimentos e empreendimentos bem-
sucedidos pela Igreja nesse período é que tornara possível o grau de autoridade que passa
atuar nos anos de 1930-35.553
A Igreja tornou-se uma força indispensável ao Governo Provisório de Vargas e
passava a ser reconhecida como instituição semioficial, fortalecendo assim sua presença na
sociedade.554 É nesse período, após a Revolução de 1930, que o Estado e a Igreja estabelecem
uma “tácita aliança”.555 Embora os intelectuais católicos tenham divergido em seu apoio aos
revolucionários, estes últimos tinham uma dívida de gratidão com o cardeal Dom Sebastião
Leme que havia conseguido convencer o presidente Washington Luís a deixar o palácio.
Além disso, o novo governo esperava da Igreja sua legitimação, enquanto que esta pretendia
retomar seu poder, sepultando o Estado laico.556
Não à toa, nesse período, os intelectuais católicos exerceram um papel ativo sobre os
destinos da nação.557 Como aponta Stepan, na década de 1930 a Igreja Católica conseguiu
importantes concessões constitucionais, como por exemplo, a legitimidade dos casamentos na
Igreja e a proibição do divórcio.558 Em 1931, Dom Leme entregou a Getúlio Vargas uma série
de reivindicações católicas que puderam ser atendidas sobretudo após a Constituinte de 1933-
4 graças à ação do eleitorado católico organizado em torno da Liga Eleitoral Católica.559
Nesse contexto, pós Revolução de 1930, muitos intelectuais passaram a questionar a
democracia e a República brasileira. Cristalizavam-se na sociedade e na política ideias
autoritárias, sobretudo diante da influência do fascismo europeu e de uma perspectiva
antiliberal que resultariam na formação do movimento integralista.560 Sendo importante órgão

553
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, pp. 152-4.
554
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB. Disponível em
<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/ORDEM,%20A.pdf> acessado em 15 jan.
2017. VELLOSO, Monica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina, política e cultural católica. Revista de
Ciência Política, op. cit., 1978, p. 122.
555
BANDEIRA, Marina. A Igreja Católica na virada da questão social (1930-1962). Rio de Janeiro: Vozes,
2000, p. 34.
556
Ibidem, pp. 34-36.
557
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 273. MICELI, op. cit., p. 52.
558
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 135.
559
BANDEIRA, . A Igreja Católica na virada da questão social (1930-1962). op. cit., 2000, p. 37.
560
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1974, pp. 105-111.
143

de imprensa da Igreja, A Ordem adotou uma postura conservadora e crítica ao liberalismo,


evitando, entretanto, apoiar explicitamente partidos políticos, ainda que alguns se
aproximassem se suas convicções.
Ademais, a revista não deixou de publicar em suas páginas seu parecer sobre a eugenia
e suas propostas, sobretudo em relação àquelas relacionadas ao matrimônio e a reprodução
humana. Uma interessante observação é que se comparadas com essas últimas, as críticas da
Igreja ao racismo eram débeis: “A fé religiosa ou o catolicismo cultural, não restringiam,
portanto, as políticas eugênicas referentes à raça”561 desde que essas não interferissem no
sacramento do matrimônio.
Sobretudo a partir dos anos 30, a oposição ao divórcio, a crítica ao controle da
natalidade e ao aborto ocupam espaço considerável n’A Ordem. Provavelmente também face
ao Primeiro Congresso de Eugenia ocorrido em 1929, a revista passou a se posicionar sobre
tal ciência, entendendo que seu problema era um problema de fundo moral, e não materialista
ou biológico. A questão social do país, segundo os intelectuais católicos, só encontraria
resolução por meio de uma reforma moral da sociedade, portanto, destacava-se sua postura
conservadora.562
Em 1932, a revista trazia uma publicação sobre o exame pré-nupcial. Nesta anunciava
que o ministro da saúde pública da França pleiteava junto ao parlamento obrigatoriedade do
EPN. No entanto, como já se viu, diferente do que se propunha no Brasil, na França o Estado
não daria um veto formal às uniões consideradas nocivas. Lá, os médicos deveriam apenas
informar os riscos daquele matrimônio à prole e persuadir para que este fosse evitado.563
Descrente dessa capacidade de persuasão, dizia-se na revista:
Bem estranho à psicologia humana se mostra o estadista francês! Que argumentos
poderão influir sobre o espírito de duas pessoas que estão deliberadas a unir seus
destinos? Conselhos de pais, de parentes chegados, de amigos mais íntimos, tudo
malogra... [....] Que importa que um médico assegure, pela fé do seu grau, a uma
candidata ao matrimônio , que o seu escolhido sofre de moléstia incurável? Se o
amor é mais forte do que a morte, não o será, porventura, mais do que a doença?
Acaso muitas mulheres, que se unem pelo matrimônio a indivíduos doentes e
viciosos, ignoravam tais precedentes dos maridos? 564

Dessa forma, A Ordem acusava tal proposta eugênica de ignorar a realidade para, em
sua concepção, “manter a fé cega nos engodos da sociologia laica”, uma vez que na questão

561
Ibidem, p. 179.
562
VELLOSO, Monica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina, política e cultural católica. Revista de
Ciência Política . op. cit., 1978, p. 139.
563
EXAME pré-nupcial. A Ordem. Rio de Janeiro, 1932, edição 32, p. 289.
564
Ibidem, p. 290.
144

do casamento tudo deveria ter um sentido religioso. Sob essa perspectiva, a Igreja, entretanto,
não discordava que a frequência de uniões de indivíduos “em precária situação de saúde”
afetava a prole e o futuro da nação. A formação religiosa, segundo a revista, era uma forma de
se evitar tais uniões:
Uma jovem de boa formação católica será incapaz de receber como esposo um ser
degenerado pelos costumes ou pela moléstia. E se, por uma dessas misteriosas
combinações do acaso, seu coração chegou a se consagrar ao de um homem indigno
do seu afeto, só ela nos profundos reservatórios da sua vida interior, de sua vida
sobrenatural, disporá de energia bastante para renunciar às promessas de um radioso
sonho de mocidade.565

Nessa passagem nos parece possível perceber uma valorização da formação religiosa,
já que uma jovem educada nos preceitos católicos supostamente recusaria um esposo
degenerado. Buscando fazer-se cada vez mais presente a sociedade, a Igreja pretendia estar
presente inclusive na educação escolar. Essa ambição, nesta esteira, também é verificada entre
os eugenistas que defendiam a educação eugênica, além da implantação da educação sexual
enquanto disciplina escolar. Portanto ambas lutavam para exercer sua influência no mesmo
espaço.
Do ponto de vista d’A Ordem, os preceitos católicos seriam fundamentais na escolha
do cônjuge, pois como se vê, segundo a revista, nem mesmo os pais, amigos mais próximos,
nem muito menos os médicos seriam capazes de influenciar o candidato em desistir da sua
escolha matrimonial. O catolicismo, todavia, seria capaz de conscientizar esses jovens,
sobretudo as moças, para que estas escolhessem um “homem digno”. Isto porque num plano
mais geral a Igreja combatia a ideia de que a ciência seria capaz de resolver os problemas
contemporâneos. Enquanto que para os integrantes da revista A Ordem a Igreja deveria ser
considerada como:
[...] produto fatal da evolução mental da humanidade. A Igreja é colocada como
sendo a única fonte depositária da verdadeira ciência. Critica os postulados do
monismo, evolucionismo, contismo e demais correntes que escapam a sua
orientação mestra.566

Para a revista católica, a negação do Estado em sancionar uniões ditas degeneradas


não impediria que as mesmas ocorressem. Os casais buscariam outras soluções: casamentos
internacionais, o “amor livre”, isto é, segundo a Igreja, uniões informais, que em via de regra

565
Ibidem.
566
VELLOSO, Monica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina, política e cultural católica. Revista de
Ciência Política. op. cit., p. 128.
145

se verificavam entre “pessoas libertas de todo temor religioso”.567 Ora, a única providência
capaz de evitar tanto as uniões informais quanto a união de pessoas doentes ou portadoras de
vícios era, sob essa perspectiva, a formação religiosa. Nem mesmo o Estado ou a medicina
teriam este poder sobre os indivíduos. Parece, portanto, uma clara de justificativa do clero
para a suposta necessidade de cristianizar a política, a educação e outros âmbitos da vida da
população
Mais tarde, no ano de 1936, o EPN voltava à baila na revista. No plano político era o
momento de uma guinada conservadora no Brasil, pós intentona comunista e pré-golpe. Na
trajetória da eugenia, 1936 era o ano em que o deputado Nicolau Vergueiro e o senador
Cesário de Melo criaram novas propostas de lei sobre o EPN, como ver-se-á mais
detalhadamente no próximo capítulo. O padre Leonel Franca568 (1893-1948), importante
nome do projeto de “Restauração Católica” e fundador da Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ) em 1940, provavelmente em razão desses novos projetos de lei, publicava
sobre a questão do exame pré-nupcial na revista A Ordem.
Franca começava seu artigo trazendo as justificativas dos eugenistas acerca da
implantação do exame, cujo suposto objetivo era impedir a reprodução de degenerados. O
autor destacava então que existiriam dois tipos de certificado pré-nupcial; aquele em que o
exame era realizado voluntariamente pelo candidato ao matrimônio e o compulsório. No
primeiro caso, recebendo o parecer médico sobre sua saúde caberia ao consulente por dever,
justiça e lealdade informar ao outro interessado. Nesse caso o exame seria apenas um
“boletim de consulta” e, segundo o padre, seria o melhor método a ser praticado na sociedade:
“Introduzindo com prudência e generalizando como costume social, o seu uso poderá prestar
serviços relevantes, assegurando vantagens reais e indiscutíveis e evitando inconvenientes
graves”.569 Em nota, Leonel Franca sugeria ainda outro método:
Os médicos das duas famílias, por elas dispensados do segredo profissional,
trocariam ideias sobre as probabilidades eugênicas do casamento projetado e
comunicariam aos futuros esposos as suas impressões fundamentadas. A intervenção
do médico da família, com a competência assegurada por uma longa experiência e a
autoridade que lhe dá a confiança comum, só poderá trazer vantagens na
eventualidade de um matrimônio.570

567
Ibidem.
568
Segundo AZZI, op. cit., p. 82: Leonel Franca foi ordenado sacerdote em 1924, ao chegar no Rio de Janeiro
“se coloca à frente do movimento intelectual católico. Em 1928 ele acompanha a evolução espiritual de Alceu
Amoroso Lima para o catolicismo”.
569
FRANCA, Leonel. Exame pré-nupcial. A Ordem, Rio de Janeiro, setembro-outubro, edição 72, 1936, p. 152.
570
Ibidem, p. 152.
146

Parece plausível dizer, dessa maneira, que o padre não faz objeções ao exame médico
antes do casamento, como ele mesmo afirma o parecer de um médico só poderia trazer
benefícios aos nubentes. No segundo caso esboçado por Leonel Franca, o exame seria um
“certificado”. Ou seja, tratar-se-ia de um documento oficial, exibido como prova de
cumprimento de um dever legal. A primeira hipótese seria então um ato livre, enquanto a
segunda uma obrigação imposta por lei. Quanto à obrigatoriedade, o autor ainda explicava
que haveria ainda duas situações, a primeira em que mesmo se o parecer médico fosse
negativo, os candidatos ao casamento advertidos de seu risco, ainda conservariam sua
liberdade de proceder como achassem melhor. Também haveria aquela em que se
estabeleceria como sanção nos casos negativos, a interdição legal do matrimônio. A seguir o
autor não deixou de expressar sua opinião contrária ao último método exposto, que segundo
ele era a forma radical para que tendiam alguns eugenistas anglo-saxões, mas como se sabe,
os adeptos brasileiros do movimento também eram partidários deste tipo de prática o que quer
dizer que ele fazia aqui uma crítica velada aos médicos que defendiam o EPN obrigatório no
país.
Franca tecia seus argumentos contrários ao EPN como medida obrigatória: os
conhecimentos científicos e as noções de hereditariedade ainda não forneciam a certeza de
prognósticos, o que seria indispensável para “justificar a gravidade de uma medida legislativa
de tão penosas e incalculáveis consequências”.571 Fazendo referência a intelectuais franceses,
como Eugène Apert, o padre afirmava que o caráter dominante da doença poderia ser
transmitido à geração seguinte, mas isto não era uma regra, na mesma família o caráter “boa
saúde” (caráter recessivo) poderia reaparecer nas gerações futuras.572
Para justificar suas medidas, os defensores da eugenia, segundo Leonel Franca,
utilizavam-se de árvores genealógicas cujos ramos só pareciam frutificar para a enfermidade e
a delinquência. O padre acusava, então, os eugenistas de classificarem com “excessiva
facilidade” indivíduos de quem não possuíam informações precisas como delinquentes ou
tarados apenas em razão de existir alguns eventos naquela família.573 De acordo com ele, os
casos de repetição da tuberculose numa mesma família era uma decorrência não da
hereditariedade, mas sim do contágio. Com isso, Franca pretendia demonstrar que nem todas
as enfermidades e ditas degenerações eram hereditárias e que, muitas vezes, estas eram
ocasionadas pelo meio. Era o caso, por exemplo, da criminalidade: “a escola de Lombroso já

571
Ibidem, p. 153.
572
Ibidem, p. 154.
573
Ibidem, p. 155
147

passou”. O indivíduo tornava-se um criminoso pela influência da “atmosfera moral e social


respirada nos primeiros anos”574 e não por sua herança genética.575 A concepção do religioso
jesuíta provavelmente se baseava nas concepções críticas ao determinismo, que como vimos
foram formuladas por grupos sanitaristas, por exemplo, além de abordagens que tendiam a
uma visão mais sociológica e cultural, como a de Franz Boas que afirmava a “insignificância
dos traços hereditários diante das imposições culturais.”576
Diante dessas considerações, Leonel Franca concluía que a ciência ainda não possuía
um conhecimento preciso, de modo que o Estado não deveria se intrometer em um dos
assuntos mais delicados da vida humana; o casamento. Além disso, o padre questionava o
poder ou dever de intervenção estatal sobre os indivíduos, concepção esta que confrontava
com a de muitos eugenistas, como vimos no item anterior:
Ao lado da sua função essencial de velar pelo bem público da sociedade, os poderes
públicos não devem esquecer o respeito aos direitos anteriores e naturais dos seus
governados. Um cidadão não é uma coisa a serviço total e incondicionado do grupo,
é e continua a ser uma pessoa, com a sua finalidade moral inalienável, com o seu
patrimônio de direitos intangíveis a condicionarem a realização dos seus destinos
próprios. Recusamo-nos à idolatria da apoteose do Estado; a um Leviatã monstruoso
que absorve e sacrifica todos os direitos pessoais para pô-los a serviço absoluto de
uma finalidade temporal – Nação, Classe ou Sangue – não prestamos o culto de uma
genuflexão humilhante.577

No período em que Franca escrevia esse artigo, o Brasil vivenciava um momento de


radicalização política, em um dos extremos estava o Partido Comunista Brasileiro e no outro a
Ação Integralista Brasileira (A.I.B.)578, que empolgava alguns setores da elite católica
inspirados no ideal corporativista do papa Pio XI que, por sua vez, condenava o comunismo e
o liberalismo. Estabelecendo, assim, uma terceira via. Diante da falta de homogeneidade no
pensamento político e ideológico do episcopado brasileiro, o Centro Dom Vital e A Ordem
procuraram evitar tratar diretamente desses assuntos políticos. Na revista havia uma simpatia
velada à A.I.B. já que tal movimento e a Igreja possuíam inimigos em comum e defenderam o

574
Ibidem, p. 156.
575
O autor Luis FERLA (op. cit., 2009, p. 162) percebe que no final da década de 1930 o reducionismo
lombrosiano que procurava nos aspectos físicos tendências criminosas, passa a ser substituído por uma
concepção integral do indivíduo, isto é, passam a ser observados aspectos do interior do corpo humano e a
endocrinologia assume um papel importante. Entretanto, o “revigoramento teórico” da Escola Positiva não
significou o abandono de suas concepções biodeterministas, a partir de então além da observação de aspectos
físicos-externos, uma olhar para dentro do corpo humano também seria revelador, pois também indicaria suas
predisposições ao crime . O Padre Leonel Franca por sua vez parece questionar a noção de uma predisposição
genética ao crime, atribuindo a este fatores sociais e não biológicos.
576
HOFBAEUR, Andreas. Uma historia do branqueamento ou o negro em questão. op. cit., 2006, p. 245.
577
FRANCA, op. cit., p. 158.
578
Sobre a formação do movimento integralista e sua transformação em partido político ver: TRINDADE,
Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1974.
148

que consideravam ser a ordem, a moral e a família. A maioria dos membros do clero, todavia,
permaneceu neutra. O cardeal Dom Leme também recusava a criação ou apoio oficial a um
partido católico.579 De modo que o padre Leonel Franca fazia uma crítica geral ao Estado
forte, isto é, aquele que não confere à Igreja um papel de prestígio, preocupação demonstrada
também pelo Papa diante do avanço internacional de regimes fascistas e o nazismo alemão.580
Ainda segundo o padre, o direito do matrimônio era fundamental e mesmo a previsão
de uma prole menos perfeita não destruiria tal direito. A interdição matrimonial traria mais
malefícios do que vantagens. Franca questionava: “Qual será o destino de todos aqueles a
quem o governo declara ineptos para o casamento?” a seguir ele mesmo responde, afirmando
que estes iriam se lançar em “todas as irregularidades de uma vida sexual sem lei nem
disciplina”.581 No fim das contas, a obrigatoriedade do EPN iria desmantelar as próprias
pretensões eugênicas de constituição de lares disciplinados, saudáveis e morais. 582 Para
concluir, o padre deixa bem claro que em sua opinião e, portanto, da própria Igreja, a
obrigatoriedade do EPN. Isto é, enquanto um certificado oficial exigido pelo Estado, não
poderia ser admitida, pois entre outros fatores, cecear o homem na constituição de sua família
seria um abuso de poder do Estado.583
Leonel Franca era favorável ao que chamou de “exame pré-nupcial livre”, ou seja, o
exame voluntário, introduzido nos costumes sociais. Neste caso, segundo ele, todas as
dificuldades apontadas desapareceriam. Logo, pode-se concluir que o padre não era contrário
ao “saneamento físico e moral” da população, mas, discordava das vias mais radicais
sugeridas pelos eugenistas. Defendia uma conscientização do povo que, na verdade, como
vimos, passava pelo projeto de “recatolização” do país.
No contexto internacional, a eugenia e o EPN também estiveram sob foco da Igreja.
As encíclicas do Papa Pio XI foram importantes para a aproximação dos leigos às regras
papais no âmbito da cultura, política e sociedade.584 Em 31 de dezembro de 1930 era
promulgada a encíclica Casti connubii, a qual tratava especificamente sobre o “matrimônio
cristão”, foi citada em nota pelo padre Leonel Franca em seu artigo. O Papa, por sua vez, não

579
BANDEIRA, op. cit., p. 46.
580
Na década de 1920 surgiram alguns artigos na A Ordem apontando aspectos positivos do fascismo, entretanto,
a revista nunca demonstrou adesão aberta ao movimento. (Cf. VELLOSO, op. cit., p. 127.) Na mesma revista,
Amoroso Lima, em 1931, ressaltou as incompatibilidades entre o fascismo e a doutrina católica. (VELLOSO, op.
cit., p. 142).
581
FRANCA, Leonel. Exame pré-nupcial. A Ordem, op. cit., 1936, p. 159.
582
Ibidem.
583
Ibidem, p. 163.
584
MOTA; SCHRAIBER, op. cit., 2013, p. 100.
149

deixou de fazer referências explícitas à eugenia que conquistava cada vez mais espaço e
adeptos principalmente no mundo anglo-saxão.585 Parafraseando a historiadora Nancy Stepan,
a bula papal reafirmava a autoridade da Igreja no âmbito da família, da sexualidade e do
matrimônio, além de proibir o controle da natalidade, o aborto e a esterilização eugênica.586
Quanto à obrigatoriedade do exame pré-nupcial, Pio XI classificou-a como uma
“prática perniciosa”, pois, segundo o líder religioso, os eugenistas não se contentavam apenas
em aconselhar os nubentes sobre a possibilidade de uma prole “defeituosa”, pretendendo uma
interdição legal de determinados matrimônios que por sua vez eram considerados pela Igreja
como um direito natural. Assim dizia o papa:
[...] ha de reprobarse una práctica perniciosa que, si directamente se relaciona con el
derecho natural del hombre a contraer matrimonio, también se refiere, por cierta
razón verdadera, al mismo bien de la prole. Hay algunos, en efecto, que, demasiado
solícitos de los fines eugenésicos, no se contentan con dar ciertos consejos
saludables para mirar con más seguridad por la salud y vigor de la prole — lo cual,
desde luego, no es contrario a la recta razón—, sino que anteponen el fin eugenésico
a todo otro fin, aun de orden más elevado, y quisieran que se prohibiese por la
pública autoridad contraer matrimonio a todos los que, según las normas y
conjeturas de su ciencia, juzgan que habían de engendrar hijos defectuosos por razón
de la transmisión hereditaria, aun cuando sean de suyo aptos para contraer
matrimonio. Más aún; quieren privarlos por la ley, hasta contra su voluntad, de esa
facultad natural que poseen, mediante intervención médica, y esto no para solicitar
de la pública autoridad una pena cruenta por delito cometido o para precaver futuros
crímenes de reos, sino contra todo derecho y licitud, atribuyendo a los gobernantes
civiles una facultad que nunca tuvieron ni pueden legítimamente tener. 587

A eugenia, como se pode perceber, feria em muitos aspectos as concepções da Igreja


Católica, além de pretender intervir em assuntos que até então faziam parte da alçada da
instituição religiosa, como era o caso da reprodução humana e do matrimônio. Provavelmente
a Igreja também se preocupava com sua perda de espaço dentro da sociedade, cada vez mais
voltada aos preceitos científicos e muitas vezes céticos. Após a análise das fontes
documentais, parece possível supor que a Igreja Católica era contrária à obrigatoriedade do
exame, pois, almejava que o casamento fosse assunto exclusivo seu, não estava disposta a
permitir que os eugenistas fizessem uma intervenção direta nos matrimônios. No entanto, essa
afirmação logicamente não seria exposta pelos intelectuais católicos. Por esse motivo, a
justificativa dada era que a obrigatoriedade do EPN lesava o direito individual ao restringir o
direito do matrimônio, daí o posicionamento crítico da Igreja em relação a este. Quanto ao
exame facultativo, ou “livre”, ao que parece não existiam críticas por parte da Igreja, já que

585
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 273.
586
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 124.
587
PIO XI, Casti Connubii (31 de dezembro de 1930). Disponível em: < http://w2.vatican.va/content/pius-
xi/es/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19301231_casti-connubii.html> acessado em 17 de jan. 2017.
150

não significava uma real ameaça. O jornal católico carioca A Cruz também se dedicou em
alguns momentos ao assunto, destacando o mesmo posicionamento explicitado nas páginas
d’A Ordem: eram contrários à obrigatoriedade do EPN já que este seria uma medida
“contrária à dignidade do sacramento do matrimônio”.588
O intelectual católico Alceu Amoroso Lima também deixou registrada sua impressão
sobre a eugenia nos “Ensaios de Biologia” (1933). Segundo ele, a Igreja não era contra a
reforma eugênica desde que sua intervenção não se sobressaísse às leis de Deus, ou seja,
referindo-se às propostas eugênicas de controle matrimonial, esterilização, entre outras.589
A Igreja, portanto, não reprovava totalmente a eugenia, pois não fazia oposição às
ações da dita eugenia positiva ou ambientalista. Contudo, a eugenia negativa ao propor
atestados antenupciais e a esterilização daqueles considerados degenerados entrava em
conflito com os dogmas (e interesses) da Igreja Católica que, por sua vez, pretendia demolir
todo e qualquer argumento que pretendesse deslocar a família de sua constituição religiosa,
mesmo que estes fossem “científicos”.590
A autora Nancy Stepan afirma que: “embora muitos eugenistas da América Latina
negassem a legitimidade da Igreja na esfera da reprodução, não podiam vencer com facilidade
seu poder de delimitar os termos do debate”.591 Tendo consciência da grande influência que a
religião católica exercia na sociedade brasileira algumas vezes, os eugenistas buscaram um
discurso conciliador, no qual procuravam mostrar que a eugenia era uma ciência
humanitária.592
Em 1929 o Boletim de Eugenia, periódico dirigido por Renato Kehl, trazia um artigo
traduzido intitulado “Eugenia e Catolicismo” de autoria de Hermann Muckermann, diretor do
Instituto de Eugenia de Berlim era também padre jesuíta e médico. Segundo o autor, o
catolicismo nunca iria apoiar aquilo que confrontasse a ética natural, entretanto, o mesmo
favorecia todos os esforços para estancar as fontes da degeneração, citava, por exemplo, sua
campanha de repressão do alcoolismo.593 Quanto ao casamento, Muckermann dizia: “o
catolicismo está inteiramente disposto a aceitar de boa sombra qualquer conhecimento capaz

588
J.G, Exame pré-nupcial. A Cruz, Rio de Janeiro, ano XXI, n. 8, 19 fev. 1939, p. 7. Disponível em <
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/> acessado em 17 jan. 2017.
589
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 273.
590
MOTA; SCHRAIBER, op. cit., 2013, 108.
591
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 124.
592
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 281.
593
MUCKERMANN, Hermann. Eugenia e catholicismo (1ª parte). Boletim de Eugenia, Rio de Janeiro, Ano I,
n. 4, abr. 1929, p. 2.
151

de favorecer a escolha conjugal, de modo que resulte sempre uma prole sadia”. 594 O alemão
pretendia mostrar que eugenia e catolicismo visavam um mesmo objetivo, que era o suposto
bem comum.595 As autoridades eclesiásticas, segundo ele, exigiam uma pesquisa cuidadosa
para verificar se havia motivos que tornassem o casamento impossível ou ilícito. Para o
eugenista alemão, a eugenia não encontrava em parte alguma mais forte apoio do que no
catolicismo.
Os eugenistas acreditavam que, mesmo um jovem “bem nascido”, forte, saudável,
livre de degenerações, merecia um grande cuidado dos pais, que lhe deveriam garantir
educação e boa alimentação. Caso contrário, a criança poderia adoecer ou adquirir maus
hábitos, perdendo assim ao longo da vida suas boas características eugênicas. Segundo
Muckermann a Igreja também se preocupava com esse aspecto:
[...] o cânon 1013 do novo direito eclesiástico apresenta como resumo exato da ética
natural, verificar-se-á desde logo que o preenchimento dessa singela sabedoria
realiza os mais altos fins da eugenia. Considera-se aí como primeiro objetivo do
matrimônio a “procratio atque educativo prolis”, isto é, a procriação e
desenvolvimento completo da criança. Toma-se, portanto, a prole em
consideração.596

Pode-se dizer que ao publicar o artigo de Hermann Muckermann em seu periódico, o


Boletim de Eugenia, Renato Kehl pretendia seguir o caminho traçado pelo alemão, buscando
um diálogo conciliador com os intelectuais católicos ao demonstrar que as concepções de
ambos poderiam ser compatíveis. Kehl dizia em suas Lições de Eugenia (1929) que: “A
ciência-religião de Galton atrai, pois, a solidariedade simpática de todos os credos que
evoluem, acompanhando os progressos da ciência, sem preconceitos intolerantes”. 597 Sendo o
escopo da eugenia melhorar o patrimônio hereditário da humanidade, esta era compatível com
todas as religiões que “evoluíram”. De modo semelhante, o psiquiatra Pacheco e Silva em
entrevista ao O Globo (1934)598 citava os argumentos de Joseph Mayer, padre católico e
professor da Universidade Católica de Freiburg, pretendendo mostrar a compatibilidade entre
práticas eugênicas (inclusive a esterilização) e a moral religiosa.599 O geneticista Octávio
Domingues também pretendia dialogar com os membros da Igreja, assim dizia em
correspondência a Renato Kehl em janeiro de 1932:

594
MUCKERMANN, Hermann. Eugenia e catholicismo (2ª parte). Boletim de Eugenia, Rio de Janeiro, Ano I, n.
5, maio 1929, p. 2.
595
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 283.
596
MUCKERMANN, Hermann. Eugenia e catholicismo (2ª parte), op. cit., 1929, p. 2.
597
KEHL, Renato. Lições de eugenia. op. cit., 1929, p. 37.
598
Tratava-se de um inquérito realizado pelo jornal O Globo em 1934 sobre a esterilização eugênica.
599
WEGNER; SOUZA, op. cit., 2013, p. 279.
152

Estou interessado em demonstrar que a Eugenia não tem nenhum ponto que vá
de desencontro ao espírito cristão, havendo mesmo iniciado uma troca de ideias
com o campeão do catolicismo brasileiro, Tristão de Athayde [Alceu Amoroso
Lima], no qual pretendo ferir esse ponto, e descobrir em que ponto ele se
coloca... Acho que se trouxermos a essa causa à simpatia das figuras
esclarecidas do catolicismo, teremos o caminho expurgado de um grande
obstáculo. Creio ser contraproducente uma campanha aberta, ferindo os pontos
de vistas católicos. Ao contrário precisamos envolvê-los e assimilá-los.600

Como afirmava Domingues, a melhor estratégia para os eugenistas era “assimilar” os


intelectuais católicos, sem ferir diretamente as concepções católicas – já que o embate entre
eles já era antigo (concepção biológica da vida contra a religiosa – que é cultural; casamentos
no religioso versus no civil.). Apesar de partidário da medida, o médico Darcy Moraes de
Mattos (1929) estava disposto flexibilizar a proposta do exame pré-nupcial, uma vez que, em
sua opinião, o casamento era um direto natural e este sempre prevaleceria contra as
imposições do legislador.601 Mas nem sempre houve esse tom ameno no debate entre eugenia
e catolicismo. Em alguns momentos os eugenistas declararam explicitamente suas críticas à
Igreja.
Os eugenistas faziam frente à moral individualista católica, pois pretendiam impor
uma moral da raça, e, portanto, da coletividade.602 O neuropsiquiatra Alberto Farani em
conferência na Liga Brasileira de Higiene Mental603, publicada no Boletim de Eugenia,
acusava a Igreja de se preocupar apenas com o direito do indivíduo, esquecendo-se do bem
coletivo:
A Igreja não admite a esterilização, está claro, mas cogita em impedir o casamento
de débeis mentais, por exemplo. Verdade é que o pretexto não é a qualidade da
descendência, e sim a incapacidade de firmar contrato válido. É sempre a
salvaguarda dos direitos do indivíduo, é a tendência individualista, quando a ciência
e a sociedade propugnam cada vez mais pelos direitos sociais. O indivíduo tem
direitos, sem dúvida, mas também tem deveres, que consistem em não prejudicar
terceiros.604

Renato Kehl também abandonou o tom conciliador com a Igreja em um artigo


publicado nos Archivos Brasileiros de Higiene Mental (1934) no qual teceu inúmeras críticas

600
DOMINGUES, Octávio. Correspondência com Renato Kehl. Piracicaba. Fundo Pessoal Renato Kehl.
(Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz).15 jan. 1932 apud WEGNER;
SOUZA, op. cit., 2013, p. 275.
601
MATTOS, Darcy Moraes de. Exame pré-nupcial. op. cit., 1929, p 50.
602
COSTA, Jurandir Freyre. História da Psiquiatria no Brasil . op. cit., 2007, p. 71.
603
A despeito da opinião pessoal de seus sócios, a Liga Brasileira de Higiene Mental declarava neutralidade
religiosa. Ver mais em: COSTA, Jurandir Freire. História da psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. Rio de
Janeiro: Garamond, 2007.
604
FARANI, Alberto. Como evitar as proles degeneradas?. Boletim de Eugenia, Rio de Janeiro, Ano III, n. 34,
out. 1931, p. 6.
153

à imposição da castidade aos padres e freiras, afirmando que esta seria um atentado à
natureza. Segundo Kehl, o cristianismo era uma “religião derrotista e emasculadora do
espírito e do corpo”. Além disso, reconhecia que a Igreja Católica era um obstáculo à eugenia:
“O cristianismo, tal qual se apresenta ainda hoje, causa-me, pelas suas incoerências e
hipocrisias, verdadeiros arrepios de indignação. Não há questão social e eugênica de interesse
para a humanidade sofredora sem seu travo rotineiro a embargar-lhe a solução”.605
Deste modo, apesar das tentativas conciliadoras, constantemente as concepções
eugenistas se chocavam com as católicas sobretudo em relação àquelas que interferiam em
assuntos como o casamento e a reprodução humana. Os intelectuais da Igreja não estavam
dispostos a concordar com a obrigatoriedade de exame pré-nupcial, tampouco com a
esterilização. Nesse cenário, apesar do lobby realizado junto aos deputados na Assembleia
Constituinte de 1933-4, diante da influência da Igreja, “os eugenistas viram-se em um
ambiente ideológico pouco propício”606 para imposição de tais políticas que, de certo modo,
feriam assuntos da alçada católica. Entretanto, pode-se dizer que atingiram certo grau de
sucesso, pois a eugenia conseguiu fazer parte da legislação com a restrição da imigração, por
exemplo, e também se entrelaçando com o Estado Novo nas formulações de raça e
nacionalidade.607
Porém, não só as questões éticas ou religiosas apareciam como obstáculos à
implantação das medidas eugênicas, além destes, existiam também problemas práticos para
sua aplicação, é o que será tratado no próximo item.

3.3 Outras objeções: os problemas práticos do exame pré-nupcial.

Não bastassem os entraves teóricos ou doutrinários em torno da obrigatoriedade do


exame pré-nupcial, os eugenistas defrontavam-se com os problemas práticos de sua possível
aplicação. Seria errôneo dizer que tais intelectuais não os levassem em consideração,
ignorando completamente a realidade brasileira. A militância eugênica reconhecia as

605
KEHL. Renato. As nevroses dos “forçados da castidade”. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, Rio de
Janeiro, v.7, n.2. 1934, p. 109.
606
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 135.
607
Ibidem, p. 174. Conforme veremos no capítulo 4, na Constituição de 1934 incluiu-se uma clausula nubente
que estabelecia a apresentação de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais do
país. Isto é, os exames seriam aplicados apenas esporadicamente e de modo inconsistente. (STEPAN, Nancy
Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 177).
154

dificuldades de implantação do EPN no país, mas, ainda assim, alguns continuaram batendo-
se pela causa, afinal, continuavam crentes que à luz da perspectiva determinista o EPN era
uma valiosa medida.
Na Gazeta Clínica em 1927, no artigo intitulado “Do exame pré-nupcial”, o médico
Américo da Veiga dizia que uma lei de interdição matrimonial de pessoas enfermas seria
impossível e injusta. O mesmo questionava: como impedir a procriação entre 10 milhões de
seres humanos, contaminados de paludismo, sífilis, entre outras patologias? A proibição do
casamento poderia até existir, mas segundo Veiga, não seria possível “obstar a mancebia entre
eles”.608
O médico rio-grandense Luiz M. Ferraz (1928) concordava com Veiga, pois
acreditava que dificilmente um apaixonado deixaria sua amada ao tomar conhecimento que
esta possuía uma tara hereditária, por exemplo. Por esse motivo, Ferraz era favorável à
eugenia positiva, ou seja, acreditava que primeiramente era necessário educar os jovens, isto
é, fazer com que esses entendessem a importância do exame pré-nupcial, pois, a educação
evitaria muitos problemas práticos no futuro quando fosse implantada a legislação do EPN. O
objetivo da eugenia, segundo ele, não era combater o amor, mas, vir em auxílio da mocidade e
mostrar-lhe os perigos advindos de um casamento em más condições sanitárias. Assim, o
médico era favorável à implantação legal do EPN, no entanto, acreditava que a educação do
povo deveria anteceder a legislação, pois: “Conhecendo os perigos a que estarão sujeitos os
seus futuros filhos, ninguém, que possua uma educação suficiente, negar-se-á a se submeter a
um exame antenupcial”.609
Os médicos Darcy de Mattos, Antônio Ferreira de Almeida Júnior e Júlio Pires Porto-
Carrero também partilhavam da mesma opinião, julgavam que somente educando a população
a lei do EPN seria aceita.610 Essa educação de que falavam tratava-se de transmitir à
população brasileira as vantagens da realização do exame médico e informar sobre os perigos
de doenças venéreas e hereditárias à prole.
A suposta finalidade do exame era impedir a reprodução dos ditos degenerados,
entretanto, a reprodução humana, obviamente, não depende do casamento. Isto é, ainda que o
Estado impedisse tais indivíduos de se casarem legalmente, estes ainda poderiam se unir
informalmente. Este fato levava a uma outra controvérsia em relação à obrigatoriedade do

608
VEIGA, Americo da. Do exame pré-nupcial. Gazeta Clínica, v. 25, 1927, p. 235.
609
FERRAZ, Luiz M. Eugenia e Casamento: problema de medicina social. Tese apresentada à Faculdade de
Medicina de Porto Alegre, 1928, p. 46.
610
MATTOS, Darcy Moraes de. Exame pré-nupcial. op. cit., 1929, p. 30.
155

exame; muitos julgavam que se implantada esta medida acabaria por aumentar o número de
uniões livres. O médico Estellita Ribas rebatia em sua tese (1927) dizendo que tal argumento
era falho, porque, na legislação vigente até então, os casamentos ocorriam quase que sem
exigência alguma e, no entanto, ainda assim, existiam e sempre continuariam a existir no
futuro uniões livres. E acrescentava:
Desses que, pela simples exigência de um atestado de saúde não se permitem passar
pelo decantado vexame do exame médico e sujeitam-se a vida toda, em virtude desta
exigência eugênica, a passar pelo vexame do concubinato nem se deveria cogitar por
um princípio de higiene social. Estes, desde que procurem, por esta forma, o repúdio
da sociedade dela deve, como bem merecem, ser repudiados. 611

Ora, enquanto Luiz M. Ferraz e Darcy de Mattos propunham uma educação eugênica
justamente a fim de que mais pessoas, sobretudo aquelas que tinham pouco conhecimento das
doenças, se conscientizassem e realizassem o exame, o médico Estellita Ribas não estava
disposto a abrir mão da obrigatoriedade do EPN em prol da educação prévia do povo
brasileiro. Ribas nem mesmo parecia preocupado com a hipótese de que parte da população
não o realizasse e se unissem de modo informal, assim dizia:
Não vamos esperar que o povo brasileiro tome uma indigestão de compreensão
porque, é claro, no dia em que todos compreenderam de fato o quanto é necessário,
no casamento, o exame pré-nupcial, nesse dia então deixará de ser também
necessária a preconização da lei obrigando o indivíduo a dito exame. Os
mandamentos de Deus não teriam razão de ser se o homem fosse perfeito e não
cometesse os desatinos que eles condenam. 612

O eugenista Renato Kehl assim como Ribas era favorável à obrigatoriedade do exame,
pois, segundo ele, já era o tempo de sair da propaganda. A hipótese de que se imposta a lei do
certificado pré-nupcial esta seria desobedecida pela população, segundo Renato Kehl, não
servia como argumento para que a mesma não fosse implantada, pois: “Se os legisladores
tivessem em consideração precípua só estabelecer leis que fossem cumpridas desse modo e
em todos os casos acabariam por não mais legislar, porque não há lei que não esteja sujeita à
infração de todo gênero e em todos os tempos”.613
Júlio Pires Porto-Carrero (1933) reconhecia que a legislação do exame pré-nupcial só
poderia ser aplicada àqueles que efetuassem uniões legítimas. Segundo o psiquiatra carioca, a
moral moderna baseada sobre a organização tradicional da família afrouxava pouco a pouco, e

611
RIBAS, Estellita. Exame Pré-nupcial. op. cit., 1927, p. 68.
612
Idem, p. 69.
613
KEHL, Renato. Aparas eugênicas. op. cit., 1933, p. 177.
156

o número de uniões livres tendiam a aumentar cada dia. Não era possível regulamentar sobre
o que era contra lei. Dessa forma, o EPN nunca abrangeria toda a população.614
Outros obstáculos ainda se colocavam à compulsoriedade do EPN. Um deles era a
alegada falta de médicos, hospitais e laboratórios no país. Por conseguinte, se as grandes
cidades e capitais no Brasil provavelmente tinham condições para examinar os nubentes, o
mesmo não se poderia dizer acerca de toda a extensão territorial do país. O médico Antônio
Ferreira Almeida Júnior (1927) duvidava até mesmo da capacidade do estado de São Paulo
em efetuar a medida:
Condições para uma aceitável execução da lei são as possibilidades de diagnostico e
de tratamento, ou, em outros termos, a existência de médicos e laboratórios
accessíveis, senão a todos, pelo menos a maioria. Estamos longe disso. [...] Há, em
nosso Estado, centros urbanos modestos que não têm sequer um clínico, ou, se o
tem, é periodicamente. Laboratórios, em muitos casos indispensáveis para
diagnostico preciso, são ainda raros, mesmo nas boas cidades. 615

Porto-Carrero também estava atento à mesma questão. Segundo ele, a medicina


brasileira tinha boas condições e estava regularmente aparelhada para realizar tais
diagnósticos, mas isto apenas nos grandes centros. O autor questionava como poderiam ser
realizados tais exames na zona rural, “nos rincões incultos do país”.616
Havia ainda o problema do segredo profissional, mas segundo o médico Luciano de
Mello Baptista, o atestado de sanidade não obrigaria ao médico ser denunciante, pois este
nunca seria realizado por um médico de família e, sim, por um perito nomeado
exclusivamente para realizar os exames pré-nupciais, que, segundo o professor Souza Lima,
desempenharia o seu cargo fora das leis do segredo profissional.617
Na concepção do médico paulista Flamínio Fávero, a exigência do EPN seria “um
grande alívio” para os médicos justamente por romper com o segredo profissional. Segundo
ele, muitas vezes o pai aflito da(o) noiva(o) vinha perguntar ao médico sobre a saúde do
pretendente da filha(o) e o médico, por sua vez, não poderia ter nenhuma ação, ainda que
soubesse de uma moléstia venérea ou contagiosa do outro noivo, já que o segredo médico lhe
impedia de fornecer tais informações. O médico ainda relatava suas experiências cotidianas
como professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, Fávero afirmava incentivar seus
alunos que, quando na vida prática, diante de um possível “mau” casamento, rompessem com

614
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental. op. cit., 1933, p. 90.
615
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. O exame médico pré-nupcial. op. cit., pp. 67-8.
616
PORTO-CARRERO, Júlio Pires de. O exame pré-nupcial como fator eugênico. Archivos Brasileiros de
Higiene Mental . op. cit., 1927, p. 92.
617
BAPTISTA, Luciano de Mello. Do exame pre-nupcial como factor eugênico. op. cit., 1926, p. 85.
157

o segredo médico e alertassem as partes interessadas sobre o estado de saúde do outro e assim
como os riscos daquela união. É interessante notar que para Fávero tal atitude era justificável
e necessária, pois era preciso impedir que esse “crime” ocorresse:
[...] no curso de Deontologia da Faculdade de Medicina de S. Paulo costumo pedir
aos meus alunos que quando na vida prática estiverem nessas emergências, lancem
mão de todos os meios lícitos para sustar a realização do casamento de quem possa
ser iminência de contágio: conselhos ao noivo doente, fazendo-lhe ver os
inconvenientes para si e para a família que vai constituir; se não lograrem ser
atendidos, devem empregar até ameaças de revelar o estado mórbido; baldados todos
esses recursos e sendo fatal a consumação do crime, eu não titubeio em dizer-lhes
que rompam com o segredo profissional, e assumam inteiramente, sem subterfúgios
pouco dignos, a plena responsabilidade do seu ato, do ponto de vista penal, civil ou
moral, porque terão em são consciência, concorrido para evitar mal maior para a
própria sociedade perante a qual assumem o compromisso de respeitar o segredo
médico, desde que, todavia, não concorram para favorecer o crime com o seu
silêncio. O segredo deve existir, sim, mas não pode ser absoluto. Contra este
absolutismo brada muito alto, a própria estabilidade social, ante a qual nos devemos
curvar sempre. Não seria melhor, porém, deixar de forçar o médico a chegar a tal
extremo depois de cruel tortura, estabelecendo a lei o exame pré-nupcial?! Acho que
sim, salvo melhor juízo.618

Novamente é possível notar um suposto dever médico em socorrer a sociedade,


defendê-la dos interesses mesquinhos e individuais. O médico tinha essa “nobre missão
social” e deveria cumpri-la ainda que isso significasse burlar o segredo profissional ou
ultrapassasse até mesmo a privacidade e o bom senso. Como bem expressou Tania de Luca:
“Em nome da ciência e das suas verdades clamava-se por uma intromissão, que parecia não
ter limites, na vida privada dos indivíduos”.619
Quanto aos reclames de possíveis atestados médicos falsos, os eugenistas afirmavam
que a existência de médicos peritos para exercer exclusivamente tal função afastava a
possibilidade de falsificações. Caso os médicos de família pudessem produzir tal diagnóstico,
maiores seriam as chances de ocorrerem falsificações em razão de relações amigáveis entre
médico e paciente – nubente.
Como pretendeu-se demonstrar, apesar dos diversos entraves, fossem eles doutrinários
ou práticos, os eugenistas permaneciam obstinados em implantar o exame pré-nupcial no país.
Havia uma tendência em buscar soluções biológicas para os problemas sociais, sobretudo
devido a uma concepção biodeterminista que entendia o indivíduo como um ser orgânico e
não social e nem histórico.620 Alguns médicos ainda que favoráveis à medida, propunham
uma flexibilização, defendendo a educação eugênica prévia à legislação do EPN ou uma lei

618
FALA-NOS o Dr. Flaminio Fávero, professor da Faculdade de Medicina de S. Paulo. O Globo: Rio de
Janeiro, 30 mar. 1926, p.1. [grifos meus]
619
DE LUCA, Tania Regina. Revista do Brasil. op. cit., 1999, p. 235.
620
Ibidem, p. 235. DIWAN, Pietra. Raça Pura. op. cit., p. 134
158

facultativa. Outros, entretanto, permaneciam ferrenhos à ideia da obrigatoriedade e rebatiam


todas as questões e empecilhos apontados por seus críticos. Não se deixa, portanto, parecer
revelador a “sede” dos eugenistas pela intervenção social, mesmo diante de tantas objeções
que ao certo confirmavam as deficiências de suas políticas, esses médicos persistiram
fortemente em busca de seus objetivos.
Conforme se verá no item a seguir, os eugenistas “bateram na trave”, isto é, quase
obtiveram sucesso na obrigatoriedade nacional do exame pré-nupcial. Eles chegaram aos
órgãos legislativos e formularam projetos de lei. Desse modo, depois de ter analisado a
retórica eugênica em prol do EPN, resta buscar algumas respostas finais: Quais “empecilhos”
falaram mais alto e impediram que proposta eugênica não se tornasse realidade em nosso
país? Afinal, quais os limites da eugenia?
159

CAPÍTULO 4. O EXAME PRÉ-NUPCIAL NO PLANO LEGAL

Nos capítulos anteriores buscou-se analisar a proposta eugênica do exame médico pré-
nupcial, viu-se quais eram os principais argumentos empregados por aqueles que defendiam
sua imposição legal, mas, observou-se também as principais críticas e objeções a este, e,
especialmente, em relação à sua obrigatoriedade. Como verificou-se, a discussão em torno do
EPN foi calorosa durante as primeiras décadas do século XX. Ela ocupou espaços
acadêmicos, médicos, institucionais especializados no assunto e também na grande imprensa
brasileira. Entretanto, as políticas eugênicas foram além, conseguindo adentrar nos órgãos
legislativos, o que demonstra sua difusão no Brasil.
As tentativas de incluir o EPN na legislação brasileira foram diversas, seja na Câmara
dos Deputados, na Assembleia Constituinte de 1933-4, seja no Senado. Conforme será tratado
a seguir, sua trajetória no meio político não foi marcada com menos discussões e debates.
Além dos próprios entraves nas propostas de lei, o agitado contexto histórico do país e
também questões trágicas de ordem privada contribuíram em alguns momentos para
atravancar esse projeto eugênico. Por outro lado, a temática nacionalista, assim como da
identidade e raça brasileira estiveram na pauta do dia, o que contribuiu para uma maior
propagação das ideias de Galton.
O primeiro projeto de lei referente ao EPN surgiu em 1927, um ano após a campanha
do jornal O Globo. Alguns anos depois foi novamente discutido, dessa vez na Assembleia
Constituinte de 1933-4 e continuou sendo defendido após a promulgação da Constituição. Em
maiores detalhes, pretende-se ao longo deste capítulo analisar a proposta do exame médico
pré-nupcial nos espaços políticos.

4.1 A proposta de lei de Amaury de Medeiros (1927)

Amaury de Medeiros, médico nascido em Recife, formado pela Faculdade de


Medicina do Rio de Janeiro, tornou-se diretor do Departamento de Saúde e Assistência do
estado de Pernambuco em 1922.621 Participando do Primeiro Congresso Brasileiro de

621
Informação disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeirarepublica/MEDEIROS,%20Amauri%20de.pdf >
acessado em 26 jan. 2017.
160

Higiene, em 1923, Amaury destacava em sua conferência o trabalho que tinha realizado em
seus oito meses de administração sanitária.
Em 1927, foi eleito deputado federal por Pernambuco. No mesmo ano, atento às
questões de higiene, o médico apresentava à Comissão de Saúde Pública da Câmara dos
Deputados um projeto de lei reestabelecendo o exame pré-nupcial facultativo aos menores,
inspirado, portanto, no artigo 20 do decreto 181 de 1890 que, como foi apontado no primeiro
capítulo, havia sido suprimido pelo Código Civil de 1916. O projeto assim determinava:
Art. 1º - Além dos documentos mencionados no artigo 180, do Código Civil, para a
habilitação ao casamento, deverá figurar um certificado médico datado de cinco
dias, no máximo, antes do ato, sempre que o pai, tutor ou curador de um dos
nubentes menores, ou um deles diretamente, notificar ao Juiz o desejo de um
“exame médico pré-nupcial”, ou houver denúncia fundamentada por pessoa idônea
de que um dos contraentes tem defeito físico irremediável ou doença grave
transmissível ao outro cônjuge ou à prole.622

Logo, diferente da legislação de 1890, não só os pais, tutores e curadores poderiam


exigir o exame como também os próprios nubentes poderiam requerê-lo. Outra diferença era
que o projeto de Amaury de Medeiros incluía a possibilidade de denúncia feita por terceiros
sobre a saúde dos futuros cônjuges. Ao juiz caberia julgar a idoneidade do denunciante
podendo manter em sigilo a identidade deste.623 O texto ainda mencionava quais seriam as
doenças consideradas graves: a sífilis, blenorragia, lepra, tuberculose, epilepsia, além da
“idiotia, a imbecibilidade e alienação mental sob qualquer de suas formas”.624
O jornal O Globo que havia no ano anterior se dedicado intensamente à campanha em
prol do EPN, comemorou a elaboração do projeto de lei e ouviu o deputado que, em
entrevista, justificava a suposta importância dessa medida. Aos críticos ou “místicos do
amor”, como ele chamou, Amaury dizia que o exame pré-nupcial na grande maioria das vezes
não significava um veto definitivo e, sim, um adiamento do casamento que serviria para o
tratamento da moléstia, sendo então: “a salvação do amor que a doença não confessada iria
provavelmente enfraquecer, senão matar, quando a vítima a descobrisse”.625 É interessante
que apesar de propor em seu projeto que o exame fosse facultativo, Amaury se mostrava
contrário àqueles que defendiam a liberdade individual:
Apesar, porém, de todos os argumentos, o amor continua a ser uma objeção dos
individualistas porque, dizem eles, há casos em que as vítimas conscientes estariam
dispostas ao sacrifício. A essa anomalia se agarram os ortodoxos da liberdade

622
KEHL, op. cit., O Brasil Médico, Rio de Janeiro, n.6, fev. 1930, p. 162. [grifos meus]
623
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, p. 250.
624
KEHL, op. cit., O Brasil Médico, Rio de Janeiro, n.6, fev. 1930, p. 162.
625
O CONGRESSO já se preocupa com a questão do exame pré-nupcial. O Globo, Rio de Janeiro, n. 813, 24
out. 1927, p. 1.
161

individual e para eles não há lógica possível. Só há um meio de satisfazê-los:


legalizar o suicídio, proteger a invalidação voluntária, defender a livre indústria da
imbecilidade, proclamar a oficialização cilício. Crie-se a ordem dos enfermeiros
perpétuos e solidários nas doenças, permita-se a morfinomania!626

Ora, se o deputado não via o cerceamento da liberdade individual como um problema,


então por que razão não apresentou um projeto de lei que instituísse a obrigatoriedade do
EPN? A resposta é dada pelo próprio Amaury de Medeiros logo a seguir em sua entrevista.
Ele afirmava que sua preocupação não era apenas com a legislação, mas também com sua
execução. Existia, do seu ponto de vista, um “embaraço” ao exame pré-nupcial. Para sua
realização era necessário que ao menos houvesse médicos. No Brasil, entretanto, havia a
escassez de tais profissionais nos “longínquos sertões”. Diante desse fato, o deputado
questionava:
Como, pois, tornar obrigatório e essencial ao processo do casamento um certificado
sem assegurar a facilidade de sua obtenção? Não fazê-lo seria impedir muitos
casamentos convenientes. Obrigar os nubentes a viagens em busca de médicos seria
uma forma indireta de impedir o casamento dos pobres. Criar um corpo médico
especial com um representante junto a cada juiz? Não haveria médico, nem dinheiro
que chegassem. Uma lei que não preveja esses casos estará indiretamente
contribuindo para as uniões ilegítimas. Esta situação é, entretanto, transitória [...].
Uma lei radical, portanto, agora estaria fadada ao insucesso [...]. Pretendo, pois,
propor uma solução de emergência, uma lei de encaminhamento, uma lei eficaz para
os casos mais graves, que arme o Código Civil de meios largos e abra caminho para
a legislação definitiva que terá de vir futuramente. 627

Dessa forma, Amaury de Medeiros justificava sua escolha em tornar o EPN


facultativo. De acordo com ele, não havia meios para execução de uma lei que instituísse a
compulsoriedade do mesmo. O projeto do deputado pernambucano estabelecia que nos
lugares onde não existissem médicos, o exame seria dispensado, uma vez que os nubentes não
sofressem de moléstias contagiosas notoriamente sabidas. Sua proposta era, como ele dizia,
uma lei de transição, pois com tom esperançoso o médico julgava que no futuro o país teria
condições de examinar todos aqueles que fossem se casar.
O projeto de lei foi noticiado por vários periódicos do país. A Gazeta de São Paulo
reproduziu em suas páginas no dia 7 de novembro de 1927 a mesma entrevista publicada no
jornal O Globo dias antes. É válido destacar que A Gazeta também se manifestava favorável
ao exame considerando-o uma “necessidade urgente, imediata para o Brasil”.628 Mesmo sem

626
Ibidem.
627
Ibidem, p. 2.
628
O EXAME pré-nupcial e a mortalidade infantil. A Gazeta, São Paulo, n. 6529, ano XXII, 7 nov. 1927, p. 3.
162

ter certeza se o projeto seria aprovado ou não, o periódico carioca Jornal do Brasil anunciava
em sua manchete “Vai ser adotado, no Brasil, o exame médico pré-nupcial”.629
Mas o periódico que, aparentemente, mais se dedicou ao assunto foi O Globo, que
comemorava o fato de uma de suas grandes campanhas ter sido consagrada pela Câmara dos
Deputados. É possível perceber que o jornal atribuía o aumento da repercussão em torno do
EPN à campanha que realizou em 1926. Segundo O Globo, a classe médica havia se
apaixonado cada vez mais pelo assunto desde então. O próprio Amaury de Medeiros era
conhecedor da campanha do jornal e teria feito elogios a mesma:
[...] S. Ex. [Amaury de Medeiros] salientou a campanha do Globo, fazendo entre os
elogios que mais nos lisonjeiam, o de lembrar que não fora o nosso empenho na
propaganda e defesa de tão belas e necessárias ideias, e a medida do exame pré-
nupcial talvez não encontrasse o ambiente favorável em que ora frutifica. [...] Não
queremos, porém, encerrar esse momentoso assunto sem uma alusão à iniciativa do
deputado Galdino Filho, propondo (sic) fosse inserto na ata um voto de louvor ao
Globo, como iniciador que fomos de tão benemérita campanha, o voto este que toda
a comissão aplaudiu sem reservas.630

O jornal O Globo dizia acreditar que o projeto se converteria em lei ainda naquele ano
de 1927, pois em breve deveria ser enviado ao Senado para que esse se manifestasse antes de
31 de dezembro. Na Comissão de Saúde Pública o projeto de Amaury foi bem recebido,
embora os médicos e deputados Raphael Fernandes e Galdino do Vale Filho preferissem que
o EPN fosse obrigatório, reconheceram que a fórmula adotada pelo projeto fosse talvez mais
razoável na prática.
Entre os eugenistas foi recebido com ressalvas, pois, alguns, assim como os deputados
supracitados, ainda preferiam que o EPN se tornasse obrigatório, entre estes podemos citar:
Renato Kehl e médicos-legistas como Leonídio Ribeiro, Flamínio Fávero e Afrânio
Peixoto.631 Segundo Renato Kehl, ocorreu em 24 de novembro de 1927 uma sessão na Liga
Brasileira de Higiene Mental para tratar especialmente do assunto. Na ocasião, além dele,
estavam presentes, o próprio Amaury de Medeiros, Eduardo Rabello, Oscar de Souza, Oscar
Silva Araújo, Ernani Lopes, entre outros importantes nomes da classe médica nacional. Do
ponto de vista de Kehl, dispositivos de lei facultativos não trariam vantagens reais, já a
obrigatoriedade teria, segundo o eugenista, o proveito de alcançar todos os nubentes sem
qualquer distinção. Mas de todo modo, Kehl concluía que o projeto de Amaury tinha como

629
VAI ser adotado, no Brasil, o exame médico pré-nupcial. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 274, 17 nov.
1927, p. 9.
630
O PROJETO esboço do deputado Amaury de Medeiros e as frases do movimento que sustentamos. O Globo,
Rio de Janeiro, n. 829, 09 nov. 1927, p. 1.
631
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., 1996, p. 251.
163

ponto positivo servir de ensaio e como “ponte para uma lei futura de ação taxativa”, além
disso, afirmava: “vamos lá que se faça alguma coisa, porque do contrário nada se fará”.632
O projeto do deputado pernambucano recebeu na Câmara pareceres favoráveis, mas, a
aposta do jornal O Globo de que se tornaria lei até o final de 1927 falhou, pois a discussão
ainda se alongaria por mais de um ano. Na Câmara, os deputados discutiam, entre outros
assuntos, em meados de 1928, o reaparecimento da febre amarela no Rio de Janeiro, debate
que o médico pernambucano também esteve engajado.633 Talvez por existirem assuntos
considerados mais urgentes, o projeto do EPN tenha ficado em segundo plano.
Contudo, o assunto voltava à baila no mês de outubro de 1928. O projeto de Amaury
de Medeiros havia sido aceito pela Comissão da Justiça, apesar de ter sofrido emendas e
redigido em definitivo pelo deputado paulista e advogado Marcondes Filho.634 O
representante do estado de São Paulo dizia ter a “maior admiração” pelo trabalho de
Medeiros, entretanto, ao fazer uma leitura detalhada do projeto do colega tecia algumas
observações. Marcondes Filho era favorável à opção feita por Medeiros ao propor que o
exame fosse facultativo, pois, para o paulista: “Não seria a lei, determinando a
obrigatoriedade do exame, que haveria de tornar vitoriosa a conquista. [...] no presente não
estamos preparados para uma medida radical”.635
Todavia, o deputado paulista fazia críticas ao texto de Medeiros quanto à possibilidade
de denúncia por qualquer pessoa idônea a respeito da saúde do nubente. Essas disposições do
projeto eram, segundo Marcondes Filho, desaconselháveis e perigosas. Além disso, de acordo
com o projeto de Medeiros, caberia ao juiz julgar a idoneidade do denunciante. O
representante paulista desconfiava da capacidade dos juízes de paz para exercerem tal função,
e acreditava que essa medida poderia trazer as mais graves consequências: “facilitando
abusos, perseguições, dando lugar a vexames, tornando odiosa uma lei que deve entrar em
nossos costumes através do contágio do exemplo, da propaganda eugênica, da educação
popular”.636
Marcondes também acreditava que o prazo máximo de cinco dias para a apresentação
do certificado médico estabelecido por Medeiros deveria ser estendido para quinze dias, tendo
em vistas as distâncias e as dificuldades existentes no país. O deputado Marcondes Filho

632
KEHL, op. cit., O Brasil Médico, Rio de Janeiro, n.6, fev. 1930, p. 163.
633
A FEBRE amarela e o aparecimento de novos casos. O Globo, Rio de Janeiro, 14 jun. 1928, p. 3.
634
KEHL, op. cit., O Brasil Médico, Rio de Janeiro, n.6, fev. 1930, p. 163
635
A C. DE JUSTIÇA da Câmara concorda com o exame pré-nupcial. O Globo, Rio de Janeiro, 01 out. 1928, p.
8.
636
Ibidem.
164

propôs, com efeito, um texto substitutivo com modificações em alguns pontos do projeto de
Amaury de Medeiros, obtendo então parecer favorável da Comissão de Justiça da Câmara.
Apesar do lento processo, ao que parece o projeto de Amaury estava recebendo apoio
dos parlamentares. Porém, no final de 1928 um acontecimento trágico abalaria a continuidade
desse prospecto eugênico. O idealizador do projeto de lei, Amaury de Medeiros, faleceu em 3
de dezembro de 1928, vítima de um acidente aéreo. Em homenagem a Alberto Santos-
Dumont, que retornava da França ao Brasil, foi organizada uma grande festa popular na
cidade do Rio de Janeiro para recepcionar o “pai da aviação” que chegava a bordo do navio
“Cap Arcona”. Como parte da celebração, o hidroavião da Kondor Syndicate, batizado com o
nome de Santos-Dumont, deveria sobrevoar o navio. Contudo, o hidroavião caiu nas
mediações da Ilha das Cobras, matando todos seus tripulantes, dentre eles o deputado federal
Amaury de Medeiros, que fazia parte de uma comissão da Câmara que representava a casa do
Congresso no desembarque de Santos-Dumont.637
Apesar do calamitoso acontecimento, os eugenistas não se esqueceram de Amaury e
de seu projeto. No Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, em 1929, o nome do deputado e
médico higienista foi lembrado e homenageado entre os que ali presentes no evento científico:
Amaury de Medeiros esforçou-se apaixonadamente para alcançar a aprovação de sua
ideia, logrando obter o beneplácito das comissões de Justiça e de Saúde Pública da
Câmara. Conhecedor do nosso meio e da psicologia de nossa gente, ele pediu a
aprovação do exame em condições facultativas como ponte de transição para uma
futura lei que o tornasse taxativa (sic). Infelizmente, colhido pela morte, de modo
tão trágico, não logrou ver realizada a sua ambição de médico culto, de eugenista
sincero, de brasileiro patriota.638

Naquele mesmo ano do Congresso, Kehl publicava suas “Lições de Eugenia” obra em
que fazia votos para que o projeto de Amaury de Medeiros, então em discussão legislativa,
fosse aprovado. Portanto, ao que parece, o projeto do EPN ainda circulava na Câmara após a
morte de Medeiros. Mas, na tese de doutoramento intitulada “Os cinco problemas da eugenia
brasileira” (1929) cujo autor era o médico Pedro Monteleone, afirmava-se que o projeto de
Medeiros, que tinha circulado na Câmara dos Deputados nos últimos meses do ano legislativo
de 1928 havia desparecido. Pois, segundo Monteleone, desde então não se tinha mais
nenhuma notícia dele. Na presente pesquisa também não foram encontradas na imprensa da
época novas informações sobre a tramitação do projeto de lei na Câmara após a morte de seu
idealizador Posteriormente, Renato Kehl demonstrava ter poucas esperanças quanto à

637
AS MINUCIAS dolorosas do fragoroso drama. O Globo, Rio de Janeiro, 3 dez. 1928, p. 1.
638
KEHL, op. cit., Actas do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Rio de Janeiro, 1929, p. 57.
165

efetivação legal daquele projeto. Assim dizia, em “Aparas eugênicas: sexo e civilização”
(1933):
O projeto apresentado pelo deputado Amaury de Medeiros em 1927 teve favorável e
rápido andamento, obtendo pareceres concordantes nas comissões de Saúde e Justiça
da antiga Câmara dos Deputados. Ficou, infelizmente, encalhado na pasta de algum
relator pouco diligente, após a morte trágica e prematura do seu autor, que em vida
tanto se esforçara para o seu encaminhado.639

Além do falecimento de Amaury de Medeiros ter comprometido o andamento do


processo é preciso destacar o contexto político em que o país se encontrava. Desde o final da
década de 1910 a sociedade, tanto nos segmentos civis e militares, esboçava sua insatisfação
com a política nacional dominada pelos grupos oligárquicos paulistas e mineiros. Nos anos
1920, os sinais de inquietação puderam ser notados, seja pelas grandes greves operárias, pelo
modernismo, seja pelo movimento tenentista.640 Além disso, surgiam dissidências inter-
oligárquicas, ocasionadas pela insatisfação diante do federalismo desigual praticado na
República Velha, ou seja, os interesses dos estados São Paulo e Minas Gerais se mantinham
sempre a frente dos interesses dos demais estados brasileiros.641
No momento inicial de apresentação do projeto de lei sobre o EPN, em 1927, durante
o primeiro ano de mandato do presidente Washington Luís, as vozes de oposição ao sistema
político vigente continuaram ecoando. Entretanto, talvez seja possível dizer que o Brasil vivia
relativamente um período político relativamente tranquilo e estável, devido à dissolução do
movimento Coluna Prestes e à Lei Celerada, o que dava a elite dominante certa segurança
quanto à sua apreensão de um levante popular.642 Os anos subsequentes de seu governo,
contudo, seriam bem mais conturbados, especialmente a partir de 1929 diante da crise
mundial e da consequente crise cafeeira no país.643 Tendo em vista tais fatores de maior
magnitude política e econômica, o EPN, muito provavelmente teve que ficar para depois.
A sucessão de Washington Luís não foi menos problemática, uma vez que o então
presidente pretendia romper com o revezamento político entre São Paulo e Minas Gerais –

639
KEHL, Renato. Aparas eugênicas. op. cit., 1933, p. 168.
640
FAUSTO, BORIS. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1997,
pp. 128-133.
641
Cf. FERREIRA, Marieta de Moraes. A Reação Republicana e a crise política dos anos 20. Revista Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 9-23, jul. 1993. ISSN 2178-1494. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1953/1092>. Acessado em: 11 Abr. 2017.
642
AGGIO, Alberto; DE SOUSA BARBOSA, Agnaldo; LAMBERT, Hercídia Mara Facuri Coelho. Política e
sociedade no Brasil, 1930-1964. São Paulo: Annablume, 2002, p. 18.
643
FAUSTO, Boris. A crise dos anos vinte e a Revolução de 1930. In: FAUSTO, Boris. (Dir.) História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 2: Sociedade e Instituições (1889-1930). São Paulo:
Difel, 1985, p. 423.
166

conhecido como “política do café com leite” – indicando como candidato outro paulista, Júlio
Prestes, quando o caminho normal do “jogo” seria a volta de Minas ao poder.644 Em
represália, o Partido Republicano Mineiro juntamente com o estado do Rio Grande do Sul e a
Paraíba compuseram a Aliança Liberal, cujo programa refletia as aspirações de grupos não
vinculados diretamente ao café, defendendo a necessidade de se incentivar a produção
nacional em geral, para além daquele produto, lançando como candidato o gaúcho Getúlio
Vargas e o paraibano João Pessoa como vice.645 O assassinato deste último por motivos de
política local foi considerado o estopim para a deflagração de uma rebelião político-militar,
conhecida como a Revolução de 1930, que levou à deposição de Washington Luís em 24 de
outubro daquele ano, seguida da posse de Getúlio Vargas em 3 de novembro.646
Segundo Boris Fausto, consagrada a Revolução, nenhum dos grupos participantes
detinha condições para oferecer ao Estado as bases de sua legitimidade, isto é, eram incapazes
de assumir o poder de forma exclusiva. Nesse sentido, diante de um vazio no poder, instaura-
se um compromisso entre as várias facções, o que o autor chamou de “Estado de
compromisso”, cuja existência fora garantida pelo Exército, enquanto unificador das várias
frações da classe dominante. Essa nova forma de Estado se caracterizava pela centralização e
ampliação do intervencionismo, uma vez que do ponto de ideológico observa-se um abandono
das fórmulas liberais pelos setores dirigentes. Tal mudança estava vinculada à influência das
ideias autoritárias, em especial do fascismo, que de modo gradual atraía as classes dominantes
nos anos 1920, conquistando ainda maior adesão em 1930.647
Com a instalação do Governo Provisório (1930-1934), Vargas dissolveu o Congresso
Nacional e demais órgãos legislativos até a eleição de uma Assembleia Constituinte.648 Por
esse motivo, no trecho da obra de Renato Kehl “Sexo e Civilização” (1933), falava-se da
“antiga Câmara dos Deputados”. Diante desses fatos que significaram um ponto de inflexão
na política brasileira e um “profundo corte”649 na história do Brasil, torna-se compreensível

644
Ibidem, pp. 417-8.
645
Idem. Brasil: estrutura social e política da Primeira república, 1889-1930. In: BETTHEL, Leslie (Org.).
História da América Latina: de 1870 a 1930, volume V. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008,
p. 807.
646
Idem. A crise dos anos vinte e a Revolução de 1930. In: FAUSTO, Boris. (Dir.) História Geral da
Civilização Brasileira. op. cit., p. 244.
647
Idem. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 136-147.
648
D’ARAUJO, Maria Celina. Getúlio Vargas. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011, p. 28.
Disponível em: < http://bd.camara.gov.br> acessado em 30 jan. 2017.
649
FAUSTO, Boris. A crise dos anos vinte e a Revolução de 1930. In: FAUSTO, Boris. (Dir.) História Geral da
Civilização Brasileira. op. cit., p. 426.
167

que um projeto como aquele que facultava o exame pré-nupcial tenha ficado para segundo
plano ou como dizia Kehl “encalhado na pasta de algum relator”.
Se o voo trágico de Amaury de Medeiros acabara resultando em sua morte, os
eugenistas não esmoreceram e continuaram voando alto em seus anseios de controle e
aprimoramento do corpo social. O debate em prol do exame médico pré-nupcial teria lugar na
Assembleia Constituinte de 1933-4 conforme veremos no item a seguir.

4.2 O exame pré-nupcial em debate na Assembleia Constituinte 1933-4.

O modelo centralizador e intervencionista do governo provisório de Getúlio Vargas


não agradou os paulistas que passaram a exigir a autonomia política do estado e a realização
de uma Assembleia Constituinte. Com efeito, eclodiu em 9 de julho de 1932 a Revolução
Constitucionalista, com o levante das armas em São Paulo. Apesar de, do ponto de vista
militar, o movimento ter fracassado, resultando em um grande saldo de paulistas mortos,
serviu para fortalecer o projeto constitucionalizante. Terminada a luta em São Paulo,
iniciaram-se os preparativos para a reconstitucionalização, conforme estabelecia o decreto n.
21.402 – de 14 de maio de 1932, em novembro daquele ano instalou-se uma Comissão para
elaboração do anteprojeto constitucional. A chamada Comissão do Itamaraty entregou seu
anteprojeto em 5 de maio de 1933.650 Naquele mesmo mês era eleita a Assembleia
Constituinte que, enfim, instalou-se no mês de novembro. Esta, por seu turno, trabalhou
fazendo modificações e emendas no texto do anteprojeto por meses para que finalmente
promulgasse a nova Constituição em julho de 1934.651
O momento era favorável à difusão das ideias eugênicas. O Primeiro Congresso
Brasileiro de Eugenia, ocorrido pouco antes da Revolução de 30, especificamente no ano de
1929, tinha recebido publicidade favorável na imprensa diária e médica.652 Naquele mesmo
ano, Renato Kehl começava a publicar o periódico mensal Boletim de Eugenia. Além disso,
de acordo com a autora Nancy Stepan, após o período da Revolução de 1930:
Seguiu-se um período de agitação e distúrbios políticos que, em conjunto com as
dificuldades econômicas provocadas pela depressão mundial, ajudaram a expandir o

650
SIQUEIRA, G.S; RODRIGUES, J.S; AZEVEDO, F. G. S. O direito de greve nos debates da assembleia
nacional constituinte de 1933-1934. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica,
Rio de Janeiro: vol. 6, n.2, maio-agosto, 2014, pp. 317-18.
651
D’ARAUJO, Maria Celina. Getúlio Vargas. op. cit., p. 30.
652
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 61.
168

espaço político e ideológico para a propaganda eugênica. O ideal eugênico de uma


sociedade racionalmente administrada e medicamente purificada transcendia os
conflitos de classe e era compartilhado por outras ideologias nacionalistas,
antidemocráticas e corporativistas que floresciam no mesmo período.653

Vanderlei de Souza considera que no período em questão a eugenia mais radical


ganhava a simpatia de alguns intelectuais e autoridades políticas. Esse fato decorria de dois
motivos: primeiramente, a uma certa crise do pensamento liberal no mundo ocidental devido à
depressão econômica e social de 1929. Tais acontecimentos em curso no cenário mundial
refletiam fortemente no Brasil. Era no período do pós Primeira Guerra (1914-1919) que a
democracia parecia ruir, sobretudo na Europa, diante os movimentos nazifascistas que
surgiam, supostamente, como modo de superação da crise causada pelo modelo liberal-
democrático da política e da economia.654 No contexto brasileiro, após a derrubada do
governo oligárquico por meio da Revolução de 1930, no Governo Provisório de Vargas a
organização do Estado a princípio era algo vago, no entanto, a invalidação dos preceitos
liberais e o nacionalismo eram temas definidos.655 Ademais, não é surpreendente que as
posições autoritárias insurgissem no imaginário daqueles intelectuais afeitos aos preceitos
deterministas uma vez que defendiam ações intervencionistas do Estado sobre a vida dos
indivíduos, almejando mudanças no corpo social.656 Em segundo lugar, Souza atribui a
radicalização do pensamento eugênico aos próprios problemas nacionais relacionados à busca
de uma identidade brasileira, às discussões sobre a imigração, entre outras temáticas que
mobilizavam os intelectuais e a elite política.657
Com a Revolução de 1930 abria-se caminho para novas oportunidades políticas e
sociais. Os sanitaristas, críticos às oligarquias corruptas e ao federalismo, defendiam a
centralização das políticas governamentais, em especial aquelas referentes à saúde pública.
Por este motivo, os adeptos desse movimento como Belisário Penna, por exemplo, apoiaram e
entusiasmaram-se com o novo governo diante da possibilidade de instaurar seus ideais na
agenda política.658 O movimento eugênico, igualmente, buscou que suas ideias fossem
implementadas pela nova administração. De acordo com Stepan, em 1933, o mesmo grupo se

653
Ibidem.
654
AGGIO, Alberto; DE SOUSA BARBOSA, Agnaldo; LAMBERT, Hercídia Mara Facuri Coelho. Política e
sociedade no Brasil, 1930-1964. op. cit., p. 30.
655
TRINDADE, Hélgio. Integralismo. op. cit., p. 94.
656
CARVALHO, Leonardo Dallacqua de. A eugenia no humor da Revista Ilustrada Careta. op. cit., p. 138.
657
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 175.
658
HOCHMAN, Gilberto. FONSECA, Cristina M. O. O que há de novo? Políticas de saúde pública e
previdência, 1937-45. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação
Getúlio Vargas, 1999, pp. 73-4.
169

dedicou ao lobby junto aos recém-eleitos deputados da Assembleia Constituinte.659 Isto é, os


eugenistas buscaram defender seus pontos de vista durante os debates ocorridos na
Assembleia. A questão do exame médico pré-nupcial seria incluída na pauta.
Valendo-se da oportunidade de inclusão de projetos eugênicos no plano legal, após a
consolidação de Getúlio Vargas ao poder, a Comissão Central Brasileira de Eugenia elaborou
uma série de propostas que foram enviadas ao grupo de parlamentares encarregados de
elaborar o anteprojeto constitucional.660 A Comissão Central Brasileira de Eugenia (CCBE)
foi fundada em abril de 1931 no Rio de Janeiro por Renato Kehl. Faziam parte desta vários
médicos, eugenistas e psiquiatras, entre estes Ernani Lopes e Júlio Pires Porto Carrero –
respectivamente, presidente e vice-presidente da Liga Brasileira de Higiene Mental – além de
Toledo de Piza Junior e Octávio Domingues, ambos geneticistas. Também eram vinculados à
CCBE intelectuais e autoridades diretamente ligados ao Departamento Nacional de Saúde
Pública (DNSP), como Gustavo Lessa, Caetano Coutinho e Belisário Penna. Esse último, por
sua vez, engajou-se na Revolução de 1930 e após a vitória do movimento se tornou diretor do
DNSP.661 Um adendo se faz essencial: outros eugenistas também puderam atuar na esfera
política durante o governo de Vargas, destaca-se aqui a presença do antropólogo Roquette-
Pinto e do médico Renato Kehl convidados a participarem de um comitê especial do
Ministério do Trabalho a fim de aconselhar sobre os problemas de imigração.662
Em sua carta de “proposições de eugenia para a nova Constituição” os membros da
CCBE lembravam que as condições somato-psíquicas de todos os indivíduos dependiam de
suas disposições hereditárias, por isso mesmo, dentre outras medidas, julgavam ser necessário
o “impedimento ao casamento dos indivíduos patentemente degenerados, tarados e dos que
pelos seus antepassados provenham evidentemente de ascendentes com cabedais genotípicos
incompatíveis com a boa progenitura”.663 No mesmo texto, os eugenistas ainda mencionavam
a importância da educação eugênica nas escolas.
A intenção neste item, não é abordar a exaustão todos os debates ocorridos dentro da
Assembleia Constituinte, o que seria impossível dentro dos limites desta pesquisa,
ultrapassando inclusive seu objeto. É possível perceber que nas reuniões da Assembleia muito

659
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 61.
660
VILHENA, Cynthia Pereira de Souza. Práticas eugênicas, medicina social e família no Brasil republicano.
Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 19, n.1, 1993, p. 85. Disponível em: <
http://www.revistas.usp.br/rfe/article/viewFile/33513/36251> acessado em 31 jan. 2017.
661
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto. op. cit., 2006, p. 174.
662
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 173.
663
KEHL, Renato. Aparas eugênicas . op. cit., 1933, p. 256.
170

se falou da ciência de Galton, inclusive porque alguns deputados eleitos estavam diretamente
vinculados à eugenia.664 Inúmeras vezes os deputados citaram o Primeiro Congresso
Brasileiro de Eugenia e suas resoluções a fim de defender medidas como o controle da
imigração,665 entretanto, pretende-se observar aqui apenas as principais discussões em torno
do exame médico pré-nupcial. Por principais entende-se as discussões mais aprofundadas, já
que algumas vezes o EPN aparecia nos discursos dos parlamentares como mera alusão e de
modo aleatório, não constituindo assim o ponto central de algumas falas.
Inicialmente, os constituintes após terem estudado o anteprojeto poderiam apresentar
suas sugestões de emendas que, mais tarde, seriam discutidas para incorporação à
Constituição. O deputado classista666 Alberto Surek, diplomado em ciências comerciais na
Academia de Comércio de Juiz de Fora (MG),667 apresentava, no dia 15 de dezembro de
1933, uma emenda ao art. 110 do anteprojeto constitucional. Este artigo tratava da família e
afirmava competir à União, aos Estados e aos Munícipios: “a-) velar pela pureza, sanidade e
melhoramento da família; d-) amparar a maternidade e a infância; f-) proteger a juventude
contra toda a exploração bem como contra o abandono físico, moral e intelectual”.668 O
deputado, por sua vez, pedia para incluir onde coubesse: “Promover o exame pré-nupcial”.669
A despeito de sua atividade profissional, muito distante das competências da medicina,
Surek demonstrava ter conhecimento das campanhas em prol do EPN, questão que, segundo o
constituinte, muito se agitava entre as classes-médicas. Isso mostra o alcance da campanha
eugênica brasileira, que há tempos já havia deixado de circular exclusivamente dentro da
academia e dos espaços médicos. Em sua justificativa, Alberto Surek dizia que o governo
deveria “acautelar a formação dos novos lares, a organização da família, dos males sem conta
que o liberalismo criminosamente admitido até agora, a esse respeito tem produzido no nosso

664
Poderíamos citar: Xavier de Oliveira, Miguel Couto, Pacheco e Silva, Artur Neiva, entre outros.
665
Apenas a título de curiosidade e também para exemplificar o quanto a eugenia esteve presente nos debates
entre os constituintes, gostaríamos de destacar aqui que o deputado Antônio Xavier de Oliveira, em janeiro de
1934, inclusive leu uma carta de Renato de Kehl afim de que esta ficasse registrada nos Anais da Assembleia
Constituinte. Na carta em questão o eugenista falava do problema da entrada em massa de asiáticos no Brasil, o
que supostamente, segundo Kehl, comprometia o aprimoramento racial dos brasileiros. Ver em: Annaes da
Assembléa Nacional Constituinte. Volume VI, 1934.
666
O Código Eleitoral de 1932 previa a representação profissional; os deputados classistas eram trabalhadores
escolhidos por membros dos sindicatos e possuíam os mesmo direitos dos eleitos por voto popular. O objetivo
era neutralizar a oposição das bancadas estaduais. (AGGIO, Alberto; DE SOUSA BARBOSA, Agnaldo;
LAMBERT, Hercídia Mara Facuri Coelho. Política e sociedade no Brasil, 1930-1964. op. cit. p. 27)
667
Informação disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/surek-alberto>
acessado em 01 fev. 2017.
668
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. Volume IX, 1935, p. 179.
Disponível em: <http://bd.camara.gov.br> acessado em 04. Fev. 2017.
669
Ibidem. Volume IV, 1935, p. 267. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br> acessado em 01. Fev. 2017.
171

meio”.670 Apesar de afirmar a urgente necessidade de adotar o EPN no país, o deputado, não
deixava claro se este deveria ser facultativo ou compulsório.
Já no dia seguinte, havia um pedido de inclusão de novos parágrafos ao art. 108.
Nestes além da permissão do divórcio nos casos em que a lei civil determinasse, sugeria que o
casamento civil somente fosse realizado a partir da apresentação de atestado sanitário
fornecido pela autoridade sanitária local aos nubentes. Essa recomendação era sugerida por
vários políticos, entre eles, novamente, Alberto Surek. O termo “eugenia” aparece inclusive
nessa passagem, o que demonstra que tal medida estava relacionada à tal abordagem e ao
aprimoramento racial. De tal modo, os políticos assim justificavam: “O exame pré-nupcial é
uma medida que se impõe em benefício da nossa eugenia, pois ao poder público se tem
exposto o problema e apontado a sua solução, já não se devem descurar as providências
aconselhadas e necessárias ao aperfeiçoamento do tipo racial brasileiro”.671
Os deputados Sebastião de Oliveira, Eugenio Monteiro de Barros, Edmar da Silva
Carvalho e Gilberto Gabeira também demonstraram-se favoráveis à obrigatoriedade do EPN e
também formularam um pedido de emenda ao art. 108. Neste requerimento solicitavam que
nenhum casamento fosse celebrado sem a apresentação de um atestado de saúde. Para sua
justificação, davam exemplos de outros países como Suécia, Noruega, Dinamarca, entre
outros que haviam adotado tal medida.672
Os esforços de Amaury de Medeiros para a implantação legal do EPN foram
lembrados na Assembleia pelo médico e deputado paulista Antônio Carlos Pacheco e Silva
em seu discurso na 75ª sessão, em 20 de fevereiro de 1934.673 Segundo este, além do controle
da imigração, um dos meios eugênicos de maior valor, por razões supostamente humanitárias
e econômicas, consistia em evitar a união de elementos malsãos e doentes afetados por
patologias contagiosas. Pacheco e Silva que era também psiquiatra e o então diretor do
Hospital do Juquery, em São Paulo, defendendo a causa eugênica, dizia que os políticos ali
presentes dariam um mau atestado de patriotismo caso desprezassem questões que, segundo
ele, tocavam de perto formação da nacionalidade:
Cumpre-nos adotar um programa de defesa nacional da saúde, encarado sob os seus
mais diversos aspectos, baseando-nos em fundamentos de ordem eugênica, racial e
social, como se faz hoje nos países mais adiantados do mundo. Devemos criar a
nossa antropologia política, proporcionar meios para que o ambiente em que vive

670
Ibidem, p. 268.
671
Ibidem.
672
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume IV, 1935, p. 291.
673
Ibidem. Volume VIII, 1935, p.227
172

nosso povo seja mais propício à saúde, velar pelas leis que regem a transmissão dos
674
fatores hereditários às gerações futuras.

Pacheco e Silva encerrava sua fala lembrando-se da importância da educação eugênica para
que todos os brasileiros soubessem zelar por sua saúde, física e psíquica, gerando assim uma
consciência sanitária na população.
Na 85ª sessão, em 3 de março de 1934, falava para explicação pessoal o deputado
Alfredo Augusto da Mata que havia subscrevido a emenda nº 543, juntamente ao deputado
paraense Joaquim Magalhães e outros políticos da região norte e nordeste. Tal emenda
referia-se ao art. 110 solicitando um complemento na alínea “a”. Isto é, caberia então à União
e aos Estados e aos municípios velarem pela pureza, sanidade e melhoramento da família;
assim como pela raça, estabelecendo dentre outras medidas a obrigatoriedade do exame pré-
nupcial.675
Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, Alfredo Augusto da Mata dizia que na
leitura do anteprojeto constitucional havia lhe chamado atenção as questões de “defesa
sanitária da coletividade”.676 Segundo o deputado eleito pelo Amazonas, a Carta Magna de
1891 havia se descuidado desses aspectos por não ter deixado nada claro sobre os
departamentos da defesa e conservação da saúde, gerando uma confusão sobre a competência,
atribuições e deveres da União, dos Estados e dos Municípios. De acordo com da Mata, por
esse motivo tal orientação se tornava imperativa na nova Carta Política. Destaca-se um trecho
da fala do deputado no qual ele julga que o EPN seria uma das melhores formas de se atender
a letra “a” do art. 110:
Verdade é que em matéria de saúde, assistência e eugenia, à União compete nortear
e superintender todos os serviços, e julgo que assim deva ser, porquanto aquele
enunciado tem como alvo coordenar e conjugar todos eles, sempre modelados, ou
tendo como escopo a lei federal. E para exemplificar eis a letra a do art. 110, assim
redigida:
- “Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos da lei federal: - velar
pela pureza, sanidade e melhoramento da família”. Significa, em sua singeleza e
simplicidade, a família resultar da existência de um lar e este ter se constituído de
acordo com as exigências da lei civil respectiva. É o caso particular da pergunta: - se
deste casal provir, por exemplo, uma prole degenerada, que responsabilidades
caberão ao Estado e ao Município? E como poderão eles intervir para que tão
funesta consequência se não realize? Racional e pronta a resposta neste caso quanto
a ação que desponta e as responsabilidades que resultam. Para o poder público velar
pela pureza e sanidade da família, é preciso que o casal, célula mater dessa família,

674
Ibidem, p. 225
675
VOITECHEN, Fábio. O exame pré-nupcial, nas páginas da imprensa jornalística, nas teses médicas e na
Assembleia Constituinte: 1926-1934. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em História Cultural. Florianópolis,
2015, p. 97.
676
Ibidem. Volume IX, 1935, p. 179.
173

possua as devidas condições de higidez, porque desta forma se efetivarão os dados


para o melhoramento da prole, e, consequentemente, da população e da raça.
Encontra-se, portanto, o problema em pleno território da eugenia, e em franco
domínio da União. Serei breve. Somente o exame de validez, o exame médico antes
do casamento poderá dar a devida solução, garantidor que se tornará de todos os
trabalhos nessa esfera da eugenezia. Este exame foi sugerido pelas emendas 239 e
631, subscritas pelos ilustrados senhores deputados Sebastião de Oliveira e Alberto
Surek e outros colegas, tendo também a de n. 357, assinada pelos ilustrados senhores
deputados Ed. Possolo e outros, esclarecido que a lei estatuiria os preceitos que
melhor atendessem à boa procriação e ao desenvolvimento físico, intelectual e moral
dos filhos.677

Alfredo da Mata, ainda em seu longo discurso, falava das doenças consideradas graves
e transmissíveis que comprometiam o progresso nacional. É um discurso muito semelhante
aos escritos nas teses médicas analisado no capítulo 1. O alcoolismo, sífilis, tuberculose
aparecem como doenças de cunho moral e que poderiam ser prevenidas por meio do exame
pré-nupcial devido ao seu suposto aspecto hereditário (o que era errôneo no caso da
tuberculose, como se sabe hoje em dia). Por meio dos Anais da Assembleia é possível
verificar que alguns deputados interrompiam a fala de Alfredo da Mata, mas apenas para
complementar quaisquer pontos e, além disso, é possível perceber que estes corroboravam
com as ideias do deputado amazonense.
Valendo-se do exemplo de outros países que haviam adotado o EPN, Alberto da Mata
buscava justificar a implantação na mesma medida no Brasil. Percebe-se também uma
tentativa de colocar autoridades religiosas ao lado da medida eugênica:
Para ultimar, devo enaltecer o gesto de Debreyne, padre e publicista notável, que
exprimia no século 19 o seu pensamento do modo seguinte: - “Assim como se
considera a consanguinidade um impedimento para o matrimônio, pela mesma
razão, e talvez por outras maiores, deviam também ser consideradas como tais certas
doenças.” Eis a religião e a ciências identificadas e irmanadas mais uma vez nos
propósitos referentes à saúde pública, e nesse caso tão primacial da eugenia.678

Ao final de sua fala, da Mata concluía então que o grandioso futuro da pátria dependia
da obrigatoriedade do exame de validez física e mental aos nubentes. Segundo o registro dos
Anais, após o discurso, o parlamentar recebeu muitas palmas e foi cumprimentado pelos
colegas.679
O “Título X - Da Família” do anteprojeto constitucional recebeu 38 emendas. Desse
modo, em 6 de fevereiro de 1934, Adolpho Eugênio Soares Filho, deputado pelo estado do
Maranhão e relator dos capítulos “Da educação” e “Da família”, decidiu não dar um parecer

677
Ibidem, p. 181.
678
Ibidem, p. 189.
679
Ibidem, p. 190.
174

especial a cada uma das emendas, mas sim, um parecer geral de todas elas. A solução
encontrada por Soares foi apresentar um substitutivo ao referido Título, cabendo ao plenário
da Assembleia aceitá-lo ou não assim como modifica-lo ou não. Transcrevemos abaixo parte
do substitutivo proposto:
Art. B – O casamento válido será unicamente o civil, monogâmico e indissolúvel,
celebrado por autoridade do Estado, cujo processo de habilitação e a sua celebração
serão gratuitos.
§ 1º Aos contraentes é obrigatória a prova prévia de exame de sanidade física e
mental, segundo os moldes da eugenia em lei federal.
§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e o Território do Acre, subvencionarão os oficiais
do registro civil para da gratuidade determinada neste artigo.680

Como nota-se, atendendo às demandas de algumas emendas sugeridas pelos


deputados, o relator Adolpho Soares Filho estabelecia a compulsioriedade do exame de
sanidade física e mental aos nubentes. Em sua justificativa Soares Filho dizia ter inserido no
substitutivo a obrigatoriedade do exame pré-nupcial “por ser uma medida reclamada por
todos, aconselhada pela ciência, de relevante e incontestável e inadiável necessidade para a
melhoria racial”.681 De fato, até aquele momento, pelo que se analisou por meio dos Anais da
Assembleia Constituinte, os deputados não pareciam se opor às emendas que sugeriam o
EPN, pelo contrário, a medida fora aplaudida por muitos. No texto substitutivo ao anteprojeto
constitucional, nota-se que o exame deveria inclusive seguir “os moldes da eugenia”, o que
significava, provavelmente, seguir os preceitos eugênicos a fim de determinar quais
indivíduos teriam seu casamento vetado ou adiado.
É interessante observar que Adolpho Soares Filho não era médico, formou-se em 1893
pela Faculdade de Direito de Recife.682 Em sua argumentação, o relator criticava o Código
Civil de 1916 e tecia comentários muito semelhantes aos dos médicos eugenistas. Seria
equivocado fazer generalizações, contudo, parece que apesar de não haver um consenso sobre
suas medidas, a eugenia já se encontrava muito difundida entre intelectuais e políticos
brasileiros, independente destes serem profissionais da saúde ou não. Como aponta Lilia
Schwarcz, desde 1870 na Faculdade de Direito de Recife, o evolucionismo era um jargão
comum e de grande adesão, isto porque os juristas enquanto homens de ciência tinham certeza
de que era necessário contemplar estudos de outras áreas do conhecimento a fim de encarar os
problemas nacionais. De tal modo, a autora nota que a biologia evolutiva muito interessava

680
Ibidem. Volume X, 1934, p. 441. [grifos meus]
681
Ibidem, p. 444.
682
Informação disponível em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/soares-filho-
adolfo-eugenio> acessado em 04 fev. 2017.
175

estes profissionais, aliás, não só àqueles formados em Recife, mas também em São Paulo, por
exemplo.683 Logo, o contato entre o Direito e as ciências raciais, biológicas e deterministas já
ocorria há pelo menos sessenta anos.684 Além disso, diante da própria conjuntura política dos
anos 1930, é possível dizer que os juristas brasileiros não ficaram alheios ao debate eugênico.
Ainda que houvesse algumas críticas e controvérsias quanto à aplicação de suas políticas,
como ver-se-á a seguir, ninguém estava disposto a negar a validade da eugenia, até porque ela
era, de fato, considerada uma ciência. Embora, por outro lado, o momento coincida também
com questionamentos aos modelos raciais deterministas, haja vista que estavam em cena os
argumentos sanitaristas e teses culturalistas.685
Enfim, na apresentação do projeto constitucional substitutivo (Projeto nº 1-A), em 8 de
março de 1934, ficava estabelecido nos mesmos termos propostos por Adolpho Soares Filho:
“Art. 169. Aos contraentes é obrigatória a prova: prévia de exame de sanidade física e mental,
segundo os moldes da eugenia, estabelecido em lei federal”.686
Entretanto, as discussões não seriam encerradas por ali. Os constituintes ainda
continuaram a fazer revisões no texto-projeto constitucional. O deputado Joaquim de Arruda
Falcão, que era advogado, acreditava que o art. 169 estava destinado a ser letra morta. Já
Vasco Tristão Leitão da Cunha, por sua vez, dizia que a obrigatoriedade do EPN era uma
aspiração legítima e deveria ser mantida na Constituição.687
Godofredo Costa de Menezes, eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte
pelo Espírito Santo e formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,688 propunha a
supressão do artigo 169 devido às dificuldades para a realização do exame diante das
condições precárias de muitas regiões do país. Segundo o mesmo, nada valiam as leis sem os
costumes, logo, valia mais o efeito persuasivo e penetrante de uma sábia propaganda. 689 As
objeções apresentadas por Costa de Menezes, portanto, se assemelhavam àquelas reclamadas
inclusive por alguns eugenistas, conforme visto no capítulo 3.

683
A autora Lilia Schwarcz (op. cit., pp. 237-238) observou que apesar dos integrantes da Faculdade de Direito
de São Paulo criticarem o determinismo racial (modelo que dominava na Escola de Recife), não descartavam a
perspectiva evolutiva, isto é, que os homens eram passíveis de evolução. Mesmo no final dos anos 1920, quando
questionavam as interpretações sobre as raças, permanecia a ideia de desigualdade entre elas.
684
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. op. cit., 1993, pp. 196-221.
685
Ibidem, p. 225.
686
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume X, 1935, p. 599.
687
Ibidem. Volume XI, 1935, p. 200.
688
Informação disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/meneses-
godofredo-costa> acessado em 05 fev. 2017.
689
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume XII, 1935, pp. 97-8.
176

O deputado e jornalista Luís Cavalcanti Sucupira também possuía um ponto de vista


muito parecido com de Costa de Menezes, pois acreditava que país não tinha condições de
realizar em todo seu território tais exames médicos antenupciais. E relatava: “No interior, para
se conseguir, ás vezes, um exame cadavérico, chega-se a recorrer aos práticos de farmácia”.690
Outro parlamentar, Ferreira de Souza, presente durante o discurso de Sucupira, dizia que em
muito locais não havia médicos para examinar os nubentes.
Como se sabe, décadas antes, importantes campanhas sanitárias foram empreendidas,
inicialmente nos grandes centros urbanos, como a Capital Federal e São Paulo e a seguir,
sobretudo, após as expedições realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz aos sertões do país,
foram realizadas campanhas sanitárias e profiláticas nos espaços rurais. Os governos estaduais
solicitavam auxílio federal – técnico e financeiro – para combater as endemias e epidemias,
portanto, optaram por fazer acordos com a União.691 Tal agenda sanitarista e o modelo cada
vez mais centralizado – isto é, a ampliação da responsabilidade do governo federal pela saúde
e saneamento do país – legados pela Primeira República, seriam incorporados pelo governo
Vargas, mais especificamente pelo Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) criado
em finais de 1930.692 Em que pese esses esforços, observa-se por meios dos relatos de
médicos, políticos e juristas que a situação da saúde pública no Brasil ainda era insatisfatória,
algo que ainda persiste até na atualidade. A falta de médicos, hospitais e laboratórios
inviabilizava, portanto, na visão de muitos, a obrigatoriedade do EPN.
É importante destacar que Luís Sucupira foi eleito com o apoio da Liga Eleitoral
Católica. Isto demonstra que o deputado possuía afinidade com as reivindicações da Igreja.
Como se observou no capítulo 3 deste trabalho, tal instituição era contrária à obrigatoriedade
do EPN, posição que Luís Sucupira muito provavelmente conhecia e também apoiava. Apesar
disso, em sua fala, o deputado preferiu apontar apenas os possíveis inconvenientes práticos de
tal medida, não explicitando em nenhum momento que tal proposta poderia ferir os dogmas e
interesses católicos.
O mesmo parlamentar afirmava não condenar o exame pré-nupcial, mas este, em sua
concepção, deveria ser de caráter facultativo. Havia ainda a possibilidade de revolta popular
diante da obrigatoriedade da medida. O contexto da Primeira República brasileira foi marcado
por uma série de tensões e revoltas populares (a exemplo dos movimentos de Canudos e do

690
Ibidem, Volume XIII, 1934, p. 75.
691
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. op. cit., p. 207.
692
HOCHMAN, Gilberto. FONSECA, Cristina M. O. O que há de novo? Políticas de saúde pública e
previdência, 1937-45. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. op. cit., pp. 80-2.
177

Contestado, a Revolta da Chibata, o tenentismo), daí certamente a preocupação do político em


evitar novos embates. Sucupira lembra-se ainda do episódio da Revolta da Vacina:
Sabemos que a simples adoção da vacina obrigatória, deu causa a uma revolução na
Capital da República. E é em um país como este que se vai exigir a apresentação de
semelhante atestado, para que o cidadão realize um dos atos mais sérios de sua vida
e que, mais de perto, diz respeito a sua liberdade individual? 693

Essa fala do deputado é bastante interessante, pois o mesmo parece se esquecer – ou


deixar de considerar – da ação truculenta das autoridades polícias ao invadirem as casas e
cortiços no período do bota-abaixo e combate da febre amarela. Sucupira atribuía como causa
da revolta popular apenas a “simples adoção da vacina obrigatória”. Logo, seguindo seu
raciocínio, a vacina e o EPN obrigatórios eram medidas válidas, entretanto, o povo – tido
como sem conhecimento/como ignorante – provavelmente se revoltaria contra estas. Por isso
mesmo, e também pela falta de condições práticas para sua execução o EPN não deveria ser
uma obrigatoriedade nacional, segundo Sucupira.
José Ulpiano Pinto de Sousa, bacharelando em ciências jurídicas e sociais pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, também pedia a supressão do artigo
supracitado, pois este, em sua opinião, modificaria o Código Civil em muitos aspectos. Caio
de Alcântara Machado, deputado e professor da Faculdade de Direito de São Paulo, que
participava da sessão, dizia que a obrigatoriedade do EPN impossibilitaria apenas o
casamento dos pobres. José Ulpiano concordava com o colega e questionava: “Por que
colocar numa Constituição matéria de puro Direito Civil?”.694 Além disso, o deputado
lembrava a máxima de Miguel Pereira ao dizer que o Brasil era um imenso hospital,
expressão crítica utilizada pelo médico em 1916 ao retratar as precárias condições sanitárias
do país especialmente nos sertões, logo, o deputado José Ulpiano se perguntava, nessa
conjuntura de tamanha precariedade e falta de infraestrutura como fiscalizar o casamento? E
arrematava: “O que vamos é exclusivamente favorecer a mancebia e impedir o casamento do
pobre”695, afinal, sobretudo nas regiões mais pobres do país eram onde faltavam médicos e
laboratórios públicos, portanto, os indivíduos de baixa renda estariam impossibilitados de
realizar tal exame, o que por sua vez impediria o casamento civil.
Ainda na mesma discussão, Adroaldo Mesquita da Costa, também advogado, dizia que
a implantação do artigo 169 servia “para atender o idealismo da eugenia, no Brasil”. 696 Mas

693
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte, Volume XIII, 1934, p. 76.
694
Ibidem, p. 305.
695
Ibidem.
696
Ibidem.
178

José Ulpiano, longe de questionar as tendências eugênicas, afirmava que o país ainda não
estava em condições de atender às políticas eugênicas. E dizia: “Se, porém, é preciso atender
a esse ponto, deixemo-lo para a lei ordinária; não o coloquemos na Constituição”.697 Assim,
Ulpiano declarava que a disposição do art. 169 excedia a alçada dos constituintes ali reunidos,
que não teriam tempo de tratar questões de direito privado. Apesar de favorável à eugenia e à
defesa sanitária, o deputado, afirmava que “embaraçar a união dos sexos” ainda não era algo
possível naquele período.
Enquanto alguns pediam a supressão da obrigatoriedade do EPN, outros continuavam
a defendê-la, como por exemplo, o deputado classista Sebastião de Oliveira, autor, juntamente
com outros parlamentares, da emenda nº 631. Ainda que tal emenda não tenha sido
incorporada na sua exatidão no Projeto 1-A, sua ideia geral estava ali presente no art. 169,
fato este comemorado por Oliveira.698
Na 122ª sessão, em 16 de Abril de 1934, falava o deputado baiano e cônego Manuel
Leôncio Galrão. Em seu depoimento expôs sua posição sobre diversos assuntos. Sempre
favorável às emendas religiosas, o vigário de Areia, atual Ubaíra (BA), dizia-se favorável ao
ensino católico nas escolas, era contrário ao divórcio que em sua visão “viria aumentar a
miséria moral” da população, além disso, defendia o reconhecimento da validade do
casamento religioso inscrito no registro civil. Apesar da falta tempo, Leôncio Galrão fez
algumas considerações sobre o exame pré-nupcial obrigatório, que do seu ponto de vista era
inexequível no Brasil. Além disso, este seria falho, pois, segundo ele, a procriação não se
dava apenas pelo casamento, de modo que o objetivo primário só teria êxito se fosse
implantado no país o sistema de esterilização de Hitler. Nesse sentido, se expõe em detalhes a
fala do deputado:
Sobre o exame pré-nupcial que o substitutivo cria em uma das suas disposições,
muito teria a dizer. O tempo urge e limito-me á declaração de que o considero
inexequível no Brasil. Quando muito, se poderia aplicar, a título de experiência, nas
capitais. Ainda assim seria falho, porque não é só pelo casamento que se dá a
procriação, a não ser que se estabeleça no País o sistema de esterilização de
Hitler.699

Embora já difundida anteriormente entre os intelectuais, a extremada radicalização da


eugenia na Alemanha estava vinculada à ascensão do nazismo e do Führer ao poder e obtinha

697
Ibidem.
698
Ibidem, p. 241.
699
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume XV, 1934, p. 91.
179

a partir de então uma linha claramente racista.700 O Terceiro Reich representou para os
higienistas raciais alemães a possibilidade de colocar suas ideias em prática. 701 Em julho de
1933 foi promulgada na Alemanha a lei de esterilização àqueles que eram diagnosticados
como portadores de doenças hereditárias, entrando em vigor em janeiro de 1934. Esta, por sua
vez, se inspirou no texto da Califórnia, estado norte-americano que mais realizou
esterilizações nos Estados Unidos.702
A legislação alemã obteve grande repercussão no Brasil, sendo que no mesmo mês o
jornal O Globo realizou um inquérito sobre o assunto para ouvir a opinião de alguns
intelectuais brasileiros. A proposta recebeu parecer favorável de Oscar Fontenelle, Pacheco e
Silva, Leonídio Ribeiro e Renato Kehl, e contou com uma tradução integral nas páginas da
revista oficial da Liga Brasileira de Higiene Mental; os Archivos Brasileiros de Hygiene
Mental, naquele mesmo ano.703 Considerando que Manuel Leôncio Galrão era membro da
Igreja Católica, não se pode interpretar que o mesmo seja favorável à esterilização, pois
conforme se observou no Capítulo 3 desse trabalho tal instituição era crítica às políticas
eugênicas de controle reprodutivo. Então, apesar de considerar tal medida mais eficaz quando
se tratava de barrar os supostos nascimentos indesejáveis, o vigário provavelmente não era
partidário da mesma. Muito provavelmente o tom de sua fala foi irônico, o que, todavia, não
se pode afirmar com precisão. Galrão prosseguia em sua contraposição ao EPN obrigatório
dizendo que ademais os nubentes isentos que quaisquer moléstias poderiam adquiri-las depois
de casados.704
Diante das críticas que o art. 169 vinha recebendo, o médico e deputado paraense
Joaquim Pimenta de Magalhães, que havia redigido juntamente com Alfredo da Mata e outros
parlamentares uma emenda em prol do EPN, decidiu subir à tribuna e se pronunciar. Pimenta
de Magalhães afirmava não ter reconhecido “uma argumentação mais séria que viesse jogar

700
Sobre a eugenia alemã ver: WEISS, Sheila F. The Race Hygiene Movement in Germany, 1904-1945. In:
ADAMS, M. B. The Wellborn Science: eugenics in Germany, France, Brazil, and Russia. New York/Oxford:
Oxford University Press, 1990.
701
MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. À luz do biológico: psiquiatria, neurologia e eugenia nas relações Brasil-
Alemanha (1900-1942). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2015, p. 290. Disponível em:
<http://www.ppghcs.coc.fiocruz.br/images/dissertacoes/teste/tese_pedro_munoz.pdf> acessado em 02 Maio
2017. O autor analisa as relações entre a eugenia e a medicina mental alemã e brasileira.
702
DIWAN, Pietra. Raça pura. op. cit., pp. 63-4.
703
WEGNER, Robert. Renato Kehl, a eugenia alemã e a doença de Nietzsche. In: Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História ANPUH, São Paulo, julho, 2011, p. 6. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300877663_ARQUIVO_RenatoKehl,aeugeniaalemaeadoenc
adeNietzsche.pdf> acessado em 20 abr. 2017.
704
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume XV, 1934, p. 91.
180

por terra a necessidade do exame pré-nupcial”705 e discordava das opiniões do deputado


paulista José Ulpiano – conforme foi apresentado anteriormente, esse último afirmava que tal
assunto não deveria figurar-se na Constituição e sim talvez no Código Civil. Mas, segundo
Pimenta de Magalhães, outros parlamentares “mentores da ciência jurídico-social”, não
haviam se oposto a essa matéria, isto é, a obrigatoriedade do EPN no texto constitucional.706
O deputado paraense ainda rebatia o argumento de que o Brasil não tinha condições de
efetuar a medida, e dizia: “não estamos legislando para o que está, ou para as nossas
condições de momento e, sim, para o que deverá ser”.707 Do ponto de vista de Pimenta de
Magalhães, a eugenização da população brasileira era extremamente necessária para o
progresso do país. Se naquela oportunidade os parlamentares não procurassem meios de tirar
o povo de uma suposta degeneração, seria preciso, em outro momento, numa nova
Constituinte, estabelecerem tais providências eugênicas. Isto é, a eugenia era a saída
necessária caso quisessem eliminar a “degeneração do país”.
As críticas de Joaquim Pimenta de Magalhães recaíram inclusive sobre a emenda nº
772, subscrita pelo médico Fernando Magalhães, juntamente com outros deputados, dentre
eles Manuel Leôncio Galrão Luís Sucupira, Arthur Neiva e Xavier de Oliveira, que por sua
vez pediam a substituição do texto do art.169 e propunham o estabelecimento do exame pré-
nupcial de caráter facultativo, pois, exigia a apresentação de uma prova de sanidade física e
mental levando-se em consideração as condições regionais do país. Assim justifica-se a
emenda nº 772:
Só é estável nas leis positivas o que já está nos costumes. O exame pré-nupcial ainda
não está em nossos costumes. Logo, se for introduzido pela lei, com o caráter
imperativo do art. 169, redundará num completo fracasso, abrindo margem ao
concubinato, estimulando o abandono do casamento civil multiplicando os atestados
de favor. E como estamos legislando para o Brasil, e não para um país imaginário, é
preciso atender preliminarmente à exequibilidade da medida, se não quisermos que
fique letra morta. Daí a nova redação que propomos.708

Portanto, os deputados e autores da emenda nº 772 entendiam que diante da realidade


nacional a obrigatoriedade do EPN seria algo inviável. Do seu ponto de vista, de nada
adiantava criar uma lei como essa, pois seria inexequível no país, tornando-se então, muito
provavelmente, letra morta. O posicionamento de Fernando Magalhães foi citado no Capítulo
2 quando, em entrevista ao jornal O Globo (1926), nesta o médico obstetra apesar de

705
Ibidem. Volume XVI, 1934, p. 10.
706
Ibidem.
707
Ibidem, p. 11.
708
Ibidem. Volume XIX, 1935, p. 434.
181

partidário da medida, falava da importância profilática da instrução e da propaganda em torno


do EPN precedente à sua imposição legal.
O deputado Joaquim Pimenta de Magalhães dizia que a emenda em questão era
“oriunda de inspiração católica”, já que os intelectuais de tal religião defendiam que a medida
fosse facultativa e alguns deputados proponentes da emenda eram próximos ao episcopado,
como Luís Sucupira, Fernando Magalhães e Manuel Leôncio Galrão. 709 No Brasil, segundo
Joaquim Pimenta de Magalhães facultar era a mesma coisa de não fazer. Logo, ninguém iria
praticar algo que não fosse de fato uma imposição compulsória.710
Este médico e deputado ainda dizia que o exame pré-nupcial obrigatório não
aumentaria a “mancebia”, como diziam os críticos, porque naturalmente viriam as penas, isto
é, a punição daqueles que não respeitassem a legislação. Joaquim Pimenta de Magalhães
ainda questionava o argumento de que a falta de instrução do povo brasileiro, principalmente
nos sertões, supostamente levaria à desobediência da lei. Do ponto de vista do paraense, o
caboclo era inteligente e logo compreenderia os benefícios salutares do exame. Os que
negavam obediência à lei, pelo contrário, eram os civis, os grandes homens, “filhos dos
potentados das capitais”.711
Depois de sua longa argumentação, divagando sobre a defesa do exame obrigatório, o
político encerrava dizendo: “[...] eu grito, com todas as forças dos meus pulmões, cheio de
entusiasmo cívico, que todos possuímos, que o Brasil precisa é de saúde, saúde e mais
saúde”.712
Várias emendas ao Projeto 1-B pediam a supressão do art. 169, era o caso daquelas
propostas por José Ulpiano (emenda nº 110) e Godofredo Menezes (emenda nº 169).
Contudo, Euvaldo Lodi, um dos membros da comissão constitucional,713 em seu parecer,
decidiu não excluir totalmente o dispositivo, e, sim, substituí-lo aceitando, portanto, a emenda
nº 772 de Fernando Magalhães e outros parlamentares que defendiam a introdução do EPN
por meio de uma legislação mais branda que levasse em consideração as condições regionais
do país para sua realização. Segundo Lodi: “O dispositivo é salutar e a sua aplicação será feita
de acordo com as condições da região onde têm domicílio os contraventores”.714

709
BANDEIRA, Marina. A Igreja Católica na virada da questão social. op. cit., p. 44.
710
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume XVI, 1935, p. 12.
711
Ibidem, p. 15.
712
Ibidem, p. 18.
713
VOITECHEN, op. cit., p. 113.
714
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Volume XIX, 1935, p. 437.
182

Na votação do Projeto 1-B, em 26 de maio de 1934, o deputado e jurista Levi Carneiro


pedia a palavra e afirmava não desconsiderar a importância da eugenia e do exame pré-
nupcial, porém, acreditava que sua obrigatoriedade era inexequível:
Inegavelmente, não é possível pretender impor, de imediato e em todo o país, a
observância rigorosa e estrita do exame médico pré-nupcial. [...] Parece que todos
estamos de acordo na conveniência de assegurar a instituição do exame pré-nupcial,
estatuindo que a lei o faça nos termos mais convenientes e certamente atendendo às
condições regionais do país, tão diversas, tão diferentes, como todos nós sabemos. 715

O médico eugenista Xavier de Oliveira também se mostrava favorável à implantação


facultativa do exame tendo atenção às condições regionais e sociais do país.716 Mediante
votação, lamentavelmente para aqueles que defendiam a obrigatoriedade do EPN, a emenda
vitoriosa foi a de número 772. Logo, promulgada a Constituição, em 16 de julho de 1934,
ficou assim estabelecido:
TÍTULO V
Da Família, da Educação e da Cultura
CAPÍTULO I
Da Família
Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção
especial do Estado.
Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de
casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.
Art 145 - A lei regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e
mental, tendo em atenção as condições regionais do País.
Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante
ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou
os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil,
desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos
impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei
civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei
estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à
celebração do casamento.
Parágrafo único - Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os
documentos necessários, quando o requisitarem os Juízes Criminais ou de menores,
nos casos de sua competência, em favor de pessoas necessitadas.
Art 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou
emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a impostos iguais aos que
recaiam sobre a dos filhos legítimos. 717

Ainda que o art. 169 do Projeto 1-A, o qual estabelecia a obrigatoriedade do EPN aos
nubentes, tenha sido suprimido do texto final da Constituição de 1934, a ideia não foi
totalmente descartada. Como se pôde notar, muitos parlamentares compreendiam que em
teoria a medida seria muito benéfica ao aprimoramento racial, no entanto, acreditavam que na

715
Annaes da Assembléa Nacional Constituinte.Volume XXII, 1935, p. 210
716
Ibidem, p. 211.
717
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). [grifos meus]. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm> acessado em 07 fev. 2017.
183

prática o país não tinha infraestrutura, médicos e laboratórios para a realização de tais exames
antenupciais em todo o território. Por esse motivo, preferiram destacar que a medida poderia
ser realizada, mas tendo em consideração as condições da região em que os nubentes
habitavam.
Do ponto de vista da historiadora Nancy Stepan, a eugenia obteve grande sucesso na
Constituição de 1934, porque conseguiu se inserir nas novas legislações matrimoniais e
também de restrição à imigração.718 Esta observação é muito pertinente no que concerne ao
EPN, pois, ainda que sua obrigatoriedade não tenha sido imposta a nível nacional, sobretudo
por razões de ordem prática, é possível perceber por meio dos discursos realizados na
Assembleia Constituinte que muitos parlamentares brasileiros conheciam os preceitos
eugênicos e, além disso, não os desprezavam totalmente. Do ponto de vista do jurista
Teodolindo Castiglione (1942):
Não se negava a utilidade do exame pré-nupcial: o que dividia as opiniões era a
oportunidade ou modo de introduzi-lo. Se os constituintes tivessem a convicção de
que a medida, que se pretendia implantar dava bons resultados práticos, ninguém a
impugnaria.719

Ainda de acordo com Castiglione, diferente do que havia ocorrido na elaboração do


Código Civil de 1916 no qual os legisladores nunca empregaram o termo eugenia, na
Assembleia Constituinte de 1933-4 “mais de uma voz se fez ouvir pleiteando medidas
eugênicas”. Isso demonstra que a eugenia havia irradiado de tal maneira que passou a ser
discutida não só entre médicos e acadêmicos, mas também entre os orientadores do estatuto
fundamental.720
Acredita-se que seria errôneo dizer que a eugenia fracassou naquele momento, pelo
contrário, ela conseguiu ser incorporada na Constituição, conforme a letra “b” do Art. 138:
“Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...]
estimular a educação eugênica”.721 Daí a pertinência das conclusões de Nancy Stepan: “[...] o
fato de que a eugenia foi incluída na Constituição Brasileira indica o lugar privilegiado da
ciência como discurso no Brasil moderno, e o peso atribuído ao ‘aprimoramento da raça’ no
Estado nacional”.722

718
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., 2005, p. 61.
719
CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. op. cit., p. 133.
720
CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. op. cit., pp. 13-4.
721
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934), op. cit.
722
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit., p. 2005, pp. 135-6.
184

Apesar disso, alguns médicos e intelectuais, como era de se esperar, não ficaram
satisfeitos com o art. 145 da Constituição, por esse motivo as discussões em torno do exame
pré-nupcial não foram encerradas em 1934. Dois anos mais tarde, em 1936 surgiam novos
projetos de lei, um do deputado gaúcho Nicolau de Araújo Vergueiro à Câmara dos
Deputados e outro de Cesário de Melo ao Senado.723

4.3 A persistência de um sonho eugênico

O projeto de lei do médico e senador Júlio Cesário de Mello (1936) pretendia tornar o
exame médico pré-nupcial obrigatório em todo território nacional. O objetivo era a
verificação das condições de sanidade física e mental dos nubentes.724 Cesário de Mello era
formado em medicina e conhecido por sua chefia política na região no bairro carioca de Santa
Cruz onde controlava a maioria dos votos, além de possuir influência no abastecimento de
carnes na região. Filiou-se ao Partido Autonomista do Distrito Federal, garantindo o apoio de
sua rede de clientela aos candidatos autonomistas. Em contrapartida, no ano de 1935, elegeu-
se senador juntamente com Jones Rocha pelo voto dos vereadores da Câmara Municipal do
Rio de Janeiro que era composta em maioria por membros do referido partido político.725
O então senador estabelecia em seu projeto que os atestados médicos fossem firmados
por dois médicos e seriam fornecidos gratuitamente nos postos, ambulatórios e hospitais
mantidos ou subvencionados pelo Estado. Outrossim, impunha sanções para as autoridades
que realizassem casamentos sem exigir a apresentação do atestado de sanidade além de
estabelecer também punições aos médicos que faltassem com a verdade nestes certificados.726
Entretanto, o projeto de Cesário de Mello foi rejeitado pelo Senado. O senador
pleiteava que 20% do orçamento total do Ministério da Educação e Saúde Pública fossem
remetidos à organização dos serviços de profilaxia de doenças venéreas e para realização dos
723
CASTAÑEDA, Luzia Aurelia. Eugenia e casamento. Hist. cienc. saúde-Manguinhos [online]. 2003, vol.10,
n.3, p. 922. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702003000300006> acessado em 07 fev. 2017.
724
NO SENADO federal. A Batalha. Rio de Janeiro. Ano VI, n. 2053, 23 jul. 1936, p. 2. Disponível em:
<http://memoria.bn.br> acessado em 08 fev. 2017.
725
SARMENTO, Carlos Eduardo. Limites da utopia: autonomia e intervenção na cidade do Rio de Janeiro na
década de 1930. Rio de Janeiro: CPDOC ,1995, pp. 4-17. Disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1166.pdf> acessado em 27 abr. 2017. Segundo Sarmento, a
indicação de Cesário de Melo ao cargo de senador gerou críticas entre os membros do Partido Autonomista,
sobretudo aqueles “renovadores tenentistas” que acusavam Cesário de representar a velha política e os vícios
oligárquicos que o partido havia se comprometido em combater.
726
, p. 2. Disponível em: <http://memoria.bn.br> acessado em 09 fev. 2017.
185

exames pré-nupciais obrigatórios. Contudo, o relator Arthur Costa em seu parecer considerou
que o projeto era inconstitucional por não caber ao Senado a iniciativa da matéria que
constituía seu objeto, já que a Constituição (1934) confiava a tarefa orçamentária ao
presidente da República – Getúlio Vargas – e à Câmara dos Deputados.727 Apesar de Cesário
de Mello ter insistido na constitucionalidade de seu projeto, posto em votação este foi
rejeitado por 18 votos contra 4.728
Talvez, devido à rejeição do Senado, tenha surgido uma nova proposta dentro da
Câmara dos Deputados. O médico formado no ano de 1905 pela Faculdade de Medicina e
Farmácia de Porto Alegre, Nicolau Vergueiro elegeu-se deputado em 1934. Mas a atuação
política do gaúcho era anterior, ele fazia parte do Partido Republicano Rio Grandense (PRR),
sendo eleito em 1909 como deputado estadual. Anos depois se tornou intendente municipal de
Passo Fundo-RS entre 1920 e 1924, sua administração foi importante para a modernização da
cidade. Durante a revolução constitucionalista de 1932, observa-se um rompimento da
unidade em torno de Vargas entre os políticos gaúchos. Vergueiro apoiou as correntes
republicanas gaúchas, lideradas Borges de Medeiros, favoráveis aos paulistas. Outro grupo de
tendência mais autoritária liderado por Flores Cunha manteve sua fidelidade ao governo.729
Por não ter mantido apoio a Vargas, assim como outros políticos gaúchos, Nicolau Vergueiro,
foi perseguido e exilado na Argentina e no Uruguai entre 1933-4. Na sua volta ao Brasil se
elege deputado federal pelo PRR.730
Os médicos e outros profissionais do estado do Rio Grande do Sul também estiveram
envolvidos com o movimento eugênico, sua capital Porto Alegre sediou em 1926 o 9º
Congresso Médico Brasileiro. Importantes nomes da medicina de todo país estiveram
presentes no evento, a exemplo de Miguel Couto e Fernando Magalhães, e como era de se
esperar os trabalhos apresentados abordaram a temática da higiene, puericultura e eugenia.
Além disso, a Sociedade de Medicina de Porto Alegre e seu periódico Archivos Rio-
grandenses de Medicina cumpriram importante papel na divulgação da eugenia entre as

727
O EXAME pré-nupcial obrigatório. O Jornal. Rio de Janeiro. Ano XVII, n. 5249, 28 jul. 1936, p. 5.
Disponível em: <http://memoria.bn.br> acessado em 09 fev. 2017.
728
O SENADO quer saber o que tem feito o Ministério da Educação no combate ao extremismo nas escolas. A
Nação. Rio de Janeiro. Ano IV, n. 1093, 1 ago. 1936, p. 2. Disponível em: <http://memoria.bn.br> acessado em
09 fev. 2017.
729
KNACK, Eduardo Roberto Jordão. Entre coronéis e doutores – a afirmação política de Nicolau de Araújo
Vergueiro em Passo Fundo/RS (1916-1920). Oficina do Historiador, Porto Alegre, EDIPUCRS, v. 1, n. 6,
jan./jun. 2013, p. 110. Disponível em: <
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/oficinadohistoriador/article/view/13065/9471> acessado em 24
abr. 2017.
730
Informação disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/nicolau-de-
araujo-vergueiro> acessado em 08 fev. 2017.
186

décadas de 1920 e 1930.731 Os gaúchos, assim como os médicos de demais estados do país,
mostravam-se preocupados com os ditos “venenos raciais” como a sífilis, a tuberculose,
alcoolismo, entre outras patologias. Doenças que eram vistas como males sociais, resultantes
de um comportamento imoral.732 Tendo como referência o estudo de Geandra D. Munareto,
que analisou a eugenia rio-grandense, é possível notar, portanto, um discurso que estava em
sintonia com o que era propagado pelos eugenistas de outros estados, como Rio e São Paulo.
Segundo a autora:
Os médicos do Rio Grande do Sul, influenciados pelos ideais eugênicos, analisavam
os problemas presentes no Estado, propondo soluções para a composição da
população como um todo, incentivando uma melhoria social com a introdução de
noções de civilidade, moralidade, higiene e laboriosidade. Era preciso investir na
melhoria da mão de obra nacional através da promoção de medidas educativas,
punitivas, intervencionistas e não raro autoritárias, para criar uma nova conduta que
visasse o estabelecimento da ordem e do progresso. Acreditavam que a melhoria da
salubridade dependia em grande parte da intervenção do governo não só sobre os
indivíduos portadores de moléstia contagiosa, mas também daqueles que
carregavam em si o estigma da degeneração.733

Assim sendo, o exame médico pré-nupcial também era apontado pelos médicos rio-
grandenses como uma medida eugênica que favoreceria o aprimoramento racial. Na
Sociedade de Medicina de Porto Alegre foi lembrado pelo médico Raimundo Gonçalves
Vianna suscitando grande interesse dos outros membros presentes naquela sessão, o mesmo
por sua vez publicou um artigo sobre o tema nos Archivos Rio Grandenses de Medicina em
setembro de 1926.734
Envolvido com as questões de seu tempo, Nicolau Vergueiro que era médico, como
ressaltamos acima, muito provavelmente era conhecedor dos preceitos eugênicos. No mês de
agosto de 1936, na Comissão de Saúde Pública da Câmara, o gaúcho defendeu um projeto de
lei de regulamentação do exame pré-nupcial no país, na tentativa de concretizar o dispositivo
constitucional do art. 145.735
O deputado dizia que havia se servido em parte e como boa fonte do projeto de lei
Amaury de Medeiros (1927). Entretanto, destacava que diferente aspecto facultativo expresso

731
MUNARETO, Geandra Denardi. Por uma nova raça: pensamento médico eugênico no Rio Grande do Sul
(1920-1940). Dissertação de Mestrado em História. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre, 2013, pp. 126-131. Disponível em: <
http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2454/1/446991.pdf> acessado em 29 abr. 2017.
732
Ibidem, p. 140.
733
Ibidem, p. 151
734
Ibidem, p. 158.
735
DORS, Marinês. O gênero e a moral nos primórdios do século XX: observações do médico Nicolau
Vergueiro. Anais do XIII Encontro Estadual de História da ANPUH RS. Disponível em:
<http://www.eeh2016.anpuh-rs.org.br> acessado em 08 fev. 2017. CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op.
cit., 1996, p. 255.
187

no texto do falecido político, em seu projeto não havia nada de paliativo: “as medidas são
radicais; e urge, agora, pô-las em prática”.736 Nicolau Vergueiro pretendia tornar o EPN
obrigatório, conforme estabelecia em seu projeto:
REGULA O ART. 145 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
O Poder Legislativo decreta:
Art. 1º - Além dos documentos exigidos pelo Código Civil, para habilitação do
casamento os nubentes, cada um per si, apresentarão atestado de que não têm defeito
físico, irremediável e incompatível com o casamento, ou doença grave transmissível,
por contágio ou herança, ao outro cônjuge ou a sua descendência.
Parágrafo 1º - Consideram-se doenças graves transmissíveis ao outro cônjuge ou a
sua prole, para efeitos deste artigo: a tuberculose aberta, a lepra, a sífilis contagiante,
a blenorragia, o cancro venéreo, a idiotia, imbecilidade e a alienação mental sob
qualquer de suas formas;
Parágrafo 2º - Nos casos de alcoolismo e de uso habitual de entorpecente, não se
permitirá o casamento, enquanto não se provar a cura dos hábitos de intoxicação. 737

O projeto de Vergueiro estabelecia exames médicos diferentes para homens e


mulheres. Para estas, o exame se limitaria às práticas da clínica geral, excluindo-se então
exames ginecológicos, exceto nos casos em que, segundo ele, “a gravidade do caso
reclame”.738 Apesar de obrigatório, o exame poderia ser dispensado nos lugares em que não
houvesse médicos, sendo este substituído por um atestado de boa saúde aparente por duas
pessoas idôneas. Além disso, o sexto artigo estabelecia: “Nos casos em que os nubentes sejam
de pobreza manifesta, atestada pelas autoridades policiais, o juiz a seu requerimento, nomeará
médico para proceder gratuitamente ao exame”.739
Nicolau Vergueiro parecia ter conhecimento das críticas e objeções ao EPN
obrigatório, portanto, em seu projeto o deputado buscou solucionar tais empecilhos. Como se
pôde observar, o exame poderia ser dispensado onde não houvesse médicos e ainda seria
gratuito para os mais pobres. Provavelmente, desse modo, Vergueiro pretendia afastar aqueles
argumentos de que o EPN obrigatório era inexequível no Brasil e que apenas serviria para
impedir o casamento dos pobres.
Ademais, como viu-se anteriormente, muitos críticos da medida reclamavam sobre os
possíveis atestados falsos. Semelhantemente a Cesário de Mello, o deputado gaúcho propunha
como solução no oitavo artigo de seu projeto: “Quando o casamento se tiver realizado em face
de atestado médico que não expresse a verdade será o atestante passível das sanções do

736
O EXAME pré-nupcial. Correio Paulistano. São Paulo. Ano LXXXIII, n. 24.672, 21 ago. 1936, p. 6.
Disponível em: < http://memoria.bn.br> acessado em 08 fev. 2017.
737
Ibidem.
738
Ibidem.
739
Ibidem.
188

Código Penal, referentes ao falso testemunho e à imperícia”.740 Os médicos, portanto, se


efetivado o projeto de lei de Vergueiro, ficariam numa situação bastante delicada, uma vez
que, não poderiam falhar em seu diagnóstico. Em outras palavras, se algum médico por
ventura se enganasse e fornecesse sem intenção um atestado de saúde incorreto poderia sofrer
as penalidades legais. Igualmente, aqueles que agissem de má fé e conscientemente
atestassem alguma inverdade seriam punidos.741
Como o próprio deputado já avisava, seu projeto era bastante radical. Estabelecia,
inclusive, que toda a autoridade que realizasse um casamento sem exigir o certificado médico
ou o atestado de boa saúde aparente, deveria ser processada, incorrendo nas penalidades do
Código Penal. Então, aqui, mais uma semelhança com o projeto de Cesário de Mello.
Se aprovado o projeto, a lei entraria em vigor depois de um ano de sua aprovação, isto
para que fosse possível a “preparação do terreno”. Vergueiro ainda era flexível nesse aspecto,
dizendo que se a Comissão de Saúde achasse o prazo de um ano curto, este poderia ser
aumentado. O deputado finalizava afirmando:
A regulamentação do art. 145 e a sua prática são, a bem da raça, imperiosa
necessidade. É um dever cuja falta envolve crime contra o outro cônjuge e sua
descendência, e vamos mais longe ainda, afirmando ser também crime contra a
própria pátria, que aspira, para grandeza e felicidade sua uma geração sadia e
inteligente, vigorosa e boa.742

Novamente a proposta do EPN obrigatório gerou opiniões favoráveis e contrárias por


seu excessivo rigor. Em fevereiro de 1937, Nicolau Vergueiro afirmou que seu projeto de lei
estava “dormindo na Comissão de Saúde Pública”, por esse motivo, o deputado pretendia
clamar a ida do projeto para o plenário, protestando contra a demora em tratar de um assunto
que, segundo ele, era de tão relevante importância.743 Segundo o autor Sérgio Carrara, ao que
parece, o projeto de lei de Nicolau Vergueiro chegou a ser enviado ao Senado, mas nunca foi
implantado, tendo sua trajetória interrompida pela dissolução do Congresso Nacional, em
finais de 1937.744 Desse modo, o art. 145 permaneceu letra morta durante os anos em que
vigorou a Constituição de 1934.745
Diante de tantas negativas ao projeto do EPN, pode-se questionar quais os limites da
eugenia no Brasil. A autora Nancy Stepan bem demonstrou que a eugenia brasileira, ou ainda

740
Ibidem.
741
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., p. 1996, p. 256.
742
O EXAME pré-nupcial. Correio Paulistano, op.cit., p. 6.
743
ESTÁ dormindo na Comissão de Saúde Pública. A Noite. Rio de Janeiro, n. 8992, 24 fev. 1937, p. 1.
Disponível em: <http://memoria.bn.br> acessado em 08 fev. 2017.
744
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. op. cit., p. 1996, p. 256.
745
Ibidem. CASTIGLIONE, Teodolindo. A eugenia no direito de família. op. cit., p. 136.
189

da América Latina, era bastante singular, original, diferente daquele modelo mais radical
adotado nos países anglo-saxões. A tradição católica e também uma maior a aproximação
com o neolamarckismo e a medicina francesa foram elementos que moldaram nossa eugenia
“suave” ou “soft”, como diz Stepan.746 Contudo, não podemos deixar de lembrar que
existiram no Brasil eugenistas de orientação mendeliana, tal inspiração teórica por vezes
levou a um posicionamento mais extremo, buscando se aproximar dos modelos alemães e
estadunidenses como no caso de Renato Kehl. Mas, isso não era uma regra, haja vista que o
antropólogo Roquette-Pinto era igualmente mendeliano e, entretanto, manteve-se dentro da
linha de uma eugenia positiva, preferindo políticas que melhorassem a educação e a saúde do
brasileiro, criticando ideias deterministas e que viam o mestiço como inferior.
Se comparado ao Brasil o projeto de eugenia negativa e controle reprodutivo logrou
maiores resultados práticos nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo. Entre 1907 e 1937,
32 estados dos EUA implantaram leis de esterilização eugênica, introduzidas como parte de
um programa mais amplo de saúde pública que, supostamente, pretendia combater a
degeneração da população.747
Na Alemanha medidas eugênicas mais radicais puderam ser executadas com a
ascensão do nazismo, todavia, é preciso destacar que: “a nova preocupação com a raça após
1933 não diminuiu de forma alguma a atenção dedicada às preocupações mais tradicionais de
higiene racial”748. Em outras palavras, medidas da eugenia positiva, como o estímulo ao
aumento da taxa de natalidade daqueles considerados mais aptos, continuaram a ser
defendidas. Do ponto de vista de Sheila F. Weiss, a lei de esterilização alemã revela a
continuidade entre a higiene racial antes e depois de 1933, já que ela foi inspirada numa
proposta anterior, de 1932, que havia sido defendida por alguns intelectuais como
Muckermann, por exemplo, mas com importante uma diferença, pois a proposta prussiana
fracassada estabelecia a esterilização voluntária, enquanto a lei nazista era compulsória aos
indivíduos portadores de supostas degenerações hereditárias. Além disso, não se sabe qual foi
a participação dos eugenistas na elaboração da lei de 1933.749 Estima-se que entre 1934 e

746
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia. op. cit, 2005.
747
STERN, Alexandra Minna. Eugenics, sterilization, and historical memory in the United States. Hist. cienc.
saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 23, supl. 1, p. 195-212, Dez. 2016 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702016000900195&lng=en&nrm=iso>.
acessado em 02 Maio de 2017.
748
WEISS, Sheila F. The Race Hygiene Movement in Germany, 1904-1945. In: ADAMS, M. B. The Wellborn
Science. op. cit., p. 42
749
Segundo Weiss (Ibidem, p. 44): “[...] its not clear what role, if any, Germany’s professional eugenicists had in
drafting it [lei de 1933]”.
190

1939 por volta de duzentas mil e trezentos e cinquenta mil pessoas tenham sido esterilizadas,
além de um considerável número mortos devido à complicações após o procedimentos.750
Os exames pré-nupciais também puderam ser introduzidos em tais países. Na
Alemanha, mesmo antes de Hitler chegar ao poder, existiam centros de aconselhamento para
noivos. Mas os exames compulsórios foram incorporados pelos nazistas por meio da
legislação de 1935, a qual proibia também o casamento entre alemães e judeus.751
Perhaps the most notorious racial marriage law was germany's 1935 Blood
Protection Law forbidding marriage between Germanns and non-Germans, passed
along with another law requiring premarital health tests. Together they cemented the
Nazi state's clear understanding of a eugenic reporductive policy designed to remake
Germany through biology. Although racial marriage laws predated eugenics and
existed even where eugenics was not a driving force, they were taken up eagerly by
many in the eugenics movement and yoked to beliefs that less favorable
characteristics would be more easily inherited by the offspring of such unions.752

Nesse sentido, comparando a eugenia brasileira com a de outros países, pode-se dizer
que a primeira foi mais branda não só por razões de ordem ideológica ou religiosa, mas
também devido à falta de condições práticas para a realização de políticas mais radicais, como
era o caso da obrigatoriedade do EPN, medida que se incluía no rol da dita “eugenia
negativa”. Assim, talvez seja possível dizer que no Brasil os limites da eugenia e de sua
intervenção direta nos corpos eram tanto teóricos quanto práticos. Como pretendeu-se
demonstrar, o posicionamento de políticos vinculados ao catolicismo teve grande influência
nas decisões da Constituinte de 1933-4. O fato de a Igreja desaprovar a obrigatoriedade do
EPN certamente contribuiu para que a mesma não fosse incluída na nova legislação. Por outro
lado, é verdade que a falta de condições práticas, admitidas até mesmo pelos próprios
eugenistas, tornavam tal medida inexequível, inviabilizando, assim, uma ação eugênica mais
rígida no país. A falta de coesão interna do movimento eugênico igualmente prejudicou a
possível implantação de suas políticas. Haja vista que outros grupos, juristas e católicos,
pareciam possuir maior consenso em suas ideias e argumentação lógica.

750
Ibidem, pp. 42-5.
751
STEPAN, Nancy Leys. A Hora da Eugenia, op. cit., 2005, pp. 145-6.
752
Levine, Philippa. Eugenics: A Very Short Introduction. Nova York: Oxford University Press, 2016, p. 48.
191

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pretendeu-se demonstrar, no alvorecer do século XX as certezas para um futuro


civilizado e moderno encontraram respaldo na confiabilidade na ciência, isto é, os problemas
sociais sofriam uma naturalização ou biologização por vários grupos. No Brasil, a eugenia
inseriu-se no amplo programa do que ficou conhecido como “regeneração”, vinculando-se,
inicialmente, às políticas de saneamento e de higiene. Mas, além disso, os seguidores dessa
tendência tinham especial atenção às questões da hereditariedade, e, sobretudo, das formas de
se combater uma suposta má descendência.
O exame pré-nupcial, embora anterior à difusão da eugenia no país, foi defendido por
seus adeptos e entrou no rol de políticas “salvadoras” da raça. Desse modo, pôde-se observar
que tal medida fez parte de um projeto mais amplo que dizia buscar colocar o Brasil na
marcha pelo progresso. Para efetivação de suas ideias, os eugenistas defendiam modificações
nas leis do país, tanto que o Código Civil de 1916 se tornou alvo de diversas críticas,
considerado atrasado e inoperante, deveria atentar-se às descobertas científicas e,
principalmente, àquelas referentes à hereditariedade.
Na concepção desse grupo, os indivíduos inaptos ao casamento e à reprodução eram
portadores de doenças que, supostamente, estigmatizavam a raça. Algumas destas moléstias,
entretanto, possuíam um cunho moral. O adoentado era considerado culpado por sua
enfermidade devido ao seu comportamento visto como inadequado. Havia, portanto, tipos de
uniões a serem evitadas e outras que eram apresentadas como ideais. Por meio do cotejamento
das fontes, observou-se que os eugenistas possuíam concepções pré-concebidas, justificadas
com base em teorias respaldadas pelas descobertas científicas da época. Defendiam a
normalização de determinados hábitos enquanto condenavam outros que julgavam imorais. O
conceito de indivíduo “sadio e apto” ao matrimônio, logo, passava por tais aspectos. Renato
Kehl, o grande representante da eugenia brasileira, aconselhava, por exemplo, que os
casamentos fossem realizados entre pessoas de classes sociais próximas e da mesma “raça”,
defendendo que dessa forma os casais teriam uma maior “harmonia”.
Analisando o contexto do início do século XX, conforme foi feito no segundo
capítulo, tornou-se perceptível porque uma medida autoritária como a do EPN obrigatório
pôde ser defendida por tantos médicos e cientistas brasileiros. Diante da existência de um
Estado liberal e uma sociedade na qual por lei todos são iguais, o discurso científico serviu
por um lado para fundamentar as diferenças e por outro para apresentar supostas soluções às
192

mazelas nacionais. A medicina pretendia intervir diretamente nos corpos e no cotidiano da


população, a ciência, por sua vez, vinha obtendo certo grau de sucesso no combate às doenças
e epidemias. O argumento empregado pelos médicos eugenistas era de um suposto
compromisso com a nação, o EPN aparecia nesses discursos como uma medida de utilidade
social. Ademais, frequentemente seus partidários destacavam as políticas eugênicas
empregadas em outros países, sobretudo europeus, tidos como modelos para grande parte de
nossa elite.
O estudo sobre a proposta do EPN levantou o seguinte problema à pesquisa: se apenas
indivíduos doentes teriam o casamento vetado, em que medida a questão racial esteve
presente nesse debate? Para uma melhor reflexão, foi preciso evitar uma análise superficial,
feita apenas com base nas teses e artigos que abordavam exclusivamente o EPN. De tal modo,
observou-se o projeto eugênico brasileiro num plano mais amplo. Concluiu-se que havia uma
preocupação com a saúde da população, em virtude até mesmo da aproximação com o
movimento sanitarista. Isso, entretanto, no caso de alguns eugenistas, não excluiu um
posicionamento racista. Pois, como se demonstrou, muitos eram partidários da teoria do
branqueamento que embora por vezes tratasse a miscigenação como algo positivo, estava
permeada pela ideia de hierarquia racial. Outros ainda, eram ferrenhos críticos dos
cruzamentos raciais. Outrossim, segundo a retórica eugenista, para se casar era preciso que o
indivíduo fosse “sadio”, contudo, notou-se que o conceito de “saúde” ou de “sanidade”
passava também pelo viés moral e discriminatório. Assim, além do racismo étnico, existia um
discurso biológico-racista753 verificado pela segregação (ou exclusão) daqueles que eram
vistos como tipos perigosos para o patrimônio biológico, isto é, criminosos, doentes mentais,
sifilíticos, alcoólatras, etc.
Do ponto de vista foucaultiano, o poder deve ser entendido como um jogo de forças.
Para que uma verdadeira relação de poder seja efetuada é preciso que haja liberdade dos
participantes e que, portanto, exista capacidade de resistência – caso contrário, deveríamos
dizer que há uma saturação do poder de uma das partes e não uma relação.754 Assim, foram
apontadas, no capítulo 3, as objeções à obrigatoriedade do exame pré-nupcial. Estas
provinham, por exemplo, por parte de juristas e eclesiásticos, o que tornou possível supor que
cada grupo pretendia intervir ao seu modo na sociedade. Mas até mesmo alguns eugenistas

753
Termo utilizado por FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade, op. cit., p. 73. Esse tipo de racismo,
segundo Foucault, se desenvolve a partir do século XIX vinculado à teoria da degenerescência e ao
evolucionismo.
754
DÍAS, Esther. A filosofia de Michel Foucault. Op. cit., pp. 120-1.
193

reconheceram que tal medida era inviável em um país como o Brasil no qual faltavam meios
práticos para sua realização. O que demonstra que sua proposta não era completamente
desatenta à realidade nacional. Sabia-se que a obrigatoriedade do EPN era inexequível,
contudo, ainda se verifica o olhar pela lente do determinismo, em outras palavras, persistia a
crença de que uma medida meramente “biológica” poderia solucionar os vários problemas do
país.
É difícil precisar em que momento a discussão sobre a obrigatoriedade do EPN foi
encerrada – se é que foi de fato.755 A retórica em torno do exame pré-nupcial envolveu em
alguns momentos a questão do aprimoramento racial, mas em outros ela aparecia como uma
suposta medida de saúde pública ou até mesmo como uma proposição de defesa à mulher.756
O interesse nessa pesquisa foi analisar, principalmente, o EPN enquanto uma proposta
eugênica. Portanto, o recorte temporal pretendeu abranger o período de maior adesão e
difusão da eugenia.
Tarefa igualmente difícil é atribuir um motivo para que o EPN não tenha sido
implantando da forma como queriam muitos eugenistas. Pois, na verdade, parece correto
supor que não foi apenas um motivo pontual, e, sim, a conjunção de vários fatores. Apesar do
exame ter grande apoio da imprensa brasileira, mesmo entre os eugenistas não existia um
consenso sobre o modo que este deveria ser implantando. A Igreja Católica, que criticava a
obrigatoriedade do exame, entretanto, parecia não ser tão severa, e até mesmo poderia
concordar, com a imposição do atestado de caráter facultativo.
Os problemas práticos da obrigatoriedade do EPN também falaram muito alto.
Faltavam (e ainda hoje faltam) médicos, hospitais, laboratórios no país. O que, na visão de
muitos eugenistas e políticos, tornava a medida inexequível. Segundo estes, ainda que o EPN
tenha sido implantado em países como Suécia, Noruega, Dinamarca, tal modelo não poderia
ser aqui aplicado, pois, era preciso se lembrar das condições e singularidades do Brasil.
Alguns nomes, inclusive, romperam com a utopia eugenista de que o EPN era uma grande
solução para todas as mazelas do país. Afinal, a reprodução humana não se dava
exclusivamente por meio do casamento civil. Além disso, as pessoas podiam adoecer depois

755
Em 1948, o deputado Lameira Bittencourt retomava a discussão propondo um novo projeto de
obrigatoriedade do EPN.
756
A médica baiana Francisca Praguer Fróes, uma das primeiras a se formar em medicina no Brasil, defendia o
exame pré-nupcial não por questões eugênicas, isto é, de aprimoramento racial. Ela acreditava que o exame pré-
nupcial era uma forma de proteger as mulheres logo que se casavam adquiriam doenças venéreas de seus
esposos. Ver mais em: RAGO, Elisabeth Juliska. Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836 – 1931).
São Paulo: Annablume, FAPESP, 2007.
194

de casadas. A medida, portanto, segundo muitos intelectuais e parlamentares, era totalmente


falha.
A eugenia, diante dos extremos terríveis em que foi praticada sob o regime nazista
alemão, sofreu um grande abalo após a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, não é possível
falar em um total desaparecimento, pois, como mostram alguns pesquisadores, investigando a
questão das continuidades, nota-se que houve uma metamorfose ou uma reforma da
disciplina, reconstituindo-se em um novo campo da genética humana, uma vez que o próprio
termo “eugenia” havia se tornado um tabu.757
Algo semelhante aconteceu com a palavra “raça” que passou a ser questionada e
substituída pelo termo “cultura”, por exemplo. Mesmo antes do final da Segunda Guerra
Mundial, o avanço da genética trouxe possibilidades para que a concepção de “raça” sofresse
inovações. Franz Boas (1858-1942), por exemplo, reivindicava uma separação conceitual
entre raça e cultura. Enquanto delimitava a influência da raça e de fatores biológicos, Boas
destacava a importância da cultura, entendida como o conjunto de ações e reações mentais e
físicas que caracterizam um grupo social.758 A crítica aos conteúdos deterministas e
biologizados fez com que alguns intelectuais, sobretudo a partir da década de 1930,
pleiteassem pelo abandono deste termo.759
O debate seria estendido após a publicação da Primeira Declaração sobre Raça da
Unesco, de 1950, escrito principalmente por sociólogos e antropólogos. Nela apresentava-se o
conceito de raça como instável, uma vez que os pesquisadores atribuíam-lhe diversas
classificações. Além de disso, de acordo com tal documento, “raça” não era um fenômeno
biológico e sim um mito social, portanto, tratado como secundário em relação ao de
população. Entretanto, o texto da Primeira Declaração sofreu duras críticas de geneticistas,
biólogos e antropólogos físicos que não pretendiam prescindir do conceito biológico de raça.
Estes foram convidados a produzir, no ano seguinte, uma Segunda Declaração que manteve
grande parte das conclusões da primeira, admitindo, contudo, que “raça” fosse um conceito
biológico válido apenas à luz da genética.760

757
STEPAN, op. cit., 2005, pp. 207-9.
758
HOUFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. op. cit., p. 216.
759
Ibidem, p. 217. No Brasil, esse questionamento à hierarquia racial verifica-se em nomes como Roquette-Pinto
e Álvaro Fróes da Fonseca.
760
MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura. Cientificismo e Antirrascismo no Pós-2ª Guerra Mundial:
uma análise das primeiras Declarações sobre Raça da Unesco. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo
Ventura (orgs.) Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2010, pp. 145-170.
195

As discussões sobre o exame pré-nupcial no Brasil continuaram mesmo após o


encerramento da Grande Guerra, e portanto, um possível declínio da eugenia. Por um lado,
talvez seja possível supor que após a década de 1940, o exame médico pré-nupcial passou a
ser pensado menos como uma medida de aprimoramento racial, e mais como profilaxia de
doenças, como era o caso da sífilis,761 já que nesse momento a ideologia do branqueamento,
seja racial ou cultural, era questionada.762 Contudo, a hipótese de persistência das teorias
deterministas não deve ser descartada. Seria necessária uma pesquisa mais aprofundada que
pretendesse investigar a continuidade dos preceitos eugênicos e da proposta do EPN no
Brasil, tais estudos poderão ser desenvolvidos ao longo da trajetória acadêmica.763
A pesquisa sobre a proposta eugênica do exame pré-nupcial envolveu uma série de
outros temas, dada a complexidade do contexto do início do século XX brasileiro, repleto de
transformações. A análise aqui feita, portanto, certamente não pôde debruçar-se de modo
aprofundado sobre todos esses aspectos e correntes de pensamentos existentes no período. A
intenção foi apresentar detalhadamente o que era tal medida eugênica, a quem se destinava, o
que supostamente pretendia, por que foi amplamente defendia, onde encontrou apoio, e quais
eram as objeções apontadas por seus críticos. Por fim, espera-se que este estudo centrado no
EPN possa contribuir para pesquisas futuras sobre eugenia brasileira.

761
Foram realizadas algumas conferências sobre o exame pré-nupcial na Primeira Conferência Nacional de
Defesa contra a Sífilis, ocorrida em 1941.
762
HOUFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. op. cit., p. 261.
763
Encontramos uma proposta bastante atual referente ao exame médico pré-nupcial de Airton Roveda -
PSDB/PR autor da seguinte ementa apresentada em 27/03/2001: “Sugere ao Poder Executivo, por intermédio do
Ministério da Saúde, a inclusão de exame pré-nupcial como atividade obrigatória do Sistema Único de Saúde
para os que comprovarem a intenção de estabelecer vida conjugal em comum”. Disponível em: <
http://www.camara.gov.br> acessado em 10 fev. 2017.
196

BIBLIOGRAFIA

Fontes Primárias

Livros

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Atas e Anais

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VELLOSO, Monica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina, política e cultural católica. Revista de
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VELLOSO, Monica Pimenta. História & Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
VILHENA, Cynthia Pereira de Souza. Práticas eugênicas, medicina social e família no Brasil
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VOITECHEN, Fábio. O exame pré-nupcial, nas páginas da imprensa jornalística, nas teses médicas e
na Assembleia Constituinte: 1926-1934. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em História Cultural. Florianópolis,
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WEGNER, Robert. Renato Kehl, a eugenia alemã e a doença de Nietzsche. In: Anais do XXVI
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203

ANEXOS

Anexo I

Tabela 1- Teses acadêmicas encontradas com o EPN como objeto principal:

AUTOR ANO TÍTULO DA TESE FACULDADE EM QUE


FOI DEFENDIDA
ANTONIO VITA 1920 Do valor eugenico do Faculdade de Medicina do
exame pre-nupcial. Rio de Janeiro.
LUCIANO MELLO BAPTISTA 1926 Do exame pre-nupcial Faculdade de Medicina do
como factor eugeníco. Rio de Janeiro.
ESTELLITA RIBAS 1927 Exame pré-nupcial. Faculdade de Medicina de
São Paulo.
ANTÔNIO ALMEIDA JUNIOR 1927 O exame médico pré- Faculdade de Medicina de
nupcial. São Paulo.
VALDEMAR DE OLIVEIRA 1928 O exame médico pré- Faculdade de Medicina de
nupcial. Recife.
LUIZ FABRICIO DE OLIVEIRA 1928 Da eugenia e o exame Faculdade de Medicina da
pré-nupcial Bahia.
obrigatorio.
DARCY MORAES DE MATTOS 1929 Exame pre-nupcial. Faculdade de Medicina da
Universidade do Rio de
Janeiro.
CARLOS DA SILVA TUNIQUIM 1930 Do exame médico pré- Faculdade de Medicina da
nupcial. Bahia.

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