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Juliana Fernandes Kabad Ensp Dout 2020

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Juliana Fernandes Kabad

Cientistas e aliados: a emergência da temática da saúde indígena no campo científico e


político da saúde coletiva no Brasil

Rio de Janeiro
2020
Juliana Fernandes Kabad

Cientistas e aliados: a emergência da temática da saúde indígena no campo científico e


político da saúde coletiva no Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Ciências. Área de concentração: Saúde,
violência e sociedade.

Orientadora: Profª Drª Simone Monteiro

Coorientadora: Profª Drª Ana Lúcia Pontes

Rio de Janeiro
2020
Scientists and allies: the emergence of the indigenous health theme in the scientific and
political field of public health in Brazil

Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

K11c Kabad, Juliana Fernandes.


Cientistas e aliados: a emergência da temática da saúde indígena no
campo científico e político da saúde coletiva no Brasil / Juliana
Fernandes Kabad. — 2020.
183 f. : il. color. ; graf. ; mapas ; tab.

Orientadora: Simone Monteiro.


Coorientadora: Ana Lúcia Pontes.
Tese (doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2020.

1. Saúde de Populações Indígenas. 2. Índios Sul-Americanos.


3. Saúde Pública. 4. Política Pública. 5. Sistema Único de Saúde.
6. Epidemiologia. 7. Condições Sociais. 8. Conhecimentos, Atitudes e
Prática em Saúde. I. Título.

CDD – 23.ed. – 980.41


Juliana Fernandes Kabad

Cientistas e aliados: a emergência da temática da saúde indígena no campo científico e


político da saúde coletiva no Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Ciências. Área de concentração: Saúde,
violência e sociedade.

Aprovada em: 04 de dezembro de 2020.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Gersem Baniwa


Universidade Federal do Amazonas

Profª Drª Glaucia Oliveira da Silva


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas


Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz

Prof. Dr. Gustavo Corrêa Matta


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Profª Drª Ana Lúcia Pontes (Coorientadora)


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Profª Drª Simone Monteiro (Orientadora)


Fundação Oswaldo Cruz - Instituto Oswaldo Cruz

Rio de Janeiro
2020
Dedico este trabalho à minha mãe Terezinha e ao meu pai Faissal, por terem me abastado dos
bens mais preciosos e insubstituíveis que pode haver nesse mundo: o amor e a compaixão.
AGRADECIMENTOS

Impossível percorrer um longo caminho que não seja compartilhado com pessoas
especiais. Sou grata a todos e todas que estiveram ao meu lado nessa jornada, direta ou
indiretamente.
Agradeço primeiramente às minhas queridas orientadoras, Simone e Ana Lúcia, que
apostaram e confiaram em meu comprometimento e capacidade em concluir este trabalho. Sem
vocês esse trabalho não teria sido possível.
Agradeço aos meus colegas de doutorado, aos professores e orientadores pelos
aprendizados acumulados e trocados ao longo desses anos. Agradeço a Ricardo Ventura e
Glaucia Silva pela orientação na etapa anterior desta tese e ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Pública pelo apoio e suporte quando necessário. Agradeço aos professores Carlos Otávio
Fiúza, Carlos Machado Freitas e Maria Barroso que foram membros da banca de qualificação
com preciosas contribuições. Estendo os agradecimentos antecipadamente aos membros da
banca de doutorado e parceiros de outros espaços, pelo aceite ao diálogo e apreciação do
trabalho: Gersem Baniwa, Gustavo Matta, Gláucia Silva, Carlos Machado, Rosely Magalhães
e Aline Ferreira.
Agradeço às minhas coordenadoras de trabalho, em especial à Ana Cláudia Figueiró por
toda a compreensão e aposta em todo esse período. Gratidão também por Elizabeth Moreira,
Marly Cruz, Zulmira Hartz e toda à equipe do Laser/Ensp pelo acolhimento e crescimento
profissional.
Agradeço às amigas Lidiane e Amanda que acompanharam de perto essa jornada, e aos
que estiveram ao meu lado em momentos cruciais, como a Kim, Ana Paula, Nidilaine, Marcela
e Luiza, além de tantas outras pessoas queridas – vocês são a família do coração que o Rio me
deu.
Agradeço à minha família em Campo Grande, aos meus pais, irmãos e sobrinhos for
serem meio alicerce mais seguro e aos meus familiares cariocas que sempre foram carinho e
suporte nesta cidade.
Agradeço aos meus antepassados, às divindades que nos acompanham e ao mundo
espiritual por esta dádiva.
Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os
impotentes significa ficar do lado dos poderosos,
não ser neutro. O educador tem o dever de não ser
neutro.
FREIRE, 2000, 24
RESUMO

Com o propósito de refletir sobre o papel social da ciência e do/a cientista, este trabalho
analisa a constituição da temática da saúde dos povos indígenas nos campos científico e político
da Saúde Coletiva no Brasil. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que envolveu: revisão da
literatura acadêmica em cinco bases; identificação das linhas de pesquisa sobre o tema e seus
respectivos líderes e grupos; análise dos currículos e produção de quatro cientistas considerados
atores-chave na constituição da temática. Observou-se um aumento substancial de artigos
científicos desde a década de 1990, com expansão após os anos 2000. Os temas predominantes
têm correspondência com o perfil epidemiológico da população e questões decorrentes da
implantação do subsistema de saúde indígena a partir de 1999. Os grupos de pesquisa são
heterogêneos, localizam-se em instituições públicas de ensino e pesquisa e, em grande parte,
integram as áreas de Saúde Coletiva e da Antropologia, também vinculados a programas de
pós-graduação. A quantidade de grupos é maior na macrorregião Norte, que concentra a maior
parte da população indígena do país. Mas, o maior volume e impacto da produção encontra-se
na região Sudeste, evidenciando as desigualdades na produção acadêmica no país. Os
pesquisadores representam diferentes vertentes epistemológicas e de práticas políticas.
Conclui-se que os desafios das políticas públicas em saúde indígena mobilizam estudos sobre
o tema. Tais pesquisas têm colaborado para a construção de discursos e práticas que endossam
o aperfeiçoamento das políticas públicas na área, aprofundam as compreensões das
especificidades do processo saúde-doença-atenção e permitem uma necessária flexibilidade de
epistemologias. Defende-se que o movimento indigenista, em articulação com cientistas e
sanitaristas, forjou a criação de um subsistema específico no escopo do SUS. Os desafios
consistem na expansão da participação dos indígenas, seus especialistas e saberes na ciência
oficial; no fomento e expansão das linhas de estudo dentro da temática; na implementação de
políticas públicas que considere as evidências dos conhecimentos do campo e no fortalecimento
de pontes e práticas entre os cientistas e os diversos atores que compõem a arena de luta pela
consolidação dos direitos indígenas no Brasil.

Palavras-chave: Saúde dos Povos Indígenas; Povos Indígenas no Brasil; Saúde Coletiva;
Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia.
ABSTRACT

With the purpose of reflecting on the social role of science and the scientist, this work
analyzes the constitution of the theme of health of indigenous peoples in the scientific and
political fields of Collective Health in Brazil. Qualitative research was carried out by reviewing
the academic literature on five bases; identification of lines, research groups and their leaders
on the topic; analysis of the curricula and production of four scientists considered key actors in
the constitution of the theme. There has been a substantial increase in the publication of
scientific articles since the 1990s, with greater expansion after the 2000s. The predominant
research themes correspond to the epidemiological profile of the population and to issues
arising from the implementation of the indigenous health subsystem from 1999. The groups
that study the theme are heterogeneous, located in public teaching and research institutions and
largely integrate the areas of Collective Health and Anthropology, also linked to graduate
programs. The number of groups is greater in the North macroregion, which also concentrates
most of the country's indigenous population. However, the greatest volume and impact of
production is found in the Southeast, showing the inequalities in academic production in the
country. The researchers represent different epistemological and political practices. It is
concluded that the challenges of public policies in indigenous health mobilize studies on this
theme. These researches have collaborated to the construction of discourses and practices that
endorse the improvement of public policies in the area, deepen the understanding of the
specificities of the health-disease process -attention and allow a necessary flexibility of
epistemologies. It is argued that the indigenous movement in conjunction with scientists and
health workers forged the creation of a specific subsystem within the scope of SUS. The
challenges consist of expanding the participation of the indigenous people, their specialists and
knowledge in official science; in the promotion and expansion of lines of study within the
theme; in the implementation of public policies that consider the evidence of knowledge in the
field and in the strengthening of bridges and practices between scientists and the various actors
that make up the arena of struggle for the consolidation of indigenous rights in Brazil.

Keywords: Health of Indigenous Peoples; Indigenous Peoples in Brazil; Collective Health;


Social Studies of Science and Technology.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Representação do campo da saúde coletiva e a intersecção com outras


esferas do social............................................................................................. 39

Figura 2 - Processo de seleção dos artigos da revisão integrativa da literatura............... 51

Quadro 1 - Quadro teórico utilizado na pesquisa............................................................. 58

Gráfico 1 - Distribuição (n = 418) da produção científica de 1956 a 2018 por periódico


científico........................................................................................................ 61

Gráfico 2 - Distribuição temporal das publicações por décadas, desde 1950................... 62

Gráfico 3 - Distribuição (%) da produção científica nos anos de 1998 a 2018 (n = 384) 65

Gráfico 4 - Distribuição dos artigos da área de saúde indígena (n = 418) conforme


temas por palavras-chave em todo o período analisado................................. 66

Figura 3 - Linha do tempo sobre as temáticas predominantes por década sobre saúde
dos povos indígenas, de 1950 a 2018............................................................. 69

Gráfico 5 - Grandes áreas do conhecimento (%) as quais pertenciam os grupos de


pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas em 2015 (n=54),
conforme a classificação de grupos específicos (n=11) e grupos amplos
(n=43)............................................................................................................ 75

Gráfico 6 - Grandes áreas do conhecimento (%) as quais pertencem os grupos de


pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas em 2020 (n=57),
conforme a classificação de grupos específicos (n=15) e grupos amplos
(n=43)........................................................................................................... 75

Gráfico 7 - Relação de subáreas das grandes áreas do conhecimento (%) aos quais a
totalidade dos grupos de pesquisa que estudavam saúde dos povos
indígenas em 2015 (n = 54).......................................................................... 76

Gráfico 8 - Relação de subáreas das grandes áreas do conhecimento (%) aos quais a
totalidade dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas
em 2020 (n = 57)............................................................................................ 77

Gráfico 9 - Macrorregiões do país (%) onde se encontravam a totalidade dos grupos de


pesquisas que estudam saúde dos povos indígenas por macrorregião do país
em 2015 (n = 54)........................................................................................... 78

Gráfico 10 - Macrorregiões do país (%) onde se encontram a totalidade dos grupos de


pesquisas que estudam saúde dos povos indígenas por macrorregião do país
em 2020 (n = 57)........................................................................................... 79
Gráfico 11 - Distribuição temporal do surgimento da totalidade de grupos de pesquisa
que estudam saúde dos povos indígenas no brasil por macrorregião do país
vigentes (n = 57)........................................................................................... 85

Gráfico 12 - Período (%) de formação dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos
povos indígenas (n = 54) em 2015, conforme a classificação de grupos
específicos (n=11) e grupos amplos (n=43).................................................. 86

Gráfico 13 Período de formação dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos
indígenas (n = 57) em 2020, conforme a classificação de grupos específicos
e grupos amplos............................................................................................ 87

Quadro 2 - Quadro-síntese das principais informações acadêmicas extraídas do


currículo lattes dos pesquisadores estudados................................................. 92

Figura 4 - Espaços de mediação dos pesquisadores com instâncias dos campos


científico e político........................................................................................ 139
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Descrição das categorias utilizadas para a identificação e caracterização dos


grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas no Brasil........... 53

Tabela 2 - Descrição das categorias utilizadas para a identificação e caracterização das


linhas de pesquisa contidas em grupos que estudam saúde dos povos
indígenas no Brasil........................................................................................ 53

Tabela 3 - Descrição das informações extraídas dos currículos lattes dos líderes dos
grupos de pesquisa.......................................................................................... 55

Tabela 4 - Relação nominal de instituições (n = 37) que abrigam a totalidade de grupos


de pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas no Brasil (n = 57).......... 84

Tabela 5 - Projetos de pesquisas nos quais Esther Jean Langdon coordenou e/ou
participou em sua trajetória............................................................................. 97

Tabela 6 - Projetos de pesquisas nos quais Carlos Coimbra coordenou e participou em


sua trajetória.................................................................................................... 106

Tabela 7 - Projetos de pesquisas nos quais Maria Luiza Garnelo coordenou e participou
em sua trajetória.............................................................................................. 115

Tabela 8 - Projetos de pesquisas nos quais Carla Costa Teixeira coordenou e participou
em sua trajetória............................................................................................. 122
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABA Associação Brasileira de Antropologia

ABEP Associação Brasileira de Estudos Populacionais

ABRASCO Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

CESMAC Centro Universitário

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CISI Comissão Intersetorial de Saúde Indígena

CNS Conselho Nacional de Saúde

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CONDISI Conselho Distrital de Saúde Indígena

DECS Descritores em Ciências da Saúde

DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena

DSS Determinantes Sociais da Saúde

ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

FESP Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas

FHAJ Fundação Hospital Adriano Jorge

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

FOIRN Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GT Grupo de Trabalho

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico

ILDM Instituto Leônicas e Maria Deane


IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IFPE Instituto Federal de Pernambuco

IRR Instituto René Rachou

IS/SP Instituto de Saúde/São Paulo

MS Ministério da Saúde

PNASI Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas

SAS Secretaria de Atenção à Saúde

SESAI Secretaria Especial de Saúde Indígena

SESP Serviço Especial de Saúde Pública

SPI Serviço de Proteção ao Índio

SUS Sistema Único de Saúde

SUSA Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas

TAR Teoria Ator-Rede

UEA Universidade do Estado do Amazonas

UECE Universidade Estadual do Ceará

UEPA Universidade do Estado do Pará

UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFAC Universidade Federal do Acre

UFAM Universidade Federal da Amazônia

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFC Universidade Federal do Ceará

UFGD Universidade Federal da Grande Dourados

UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UFOPA Universidade Federal do Oeste do Pará

UFPA Universidade Federal do Pará

UFPEL Universidade Federal de Pelotas

UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

UFRR Universidade Federal de Roraima

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UFSCAR Universidade Federal de São Carlos

UFT Universidade Federal do Tocantins

UFVJM Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

UnB Universidade de Brasília

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNILAB Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

UNIR Universidade Federal de Rondônia

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

UPE Universidade de Pernambuco

USP Universidade de São Paulo


17

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………… 19

2 DE ONDE PARTIMOS……………………………………………………… 24

2.1. CONCEITOS RELATIVOS AOS ESTUDOS SOCIAIS DE CIÊNCIA E


TECNOLOGIA..................................................................................................................... 24

2.2. A PREOCUPAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A SAÚDE PÚBLICA......................... 32

2.3. A TEMÁTICA INDÍGENA NAS AÇÕES POLÍTICAS E CIENTÍFICAS EM


SAÚDE................................................................................................................................. 40

3. COMO A PESQUISA FOI DESENVOLVIDA……………………………….. 48

3.1. OBTENÇÃO DOS DADOS E FONTES ESTUDADAS......................................... 49

3.1.1 Primeira etapa: revisão da literatura acadêmica.................................................... 49

3.1.2 Segunda etapa: grupos e linhas de pesquisa.............................................................. 51

3.1.3 Terceira etapa: posicionamento e produção acadêmica dos pesquisadores......... 54

3.2. SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 56

4. RELAÇÕES ENTRE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E POLÍTICAS PÚBLICAS:


O CASO DA ÁREA DA SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS NO CAMPO DA
SAÚDE COLETIVA……………………………………………………………………. 60

4.1. RESULTADOS DA REVISÃO DE LITERATURA.............................................. 60

4.2. REFLEXÕES SOBRE E PARA ALÉM DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA.............. 68

5 CONSTITUIÇÃO DOS COLETIVOS DE PESQUISAS SOBRE SAÚDE INDÍGENA:


RETRATO DOS GRUPOS E LINHAS DE PESQUISA………………………………. 73

5.1. ÁREAS DE CONHECIMENTO............................................................................... 74

5.2. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E INSTITUCIONAL......................................... 78

5.3. PERÍODO DE CADASTRAMENTO DOS GRUPOS DE PESQUISA................... 85

6 PESQUISADORES E REPRESENTANTES DE UMA TEMÁTICA EM


CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO………………………………………………. 89

6.1. QUEM SÃO OS PESQUISADORES E SUAS VERTENTES TEÓRICAS E


PRÁTICAS........................................................................................................................... 90
18

6.2. INSTITUCIONALIZAÇÃO, CONSTRUÇÃO DE REDES COLABORATIVAS E


PRODUÇÃO INTELECTUAL........................................................................................... 93

6.2.1. Intermedicalidade e a Construção do Diálogo entre as Intervenções Públicas


de Saúde e os Povos Indígenas................................................................................... 93

6.2.2. Epidemiologia, antropologia médica e condições de vida e saúde dos povos


indígenas..............................................................................................................................103

6.2.3. Articulação de Sistemas Médicos e Políticas Públicas em Saúde dos Povos


Indígenas.............................................................................................................................112

6.2.4. Política, participação e mediação no campo da garantia de direitos..............120

6.3. DELIMITAÇÕES E CIRCULAÇÃO DE SABERES


DOS CAMPOS DE CONHECIMENTO EM QUE ESTÃO INSERIDOS..........................128

6.4. O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES ACADÊMICAS NA INTERSEÇÃO ENTRE


CAMPOS............................................................................................................................. 135

6.5. PESQUISADORES COMO MEDIADORES DE CAMPOS E UNIVERSOS


DISTINTOS..........................................................................................................................139

7 CONCLUSÕES: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA CIÊNCIA A FAVOR


DA DIVERSIDADE………………………………………………...……………………..146

REFERÊNCIAS………………………………………………………….……………..….156

ANEXO A - ARTIGO PUBLICADO “RELAÇÕES ENTRE PRODUÇÃO


CIENTIFICA E POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA ÁREA DA SAÚDE DOS
POVOS INDÍGENAS NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA”………………………..167
19

1. INTRODUÇÃO

“A ideia mais comum que existe é que o desenvolvimento e o progresso chegaram


naquelas canoas que aportaram no litoral e que estava a natureza e a selva, e
naturalmente os selvagens. Essa ideia continua sendo a ideia que inspira todo o
relacionamento do Brasil com as sociedades tradicionais daqui; então, mais do que
um esforço pessoal de contato com o Outro, nós precisamos influenciar de maneira
decisiva a política pública do Estado brasileiro” (KRENAK, 1999: 29)

Constam 305 etnias indígenas no território brasileiro, com uma população aproximada
de 896,9 mil pessoas segundo o último Censo Populacional realizado no país (IBGE, 2010).
Mesmo que quantitativamente consista em 0,43% do conjunto da população brasileira,
representam significativa diversidade sociocultural. Entretanto, inúmeros são os desafios na
consolidação da cidadania, equidade, justiça social e direitos humanos para estes povos
(AZEVEDO, 2011; PEREIRA, 2009; PAGLIARO et. al., 2005).
A Constituição Federal de 1988, gerida no período de redemocratização do país,
constitui-se um marco para o reconhecimento da diversidade étnica e dos direitos indígenas.
Tal perspectiva se contrapõe à lógica tutelar que acompanhou historicamente a atuação do
Estado brasileiro junto aos povos indígenas (OLIVEIRA, 1998; SOUZA-LIMA, 2002). Esta
mudança permitiu a garantia dos direitos universais à saúde e à responsabilização do Estado
com as necessidades indígenas nas mais diversas áreas (DUPRAT, 2002).
A noção de que os povos indígenas seriam integrados à sociedade nacional por meio do
mercado de trabalho, ao deixarem suas aldeias e se tornarem trabalhadores nas cidades, fora
alimentada continuamente pelas ações indigenistas ao longo do século XX (OLIVEIRA, 1998).
Segundo Souza-Lima (2008), esta perspectiva orientava-se pelo ideal capitalista
desenvolvimentista que enfatizava a industrialização nacional e a abertura ao mercado
globalizado.
Contudo, tornou-se alvo de críticas vindas principalmente de movimentos sociais e
organismos internacionais de cunho ambientalista a partir da década de 1970. Tais críticas
denunciavam a insustentabilidade desse modelo, o aumento das tragédias ambientais, o
desamparo dos povos indígenas e aumento da pobreza e das desigualdades. Dentre estes
movimentos, as manifestações indígenas passaram a emergir com vistas, principalmente, à
proteção dos territórios e das florestas que habitavam (SOUZA, 2008; LITLLE, 2002).
Para compreender as iniciativas voltadas para a saúde da população indígena, é preciso
referir que a Constituição ampliou a responsabilidade do Estado com a saúde pública da
população em geral e possibilitou a criação, em 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS). O
20

SUS possui como propósito central o de universalizar a assistência à saúde de forma igualitária,
pública e gratuita nos níveis primário, secundário e terciário a todos os cidadãos que habitam o
território brasileiro e em consonância com as demais áreas de atuação do Estado. Portanto, é
um sistema que se sustenta por três princípios fundamentais: universalidade, equidade e
intersetorialidade (PAIM, 2012; GIOVANELLA & MENDONÇA, 2012).
Após uma década da Constituição e do SUS, foi criado em 1999 o Subsistema de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, incorporado ao SUS (SASI-SUS), que tem por objetivo
primordial oferecer atenção primária em saúde para todos os povos indígenas circunscritos no
território nacional, bem como, propiciar aos indígenas o acesso a todos os níveis de atenção
dispostos pelo SUS (LANGDON, 2004; CARDOSO et al 2012; CARDOSO, 2015). Esta
conquista é resultado de articulações de movimentos indígenas, movimento sanitarista,
pesquisadores e agentes públicos (PONTES et al, 2019). Tais atores, ao longo da década de
1980 e 1990, fortaleceram a temática da saúde indígena como de interesse fundamental para a
consolidação da cidadania dos povos indígenas no Brasil (SOUZA-LIMA, 2014); inclusive,
com o apoio de organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Organização Mundial de Saúde (OMS), Banco Mundial e organizações não-
governamentais de cunho ambientalista (GARNELO, 2014).
O SASI-SUS consiste em uma adaptação do modelo nacional para os povos indígenas.
Existe o reconhecimento dos avanços deste modelo para a garantia da universalidade do acesso
dos povos indígenas aos serviços oficiais de saúde. Todavia, a problemática que se coloca é se
este modelo está sendo capaz de suprir as reais necessidades e expectativas dos povos indígenas.
Estudos têm apontado as recorrentes dificuldades na compatibilização da diversidade étnica e
dos sistemas médicos indígenas no processo de elaboração, planejamento, avaliação e execução
da política de saúde brasileira (CARDOSO, 2015; GARNELO & MAQUINÉ, 2015).
Concomitante à organização dos serviços públicos de saúde, a saúde dos povos
indígenas enquanto temática de produção de conhecimento científico passou a se
institucionalizar no Brasil nas últimas décadas. Tal tendência se expressa na crescente produção
e visibilidade nacional e internacional da pesquisa científica em saúde indígena no país
(TEIXEIRA, 2014; GARNELO, 2014).
Apesar de avanços legais nas últimas décadas, fruto da intensa mobilização dos
movimentos indígenas, as políticas indigenistas atuam em campo frágil e altamente conflituoso
frente aos interesses econômicos do agronegócio, mineração, entre outras. No que tange às
condições de vida e de saúde das populações indígenas do Brasil, evidências de estudos
epidemiológicos da última década indicam um cenário preocupante, como os altos coeficientes
21

de morbimortalidade em comparação com a população brasileira como um todo, entre outras


problemáticas (SANTOS et. al, 2020; COIMBRA Jr, 2014; BASTA et. al, 2012; COIMBRA e
SANTOS, 2005; CARDOSO et. al, 2005). Essa preocupante situação social e sanitária se
agravou durante o ano de 2020 no contexto da pandemia de COVID-19, causado pela
contaminação do vírus Sars-Cov-2.
Vale ressaltar que a classificação de um agravo como um “problema de saúde pública”,
conforme reflexão de Costa e Victora (2005), deve levar em conta os impactos da condição de
saúde; tanto na esfera individual, em termos de anos de vida perdidos, quanto na esfera coletiva
do impacto na sociedade e sociabilidade, em termos de mortalidade, morbidade e custos para o
tratamento e recuperação da saúde. Assim sendo, diversos problemas de saúde que afetam os
povos indígenas devem não apenas serem considerados problemas de saúde pública, como
ganham uma dimensão particular ao se considerar a diversidade étnica, sociocultural,
linguística e geográfica de como e onde vivem esses povos.
Consequência direta das necessidades de proteção dos povos e territórios indígenas
diante do processo violento de colonização e espoliação dos territórios e tradições dos povos
indígenas no Brasil, a temática da saúde dos povos indígenas emerge no contexto nacional nas
últimas quatro décadas e passa a fazer parte da agenda de diferentes espaços, instituições e
atores sociais. No Estado - nos âmbitos Executivo e Legislativo, como um campo que agrega
políticas públicas de atenção à saúde aos povos indígenas e um amplo conjunto de leis e
garantias constitucionais em direitos indígenas. Na ciência, com uma vasta produção de
conhecimento científico advindo de diferentes campos do saber. Na área jurídica e no campo
dos direitos, assim como na arena dos movimentos sociais e do terceiro setor, como pauta de
reivindicação de coletivos indígenas por direitos à assistência integral e pública à saúde, entre
outros aspectos.
Nesse contexto, a pauta da saúde indígena é considerada fundamental para a
consolidação da cidadania e dos direitos destes povos originários. Contudo, parece óbvio
afirmar que essa questão se torna então uma “problemática” em razão do processo de
colonização do Brasil e todo o histórico de violência e racismo perpetrado pelo Estado brasileiro
e setores interessados nos territórios ocupados pelos povos indígenas. Tal situação, portanto,
expressa em grande medida a atuação do Estado Brasileiro junto a essas populações ao longo
dos últimos cinco séculos, apesar de consideráveis avanços. Desse modo, nos coloca diante de
um desafio iminente: qual foi e qual é o papel da ciência e do cientista frente a esse contexto?
A saúde coletiva no Brasil, enquanto um campo específico do conhecimento, vem se
consolidando institucionalmente desde a década de 1980 e, atualmente, consiste em uma
22

importante área das ciências da saúde (VIEIRA-DA-SILVA, 2019). Reúne diferentes saberes,
especialistas e práticas, sendo caracterizada enquanto um campo do saber próprio, autônomo e
plenamente institucionalizado no universo das ciências da saúde, constituído pela triangulação
entre as áreas da epidemiologia, ciências humanas e sociais e planejamento e gestão de políticas
públicas. Este campo se expressa tanto no crescimento contínuo da produção do conhecimento,
quanto na consolidação crescente de cursos de pós-graduação e revistas temáticas na área em
diferentes regiões do país (MINAYO, 2010; NUNES, 2006).
Neste contexto, nas últimas quatro décadas, a temática da saúde indígena emerge tanto
no seio da saúde coletiva inserida nos meios acadêmicos, quanto nas políticas públicas, em
meio aos debates e transformações políticas do Estado brasileiro. A saúde coletiva, portanto,
consiste em um aporte para a consolidação do SUS e os seus desdobramentos, tal como o
Subsistema de Saúde dos Povos Indígenas. Considera-se que a compreensão da formação da
área de pesquisa em saúde indígena no contexto brasileiro pode contribuir para ampliar o
conhecimento sobre os fatores históricos e sociais que favoreceram a atuação do Estado perante
os povos indígenas e a intervenção de políticas públicas em seus territórios.
Seguindo essa perspectiva, este trabalho visa compreender quando, como e por quem
as condições de saúde das populações indígenas passaram a emergir como um problema
científico, mais especificamente no campo da saúde coletiva no Brasil. De acordo com
Bourdieu (2010):
“Para se não ser objeto dos problemas que se tomam para objeto, é preciso fazer a
história social da emergência desses problemas, da sua constituição progressiva, quer
dizer, do trabalho coletivo – frequentemente realizado na concorrência e na luta – o
qual foi necessário para dar a conhecer e fazer reconhecer esses problemas como
problemas legítimos, confessáveis, publicáveis, públicos, oficiais (...)” (BOURDIEU,
2010: 37).

Desse modo, a pesquisa teve o propósito de descrever e compreender a constituição da


área de estudos em saúde dos povos indígenas no Brasil e o conhecimento científico produzido
sobre a temática. Cabe ressaltar que o objeto de estudo foram as produções acadêmicas de
pesquisadores que estudam a temática da saúde dos povos indígenas e não propriamente as
populações indígenas. Quer dizer, não abordarei as concepções de saúde e doença dos diversos
povos indígenas e nem a arena de execução dos serviços de saúde indígena pelo Estado. Embora
relevantes, tais investimentos são robustos e superam o recorte definido pelo trabalho.
Para compreender o processo de formação e caracterização dessa área, o estudo
envolveu: 1) a identificação do desenvolvimento da produção científica sobre saúde indígena e
suas principais vertentes temáticas; 2) o mapeamento dos grupos de pesquisa que estudam a
23

saúde dos povos indígenas no Brasil, destacando seus objetivos, linhas de pesquisa,
componentes, área de conhecimento e distribuição regional; 3) descrição e análise da produção
acadêmica de quatro importantes líderes de pesquisa da área de saúde indígena no Brasil.
A relevância deste recorte teórico-metodológico consiste exatamente em refletir sobre
um objeto peculiar que envolve uma grande sociodiversidade e que se encontra no campo da
ação política (GARNELO et. al., 2003) e da produção acadêmica (CANESQUI, 2010). A tese
foi produzida em formato tradicional e organizada por capítulos, com a produção e publicação
de um artigo científico incorporado nos resultados deste trabalho. Para percorrer esse caminho,
o trabalho foi organizado em cinco capítulos. O primeiro, de caráter introdutório ao problema
e ao contexto de investigação, apresenta distintas perspectivas dos estudos sociais sobre ciência
que orientaram este trabalho. Em seguida, visa situar brevemente o campo da saúde coletiva no
Brasil e localizar o surgimento das preocupações em torno da saúde dos povos indígenas no
campo da política pública e nas agendas de pesquisa. O segundo capítulo apresenta o caminho
e as estratégias metodológicas utilizadas para a construção da tese.
O terceiro capítulo, que inicia a apresentação dos resultados, trata da produção científica
sobre a temática a partir da revisão da literatura em bases de artigos científicos. Já o quarto
capítulo reflete sobre as linhas e os grupos de pesquisa existentes no Brasil sobre o tema. Por
fim, o quinto capítulo traz uma análise dos pesquisadores do campo por meio das suas
produções acadêmicas. Nas considerações finais são elencadas as principais contribuições do
trabalho desenvolvido.
24

2. DE ONDE PARTIMOS

“Se tivéssemos que escolher uma única palavra para descrever a relação do Brasil com
seus índios, essa palavra seria ambivalência. Desde sua descoberta em 1500, a
tendência de ver os índios como nobres filhos do Paraíso ou como ignóbeis selvagens
que devem ser civilizados só aumentou ao longo dos séculos, desembocando numa
verdadeira esquizofrenia na política indigenista oficial. Por um lado, os legisladores,
ao menos em décadas passadas, mostraram uma sensibilidade razoável para proteger
as diferenças culturais e étnicas representadas pelos povos indígenas. Por outro, os
executores das políticas indigenistas, sejam funcionários da Funai, governadores ou
ministros, têm se distinguido, muitas vezes, por atentar contra a legislação pró-
indígena, incluindo a própria Constituição Federal” (RAMOS, 2012: 31).

Neste capítulo serão abordados os fundamentos teóricos deste trabalho, seguido de uma
descrição sobre o histórico da produção científica do campo da saúde pública. Por fim,
apresenta-se uma reflexão sobre a emergência da temática indígena enquanto política pública e
produção acadêmica.

2.1.CONCEITOS RELATIVOS AOS ESTUDOS SOCIAIS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A ciência ocidental, longe de ser definida como uma experiência homogênea, constitui-
se como uma atividade humana diversa e polissêmica que vêm de uma trajetória de ideias,
valores e práticas, que se iniciou na filosofia no período renascentista e se consolidou na
modernidade. Surgiu a partir do século XVII no período renascentista, diferenciando-se do
modo vigente de produzir conhecimento que, até então, era uma atividade restrita aos eruditos
situados em posição de prestígio social e vinculados à Igreja Católica, próprio da Idade Média
(GAVROGLU, 2007).
Com o Renascimento, o pensamento científico introduz o método e a empiria na
produção do conhecimento, ou seja, a erudição deveria ser provada sistematicamente a partir
da experimentação, de técnicas que pudessem comprovar determinada afirmação. Do
pensamento lógico e racional, advindo da filosofia e da matemática, se desenvolveram
diferentes ciências, disciplinas e métodos com o propósito de desvendar a realidade. Portanto,
a ciência moderna é uma ação que busca investigar e explicar a natureza da vida e a humanidade
(OLIVA, 2010).
Ainda que calcado na filosofia, os pensadores que instituíram essa modalidade especial
de pensamento racional, voltado para a explicação e experimentação dos fenômenos da
natureza, fundaram o pensamento científico moderno (OLIVA, 2010). A ciência moderna
buscava, através de leis e verdades universais, explicar e controlar os fenômenos que diziam
25

respeito ao fundamento dos astros, dos movimentos físicos e das composições químicas das
matérias, da anatomia e funcionamento do corpo humano, das doenças e epidemias que
assolavam os povos; entre outros assuntos que compunham as questões da natureza do mundo
e dos seres humanos (HENRY, 1998). Ser cientista significava experimentar e testar hipóteses
com o objetivo de desvendar a verdade sobre um fato até então obscuro e desprovido de
explicação racional.
No final do século XIX surgem estudiosos com o interesse de estudar e investigar os
fundamentos e funcionamento da própria ciência (OLIVA, 2010), que se situa em disciplinas
como filosofia, epistemologia, história, sociologia, antropologia, entre outras. A partir da
segunda metade do século XX, os estudos sobre as ciências ganharam maior espaço e
abrangência, especialmente em função da crise sobre os impactos negativos da ciência à
humanidade, quando utilizada como arma durante a Segunda Guerra Mundial
(PORTOCARRERO, 1994).
A partir desse período também emergiram diversos autores e perspectivas teóricas que
denunciavam o caráter eurocêntrico, colonialista e exploratório da ciência moderna (LEMOS,
2019). As décadas de 1960 e 1970 experimentaram uma efervescência social expressiva em
nível internacional, ao passo que o recrudescimento político se estabelecia em diversas nações,
com ditaturas militares e cassação de direitos civis e políticos. O movimento estudantil oriundo
na França na década de 1960, a ascensão dos movimentos feminista, negro e de expansão das
liberdades individuais na Europa e nos EUA, os movimentos estudantis e de trabalhadores na
América Latina, a independência de antigas colônias no continente africano, para citar apenas
alguns exemplos, trouxeram novas perspectivas para o horizonte científico, ao questionar o
papel social da educação, da universidade e da ciência para além de um espaço de privilégio da
classe burguesa (COSTA, 2017).
Segundo Schwartzman (1979) a ciência contemporânea é um sistema social, dotado
de regras, leis e significados próprios que se sobrepõe e se relacionam diretamente com as
demais esferas da vida social. De acordo com Bourdieu (1983, 2010), a ciência é uma área de
prestígio na sociedade ocidental, um campo de disputas políticas e embates de diferentes
domínios simbólicos e ideológicos. O autor, ao contextualizar a produção da ciência nas
sociedades capitalistas, constrói o conceito de campo científico, definido como um espaço de
disputa e negociação por reconhecimento, posição de prestígio e difusão do conhecimento,
articulado pelos atores que se engendram nessas estruturas (BOURDIEU, 2010).
26

O capital científico pode ser exemplificado por meio de objetos, práticas e valores que
conferem status e reconhecimento em seu campo, tais como: os títulos acadêmicos, a
quantidade e qualidade das publicações, o domínio de línguas estrangeiras, a instituição a qual
pertence, a disciplina que leciona, os grupos de estudo que coordena e/ou tem participação, a
quantidade de orientandos de diferentes formações, entre outros elementos. Segundo o autor,
tais elementos atuam como moedas de troca e de negociações. Os embates simbólicos e
ideológicos se dão a partir de pressupostos teóricos e/ou metodológicos sobre a apreensão da
realidade e das disputas em jogo.
Os atores sociais atuam conforme o “habitus'', definido pelo autor como a incorporação
da estrutura e das regras do campo nas ações individuais. Logo, um cientista bem sucedido é
aquele que está imbuído de determinado habitus, sendo capaz de captar o máximo possível de
capital científico e, assim, alcançar maior abrangência em seu poder de persuasão e
proporcionar prestígio nas palavras, posições e quanto a seus objetos de estudo, que devem
pertencer a um círculo de negociação de poder (BOURDIEU, 2010). Em suma, para Bourdieu
(1983) o campo científico é sempre uma arena de lutas relativamente desigual, como um jogo
no qual os agentes pleiteiam suas vitórias conforme regras e atributos específicos de disputa.
Contudo, enquanto uma arena relacional, o campo científico também privilegia modos de
conciliação e consensos. Conforme descrição de Martins, para Bourdieu o habitus orienta a
prática dos agentes em determinado campo, ao ser:
“(...) adquirido pelo ator social através da sua inserção em diferentes espaços sociais,
constitui uma matriz de percepção, de apreciação e de ação que se realiza em
determinadas condições sociais. Ele ‘enforma’ a conduta do ator, as suas estratégias
de conservação e ou de transformação das estruturas que estão no princípio de sua
produção” (MARTINS, 1990: 65).

Nesse sentido, seguindo a mesma referência, “campo” consiste:


“(...) no espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em
relação a outros espaços sociais, isto é, em relação a outros campos sociais. Mesmo
mantendo relações entre si, os diversos campos sociais se definem através de objetivos
específicos, o que lhes garante uma lógica particular de funcionamento e estruturação”
(MARTINS, 1990: 66).

Os conceitos de campo e de habitus procuram atualizar a reflexão que acompanha as


ciências sociais desde o seu surgimento: as relações entre indivíduo e sociedade, objetividade
e subjetividade, teoria e ação social, entre outras (MARTINS, 1990; BOURDIEU, 1983).
27

Podemos compreender que a síntese entre habitus e campo, ao interagirem


dialeticamente no corpo social, resulta em um “sistema das disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio
gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias características de um grupo de
agentes” (BOURDIEU: 1974: 191). Estruturas estruturadas são aquelas que já estão
incorporadas pelo indivíduo e coletividade e que também são estruturantes de novos habitus.
Ao compor um sistema próprio, autônomo e estruturado, cada campo exerce um domínio de
um capital específico. Quer dizer, cada campo é autônomo na medida em que representa um
microcosmo da realidade social com regras, capital e habitus próprios de funcionamento. O
capital científico sustentará os conhecimentos e práticas desenvolvidas e que será objeto de
disputa, no sentido de que:
“(...) a estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado das
relações de força entre os protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela
estrutura da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores que se
encontra objetivado nas instituições e nas disposições e que comanda as estratégias e
as chances objetivas dos diferentes agentes ou instituições” (BOURDIEU, 1983: 133).

Em Homo Academicus (2014), principal obra de Pierre Bourdieu sobre a temática da


ciência, o autor estuda renomadas instituições francesas de ensino e pesquisa nas áreas de
humanidades com o objetivo de caracterizar empiricamente o funcionamento dos conceitos que
elabora ao longo da sua obra. Segundo Lucas (2012):
“O campo para Bourdieu é local de dominação e conflito; nesta obra, ele aborda o
campo universitário francês, retratando os espaços de dominação e conflito do qual
ele mesmo faz parte e analisando seu próprio campo de atuação - interessante lembrar
que, segundo o próprio Bourdieu, os campos devem ser analisados pelos seus pares,
pois isso gera autonomia e legitimidade ao campo” (LUCAS, 2012: 154).

Assim como o campo científico, outros campos denominados por Bourdieu seguem a
mesma lógica, ainda que com operações internas distintas. O autor defende que existe uma
autonomia relativa dos campos, e que “um campo é um microcosmo autônomo no interior do
macrocosmo social” (BOURDIEU, 2011: 195) no sentido de que os passos possuem uma certa
independência, ainda que possam se entrecruzar na realidade social. A autonomia dos campos
para Bourdieu, a exemplo do campo político, se expressa da seguinte maneira:

“É um universo no qual operam critérios de avaliação que lhe são próprios e que não
teriam validade no microcosmo vizinho. Um universo que obedece a suas próprias
leis, que são diferentes das leis do mundo social ordinário. Quem quer que entre para
a política, assim como alguém que ingresse em uma religião, deve operar uma
transformação, uma conversão. Mesmo que esta não lhe apareça como tal, mesmo que
não tenha consciência disso, ela lhe é tacitamente imposta, e a sanção em caso de
transgressão é o fracasso ou a exclusão. Trata-se, portanto, de uma lei específica e que
28

constitui um princípio de avaliação e eventualmente de exclusão. Um índice, o


escândalo: quem entra para a política se compromete tacitamente a eximir-se de certos
atos incompatíveis com sua dignidade, sob pena de escândalo” (BOURDIEU, 2011:
196).

Sob uma perspectiva distinta, Latour, entre outros que compõem a Teoria Ator-Rede
(TAR), defendem a necessidade de pesquisar a ciência tal como ela acontece, ou seja, onde
estão implicados os fatos científicos e as relações pormenores que constroem e sustentam a
prática científica (HOCHMAN, 1994). O que interessa não é somente o espaço restrito da
ciência, mas tudo o que se relaciona a ela, direta ou indiretamente, por compreender que a
ciência possui uma importante interferência no tecido social, desde decisões macropolíticas, a
concepções e comportamentos individuais.
No livro “Ciência em Ação” (2000), Latour propõe que para se estudar a ciência é
necessário antes de tudo seguir os cientistas e descrever minuciosamente o processo de uma
pesquisa, incluindo o observador enquanto um construtor de fatos. A proposta da TAR é a de
desconstruir paradigmas clássicos dos estudos sociais sobre ciência e tecnologia. Considera-se
que é em ação que as redes se fazem e se constrói o pensamento científico. Rede não é somente
uma estrutura de relações, mas sim, o conjunto de caminhos percorridos e articulados pelos
atores que as compõe. Ator, por sua vez, é a força capaz de movimentar uma rede, que pode se
constituir de humanos e não-humanos.
Bem como explica Moraes (2011), na TAR, “a noção de rede refere-se a fluxos,
circulações, alianças, movimentos, em vez de remeter a uma entidade fixa. Uma rede de atores
não é redutível a um único ator nem a uma rede; ela é composta de séries heterogêneas de
elementos animados e inanimados, conectados e agenciados” (MORAES, 2011: 322). Segundo
Latour (2001; 2012), a teoria ator-rede busca pesquisar um objeto em ação, que se dá em rede,
na conexão entre conhecimento e prática. A partir da identificação e mobilização de atuantes
(actantes) envolvidos com temas e objetos de interesse comum, a TAR orienta a seguir os
atuantes em suas ações, interações e mediações a fim de que expressem as situações que
permitiram configurar ou desfigurar a rede (LATOUR, 2001; 2012).
Para John Law (2004), a TAR como abordagem para a análise sociotécnica trata
entidades e materialidades como decretadas e relacionais, e explora a configuração e
reconfiguração dessas relações. Sua racionalidade significa que as principais categorias
ontológicas (por exemplo, "tecnologia" e "sociedade", ou "humano" e "não-humano") são
tratadas como efeitos ou resultados, ao invés de recursos explicativos.
29

As análises de redes sociotécnicas têm revelado uma parte substancial da natureza


dinâmica e social presente nos programas de formação em saúde pública, em termos de sua
capacidade de adaptação, inovação e proposta de ação para solução de problemas locais
(HARTZ et al, 2008). Seguir os atores é segui-los em seu entrelaçamento com as coisas, pois,
as coisas também agem, elas podem autorizar, permitir, proporcionar, encorajar, sugerir,
influenciar, bloquear, dificultar e assim sucessivamente. Nessa perspectiva é preciso lidar tanto
com a continuidade, quanto com a descontinuidade entre os modos de ação, mapeando as muitas
maneiras contraditórias pelas quais os agregados sociais são constantemente evocados,
suprimidos, distribuídos e reinstalados (LATOUR: 2012).
Para Mol (2010), os termos e textos que circulam na Teoria do Ator-Rede são
dispositivos que traduzem o que buscam analisar, afinam a sensibilidade dos seus leitores e a
sintonia do que está acontecendo aqui e ali. Os relatos para os pesquisadores da TAR em Latour
(2001; 2012) registram diferenças, absorvem multiplicidades e reformulam-se a cada novo
passo. Ao invés de simplesmente transformar efeitos sem transformá-los, de fato, cada um dos
pontos no texto pode se tornar uma encruzilhada, um evento ou a origem de uma nova
translação.
Não se trata de só seguir, mas de seguir tecendo o projeto de fronteira, ou seja, seguir e
se dar conta das controvérsias, recolher, seguir por outras linhas de fronteira e encontrar outros
pontos que sejam mais permeáveis a construções de pontes. Seguir em meio à fricção, tendo
em vista que esta pesquisa está olhando para o projeto de fronteira, lá onde os fios costuram
cada espaço para que uma realidade seja performada e encontrar na ponte a possibilidade de no
extremo ser híbrido, ser outro, ter outra forma, outros modos de viver saúde, de pesquisar e
transladar conhecimento.
Por esta metodologia da Teoria do Ator-Rede, as controvérsias não são algo que se deva
evitar tal como um mero aborrecimento e sim enxergar como aquilo que permite a rede
estabelecer-se, produzindo tensões que dão sustentação aos “nós”. No encontro com as
controvérsias e tensões é que alguma mudança de caminho acontece, novas conformações são
consentidas, algo se fortalece e outro enfraquece, modifica e transforma (LATOUR 2012).
Na visão de Boaventura de Souza Santos (2001), a subjetividade surge como o grande
mediador entre conhecimentos e práticas que possibilita a formulação de questões
surpreendentes, onde formas alternativas de conhecimento geram práticas sociais alternativas e
vice-versa. O que faz o jogo de fronteira na pesquisa com a TAR é o olhar. Olhar não para o
objeto isolado e sim para o projeto e os processos. Nesse sentido, a coleta de material nos faz
30

olhar mais para o projeto e a interlocução com os sujeitos do que olhar para os processos.
Importante reafirmar, olhar não para ilhas com os seus limites e sim para as fronteiras e suas
condições de permeabilidade passíveis de construção de pontes.
Além da abordagem da TAR, parte-se do princípio de que “redes” é uma noção utilizada
por diferentes campos do conhecimento científico e das práticas gerenciais nas esferas pública
e privada. Encontra unidade de seu significado na ideia de conexão e aproximação de pontos
distintos. Em uma perspectiva humanista, essa aproximação permite a construção de vínculos
e relações entre pessoas e/ou ideias, e/ou consensos e objetivos em comum (MARTELETO,
2004, 2007). Primeiramente utilizado nas ciências exatas, a noção de trocas e fluxos de
informações e processos passou a sintetizar a proposta de redes. O sucesso de sua aplicação no
desenvolvimento tecnológico permitiu sua transposição conceitual para as várias áreas, em
especial nas últimas três décadas, de modo a serem utilizadas para compreender o
funcionamento das relações sociais como um todo (CASTELLS, CARDOSO, 2006; ACIOLI,
2007).
Experiências nacionais e internacionais têm demonstrado que atuar no campo da gestão
e da pesquisa em saúde pública, no formato de redes, pode propiciar inovações e novas relações
entre diferentes instâncias públicas e privadas entre gestão, pesquisa, organização de serviços
de saúde e educação e sociedade civil (OPAS/OMS-Brasil, 2009; FLEURY, 2005; FLEURY,
OURVERNEY, 2007). No Brasil, os níveis de atenção à saúde têm funcionado em redes de
serviços, possibilitando a associação entre diferentes níveis, instituições, grupos e territórios
(MENDES, 2011).
Pierre Bourdieu e Bruno Latour, apesar de apresentarem perspectivas distintas no
cenário dos estudos sociais da ciência, possuem em comum um aspecto metodológico, qual
seja: dar atenção aos detalhes pormenores que compõe a prática de uma investigação científica
e captar as relações existentes para a construção da realidade de casos particulares. Também
compartilham da perspectiva de que a atividade científica é como qualquer outra esfera da vida
social, com valores, normas, condutas, coletividades e especificidades que a destacam como tal
e que permitem sua existência e permanência nas sociedades contemporâneas.
Tal perspectiva já havia sido levantada por Ludwing Fleck em 1935, ao analisar os
modos de intervenção para a cura da sífilis como um fato científico. Narrou com sutileza de
detalhes os acontecimentos, contextos de produção de ideias, interesses e divergências pessoais,
os “erros” na produção das evidências, a construção social da doença e uma série de dimensões
que preconizou uma perspectiva construtivista sobre a ciência. Iniciou-se a compreensão de que
31

todo o fato científico é produzido socialmente e sofre interferências de fatores internos e


externos ao cientista. Isso o distinguia dos estudiosos da ciência no período que destacavam as
“descobertas” e as “genialidades” individuais como forças motrizes do desenvolvimento
científico. Fleck trabalha principalmente com a noção de “coletivo de pensamento”, que se
refere ao processo de formação de grupos de cientistas por afinidades, aproximações e
influências (HOCHMAN, 1994).
Para Thomas Kuhn as comunidades de pesquisadores compartilham de um mesmo
paradigma científico, com certa autonomia para heterogeneidades e divergências, que destinam
trajetórias e formação de redes distintas no interior dos grupos (KUHN, 1970). Para o autor os
“paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência” (KUHN, 1991:13). Explica que a dinamicidade da ciência ocorre devido à luta
constante entre modelos explicativos, teorias e concepções de mundo, trazendo o conflito e a
competitividade como partes do exercício da ciência (KUHN, 1991: 22).
Para o autor, as transformações de paradigmas são revoluções científicas que consistem
em um padrão de desenvolvimento das ciências. O que significa que as várias ciências e seus
ramos são heterogêneos e convivem com incoerências entre si. Há pequenas e grandes
revoluções que, a depender das suas dimensões, podem afetar um determinado campo do saber
ou somente uma das suas características. Portanto, os coletivos não precisam necessariamente
ser institucionalizados, pelo contrário, indicam associações de ideias e práticas entre grupos que
partilham de paradigmas em comum. Kuhn, portanto, atualiza a problemática levantada por
Fleck no campo de estudos sociais da ciência e tecnologia.
A perspectiva de Kuhn se combina com contemporâneos, especialmente pós-
estruturalistas tal como Pierre Bourdieu e Michael Foucault, que procuram desconstruir a noção
de que a atividade científica é fruto de um empenho meramente individual. Nesse sentido, ao
investigar o funcionamento de um determinado campo, área ou disciplina científica, é preciso
considerar os diversos atuantes que compõe e mobilizam interesses e ações, para além das
fronteiras estabelecidas entre sociedade e natureza. Ou seja, “sujeitos” e “objetos” se
entrecruzam e estabelecem vínculos. De acordo com Moraes (2013):
“Trata-se de mostrar como a ciência, definida por seu funcionamento híbrido, impura
por nascimento, define o que é a sociedade em que vivemos e a natureza a qual nos
referimos (...). Vivemos num mundo povoado por objetos que já não sabemos se são
naturais ou sociais. São mistos de natureza e sociedade, de objeto e sujeito. As velhas
dicotomias já não nos permitem viver” (MORAES, 2013: 325).
32

As fronteiras são demarcadas pelos campos disciplinares, contudo, é preciso considerar


que os conhecimentos circulam e são permeados pelos atores por diferentes tendências e
paradigmas científicos, de modo concomitante ao fortalecimento e demarcação dos limites
fronteiriços:
“Tão importante quanto compreender esses processos de demarcação é relevante
destacar o processo simultâneo de circularidade que se estabelece entre os diferentes
campos científicos, sociais, tecnológicos, culturais e assim por diante, apontando a
relevância do conceito de permeabilidade das fronteiras” (PECI: 2006).

A partir do exposto, a perspectiva adotada neste trabalho parte do princípio de que os


conceitos de campo científico, capital científico e habitus, principalmente, se mostram
adequados para compreender a constituição e institucionalização de uma atividade científica
subscrita no campo da Saúde Coletiva. No entanto, os pressupostos da Teoria Ator-Rede, bem
como de outras abordagens teóricas, podem ser lançados à mão na medida em que se tornam
mais adequadas para identificar o substancial e fluido que não pode ser explicitado somente
pela estrutura. Portanto, nesse primeiro momento nos interessa compreender a estrutura como
um retrato da saúde indígena, como um microcosmo dentro de um macrocosmo mais amplo,
bem como, as produções e o movimento no interior desse microcosmo, mas que também o
ultrapassa.

2.2.A PREOCUPAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A SAÚDE PÚBLICA

Como assinalado, na era moderna foi introduzido na investigação científica o método


e a empiria. A medicina também foi incorporada à ciência moderna, apesar de ser uma atividade
praticada há séculos. Nesse novo contexto, especialmente a partir do início do século XIX, o
médico cientista não teria apenas a incumbência de curar os enfermos, mas principalmente,
sistematizar conhecimentos sobre o funcionamento do corpo humano em disciplinas que
pudessem ser reproduzidas e universalizadas. Deveria, portanto, seguir as prerrogativas
essenciais da ciência, para a construção de um conhecimento científico considerado legítimo
frente a outros saberes e práticas populares de cura (LUZ, 1982; FOUCAULT, 1963).
Assim, os médicos passaram a determinar os sinais e sintomas dos pacientes e a definir
a melhor indicação de intervenção terapêutica. Desse modo, foram corroborando para a
legitimação da doença enquanto uma entidade a ser estudada e enfrentada; bem como, para
construção do poder do conhecimento médico frente a outros saberes e práticas de cura
(FOUCAULT, 1963). Desse modo, a existência da doença enquanto um constructo social
delineou a produção dos conhecimentos e das técnicas que compõe a medicina, colaborando
33

para que se tornasse um sistema social próprio, capaz de produzir, reconstruir e transformar
valores e comportamentos individuais e coletivos, dentro de uma concepção de normal e de
patológico (CANGUILHEM, 1995).
Em suma, os conhecimentos sobre as razões do adoecimento e as estratégias de
combate das enfermidades tornaram-se possíveis a partir do processo de identificação e
nomeação das doenças. O conhecimento científico produzido pela medicina igualmente
informou a atuação do Estado nas sociedades industriais a partir do século XVIII -- frente às
constantes epidemias que assolavam populações e as intervenções perante as condições
sanitárias nas grandes metrópoles --, passando a se desenvolver e a se institucionalizar enquanto
saúde pública (ROSENBERG, 1992).
De acordo com Rosen (1980), a saúde pública surgiu no contexto europeu do século
XIX, a partir da inserção da medicina no controle de doenças, hábitos e comportamentos das
populações pobres e dos trabalhadores urbanos. Conforme Nunes (2005: 19), a “medicina
estende-se sobre a sociedade como um poder disciplinar, recaindo suas ações (ou intenções)
sobre a higienização e medicalização do espaço urbano”. A consolidação da saúde pública
enquanto um braço da atuação do poder público ampliou a concepção de saúde e doença, bem
como, acelerou o desenvolvimento do conhecimento científico e permitiu a construção de
outras ciências vinculadas à saúde, para além da medicina (NUNES, 2005).
A ampliação de questões urbanas, sociais e ambientais que passaram a se tornar
imprescindíveis à saúde pública, culminou no surgimento da medicina social no início do século
XX (ROSEN, 1994). Ao longo do século XX a medicina social passa a se disseminar pelo
mundo e a se institucionalizar na forma de institutos, departamentos e centros de pesquisa, além
do investimento em formação pedagógica (ROSEN, 1994). Essa nova modalidade do saber
médico se manifesta nas iniciativas higienistas que, ao se deparar com as problemáticas da
saúde nas cidades, busca classificar e normatizar corpos, comportamentos e práticas,
geralmente associados às populações negras, marginalizadas e rurais.
No Brasil, a institucionalização da medicina em faculdades e escolas específicas na
passagem entre os séculos XIX e XX traz em seu esboço a preocupação social de higienizar e
civilizar o povo brasileiro. Nesse período, o país passava por intensas preocupações
sociopolíticas de mudança do regime monárquico que desencadeou a proclamação da
República, Contexto que propiciou uma preocupação por parte das elites com a questão racial,
a pobreza, o saneamento e as epidemias que ameaçavam o projeto de civilização vigente (LUZ,
1982).
34

O primeiro movimento sanitarista brasileiro liderado por intelectuais e cientistas, em


meados do século XX, trazia a bandeira da interiorização do país e da noção de “civilizar a
população” através da educação e ações de saneamento e saúde. Tal enfoque era, no período
em que surgiram, um contraponto às ideias hegemônicas que justificava a pobreza pelo caráter
racial da população (LIMA & HOCHMAN, 1996). A interiorização era incentivada pelas
incursões de médicos e sanitaristas para as regiões remotas do país, em busca de novas doenças
e diagnósticos que elucidassem as condições precárias do povo brasileiro. Aliado a esse
movimento estavam escritores de renome tal como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, autor
do personagem Jeca Tatu – o protótipo exemplo de quem se transformou através de melhores
condições alimentares, de higiene e saúde.
A noção de que os problemas de ordem social e sanitária teriam origem em causas
raciais e físicas, foi fomentado pelo movimento eugenista que teve forte influência no
pensamento sanitário e político no mundo todo. Nancy Stepan (2005) analisa que nas primeiras
três décadas do século XX o movimento eugênico no Brasil foi proeminente e precursor na
América Latina e disseminava o ideário de que através do “melhoramento” hereditário e racial
das futuras gerações, melhorar-se-ia a “qualidade” das civilizações – noção que fomentou o
incentivo à imigração de trabalhadores europeus ao território nacional. Importante enfatizar que
os ideais eugenistas não se restringiram ao universo intelectual: provocaram impactos nas ações
de governos na primeira metade do século XX.
A ampliação do conhecimento da classe intelectual e política em torno das condições
precárias de saneamento e higiene da população brasileira levantou a hipótese de que a origem
dos problemas da população brasileira não seria de cunho racial e biológico, mas sim, de ordem
social e sanitária, que demonstrava uma mudança de perspectiva ao ampliar a percepção sobre
as determinações sociais e ambientais dos problemas de saúde – percepção esta que exigia uma
ampla reforma urbana especialmente nas grandes cidades (LIMA & HOCHMAN, 1996).
Ao curso da República, a saúde pública enquanto ação do Estado experimenta diferentes
projetos governamentais. Ao longo das décadas as práticas sanitárias, inicialmente voltadas a
melhorias das condições sanitárias, foram transformadas em ações informadas por uma lógica
centralizadora, curativa, hospitalocêntrica, com medidas pontuais e imediatas de prevenção e
educação em saúde à população. Essa configuração atingiu maior rigidez estrutural nas décadas
em que o país viveu sob o regime militar, de 1960 a 1980 (AROUCA, 2003).
No âmbito do Estado houve um processo de recrudescimento da medicina social a favor
da uma medicina biologicista e individualizada. No entanto, nas universidades e centros de
35

pesquisa em saúde pública, uma perspectiva ampliada de saúde passou a emergir, aliada a noção
de cidadania, participação, ambiente e condições de trabalho e produção. Alinhado a visões
progressistas que buscavam se contrapor ao regime ditatorial, denunciar os limites do sistema
capitalista e as condições precárias sanitárias e de vida da população brasileira, uma medicina
preventivista passou a emergir dos principais centros formadores da saúde pública no país.
Mesmo que essa nova perspectiva já tivesse surgido timidamente em décadas anteriores, a partir
de 1960 a sociedade passou novamente a ser um objeto da medicina, com o novo desafio de
pensar e agir em prol de medidas preventivas dentro do escopo do profissional médico e de
políticas de saúde pública (AROUCA, 2003).
Paralelo ao desenvolvimento desse novo modo de se fazer medicina social, as ciências
sociais são incorporadas às diversas questões de interesse da saúde pública (TEIXEIRA, 1985).
Em consonância com as lutas populares que reivindicavam a democracia no país, a necessidade
da interdisciplinaridade para a compreensão e enfrentamento das questões de saúde das
populações passou a se tornar cada vez mais latente. Nesse contexto, foi se conformando a
proposta de organização de uma rede nacional de serviços de saúde decorrente de uma forte
articulação entre diferentes movimentos sociais e grupos de cientistas e intelectuais (NUNES,
2005).
A partir dessa organização civil, durante a década de 1970, ocorre maior abertura
política para se debater a mudança dos rumos das políticas sanitárias e das instituições públicas
de saúde. Não apenas os serviços passaram a se reorganizar, como os profissionais,
pesquisadores e instituições de pesquisa e ensino dedicados à atuação sanitarista, culminando
na realização de eventos temáticos durante essa década. Teixeira (1988) identifica um conjunto
heterogêneo de denominações que variavam entre “medicina social”, “medicina preventiva”,
“saúde comunitária”, “saúde pública”, entre outros. Desse conjunto, cunhou-se a partir da
década de 1980 o termo de “saúde coletiva” para se referir essencialmente à matriz teórico-
conceitual do movimento sanitarista nacional que surgiu da sociedade civil organizada.
Teixeira (2006) explica que, no período de redemocratização do país, a luta pela reforma
sanitária passou a abarcar diferentes bandeiras e identidades sociopolíticas que culminaram na
ampliação do Estado e na consolidação da cidadania. Dessa maneira, a busca por um sistema
sanitário universal balizou não somente a existência de políticas públicas de saúde, como o
escopo teórico e conceitual. Tal escopo visava dar conta da sociodiversidade da população
brasileira conforme o conceito de saúde que sustentou a reforma, qual seja: a saúde é o completo
estado de bem-estar físico, psíquico e social. Tal concepção estava em consonância com o
36

cenário global em que a Organização Mundial da Saúde já havia reconhecido a dimensão social
no processo saúde e doença.
Teixeira (1985) contextualiza historicamente a construção da teoria da reforma sanitária,
que se apoiou principalmente em uma perspectiva marxista a partir do método histórico-
estrutural dialético. Tal abordagem buscava localizar os determinantes das condições sociais,
políticas, econômicas e históricas associadas aos processos de saúde e doença. De acordo com
Dâmaso (2006) esse paradigma representou uma contraposição ao padrão vigente no período,
no qual a assistência em saúde estava alinhada a um processo político autoritário e
desenvolvimentista, em voga na ditadura militar, que servia aos interesses privatistas da
indústria farmacêutica e dos seguros de saúde.
Nesse sentido, a confluência de saberes estava diretamente vinculada a um projeto
político de sociedade que buscava uma ampliação da esfera do Estado e da participação da
sociedade civil nas decisões públicas e este enfoque se manifestou nos ideais do movimento
sanitário (GALLO e NASCIMENTO, 2006). A ampliação da dimensão social na compreensão
do saber biomédico abriu espaço para a importância da educação e do saber popular dos
usuários tanto para a prevenção das doenças, quanto para o processo de cura e dos itinerários
terapêuticos (ESCOREL e RASGA, 2012).
Essa conjunção de forças sociais e políticas no período da redemocratização do país
culminaram na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), no bojo da Constituição Federal de
1988. Informado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi posteriormente regulado e
definido em 1990 por meio da Lei 8080, como dispõe o Art.2ª “A saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício”, em especial no parágrafo primeiro:

“O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas


econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e
no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações
e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1990).

A saúde coletiva no Brasil enquanto um campo específico do conhecimento, que serve


como sustentação ao SUS, vem se consolidando institucionalmente desde a década de 1980.
Atualmente consiste em uma importante área das ciências da saúde, reunindo diferentes saberes,
especialistas e práticas. Caracteriza-se enquanto um campo próprio, autônomo e plenamente
institucionalizado, que se expressa no crescimento contínuo da produção do conhecimento,
quanto na consolidação crescente de cursos de pós-graduação em diferentes regiões do país
(MINAYO, 2010; NUNES, 2006).
37

Jainilson Paim1 contextualiza que a saúde coletiva é um campo do saber no âmbito das
ciências da saúde que foi constituído a partir da atitude crítica a diversas abordagens teóricas e
práticas das ciências médicas e da saúde, sob a perspectiva marxista e materialismo histórico-
dialético. A incorporação das ciências humanas e sociais foi fundamental para que pudesse ir
ao encontro e fortalecer as perspectivas até então periféricas como a medicina preventiva
coletivista e a epidemiologia social, que buscavam romper com o saber médico de tradição
higienista e curativo até então hegemônicos (AROUCA, 2003).
Conforme Dâmaso (2006) foi a medicina preventiva que permitiu a entrada do social no
paradigma clínico até se tornar uma medicina social; deslocando dessa maneira a epidemiologia
para o papel de mediação entre essas duas vertentes epistemológicas antagônicas. Importante
ressaltar que a saúde coletiva no Brasil trouxe a sociedade civil para o cerne da construção dos
seus saberes e práticas no campo das ciências da saúde, caracterizando-se como um movimento
contra hegemônico, tanto no ambiente científico, quanto no debate público:
“Nas representações eruditas (formas de pensar) desses agentes, o conceito de saúde
coletiva como campo é, ao mesmo tempo, mais e menos abrangente. O mais
abrangente refere-se ao campo científico, técnico e político – ‘híbrido´ e
multidisciplinar, incluindo as ciências biomédicas, sociais e matemáticas. O mais
restrito ora enfatiza a sua natureza conceitual e não instrumental, ora o remete à
produção de conhecimento, alimentadora de intervenções, assim como o restringe à
formulação de políticas alternativas e ao estudo dos determinantes do processo saúde,
visando a melhorar o quadro de saúde da população” (CANESQUI, 2010).

Nunes (2011) cita como um marco para o campo a publicação, em 2006, do primeiro
“Tratado de Saúde Coletiva”, o qual oferece um panorama geral do campo e detalha os mais
importantes subcampos e temas da Saúde. As temáticas abordadas revelam a extensão e a
diversificação do campo da Saúde Coletiva, que mantém interfaces com muitas disciplinas,
tanto da área das ciências da saúde, como das ciências humanas e sociais.
Osmo & Schraiber (2015) reconstroem a história do campo da Saúde Coletiva por meio
dos autores clássicos que fundaram o campo, suas contribuições e conflitos. Nas suas palavras:
“Nos pareceu que o campo da Saúde Coletiva pode não admitir apenas uma única
definição sobre sua delimitação e caracterização. Talvez pelo fato de ser um campo
bastante novo, houve nele ainda poucas cristalizações no sentido de se formarem
culturas tradicionais, de modo que existe, em seu interior, uma grande pluralidade (e
tensões) em termos disciplinares e epistemológicos. Sempre em construção e muito
podendo caminhar na produção e em termos de reflexão sobre a própria identidade, a
Saúde Coletiva, como outros, constitui um ‘campo vivo’” (OSMO & SCHRAIBER,
2015).
Na tese de doutorado, intitulada “Contribuição para o estudo da comunidade científica
em saúde coletiva: os grupos de pesquisa”, Almeida (2011) caracteriza o campo da saúde

1
Conferência proferida em aula de abertura do ano letivo da Escola Nacional de Saúde Pública, no
dia 26 de março de 2014.
38

coletiva por meio dos grupos de pesquisa. A autora utiliza principalmente as bases teóricas de
Pierre Bourdieu, ao trabalhar na perspectiva do campo, e Tomas Khun, ao identificar e analisar
comunidades científicas por meio dos grupos de pesquisa reconhecidos oficialmente,
representados pelos líderes dos grupos. Analisa a constituição e o fluxo que percorre a tríade
campo científico/comunidade científica/grupo de pesquisa, onde se inscrevem teorias,
metodologias, disciplinas, projetos e temas. De certa maneira, estuda as redes estabelecidas
entre líderes e grupos de pesquisa, em torno de parcerias, interesses e disputas, que não se
restringem à arena acadêmica, mas que se deslocam para a mídia, políticas públicas, entre
outros setores externos ao exercício da ciência (ALMEIDA, 2011).
Almeida (2011) identifica três ramos de destaque nos estudos sobre a saúde coletiva e
que se relacionam entre si. O primeiro procura explicar a constituição da saúde coletiva como
um campo científico. O segundo se concentra em encontrar a distinção entre saúde coletiva,
medicina social e saúde pública; o terceiro se preocupa em entender a relação entre saúde
coletiva e prática política.
No livro “O campo da Saúde Coletiva – gênese, transformações e articulações com a
reforma sanitária brasileira”, Ligia Maria Vieira-da-Silva (2018) desenvolve um minucioso
histórico do campo com base na teoria da práxis de Pierre Bourdieu. Descreve a interferência
direta do projeto da reforma sanitária na gênese do posicionamento da Saúde Coletiva como
programa científico e político, intrinsecamente relacionado à prática dos serviços de saúde e
em contraposição ao mercado, aos serviços privados e à lógica liberal do Estado; vigente no
período de formação do SUS e que prevalece no contexto atual.
39

Figura 1 - Representação do Campo da Saúde Coletiva e a intersecção com outras esferas do


social

Fonte: VIEIRA-DA-SILVA, 2018.

Nesse sentido, a confluência de saberes estava diretamente vinculada a um projeto


político de sociedade que buscava uma ampliação da esfera do Estado e da participação da
sociedade civil nas decisões públicas. Tal perspectiva se manifestou nos ideais do movimento
sanitário, tendo em vista que a participação social foi um dos eixos centrais das conferências de
saúde e se tornou um dos pilares da reforma:

“As relações dos agentes com o campo do poder se dão, no primeiro momento, a partir
de uma elaboração de uma “teoria social da saúde”, que fornece os fundamentos dessa
necessária ligação entre determinação social da saúde e a formulação de um projeto
político – a Reforma Sanitária. Em outras palavras, se a situação de saúde da
população é socialmente determinada; se também as formas históricas assumidas pela
organização das práticas sanitárias são socialmente determinadas, a sua transformação
depende de uma reforma ou até mesmo de uma revolução social” (VIEIRA-DA-
SILVA, 2018: 228).

Compreende-se que a ampliação da dimensão social na compreensão do saber médico


abre espaço para a importância da educação e do saber popular dos usuários. Tanto para a
40

prevenção das doenças, quanto para o processo de cura e os itinerários terapêuticos e,


consequentemente, para o desenvolvimento da temática da saúde indígena.

2.3.A TEMÁTICA INDÍGENA NAS AÇÕES POLÍTICAS E CIENTÍFICAS EM SAÚDE

A preocupação com as condições de saúde dos povos indígenas no Brasil surgiu a partir
das incursões expedicionárias da Comissão Rondon e do Serviço de Proteção aos Índios (SPI),
na passagem do século XIX ao XX (VITAL, 2011; PONTES et. al, 2019). As epidemias, que
assolavam diversas populações pelo interior do país, passaram a se tornar preocupações por
parte do Estado e das primeiras ações médico-sanitárias que tinham por objetivo construir um
projeto civilizatório para o interior do país.
Caser (2010) identifica os relatórios de médicos que fizeram parte da Comissão Rondon
e que produziram os primeiros estudos sobre a situação de saúde de diversas populações
indígenas do país. Lima (1999) situa a Comissão como um projeto de nação que tinha como
intuito “civilizar” as regiões e populações mais longínquas dos centros metropolitanos do
período, a partir de ações higienistas, de saneamento e enfrentamento de epidemias.
O SPI foi à primeira instituição nacional que visava a “pacificação” e “integração” das
populações indígenas à sociedade nacional, de modo a protegê-los da ameaça de genocídio.
Criada em 1910, implantou no país uma política pública indigenista que permanece até os dias
atuais, mesmo com consideráveis mudanças institucionais e de atuação ao longo das décadas.
Em 1967, foi substituída pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que consiste na autarquia
atualmente responsável pela proteção dos territórios e direitos indígenas.
Brito (2011) descreve o desenvolvimento do setor de saúde do SPI, suas ações e
trabalhos produzidos ao longo de sua existência, bem como os diferentes órgãos federais
voltados para os povos indígenas naquele contexto. A autora identifica os relatos das equipes
de campo que descreviam a situação de vida de muitas populações, contudo, assinala que
somente a partir da década de 1940 o órgão passou a contar com profissionais médicos. Paralelo
ao serviço de saúde do SPI, entre as décadas de 1940 e 1960, foi criado o Serviço Especial de
Saúde Pública (SESP) e o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), ambos vinculados
ao Departamento Nacional de Saúde e que também se inseriram em áreas indígenas,
especialmente no combate a epidemias.
Neste contexto, destaca-se a iniciativa de Noel Nutels. Na década de 1950, ele conheceu
a situação de saúde de diversas etnias no centro-oeste brasileiro e propôs a elaboração de um
programa de enfrentamento à tuberculose em territórios indígenas (SANTOS et. al., 2013). A
41

partir desse período surgem pesquisas em genética de populações indígenas e na área de


medicina tropical, especialmente após a década de 1960, motivados pelas intensas epidemias
que assolavam populações inteiras (COIMBRA et. al., 2002). A medicina tropical passa a ser a
principal área dentro do campo da saúde responsável pela incorporação das preocupações em
torno das condições de saúde das populações que habitavam o “interior” do país, incluído os
povos indígenas. Em 1967, são constituídas na FUNAI as equipes volantes de saúde que
atendiam esporadicamente as populações indígenas. Porém, a organização de um serviço de
saúde sistematizado e regular se daria apenas nas décadas seguintes.
Como assinalado, durante a década de 1970 ocorre maior abertura política para se
debater a mudança dos rumos das políticas sanitárias e das instituições públicas de saúde,
inclusive sobre saúde indígena Profissionais, pesquisadores e instituições de pesquisa e ensino
que se dedicavam à atuação sanitarista, promoveram diversos debates e eventos temáticos
(PONTES et al, 2019). Segundo Langdon (2004), ao longo de 1980 e 1990, os movimentos
indígenas associados ao movimento sanitário brasileiro e a um emergente campo intelectual e
acadêmico na área de saúde coletiva e ciências sociais, especialmente a antropologia, passaram
a reivindicar a criação de uma política pública em saúde específica para os povos indígenas.
Esse propósito estava em consonância com a discussão sobre a criação de um novo sistema de
saúde para a população brasileira. Em 1986, simultaneamente à realização da 8ª Conferência
Nacional de Saúde, foi realizada a 1ª Conferência de Proteção à Saúde do Índio, que aprovou a
criação de um subsistema de serviços em saúde (PONTES et. al, 2019).
Garnelo (2014) contextualiza o apoio internacional recebido pelos movimentos sanitário
e indígena, no bojo do processo de elaboração da Constituição Federal de 1988; especialmente
por parte de organizações não-governamentais ambientalistas, agências multilaterais como o
Banco Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outras. Importante
ressaltar que a Convenção 169 da OIT Sobre Povos Indígenas e Tribais de 1989 foi salutar para
respaldar o debate em torno da mudança de perspectiva da relação tutelar entre o Estado
brasileiro e os povos indígenas, em especial no que concerne ao reconhecimento territorial e o
direito aos serviços de saúde. Ainda que tenha sido ratificado pelo Brasil no ano de 2004, como
indica a citação abaixo:
“A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos
povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos
planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os
projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser
elaborados de forma a promoverem essa melhoria” (OIT, artigo 7º, tópico 2, 2004).
42

Nesse contexto, a promulgação da Constituição Federal de 1988 modificou a atuação


do Estado perante os povos indígenas, reconhecendo-os como cidadãos, preconizando a
valorização das diversidades étnicas e a garantia de políticas públicas universais (SOUZA-
LIMA, 2002). É importante ressaltar que, de acordo com Pereira (2002), a Constituição tornou-
se um marco legal para os direitos indígenas do país, não apenas porque ampliou o leque para
a implantação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, mas, principalmente, porque
forneceu base legal para o reconhecimento da sociodiversidade nos direitos civis e ações do
Estado. A Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 231, introduziu o reconhecimento
legal do pluralismo étnico que passou a orientar as políticas indigenistas a partir de então,
substituindo a concepção integracionista e tutelar, sustentada legalmente pelo Estatuto do Índio
de 1973.
No contexto da criação do SUS, em ambiente de confluência entre movimentos da
sociedade civil, pesquisadores no período da redemocratização do país, a saúde indígena passou
a entrar na agenda das políticas públicas de saúde. Como aponta Hochman (2014), ambas as
agendas ainda não haviam se encontrado em momento anterior ao SUS. A saúde dos povos
indígenas ficava estritamente a cargo dos órgãos indigenistas e as ações voltadas para as
populações rurais e ribeirinhas, pelo interior do país, desconsideravam os povos indígenas.
No mesmo contexto as questões étnico-raciais emergem por parte da sociedade civil
organizada, advindos de movimentos sociais feministas, dos povos indígenas, da população
negra e de uma parte considerável de cientistas e intelectuais, para a garantia de direitos
constitucionais e políticas públicas direcionadas a grupos etnicamente distintos (ROCHA,
2008). A temática da discriminação e das desigualdades étnico-raciais e de gênero assume um
importante papel no campo da saúde, que reflete num constante crescimento dessas questões na
produção acadêmica e informações em saúde pública (MONTEIRO & SANSONE, 2004).
Paralelo ao desenvolvimento de reflexões a respeito da saúde dos povos indígenas
emerge uma arena de reflexão em torno da relação entre etnicidade e saúde, que nasce do
constructo em torno de raça, identidade nacional e condições de vida e de saúde de populações
pobres. Ainda que ambas as abordagens por um tempo não se entrecruzaram, essa questão é
refletida e debatida no país há mais de um século, bem como, é antiga a interface entre raça e
saúde (SCHWARCZ, 1996).
Após a criação do Sistema Único de Saúde em 1988, somente em 1999 foi criado o
Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SASISUS), incorporado ao SUS, por
meio da Lei nº 9836 de 1999 proposta pelo então deputado federal Sérgio Arouca – ex-
43

presidente da Fiocruz, personagem político de destaque do período para a criação do SUS, do


SASI-SUS e uma das principais lideranças da reforma sanitária brasileira.
O Subsistema tem por objetivo primordial oferecer atenção primária em saúde para
todos os povos indígenas circunscritos no território nacional, bem como, propiciar aos
indígenas o acesso aos níveis secundário e terciário da rede pública de saúde (LANGDON,
2004). De 1999 a 2009 o Subsistema foi de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa). Conforme aponta Ferreira et al (2010), este período foi marcado por constantes
dificuldades operacionais para cumprir as diretrizes estabelecidas na PNASI.
A situação precária da gestão das ações de saúde indígena também foi severamente
criticada por órgãos de controle e de justiça, que estabeleceram recomendações para
reestruturação do Subsistema. Essa situação, aliada às reivindicações das populações indígenas
quanto aos serviços de saúde, levaram o governo brasileiro a tomar a decisão de transferir a
responsabilidade sobre as ações de saúde indígena da Funasa para o Ministério da Saúde. Em
2010 foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) 2 (CARDOSO, 2015).
A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASI), foi
regulamentada oficialmente em 2002, com base na Lei Arouca (nº. 9.836 de 23 de setembro de
1999), com o propósito de:
“Garantir aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de acordo com os
princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, contemplando a diversidade social,
cultural, geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superação dos fatores
que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude
e transcendência entre os brasileiros, reconhecendo a eficácia de sua medicina e o
direito desses povos à sua cultura” (PNASI, 2002: 13).

Esta Política inaugura a concepção de atenção diferenciada, com o objetivo de articular


saberes e práticas indígenas de condução do processo saúde-doença-cuidado com os do
universo biomédico, higienista, epidemiológico e normativo das políticas públicas de saúde.
Além de garantir o direito à saúde para os povos indígenas, reconhece a diversidade
sociocultural dos povos indígenas alinhados aos princípios da Constituição Federal de 1988. É
idealizada com a mesma estrutura de organização de ações e serviços de saúde que é direcionada
à população nacional, contudo, com especificidades de modo a atender as diversidades étnicas,
geográficas e epidemiológicas dos povos indígenas.
A organização dos serviços de atenção básica se dá por meio dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEI´s) que se localizam conforme a distribuição geográfica e territorial

2
Sobre a assinatura do Decreto-Lei que cria a SESAI:
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=35445. Acessado em 15 de outubro de
2020.
44

dos povos indígenas. Estes também são responsáveis pela articulação com os serviços de
atenção básica dos municípios mais próximos às aldeias ou de referência para a média e alta
complexidade dos serviços (PNASI, 2002). O DSEI consiste em um:
“Modelo de organização de serviços – orientado para um espaço etno-cultural
dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado -, que contempla
um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de
atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias
e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da
assistência, com controle social” (PNASI, 2002: 13).

No Brasil existem 34 DSEI´s, que foram criados seguindo oficialmente a distribuição


étnica e territorial dos povos indígenas, não obedecendo necessariamente à divisão em unidades
federativas do país. Na estrutura organizacional de um DSEI há os Pólos-Base, que são unidades
administrativas localizadas próximas às aldeias indígenas e que, em nível local, organizam e
viabilizam atendimento básico em saúde nas aldeias. O acesso aos serviços de saúde de média
e alta complexidade é realizado por meio das Casas de Atenção à Saúde Indígena (CASAI´s)
que consistem em unidades de saúde de apoio intermediário, localizadas nas/ou próximas às
cidades onde se encontram as referências do SUS.
A Atenção Básica ocorre através do atendimento primário nos Postos de Saúde sob a
responsabilidade de profissionais de saúde das denominadas Equipes Multidisciplinares de
Saúde Indígena (EMSI). A população indígena é atendida nas aldeias por estes profissionais
que executam as áreas programáticas de saúde preconizadas pelo Ministério da Saúde. Cada
EMSI é composta basicamente por médicos, enfermeiros, dentistas, nutricionistas, auxiliares
de enfermagem, agente indígena de saúde e agente indígena de saneamento. O Agente Indígena
de Saúde (AIS) e o Agente Indígena de Saneamento (AISAN) são funcionários indígenas da
mesma etnia e/ou que moram na comunidade onde trabalham.
A gestão, financiamento, organização e operacionalização dos serviços, contratação de
recursos humanos e o controle social seguem as mesmas diretrizes do SUS. Isto implica
inúmeros desafios na compatibilização da diversidade étnica no processo de elaboração,
planejamento, avaliação e execução da política de saúde (SANTOS et. al., 2013; GARNELO
et. al., 2003; LANGDON, 2004).
Na PNASI encontra-se, em sua diretriz 4.4, a necessidade de articulação do sistema
médico adotado pelos serviços de saúde e os sistemas tradicionais indígenas de saúde –
entendidos na lei como “[...] uma abordagem holística de saúde, cujo princípio é a harmonia
dos indivíduos, famílias e comunidades com o universo que os rodeia. As práticas de cura
respondem a uma lógica interna de cada comunidade indígena e são o produto de sua relação
45

particular com o mundo espiritual e os seres do ambiente em que vivem” (PNASI, 2002: 17).
A partir do reconhecimento da diversidade social e cultural dos povos indígenas, o princípio
que norteia as diretrizes da PNASI, “[...] é o respeito às concepções, valores e práticas relativos
ao processo saúde-doença próprios a cada sociedade indígena e a seus diversos especialistas”
(PNASI, 2002: 18).
A articulação proposta parte do entendimento de que existe diferenciação entre os
sistemas médicos, sejam indígenas ou ocidentais, e está associado a uma gama de concepções
e práticas que dizem respeito ao arcabouço cultural da sociedade de onde emerge. Por
consequência, existe uma extensa variedade de conhecimentos dos povos indígenas que estão
associados ao cuidado com a saúde e com o corpo, como por exemplo, o processo de cura,
sistemas de parto, conhecimento e manipulação de plantas medicinais, entre outros. E que, tais
saberes e práticas se remetem a outros sistemas culturais, sejam religiosos, políticos, territoriais,
entre outros, que geralmente estão inter-relacionados entre si (FERREIRA, 2007).
Os sistemas de saúde, sendo assim, criam modelos explicativos que interpretam e
constroem saberes e práticas associadas aos cuidados com a saúde e a doença, em diferentes
sociedades. Em decorrência dos sistemas, podemos compreender o conceito de modelos de
atenção, introduzido por Eduardo Menéndez (2003). O autor conceitua cinco tipos de modelos
de atenção: 1) biomédico, “referidas a médicos del primer niver de atención y del nível de
especialidades para padecimientos físicos y mentales que la biomedicina reconoce como
enfermidades. Estas se expresan através de instituciones oficiales y privadas”; 2) popular ou
tradicional, “expresadas atraves de curadores especializados como hueseros, culebreros,
brujos, curanderos, espiritualistas, yerberos, shamanes”, entre outros; 3) alternativa,
“parelelas ao new age que incluyen a sanadores, bioenergéticos, nuevas religiones curativas
de tipo comunitário”; 4) “devenidas de outras tradiciones médicas acadêmicas: acupuntura,
medicina ayurvedica, medicina mandarina, etc”; e 5) “centradas en la autoayuda: alcohólicos
anônimos, neróticos anônimos, clubes de diabéticos”, entre outras (MENENDEZ, 2003: 188-
189).
Os tipos de modelos de atenção se encontram interligados em muitos aspectos. Em meio
deles, existe a auto-atenção, que pode ser utilizada para melhor compreender os saberes e
práticas desenvolvidas pelas populações para a promoção, prevenção e recuperação da saúde.
A PNASI inaugura a concepção de atenção diferenciada, no sentido de que deve adotar
“[...] um modelo complementar e diferenciado de organização dos serviços – voltados para a
proteção, promoção e recuperação da saúde -, que garanta aos índios o exercício de sua
46

cidadania nesse campo” (PNASI, 2002, pág. 06). Dessa maneira, segundo Langdon (2004)
“[...] a atenção diferenciada é mais bem conceituada não como incorporação de práticas
tradicionais aos serviços de saúde primária, e sim, como articulação entre estes e as práticas
de auto-atenção existentes na comunidade particular” (LANGDON, 2004: 42). A adoção de
um modelo de atenção à saúde que se paute na abordagem diferenciada e que leve em
consideração as especificidades e diversidades étnicas, leva-nos a refletir sobre a maneira como
as relações com os povos indígenas se estabelecem. E, consequentemente, sobre os diferentes
vieses de participação e contribuição indígena nos serviços de saúde.
A Resolução nº 333/2003 do Conselho Nacional de Saúde consiste na principal
legislação a respeito da participação social da população no SUS, incluindo os conselhos
indígenas. Na PNASI, a estruturação do controle social indígena se organiza a partir da
formação de conselhos de saúde indígena em nível distrital e local. Seu papel é o de garantir a
participação dos povos indígenas no planejamento, acompanhamento, fiscalização e avaliação
dos recursos financeiros e das ações em saúde desenvolvidas nas aldeias por instituições
públicas, privadas e entidades não-governamentais. De um ponto de vista crítico, segundo
Garnelo e Sampaio (2003), a imposição deste modelo produziu uma situação de “[...]
incongruência entre a noção de representatividade genérica demandada pelo sistema de saúde
e os modelos tradicionais de legitimidade e representatividade de líderes indígenas”
(GARNELO; SAMPAIO, 2003: 80).
Desse modo sintético, compreendemos que a PNASI envolve três esferas: projeto gestor
específico, controle social e participação dos indígenas e atenção diferenciada com base em
modelo assistencial inclusivo, mas operacionalmente normativo. Contudo, o grande desafio
permanece sendo na atenção diferenciada, onde se percebe diretamente os conflitos entre
saberes e práticas das sociedades indígenas com a biomedicina praticada pelos profissionais de
saúde (CARDOSO, 2015).
A participação indígena é preconizada no Subsistema de Saúde Indígena, da mesma
forma como no SUS como um todo, denominado como controle social por meio de
Conferências, Conselhos Locais e Distritais de Saúde. No entanto, desde a criação do
Subsistema, foram realizadas somente 5 (cinco) Conferências Nacionais de Saúde Indígena. A
defasagem de realização e o nível de autonomia e interferência no campo das decisões sobre os
rumos da PNASI são problematizadas por diferentes atores, organizações e pesquisadores do
campo (TEIXEIRA, 2010).
47

Importante compreender que em 20 anos de SASISUS muitas transformações


ocorreram nesse processo de implementação da PNASI 3, bem como, retrocessos e alguns
avanços ao que está preconizado na legislação. Inúmeros são os estudos que buscam retratar
não somente as condições de saúde e vida dos povos indígenas no contexto dos serviços, bem
como, buscam avaliar a execução dos serviços e do propósito de atenção diferenciada e
articulação de sistemas médicos.

3
20 anos de saúde indígena no SUS - Um retrato do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena criado pela Lei
Arouca em 1999. Disponível em:
http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/20-anos-de-saude-indigena-no-sus. Acessado em 15 de
outubro de 2020.
48

3. COMO A PESQUISA FOI DESENVOLVIDA

“O conhecimento não se inicia com percepções ou observações ou com a coleta de


dados ou fatos, mas com problemas. Não existe conhecimento sem problemas – mas
tampouco problema sem conhecimento (...) Pois todo o problema nasce pela
descoberta de que algo não está em ordem em nosso pretenso conhecimento; ou, visto
logicamente, pela descoberta de uma contradição interna em nosso pretenso saber e
os fatos; ou, numa expressão ainda mais certeira, pela descoberta de uma aparente
contradição entre nosso pretenso saber e os pretensos fatos” (POPPER, 2006: 94).

Buscando conciliar distintas tradições socioantropológicas, a trajetória dessa pesquisa é


acompanhada pela pergunta “como se constitui e se caracteriza a área de estudos sobre saúde
indígena no Brasil?” Optou-se por considerar “área de estudos”, partindo do princípio de que
a temática da saúde indígena não se refere a um campo científico (Bourdieu, 1983). Trata-se de
um conjunto de grupos e atores de diferentes campos do conhecimento científico que agregam
interesses em comum e, ao mesmo tempo, manifestam diferentes vertentes e perspectivas sobre
o tema. Por “área de estudos sobre saúde dos povos indígenas no Brasil”, considera-se o
conjunto de pesquisadores e grupos que produzem pesquisas científicas que abordam as
condições de vida, o processo saúde, doença e a sustentabilidade territorial e econômica dos
povos indígenas existentes no país, nos âmbitos socioculturais, demográficos, epidemiológicos
e sanitários.
Neste capítulo serão apresentadas as estratégias metodológicas escolhidas para trilhar o
caminho desta pesquisa, que resultam da combinação de métodos denominados de quantitativos
e qualitativos (MINAYO, 2004; MINAYO & SANCHEZ, 1993; VICTORA et. al., 2000).
A perspectiva quantitativa englobou a utilização de medidas de frequência para a análise
de tendências mais abrangentes sobre a produção científica e a estruturação dos grupos de
pesquisa que estudam a saúde dos povos indígenas no Brasil. Do ponto de vista qualitativo
optou-se por uma abordagem socioantropológica a respeito das posições e redes de produção
científica dos sujeitos estudados que estão inseridos no campo analisado. A combinação de
ambas as abordagens vai ao encontro da perspectiva de Deslandes e Assis (2002): “parte-se do
princípio de que a quantidade é uma dimensão da qualidade do social e dos sujeitos, marcados
em suas estruturas, relações e produções pela subjetividade herdada como um dado cultural”
(DESLANDES e ASSIS, 2002: 2015).
Por meio dessa combinação, este trabalho pretende compreender as atividades
científicas sobre a temática da saúde dos povos indígenas, entendidas como o “conjunto de
atividades sistemáticas, estreitamente ligadas à produção, à promoção, à difusão e à aplicação
49

de conhecimentos científicos e técnicos em todos os domínios da ciência e da tecnologia”


(OCDE, 1993).

3.1.OBTENÇÃO DOS DADOS E FONTES ESTUDADAS

O processo de obtenção de dados foi realizado em três etapas e envolveu diferentes tipos
de informações e períodos distintos. A primeira etapa centrou-se na revisão integrativa da
literatura sobre a produção científica a respeito da temática da saúde dos povos indígenas do
Brasil. A segunda foi caracterizada pelo levantamento dos grupos e linhas de pesquisa no Brasil
que estudam o tema. A terceira se referiu à identificação e aprofundamento da produção
acadêmica de quatro pesquisadores, considerados como atores-chave importantes na
consolidação da área de estudos no contexto nacional.

3.1.1. Primeira etapa: revisão da literatura acadêmica

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura sobre a saúde dos povos indígenas no
Brasil a partir da busca de artigos científicos em cinco bases de dados, quais sejam:
“Pubmed/Medline”, “SCOPUS”, “LILACS”, “Sociological Abstract” e “Web of Science”.
Essas bases foram escolhidas por serem estratégicas no armazenamento e difusão de artigos no
campo das ciências da saúde e das ciências humanas e sociais. Foi adotado um recorte temporal
amplo. As chaves de busca foram construídas com base nos Descritores em Ciências da Saúde
(DeCS)4 em torno dos termos “Health indigenous peoples”, “Indigenous population” e
“Brazil”. A definição do descritor foi feita no idioma inglês, pois é o idioma padrão de busca
e todas as bases são internacionais.
Ainda que exista uma padronização de descritor de busca do DeCS, cada base de artigos
possui o seu formato de busca. Na base Pubmed/Medline, utilizou-se uma combinação de
descritores pré-definidos da própria base que abarcam um conjunto de artigos (MESH), desse
modo, por meio da estratégia de busca: "Indians, south american (MESH) AND Brazil (all
terms)".

4
Disponível em: http://decs.bvs.br/. Acessado em 15 de outubro de 2020.
50

Para a base Lilacs (que abrange Scielo - Scientific Electronic Library) foi empregada
“saúde indígena” OR “população indígena". Na base Scopus optou-se por buscar pelo título
do artigo, resumo e palavras-chave: “( TITLE-ABS-KEY ( "indigenous population" ) OR
TITLE-ABS-KEY ( "health indigenous peoples" ) OR TITLE-ABS-KEY ( "indigenous" ) OR
TITLE-ABS-KEY ( "Health Services Indigenous" ) AND TITLE-ABS-KEY ( brazil ) OR
TITLE-ABS-KEY ( brasil ) )”
Na Sociological Abstract havia a opção de busca somente pelo título, que ficou: ti
("indigenous population" OR "health indigenous peoples" OR indigenous OR "Health Services
Indigenous") AND (brasil OR brazil). O mesmo ocorreu para a base Web of Science: Titulo:
(("indigenous population" OR "health indigenous peoples" OR indigenous OR "Health Services
Indigenous")) AND Tópico: (Brasil OR Brazil). A realização da revisão ocorreu até o mês de
agosto de 20185.
A partir dos critérios adotados foram localizados 3.417 artigos científicos 6. Os dados
encontrados foram incluídos em uma planilha de Excel. A partir da leitura do título, do resumo
e palavras-chave, foram selecionados os artigos (1) que abordavam populações indígenas
localizadas no Brasil e que (2) trabalhavam com temáticas associadas à análise das condições
de vida e saúde das populações indígenas e das políticas públicas de saúde indígena. Os artigos
duplicados foram excluídos. Ao fim da etapa de revisão, após a aplicação dos dois critérios
escolhidos, foram selecionados 418 artigos, conforme a figura abaixo:

5
Em etapa anterior de desenvolvimento do presente trabalho, uma primeira revisão integrativa foi realizada em
fevereiro de 2014. Tendo em vista a ocorrência de mudanças e adequações nas bases de dados pesquisadas no
período de 2015 até então, especialmente sobre o modo de indexação de artigos, aliado à necessidade de se
atualizar os dados a serem analisados ao menos até agosto do ano de 2018, optou-se por refazer a busca dos artigos
utilizando-se dos mesmos descritores.
6
O intervalo entre uma busca e outra expressou uma grande mudança nas bases quanto à disponibilização de
artigos: mesmo utilizando-se da mesma estratégia de busca, encontrou-se resultados distintos de todos os anos,
não somente no período entre 2014 e 2018.
51

Figura 2 - Processo de seleção dos artigos da revisão integrativa da literatura

3.417 artigos localizados


nas bases de dados

853 artigos excluídos por


trazer populações que não
são do Brasil

936 artigos excluídos por


não possuir interface com a
temática da saúde indígena

1210 artigos duplicados

418 artigos selecionados

Fonte: elaborado pela autora

3.1.2. Segunda etapa: grupos e linhas de pesquisa

O material investigado foi obtido por meio da Plataforma Lattes do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Plataforma Lattes consiste no
principal banco oficial e público de dados relativos às atividades científicas no país, onde estão
integradas informações referentes às atividades de cada pesquisador por meio do Currículo
Lattes, dos grupos de pesquisa cadastrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa e das
instituições cadastradas no CNPq, que podem ser acessadas pelo Diretório de Instituições7.

7
Disponível em: http://lattes.cnpq.br/. Acessado em 08/2018.
52

Os dados utilizados no presente estudo foram extraídos em dois momentos. O primeiro


extraído do Censo dos Grupos de Pesquisa do Brasil realizado em 2014 8. O segundo momento
foi no mês de outubro de 2020, pouco tempo antes de concluir este trabalho. Para obter
informações mais recentes, também se realizou busca manual no Diretório dos Grupos de
Pesquisa no Brasil, contudo, diversos problemas foram encontrados sobre a disponibilização
das informações.
Utilizou-se a Plataforma para a identificação a mapeamento dos grupos de pesquisa e
pesquisadores que de maneira direta estão envolvidos com a temática da saúde dos povos
indígenas. Cabe ressaltar que há pesquisa e pesquisadores no país que produzem conhecimento
e não estão cadastrados nessa plataforma. Todavia, neste estudo foi priorizado os grupos que se
encontram institucionalizados e oficializados na comunidade científica.
Primeiramente foram pesquisadas as linhas de pesquisa sobre o tema no Diretório de
Grupos de Pesquisa no Brasil9, utilizando-se os descritores “indígena”, “indígenas”, “índio” e
“índios”, aplicadas aos campos “nome do grupo”, “nome da linha de pesquisa”, “palavra-chave
da linha de pesquisa” e “objetivo da linha de pesquisa”.
A seleção das linhas que possuem articulação com saúde indígena ocorreu após análise
das informações de identificação, conforme os seguintes critérios de inclusão: (1) estudam
populações indígenas localizadas no Brasil e se (2) trabalham com temáticas associadas à
análise das condições de vida e saúde das populações indígenas e das políticas públicas de saúde
indígena; exatamente os mesmos critérios utilizados para a revisão integrativa da literatura.
A partir das linhas e consequentemente dos grupos, foram escolhidos os pesquisadores
responsáveis por esses grupos e analisados os seus currículos. Os grupos selecionados deveriam
ter pelo menos uma linha de pesquisa que abordasse a saúde dos povos indígenas. Em 2014,
foram identificadas 1067 linhas de pesquisa, das quais foram selecionadas 161 para a análise,
inseridas em 54 grupos liderados por 94 pesquisadores. Em 2020, foram analisados 55 grupos
de pesquisa que possuem pelo menos alguma linha de pesquisa sobre saúde dos povos
indígenas. As categorias selecionadas das informações sobre os Grupos de Pesquisa foram:

8
Tendo em vista a ocorrência de mudanças significativas na Plataforma Lattes, como a suspensão temporária da
plataforma e incompletude de informações, entre o período de 2018 a 2020, houve maior dificuldade na obtenção
e atualização das informações, mas optou-se por considerar como válidas para a análise as informações oficiais do
Censo de 2014, com o acréscimo atualizações em 2020 no que concerne aos grupos específicos de saúde indígena.
9
Disponível em: http://lattes.cnpq.br/web/dgp. Acessado em 08/2018
53

Tabela 1 – Descrição das categorias utilizadas para a identificação e caracterização dos grupos
de pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas no Brasil

Categoria Descrição
Nome do grupo Título do grupo de pesquisa
Grupo específico de saúde Se se trata de um grupo que estuda somente saúde indígena ou não
indígena?
Ano de formação Ano que o grupo foi cadastrado no CNPq
Grande área do conhecimento Grande área do conhecimento no qual o grupo é cadastrado, conforme
classificação do CNPq
Subárea do conhecimento Subárea do conhecimento no qual o grupo é cadastrado, conforme classificação
do CNPq
Instituição de vinculação Instituição pública ou privada na qual o grupo é vinculado e cadastrado
Estado Unidade Federativa onde se encontra o grupo
Cidade Município brasileiro da Unidade Federativa onde se encontra o grupo
Macroregião Macroregião do Brasil onde se encontra a Unidade Federativa
Data de coleta Data de coleta da informação no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq
Número de lideres Número de líderes responsáveis pelo Grupo que varia de 1 a 2 líderes
Nome do líder 1 Nome completo do líder principal
Nome do líder 2 Nome completo do líder adjunto
Número de pesquisadores Número que pesquisadores que compõe o grupo
Número de mestrandos Número de alunos que estão cursando mestrado que compõe o grupo
Número de doutorandos Número de alunos que estão cursando doutorado que compõe o grupo
Número de estudantes de Número de alunos que estão cursando especialização lato sensu que compõe o
especialização grupo
Número de estudantes de Número de alunos que estão cursando graduação que compõe o grupo
iniciação científica
Número de técnicos Número de técnicos que compõe o grupo e realizam atividades específicas que
exigência de no mínimo ensino médio completo
Número de linhas pesquisa Número de linhas de pesquisa
Títulos das Linhas de Pesquisa Títulos das linhas de pesquisa contidas no Grupo
Palavra-título 1 a 5 Palavras do título, de 1 a 5 palavras
Sítio eletrônico Endereço eletrônico da página virtual do grupo de pesquisa do CNPq
Fonte: elaborado pela autora

As categorias selecionadas sobre as linhas de pesquisa foram:


Tabela 2 – Descrição das categorias utilizadas para a identificação e caracterização das linhas
de pesquisa contidas em grupos que estudam saúde dos povos indígenas no Brasil
Categoria Descrição
Nome da linha de pesquisa Título da linha de pesquisa
Nome do grupo de pesquisa Título do grupo de pesquisa
Linha estuda somente a saúde Se se trata de uma linha de pesquisa que estuda somente saúde indígena ou não
dos povos indígenas?
Área do Conhecimento 1 a 9 Áreas do conhecimento no qual a linha de pesquisa é cadastrada, conforme
classificação do CNPq, que varia de 1 a 9 áreas
Palavras-chave 1 a 7 Palavras-chave das linhas de pesquisa, que varia de 1 a 7.
Número de pesquisadores Número que pesquisadores que compõe a linha de pesquisa
Número de alunos Número de alunos que compõe a linha de pesquisa
Objetivo Objetivo descrito da linha de pesquisa
Acesso ao espelho da linha Endereço eletrônico da página virtual da linha de pesquisa no Grupo de
Pesquisa do CNPq
Fonte: elaborado pela autora.
54

3.1.3. Terceira etapa: posicionamento e produção acadêmica dos pesquisadores

Para a terceira etapa foram escolhidos pesquisadores considerados pontos fortes das
redes formadas pelos grupos de pesquisa em saúde indígena no Brasil. Historicamente os
pesquisadores selecionados mobilizam interesses, pesquisas e temáticas, de modo que atuam
em uma mesma rede de colaboração inseridos no campo da saúde coletiva. Tal enfoque está em
consonância com a noção de que o posicionamento dos atores determina sobremaneira a
atuação e abrangência que implicam e imprimem em determinado campo (BOURDIEU, 2010).
Fatores estratégicos foram considerados para o desenvolvimento da área de estudos,
como abrangência, importância na consolidação de produção de conhecimento da área e
inserção em centros nacionais de formação científicas. Portanto, os critérios de escolha de
líderes de grupo, de cunho essencialmente qualitativo, foram: 1) grupos consolidados e
históricos na formação na área de estudos; 2) destaque nacional e estrangeiro na atuação e
produção científica sobre saúde dos povos indígenas; 3) desenvolvimento de pesquisas e
parcerias diretamente no ou com o campo da saúde coletiva; 4) pesquisadores que se associam
e representam núcleos nas redes de pesquisas por concentrar e mobilizar parcerias, interesses,
articulações e pontes para o desenvolvimento da área de estudos; e, 5) liderança dos primeiros
grupos específicos em saúde indígena dentro do campo da Saúde Coletiva.
Os pesquisadores escolhidos possuem atuações que explicam muito da trajetória de
surgimento e continuidade dessa área de estudos. Assim, ao longo da pesquisa foi sendo feito
uma seleção das pessoas com atuações na área da saúde indígena com interface com a saúde
coletiva. Para tanto, optou-se por realizar estudos de caso de quatro pesquisadores considerados
estratégicos para o desenvolvimento da área de estudos.
Após a escolha, nesta etapa foram analisados os Currículos Lattes e a produção
acadêmica dos responsáveis pelos grupos de pesquisa selecionados para estudos de caso,
conforme a tabela 3 abaixo:
55

Tabela 3 – Descrição das informações extraídas dos currículos lattes dos líderes dos grupos de
pesquisa
Categoria Descrição
Nome do grupo de pesquisa Título do grupo de pesquisa do qual o(a) pesquisador(a) é líder
Nome do pesquisador Nome completo do(a) pesquisador(a) líder de grupo
Sexo Sexo e/ou categoria de gênero autodeclarada
Descrição do currículo Descrição feita pelo autor(a) na apresentação do seu currículo
Citação Maneiras como seu nome e sobrenome são apresentadas em citações
científicas
Link do currículo Página web que acessa o currículo Lattes
Graduação Título do curso de graduação do(a) pesquisador(a)
Ano de titulação da graduação Ano de conclusão do curso de graduação do(a) pesquisador(a)
Mestrado Título do curso de mestrado do(a) pesquisador(a)
Ano de titulação do mestrado Ano de conclusão do curso de mestrado do(a) pesquisador(a)
Doutorado Título do curso de doutorado do(a) pesquisador(a)
Ano de titulação do doutorado Ano de conclusão do curso de doutorado do(a) pesquisador(a)
Vinculo empregatício Vínculo e cargo principal de trabalho do(a) pesquisador(a) em uma
determinada instituição
Instituição Instituição ao qual o(a) pesquisador(a) seja vinculado(a)
UF Estado onde a Instituição está localizada
Cidade Cidade da UF onde a Instituição está localizada
País País onde a Instituição está localizada
CEP Código de Endereçamento Postal (CEP) da Instituição
Número de linhas de pesquisa Número de linhas de pesquisa que o(a) pesquisador(a) lidera ou participa
Número de projetos de pesquisa Número de projetos de pesquisas ativas que o(a) pesquisador(a) lidera ou
ativas participa
Membro de corpo editorial ativo Número de revistas nos quais o(a) pesquisador(a) é membro de corpo
editorial
Revisor de periódico ativo Número de revistas nos quais o(a) pesquisador(a) atua como revisor
Área de atuação 1 Área de atuação do(a) pesquisador(a) que pode ser de 1 a 7 áreas
Número de artigos publicados Número de artigos científicos publicados em periódicos
Número de livros publicados Número de livros publicados
Número de capítulos publicados Número de capítulos de livros publicados
Número de orientações de Número de orientações de mestrado concluídas como orientador(a)
mestrado principal
Número de orientações de Número de orientações de doutorado concluídas como orientador(a)
doutorado principal
Número de orientações de Número de orientações de especialização concluídas como orientador(a)
especialização principal
Número de orientações de Número de orientações de graduação concluídas como orientador(a)
graduação principal
Número de supervisões de pós Número de supervisões de pós doutorado como orientador(a) principal
doutorado
Fonte: elaborado pela autora.
Além dos currículos propriamente ditos, realizou-se uma leitura aprofundada sobre a
obra de cada um dos pesquisadores estudados, com o objetivo de compreender principalmente:
bases teóricas, abordagens metodológicas, trajetória na instituição, redes de colaboração e
temáticas de pesquisa.
Foram abordadas as trajetórias acadêmicas que estão diretamente associadas à
construção das comunidades científicas e que articulam saberes e práticas no desenvolvimento
da área de estudos de saúde indígena. De acordo com os critérios definidos foram selecionados
56

os seguintes pesquisadores: Esther Jean Langdon, Carlos Everaldo Alvares Coimbra Junior,
Maria Luiza Pereira Garnelo e Carla Costa Teixeira.
Os quatro pesquisadores tratados são parceiros em projetos e trabalhos específicos e
possuem afinidades teóricas, metodológicas e políticas que os aproximam ou os diferenciam.
Assim, suas produções acadêmicas foram tomadas neste trabalho como unidades discursivas
passíveis de análise, em consonância com a perspectiva metodológica de Lenoir (1996):
“A análise do discurso, das representações que veicula e das pretensões que formula, é
inseparável do estudo dos que enunciam e das instâncias nas quais é pronunciado ou
publicado. Do ponto de vista sociológico, esses fatores são os mesmos que dão força e
eficácia a essa forma particular de expressão que é o discurso; aliás, não seria possível
isolá-los dos outros instrumentos que visam dar uma certa ‘consistência social’ a
determinadas reivindicações. Se é verdade que a força (e o sentido) de um discurso
resulta, por uma grande parte, das características daquele que o faz, é importante
também nos interrogarmos sobre a ‘representatividade’ do porta-voz e de sua
capacidade de ‘mobilizar a opinião’. Assim, o estudo deve incidir sobre todas as formas
de mobilização e condições que os tornam possíveis e têm como efeito credenciar a
causa, em particular, junto aos poderes públicos” (LENOIR, 1996: 88).

Não foram escolhidos líderes de grupos formados mais recentes ou que possuem menos
prestígio no jogo do campo científico, bem como, outros que atuam com saúde indígena de
longa data, mas, não se situam propriamente em interseção com a saúde coletiva. Esses são os
limites de um trabalho que optou por realizar um primeiro mapeamento da área e, assim, abrir
espaços para futuros aprofundamentos.

3.2.SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A sistematização dos dados, análise das informações, confecção e revisão do texto se


refere à última etapa do trabalho. Desse modo, a pesquisa foi permeada, simultaneamente, por
uma abordagem quantitativa -- levantamentos dos grupos e dos seus responsáveis na
Plataforma Lattes do CNPq, de revisão da literatura -- quanto por abordagens qualitativas no
que tange ao tratamento sobre as informações sobre os responsáveis pelos grupos de pesquisa
e das lideranças desses grupos (MINAYO, 2004; MINAYO & SANCHEZ, 1993; VICTORA
et. al., 2000). Os dados secundários coletados, para a revisão integrativa e sobre os grupos de
pesquisa e os seus líderes, foram digitados, organizados, revisados e analisados no software
Excel versão 2010.
Os dados foram analisados pela técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011),
buscando identificar os temas previstos nas categorias de análise inicialmente formuladas, bem
como padrões emergentes, num processo de codificação aberta. Iniciou-se com uma análise
prévia para a apreciação da qualidade do material e a ordenação dos dados. Verificou-se, em
57

seguida, se as informações foram suficientes para interpretação sobre os aspectos importantes,


considerando os objetivos da investigação. Também buscou compreender os sentidos latentes
para identificar, entre outros aspectos, contradições e ambiguidades, iniciando o diálogo entre
material empírico e referencial teórico.
Na análise final do material, procurou-se aprofundar as articulações estabelecidas entre
os dados e os referenciais teóricos da pesquisa, em articulação com outros referenciais teóricos
e metodológicos, respondendo aos objetivos do estudo. O uso de diferentes tipos de abordagens
e diferentes fontes de evidência possibilitou a triangulação dos dados, aumentando a
confiabilidade e a validade interna do estudo.
A abordagem teórica adotada sustenta-se pela compreensão de que a saúde coletiva se
constitui como um campo científico, na acepção de Pierre Bourdieu, demonstrada em estudos
anteriores (VIEIRA-DA-SILVA, 2018; ALMEIDA, 2011; NUNES, 2005). Como a área de
estudos sobre saúde indígena nesse estudo é vista sob esse recorte, articulou-se conceitos
centrais da obra de Bourdieu que tratam do universo científico, que são: “campo científico”,
“capital científico” e “habitus”, para cada uma das dimensões apreendidas na coleta de dados,
conforme exposto no quadro teórico (Quadro 1) explicitado abaixo:
58

Quadro 1 - Quadro teórico utilizado na pesquisa

Conceitos Definição Aplicação na pesquisa Enfoque Fonte


centrais
Campo (campo Compreendido como estrutura oficializada e criada socialmente que Para compreender os aspectos estruturantes Constituição da área Grupos e linhas de
científico) abriga um espaço simbólico de disputa e negociação por desse campo, mostrou-se adequado para temática da saúde pesquisa, Textos
reconhecimento, prestígio e difusão do conhecimento, com certo grau observar a área de estudos de saúde indígena no indígena no campo da acadêmicos e dados
de autonomia e alta interação com outros campos interior do campo da saúde coletiva no Brasil, saúde coletiva no Brasil do campo
por meio do conjunto de grupos e linhas de
pesquisa institucionalizados sobre saúde
indígena no Brasil.
Capital O capital científico consiste na moeda de troca dos agentes sociais Como o objetivo foi o de primeiramente realizar Características do Revisão da literatura
científico dentro de um campo científico. Este capital se faz representar em um mapeamento e retrato da constituição da conhecimento científica
tudo o que possui valor neste universo simbólico: se inscreve em área de estudos em saúde indígena, optou-se por produzido na saúde
documentos, práticas e valores que conferem status e realizar um recorte sobre as produções indígena
reconhecimento, como os títulos acadêmicos, a quantidade e científicas, privilegiando-as no espaço das
qualidade das publicações, o domínio de línguas estrangeiras, trocas e interações sociais nesse campo.
instituição a qual pertence, disciplinas lecionadas, grupos de estudo
que coordena e/ou participa, quantidade de orientandos, entre outros
elementos.
Habitus Habitus são as regras do campo que se verificam pelas ações Por se tratar das práticas dos atores em jogo, Pesquisadores e Currículos e
individuais, relações interpessoais e redes de colaboração existentes esse aspecto será refletido por meio dos Representantes de uma produções de textos
entre os atores sociais. Se refere à incorporação da estrutura e do jogo elementos das produções e atuações dos temática em construção científicos
e que abarca a dimensão das subjetividades, pensando-o como pesquisadores estudados e líderes dos grupos de e transformação
subjetividades socializadas, nas palavras de Bourdieu. pesquisa.

Fonte: Elaborado pela autora.


59

O projeto de pesquisa da tese foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola
Nacional de Saúde Pública (CEP/ENSP) com número do parecer nº 19700313.8.0000.5240,
emitido em 18/07/2013, em sua primeira etapa de desenvolvimento. Para a sua continuidade, o
presente projeto foi reinserido ao Programa de Pós-graduação por meio de processo seletivo no
ano de 2017, sendo considerada como válida a aprovação anterior em comitê de ética.
60

4. RELAÇÕES ENTRE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E POLÍTICAS PÚBLICAS: O


CASO DA ÁREA DA SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS NO CAMPO DA SAÚDE
COLETIVA

Neste capítulo será apresentado os resultados da revisão de literatura sobre as produções


acadêmicas a respeito da saúde dos povos indígenas no Brasil, que derivou em artigo científico
publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, na edição de maio/2020 10. O artigo completo
está no anexo desta tese.

4.1.RESULTADOS DA REVISÃO DE LITERATURA

Os 418 artigos selecionados pela revisão foram publicados em 173 periódicos


brasileiros e estrangeiros, no período entre 1956 e 2018. Apenas 13 publicações não indicavam
o periódico. A maior concentração de artigos vincula-se aos Cadernos de Saúde Pública, com
22%, seguido pelo periódico da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) com 4%. Os
demais artigos estão distribuídos em diferentes periódicos, com variação entre 3% a 1% do
total, sendo 35% distribuídos em 148 periódicos, muitas vezes com apenas um artigo em casa
revista, conforme Gráfico 1:

10
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020000501653 .
Acessado em 11 de novembro de 2020.
61

Gráfico 1. Distribuição (N = 418) da produção científica de 1956 a 2018 por periódico


científico.
50 %

45 %

40 %

35 %

30 %

25 %

20 %

15 %

10 %

5%

0%

Fonte: elaborado pela autora.

Ao observar a distribuição temporal do quantitativo de publicações, verifica-se um


crescimento após a década de 1990, com um salto exponencial nos anos 2000 a 2009 e entre
2010 e 2018 (N = 211). Esse último período desponta com o maior quantitativo de artigos
científicos, conforme Gráfico 2:
62

Gráfico 2. Distribuição temporal das publicações por décadas, desde 1950.

250

200

150

100

50

1950-1979 1980-1089 1990-1999 2000-2009 2010-2018

Fonte: elaborado pela autora.

No Gráfico 2 chama a atenção que até a década de 1970 há poucos registros de artigos
científicos. Mas, isso não significa a ausência de produção científica em períodos anteriores,
como sugere o estudo de Buchillet 28. Esta obra, consiste na maior revisão bibliográfica sobre o
tema, tendo reunido 3.222 títulos de estudos sobre povos indígenas no Brasil e de países
vizinhos, desde resumos em eventos científicos, artigos científicos, cartilhas, teses,
dissertações, livros e capítulo de livros, em diferentes eixos temáticos.
No presente levantamento, o artigo mais antigo foi publicado em 1956 na revista
Sociologia. Intitulado Convívio e contaminação. Efeitos dissociativos da população provocada
por epidemias em grupos indígenas, trata da problemática das contaminações de doenças que
ameaçavam a sobrevivência de populações, sendo um dos primeiros estudos na área de
demografia indígena. Seu autor, Darcy Ribeiro, foi um dos grandes antropólogos e
representante público no Congresso Nacional a reivindicar pelos direitos dos povos indígenas
no país (FGV, 2019).
Nas décadas 1950 a 1960, período em que as ideias “evolucionistas” ainda
influenciavam as pesquisas biológicas, havia um interesse centrado na compreensão e no
enfrentamento das grandes epidemias que assolavam essas populações. Todavia, há poucos
registros de pesquisas junto aos povos indígenas em artigos científicos, por ser uma modalidade
63

que se tornou mais propagado por meio de periódicos científicos mais recentemente em todo
mundo (BUCHILLET, 2008).
Ainda nesse período nota-se o foco na verificação do grau de especificidade ou
generalidade dos povos indígenas com relação a outras populações. Segundo Souza et al.
(2013), estudiosos, precursores em genética de populações indígenas, estavam preocupados em
construir um conhecimento capaz de explicar as características genéticas das populações
humanas. A escolha por povos indígenas ocorria por serem identificados como povos “puros”
do ponto de vista biológico. Assim, os geneticistas não tinham uma preocupação prioritária com
a doença, que surgia como um fator seletivo para a condição de sobrevivência genética.
A partir da década de 1970 são mais presentes os estudos na área de medicina tropical
sobre os agentes etiológicos que provocavam agravos mórbidos em regiões de clima tropical;
área que permanece em constante desenvolvimento. Importante mencionar que a emergência
dessa temática ocorre em meio às ações desenvolvimentistas na região amazônica no período
da ditadura militar brasileira, que geraram diversos impactos negativos aos povos indígenas
como mortes, epidemias e espoliação de seus territórios (TEIXEIRA, 2013).
Na década de 1980, com a emergência do campo da saúde coletiva, diversos temas do
conhecimento passam a figurar, como o acesso das populações indígenas aos serviços públicos
de saúde, marcado pela realização da 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio,
em 1986. A partir da década de 1990 aumenta em cerca de 20% as publicações em periódicos
científicos em comparação com a década anterior. Esse crescimento coincide com um período
intenso de debates sobre a inclusão dos indígenas no SUS e o início do surgimento dos primeiros
grupos de pesquisa no país que estudam a saúde dos povos indígenas. Entre 1990 e 1999 as
publicações abordam assuntos variados, focados principalmente nas condições epidemiológicas
das populações indígenas.
Na década de 2000-2009, período da implantação do Subsistema de Saúde Indígena no
SUS, há um elevado aumento do número de publicações, que corresponde a 38% do total da
revisão. Estes achados corroboram os resultados de Teixeira e Silva (2013) acerca da produção
de teses e dissertações centradas na saúde indígena. As autoras identificaram um salto quatro
vezes maior da produção acadêmica em relação à década de 1990 a 1999, ainda que o enfoque
do trabalho fosse no campo da antropologia no Brasil. As temáticas prevalentes nesta década
são, com base na primeira palavra-chave do artigo, nutrição, mortalidade infantil, tuberculose,
política nacional de saúde, sistemas médicos tradicionais, saúde mental, participação social,
saúde bucal, interculturalidade, entre outros.
64

Sobre os periódicos, a tendência da década de 2000 segue a mesma da revisão como um


todo, referido no Gráfico 1, com a maior concentração (30%) na Revista Cadernos de Saúde
Pública. O salto quantitativo nos anos 2000 pode ser compreendido pela edição especial do
periódico Cadernos de Saúde Pública sobre a temática, em 2001, constituída por 16 artigos;
41% do que se produziu pela mesma revista na década e 13% do total das revistas nesse período.
Para uma análise mais contextual, cabe referir o editorial desse número, que ocorre no âmbito
dos debates dos 500 anos da colonização portuguesa, como ilustrador das preocupações
científicas e pragmáticas a respeito do tema da saúde indígena em meio a estruturação no
Subsistema dentro de SUS a partir de 1999:
“Mesmo que transbordem evidências quanto às condições de marginalização sócio-
econômica, com amplos impactos sobre o perfil saúde/doença, muito pouco se
conhece sobre a saúde dos povos indígenas no Brasil, ainda mais se considerarmos a
enorme diversidade sócio-cultural e de experiências históricas de interação com a
sociedade nacional” (SANTOS, ESCOBAR; 2001).

Esse quadro de expansão demonstra uma tendência crescente e proeminente, dado que
o período de 2010 a 2018 representa o maior quantitativo de publicações da revisão (N = 211).
Por meio desse mapeamento é possível notar a consolidação do campo de produção do
conhecimento em saúde indígena ao longo dos últimos 20 anos (Gráfico 3):
65

Gráfico 3. Distribuição (%) da produção científica nos anos de 1998 a 2018 (N = 384).

40

35

30

25

20

15

10

Fonte: Elaborado pela autora.

No total da revisão, foram encontrados 35 temas (Gráfico 4) de acordo com as primeiras


palavras-chave dos artigos: doenças infecto-parasitárias; nutrição; demografia; saúde bucal;
saúde mental; medicinas tradicionais indígenas; genética de populações; doenças crônicas e não
transmissíveis; atenção à saúde, política pública de saúde indígena e participação indígena. Com
menos de três artigos aparecem temas diversos como saúde da mulher, sexualidade, câncer,
oftalmologia, neurologia, cardiologia, farmacologia, entre outros.
66

Gráfico 4. Distribuição dos artigos da área de saúde indígena (N = 418) conforme temas por
palavras-chave em todo o período analisado.

Outros temas (menos de 2


artigos): 9%
Medicina Tradicional
Indígena Tuberculose
3% 20 %

Genética
3%

Malária
5%

Políticas de Saúde Indígena


6%
Doenças Infecciosas
14 %

Saúde Bucal
7%

Demográfica
Nutrição
9%
14 %

Saúde Mental
10 %

Fonte: Elaborado pela autora.


67

As temáticas são diversas e correspondem a diferentes vertentes disciplinares,


sendo que a maior quantidade de publicações sobre doenças infecciosas (N = 142) advém
das grandes áreas de medicina tropical e da epidemiologia; áreas que se entrecruzam na
saúde coletiva, dado que a epidemiologia consiste em um dos seus pilares (ALMEIDA
FILHO, 1986). A nutrição, emerge como temática frequente e relevante, em especial nos
trabalhos acerca dos hábitos alimentares dos povos indígenas e avaliação das condições de
crescimento e desenvolvimento da população (LÍCIO, 2009). Pesquisadores oriundos da
Fiocruz e de universidades, principalmente de Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro,
realizaram os primeiros estudos sobre nutrição e povos indígenas. Ademais, foram
responsáveis para a formação de quadro profissional na pós-graduação em saúde pública.
Dos 58 artigos de nutrição, todos são de pesquisadores vinculados a grupos e linhas de
pesquisa em saúde dos povos indígenas.
Os estudos sobre tuberculose foram separados do conjunto das doenças infecto-
parasitárias, tendo em vista a emergência da questão, desde 1952, com as ações precursoras
de Noel Nutels (COSTA, 1987). Dos 83 artigos localizados, 15 eram de periódicos da
medicina tropical e os demais do campo da saúde coletiva, com destaque para um grupo
da Fiocruz. Ressalta-se que atualmente há outros grupos de pesquisa que estudam
especificamente a temática, devido a sua elevada prevalência nos povos indígenas.
Sobre demografia localizou-se 36 publicações, com maior concentração no ano de
2009 e na Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Esse tema obtém destaque na
produção da área após a implantação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e o
princípio de organização do sistema de informação com um módulo de demografia. Tal
assunto ganhou impulso após 2010 quando o Censo do IBGE inseriu a identificação por
raça/cor, mas ainda permanece um desafio o reflexo dessa coleta de informações nas
publicações científicas.
Outras temáticas demonstram as importantes convergências da área de saúde
indígena com a antropologia, como saúde mental e medicinas tradicionais indígenas,
realizadas por antropólogos da saúde. Tais pesquisas se interessam tanto pelos hábitos
considerados problemáticos do ponto de vista da saúde pública, como o consumo abusivo
de álcool e drogas, quanto pelas percepções e práticas de auto atenção dos povos indígenas.
Foram encontrados 27 artigos na área de antropologia e ciências sociais sobre temas
diversos, desde avaliação das políticas de saúde, sistemas médicos tradicionais e
participação indígena.
68

4.2.REFLEXÕES SOBRE E PARA ALÉM DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

Os povos indígenas do Brasil encontram-se em situação de grande vulnerabilidade


socioeconômica e de saúde, que os colocam em desvantagem de oportunidades e de acesso
a direitos em comparação aos demais cidadãos. Enquanto esta condição continua sendo
uma temática de pesquisa, o protagonismo indígena na luta pelos seus direitos cresce nesse
debate, inclusive, no meio acadêmico (LUCIANO et al, 2010).
A produção científica analisada demonstra que a academia colaborou ao dar
visibilidade a essas desigualdades em saúde e às especificidades dessa população no acesso
ao direito à saúde. Esses dados nos permitem iniciar um debate sobre o lugar da academia
para a amplificação da agenda política da redemocratização do Brasil (SOUZA LIMA,
2012).
Daniel Mundukuru, proeminente intelectual da atualidade, destaca o protagonismo
dos movimentos indígenas e contextualiza o apoio de entidades acadêmicas, pesquisadores
e intelectuais no processo de transformação das legislações indígenas na década de 1970 e
no desenvolvimento deste debate. O que resultou na Constituição Federal de 1988 e nos
direitos atualmente consagrados (DANNER, DORRICO; 2018). A relação entre povos
indígenas e pesquisadores é objeto de interesse de estudos que buscam descolonizar a
ciência e a relação de poder estabelecida com grupos subalternos (VARGAS, CASTRO;
2013).
Em convergência com outros estudos (MENDES et. al, 2018; NUNES, 2005) os
achados indicam a considerável expansão da pesquisa em saúde dos povos indígenas no
Brasil nas últimas décadas, seguindo o desenvolvimento do campo da saúde coletiva, ainda
que com dinâmica própria. Tal crescimento é acompanhado da disseminação e distribuição
em diversos campos disciplinares, dado que a saúde indígena envolve uma multiplicidade
de domínios disciplinares que compõe seu modus operandi. Ou seja, se caracteriza tanto
como um campo, quanto pela pulverização em diferentes campos. Ademais, abarca uma
intensa sociodiversidade que se expressa nas especificidades socioculturais e linguísticas
de cada população e nas diferenças no interior de cada grupo étnico.
O olhar sobre essa área do conhecimento na saúde coletiva revela diferentes
campos disciplinares, que dialogam em torno da saúde dos povos indígenas. Se a lente
fosse direcionada para cada campo – medicina, nutrição, medicina tropical, antropologia e
políticas de saúde – veríamos que as pesquisas com povos indígenas aparecem como
subtemas dos diferentes campos da saúde coletiva. Contudo, verifica-se que cerca de 40%
69

das publicações são da área da Saúde Coletiva; ou seja, o montante da produção acadêmica
sobre saúde indígena está inserida principalmente neste campo científico (PAIM,
ALMEIDA FILHO, 1998; GARNELO, MACEDO, BRANDÃO, 2003; MENDES et. al,
2018). Tais dados revelam que a produção em saúde indígena reflete os debates próprios
do campo da saúde coletiva no Brasil e das suas subáreas como a epidemiologia, as ciências
sociais e humanas em saúde e a política e o planejamento em saúde.
Outro aspecto revelado pela revisão da literatura diz respeito às transformações no
desenvolvimento das temáticas e preocupações concernentes à saúde dos povos indígenas
ao longo das décadas. Esses dados demonstram que a pauta de pesquisa em saúde indígena
dialoga com as preocupações sociais, políticas e científicas de cada período. A linha do
tempo na Figura 3 descreve essas mudanças:
Figura 3. Linha do tempo sobre as temáticas predominantes por década sobre saúde dos
povos indígenas, de 1950 a 2018.

• Interesse voltado para as grandes


epidemias que assolavam os povos
indígenas e em verificar o grau de
especificidade ou generalidade dos 1950-1970
povos indígenas em relação a outras
populações; • Preocupações em torno da área de me -
dicina tropical com o desenvolvimento
dos estudos sobre agentes etiológicos das
1970-1980
doenças
• Emergência da saúde coletiva e dis -
cussões sobre políticas públicas espe-
cíficas para esses povos;
1980-1990 • Criação do Sistema Único de Saúde
( SUS )
• Período da implantação do Subsiste -
ma de Saúde Indígena, com predomi-
nância de conteúdos sobre os desafios
1990-2000
da implementação dos serviços de
saúde • Destaque das temáticas específicas e de
maior diálogo entre áreas de conheci -
mento e com as realidades dos serviços de
2000-2010 saúde, tais como, nutrição, mortalidade
• Consolidação da saúde indígena
Infantil, tuberculose, política nacional de
como uma área específica do conhe -
saúde, sistemas médicos tradicionais;
cimento e com acúmulo de produção
científica
2010- Atual

Fonte: elaborado pela autora.


70

Na linha do tempo nota-se a consolidação de temas e acumulação do conhecimento


produzido, sendo que a última década concentra temas diretamente associados à
implantação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, tais como: “Atenção
Diferenciada e Articulação de Sistemas Médicos”; “Agentes Indígenas de Saúde”;
“Participação social”; “Transição epidemiológica e demográfica”; “Transição
nutricional”; “Mortalidade infantil”; “doenças crônico-degenerativas”; “doenças infecto-
parasitárias”, entre outros. Essa evidência sugere que os pesquisadores e produtores de
conhecimento na área são atores envolvidos, direta ou indiretamente, com as políticas
públicas voltadas aos povos indígenas e às mudanças do perfil epidemiológico e
nutricional dessa população.
Quanto às especificidades da produção de conhecimento na área da saúde indígena,
a partir da década de 1990, nota-se que sua existência é mediada por relações entre saberes
e práticas distintas em um mesmo campo de ação; seja do ponto de vista das políticas
públicas, seja da perspectiva epistemológica. Tal característica foi denominada por Foller
de zona de contato (FOLLER, 2004). Isso significa dizer que nesta zona existe uma
assimetria que envolve intensos processos de negociação e relações de poder entre a
biomedicina – representada pela normatividade das políticas de saúde e a presença de
profissionais de saúde nos territórios indígenas – e as concepções cosmológicas e relações
socioculturais e políticas no interior da vida comunitária dos povos indígenas e da
sociedade envolvente (LANGDON, WILK, 2010).
A biomedicina é compreendida como um recurso de saber-poder colonizador e,
trazida para este contexto, se revela na relação entre Estado, ciência e povos indígenas.
Quer dizer, mesmo com a mudança da perspectiva constitucional a respeito dos povos
indígenas – ao transformar a concepção tutelar pelo reconhecimento e autonomia da
diversidade étnica, com a inclusão da diretriz da atenção diferenciada no subsistema –, o
saber colonial pode se fazer presente pelo formato do cuidado e da atenção à saúde, onde
verificamos o pleno exercício do biopoder (SILVA, 2018). Souza-Lima (2014) identifica,
na gestão colonial das desigualdades, o movimento de perpetuação e modernização da
lógica tutelar por meio de organismos e práticas que circunscrevem e subjugam
populações; ainda que sob o ideário salvacionista e de valor à vida própria do discurso
biomédico. Para o autor, o cerne dos poderes e saberes de ordem colonial que se
condensaram em torno da prática indigenista tem origens históricas distintas. Mas, se
71

concentram no propósito da conquista de espaços territoriais como ideológicos,


socioculturais e simbólicos.
Garnelo (2004) situa que a lógica colonial e integracionista, que estigmatiza a
população como forma de manutenção da proteção estatal e do poder tutelar, ainda subjaz
na promoção de direitos de cidadania. Nas suas palavras:
“No caso das minorias étnicas, embora a cidadania represente um direito e um
tipo de proteção social, ela também pode significar uma forma de homogeneizar
o mundo indígena aos modos de vida da sociedade nacional, podendo ainda
induzir à adoção de valores e comportamentos do grupo social hegemônico em
detrimento da diferenciação étnica” (GARNELO, 2004).

Ao compreender a área de estudos em saúde dos povos indígenas como uma


produção numa “zona de contato”, reconhecemos sua capacidade de ultrapassar fronteiras
e dialogar com diversas perspectivas disciplinares. O que designa sua manutenção e
crescimento no interior do campo da Saúde Coletiva e em outros campos do conhecimento,
como a Antropologia. Como revela a análise de Teixeira e Silva acerca das teses e
dissertações de antropologia sobre saúde indígena, esses estudos se localizam nas
fronteiras entre campos disciplinares bem constituídos (TEIXEIRA, 2013). A área de
antropologia médica e da saúde possui um papel fundamental, por buscar compreender e
explicar as relações interétnicas que permeiam o contexto da saúde, assim como a
construção, interpretação e intervenção nos corpos e no processo de saúde e doença
(LANGDON, 2004).
Langdon e Follér (LANGDON, FOLLER, 2012) descrevem as preocupações em
torno das condições de saúde e adoecimento das populações através de abordagem
estritamente antropológica, a partir da criação de disciplinas em cursos de pós-graduação,
reuniões científicas e grupos de estudo sobre o tema. Follér (2004) assinala ainda a
importância da atuação de cientistas sociais e antropólogos nas ações e serviços de saúde
como modo de flexibilizar fronteiras epistemológicas e de práticas médicas em um
contexto intercultural, em que se relacionam a biomedicina e os saberes e práticas
tradicionais em saúde dos povos indígenas.
Outra vertente do campo da Saúde Coletiva, que aparece como potencializador da
área de saúde indígena, é a formulação e implementação das políticas públicas em saúde
direcionadas à proteção de grupos específicos. Segundo Garnelo (2014) a focalização é
construída com o objetivo de atingir uma população em específico e a universalização
prevê o conjunto da população nacional de forma indiscriminada. Ambas as abordagens
não são necessariamente excludentes e convivem em disputas e tensionamentos, podendo
72

ser complementares, como no caso das políticas de saúde indígena. A área de saúde
indígena contribuiu assim para os debates sobre focalização versus universalização das
políticas sociais, conforme o referencial conceitual da equidade e um dos pilares do SUS.
O conceito de equidade à luz do Estado Brasileiro significa tratar o diferente de
modo diverso em busca da igualdade de direitos na perspectiva da justiça social
(WHITEHEAD, 1992). Vieira-da-Silva e Almeida Filho (2009) discutem os diferentes
conceitos de equidade e terminologias utilizadas como sinônimos, tais como iniquidade,
desigualdade, entre outras, ao longo da história e de sua introdução no campo da saúde.
Desse modo, a equidade torna-se um conceito caro às políticas públicas
diferenciadas, ao trazer para o campo da saúde pública a necessidade de uma atenção
específica às populações diversas, em respeito às diversidades étnicas, socioculturais e
regionais. Por se tratar de uma prerrogativa legal e moral, é um conceito que traz impacto
importante para a dimensão científica, pois direciona um tratamento qualificado frente às
diversidades étnicas no universo das ciências da saúde e das análises a respeito do SUS
(WHITEHEAD, 1992).
Os resultados desta revisão revelam que a implementação de políticas e serviços
públicos de saúde indígena contribuíram para a emergência das temáticas estudadas,
demonstrando como o campo científico está em constante interface com o político. Ao
mesmo tempo, é afetado pelas relações mais amplas, sendo necessário apontar as
desigualdades existentes dentro do próprio campo científico no quesito priorização para
políticas de fomento.
No caminho indicado por Bourdieu, cabe salientar o poder de influência que as
evidências científicas podem implicar nas decisões políticas e políticas de Estado
(BOURDIEU, 1983). Ou mesmo, avaliar se a condução das políticas é ou não capaz de
dialogar com a produção do conhecimento em saúde dos povos indígenas. Ainda que este
mapeamento não tenha a pretensão de resolver esse problema, do ponto de vista
investigativo, essa associação surge como lacuna a ser desenvolvida por estudos futuros.
73

5. CONSTITUIÇÃO DOS COLETIVOS DE PESQUISAS SOBRE SAÚDE


INDÍGENA: RETRATO DOS GRUPOS E LINHAS DE PESQUISA

Neste tópico serão apresentadas características gerais dos grupos de pesquisa que
estudam saúde dos povos indígenas, no conjunto do universo dos grupos de pesquisa existentes
no Brasil.
Na compreensão de Pierre Bourdieu (2010), conforme já assinalado, todo campo é um
espaço estruturado de posições sociais concretas e um espaço social abstrato e simbólico, ambos
marcados por aproximação e distancias. Segundo essa perspectiva, as posições sociais não
ocorrem aleatoriamente e sim, das relações estabelecidas pelos atores. Como todos os campos
dentro de uma sociedade, o campo científico possui uma série de eixos em que os atores vão se
posicionando e se situando; por isso, as posições adotadas nessa estrutura ajudam a explicar a
ação desses agentes estruturados nesses espaços que são os campos. Assim, o exercício da
reflexividade se dá a partir de eixos que são estruturantes do campo.
Seguindo essa visão, consideramos que os grupos de pesquisa institucionalizados no
sistema de Ciência e Tecnologia nacional, vinculados a instituições de ensino e pesquisa
localizados em todo o país, consistem em um primeiro e importante passo para compreender as
posições que os atores que representam a temática da saúde indígena se situam no campo da
saúde coletiva e em outros campos do conhecimento científico.
Para facilitar a apresentação dos resultados, esses grupos foram classificados e descritos
em dois perfis: 1) os específicos, que estudam prioritariamente saúde dos povos indígenas, mas
que podem agregar outras temáticas; 2) os amplos, aqueles que agregam diversas temáticas,
dentro dos quais há pelo menos uma linha de pesquisa sobre saúde dos povos indígenas.
Há no Brasil cerca de 50 mil grupos de pesquisa em 492 instituições (Censo CNPq,
202011). Em 1993, havia 4.402 grupos cadastrados em 99 instituições, o que representa um
considerável aumento de grupos, linhas de pesquisa, estudantes, pesquisadores e cursos de pós-
graduação no Brasil nos últimos vinte anos. Os grupos de pesquisa são classificados conforme
grandes áreas do conhecimento, que agregam diversas subáreas. São oito grandes áreas: (a)
Ciências da Saúde, (b) Ciências Humanas e Sociais, (c) Ciências Sociais Aplicadas, (d) Ciências
Exatas e da Terra, (e) Engenharias, (f) Ciências Agrárias, (g) Ciências Biológicas e, (h)
Linguística, Letras e Artes (CNPq, 2015).

11
O levantamento consiste em um balanço quantitativo do número de grupos de pesquisa, linhas de pesquisa,
pesquisadores e alunos por grande área, subárea e UF. Fonte: http://lattes.cnpq.br/web/dgp/sobre, , extraído em 15
de outubro de 2020.
74

A maior quantidade de grupos de pesquisa concentra-se na grande área de Ciências


Humanas e Sociais, seguido das Ciências da Saúde e Ciências Sociais Aplicadas, com algumas
variações regionais. No estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, as Ciências Humanas e
Sociais empatam com Engenharias e Computação, já no Distrito Federal as Ciências Sociais
Aplicadas se sobressaem; e, nos estados do Centro-Oeste as Ciências Humanas e Sociais
prevalecem seguidas das Ciências Agrárias. A macrorregião Sudeste concentra o maior número
de instituições e grupos de pesquisa no Brasil, seguido da região sul.

5.1.ÁREAS DE CONHECIMENTO

Nos períodos de 2015 e 2020, foram localizados 54 e 57 grupos que estudam saúde dos
povos indígenas respectivamente; sendo que em 2015 havia 11 grupos específicos e em 2020
foram identificados 15 grupos específicos. Cabe igualmente ressaltar que, entre 2015 e 2020, 6
(seis) grupos deixaram de constar no registro do CNPq, incluindo os mais antigos e pioneiros
em suas regiões. Assim, na região norte não consta mais o grupo da UFPA criado em 1983 e
nem o grupo do INPA originado em 1993. Na região Nordeste, não foram encontrados o grupo
da UFBA, surgido em 1971 e nem o da UFPE criado em 1992. Na região sudeste, deixou de
constar o grupo da Unesp existente desde 1992 e na região sul o grupo da UFRGS criado em
1952.
Em ambos os grupos (amplos ou específicos) predomina a grande área das Ciências da
Saúde, com expressiva diferença em relação às demais áreas. O que demonstra que os grupos
amplos, que possuem alguma linha de pesquisa sobre saúde indígena, se encontram
prioritariamente em instituições, departamentos e/ou cursos das ciências da saúde (saúde
coletiva, medicina, enfermagem, nutrição, odontologia, farmácia, entre outras). Já nos
específicos, as áreas predominantes são as Ciências da Saúde, seguido das Ciências Humanas
e Sociais. Tais dados sugerem que grupos que trabalham somente com saúde dos povos
indígenas também estão fortemente inseridos no campo das ciências humanas -- de acordo com
os gráficos 5 e 6 -- com a diferença desse perfil no retrato de 2015 e de 2020:
75

Gráfico 5 – Grandes áreas do conhecimento (%) as quais pertenciam os grupos de pesquisa que
estudam saúde dos povos indígenas em 2015 (N=54), conforme a classificação de grupos
específicos (N=11) e grupos amplos (N=43).

Fonte: elaborado pela autora.

Gráfico 6 – Grandes áreas do conhecimento (%) as quais pertencem os grupos de pesquisa que
estudam saúde dos povos indígenas em 2020 (N=57), conforme a classificação de grupos
específicos (N=15) e grupos amplos (N=43).
30

25

20

15 Series1

10 Series2

0
Ciências da SaúdeCiências Humanas Ciências Ciências Exatas e Ciências Sociais
Biológicas da Terra Aplicadas

Fonte: elaborado pela autora.

Este resultado permite concluir que na grande área de Ciências da Saúde, onde se insere
o campo da saúde coletiva, há uma maior proporção de grupos de pesquisa que possuir em uma
linha sobre saúde dos povos indígenas ao lado de outras temáticas. Nos grupos específicos, a
grande área de Ciências Humanas e Sociais era mais expressiva em 2015 em comparação com
76

2020. Observamos que essa variação nas grandes áreas é pouco expressiva, o que reforça a ideia
de que os grupos que estudam a temática da saúde indígena estão se consolidando e se
expandindo no interior das grandes áreas em que já se localizavam.
Além das grandes áreas do conhecimento, é possível observar as subáreas aos quais os
grupos estão vinculados (Gráfico 7). Em 2015, no conjunto das Ciências da Saúde, a subárea
de Saúde Coletiva se destacava (37%), seguido de Medicina (11,1%), Enfermagem (3,7%) e
Nutrição (3,7%). Das Ciências Humanas e Sociais prevalece a subárea de Antropologia (22,2%)
e aparece Educação (5,6%), Geografia (1,9%), História (1,9%), e Psicologia (1,9%); das
Ciências Biológicas, destaca-se a Genética (5,6%) e Bioquímica (1,9%); das Ciências Sociais
e Aplicadas aparece Serviço Social (1,9%) e das Ciências Exatas e da Terra se representa pela
subárea de Probabilidade e Estatística (1,9%).

Gráfico 7 – Relação de subáreas das grandes áreas do conhecimento (%) aos quais a totalidade
dos grupos de pesquisa que estudavam saúde dos povos indígenas em 2015 (N = 54)

Fonte: elaborado pela autora.


77

Gráfico 8 – Relação de subáreas das grandes áreas do conhecimento (%) aos quais a totalidade
dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas em 2020 (N = 57)
45%
40%
40%
35%
30%
25%
20%
20%
15% 11%
10%
5% 5%
5% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 2% 2%
0%

Fonte: elaborado pela autora.

Em 2020, da grande área das Ciências da Saúde, a subárea de Saúde Coletiva permanece
em destaque (40%) e com aumento proporcional com relação às demais áreas, seguido de
Enfermagem (11%), Odontologia (3%), Nutrição (3%) e Medicina (2%). Das Ciências
Humanas e Sociais prevalece a subárea de Antropologia (20%), seguido de Educação (5%),
Psicologia12 (5%) e História (2%). Das Ciências Biológicas, destacam-se Parasitologia (3%) e
Fisiologia (2%); e, das Ciências Sociais e Aplicadas aparecem Administração (2%) e Serviço
Social (2%).
Interessante notar em 2020 o aumento de grupos localizados na área de psicologia e de
enfermagem, bem como a emergência de grupos em áreas como odontologia, parasitologia,
fisiologia e administração. Ao passo que grupos localizados em outras áreas em 2015 não
figuram atualmente, como genética, bioquímica, probabilidade e estatística e geografia; além
da diminuição de grupos na área de medicina. Isso não significa que não existam estudos com
povos indígenas nessas áreas, mas sim, que não há grupo de pesquisa no momento que estejam
cadastrados em suas instituições nessas áreas.
É possível afirmar que os grupos de pesquisa que estudam a temática da saúde dos povos
indígenas são interdisciplinares e se encontram especialmente na fronteira entre as Ciências da

12
Os grupos de psicologia registrados no CNPq e encontrados nesse levantamento estão localizados na área de
Ciencias Humanas, ainda que em algumas universidades estejam em departamentos na área das ciências da
saúde.
78

Saúde e as Ciências Humanas e Sociais, entre a Saúde Coletiva e a Antropologia. Mas, também
se encontram em áreas próximas, como educação, psicologia, entre outras. Em consonância
com os pressupostos e os achados desta tese, compreende-se que a área de estudos de saúde
indígena encontra-se principalmente no campo científico da saúde coletiva, mas com um espaço
considerável na antropologia e perpassando por outras áreas.

5.2.LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E INSTITUCIONAL

Quanto à distribuição geográfica (Gráfico 9), em 2015 verificava-se uma predominância


na macrorregião Norte (33%), seguida do Nordeste e Sudeste (que empatam em 18%), Sul
(16%) e Centro-Oeste (15%). Observa-se que em 2015 e 2020 a macrorregião norte permanece
na liderança no quantitativo de grupos que estudam saúde indígena, seguido do Nordeste e
Sudeste (Gráfico 10). Esse perfil diverge da tendência geral da distribuição de grupos de
pesquisa no país, que geralmente se concentram entre as macrorregiões Sudeste e Sul do país.

Gráfico 9 – Macrorregiões do país (%) onde se encontravam a totalidade dos grupos de


pesquisas que estudam saúde dos povos indígenas por macrorregião do país em 2015 (N = 54)

Fonte: elaborado pela autora.


79

Gráfico 10 – Macrorregiões do país (%) onde se encontram a totalidade dos grupos de pesquisas
que estudam saúde dos povos indígenas por macrorregião do país em 2020 (N = 57)
45%

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%
Norte Nordeste Sudeste Centro-Oeste Sul

Fonte: elaborado pela autora.

Uma alteração significativa entre 2015 e 2020 foi o recrudescimento de grupos na região
sul e o aumento expressivo nas regiões centro-oeste e nordeste. Outra mudança refere-se a uma
quantidade maior de grupos em cidades localizadas no interior dos Estados e não somente nas
capitais; o que pode ser reflexo de uma tendência à interiorização das universidades públicas
brasileiras.
No levantamento realizado em 2015, o primeiro grupo de pesquisa que abordava saúde
indígena na Macrorregião Norte, havia sido criado em 1983 pelo professor e pesquisador João
Farias Guerreiro e vinculado à Universidade Federal do Pará (UFPA) 13. Mas, como já dito, em
2020, este grupo não figura mais no banco de dados do CNPq. Desse modo, em 2020, o grupo
mais antigo na região norte é o “Centro de Estudos em Saúde do Índio de Rondônia – CESIR”,
vinculado a Universidade Federal de Rondônia (UNIR), criado em 1997 e coordenado pelas
professoras Ana Lúcia Escobar e Janne Cavalcante Monteiro. Consiste em um grupo específico
e que possui 8 (oito) linhas de pesquisa. Os demais grupos que constam da região Norte foram
criados após os anos 2000, ou seja, nos últimos 20 anos.

13
O Grupo se denominava “Genética Humana e Médica”. Desde 1982 João Farias Guerreiro desenvolvia
estudos sobre genética de populações e dentre as quatro linhas de pesquisa uma era dedicada às pesquisas com
povos indígenas, “Genética de populações humanas da Amazônia” .
80

O maior grupo de pesquisa sobre saúde indígena na macrorregião Norte, conforme a


quantidade de pesquisadores, alunos e de linhas de pesquisa, além da relevância na temática, é
“Saúde Indígena e outras populações vulneráveis na Amazônia”14 constituído em 2007 e
coordenado pelos pesquisadores Maria Luiza Garnelo Pereira e Fernando José Herkrath. É um
grupo específico vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Estado do Amazonas, o
Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD), na cidade de Manaus/AM. Houve uma mudança no
título, coordenação, composições de pesquisadores e linhas de pesquisa entre os anos de 2015
e 2020. Maria Luiza Garnelo permanece como fundadora e coordenadora do grupo e atualmente
o grupo atua com outras populações amazônicas, não somente indígena e possui 3 três linhas
de pesquisa, sendo: “Avaliação de políticas, programas e ações de saúde”, “Epidemiologia de
Endemias em Populações Indígenas e outros grupos vulneráveis na Amazônia” e “Processo
saúde-doença-cuidado entre populações indígenas, rurais e outros grupos vulneráveis na
Amazônia”.
Dos grupos que não são específicos no tema, o primeiro da região (criado em 2002) está
vinculado à área de enfermagem da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e é intitulado
“Grupo de Pesquisa em Enfermagem em Saúde Mental e Epidemiologia”. Possui uma das
linhas de pesquisa em saúde indígena, mais voltado para o cuidado em enfermagem com
enfoque na saúde mental das populações indígenas15.
Atualmente o Estado do Pará concentra o maior número de grupos de pesquisa da
macrorregião Norte, seguido de Roraima e Tocantins (que em 2015 não constava). No Pará, 4
(quatro) grupos são amplos e 2 (dois) são específicos e o mais antigo foi criado em 2009. Os
específicos, ambos da subárea de Saúde Coletiva, são vinculados a universidades públicas com
campus no interior e se localizam nas cidades de Cidade Velha/PA (UEPA) 16 e Santarém/PA
(UFOPA)17.
Em Roraima, os 3 (três) possuem formação mais recente, sendo o mais antigo de 2015,
todos estão na subárea de Saúde Coletiva e vinculados a Universidade Federal de Roraima, no
campus da capital Boa Vista (RR). Apesar de estarem na mesma subárea, universidade e cidade,

14
Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/764. Acessado em 15 de outubro de 2020.
15
Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/4068552701483399889201. Acessado em 15 de outubro
de 2020.
16
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1855521768053682. Acessado em 15 de outubro de 2020.
17
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7549988049543272. Acessado em 15 de outubro de 2020.
81

esses grupos possuem particularidades e enfoques diferentes, como segurança alimentar e


nutricional18, itinerários terapêuticos e saúde mental19 e biodiversidade e meio-ambiente20.
Destes, dois são específicos, sendo que o grupo “Saúde, Educação e Ambiente:
Informações Socioepidemiológicas e Populações Indígenas em Roraima” surgiu em 2015 e o
grupo “Saúde e diversidade sociocultural na Amazônia” foi formado em 2020. No Estado do
Tocantins, os dois grupos são amplos, um da área de Psicologia criado em 2019 “Grupo de
Estudos e Pesquisa em Saúde Mental” (Universidade Federal do Tocantins/TO) – com uma
linha específica sobre saúde mental dos povos indígenas; e o outro grupo da área de
Odontologia, de 2018, vinculado à Fundação Escola de Saúde Pública (FESP-TO), intitulado
“Promoção de Saúde Bucal e Diagnóstico Integrado em Odontologia”, com uma linha de
pesquisa específica em saúde bucal dos povos indígenas.
Na macrorregião Nordeste existem 9 (nove) grupos de pesquisa, sendo 8 (oito) amplos
e 1 (um) específico, com uma variação das subáreas: Antropologia (N=3), Saúde Coletiva
(N=2), Psicologia (N=2), Odontologia (N=1) e História (N=1). Em 2015, havia 7 (sete) grupos,
sendo 4 (quatro) da antropologia, 2 (dois) da saúde coletiva e 1 (hum) da psicologia. O grupo
mais antigo localiza-se na capital São Luis (Maranhão). Criado em 1995, intitula-se “Núcleo
de etnologia e imagem”, sendo vinculado à área de antropologia da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA) com uma linha de pesquisa que aborda a saúde indígena.
O grupo específico da região Nordeste é de formação recente, originado em 2020 na
Universidade Federal da Bahia (UFBA), do campus da capital Salvador (BA) e intitulado
“Grupo de Pesquisa em Etnologia, Linguística e Saúde Indígena – ETNOLINSI”. É um grupo
vinculado a subárea de antropologia e das suas 7 (sete) linhas de pesquisa, 3 são especificamente
sobre a saúde dos povos indígenas21. Associados à saúde coletiva destacam-se o grupo
“NEGRAS - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Raça e Saúde”, formado em 2012 na
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB (Santo Antônio de Jesus/BA) e o grupo
“Projeto Envelhecimento Populacional de Pernambuco - PROENP-PE” da Universidade
Federal do Pernambuco (UFPE) criado em 2010.
No levantamento de 2015, figuravam grupos pioneiros sobre o tema no Nordeste e que
não constam no Diretório em 2020, como o “NEPE - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Etnicidade”, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) formado em 1999 e por duas

18
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6592610542662475. Acessado em 15 de outubro de 2020.
19
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4192569390836906. Acessado em Acessado em 15 de outubro
de 2020.
20
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2339861381426604. Acessado em 15 de outubro de 2020.
21
Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3770677733581989. Acessado em 15 de outubro de 2020.
82

décadas coordenado pelo antropólogo Renato Athias que possui importantes produções na área
da saúde indígena. Assim como, o grupo “Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do
Nordeste Brasileiro – PINEB” da Universidade Federal da Bahia (UFBA), criado em 1971.
Na macrorregião Sudeste há um dos mais antigos e produtivos grupos específicos sobre
saúde dos povos indígenas no país, criado em 1992 e agregado à subárea de Saúde Coletiva. O
grupo “Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas”22, coordenado pelos
pesquisadores Carlos Everaldo Alvares Coimbra Junior e Ricardo Ventura Santos, está
localizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro. É o maior grupo sobre o tema no Brasil, com a concentração
de 22 (vinte e dois) pesquisadores e 4 (quatro) estudantes de pós-graduação ativos. Possui 6
(seis) linhas de pesquisa exclusivamente sobre saúde dos povos indígenas, sendo:
“Antropologia Médica e Saúde Indígena”, “Demografia dos Povos Indígenas”, “Epidemiologia
e Saúde de Populações Indígenas”, “Nutrição e Alimentação Indígena”, “Populações indígenas,
identidade indígena e saúde” e “Saúde Indígena”.
Na Fiocruz do Rio de Janeiro há outros 3 (três) grupos na ESNP. Dois são específicos e
coordenados pelo pesquisador Paulo Basta, sendo um voltado para o estudo da tuberculose em
áreas indígenas, formado em 2012 e o outro mais amplo intitulado “Ambiente, Diversidade e
Saúde”, originado em 2018. O terceiro diz respeito a um grupo amplo que aborda Telemedicina
e foi criado em 2018, com uma linha de pesquisa sobre atenção à saúde indígena. Além da
Fiocruz, na cidade do Rio de Janeiro há um outro grupo vinculado à subárea de enfermagem da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), formado em 2006, com uma linha
de pesquisa sobre saúde indígena.
No Estado de São Paulo, o grupo mais antigo consta de 1991, intitulado “Saúde da
População Negra e Indígena”, vinculado ao Instituto de Saúde de São Paulo, da Secretaria de
Estado de Saúde (SES-SP). Na Universidade de São Paulo (USP) há um grupo da subárea de
enfermagem e outro na saúde coletiva na Universidade de São Carlos (UFSCAR); ambos
amplos e com formação recente, de 2016 e 2019 respectivamente.
Em 2015 constava o grupo “Saúde e Meio Ambiente” da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), fundado por Roberto Geraldo Baruzzi23. Ele foi um dos primeiros médicos
e pesquisadores do campo da saúde a atuar com povos indígenas no país, tendo orientado muitos

22
Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/14080. Acessado em 15 de outubro de 2020.
23
Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3083435375084326. Acessado em 15 de outubro de
2020.
83

alunos que atualmente são pesquisadores ativos no campo. Baruzzi fundou e coordenou por
décadas o Projeto Xingu24 que existe até hoje. O projeto é um programa de extensão
universitária no Parque do Xingu (MT), que fornece atendimento à saúde a todos os povos ali
residentes.
Na macrorregião Sul25 está localizado o primeiro grupo específico em saúde indígena
no Brasil, criado em 1987 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Denominado de
“Núcleo de Estudos sobre Saúde e Saberes Indígenas”, é coordenado pela pesquisadora Esther
Jean Langdon – conforme será explorado mais adiante.
Dos seis grupos na macrorregião Centro-Oeste, (4) quatro estão no Estado de Mato
Grosso do Sul, (2) dois no Mato Grosso e 1 (hum) no Distrito Federal – intitulado “Antropologia
Política da Saúde” e coordenado pela pesquisadora Carla Costa Teixeira. O primeiro grupo do
centro-oeste foi criado no ano 2000 e é vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), “Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Indígenas”, coordenado pela
professora Dulce Lopes Barboza Ribas. O grupo tem enfoque prioritário no acompanhamento
das condições nutricionais e outros agravos cardiovasculares na população da etnia Terena na
Terra Indígena Buriti (Sidrolândia).
Em suma, os 57 grupos de pesquisa fazem parte de instituições públicas de ensino e
pesquisa da maioria dos Estados brasileiros, com exceção do Acre, Piauí, Paraíba, Rio Grande
do Norte, Goiás, Espírito Santo e Paraná. O que representa uma concentração da temática em
instituições públicas e uma importante variabilidade e distribuição de localidades e instituições
(Tabela 4).
A Fiocruz é a instituição do país que mais concentra grupos de pesquisa que atuam com
a temática indígena, totalizando 7 (sete) grupos, cerca de 12% da distribuição de instituições.
A macrorregião Norte, além de concentrar a maior quantidade de grupos, reúne o maior número
de instituições (N=12), seguido do Sudeste (N=7), Sul (N=6), Centro-Oeste (N=5) e Nordeste
(N=5).

24
Mais informações sobre o Projeto Xingu disponível em:
https://www.unifesp.br/campus/sao/camaraextensao/carrossel-superior/96-projeto-xingu-50-anos. Acessado em
15 de outubro de 2020.
25
Em 2015, o grupo mais antigo que havia registrado no Brasil denominava “Genética de Populações Humanas
e de outros organismos”. O grupo foi criado em 1952, estava localizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul e foi fundado por Francisco Mauro Salzano, um dos pioneiros no estudo sobre genética em povos indígenas.
84

Tabela 4 – Relação nominal de Instituições (N = 37) que abrigam a totalidade de grupos de


pesquisa que estudam saúde dos povos indígenas no Brasil (N = 57)
Macrorregião N UF Instituição de vinculação Qtd
grupos
Norte 1 PA Universidade Federal do Pará (UFPA) 4
2 Universidade do Estado do Pará (UEPA) 2
3 Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) 1
4 AM Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 2
5 Instituto Leônicas e Maria Deane (IAM)/ Fundação Oswaldo Cruz 2
(FIOCRUZ)
6 Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ) 1
7 Universidade do Estado do Amazonas (UEA) 1
8 RR Universidade Federal de Roraima (UFRR) 4
9 TO Universidade Federal do Tocantins (UFT) 1
10 Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas (FESP-PALMAS) 2
11 RO Universidade Federal de Rondônia (UNIR) 1
12 AC Universidade Federal do Acre (UFAC) 1
Total Norte 22
Nordeste 13 CE Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira 2
(UNILAB)
14 Universidade Estadual do Ceará (UECE) 2
15 Universidade Federal do Ceará (UFC) 1
16 BA Universidade Federal da Bahia (UFBA) 1
17 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) 1
18 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) 1
19 PE Universidade de Pernambuco (UPE) 1
20 Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) 1
21 MA Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 1
22 AL Centro Universitário CESMAC 1
Total Nordeste 12
Sudeste 23 RJ Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/ Fundação 4
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
24 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) 1
25 SP Universidade de São Paulo (USP) 1
26 Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) 1
27 Instituto de Saúde/São Paulo (IS/SP) 1
28 MG Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) 2
29 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) 1
30 Instituto René Rachou (IRR)/ Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) 1
Total Sudeste 12
Centro-Oeste 31 MS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) 3
32 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) 2
33 MT Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) 2
34 Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) 1
35 DF UnB (Universidade de Brasília) 1
Total Centro-Oeste 9
Sul 36 SC Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 1
37 RS Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) 1
Total Sul 2
Total de Grupos nas Instituições 57
Total de Instituições 37
Fonte: elaborado pela autora.
85

5.3.PERÍODO DE CADASTRAMENTO DOS GRUPOS DE PESQUISA

De acordo com o levantamento mais recente de 2020, o gráfico seguinte (gráfico 11)
apresenta a distribuição temporal do cadastramento de grupos de pesquisa vigentes, conforme
as cinco macrorregiões brasileiras:

Gráfico 11 – Distribuição temporal do surgimento da totalidade de grupos de pesquisa que


estudam saúde dos povos indígenas no Brasil por macrorregião do país vigentes (N = 57)

18

16

14

12

10

0
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

1980-1989 1990 - 1999 2000 - 2009 2010 - adiante (out/2020)

Fonte: elaborado pela autora.

Em 2015, há 5 (cinco) anos atrás, constatamos que desde a década de 1950 havia registro
de grupo com uma linha de pesquisa sobre saúde dos povos indígenas. Mas, somente após a
década de 1990, foram criados os grupos de pesquisa específicos, com crescimento substancial
após os anos 2000, conforme o gráfico 12:
86

Gráfico 12 – Período (%) de formação dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos
indígenas (N = 54) em 2015, conforme a classificação de grupos específicos (N=11) e grupos
amplos (N=43)

Fonte: elaborado pela autora.

A criação de grupos específicos e linhas de saúde indígenas aumentaram


consideravelmente, especialmente até 2009, tanto de grupos específicos quanto de grupos
amplos. No entanto, os dados sobre o período de formação dos grupos modificaram bastante no
intervalo de 2015 a 2020.
Como a plataforma do CNPq só registra grupos ativos, os grupos inativos se perdem na
medida que deixam de existir, portanto, confirma-se a importância desse trabalho para o registro
dessa memória sobre os grupos de pesquisa em saúde indígena. Fato tão evidente este que, na
busca realizada em 2020, já não constava mais o registro de formação de grupos no período
anterior à década de 1980 e a década que mais se destacou no quantitativo de grupos emergentes
foi a mais recente, de 2010 adiante (até Outubro de 2020), conforme o gráfico 13 abaixo:
87

Gráfico 13 – Período de formação dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos
indígenas (N = 57) em 2020, conforme a classificação de grupos específicos e grupos amplos

Todos Amplos Específicos

37

29
14

10

8
4

4
2

2
1

1
0

1980 - 1989 1990 - 1999 2000 - 2009 2010 - ADIANTE


(OUT/2020)

Fonte: elaborado pela autora.

Com relação a composição de recursos humanos, em 2020, os 57 grupos possuíam 88


coordenadores, denominados de “líderes” pela Plataforma do CNPq. Grande parte dos grupos
com 2 líderes, sendo 30 do gênero feminino e 27 do masculino, o que sugere uma maior
quantidade de mulheres à frente dos grupos de pesquisa que estudam saúde dos povos
indígenas; proporção que permanece equivalente desde 2015. Junto aos líderes há um
contingente de 610 pesquisadores que trabalham nos grupos de pesquisa, acompanhados de 74
alunos de doutorado, 83 alunos de mestrado, 31 alunos de especialização, 224 alunos de
graduação e mais 194 alunos sem definição de grau. (Fonte: CNPq, 2020).
A partir dessa análise da formação dos coletivos de pesquisa, compreendemos que a
saúde indígena envolve uma multiplicidade de domínios disciplinares que compõem seu modus
operandi – “que orienta e organiza praticamente a prática científica” (BOURDIEU; 2010:
60). Ademais, revela uma intensa sociodiversidade que se expressa nas especificidades
socioculturais e linguísticas de cada etnia e nas diferenças no interior de cada grupo étnico.
A partir das informações sobre os grupos de pesquisa, é possível identificar o processo
de institucionalização de coletivos de pesquisadores da saúde indígena e suas respectivas
instituições de vínculo a partir da década de 1990. O processo de institucionalização, tão central
para a construção de campos científicos, consiste no meio essencial de canal e discussão entre
88

pessoas, conhecimentos, artefatos e ideologias. Tem por finalidade última a elaboração,


verificação e continuação do conhecimento científico como legítimo e verdadeiro (VESSURI,
1993). Além disso, esse processo incide diretamente no caráter formativo do campo, na
formação e conformação de novos quadros e gerações de pesquisadores no campo.
Nesta direção, interessante notar que grupos que integram atualmente a área de saúde
dos povos indígenas são formados por pesquisadores do campo da Saúde Coletiva, oriundos de
grupos maiores e mais antigos. Partimos da perspectiva que a afirmação dessa temática está
associada à implantação do SUS, dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas e à
consolidação e aumento dos cursos de pós-graduação no campo da Saúde Coletiva com linhas
de atuação sobre saúde indígena (AQUINO, 2008; CANESQUI, 2010). Isso demonstra uma
constante tendência de crescimento, emancipação, diversificação e especificidade das
abordagens sobre saúde indígena. Entende-se, portanto, que a temática da saúde indígena
consiste em um subcampo do campo científico da Saúde Coletiva (NUNES, 2005; PAIM E
ALMEIDA FILHO, 1998) e opera com o mesmo sistema de valores e práticas, em uma escala
menor em relação ao grande campo e com suas especificidades.
89

6. PESQUISADORES E REPRESENTANTES DE UMA TEMÁTICA EM


CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

Conforme vimos até aqui, a área de estudos sobre a temática da saúde dos povos
indígenas não apenas está em construção e consolidação, como em constante transformação –
visto o comportamento dos grupos e linhas de pesquisa sobre o tema.
A opção por destacar a produção científica e aspectos das trajetórias acadêmicas de
alguns dos líderes dos grupos (de acordo com os critérios de elegibilidade descritos na seção de
metodologia), deu-se em razão de buscar elucidar especificidades, diferenças e convergências
num mesmo campo do saber. Os pesquisadores selecionados são considerados pontos fortes das
redes formadas pelos grupos de pesquisa que conformam a área de estudos em saúde indígena
e o campo da saúde coletiva no Brasil. Ou seja, são líderes de grupos antigos nas suas regiões,
possuem produção acadêmica ampla, formam pesquisadores, e atuam a partir de suas entidades
nas questões do campo.
Neste capítulo, a partir dos critérios adotados, abordaremos as produções e trajetórias
acadêmicas dos seguintes pesquisadores: Esther Jean Langdon, Carlos Everaldo Alvares
Coimbra Junior, Maria Luiza Pereira Garnelo e Carla Costa Teixeira. Daremos ênfase na
análise à produção do conhecimento e as articulações de saberes e práticas no desenvolvimento
da área de estudos.
De modo a organizar o conteúdo analisado, este será apresentado em tópicos na seguinte
ordem: a) Quem são os pesquisadores e suas vertentes teóricas e práticas (ordenados conforme
o tempo de atuação e experiência acumulada na área estudada); b) Institucionalização,
construção de redes colaborativas e produção intelectual; c) Delimitações e saberes dos campos
de conhecimento em que estão inseridos; e, d) Pesquisadores como mediadores de campos e
universos distintos, com o objetivo de refletir sobre o papel social do pesquisador.

89
90

6.1.QUEM SÃO OS PESQUISADORES E SUAS VERTENTES TEÓRICAS E PRÁTICAS 26

Esther Jean Langdon é professora e pesquisadora norte-americana radicada no Brasil


desde a década de 1980, criou um dos primeiros grupos específicos sobre saúde dos povos
indígenas no Brasil. Seu primeiro estudo em antropologia médica e da saúde foi com o grupo
indígena Siona que habita a fronteira da Amazônia colombiana, em sua tese de doutorado
defendida em 1974. O objetivo principal do estudo foi o de compreender os itinerários
terapêuticos desta população com relação ao processo de saúde-doença-cuidado.
A pesquisadora ingressou na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, em 1988. Atualmente encontra-se
aposentada pela mesma instituição, mas atua como colaboradora do Instituto Brasil Plural 27.
Ao longo de sua carreira docente, ministrou disciplinas em cursos de graduação nas ciências
sociais e em cursos das ciências da saúde.
Carlos Coimbra (Carlos Everaldo Alvares Coimbra Junior) pesquisador titular
aposentado da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e líder do maior
grupo de pesquisa em saúde indígena. Por duas décadas foi editor de um importante periódico
do campo da saúde coletiva e epidemiologia, Cadernos de Saúde Pública. É biólogo de
formação pela Universidade de Brasília e cursou o mestrado e o doutorado na University de
Indiana nos Estados Unidos na área de antropologia médica. Em sua tese de doutorado,
concluída em 1989, analisou a relação entre o estado nutricional com as condições de vida e
saúde do grupo indígena Suruí, localizados no Estado de Rondônia, Brasil.
É autor das primeiras publicações de saúde indígena em revistas no campo da saúde
coletiva (em especial, em epidemiologia) e de medicina tropical. Além disso, Coimbra se
articulou com importantes sociólogos e antropólogos que estudam saúde e foi considerado um
ator chave na consolidação das ciências sociais no campo da saúde coletiva, com publicações
consideráveis sobre o tema.
Luiza Garnelo28 (Maria Luiza Garnelo Pereira) é médica, filósofa e doutora em
antropologia social. É reconhecida no cenário acadêmico nacional por sua produção no campo
da saúde coletiva, tendo se dedicado nos últimos vinte anos a estudar as condições de saúde e
de vida das populações indígenas da Amazônia brasileira, em especial, etnias que se localizam

26
As informações analisadas foram todas extraídas dos currículos e produções científicas dos pesquisadores
disponíveis publicamente pela Plataforma Lattes.
27
Maiores informações disponível em: http://brasilplural.paginas.ufsc.br/. Acessado em 09/12/15.
28
Como a própria autora se refere em espaços públicos.
90
91

na região do Alto Rio Negro. Concluiu seu doutorado em 2002 pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), no mesmo ano que ingressou como pesquisadora na Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), no Instituto Leônidas e Maria Deane (AM). Chegou a lecionar na Universidade
Federal do Amazonas (UFAM) e em outras universidades nacionais e estrangeiras.
Sua tese de doutorado “Poder, hierarquia e reciprocidade: os caminhos da política e
da saúde no Alto Rio Negro”, publicada em 2003 pela Editora Fiocruz na coleção “Saúde dos
Povos Indígenas”, trata dos aspectos socioculturais mais amplos do processo saúde-doença e
das ações e serviços de saúde. Seus principais temas de pesquisa são: processo de adoecimento,
cura e práticas de autoatenção indígenas, formação de agentes indígenas de saúde, participação
social dos povos indígenas nas políticas públicas de saúde, avaliação e gestão da atenção básica,
entre outros. Apresenta uma produção importante que pretende articular os serviços de saúde
indígena como parte do SUS, conforme os princípios de equidade, integralidade e
universalidade.
Carla Costa Teixeira é antropóloga, doutora em Antropologia Social e professora
titular do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). Coordena dois
grupos de pesquisa. Um deles é denominado “Antropologia Política da Saúde” e possui a linha
de pesquisa “Política e Saúde Indígena”, criada em 2007. O outro grupo é intitulado “Etnografia
das Instituições e das Práticas de Poder”.
A produção acadêmica de Carla C. Teixeira concentra-se especialmente nas questões
políticas, desde a organização da burocracia estatal, dos espaços de representatividade e das
formas e formatos de participação social. Sua tese de doutorado, defendida em 1997, versou
sobre “A honra da política. Decoro parlamentar e perda de mandato no Congresso Nacional
(1949-1994)”. A pesquisadora se aproxima da temática da saúde dos povos indígenas,
refletindo sobre os aspectos formativos da política nacional de saúde indígena, dos modelos de
participação indígena nos processos decisórios da política de saúde e no papel do antropólogo
na mediação de interesses entre cidadãos e o Estado e no diálogo intercultural.

91
92

Quadro 2 – Quadro-síntese das principais informações acadêmicas extraídas do currículo lattes dos pesquisadores estudados
Nome Formação Instituição Líder Grupos Artigos Livros Capítulos Supervisão Orientação Orientação Orientação
principal de pesquisa de livros Pós-doc Doutorado Mestrado Graduação
Esther Graduação em Antropologia e Sociologia Professora Núcleo de 102 9 livros 61 3 andamento 7 andamento 3 andamento 12
Jean (Carleton College, 1966), mestrado em titular da Estudos sobre artigos (1992 - capítulos 10 27 53 concluídas
Langdon Antropologia (University of Washington, Universidade Saúde e Saberes (1978 - 2017) (1979 - concluídas concluídas concluídas Total: 12
1968) e doutorado em Antropologia Federal de Santa Indígenas 2020) 2020) Total: 13 Total: 34 Total: 56 orientações
(Tulane University of Louisiana, 1974), Catarina/ UFSC (2005 - (2000 - (1987 - (2002 -
Pós-doutorado na Indiana University (SC) 2020) 2020) 2020) 2015)
(1994) e University of
Massachusetts,Amherst (2009)
Carlos Bacharel em Ciências Biológicas Pesquisador Saúde, 177 12 38 4 concluídas 3 andamento 26 2
Everaldo (Universidade de Brasília, 1982), titular na Escola Epidemiologia e artigos livros capítulos (2010 - 16 concluídas andamento,
Alvares mestrado e doutorado em Nacional de Antropologia (1979 - (1991 - (1985 - 2013) concluídas (1993 - 2017 5 concluídas
Coimbra Antropologia/Antropologia Médica Saúde Pública/ dos Povos 2020) 2016) 2016) Total: 19 Total: 7
Junior (Indiana University, 1989). Pós- FIOCRUZ (RJ) Indígenas (1996 - (2000 -
doutoramento no Five CollegeProgram in 2020) 2020)
Medical Anthropology, University of
Massachusetts, Amherst (1999)
Maria Bacharel em Medicina (Universidade Pesquisadora Saúde Indígena: 57 8 livros 16 --- 4 concluídas 3 1 concluída
Luiza Federal do Amazonas/UFAM, 1980), titular do condições de artigos (2001 - capítulos (2009 - andamento, (2008)
Garnelo bacharel em Filosofia (UFAM, 1989). Fez Instituto vida, (2001 - 2019) (2012 - 2013) 22
Pereira residência em (Medicina Preventiva e Leônidas & vulnerabilidade 2020) 2018) co- concluídas
Social/UFAM, 1985), mestrado em Maria Deane/ e agravos em orientação (2004 -
Ciências Sociais (Pontifícia Universidade FIOCRUZ povos 2020)
Católica de São Paulo, 1992) e doutorado (AM) amazônicos
em Ciências Sociais/Antropologia
(UNICAMP, 2002)
Carla Graduação em História (Pontifícia Professora Antropologia 33 8 livros 27 -- 6 andamento 18 28
Costa Universidade Católica do Rio de Janeiro, titular da Política da artigos (1998 - capítulos 5 concluídas concluídas concluídas
Teixeira 1984), mestrado em Antropologia (Museu Universidade de Saúde / (1992 - 2019) (1996 - (2010 - (2001 - (2002 -
Nacional da Universidade Federal do Rio Brasília (UnB) Etnografia das 2020) 2019) 2020) 2020) 2018)
de Janeiro, 1991), doutorado em Instituições e
Antropologia (Universidade de Brasília, das Práticas de
1997) Poder
Fonte: elaborado pela autora.

92
93

6.2.INSTITUCIONALIZAÇÃO, CONSTRUÇÃO DE REDES COLABORATIVAS E


PRODUÇÃO INTELECTUAL

6.2.1. Intermedicalidade e a Construção do Diálogo entre as Intervenções Públicas de


Saúde e os Povos Indígenas

A pesquisadora Esther Jean Langdon é líder do primeiro grupo de pesquisa de


antropologia da saúde no país. Criado em 1987 e localizado no campo da antropologia, é
intitulado: “Núcleo de Estudos sobre Saúde e Saberes Indígenas” e sediado no Departamento
de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Santa Catarina). As
atividades do grupo estão alinhadas com as perspectivas teóricas e metodológicas construídas
por Langdon ao longo de sua trajetória. Conforme exposto em seu currículo lattes, demonstra
amplas parcerias com diversas universidades e institutos de pesquisa nacionais e estrangeiros e
com experiência na área de “Antropologia, com ênfase em Cosmologia e Saúde, atuando
principalmente nos seguintes temas: antropologia da saúde, saúde indígena, política da saúde
indígena, narrativa e performance, xamanismo e cosmologia”, conforme expresso na descrição
do seu currículo lattes.
Os pesquisadores de sua rede de colaboração, igualmente envolvidos com a saúde
indígena são: Eliane Diehl, Raquel Dias-Scopel, Luiza Garnelo Sônia Maluf, Daniel Scopel,
Marina Cardoso, Carlos Coimbra e Ricardo Ventura Santos. Todos os pesquisadores estão
inseridos em programas de pós-graduação em antropologia, ciências sociais e ciências da saúde.
Luiza Garnelo e Marina Cardoso são parcerias constantes na temática da saúde indígena, na
organização de livros de coletânea de capítulos, participação de bancas em conjunto e eventos
científicos.
Sua tese de doutorado concluída em 1974 transformou-se em livro em 2014, intitulado
“La Negociaçión de lo Oculto: Chamanismo, Medicina y Família entre los Siona del Bajo
Putumayo”. Uma das principais publicações de sua carreira é o livro “Xamanismo no Brasil”
publicado em 1996 pela Editora da UFSC. Seus estudos e publicações sobre Xamanismo
tiveram um impacto importante para o campo da antropologia brasileira e internacional e
favoreceu a aproximação com pesquisadores que possuíam interesse em estudar esse fenômeno,

93
94

em interface com os sistemas médicos tradicionais, compreendidos como sistemas culturais


mais amplos (LANGDON, 2012).
Organizou dois livros que tratam especificamente da saúde indígena. Um deles,
sinalizado em seu currículo lattes como uma das publicações mais relevantes, foi organizado
junto com Maria Luiza Garnelo, em 2004. Intitulado “Saúde dos Povos Indígenas: reflexões
sobre antropologia participativa” e publicado pela Associação Brasileira de Antropologia e a
Editora Contra Capa, reúne uma coletânea de estudos de antropólogos sobre o cenário da saúde
dos povos indígenas no período, que contribuíram para a constituição da área de saúde indígena
ou estavam iniciando suas pesquisas na temática. Uma década depois, no livro “Políticas
públicas: reflexões antropológicas”, que organizou com Grisotti em 2016, atualiza esse debate
em especial no capítulo introdutório intitulado “Os diálogos da antropologia com a saúde:
contribuições para as políticas públicas em saúde indígena”.
Outro livro, organizado com a antropóloga Marina Cardoso (UFSCAR) e publicado em
2015, denomina-se “Saúde Indígena: Políticas Comparadas na América Latina”. Fruto do
acúmulo de experiência das organizadoras e dos autores a respeito do tema, o livro tem o intuito
de contribuir com um balanço e comparação sobre as políticas públicas de saúde indígena e
outros contextos da América Latina; especialmente com pesquisadores mexicanos e
colombianos com os quais Langdon possui estreitas relações.
Em parte da sua obra, Esther Jean Langdon ressalta a importância de se concretizar uma
ponte entre a antropologia e a saúde pública, demonstrando o quanto a antropologia é versátil
a diferentes campos, conforme revela em entrevista publicada em 2009 na Revista Brasileira de
Enfermagem29. Esta atuação tem contribuído para reforçar o recorte do tema da saúde dos povos
indígenas como parte da área de antropologia da saúde no Brasil.
Langdon é considerada uma referência importante na área de Antropologia Médica e da
Saúde, nacionalmente e internacionalmente. Sua atuação na temática da saúde indígena sempre
foi deste lugar, como sempre enfatiza em suas falas públicas em congressos e eventos
científicos. Em parceria com Maj-Lis Follér, escreveu sobre o primeiro mapeamento da área de
antropologia da saúde no Brasil, publicado em 2012 na revista Medical Anthropology e
intitulado “Anthropology of Health in Brazil: A Border Discourse”. No mesmo ano (2012),
com Foller e Sônia Maluf publicaram um artigo no Anuário Antropológico propondo um

29
BECKER, S. et al. Dialogando sobre o processo saúde/doença com a Antropologia: entrevista com Esther Jean
Langdon. Rev Bras Enferm; 62(2): 323-326, mar.-abr. 2009.
94
95

balanço da antropologia da saúde no Brasil e seus diálogos com a antropologia mundial


(LANGDON, FOLLER, MALUF, 2012).
As reflexões acerca do papel da antropologia em políticas interculturais e na política de
saúde indígena (LANGDON, 2006; 2014; 2015) predominaram na sua produção na área de
saúde indígena e se expressam em diferentes publicações ao longo da sua carreira. A publicação
mais recente a respeito desse tópico foi elaborada com Garnelo, em 2018, no periódico “Salud
Coletiva” da Universidade Nacional de Lanús (UNLA), Argentina (LANGDON e GARNELO,
2018). As autoras propõem uma articulação das ciências sociais e da medicina social e saúde
coletiva na América Latina ao trabalharem entraves e desafios na articulação de sistemas
médicos indígenas e a biomedicina.
A pesquisadora parte da perspectiva que as preocupações em torno das interpretações e
práticas sociais acerca do processo de cura, por exemplo, são da mesma ordem que a
compreensão de como os sujeitos constroem o mundo social. Tal perspectiva fundamenta o
trabalho antropológico aplicado às ciências da saúde, conforme especifica no artigo escrito com
o pesquisador Flávio Wiik “Antropologia, saúde e doença: uma introdução ao conceito de
cultura”, publicado em 2010 pela Revista Latino-Americana de Enfermagem.
Na temática da saúde indígena, Langdon geralmente é referenciada como uma das
principais veiculadoras do conceito de intermedicalidade, através do qual pressupõe que deve
haver uma articulação de sistemas médicos indígenas e o sistema médico ocidental
(LANGDON, 2014; LANGDON & DIEHL, 2007; LANGDON, 1998). Suas produções acerca
do subsistema e da política de atenção à saúde indígena enfocam na necessidade de avançar na
articulação dos sistemas médicos e no respeito às diversidades étnicas e aos distintos modos de
produção de vida e saúde destes povos (LANGDON et al, 2018; LANGDON, 2015). Portanto,
apesar de ter atuado de modo conjunto com serviços de saúde, priorizou as reflexões sobre o
papel do antropólogo no campo da saúde e no diálogo com os povos indígenas e os profissionais
de saúde.
Em suas publicações mais recentes, Langdon tem analisado as redes interdisciplinares
em torno da saúde indígena, em especial no campo da antropologia. Em capítulo do livro
“Critical Medical Anthropology: Perspectives in/from Latin America”, publicado em 2020, traz
uma contribuição em autoria com Eliana Diehl sobre o engajamento e implicação dos
antropólogos nas pesquisas e nos serviços de saúde indígena. Em outro capítulo, publicado em
2018, intitulado “Antropologias, Saúde e Contextos de Crises”, introduziu essa reflexão sobre
a participação e contribuição dos antropólogos nas redes interdisciplinares em saúde indígena.

95
96

Langdon possui uma extensa rede internacional, em especial com pesquisadores latino-
americanos, expressa em participação e organizações em eventos científicos, publicações em
periódicos e coletâneas e participação em bancas de mestrado e doutorado. Com relação aos
demais interlocutores do presente trabalho, possui maior produção com Maria Luiza Garnelo.
Contudo, há registros de que organizou eventos, participou de bancas e de coletâneas com
Carlos Coimbra e Carla Costa Teixeira. O que sugere que os pesquisadores estudados compõem
uma mesma rede de pesquisas e interesses. Em síntese, segue uma linha do tempo com os
projetos de pesquisa que Esther Jean Langdon coordenou e integrou em sua trajetória acadêmica
(tabela 5):

96
97

Tabela 5 - Projetos de Pesquisas nos quais Esther Jean Langdon coordenou e/ou participou em sua trajetória (Plataforma Lattes, 2020)
Período Título Descrição Integrantes Financiamento
2014 – Política, Descrição: Componente Indígena de um projeto maior, composta de uma rede de Integrantes: Esther Jean Langdon / Chamada MCTI/CNPq/CT-
Atual Planejamento e pesquisadores nos campos de saúde coletiva. A rede de pesquisa sobre política, Eliana Diehl - Integrante / Nadia Saúde/MS/SCTIE/Decit N
Gestão das Regiões e planejamento e gestão das regiões e redes de saúde no Brasil tem como principal Heusi Silveira - Integrante / Luiza 41/2013
Redes de Atenção à objetivo analisar, sob a perspectiva de diferentes abordagens teórico-metodológicas, os Garnello - Coordenador / Raquel
Saúde no Brasil: processos de organização, coordenação e gestão envolvidos na conformação de regiões Paiva Dias-Scopel - Integrante /
Componente e redes de atenção à saúde, e seu impacto para melhoria do acesso, efetividade e Daniel Scopel - Integrante / Ari
Indígena eficiência das ações e serviços no SUS Ghiggi Jr. - Integrante.
2012 - Documentação, Descrição: Este projeto é a continuação de uma investigação mais extensa que venho Integrantes: Esther Jean Langdon - Instituto Nacional de
Atual tradução e desenvolvendo há vários anos como pesquisadora de CNPQ 1B, articulando os temas Coordenador / Hugo Portela- Pesquisa Brasil Plural -
revitalização de tradução, narrativa, xamanismo e saúde entre os índios Siona da Amazônia Guarin - Integrante / Éverton Luís Auxílio financeiro /
linguística: Tradução colombiana, a partir da perspectiva sociolinguística da performance. Diferentemente Pereira - Integrante / Pedro Coordenação de
colaborativa sob uma de meus esforços no passado, em que as traduções e as análises dos textos foram Musalem Nazar - Integrante Aperfeiçoamento de
perspectiva de orientadas principalmente por preocupações acadêmicas, esta fase de pesquisa e de Pessoal de Nível Superior -
sociolinguística estudos na Colômbia e nos Estados Unidos visa explorar as questões teórico- Bolsa
crítica metodológicas sobre a documentação de línguas em extinção e sua articulação com as
necessidades expressadas pela comunidade e seu uso no desenvolvimento de
estratégias didáticas para a revitalização do idioma.
2011 - Xamanismo como Descrição: O projeto trata da análise do conceito de “xamanismo” e da diversidade de Integrantes: Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
Atual Categoria Dialógica: expressões xamânicas existentes no mundo atual. Também se encontra vinculado à Coordenador / Barbara Bustos - Desenvolvimento
Estudos sobre proposta de formar uma rede internacional de pesquisadores que se dedicam ao estudo Integrante / Isabel Santana de Rose Científico e Tecnológico -
Xamanismos dos xamanismos contemporâneos, resultando em atividades como apresentação de - Integrante / Hugo Portela-Guarin Auxílio financeiro
Contemporâneos trabalhos em eventos, publicação de artigos, colaboração na orientação de alunos, - Integrante / Anne-Marie
elaboração de projetos de pesquisa, participação em bancas e organização de um Losonczy - Integrante / Carlos
congresso internacional sobre o tema Alberto Uribe - Integrante
2001 - Práticas de Descrição: O presente projeto pretende refletir sobre três eixos relacionados ao Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
Atual Autoatenção, Redes, processo de saúde/doença: relações entre biomedicina e práticas de saúde locais; Coordenador / Nadia Heusi Silveira Desenvolvimento
Itinerários e Políticas práticas terapêuticas, especialistas de saúde e emergência de novas formas de atenção - Integrante / Marcos Pelligrini - Científico e Tecnológico -
Públicas à saúde; dinâmicas envolvidas nas práticas de autoatenção em contextos etnográficos Integrante / Laura Perez Gll - Auxílio financeiro /
específicos. Com base nestes eixos, o projeto articula pesquisas que abordam diversas Integrante / Maurício Soares Leite - Instituto Nacional de
formas através das quais os sistemas terapêuticos são acionados para produzir Integrante / Hugo Portela-Guarin - Pesquisa: Brasil Plural -
explicações sobre processos de saúde/doença. O enfoque no caráter relacional, na Integrante Auxílio financeiro.
interação e nas múltiplas vozes que integram o cenário social vincula-se a uma
compreensão das relações sociais ligadas ao processo de saúde/doença como
emergentes e dinâmicas. Ao mesmo tempo, a ênfase na perspectiva do ator social e em
sua capacidade de agência aponta para o fato de que é a partir dos sujeitos e/ou grupos

97
98

sociais que são construídas as articulações entre os diferentes conceitos e práticas


ligados à saúde/doença.
2009 - Instituto Nacional de Descrição: O Instituto propõe apoiar um extenso programa de pesquisa definido em Integrantes: Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
Atual Pesquisa: Brasil torno de algumas problemáticas centrais para o esforço comparativo que o novo Coordenador / SONIA WEIDNER Desenvolvimento
Plural Instituto tem por objetivo fomentar, através da articulação de uma rede de múltiplos MALUF - Integrante / Eliana Diehl Científico e Tecnológico -
pesquisadores vinculados a diversas Instituições de ensino e pesquisa de Santa Catarina - Integrante / Deise Lucy Montardo Auxílio financeiro /
e da Amazônia, particularmente do Estado do Amazonas. A rede se baseia em relações - Integrante / Marcia Calderipe Fundação de Amparo à
pré-existentes, resultados de atividades de ensino, de orientação e de pesquisa Farias Rufino - Integrante / Sidney Pesquisa e Inovação do
realizadas pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) na Antonio da Silva - Integrante Estado de Santa Catarina -
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a colaboração de pesquisa já Auxílio financeiro /
existente entre alguns dos participantes das outras instituições, entre estes da Fundação de Amparo a
Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), Universidade do Oeste de Santa Pesquisa do Estado do
Catarina (UNOESC), Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), Amazonas - Auxílio
Universidade do Vale de Itajaí (UNIVALI); Universidade Federal do Amazonas financeiro / Coordenação de
(UFAM), entre outras. O Instituto pretende expandir a rede de pesquisadores e Aperfeiçoamento de
examinar questões centrais de importância social e política que já estão sendo Pessoal de Nível Superior -
exploradas pelos professores de PPGAS e seus colaboradores em pesquisa. O instituto Bolsa.
conta com mais de 200 pesquisadores e uma rede amplo nacional e internacional. Para
conocer a produção bibliografica ée outras atividades é necessario procurar os sit de
IBP e também os curriculos dos pesquisadores. www.brasilplural.ufsc.br
2008 - Performance: Descrição: Na reconfiguração do pensamento social contemporâneo, o campo da Integrantes: Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
2011 Aspectos Teóricos, performance se apresenta como importante espaço interdisciplinar para a compreensão Coordenador. Desenvolvimento
Estéticos e Políticos dos gêneros de ação simbólica. A antropologia da performance, que surge nas Científico e Tecnológico -
interfaces de estudos do ritual, do teatro e da interação social, amplia questões clássicas Bolsa
do primeiro para tratar um conjunto de gêneros performativos encontrados em todas as
sociedades do mundo globalizado, incluindo ritual, teatro, música, dança, festas,
narrativas, cultos, manifestações étnicas, movimentos sociais e políticos e encenações
da vida cotidiana. O objetivo desta pesquisa é propiciar uma oportunidade para reflexão
sobre diferentes abordagens e recortes conceituais no campo da antropologia da
performance, e também realizar pesquisa etnográfica e análise dos dados já
colecionados durante minhas pesquisas sobre xamanismo, narrativa, experiência e
saúde.
2008 - Projeto Avaliação do Esta pesquisa tem como objetivo central avaliar de que modo a proposta de uma Esther Jean Langdon - Fundação Nacional de
2010 modelo de atenção atenção diferenciada à saúde indígena vem sendo implementada nas realidades Coordenador / Maria Conceição de Saúde - Presidência
diferenciada aos Kaingáng de Santa Catarina e Munduruku do Amazonas. Com a implantação dos Oliveira - Integrante / Eliana Diehl
povos indígenas: os Distritos Sanitários Especiais Indígenas em 1999, aumentou nas Terras Indígenas o - Integrante / Raquel Paiva Dias-
casos Kaingáng número de profissionais envolvidos na atenção à saúde, no intuito de desenvolver Scopel - Integrante / Daniel Scopel
(Santa Catarina) e formas de atenção diferenciada e de incrementar a participação dos índios nos serviços - Integrante / Philippe Hanna de

98
99

Munduruku de saúde, bem como de contribuir para a qualidade dos serviços num contexto Almeida Oliveira - Integrante / Ari
(Amazonas) intercultural. Um dos princípios da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Ghiggi Jr. - Integrante / Maurício
Indígenas é o da atenção diferenciada, que deve tanto contemplar a especificidade Soares Leite - Integrante /
sociocultural do grupo como reconhecer a eficácia da sua medicina e os direitos à sua SANDRA CAROLINA
cultura. Assim, as diretrizes da Política contemplam, entre outras, a necessidade de PORTELA-GARCÍA - Integrante
articulação dos sistemas tradicionais indígenas de saúde com os serviços de saúde. Nas
aldeias, a Equipe Multiprofissional de Saúde Indígena (EMSI) deve realizar a atenção
básica, articulando suas ações com os serviços de média e alta complexidades do
Sistema Único de Saúde. Apesar da importância atribuída ao conceito de atenção
diferenciada e do aumento do número de profissionais das EMSI, são raras as pesquisas
que visem avaliar o modo como ele vem sendo concretizado. Os objetivos específicos
deste projeto visam identificar o perfil epidemiológico dos problemas definidos como
focos da pesquisa ("problemas-foco": hipertensão arterial, diabetes mellitus e
alimentação e nutrição), os problemas de saúde definidos pelas comunidades como
sendo prioritários e as situações nas quais acontece a participação da comunidade. No
que se refere às EMSI, serão identificadas a composição e o perfil das Equipes, as
estratégias institucionais de capacitação a elas dirigidas, os programas de saúde e as
ações previstas e aquelas efetivamente realizadas pelas EMSI
2008 - MODELO Este projeto investiga como o grupo familiar Guarani-Kaiowá (Mato Grosso do Sul) Esther Jean Langdon - Integrante / Ministério da Saúde -
2010 EXPLICATIVO interpreta o estado psicopatológico crônico de um parente, considerado doente do Ribas, Dulce L.B. - Coordenador / Auxílio financeiro
DOS FAMILIARES ponto de vista da Psiquiatria clínica. Trata-se de avaliar a experiência da enfermidade Silva, Antonio Carvalho -
DE PACIENTES enquanto uma realidade construída por processos significativos intersubjetivamente Integrante
PSIQUIÁTRICOS partilhados dos participantes engajados em um processo clínico. Dessa forma,
INDÍGENAS consideramos o modelo explicativo como um conjunto de proposições ou
GUARANI- generalizações, explícitas ou tácitas, sobre a patologia que determinam o que é
KAIOWÁ SOBRE considerado como evidência clínica relevante e como esta evidência é organizada e
A PSICOSE interpretada para abordagens racionalizadas de tratamento específico?. Tomar
CRÔNICA consciência de uma patologia é organizar um somatório de fatos em algo compreensivo
e, portanto, significativo. A enfermidade constitui-se em uma interpretação e em um
julgamento sobre os processos biológicos e socais atribuídos a fisiopatologia. A
construção do significado desta experiência parte de processos interpretativos
adquiridos na vida cotidiana e a legitimação da doença pelos seus pares semelhantes.
Atendendo as demandas da atenção diferenciada, esperamos entender de que modo os
conhecimentos da Psiquiatria clínica podem se inserir no processo de diagnóstico e
tratamento indígena, de forma culturalmente aceitável. Também, esperamos que a
pesquisa fornece subsídios para a orientação e supervisão dos profissionais da saúde
que atendem às aldeias Guarani-Kaiowá do Sul do MS, para darem continuidade
adequada ao acompanhamento dos pacientes psiquiátricos

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2008 - SAÚDE: A Rede de Pesquisas em Saúde tem como objetivo construir instrumentos teóricos e Esther Jean Langdon - Coordenação de
Atual PRÁTICAS etnográficos sobre os processos de saúde, doença e atenção, enfatizando as relações Coordenador / SONIA WEIDNER Aperfeiçoamento de
LOCAIS, entre biomedicina e práticas de saúde locais; práticas terapêuticas, especialistas de MALUF - Integrante / Eliana Diehl Pessoal de Nível Superior -
EXPERIÊNCIAS E saúde e emergência de novas formas de atenção à saúde; dinâmicas envolvidas nas - Integrante / Maria Luiza Garnelo Bolsa / Fundação de
POLÍTICAS práticas de autoatenção em contextos etnográficos específicos. Em particular, interessa - Integrante / Theophilos Rifiotis - Amparo a Pesquisa do
PÚBLICAS à Rede comprender como as políticas públicas em saúde vêm sendo implementadas em Integrante / GRISOTTI, Marcia - Estado do Amazonas -
diferentes contextos específicos, buscando desvendar os seus impactos e as estratégias Integrante / Maximiliano Loiola Auxílio financeiro /
que os sujeitos e coletividades sociais usam para aproveitar as novas possibilidades Ponte de Souza - Integrante Fundação de Amparo à
oferecidas, com base nos princípios de humanização, equidade, universalidade e Pesquisa e Inovação do
participação social do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto articula pesquisas que Estado de Santa Catarina -
abordam diversas formas através das quais os sistemas terapêuticos são acionados para Auxílio financeiro /
produzir explicações sobre processos de saúde-doença. O enfoque no caráter Universidade Federal de
relacional, na interação e nas múltiplas vozes que integram o cenário social vincula-se Santa Catarina -
à uma compreensão das relações sociais ligadas ao processo de saúde-doença como Cooperação / Universidade
emergentes e dinâmicas, levando em consideração ainda as interseccionalidades de Federal do Amazonas -
gênero, raça, classe e geração. Ao mesmo tempo, a ênfase na perspectiva do ator social Cooperação / Conselho
e em sua capacidade de agência aponta para o fato de que é a partir dos sujeitos e/ou Nacional de
grupos sociais que são construídas as articulações entre os diferentes conceitos e Desenvolvimento
práticas ligados à saúde-doença. Científico e Tecnológico -
Auxílio financeiro.
2007 - Práticas de Auto- Descrição: Esse projeto se propõe a dar continuidade a outras pesquisas realizadas Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
2009 Atenção em dentro do âmbito de Núcleo de Saberes e Saúde Indígena (NESSI) sobre xamanismo, Coordenador / Nadia Heusi Silveira Desenvolvimento
Contextos de o processo de doença, itinerário terapêutico, atenção diferenciada e política de saúde - Integrante / Isabel de Rose - Científico e Tecnológico -
Intermedicalidade: indígena, ultimamente englobadas na pesquisa intitulada A Nova Política de Saúde Integrante / Jeffrey Scott Gorham - Auxílio financeiro
Xamanismo, Indígena no Brasil: o conceito de ?atenção diferenciada? e a pesquisa e intervenção Integrante / Aline Ferreira Oliveira
Corporalidade, e antropológica. O aspecto-chave que vem sendo discutido nos projetos anteriores é a - Integrante
Discursos prática da atenção diferenciada, com a pretensão de desmistificar as práticas
terapêuticas, reconhecendo sua dimensão altamente dinâmica. Também, algumas
destas pesquisas têm visado examinar as práticas comunicativas e relações com o outro
nestas situações. Aqui visamos documentar as práticas de auto-atenção e as relações
dos Guarani e Yanomami com os profissionais de saúde em situações interculturais,
com o intuito de compreender melhor as situações de intermedicalidade. Ambas etnias
têm sido sofrido nos últimos anos doenças e epidemias resultantes de suas relações com
a sociedade envolvente. Estes problemas com a saúde também têm sido alvo de
denuncias e conflitos sobre as medidas adequadas para reverter esta situação (Ramos
1995; Colchester 1985). Os Guarani tendem a sofrer de doenças carenciais, tais como
desnutrição, suicídio e abuso de álcool, enquanto que os Yanomami, por ter menos

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tempo de contato, estão ainda na fase de epidemias de novas doenças trazidas pelos
não-índios, tais como malária e as infecções respiratórias.
2007 - Medicamentos nos Descrição: Na atenção à saúde, os medicamentos são insumos fundamentais para as Integrantes: Esther Jean Langdon - Ministério da Saúde -
2009 contextos locais ações e serviços desenvolvidos nos seus diferentes níveis de complexidade, estando Coordenador / Eliana Diehl - Auxílio financeiro
indígenas Kaingáng ainda presentes nos mais variados contextos. A Política Nacional de Integrante.,
e Xokleng (Santa Medicamentos/PMN e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica visam
Catarina) assegurar o acesso a medicamentos eficazes, custo-efetivos, seguros e de qualidade a
todos os cidadãos brasileiros. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas/PNASPI, em consonância com a PNM, orienta as ações de assistência
farmacêutica e referenda alguns importantes pressupostos, como a descentralização da
gestão da assistência farmacêutica no âmbito dos 34 Distritos Sanitários Especiais
Indígenas/DSEIs, a promoção do uso racional de medicamentos essenciais básicos, a
utilização de protocolos terapêuticos considerando as variáveis socioculturais, entre
outros. Essa pesquisa, juntamente com outras pesquisas realizadas pela coordenadora
em Santa Catarina, indicam que após mais de nove anos da implementação da PNASPI,
os serviços de saúde são altamente burocráticos, hierarquizados e ainda centralizados,
orientados para ações mais curativas, repercutindo na manutenção da
hipermedicalização da vida indígena. Os medicamentos são fortemente demandados
pelas populações indígenas, quer seja por fatores históricos, por observarem sua
eficácia, ou mesmo por serem inseridos nos processos tradicionais de autoatenção e de
circulação e distribuição de recursos. Por outro lado, as intervenções biomédicas, para
além do uso racional, utilizam exageradamente os medicamentos. Entre os indígenas,
as práticas de autoatenção, como a automedicação por ervas e medicamentos,
constituem o primeiro nível da atenção, utilizadas simultaneamente ou não aos serviços
biomédicos. Por sua vez, os profissionais de saúde e gestores sistematicamente ignoram
que o comportamento cotidiano dos indígenas na busca por atenção é orientado pelos
conhecimentos e culturas locais, experiência individual.
2005 - Um estudo sobre os Não informado Esther Jean Langdon - Conselho Nacional de
2010 usos do conceito de Coordenador / SONIA WEIDNER Desenvolvimento
performance em MALUF - Integrante / Luciana Científico e Tecnológico -
pesquisas Hartmann - Integrante / Deise Lucy Auxílio financeiro.
antropológicas no Montardo - Integrante / Isabel de
Brasil Rose - Integrante / Jeffrey Scott
Gorham - Integrante / Philippe
Hanna de Almeida Oliveira -
Integrante / Aline Ferreira Oliveira
– Integrante

101
102

2003 - Percepção e Descrição: Comparar a percepção da depressão, incluindo percepção dos sintomas e Integrantes: Esther Jean Langdon - Não informado
2007 expressão de dos tratamentos apropriados, pelos membros de três grupos étnicos (descendentes de Coordenador / Souza, Luciana
sintomas depressivos açorianos, italianos e alemães residentes em Santa Catarina), assim como a expressão Hammes de - Integrante /
em três grupos de depressão através do Inventario Beck de Depressão nestes grupos. Furlanetto, Leticia M. - Integrante /
culturais Peruchi Mirella M - Integrante /
catarinenses: Lin, Jaime - Integrante
açorianos, italianos e
alemães
2003 - O Subsistema de o papel do Agente Indígena de Saúde e a articulação entre as práticas de medicina Integrantes: Esther Jean Langdon - Fundação de Amparo à
2005 Atenção à Saúde do tradicional e a biomedicina, Descrição: Esta pesquisa tem como objetivo central o Coordenador Pesquisa e Inovação do
Índio em Santa acompanhamento e a análise da formação e do papel do Agente Indígena de Saúde Estado de Santa Catarina -
Catarina (Distrito (AIS) na atenção básica dirigida às comunidades indígenas de Santa Catarina. Ao AIS Auxílio financeiro
Sanitário Especial tem sido atribuída uma função estratégica fundamental no contexto intercultural, como
Indígena Interior agente de transformação, na busca da melhoria da qualidade de vida e autonomia de
Sul): seus respectivos povos? (SANTOS et al., 1996: 8). Com a implantação dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas em 1999 (BRASIL, 1999a; 1999b; 1999c), aumentou o
número de AIS capacitados e contratados para trabalhar com as Equipes
Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI) nas Terras Indígenas, no intuito de
desenvolver formas de atenção diferenciada e de incrementar a participação dos índios
nos serviços de saúde, bem como contribuir para a qualidade dos serviços num contexto
intercultural.
1989 - Xamanismo, Descrição: Pesquisa individual tratando dos temas relacionados ao xamanismo, Integrantes: Esther Jean Langdon – Conselho Nacional de
Atual Narrativa e Doença narrativa e doença entre os índios Siona Coordenador Desenvolvimento
Científico e Tecnológico -
Bolsa
1983 - Práticas de O projeto pretende refletir sobre três eixos relacionados ao processo de saúde/doença: Integrantes: Esther Jean Langdon - Não informado
1988 Autoatenção, Redes, relações entre biomedicina e práticas de saúde locais; práticas terapêuticas, Coordenador / Marina Cardoso -
Itinerários e Políticas especialistas de saúde e emergência de novas formas de atenção à saúde; dinâmicas Integrante / Marcos Pelligrini -
Públicas envolvidas nas práticas de autoatenção em contextos etnográficos específicos. Com Integrante / Maurício Soares Leite -
base nestes eixos, o projeto articula pesquisas que abordam diversas formas através das Integrante / Hugo Portela-Guarin -
quais os sistemas terapêuticos são acionados para produzir explicações sobre processos Integrante.
de saúde/doença. O enfoque no caráter relacional, na interação e nas múltiplas vozes
que integram o cenário social vincula-se a uma compreensão das relações sociais
ligadas ao processo de saúde/doença como emergentes e dinâmicas. Ao mesmo tempo,
a ênfase na perspectiva do ator social e em sua capacidade de agência aponta para o
fato de que é a partir dos sujeitos e/ou grupos sociais que são construídas as articulações
entre os diferentes conceitos e práticas ligados à saúde/doença.
Fonte: elaborado pela autora.

102
103

6.2.2. Epidemiologia, antropologia médica e condições de vida e saúde dos povos


indígenas

O Pesquisador Carlos Coimbra criou em 1992 o primeiro grupo específico de saúde


indígena inserido no campo da saúde coletiva, intitulado “Saúde, Epidemiologia e Antropologia
dos Povos Indígenas”, vinculado à ENSP/FIOCRUZ (Rio de Janeiro/RJ). A formação do grupo
ocorreu em um contexto de busca de institucionalização dos grupos de pesquisa e dos
pesquisadores de saúde coletiva. De acordo com as informações do seu currículo lattes, seus
interesses de pesquisa e docência concentram-se nas áreas de “epidemiologia e antropologia
da saúde; saúde dos povos indígenas e doenças infecciosas e parasitárias”. Em sua rede de
colaboração verifica-se uma ampla parceria com pesquisadores no Brasil e no exterior,
inclusive com Esther Jean Langdon e Maria Luiza Garnelo.
Coimbra é bolsista de produtividade do CNPq na área de Saúde Coletiva e revisor de
dezenas de periódicos classificados como Qualis A; fator que o qualifica como um pesquisador
altamente reconhecido no campo da saúde coletiva. Durante vinte anos como editor do
periódico Cadernos de Saúde Pública – que concentra a maior quantidade de publicações em
saúde indígena – produziu importantes reflexões sobre o cenário nacional e internacional da
produção científica em saúde.
Seu maior parceiro de produção científica ao longo de sua trajetória acadêmica é o
pesquisador Ricardo Ventura Santos. Parte dos seus atuais parceiros são ex-alunos e
orientandos, como os pesquisadores James Welch e Andrey Moreira Cardoso. Outros
orientandos atualmente possuem seus grupos e linhas de investigação em saúde indígena
cadastrados no CNPq, como: Ana Lúcia Escobar, Paulo Basta, Silvia Gugelmin, Maurício
Leite, Felipe Tavares, Aline Ferreira, entre outros.
Em 2005, Coimbra organizou, com Ricardo Ventura Santos e Ana Lúcia Escobar, o
livro “Epidemiologia e Saúde dos Povos Indígenas no Brasil” pela editora Fiocruz em parceria
com a ABRASCO. O livro consiste na primeira e principal publicação de estudos
epidemiológicos sobre os povos indígenas em diálogo com a antropologia, demografia e outras
áreas do campo da saúde coletiva. A publicação aborda condição nutricional, internação
hospitalar, uso de bebidas alcóolicas, formação de agente indígena de saúde, avaliação do
processo de implantação do DSEI, entre outras questões. Este livro retrata o posicionamento de
Coimbra acerca da defesa da produção de informações demográficas e epidemiológicas das

103
104

condições de saúde dos povos indígenas, de modo que seja possível compará-los aos do restante
da população brasileira30.
Paralelo à produção sobre saúde dos povos indígenas, Coimbra desenvolveu produções
a respeito da área de ciências sociais em saúde, concretizada em 2005 no livro “Críticas e
Atuantes: Ciências Humanas e Sociais em Saúde na América Latina”, organizado com Maria
Cecília Minayo. Em seu currículo lattes o livro está indicado como uma de suas produções mais
relevantes.
Coimbra foi um dos idealizadores e fundadores do grupo de trabalho (GT) sobre saúde
indígena em 2000 no âmbito da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). O GT
congrega pesquisadores em saúde indígena vinculados a programas de pós-graduação no campo
da saúde coletiva no país. O documento do GT, escrito em setembro de 2013, demonstra o
modo como o grupo se posiciona diante das políticas públicas de saúde indígena:
O Grupo de Trabalho em Saúde Indígena da Abrasco foi constituído em 2000 e desde
então vem participando da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI/CNS) e de
outros fóruns em prol da saúde dos povos indígenas (...) A ABRASCO, diante do
exposto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos constitucionais dos
povos indígenas no Brasil, expressos na garantia da integridade de seus territórios e
de sua cultura, acesso às políticas sociais e efetiva participação nos espaços decisórios
da política indigenista. A ABRASCO apoia o direito dos indígenas à atenção
diferenciada à saúde e conclama a efetiva implementação do Subsistema com
qualidade e sensibilidade à diversidade cultural.

A primeira população indígena com a qual Coimbra teve contato foi com os Suruí e
posteriormente com os Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa (a partir da parceria com
Nancy Flowers). O vínculo e o trabalho contínuo com este último grupo permitiram que o
pesquisador e sua equipe pudessem acompanhar o desenvolvimento de enfermidades e
mudanças nos comportamentos individuais e coletivos. Ademais, favoreceu a incorporação e
articulação de diferentes campos das ciências da saúde para a compreensão dos fenômenos
sociosanitários31. Um dos resultados desta parceria resultou na publicação do livro “The
Xavánte in Transition:Health, Ecology and Bioanthropology in Central Brazil”, no ano de 2002,
pela editora da University of Michigan Press; indicado pelo autor em seu currículo como uma
das suas produções mais relevantes (COIMBRA Jr et al, 2002).
A importância da dimensão nutricional aproximou a área da nutrição da antropologia e
da saúde indígena, com a realização e crescimento substancial de importantes estudos nessa

30
Palestra realizada na Escola Nacional de Saúde Pública em 16 de abril de 2015 e disponível no vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=hb5vPxS8Eas. Acessado em 15 de outubro de 2020.
31
Entrevista realizada durante o 12ª Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, disponível no vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=kUtGeEECy7Q. Acessado em 15 de outubro de 2020.

104
105

interface, muitos realizados com a população Xavante (COIMBRA, 2014) 32. Em parceria com
Ricardo Santos e outros colaboradores, o pesquisador coordenou o “I Inquérito Nacional de
Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas”, que se realizou pela parceria entre ABRASCO em
2008-2010 e o Departamento Nacional de Saúde Indígena (nesse período vinculado à Funasa,
e atualmente à SESAI-MS). As informações produzidas pelo Inquérito permitem compreender,
de modo mais abrangente, as condições alimentares e de saúde de crianças e mães indígenas no
âmbito nacional. Igualmente possibilitou a comparabilidade com dados epidemiológicos da
população nacional, tornando-se um marco para a saúde coletiva brasileira.
Do inquérito desdobraram-se inúmeras pesquisas e publicações por integrantes do grupo
de pesquisa, com destaque para três artigos publicados em 2019 e 2020, sendo dois em revistas
internacionais: “Avaliação da atenção pré-natal ofertada às mulheres indígenas no Brasil:
achados do Primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas”
(GARNELO et. al, 2019); “Socioeconomic determinants of excess weight and obesity among
Indigenous women: findings from the First National Survey of Indigenous People’s Health and
Nutrition in Brazil”, na Public Health Nutrition (COIMBRA Jr et. al, 2020); “Food profiles of
Indigenous households inBrazil: Results of the First National Survey of Indigenous Peoples’
Health and Nutrition”, na revista Ecology of Food and Nutrition (WELCH et. al, 2020). Em
síntese, segue uma linha do tempo com os projetos de pesquisa que Carlos Coimbra coordenou
e integrou em sua trajetória acadêmica (tabela 6):

32
COIMBRA, C. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e
Nutrição Indígena. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 30(4):855-859, abr, 2014
105
106

Tabela 6 - Projetos de Pesquisas nos quais Carlos Coimbra coordenou e/ou participou em sua trajetória (Plataforma Lattes, 2020)
Período Título Descrição Integrantes Financiamento
2018 - Estudo Exploratório das Descrição: A proposta visa investigar as condições de vida e saúde da população rural Integrantes: Carlos Everaldo (CNPq) Conselho
Atual Condições de Vida, Saúde e ribeirinha - aqui entendida como grupo étnico-político específico - que vive na calha do Rio Alvares Coimbra Junior - Nacional de
Acesso aos Serviços de Negro, entre os municípios de Manaus e Novo Airão no Amazonas, bem como suas Integrante / Luiza Garnelo - Desenvolvimento
Saúde de Populações condições de busca, acesso e uso de serviços da Estratégia Saúde da Família, do Sistema Coordenador / Bernardo Lessa Científico e
Rurais Ribeirinhas de Único de Saúde, que atua nesta região. De interesse da pesquisa são também os modelos Horta - Integrante / Ana Lúcia Tecnológico -
Manaus e Novo Airão, assistenciais e as estratégias de organização e funcionamento dos serviços de atenção Pontes - Integrante / 13. Esron Auxílio financeiro.
Amazonas primária ali ofertados, além do acesso funcional e geográfico aos centros especializados, Soares Carvalho Rocha -
disponíveis nas sedes municipais. Tem como objetivo geral investigar as condições de vida Integrante
e de acesso, uso e oferta de serviços de saúde para a população rural ribeirinha na calha do
Rio Negro no município de Manaus. A metodologia prevê um componente quantitativo,
apoiado na busca de dados secundários e inquérito de base populacional, visando produzir
perfis sociodemográficos, indicadores de saúde da população; avaliação da estrutura da
rede assistencial e indicadores de produção e de resultados das ações de saúde. O
componente qualitativo compreende etnografia da organização dos serviços, de ações
ofertadas nas unidades de saúde e dos itinerários terapêuticos que orientam a busca, acesso
e interação dos usuários com os serviços oficiais de saúde. Serão estudados os moradores
(estimados em 3.578 pessoas) de 25 assentamentos rurais atendidos pela rede municipal de
saúde rural de Manaus, bem como a rede de serviços de saúde e os profissionais que neles
atuam. Espera-se que os resultados alcançados possam contribuir para a futura formulação
de políticas de saúde rural em espaços amazônicos e para o reordenamento dos modelos de
atenção adequados às populações interioranas. A proposta é parte integrante de uma
iniciativa mais ampla do Instituto Leônidas e Maria Deane - Fiocruz, voltada para o
desenvolvimento de pesquisas e ações de qualificação de pessoal para o SUS no interior do
estado do Amazonas. Trata-se de iniciativa estratégica, já em curso, que visa ampliar e
consolidar a interiorização das atividades do instituto, contribuindo para ampliação do
conhecimento sobre a socio e biodiversidade amazônica. Objetivos: Objetivo geral:
Investigar situações de saúde e perfil de acesso e uso de serviços de atenção primária à
saúde de populações rurais do município de Manaus, Amazonas. Objetivos específicos: a)
Avaliar as condições de estrutura, processos de trabalho, organização e oferta de serviços
de atenção primária à saúde no território selecionado; b) Avaliar condições de acesso e
utilização dos serviços de saúde em populações específicas de interesse do projeto; c)
Descrever o perfil sociodemográfico e sanitário de populações rurais que vivem no
território selecionado; d) Desenvolver estudos qualitativos sobre o viver e cuidar da saúde,
abrangendo estratégias de auto-atenção, acesso e uso de serviços oficiais de saúde; e)
Analisar as ações propostas pela gestão municipal de saúde para a área rural, com ênfase
nas suas potencialidades em atender as demandas específicas deste território.
106
107

2017 - Saúde dos Povos Indígenas Nas últimas décadas, diversos países da América do Sul promulgaram constituições Integrantes: Carlos Everaldo Não informado
Atual no Brasil: Perspectivas federais que, em larga medida, reinterpretaram as relações entre cidadãos e os Estados Alvares Coimbra Junior -
Históricas, Socioculturais e Nacionais. O Brasil seguiu essa tendência, incorporando princípios como a equidade social Integrante / Ricardo Ventura
Políticas e o multiculturalismo em sua Constituição de 1988, que vem exercendo importante e Santos - Coordenador / Luiza
crescente influência nas políticas públicas em geral, o que inclui a relação com os povos Garnelo - Integrante / James
indígenas. Durante a última década, têm sido realizados diversos estudos de recorte Robert Welch - Integrante /
histórico e antropológico voltados para analisar as condições sócio-políticas que permitiram Ana Lúcia Pontes - Integrante.
a emergência e consolidação da política nacional de saúde para as populações indígenas no
Brasil. Nas abordagens analíticas sobre o processo de constituição da atual política pública
no campo da saúde dos povos indígenas, até o momento pouca ênfase tem sido dada quanto
ao papel dos movimentos sociais, incluindo líderes comunitários e ações políticas de
grupos, cuja interação ajudou moldar os conteúdos e diretrizes das políticas de saúde.
Através de um enfoque das ciências sociais voltadas para a análise de dinâmicas históricas
e contemporâneas, este projeto visa investigar a trajetória e os contextos atuais das políticas
de saúde voltadas para os povos indígenas com foco na perspectiva e no ativismo do
movimento social e das comunidades indígenas. Para atingir esse objetivo geral, englobará
três objetivos específicos: 1) investigar como o ativismo social indígena, através da atuação
dos movimentos sociais, contribuiu para a construção de uma governança participativa na
política de saúde indígena; 2) analisar como a situação de saúde e demografia dos povos
indígena é apresentada nos sistemas nacionais de informação e como são
interpretados/apropriados pelos movimentos indígenas; 3) com base em abordagem
etnográfica, investigar como as comunidades indígenas têm experienciado, interpretado e
implantado localmente as políticas sociais direcionadas para diminuir as disparidades
sociais e a insegurança alimentar.
2017 - Saúde, Transição Descrição: Se acompanhará a totalidade da população de ambos os sexos e na faixa etária Integrantes: Carlos Everaldo (CNPq) Conselho
Atual Nutricional e Cultura de interesse (adultos 18 anos) obtendo-se um perfil nutricional e de saúde a partir das Alvares Coimbra Junior - Nacional de
Alimentar em seguintes variáveis: peso, estatura, Índice de Massa Corpórea (IMC), perímetro de cintura, Coordenador / Ricardo Ventura Desenvolvimento
Comunidades Indígenas percentual de gordura, glicemia ocasional e pressão arterial. O perfil de atividade física será Santos - Integrante / James Científico e
das Regiões Norte e feito por meio de aplicação de questionário adaptado do “International Physical Activity Robert Welch - Integrante / Tecnológico -
Centro-Oeste do Brasil: Questionnary” (IPAQ) e de levantamento de alocação de tempo. Também se realizará o Felipe Guimarães Tavares - Auxílio financeiro
Xavante, Baníwa e Sateré- perfil sociodemográfico dos indivíduos acompanhados a partir de questionário. Outro Integrante / Aline A. Ferreira -
Mawé, componente do trabalho de campo nas três localidades será a realização de etnografia com Integrante
a associação de um conjunto de técnicas de pesquisa de campo como: a observação
participante do processo de produção e consumo de alimentos; entrevistas individuais e
coletivas; registro sistemático de mitos e ritos alimentares e das técnicas e simbolismo de
punção de fontes alimentares. O escopo da etnografia a ser produzida abrangerá a
investigação das dimensões simbólicas e as práticas do sistema de pensamento, produção,
circulação, preparo e consumo de alimentos, ritos e comportamentos alimentares indígenas.

107
108

As dimensões de análise taxonômica incluirão a nomeação indígena, classificação segundo


grupos e propriedades alimentares indígenas, disponibilidade temporal e geográfica e
outros atributos qualitativos. Entender o alimento como parte do ambiente de onde provêm
e como parte integral da cultura que lhe atribui sentido, propicia um reencontro com o
conceito de sistema alimentar sob um olhar teórico ainda pouco desenvolvido no campo da
saúde coletiva. Este será entendido na pesquisa como produto de uma interação entre o
ambiente físico, a sociedade indígena, e o conjunto de ideias e valores que subjazem as
dinâmicas do sistema alimentar. O projeto aqui apresentado expressa a busca de aliar as
reflexões epidemiológicas e antropológicas sobre o tema da alimentação e nutrição
indígena para subsidiar a construção de iniciativas locais e políticas públicas, que possam
amenizar o grave quadro de insegurança alimentar que ameaça os grupos indígenas,
produzindo estratégias específicas e culturalmente sensíveis às peculiaridades dessa
população.
2016 - Saúde, Transição Descrição: O objetivo geral da pesquisa é investigar o processo de transição nutricional e Carlos Everaldo Alvares (CNPq) Conselho
Atual Nutricional e Cultura alimentar em três etnias das regiões Centro-Oeste e Norte, correlacionando as dimensões Coimbra Junior - Coordenador / Nacional de
Alimentar em simbólicas da cultura alimentar com o perfil nutricional e o padrão de atividades físicas das Luiza Garnelo - Integrante / Desenvolvimento
Comunidades Indígenas populações indígenas. James Robert Welch - Científico e
das Regiões Norte e Integrante / Ana Lúcia Pontes - Tecnológico -
Centro-Oeste do Brasil: Integrante / Marcelo Rocha Auxílio financeiro
Xavante, Baníwa e Sateré- Radicchi - Integrante /
Mawé Francinara Guimarães -
Integrante
2009 - Diferenciação Não há estudos de abrangência nacional que descrevam o perfil nutricional dos povos Integrantes: Carlos Everaldo Conselho Nacional
2011 Socioeconômica e indígenas no Brasil. Pesquisas epidemiológicas recentes, realizadas em diversas Alvares Coimbra Junior - de Desenvolvimento
Epidemiologia das comunidades indígenas no país e em geral de recorte transversal, têm se constituído nas Coordenador / Ricardo Ventura Científico e
Doenças Crônicas Não- únicas fontes de informação sobre o tema. Em seu conjunto, esses estudos apontam para Santos - Integrante / Sílvia Tecnológico -
Transmissíveis em uma tendência de acelerada transição nutricional e epidemiológica, com o surgimento e Ângela Gugelmin - Integrante / Auxílio financeiro.
Sociedade Indígenas no rápida progressão da obesidade e doenças crônicas associadas. O presente projeto pretende James Robert Welch -
Brasil: os Xavante de Mato realizar estudo longitudinal visando monitorar o estado nutricional e a incidência de Integrante / Maurício Viana
Grosso hipertensão arterial e diabetes mellitus em adolescentes e adultos Xavante de duas aldeias Gomes de Oliveira - Integrante
da Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso, ao longo de 24 meses. Trata-se do / Aline Alves Ferreira -
primeiro estudo com essas características a ser realizado no país. Serão ainda investigadas Integrante.
a situação alimentar/nutricional e seus fatores determinantes socioeconômicos, culturais e
comportamentais, com ênfase na associação entre obesidade, hipertensão arterial e diabetes
mellitus vis-à-vis o processo de diferenciação socioeconômica em curso na comunidade
2009 - Mudanças Sociais, As condições de saúde e nutrição dos povos indígenas no Brasil são ainda pouco conhecidas Carlos Everaldo Alvares Fundação Oswaldo
Atual Desigualdades e e não há estudos de abrangência nacional que descrevam o perfil nutricional desses povos. Coimbra Junior - Coordenador / Cruz - Auxílio
Epidemiologia das Pesquisas epidemiológicas recentes, no entanto, apontam para uma tendência de acelerada Ricardo Ventura Santos - financeiro.

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Doenças Cronicas Não- transição nutricional e epidemiológica, com o surgimento e rápida progressão da obesidade Integrante / Sílvia Ângela
Transmissíveis: Os Índios e doenças crônicas associadas nesses povos. Conforme evidenciado por alguns autores (ver Gugelmin - Integrante / James
Xavante de Mato Grosso Santos & Coimbra 2003), o processo de transição observado nas populações indígenas Robert Welch - Integrante /
vincula-se a mudanças no padrão de consumo de alimentos, assim como em alterações nos Maurício Viana Gomes de
padrões de atividade física. Há, contudo, uma dimensão de significativa importância no Oliveira - Integrante / Aline
processo de transição em saúde dos povos indígenas que, até o momento, não tem sido Alves Ferreira - Integrante
sistematicamente investigada a emergência de estratificação socioeconômica. O objetivo
deste projeto é conduzir uma investigação epidemiológica e antropológica sobre a relação
entre diferenciação socioeconômica interna a uma sociedade indígena e suas influências
sobre a emergência de doenças crônicas não-transmissíveis, destacando-se a obesidade,
hipertensão e diabetes mellitus. O estudo será realizado entre os índios Xavante da Terra
Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso, onde os pesquisadores já vêm realizando
diversos estudos relacionados aos efeitos das mudanças sociais, econômicas e ambientais
sobre a saúde e nutrição.
2008 - Inquérito Nacional de A configuração atual da saúde dos povos indígenas no Brasil resulta de complexa trajetória Carlos Everaldo Alvares Fundação Nacional
2015 Saúde e Nutrição dos Povos histórica, responsável por grandes atrasos para os indígenas em relação aos avanços sociais Coimbra Junior - Coordenador / de Saúde -
Indígenas, verificados no país ao longo das últimas décadas, particularmente nos campos da saúde, Rui Arantes - Integrante / Ana Presidência -
educação, habitação e saneamento. O I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena Lúcia Escobar - Integrante / Auxílio financeiro /
foi um estudo transversal de base populacional nacional sobre situação nutricional e seus Ricardo Ventura Santos - Banco Mundial -
determinantes em mulheres indígenas de 14 a 49 anos e crianças indígenas menores de Integrante / Luiza Garnelo - Auxílio financeiro.
cinco anos. A coleta de dados aconteceu entre 2008-2009, ocorreu em 113 aldeias em todo Integrante / Maurício Soares
o país e foram entrevistadas 6.692 mulheres e 6.128 crianças. O inquérito teve Leite - Integrante / Silvia
representatividade regional, segundo quatro macrorregiões -- Norte, Nordeste, Centro- Angela Gugelmin - Integrante /
Oeste e Sul/Sudeste -- e incluindo aldeias em todos os distritos sanitários especiais Jesem Douglas Yamall
indígenas e estados brasileiros Orellana - Integrante / Andrey
Moreira Cardoso - Integrante /
Bernardo Lessa Horta -
Integrante / Maurício Viana
Gomes de Oliveira - Integrante
/ Pedro Israel Lira - Integrante /
Ana Marlúcia Oliveira Assis -
Integrante / Basta, Paulo C. -
Integrante / Welch, James R. -
Integrante.
2007 - Colonização de vias aéreas Não informado Integrantes: Carlos Everaldo Fundação Carlos
2009 superiores por Alvares Coimbra Junior - Chagas Filho de
Streptococcus pneumoiae Coordenador / Andrey Moreira Amparo à Pesquisa
entre crianças indígenas

109
110

Guarani no sudeste e Sul do Cardoso - Integrante / José do Estado do RJ -


Brasil: correlação entre os Cerbino Neto Auxílio financeiro
sorotipos mais prevalentes
e a vacina polissacarídica
23-valente
2005 - Tuberculose na População Descrição: O impacto da tuberculose sobre as populações indígenas tem sido de grande Integrantes: Carlos Everaldo Fundação Ford -
2009 Xavante de Pimentel magnitude, conforme apontam vários estudos realizados nas regiões amazônica e Centro- Alvares Coimbra Junior - Auxílio financeiro /
Barbosa, Mato Grosso Oeste. Análise recente evidenciou incidências de tuberculose de 286,8 e 326,8 casos por Coordenador / Francisco Mauro Conselho Nacional
100.000 habitantes para a população indígena na Amazônia, em 2000 e 2001, Salzano - Integrante / Mara de Desenvolvimento
respectivamente. O objetivo deste projeto interdisciplinar é ampliar o conhecimento sobre Helena Hutz - Integrante / Luiz Científico e
a tuberculose em povos indígenas no Brasil, a partir de um estudo enfocando a população Antônio Bastos Camacho - Tecnológico -
Xavante da comunidade de Pimentel Barbosa, Mato Grosso, baseado num plano de trabalho Integrante / Ricardo Ventura Auxílio financeiro
com abordagem sócio-epidemiológica. Santos - Integrante / Sílvia
Ângela Gugelmin - Integrante /
Paulo Cesar Basta - Integrante /
Luiz Carlos C Alves -
Integrante / James Robert
Welch - Integrante.
2005 - Tuberculose em A tuberculose constitui importante problema de saúde entre os povos indígenas no Brasil. Carlos Everaldo Alvares Fundação Ford -
2007 Populações Indígenas da Estudo recente realizado pelo nosso grupo de pesquisa sobre a epidemiologia da Coimbra Junior - Coordenador / Bolsa / Fundação
Amazônia: Uma tuberculose em Rondônia revelou taxas de incidência da doença 10 vezes maiores entre Luiz Antônio Bastos Camacho - Oswaldo Cruz -
Abordagem Interdisciplinar povos indígenas quando comparadas àquelas da população geral do Estado. Em outro Integrante / Ricardo Ventura Outra / Conselho
entre os Suruí, Rondônia estudo foi analisada a série histórica de casos de tuberculose entre os Suruí notificados ao Santos - Integrante / Jesem Nacional de
PCT do municípío de Cacoal - RO, no período de 1991-2002. Foram evidenciados Douglas Yamall Orellana - Desenvolvimento
indicadores epidemiológicos alarmantes se comparados aos de outros segmentos Integrante / Walter Oelemann - Científico e
populacionais indígenas e não-indígenas. O coeficiente de incidência médio de tuberculose Integrante / Luiz Carlos C Tecnológico -
verificado entre os Suruí no decênio 1991-2002 foi de 2518,9/100.000 habitantes. Foi Alves - Integrante / Cassius Auxílio financeiro
observado ainda que 45% dos casos ocorreram em crianças < 15 anos e 63,3% eram do Schnell Pallhano Silva -
sexo masculino. Em somente 43,2% dos casos notificados foi registrada confirmação Integrante / Ana Eliza Port
baciloscópica. O objetivo deste estudo interdisciplinar é ampliar o conhecimento sobre a Lourenço - Integrante /
tuberculose entre os índios Suruí de Rondônia, baseado num plano de trabalho com Maraníbia A. C. Oelemann -
abordagem sócio-epidemiológica. Pretende-se investigar: (1) a relação entre BCG e Integrante / Leila de Souza
reatividade ao PPD; (2) o risco de infecção porTB e sua variabilidade entre as comunidades Fonseca - Integrante
Suruí; (3) a taxa de incidência da doença na população.
2004 - Condições de Saúde e A expansão da fronteira econômica e demográfica em direção à Amazônia está Integrantes: Carlos Everaldo Universidade
2006 Mudanças Sócio- historicamente associada a drásticas transformações para as sociedades indígenas da região Alvares Coimbra Junior - Federal de
Econômicas dos Povos amazônica. Os impactos do contato foram de toda ordem, já que o processo de mudanças Coordenador Rondônia -
Indígenas em Rondônia, sócio-econômicas permeia as mais diversas esferas da vida cotidiana dos povos indígenas Cooperação /

110
111

- saúde, ecologia, demografia, organização social. O projeto tem como objetivo o estudo de Conselho Nacional
processos de mudanças ligados à saúde de povos indígenas da Amazônia ocidental. Visa de Desenvolvimento
ainda fomentar a pesquisa sobre saúde de populações indígenas em Rondônia tomando por Científico e
base as instituições locais de ensino superior e pesquisa, em especial a Universidade Federal Tecnológico -
de Rondônia, em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ Bolsa.
2003 - Saúde Indígena em Não informado Integrantes: Carlos Everaldo Fundação Ford -
2005 Rondônia e Mato Grosso Alvares Coimbra Junior - Auxílio financeiro
em Perspectiva Coordenador / Ana Lúcia
Antropológica e Escobar - Integrante / Ricardo
Epidemiológica Ventura Santos - Integrante /
Daniella Ribeiro Sá - Integrante
/ Moacir Haverroth - Integrante
/ Cristiano L M Alves -
Integrante / Paulo Cesar Basta -
Integrante / Jesem Douglas
Yamall Orellana - Integrante /
Lihsieh Marrero - Integrante /
Maurício Soares Leite -
Integrante / Ana Eliza Port
Lourenço - Integrante
Fonte: elaborado pela autora.

111
112

6.2.3. Articulação de Sistemas Médicos e Políticas Públicas em Saúde dos Povos


Indígenas

Luiza Garnelo é líder do maior grupo específico sobre saúde indígena na região Norte,
criado em 2007 e denominado “Saúde Indígena e outros em povos amazônicos”. Sua rede é
formada por pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa nacionais e estrangeiras
que atuam na saúde indígena, políticas públicas e gestão em saúde, antropologia e pesquisa
qualitativa em saúde. Possui publicações com os interlocutores deste trabalho, (organizações
de livros, capítulos de livros e artigos científicos), como Carlos Coimbra, Esther Jean Langdon
e Carla Costa Teixeira.
Seu principal parceiro de produção acadêmica é Maximiliano Loyola Ponte de Souza,
com quem possui publicações sobre o processo de alcoolização entre povos indígenas
amazônicos. Em seguida, Sully Sampaio, parceira de produções a respeito de temas diversos
sobre a população Baniwa e Ana Lúcia Pontes com quem produz e atua em cursos de formação
técnica profissionalizante para agentes indígenas de saúde na região do Alto Rio Negro.
Com povos indígenas, iniciou seu trabalho com a população da etnia Baniwa, do Alto
Rio Negro, em atuação na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Sua
primeira pesquisa antropológica sobre o processo saúde/doença/cuidado resultou no “Manual
de Doenças Tradicionais Baniwa”, publicado em 2001 pela Editora EDUA, direcionado aos
agentes indígenas de saúde.
Desde o início de sua produção acadêmica na saúde indígena, Garnelo se debruçou sobre
o processo de implantação, desenvolvimento e avaliação das ações dos serviços públicos de
saúde. Participou ativamente do processo de criação e implantação do Subsistema de Saúde
Indígena na região amazônica. Em 2003, faz sua primeira avaliação no texto intitulado
“Avaliação Preliminar do Processo de Distritalização Sanitária Indígena no Estado do
Amazonas” que integrou o primeiro livro sobre epidemiologia e povos indígenas, do qual
Carlos Coimbra foi um dos organizadores (MINAYO e COIMBRA, 2005).
Luiza Garnelo traz em suas obras os princípios norteadores do SUS à luz das
especificidades dos povos indígenas, o qual possibilita a ponte e o diálogo com o campo da
saúde pública. Sua contribuição recorrente na temática é sobre a atenção diferenciada e os
entraves na articulação de sistemas médicos indígena e biomédico, que são princípios da
Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Em artigo publicado em 2010 com

112
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Ana Lúcia Pontes, “A construção do modelo de atenção diferenciada para a saúde indígena no
Brasil e a integralidade”, aproxima a reflexão da especificidade do Subsistema com um dos
princípios norteadores do SUS, a integralidade.
Para Garnelo, os agentes indígenas de saúde são a oportunidade do Subsistema de
garantir a atenção diferenciada e a articulação dos sistemas. Para tanto é preciso um melhor e
correto aproveitamento dos conhecimentos e papéis que os agentes ocupam nas sociedades
indígenas. Ela tem sido uma das principais articuladoras de cursos de treinamento para agentes
indígenas de saúde na região norte do país, conforme entrevista concedida à Revista Radis em
200933.
Parte de sua produção está inserida na área de antropologia da saúde, a partir da qual
estabelece parcerias com pesquisadores da área, além de ter sido o canal que lhe permitiu
articular sua formação inicial em medicina com a antropologia. Assim como Langdon, sua
produção pode ser vista como um investimento em fortalecer a antropologia no campo da saúde
coletiva (GARNELO, 2005). Contudo, observa-se que, apesar de falar do lugar de antropóloga,
Garnelo marca com bastante ênfase uma posição de sanitarista, de quem está elaborando
reflexões com o intuito de contribuir para a construção e consolidação de um sistema público
de saúde no país34
Em sua perspectiva, a diversidade dos povos indígenas desafia a própria produção do
conhecimento e o paradigma científico predominante, especialmente para o campo da
biomedicina. Garnelo aponta como um problema e um desafio constante o deslocamento do
indivíduo do seu contexto, do ponto de vista biomédico e que orienta a formação e prática de
boa parte dos profissionais de saúde que atuam nas aldeias.
Ao observar a sua trajetória de produção acadêmica, é possível identificar e selecionar
algumas publicações que ilustram diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Há uma
vertente que se preocupa em produzir análises ampliadas sobre a construção de políticas
públicas de saúde indígena e a relação com o sistema público de saúde, bem como, com as
políticas públicas indigenistas. O livro “Os povos indígenas e a construção das políticas de
saúde no Brasil” publicado em 2003 pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) reflete
tal enfoque.

33
Entrevista disponível na página http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/revista-radis/80/reportagens/entrevista-
maria-luiza-garnelo-pereira. Acessado em 15 de outubro de 2020.
34
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7ozeILJlWhs. Acessado em 15 de outubro de 2020.

113
114

Em uma abordagem micro, Garnelo volta-se para a análise da relação entre políticas
públicas, agentes do Estado e as organizações indígenas na oferta de serviços de saúde, no artigo
“Organizações indígenas e distritalização sanitária: os riscos de fazer ver e fazer crer”,
publicado em 2005. Na mesma direção analisa limites e potencialidades para a participação da
população indígena nas decisões a respeito das políticas públicas de saúde, no artigo “Bases
socioculturais do controle social em saúde indígena: problemas e questões na Região Norte do
Brasil”, publicado em 2003.
Na linha de pesquisa que desenvolve desde o início do doutorado, a respeito das
medicinas tradicionais indígenas do Alto Rio Negro, passou a estudar as práticas alimentares e
a relação com as práticas de cuidado e cura. Dessa abordagem resultou o livro “Medicina e
alimentação tradicional: Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro”, publicado em
2009 pela Editora Fiocruz.
Em sua trajetória Garnelo traz uma reflexão fundamental para as políticas públicas de
saúde indígena: pensar o Subsistema como parte de uma ampla política de saúde pública no
país a partir da perspectiva da equidade, integralidade e universalidade. Sua produção científica
tem enfocado temas como políticas de saúde indígena; organização da atenção básica;
etnografias de práticas sanitárias, sistemas tradicionais de doença cura e cuidados à saúde e
controle social em saúde indígena, conforme informado em seu currículo lattes.
De forma mais recente, Garnelo tem pesquisado e produzido a respeito das populações
ribeirinhas e rurais da amazonia, além dos povos indígenas, e se expressa em uma publicação
recente de 2020, no periódico International Journal for Equity in Health: “Barriers to access
and organization of primary health care services for rural riverside populations in the
Amazon” (GARNELO et. al, 2020). Em síntese, segue uma linha do tempo com os projetos de
pesquisa que Luiza Garnelo coordenou e integrou em sua trajetória acadêmica (tabela 7):

114
115

Tabela 7 - Projetos de Pesquisas nos quais Maria Luiza Garnelo coordenou e/ou participou em sua trajetória (Plataforma Lattes, 2020)
Período Título Descrição Integrantes Financiamento
2019 – Políticas de Inclusão Descrição: pesquisa quali-quantitativa, ancorada em estratégia participativa, Maria Luiza Garnelo Pereira - Não informado
Atual Social e Redução de partilhada com usuários das políticas de inclusão social voltadas para a redução Coordenador / Sully Sampaio -
Desigualdades em de desigualdades em saúde de populações indígenas amazônicas. Integrante / Ana Lucia de Moura Pontes
Saúde Indígena na - Integrante / Rosineide Bentes -
Amazônia Integrante / Hamyla Trindade -
Integrante.
2018 - Estudo Exploratório das A proposta visa investigar as condições de vida e saúde da população rural Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Conselho Nacional de
Atual Condições de Vida, ribeirinha, aqui entendida como grupo étnico-político específico que vive na calha - Coordenador / Sully Sampaio - Desenvolvimento
Saúde e Acesso aos do Rio Negro, entre os municípios de Manaus e Novo Airão no Amazonas, bem Integrante / Esron Rocha - Integrante / Científico e Tecnológico -
Serviços de Saúde de como suas condições de busca, acesso e uso de serviços da Estratégia Saúde da Evelyne Marie Therese Mainbourg - Auxílio financeiro /
Populações Rurais Família, do Sistema Único de Saúde, que atua nesta região. De interesse da Integrante / Jorge Augusto de Oliveira (FAPEAM) Fundação de
Ribeirinhas de Manaus e pesquisa são também os modelos assistenciais e as estratégias de organização e Guerra - Integrante / Coimbra Jr., Carlos Amparo à Pesquisa do
Novo Airão, Amazonas funcionamento dos serviços de atenção primária ali ofertados, além do acesso Everaldo Alvares - Integrante / HORTA, Amazonas - Auxílio
funcional e geográfico aos centros especializados, disponíveis nas sedes BERNARDO L - Integrante / Ana Lucia financeiro / Centro de
municipais. Tem como objetivo geral investigar as condições de vida e de acesso, de Moura Pontes - Integrante / Rosana Pesquisas Leônidas &
uso e oferta de serviços de saúde para a população rural ribeirinha na calha do Rio Cristina Pereira Parente - Integrante / Maria Deane - FIOCRUZ
Negro no município de Manaus. A metodologia prevê um componente Amandia Braga Lima Sousa - Integrante - Auxílio financeiro.
quantitativo, apoiado na busca de dados secundários e inquérito de base / Adenilda Arruda - Integrante /
populacional, visando produzir perfis socio demográficos, indicadores de saúde Fernando José Herkrath - Integrante /
da população; avaliação da estrutura da rede assistencial e indicadores de Fernanda Rodrigues Fonseca - Integrante
produção e de resultados das ações de saúde. O componente qualitativo / Giuliana Arie - Integrante / Raica
compreende etnografia da organização dos serviços, de ações ofertadas nas Graciele de Souza - Integrante / Ana
unidades de saúde e dos itinerários terapêuticos que orientam a busca, acesso e Paula Correia de Queiroz Herkrath -
interação dos usuários com os serviços oficiais de saúde. Serão estudados os Integrante / Ricardo Agum - Integrante /
moradores (estimados em3.578 pessoas) de 25 assentamentos rurais atendidos Ana Carolina da Silva Medeiros -
pela rede municipal de saúde rural de Manaus, bem como a rede de serviços de Integrante / Franciney Anselmo Ferreira
saúde e os profissionais que neles atuam. Espera-se que os resultados alcançados - Integrante / Matheus Vasconcelos
possam contribuir para a futura formulação de políticas de saúde rural em espaços Torres - Integrante / Laisa Arruda
amazônicos e para o reordenamento dos modelos de atenção adequados às Pinheiro Duarte - Integrante / Uriel
populações interioranas. A proposta é parte integrante de uma iniciativa mais Madureira Lemos - Integrante / Naiara
ampla do Instituto Leônidas e Maria Deane/ Fiocruz, voltada para o Lima Pereira - Integrante / Débora
desenvolvimento de pesquisas e ações de qualificação de pessoal para o SUS no Cristina Brasil da Silva Lavor -
interior do estado do Amazonas. Trata-se de iniciativa estratégica, já em curso, Integrante / Maria Rosineide Gama -
que visa ampliar e consolidar a interiorização das atividades do instituto, Integrante / Rita de Cássia Ferreira Serra
contribuindo para ampliação do conhecimento sobre a socio e biodiversidade - Integrante / Anne Karina Pereira de

115
116

amazônica. Objetivo geral: Investigar situações de saúde e perfil de acesso e uso Andrade - Integrante / Eidie do Vale
de serviços de atenção primária à saúde de populações rurais do município de Souza - Integrante / Maria Laura
Manaus, Amazonas. Objetivos específicos: a)Avaliar as condições de estrutura, Rezende Pucciarelli - Integrante / Tiziana
processos de trabalho, organização e oferta de serviços de atenção primária à Gerbaldo - Integrante / Anne Caroline de
saúde no território selecionado; b)Avaliar condições de acesso e utilização dos Lima Perrone - Integrante / Priscilla
serviços de saúde em populações específicas de interesse do projeto; c) Descrever Cabral Correia - Integrante
o perfil sociodemográfico e sanitário de populações rurais que vivem no território
selecionado; d) Desenvolver estudos qualitativos sobre o viver e cuidar da saúde,
abrangendo estratégias de auto-atenção, acesso e uso de serviços oficiais de
saúde; e)Analisar as ações propostas pela gestão municipal de saúde para a área
rural, com ênfase nas suas potencialidades em atender as demandas específicas
deste território.
2016 – Monitoramento e Projeto dedicado ao desenvolvimento de processos avaliativos de processos de Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Não informado
Atual avaliação de processos gestão, gerência e organização de serviços e atividades de atenção primária à - Coordenador / Rosana Pereira Parente -
de gestão, organização saúde, com ênfase para cenários rurais na Amazônia brasileira Integrante / Matheus Vasconcelos Torres
de serviços e sistemas de - Integrante / Franciney Anselmo -
saúde de APS na Integrante / Raica Gracielle Cardoso -
Amazônia Brasileira Integrante / Giulliana Arie - Integrante /
Tiziana Gerbaldo - Integrante.
2010 - Saúde e Condições de Descrição: A proposta expressa o esforço conjugado de 6 grupos de pesquisa e 3 Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Conselho Nacional de
2014 Vida de Povos programas de pós-graduação, vinculados ao Instituto Leônidas & Maria Deane- - Coordenador / Esron Rocha - Integrante Desenvolvimento
Indígenas na Amazônia FIOCRUZ e à Universidade Federal do Amazonas, sediados na capital e no / Adele Benzaken - Integrante / Júlio Científico e Tecnológico -
interior do Estado do Amazonas. Ela pretende contribuir para a compreensão das César Schweikardt - Integrante / João Auxílio financeiro /
relações que se estabelecem entre história, cultura, condições de vida e de saúde Pacheco de Oliveira - Integrante / Carlos Fundação de Amparo à
de populações indígenas das calhas dos Rios Negro e Solimões, mediante Coimbra - Integrante / Maria Augusta Pesquisa do Amazonas -
enfoques interdisciplinares de pesquisa e ações intersetoriais de extensão. Visa Bessa Rebelo - Integrante / Ricardo Auxílio financeiro
também promover a interação entre programas de pós-graduação e formação de Ventura Santos - Integrante / Hderaldo
pesquisadores sensíveis às especificidades sócio-culturais, históricas e Lima da Costa - Integrante / Paulo César
demográficas amazônicas; incrementar e qualificar a produção científica sobre os Basta - Integrante / Maria Helena Ortolan
povos indígenas e subsidiar políticas públicas a eles dirigidas. O projeto se assenta - Integrante / Rosana Pereira Parente -
numa construção coletiva dos participantes, pretendendo-se que seja gerido da Integrante / Ana Escobar - Integrante /
mesma forma. Está dividido em três componentes: 1) Pesquisa interdisciplinar Jorge Augusto de Oliveira Guerra -
sobre as relações entre condições de vida e saúde de populações indígenas na Integrante / Janete Vieira - Integrante /
Amazônia contendo três sub-redes temáticas Processo de urbanização indígena, Souza, Maximiliano Loiola Ponte de -
condições de vida e saúde nas calhas dos Rios Negro e Solimões ); Antropologia Integrante / Patricia Sampaio - Integrante
e História das Políticas Públicas de Saúde para populações indígenas, nas calhas / James Roberto Silva - Integrante /
dos Rios Negro e Solimões ; Natureza, cultura, saúde e doença no Rio Purus ; 2) Evelyne M T Mainbourg - Integrante
Aprimoramento da Qualificação da Equipe: visa potencializar a qualificação dos

116
117

participantes para gerir grupos e projetos de pesquisa, refinar e consolidar a


discussão sobre métodos e técnicas inter/transdisciplinares de pesquisa, mediante
seminários e oficinas apoiadas por pesquisadores seniors, de centros de
excelência; 3) Ações de extensão que contribuam para a melhoria das condições
de vida e saúde de populações amazônicas e para divulgação científica na região.
Os avanços científicos previstos são: ampliação do conhecimento sobre a
sociodiversidade amazônica; consolidação de estratégias interdisciplinares de
pesquisa. A pesquisa contempla investigação sobre conhecimento tradicional,
mas não associado a patrimônio genético
2009 – Condições de Vida, Descrição: Pesquisa qualitativa voltada para o estudo das condições de vida do Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Não informado
2011 Dinâmica Cultural e grupo indígena Baniwa do Alto Rio Negro e suas correlações com o exercício do - Coordenador / Sully Sampaio -
Trajetórias Sociais entre poder político, preservação da saúde e da segurança alimentar. Além do Integrante / Esron Rocha - Integrante /
os Baniwa do Alto Rio componente acadêmico o projeto comporta facetas de pesquisa-ação que visam Maria Helena Ortolan Matos - Integrante
Negro promover a revitalização da cultura alimentar tracidional no Alto Rio Negro. A / Laise Diniz - Integrante.
pesquisa contempla investigação sobre conhecimento tradicional, mas não
associado a patrimônio genético.
2008 - Inquérito Nacional de Não informado Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Associação Brasileira de
2009 Saúde e Nutrição dos - Coordenador / Sully Sampaio - Saúde Coletiva - Auxílio
Povos Indígenas Integrante / Silvia Angela Gugelmin - financeiro.
Integrante / Ricardo Ventura Santos -
Integrante / Paulo César Basta -
Integrante / Ana Escobar - Integrante /
Andrey Moreira Cardoso - Integrante /
Maria de Betania Garcia Chaves -
Integrante / Coimbra Jr., Carlos Everaldo
Alvares – Integrante, James Roberto
Silva - Integrante
2006 – Ambiente, Cidadania e Analisar as interrelações entre as concepções nativas sobre ambientes, territórios, Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Conselho Nacional de
2008 Saúde de Mulheres produção da saúde e da doença e gestão política do espaço, da alimentação, - Coordenador / Sully Sampaio - Desenvolvimento
Indígenas do Alto Rio práticas sanitárias e identidades étnicas no Alto Rio Negro. A pesquisa contempla Integrante / Alfredo Tadeu de Oliveira Científico e Tecnológico -
Negro investigação sobre conhecimento tradicional, mas não associado a patrimônio Coimbra - Integrante / Maria Helena Auxílio financeiro
genético Ortolan - Integrante / Jane Beltrão -
Integrante / Trinho Trujillo - Integrante
2005 – Estudo de Linha de Base Pesquisa avaliativa que visa estabelecer linha de base das condições de atenção Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Escola Nacional de Saúde
2006 da Estratégia de básica à saúde em 5 municípios com mais de 100.000 habitantes da Amazônia - Integrante / Esron Rocha - Integrante / Pública - Cooperação /
Atenção à Saúde da Ocidental, com vistas ao aprimoramento da Estratégia de Saúde da Família e Maximiliano Loyola Ponte de Souza - Ministério da Saúde -
Família implantação de sistema nacional de monitoramento e avaliação da atenção básica Integrante / Nair Chase - Integrante / Ma. Dept Atenção Básica -
à saúde no SUS. Helena Mendonça - Coordenador / Auxílio financeiro

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Marília Brasil - Integrante / Rosana


Pereira Parente - Integrante / Janete
Rebelo Vieira - Integrante / Ana Felisa
Hurtado Gerrero - Integrante.,
2004 – Detecção e distribuição Analisar a distribuição espacial dos casos de hanseníase notificados no município Integrantes: Maria Luiza Garnelo Pereira Fundação Alfredo da
2007 espacial dos casos de de Manaus, por setor censitário, no período de 2004 a 2005, utilizando técnicas - Coordenador / Antônio Levino - Mata - Cooperação /
Hanseníase no de geoprocessamento, com o propósito de otimizar ações de controle dessa Integrante / Elsia Imbiriba - Integrante / Fundação Oswaldo Cruz -
Município de Manaus endemia. Valderiza Pedrosa - Integrante / Felicien Auxílio financeiro
Gonçalves Vasquez - Integrante
2003 – Tuberculose e Realizar avaliação qualitativa interdisciplinar em saúde pública e antropologia Maria Luiza Garnelo Pereira - Integrante Fundação de Amparo à
2007 Hanseníase em áreas social, das ações programáticas de controle da tuberculose e hanseníase / Antônio Levino - Coordenador / Pesquisa do Amazonas -
indígenas: avaliação desenvolvidas junto aos usuários indígenas de três municípios selecionados no Roselene Martins - Integrante / Marcílio Auxílio financeiro
programática e três estado do Amazonas. Sandro de Medeiros - Integrante / Emília
municípios do Santos Pereira - Integrante
Amazonas
2002 – Saúde e Condições de A proposta expressa o esforço conjugado de 6 grupos de pesquisa e 3 programas Maria Luiza Garnelo Pereira - Fundação de Amparo à
2011 Vida de Povos de pós-graduação, vinculados ao Instituto Leônidas & Maria Deane-FIOCRUZ e Coordenador / Esron Rocha - Integrante Pesquisa do Amazonas -
Indígenas na Amazônia à Universidade Federal do Amazonas, sediados na capital e no interior do Estado / Adele Benzaken - Integrante / Júlio Auxílio financeiro.
do Amazonas. Ela pretende contribuir para a compreensão das relações que se César Schweikardt - Integrante /
estabelecem entre história, cultura, condições de vida e de saúde de populações Maximiliano Loyola Ponte de Souza -
indígenas das calhas dos Rios Negro e Solimões, mediante enfoques Integrante / Maria Augusta Bessa Rebelo
interdisciplinares de pesquisa e ações intersetoriais de extensão. Visa também - Integrante / Gilton Mendes dos Santos -
promover a interação entre programas de pós-graduação e formação de Integrante / Hderaldo Lima da Costa -
pesquisadores sensíveis às especificidades sócio-culturais, históricas e Integrante / Jorge Augusto de Oliveira
demográficas amazônicas; incrementar e qualificar a produção científica sobre os Guerra - Integrante / Sylvain
povos indígenas e subsidiar políticas públicas a eles dirigidas. O projeto se assenta Desmouliere - Integrante / Janete Vieira
numa construção coletiva dos participantes, pretendendo-se que seja gerido da - Integrante / Patricia Sampaio -
mesma forma. Está dividido em três componentes: 1) Pesquisa interdisciplinar Integrante / James Roberto Silva -
sobre as relações entre condições de vida e saúde de populações indígenas na Integrante
Amazônia contendo três sub-redes temáticas “Processo de urbanização indígena,
condições de vida e saúde nas calhas dos Rios Negro e Solimões”; “Antropologia
e História das Políticas Públicas de Saúde para populações indígenas, nas calhas
dos Rios Negro e Solimões”; Natureza, cultura, saúde e doença no Rio Purus; 2)
Aprimoramento da Qualificação da Equipe: visa potencializar a qualificação dos
participantes para gerir grupos e projetos de pesquisa, refinar e consolidar a
discussão sobre métodos e técnicas inter/transdisciplinares de pesquisa, mediante
seminários e oficinas apoiadas por pesquisadores seniors, de centros de
excelência; 3) Ações de extensão que contribuam para a melhoria das condições

118
119

de vida e saúde de populações amazônicas e para divulgação científica na região.


Os avanços científicos previstos são: ampliação do conhecimento sobre a
sociodiversidade amazônica; consolidação de redes de pesquisa de instituições
locais. A pesquisa contempla investigação sobre conhecimento tradicional, mas
não associado a patrimônio genético.
2002 - Práticas Sanitárias em Descrição: Estudo antropológico das práticas sanitárias desenvolvidas nos Maria Luiza Garnelo Pereira - Fundação Oswaldo Cruz -
2007 Saúde Indígena Distritos Sanitários Especiais Indígenas, correlacionando-as com o modelo de Coordenador / Maximiliano Loyola Auxílio financeiro
assistência praticado no subsistema de saúde indígena e com a organização social Ponte de Souza - Integrante / Maria
dos povos indígenas estudados Augusta Bessa Rebelo - Integrante /
Ricardo Ventura Santos - Integrante /
Marília Carneiro - Integrante / Andrea
Ribeiro
2001 - Diversidade Social e Pesquisa interdisciplinar que buscou investigar as corrrelações entre a diversidade : Maria Luiza Garnelo Pereira - Institut de Recherche pour
2003 Saúde na região do alto social dos grupos indígenas do Alto Rio Negro e as condições de produção do Integrante / Dominique Buchillet - le Développement -
Rio Negro processo saúde-doença. A pesquisa contempla investigação sobre conhecimento Coordenador / Marta Azevedo - Cooperação / Instituto
tradicional, mas não associado a patrimônio genético. Integrante / Aloizio Calbazar - Integrante Socioambiental -
/ Geraldo Andrello - Integrante Cooperação / Conselho
Nacional de
Desenvolvimento
Científico e Tecnológico -
Auxílio financeiro
2000 - Política Pública, Descrição: Estudo interdisciplinar da política de saúde indígena com enfoque Maria Luiza Garnelo Pereira - Universidade Federal do
2006 Planejamento e Gestão simultâneo na movimentação de agentes institucionais de saúde indígena e das Coordenador / Sully Sampaio - Amazonas - Auxílio
em Saúde Indígena lideranças indígenas em defesa de políticas públicas culturalmente sensíveis. Integrante / Gary Lynn - Integrante / Luiz financeiro
Brandão - Integrante / André Fernando
Baniwa - Integrante / Guilherme Macedo
- Integrante / José Maria de Castro
Santana - Integrante
1998 - Fatores socioculturais e Descrição: Estudo dos fatores de risco para HIV e tuberculose, congregando Maria Luiza Garnelo Pereira - Integrante Conselho Nacional de
2000 econômicos de risco aspectos epidemiológicos, socioculturais e econômicos em povos indígenas do / Dominique Buchillet - Coordenador / Desenvolvimento
para HIV e Tuberculose Alto Rio Negro Marta Azevedo - Integrante / Aloizio Científico e Tecnológico -
no alto rio negro Calbazar - Integrante / Geraldo Andrello Auxílio financeiro /
- Integrante / Carlos Alberto Ricardo - Institut de Recherche pour
Integrante le Développement -
Cooperação / Instituto
Socioambiental -
Cooperação.
Fonte: elaborado pela autora.

119
120

6.2.4. Política, participação e mediação no campo da garantia de direitos

Para a pesquisadora Carla Costa Teixeira, a participação indígena e a normatização das


políticas de saúde se tornaram um dos seus principais temas de estudo, como parte dos seus
interesses com a antropologia da política (TEIXEIRA; LOBO, 2018; TEIXEIRA, 2000).
Foi representante no Conselho Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), que faz parte do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), como indicação da Associação Brasileira de Antropologia
(ABA). Representou a ABA por 4 anos (2006 a 2010) e a partir dessa participação produziu
inúmeras reflexões e publicações, a exemplo dos artigos: “Controle Social na Saúde Indígena:
limites e possibilidades da democracia”, na revista Tempus: Actas de Saúde Coletiva de 2013;
“A produção política da repulsa e os manejos da diversidade na saúde indígena brasileira”, na
Revista de Antropologia (USP), de 2012; “Participação social na saúde indígena: a aposta
contra a assimetria no Brasil?”, publicado no periódico Amazônica: Revista de Antropologia
(online), de 2017. Sua publicação mais recente sobre o tema na revista Vibrant, junto com a
pesquisadora Cristina Dias Silva, intitula-se “Indigenous health in Brazil: Reflections on forms
of violence” (TEIXEIRA; SILVA, 2019).
Ao seu ver, a relevância de ter ocupado essa posição no CISI é poder analisar a
participação e fazer questionamentos (TEIXEIRA, 2017). Assim, a partir da sua atuação na
CISI pode observar que os povos indígenas geralmente são reconhecidos como lideranças
políticas no nível central, mas há fragilidades no nível local, no sentido de que “é necessário
investigar as relações de poder e o que está em jogo nas decisões, desde no nível da atenção à
saúde até a destinação dos recursos”. Desse modo, se diferencia radicalmente da perspectiva
que menciona como “culturalista”, a respeito da “interculturalidade” que “não valoriza as
diferenças e contradições políticas do processo” (TEIXEIRA, 2017). Realizou estudos
comparativos, em parceria internacional realizada com Canadá para a coordenação do estudo
“Indigenous Autonomy in Public Health Policies: Brazil and Canada in Perspective”, durante
o período de 2008 a 2010.
Sobre a lacuna nos serviços de saúde indígena, analisa que os usuários indígenas são
completamente desconsiderados em suas opiniões. Ainda assim, exalta a alta habilidade dos
povos indígenas em se articularem a seu favor (TEIXEIRA, 2010). Além das contribuições
acerca da participação indígena, fez inúmeras análises sobre os manuais de saneamento e de

120
121

programas de saúde produzidas pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), na época em


que era responsável pela execução da PNASI.
Em uma das suas primeiras publicações, que faz interface com a saúde indígena, realiza
uma análise das representações sobre os povos indígenas por meio do Museu da Funasa.
Intitulado “A política brasileira de saúde indígena vista através de um museu”, o trabalho foi
publicado na revista portuguesa Etnográfica em 2008 (TEIXEIRA, 2008). Segundo indica em
seu currículo essa é uma das suas principais publicações.
Teixeira, em parceria com Luiza Garnelo e outros antropólogos e pesquisadores da
saúde coletiva, organizou um livro que converge com um dos propósitos desta tese, qual seja:
pensar os marcos ideológicos e históricos da saúde indígena. Com o título “Saúde Indígena em
Perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas”, o livro foi publicado em 2014
pela Editora Fiocruz. Além do livro, publicou dois artigos com reflexões semelhantes sobre os
marcos da saúde indígena, um no Anuário Antropológico em 2013 e o outro na revista DéjàLu
em 2015.
Quanto ao seu campo de atuação, defende que como antropóloga possui maior liberdade
de fazer questionamentos sem ocupar uma posição de representação da fala indígena, que na
sua visão já está muito bem representada. Nessa direção, se considera uma profissional com
potencial para mediar os interesses indígenas, mas, sem falar em nome deles e sim, como
questionadora dos entraves com o Estado e a sociedade e aliada de suas lutas por direitos. A
respeito desse aspecto, em conjunto com o antropólogo Carlos Guilherme do Valle, publicou
em 2017 o livro “Saúde, mediação e mediadores” pela editora da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em parceria com a ABA. Em síntese, segue uma linha do tempo com os
projetos de pesquisa que Carla Teixeira coordenou e integrou em sua trajetória acadêmica
(tabela 8):

121
122

Tabela 8 - Projetos de Pesquisas nos quais Carla Costa Teixeira coordenou e/ou participou em sua trajetória (Plataforma Lattes, 2020). Fonte:
elaboração própria.

Período Título Descrição Integrantes Financiamento


2019 - Institucionalização da Descrição: Este projeto busca refletir sobre os significados, estilos de ação e possibilidades Carla Costa Teixeira - Conselho Nacional
Atual Antropologia: institucionais da antropologia em Portugal nos termos dos próprios sujeitos que lhe dão vida: os Coordenador de
pessoas, narrativas e antropólogos. Se sua perspectiva é implicitamente comparativa, em especial com a antropologia Desenvolvimento
contextos em brasileira, a articulação entre abordagem etnográfica e histórica é explicitada como central na Científico e
Portugal. compreensão das relações entre institucionalização da disciplina e os processos políticos em que Tecnológico - Bolsa
se desenvolveu. Esta é, portanto, uma investigação que tem por foco a antropologia portuguesa
contemporânea, mas pretende desde suas primeiras ações abordar sua institucionalização
articulando (i) estudos e reflexões pessoais (de primeira mão ou já publicados); com (ii) memórias
e documentos institucionais, por meio de um horizonte teórico-metodológico que conjugue a
pesquisa de campo antropológica com a análise de documentos, a perspectiva etnográfica com a
sociologia de processos históricos
2018 - A produção de uma Descrição: A nova etapa da investigação que proponho neste projeto redefine a hierarquia entre Carla Costa Teixeira - Conselho Nacional
Atual cidadania os universos empíricos de investigação apresentados no projeto anterior, bem como desloca o Coordenador de
participativa: novas foco teórico das relações entre os domínios ou campos da ciência, da política e da burocracia para Desenvolvimento
configurações e os processos de produção da cidadania participativa. Assim, ganham relevância (i) as entrevistas Científico e
técnicas de poder e os documentos/textos produzidos no Ipea pelos TPs diretamente envolvidos com o tema da Tecnológico -
participação social; e (ii) os documentos, as entrevistas e as situações de controle social Bolsa.
observadas na saúde indígena. Deste modo, prioriza-se a perspectiva de considerar os
procedimentos de temporalização e espacialização da política na negociação (argumentativa e
prática) que os diferentes atores sociais empreendem em situações sociais diferenciadas (Teixeira
e Chaves 2004) em que a participação social é colocada como tema a ser refletido e/ou como
prática a ser atualizada. Contudo, não se trata de abordar as representações e práticas da
participação social como um objeto etnográfico em si, mas sim como via de acesso privilegiada
às configurações e técnicas de poder na qual estaria se dando, essa é a hipótese, a produção de
um novo tipo de sujeito.
2017 – Concepções de Descrição: Neste projeto propomos agora um aprofundamento da reflexão sobre a relação entre Carla Costa Teixeira - Não informado
Atual Igualdade, Cidadania concepções de igualdade, cidadania e justiça articulando pesquisas em diferentes contextos Integrante / Wilson Trajano
e Justiça em sociais no Brasil e em alguns outros países. Por um lado, daremos prosseguimento aos estudos Filho - Integrante / Luís
Perspectiva sobre a tensão entre duas concepções de igualdade no Brasil e suas implicações para a constituição Roberto C Oliveira -
Comparada de um mundo cívico bem conformado ou para a compreensão de demandas de direitos e Coordenador / Luiz
(vinculado ao privilégios em processos de administração de conflitos. Por outro lado, articularemos estes Eduardo Abreu - Integrante
InEAC), estudos com pesquisas a serem realizadas no Caribe, na América Central e no continente / Rebecca F.A. Lemos
Africano. De fato, o foco no Brasil sempre esteve contextualizado em horizontes mais amplos, Igreja - Integrante.
122
123

em vista da experiência dos pesquisadores associados ao subprojeto em pesquisas no Canadá, nos


Estados Unidos e na França, assim como na interlocução com pesquisas de colegas do InEAC em
outros países, mas sobretudo na Argentina. Os dilemas da desigualdade de tratamento nas
instituições judiciárias e no espaço público de interação entre os cidadãos têm sido abordado à
luz da falta de clareza na definição de direitos e privilégios (Quem? Onde? e Quando? tem acesso
a uns ou a outros), e esta questão será enfocada de forma mais sistemática no atual subprojeto.
Etnografias do debate público sobre o tema serão realizadas, ao lado de estudos etnográficos sobre
acesso ou exclusão a direitos em processos jurídicos e administrativos diversos. No primeiro caso,
contamos com o material colhido ao longo de todo o ano de 2011 no jornal Correio Braziliense,
aglutinando todas as notícias, comentários e artigos publicados sobre direitos e privilégios, o qual
ainda está sendo organizado e só poderá ser trabalhado detidamente a partir de 2015. Na mesma
direção, uma das pesquisas programadas tem como foco a recepção e respectivas implicações do
recente decreto lei 8.243 (maio de 2014) que institui a Política Nacional e o Sistema Nacional de
Participação Social, ampliando (em abrangência e diversidade) os fóruns de participação cidadã
na administração pública: como direitos, privilégios, democracia e cidadania ganham sentido com
relação ao decreto no âmbito do Congresso, do movimento social e no exercício desta nova
participação na medida em que o decreto for implementado? Em que medida esta experiência
contrastaria com atuação de indígenas no Conselho Nacional de Saúde, que vem sendo
considerada a experiência de participação social mais bem sucedida no Brasil? As pesquisas
voltadas para análise de administração de conflitos no âmbito judicial e/ou em fóruns
administrativos darão continuidade ao estudo dos processos sobre violência domésticas em
Juizados Especiais, assim como será iniciada pesquisa sobre a aplicação da noção de
periculosidade criminal na atual prática penal brasileira. Aqui também será incluída pesquisa
sobre como o Estado Brasileiro vem lidando com demandas de direitos de imigrantes e como
administra os conflitos daí decorrentes? O Departamento de Estrangeiros (DEEST), órgão
instalado na Secretaria Nacional de Justiça, será o alvo privilegiado desta etnografia. No que
concerna aos processos judiciais, dois aspectos diretamente associados às questões indicadas
acima serão enfatizados: (1) a relação entre justiça e reparação, e (2) a maneira pela qual os
operadores do direito dão sentido à prática de desigualar direitos para contrabalançar assimetrias
e assim produzir justiça.
2015 – Pesquisa como função Descrição: O projeto de pesquisa “Fazer pesquisa como função de Estado: reflexões Integrantes: Carla Costa Conselho Nacional
2017 do Estado: reflexões antropológicas sobre ciência, burocracia e política” tem como eixo articulador a etnografia Teixeira - Coordenador de
antropológicas sobre institucional em curso que investiga os diferentes atores e interações, espaços e tempos que Alunos envolvidos: Desenvolvimento
ciência, burocracia e constituem e são constituídos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Como o próprio Doutorado: (1) Científico e
política nome expressa, o Ipea é uma instituição que tem na realização de pesquisas voltadas para as ações Tecnológico - Bolsa
de governo (políticas públicas, planejamento e desenvolvimento) sua razão de ser. Contudo, essa
vocação da pesquisa como função de estado não se realiza sem tensões. Dentre essas tensões uma
adquiriu relevo e foi denominada por alguns dos técnicos de planejamento e pesquisa (forma

123
124

como os pesquisadores são denominados no Ipea de “complexo de cajuína”. Numa clara alusão à
música de Caetano Veloso que já nas suas primeiras estrofes indaga: ?Existimos: a que será que
se destina??, há um interesse em discutir a existência de um ethos institucional compartilhado em
meio ao que muitos identificam como uma crise de identidade dos ?ipeanos?. Uma crise de
identidade que teria na oposição entre fazer pesquisa e prestar assessoria, em diferentes
combinações, sua tensão estruturante.
2013 – Etnografia Descrição: Trata-se de um projeto, no qual atuo como coordenadora geral e pesquisadora, que Carla Costa Teixeira - Não informado
2015 institucional do IPEA congrega 2 equipes: uma em Brasília e uma no Rio de Janeiro, somando ao todo nove Coordenador / Andrea
pesquisadores mestres, doutores e graduandos. Todos os pesquisadores formam selecionados por Lobo - Integrante / Lilian
edital, tendo a bolsa a duração de um ano (renovável por mais um). É um projeto de investigação Chaves - Integrante /
que articula observação participante das rotinas institucionais, pesquisa documental, Bruner Titonelli Nunes -
levantamento na imprensa, entrevistas e acompanhamento das atividades que se inserem na Integrante / Sérgio Castilho
preparação do jubileu desta instituição em 2014. - Integrante / André Filipe -
Integrante / Kaiza Leal -
Integrante
2009 - Indigenous Descrição: This is a pos-doc project that aims at a reflection on the meanings, courses of action Carla Costa Teixeira - Coordenação de
2010 Autonomy in Public and institutional possibilities resulting from the exercise of autonomy and advocacy by Coordenador Aperfeiçoamento de
Health Policies: indigenous peoples in the development and revision of public health policies, through a Pessoal de Nível
Brazil and Canada in comparison between the Brazilian and the Canadian contexts. These two countries were chosen Superior - Bolsa.
Perspective based on the assumption that a contrast involving a political and legal environment which
perceives indigenous peoples as "nations", such as the First Nations of Canada, with an
environment where indigenous peoples are constitutionally denominated "communities", such as
Brazil, might hold the potential of shedding some light on issues less explored by research
restricted to either one of these two national contexts. Considering that in both countries
indigenous agencies in the health system have gained political legitimacy over the last few
decades, it is interesting to note that this process has involved distinct routes and challenges: in
Brazil, on one hand, indigenous autonomy has developed by means of the so-called "social
control" of indigenous groups while clients making use of the public health system; while in
Canada, on the other hand, for the past two decades indigenous agencies have been gradually
gaining direct control over the management of health care services in indigenous reserves,
through a process involving transference from the federal government. Moreover, in British
Columbia (BC), since 2007, these agencies have integrated a trilateral health plan agreement with
the federal and provincial governments, which has re-defined the pact for indigenous health and
health care services in the province. The specific objective of this project is to map out, through
the use of documents, interviews and direct observation, the various means by which Canadian
indigenous groups, in comparison with Brazilian groups, have sought to establish and exercise
control over public policies for indigenous health, both pol.

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2008 - Por uma Antropologia Descrição: As pesquisas desenvolvidas no âmbito das representações e práticas em saneamento e Integrantes: Carla Costa Conselho Nacional
2013 Política da Saúde saúde no último período do projeto "Honra, decoro parlamentar e eleições" foram decisivas para Teixeira - Coordenador / de
a definição do campo específico da saúde como prioridade. A nova etapa de investigação que Anna Davison - Integrante Desenvolvimento
proponho neste projeto busca articular duas linhas de pesquisa que, dispersas no projeto anterior, / Diogo Neves Pereira - Científico e
podem agora ganhar maior densidade. Trata-se de dar continuidade às reflexões sobre a Integrante / Cristina Dias - Tecnológico -
diversidade de interações que, de uma perspectiva etnográfica, são consideradas políticas com o Integrante / Bruno Calisto Bolsa.
duplo objetivo de (i) compreender a singularidade dos universos etnográficos investigados e (ii) de Carvalho - Integrante /
explorar os limites e possibilidades das elaborações teóricas sobre a política disponíveis nas Samira Correia Dias -
ciências sociais. Mas ao mesmo tempo dá-se prioridade à investigação sobre as conexões entre a Integrante / Rafael Raeff
ordem sócio-cultural e a biológica, a partir das políticas públicas em ação e dos tipos específicos Rocha - Integrante
de poder que geram. Ao fazê-lo, busca-se esboçar as fronteiras, tempos, atores e procedimentos
de um “espaço político da saúde” (inspirado em Didier Fassin), de modo a compreender o modo
pelo qual os poderes bio-médicos e tecnológicos configuram e são configurados por
desigualdades sociais, econômicas e políticas e, assim, logram ou não atualizar uma certa
inscrição social nos corpos.
2008 - Indigenous Sanitation Descrição: This project aims at building parameters to a comparative approach between public Carla Costa Teixeira - International
2009 and Health Policies: a policies on indigenous health care in Canada and Brazil, including sanitation actions. It is a kind Coordenador Council of
comparative of exploratory research inside a broader project that intend to develop deeper investigations in Canadian Studies -
perspective between both countries in order to outline the similarities and differences between sanitation and health Auxílio financeiro.
Brazil and Canada policies in indigenous areas both in Brazil and Canada. This project has been awarded with a four
week visit to Canada, under the Faculty Research Program from International Council of
Canadian Studies, Canadian Embassy
2006 - Fundação Nacional de Descrição: Este projeto pretende investigar o processo histórico e político-institucional recente Carla Costa Teixeira - Conselho Nacional
2009 Saúde: uma que possibilitou a criação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).Trata-se de mapear os limites Coordenador de
antropologia da e possibilidades de vigência de uma instituição e, principalmente, de uma política pública que, Desenvolvimento
produção política da calcada nos princípios de (i) acesso universal igualitário às ações e serviços de saúde, (ii) de Científico e
diversidade atendimento integral à saúde e (iii) de participação da comunidade (Constituição Federal, Artigos. Tecnológico -
196 a 198), foi administrativamente organizada a partir da fusão da Fundação Serviço Especial Auxílio financeiro
de Saúde Pública (Fsesp) e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), ambas
criadas durante o regime militar ? respectivamente 1969 e 1970. O que pressupõe, não apenas a
investigação das estruturas organizacionais envolvidas, mas também o rastreamento da
existência, ou não, de mecanismos institucionais de transformação dessa estrutura construída para
atuar, essencialmente, em campanhas sanitárias em estrutura responsável pelos serviços de
atenção permanente à saúde de populações etnicamente diferenciadas. Desta perspectiva, as ações
de educação em saúde adquirem relevância significativa por, justamente, se colocarem o desafio
de produzir essa tradução e viabilizar a participação da população alvo da ação buscando
transformá-la em sujeito

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126

2006 - Usos e Percepções da Descrição: Trata-se de uma missão exploratória, contemplando a ida de pesquisadores brasileiros Integrantes: Carla Costa Conselho Nacional
2008 Água e as Políticas de à Guiné Bissau e a vinda de pesquisadores guineenses ao Brasil, que pretende mapear em Guiné Teixeira - Integrante / de
Saneamento na Guiné Bissau as estruturas de gestão dos equipamentos e das políticas públicas envolvidos nas relações Wilson Trajano Filho - Desenvolvimento
Bissau entre uso da água, saneamento e saúde pública. Tal objetivo toma como horizonte orientador o Coordenador / Ricardo Científico e
fato de que desde que foi criado o código da água em 1992, e o conselho interministerial para o Bernardes - Integrante Tecnológico -
assunto em 1993, foram inúmeros os projetos voltados para a melhoria do acesso à água potável Auxílio financeiro.
e ao saneamento. Campanhas educativas, construção de latrinas, tanques de armazenamento,
cisternas, poços com bomba foram feitos em todas as regiões do país. No entanto, os agregados
estatísticos não indicam uma melhoria substancial dos índices de saúde pública. Nossa sugestão
para esse fracasso relativo tem a ver com o fato de serem eles projetos não articulados uns com
os outros, que não levam na devida conta as demandas, percepções e práticas locais referentes ao
problema que os projetos querem enfrentar e não focalizam com a devida ênfase a mobilização
da sociedade civil e das comunidades locais para a manutenção do projeto, dos equipamentos e
das estruturas que dele resultaram
2006 - Usos e Percepções da Descrição: Este projeto tem como objetivo geral mapear comportamentos e atitudes envolvendo Integrantes: Carla Costa Universidade de
2008 Água na Universidade a água no campus, visando a contribuir para a reestruturação da gestão da água em curso na Teixeira - Coordenador / Brasília - Bolsa.
de Brasília Universidade de Brasília. Contudo, insere-se na abordagem analítica que busca estabelecer Cristina Dias da Silva -
vínculos e conexões entre as diversas dimensões da vida cotidiana, bem como entre distintas Integrante / Julia Marques
disciplinas que abordam a água, com destaque para a Antropologia e a Engenharia Civil e Dalla Costa - Integrante /
Ambiental. Desta perspectiva, a investigação sobre a água, embora esteja sendo realizada sob o Mara Cecilia Miranda
ângulo das práticas de utilização da água em diferentes espaços do campus universitário, mantém- Palhares - Integrante /
se no horizonte abrangente da compreensão deste fenômeno que é, ao mesmo tempo, físico, Flavio Abdalla Lage -
social, político, econômico e cultural Integrante / Felipe
Paschoali - Integrante /
Matheus Borges -
Integrante
2004 - Percepções e usos da Descrição: Pesquisa comparativa entre dois municípios Maracaçumé (MA) e Granjeiro (CE) Carla Costa Teixeira - Fundação Nacional
2007 água em pequenas acerca das percepções e usos da água, enfocando tanto os moradores quanto os gestores e políticos Coordenador / Carla de Saúde -
comunidades: uma responsáveis pelo abastecimento de água. Considera, em especial, as conexões das práticas e Andrade Coelho - Presidência -
perspectiva classificações sobre a água com a saúde. Integrante / Jacques de Auxílio financeiro.,
antropológica Novion - Integrante / Luís
Cláudio Moura - Integrante
/ Anna Davison - Integrante
2003 - Representações e Este projeto foi inicialmente desenvolvido no âmbito de avaliação de política pública de Integrantes: Carla Costa Não informado
2015 Práticas em saneamento e seus impactos sobre a saúde, sob os auspícios da OPAS e da Funasa, em diálogo Teixeira - Coordenador /
Saneamento e Saúde com o prof. Ricardo Bernardes (Engenharia Civil e Ambiental/UnB) e com a profa. Glória Anna Davison - Integrante
Teixeira (Sáude Coletiva/UFBA). Atualmente, não mais focaliza a dimensão de avaliação de / Fernando Natal -
Integrante / Alexandre

126
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política pública, buscando compreender a diversidade de relações sociais e processos de Branco - Integrante / Nilton
subjetivação propiciados no âmbito das políticas de saúde e saneamento Aguilar - Integrante
2003 - Honra, decoro Este projeto consiste em uma proposta de investigação etnográfica sobre os valores e mecanismos Carla Costa Teixeira - Conselho Nacional
2008 parlamentar e de construção de identidades políticas, sendo o representante parlamentar o sujeito político Coordenador de
eleições: uma privilegiado. Este projeto inclui três linhas de investigação: (1) Honra, decoro e identidade Desenvolvimento
pesquisa parlamentar; (2) Espaços e tempos da política: conflito, solidariedade e mediações; (3) Científico e
antropológica da Representações e práticas em políticas de saúde e saneamento Tecnológico - Bolsa
esfera da política
1997 - Honra, decoro Este projeto foi desenvolvido no âmbito do Pronex Uma Antropologia da Política: rituais, Carla Costa Teixeira - Conselho Nacional
2003 parlamentar e eleições representações e violência Coordenador de
Desenvolvimento
Científico e
Tecnológico -
Auxílio financeiro
Fonte: elaborado pela autora.

127
128

6.3.DELIMITAÇÕES E CIRCULAÇÃO DE SABERES DOS CAMPOS DE


CONHECIMENTO EM QUE ESTÃO INSERIDOS

No sentido exposto por Bourdieu (1996), um campo pode ser tanto um ‘campo de
forças’, pois constrange os agentes nele inseridos, quanto um ‘campo de lutas’, no qual os
agentes atuam conforme suas posições, mantendo ou modificando sua estrutura. O campo
científico é, desta maneira, um espaço em que pesquisadores disputam o monopólio da
competência científica, cujo funcionamento pode ser comparado a um jogo, onde os princípios
do funcionamento são dominados por seus participantes. Portanto, os temas de pesquisa se
inserem no campo científico por um tipo de motivação científica que abrange uma dimensão da
prática política e social, condicionada às transformações na condução da política pública de
saúde, de saúde indígena e das condições de vida dos povos indígenas:
“Por um lado, a posição que cada agente singular ocupa num dado momento na
estrutura do campo científico é a resultante, objetivada nas instituições e incorporada
nas disposições, do conjunto de estratégias anteriores desse agente e de seus
concorrentes (elas próprias dependentes da estrutura do campo, pois resultam das
propriedades estruturais da posição a partir da qual são engendradas). Por outro lado,
as transformações da estrutura do campo são o produto de estratégias de conservação
ou de subversão que têm seu princípio de orientação e eficácia nas propriedades da
posição que ocupam aqueles que as produzem no interior da estrutura do campo”
(BOURDIEU, 1996: 13).

Os quatro estudiosos analisados são profissionais que possuem formações diversas e


pós-graduação em antropologia. Denominam-se no campo científico como antropólogos, sendo
que dois falam do campo da antropologia (Esther Jean Langdon e Carla Costa Teixeira) e dois
do campo da saúde coletiva (Carlos Coimbra e Luiza Garnelo). Ainda que em posições distintas,
compõe uma mesma rede e dialogam com grande parte dos pesquisadores que estudam saúde
dos povos indígenas no país. São parceiros em projetos e trabalhos específicos e possuem
afinidades teóricas, metodológicas e políticas que os aproximam ou os diferenciam.
Cada uma das abordagens marca tendências de estudos dentro da área de saúde indígena
no Brasil e realiza a ponte com a saúde coletiva, demonstrando o caráter interdisciplinar e
transversal dessa área. Os pesquisadores personificam características amplas dos paradigmas
predominantes na área de estudos em saúde dos povos indígenas, mesmo que não representem
a totalidade das vertentes epistemológicas e práticas políticas que se inserem na arena da saúde
dos povos indígenas.
Esther J. Langdon e Carlos Coimbra se situam como parte dos precursores da
consolidação dessa área de estudos entre as décadas de 1980 e 1990, enquanto Luiza Garnelo
129

Teixeira e Carla Teixeira emergiram no campo a partir dos anos 2000. Como um traço de
particularidade das redes construídas, todas favoreceram a aproximação do campo da
antropologia com a saúde pública. Outra característica comum aos interlocutores se refere ao
estabelecimento de redes endógenas e exógenas à saúde indígena.
As parcerias desenvolvidas pelos quatro pesquisadores com as mais diversas temáticas,
atores, instituições e locais, revelam a capacidade de circularidade dos saberes construídos no
âmbito nacional e internacional. Ainda nessa direção, suas trajetórias indicam a produção,
acumulação e circulação de capital científico suficiente, capaz de fomentar a amplitude da área.
Por serem pontos-fortes da área de estudos e se localizarem em instituições privilegiadas no
ambiente científico brasileiro, esses atores sabem usufruir das capacidades estruturais e
simbólicas das posições que ocupam em favor do crescimento e disseminação da área, bem
como, na transposição da influência de suas obras para o campo político.
As reflexões produzidas pelos autores da área de estudos em saúde dos povos indígenas
foram e são fundamentais não somente para problematizar dificuldades de ordem prática dos
serviços de saúde, como na formação de profissionais que visam atuar, pesquisar e se inserir na
temática. Conceitos como intermedicalidade, atenção diferenciada, interculturalidade, entre
outros, foram construídos e constantemente problematizados diante dos desafios colocados.
Esse arcabouço teórico permitiu o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares no campo
da saúde coletiva que contribuíram para uma maior integração entre áreas do conhecimento
como epidemiologia e antropologia, por exemplo.
A circularidade dos atores entre diversos grupos pode ser tanto atribuída ao fator
coletivo, quanto ao individual, de acordo com Thomas Khun (2011):
“Individualmente os cientistas, especialmente os mais talentosos, pertencerão a
diversos desses grupos de modo concomitante ou contínuo. Embora ainda não esteja
claro até onde a análise empírica pode nos levar, há excelentes motivos para supor
que o empreendimento científico esteja distribuído entre comunidades e seja
conduzido por elas” (KHUN, 2011: 315).

As trajetórias profissionais dos interlocutores do estudo sugerem que eles se preocupam


em serem reconhecidos em seus campos de saberes, em se institucionalizarem e difundirem os
conhecimentos produzidos. Todavia, também apontam para investimentos na promoção de
redes que estimulam o diálogo e as pontes com as políticas públicas de saúde indígena e com
os povos indígenas. Tais pontes são estabelecidas principalmente por meio das associações
acadêmicas, como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e a Associação Brasileira
em Saúde Coletiva (ABRASCO).
130

Em diálogo com Menéndez (1998), diversos aspectos contextuais contribuem para essa
tendência, além das convergências nas trajetórias estudadas:
“A Antropologia Social e as disciplinas médicas organizadas em torno da Saúde
Pública, e em especial a Antropologia Médica e a Epidemiologia, desenvolveram
perspectivas de descrição e análise do processo saúde/enfermidade/atenção, que
apresentam características simultaneamente complementares e divergentes (...) Nossa
análise das relações entre ambas disciplinas parte do suposto de que ocorreu um
processo de convergência entre as mesmas, ao mesmo tempo em que determinados
fatores limitam a possibilidade de complementação em termos interdisciplinares. O
impulso dado às atividades de Atenção Primária desde finais dos anos sessenta, e
especialmente após a Conferência de Alma Ata; as propostas de participação social,
de utilização de estratégias de atenção baseadas no saber popular ou de formação de
sistemas locais de saúde, assim como a recuperação de ações baseadas em redes
sociais, grupos de apoio e auto-cuidado, favoreceram esta convergência pelo menos a
nível declarativo” (MENÉNDEZ, 1998).

Ao abarcar a perspectiva da interdisciplinaridade e intermedicalidade entre seus


discursos e práticas, os quatro pesquisadores demonstram que a temática da saúde indígena não
evoca o discurso hegemônico da biomedicina e, sim, se localiza na perspectiva da fronteira;
“O encontro de distintas racionalidades médicas nas práticas de cura, combinadas e
complementares na resolução de problemas de saúde, geralmente não dispensa os
saberes tradicionais e a religião, pondo em relação múltiplos saberes e terapias que
fogem da subordinação exclusiva ao saber biomédico, apontando seus limites e a
complexidade prática e existencial do processo saúde-doença-atenção” (CANESQUI,
2010).

É possível afirmar, portanto, que na constituição desta temática coexiste um modelo


hegemônico da biomedicina, mas há uma arena que permite o contrafluxo e a crítica a essa
hegemonia. O que não significa que essa coexistência seja pacífica e sim, palco de disputas
discursivas e de práticas entre os agentes que compõem o campo. Corroborando com a
afirmação de Bourdieu (1984) a área de estudos em saúde indígena existe conforme se
diferencia de outros campos e dentro do próprio campo da Saúde Coletiva;
“Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do
conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes
(indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio
da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico
de cada campo” (BOURDIEU, 1984:114).

Entendemos que a construção do campo, do capital científico e do habitus, que


sustentam a existência do campo da Saúde Coletiva (VIEIRA-DA-SILVA, 2018) e que
reverberam na operacionalidade da área de estudo em questão, se faz mediante um contexto de
interculturalidade que impõe inúmeros desafios epistemológicos e paradigmáticos para os mais
diversos agentes sociais envolvidos.
131

Foi ainda observado que a produção acadêmica acompanha em grande medida a


emergência de problemáticas inseridas no campo da saúde coletiva de um modo geral. Tal fato
é relevante dado o poder de influência que as evidências científicas podem implicar nas políticas
públicas e vice e versa. Ademais, possibilita analisar se a condução das políticas é ou não capaz
de dialogar com a produção do conhecimento em saúde dos povos indígenas, conforme indica
Bourdieu (1996);
“De uma definição rigorosa do campo científico enquanto espaço objetivo de um jogo
onde compromissos científicos estão engajados resulta que é inútil distinguir entre as
determinações propriamente científicas e as determinações propriamente sociais das
práticas essencialmente sobredeterminadas” (BOURDIEU, 1996:16).

Com relação à circulação de saberes dos campos de conhecimento, compreendemos que


a produção científica em saúde dos povos indígenas é constituída por diversas áreas e
pulverizada pelas mesmas. O que determina uma polissemia de conceitos, temáticas, interesses
e redes de pesquisadores. Com a lente sobre essa área do conhecimento dentro da saúde
coletiva, identificamos os diferentes campos disciplinares, que dialogam em torno da saúde dos
povos. Se a lente fosse direcionada para cada um desses campos, como o da medicina, nutrição,
medicina tropical ou mesmo a genética, as pesquisas com povos indígenas apareciam como
subtemas.
Teixeira (2013), ao analisar a produção de teses e dissertações de antropologia sobre
saúde indígena, identifica que esses estudos se localizam nas fronteiras entre campos
disciplinares bem constituídos. Paralelo ao percurso histórico da inserção da saúde indígena
como parte dos serviços públicos de saúde no Brasil, desenvolveu-se outra corrente de estudos
dentro da antropologia médica e da saúde. Tal corrente busca compreender e explicar as
relações interétnicas inseridas no contexto da saúde indígena, que condiz com a construção,
interpretação e intervenção nos corpos e no processo de saúde e doença. (LANGDON, 2004).
Langdon & Follér (2012) apresentam as preocupações em torno das condições de saúde
e adoecimento das populações através de abordagem estritamente antropológica que se
consolidaram entre as décadas de 1960 e 1970, a partir da criação de disciplinas em cursos de
pós-graduação, reuniões científicas e grupos de estudo sobre o tema. Dentre as preocupações
dessa área, encontram-se as pesquisas em antropologia da saúde com povos indígenas, que
surgiram em meados da segunda metade do século XX, tendo em vista que são populações
historicamente conhecidas como objetos de estudo da antropologia. Por sua vez, os estudos
antropológicos são transversais em diversos contextos, diferentes áreas do conhecimento se
fazem presentes e emergem em determinados cenários.
132

Traçando um paralelo conceitual, o campo científico onde se localiza a temática da


saúde indígena é uma contínua zona de contato (FOLLER, 2004). No sentido de que sua
existência é mediada o tempo todo por relações entre saberes e práticas distintas em um mesmo
campo de ação, seja do ponto de vista das políticas públicas como para a produção do
conhecimento.
Podemos compreender que nesta zona existe um “conflito” basal, qual seja: a relação
entre a biomedicina – representada pela normatividade das políticas de saúde e a presença de
profissionais de saúde nos territórios indígenas – e as concepções cosmológicas e relações
socioculturais e políticas no interior da vida comunitária dos povos indígenas e da sociedade
envolvente. Diversos estudiosos pesquisam a relação entre profissionais de saúde e povos
indígenas e os conflitos provenientes das distâncias epistemológicas entre concepções
biomédicas e os saberes e práticas de autocuidado dos povos indígenas (DIAS DA COSTA,
2015; LANGDON & WIIK, 2010).
A biomedicina é compreendida como recurso de saber-poder colonizador
(FOUCAULT, 1986) e que, trazida para este contexto, se revela na relação entre Estado, ciência
e povos indígenas. No sentido de que, mesmo com a mudança da perspectiva constitucional a
respeito dos povos indígenas – ao transformar a concepção tutelar pelo reconhecimento e
autonomia da diversidade étnica --, o saber colonial pode se fazer presente pelo formato do
cuidado e da atenção à saúde, onde verificamos o pleno exercício do biopoder.
Souza-Lima (2014) identifica como “gestão colonial das desigualdades” o movimento
de perpetuação e modernização da lógica tutelar por meio de organismos e de práticas que
circunscrevem e subjugam populações. Ainda que sob o discurso salvacionista e de valor à vida;
como é impregnado no discurso biomédico. Para o autor, o cerne dos poderes e saberes de
ordem colonial que se condensam em torno da prática indigenista tem origens históricas
distintas, mas se concentram no propósito da conquista de espaços territoriais como
ideológicos, socioculturais e simbólicos.
Ao compreender a área de estudos em saúde dos povos indígenas como intrinsecamente
transversal, desde a sua emergência, reconhece-se sua capacidade de ultrapassar fronteiras e
dialogar com diversas perspectivas disciplinares. O que designa sua manutenção e crescimento
no interior do campo da Saúde Coletiva como em outros diferentes campos do conhecimento.
Nesse sentido, a transdisciplinaridade abre caminhos para o pensamento complexo que,
conforme Aleksandrowicz (2002), possibilita a abertura dos campos disciplinares a uma
convergência dialógica através e para além das fronteiras; haja vista que o paradigma da
133

interdisciplinaridade e da complexidade (CANESQUI, 2010; SCHRAMM, 2010) integram a


constituição epistemológica do campo saúde coletiva.
Essa perspectiva permite afirmar que a área de estudos em saúde dos povos indígenas
tem se construído sobre as mesmas bases, sob forte presença das tendências teórico-
metodológicas das ciências sociais em saúde. Esse olhar permite concluir que a construção dos
grupos de pesquisa e a produção da saúde indígena estão diretamente relacionados com sua
inserção no cenário de implantação e implementação das políticas públicas em saúde no Brasil;
frente aos grandes dilemas e questões nacionais que incidem nas condições de saúde e de vida
da população brasileira como um todo.
Portanto, trabalhar com este tema passa necessariamente pelo debate da focalização e
universalização das políticas sociais (GARNELO, 2014), conforme o referencial conceitual da
equidade e um dos pilares do SUS. Vieira-da-Silva e Almeida Filho (2009) discutem os
diferentes conceitos de equidade e terminologias utilizadas como sinônimos, tais como
iniquidade, desigualdade, entre outras, ao longo da história e de sua introdução no campo da
saúde. Os autores, sustentados na perspectiva de diversos teóricos sociais da justiça, mencionam
que para o caso da saúde “o exercício da equidade pode se materializar no processo de
formulação das políticas de saúde intersetoriais que podem ter impacto sobre os determinantes
sociais da saúde” (VIEIRA-DA-SILVA, ALMEIDA FILHO, 2009: S220).
No documento da conferência mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (DSS),
realizada em 2011 no Rio de Janeiro, há um capítulo especial sobre saúde dos povos indígenas
que enfatiza a necessidade de inclusão do tema no âmbito das DSS:
“O conhecimento do perfil epidemiológico em transição dos povos indígenas no
Brasil, considerando a grande diversidade étnica que os caracteriza, reveste-se de
suma importância para orientar a organização, planejamento e melhoria da qualidade
dos serviços de saúde. Em geral, esses serviços encontram-se voltados para lidar com
determinados grupos de doenças, sobretudo as infecciosas e parasitárias, que,
historicamente, têm (ou tiveram) maior peso na morbidade e mortalidade indígena”
(CNDSS, 2011)35

Desse modo, a equidade torna-se um conceito caro às políticas públicas diferenciadas,


por trazer ao campo da saúde pública a necessidade de uma atenção diferenciada às populações
diversas em variadas dimensões. Por se tratar de uma prerrogativa legal e moral, é um conceito
que também traz impacto importante para a dimensão científica, pois direciona um tratamento
qualificado e diferenciado frente às diversidades étnicas no universo das ciências da saúde e

35
Disponível em: Comissão Nacional dos Determinantes Sociais da Saúde http://cmdss2011.org/site/wp-
content/uploads/2011/07/relatorio_cndss.pdf. Acessado em 15 de outubro de 2020.
134

das análises a respeito do SUS (WHITEHEAD, 1992; VIEIRA-DA-SILVA, ALMEIDA


FILHO, 2009).
Portanto, podemos compreender que o Subsistema consiste em uma alternativa de se
buscar a equidade no contexto das políticas públicas de saúde, por meio da focalização
direcionada às especificidades étnicas, sociais e geográficas dos povos indígenas. Ainda que na
prática encontremos uma série de limitações na concretização deste modelo diferenciado
(FERREIRA, 2014).
135

6.4.O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES ACADÊMICAS NA INTERSEÇÃO ENTRE


CAMPOS

Além dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, vinculados às instituições nacionais


de ensino e pesquisa, é importante destacar o papel das organizações acadêmicas setoriais no
processo de fortalecimento dos estudos sobre saúde dos povos indígenas.
Carla Costa Teixeira reconstituiu a relação entre a Associação Brasileira de
Antropologia (ABA) e a temática da saúde indígena, no estudo dos anais dos encontros anuais
dos associados, denominada de Reunião Brasileira de Antropologia (RBA) (TEIXEIRA, 2013).
A autora destaca que desde 1957, durante a realização da 2ª RBA, o antropólogo e indigenista
Darcy Ribeiro apresentou o trabalho intitulado “Efeitos dissociativos da população por
epidemias entre os índios”, que viria a ser um artigo encontrado na revisão de literatura desta
tese (capítulo 4). Segundo sua análise, durante a década de 2000 a 2010 ocorreu a maior parte
de encontros a respeito da temática da saúde indígena no interior das RBA, tal como descreve:

“A 27ª RBA (2010) contou com uma mesa redonda sobre Medicinas Tradicionais e
Políticas de Saúde Pública que, sob a coordenação de Jean Langdon (UFSC) (...) e um
minicurso sobre Saúde Indígena coordenado por Luiza Garnelo (Ufam-Fiocruz) e
Jane Beltrão (UFPA). A 26ª RBA (2008) abrigou um grupo de trabalho intitulado
Agentes de Diálogos e Participação Indígena nas Políticas Públicas, coordenado por
Márcia Gramkow (GTZ) e Maria Helena Ortolam (Ufam) Nesta mesma RBA
ocorreram também dois simpósios especiais (atividades propostas pela diretoria da
ABA) nos quais se discutiram: 1. a Saúde Indígena em Perspectiva: Explorando suas
Matrizes Ideológicas (coordenado por Carla Teixeira, UnB); e 2. Demografia e
Antropologia: os Povos Indígenas no Censo 2010, promovida em conjunto com a
Associação Brasileira de Estudos Populacionais. A 25ª RBA (2006) já havia
inaugurado o diálogo entre antropologia e demografia com a mesa Demografia e
Antropologia dos Povos Indígenas no Brasil: em busca de interfaces, coordenada por
Luiza Garnelo (Ufam-Fiocruz). Nesta reunião ocorreram também outras duas
atividades sobre saúde indígena: 1. o simpósio especial A Política Indigenista em
Debate (antropologia urgente), promovido pela Comissão de Assuntos Indígenas da
ABA, cuja segunda sessão foi sobre saúde indígena (coordenação de Marco Lazarin,
UFG); e 2. o grupo de trabalho A Saúde e a Doença: antropologia aplicada à saúde
em contextos multiculturais, coordenado por Sérgio Lerín (Ciesas – México) e Flávio
Wiik (UFSC) (...) A 24ª RBA reunida em 2004 abrigou vários trabalhos em saúde
indígena em atividades focadas em questões afins, mas, especificamente em saúde
indígena, ofereceu um minicurso sobre Antropologia, Políticas Públicas e Saúde em
Territórios Étnicos, coordenado por Luiza Garnelo (Ufam-Fiocruz) e Antonio Carlos
de Souza Lima (MN/UFRJ). Há que se destacar a reunião de 2002, a 23ª RBA, com
uma atividade que teve repercussões duradouras para o desenvolvimento das
discussões e para o fortalecimento deste espaço dentro das reuniões brasileiras de
antropologia, como rastreado nos eventos acima descritos. Trata-se do Fórum de
Pesquisa Política de Saúde e a Intervenção Antropológica, coordenado por Jean
Langdon (UFSC) e Luiza Garnelo (Ufam-Fiocruz), que resultou na coletânea Saúde
dos Povos Indígenas: reflexões sobre antropologia participativa, publicado em 2004
com a chancela da própria Associação Brasileira de Antropologia” (TEIXEIRA, 2013:
39).
136

Importante observar que os anos 2000 foi também o período em que encontramos o
maior quantitativo de publicações científicas sobre a temática e emergência de grupos de
pesquisa. O que coincide exatamente com a implantação do SASI-SUS.
Localizada dentro do campo da saúde coletiva e local estratégico de articulação política
na ciência, a Associação Brasileira em Saúde Coletiva (ABRASCO) ocupa uma posição de
destaque e protagonismo. Como já assinalado, ao lado de outros grupos e temáticas da
ABRASCO, desde 2000 existe o Grupo Temática Saúde Indígena (GTSI) que, conforme sua
própria descrição “tem proposto e participado de debates relevantes à Saúde Coletiva no
Brasil, além de representado a Abrasco nas distintas esferas do SUS no que diz respeito à saúde
dos povos indígenas”36. Para além da arena acadêmica, o GTSI tem estado presente em
diferentes instâncias de participação social no que se refere ao direto à saúde dos povos
indígenas, tais como, na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), ligada ao Conselho
Nacional de Saúde (CNS), e no posicionamento expresso em diferentes espaços e articulações
com organizações indígenas37.
Atualmente o grupo de trabalho é coordenado pela médica sanitarista e pesquisadora
Ana Lucia Pontes, integrada ao grupo de pesquisa coordenado por Carlos Coimbra “Saúde,
Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas” da ENSP/FIOCRUZ. Sob a coordenação
de Ana Pontes no GTSI destaca-se o lançamento em 2019 da Biblioteca Virtual de Saúde dos
Povos Indígenas38, realizado em parceria com o Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica (ICICT/Fiocruz) e a Biblioteca Virtual de Saúde ligada à
Bireme/OPAS/OMS.
Cabe destacar o posicionamento público do GTSI da ABRASCO e da ABA sobre a
reafirmação dos direitos indígenas frente à recente ofensiva do governo federal contra a
preservação dos territórios tradicionais, ampliação da assistência à saúde, políticas de acesso à
educação superior; entre outros aspectos associados aos direitos indígenas garantidos
constitucionalmente.39

36
Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/gtsaudeindigena/. Acessado em 15 de outubro de 2020.
37
Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/posicionamentos-oficiais-abrasco/direitos-indigenas-
importam-especial-abrasco-e-aba-sobre-a-questao-indigena-no-brasil/39393/. Acessado em 15 de outubro de
2020.
38
Disponível em: https://bvs.saudeindigena.icict.fiocruz.br/#top. Acessado em 15 de outubro de 2020.
39
Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/posicionamentos-oficiais-abrasco/direitos-indigenas-
importam-especial-abrasco-e-aba-sobre-a-questao-indigena-no-brasil/39393/. Acessado em 15 de outubro de
2020.
137

Além da ABA e da ABRASCO, importante destacar a participação da Associação


Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), que em 2002 constituiu o Comitê de Demografia
dos Povos Indígenas, composto por demógrafos e diferentes pesquisadores do campo da saúde
e da antropologia. Uma das principais contribuições do comitê foi a produção de conhecimento
na temática, com a participação de membros da ABRASCO e da ABA e a interferência direta
na reconfiguração do tratamento do Censo Populacional de 2010 com relação aos povos
indígenas (PEREIRA, 2016)40.
Em 2015, a Revista Brasileira de Estudos de População (Rebep) -- durante a gestão de
Ricardo Santos (coordenador adjunto do grupo de pesquisa da ENSP/Fiocruz) e Nilza de
Oliveira Martins Pereira (IBGE) no Comitê de Demografia dos Povos Indígenas --, lançou um
número temático intitulado “Demografia, Saúde e Condições de Vida dos Povos Indígenas:
Perspectivas Contemporâneas” que teve como principal enfoque:
“(...) Análises sobre a demografia histórica da população indígena; investigações
comparativas de dados demográficos gerados a partir de estudos de comunidades com
aqueles oriundos de pesquisas nacionais, como os censos demográficos; aspectos
populacionais das territorialidades indígenas, tanto em contextos rurais como urbanos;
análises voltadas para aprofundar os conhecimentos sobre categorias de recorte
antropológico recentemente incluídas nos censos demográficos latinoamericanos,
incluindo o brasileiro, e específicas para os indígenas, como pertencimento étnico e
línguas faladas nos domicílios; análises comparativas da demografia da população
indígena no Brasil com aquela de outros países, em particular da América Latina;
investigações sobre os padrões de desigualdade das condições de saúde de indígenas
e não-indígenas, incluindo o processo de transição epidemiológica, marcado por forte
crescimento na morbi-mortalidade por doenças crônicas não-transmissíveis;
implicações das informações de população no planejamento, implementação e análise
dos impactos das políticas públicas (saúde, educação, território, ambiente, entre
outras)”.41

Necessário enfatizar que ABEP e ABA são as principais organizações que se associam
com o campo da Saúde Coletiva, congregando pesquisadores que atuam diretamente com a
temática da saúde dos povos indígenas ao longo do processo de institucionalização do SASI-
SUS. Porém, isso não significa que outras organizações acadêmicas de outras áreas do
conhecimento não possuam grupos de trabalho dedicados à temática.
Cabe ressaltar que a temática da saúde mental e atenção psicossocial em populações
indígenas tem ganhado força. Principalmente a partir da implementação deste programa

40
Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf. Acessado em
15 de outubro de 2020.
41
Disponível em: http://www.abep.org.br/site/index.php/grupos-de-trabalho/demografia-dos-povos-indigenas-
no-brasil/plano-de-trabalho. Acessado em 15 de outubro de 2020.
138

específico no âmbito da PNASI, por meio da Portaria nº 2.759 de 2017, com a participação
intensiva da Rede de Psicólogos Indígenas vinculados ao Conselho Federal de Psicologia 42.
O mesmo movimento se estende à área de enfermagem43 e odontologia44, também como
fenômenos recentes (da última década). Tais iniciativas tem envolvido um corpo maior de
organizações e instituições, para além de ações focalizadas e isoladas de pesquisadores
interessados na temática da saúde indígena.
A formação de redes de indígenas profissionais tem emergido, em especial, após muitos
destes indígenas terem concluído suas graduações e pós-graduações (BERGAMASCHI, 2014:
12). Essa inserção decorre da implementação das políticas públicas de cotas e de inclusão e
acesso ao ensino superior, após 2012, em âmbito nacional. Além de outros programas regionais
que já garantiam esse acesso antes da iniciativa federal, tal como o Programa Rede de Saberes
do Estado do Mato Grosso do Sul45, entre outras. Convém destacar ainda a formação, em 2020,
da Rede de Antropólogos Indígenas, mobilizada principalmente por meio das redes sociais.
Essa rede reúne antropólogos de várias regiões do país, etnias e inserção profissional.

42
Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/12/CFP_PovosTradicionais_web.pdf.
Acessado em 15 de outubro de 2020.
43
Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-debate-assistencia-a-populacoes-indigena-negra-e-
quilombola_58432.html. Acessado em 15 de outubro de 2020.
44
Disponível em: https://website.cfo.org.br/dia-internacional-dos-povos-indigenas/. Acessado em 15 de outubro
de 2020.
45
Disponível em: https://ensinosuperiorindigena.wordpress.com/atores/nao-humanos/rede-de-saberes/. Acessado
em 15 de outubro de 2020.
139

6.5.PESQUISADORES COMO MEDIADORES DE CAMPOS E UNIVERSOS DISTINTOS

Figura 4 - Espaços de mediação dos pesquisadores com instâncias dos campos científico e político

Ministério da Saúde SESAI

GT – Saúde DSEI´s
CNS
Indígena
Abrasco
Abep
Abrasco ONG´s

CISI
Fiocruz Universidades Redese
brasileiras coletivos
ABA autônomos Movimentos e
Universidades organizações
estrangeiras indígenas
OPAS

FUNAI
ONU Grupos de Pesquisa- CNPq

MCTI & C
MEC
CAPES CNPq

Fonte: elaborado pela autora.


140

Como um exercício de representação desses campos inter-relacionados no seio social,


expresso na figura 4, podemos visualizar os posicionamentos dos pesquisadores, suas redes de
relações nos campos científicos e políticos e suas articulações com atores sociais que não
integram a burocracia do Estado.
A esfera central e mais interna da figura, marca o pertencimento dos pesquisadores
estudados e suas instituições de vínculos nacionais e que também possuem enfoque
internacional, no campo da saúde coletiva. Na esfera mais próxima ao centro estão os coletivos,
representados pelos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, os grupos de trabalho e comitês
sobre a temática da saúde indígena vinculadas às associações de classe como a Abrasco, a ABA
e a ABEP. Essas duas esferas estão mais associadas ao campo científico. Contudo, a segunda
esfera, relativa às associações acadêmicas, estaria mais próxima da fronteira com o campo
político, tanto da burocracia do Estado quanto dos movimentos sociais indígenas.
Na terceira esfera, referente ao campo político, estão as instituições, organizações e
conselhos do Estado brasileiro nas áreas da Saúde: Ministério da Saúde (MS), Secretaria
Especial de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SESAI), Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI´s), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Intersetorial de Saúde
Indígena (CISI); na Política Indigenista Oficial: Fundação Nacional do Índio; na Educação:
Ministério da Educação (MEC); na Ciência: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
(MCTI), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Inclui
ainda as Organizações Internacionais: Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS), Organização das Nações Unidas (ONU) e os movimentos
sociais indígenas, redes e organizações diversas, tais como a Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Instituto Socioambiental (ISA), entre
outros.
Na teoria da práxis de Bourdieu, os atores sociais atuam em consonância com as regras
de um campo – no caso aqui tratamos do campo científico – a partir de um processo de
incorporação das regras e de agenciamento destas por meio do habitus. Importante entender
que:
“A teoria praxiológica, ao fugir dos determinismos das práticas, pressupõe uma
relação dialética entre sujeito e sociedade, uma relação de mão dupla
entre habitus individual e a estrutura de um campo, socialmente determinado.
Segundo esse ponto de vista, as ações, comportamentos, escolhas ou aspirações
individuais não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da relação
entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura” (SETTON, 2002: 64).
141

Sendo um processo complexo, como explica Montagner (2006), o habitus atua entre os
pólos da ação individual e da ação coletiva a partir de três lógicas: retenção, classificação e
mediação. Enquanto a retenção vai tratar da absorção propriamente física e corpórea, a
classificação está associada à incorporação de parâmetros e da capacidade de emitir juízo de
valor. Já a mediação consiste basicamente em uma categoria que opera a transição dos pólos
indivíduo-coletivo e subjetivo-objetivo. Sendo que, “no indivíduo, a sua percepção do mundo
passa sobretudo por uma captação fenomenológica, particular, que individualiza o vivido
cotidianamente. No entanto, a análise do geral nesse particular pode ser realizada
pelo habitus, um conceito muito próximo ao de representações sociais”. (MONTAGNER,
2006: 517). Isso posto, para Bourdieu, o processo de mediação está mais relacionado com a
mediação entre condições estruturais e materiais de existência e a formação das subjetividades,
sociais e coletivas, no sentido de compreender o habitus como uma “subjetividade socializada”
(BOURDIEU, 1992: 101 apud SETTON, 2002: 63).
Sob uma perspectiva diferente, a Teoria Ator-Rede compreende a necessidade de se
pensar associações que ultrapassam a concepção dualista das teorias sociais (LATOUR, 2012),
tais como, natureza/cultura, indivíduo/coletivo, subjetividade/objetividade, entre outros. Como
já assinalado, tal enfoque inaugura uma relação de inter-relação, simetria e coexistência entre
humanos e não-humanos no seio das relações e conexões das redes sociotécnicas, ou seja, da
própria realidade analisada (CARDOSO, 2015). Para Latour (2012):
“O social que constitui a sociedade representa apenas uma parte dos grupos
formadores do coletivo. Para reagrupar o social, será necessário, afora a circulação e
a formatação de laços sociais tradicionalmente concebidos, descobrir outras entidades
que circulem” (LATOUR, 2012: 333).

Assim, conforme explica Cardoso (2015), a proposta de mediação pensada por Latour
e articuladas a outros conceitos da TAR como tradução, é pensada como toda a ação que pode
transformar determinada associação. Ou seja, “um coletivo sociotécnico possui uma história,
um programa de ações, objetivos e funções, promove traduções e altera interesses que compõe
a relação entre humano e não-humano” (CARDOSO, 2015: 209).
A discussão sobre mediação no campo da antropologia é de longa data, especialmente
quando se pensa sobre o papel do profissional de antropologia em contextos socioculturais
vulneráveis. Esse debate localiza-se no horizonte das preocupações éticas e dos direitos
humanos a respeito do papel desse conhecimento especializado na realidade das populações
estudadas (KUPER,1973; SEGATO, 2006).
142

O presente estudo não tem o propósito de aprofundar esse debate na antropologia


propriamente dita. Todavia, abordar esse aspecto se faz necessário pelo fato de os pesquisadores
analisados atuarem no campo da antropologia e pelo papel que a produção acadêmica em saúde
indígena ganha ao se aproximar da relação entre o campo científico da Saúde Coletiva e o
campo político do Sistema Único de Saúde. Silva (2008), ao problematizar o papel
desempenhado pelo antropólogo para além do ambiente acadêmico na compreensão da
alteridade, fórmula que:
“O papel de mediador extrapola a atuação individual e são criados espaços a serem
ocupados profissionalmente, dentro de outras instituições, que não a academia. Por
isso, a mediação não é apenas uma questão individual, mas de instituições internas
que, constituindo uma ampliação do antigo mercado de trabalho, incorporam
antropólogos no exercício da sua profissão” (SILVA, 2008: 18).

Após a Constituição de 1988 e o reconhecimento de estado pluriétnico e ampliação do


escopo de atuação do estado brasileiro para a garantia da cidadania (SOUZA-LIMA, 2004),
antropólogos passaram a ser profissionais requisitados para atividades periciais de assuntos,
tais como: reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas; mediação de conflitos na
justiça; assessoria de movimentos sociais diversos, para reconhecimento de áreas de
conservação ambiental, de patrimônios históricos e culturais; nas ações de segurança pública;
nas políticas de educação intercultural e nas políticas de saúde dos povos indígenas. Esses são
alguns campos de atuação não acadêmico mais expressivos (TRAJANO FILHO e RIBEIRO,
2004; SILVA, 2008)
Uma publicação de destaque na área de estudos em saúde indígena com o intuito de
refletir e problematizar sobre esse papel foi o livro “Saúde dos Povos Indígenas – reflexões
sobre antropologia participativa”, organizado por Esther Jean Langdon e Maria Luiza Garnelo,
publicado em 2004 pela Associação Brasileira de Antropologia/Editora Contracapa. Nesta
publicação, que reúne treze artigos de antropólogos com alguma interface com a saúde
indígena, há relatos de experiências concretas no contexto dos serviços de saúde indígena,
reflexões e problematizações sobre as atuações em campo e outros que propõe uma ampliação
das concepções de saúde-doença-cuidado, em referência aos saberes e práticas hegemônicos no
campo da saúde pública. Interessante notar que é uma publicação que tem a representação da
ABA e, pela nossa análise, reforça a importância das associações científicas no diálogo entre
os campos científico e político, tal como a ABRASCO.
O artigo que introduz esse livro, intitulado "Pluralizando tradições etnográficas: sobre
um certo mal-estar na antropologia”, é do antropólogo João Pacheco de Oliveira, do Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse artigo, Oliveira discorre
143

acerca das ambivalências, controversas e implicações éticas e acadêmicas e do posicionamento


que o antropólogo pode vir a assumir na esfera pública, especialmente, na aliança com as
populações vulneráveis com as quais se vincula. Neste mesmo livro, Follér (2004) assinala a
importância da atuação de cientistas sociais e antropólogos nas ações e serviços de saúde. Tal
atuação é um modo de flexibilizar fronteiras epistemológicas e de práticas médicas em um
contexto intercultural em que se relacionam a biomedicina e os saberes e práticas tradicionais
em saúde dos povos indígenas. Como já dito, Carla Teixeira, Guilherme do Valle e Regina
Neves organizaram um livro sobre essa reflexão, intitulado “Saúde, mediação e mediadores”
(TEIXEIRA, VALLE, NEVES, 2017).
Assim, a emergência desses saberes, que podemos aqui considerar como os discursos
produzidos sobre a diversidade cultural dos povos indígenas, e suas condições de vida e de
saúde, contribuíram para a construção da crítica ao modus operandi da biomedicina. Essa
perspectiva corrobora a análise de Michael Foucault (2002), que nomina como “saberes
sujeitado um conjunto de saberes periféricos, incluindo as vozes dos excluídos e tutelados”;
esses saberes fazem parte do “saber histórico das lutas” por existência, reconhecimento e
hegemonia. De modo que “no domínio especializado da erudição tanto como no saber
desqualificado das pessoas jazia a memória dos combates, aquela, precisamente, que até então
tinha sido mantida sob tutela” (FOUCAULT, 2002:13). Nas palavras do autor:
“Uma série de saberes que estavam desqualificados como saberes não conceituais,
como saberes insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, saberes
hierarquicamente inferiores, saberes abaixo do nível do conhecimento ou da
cientificidade requeridos. E foi pelo reaparecimento desses saberes não qualificados,
desqualificados mesmo, foi pelo reaparecimento desses saberes: o do psiquiatrizado,
o do doente, o do enfermo, o do médico, mas paralelo e marginal em comparação com
o saber médico, o saber do delinquente, etc – esse saber que denominarei, se quiserem,
o “saber das pessoas” (...) foi pelo reaparecimento desses saberes locais das pessoas,
desses saberes desqualificados, que foi feita a crítica” (FOUCAULT, 2002: 12).

Os pesquisadores, portanto, tornam-se mediadores na medida em que agenciam seus


interesses de pesquisa ao atuar como agentes de transformação da realidade. O que contribui
para a reflexão de que a ciência não se faz sem política. Os cientistas são movidos por interesses
que muitas vezes extrapolam o desejo de reconhecimento e prestígio em determinado campo
científico. As motivações podem estar relacionadas com o engajamento político e
comprometimento do saber com a produção de impactos concretos na melhoria de condições
de vida.
A emergência e crescimento de uma área de estudos destinada ao conhecimento sobre
as condições de saúde dos povos indígenas constitui um desafio e uma oportunidade para as
144

políticas públicas de saúde. Especialmente, no que se refere às tensões, mas também diálogo,
entre pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e povos indígenas. De igual modo, o
surgimento de um Subsistema de Saúde Indígena contribuiu para impulsionar a emergência e
institucionalização de uma área do saber científico dedicada à temática, sendo fundamental para
a garantia do mesmo Subsistema.
Com o surgimento de temáticas diretamente associadas à implantação do Subsistema de
Atenção à Saúde Indígena, podemos observar que os pesquisadores produtores de saberes na
área são atores intrinsecamente envolvidos com as políticas públicas voltadas aos povos
indígenas desde seu surgimento. Isto significa dizer que a saúde indígena emerge como um
subcampo no campo do conhecimento da saúde coletiva. A saúde coletiva, portanto, serviu à
reforma sanitária como o aporte teórico e metodológico para o surgimento e consolidação do
atual Sistema Único de Saúde e os seus desdobramentos (VIEIRA-DA-SILVA, 2018), tal
como, as políticas de saúde dos povos indígenas.
Como consequência, os pesquisadores e suas pesquisas possuem um papel importante
na consolidação do Subsistência e das políticas públicas de saúde dos povos indígenas; seja
para a compreensão de informações sobre a realidade e subsídios para os serviços de saúde,
seja para fortalecer os movimentos sociais indígenas, oferecendo interpretações mais amplas
sobre as realidades.
Marcos Terena, liderança da etnia Terena, colaborou com Edgar Morin – um dos
maiores estudiosos do conhecimento e porta-vozes da perspectiva da transdisciplinaridade e do
diálogo de saberes – na elaboração do livro “Saberes locais e saberes globais: o olhar
transdisciplinar”. Nesta obra, Terena localiza a problemática da incorporação do conhecimento
indígena para a construção do conhecimento científico e sinaliza a importância da mudança de
paradigma em direção à troca e o diálogo entre saberes. Nas suas palavras:
“Porque a nossa comunicação era falar com as pessoas. Contar para as pessoas como
eu quero contar agora, a beleza da filosofia indígena, do conhecimento e da ciência
indígena. As pessoas sempre consideraram esse grande manancial como fonte, como
um banco de dados, uma bibliografia para sugar o conhecimento dos povos indígenas
e depois fazerem suas teses, as suas recomendações. Nunca ouvimos uma referência
dizer que aquele conhecimento, aquela sabedoria foi trazida, foi usurpada dos povos
indígenas” (TERENA, 2008).

Entende-se que os estudos sobre saúde indígena não pretendem ser elevados à condição
de representatividade das vozes indígenas e, sim, como aliados ao processo de reivindicação de
direitos e como um dos aspectos que revelam a intersecção entre os campos científico e político
na arena social. Ao longo da construção deste subcampo, os pesquisadores e suas pesquisas
contribuíram para o agenciamento da autonomia dos povos indígenas perante a lógica tutelar
145

do Estado, na medida em que relativizam o saber-poder da biomedicina. Ademais, colaboraram


para a construção de políticas públicas que demonstram a importância da diversidade
sociocultural indígena na Constituição Federal e no SUS. São atores que agenciam seus
interesses de pesquisa ao problematizar e atuar como colaboradores e agentes de transformação
na realidade, certamente carregados de controvérsias e contradições. – como qualquer ator no
campo.
146

7. CONCLUSÕES: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA CIÊNCIA A FAVOR


DA DIVERSIDADE

“A gente traz os nossos corpos, a gente traz os nossos sonhos, a gente traz as nossas
cores para ocupar esse espaço. A universidade e a academia é só mais um espaço que
a gente tá ocupando. As nossas trajetórias são trajetórias acadêmicas, mas são
trajetórias de luta, porque a universidade também é terra indígena” Inara do
Nascimento Tavares46 [grifo nosso]

Até o mês de outubro de 2020, 851 indígenas no Brasil foram a óbito em razão da Covid-
19. A Organização Mundial de Saúde e a Fiocruz sinalizaram que a taxa de mortalidade nas
populações indígenas da América do Sul é expressivamente maior do que na população não-
indígena47 Além disso, estudo conduzido por Santos et al (2020) tem evidenciado que a
mortalidade por COVID-19 nos povos indígenas da região amazônica chega a ser o triplo da
população48. Somado a isso, a condução do governo federal no controle e combate ao vírus tem
sido objeto de processos judiciais49 e denúncias em fóruns e organismos internacionais, devido
ao descaso no enfrentamento da pandemia nos territórios indígenas50. Ao passo que
organizações indígenas em parceria com organizações não-governamentais e entidades
científicas passaram a registrar e a monitorar um sistema próprio de notificação 51, paralelo aos
dados produzidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, em que
consideram populações indígenas que vivem em contexto urbano.
A pandemia de Covid-19 demonstrou em seis meses de existência em nossos cotidianos
de que o vírus foi maléfico proporcional às desigualdades sociais existentes antes da pandemia,

46
Pronunciamento da doutoranda da UFRRJ e indígena Inara do Nascimento Tavares durante o lançamento do
projeto “Vozes Indígenas na produção do conhecimento”, lançado pela Fiocruz em parceria com intelectuais
indígenas, as Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas do
Brasil e o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena (UFRR), disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZxFi_SeTex0&feature=emb_title. Acessado em 30 de outubro de 2020.
47
Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/boletim-observatorio-covid-19-fiocruz-traz-analise-de-seis-
meses-da-pandemia-no-brasil-0. Acessado em 30 de outubro de 2020.
48
Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/covid-19-taxa-de-mortalidade-entre-os-indigenas-da-
amazonia-legal-150-maior-do-que-media-nacional-aponta-estudo-
24492819#:~:text=RIO%20%2D%20A%20taxa%20de%20mortalidade,segunda%2Dfeira%20(22). Acessado
em 30 de outubro de 2020.
49
Disponível em: https://apiboficial.org/2020/08/01/adpf-709-no-supremo-povos-indigenas-e-o-direito-de-
existir/. Acessado em 30 de outubro de 2020.
50
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/08/18/oms-alerta-para-taxa-de-
mortalidade-de-indigenas-por-covid-19.htm. Acessado em 30 de outubro de 2020.
51
Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/. Acessado em 30 de outubro de
2020.
147

ao trazer piores consequências para as populações indígenas, indivíduos negros e pobres que
habitam as favelas e periferias das grandes cidades, às pessoas em condições de vulnerabilidade
social e econômica de uma maneira geral. A pandemia mobilizou atores de diversos setores,
escancarou controvérsias e interesses antagônicos e o mundo têm acompanhado atento a busca
de uma solução por meio de fármacos, vacinas e tecnologias de controle do vírus, contudo,
sabemos não ser suficiente para suprir os desafios presentes e consequentes da pandemia com
relação a complexidade societal. A pandemia da Covid-19 não apenas inaugurou uma nova
problemática como aprofundou as outras que eram urgentes e latentes antes de sua chegada.
Nesse sentido, a persistência das iniquidades em saúde e os desafios das políticas
públicas nesse enfrentamento, expressa a importância e o papel das universidades públicas e as
instituições científicas em saúde pública como aliadas das populações em condições de
vulnerabilidade, tal como os povos indígenas. Vale ressaltar também que a existência de um
sistema público, universal e gratuito em saúde, com grande capilaridade geográfica como o
SUS contribuiu para que o desastre não fosse pior do que tem sido – ao evidenciar o Brasil
como 2º colocado mundial em número de casos.
Ao recuperarmos a história dos povos indígenas no Brasil e o processo de perdas que
sofreram dos seus territórios, culturas, idiomas, entre outros aspectos, podemos compreender
melhor o papel do Estado e da produção do conhecimento na construção de políticas públicas
nas mais diferentes áreas direcionadas a esses povos. Papel que é ao mesmo tempo necessário
e problemático, sobretudo, quando pensados e executados de uma maneira pouco compartilhada
com as populações a que assistem. Vários aspectos inserem-se nesta questão, sendo extensa a
discussão a respeito das políticas e dos demais projetos intervencionistas nas terras indígenas
que, muitas vezes, não correspondem às reais necessidades dos povos indígenas.
Mesmo sendo um contingente populacional menor, se comparado à população nacional
como um todo, a diversidade étnica dos povos indígenas nos revela a imensidade das riquezas
de culturas. Inúmeros são os desafios no âmbito da equidade, justiça social e direitos humanos
e sobre as condições de vida e sobrevivência dos povos indígenas, especialmente no que tange
ao campo da saúde. Da mesma forma como essas populações desafiam o campo das políticas
públicas, o mesmo ocorre para o campo da produção do conhecimento.
Enquanto esta condição de vulnerabilidade continua sendo uma temática de pesquisa, o
protagonismo indígena na luta pelos seus direitos constitui outra temática de amplo debate. Em
especial, no que se refere ao lugar de representatividade de lutas históricas indígenas com as
quais a academia colaborou na agenda política da redemocratização do Brasil. Se a um certo
148

período os cientistas falavam em nome dos povos indígenas em contextos mais encrudescidos
politicamente (CUNHA, 2018), em períodos mais recentes os pesquisadores reconheceram
puderam atuar como mediadores e aliados na relação dos povos indígenas com o Estado e da
sociedade nacional como um todo.
Existem constantes críticas dos povos indígenas quanto às práticas de pesquisadores que
estudam em suas áreas, mas não retornam às populações os conhecimentos produzidos. É certo
que a condução de pesquisas científicas pouco compartilhadas com as populações participantes
ainda é uma realidade em todos os campos do conhecimento e consiste em um desafio presente
para os modos de se fazer ciência no século XXI. Todavia, vemos que na saúde indígena há
experiências exitosas de criações de vínculos duradouros entre pesquisadores e os povos com
os quais trabalham; seja com a contrapartida política ou mesmo na oferta de ações de saúde,
conforme exemplos pontuais de grupos de pesquisa com atividades de pesquisa-extensão em
áreas indígenas.
Vale ressaltar que parte dessas experiências exitosas ocorrem por interesse e
mobilização dos próprios movimentos indígenas que se aliam à academia, ao buscarem o
protagonismo indígena na própria academia, como bem expressa Dinamã Tuxá, liderança
indígena e doutorando em Direito pela UnB:
“A APIB [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], e daí eu falo um pouco como
liderança indígena, esquecendo um pouco o campo acadêmico, vêm trabalhando com
as universidades, vem trabalhando com a Fiocruz que é uma instituição renomada
mundialmente, que esses espaços sejam ocupados por indígenas (...) que o
movimentos indígenas dialogue com as universidades como espaço de formação (...)
para quebrar essa hegemonia, essa ideia de que os povos indígenas são incapazes de
ocupar qualquer espaço onde for. Pelo contrário, nós somos fontes de conhecimento,
nós produzimos conhecimento e agora nós estamos mostrando nossa cara dentro do
campo científico de que também podemos produzir insumos e matéria cientifica para
o campo acadêmico e para fora, respeitando as nossas especificidades, respeitando os
nossos conhecimentos tradicionais que é de suma importância. De nós nunca
esquecermos a nossa origem, que foi ela que nos colocou onde estamos, cada um de
nós, dentro do campo acadêmico, dentro do campo de luta e principalmente na defesa
do direito dos povos indígenas”52

É possível concluir este trabalho compreendendo que a temática da saúde indígena nos
oferece vários elementos para refletir sobre a produção do conhecimento científico e a sua
relação com a construção de políticas públicas. A tese orientou-se pela prerrogativa de que a
análise do percurso da constituição da temática da saúde indígena, como parte do campo da
Saúde Coletiva no país, oferece a oportunidade de revisitar paradigmas, conceitos e ações que
sustentam não somente a atividade científica, como as práticas políticas. Para tanto,

52
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZxFi_SeTex0&feature=emb_title. Acessado em 30 de
outubro de 2020.
149

primeiramente foi realizada uma abordagem em unidades de análise que constituem atividades
científicas em separado: produção e disseminação científica e constituição de linhas e grupos
de pesquisa. Com o objetivo de partir de uma perspectiva micro, chegamos aos atores-chave e
suas produções acadêmicas.
A diversidade pode ser vista como uma oportunidade de abranger horizontes teóricos e
metodológicos. Verificamos que na saúde indígena, ao mesmo tempo em que o senso comum
dominante é o preconceito e a discriminação perante os povos indígenas, o conhecimento
científico busca demonstrar um outro ponto de vista válido, de modo a se diferenciar desse
corpo social. Assim, o conhecimento científico produzido neste campo, implicado
politicamente com os horizontes de lutas por direitos dos povos indígenas, servem como uma
importante contraposição ao preconceito presente no senso comum, em especial, ao senso
comum por vezes presentes nos profissionais e gestores de saúde que atuam diretamente com
esses povos.
Em convergência com outros estudos (TEIXEIRA, 2014; LÍCIO, 2009), os achados
indicam a considerável expansão da pesquisa em saúde dos povos indígenas no Brasil nas
últimas décadas. Importante notar que o crescimento da pesquisa é acompanhado de sua
disseminação e distribuição em diversos campos do conhecimento; conforme explicitado na
configuração dos grupos e linhas de pesquisas que estudam o tema. Essa característica revela o
caráter interdisciplinar e flexível da temática, ao mesmo tempo, importante considerar as
assimetrias e desigualdades na academia, ao se verificar maior a persistência da maior produção
no sul e sudeste apesar da maior quantidade de grupos nas regiões norte e nordeste.
Embora a multiplicidade de conhecimentos sobre ou em interface com a saúde dos
povos indígenas não tenha sido esgotada, foi possível constatar que os grupos e linhas de
pesquisa dedicadas ao tema são bastante heterogêneos e sofrem variações ao longo do tempo.
As redes construídas pelos pesquisadores demonstram um alto potencial científico de
fortalecerem seus grupos e os campos do conhecimento associados. Estes se concretizam por
meio de programas de pós-graduação, grupos e linhas de pesquisa, fontes de financiamento,
organização de eventos, publicações em periódicos reconhecidos. Demonstram também um alto
potencial político de se articularem com o Estado e os movimentos sociais.
As pesquisas serviram e servem como colaboração e tem um papel político para
conquistas de direitos dos povos indígenas. Os pesquisadores estudados personificam e
representam as características gerais da área de estudos sobre saúde dos povos indígenas.
150

Mesmo que eles não representem a totalidade das vertentes epistemológicas e práticas políticas
que se inserem na arena da saúde dos povos indígenas.
O processo histórico de implantação do Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas – a partir da inauguração dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas no território
brasileiro entre os anos de 2000 a 2002 – demonstra que a constituição da temática se fortaleceu
com sua inserção no cenário ideológico, político e operacional das políticas públicas em saúde
no Brasil. Ou seja, estão associados aos grandes dilemas e questões nacionais que incidem nas
condições de saúde e de vida da população brasileira como um todo. Identificou-se que muitos
temas refletem desafios vivenciados por uma política pública de saúde em curso, desde os
aspectos políticos, sanitários, epidemiológicos e socioculturais do processo saúde-doença-
cuidado.
Na revisão da literatura, observou-se a emergência de áreas do conhecimento e temáticas
predominantes conforme determinados períodos temporais, que culminaram com a construção
do conhecimento e de comunidades científicas. Sob uma perspectiva histórica, nas décadas de
1950 e 1960 o interesse por pesquisas sobre as epidemias em um contexto de expansão das
etnografias e do conhecimento a respeito das condições de saúde e vida das populações
indígenas no país se fazia presente. A partir da década de 1960 inicia-se o interesse pelos
estudos de genética em povos indígenas, sob uma perspectiva comparativa entre populações
diversas. Entre 1970 e 1990 estudos na área de medicina tropical começaram a delinear as
temáticas, abordagens e metodologias que atualmente são incorporadas pelo grande campo da
saúde coletiva e que se dedicam a estudar as condições de saúde dos povos indígenas.
Com a consolidação do campo da saúde coletiva no Brasil a partir da década de 1980 e
o surgimento de programas de pós-graduação, linhas de pesquisas e estudos específicos em
saúde indígena, contribuíram para que atualmente essa grande área abrigue a maior parte dos
grupos em saúde indígena no país. É possível observar duas tendências na produção em saúde
indígena na saúde coletiva: entre 1990-2000 com temáticas predominantes em torno da
nutrição, mortalidade infantil, tuberculose, sistema de saúde indígena e sistemas médicos
tradicionais; e entre 2000 a 2010, sobre saúde mental, controle social, saúde bucal e
interculturalidade.
Pode-se perceber que a diversidade de temáticas que tratam sobre saúde dos povos
indígenas demonstra uma possível transitoriedade de saberes e tendências, que levaram à
conformação da saúde indígena enquanto uma área institucionalizada dentro da saúde coletiva.
Contudo, os subtemas estudados na área revelam também que existe uma predominância da
151

perspectiva biomédica na determinação das temáticas estudadas e menos das perspectivas


próprias dos povos indígenas quanto ao processo saúde-doença-cuidado.
A emergência do conhecimento sobre as condições de saúde dos povos indígenas e as
demandas dos serviços contribuíram para a definição das temáticas estudadas, embora nem
sempre os conhecimentos científicos produzam impactos concretos no desenho, planejamento
e execução das políticas de saúde. Para que isso ocorresse, tomando a compreensão de campos
de Bourdieu, seria necessário que houvesse um diálogo e uma aproximação efetiva e contínua
entre os campos científicos e políticos. Essa lacuna entre os campos constitui um grande desafio
para as políticas públicas de saúde, especialmente no que se refere ao diálogo entre gestores,
pesquisadores e povos indígenas.
Com a realização dessa pesquisa foi possível constatar que o conhecimento que se
sustenta com a área de estudos em saúde indígena é associado aos horizontes politicamente
engajados, como a visibilidade de populações marginalizadas e tensionamentos nas agendas
governamentais. Dessa maneira, defende-se que assim como o movimento de reforma sanitária
trouxe essa marca para o Sistema Único de Saúde (SUS), que se concretizou em um sistema de
saúde fruto da sociedade civil organizada, o movimento indigenista em articulação com
diferentes sujeitos – incluindo pesquisadores e sanitaristas – forjaram a criação de um
subsistema de atenção à saúde indígena inserido no SUS.
Ao observar mais diretamente a produção de quatro importantes líderes de grupos sobre
o tema no Brasil, observou-se que são trajetórias permeadas pelo compromisso com a
visibilidade das iniquidades e com as populações com as quais estabelecem vínculos. Além
disso, adotam uma certa flexibilidade epistemológica ao abarcar tamanha interdisciplinaridade,
intermedicalidade e sociodiversidade entre seus discursos e práticas. Nesse sentido, na
expressão de Bourdieu, o habitus desses pesquisadores passa pelo reconhecimento da
diversidade e valorização da autonomia e dos direitos dos povos indígenas no campo científico
e político da saúde coletiva. Contudo, espera-se que uma nova geração de pesquisadores do
campo seja protagonizada por acadêmicos indígenas que de fato rompam com a assimetria de
lugar e poder na academia.
Associado à noção de aliança em analogia ao estudo historiográfico de Garcia (2008),
no sentido de compreender quem são os aliados escolhidos pelos povos indígenas na relação
com o Estado e a sociedade brasileira como um todo, compreende-se que os pesquisadores são
atores mobilizados pelo interesse da reivindicação do direito à saúde, tanto em uma perspectiva
histórica quanto no contexto atual.
152

É possível afirmar, portanto, que a emergência e constituição da área de estudos de saúde


dos povos indígenas permite a coexistência no ambiente científico tanto de um modelo
hegemônico de construção do saber sobre saúde e doença, quanto de uma arena que possibilita
o contrafluxo e a crítica a essa hegemonia. A área abarca a sociedade civil e se alinha ao
caminho da democratização de direitos de populações desfavorecidas pelo Estado. O que
permite afirmar que favorece a própria apropriação do conhecimento científico pela sociedade
civil ao torná-la não só pública, quanto passível de ser aplicada a processos de melhoria das
condições de vida das populações indígenas. Sabemos que publicizar o conhecimento científico
não é suficiente para a sua devida transposição além dos muros da academia: é preciso
transladar o conhecimento científico e traduzi-lo nas linguagens e formatos adequados aos
diversos públicos interessados para o pleno uso das suas soluções.
O principal limite deste trabalho localiza-se na pouca exploração das controvérsias em
função de ter sido uma pesquisa fundamentalmente documental. A realização de uma pesquisa
de campo com esses agentes poderia elucidar melhor as tensões. Outras limitações referem-se
à não inclusão de teses e dissertações, devido ao quantitativo de materiais analisados e a falta
do ponto de vista avaliativo de membros dos povos indígenas. A despeito de suas limitações, a
presente tese possibilitou avanços no movimento de decolonização da ciência e na compreensão
de como os desafios das políticas públicas em saúde indígena e das lutas sociais protagonizadas
pelos povos indígenas mobilizam estudos sobre o tema. O trabalho indicou como tais pesquisas
têm colaborado para a construção de discursos e práticas que endossam o aperfeiçoamento das
políticas públicas na área, aprofundam as compreensões das especificidades do processo saúde-
doença-atenção e permitem uma necessária flexibilidade de epistemologias.
Defende-se que o movimento indigenista, em articulação com cientistas e sanitaristas,
forjou a criação de um subsistema específico no escopo do SUS. Os desafios consistem: na
expansão da participação e protagonismo dos indígenas, seus especialistas e saberes nos
sistemas de produção da academia; no fomento e expansão das linhas de estudo dentro da
temática; na implementação de políticas públicas que considere as evidências dos
conhecimentos do campo e no fortalecimento de pontes e práticas entre os cientistas e os
diversos atores que compõem a arena de luta pela consolidação dos direitos indígenas no Brasil.
As reflexões aqui apresentadas visam estimular ações e estudos futuros nessa direção.

7.1.ENCONTRO E REENCONTRO COM ESTA TESE


153

“Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível.
Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é
imaginação, é correr o risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único
modo” Clarice Lispector 53
Contar uma história é sempre deixar de contar muitas outras, ainda mais quando envolve
a nós mesmos. Quando pensamos em nossas trajetórias acadêmicas, é comum subjugarmos os
fatores subjetivos e emocionais que nos acompanham, ainda que em grande parte das vezes são
os que nos condicionam a determinadas escolhas. Este trabalho traz em si o compromisso com
a reflexividade, que para Pierre Bourdieu (2010) possui importância ao propor uma sociologia
da sociologia e do sociólogo, de suas motivações e ambições científicas e pessoais, perdas e
medo. Nas palavras do autor: “não é uma inutilidade sentimental ou uma espécie de luxo
narcisista: a tomada de consciência das atitudes favoráveis ou desfavoráveis que estão
associadas às suas características sociais, escolares ou sexuais, dá uma probabilidade, sem
dúvida limitada, de atuar sobre essas atitudes” (BOURDIEU, 2010: 51). Portanto, trago-me ao
texto para situar o leitor de onde eu falo.
Como mulher branca, não-indígena, oriunda do interior do país, de classe média baixa,
neta de refugiados árabes e de nordestinos, filha de trabalhadores de baixa escolaridade e mal
remunerados, o contato com a “questão indígena” deu-se no ensino superior, mais precisamente
na graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Apesar da
intensa estigmatização e discriminação contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul, eu
guardava uma memória afetiva relacionada ao que eu conhecia dessa população. Quando
criança, meu passeio favorito era visitar com o meu pai o Mercadão Municipal de Campo
Grande, minha cidade natal, onde as mulheres da etnia Terena, oriundas de Aquidauana e
Miranda, vendiam as suas produções alimentares e artesanais. Lembro-me das cores, dos
cheiros e das mulheres mais velhas que descascavam milho sob uma imensa bacia. Foi
justamente com essas mulheres que me reencontrei em meu primeiro trabalho etnográfico da
disciplina de antropologia na universidade e desde então não parei mais de trabalhar e atuar
junto aos povos indígenas.
Foi com a experiência de trabalho na Fundação Nacional de Saúde entre os anos de 2007
a 2009 – instituição anteriormente responsável pela execução da política nacional de saúde dos
povos indígenas – que passei a adotar o campo da saúde pública como uma área de atuação
profissional e vi na saúde indígena um espaço profícuo e necessário de atuação como cientista
social. Passei a trabalhar diretamente tanto com os profissionais de saúde que atendiam aos

53
LISPECTOR, C. A paixão segundo GH. Rio de Janeiro: ROCCO, 1998, pág. 21.
154

indígenas, quanto com os indígenas que estavam à frente dos conselhos locais e distrital de
saúde. Conheci quase todas as aldeias do meu Estado e de forma mais aprofundada sobre os
problemas e dificuldades que cometiam as populações indígenas, os conflitos fundiários, a falta
de segurança alimentar, a hostilidade dos municípios limítrofes, entre outros. Observei, com o
tempo, as lacunas existentes para se efetuar a interculturalidade preconizada no texto das
políticas públicas; os estigmas e preconceitos trazidos por aqueles que atuavam com os povos
indígenas; as dificuldades em compreender as especificidades culturais e os sistemas médicos
tradicionais, entre outros aspectos. Dessa experiência de trabalho produzi uma monografia de
especialização em Indigenismo e Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília
intitulado “Diálogo intercultural como caminho para a sustentabilidade no contexto das
políticas públicas de saúde indígena”. Este trabalho me despertou a aprofundar nessa
compreensão e ingressar na vida acadêmica, mais especificamente na Fiocruz e no campo da
saúde coletiva.
A tese que será apresentada ao longo das próximas páginas foi gestada nos últimos dez
anos. Entre idas e vindas em um programa de pós-graduação, encontros e desencontros,
mudanças de rotas e finalmente o reencontro com o propósito desta investigação, este trabalho
é resultado de um intenso investimento pessoal, profissional e acadêmico.
Iniciei esta tese de doutorado com um desafio latente: estudar o próprio campo em que
estou inserida. Por um lado, mais facilidades por conhecer o contexto de modo aprofundado do
que se eu tivesse um olhar estrangeiro; por outro, há certos limites de crítica por estar tão
próxima – esse é o risco central. Falo de um lugar de certo modo privilegiado, por estar
localizada em uma importante instituição do campo da saúde coletiva, onde se localiza um dos
mais antigos e reconhecidos grupos de pesquisa sobre etnicidade e saúde dos povos indígenas
no Brasil.
Existe uma combinação do estranhamento – a alteridade produzida pela diferença pelo
fato de eu não ter origem indígena – com a familiaridade – pelo fato de eu me propor a estudar
uma temática onde estou inserida. A experiência com os povos indígenas me levou a crer que
era urgente e necessário pensar o modo como o não-indígena constrói o conhecimento sobre
essa diversidade, em especial no campo da saúde indígena, imbuída da responsabilidade de
refletir sobre as implicações da produção do conhecimento na temática. Assim, esse objeto foi
construído ao longo dos últimos anos e em confluência com várias influências e experiências,
mesmo porque a noção da saúde indígena enquanto problemática de estudo e atuação vem de
155

uma perspectiva autorreferenciada – de quem está inserida num campo de teorias e práticas da
saúde coletiva.
Correndo o risco de ter a realidade, nas palavras de Lispector, compreendo que narrar
essa história e trajetória da produção de conhecimento científico em saúde indígena, a partir
dos textos, faz-se necessário não somente para o processo de consolidação e responsabilização
da sociedade brasileira para com seus povos nativos mas, principalmente, para que os próprios
cientistas contem suas histórias a partir do entendimento de sua genealogia e das estórias que
os constituem como tal.
156

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ANEXO A - ARTIGO PUBLICADO “RELAÇÕES ENTRE PRODUÇÃO CIENTIFICA


E POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA ÁREA DA SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS
NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA”

DOI: 10.1590/1413-81232020255.33762019

Relações entre produção cientifica e políticas públicas: o caso da área


da saúde dos povos indígenas no campo da saúde coletiva

Relationships between scientific production and public policies: the case


of indigenous people’s health in the field of collective health

Juliana Fernandes Kabad (https://orcid.org/0000-0002-9471-6418) 1


Ana Lúcia de Moura Pontes (https://orcid.org/0000-0001-9162-5345) 1
Simone Monteiro (https://orcid.org/0000-0003-2009-1790) 2
168

marked by the biomedical biomédico, mas após 1990 amplia-


1
Escola Nacional de benchmark. After 1990, se o número de publicações e o
Saúde publications and dialogue with diálogo com as
Pública Sérgio the human and social sciences ciências humanas e sociais,
Arouca, are expanded, including the incluindo a análise da
Fiocruz. Leopoldo analysis of the implementation implementação da política de
Bulhões of indigenous health policy. We saúde indígena. Identifica-se que o
1480, Manguinhos. identified that the knowledge conhecimento produzido está
21041- produced is associated with the associado às transformações
210 Rio de Janeiro RJ political, social, and scientific políticas, sociais e científicas da
Brasil. transformations of the health reforma sanitária e da pauta
julianakabad@gmail. reform and the indigenous indigenista. A partir de 2010 há um
com agenda. Scientific production aumento da produção científica.
2
Instituto Oswaldo increased in 2010. We can Conclui-se que o conhecimento que
Cruz, Fiocruz. Rio de conclude that the knowledge baliza a produção científica sobre
Janeiro RJ Brasil. guiding the scientific saúde indígena foi se constituindo
production on indigenous a partir de um horizonte
Abstract This paper health was established from a politicamente implicado com as
analyses the horizon politically implicated populações estudadas e o
relationship between with the studied populations aprimoramento do Subsistema de
studies on the health of and improved Indigenous Saúde Indígena.
indigenous people in Health Subsystem.
public health and Keywords Indigenous health, Palavras-chave Saúde indígena,
public policies aimed Collective health, Saúde coletiva, Iniquidades em
at reducing ethnic- Health inequities, Systematic saúde, Mapeamento sistemático,
racial inequalities. mapping, Brazil Brasil
This selection assumes Resumo Este artigo analisa as
that scientific relações entre os estudos sobre
production on the a saúde dos povos indígenas na
subject is part of the saúde coletiva e as políticas
societal effort to públicas voltadas para redução
confront health das desigualdades étnico-
inequities and raciais. Tal recorte parte do
guarantee the rights pressuposto de que a produção
and public policies of científica sobre o tema integra
indigenous people. In o esforço societário de
total, 3,417 papers enfrentamento das iniquidades
were found between em saúde e garantia dos
1956 and 2018, and direitos e políticas públicas em
418 were selected for saúde dos povos indígenas. A
analysis from partir de mapeamento
systematic literature sistemático da literatura nas
mapping in the bases Pubmed/Medline,
PubMed/Medline, SCOPUS, Lilacs, Sociological
Scopus, Lilacs, Abstract e Web of Science,
Sociological Abstract, foram localizados 3.417
and Web of Science artigos entre 1956 a 2018 e
databases. Initially, selecionados 418 para análise.
the literature is Inicialmente a literatura é
marcada pelo referencial
169

Introdução das décadas de 1980 e 199010, foi criado em 1999


A temática da saúde dos povos indígenas o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos
passou a compor a agenda de preocupações Indígenas, incorporado ao SUS, por meio da Lei
de diferentes instituições e atores sociais no nº 9.836.
Brasil, de modo mais sistemático e O Subsistema tem por objetivo primordial
contínuo, há quatro décadas. Na pauta do oferecer atenção primária em saúde nos
Estado, quando passou a se responsabilizar territórios indígenas, com base nas suas
pelas políticas públicas de atenção à saúde especificidades socioculturais, linguísticas e
aos povos indígenas. No campo acadêmico geográficas, bem como propiciar aos indígenas o
pela produção de conhecimento científico acesso aos níveis secundário e terciário da rede
em diversas áreas do conhecimento. Na pública de saúde11. A rede de atenção à saúde é
arena jurídica e de luta por direitos, regulamentada pela
protagonizada pelos movimentos indígenas Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
e pelo terceiro setor, com a reivindicação Indígenas (Portaria nº 254/2012) e se organiza
de direitos à assistência integral e pública à por meio de 34 Distritos Sanitários Especiais
saúde, entre outros aspectos. Nesse cenário Indígenas, tendo como diretriz a atenção
pós-Constituição de 1988, a pauta da saúde diferenciada.
indígena é considerada fundamental para a Ainda que se reconheça os avanços neste modelo
consolidação da cidadania e dos direitos para a garantia da universalidade do acesso dos
destes povos originários na sociedade povos indígenas aos serviços oficiais de saúde,
brasileira. estudos apontam as recorrentes dificuldades na
Existem 305 etnias indígenas no território implementação da atenção diferenciada e efetiva
brasileiro, com uma população aproximada participação indígena na elaboração, execução e
de 900 mil pessoas segundo o último Censo avaliação do subsistema12,13. Nessa direção, cabe
Populacional realizado em 20101. Mesmo destacar que, concomitante à organização do
que quantitativamente consista em 0,43% Subsistema, a saúde dos povos indígenas foi
do conjunto da população brasileira, institucionalizada no Brasil enquanto temática de
representa significativa diversidade produção científica, sendo crescente a sua
sociocultural2. Por consequência, inúmeros visibilidade nacional e internacional14.
são os desafios para o enfrentamento das Ressalta-se que a organização do campo do
desigualdades e vulnerabilidades dessas conhecimento da saúde coletiva no Brasil, devido
populações, como a consolidação da às suas características epistemológicas,
15
cidadania, equidade e direitos pragmáticas e políticas , alinhado às
constitucionalmente garantidos3-6. reinvindicações do movimento sanitarista e
Para compreender as iniciativas voltadas consolidação do SUS, possibilitou um espaço
para a saúde dos povos indígenas, é preciso propício para o desenvolvimento científico sobre
referir que a Constituição de 1988 ampliou desigualdades étnico -raciais em saúde16,17 e, em
a responsabilidade do Estado com a saúde especial, sobre a saúde dos povos indígenas18,19.
pública da população em geral com a Segundo Paim20, a saúde coletiva é um campo do
criação do Sistema Único de Saúde (SUS)7. saber constituído para iluminar a complexidade
O SUS tem como propósito a do processo saúde-doença, considerando suas
universalização da assistência à saúde de diferentes dimensões e implicações na realidade
forma equânime, pública e gratuita nos social, a partir da crítica a uma perspectiva
níveis primário, secundário e terciário a reducionista de saúde.
todos os cidadãos do território brasileiro e Compreende-se que a produção científica
em consonância com as demais áreas de compõe um dos elementos necessários para a
atuação do Estado8,9. Como resultado de caracterização de um campo científico e que essa
articulações de movimentos indígenas e dinâmica envolve a participação de diferentes
indigenistas, movimento sanitarista, atores sociais e inúmeras composições
pesquisadores e agentes públicos, ao longo epistemológicas, políticas e pragmáticas.
170

Bourdieu21 define a ciência como um Por meio do levantamento das publicações


campo de construções, alinhamentos e objetiva-se caracterizar a dinâmica do
embates nos aspectos simbólicos, comportamento da produção em determinado
epistemológicos e ideológicos, mediados campo do saber27.
pelo capital científico, articulados pelos A busca foi realizada em cinco bases de dados
atores que compõe e atuam nessa consideradas estratégicas no armazenamento e
estrutura22. Tal estrutura é marcada por difusão de artigos no campo das ciências da
dinâmicas heterogêneas e assimétricas, saúde, humanas e sociais, quais sejam: “PubMed/
entre áreas centrais e periféricas, em termos Medline”, “SCOPUS”, “Lilacs”, “Sociological
de poder de influência e impacto no próprio Abstract” e “Web of Science”, com busca ampla
campo científico e demais campos e sem definição de período. As estratégias de
(político, econômico, cultural, entre busca foram orientadas pelos Descritores em
outros)23. Assim, a articulação dos Ciências da Saúde (DeCS) adaptados aos
pesquisadores e suas redes de pesquisas critérios de cada base, em torno dos termos
possibilita o desenvolvimento e o aumento Health indigenous peoples, Indigenous
da abrangência e circulação do population e Brazil. Optou-se pela terminologia
conhecimento científico, não somente na em inglês, dado que é o idioma padrão de busca
arena científica, mas para outros setores da das bases. Com exceção da base
sociedade24. Pubmed/Medline, utilizou-se uma combinação
Seguindo esse eixo de análise, este artigo de descritores pré-definidos da própria base,
orientou-se pela prerrogativa de que denominada Medical Subject Headings (MeSH)
analisar o percurso da produção sobre a que abarca: Indians, south american (MESH)
saúde indígena possibilita revisitar AND
paradigmas, conceitos e ações que Brazil (all terms).
sustentam não somente a atividade A partir das estratégias de busca foram
científica, mas também as políticas localizados 3.417 artigos científicos. Os critérios
públicas. Diante dos atuais ataques e de seleção foram aplicados a partir da leitura do
retrocessos nos direitos indígenas25, o título, do resumo e de palavras-chave, avaliando
mapeamento sistemático da literatura se os artigos: (1) abordavam populações
nacional e internacional sobre o tema nos indígenas localizadas no Brasil e (2) se trabalham
oferece elementos para refletir sobre a com temáticas associadas à análise das condições
produção do conhecimento científico e a de vida e saúde das populações indígenas e
sua relação com o contexto social e político políticas públicas de saúde indígena. Dessa
mais amplo. Desse modo, visa iluminar as forma, foram excluídos 1.210 artigos duplicados;
iniquidades e desigualdades étnico-raciais 853 artigos que não se referiam ao contexto
em saúde e ampliar o escopo de atuação e brasileiro; e 936 artigos que não se referiam a
interlocução das ciências em relação a temática de saúde dos povos indígenas. Assim,
realidades sociais vulneráveis. foram selecionados 418 artigos para análise das
Metodologia seguintes variáveis: ano, periódicos, autor, título,
No período de maio a agosto de 2018 foi palavras-chave e resumo.
realizada um mapeamento sistemático da Resultados
literatura científica sobre a saúde dos povos Os 418 artigos foram publicados em 173
indígenas no Brasil em periódicos periódicos brasileiros e estrangeiros, no período
nacionais e internacionais. A escolha entre 1956 e 2018. Apenas 13 publicações não
exclusiva por artigos visa compreender a indicavam o periódico. A maior concentração de
circulação de ideias difundidas e utilizadas artigos vincula-se aos Cadernos de Saúde
como instrumento primordial para Pública, com 22%, seguido pelo periódico da
comunicar evidências científicas em Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
âmbito global26, ainda que não seja o único com 4%. Os demais artigos estão distribuídos em
elemento que define a produção científica. diferentes periódicos, com variação entre 3% a
171

1% do total, sendo 35% distribuídos em


148 periódicos, muitas vezes com apenas
um artigo em casa revista, conforme
Gráfico 1.
Ao observar a distribuição temporal do
quantitativo de publicações, verifica-se um
crescimento após a década de 1990, com
um salto exponencial nos anos 2000 a 2009
e entre 2010 e 2018 (N = 211). Esse último
período desponta com o maior quantitativo
de artigos científicos, conforme Gráfico 2.
No Gráfico 2 chama a atenção que até a
década de 1970 há poucos registros de
artigos científicos. Mas, isso não significa
a ausência de produção científica em
períodos anteriores, como sugere o estudo
de Buchillet28. Esta obra, consiste na maior
revisão bibliográfica sobre o tema, tendo
reunido 3.222 títulos de estudos sobre
povos indígenas no Brasil e de países
vizinhos, desde resumos em eventos
científicos, artigos científicos, cartilhas,
teses, dissertações, livros e capítulo de
livros, em diferentes eixos temáticos.
No presente levantamento, o artigo mais
antigo foi publicado em 1956 na revista
Sociologia. Intitulado Convívio e
contaminação. Efeitos dissociativos da
população provocada por epidemias em
grupos indígenas, trata da problemática das
contaminações de doenças que ameaçavam
a sobrevivência de populações, sendo um
dos primeiros estudos na área de
demografia indígena. Seu autor, Darcy
Ribeiro, foi um dos grandes antropólogos e
representante público no Congresso
Nacional a reivindicar pelos direitos dos
povos indígenas no país29.
Nas décadas 1950 a 1960, período em que
as ideias “evolucionistas” ainda
influenciavam as pesquisas biológicas,
havia um interesse centrado na
compreensão e no enfrentamento das
grandes epidemias que assolavam essas
populações.
172

50 %

45 %

40 %

35 %

30 %

25 %

20 %

15 %

10 %

5%

0%

gráfico 1. Distribuição (N = 418) da produção científica de 1956 a 2018 por periódico


científico.
Fonte: elaboração própria.

250

200

150

100

50

0
1950-1979 1980-1089 1990-1999 2000-2009 2010-2018

gráfico 2. Distribuição temporal das publicações por décadas, desde 1950.


Fonte: elaboração própria.
Todavia, há poucos registros de pesquisas junto aos povos indígenas em artigos científicos, por
ser uma modalidade que se tornou mais propagado por meio de periódicos científicos mais
recentemente em todo mundo 28
173

Ainda nesse período nota-se o foco na verificação do grau de especificidade ou generalidade


dos povos indígenas com relação a outras populações. Segundo Souza et al. 30, estudiosos,
precursores em genética de populações indígenas, estavam preocupados em construir um
conhecimento capaz de explicar as características genéticas das populações humanas. A escolha
por povos indígenas ocorria por serem identificados como povos “puros” do ponto de vista
biológico. Assim, os geneticistas não tinham uma preocupação prioritária com a doença, que
surgia como um fator seletivo para a condição de sobrevivência genética30.
A partir da década de 1970 são mais presentes os estudos na área de medicina tropical sobre os
agentes etiológicos que provocavam agravos mórbidos em regiões de clima tropical; área que
permanece em constante desenvolvimento. Importante mencionar que a emergência dessa
temática ocorre em meio às ações desenvolvimentistas na região amazônica no período da
ditadura militar brasileira, que geraram diversos impactos negativos aos povos indígenas como
mortes, epidemias e espoliação de seus territórios31.
Na década de 1980, com a emergência do campo da saúde coletiva, diversos temas do
conhecimento passam a figurar, como o acesso das populações indígenas aos serviços públicos
de saúde, marcado pela realização da 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio,
em 1986. A partir da década de 1990 aumenta em cerca de 20% as publicações em periódicos
científicos em comparação com a década anterior. Esse crescimento coincide com um período
intenso de debates sobre a inclusão dos indígenas no SUS e o início do surgimento dos primeiros
grupos de pesquisa no país que estudam a saúde dos povos indígenas. Entre 1990 e 1999 as
publicações abordam assuntos variados, focados principalmente nas condições epidemiológicas
das populações indígenas.
Na década de 2000-2009, período da implantação do Subsistema de Saúde Indígena no SUS,
há um elevado aumento do número de publicações, que corresponde a 38% do total da revisão.
Estes achados corroboram os resultados de Teixeira e Silva31 acerca da produção de teses e
dissertações centradas na saúde indígena. As autoras identificaram um salto quatro vezes maior
da produção acadêmica em relação à década de 1990 a 1999, ainda que o enfoque do trabalho
fosse no campo da antropologia no Brasil. As temáticas prevalentes nesta década são, com base
na primeira palavra-chave do artigo, nutrição, mortalidade infantil, tuberculose, política
nacional de saúde, sistemas médicos tradicionais, saúde mental, participação social, saúde
bucal, interculturalidade, entre outros.
Sobre os periódicos, a tendência da década de 2000 segue a mesma da revisão como um todo,
referido no Gráfico 1, com a maior concentração (30%) na Revista Cadernos de Saúde Pública.
O salto quantitativo nos anos 2000 pode ser compreendido pela edição especial do periódico
Cadernos de Saúde Pública sobre a temática, em 2001, constituída por 16 artigos; 41% do que
se produziu pela mesma revista na década e 13% do total das revistas nesse período. Para uma
análise mais contextual, cabe referir o editorial desse número, que ocorre no âmbito dos debates
dos 500 anos da colonização portuguesa, como ilustrador das preocupações científicas e
pragmáticas a respeito do tema da saúde indígena em meio a estruturação no Subsistema dentro
de SUS a partir de 1999:
Mesmo que transbordem evidências quanto às condições de marginalização sócio-econômica,
com amplos impactos sobre o perfil saúde/doença, muito pouco se conhece sobre a saúde dos
povos indígenas no Brasil, ainda mais se considerarmos a enorme diversidade sócio-cultural
e de experiências históricas de interação com a sociedade nacional32.
Esse quadro de expansão demonstra uma tendência crescente e proeminente, dado que o período
de 2010 a 2018 representa o maior quantitativo de publicações da revisão (N = 211). Por meio
desse mapeamento é possível notar a consolidação do campo de produção do conhecimento em
saúde indígena ao longo dos últimos 20 anos (Gráfico 3).
No total da revisão, foram encontradas 35 temas (Gráfico 4) de acordo com as primeiras
palavras-chave dos artigos: doenças infecto-parasitárias; nutrição; demografia; saúde bucal;
174

saúde mental; medicinas tradicionais indígenas; genética de populações; doenças crônicas e não
transmissíveis; atenção à saúde, política pública de saúde indígena e participação indígena. Com
menos de três artigos aparecem temas diversos como saúde da mulher, sexualidade, câncer,
oftalmologia, neurologia, cardiologia, farmacologia, entre outros.
As temáticas são diversas e correspondem a diferentes vertentes disciplinares, sendo que a
maior quantidade de publicações sobre doenças infecciosas (N = 142) advém das grandes áreas
de medicina tropical e da epidemiologia; áreas que se entrecruzam na saúde coletiva, dado que
a epidemiologia consiste em um dos seus pilares33. A nutrição, emerge como temática frequente

40

35

30

25

20

15

10

e
gráfico 3. Distribuição (%) da produção científica nos anos de 1998 a 2018 (N = 384).
Fonte: Elaboração própria.
Outros temas (menos de 2
artigos): 9%
Medicina Tradicional
Indígena Tuberculose
3% 20%

Genética
3%
Malária
5%

Políticas de Saúde Indígena


6%
Doenças Infecciosas
14%

Saúde Bucal
7%

Demográfica
Nutrição
9%
14%

Saúde Mental
10%

gráfico 4. Distribuição dos artigos da área de saúde indígena (N = 418) conforme temas por
palavras-chave em todo o período analisado.
Fonte: Elaboração própria.
175

do ponto de vista da saúde pública, como o


relevante, em especial nos trabalhos acerca consumo abusivo de álcool e drogas, quanto
dos hábitos alimentares dos povos pelas percepções e práticas de autoatenção dos
indígenas e avaliação das condições de povos indígenas. Foram encontrados 27 artigos
crescimento e desenvolvimento da na área de antropologia e ciências sociais sobre
população34. Pesquisadores oriundos da temas diversos, desde avaliação das políticas de
Fiocruz e de universidades, principalmente saúde, sistemas médicos tradicionais e
de Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro, participação indígena.
realizaram os primeiros estudos sobre Discussão
nutrição e povos indígenas. Ademais, Os povos indígenas do Brasil encontram-se em
foram responsáveis para a formação de situação de grande vulnerabilidade
quadro profissional na pós-graduação em socioeconômica e de saúde, que os colocam em
saúde pública. Dos 58 artigos de nutrição, desvantagem de oportunidades e de acesso a
todos são de pesquisadores vinculados a direitos em comparação aos demais cidadãos.
grupos e linhas de pesquisa em saúde dos Enquanto esta condição continua sendo uma
povos indígenas. temática de pesquisa, o protagonismo indígena
Os estudos sobre tuberculose foram na luta pelos seus direitos cresce nesse debate,
separados do conjunto das doenças infecto- inclusive, no meio acadêmico 36. A produção
parasitárias, tendo em vista a emergência científica analisada demonstra que a academia
da questão, desde 1952, com as ações colaborou ao dar visibilidade a essas
precursoras de Noel Nutels35. Dos 83 desigualdades em saúde e às especificidades
artigos localizados, 15 eram de periódicos dessa população no acesso ao direito à saúde.
da medicina tropical e os demais do campo Esses dados nos permitem iniciar um debate
da saúde coletiva, com destaque para um sobre o lugar da academia para a amplificação da
grupo da Fiocruz. Ressalta-se que agenda política da redemocratização do Brasil37.
atualmente há outros grupos de pesquisa Daniel Mundukuru, um dos maiores intelectuais
que estudam especificamente a temática, indígenas da atualidade, destaca o protagonismo
devido a sua elevada prevalência nos povos dos movimentos indígenas e contextualiza o
indígenas. apoio de entidades acadêmicas, pesquisadores e
Sobre demografia localizou-se 36 intelectuais no processo de transformação das
publicações, com maior concentração no legislações indígenas na década de 1970 e no
ano de 2009 e na Revista Brasileira de desenvolvimento deste debate. O que resultou na
Estudos Populacionais. Esse tema obtém Constituição Federal de 1988 e nos direitos
destaque na produção da área após a atualmente consagrados38. A relação entre povos
implantação do Subsistema de Atenção à indígenas e pesquisadores é objeto de interesse de
Saúde Indígena e o princípio de estudos que buscam descolonizar a ciência e a
organização do sistema de informação com relação de poder estabelecida com grupos
um módulo de demografia. Tal assunto subalternos39.
ganhou impulso após 2010 quando o Censo Em convergência com outros estudos40,41, os
do IBGE inseriu a identificação por achados indicam a considerável expansão da
raça/cor, mas ainda permanece um desafio pesquisa em saúde dos povos indígenas no Brasil
o reflexo dessa coleta de informações nas nas últimas décadas, seguindo o
publicações científicas. desenvolvimento do campo da saúde coletiva,
Outras temáticas demonstram as ainda que com dinâmica própria. Tal crescimento
importantes convergências da área de é acompanhado da disseminação e distribuição
saúde indígena com a antropologia, como em diversos campos disciplinares, dado que a
saúde mental e medicinas tradicionais saúde indígena envolve uma multiplicidade de
indígenas, realizadas por antropólogos da domínios disciplinares que compõe seu modus
saúde. Tais pesquisas se interessam tanto operandi. Ou seja, se caracteriza tanto como um
pelos hábitos considerados problemáticos campo, quanto pela pulverização em diferentes
176

campos. Ademais, abarca uma intensa sugere que os pesquisadores e produtores de


sociodiversidade que se expressa nas conhecimento na área são atores envolvidos,
especificidades socioculturais e direta ou indiretamente, com as políticas públicas
linguísticas de cada população e nas voltadas aos povos indígenas e às mudanças do
diferenças no interior de cada grupo étnico. perfil epidemiológico e nutricional dessa
O olhar sobre essa área do conhecimento na população.
saúde coletiva revela diferentes campos Quanto às especificidades da produção de
disciplinares, que dialogam em torno da conhecimento na área da saúde indígena, a partir
saúde dos povos indígenas. Se a lente fosse da década de 1990, nota-se que sua existência é
direcionada para cada campo – medicina, mediada por relações entre saberes e práticas
nutrição, medicina tropical, antropologia e distintas em um mesmo campo de ação; seja do
políticas de saúde – veríamos que as ponto de vista das políticas públicas, seja da
pesquisas com povos indígenas aparecem perspectiva epistemológica. Tal característica foi
como subtemas dos diferentes campos da denominada por Foller de zona de contato42. Isso
saúde coletiva. Contudo, verifica-se que significa dizer que nesta zona existe uma
cerca de 40% das publicações são da área assimetria que envolve intensos processos de
da Saúde Coletiva; ou seja, o montante da negociação e relações de poder entre a
produção acadêmica sobre saúde indígena biomedicina – representada pela normatividade
está inserida principalmente neste campo das políticas de saúde e a presença de
científico7,8,40. Tais dados revelam que a profissionais de saúde nos territórios indígenas –
produção em saúde indígena reflete os e as concepções cosmológicas e relações
debates próprios do campo da saúde socioculturais e políticas no interior da vida
coletiva no Brasil e das suas subáreas como comunitária dos povos indígenas e da sociedade
a epidemiologia, as ciências sociais e envolvente43.
humanas em saúde e a política e o A biomedicina é compreendida como um recurso
planejamento em saúde. de saber-poder colonizador e, trazida para este
Outro aspecto revelado pelo mapeamento contexto, se revela na relação entre Estado,
sistemático diz respeito às transformações ciência e povos indígenas. Quer dizer, mesmo
no desenvolvimento das temáticas e com a mudança da perspectiva constitucional a
preocupações concernentes à saúde dos respeito dos povos indígenas – ao transformar a
povos indígenas ao longo das décadas. concepção tutelar pelo reconhecimento e
Esses dados demonstram que a pauta de autonomia da diversidade étnica, com a inclusão
pesquisa em saúde indígena dialoga com as da diretriz da atenção diferenciada no subsistema
preocupações sociais, políticas e científicas –, o saber colonial pode se fazer presente pelo
de cada período. A linha do tempo na formato do cuidado e da atenção à saúde, onde
Figura 1 descreve essas mudanças. verificamos o pleno exercício do biopoder44.
Na linha do tempo nota-se a consolidação Souza-Lima10 identifica, na gestão colonial das
de temas e acumulação do conhecimento desigualdades, o movimento de perpetuação e
produzido, sendo que a última década modernização da lógica tutelar por meio de
concentra temas diretamente associados à organismos e práticas que circunscrevem e
implantação do Subsistema de Atenção à subjugam populações; ainda que sob o ideário
Saúde Indígena, tais como: “Atenção salvacionista e de valor à vida própria do discurso
Diferenciada e Articulação de Sistemas biomédico. Para o autor, o cerne dos poderes e
Médicos”; “Agentes Indígenas de Saúde”; saberes de ordem colonial que se condensaram
“Participação social”; “Transição em torno da prática indigenista tem origens
epidemiológica e demográfica”; históricas distintas. Mas, se concentram no
“Transição nutricional”; “Mortalidade propósito da conquista de espaços territoriais
infantil”; “doenças crônico- como ideológicos, socioculturais e simbólicos.
degenerativas”; “doenças infecto- Garnelo18 situa que a lógica colonial e
parasitárias”, entre outros. Essa evidência integracionista, que estigmatiza a população
177

como forma de manutenção da proteção


estatal e do poder tutelar, ainda subjaz na
promoção de direitos de cidadania. Nas
suas palavras:
No caso das minorias étnicas, embora a
cidadania represente um direito e um tipo
de proteção social, ela também pode
significar uma forma de homogeneizar o
mundo indígena aos modos de vida da
sociedade nacional, podendo ainda induzir
à adoção de valores e comportamentos do
grupo social hegemônico em detrimento da
diferenciação étnica18
Ao compreender a área de estudos em
saúde dos povos indígenas como uma
produção numa “zona de contato”,
reconhecemos sua capacidade de
ultrapassar fronteiras e dialogar com
diversas perspectivas disciplinares. O que
designa sua manutenção e crescimento no
interior do campo da Saúde Coletiva e em
outros campos do conhecimento, como a
Antropologia. Como revela a análise de
Teixeira e Silva acerca das teses e
dissertações de antropologia sobre saúde
indígena, esses estudos se localizam nas
fronteiras entre campos disciplinares bem
constituídos31. A área de antropologia
médica e da saúde possui um papel
fundamental, por buscar compreender e
explicar as relações interétnicas que
permeiam o contexto da saúde, assim como
a construção, interpretação e intervenção
nos corpos e no processo de saúde e
doença11.
Langdon e Follér45 descrevem as
preocupações em torno das condições de
saúde e adoecimento das populações
através de abordagem estritamente
antropológica, a partir da criação de
disciplinas em cursos de pós-graduação,
reuniões científicas e grupos de estudo
sobre o tema. Follér42 assinala ainda a
importância da atuação
178

• Interesse voltado para as grandes


epidemias que assolavam os povos
indígenas e em verificar o grau de
especificidade ou generalidade dos 1950-1970
povos indígenas em relação a outras
populações; • Preocupações em torno da área de me -
dicina tropical com o desenvolvimento
dos estudos sobre agentes etiológicos das
1970-1980
doenças
• Emergência da saúde coletiva e dis-
cussões sobre políticas públicas espe-
cíficas para esses povos;
1980-1990 • Criação do Sistema Único de Saúde
( SUS )
• Período da implantação do Subsiste
-
ma de Saúde Indígena, com predomi-
nância de conteúdos sobre os desafios
1990-2000
da implementação dos serviços de
saúde • Destaque das temáticas específicas e de
maior diálogo entre áreas de conheci -
mento e com as realidades dos serviços de
2000-2010 saúde, tais como, nutrição, mortalidade
• Consolidação da saúde indígena
Infantil, tuberculose, política nacional de
como uma área específica do conhe-
saúde, sistemas médicos tradicionais;
cimento e com acúmulo de produção
científica
2010- Atual

Figura 1. Linha do tempo sobre as temáticas predominantes por década sobre saúde dos povos
indígenas, de
179

1950 a 2018. diversidades étnicas no universo das ciências da


Fonte: Elaboração própria. saúde e das análises a respeito do SUS47.
de cientistas sociais e antropólogos nas Os resultados deste mapeamento revelam que a
ações e serviços de saúde como modo de implementação de políticas e serviços públicos
flexibilizar fronteiras epistemológicas e de de saúde indígena contribuíram para a
práticas médicas em um contexto emergência das temáticas estudadas,
intercultural, em que se relacionam a demonstrando como o campo científico está em
biomedicina e os saberes e práticas constante interface com o político. Ao mesmo
tradicionais em saúde dos povos indígenas. tempo, é afetado pelas relações mais amplas,
Outra vertente do campo da Saúde sendo necessário apontar as desigualdades
Coletiva, que aparece como existentes dentro do próprio campo científico no
potencializador da área de saúde indígena, quesito priorização para políticas de fomento.
é a formulação e implementação das No caminho indicado por Bourdieu, cabe
políticas públicas em saúde direcionadas à salientar o poder de influência que as evidências
proteção de grupos específicos. Segundo científicas podem implicar nas decisões políticas
Garnelo19, a focalização é construída com o e políticas de Estado21. Ou mesmo, avaliar se a
objetivo de atingir uma população em condução das políticas é ou não capaz de dialogar
específico e a universalização prevê o com a produção do conhecimento em saúde dos
conjunto da população nacional de forma povos indígenas. Ainda que este mapeamento
indiscriminada. Ambas as abordagens não não tenha a pretensão de resolver esse problema,
são necessariamente excludentes e do ponto de vista investigativo, essa associação
convivem em disputas e tensionamentos, surge como lacuna a ser desenvolvida por estudos
podendo ser complementares, como no futuros.
caso das políticas de saúde indígena. A área Considerações finais
de saúde indígena contribuiu assim para os Verificamos que nas últimas décadas a tema da
debates sobre focalização versus saúde indígena se consolida nos meios
universalização das políticas sociais, acadêmicos e nas políticas públicas, refletindo a
conforme o referencial conceitual da nova conjuntura das relações entre Estado
equidade e um dos pilares do SUS. brasileiro e povos indígenas. Parte relevante
O conceito de equidade à luz do Estado dessa produção se localiza no campo da Saúde
Brasileiro significa tratar o diferente de Coletiva, implicado com o projeto político da
modo diverso em busca da igualdade de Reforma Sanitária e a criação do SUS. A
direitos na perspectiva da justiça social46. diversidade das temáticas abordadas nos artigos
Vieira-da-Silva e Almeida Filho47 discutem e a sua presença em vários periódicos, revelam o
os diferentes conceitos de equidade e quanto essa área do conhecimento consolida-se
terminologias utilizadas como sinônimos, na Saúde Coletiva. Todavia, também se
tais como iniquidade, desigualdade, entre dissemina por diferentes campos disciplinares,
outras, ao longo da história e de sua sendo extremamente potente para abordagens
introdução no campo da saúde. complexas e interdisciplinares.
Desse modo, a equidade torna-se um Por meio da descrição dos principais temas e
conceito caro às políticas públicas enfoques da produção científica sobre saúde
diferenciadas, ao trazer para o campo da indígena, constatamos que o crescimento dessa
saúde pública a necessidade de uma produção está diretamente relacionado à sua
atenção específica às populações diversas, inserção no cenário sociocultural, político e
em respeito às diversidades étnicas, operacional das políticas públicas em saúde no
socioculturais e regionais. Por se tratar de Brasil. Tal inserção reflete os diálogos dessa
uma prerrogativa legal e moral, é um produção com o cenário de inúmeros desafios
conceito que traz impacto importante para vivenciados pela implementação do subsistema
a dimensão científica, pois direciona um de saúde indígena, pelas desigualdades em saúde
tratamento qualificado frente às que afetam os povos indígenas e pelas
180

importantes transformações dessa O processo histórico de extermínio, violências e


população em termos demográficos, resistência dos povos indígenas no Brasil e as
epidemiológicos e nutricionais. A despeito consequentes epidemias, mortes, invasões
das especificidades dessas populações, a territoriais e transformações nos seus modos de
produção de conhecimento dessa área pode vida nos levam a apontar a relevância das
contribuir para o enfrentamento das discussões sobre o papel do Estado e da produção
iniquidades que incidem nas condições de do conhecimento na construção de políticas
saúde e de vida da população brasileira. públicas nas mais diferentes áreas direcionadas a
Compreendemos que o conhecimento que esses povos. Papel que é ao mesmo tempo
baliza a produção científica sobre saúde necessário e problemático, sobretudo, quando
indígena é intrinsecamente comprometido pensados e executados de uma maneira pouco
com horizontes politicamente implicados compartilhada com as populações a que assistem.
nas realidades estudadas e com a Vários aspectos inserem-se nesta questão, sendo
visibilidade de populações marginalizadas. extensa a discussão a respeito das políticas e dos
O que geralmente pode ocorrer em tensões demais projetos intervencionistas nas terras
com as agendas governamentais. É possível indígenas e que, muitas vezes, não correspondem
afirmar, portanto, que a emergência e a às reais necessidades dos povos indígenas.
constituição da área de estudos de saúde Inúmeros estudos atestam, inclusive, os desafios
dos povos indígenas permitem a em torno da dificuldade de diálogo entre
coexistência no ambiente científico tanto pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e
de um modelo hegemônico de construção povos indígenas.
do saber sobre saúde e doença, quanto de Existem constantes críticas dos povos indígenas
uma arena que permite o contra fluxo e a quanto às práticas de pesquisadores que estudam
crítica a essa hegemonia. em suas áreas e que não retornam às populações
Observamos que as preocupações os conhecimentos produzidos. Todavia, vemos
levantadas pelas publicações se aproximam na saúde indígena esforços para a criação de
das demandas da sociedade civil vínculos próximos entre pesquisadores e os
organizada, do movimento indígena ao povos, seja com a contrapartida política na oferta
movimento sanitarista e, de ações de saúde ou em atividades de pesquisa-
consequentemente, se alinha ao caminho da extensão em áreas indígenas. E, no momento
democratização de direitos de populações atual, com o desenvolvimento das políticas de
desfavorecidas pelo Estado. O que favorece ação afirmativa, a implementação de processos
a própria apropriação do conhecimento seletivos específicos e cotas para indígenas nos
científico pela sociedade civil ao torná-la cursos de nível superior e na pós-graduação,
não só pública, quanto passível de ser inicia-se a formação de pesquisadores indígenas
aplicada a processos de melhoria das na área da saúde e afins. Como perspectiva do
condições de vida das populações futuro da área da saúde indígena, imaginamos
indígenas. Em uma perspectiva histórica, que esses pesquisadores indígenas irão provocar
assim como o movimento de reforma novas transformações e mudanças no campo.
sanitária trouxe essa marca para o SUS, que Mesmo sendo um contingente populacional
se concretizou em um sistema de saúde pequeno, se comparado à população nacional
fruto da sociedade civil organizada, o como um todo, a diversidade étnica dos povos
movimento indigenista em articulação com indígenas nos revela os desafios no âmbito da
diferentes sujeitos, incluindo equidade, justiça social e direitos humanos.
pesquisadores, forjaram a criação de um Inúmeros são as problemáticas em torno das
subsistema de atenção à saúde indígena. condições de vida e sobrevivência dos povos
Sabemos, contudo, que publicizar o indígenas, especialmente no campo da saúde.
conhecimento científico não é suficiente Nesse sentido, a diversidade pode ser vista como
para a sua devida transposição além dos uma oportunidade de abranger horizontes
muros da academia. teóricos e metodológicos.
181

Concordando com a afirmação de Demográfico 2010 – primeiras considerações


Boaventura de Souza Santos48, Todo com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro:
conhecimento científico visa constituir-se IBGE; 2012.
em senso comum, verificamos que na saúde Marinho GL, Santos RV, Pereira NOM.
indígena, ao mesmo tempo em que o senso Classificação dos domicílios “indígenas” no
comum dominante da sociedade nacional é Censo Demográfico 2000: subsídios para a
o preconceito e a discriminação perante os análise de condições de saúde. R. bras. Est. Pop.
povos indígenas, o conhecimento científico 2011; 28(2):449-466.
que emerge na produção acadêmica da Pereira NOM. Importância dos censos nacionais
saúde indígena busca demonstrar um outro no conhecimento da demografia e da saúde dos
ponto de vista válido, de modo a se indígenas do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
diferenciar desse corpo social. Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
Nesse sentido, o presente artigo objetivou 2009.
compreender o panorama sobre a produção Guimarães MCS, Novaes SC. Autonomia
do conhecimento científico sobre saúde dos Reduzida e Vulnerabilidade: Liberdade de
povos indígenas e sua interface com a Decisão, Diferença e Desigualdade. Revista
garantia de direitos e diminuição das Bioética 2009; 7(1):1-3.
iniquidades em saúde. Como limitação, Pagliaro H, Azevedo MM, Santos RV,
entendemos que uma análise mais organizadores. Demografia dos povos indígenas
aprofundada sobre os conteúdos dos artigos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
e suas perspectivas epistemológicas, Associação Brasileira de Estudos Populacionais;
teóricas e metodológicas, pode avançar no 2005.
debate; bem como a consideração de outras Coimbra Júnior C, Santos R. Saúde, minorias e
publicações como livros, artigos de livros, desigualdade: algumas teias de inter-relações
teses, dissertações e trabalhos completos de com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Cien
eventos científicos. Ainda que existam Saude Colet 2000; 5(1):125-132.
análises e levantamentos anteriores, que Garnelo LM, Macedo G, Brandão LC. Os Povos
visavam dar conta desta lacuna, a principal Indígenas e a Construção das Políticas de Saúde
contribuição deste artigo consiste em trazer no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana
evidências sobre a inserção da área de de Saúde (OPAS); 2003.
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