Celita Almeida Rosario Ensp Dout 2020
Celita Almeida Rosario Ensp Dout 2020
Celita Almeida Rosario Ensp Dout 2020
Rio de Janeiro
2020
Celita Almeida Rosário
Rio de Janeiro
2020
Título do trabalho em inglês: Intersections of stories between the Brazilian Sanitary
Reform Movement and the Brazilian Communist Party.
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública
Banca Examinadora:
Rio de Janeiro
2020
Às mulheres que vieram antes de mim, em
especial minha avó Dalva e minha mãe
Márcia.
AGRADECIMENTOS
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 26
3. PARTIDOS POLÍTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS: INTERAÇÃO NO
SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO ......................................................................... 35
4. PARTIDOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA................................................................................................................ 45
4.1 DO BIPARTIDARISMO AO PLURIPARTIDARISMO............................................ 45
4.2 PARTIDOS POLÍTICOS E A SAÚDE ...................................................................... 60
5. O “PARTIDÃO”: TRAJETÓRIA DO PCB E SUAS ESTRATÉGIAS................... 69
5.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO PCB .......................................................................... 69
5.2 “RENOVADORES”: A ESTRATÉGIA ALTERNATIVA APRESENTADA PELOS
EUROCOMUNISTAS PARA O PCB (E POR QUE ISSO IMPORTA AO MOVIMENTO
DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA) ................................................................ 84
6. TRAJETÓRIA DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA: DA GÊNESE À
IMPLEMENTAÇÃO DO SUS...................................................................................... 93
7. A INTERAÇÃO ENTRE MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA E PCB: UM ENTRECRUZAMENTO DE HISTÓRIAS .................. 115
7.1 CONSTRUINDO OS ALICERCES: O PCB E A ORGANIZAÇÃO DE BASES DE
APOIO NO CAMPO DA SAÚDE................................................................................. 116
7.2 TRAÇANDO CAMINHOS: O PCB E A CONDUÇÃO ESTRATÉGICA DO
MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA .............................................................. 136
7.2.1 Aparelhamento institucional: um percurso por dentro do Estado .................... 137
7.2.2 Construção narrativa do suprapartidarismo: “Da unidade vai nascer a novidade”? . 145
8. RETOMANDO OS ENTRECRUZAMENTOS DE HISTÓRIAS ENTRE
MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA E PCB .............................................. 158
8.1 IDENTIFICANDO LACUNAS E RESSIGNIFICANDO ESTRATÉGIAS .............. 161
9. OUTROS OLHARES, OUTROS UNIVERSOS E OUTRAS UNIVERSALIDADES
- CONSIDERAÇÕES FINAIS E INICIAIS ............................................................... 177
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 183
APÊNDICE 1- TEXTOS DE APROXIMAÇAÕ DO TEMA: GÊNESE E ATORES
DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA ....................... 19698
APÊNDICE 2- AGENTES DA REFORMA SANITÁRIA CITADOS, SUAS
TRAJETÓRIAS E ARTICULAÇÃO COM PARTIDOS POLÍTICOS .................... 199
APÊNDICE 3- AGENTES DOS PARTIDOS POLÍTICOS E SUAS TRAJETÓRIAS
..................................................................................................................................... 209
APÊNDICE 4 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...... 225
APÊNDICE 5- ROTEIRO DE ENTREVISTA .......................................................... 226
15
1. INTRODUÇÃO
1
No quarto capítulo deste trabalho veremos com mais detalhes a conformação do sistema bipartidário
instaurado pelo regime militar no ano de 1965 com o decreto do Ato Institucional nº2 (AI-2) e os
desdobramentos da instauração do AI-5.
18
2
A identificação e o mapeamento dos principais agentes do Movimento da Reforma Sanitária brasileira
citados nas narrativas da literatura pesquisada e em entrevistas encontra-se no Apêndice 2.
3
David Capistrano e Sérgio Arouca são citados ao longo deste estudo como importantes personagens cuja
atuação se deu através de uma dupla inserção entre PCB e Movimento da Reforma Sanitária. Nos capítulos
6 e 7 deste estudo poderemos observar a relevância da atuação destas duas lideranças.
4
O PCB é também apelidado de “Partidão” por ser o mais antigo dos partidos comunistas no Brasil. Para
Cardoso (1984) a história dos partidos da esquerda brasileira, que se reivindicam marxistas, começa antes
pelo PCB. Nele também surgiram as principais lideranças da esquerda e dos grupos brasileiros ditos
marxistas.
19
JACOBINA 2016; VIERA- DA-SILVA, 2018), embora ainda sejam incipientes o número
de estudos que aprofundem e sistematizem análises nesta direção contribuindo para a
compreensão desse enunciado.
O reconhecimento da relevância do PCB para o Movimento da saúde em menções
e citações dos atores envolvidos nos sugere que essa articulação se deu de forma
alternativa e não explícita, possivelmente pela disseminação de suas ideias e de estratégias
políticas intrínsecas no modo de operar e fazer política, que neste trabalho chamaremos
de pontos de contato ou entrecruzamentos entre o Movimento da Reforma Sanitária e do
PCB, uma vez que o partido encontrava-se distante dos processos de institucionalização
formais e oficiais impostos pela ilegalidade e clandestinidade.
Para Cohn (1989), além das explicações históricas que justificam a não
explicitação da participação do PCB no Movimento da Reforma e a aposta na construção
de uma frente suprapartidária na literatura “clássica” do campo da saúde, há também a
ênfase na estratégia de aglutinação de forças na ocupação dos espaços institucionais em
uma disputa de pensamentos contra hegemônicos por dentro do Estado. Logo, tornam-se
pertinentes aqueles estudos que busquem investigar as condições de possibilidades que
permitiram tais configurações estratégicas. Como primeiras pistas a autora sugere que
talvez a explicação resida justamente nas propostas partidárias da liderança do
Movimento, até então pouco explicitadas, reforçando a necessidade de uma releitura de
suas versões "oficiais" (COHN, 1989).
É nessa direção, portanto, que a partir da releitura do Movimento da Reforma
Sanitária buscaremos analisar a influência do PCB e identificar os pontos de contato
existentes entre movimento e partido, tanto no processo de construção das bases de
sustentação política da Reforma quanto na condução de estratégias políticas e
organizativas durante o processo de elaboração do SUS.
Para isso, de forma específica nos aproximaremos de uma compreensão conceitual
sobre os partidos políticos, os movimentos sociais e as possibilidades de articulação entre
estes entes, uma vez que ambos se constituem como elementos de uma base de
sustentação política. Em seguida, será necessário apresentar o contexto político-
institucional brasileiro durante o período de gênese do Movimento da Reforma Sanitária
e de regime civil-militar, tentando compreender também a conformação dos partidos
políticos brasileiros nesse contexto. Outro ponto importante, será a apresentação breve da
história do PCB, prosseguida de um mergulho nas estratégias políticas e organizativas
centrais adotas e que compõem um certo modo de operar e fazer política pecebista. A
20
No atual contexto, a via legislativa não tem se revelado mais como caminho de
negociação e persuasão política para propostas redistributivas e menos ainda para o caso
da política de saúde onde percebe-se uma concentração de capital investido para a eleição
de bancadas pró-mercado da saúde (COHN, 2018). Segundo Abranches (2018), desde o
final da eleição de 2014, a profundidade e a dimensão da crise política brasileira,
agravaram consideravelmente o descrédito social da representação política, onde
inúmeras disfunções ficaram mais visíveis. Para este autor, a crise brasileira tem raízes
locais, mas também se insere no contexto da radical transição que a democracia no mundo
está vivendo no século XXI, onde se visualiza uma falta de continuidade político-
institucional ao fluxo de políticas públicas que possam mudar efetiva e definitivamente
os indicadores sociais de qualidade de vida das populações.
O sistema representativo deixou de funcionar. Não só no Brasil.
Todas as democracias do mundo se oligarquizaram. Os partidos
são dominados por políticos que já não respondem aos eleitores e
sim a grupos de pressão e financiadores a eles ligados.
(ABRANCHES, 2018, p. 11).
5
Os primeiros casos do novo coronavírus foram detectados em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan,
província de Hubei, na República Popular da China. Organização Mundial da Saúde (OMS) e as autoridades
chinesas confirmaram a identificação de um novo tipo de coronavírus em janeiro de 2020. O novo
coronavírus nomeado SARS-CoV-2 é responsável por causar a doença COVID-19. Em 30 de janeiro de
2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de
Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no
Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS
como uma pandemia, que se refere à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade. A
22
está entre os países que lideram o número de contaminação e de vítimas fatais6 da doença.
Nesse contexto inédito ao SUS, além da percepção da fragilidade de suas bases de
sustentação social e política, também se escancaram e aprofundam as iniquidades em
saúde, as desigualdades de acesso aos serviços de saúde, bem como os seus determinantes
sociais que, além da desigualdade econômica e de classe, se agravam pelo racismo
estrutural, pela desigualdade de gênero, dentre outras características que compõem a
formação da sociedade brasileira 7.
Por outro lado, o contexto pandêmico tem sido contundente em apontar o caráter
essencial dos sistemas universais de saúde. No Brasil, o SUS tem desempenhado um papel
central – mesmo sob pressão e com a escassez de planos de ação e recursos – primeiro,
pelo comprometimento dos seus trabalhadores e, em segundo, por ofertar serviços de
saúde aos maiores acometidos e vítimas dessa pandemia: a população subalternizada
majoritariamente pobre, negra, quilombola, indígena, LGBTQI+ e periférica dos quatro
cantos deste país. A pandemia em curso vem expondo e confirmando, portanto, que ainda
são estes sujeitos que mais adoecem e mais morrem, indicando que a concepção de saúde
ampliada outrora almejada e garantida pela lei, assim como as estratégias conduzidas pelo
Movimento da Reforma Sanitária durante a construção do SUS, ainda não foram
suficientes para garantir o direito à saúde para todos de forma universal, nos levando a
questionar, afinal: “Direito para quem”? (BAPTISTA, BORGES E REZENDE, 2019).
Maio e Monteiro (2005) inferem em seu estudo que a trajetória do Movimento da
Reforma Sanitária, uma espécie de intelligentsia, veria com estranheza um mundo
movido através de constructos raciais. Inspirados no pensamento de Grin (2004) sobre a
discussão em torno da questão racial no Brasil, estes autores afirmam que o Movimento
designação reconhece que, no momento, existem surtos de COVID-19 em vários países e regiões do mundo
(OPAS, 2020).
6
No dia 08 de agosto de 2020 o Brasil alcançou a marca dos mais de 100.000 óbitos pela COVID-19.
Matéria Site G1. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/08/08/brasil-
supera-100-mil-mortes-por-covid-19-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml
7
A política de controle da COVID-19 e os seus resultados (aparentemente incipientes) tem sido permeada
por um cenário marcado pela polarização e o negacionismo de autoridades. O vírus chegou primeiro em
grandes capitais do Brasil em março de 2020 e agora avança pelo interior ganhando velocidades distintas
em cada região. A epidemia no Brasil revela e aprofunda as desigualdades históricas de acesso ao sistema
de saúde, levando ao colapso regiões menos estruturadas do Norte e Nordeste do Brasil e nas grandes
metrópoles com grande fluxo populacional. Dentre os mais afetados estão a população indígena, negros e
pessoas com baixa escolaridade que além de mais vulneráveis à contaminação, apresentam maior taxa de
óbito. Pessoas falecidas que se autodeclararam como brancas acessaram consideravelmente mais leitos de
UTI, quase oito em cada dez mortes, enquanto os que se identificaram como pretas, pardas e amarelas,
menos de sete em cada dez tiveram acesso à leitos de UTI. Esse retrato da desigualdade é ainda mais duro
para a população indígena onde apenas seis de cada 10 indígenas que morreram por covid-19 tiveram acesso
à leitos de UTI. (JUCÁ; GALINDO, 2020)
23
É, portanto, diante do exposto e com vistas a alcançar o objetivo deste estudo, que
após apresentação dos caminhos metodológicos que nos nortearão, no terceiro capitulo
nos aproximaremos da temática em torno da conceituação dos partidos políticos e dos
movimentos sociais, bem como a articulação entres estes dois entes na composição de
bases de sustentação de políticas e de pautas na agenda política e nos espaços de
deliberação. No quarto capítulo elucidaremos o contexto político-institucional brasileiro
e a conformação dos partidos políticos no período de gênese do Movimento da Reforma
Sanitária e do processo de elaboração de seu projeto até o final da década de 1980, a fim
8
O modelo de atenção “Em Defesa da Vida” foi elaborada pelo Laboratório de Planejamento (LAPA) do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas e aperfeiçoada por trabalhadores e dirigentes de instituições hospitalares e secretarias
municipais de saúde de cidades como Campinas, Piracicaba, Ipatinga, Belo Horizonte, Betim, Sumaré,
Hortolândia, Volta Redonda e Paulínia. Está pautado na defesa das diretrizes básicas dos SUS, e na
construção de dispositivos e arranjos institucionais com o objetivo de garantir a gestão democrática dos
estabelecimentos de saúde, o acolhimento humanizado da clientela, o acesso a serviços resolutivos e o
fortalecimento de vínculos entre profissionais e usuários com a clara definição de responsabilidades.
Incluem-se ainda concepções com importantes conseqüências operacionais tais como: “ a) a valorização de
ações em microespaços, consideradas estratégicas para a mudança, sem com isso desconhecer-se o papel
dos determinantes macroestruturais (Merhy, 1997); b) o entendimento de que sem a participação dos
trabalhadores, médicos incluídos, não é possível haver mudanças no setor público de saúde; c) o resgate do
usuário como sujeito da mudança, valorizando o papel do mesmo no dia-a-dia dos serviços de saúde, assim
como em fóruns de deliberação coletiva, tais como os conselhos de saúde; d) a compreensão de que, se a
demanda espelha, por um lado, a oferta de serviços e a ideologia/cultura dominante, por outro, ela traduz
as aspirações da sociedade por novos padrões de direitos sociais, revelando elementos da subjetividade do
usuário, devendo, portanto, ser criticamente incorporada ao processo de organização dos serviços de saúde
(Campos, 1991; Merhy, 1995); e) a necessidade de se reformular a clínica e a saúde pública com base nas
reais necessidades dos usuários; f) a importância de se utilizarem, de maneira conseqüente e criativa,
tecnologias de disponíveis em outros projetos assistenciais.” (CARVALHO; CAMPOS, 2000, p.508).
25
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS
9
Larrosa (2004) neste artigo faz uma releitura sobre o ensaio histórico utilizado por Foucault em sua
genealogia do poder e nos estudos de arqueologia do saber .
10
De acordo com Mattos (2011) Arqueologia e genealogia são modos complementares de análises
históricas, com procedimentos diferentes e visão de história semelhante. Utilizando a definição trabalhada
por Foucault o autor aponta que à arqueologia cabe fazer uma história dos sistemas de pensamento, cuja
tarefa é, “analisar as formas próprias da problematização” pelas “práticas discursivas que articulam o
saber”, investigando a formação de saberes. Enquanto à genealogia cabe fazer uma história dos sistemas de
coerção, mostrando a formação destas problematizações a partir de práticas não-discursivas (e de
modificações dessas práticas), pelas “relações múltiplas, as estratégias abertas e as técnicas racionais”
investigando sistemas de coerção que regulam práticas e os processos de subjetivação neles envolvidos.
28
11
Haber (2011) denomina nometodologia como uma: “arqueologia indisciplinada. Indisciplinado de sua
metafísica disciplinar, a arqueologia fala das relações vestigiais, isto é, do que é e não é ao mesmo tempo-
espaço (apesar da dissecação disciplinar que recapitula e consolida a violência colonial). Não é, como
afirma a arqueologia disciplinar, sobre o passado através seu material permanece, mas sobre a presença do
passado na matéria e alma das coisas, isto é, sobre a inevitável consubstancialidade de outros espaços-
tempos, apesar e contra moderno / capitalista / disciplinar / colonial.” [tradução nossa]. (p.31)
12
Agentes sociais, tal como definidos por Pierre Bourdieu (2004), como aqueles sujeitos que tanto fazem
parte de campos quanto também os estruturam.
29
Neste contexto, para o autor não seria uma tarefa simples delinear a prática de
grupos de esquerda nas instâncias dos movimentos sociais, enquanto se movem na
clandestinidade e ao mesmo tempo atuam com uma outra fachada legal. Tal fato, geraria
consequências diversas frente à vínculo ideológico de estatuto específico e ao mesmo
tempo a identificação exterior ou pública com um partido institucional, devido à disputa
pela hegemonia política junto aos movimentos sociais e à questão ideológica e
31
13
Como primeira etapa de aproximação do tema elencamos em nossa análise textos da literatura da Saúde
Coletiva que buscavam teorizar e/ou identificar atores do Movimento da Reforma Sanitária do Brasil. Ver
em Apêndice 1.
14
Apêndices B e C.
32
Com esse intuito, é que ao lançarmos nosso olhar aos achados da pesquisa – além
de todos os pressupostos aqui apresentados – nos parece interessante também incluir em
nossa lente de análise uma perspectiva que se alinha ao pensamento de autores do campo
de estudos decoloniais 17, sobretudo na América Latina a partir dos anos 1990 que
15
Nº parecer consubstanciado do projeto 3.265.671
16
Apêndice 4.
17
Segundo Ballestrin (2013) apresenta O a trajetória e o pensamento do Grupo Modernidade/Colonialidade
(M/C), constituído no final dos anos 1990. Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas
universidades das Américas, o coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a
renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do
argumento pós-colonial no continente por meio da noção de "giro decolonial". Assumindo uma miríade
ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradição crítica de pensamento latino-americano, oferece
releituras históricas e problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a "opção decolonial"
- epistêmica, teórica e política - para compreender e atuar no mundo, marcado pela permanência da
colonialidade global nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva.
33
18
Na perspectiva dos pensadores decoloniais é possível identificar a emergência de uma colonialidade do
poder - guerra, genocídio e conquista das Américas - e da colonialidade do saber, diretamente associado a
“diferença colonial e geopolítica do conhecimento (MIGNOLO, 2002).
19
“Eurocentrismo e, aqui, o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática
começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são
sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente
hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu
associada a específica secularização burguesa do pensamento europeu e a experiencia e as necessidades
padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América”
(QUIJANO, 2005, p. 9).
34
20
A ideia de Estado ampliado disseminado por Gramsci se tornaria um conceito fundamental nos partidos
de esquerda no Brasil, sobretudo, o PCB. Em capítulo dedicado à história e estratégias políticas do PCB
detalharemos melhor este conceito, bem como a sua influência na condução de estratégias do Movimento
da Reforma Sanitária brasileira.
37
De acordo com autores como Silva e Rabelo (1985) e Boschi (1989), no caso
brasileiro é interessante perceber que, se em um primeiro momento a relação entre os
movimentos sociais, partidos políticos e Estado se estabeleceu por meio da negociação e
oposição, a partir dos anos 1980 ela se redireciona no sentido de uma convergência devido
ao contexto de transição democrática. Com o fim da ditadura civil-militar brasileira há
uma inflexão no posicionamento dos movimentos sociais que agora passam a buscar
alianças e encontram nos partidos políticos e na burocracia estatal e partidária a
possibilidade de institucionalização e garantia da introdução de suas pautas na nova
agenda política a ser construída. Além disso, é também ao longo da década de 1980 que
profissionais e a militância de base atuam junto às demandas populares, somadas ao
desenvolvimento de um conjunto de lideranças empenhadas na aproximação com a
instituição político-partidária. Segundo Ruscheinsky (1998), o que se observa, portanto,
é a gradativa incorporação de técnicos e intelectuais nos órgãos estatais inclinados a um
posicionamento de negociação com os movimentos sociais.
De acordo com Martins (1989), o período de “transição” pode ser compreendido
como o lapso de tempo que decorre entre a liquidação de um regime autoritário e a
institucionalização de um outro regime, seja ele democrático ou não. No caso brasileiro
essa transição se deu na forma de transação onde, segundo Marenco (1989), o regime
autoritário é quem “inicia a transição, fixa alguns limites para a mudança política e
permanece como força eleitoral relativamente importante durante a transição, implicando
elevada continuidade de elites, estruturas e instituições políticas” (MARENCO, 1989,p.
89). Conforme Coutinho (2006) o conceito de “revolução passiva”21 de Gramsci ilustra
bem esse modelo de transição como os processos de transformação em que ocorre uma
conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes em uma
determinada sociedade, excluindo as camadas populares de uma participação mais ampla
nestes processos. São, portanto, de transformações que ocorrem “pelo alto”.
Para Martins (1989) o processo de transição democrática no Brasil veio
acompanhado de um sentimento de progressivo distanciamento entre a cidadania e sua
representação política, bem como entre as instituições políticas e a sociedade. Uma das
justificativas para este aparente afastamento seria o próprio processo de elaboração da
Constituinte e sua débil reação às intervenções do executivo e dos militares em decisões
importantes, tais como as que envolviam o controle da transição e construção
21
A ideia de “revolução passiva” de Gramsci torna-se também um conceito fundamental no pensamento
pecebista e será mais bem detalhado no capítulo referente à história e as estratégias políticas do PCB.
40
De acordo com Martins (1989), esse seria um dos traços fundamente arraigados
na cultura política brasileira: a ideia de que a norma (jurídica) criaria o fato (social), como
expressão de uma mentalidade bacharelesca e tecnocrática de mudar a sociedade pela via
jurídica ou administrativa e não política. Outro traço se refere à prática de conceder
estatuto constitucional às inovações designadas como “conquistas” com a pretensão de
garanti-las contra a instabilidade do processo político brasileiro e a fluidez das maiorias
parlamentares, convertendo, assim, o circunstancial em permanente. A estratégia de
estender o trabalho da Assembleia Constituinte a uma gama de questões sociais polêmicas
no período em detrimento de uma limitação do escopo à definição das regras do jogo
político, pode ser compreendida como uma representação desses traços arraigados
(MARTINS, 1989).
A mobilização de grupos de interesse e de pressão –incluindo os movimentos
sociais organizados – para influenciar as decisões políticas em sociedades recém-saídas
de regimes autoritários é considerado como saudável e se constituiu uma importante
característica das democracias contemporâneas. Mas, para isso exige duas qualificações
importantes: que a mobilização a partir dos interesses, particulares ou corporativos,
pressione os membros da representação partidária, mas não bloqueie a capacidade
decisória dos partidos ou desqualifique a função de agregar interesses mais gerais da
sociedade; que a mobilização de interesses, contribua para a diferenciação ideológica
entre organizações partidárias, onde a competição pelo poder possa se organizar a partir
41
Pode-se verificar então, que o desempenho dos atores em cena durante a transição
democrática resulta de um certo padrão de ação política, pautado na regulação jurídica
associado à personalização de papéis, que substituem as noções de instituição e processo.
Logo, a transição concebida como uma justaposição de situações, e não como processo,
dissociaria a prática política da ideia de estratégia, da mesma forma que a instituição
partido político torna-se desarticulada internamente, sem que tais clivagens possam se
traduzir em projetos políticos alternativos reconhecidos pela sociedade (MARTINS,
1989).
Offe (1988), por sua vez, traz uma contribuição para essa discussão ao analisar
essa relação a partir das práticas instituintes, englobando assim elementos culturais e
políticos na abordagem dos movimentos sociais emergentes. Nessa perspectiva, é através
do campo das práticas sociais que os movimentos, sobretudo aqueles inovadores, são
capazes de instituir novos espaços sociais, apresentando-se, muitas vezes, hostis à
tradição da representação política e ao sistema partidário, que perdem em funcionalidade
e credibilidade, já que não conseguem oferecer espaços nos quais as demandas podem ser
processadas. Assim, os partidos políticos deixariam gradativamente de ser uma referência
importante como canal de expressão política de interesses e a participação direta definiria
o limite de ação política dos movimentos. Através da participação direta os agentes
sociais instituiriam novos caminhos e espaços, onde o cotidiano renovado é entendido e
legitimado como espaço de expressão política.
Encontramos assim, um dilema fundamental que passa a permear a discussão da
articulação entre movimentos sociais e partidos que é a questão da representação. Uma
vez que o campo dos movimentos sociais se configura de forma heterogênea e é
atravessado por diversas diferenças, faz-se necessário problematizar a própria noção de
representação que não considere as controvérsias e a pretensão de homogeneidade e
coesão interna (RUSCHEINSKY, 1998).
43
Ruscheinsky (1998) afirma que sempre existem opções partidárias no interior das
mobilizações públicas e de que os entendimentos com a esfera pública impõem
delimitações, sobretudo ao que se refere ao campo da legalidade. Da mesma forma, é
importante indagar se as opções partidárias são assimiladas e tomadas no transcurso do
desenvolvimento da demanda ou se há a presença de agrupamentos partidários atuando
no curso da estruturação das lutas sociais. De acordo com o autor, no caso brasileiro:
não parece fácil delinear a prática de grupos de esquerda nas
instâncias dos movimentos sociais enquanto se movem na
clandestinidade e ao mesmo tempo atuam com uma outra fachada
legal. Somam-se consequências diversas ante um vínculo
ideológico de estatuto específico e a identificação exterior ou
pública com um partido institucional, de maneira peculiar devido
à disputa pela hegemonia política junto aos movimentos sociais e
à questão ideológica e programática, bem como as influências
para negociar as demandas (RUSCHEINSKY, 1998, p. 87).
O golpe civil-militar de 1964 inicia no Brasil uma fase sombria de ditadura, com
seus generais-presidentes e em um longo período de repressão, prisões arbitrárias,
torturas, mortes, relegando a República a um recesso forçado (ABRANCHES, 2018). O
Brasil foi o único entre os regimes autoritários na América Latina que permitiu que o
Legislativo continuasse operando após a tomada do poder (REGO, 2008). Contudo,
22
Segundo Fleischer (1981) o AI-2 foi baixado em outubro de 1965 após as eleições para governador,
percebidas como “anti-revolucionárias” e negativas pelo então sistema do regime militar.
23
A UDN foi um partido fundado em 1945, opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas e de orientação
conservadora. Caracterizava-se pelo liberalismo clássico e forte oposição ao populismo. Sua principal
liderança era o jornalista Carlos Lacerda, deputado federal pela legenda de 1947 a 1955 e governador do
estado da Guanabara em 1960 (REGO, 2008).
24
O PSD de caráter centrista, entre 1945 e 1964, formava, junto com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB
o bloco pró-getulista da política brasileira, em oposição à União Democrática Nacional (UDN),
antigetulista. Foi o partido majoritário na Câmara dos Deputados e no Senado. Elegeu dois presidentes da
República: Eurico Gaspar Dutra, em 1945, e Juscelino Kubitschek de Oliveira, em 1955 (LIMA JÚNIOR,
1981).
25
Segundo Rego (2008), durante o bipartidarismo provisório a oposição era dividida entre oposicionistas
moderados e autênticos, ou radicais. Os integrantes do MDB eram reconhecidos como oposicionistas
moderados, já que participavam do jogo político do governo militar atuando como uma oposição
consentida.
47
Ainda de acordo com Rego (2008), no interior do MDB, duas alas destacavam-se:
a dos oposicionistas radicais ou também chamados de “imaturos” 28, que defendiam o
boicote ao regime e às eleições – já que estas eram ilegítimas e anti-democráticas; e a
outra conhecida como moderada ou “autêntica”, mais proeminente no interior do partido
e que defendia o funcionamento do Congresso dentro das regras impostas pelo regime
militar. Alinhado ao pensamento da ala mais radical do MDB era possível perceber a
influência de partidos na clandestinidade, como PCB e o PC do B29. Melhem (1998)
destaca a existência de dupla militância dos integrantes destes partidos considerados
ilegais, mesmo sendo esta atuação mais restrita, pois parte da esquerda renegava o MDB
e colocavam em xeque o seu caráter oposicionista.
De acordo Marcio Moreira Alves – importante parlamentar, considerado um dos
principais membros da ala “radical” do MDB – eram estratégias deste grupo:
(...) usar permanentemente a tribuna para denunciar o governo,
responder com apartes ou discursos às tentativas de defesa que os
deputados governistas acaso empreendessem, criar comissões
parlamentares de inquérito, forçar visitas a presos políticos nas
cadeias, fazer conferências onde quer que lhes abrissem espaço,
escrever artigos e dar entrevistas, participar de assembleias de
intelectuais e estudantes, ir às passeatas, apoiar as greves, enfim,
usar as imunidades que garantem as opiniões políticas dos
congressistas para forçar o regime ou a retroceder, ou a tirar
definitivamente a máscara e revelar-se uma ditadura aberta
(ALVES, 1993, p.139).
26
De 1966 a 1971 a presidência do MDB foi de Oscar Porto, general reformado do Exército e senador pelo
estado do Acre em 1966 (REGO, 2008).
27
Segundo o autor, o novo partido necessitava inscrever 120 deputados e 20 senadores para o seu
funcionamento legal, contudo apenas oito parlamentares se dispuseram a juntar-se ao MDB
espontaneamente.
28
O termo “imaturos” foi utilizado pelo grupo moderado do próprio MDB devido a pouca idade e a
disposição de assumir o risco de lutar contra o regime militar (ALVES,1993).
29
O PC do B é criado na década de 1970 na clandestinidade por dissidentes do PCB. Veremos com mais
detalhes no capítulo a seguir.
48
Por sua vez, na ala moderada ou “autêntica” havia uma disposição para cooperar
com o regime militar, mas como destaca Rego (2008) “muitos acreditavam fortemente
que o Legislativo deveria ser usado como plataforma para insuflar um movimento popular
contra o governo” (REGO, 2008, p. 108). O representante mais emblemático desta ala era
o parlamentar Ulisses Guimarães 30, na época deputado pelo estado de São Paulo e
dissidente do Partido Social Democrático (PSD) que durante toda a ditadura militar
tornou-se a principal voz da oposição dentro do congresso, tornando-se em 1971 a
liderança do MDB. Outros importantes parlamentares também aderiram ao partido de
oposição – muitos dissidentes do PSD, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)31 e alguns do
Partido Democrata Cristão (PDC) 32 – como Tancredo Neves33 (PSD) e Franco Montoro34
(PDC). Em 1966, foi eleito como líder do partido o então deputado de São Paulo, Mario
Covas35, representante com forte ligação com o movimento sindical no período e
dissidente do antigo Partido Social Trabalhista 36 (PST).
Na primeira eleição para a Câmara de Deputados realizada no sistema bipartidário
(1966), a ARENA obteve maior representação, sendo assim, considerada o partido
dominante (tabela1), embora o resultado deste pleito tenha formado uma nova oposição
de legisladores no MDB aumentando a influência dos chamados “radicais”
(SARTORI,1982). O acirramento interno no Congresso 37 e a intensificação de protestos
contra o regime como o do movimento estudantil e ação mais expressiva na defesa dos
direitos humanos pela Igreja, tornam-se um pretexto para a promulgação do Ato
30
A identificação e a trajetória de parlamentares citados nas entrevistas como participantes doa discussão
da saúde encontra-se no Apêndice 3.
31
Fundado em 1945, liderado por Getúlio Vargas e tinha como o operariado urbano e os sindicatos como
principal base eleitoral. Sua pauta partidária incluía reformas como: a urbana, a agrária, da educação, além
do desenvolvimento industrial e a nacionalização de recursos e na educação. Sua criação serviu como
anteparo, na classe popular e trabalhadora, à influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e demais
organizações de esquerda. Em 1965, foi extinto através do Ato Institucional nº2, juntamente aos outros
partidos existentes. Muitos de seus integrantes foram cassados, ou migraram para o MDB. Com o fim do
bipartidarismo, foi um dos poucos partidos extintos que retornaram ao cenário político com a mesma
legenda (GOMES, 2002).
32
Fundado em 1945, era considerado um partido conservador moderado de oposição ao getulismo, muito
influente em São Paulo. Foi extinto em 1965 com o AI-2 durante o regime militar e refundado em 1985.
(LIMA JÚNIOR, 1981)
33
Apêndice 3.
34
Apêndice 3.
35
Apêndice 3.
36
O PST foi criado por dissidentes do antigo PSD, entre 1946 e 1965. Há uma versão que conta que sua
criação seria apenas uma troca de nome do antigo PPB (Partido Proletário do Brasil).
37
O estopim para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do
MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos
desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a sair com
oficiais. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, também escreveu uma série de artigos no Correio da
Manhã considerados provocações pelos militares (D´ARAUJO, s/ data).
49
38
“Duros” eram considerados aqueles militares que defendiam a radicalização da ditadura, pois
acreditavam que o Legislativo poderia representar uma ameaça à estabilidade política do regime. Já os
moderados, também chamados de legalistas, defendiam uma postura mais flexível e a continuidade do
funcionamento do Congresso (REGO, 2008; ARAÚJO, 2000).
50
a visibilidade deste pleito culminasse em um avanço nas eleições de 1974 para Senado e
Câmara dos Deputados (REGO, 2008).
Além disso, a chamada Lei Etelvino Lins 39, aprovada em 1974, passa a conceder
a liberalização da regulação das campanhas eleitorais, estabelecendo o tempo de
propaganda eleitoral no rádio e na televisão a partir da designação da Justiça Eleitoral,
permitindo que candidatos de oposição obtivessem acesso ao horário eleitoral gratuito.
Tais normas fortaleceram o MDB que, neste mesmo ano alcançaria 44% das vagas para
deputados federais, 16 vagas de senadores e maioria em seis legislativos estaduais,
modificando significativamente a situação política e enfraquecendo o regime, sobretudo
nas grandes cidades do país (GASPARI, 2003; REGO, 2008). Cada vez mais as oposições
se utilizavam dos espaços que o regime oferecia e assim, o MDB progressivamente
ganhava um real conteúdo oposicionista, crescendo eleitoralmente e contando com apoio
de mais deputados, inclusive, os de estreita ligação com o PCB ainda na clandestinidade
(SILVA, 2005). A tabela abaixo demonstra o crescimento da força eleitoral dos MDB
em comparação à ARENA (tabela 1):
39
Art. 12 da Lei nº 6.091, de 15 de agosto de 1974. Esta lei foi aprovada em votação pelo congresso.
51
PARTIDOS POLÍTICOS
1965 ARENA MDB
1979-1981 PDS PDT PTB PP PMDB PT
40
Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979.
52
41
Apêndice 3.
42
Apêndice 3.
43
Apêndice 3.
44
Apêndice 3.
45
Apêndice 3.
53
De acordo com Rego (2008), “o resultado das eleições foi crucial: o governo
perdeu a maioria absoluta que havia sempre desfrutado na Câmara dos Deputados”
(p.230). O PDS- partido governista que antes possuía 224 deputados e 36 senadores-
elegeu 235 deputados e 45 no Senado; o PMDB obteve 200 cadeiras na Câmara e 22 no
Senado, apresentado avanço expressivo; o PDT elegeu um senador e 23 deputados; o
PTB, por sua vez teve a sua representação reduzida de 14 para 13 deputados; e, por fim o
PT, que antes contava com cinco deputados e um senador, aumentou sua representação
na Câmara pra oito, mas perdeu seu representante no Senado (REGO, 2008). Elegeram-
se ainda como governadores oposicionistas Tancredo Neves (PMDB-MG), Franco
Montoro (PMDB-SP) e Leonel Brizola (PDT-RJ) nos estados politicamente mais
54
46
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº05/1983, apresentada pelo Deputado Federal Dante de
Oliveira (PMDB-MT), que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para presidente da República
no Brasil, através da alteração dos artigos 74 e 148 da Constituição Federal de 1967. A proposta foi rejeitada
pela Câmara dos Deputados no dia 25 de abril de 1984. Eram necessários votos favoráveis de dois terços
da Casa (320 deputados) para que a Proposta seguisse ao Senado, mas o resultado foi: 298 deputados a
favor; 65 contra; 3 abstenções e 113 ausências ao plenário (REGO,2008).
47
Apêndice 3.
48
Apêndice 3.
55
governador Paulo Maluf49 para presidente e o deputado Flávio Marcílio 50 para vice,
representavam a chapa indicada pelo PDS (FLEISCHER, 2004).
A “Aliança democrática” trazia como principal proposta a eleição de uma
assembleia constituinte que formularia instituições democráticas novas, restabelecendo
de imediato as eleições diretas, livres e com sufrágio universal. Além disso,
apoiavam a liberdade sindical, o fortalecimento da federação e a
recuperação econômica, com uma nova fase de desenvolvimento
econômico e a mudança da política salarial. Em suma, era uma
plataforma baseada no programa social-democrata do PMDB
(REGO, 2008, p.264).
49
Apêndice 3.
50
Apêndice 3.
51
Emenda constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985. Altera dispositivos da Constituição Federal e
estabelece outras normas constitucionais de caráter transitório.
56
interna como vermos mais adiante em capítulo dedicado à sua trajetória e à identificação
de suas estratégicas políticas.
Na base governista o Partido Democrata Cristão (PDC) é refundado em 1985 e,
sem força, é fundido ao Partido Democrático Social (PDS) para formar o Partido
Progressista Reformador (PPR)52 em 1993. O Partido Social Democrático (PSD) retorna
em 1987, mas também sem força expressiva no cenário político 53. Já a “Frente Liberal”
tornava-se o Partido da Frente Liberal (PFL) criada pelos egressos do PDS e do Partido
Liberal (PL)54. Segundo Fleischer (2004) o sistema partidário expandiu-se e o PMDB se
tornou o partido “dominante”, sobretudo após as eleições gerais de 1986.
No final de 1985, a proposta da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) – um
dos principais compromissos políticos assumidos pelo projeto de governo da Aliança
Democrática – é finalmente aprovada e seu início previsto para o dia 1º de fevereiro de
1987. Sua composição se deu na forma de um “Congresso Constituinte”, ou seja, formada
pelos deputados federais e senadores eleitos em 1986, que acumulariam as funções de
congressistas e de constituintes (BRASIL, 2006). No entanto, este formato trouxe à tona
vários impasses e divergências, pois de acordo com os grupos políticos mais progressistas
esta composição desconsiderava a autonomia do processo constituinte e mantinha os
senadores “biônicos” no fórum constituinte, comprometendo a autonomia do processo de
sua construção tal como propagada durante a campanha eleitoral da “Aliança
Democrática” (FARIA, 1997).
De acordo com Alencar, Capri e Ribeiro (1994), a eleição simultânea para o
Congresso Constituinte e para as eleições de 1986, gerou um esvaziamento no processo
que foi a ANC. Segundo o autor:
Não houve amplo debate dos temas constituintes, como seria
desejável numa sociedade que estava saindo de uma ditadura
militar que asfixiou o pensamento e liberdade. Entidades civis
pediram ao governo e ao Congresso datas diferentes para as
eleições, mas a solicitação não foi aceita (ALENCAR; CAPRI ;
RIBEIRO, 1994, p.432).
52
Desde ARENA a sigla do partido foi mudando para PDS (em 1980), PPR (em 1993), PPB (em 1995), e
desde 2003 é denominado Partido Progressista (PP).
53
Posteriormente, foi incorporado ao PTB em 2003. Em 2011, dissidentes do partido Democratas (fundado
em 2007), do PP, entre outros liderados pelo então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, fundam um novo
partido e utilizam a nomenclatura PSD em homenagem ao antigo (1945 e 1965).
54
Partido fundado em 1985, de centro-direita, caracterizado pela defesa do liberalismo social e econômico.
Funcionou até o ano de 2006 quando se fundiu com o Partido de Reedificação da Ordem Nacional
(PRONA) (1989-2006) e tornou-se o Partido da República (PR).
57
Com relação à participação dos partidos políticos na ANC estavam presentes 576
parlamentares dentre eles 23 senadores eleitos em 1982 - os “senadores biônicos”. A
proporção entre partidos ficou: PMDB com 53% dos constituintes; PFL com 22,5%; PDS
com 6,4%; PDT com 5%; PTB com 4,2% e o PT com 2,8% (FARIA,1997). O PMDB
destaca-se como partido hegemônico, obtendo um maior número de parlamentares eleitos
em 1986, seguido do PFL, ambos partidos com a maioria de parlamentares de centro ou
centro-direita, oriundos de uma oposição moderada dentro do MDB ou do partido do
regime militar, a ARENA.
A organização distributiva da ANC se deu através das comissões e subcomissões
de trabalho, onde os grupos políticos mais progressistas participavam majoritariamente
das discussões da área social do Estado, enquanto os mais conservadores participavam
mais ativamente das discussões da área econômica e organizativa do Estado (FARIA,
1997). Nove comissões de trabalho foram divididas em subcomissões, sendo oito
comissões responsáveis pelas discussões temáticas da Constituição e uma comissão final
55
fez o trabalho de sistematização do texto constitucional . Muitas destas propostas já
haviam sido discutidas nos fóruns pré-constitucionais em 1985 e 1986, como por
exemplo, na Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), responsável pela
discussão de propostas para a Política de Saúde Nacional que seriam encaminhadas à
ANC.
Contudo, a manutenção deste arranjo durou até uma primeira fase de discussões
na ANC (a partir de setembro/outubro de 1987) com a regulamentação do regimento
interno da Constituinte e o desenvolvimento dos trabalhos das subcomissões e comissões
55
Comissões e Subcomissões na ANC 1987/1988: I - Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias
do Homem e da Mulher: Subcomissões- Da Nacionalidade; Dos Direitos Políticos e Coletivos; Dos
Direitos Individuais; II - Comissão da Organização dos Estados: Subcomissões- Da União, Distrito
Federal e Territórios; Dos Estados; Dos Municípios e Regiões; III - Comissão da Organização dos
Poderes e Sistemas de Governo: Subcomissões- Do Legislativo; Do Executivo; Do Judiciário e
Ministério Público; IV - Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições:
Subcomissões- Do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos; Da Defesa do Estado; Da Garantia da
Constituição; V - Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças: Subcomissões- Dos
Tributos, Participação e Distribuição das Receitas; Do Orçamento e Fiscalização Financeira; Do Sistema
Financeiro; VI - Comissão da Ordem Econômica: Subcomissões- Da Propriedade e Subsolo; Da Questão
Urbana e Transportes; Da Política Agrária, Reforma Agrária; VII - Comissão da Ordem Social:
Subcomissões- Dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; Da Saúde, Seguridade e Meio-
Ambiente; Dos Negros, População Indígena, Pessoas Deficientes e Minorias; VIII - Comissão da Família,
da Educação, Cultura e Esportes e da Ciência e Tecnologia e da Comunicação: Subcomissões- Da
Educação, Cultura e Esportes; Da Ciência e tecnologia e Comunicação; Da Família, Menor e Idoso; IX -
Comissão de Sistematização.
58
56
A ideia de criação do PSDB surge após as eleições estaduais e do Congresso Nacional em
1986, com o surgimento em 1987 do Movimento de Unidade Progressista (MUP) dentro do
PMDB. A partir de um encontro supra-partidário que reuniu o MUP, o PSB e outros políticos de
esquerda e centro-esquerda. O PSDB foi formado pela confluência de diferentes pensamentos
políticos contemporâneos como o trabalhista, a ética, a solidariedade e a participação comunitária.
Em sua concepção inicial pretendeu-se atuar como um partido social-democrata, contudo críticos
atribuem ao partido de caráter neoliberal, adotando medidas da Terceira via desde a sua formação.
No entanto, possuía diferentes facções internas, como a social-democracia, liberais
sociais, conservadores e democratas cristãos (GUIOT, 2010).
59
57
Apêndice 2.
61
58
Apêndice 3.
59
Apêndice 2.
60
De acordo com Faria (1997), Carlos Sant´anna era um político da Bahia conhecido pela sua articulação
na área de educação. Era identificado no debate político como defensor de ideias conservadoras, tendo
assumido como projeto político nos anos 1980 as propostas reformistas da saúde divulgadas pelo “Partido
Sanitário”. Era casado com Fábiola da Aguiar Nunes, integrante do PCB e militante da saúde e se integrou
às discussões da saúde até assumir o cargo de coordenador do grupo de saúde na formulação da proposta
de governo de Tancredo Neves. “Como coordenador do grupo e auxiliado por uma equipe de grande
expressão institucional e intelectual, apresentou um programa de governo para a saúde comprometido com
os ideais da universalização e da equidade (entendida como igualdade)” (FARIA, 1997, p. 44). Para mais
detalhes sobre sua trajetória ver Apêndice 2.
62
61
Apêndice 3.
62
Apêndice 3.
63
Apêndice 3.
64
Apêndice 3.
65
Apêndice 3.
66
Apêndice 3.
63
67
Apêndice 3.
64
68
Apêndice 2.
69
Apêndice 2.
70
Apêndice 2.
71
Apêndice 2.
65
72
A lei delegada tem por função delegar poderes a um órgão ou sistema.
73
Carlos Sant’anna era pediatra na Bahia, deputado estadual, secretário estadual de educação e não estava
diretamente envolvido com o movimento da Reforma Sanitária. Conforme relato de Fabíola Aguiar Nunes,
no momento em que ele foi notificado que viria para a saúde, e que assumiria a pasta ministerial da saúde,
começou a estudar essas questões e se articulou com as pessoas que estavam no processo da Reforma
Sanitária (BRASIL, 2006).
74
Médica; Sanitarista; Mestre em Saúde Pública; Secretária Nacional de Programas Especiais de
Saúde/Ministério da Saúde (1985-1987). Foi esposa do Deputado Federal Carlos Sant´anna.
66
1997). Mais adiante veremos que a VIII CNS simbolizou um momento “divisor de águas”
para o Movimento da Reforma sanitária e se tornou um campo de disputas dos sentidos
da Reforma no interior do movimento, no entanto, neste capítulo é importante frisar que
as propostas discutidas nesse evento subsidiaram o texto da saúde levado à ANC.
Para essa finalidade e como um desdobramento da Conferência, é criada a
Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CRNS), de natureza “consultiva”, cuja
atribuição seria a formulação de sugestões para o reordenamento institucional e jurídico
do sistema de saúde. Composta de forma paritária por 12 representantes governamentais
e 12 representantes da sociedade civil – nestes se incluíam centrais sindicais, federações
profissionais, confederações empresariais, entidades de prestadores privados – a CNRS
funcionou de agosto de 1986 a maio de 1987 (BRASIL, 2006). A partir do Relatório Final
da VIII CNS, esta comissão buscou aprofundar a sistematização de propostas e a
articulação nacional do Movimento da Reforma Sanitária, tendo como principal objetivo
formular um texto sistematizado para o setor saúde que pudesse subsidiar as discussões
da ANC (FARIA, 1997).
Contudo, o enfrentamento de um contexto político voltado para um fortalecimento
de bases políticas mais conservadoras devido o fracasso dos planos de estabilização
durante o governo Sarney, fez com que algumas propostas defendidas na Conferência e
na CNRS não fossem acatadas, como a unificação do INAMPS ao MS – deliberação
importante votada na VIII CNS e defendida pelo Movimento da Reforma. Segundo Faria
(1997), as ameaças de substituição de líderes e Ministros apoiadores da reforma na saúde
contribuíram como argumentos para a não transferência do INAMPS ao MS e como
opção viável para evitar o retrocesso no encaminhamento dos avanços até então obtidos
no setor saúde e previdenciário. É nesse contexto que surge o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS) como uma estratégia do grupo dos reformistas
vinculados à previdência para garantia de uma unificação gradual do MS e INAMPS,
através das experiências de descentralização ocorridas com as Ações Integradas de
Saúde75 (AIS) nos estados e municípios (BRASIL, 2006).
Finalmente na ANC, em 1987, as propostas para a Política de Saúde na Nova
República foram discutidas na Comissão da Ordem Social que abrangia outras
75
As Ações Integradas de Saúde (AIS) entre o MPAS, MS e as Secretarias Estaduais de Saúde, promovidas
com a transferência financeira do governo federal aos demais entes federativos, possibilitaram uma nova
relação entre união-estados-municípios e a criação de uma infraestrutura fundamental de rede física de
cuidados básicos de saúde (BRASIL,2006).
67
76
Lei Orgânica da Saúde 8.080 de 1990.
68
Esse pensamento permearia o discurso do partido por muitos anos e tinha como
objetivo estabelecer as condições necessárias para uma revolução socialista no Brasil
através do cumprimento de etapas preparatórias. A justificativa para esta estratégia se
daria pela percepção da ausência de uma revolução burguesa clássica no Brasil, capaz de
elevar o grau de desenvolvimento das forças produtivas e de sua emancipação política,
derivada de um passado colonial, e da presença de camadas sociais dominantes alinhadas
às oligarquias, latifundiários e o imperialismo norte-americano (DANTAS, 2017).
77
A Internacional Comunista foi criada em 1919, logo após a vitória dos comunistas na Revolução Russa.
Seu principal objetivo era criar uma União Mundial de Repúblicas Socialistas Soviéticas. Dominada pelo
Partido Comunista da União Soviética, a Internacional emitia diretrizes que deveriam ser seguidas por todos
os seus filiados, inclusive o Partido Comunista do Brasil. Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, a
Internacional Comunista foi dissolvida com a finalidade de tranquilizar os aliados ocidentais da União
Soviética (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, s/ data).
Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/RadicalizacaoPolitica/InternacionalComunista
71
78
Militar e político brasileiro, liderança da Coluna Prestes na década de 1920. Durante a ditadura do Estado
Novo foi perseguido e preso. Foi secretário-geral do PCB de 1943 a 1980, defendendo a revolução
comunista. Durante a ditadura militar de 1964 exilou-se na União Soviética após ter os seus direitos
políticos cassados, retornando ao Brasil depois da promulgação da Lei da Anistia em 1979. Mesmo assim
foi aclamado presidente de honra da organização e desfrutava de enorme prestígio devido ao seu papel de
líder da Coluna Prestes, que na década anterior havia tentado derrubar o governo federal pelas armas. O
grupo tinha 1 milhão de membros em seu auge (ABREU e CARNEIRO, s/data).
79
Pertencente a uma das famílias mais ricas e influentes de São Paulo, iniciou-se na política ainda jovem,
integrando o Partido Democrático (PD) fundado em 1926, que reunia parte da elite de São Paulo,
descontente com a hegemonia do Partido Republicano Paulista (PRP), um dos principais sustentáculos da
“política do café-com-leite. Ingressa no então Partido Comunista do Brasil, em 1931. Em 1933, escreveu A
evolução política do Brasil onde o método do materialismo histórico foi utilizado de forma conseqüente no
tratamento da história do Brasil, rechaçando a leitura mecanicista da história como sucessão universal dos
modos de produção, comum aos marxistas da época, que reproduziam na América Latina as teses da III
Internacional sobre os países coloniais, semicoloniais e dependentes. Assumiu a vice-presidência regional
da ANL em São Paulo e essa seria a função de maior destaque nos anos iniciais de sua militância no PCB.
Em de elegeu-se para deputado estadual, em São Paulo mas a curta duração de seu mandato adveio da perda
dos direitos políticos de todos os parlamentares comunistas, em decorrência da cassação do registro do
PCB. Ao lado de intensa militância política, manteve arguta produção intelectual Nos anos 1940 publicou
Formação do Brasil contemporâneo no qual se buscava a compreensão histórica da incapacidade brasileira
de superar o seu passado colonial. Em 1945, publicou História econômica do Brasil onde procurou resumir
as características da colonização brasileira, assinalando em sua base a existência de um tripé alicerçado no
latifúndio, na monocultura e na escravidão. Em 1966, publicou o seu livro mais polêmico: A revolução
brasileira, que abordaremos mais adiante. (MONTALVÃO, s/ data).
80
Militante político do PCB, jornalista, escritor e treinador de futebol brasileiro no Botafogo no Rio de
Janeiro. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro na década de 1930, engajou-se em muitas campanhas do
partido e tornou-se uma figura de destaque no "Partidão". Tornou-se secretário-geral da União da Juventude
Comunista, chegando a ser mantido preso e fichado no DOPS em 1947. Tinha popularidade como treinador,
e não deixou de atacar a ditadura de 1964, principalmente após a ascensão do general Emílio Garrastazu
Médici ao poder e endurecimento da repressão a integrantes do Partido Comunista.“No fim de 1969, o
assassinato de Carlos Marighella, um amigo de longa data, despertou de vez a ira do treinador da seleção.
Ele montou um dossiê, em que citava mais de 3.000 presos políticos e centenas de mortos e torturados pela
ditadura brasileira, e o distribuiu a autoridades internacionais em sua passagem pelo México na ocasião do
sorteio dos grupos da Copa, em janeiro de 1970”. (PIRES, 2017) Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/01/deportes/1498862110_086687.html
81
União de repúblicas soviéticas subnacionais governada pelo regime unipartidário centralizado no
comando do Partido Comunista. Sua capital era a cidade de Moscou foi um Estado e existiu entre 1922 e
1991.
73
82
Com a Revolução de 1930 é constituído e empossado o Governo Provisório. Com a promulgação da
Constituição de 1934 a Assembleia Constituinte elege Getúlio Vargas, até então no exercício provisório do
poder como chefe da Revolução de 1930, para presidente constitucional do Brasil, com mandato de quatro
anos. A partir de 1935 um contexto de sucessivas concessões do Congresso ao Executivo, de julgamento
do Tribunal de Segurança, de inquietação militar e de conflitos de rua inéditos no país entre comunistas e
integralistas (tiroteio no centro de São Paulo, 13 mortos na cidade fluminense de Campos) que se abriram
no início de 1937 as articulações políticas que levarem ao golpe de Getúlio. O chamado Estado Novo, foi
o período ditatorial comandado por Vargas, que teve início com o golpe de estado de 10 de novembro de
1937 e se estendeu até a deposição em 29 de outubro de 1945.Tinha em comum com o fascismo a mesma
crítica à democracia parlamentar, à pluralidade de partidos e à representação autônoma de interesses, assim
como tinha em comum com ele a mesma valorização do “Estado forte”, tutor da sociedade civil. Contudo
diferia do fascismo europeu no plano das práticas políticas concretas, como, por exemplo, na inexistência
de partido único, na ausência de intensa mobilização política de massas e na não-uniformização da elite
dirigente. (MARTINS, s/data).
83
Getúlio Vargas foi advogado, militar e político brasileiro, líder da Revolução de 1930. Foi presidente do
Brasil em dois períodos. O primeiro período foi de 15 anos ininterruptos, de 1930 até 1945, e dividiu-se em
3 fases: de 1930 a 1934, como chefe do "Governo Provisório"; de 1934 até 1937 como presidente da
república do Governo Constitucional e de 1937 a 1945, como ditador durante o Estado Novo após um golpe
de Estado. No segundo período, em que foi eleito por voto direto na legendo o PTB, Getúlio governou o
Brasil como presidente da república, por 3 anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954,
quando se suicidou. Conhecido por seus simpatizantes de "pai dos pobres", pela legislação trabalhista e
políticas sociais adotadas sob seus governos, sua doutrina e seu estilo político foram denominados de
"getulismo" ou "varguismo". Cometeu suicídio no ano de 1954, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de
Janeiro, então capital federal. (BRANDI, s/ data).
84
Empossado em janeiro de 1946, Dutra aproximou-se dos setores conservadores, incluindo aqueles
representados pela UDN, através do chamado Acordo Interpartidário, o que acarretou a marginalização de
Vargas e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que acabaram por romper com o presidente. Em 1947,
apesar da abertura democrática em desenvolvimento, mantinha-se um grupo reacionário e conservador,
formado por vários militares e políticos fascistas que desde a década de 1930 participavam do grupo
governante. Os comunistas, que haviam obtido resultados eleitorais expressivos nas eleições de 1945 e
1947, foram vítimas de uma ferrenha perseguição por parte do governo, que assim se integrava no contexto
internacional da Guerra Fria, e tiveram sua atuação política legal novamente proibida. (FGV, 2001).
74
85
Foi Médico, oficial da Polícia Militar e político brasileiro, ocupando a Presidência da República entre
1956 e 1961. Em uma aliança formada por seis partidos, seu companheiro de chapa foi João Goulart. Na
presidência, foi o responsável pela construção de uma nova capital federal, Brasília, executando assim um
antigo projeto para promover o desenvolvimento do interior e a integração do país. O país viveu um período
de notável desenvolvimento econômico e relativa estabilidade política. No entanto, houve também um
significativo aumento da dívida pública interna, da dívida externa, e, segundo alguns críticos, seu mandato
terminou com crescimento da inflação, aumento da concentração de renda e arrocho salarial. Com o golpe
militar de 1964, foi acusado pelos militares de corrupção e de ser apoiado pelos comunistas e como
consequência teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos. A partir de então passou a
percorrer cidades dos Estados Unidos e da Europa, em um exílio voluntário. Em março de 1967, voltou
definitivamente ao Brasil e uniu-se a Carlos Lacerda e Goulart na articulação da Frente Ampla, em oposição
à ditadura militar, que foi extinta pelos militares um ano depois, levando JK à prisão por um curto período.
Em 22 de agosto de 1976, morreu em um acidente automobilístico (PANTOJA, s/ data).
75
86
Após a morte de Stálin (líder da URSS) em 1953, ocorre em 1956 o XX Congresso do PCUS, onde Nikita
Kruschev, secretariado-geral do partido e comandante do governo soviético, pronunciou o discurso secreto
em que denunciava crimes de Stálin durante as três décadas em que esteve à frente do poder na União
Soviética (DANTAS,2017). O acontecimento atingiu os partidos comunistas pelo mundo implicando em
uma série de críticas, revisões e o desligamento de militantes e dirigentes.
76
87
De acordo com Sales (2007) a gota d´água para a cisão aconteceu no ano seguinte, quando a direção do
PCB modificou os estatutos do partido alegando a necessidade de viabilizar a legalização da legenda ao
Tribunal Superior Eleitoral. O grupo oposicionista redige a “Carta dos cem”, um abaixo assinado ao Comitê
Central, reclamando que este havia retirado as referências ao marxismo-leninismo de seu programa, criando
assim um partido que nada tinha de revolucionário. Os militantes que assinaram foram expulsou e formaram
o PC do B. Pertenciam a esse grupo antigos dirigentes: João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar,
Diógenes Arruda Câmara, Sérgio Holmos, Carlos Daniellli entre outros.
77
88
Formado em direito, foi lançado a candidato a deputado estadual e eleito senador em 1947. Em 1951
assume a Secretaria do Interior e Justiça. Em 1953 é nomeado para Ministério do Trabalho. Em 1956 foi
empossada a chapa vencedora do pleito presidencial, com Jango na vice-presidência da República e a
presidência do Senado. O período é marcado por crises políticas com o então Presidente, Jânio Quadros.
Em 1961 o Congresso aprova Emenda Constitucional que instalou o parlamentarismo, limitando os poderes
presidenciais e Goulart empossado na presidência da República em 1961. Ao assumir o cargo, ampliar a
base política do novo governo, buscando o apoio do centro sem abrir mão da sua relação com setores de
esquerda, de maneira a realizar uma política de conciliação marcada pelo diálogo com os diversos partidos
representados no Congresso. Em 1º. de abril, com o golpe militar, Jango viajou para o Rio Grande do Sul
com o objetivo de organizar a resistência e defender o poder legal. Faleceu em 1976, em sua fazenda La
Villa, no município argentino de Mercedes, sem ter conseguido regressar ao Brasil (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, 2001).
78
Como apontado anteriormente nesse capítulo, até este período podemos observar
o quanto a Estratégia Nacional Democrática (EDN), ou seja, a ideia de criação de
condições necessárias para a revolução socialista através de etapas preparatórias que
incluem a composição de alianças pluriclassistas, a realização de uma revolução burguesa
e a manutenção do processo democrático, marca profundamente o modo de fazer política
do PCB, mesmo quando este esteve em períodos de ilegalidade. Para Dantas (2017)
embora contivesse elementos de originalidade, a EDN representava uma transposição de
modelos prontos e acabados que visualizavam na formação social do país, um passado
próximo ao europeu vislumbrando um caminho clássico para o Brasil, tanto para a
revolução burguesa quanto para a transição socialista.
Contudo, a partir da crise política e da forte repressão sofrida pelos movimentos
de esquerda após o golpe militar de 1964, essa estratégia passa a ser amplamente criticada
e nos documentos elaborados pelo partido após o VI Congresso, torna-se evidente na fala
de alguns dirigentes e membros a necessidade de revisão da estratégia e a produção de
alternativas mais consistentes com a realidade da nova conjuntura que se apresentava
(PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980). De acordo com Martins (1970 apud
STOTZ, 2019), o PCB se caracterizou pela estratégia de subordinação dos interesses da
classe operária aos da burguesia, entendida pelo partido como antagônica ao imperialismo
e ao latifúndio. Essa subordinação teria se mantido inclusive quando a burguesia
abandona as suas aspirações reformistas e apoia abertamente o golpe militar de 1964,
desencadeando uma crise ideológica e política no seio do Partido com a perda de
influência junto às classes trabalhadoras e cisões que conduziram muitos membros para
luta armada.
No início dos anos 1970 muitos membros do partido se aliam às organizações da
chamada “esquerda armada” ou esquerda revolucionária. Uma delas é a Ação Libertadora
Nacional (ALN), que nasce em 1968 como principal dissidência do PCB, tendo como
coordenadores importantes quadros expulsos do Partido, como Carlos Marighela 90. A
90
Engenheiro civil, baiano, ingressa no PCB no início da década de 1930, ainda estudante. Tornou-se um
dos principais articuladores do partido no estado até ser convocado pela direção nacional em 1936 para
80
atuar no Rio de Janeiro. Foi preso e torturado por diversas vezes durante o período da Era Vargas. Foi eleito
deputado à ANC em 1945 pelo estado da Bahia, tornando-se um dos 14 membros da bancada comunista na
Assembleia. Foi segundo suplente de secretário da mesa diretora dos trabalhos, iniciados em fevereiro de
1946. Ainda em 1947, foi o primeiro diretor da revista Problemas, órgão teórico do comitê central do PCB.
Atuando novamente na clandestinidade, Marighella instalou-se em São Paulo, tornando-se, até 1952, o
dirigente máximo do partido na capital paulista. No entanto, o golpe de março de 1964 foi, para Marighella,
a confirmação de sua descrença no caminho pacífico para o socialismo. Segundo ele, a ausência de uma
preparação para enfrentar pelas armas as forças conservadoras havia sido o grande erro cometido até então.
Em 1966, tornava pública sua disposição de “lutar revolucionariamente, junto com as massas” e fora
expulso do partido. Em 1968, é criada a Ação Libertadora Nacional (ALN), que deflagrou a guerrilha
urbana através de uma série de assaltos a bancos para conseguir fundos. Marighella foi morto por uma
equipe policial em novembro de 1969 em São Paulo (MALIN, s/ data).
91
Nessa época, outras organizações também adotaram a luta armada: a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), resultante da união de militares, antigos adeptos de Leonel Brizola, com grupos estudantis e
intelectuais provenientes da organização trotskista Política Operária (Polop) (RIDENTI, 2007)
92
Mário Alves, jornalista e intelectual em oposição ao posicionamento de Luís Carlos Prestes no Comitê
Central do PCB forma junto à Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender- militantes importantes do quadro
do PCB- a chamada Corrente Revolucionária, com força no Rio e no Nordeste, a partir de 1968, no Rio de
Janeiro. A proposta geral do PCBR consistia na constituição de um novo partido marxista que reformulasse
a linha tradicional do PCB. Sua estratégia consistia na defesa da guerrilha rural e trabalho de massas nas
cidades, ocupando-se de operações armadas urbanas, essencialmente voltadas para a propaganda
revolucionária (RIDENTI, 2007)
93
O MR-8 resultou de uma cisão de universitários com o PCB a partir de 1967 e atuou em várias ações do
movimento estudantil e do início da luta armada, em 1968. Desarticulado pela ação do exército brasileiro
no início de 1969, seus sobreviventes ainda em liberdade juntaram-se aos integrantes da Dissidência
Comunista da Guanabara (DI-GB), atuante desde 1966 nas manifestações políticas sob a liderança de
Vladimir Palmeira, e juntas, reconstituíram um "novo" MR-8. Atuando como um grupo de guerrilha urbana,
tornou-se nacional e internacionalmente conhecida com o sequestro do embaixador norte-americano no
Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, realizado em conjunto com a Ação Libertadora
Nacional (ALN), de São Paulo. A ação foi realizada, em princípio, para libertar o líder estudantil Vladimir
Palmeira, preso desde o ano anterior. A maioria dos militantes se exilou no Chile em 1972, sendo o grupo
reestruturado posteriormente com outras orientações. A atuação política foi priorizada e o MR8 foi abrigado
no MDB (CAMURÇA e AARÃO REIS, 2007).
94
O AI-5, autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e sem apreciação judicial a:
“decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos
parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de
bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus” (D'ARAUJO, s/ data).
81
de 1978, produziu uma série de ações arbitrárias marcando o momento mais duro do
regime e dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que
fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Entre os anos de 1973 e 1975, um
terço do Comitê Central do PCB foi assassinado pela repressão, muitos militantes foram
submetidos à tortura ou à morte e outros exilados no exterior. A mesma violência e
repressão foi empregada nas organizações e membros dissidentes do partido integrantes
da “esquerda revolucionária” (SILVA, 2005; COMITÊ PCB, s/ data). Diante deste
cenário, portanto, estas organizações da luta armada se vêm enfraquecidas e isoladas no
combate e, embora tenham desenvolvido sua identidade se contrapondo às ideias
difundidas pelo PCB, iniciam um processo de revisão do seu posicionamento e uma
inflexão política para um enfrentamento possível com o regime (SILVA, 2005).
Como veremos com mais detalhe no capítulo subsequente, o ano de 1974
representou um primeiro passo a uma retomada da vida política no país com a abertura
gradual e lenta imposta pelo governo de Ernesto Geisel. Desde a reforma partidária
imposta pelo Ato Institucional nº 2 de 1965, que dissolveu todos os partidos e implantou
um sistema bipartidário, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) desempenhava o
papel de oposição na legalidade, mas sofria influência de partidos de esquerda como o
PCB e PC do B. As eleições de 1974 marcaram um avanço da oposição representada pela
MDB no Senado e na Câmara dos Deputados (REGO, 2008; SILVA, 2005).
O ano de 1978 reforçou ainda mais uma mudança de cenário, no sentido de um
enfraquecimento do regime militar, com a expressiva vitória de parlamentares da
oposição, o avanço do movimento pela Anistia, o fim do AI-5 e o crescimento de um
movimento sindical potente representando os setores mais modernos da indústria
brasileira, conhecido como “novo sindicalismo” 95. Nesse contexto, no entanto, a postura
do PCB foi de cautela frente aos avanços, pois, no seu entendimento, apesar das
concessões o regime não havia perdido o seu caráter fascista. Na “Resolução política de
maio de 1979” o Partido propunha a criação de um bloco parlamentar de oposição, a
anistia ampla e irrestrita, a unidade do movimento sindicalista e a convocação da
Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Entretanto, no quesito reforma partidária,
95
Movimento sindical nascido com as greves de 1978 no ABC paulista. Os trabalhadores impulsionaram
a luta pela redemocratização não somente por meio de greves: iriam criar seu próprio partido, o PT, em
1980, e a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em 1983. Articulado com outros movimentos sociais,
o Novo Sindicalismo levaria a pauta dos trabalhadores às ruas e à Assembleia Constituinte (1987-1988),
conferindo nova qualidade à luta política na transição da ditadura para o regime democrático (SECCO,
2011).
82
96
A organização do PT inicia-se em 1979 e sua fundação é datada em 10 de fevereiro de 1980. Logo, se
tornou uma agremiação hegemônica no campo das esquerdas (SILVA, 2005). Fruto do encontro entre o
“novo sindicalismo”, setores progressistas da Igreja Católica (integrantes das comunidades eclesiais de base
– CEB’s), grupos oriundos da “esquerda revolucionária” e dos movimentos sociais.
84
97
Cursou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (USP) em 1941. Em
1943, bacharelou-se em ciências sociais, completando a licenciatura no ano seguinte. Sua trajetória
intelectual foi profundamente marcado pelo contexto de transformações sociais, econômicas e políticas
desencadeadas a partir dos anos 1940-1950, quando a urbanização, a industrialização e as migrações
internas resultaram na emergência de novos atores e na reestruturação das hierarquias. Em 1943, durante a
ditadura do Estado Novo, se aproxima do Partido Socialista Revolucionário (PSR), no qual passou a exercer
uma militância em prol do socialismo. Em 1944 e 1945 freqüentou o curso de pós-graduação em sociologia
e antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) de São Paulo, e a partir de 1945 atuou como
pesquisador e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Obteve título de mestre em
ciências socias em 1947 e de doutor em 1951 em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP trabalhos que investigaram a sociedade Tupinambá. Envolvido no Programa de Pesquisa sobre
Relações Raciais no Brasil, desenvolveu pesquisa que desmentiu a tese sobre a inexistência de preconceito
e discriminação em nosso país, inaugurando uma nova fase do estudo do negro. Em 1955, a publicação de
Negros e brancos em São Paulo, contesta o mito de que vigorava no Brasil uma democracia racial. Em
1964, com a tese A integração do negro na sociedade de classes, Florestan questionou a modernização,
acoplada à constituição do capitalismo moderno no Brasil, e a democratização, demonstrando como a
desigualdade de acesso dos negros e mulatos ao mercado de trabalho constitui obstáculo à realização de
uma sociedade democrática no Brasil. Formulou uma noção chave, a ordem social competitiva, em
contraposição à ordem social aquisitiva, própria da civilização burguesa, que envolve ética racional e
igualdade legal-formal como parâmetros das disputas. A partir do golpe militar utilizou os instrumentos da
sociologia para denunciar e lutar contra o regime militar, realizando palestras em diferentes estados do país
sempre em defesa da democratização da sociedade. Florestan atuou como professor visitante na
Universidade de Colúmbia. Posteriormente, lecionou na Universidade de Toronto, até 1972 durante o exílio
(XAVIER, s/ data).
86
nação sob a direção dos trabalhadores, mas ainda dentro da ordem burguesa, para
Florestan o Estado apenas faria sentido fora da ordem burguesa e não capturado pelos
interesses imperialistas e de suas burguesias locais (DANTAS, 2017).
Outro autor que se destaca na elaboração de críticas ao modelo da EDN é o
cientista político Carlos Nelson Coutinho98. Como veremos mais adiante nesse estudo,
muito de sua análise crítica e de suas propostas estratégicas para o PCB irão influenciar
o pensamento da esquerda brasileira da década de 1970 em diante. Em “Democracia
como um valor universal” (1979) ele identifica problemas na formulação da EDN e
igualmente propõe alternativas que viabilizassem uma transição para a sociedade
socialista. Ao tecer críticas ao caráter etapista da EDN, elabora uma proposta de transição
a partir de um novo socialismo, buscando, assim, superar o totalitarismo das experiências
do socialismo real, a ditadura empresarial-militar no Brasil e a estratégia fracassada de
seu partido (DANTAS, 2017; COUTINHO, 1979).
Como o nome da obra sugere, a democracia se tornaria ponto essencial da nova
estratégia, sendo algo indissociável ao socialismo. Essa afirmação por si só já refutaria a
ideia de socialismo que vigorava na União Soviética e no Leste Europeu, pois, no
pensamento difundido por Carlos Nelson Coutinho, “uma vez que democracia e
socialismo eram considerados indissociáveis, apenas uma democracia de massas poderia
fornecer a base de luta pela democracia que, nesses termos, já seria a própria luta pelo
socialismo” (DANTAS, p.116, 2017).
Carlos Nelson Coutinho inspirava-se na vertente do eurocomunismo, corrente
difundida pelo Partido Comunista Italiano (PCI) através das ideias de Grasmci 99 cujo
princípio era a “mudança na continuidade” com a chegada do socialismo ao poder através
da disputa pela direção ético-política da sociedade (VAIA, 2013). Outro expoente do
partido italiano com grande influência para esta vertente no PCB foi Giovanni
98
Carlos Nelson Coutinho foi um intelectual marxista brasileiro, que articulou reflexão teórica com a
prática militante. Dedicou-se à crítica cultural nos anos 1960 e 1970 e teve papel destacado na divulgação
das obras de Lukács e Gramsci no Brasil. Graduou-se em Filosofia na Universidade Federal da Bahia em
1965 e foi militante do PCB desde jovem. Devido à ditadura nos anos 1970, exilou-se em Bolonha (Itália)
onde recebeu forte influência político-teórica PCI. Posteriormente morou em Paris, na França. Foi um
importante militante dentro do PCB que encabeçou a proposta de renovação no comunismo brasileiro, a
partir da questão democrática. Nos anos 1980, aproxima-se de outros partidos de esquerda como o novo
Partido Socialista Brasileiro e posteriormente do recém criado Partido dos Trabalhadores (PT). Migra em
2004 para o o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com dissidentes do PT (NETTO, 2012).
99
Antonio Gramsci, nascido em 1891 na ilha de Sardenha, foi um dos fundadores do Partido Comunista
Italiano, em 1921. Em 1926 foi preso pelo regime fascista italiano e escreveu “Cadernos do Cárcere”. Foi
libertado apenas em 1934, antes de morrer aos 46 anos (VAIA, 2013).
87
Berlinguer 100, médico, professor e deputado do PCI na década de 1970. Teve um papel
de liderança no processo da Reforma Sanitária italiana e, como veremos nos próximos
capítulos, se aproximou fortemente do Movimento da Reforma Sanitária brasileira que se
esboçara em meados dos anos 1970. Sua produção acadêmica esteve voltada para a luta
política, sobretudo às condições de saúde dos trabalhadores e à questão da desigualdade
sanitária (FLEURY, 2015). Dentre os partidos comunistas o PCI era conhecido por alguns
integrantes do partido brasileiro como aquele que possuía a visão mais aberta das questões
colocadas pelo movimento comunista internacional (SILVA, 2005).
Portanto, em sua proposta a democracia possuiria um valor estratégico e não
meramente tático. Sendo assim, não apostava na luta imediata pelo socialismo, “mas sim
com um combate árduo e provavelmente longo pela criação dos pressupostos políticos,
econômicos e ideológicos que tornarão possível o estabelecimento e a consolidação do
socialismo em nosso País” (COUTINHO, 1979, p.35).
Para o autor, a condução da política brasileira havia sido conformada pelo alto,
numa espécie de via prussiana 101, pelas classes dominantes e dirigentes. Esse
reconhecimento vai ao encontro do conceito de “revolução passiva 102” trazido por
Gramsci. Nela os processos de transformação ocorrem através de uma conciliação entre
as frações modernas e atrasadas das classes dominantes, em uma tentativa de excluir as
camadas populares de uma participação mais ampla. As revoluções passivas provocariam
mudanças na organização social, mas conservariam elementos da velha ordem, resultando
em um Estado caracterizado por “ditaduras sem hegemonia” (COUTINHO, 2006).
Em geral, todos os Estados que resultam de revoluções passivas
– era um Estado no qual a supremacia da classe no poder se dava
por meio da dominação (ou da ditadura) e não da direção político-
ideológica (ou da hegemonia). Recordo brevemente que, para
Gramsci, hegemonia é um modo de obter o consenso ativo dos
governados para uma proposta abrangente formulada pelos
governantes. Ao contrário, o que caracteriza aquilo que Gramsci
chamou de ‘ditadura sem hegemonia’ é o fato de que, nesse tipo
de Estado, existe certamente uma classe dominante, que controla
100
Médico italiano, professor de Medicina Social na Universitá La Sapienza em Roma, militante e
deputado do PCI na década de 1970.
101
O conceito de ‘via prussiana’, elaborado por Lenin- revolucionário russo- busca conceituar processos
de modernização que ele chamou de ‘não clássicos’, ao comparar o caso da Prússia com os casos ‘clássicos’
dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França. Partindo sobretudo do modo pelo qual o capitalismo resolveu
(ou não resolveu) a questão agrária, Lenin chamou de ‘via prussiana’ um tipo de transição ao capitalismo
que conserva elementos da velha ordem e, nessa medida, tem como pressuposto e como resultado um
grande fortalecimento do poder do Estado (COUTINHO, 2006).
102
Gramsci formula o conceito de ‘revolução passiva’ tomando como base a análise do processo de
unificação nacional italiano do século passado, conhecido como Risorgimento – mas generalizando o
conceito também para outros eventos históricos, como, por exemplo, o fascismo (COUTINHO, 2006).
88
103
Como sinalizado nas notas de rodapé dos respectivos autores, é importante destacar que, embora tenha
se aproximado das ideias socialistas Florestan Fernandes atuava como intelectual independente e não como
militante de partidos. Já Caio Prado Jr. e Carlos Nelson Coutinho, foram intelectuais e ao mesmo tempo
dirigentes/militantes atuantes no PCB, porém em épocas distintas.
91
de revolução para uma sociedade socialista se daria por um processo longo, gradual,
cumulativo e na aposta na luta institucional ainda sob as regras do jogo da burguesia. De
acordo com este autor, como se confirmou posteriormente, essa proposta ajudou a
dissolver uma série de tensões no interior do recém-nascido partido, silenciou os críticos
da institucionalização e distanciou o debate estratégico e revolucionário do cotidiano da
luta.
A breve exposição da história do PCB e sua principal estratégia política, seguida
pela apresentação da proposta alternativa que se desenvolve a partir do período de
ditadura militar no campo da esquerda nos ajuda a sedimentar, portanto, o terreno sob o
qual o Movimento da Reforma Sanitária irá construir os seus alicerces, tanto teóricos
quanto práticos e estratégicos. Levaremos como pista para a leitura dos próximos
capítulos que esse Movimento, por nascer de forma tão engendrada ao campo político da
esquerda brasileira, irá acompanhar os caminhos (e, inevitavelmente, os descaminhos)
percorridos e também as mudanças estratégicas desdobradas pelos acontecimentos
históricos no país e pelo próprio entendimento sobre o papel da esquerda brasileira como
agente de transformação social.
93
104
Segundo Possas (1988), a conquista da Reforma Sanitária italiana se deu pela aprovação da Lei nº 833
de 1978 que garantiu a sua instituição no país, mas também pela intensa mobilização popular e dos
trabalhadores pelo PCI na década anterior.
94
105
No Brasil, participou de diversos encontros como os do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)
e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e participou do processo de construção da Reforma
Sanitária brasileira. Sua produção acadêmica esteve associada à luta política, e as condições de saúde dos
trabalhadores e as desigualdades sanitárias entre os bairros de Roma (FLEURY, 2015).
95
106
Apêndice 2.
96
107
A Medicina Preventiva tem sua origem na década de 1920 com a introdução dos DMPs nas Escolas
Médicas dos Estados Unidos da América (EUA) e Canadá (TEIXEIRA et al, 1988).
108
A Medicina Comunitária surge através das experiências de sistemas de saúde desenvolvidas em países
africanos, como parte da estratégia de expansão capitalista dos países colonizadores e torna-se a base
técnica de uma Medicina simplificada utilizada nos EUA através de órgãos governamentais e universidades
como políticas sociais de combate à pobreza nos anos 1960 (TEIXEIRA et al, 1988).
109
Maria Cecília Ferro Donnangelo cursou Pedagogia, que concluiu em 1962. Exerceu o magistério
secundário (Psicologia e Sociologia) em Escola Normal; e ingressou, em 1969, no Departamento de
Medicina Preventiva/FM/USP, onde permaneceu até a sua morte em 1983. Defendeu o doutorado em 1973
e a livre–docência em 1976. Destacam-se suas duas teses, onde propõe o estudo das práticas médicas, na
primeira, e a reflexão ampliada sobre a saúde, na segunda. Em “Medicina e sociedade” realiza um estudo
sobre a profissão médica como segmento do sistema social global e urbano industrial que se configurava
no Brasil a partir da segunda metade do século XX e, no caso específico de São Paulo, procurou identificar
as relações estabelecidas entre a profissão e a sociedade em questão. Em “Sociedade e Saúde” procurou
desenvolver um quadro teórico mais preciso sobre a medicina comunitária, que deveria ser entendida como:
projeto de organização da prática médica, para uma modalidade particular de articulação entre as diferentes
agências e instituições encarregadas das práticas de saúde, bem como com os grupos sociais aos quais as
práticas de saúde são destinadas.(NUNES, 2008).
97
dos sistemas de saúde e por não incorporar uma prática política que gerasse mudanças
necessárias.
Já a tese de Donnangelo (1975), apresenta uma crítica à Medicina comunitária,
que embora tenha angariado espaços importantes para experiências de participação
popular no setor saúde, expressaria ainda a prestação de serviços de saúde a categorias
excluídas de cuidado médico isolando-as como objeto de uma prática diferenciada. Foi
utilizada, portanto, como uma tentativa de atenuar tensões sociais e dentro de uma
racionalidade econômica de diminuição de custos dos sistemas de saúde.
Nesse sentido, vai se construindo um conhecimento alternativo 110, apoiando-se na
identidade do discurso da Medicina Social como base para a teoria do movimento da
Reforma Sanitária. De acordo com Escorel (1999)
Os contatos entre os ‘núcleos críticos’ levaram à constituição de
uma rede onde há uma difusão do pensamento, de práticas,
conceitos e estratégias. Essa rede e essa identidade do discurso
teceram a organicidade do movimento, que passou a ter
“condições concretas de existência em sua singularidade
(ESCOREL, 1999, p.187).
Lacaz (2011), Paim e cols. (2011) e Laurell (1995) acrescentam ainda que, na
concepção política e ideológica do movimento que vai sendo construído, a saúde é
defendida não apenas como uma questão biológica a ser resolvida pelos serviços médicos,
mas também como uma questão social e política a ser abordada no espaço público. Houve,
portanto, uma tentativa de ampliação do conceito de Saúde Pública que, segundo Jaime
Oliveira111 tinha a intenção não só de estender o campo:
(...) mas a ideia de que o trabalho nessa área não era
exclusivamente um trabalho técnico, que visava reorganizar
administrativa e tecnicamente o campo da Saúde Pública e as
instituições e sistemas de saúde. Mas a ideia que estava presente,
em maior ou em menor grau, em todo mundo dessa época é que
isso fazia parte de uma luta política mais ampla né? Aí essa
110
As teses de Arouca e de Donnangelo podem ser consideras teses inaugurais de um debate que vinha
ocorrendo no Brasil e também em diálogo com um debate internacional. Tambellini (2003), cita a
contribuição de Juan César Garcia, na época representante da Organização Pan-americana da Saúde, que
possibilitou o desenvolvimento de uma forma cientifica de ler, interpretar e propor objetos, métodos,
técnicas e filosofias que ultrapassavam o campo médico e da saúde e incluíam as ciências sociais e humanas.
A mesma autora, destaca que desde 1969 a 1973 ocorreram os Encontros dos Departamentos de Medicina
Preventiva, discutindo publicações cientificas que reafirmavam a falência do modelo Preventivista e
avançavam em ensaiar novas possibilidades críticas à esse pensamento, criando assim um grupos críticos a
essa disciplina, expondo suas fragilidades, incompletudes, deformações de seus conceitos e da construção
de objetos e métodos que tornavam obscuras as realidades que pretendiam dar conta. Neles as “causas”
estruturais atreladas as condições sociais passam a ser relevantes para o campo.
111
Apêndice 2.
98
112
É importante destacar que essa construção mais conceitual do termo Saúde Coletiva vai se desenvolver
a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com a criação da ABRASCO. No entanto, até esse
período o debate esteve em torno do conceito de Medicina Social latino-americano, o mesmo que contou
com a contribuição de Juan César Garcia.
99
essenciais como lugares estratégicos para driblar a repressão militar, que não identificava
o caráter político de suas discussões sobre temas como saúde comunitária. Em entrevista
Ziadir Coutinho113 (Entrevista realizada em 2019) descreve brevemente sobre os eventos
estudantis ocorridos na década de 1970 – no caso de sua experiência na cidade de Curitiba
no estado do Paraná – e como estes contribuíram para a discussão da Reforma.
(...) eu acabei coordenando, acho que no terceiro ano de
faculdade, para a minha quarta, o SESAC, Semana de Estudos de
Saúde Comunitária. Foi um movimento importante (...) Então de
repente estava eu liderando o encontro de quatrocentas pessoas
vindas de todo o Brasil, que eram pessoas estudantes, mas eram
pessoas ligadas no movimento, e era um movimento de esquerda.
E isso também acabou dentro da universidade agregando muitas
pessoas e fortalecendo um grupo dentro da universidade, porque
o pessoal das ciências sociais, o pessoal das exatas vieram ajudar
a gente a fazer o movimento (Entrevista realizada em 2019).
113
Apêndice 2.
114
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi criada em 1968 por um grupo de
cientistas e exerce um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência
e tecnologia, bem como na difusão e popularização da ciência no país (SOPHIA, 2012). Durante o período
de ditadura militar (1964-1984), foi um dos poucos locais onde era possível um debate crítico sobre a
situação política do país. O movimento Sanitário participou dos congressos por intermédio do CEBES e da
ABRASCO (VIERA-DA-SILVA, 2018, p. 114).
115
Dentre os seus fundadores estão: José Ruben, Sérgio Arouca, David Capistrano, José Augusto Cabral
de Melo, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho e Emerson Merhry (SOPHIA, 2012). Alguns desses
personagens serão melhor apresentados no próximo capítulo deste trabalho.
100
116
Apêndice 2.
117
O documento intitulado “A questão democrática na saúde” (CEBES, 1979) foi produzido pelo CEBES,
publicado na Revista Saúde em Debate e apresentado no I Simpósio de Saúde da Câmara dos Deputados
no ano de 1979.
101
núcleo na cidade de Campinas. No Rio Grande do Sul, o Centro nasce diretamente ligado
à história da medicina comunitária como uma antítese da medicina liberal. Já em Santa
Catarina, o CEBES buscou alianças com os setores populares e com a Igreja (Pastoral de
Saúde) publicando o Cadernos de Educação Popular e distribuindo cópias para reflexão
nas Comunidades Eclesiais de Base (DA ROS, 1991 apud ESCOREL, 1999). No Rio de
Janeiro, o CEBES ganha outro contorno, não tão diretamente ligado ao ensino médico,
mas à uma ideia de construção de uma consciência sanitária, com ênfase na organização
e na prática política.
Quando vem aqui para o Rio, já entram outras pessoas, como eu,
que já não estão tão ligadas ao ensino médico e começa a fazer
daquilo a ideia da ‘consciência sanitária’, da organização, da
prática política, da discussão (Entrevista realizada em 2017
cedida por Leandro Gonçalves e autorizada por Sônia Fleury).
A linha de orientação do trabalho dos núcleos teria por essência a função de buscar
unir as lutas desenvolvidas no setor saúde por melhores condições de saúde da população
e às lutas pela democratização geral da nação através da conquista das liberdades
democráticas (CEBES, 1978, apud SOPHIA, 2016). Durante os primeiros anos, eles
funcionavam, geralmente na casa dos próprios coordenadores, onde se organiza as
atividades de interesse do CEBES, divulgava-se o periódico e angariava-se sócios para a
entidade. Em 1978, existiam 26 núcleos regionais espalhados por 14 estados e o Distrito
Federal; e no início de 1980, 32 núcleos regionais estavam em funcionamento por todas
as regiões do País (SOPHIA, 2016).
Porém, as diferentes narrativas em torno da criação do CEBES é um ponto
importante a ser apresentado neste trabalho, pelo seu papel fundamental na disseminação
das ideias do Movimento da Reforma Sanitária no Brasil. Retomaremos e
aprofundaremos este ponto no capítulo a seguir quando analisaremos o centro de estudos
também como um aparelho de articulação entre o movimento da saúde e os partidos
políticos, fundamentalmente o PCB. Por hora, é importante destacar e já observar que, as
diferentes composições e direções que vão tomando os núcleos do CEBES ao longo do
país, traçaram estratégias de atuação, de ênfase e de articulação distintas, influenciadas
por múltiplos fatores, mas principalmente, pela atuação de determinados atores e pela
perpetuação de narrativas específicas acerca do movimento.
A ABRASCO é formalmente fundada em 1979, envolveu três encontros: um em
Salvador (1978), um em Ribeirão Preto (1978) e por fim, em Brasília. A expressão Saúde
102
Coletiva já vinha sendo usada em alguns DMPs, mas somente a partir da criação da
ABRASCO é que foi construída teoricamente como um conceito voltado para designar
um campo e um projeto de práticas e saberes (VIEIRA-DA-SILVA, 2018).
Dando continuidade a descrição das vertentes que compuseram o Movimento da
Reforma Sanitária segundo a narrativa apresentada por Escorel (1999), o Movimento dos
Médicos Residentes e de Renovação Médica (REME) parecem possuir uma atuação
política mais concreta, para além da construção de um saber teórico, já que estavam na
arena do mundo do trabalho.
Os movimentos médicos trouxeram para o conjunto do
movimento sanitário as relações de trabalho e as regras colocadas
na sociedade brasileira durante o regime militar para o controlar.
Esses movimentos caracterizaram uma nítida divisão de
pensamentos (e alianças) no interior da categoria médica, entre os
liberais, os empresários e os assalariados (ESCOREL, 1999,
p.70).
118
O PIASS surge no nordeste, como o primeiro programa de extensão de cobertura a nível federal,
abrangendo a região de jurisdição na - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) uma
autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, integrante do Sistema de Planejamento e de
Orçamento Federal, criada originalmente em 1959 (BRASIL, 2006).
119
Apêndice 2.
120
Por tratar-se de uma liderança no Movimento da Saúde e no PCB, a atuação deste ator se destacará ao
longo do próximo capítulo. Apêndice 2.
104
Para Sônia Fleury Teixeira (1988) a luta dos profissionais de saúde e pelos
movimentos de renovação médica nos seus respectivos sindicatos e conselhos se deu em
um segundo momento do Movimento.
A consciência sanitária aumentava ao incorporar aos
movimentos profissionais a perspectiva mais ampla referente à
política nacional de saúde. Entre o movimento médico, o
movimento sanitário de origem acadêmica e o movimento
popular pela saúde foram estabelecidas alianças históricas,
capazes de transcender os limites corporativos dos profissionais,
a cultura elitista dos cientistas e a ausência de uma visão mais
abrangente do movimento popular (TEIXEIRA, 1988, p. 96).
De acordo com a autora, foi necessário que o projeto saísse de uma crítica genérica
ao sistema de saúde e incorporasse os problemas colocados pelos movimentos
profissionais e populares, como as condições de trabalho dos profissionais ou a ausência
de alternativas para o saneamento ambiental das favelas e periferias, por exemplo.
Contudo, a autora admite que, embora o fortalecimento dos movimentos sociais iniciado
na redemocratização tenha propiciado um revigoramento dos movimentos sindical,
popular e sanitário, não foi possível aprofundar as relações orgânicas entre eles.
Escorel (1999), por sua vez, afirma que durante o período mais repressivo da
ditadura militar o movimento sanitário pôde representar “a voz” na saúde dos derrotados
e silenciados pelo regime, que segundo ela, eram as classes populares e seus
representantes. E continua:
121
Apêndice 2.
105
122
Apêndice 2.
106
123
Criado no contexto da crise da previdência com a intenção de buscar respostas que explicassem a crise
do setor, o CONASP em seu diagnóstico definiu um conjunto de problemas presentes no modelo de saúde
vigente, a saber: 1) serviços inadequados à realidade; 2) insuficiente integração dos diversos prestadores;
3) recursos financeiros insuficientes e cálculo imprevisto; 4) desprestígio dos serviços próprios; 4)
superprodução dos serviços contratados (BAPTISTA, 2007).
124
Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e atual presidente da Rede de Educação Popular
em Saúde.
108
lutas e reivindicações ao poder público, nas cidades, por melhorias nos serviços de saúde
e saneamento. As reivindicações do MOPS também iam na direção de um enfrentamento
da ditadura e da política de saúde vigente, mas não necessariamente havia uma proposta
de criação de um novo sistema de Saúde. A sua articulação sempre foi heterogênea,
rejeitando, assim, as tentativas de enquadrá-lo como um movimento unificado, com
decisões e políticas unitárias (VASCONCELLOS, 2018).
A articulação com o movimento sanitário era um ponto que apresentava algumas
tensões. Segundo Vasconcellos (2018), a discussão da estratégia política era muito
fechada no grupo de intelectuais e, embora muitos dos seus componentes tenham se
formado nas experiências comunitárias, alguns foram abandonando a ênfase nessa
relação. Houve, no entanto, uma busca de aproximação durante a organização da VIII
CNS, em 1986, onde se formou uma articulação entre agentes comunitários e o grupo de
intelectuais do Movimento da Reforma. Para o MOPS, essa foi uma oportunidade de
ocupar um espaço e contribuir com pontos importantes como o papel das experiências
autônomas, de fora do Estado e a eficácia de um trabalho em saúde integrado à população.
Ainda assim, Vasconcellos (2018) aponta que, na sua percepção, essa ainda era uma
relação um pouco instrumental, ou seja, “se procurava os movimentos quando se
precisava” (p.15). A própria compreensão sobre os movimentos sociais era um fator que
divergia entre o Movimento da Reforma e o Popular pois,
Muitos intelectuais da área da saúde têm uma visão de
movimento social a partir de um modelo mais europeu, de
movimentos organizados. Mas na saúde nunca foi isso: eram
movimentos fragmentados. No entanto, era uma fragmentação
que tinha uma potência geradora. Alguns deles achavam que ‘não
existia’ movimento social realmente atuante, então acabavam se
aproximando quando convinha (VASCONCELLOS, 2018, p.
15).
125
De acordo com Campos (1988), embora pareça heterogênea, a composição dessa comissão era
predominantemente formada por setores progressistas da burocracia governamental, caracterizando, assim,
as suas produções pelo pensamento oficial. Participavam da CNRS : nove representantes de ministérios do
governo federal; dois representantes das secretarias estaduais, um representante por todas as secretarias
municipais de saúde- um total de doze técnicos governamentais; dois representantes do poder legislativo;
três representantes dos trabalhadores - um da Central Única de Trabalhadores (CUT), Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) ; dois
representantes dos prestadores privados de serviços de saúde e três para o patronato. Os profissionais de
saúde estavam representados pelos médicos pela Federação Nacional de Médicos (FNM) e os usuários
uma vaga através da representação do Conselho Nacional das Associações de Moradores (CAMPOS,
1988).
110
O primeiro ponto que nos salta aos olhos se refere à perspectiva crítica que vai se
desenvolvendo nos DPMs, a partir da década de 1970, junto ao movimento de procura
por espaços de resistência pelos partidos de esquerda postos na clandestinidade, com
destaque para o PCB. Ao examinarmos o processo de gênese do Movimento da Reforma
Sanitária brasileira no capítulo anterior, vimos que a narrativa mais conhecida e “clássica”
sugere que este Movimento nasce através da crítica ao modelo preventivista de saúde se
desenvolvendo e se desdobrando em novos núcleos, centros de estudos até se capilarizar
através dos movimentos sociais e sociedade civil (ESCOREL, 1999; TEIXEIRA, 1988).
Contudo, os depoimentos analisados nos deram pistas de que muitas nuances do modus
operandi do PCB estavam presentes no momento de conformação desse pensamento
crítico e, principalmente, na forma de organização desses espaços.
De acordo com Eduardo Levcovitz126 (Entrevista realizada em 2017, cedida por
Leandro Gonçalves e autorizada por Eduardo Levcovitz), uma estratégia do PCB durante
o período da clandestinidade era estimular o movimento de médicos a fim de angariar
militantes para o partido. Assim como a Engenharia, a Medicina era percebida como uma
cadeira capaz de gerar uma importante base de apoio para o partido. Segundo o
entrevistado, no Direito, por exemplo, a predominância de partidos e movimentos de
direita era mais evidente.
126
Ver em Apêndice 2.
117
O partido [PCB] tinha essa coisa que Medicina era o lugar mais
importante. Inclusive, eu tinha a minha turma, nas outras turmas
também, gente que já tinha terminado Biologia, terminado essas
coisas [outras graduações] e o partido mandava voltar para fazer
Medicina de novo para poder fazer uma base muito potente.
(Depoimento de Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em
2017).
uma turma que era MR8127 e PCB e uma pequena turma que, na
época, era POLOP128. Eram MEP, POLOP e tal. E aí eu percebia
que tinha muito uma linha de legalidade, de atuação explícita, não
clandestina num espaço possível. Como não tinha Centro
Acadêmico, não tinha Diretório, tudo estava fechado, uma das
coisas formuladas dentro do grupo da Medicina foi construir um
Encontro que tinha o nome de Encontro Científico, mas juntava
bastante gente. Engraçado porque a tendência, os rachas eram tão
explícitos, que enquanto o PCB com certa aliança com o MR8 e
em outros estados com o PCdoB, levava a coisa do ECEM; o
pessoal da POLOP inventou a SESAC, a Semana de Saúde
Comunitária. O SESAC veio depois, veio uns três anos depois,
mas, assim, para não identificar, porque a proposta do ECEM era
a proposta de trazer todo estudante, independente de adesão
política e tal que era muito a linha do PCB (Depoimento de
Eduardo Levcovtiz em entrevista realizada em 2017).
No estado de São Paulo, o PCB possuía também forte presença nas Faculdades de
Medicina. Na Universidade de São Paulo (USP), a criação do curso de formação de em
Saúde Pública em 1976, marca o encontro de vários militantes de partidos de esquerda.
Além de militantes do PCB também havia os do PCdoB oriundos de diversos estados,
como Rio de Janeiro, Bahia, Brasília. Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019
faz um relato sobre esse curso:
Quando eu entro nesse curso e encontro as pessoas, a gente toma
um susto quando a gente começa a se apresentar. Porque dos
cinquenta, sem tirar nem pôr, quarenta eram militantes de
esquerda. E a gente não se conhecia. Quer dizer, eu conhecia
cinco, seis... E aí que eu vou conhecer os quadros do PCB que não
eram da minha frente (Entrevista realizada em 2019).
127
Citado no quinto capítulo deste estudo.
128
Fundado em 1961 em Jundiaí, São Paulo, a Organização Revolucionária Marxista- Política Operária
(ORM-POLOP) como uma dissidência revolucionária do PCB, de grupos como a Juventude Socialista da
Guanabara, Juventude Trabalhista de Minas Gerais, membros da Liga Socialista e do PSB. MEP
(Movimento de Emancipação do Proletariado), grupo voltado à luta armada originado das divisões do PCB
na década de 70 (MATTOS, 2007).
119
129
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB) são comunidades à Igreja Católica que, incentivadas pela
Teologia da Libertação nos anos 1970 e 1980 se multiplicaram no Brasil e na América Latina. São
comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial e de sua carência, sendo compostas
por membros insatisfeitos das classes populares e despossuídos, vinculadas a uma igreja ou a uma
comunidade com fortes vínculos, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida, com a realidade
política e social. São de base porque são integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos, ou
seja, das classes populares (FREI BETTO, 1981). De acordo com Secco (2011), as CEBs se constituíram a
segunda mais importante base social do PT na década de 1980, abaixo no movimento sindical apenas.
130
De acordo com Marques (2007) a história da organização dos trotskistas no Brasil se Inicia com a
expulsão de Mário Pedrosa - escritor, jornalista, crítico de arte e militante- e outros militantes do Partido
Comunista, em 1929. Em 1931, fundam a Liga Comunista Internacionalista (LCI), seção da Oposição de
Esquerda Internacional, centralizando suas atividades em São Paulo. Posteriormente, em 1936 é fundado o
Partido Operário Leninista (POL), que depois se torna Partido Socialista Revolucionário (PSR) como
resultado da aproximação da dissidência do Partido Comunista do Brasil. Em 1952 o PSR se afasta da IV
Internacional e se dissolve. Muitos militantes trotskistas e anarquista se articularam, posteriormente na
Organização Revolucionária Marxista-Política Operária/ORM-Polop, criada em 196, cujo objetivo era criar
120
um programa para um partido operário; recrutar jovens militantes operários para a organização; e influir
sobre o desenrolar da luta de classes no país (AARÃO REIS, 2007).
121
iniciativa privada (LACAZ, 2011). Esse grupo de articulação era composto por médicos
que trabalhavam no campo da saúde coletiva e pessoas que trabalhavam na militância
médica nos sindicatos e associações médicas, que foram se envolvendo de forma
crescente com o sindicato. Assim, segundo Jaime Oliveira (em entrevista realizada em
2017) nasce no sindicato médico um departamento médico-científico com as pessoas da
área de saúde coletiva, que impulsiona o movimento chamado: Renovação Médica
(REME).
O REME tem o seu início em São Paulo, como fruto de um processo de reunião
de forças da “esquerda médica”, com hegemonia do PCB, entre os anos de 1975 a 1977.
A sua criação possibilitou a conquista de sindicatos médicos em grandes estados
brasileiros como no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco,
Bahia, Espírito Santo, por meio da defesa de seus direitos como trabalhadores
assalariados e pela representação de militantes ou simpatizantes do “Partidão” na
presidência de sindicatos de São Paulo e Rio de Janeiro (LACAZ, 2011). De acordo com
Lacaz (2011) esse movimento não significou, no entanto, uma mudança ideológica no
corporativismo médico, mas possibilitou uma aproximação da categoria junto à luta dos
demais trabalhadores. Segue trecho:
Isto não quer dizer que, ideologicamente, os médicos
transformaram-se em proletários, considerando sua origem de
classe, mas sua situação de assalariados trouxe-os para perto das
lutas dos demais trabalhadores assalariados brasileiros, as quais
foram representadas pelas grandes greves do final dos anos 1970,
em que os Sindicatos Médicos tiveram um importante papel em
termos de solidariedade numa perspectiva de “aliança de classe”
e de apoio logístico. Ademais, esta marcante mudança no órgão
de representação médica alinhou os Sindicatos Médicos na
corrente que fortaleceu a luta pela Reforma Sanitária (LACAZ,
2011, [online]).
Por outro lado, uma tentativa de criação de uma frente intersindical no campo da
saúde foi a criação da Comissão Intersindical de Saúde e Trabalho (CISAT), em 1978,
composta por médicos, advogados, sociólogos, psicólogos e dirigentes sindicais. A I
Semana de Saúde do Trabalhador (SEMSAT) em 1979, organizada pela comissão, deu
origem ao Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes
de Trabalho (DIESAT)131, em 1980 (LACAZ, 2011). O CISAT contou com a participação
131
O DIESAT criou ainda a revista Trabalho & Saúde como instrumento de comunicação e divulgação de
suas propostas e ideologia.
122
132
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é uma sociedade cientifica que congrega
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Durante o período de ditadura militar (1964-1984), foi
um dos poucos locais onde era possível um debate crítico sobre a situação política do país. O movimento
Sanitário participou dos congressos por intermédio do CEBES e da ABRASCO (VIEIRA-DA-SILVA,
2018).
133
Ver em Apêndice 2.
124
De acordo com estudo elaborado por Sophia (2012), a proposta editorial inicial
da Revista Saúde em Debate, em parte, já se alinhava ao posicionamento do PCB, pois
centrava-se na apresentação de propostas que corroboravam com a luta pela conquista da
democracia de forma progressiva. Contudo, ao passo que a sua estrutura vai se
consolidando, mais evidente tornava-se a presença do partido, acirrando as disputas em
seu interior.
Eu não pactuava com a ideia de que o CEBES e a revista fossem
o instrumento do partido [PCB]. Eu achava que era um
instrumento de um movimento e o movimento era uma
134
Madel Luz cursou Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1962), mestrado em Sociologia
- Universite Catholique de Louvain (1969) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(1978). Em As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia (1979) analisa o poder
institucional médico e sua inserção nas conjunturas de 1960-1964 e de 1968-1974 em quatro etapas: (1)
análise das políticas de saúde; (2) condições de saúde da população; (3) imagem das instituições de saúde
nos jornais; e (4) prática médica na instituição (produção e reprodução do saber médico), mais
especificamente, o hospital universitário. A hipótese desse trabalho é que as instituições estatais de saúde
são portadoras de um discurso técnico-científico e praticam esse discurso-saber sob a forma de intervenção
maciça e organizada na vida de diversos setores da população, tornando-se, assim, agências políticas de
contenção e controle da doença coletiva (MARQUES et al, 2018).
135
Mais adiante será apresentado detalhadamente a biografia deste ator e a sua importância para o
Movimento da Reforma Sanitária brasileira e o PCB. Ver também em Apêndice 2.
125
136
Mais adiante teremos a oportunidade de averiguar de forma mais detalhada a estratégia e a vocalização
do discurso em torno do suprapartidarismo, que no caso do Movimento da Reforma Sanitária é ilustrado
pela ideia de “Partido Sanitário”.
126
137
David Capistrano, político e integrante da linha de frente da brigada do PCB na Guerra Civil Espanhola,
foi um importante ativista do Partido. Em 1974 e 1975, os órgãos de repressão policial-militar prenderam
e mataram dez dos vinte integrantes do Comitê Central do PCB, dentre eles, David Capistrano pai. No
mesmo ano de 1974 em que iniciara a residência médica, David filho presenciara o desaparecimento do pai
(SOPHIA, 2012).
138
Posteriormente David Capistrano participa da fundação do PT, filiando-se em 1986. Colaborou
ativamente com a elaboração do texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 198* e
prestou assessoria à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados na Constituinte. Torna-se Secretário da
Saúde no governo de Telma Souza em Santos- SP em 1988 pelo PT e secretário de Saúde de Bauru (gestão
Tidei de Lima/PMDB). Se elege prefeito de Santos em segundo turno em 1992, tomando posse em 1993
pelo PT. Após a gestão como prefeito, afasta-se da vida partidária, não possuindo filiação às tendências
internas do PT desde 1996 e não sendo reconduzido ao diretório nacional.
139
Em entrevista Eduardo Levcovitz aponta que a região do Vale da Ribeira, de fato, foi um polo de atuação
do PCB. Houve um concurso de sanitaristas onde muitos integrantes do partido escolheram ir para o Vale
da Ribeira, local de guerrilha no estado de São Paulo. O Vale do Ribeira era uma região mais pobre do
estado de São Paulo e onde as ações estavam muito mais ligadas à Faculdade de Saúde Pública (Entrevista
realizada em 2017, cedida por Leandro Gonçalves e autorizada Eduardo Levcovitz)
127
140
Berlinguer define consciência sanitária como a tomada de consciência da saúde. É um direito da pessoa
e um interesse da comunidade. Porém, como esse direito é sufocado e este interesse é descuidado, a
consciência sanitária é passa a ser a ação individual e coletiva para alcançar esse objetivo (FLEURY, 2015,
p. 3556).
141
Outra editora relevante foi a Editora GRAAL, do Rio, que publicou livros de medicina social antes da
Hucitec como: “’Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica” de,
128
havia uma “lenda” de que esta seria uma editora do Partidão, fundada com recursos do
partido, embora tivesse uma fachada pública. Um dos primeiros livros do CEBES foi o
‘Medicina e política’ em 1978, do Berlinguer, um livro considerado muito ousado
politicamente para a época.
O desenvolvimento do centro de estudos e da Revista Saúde em Debate
possibilitou a realização de debates ao longo do país e gerou o contato entre dirigentes e
estudantes, professores, intelectuais, culminando na formação de núcleos regionais do
CEBES. Além disso, a ampliação desses debates em novos núcleos regionais propiciava
a divulgação de atividades e de ações mais alinhadas a vertente eurocomunista do
“Partidão” por aqueles dirigentes que tinham uma dupla inserção: partido e CEBES. Um
dado curioso revelado nas narrativas analisadas é que, embora a perspectiva predominante
do CEBES e de sua produção fosse a vertente eurocomunista e que muitos atribuíssem a
David Capistrano a sua defesa, segundo Eduardo Levcovitz, o líder do PCB no centro de
estudos defendia, na realidade, um posicionamento mais voltado para a corrente stalinista
no interior do partido (Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em 2017). Essa seria
uma das particularidades de David Capistrano, ou seja, um grande articulador entre o
Movimento da Reforma e o PCB cuja forma de trabalhar era bastante autônoma, não
atuando somente como um porta-voz direto das decisões do PCB. De acordo com
Emerson Merhy, que trabalhou em conjunto com ele durante muitos anos, nunca houve
qualquer tipo de pressão para que os não militantes ou não filiados ao partido
ingressassem no “Partidão”.
David não era um porta-voz do PCB, não. David era muito
autônomo. Era uma inteligência incrível. (...) Nunca o David me
perguntou se eu queria entrar no PCB. Nunca. Nós trabalhamos
juntos muito tempo e nem eu o levei pro bairro que eu tava e nem
ele me convidou pra entrar no PCB. Mas a gente trabalhou anos
juntos. Isso é uma coisa interessante, mas que não é muito a
história do Rio de janeiro (Depoimento de Emerson Merhy, em
entrevista realizada em 2019).
George Rosen (1980); “As Instituições Médicas no Brasil” de Madel Luz (1979); e “Danação da Norma:
a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil.” de Roberto Machado (1978).
129
143
Dentre as suas experiencias destaca-se o convite na década de 1970 para trabalhar com o governo
sandinista da Nicarágua e auxiliar na condução de reforma no setor saúde do país. Na FIOCRUZ ocupou a
presidência da instituição de 1985 a abril de 1988, quando se exonerou para concorrer como vice-presidente
da República na chapa do PCB, com Roberto Freire. Foi também consultor da Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS), atuou em vários países, como México, Colômbia, Honduras, Costa Rica, Peru e Cuba.
131
uma importante liderança do processo organização da VIII CNS, evento que se tornaria
um marco para a construção do SUS. No período da redemocratização candidata-se à
Vice-presidência da República em 1988 pelo PCB na chapa de Roberto Freire144 e vai
conduzindo, assim, sua carreira para o campo político de forma mais direta 145,
candidatando-se e sendo eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro de 1991 a 1998 e
atuando como Secretário de Saúde do Município do Rio de Janeiro no ano de 2001.
Como militante do PCB, lutava pelo acesso universal à saúde e pelas reformas de
base, sempre atuando através do campo da saúde. Após a publicação de sua Tese na
UNICAMP passa a ser perseguido pela repressão e se muda para o Rio de Janeiro para
trabalhar na ENSP, vindo junto com um núcleo de pesquisadores e professores. Eduardo
Levcovitz em entrevista, descreve que este grupo era de cunho muito teórico e que sua
inserção na militância do “Partidão” se dava basicamente no ambiente universitário.
Os da ação estavam muito mais ligados à Faculdade de Saúde
Pública da USP. O pessoal do Arouca vem e, no início, vem muito
tímido dentro da Escola [ENSP]. Eles não chegaram cantando de
galo. A Escola era ainda dos sanitaristas estritos, dos
epidemiologistas (Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em
2017).
Segundo Sonia Fleury, a presença de Sérgio Arouca cria uma espécie de “base”
146
do “Partidão” no CEBES do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, vai tornando-se mais
claro que a proposta de desenvolvimento de uma base de apoio do partido via centro de
estudos não era incentivada pela direção do PCB, mas sim pelos militantes da saúde que
tinham essa dupla inserção. Para o partido a ênfase de atuação e de mobilização deveria
se dar nos sindicatos, instituições, universidades, etc.
144
Ver em Apêndice 3.
145
Em 1995, ajudou na criação do Partido Popular Socialista (PPS), uma dissidência do PCB. Foi eleito
Deputado Federal por oito anos: 1991 a 1994 (PCB) / 1995 a 1998 (PPS) e Secretário de Saúde do
Município do Rio de Janeiro no ano de 2001. Coordenou o programa de saúde de Ciro Gomes (PPS) na
eleição para Presidência da República em 2002 e participou da Secretaria de Gestão Participativa do
Ministério da Saúde em janeiro de 2003 e foi nomeado para a coordenação-geral da 12ª Conferência
Nacional de Saúde e para ser o representante do Brasil no Comitê Executivo da Organização Mundial de
Saúde (OMS).
146
De acordo com Eduardo Levcovitz em depoimento, a “base” do PCB no CEBES era muito volátil. Na
verdade, o partido denominava essa base como um Ativo onde militantes de várias bases se juntavam para
uma tarefa específica. No Ativo do CEBES participavam militantes que se originavam bases diatintas, como
da Fiocruz, da UERJ, do SINMED, do movimento de residentes, da Medicina e Cirurgia e do movimento
estudantil. Também se comportava de forma flexível, como por exemplo, em momentos de eleições do
SINMED e CRM onde ao militantes concentravam-se na base do REME.
132
Quando o CEBES veio para cá, já era o Arouca, que também era
uma liderança no partido e no CEBES. E, então, criou-se uma
base do CEBES [risos] no partido. Mas o partido mesmo nunca
engoliu muito bem a ideia de ter uma base como um centro de
estudos. As bases deviam ser sindicatos, instituições... tanto que,
na democratização, o partido resolve que tínhamos que acabar
com a base do CEBES, porque devíamos nos organizar por
sindicato, academia, etc (Depoimento de Sônia Fleury em
entrevista realizada em 2017).
147
Segundo Eduardo Levicovitz em depoimento essa disputa também se refletia entre os comitês estaduais
de São Paulo (predominantemente eurocomunista) e o do Rio de Janeiro (prestista).
133
148
Alguns quadros, no entanto, permaneceram no “Partidão” como Sérgio Arouca, por exemplo.
134
ganhando força no CEBES na medida que a intervenção mais direta do “Partidão” vai se
esvaziando. O CEBES, que é estrutura gramsciana de atuação partidária, ou seja, um
centro de estudos para disseminação de ideias, passa a ser um polo de grande articulação
e de atuação do Movimento da Reforma da Sanitária e, não à toa, observamos que as
narrativas em torno deste Movimento, a partir do final da década de 1970, centralizam-se
na produção deste centro de estudos. A ideia de socialização da política, de consciência
sanitária e a concepção de Estado ampliado, portanto, passam a ser temas centrais nas
produções do Movimento da saúde.
Por fim, a identificação de disputas de narrativas acerca das lideranças do PCB na
saúde nos ajuda a compreender que essas bases são criadas e desenvolvidas não sem
contradições e divergências quanto ao seu objetivo, alcance e caminhos a serem seguidos.
De acordo com os depoimentos, inferimos que David Capistrano apostava em uma
condução mais próxima dos movimentos sociais e de uma atuação nos centros de saúde,
embora colocasse a questão da formação médica como ponto crucial. Já Sérgio Arouca
seria um importante articulador da saúde capaz de introduzir o Movimento da Reforma
Sanitária no aparelho do Estado, entendendo-o como um campo privilegiado de luta e
de conquista de poder para alcançar as transformações sociais necessárias, mas sem abrir
mão da construção de uma consciência sanitária. Veja, são duas apostas influenciadas
pela vertente mais eurocomunista, mas com estratégias que vão divergindo ao longo do
tempo e se tornando distantes. Uma inclusive ganha mais notoriedade, enquanto a outra
vai sendo esquecida ou pouco repetida.
Um ponto que desde já deixaremos sinalizado, mas que desenvolveremos mais à
frente, é que as opções de construção de bases de apoio em Sindicatos Médicos, Escolas
de Medicina e centros de estudos como prioridade, nos parece uma aposta ainda de
perspectiva muito tradicionalista, marcante do período e do contexto no qual se insere o
nascimento do Movimento da Reforma Sanitária, onde o Médico ainda é encarado como
principal agente de transformação do campo da saúde. Como mostramos no capítulo que
descreve o Movimento da Reforma Sanitária, as investidas no sentido de uma organização
mais conjunta aos movimentos sociais e com os outros profissionais de saúde aparecem,
mas não ganham força ou são apagadas e silenciadas nos discursos mais vocalizados da
literatura da saúde coletiva. Da mesma forma, pudemos perceber que na criação de bases
de apoio do “Partidão” no campo da saúde essa também parece não ter sido a escolha
prioritária.
136
149
Os anéis burocráticos, de acordo com Cardoso (1993), “constituem um mecanismo pelo qual
implicitamente se define que a administração é supletiva aos interesses privatistas, e esses fluem em suas
relações com o Estado, através de teias de cumplicidade pessoais” (p. 99).
150
Ver em Apêndice 2.
151
Ver em Apêndice 2.
139
152
A Autorização de Internação Hospitalar (AIH) possibilitou a informatização do controle das internações
e o controle gerencial de pagamentos das contas hospitalares para o setor privado (BRASIL, 2006).
153
De acordo com Eduardo Levcovitz em depoimento, o “aparelhamento” do Estado foi a estratégia
assumida por todo o partido e amplo leque de aliados e simpatizantes.
140
de mais longo prazo e alcance, de transição para o socialismo. Assim, desde o início, foi
pensada como uma estratégia contra hegemônica adquirindo fundamental importância
para a noção de democratização do Estado e de consciência sanitária (OLIVEIRA, 1987).
No Brasil, embora o discurso sobre a escolha estratégica se assente sobre as
mesmas premissas, o movimento que reivindicava a Reforma Sanitária desenvolvia-se,
majoritariamente, "de dentro para fora", ou "de cima para baixo", através da atuação de
um conjunto de técnicos que tinham intenções progressistas e que passaram a ocupar os
postos e posições significativas no interior do aparelho do Estado na saúde. Portanto, a
transformações internas no aparelho do Estado sem uma efetiva problematização e
enfrentamento de mudanças estruturais exigidas à uma “quebra” do Estado não seria
apenas uma redução dos conceitos gramscianos de guerra de posição e da busca pela
democracia progressiva (OLIVEIRA, 1987).
Outros autores seguirão nesta mesma direção crítica à estratégia de Reforma
Sanitária brasileira devido a aposta na institucionalização de seus quadros. Amélia Cohn
(1989) é uma dentre estes autores, e também destaca a diferença existente entre a
experiência vivida na Itália daquela que se buscava consumar no Brasil. O entendimento
de que o Estado seria um espaço de disputa dos diferentes interesses políticos e projetos
institucionais, ou seja, um palco de luta, não levando em conta a tradição político-
clientelística presente no Estado brasileiro, seria o primeiro ponto de vulnerabilidade ao
alcance dos objetivos esperados, pois nessa relação prevaleceria a "lógica da barganha".
Um segundo ponto de crítica é que, para Cohn (1989), a condução pela via da
institucionalização havia sido uma indução de lideranças partidárias do PCB – mesmo
que não explicitamente – que enxergavam na experiência italiana um modelo a ser
seguido. Embora ambas propostas tenham logrado a incorporação das demandas sociais
pelo Estado, no caso italiano, apesar da forte participação do PCI, o movimento teve sua
origem nos trabalhadores que fortaleciam suas bases pari passu ao processo de ocupação
dos espaços institucionais. Na experiência brasileira, a ocupação dos espaços burocráticos
por técnicos do setor saúde foi ancorada na narrativa de uma base social ainda incipiente
e desarticulada, devido ao período de repressão ditatorial - narrativa esta controversa entre
os atores do próprio Movimento conforme apresentada em capítulo anterior. Nesse
sentido, as proposições de medidas e os projetos institucionais alternativos, tais como
PIASS e as propostas de reformulação da organização dos serviços - AIS e SUDS terão
origem a partir de um corpo técnico burocrático, revelando assim uma das fragilidades
do Movimento que é justamente o seu não enraizamento social (COHN, 1989).
141
154
Tal como elucidado no quinto capítulo deste estudo como um conceito basilar à estratégia da vertente
de “renovadores” do PCB.
155
A definição do número de delegados destinadas aos movimentos populares e à questão da
proporcionalidade de representantes, de fato, foi um nó crítico da VIII CNS. Foi realizada uma plenária
extraordinária para a discussão durante a Conferência. Ver a discussão e depoimentos de participantes da
VIII CNS sobre o tema em: https://www.youtube.com/watch?v=NlmS-mCSmeo&feature=youtu.be
142
156
O Congresso Nacional, eleito com base na popularidade lograda pelos efeitos imediatos do Plano
Cruzado, transformara-se em Constituinte. ‘’No interior dessa Constituinte Congressual predominava a
posição de centro-direita. (RADIS, 2008)
144
157
Como detalhado em tópico anterior a respeito da criação de bases do PCB no campo da saúde, as bases
eram de apoio foram estabelecidas por categorias profissionais. Na saúde essas bases se desenvolveram
predominantemente na categoria médica. Álvaro Nascimento é jornalista e participava da base de apoio
desta categoria profissional. Se aproxima do campo da saúde ao trabalhar na Fiocruz na década de 1980,
mais especificamente a partir do ano de 1986.
149
pelo Naomar [de Almeida Filho] 158, por mim, enfim, por um
conjunto de pessoas (JACOBINA, 2016, p. 106).
158
Ver em Apêndice 2.
159
O já referido texto “A questão democrática na saúde” (CEBES, 1979) foi uma delas.
151
160
Acordo entre a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e o governo brasileiro, que tinha como
meta a formação de qualidade e em 'em massa' de pessoal técnico e auxiliar, ambos de nível médio, e de
pessoal de nível elementar, para cobrir as necessidades dos serviços de saúde, que resultasse no
fortalecimento do recém-criado Sistema Nacional de Saúde (1975). A formação foi concebida de forma
descentralizada, envolvendo serviços de saúde, instituições formadoras e prestadoras de serviços. Visava à
formação na unidade de atenção à saúde e a integração entre a docência e a assistência à saúde (MOTT,
2008).
161
Em depoimento Eduardo Levcovitz acrescenta que no INAMPS deputados, governadores, secretários e
prefeitos iam em busca de recursos e foram desenvolvidas várias táticas de envolvimento destes com o
projeto AIS_SUDS-SUS.
162
Revista Radis da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) tem origem em 1982,
quando o Programa Radis, começou a editar Súmula, Tema e Dados. Em 1987, lançou Proposta - O jornal
da Reforma Sanitária. Em 2002, a fusão destas publicações resultou na revista Radis, que desde a sua
criação tem como missão informar a população para a luta por saúde de qualidade e por uma sociedade
mais democrática.
152
163
Ver em Apêndice 3.
164
Ver em Apêndice 3.
153
(em entrevista realizada em 2019), o processo de inclusão das ideias da Reforma Sanitária
na legislação como fruto de um intenso processo de negociações, articulações e pressão
política, por si só não seria o suficiente para o seu cumprimento, sendo necessária a
continuidade de mobilizações para o desenvolvimento e consolidação do SUS.
Eram pessoas vinculadas a partidos que tinham um objetivo muito
claro. Fazer que o ideário da Reforma Sanitária se incorporasse
de alguma forma aos programas dos partidos. Mas
fundamentalmente, na produção de leis. Leis orgânicas
municipais, estaduais e na Constituinte. Era uma coisa que a gente
possa chamar talvez de utilitarista. Tipo assim, “Vamos garantir
na lei”. Não sei se seria uma inverdade dizer que nós priorizamos
só isso. O Movimento Sanitário cumpriu um papel importante
junto aos parlamentos, em vários municípios, em vários estados
na Constituinte, de pautar isso. Ainda do Arouca na Constituinte
tomar aquele espaço falar de Reforma Sanitária brasileira é um
ganho, óbvio. E o texto constitucional quando ele entra na questão
da saúde é avançadíssimo. A gente passou quase tudo. Isso foi um
resultado de força. Não foi panfletando o Radis. Foram horas,
dias, meses de labuta e reunião e convencimento (Depoimento de
Álvaro Nascimento em entrevista realizada em 2019).
Portanto, segundo Cohn (2018), dos anos 1970 até o final da década de 1980, a
estratégia política adotada foi a de ocupação do aparelho de Estado pelos atores
155
progressistas da saúde, a partir dos anos 1990 este cenário político se modifica e o eixo
central de promoção das mudanças e de reorganização do sistema de saúde passa a ser o
nível local, e mais especificamente os municípios.
Então a Reforma Sanitária pra nós adquire outra característica,
não é só fabricar a lei e garantir o cumprimento da lei. É de
fabricar outro cotidiano. Então, eu, por exemplo, sou o cara que
vai militar, que vai pegar toda energia, e que vai militar nas redes
com os trabalhadores de saúde com os movimentos sociais. Então
eu vou me envolver com o primeiro governo da [Luiza]
Erundina165 em São Paulo, vou me envolver com o primeiro
governo do PT em BH, vou participar e contribuir com o governo
de Campinas do David Capistrano e em Santos. Aí ela já não era
mais PCB. Já tinha saído e já tinha virado petista (Depoimento de
Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019).
Somado a isso, os autores levantam ainda a hipótese de três fatos políticos – que
somados ao contexto de avanço de uma perspectiva neoliberal e de reformas
administrativas “antiestado” – podem ter atuado como vetores de força desagregadora nas
décadas em que seguiram a implementação do SUS. Fatos esses que envolvem a
conformação e atuação dos partidos progressistas, como por exemplo: o PMDB,
desidratando seus segmentos da centro-esquerda e caminhando
para a centro-direita; o Partido da Social Democracia Brasileiro
(PSDB), caminhando do centro-esquerda para um ponto de vista
programaticamente neoliberal; e o PT, desradicalizando o seu
165
Ver Apêndice 3.
156
166
De acordo com Santos (2018) conceito de Sul global se refere a um Sul geopolítico, ou seja, um conjunto
de países, de grupos sociais, de nações que têm estado sujeitos aos sistemas de opressão e de exclusão.
Refere-se ainda ao conjunto de movimentos, de ações coletivas de populações, que luta contra as formas
de opressão, exploração e discriminação.
158
seja, tanto nas Escolas e Faculdades médicas, através dos encontros estudantis; nos
sindicatos de médicos, com a proposta de uma frente intersindical ampla; quanto na
proposta de criação do CEBES, como um centro de estudos apartidário e plural;
verificamos a pretensão de imprimir um caráter de unicidade e centralidade as ações.
Uma justificativa para essa adoção deste traço, seria a tentativa de preservação da
identidade do núcleo duro de militantes do partido. Característica presente não apenas no
campo da saúde, mas em toda trajetória do “Partidão”, marcada pela opressão e violência
contra seus agentes.
Além disso, foi também observado como um entrecruzamento a reprodução das
disputas internas do PCB entre as vertentes prestistas e eurocomunistas na fase de
construção de base de apoio do Movimento da saúde. No espaço dos sindicatos médicos
ela é expressa pela disputa entre a condução via sindicatos profissionais (médicos)
defendida pelos eurocomunistas versus sindicatos intersindicais, defendidos pelos
prestistas. Já no CEBES, essa disputa é ilustrada pelo tensionamento entre membros da
direção do “Partidão” prestistas com a defesa de uma intervenção mais centralizada, e
voltada para os espaços de lutas tradicionais do campo da esquerda – tais como as
instituições, sindicatos, associações – em detrimento de uma aposta da vertente de
estratégia organizativa mais horizontalizada, que apoiada nas ideias de Gramsci,
defendiam o processo de revolução permanente através da ampliação da consciência
sanitária, da socialização da política, da ideia de Estado ampliado e na criação de
uma intelectualidade orgânica na saúde. Como vimos ao longo dos capítulos deste
estudo, esta última proposta que vai ganhando espaço e força, no desenvolvimento e
crescimento do CEBES que, por sua vez, tornara-se um grande núcleo de articulação do
Movimento da Reforma Sanitária a partir do processo de redemocratização.
Como condições de possibilidades para estes entrecruzamentos de histórias
observados identificamos, portanto, a conjuntura político-institucional imposta pela
ditadura civil-militar brasileira a partir de 1964, com a criação do sistema bipartidário no
Legislativo e a imposição da clandestinidade aos partidos de esquerda e progressistas,
impelindo-os a estabelecer interações alternativas junto aos movimentos sociais. No caso
do Movimento da Reforma Sanitária brasileira a vinculação com PCB se deu de forma
implícita, seja pela dupla inserção de militantes no “Partidão” e no campo da saúde, ou
subsumida na ideia do suprapartidarismo. No plano de interação com partidos na
legalidade, o Movimento da saúde buscou colaboração com o MDB, representante da
“oposição consentida”, através de alguns militantes da saúde e do PCB na tentativa de
160
viabilizar negociações e incluir pautas da saúde na agenda política. Somente depois, com
o período de reabertura democrática, realizou-se uma aproximação com os partidos
progressistas recém-constituídos.
Uma vez conformadas os núcleos de base de apoio do Movimento da saúde e com
o vislumbre da reconquista democrática, algumas estratégias de condução precisaram ser
traçadas para a construção de uma política nacional de saúde alinhada às propostas da
Reforma Sanitária. É nessa segunda fase, que um outro ponto de contato entre “Partidão”
e Movimento da saúde é evidenciado e refere-se a ideia de etapa. O cumprimento de
etapas preparatórias para o alcance da revolução burguesa e transição para o socialismo é
um conceito fundamental das estratégias defendidas pelo PCB ao longo de sua trajetória,
tanto na Estratégia Democrática Nacional (EDN), quanto na Popular (EDP) (DANTAS,
2017), como demonstrado em capítulo anterior deste estudo. No movimento da saúde esse
pensamento se reflete pela priorização do fortalecimento da base democrática e no papel
do Estado como reorganizador do setor saúde, em um alinhamento à ideia de guerra de
posição e socialização da política, evidenciando mais uma vez a contribuição da
vertente dos eurocomunistas, ou renovadores, do “Partidão”.
De forma mais específica, essa estratégia irá se configurar na aposta pela
construção da política de saúde pela via institucional, por dentro do Estado com atores
chaves do Movimento da Reforma ocupando os espaços burocráticos. Essa adoção
também se justifica pela inspiração no modelo de Reforma Sanitária Italiana, onde o
PCI – que também se aproximou do Movimento da saúde brasileiro – foi um importante
protagonista, articulando diferentes movimentos sociais que pressionavam o aparelho do
Estado italiano, em um sentido “de cima pra baixo”. Além disso, nas narrativas analisadas
foi desvelada ainda uma função importante desta estratégia no caso brasileiro: a
possibilidade de proteger quadros no campo da saúde da perseguição política durante o
regime militar.
Por fim, outro ponto de contato evidenciado na fase de condução estratégica para
a construção do SUS, é o discurso de suprapartidarismo do Movimento da Reforma
Sanitária, ilustrada pelo discurso de “Partido Sanitário”. Essa construção narrativa
desvela mais uma vez a utilização de uma tática fundamental do PCB, a frente ampla,
porém, agora muito mais voltada à manutenção da unidade como valor estratégico para
a retomada da democracia. O pluralismo dos diferentes sujeitos coletivos era percebido,
assim, como uma brecha que poderia implicar em corporativismo (COUTINHO, 1979).
Da mesma forma, a necessidade de silenciar ou “costurar”, os tensionamentos existentes
161
167
Graduado em Medicina pela UFMG (1917), mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação
Oswaldo Cruz, concluídos em 1992 e 2002, respectivamente. Atuou como docente na UFMG, UNB. Atuou
como Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia por duas vezes (1983-1988 e 2003-2004), e assumiu
cargos de direção no Ministério da Saúde, na década de 90. Consultor autônomo em órgãos públicos e
organismos internacionais, tais como OPAS e Banco Mundial.
164
169
Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante
da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde.
170
Intelectual, política, professora e antropóloga brasileira. Graduada em História e Filosofia, mestre em
Comunicação e Doutora em Antropologia Social com pesquisa sobre gênero e etnia. Foi uma das principais
articuladoras do MNU, atuou como uma destacada militante do movimento de mulheres, bem como da
esquerda, inicialmente no Partido dos Trabalhadores/PT e, posteriormente, no Partido Democrático
Trabalhista/PDT (BARRETO, 2007)
166
nos processos que geraram a Reforma Sanitária e a criação do SUS. Contudo, segundo a
autora:
é possível verificar que essa presença, apesar de ter contribuído
para a concepção de um sistema universal de saúde com
integralidade, equidade e participação social, não foi suficiente
para inserir, no novo Sistema, mecanismos explícitos de
superação das barreiras enfrentadas pela população negra no
acesso à saúde, particularmente aquelas interpostas pelo racismo
(WERNECK, 2016, p. 536).
171
A Marcha Zumbi dos Palmares foi realizada em 1995 em Brasília em alusão aos 300 anos da morte de
Zumbi como um momento de articulação política ímpar do Movimento Negro. Os resultados desta ação
continuam repercutindo na formulação de políticas públicas no Brasil. Cerca de 30 mil pessoas se reuniram
em Brasília para denunciar a ausência de políticas públicas para a população negra. Fonte:
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2005-11-13/primeira-marcha-zumbi-ha-10-anos-reuniu-
30-mil-pessoas
167
Movimento dos Trabalhadores pela saúde no trabalho que, embora, não significasse a
negação do papel do movimento sindical, revelava a pouca ênfase temática dada a ela nos
estudos e narrativas “clássicas”. No seu ponto de vista é muito improvável que os avanços
no campo dos direitos sociais tenham sido obtidos sem a contribuição da classe
trabalhadora, principalmente das entidades intersindicais e de sindicatos que passam a
valorizar e associar a luta por um ambiente saudável com a luta por condições e ambientes
de trabalho também salubres, por exemplo.
Essa reavaliação sobre a interação com os movimentos populares e sociais
também se faz presente dentro do próprio Movimento da Reforma Sanitária. Ary
Miranda, em entrevista realizada em 2019, por exemplo, concorda com as críticas que
hoje apontam a baixa vinculação orgânica e permanente dos intelectuais da Saúde
Coletiva com a sociedade. De acordo com o entrevistado, é verdade que o Movimento
da saúde olhou muito para o Estado – que naquele contexto era compreendido também
como um lugar de luta de classes. Quando perguntado sobre a pertinência dessa
reavaliação o entrevistado responde que:
Procede. Tanto é que o meu movimento hoje é diferente. Hoje eu
trabalho direto com o MST. Trabalho mais com os sindicatos
urbanos. Também aqui na minha vida acadêmica eu trabalho. Mas
a vinculação com os movimentos sociais organizados
permanentes é muito importante. O movimento da Reforma
Sanitária não tinha essa...essa articulação permanente política
com os movimentos sociais. Tanto é que era uma coisa... O foco
sobre o Estado era mais destacado. O que eu não acho errado.
Reafirmo isso. O Estado é um palco de luta de classe também.
Mas os movimentos sociais, a sociedade civil, defende os
trabalhadores, eles são fundamentais (Ary Miranda em entrevista
realizada em 2019).
notoriedade, enquanto a outra proposta vai sendo enfraquecida ou pouco vocalizada nas
narrativas. Logo, a partir do que é apresentado nos discursos que reavaliam o processo,
nos parece mais condizente apontar, para um processo de apagamento ou
enfraquecimento das narrativas que revelavam a potência dos movimentos populares e
sociais para a discussão da saúde, que eram oriundos ou atuavam em espaços que
“fugiam” da tática priorizada pelo Movimento da Reforma Sanitária e,
consequentemente, do modo de operar do PCB.
Vale lembrar, que alguns discursos apresentados neste estudo, como o de Escorel
(1999) atribuem ao Movimento da Reforma Sanitária a tarefa de ser o “porta voz dos
subalternizados” e dos movimentos sociais que estariam silenciados e desorganizados.
Mas sabemos que eles estavam no campo de disputas, tinham proposições, agendas e
lutavam por suas pautas, como pudemos observar em narrativas do nosso percurso
investigativo. A postura de “representante dos subalternizados”, que alude à uma certa
ideia de tutela, não significou a inclusão e participação desses atores no campo
deliberativo e nos espaço institucionais e nem significou a incorporação expressiva da
diversidade de saberes, conhecimento e visão de mundo, que compõe o “caleidoscópio”
que é a sociedade brasileira.
Uma contribuição para essa discussão é trazida por Valla (1996) que já apontava
como uma barreira para o campo da Saúde Coletiva a postura de não reconhecimento da
capacidade de produção de conhecimento, de organização, sistematização e interpretação
dos pensamentos sobre sociedade pelas classes subalternizadas. Ainda segundo o autor,
é inerente ao nosso campo o enfoque da ideia de “iniciativa” como parte da nossa tradição
e como aspecto falho da população, vista como passiva e apática. Valla (1996) se refere
à relação profissional de saúde e população, mas, ao nosso ver, essa postura também
atravessa os processos de produção e implementação de políticas, corroborando com a
crítica de que a “crise de interpretação” pode também ser nossa no que se refere à este
ponto.
É necessário que o esforço de compreender as condições e
experiências de vida como também a ação política da população
seja acompanhado por uma maior clareza das suas representações
e visões de mundo. Se não, corremos o risco de procurar (e não
achar) uma suposta identidade, consciência de classe e
organização que, na realidade, é uma fantasia nossa (MARTINS,
1989 APUD VALLA, 1996).
169
Álvaro (em entrevista realizada em 2019), por sua vez, entende que o esforço no
sentido de garantir o direito à saúde pela legislação e as conquistas angariadas com a
estratégia de aparelhamento do Estado foi necessária. Mas reconhece que um vazio
ocasionado pela estratégia elencada pelo Movimento da saúde, é retratado pela ausência
da participação da sociedade civil e também dos próprios partidos políticos de forma mais
expressiva.
Eu acho o seguinte: o esforço que foi feito e que foi conseguido
precisava ser feito. Por exemplo, eu não estaria falando nada disso
aqui se não tivesse a Constituição. Então tinha que ser feito. Tinha
que ter leis. Nós somos gerenciados por leis. Todos os países.
Então, tinha que se garantir isso na Constituinte, nas estaduais,
nas municipais. As porcentagens por assegurar o fluxo financeiro
capaz de assegurar a universalidade. Etc., etc. O nosso erro, o
nosso vazio e eu acho que isso explica-se por vários motivos é a
sociedade não entrou na briga. Ela nem sabe que existe (Álvaro
Nascimento em entrevista realizada em 2019).
Para o entrevistado essa ausência pode ser justificada por diversas razões,
incluindo as históricas e as condições de possibilidades daquele contexto – conforme
salientamos nesse capítulo e ao longo de nosso estudo. No entanto, há um reconhecimento
e um balanço de que os esforços empreendidos pelo Movimento da saúde tenham sido
insuficientes para que a sociedade realmente incorporasse e apreendesse a saúde como
um direito e como um valor.
O esforço que foi feito foi um esforço insuficiente para que a
sociedade incorporasse e se conscientizasse daquilo como um
valor. Então, não se transformou num valor e quando não se
transforma num valor social é muito fácil retirar. Então a
ocupação de postos era uma estratégia? Sim. É correta porque,
veja bem, nós vivemos num país aonde nós não passamos por
rupturas. Nós passamos por processos. São infindáveis. Então
assim, Getúlio [Vargas] rompeu? Não. Juscelino [Kubitschek]
rompeu? Não. Jango rompeu? Não. Lula rompeu? Não. Dilma
[Rouseff] rompeu? Ninguém rompe. É sempre um processo. E se
é um processo a ocupação de espaços e a garantia de direitos na
lei faz parte do jogo (Álvaro Nascimento em entrevista realizada
em 2019).
Emerson Merhy (em entrevista realizada em 2019) aponta, que na sua percepção,
aqueles projetos apostaram na construção da democracia pela captura do Estado não
foram bem sucedidos e expuseram ainda mais as fissuras existentes no interior do campo
da esquerda. Quando perguntado sobre os desafios e uma breve avaliação das estratégias
elencadas como prioritária pela Reforma Sanitária, o entrevistado responde que:
O que eu acho que deu errado foi o projeto do PCB. E todos os
projetos que apostaram que a construção da democracia brasileira
passaria pela captura da máquina estatal, todos fracassaram.
Aqueles que apostaram na construção de movimentos sociais, de
coletivos, de poderes locais, você não vai dizer que isso está
morto. É só assistir a 16º Conferência. O que aconteceu na 16º
Conferência? Não sei se você sabe, mas é a primeira Conferência
que o governo tira o logo dele. Ou seja, eles fizeram tudo pra não
acontecer. Tinham 5.5000 pessoas. De onde é que veio isso? Veio
do SUS construídos dos poderes locais. Então você vai dizer que
o SUS não teve histórias de êxito? Só pra quem teve um tipo de
aposta. (...) Relação democracia e saúde no Brasil não passa pra
ganhar o Estado pra você gerir, passa por construir poderes locais.
Coletivos resistentes. Experiências diferenciadas. (Depoimento
de Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019).
sociais devem ser inseridos na disputa pela transformação de práticas dominantes, pelo
aumento da cidadania e da inserção de atores sociais excluídos, buscando uma
ressignificação das práticas democráticas e a transformação da gramática social
(SANTOS; AVRITZER, 2003).
Antônio Bispo dos Santos (2015) traz ainda uma leitura interessante ao propor
uma reflexão sobre a díade hierarquia/circularidade para a leitura do mundo, onde pontua
as leituras hierárquicas como excludentes e as circulares como inclusivas de outras
relações sociais, produção de conhecimento e de expressões culturais. Para o autor, a
substituição do plural pela unidade pode se expressar como o cerne dos processos de
várias formas de colonização, como, por exemplo, na guerra de denominações onde os
povos nativos tornam-se índios, os povos africanos nominados negros e escravos, quando,
na verdade, constituem-se povos múltiplos. Segundo Souza (2015), Foucault ao tratar de
processos de hierarquização no âmbito das disciplinas como estratégia de dominação que
produziu docilização de corpos e de almas para torná-los úteis para o sistema de
acumulação de capitais teria trazido um primeiro alicerce à esse pensamento, sem, no
entanto, acrescentar a questão racial e cultural, como faz agora Santos (2015).
A inserção dos movimentos sociais e a pluralidade, nos remete à questão da
participação que, para Santos e Avritzer (2003), tornou-se também um ponto central nos
processos de democratização em países do Sul global, exigindo a criação de inovações
que permitissem a ampliação da participação desses atores sociais nos processos de
tomada de decisão. Nesse sentido, mais do que adequações burocráticas seria necessário
a construção de estruturas capazes de transferir práticas e informações do nível social para
o nível administrativo uma vez que na relação entre representação e diversidade cultural
e social os grupos mais vulnerabilizados, os setores sociais menos favorecidos e as etnias
minoritárias não conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema
político com a mesma facilidade dos setores majoritários ou economicamente mais
prósperos (SANTOS; AVRITZER, 2003).
Para os autores a combinação entre democracia participativa e democracia
representativa pode se dar de duas maneiras possíveis: pela coexistencia e
complementaridade. A primeira implica uma convivência, em diversos níveis, das
diferentes formas de procedimentalismo, organização administrativa e variação de
desenho institucional. Já a complementariedade implica em uma articulação mais
profunda entre democracia representativa e democracia participativa, e pressupõe o
reconhecimento pelo governo de que o procedimento participativo, as formas públicas de
175
descritos com o intuito muito mais de levantar questionamentos e perguntas para futuros
estudos.
177
Canto latino
(Milton Nascimento / Ruy Guerra, 1970)
172
Como demonstrado na introdução deste estudo.
178
Contudo, o cenário atual nos convida a observar e aprender com outras formas de
produção de conhecimento que aí estão e que sempre estiveram. Saberes produzidos por
populações subalternizadas e que diante da escassez de oferta – dessa vez como projeto
político declarado – e de dificuldades de acesso à serviços essenciais pelo Estado,
realizam movimentos potentes de colaboração e de organização espontânea que geram
resistência e verdadeiros aquilombamentos173.
Em Paraisópolis, na maior favela da periferia de São Paulo onde vivem cerca de
100 mil habitantes, a ação coordenada de atendimento à população durante a pandemia
da Covid-19174 contou com a contratação de ambulâncias, a nomeação de “presidentes de
rua”, treinamento de 240 moradores para estabelecerem novas equipes de saúde e socorro,
além de uma organização territorial em 60 bases divididas para cada microrregião da
comunidade. Embora essa descrição em muito nos lembre as cartilhas de planejamento
da gestão do SUS, na verdade as ações partiram de iniciativas dos moradores e do
comércio da região, que a partir do histórico de carência de suporte do Estado no território
e diante da demora em obter respostas do governo para o enfrentamento do avanço do
173
“Os desafios e as dificuldades não acabam com o fim da escravização, mas ganham novos contornos. A
luta passa a ser pela sobrevivência, pelas tentativas de integração social, econômica e cultural, pelo direito
de existir. Questões que estão colocadas até hoje pelo povo negro em nosso país” (JOSELICIO JUNIOR,
2019).
174
DI BELLA, G. Em Paraisópolis, presidentas de rua cuidam do lar, dos filhos e dos vizinhos. 2 de
Setembro de 2020. National Geographic Brasil. Disponível em :
https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2020/08/paraisopolis-presidentas-de-rua-coronavirus-
pandemia
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Rio de Janeiro: Revista POLI: saúde, educação e trabalho, Ano X - Nº 59 -Entrevista
concedida a Leila Leal.
APÊNDICE 1- TEXTOS PARA APROXIMAÇAÕ DO TEMA: GÊNESE E ATORES DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA 175
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175
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197
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2008 SANTOS, N. R. Entrevista: Nelson Rodrigues dos Santos Trabalho, Educação e Saúde,. Entrevista concedida a Júlio César França Lima e Ialê
Falleiros Braga, professores-pesquisadores do Laboratório do Trabalho e da Educação
198
APÊNDICE 2- AGENTES DA REFORMA SANITÁRIA CITADOS, SUAS TRAJETÓRIAS E ARTICULAÇÃO COM PARTIDOS
POLÍTICOS176
176
Tabela construída a partir dos nomes citados ao longo do primeiro mapeamento deste trabalho. No decorrer da pesquisa e a partir da análise de novos documentos e
materiais, novos agentes serão inseridos nesta tabela. Informações coletadas em entrevistas e na revisão bibliográfica da literatura analisada.
200
Médico (1972), mestre em Medicina (1975) e Doutor em Saúde Assessor especial na Secretaria de Saúde do
Pública pela UFBA (2007). É professor da Universidade Estado da Bahia
Jairnilson
Federal da Bahia desde 1974 e Professor Titular do Instituto de
Paim
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia desde 2000. Fundador do núcleo do CEBES na Bahia.
Formou-se em Medicina pela Universidade Federal da Bahia Militante do PCB; Secretário estadual de Saúde da Bahia (1987-
Luiz Umberto
(UFBA), em 1967. Em 1968 especializou-se em Psiquiatria, 1989).
Pinheiro
também, na UFBA. Em 1974, em Epidemiologia Psiquiátrica, Militante do PT;
205
177
Tabela construída a partir dos nomes citados ao longo do primeiro mapeamento deste trabalho. No decorrer da pesquisa e a partir da análise de novos documentos e
materiais, novos agentes e novos dados serão inseridos nesta tabela. Informações coletadas em entrevistas e na revisão bibliográfica da literatura analisada.
210
Médico sanitarista, deputado estadual e federal pelo Atuou em movimentos populares na periferia de São
Partido dos Trabalhadores em várias legislaturas, de 1983 Paulo, a partir de 1974,
a 2000. Durante a ditadura militar atuou como militante Organizou os primeiros conselhos populares de saúde,
no movimento estudantil e no Partido Comunista em 1978.
PT (1983) Brasileiro Revolucionário (PCBR) – partido clandestino Trabalhou como médico sanitarista da Secretaria de
Eduardo Jorge PV (2003) surgido em 1964 como uma ramificação do PCB. Saúde do Estado de São Paulo.
Membro da Comissão da Ordem Social e subcomissão
saúde, seguridade e meio-ambiente na Assembleia
Nacional Constituinte de 1987/88.
Médico, do estado do Ceará, deputado estadual pelo Iniciou a carreira como médico do Instituto Nacional
Partido Democrático Social (PDS) em novembro de de Previdência Social (INPS) e do Instituto Nacional
1982. Na Assembleia Legislativa do Ceará foi vice-líder de Assistência Médica e Previdência Social
do PDS, em 1983, e coordenador da bancada do partido, (INAMPS) no Crato (CE), em 1960.
em 1984. Posteriormente, exerceu o cargo de primeiro- Foi Suplente da Subcomissão de Saúde, Seguridade e
secretário no Partido do Movimento Democrático do Meio Ambiente, da Comissão da Ordem Social
PDS (1982) Brasileiro (PMDB). Em 1985 participou, na qualidade de (1987), e titular da Comissão de Sistematização
Raimundo
PMDB (1984) delegado da Assembleia Legislativa do Ceará, da sessão (1987-1988) votou a favor da proibição do comércio
Bezerra
do Colégio Eleitoral e votou em Tancredo Neves. Em de sangue.
1986 candidatou-se a deputado federal constituinte pela Em junho de 1989 atuou como presidente da
legenda do PMDB. Participou da Assembleia Nacional Comissão de Saúde da Câmara e apresentou o projeto
Constituinte (ANC). global de orçamento para a Seguridade Social ao
Congresso Nacional. O projeto incluía as leis
orgânicas da Saúde e da Assistência Social e o Plano
de Custeio e Benefícios da Previdência Social.
Médico, professor nas Faculdades de Medicina de Itajubá Em 1982 foi presidente da Comissão de Saúde da
e de Alfenas, e foi diretor da Faculdade de Medicina – Câmara Federal. Secretário Estadual de Saúde do
PMDB (1982)
Unifenas-BH. Foi deputado federal em 1982 pelo Distrito Federal (1985);
Carlos Mosconi PSDB (1988)
PMDB. Foi um dos fundadores do PSDB e primeiro Na Assembleia Constituinte, foi relator da Saúde,
presidente da legenda em Minas, de 1988 a 1991. contribuindo para a criação do SUS.
213
Farmacêutico, foi secretário do diretório municipal do Foi membro titular da Comissão de Saúde (1979-
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na cidade de 1981) da Câmara dos Deputados.
Francisco Beltrão, Paraná (1960-1962)) e, em seguida, Foi coordenador do segundo simpósio nacional de
prefeito (1963-1964). Foi um dos fundadores, em 1966, Saúde da Câmara (1981).
da seção paranaense do partido oposicionista, Membro das comissões de Saúde e de Previdência e
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e eleito de Assistência Social da Câmara dos Deputados em
novamente vereador em Francisco Beltrão até 1969. No 1986 na ANC.
pleito de novembro de 1978 elegeu-se deputado federal Em 1986 integrou a missão brasileira à reunião da
pelo MDB, filiando-se ao Partido do Movimento Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre
PTB (1960) Democrático Brasileiro (PMDB). Participou da tendências e políticas de organização dos sistemas
MDB (1966) campanha das Diretas Já, no início de 1984, e das nacionais de saúde, em Caracas, Venezuela.
Euclides Scalco PMDB (1980) articulações que levaram à formação da Aliança
PSDB (1988) Democrática e à vitória de Tancredo Neves no Colégio
Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985. Nas eleições de 15
de novembro de 1986, elegeu-se deputado federal
constituinte pelo PMDB paranaense. Desempenhou
papel de destaque nas articulações políticas durante a
Constituinte, tendo sido um dos líderes do “grupo do
consenso”, um dos agrupamentos suprapartidários
formados no processo constituinte, reunindo
parlamentares de centro-esquerda com o objetivo de
defender propostas de conteúdo social e democrático na
215
Ministério da Saúde
Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
TERMO DE
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado participante,
O Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “PARTIDOS POLÍTICOS E
A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO PERÍODO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS (1979-1988)”, desenvolvida por Celita Almeida Rosário,
discente do curso de pós-graduação - Doutorado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), sob orientação da Prof.
Dra. Tatiana Wargas de Faria Baptista.
A pesquisa tem como objetivo analisar a pauta política para a saúde apresentada pelos
partidos políticos no período denominado de “abertura política e redemocratização” (1979-1988)
e a interação com o projeto político da Reforma Sanitária. Sua participação nessa pesquisa é
importante por ser considerado um ator-chave para o entendimento deste processo, mas sua
participação não é obrigatória, cabendo a você a decisão de participar da pesquisa, assim como
de sair dela a qualquer momento, sem que seja prejudicado por isto.
Essa pesquisa recorrerá à outras fontes de análise além de entrevista, tais como
documentos, livros, artigos, vídeos, teses e dissertações. A sua participação consistirá em
responder perguntas semiestruturadas, a partir de um roteiro, à pesquisadora do projeto. Caso o
Sr. (a) esteja de acordo, ela será gravada para posteriormente ser transcrita. No entanto, com o
intuito de minimizar riscos e eventual constrangimento, você poderá solicitar a pesquisadora que
interrompa a gravação a qualquer momento.
As gravações serão armazenadas em local seguro e de acesso exclusivo do pesquisador
e seu orientador. Os resultados dessa pesquisa serão divulgados na tese de doutorado do
pesquisador responsável, e possivelmente em artigos e seminários, contudo, caso deseje, serão
garantidas a confidencialidade e a privacidade das informações por você prestada. Neste caso,
existe um risco indireto de que informações relacionadas a sua ocupação/instituição possam dar
pistas sobre sua identidade.
Ao final da pesquisa todo material será guardado e mantido em sigilo pelo pesquisador
por um período de cinco anos, conforme Resolução 466/12 e orientações do CEP/ENSP.
Este termo é redigido em duas vias, você receberá uma via onde consta o telefone e o
endereço da pesquisadora responsável, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação, agora ou a qualquer momento.
Caso, futuramente, sinta-se lesado comprovadamente em decorrência da presente
pesquisa, você terá direito à indenização, através das vias judiciais, como dispõem o Código Civil,
o Código de Processo Civil e a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Página 1 de 2
Rubrica pesquisador: ___ _______ Rubrica do participante: ______________
Todas as páginas deste documento deverão ser rubricadas por você e pelo pesquisador responsável.
225
226
______________________________ _______________________________
Em caso de dúvida quanto à condução ética do estudo, entre em contato com o Comitê
de Ética em Pesquisa da ENSP. O Comitê de Ética é a instância que tem por objetivo defender os
interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. Dessa forma o comitê tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princípios éticos
de proteção aos direitos humanos, da dignidade, da autonomia, da não maleficência, da
confidencialidade e da privacidade:
Tel. e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail: cep@ensp.fiocruz.br
http://www.ensp.fiocruz.br/etica
Endereço: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ FIOCRUZ, Rua Leopoldo Bulhões,
1480 –Térreo - Manguinhos - Rio de Janeiro – RJ - CEP: 21041-210
Se desejar, consulte ainda a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep):
Tel: (61) 3315-5878 / (61) 3315-5879
E-Mail: conep@saude.gov.br
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Página 2 de 2
Todas as páginas deste documento deverão ser rubricadas por você e pelo pesquisador responsável.
226
227
A pesquisa tem como objetivo analisar as narrativas sobre a participação dos partidos políticos
no Movimento da Reforma Sanitária Brasileira.
Chegamos até seu nome por sua participação nas discussões relativas à saúde entre os anos
1970/1980.
Entrevistado:
Data:
Alguns autores do campo, como Cohn, consideram que o projeto de Reforma Sanitária
teve uma base político-partidária frágil com implicações para a consolidação do projeto.
O que acha disso?
Para você, quais os desafios e caminhos para a construção da política pública de saúde
na perspectiva do direito universal? Com o que contar, com quem?
227