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Celita Almeida Rosario Ensp Dout 2020

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Celita Almeida Rosário

Entrecruzamentos de histórias entre o Movimento da Reforma Sanitária e o


Partido Comunista Brasileiro

Rio de Janeiro
2020
Celita Almeida Rosário

Entrecruzamentos de histórias entre o Movimento da Reforma Sanitária e o


Partido Comunista Brasileiro

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, na Fundação Oswaldo Cruz,
como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Saúde Pública.

Orientadora: Profª Dra. Tatiana Wargas


de Faria Baptista.

Coorientadora: Profª Dr. Eduardo


Levcovitz.

Rio de Janeiro
2020
Título do trabalho em inglês: Intersections of stories between the Brazilian Sanitary
Reform Movement and the Brazilian Communist Party.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

R789e Rosário, Celita Almeida.


Entrecruzamentos de histórias entre o Movimento da
Reforma Sanitária e o Partido Comunista Brasileiro / Celita
Almeida Rosário. -- 2020.
227 f. : tab.
Orientadores: Tatiana Wargas de Faria Baptista e Eduardo
Levcovitz.
Tese (doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro,
2020.
1. Reforma dos Serviços de Saúde - organização &
administração. 2. Comunismo. 3. Sistema Único de Saúde.
4. Sistemas Políticos. 5. Arqueologia. I. Título.
CDD – 23.ed. – 320.532
Celita Almeida Rosário

Entrecruzamentos de histórias entre o Movimento da Reforma Sanitária e o


Partido Comunista Brasileiro

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, na Fundação Oswaldo Cruz,
como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Saúde Pública.

Aprovada em: 23 de outubro de 2020.

Banca Examinadora:

Profª Dra. Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Instituto de Economia

Profº Dr. Ruben Araújo de Mattos


Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Instituto de Medicina Social

Profª Dra. Camila Furlanetti Borges


Fundação Oswaldo Cruz /Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

Profº Dr. Leonardo Costa de Castro


Fundação Oswaldo Cruz /Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Prof.º Dr. Eduardo Levcovitz (Coorientador)


Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Instituto de Medicina Social

Profª Dra. Tatiana Wargas de Faria Baptista (Orientadora)


Fundação Oswaldo Cruz /Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Rio de Janeiro
2020
Às mulheres que vieram antes de mim, em
especial minha avó Dalva e minha mãe
Márcia.
AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não se trata de uma finalização de um Doutorado apenas. Se trata


da finalização de um ciclo que começou muito antes, e talvez, muito antes de mim. Na
verdade, essa trajetória foi escrita a muitas mãos e como não desejo deixar escapar a
chance de usar esse espaço para agradecer e reverenciar aos que me ajudaram a chegar
até aqui, adianto, portanto, que esse será um longo agradecimento. Mas eu desejo começar
agradecendo às muitas mulheres que ao longo de toda uma trajetória atravessaram meu
caminho e que generosamente, e por sorte, me ofereceram tanto.
Eu agradeço a minha avó Dalva, minha primeira e grande professora, que me
ensinou quase tudo que sei, que me ensinou a observar a vida, a prestar atenção à intuição,
a entender os ciclos da natureza e respeitar os ritmos da vida. Minhas maiores lições sobre
o mundo, a forma de experimentá-lo e de ver a vida, são suas.
Agradeço a minha avó Neuza por me ensinar a importância da memória, pelo
esforço em mantê-las vivas e repletas de afeto. Por aguçar meus ouvidos ao escutar suas
histórias-vivas e entender pelos vestígios, quem somos e quem sou. Minha maior lição
foi entender com você a importância de reverenciar o passado para compreender o futuro.
Agradeço a minha mãe Márcia por ter dedicado uma vida inteira para me doar seu
amor e coragem e pela escolha generosa de ter abdicado de tantos sonhos e planos para
que hoje eu concluísse essa etapa. Gentilmente e amorosamente você me cedeu a sua vez.
E esse trabalho é todo seu. Amo você.
Eu sou fruto de uma árvore de muitas mulheres, um mosaico de histórias, que
também fazem parte do que eu sou hoje. A essa rede eu agradeço o afeto, nutrição,
curiosidade, alegria, coragem e leveza. Agradeço aos meus familiares por todo carinho e
apoio.
Agradeço a minha orientadora Tatiana Wargas, a quem chamo carinhosamente de
Tati, por me apresentar a possibilidade de uma academia feita de afeto. E não apenas
afeto, pelo seu acolhimento e carinho com alunas e orientandas, mas por nos mostrar uma
academia viva, que faz sentido, nos mobiliza, que nos afeta. Que além de investigar nos
permite criar, expressar e sonhar. Que questiona: “O que te move? O que você deseja, de
fato, investigar?”. Sua parceria desde o mestrado, além de um privilégio, foi um exemplo
de compromisso, generosidade e cuidado que me rendeu muitas e muitas alegrias.
Ao longo desse percurso eu também tive o privilégio de contar com mulheres a
quem admiro e que me ajudaram enormemente na minha formação. Agradeço à Martha
Moreira, minha primeira orientadora em Saúde Coletiva, ainda como estagiária, por me
apresentar um campo novo e desafiante de forma tão generosa. Cristiane Esch,
orientadora cuidadosa e carinhosa durante os tempos de Psicologia. Aline Duque e Bianca
Lopes, minhas duas preceptoras amadas, que hoje se tornaram grandes amigas e que me
ensinaram tantas coisas e que continuam me ensinando tanto da vida com tamanha
alegria. As companheiras de trabalho do Laser pelas parcerias, por todo aprendizado e
generosidade em compartilhar tantos ensinamentos. Agradeço em especial, à Bia
Andrade, Beth Moreira, Gisela Cardoso e Marly Marques, pela confiança e carinho.
Agradeço ao Prof. Eduardo Levcovitz, pela sua coorientação, mas também por
compartilhar tantos conhecimentos, referências e por nos narrar tantas histórias que
contribuíram enormemente para a idealização e composição desta Tese.
Agradeço à Prof. Maria Lúcia Werneck Vianna, pela gentileza de ter aceitado
nosso convite e por ter colaborado para este estudo desde o seu delineamento na banca da
qualificação nos ofertando importantes contribuições. Ao Profº Ruben Mattos, professor
muito importante em toda minha formação e um grande parceiro em nossas discussões,
ideias e inquietações desde o Mestrado. A Profª Camila Borges, por igualmente aceitar
nosso convite e poder contribuir com seu conhecimento nesse tema que nos instiga
trazendo seus apontamentos atentos. Também agradeço ao Prof. Leonardo Castro, grande
incentivador deste estudo, que auxiliou na construção dessa Tese desde a qualificação e
delimitação do tema, na oferta das disciplinas de “Leituras e Interpretações sobre a
Formação do Brasil” e “Sociologia do Brasil Contemporâneo” junto com o Prof. Alberto
Najar que foram fundamentais para compreensão do objeto de estudo e pelos (muitos)
livros emprestados e utilizados nesse estudo.
Agradeço ainda ao colega Leandro Gonçalves, que generosamente nos ofereceu
entrevistas previamente realizadas em sua Tese de Doutorado, que foram fundamentais
para este estudo, e pelas contribuições compartilhadas em forma de ideias, referências
bibliográficas novas e muitas inquietações.
Agradeço aos companheiros da turma de Doutorado da ENSP por compartilhar
essa jornada e pelo desafio que se tornou concluir essa etapa diante de tantos percalços,
mudanças e contrariedades. Da mesma forma, agradeço aos professores da ENSP que me
ensinaram tanto ao longo dessa formação.
Agradeço à Nara, por ao longo deste caminho ter sido um suporte mais que
generoso, por todo carinho que construímos e por ter contribuído imensamente com esse
processo de crescimento e de descobertas. Igualmente agradeço à Gabi por me ajudar a
reconstruir caminhos mais bonitos e mais leves.
Agradeço à minha rede de amigas e amigos, a rede mais bonita que venho tecendo,
o meu suporte e apoio nos mais diversos momentos da vida. Às amigas e amigos que
entraram na vida pelas mais diferentes portas: pela luta, pelo carnaval, pelo samba, pelo
aprendizado, desde a infância e que nos dias de hoje são a alegria e a força que me mantém
de pé. Em especial agradeço às amigas que estão comigo desde a infância: Juli, Denise,
Luana. Às minhas eternas brincantes: Lívia e Renata. Às minhas amigas vizinhas-amadas
Eve e Dadá. Às minhas psicólogas queridas Luana, Elaine e Vevis. Às amigas da luta, da
música e da vida: Mari Singer, Julia Vom, Maritê, Gabi, Amanda, Bruna e Marinar. À
Fernanda, que se tornou uma amiga querida nessa caminhada do doutorado. Ao meu
irmão querido Du, amigo de muitos anos de vida, de muitos sonhos e conquistas
compartilhadas. Ao meu amigo de andanças filosóficas e de tantas trocas, Felipe. Amo
imensamente vocês.
(...) Meus gritos afro-latinos
Implodem, rasgam, esganam
E nos meus dedos dormidos
A lua das unhas ganem
E daí?
Meu sangue de mangue sujo
Sobe a custo, a contragosto
E tudo aquilo que fujo
Tirou prêmio, aval e posto
Entre hinos e chicanas
Entre dentes, entre dedos
No meio destas bananas
Os meus ódios e os meus medos
E daí?
(...) Tenho séculos de espera
Nas contas da minha costela
Tenho nos olhos quimeras
Com brilho de trinta velas
E daí?

(Milton Nascimento e Ruy Guerra, 1978)


RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar a influência do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) na construção das bases de apoio do Movimento da Reforma Sanitária
brasileira e na condução de suas estratégias políticas e organizacionais durante o processo
de construção do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir da análise de narrativas de
atores envolvidos no Movimento da Saúde, verificou-se uma lacuna na constituição de
bases de apoio político e social e a relevância do PCB no campo da saúde. Tal relevância
estava expressa através de articulações não explicitas, sobretudo pela disseminação de
suas ideias e de estratégias políticas intrínsecas no modo de operar e fazer política, uma
vez que o partido, devido a imposição da ilegalidade e clandestinidade, se encontrava
distante dos processos de institucionalização formais e oficiais. Elencamos como
estratégia metodológica a análise das formações discursivas e as condições de
possibilidade que propiciaram a emergência dos pontos de contato ou entrecruzamentos
de histórias entre o PCB e o Movimento da Reforma Sanitária brasileira. No processo de
construção de bases de apoio do Movimento da Reforma Sanitária identificamos como
entrecruzamentos a ideia de frente ampla e a aposta pela via institucional representada
pela estratégia de indução de formação de núcleos nas Escolas de Medicina, pelos
sindicatos de médicos e pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). Na
condução estratégica e organizativa para a implementação do SUS, inferimos como ponto
de contato que a ideia de frente ampla e a via institucional se expressavam pelo
aparelhamento do Estado e pela construção narrativa de suprapartidarismo através do
discurso de “Partido Sanitário”. Contudo, as escolhas estratégicas, embora utilizadas com
o intuito de fortalecer o Movimento da saúde em uma frente ampla de resistência e de luta
pela democracia, impediram a explicitação de atores e exigiu uma série de silenciamentos
que acabou aglutinando e subsumindo clivagens a serem consideradas em processos de
elaboração de políticas sociais em sociedades complexas como a do Brasil. Da mesma
forma, a via institucional, ao priorizar a ocupação dos espaços intraburocráticos,
entendendo o Estado como principal reorganizador dos serviços e políticas de saúde,
desprestigiou outros espaços potentes de fortalecimento e de desenvolvimento da política
de saúde, além de distanciar o Movimento da saúde dos movimentos populares e sociais.

Palavras-chaves: Movimento da Reforma Sanitária brasileira; Partido Comunista


Brasileiro; Sistema Único de Saúde;
ABSTRACT
The present study aims to analyze the influence of the Brazilian Communist Party
(PCB) upon the construction of the Brazilian Sanitary Reform Movement support bases
and the conduction of its political and organizational strategies during the Unified Health
System (SUS) building process. Starting from the analysis of narratives by actors
involved in the Healthcare Movement, a gap was identified in the constitution of political
and social support bases, as well as PCB’s relevance to the healthcare studies. Such
relevance was found in non-explicit articulations, especially in virtue of the dissemination
of their political ideas and strategies, intrinsic to the way of operating and doing politics,
since the party, due to illegality and clandestinity, was apart from the formal and official
institutionalization processes.We enlist as methodological strategy the analysis of
discursive formations and of the conditions of possibility that led to the emergence of
contact points or intersections of stories between PCB and the Brazilian Sanitary Reform
Movement. In the building support bases for the Sanitary Reform Movement, the
intersections identified were the idea of a broad front and the bet on the institutional path
represented by the strategy of inducing the formation of nuclei in Medical Schools, by
medical unions and by the Brazilian Center for Healthcare Studies (CEBES). In the
strategic and organizational conduction for the SUS implementation, we infer as a contact
point that the idea of a broad front and an institutional path expressed itself in the
occupation of the State and in the narrative construction of suprapartisanship by means
of the discourse about a “Sanitary Party”. However, although used in order to strengthen
the Healthcare Movement in a broad front of resistance and struggle for democracy, the
strategic choices prevented the identification of actors and required a series of silencing
acts that clustered and effaced cleavages that should be taken into account in processes
of elaborating social policies in complex societies such as the Brazilian case. Likewise,
the institutional path, by prioritizing the occupation of intra-bureaucratic spaces and by
understanding the State as the main reorganizer of healthcare services and policies,
discredited other powerful spaces for strengthening and developing healthcare policy, and
in addition distanced away the Healthcare Movement from the popular and social
movements.

Keywords: Brazilian Sanitary Reform Movement; Brazilian Communist Party; Unified


Health System.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Força eleitoral dos partidos políticos (Brasil, 1966-1974) ............................ 47


Tabela 2- Configuração partidária de 1945 a 1985 (pluripartidarismo)......................... 48
Tabela 3- Resultados eleitorais de 1982 ....................................................................... 50
Tabela 4- Bancadas partidárias representadas no Congresso Nacional, 1983-
1989.................................................................................................................................55
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva


AIH- Autorização de Internação Hospitalar
AIS -Ações Integradas de Saúde
ANC- Assembleia Nacional Constituinte
ANL -Aliança Nacional Libertadora
ARENA -Aliança Renovadora Nacional
CEBES - Centro de Estudos Brasileiro de Saúde
CEP - Comitê de Ética em Pesquisa
CGT - Comando Geral dos Trabalhadores
CISAT- Comissão Intersindical de Saúde e Trabalho
CNRS - Comissão Nacional da Reforma Sanitária
CNRS - Comissão Nacional da Reforma Sanitária
CNS - Conferência Nacional de Saúde
COC/ Fiocruz - Casa de Oswaldo Cruz
CEB- Comunidades Eclesiais de Base
CONASP - Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária
CONASS - Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CUT - Central Única de Trabalhadores
DIESAT- Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes
de Trabalho
DPMs- Departamentos de Medicina Preventiva
ECEM- Encontro Científico de Estudante de Medicina
EDN- Estratégia Nacional Democrática
EDP- Estratégia Democrática Popular
ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública
FINEP- Financiadora de Estudos e Projetos
FIOCRUZ- Fundação Osvaldo Cruz
FNM - Federação Nacional de Médicos
IFF - Instituto Fernandes Figueiras
IMS- Instituto de Medicina Social
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MEP- Movimento de Emancipação do Proletariado
MEP- Movimento de Emancipação do Proletariado
MNU - Movimento Negro Unificado
MOPS - Movimento Popular de Saúde
MPAS- Ministério da Previdência e Assistência Social
MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MS -Ministério de Saúde
OMS - Organização Mundial de Saúde
OPAS - Organização Pan-Americana de saúde
ORM-POLOP- Organização Revolucionária Marxista- Política Operária
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PCI - Partido Comunista Italiano
PCUS - Partido Comunista da União Soviética
PDC- Partido Democrata Cristão
PDS - Partido Democrático Social
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PEPPE- Programa de Estudos Populacionais e Epidemiológicos
PESES - Programa de Estudos Sócio- Econômicos em Saúde
PFL -Partido da Frente Liberal
PL - Partido Liberal
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP -Partido Popular
PPS - Partido Popular Socialista
PSB- Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrático
PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira
PST - Partido Social Trabalhista
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
REME Movimento de Renovação Médica
SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEMSAT- Semana de Saúde do Trabalhador
SES- Secretaria Estadual de Saúde
SESAC -Semana de Saúde Comunitária
SMS - Secretaria Municipal de Saúde
SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS - Sistema Único de Saúde
TSE - Tribunal Superior Eleitoral
UDN - União Democrática Nacional
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFPB- Universidade Federal da Paraíba
UFRGS - Universidade Federal do Grande do Sul
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB - Universidade de Brasília
UNIRIO- Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP- Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 26
3. PARTIDOS POLÍTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS: INTERAÇÃO NO
SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO ......................................................................... 35
4. PARTIDOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA................................................................................................................ 45
4.1 DO BIPARTIDARISMO AO PLURIPARTIDARISMO............................................ 45
4.2 PARTIDOS POLÍTICOS E A SAÚDE ...................................................................... 60
5. O “PARTIDÃO”: TRAJETÓRIA DO PCB E SUAS ESTRATÉGIAS................... 69
5.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO PCB .......................................................................... 69
5.2 “RENOVADORES”: A ESTRATÉGIA ALTERNATIVA APRESENTADA PELOS
EUROCOMUNISTAS PARA O PCB (E POR QUE ISSO IMPORTA AO MOVIMENTO
DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA) ................................................................ 84
6. TRAJETÓRIA DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA: DA GÊNESE À
IMPLEMENTAÇÃO DO SUS...................................................................................... 93
7. A INTERAÇÃO ENTRE MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA E PCB: UM ENTRECRUZAMENTO DE HISTÓRIAS .................. 115
7.1 CONSTRUINDO OS ALICERCES: O PCB E A ORGANIZAÇÃO DE BASES DE
APOIO NO CAMPO DA SAÚDE................................................................................. 116
7.2 TRAÇANDO CAMINHOS: O PCB E A CONDUÇÃO ESTRATÉGICA DO
MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA .............................................................. 136
7.2.1 Aparelhamento institucional: um percurso por dentro do Estado .................... 137
7.2.2 Construção narrativa do suprapartidarismo: “Da unidade vai nascer a novidade”? . 145
8. RETOMANDO OS ENTRECRUZAMENTOS DE HISTÓRIAS ENTRE
MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA E PCB .............................................. 158
8.1 IDENTIFICANDO LACUNAS E RESSIGNIFICANDO ESTRATÉGIAS .............. 161
9. OUTROS OLHARES, OUTROS UNIVERSOS E OUTRAS UNIVERSALIDADES
- CONSIDERAÇÕES FINAIS E INICIAIS ............................................................... 177
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 183
APÊNDICE 1- TEXTOS DE APROXIMAÇAÕ DO TEMA: GÊNESE E ATORES
DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA ....................... 19698
APÊNDICE 2- AGENTES DA REFORMA SANITÁRIA CITADOS, SUAS
TRAJETÓRIAS E ARTICULAÇÃO COM PARTIDOS POLÍTICOS .................... 199
APÊNDICE 3- AGENTES DOS PARTIDOS POLÍTICOS E SUAS TRAJETÓRIAS
..................................................................................................................................... 209
APÊNDICE 4 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...... 225
APÊNDICE 5- ROTEIRO DE ENTREVISTA .......................................................... 226
15

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar a influência do Partido Comunista


Brasileiro (PCB) na construção das bases de apoio do Movimento da Reforma Sanitária
brasileira e na condução de suas estratégias políticas e organizacionais durante o processo
de construção do Sistema Único de Saúde (SUS).
O tema a ser investigado é um desdobramento de questões elucidadas em minha
dissertação de Mestrado em Saúde Pública defendida em 2015, mas é também fruto de
uma reflexão mais ampla que vem atravessando minha trajetória acadêmica e profissional
como trabalhadora do SUS: a tentativa de compreender e identificar percalços
enfrentados pelo SUS para a efetivação do direito à saúde como um conceito ampliado.
O primeiro contato com essa indagação se deu durante minha primeira experiência
em Saúde Pública no Instituto Fernandes Figueiras (IFF) da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) em 2006 onde, como estagiária em uma equipe multiprofissional, pude observar
o papel essencial do SUS na oferta de serviços à saúde à população e entrar em contato
com a literatura do campo da Saúde Coletiva. Foi também nessa mesma experiência, no
cotidiano das práticas, que vi materializadas as iniquidades de saúde, as desigualdades de
acesso aos bens e serviços de saúde, bem como os determinantes sociais e diferenças
estruturais da nossa sociedade que afetam a condição de saúde dos usuários. A doença
orgânica como fruto das condições de pobreza, da fome, da violência, do racismo, da
desigualdade de gênero, dentre uma série de outras mazelas ainda arraigadas na sociedade
brasileira e que os trabalhadores da saúde se deparam cotidianamente. Nesse sentido,
pude ir percebendo ao longo de minha trajetória profissional – na assistência à saúde
como psicóloga em grupos multiprofissionais e depois atuando como pesquisadora – que
mesmo garantido pela legislação, a efetivação do direito à saúde em sua concepção
ampliada, ou seja, considerando os determinantes sociais de saúde e extrapolando a
questão da ampliação dos acesso aos serviços, ainda encontra diversos entraves no SUS.
Na tentativa de me aproximar dessa questão busquei analisar na dissertação de
Mestrado os sentidos do princípio da universalidade na VIII Conferência Nacional de
Saúde (VIII CNS). Nela identificamos que, desde o processo de construção do
Movimento da Reforma Sanitária e da política nacional de saúde que de desdobraria no
SUS, múltiplos sentidos de universalidade estavam presentes. E embora o sentido mais
atrelado ao conceito ampliado de saúde tenha sido o mais vocalizado e defendido na VIII
CNS, no decorrer da implementação do SUS o sentido de universalidade
16

preponderantemente adotado foi aquele associado à ideia de ampliação dos serviços de


saúde, ou seja, uma concepção mais restrita que a anterior.
Foi também neste trabalho, que se tornou evidente a discussão em torno de uma
importante lacuna referente à participação dos partidos políticos na constituição das bases
de sustentação social e política do projeto do SUS. De acordo com diferentes autores
(COHN, 1989 JORGE, 1991; LACAZ, 1994; PAIM, 2008), na conjuntura pós-
constituinte as fragilidades das bases sociais e das forças políticas do Movimento da
Reforma Sanitária tornaram-se evidentes, destacando-se a carência de uma base social e
forte aliada à classe trabalhadora e o não comprometimento dos partidos políticos com a
proposta da Reforma Sanitária (PAIM, 2008).
De acordo com Ruscheinsky (1998), os movimentos sociais assim como os
partidos políticos fazem parte da composição de bases de sustentação de políticas e de
pautas nos espaços de deliberações e processos participativos. Os movimentos sociais,
através da pressão de ações coletivas e de maneira mais homogênea, atuam em prol da
garantia de diversos tipos de direitos sociais, exercendo influência em diferentes espaços
de participação social e, por vezes, na tomada de decisão política. Já os partidos políticos,
inseridos em um sistema político, possuem como papel a representação e a negociação de
propostas na agenda política a fim de garantir a institucionalização e implementação das
suas reivindicações. Geralmente, quando há a necessidade de aglutinação de forças e
unificação de lutas, esses dois elementos se aproximam com o intuito de suprimir
possíveis lacunas estruturais e potencializar esforços relativos a um objetivo
(RUSCHEINSKY, 1998).
No Brasil, o Movimento da Reforma Sanitária, nasce na década de 1970 no
contexto de ditadura civil-militar, tendo como tema fundante a defesa da saúde e da
democracia. Nos discursos do campo da Saúde Coletiva, é vocalizado como o mais
relevante movimento social da saúde por sua capacidade de mobilização coletiva e pela
proposição de um conjunto de transformações que visavam, não apenas a reformulação
do sistema de saúde vigente, mas a melhoria das condições de vida da população brasileira
diretamente relacionadas às condições de saúde (PAIM, 2008). Dentre os atores
populares que apoiavam este movimento, destacavam-se: o movimento sindical;
movimento popular; os trabalhadores de saúde; os técnicos, intelectuais e burocratas da
Saúde Coletiva; e partidos políticos (JORGE, 1991). No entanto, segundo Jorge (1991)
esta era uma base ainda considerada muito frágil, sendo necessária a composição de uma
força social a partir da articulação dos cinco grupos acima citados.
17

A ausência de uma participação mais significativa dos movimentos populares e


dos movimentos sindicais é frequentemente indicada como um dilema interno do
Movimento da Reforma Sanitária, também conhecido pelo que Arouca (1989) designou
como o “fantasma da classe ausente”. Nessa abordagem, embora seja reconhecida a
importância da representação dos movimentos para o fortalecimento das propostas da
saúde, a sua ausência era justificada pela sua pulverização e pela sua incapacidade de
organização estrutural diante do contexto repressivo da ditadura, cabendo, conforme
Escorel (1999), ao Movimento da Reforma Sanitária a tarefa de atuar como “porta-voz”
das classes subalternizadas. Da mesma forma, Cohn (1989) sinaliza que a questão dos
partidos políticos também é apresentada nas narrativas sobre o Movimento da saúde como
um permanente “nó crítico” e sua ausência igualmente justificada pela instauração do
regime ditatorial e suas alterações no contexto político-institucional brasileiro,
restringindo a atuação dos partidos. Como veremos mais adiante, o Ato Institucional nº5
(AI-5) implementado em 1968 condenara à ilegalidade os partidos políticos de esquerda
e progressistas do país instaurando, além de uma intensa repressão, o sistema político
bipartidário até o ano de 19791.
Para muitos analistas da saúde coletiva (TEIXEIRA, 1988; COHN, 1989;
TEIXEIRA E MENDONÇA, 1989; CORDEIRO, 1991; ESCOREL, 1999; ROGRIGUES
NETO, 2003) uma das estratégias adotada pelo Movimento da RS foi a criação de uma
espécie de aliança suprapartidária, também vocalizada por alguns atores de “Partido
Sanitário”, como uma tentativa de garantir uma unidade política que favorecesse a
reforma no setor saúde. Segundo Rodrigues Neto (2003), o “Partido Sanitário” tinha
como principal objetivo aproximar os partidos de esquerda e os segmentos progressistas
em torno de um projeto comum e a partir de uma frente ampla possibilitar a união de
diferentes agentes comprometidos com a questão da democracia e com as transformações
do campo da saúde sem que as divisões partidárias afetassem as ações construídas pelas
esquerdas unificadas. De acordo com Escorel (1999), o “Partido Sanitário” representava
um movimento coeso de profissionais de saúde e de pessoas vinculadas ao setor, que
lidava em seu interior com uma experiência plural de oposições.

1
No quarto capítulo deste trabalho veremos com mais detalhes a conformação do sistema bipartidário
instaurado pelo regime militar no ano de 1965 com o decreto do Ato Institucional nº2 (AI-2) e os
desdobramentos da instauração do AI-5.
18

No entanto, a partir da década de 1980 e com período de redemocratização do


país, as fragilidades e tensionamentos dos Movimentos até então invisibilizados pela
estratégia do suprapartidarismo tornam-se evidentes. Segundo Cohn (1989),
(...) durante o autoritarismo o enfrentamento do inimigo comum
não permitia explicitarem-se diferenciações internas ao próprio
movimento. E quando do período da transição democrática, vê-se
o movimento diante das suas diferenças internas e com enormes
dificuldades para enfrentá-las, numa dinâmica oscilante entre o
interno e o externo. (p.129).

Logo, se por um lado a não identificação dos partidos políticos e demais


movimentos sociais permitia a manutenção e coesão do Movimento da Reforma, por
outro o apagamento das diferenças e o silenciamento dos tensionamentos, inviabilizava a
incorporação de alteridades, a elaboração de projetos alternativos e o enfrentamento de
adversidades.
É curioso notar que, embora quase todas as lideranças do Movimento da Reforma
da Saúde tivessem algum tipo de vinculação partidária 2, a aproximação com os partidos
políticos era compreendida como um risco a unidade do grupo e como uma possibilidade
de estreitamento de suas bases de sustentação (DANTAS, 2017). Mesmo assim, embora
seja predominante na história “oficial” do Movimento da Reforma Sanitária a narrativa
em torno do suprapartidarismo, não é difícil encontrar menções a participação dos
partidos políticos especialmente os de matriz marxista como: o PMDB, PCB, PC do B,
PSDB e o PT (JORGE, 1991; JACOBINA, 2016).
Mas também no discurso dos atores do Movimento um partido se destaca como
principal articulador e aglutinador de militantes de esquerda no campo da saúde: o PCB
(COHN, 1989; BRASIL, 2006; PAIM, 2008; SOPHIA, 2012, JACOBINA 2016). Seja
pela presença de lideranças partidárias importantes – como David Capistrano e Sérgio
Arouca3 - ou pelo expressivo número de simpatizantes e militantes atuando em uma dupla
inserção entre partido e saúde, o fato é que o chamado “Partidão” 4 é frequentemente
assinalado como “O Partido” de grande influência para o Movimento (ESCOREL, 1999;

2
A identificação e o mapeamento dos principais agentes do Movimento da Reforma Sanitária brasileira
citados nas narrativas da literatura pesquisada e em entrevistas encontra-se no Apêndice 2.
3
David Capistrano e Sérgio Arouca são citados ao longo deste estudo como importantes personagens cuja
atuação se deu através de uma dupla inserção entre PCB e Movimento da Reforma Sanitária. Nos capítulos
6 e 7 deste estudo poderemos observar a relevância da atuação destas duas lideranças.
4
O PCB é também apelidado de “Partidão” por ser o mais antigo dos partidos comunistas no Brasil. Para
Cardoso (1984) a história dos partidos da esquerda brasileira, que se reivindicam marxistas, começa antes
pelo PCB. Nele também surgiram as principais lideranças da esquerda e dos grupos brasileiros ditos
marxistas.
19

JACOBINA 2016; VIERA- DA-SILVA, 2018), embora ainda sejam incipientes o número
de estudos que aprofundem e sistematizem análises nesta direção contribuindo para a
compreensão desse enunciado.
O reconhecimento da relevância do PCB para o Movimento da saúde em menções
e citações dos atores envolvidos nos sugere que essa articulação se deu de forma
alternativa e não explícita, possivelmente pela disseminação de suas ideias e de estratégias
políticas intrínsecas no modo de operar e fazer política, que neste trabalho chamaremos
de pontos de contato ou entrecruzamentos entre o Movimento da Reforma Sanitária e do
PCB, uma vez que o partido encontrava-se distante dos processos de institucionalização
formais e oficiais impostos pela ilegalidade e clandestinidade.
Para Cohn (1989), além das explicações históricas que justificam a não
explicitação da participação do PCB no Movimento da Reforma e a aposta na construção
de uma frente suprapartidária na literatura “clássica” do campo da saúde, há também a
ênfase na estratégia de aglutinação de forças na ocupação dos espaços institucionais em
uma disputa de pensamentos contra hegemônicos por dentro do Estado. Logo, tornam-se
pertinentes aqueles estudos que busquem investigar as condições de possibilidades que
permitiram tais configurações estratégicas. Como primeiras pistas a autora sugere que
talvez a explicação resida justamente nas propostas partidárias da liderança do
Movimento, até então pouco explicitadas, reforçando a necessidade de uma releitura de
suas versões "oficiais" (COHN, 1989).
É nessa direção, portanto, que a partir da releitura do Movimento da Reforma
Sanitária buscaremos analisar a influência do PCB e identificar os pontos de contato
existentes entre movimento e partido, tanto no processo de construção das bases de
sustentação política da Reforma quanto na condução de estratégias políticas e
organizativas durante o processo de elaboração do SUS.
Para isso, de forma específica nos aproximaremos de uma compreensão conceitual
sobre os partidos políticos, os movimentos sociais e as possibilidades de articulação entre
estes entes, uma vez que ambos se constituem como elementos de uma base de
sustentação política. Em seguida, será necessário apresentar o contexto político-
institucional brasileiro durante o período de gênese do Movimento da Reforma Sanitária
e de regime civil-militar, tentando compreender também a conformação dos partidos
políticos brasileiros nesse contexto. Outro ponto importante, será a apresentação breve da
história do PCB, prosseguida de um mergulho nas estratégias políticas e organizativas
centrais adotas e que compõem um certo modo de operar e fazer política pecebista. A
20

identificação destes pontos específicos auxiliará, portanto, na sedimentação do terreno


que nos conduzirá ao ponto principal deste trabalho de verificação dos pontos de contatos
e entrecruzamentos de histórias entre o Movimento da Reforma Sanitária e o PCB no
processo de construção de bases de apoio do Movimento e na condução de estratégias
para a elaboração e implementação do projeto do SUS.
Ao trazer à tona os modos de articulação estabelecidos entre o “Partidão” e o
Movimento da saúde, é importante estarmos cientes de que as escolhas empreendidas são
frutos de disputas internas, tensionamentos, alianças e negociações, não sendo esta uma
história com uma narrativa única, coesa e sem divergências. É por essa razão, que será
preciso antes problematizar e questionar a própria construção argumentativa defendida
no campo da saúde onde o suprapartidarismo e a ocupação dos espaços burocráticos
teriam sido suficientes para a garantir o direito à saúde, considerando-a em seu conceito
ampliado, e a sustentabilidade do projeto da Reforma Sanitária brasileira.
Segundo Stotz (2019), o discurso em torno do suprapartidarismo, ou do “Partido
Sanitário”, pouco contribui para avaliação do papel desempenhado pelos movimentos
sociais e dos partidos políticos (STOTZ, 2019) e ajuda a legitimar a crítica que aponta
convergência entre a transição democrática brasileira e o Movimento da Reforma como
um processo pactuado pelo “alto” (PAIM, 2008). De acordo com Cohn (2018) em análise
recente, seguir os pressupostos desenvolvimentistas e ocupar os espaços no interior do
aparelho do Estado para a partir de mudanças institucionais alcançar as mudanças sociais
almejadas – entendidas na época como a modernização e a democratização do país –
tornou-se o principal foco das atenções e da energia política dos quadros sanitaristas.
Caberia então indagar
até que ponto os intelectuais, acadêmicos e profissionais do setor
monopolizaram o discurso da saúde como um direito universal e
equânime, afastando por essa via o projeto da reforma sanitária
das demandas da sociedade, com suas múltiplas identidades,
valores e representações sociais (COHN, 2018, p. 233).

Dessa forma, ao colocarmos o nosso objeto de estudo em análise, pretendemos


identificar a presença de lacunas na base de sustentação política do projeto do SUS que
possam nos facilitar a compreensão dos descaminhos ainda hoje vivenciados para a
efetivação do direito à saúde atrelado ao seu conceito ampliado. Nesse sentido,
acreditamos que retornar ao passado para a partir dele obter uma releitura poderá nos
ajudar na compreensão do presente e disputar novos futuros.
21

No atual contexto, a via legislativa não tem se revelado mais como caminho de
negociação e persuasão política para propostas redistributivas e menos ainda para o caso
da política de saúde onde percebe-se uma concentração de capital investido para a eleição
de bancadas pró-mercado da saúde (COHN, 2018). Segundo Abranches (2018), desde o
final da eleição de 2014, a profundidade e a dimensão da crise política brasileira,
agravaram consideravelmente o descrédito social da representação política, onde
inúmeras disfunções ficaram mais visíveis. Para este autor, a crise brasileira tem raízes
locais, mas também se insere no contexto da radical transição que a democracia no mundo
está vivendo no século XXI, onde se visualiza uma falta de continuidade político-
institucional ao fluxo de políticas públicas que possam mudar efetiva e definitivamente
os indicadores sociais de qualidade de vida das populações.
O sistema representativo deixou de funcionar. Não só no Brasil.
Todas as democracias do mundo se oligarquizaram. Os partidos
são dominados por políticos que já não respondem aos eleitores e
sim a grupos de pressão e financiadores a eles ligados.
(ABRANCHES, 2018, p. 11).

A elucidação dessas lacunas e a necessidade de compreendê-las situadas no


cenário atual, se tornaria ainda mais relevante neste trabalho diante das mudanças no
cenário político brasileiro intensificadas a partir do ano de 2015. Da crise política que
culminou no processo de impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff até a eleição
do atual governo de cunho conservador, assistiu-se uma série de modificações e
constrangimentos das políticas de saúde e da oferta de serviços, interferindo diretamente
na sustentabilidade de ações até então conquistadas pelo SUS e asseguradas tanto pela
Constituição Federal de 1988 como pela Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90.
Tal cenário de instabilidade e de mudança política e suas consequências para o
campo da saúde, por si só, reforçavam a necessidade de uma investigação mais profunda
das bases de sustentação social e política do SUS. Contudo, em 2020, já no período de
finalização deste estudo, fomos surpreendidos e atravessados pela maior crise sanitária
dos últimos cem anos com a pandemia do novo coronavírus 5, onde o Brasil, infelizmente,

5
Os primeiros casos do novo coronavírus foram detectados em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan,
província de Hubei, na República Popular da China. Organização Mundial da Saúde (OMS) e as autoridades
chinesas confirmaram a identificação de um novo tipo de coronavírus em janeiro de 2020. O novo
coronavírus nomeado SARS-CoV-2 é responsável por causar a doença COVID-19. Em 30 de janeiro de
2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de
Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no
Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS
como uma pandemia, que se refere à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade. A
22

está entre os países que lideram o número de contaminação e de vítimas fatais6 da doença.
Nesse contexto inédito ao SUS, além da percepção da fragilidade de suas bases de
sustentação social e política, também se escancaram e aprofundam as iniquidades em
saúde, as desigualdades de acesso aos serviços de saúde, bem como os seus determinantes
sociais que, além da desigualdade econômica e de classe, se agravam pelo racismo
estrutural, pela desigualdade de gênero, dentre outras características que compõem a
formação da sociedade brasileira 7.
Por outro lado, o contexto pandêmico tem sido contundente em apontar o caráter
essencial dos sistemas universais de saúde. No Brasil, o SUS tem desempenhado um papel
central – mesmo sob pressão e com a escassez de planos de ação e recursos – primeiro,
pelo comprometimento dos seus trabalhadores e, em segundo, por ofertar serviços de
saúde aos maiores acometidos e vítimas dessa pandemia: a população subalternizada
majoritariamente pobre, negra, quilombola, indígena, LGBTQI+ e periférica dos quatro
cantos deste país. A pandemia em curso vem expondo e confirmando, portanto, que ainda
são estes sujeitos que mais adoecem e mais morrem, indicando que a concepção de saúde
ampliada outrora almejada e garantida pela lei, assim como as estratégias conduzidas pelo
Movimento da Reforma Sanitária durante a construção do SUS, ainda não foram
suficientes para garantir o direito à saúde para todos de forma universal, nos levando a
questionar, afinal: “Direito para quem”? (BAPTISTA, BORGES E REZENDE, 2019).
Maio e Monteiro (2005) inferem em seu estudo que a trajetória do Movimento da
Reforma Sanitária, uma espécie de intelligentsia, veria com estranheza um mundo
movido através de constructos raciais. Inspirados no pensamento de Grin (2004) sobre a
discussão em torno da questão racial no Brasil, estes autores afirmam que o Movimento

designação reconhece que, no momento, existem surtos de COVID-19 em vários países e regiões do mundo
(OPAS, 2020).
6
No dia 08 de agosto de 2020 o Brasil alcançou a marca dos mais de 100.000 óbitos pela COVID-19.
Matéria Site G1. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/08/08/brasil-
supera-100-mil-mortes-por-covid-19-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml
7
A política de controle da COVID-19 e os seus resultados (aparentemente incipientes) tem sido permeada
por um cenário marcado pela polarização e o negacionismo de autoridades. O vírus chegou primeiro em
grandes capitais do Brasil em março de 2020 e agora avança pelo interior ganhando velocidades distintas
em cada região. A epidemia no Brasil revela e aprofunda as desigualdades históricas de acesso ao sistema
de saúde, levando ao colapso regiões menos estruturadas do Norte e Nordeste do Brasil e nas grandes
metrópoles com grande fluxo populacional. Dentre os mais afetados estão a população indígena, negros e
pessoas com baixa escolaridade que além de mais vulneráveis à contaminação, apresentam maior taxa de
óbito. Pessoas falecidas que se autodeclararam como brancas acessaram consideravelmente mais leitos de
UTI, quase oito em cada dez mortes, enquanto os que se identificaram como pretas, pardas e amarelas,
menos de sete em cada dez tiveram acesso à leitos de UTI. Esse retrato da desigualdade é ainda mais duro
para a população indígena onde apenas seis de cada 10 indígenas que morreram por covid-19 tiveram acesso
à leitos de UTI. (JUCÁ; GALINDO, 2020)
23

da saúde estaria informado por alguns princípios da tradição de esquerda, de corte


nacionalista, a saber:
1) longa tradição sociológica que opera com a categoria de classe
social para tratar as desigualdades sociais; 2) tradições de
esquerda cuja utopia socialista e nacionalista não concebe atores
raciais; 3) sensibilidade moral cujo princípio de justiça identifica
na privação absoluta o foco para o qual a sociedade deve estar
mobilizada. (GRIN, 2004, p.100).

No entanto, de acordo com Faustino (2017), o debate sobre o direito à saúde se


insere no contexto de eclosão de novos movimentos sociais na cena política, a partir da
segunda metade do século XX, que com a entrada de novos atores políticos, passam a
disputar os termos em torno do que se entende por direitos, não necessariamente centrados
a partir das contradições de classe. Essa reconfiguração resultou em uma progressiva
diversificação tanto dos atores demandantes quanto das reivindicações e noções de direito
que são mobilizados também em termos identitários como gênero, orientação sexual,
raça/etnia, nacionalidades, faixa etária, dentre outras ramificações. Duas perspectivas
passam a ser tensionadas: a luta pela distribuição dos direitos e dos recursos necessários
à sua efetivação; a luta pelo reconhecimento das diferenças historicamente
desvalorizadas. Se na primeira, o foco é principalmente o combate às injustiças e
desigualdades econômicas e políticas, na segunda as diferenças socialmente presumidas
são tomadas, não para propor a sua supressão, mas para afirmá-las e positivá-las em suas
diferenças supostamente específicas (FRASER, 2012; FAUSTINO, 2017).
O que procuraremos ressaltar com este estudo, portanto, é o entendimento de que
o processo de luta política no campo da saúde nunca foi simples, pois é marcado pela
complexidade e por processos de exclusões, mesmo em cenários menos adversos do que
o que nos encontramos hoje. Contudo, a crise que agora enfrentamos explicitam políticas
de retrocesso valorizando processos de necropolítica, que segundo Mbembe (2016), são
as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte através de políticas do
“deixar morrer”. Referem-se as
várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo,
armas de fogo são implantadas no interesse da destruição máxima
de pessoas e da criação de “mundos de morte”, formas novas e
únicas da existência social, nas quais vastas populações são
submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de
“mortos-vivos. (MBEMBE, 2016, p. 146).
24

Nesse sentido, corroboramos com o entendimento da necessidade de insistir na


pauta da “defesa da vida”8 que inclua o compromisso e o respeito à diversidade e ao que
somos naquilo que construímos historicamente, assumindo à risca uma concepção
ampliada de saúde.
Democratizar a saúde hoje e reafirmar o conceito ampliado de
saúde exigem que não fechemos os olhos nem ouvidos para o que
acontece com as comunidades em todo o País, para as
desigualdades de renda estruturais e também para a violência no
cotidiano, fruto do racismo e do machismo estruturais. Não é
possível garantir saúde sem bem-estar e vida digna. Por um lado,
continuamos no embate por investimento em políticas públicas,
para garantir trabalho, renda, acesso e posse da terra, habitação,
educação, cultura, alimentação, meio ambiente, transporte,
liberdade, acesso a serviços de saúde, como consta no Relatório
da VIII Conferência Nacional de Saúde, de 1986; por outro,
pautamos a luta contra a cultura colonialista, patriarcal, machista
e racista de nosso Estado e sociedade. (BAPTISTA, BORGES E
REZENDE, 2019, p. 6).

É, portanto, diante do exposto e com vistas a alcançar o objetivo deste estudo, que
após apresentação dos caminhos metodológicos que nos nortearão, no terceiro capitulo
nos aproximaremos da temática em torno da conceituação dos partidos políticos e dos
movimentos sociais, bem como a articulação entres estes dois entes na composição de
bases de sustentação de políticas e de pautas na agenda política e nos espaços de
deliberação. No quarto capítulo elucidaremos o contexto político-institucional brasileiro
e a conformação dos partidos políticos no período de gênese do Movimento da Reforma
Sanitária e do processo de elaboração de seu projeto até o final da década de 1980, a fim

8
O modelo de atenção “Em Defesa da Vida” foi elaborada pelo Laboratório de Planejamento (LAPA) do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas e aperfeiçoada por trabalhadores e dirigentes de instituições hospitalares e secretarias
municipais de saúde de cidades como Campinas, Piracicaba, Ipatinga, Belo Horizonte, Betim, Sumaré,
Hortolândia, Volta Redonda e Paulínia. Está pautado na defesa das diretrizes básicas dos SUS, e na
construção de dispositivos e arranjos institucionais com o objetivo de garantir a gestão democrática dos
estabelecimentos de saúde, o acolhimento humanizado da clientela, o acesso a serviços resolutivos e o
fortalecimento de vínculos entre profissionais e usuários com a clara definição de responsabilidades.
Incluem-se ainda concepções com importantes conseqüências operacionais tais como: “ a) a valorização de
ações em microespaços, consideradas estratégicas para a mudança, sem com isso desconhecer-se o papel
dos determinantes macroestruturais (Merhy, 1997); b) o entendimento de que sem a participação dos
trabalhadores, médicos incluídos, não é possível haver mudanças no setor público de saúde; c) o resgate do
usuário como sujeito da mudança, valorizando o papel do mesmo no dia-a-dia dos serviços de saúde, assim
como em fóruns de deliberação coletiva, tais como os conselhos de saúde; d) a compreensão de que, se a
demanda espelha, por um lado, a oferta de serviços e a ideologia/cultura dominante, por outro, ela traduz
as aspirações da sociedade por novos padrões de direitos sociais, revelando elementos da subjetividade do
usuário, devendo, portanto, ser criticamente incorporada ao processo de organização dos serviços de saúde
(Campos, 1991; Merhy, 1995); e) a necessidade de se reformular a clínica e a saúde pública com base nas
reais necessidades dos usuários; f) a importância de se utilizarem, de maneira conseqüente e criativa,
tecnologias de disponíveis em outros projetos assistenciais.” (CARVALHO; CAMPOS, 2000, p.508).
25

de compreender as condições de possibilidades que propiciaram a sua emergência. Já no


quinto capítulo apresentaremos brevemente a história do PCB e analisaremos as
estratégias políticas adotadas em sua trajetória política trazendo para o debate os pontos
importantes do seu modus operandi a fim de identificar as principais características que
o constitui. No sexto capítulo traremos as narrativas em torno da criação do Movimento
da Reforma Sanitária e de sua trajetória, apresentando seus objetivos, seus componentes,
trazendo à luz também alguns conflitos e tensionamentos existentes em seu interior. Uma
vez apresentadas a trajetória do PCB e do Movimento da Reforma Sanitária, no sétimo
capítulo mergulharemos na análise das diferentes narrativas em busca da identificação
dos pontos de contato e do entrecruzamento de histórias, evidenciando as principais
estratégias, ou modos de operar, confluentes entre esses dois agentes. No oitavo capítulo
identificaremos as lacunas e os desafios que se apresentam como consequência das
condições de possibilidades identificadas naquele período, bem como das escolhas
estratégicas empreendidas pelo Movimento da saúde em convergência com as ideias do
PCB. E por fim, o nono capítulo com as considerações finais, trazendo para discussão de
que forma a identificação da fragilidade das bases políticas e sociais de sustentação do
SUS podem contribuir para o enfrentamento dos entraves e dificuldades para a
consolidação do direito à saúde em sua concepção ampliada.
26

2. CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para alcançarmos a compreensão de nosso objeto de estudo que consiste em


verificar a influência do PCB na construção de bases de apoio do projeto do Movimento
da Reforma Sanitária e na condução estratégica e organizativa do processo de elaboração
do SUS, traçamos o que chamaremos neste estudo de caminho metodológico. Queremos
com isso dizer que adotaremos uma perspectiva metodológica mais abrangente onde
partindo de um primeiro reconhecimento do tema, seguiremos pistas e indícios
apresentados nas narrativas e documentos investigados para dar seguimento às etapas do
estudo e ir delineando os achados da pesquisa e o objeto. Antes de seguirmos, no entanto,
é necessário apresentarmos alguns pontos de partida que darão alicerces ao terreno onde
caminharemos e fornecerão as lentes para a leitura dos achados ao longo da jornada
investigativa.

A primeira delas é uma concepção de objeto e sujeito alinhada a perspectiva


construcionista que os considera como construções sociais. Da mesma forma, o
conhecimento é entendido como uma construção social, que uma vez produzido
socialmente, constrói ambos: o sujeito e o objeto (SPINK, 2010). Segundo Spink (2010),
na maior parte das vezes as ideias efetivamente acabam por definir o objeto como um
subproduto de uma matriz – um conjunto de elementos – para que algo possa ser
construído. Nesse sentido, não bastaria focalizar a evolução das ideias, mas entender
como essa ideia emerge na matriz de eventos que é sua condição de possibilidade.
Metodologicamente, “o construcionismo traz para a pesquisa uma postura desreificante,
desnaturalizante, desessencializadora que radicaliza a natureza social do nosso mundo
vivido e a historicidade de nossas práticas” (SPINK, 2010, p. 11). Os objetos tomados
como naturais são aqui entendidos como objetivações decorrentes de nossas construções,
de nossas práticas (SPINK, 2010).
Nessa perspectiva, nos interessa não mais partir dos “universais”, mas sim colocar
em suspenso os conceitos e questionar as verdades absolutas transmitidas nos discursos e
acontecimentos da história. Com isso, pretendemos escapar da essência dos conceitos e
valorizar como estes funcionam e operam nas realidades, abrindo margem para o
inusitado e para a liberdade de encontrar o inesperado, uma vez que se dispõe a falar dos
discursos silenciados e seus efeitos (BAPTISTA; BORGES; MATTA, 2015).
Portanto, retornar ao passado com o intuito de dessacraliza-lo e “destruir as
venerações tradicionais” nos possibilita trazer à luz as condições de construção dos
27

saberes postas em jogo, identificando as suas formações discursivas correntes e


elucidando a diversidades de estratégias políticas ou de enunciados que sustentam a
manutenção de práticas discursivas (BAPTISTA; BORGES; MATTA, 2015). A
recuperação histórica também propicia a demonstração e a análise das interações sociais
historicamente situadas e os caminhos que levaram ao estabelecimento de algum fato ou
entidade do presente (SPINK, 2010).
Larrosa (2004), ao discorrer sobre o ensaio histórico 9 utilizado em estudos de
arqueologia10 e genealogia, afirma que um “ensaio surge quando se abre a possibilidade
de uma nova experiência do presente” (p.33). O ensaio, portanto, pode ser encarado como
uma escrita que estabelece uma certa relação com o presente, mas que ao mesmo tempo,
se produz através da distância. Nele o pesquisador entenderá que o tema de suas histórias
não é o passado, mas sim a história do presente. Compreende-se, assim:
não a verdade de nosso passado, mas o passado de nossas
verdades; não a verdade do que fomos, mas a história do que
somos, daquilo que, talvez, já estamos deixando de ser. (....)
Sempre se trata de desconjuntar o presente, de desnaturalizar o
presente, de estranhar o presente, de converter o presente, não em
um tema, mas em um problema, de fazer com que percebamos
quão artificial, arbitrário e produzido é o que nos parece dado,
necessário ou natural, de mostrar a estranheza daquilo que nos é
mais familiar, a distância do que nos é mais próximo.
(LARROSA, 2004, p.34).

É nesse sentido que entendemos como desafio a adoção de metodologias que se


proponham a encarar a investigação sem antes antecipar os passos a serem dados,
apresentar o percurso prefixado ou uma folha de rota desenhada com os resultados que se
espera obter (BORSANI, 2014). Haber (2011) afirma, por exemplo, que a metodologia
disciplinada – que em sua concepção seria asfixiante e naturalizada sob o discurso
universal da ciência positivista-funcionalista – deve ser repensada.
Ao propor uma “investigação indisciplinada ” o autor indica que as pistas e indícios
é que nos fornecem o caminho metodológico a ser percorrido, considerando as

9
Larrosa (2004) neste artigo faz uma releitura sobre o ensaio histórico utilizado por Foucault em sua
genealogia do poder e nos estudos de arqueologia do saber .
10
De acordo com Mattos (2011) Arqueologia e genealogia são modos complementares de análises
históricas, com procedimentos diferentes e visão de história semelhante. Utilizando a definição trabalhada
por Foucault o autor aponta que à arqueologia cabe fazer uma história dos sistemas de pensamento, cuja
tarefa é, “analisar as formas próprias da problematização” pelas “práticas discursivas que articulam o
saber”, investigando a formação de saberes. Enquanto à genealogia cabe fazer uma história dos sistemas de
coerção, mostrando a formação destas problematizações a partir de práticas não-discursivas (e de
modificações dessas práticas), pelas “relações múltiplas, as estratégias abertas e as técnicas racionais”
investigando sistemas de coerção que regulam práticas e os processos de subjetivação neles envolvidos.
28

possibilidades oferecidas pelo reconhecimento de lacunas, silenciamentos, apagamentos,


que frequentemente são obstruídos, secundarizados ou desconsiderados em modelos
metodológicos protocolares. Além disso, mais do que conhecer os passos, as pistas ou
“pegadas” encontradas no caminho nos sinalizam a direção de quem transitou aquele
percurso.
A investigação é seguir as pegadas. A investigação indisciplinada
é seguir o negativo das pegadas que persistem ainda que ausentes,
é escutar o não dito das palavras. Metodologia disciplinada é
seguir a sequência protocolizada de ações para adquirir
conhecimento, traçar o caminho que se deve seguir.
Nometodologia11 é seguir todas aquelas possibilidades que o
caminho esquece, que o protocolo obstrui, que o método reprime.
Isto é conhecimento em movimento. (HABER, 2011, p.29,
tradução nossa)

É, portanto, seguindo esta linha de raciocínio que para investigar os pontos de


contato entre PCB e o Movimento da Reforma Sanitária brasileira tanto no processo de
construção de bases de apoio quanto na condução estratégica e organizativa da política
de saúde brasileira, foi realizada uma primeira aproximação da temática a partir de uma
revisão bibliográfica de textos sobre a gênese e o processo de criação do Movimento da
Reforma Sanitária buscando colocar em suspenso os seus conceitos fundantes e a sua
história “oficial” para conseguir identificar as construções narrativas em torno da sua
criação, objetivos, condução e agentes12.
Ao nos debruçarmos sobre a temática verificamos a existência, primeiro de um
tensionamento referente à constituição de bases de apoio social e político do Movimento;
segundo, a lacuna referente à atuação mais específica dos partidos políticos. Esta lacuna,
por sua vez, era subsumida na construção narrativa recorrente ou “oficial” pelo discurso
do suprapartidarismo e pela ideia de “Partido Sanitário”, sendo genéricas as indicações
de partidos políticos. Dentre estas indicações, no entanto, destacou-se a menção ao PCB
como um partido, que embora estivesse na clandestinidade, conseguia aglutinar forças do
campo progressista e da esquerda para resistência contra a ditadura militar, sendo assim
muito influente no campo da saúde mesmo que de maneira implícita ou de forma não

11
Haber (2011) denomina nometodologia como uma: “arqueologia indisciplinada. Indisciplinado de sua
metafísica disciplinar, a arqueologia fala das relações vestigiais, isto é, do que é e não é ao mesmo tempo-
espaço (apesar da dissecação disciplinar que recapitula e consolida a violência colonial). Não é, como
afirma a arqueologia disciplinar, sobre o passado através seu material permanece, mas sobre a presença do
passado na matéria e alma das coisas, isto é, sobre a inevitável consubstancialidade de outros espaços-
tempos, apesar e contra moderno / capitalista / disciplinar / colonial.” [tradução nossa]. (p.31)
12
Agentes sociais, tal como definidos por Pierre Bourdieu (2004), como aqueles sujeitos que tanto fazem
parte de campos quanto também os estruturam.
29

institucionalizada/“oficial”. Nesse sentido, o primeiro mergulho na literatura que buscou


teorizar o Movimento da Reforma Sanitária brasileira, possibilitou a preparação do
percurso de análise onde as lacunas identificadas foram apreendidas como pistas e
indícios para os próximos passos metodológicos. Segundo Haber (2011):
O reconhecimento diz pelo menos três coisas. Um
reconhecimento é uma exploração, uma aproximação.
Reconhecemos um território com o qual não estamos
familiarizados, tomamos com isso um primeiro contato, uma
abordagem que nos permite, se não o conhecer completamente,
pelo menos nos relacionar com esse território. (...) Em segundo
lugar, um reconhecimento é voltar a conhecer. Reconhecemos
aquilo e aqueles que conhecemos antes. Ao reconhecer,
identificamos os enunciados prévios com os quais nomeamos,
restabelecemos relações entre palavras e coisas, e permitimos que
essas relações, à beira do esquecimento, se revelem em sua
arbitrariedade. Por fim, reconhecer é também aceitar que as coisas
são diferentes de como acreditamos nelas. (p.18, tradução nossa).

Uma vez identificadas as lacunas e a construção narrativa em torno da participação


dos partidos políticos no Movimento da saúde, perguntas norteadoras foram elencadas
como um fio condutor a nos auxiliar na rota de investigação e a que caminhos tomar. Ao
analisar as narrativas e documentos sobre o Movimento nos perguntamos: Como se deu
a criação de bases de sustentação do Movimento da Reforma Sanitária? Quais estratégias
foram elencadas? Quais atores, instituições foram atuantes, implicitamente ou
explicitamente, nessa construção? Com relação à condução política, quais estratégias
foram adotadas pelo Movimento e de que maneira elas se alinham, se referenciam ou
identificamos pontos de contato com as estratégias e/ou modos de operar do PCB? Quais
os caminhos traçados pelo Movimento da Reforma Sanitária brasileira e de que forma
identificamos o entrecruzamento de histórias entre ele e o PCB?
Para respondê-las um outro ponto importante a ser considerado é a concepção de
política adotada ao longo deste trabalho que compreende que sua construção formal
ultrapassa os limites dos governos e de suas instituições oficiais (BAPTISTA;
MATTOS, 2015). Nessa perspectiva, para apreendermos o processo de construção de
uma política consideramos que
nenhuma política formal é distante de um contexto social. Ela é
fruto de embates e conflitos de posições e de percepções de
mundo. Há vida na política e ela é a expressão de acordos
momentâneos e dinâmicos, que expressam contextos históricos
de cada sociedade (BAPTISTA ; MATTOS, 2015, p.19).
30

Mesmo as políticas governamentais, os programas, projetos e documentos de


partidos políticos, são influenciados por conflitos e debates entre grupos e sujeitos e
podem expressar interesses em disputa e um dado modo de construção social a respeito
de um tema. A política torna-se, assim, um exercício do poder e as decisões passam a ser
a expressão de uma correlação de forças dos arranjos sociais que se impõem uns frente
aos outros. Analisar a construção de uma política através desta perspectiva significa
buscar identificar e analisar as relações de poder em ação, o processo de formulação e de
tomada de decisões nos diferentes âmbitos de atuação da política (BAPTISTA;
MATTOS, 2015).
Por essa razão, buscaremos explicitar os processos de negociação e os principais
tensionamentos presentes na construção das bases de sustentação do Movimento da
Reforma Sanitária e na condução estratégia do projeto do SUS, reconhecendo os
diferentes grupos. O mesmo será aplicado à análise da trajetória do próprio “Partidão”,
uma vez que este também era composto por distintas correntes e vertentes em tensão e
disputas internas. É igualmente pertinente considerar em nossa análise as estratégias e
propostas silenciadas, perdidas nas disputas ou que não se tornaram “estratégias oficiais”,
pois, permitem explorar os modos de fazer e a forma como foi conduzida a construção da
base política do setor saúde.
De maneira específica ao caso brasileiro, Ruschensky (1998) aponta para a análise
dos partidos políticos em interação com os movimentos sociais indicando que é preciso
considerar a existência de um plano discursivo ou a representação de como um
movimento social através de suas lideranças e seus porta-vozes constroem a sua própria
imagem pública.
Assim sendo torna-se salutar reconhecer que as lutas sociais
também se constroem no plano da retórica, não no sentido
pejorativo, mas no intuito de consolidar um campo discursivo
através do qual estão se posicionando perante uma série de
dilemas e desafios das conjunturas políticas (RUSCHENSKY,
1998, p. 87).

Neste contexto, para o autor não seria uma tarefa simples delinear a prática de
grupos de esquerda nas instâncias dos movimentos sociais, enquanto se movem na
clandestinidade e ao mesmo tempo atuam com uma outra fachada legal. Tal fato, geraria
consequências diversas frente à vínculo ideológico de estatuto específico e ao mesmo
tempo a identificação exterior ou pública com um partido institucional, devido à disputa
pela hegemonia política junto aos movimentos sociais e à questão ideológica e
31

programática, bem como as influências para negociação de demandas (RUSCHENSKY,


1998). Isso requer, portanto, que a abordagem utilizada possibilite demonstrar como se
deu, ou não, a evolução de um discurso da autonomia dos movimentos sociais para o
estabelecimento de relações com a esfera partidária. Da mesma forma, a investigação
poderá mostrar se este discurso de autonomia corresponde, ou não, ao exame dos fatos
propriamente ditos, uma vez que sempre existiam opções partidárias no interior das
mobilizações públicas e os entendimentos com a esfera pública impuseram delimitações,
especialmente no que diz respeito ao campo da legalidade (RUSCHENSKY, 1998).
Então, pode-se perguntar se opções partidárias são assimiladas e
tomadas no transcurso do desenvolvimento da demanda ou se se
observa a presença de agrupamentos partidários atuando no curso
da estruturação das lutas sociais (RUSCHENSKY, 1998, p. 87).

Em nosso estudo, a análise da literatura sobre a constituição do Movimento


Reforma Sanitária empreendida como uma etapa de reconhecimento do tema 13, foi
prosseguida de uma análise do contexto político-institucional do período de gênese do
Movimento da saúde com vistas a compreender as condições de possibilidades que
permitiram a sua emergência. Compondo essa matriz, como um conjunto de elementos,
também investigamos na trajetória do PCB e do Movimento da Reforma elementos que
nos possibilitassem compreender as condições de possibilidade para uma articulação
entre ambos. Tal elucidação também possibilitou o mapeamento de agentes 14 e a
identificação de grupos em disputas na apresentação de pautas, estratégias e narrativas.
Logo, estruturou-se em sequência uma etapa importante desta investigação que
consistiu na compreensão das diferentes narrativas em disputas em torno da questão da
atuação dos partidos políticos, destacando-se o PCB, na construção das bases do
Movimento da saúde e no projeto de elaboração do SUS. Essas narrativas foram obtidas
em entrevistas previamente realizadas com os atores do Movimento encontradas na
literatura, em revistas e periódicos do campo da Saúde Coletiva. Também utilizamos
como fonte três entrevistas realizadas por Leandro Gonçalves em 2017 com atores-chaves
do Movimento da Reforma Sanitária fruto da etapa metodológica de sua Tese de
Doutorado (GONÇALVES, 2018) – gentilmente cedidas ao nosso estudo e autorizadas
previamente pelos entrevistados. Foram ainda realizadas mais quatro entrevistas através

13
Como primeira etapa de aproximação do tema elencamos em nossa análise textos da literatura da Saúde
Coletiva que buscavam teorizar e/ou identificar atores do Movimento da Reforma Sanitária do Brasil. Ver
em Apêndice 1.
14
Apêndices B e C.
32

de roteiro semi-estruturado (apêndice 5) com atores-chaves do Movimento da Reforma


Sanitária e que durante a sua trajetória profissional e/ou militante estiveram próximos à
discussão entre partidos políticos e o Movimento da saúde. A realização dessas
entrevistas serviu como uma estratégia metodológica de apoio ao estudo, auxiliando na
compreensão de pontos e tópicos que não tinham sido esclarecidos na análise de
narrativas previamente realizadas. Para o cumprimento desta etapa o projeto foi enviado
e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da ENSP15 e aplicado o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido para as entrevistas 16.
Aqui a entrevista é entendida também como prática discursiva, tal como ação
(interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se
constroem versões da realidade (PINHEIRO, 2004). Uma vez que a linguagem é o que
constitui o sentido, para Reis (2010) a história é entendida como uma representação
narrativa de representações-fontes e a narrativa histórica uma construção imaginativa do
passado. Ao explorar as narrativas históricas nas entrevistas, diferentemente do trabalho
do historiador, podemos realizar o exercício filosófico de pensar a própria história e nos
permitir pensar diferentemente.
Corroboramos, assim, com a ideia de Mendonça e Gonçalves (2019), e não nos
projetamos a pensar a história humana como uma reta ou direcionada para a frente, em
progresso, mas sim nos aproximando de
(...) experiências e referências passadas para nos lançar ou nos
proteger do futuro. Mesmo que essas experiências não se repitam,
elas nos inspiram, nos forçam a performances muito próximas às
de gerações muito distantes de nós no tempo e no espaço
(MENDONÇA E GONÇALVES, 2019, p. 206).

Com esse intuito, é que ao lançarmos nosso olhar aos achados da pesquisa – além
de todos os pressupostos aqui apresentados – nos parece interessante também incluir em
nossa lente de análise uma perspectiva que se alinha ao pensamento de autores do campo
de estudos decoloniais 17, sobretudo na América Latina a partir dos anos 1990 que

15
Nº parecer consubstanciado do projeto 3.265.671
16
Apêndice 4.
17
Segundo Ballestrin (2013) apresenta O a trajetória e o pensamento do Grupo Modernidade/Colonialidade
(M/C), constituído no final dos anos 1990. Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas
universidades das Américas, o coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a
renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do
argumento pós-colonial no continente por meio da noção de "giro decolonial". Assumindo uma miríade
ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradição crítica de pensamento latino-americano, oferece
releituras históricas e problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a "opção decolonial"
- epistêmica, teórica e política - para compreender e atuar no mundo, marcado pela permanência da
colonialidade global nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva.
33

apresentam outros elementos para a análise da produção de conhecimentos e de saberes


no campo das ciências sociais. Embora não seja tarefa central do estudo aprofundar em
sua análise, os processos da colonialidade na produção de conhecimento e de saberes
ficou evidente durante nossa trajetória investigativa do objeto de estudo e, principalmente
no desvelar dos seus achados, que características arraigadas na formação social brasileira
– como expressões da colonialidade – se fazem presentes na condução de estratégias e
na construção de bases de sustentação de uma política e que isso não seria diferente na
relação estabelecida entre “Partidão” e Movimento da Reforma Sanitária brasileira. Nesse
sentido, mesmo não explorando tais conceitos ao longo deste trabalho, nos pareceu
interessante ao seu final sinalizar e indicar para estudos futuros a inclusão de uma
perspectiva que considere na análise de políticas os processos de colonialidade.
Muito brevemente, trazemos a definição de colonialidade desenvolvida por
Mignolo (2010) que a entende como parte indissociavelmente constitutiva e necessária
da modernidade, onde a matriz colonial do poder é uma estrutura complexa de níveis
entrelaçados, reproduzidas em uma tripla dimensão: a do poder, do saber e do ser. De
acordo com Castro-Gomez (2005), os estudos de arqueologia e de genealogia tal como
concebidas por Foucault, acabam deixando de capturar em suas análises lógicas
fundamentais de reprodução da colonialidade 18 do saber: o eurocentrismo 19 e o
colonialismo. Segundo Quijano (2005),
A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu
uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir
conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de
poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. Essa
perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se
reconhecem como eurocentrismo (p. 9).

Direcionando esta discussão para o campo da análise de políticas, Ballestrin


(2013), destaca a ausência de elaboração e preocupação com a teoria democrática no
espectro da modernidade/colonialidade apontando, entretanto, que uma das estratégias

18
Na perspectiva dos pensadores decoloniais é possível identificar a emergência de uma colonialidade do
poder - guerra, genocídio e conquista das Américas - e da colonialidade do saber, diretamente associado a
“diferença colonial e geopolítica do conhecimento (MIGNOLO, 2002).
19
“Eurocentrismo e, aqui, o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática
começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são
sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente
hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu
associada a específica secularização burguesa do pensamento europeu e a experiencia e as necessidades
padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América”
(QUIJANO, 2005, p. 9).
34

dos pensadores decoloniais consiste justamente na revisão do que é considerado clássico.


Questionam, portanto, o universalismo etnocêntrico, o eurocentrismo teórico, o
nacionalismo metodológico, o positivismo epistemológico e o neoliberalismo científico
contidos nas principais correntes das ciências sociais. Embora se reconheça a importância
de autores que no contexto da modernidade eurocêntrica apontaram o sofrimento humano,
a denúncia ao eurocentrismo do marxismo, por exemplo, se insere na sua afirmação como
única utopia radical, crítica e anticapitalista, para o século XXI (BALLESTRIN, 2013).
O processo de decolonização não deve ser confundido com a
rejeição da criação humana realizada pelo Norte global e
associado com aquilo que seria genuinamente criado no Sul, no
que pese práticas, experiências, pensamentos, conceitos e teorias.
Ele pode ser lido como contraponto e resposta à tendência
histórica da divisão de trabalho no âmbito das ciências sociais
(Alatas, 2003), na qual o Sul Global fornece experiências,
enquanto o Norte Global as teoriza e as aplica (Connell, 2012)
(BALLESTRIN, 2013, p.108).

Acreditamos, portanto, que a inclusão deste ponto-chave de leitura em nossa


análise poderá agregar uma importante contribuição para a discussão em torno da análise
da política nacional de saúde no Brasil. Em nossa hipótese, o processo de construção de
bases de sustentação do Movimento da Reforma e as estratégias para condução do projeto
de elaboração do SUS, ao serem influenciadas por um partido de esquerda de vertente
marxista, que naquela determinada conjuntura política atuava sob uma determinada
racionalidade e pensamento teórico, possa ter deixado de capturar e incluir como
preocupação ou prioridade uma série de nuances presentes na composição da sociedade
brasileira, expressões de um processo de colonialidade que extrapolam as questões de
classe social. Nesse sentido, buscaremos pelo menos apontar certos padrões de
reprodução de processos de colonialidade, nas estratégias elencadas como prioritárias em
detrimento de estratégias e práticas discursivas silenciadas e/ ou apagadas, apontando tais
evidências como indicações para futuras discussões e estudos.
35

3. PARTIDOS POLÍTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS: INTERAÇÃO


NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

Antes de investigarmos a influência do PCB na construção de bases de apoio e na


condução das estratégias políticas e organizativas do Movimento da Reforma Sanitária
durante o processo de construção do SUS, será importante compreender tanto o papel dos
partidos políticos quanto dos movimentos sociais enquanto componentes do sistema
político e da base de sustentação de agendas políticas. Por concebermos neste trabalho a
noção de política como um campo de exercício de poder, onde as decisões são
compreendidas como expressão de correlação de forças de arranjos sociais (BAPTISTA;
MATTOS, 2015), interessa-nos reconhecer como a relação entre estes dois elementos se
estabelecem de maneira mais geral para, em seguida, investigar mais especificamente
como essa articulação se deu na construção da política de saúde no Brasil.

Para começar, um sistema político pode ser compreendido como um subsistema


de uma sociedade, no qual o indivíduo pode desempenhar diferentes papéis: cidadão,
eleitor, integrante de um partido político ou de uma associação profissional, como
parlamentar nos diversos níveis de representação ou como manifestante. Oriundo do
pensamento liberal dos séculos XVIII e XIX este sistema de representação política
prevalece até hoje como forma de mediação entre governantes nas nações capitalistas
(LIMA JÙNIOR, 1993). Já os partidos políticos, componentes desse sistema, podem ser
definidos como “qualquer grupo político identificado por nome oficial que se apresenta
em eleições e é capaz de apresentar, em eleições livres ou não, candidatos aos postos
públicos” (SARTORI 1968 apud LIMA JÚNIOR, 1993, p. 14). Passam a ser instituições
centrais da democracia junto aos corpos legislativos e o executivo por meio das eleições,
onde são escolhidos os representantes que exercerão a função governativa (LIMA
JÚNIOR, 1993).
De acordo com Bobbio (1998), os partidos possuem como principal característica
a natureza associativa, orientada para a conquista do poder político dentro de uma
comunidade e motivada por uma multiplicidade de estímulos e objetivos. Podem ser
compostos por grupos unidos por vínculos pessoais ou por organizações complexas da
sociedade civil, buscando garantir o direito do povo à participação na gestão do poder
político. O seu nascimento e desenvolvimento está intimamente ligado ao aumento
progressivo da demanda por participação das classes sociais e dos diversos estratos da
sociedade no processo de formação das decisões políticas.
36

É em tal situação que emergem grupos mais ou menos amplos e


mais ou menos organizados que se propõem agir em prol de uma
ampliação da gestão do poder político a setores da sociedade que
dela ficavam excluídos ou que propõem uma estruturação política
e social diferente da própria sociedade. Naturalmente, o tipo de
mobilização e os estratos sociais envolvidos, além da organização
política de cada país, determinam em grande parte as
características distintivas dos grupos políticos que assim se
formam. (BOBBIO, 1998, p.899).

Enquanto organizações, os partidos políticos podem atuar assumindo funções


estratégicas como grupos de competição eleitoral, composição de governos ou oposição,
representantes de interesses e opiniões na esfera pública, além de se constituírem como
um espaço privilegiado para formação de líderes e ativistas políticos (DULCI, 2003).
Possuem ainda uma grande importância para o processo de ampliação do Estado 20-
conceito fundamental no pensamento de Gramsci e muito influente nos partidos de
esquerda do Brasil, como veremos mais adiante neste estudo – pois, podem desempenhar
um papel de auxílio à estruturação de diferentes dimensões presentes na sociedade tais
como o político, o social, o cultural e a ética dos setores subalternos na luta por direitos
civis e sociais (RUSCHEINSKY, 1998).
Na história das nações onde hoje a democracia é reconhecida como consolidada,
a criação de partidos políticos se deu com ampliada base de sustentação social, assumindo
a função de canalização de conflitos sociais e estruturação de demandas sociais. Ao longo
do seu desenvolvimento puderam atuar como um instrumento de inclusão de grupos
sociais no sistema político, expressando, de modo mais ou menos completo, as próprias
reivindicações e necessidades, e participando, de modo mais ou menos eficaz, da
formação das decisões políticas (BOBBIO, 1998).
No Brasil, especificamente, os partidos políticos se consolidam enfrentando um
traço marcante da história brasileira que é a descontinuidade dos sistemas partidários,
consequência das mudanças de regime e da criação de diferentes Constituições desde a
Independência do país (DULCI, 2003). Segundo Scott Mainwaring,
as principais características dos partidos políticos brasileiros são
sua fragilidade, seu caráter efêmero, suas fracas raízes na
sociedade e a autonomia de que desfrutam os políticos com
relação aos partidos. Comparados aos partidos dos outros países

20
A ideia de Estado ampliado disseminado por Gramsci se tornaria um conceito fundamental nos partidos
de esquerda no Brasil, sobretudo, o PCB. Em capítulo dedicado à história e estratégias políticas do PCB
detalharemos melhor este conceito, bem como a sua influência na condução de estratégias do Movimento
da Reforma Sanitária brasileira.
37

mais desenvolvidos da América Latina, os partidos brasileiros são


singularmente frágeis. De fato, diante do nível de
desenvolvimento econômico do país, o Brasil pode ser um caso
único de subdesenvolvimento partidário no mundo. (apud
DULCI, 2003, p.301).

O reconhecimento dessa fragilidade indica uma trajetória marcada pela


instabilidade, onde diferentes sistemas partidários e regimes políticos foram
experimentados, com modificações nas regras eleitorais até questões de propaganda e
financiamento de campanhas. De acordo com Dulci (2003), essa instabilidade atravessa
os partidos políticos e o sistema partidário ao qual compõem, dificultando o desempenho
de suas funções, o amadurecimento de suas propostas e identidade, além do vínculo
efetivo com os setores de opinião e de eleitores que pretendem representar. Ou seja,
diferentemente de nações onde o desenvolvimento dos partidos envolveu uma base de
sustentação social ampla, a instabilidade do sistema político brasileiro fragilizaria a
capacidade dos partidos efetivamente representarem os conflitos e as demandas expressas
pelos diferentes grupos e movimentos sociais na gestão do poder político.
Por sua vez, os movimentos sociais, quando estruturados, atuam em negociação
com os diferentes atores que compõem um sistema político (TOURINE, 1989).
Geralmente nascem do consenso de demandas, alicerçando-se na solidariedade,
estruturando-se juridicamente e atuando pela pressão exercida pelas ações coletivas
(RUSCHEINSKY, 1998). De acordo com Ruscheinsky (1998), os movimentos
aparentam homogeneidade, sem uma definição clara de hierarquia e tendem a lutar “por
direitos sociais, por interesses variados, nos quais as decisões públicas, apesar de se
pautarem pelo conflito de interesses, tendem a solver-se em consenso” (p.104).
Assim como os partidos políticos, os movimentos sociais estão inseridos em um
terreno permeado por uma teia de relações em que também atuam agentes como o Estado,
e os diferentes agrupamentos e organizações ideológicas. Ao estabelecer negociações
com estes agentes visam a implementação de suas pautas na agenda política, a
institucionalidade de suas reivindicações ou o fortalecimento das bases que propiciem as
mudanças almejadas nos espaços de correlações de forças das decisões políticas e nos
processos participativos. De maneira mais específica, a associação dos movimentos
sociais junto aos partidos políticos se estabelece na medida em que esses necessitam
aglutinar forças e unificar lutas para o suprimento das carências estruturais, maximizando
assim potencialidades de ambos os atores (RUSCHEINSKY, 1998). A presença partidária
nos movimentos supriria, assim, a sua limitada capacidade política e possibilitaria o
38

alcance de instâncias superiores ou gerais da sociedade, oferecendo condições políticas


para direcionar os objetivos de longo prazo.
(...) o auxílio partidário estaria, assim, em referência a uma falha
congênita, relativa às limitações das reinvindicações restritas ao
econômico, à incapacidade de influenciar os centros de decisão e
à constante necessidade de assessorias para a mediação técnico-
jurídica e as negociações com a esfera estatal. Ainda mais, a
prática mostraria que, por si sós, os movimentos, emaranhados
que estariam em uma série de condicionamentos culturais e
políticos, seriam incapazes de produzir espaços sociais nos quais
se transformam efetivamente as relações sociais.
(RUSCHEINSKY, 1998, p. 100).

Segundo Cardoso (1981) os movimentos sociais são necessariamente fluidos e,


com o passar do tempo, tendem a tornar-se uma organização ou se diluem, seja pelo
alcance das demandas ou pelas dificuldades para atingir seus objetivos. De maneira geral,
possuem uma vida curta e quando persistem ao longo do tempo é porque prescindem de
algum tipo de organização política que possibilite a sua instrumentalização.
No entanto, a aglutinação dos movimentos sociais com os partidos políticos
apresentaria dilemas importantes. O primeiro deles refere-se à rigidez das estruturas
partidárias (CARDOSO, 1981), apresentando-se para os movimentos como instâncias
externas e superiores, política e ideologicamente, desembocando em relações de
submissão. Portanto, embora a aglutinação possibilitasse uma aproximação da
institucionalização e a representação política com vistas a assegurar legalmente os
direitos sociais almejados, as estratégias priorizadas pelos partidos – como, por exemplo,
a conquista do Estado para somente depois introduzir as mudanças propostas pelos
movimentos – poderiam estabelecer relações instrumentalizadas e unilaterais entre esses
atores, dificultando a incorporação de seus interesses e demandas no espaço de correlação
de forças (RUSCHEINSKY, 1998).
Outro dilema elucidado refere-se às mudanças exigidas aos movimentos para o
contato com a esfera institucional e a aproximação com a institucionalização. Para
Cardoso (1981) se, por um lado, trata-se de uma condição para que o movimento se
desenvolva, já que sem influência institucional dificilmente atingirá a mudança social
almejada; por outro lado, pode significar um processo de debilidade ao movimento, no
sentido de arrefecer e amainar a sua radicalidade. Torna-se um impasse, portanto, a
manutenção da autonomia política e cultural dos movimentos ao mesmo tempo em que
se faz necessário consolidar alianças ou obter acesso às instâncias decisórias.
39

De acordo com autores como Silva e Rabelo (1985) e Boschi (1989), no caso
brasileiro é interessante perceber que, se em um primeiro momento a relação entre os
movimentos sociais, partidos políticos e Estado se estabeleceu por meio da negociação e
oposição, a partir dos anos 1980 ela se redireciona no sentido de uma convergência devido
ao contexto de transição democrática. Com o fim da ditadura civil-militar brasileira há
uma inflexão no posicionamento dos movimentos sociais que agora passam a buscar
alianças e encontram nos partidos políticos e na burocracia estatal e partidária a
possibilidade de institucionalização e garantia da introdução de suas pautas na nova
agenda política a ser construída. Além disso, é também ao longo da década de 1980 que
profissionais e a militância de base atuam junto às demandas populares, somadas ao
desenvolvimento de um conjunto de lideranças empenhadas na aproximação com a
instituição político-partidária. Segundo Ruscheinsky (1998), o que se observa, portanto,
é a gradativa incorporação de técnicos e intelectuais nos órgãos estatais inclinados a um
posicionamento de negociação com os movimentos sociais.
De acordo com Martins (1989), o período de “transição” pode ser compreendido
como o lapso de tempo que decorre entre a liquidação de um regime autoritário e a
institucionalização de um outro regime, seja ele democrático ou não. No caso brasileiro
essa transição se deu na forma de transação onde, segundo Marenco (1989), o regime
autoritário é quem “inicia a transição, fixa alguns limites para a mudança política e
permanece como força eleitoral relativamente importante durante a transição, implicando
elevada continuidade de elites, estruturas e instituições políticas” (MARENCO, 1989,p.
89). Conforme Coutinho (2006) o conceito de “revolução passiva”21 de Gramsci ilustra
bem esse modelo de transição como os processos de transformação em que ocorre uma
conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes em uma
determinada sociedade, excluindo as camadas populares de uma participação mais ampla
nestes processos. São, portanto, de transformações que ocorrem “pelo alto”.
Para Martins (1989) o processo de transição democrática no Brasil veio
acompanhado de um sentimento de progressivo distanciamento entre a cidadania e sua
representação política, bem como entre as instituições políticas e a sociedade. Uma das
justificativas para este aparente afastamento seria o próprio processo de elaboração da
Constituinte e sua débil reação às intervenções do executivo e dos militares em decisões
importantes, tais como as que envolviam o controle da transição e construção

21
A ideia de “revolução passiva” de Gramsci torna-se também um conceito fundamental no pensamento
pecebista e será mais bem detalhado no capítulo referente à história e as estratégias políticas do PCB.
40

democrática. A segunda, seria a identificação da existência de um número considerável


de parlamentares orientados, ou permeáveis, a recompensas “fisiológicas”, tornando
difícil a disciplina partidária e a fixação e implementação de diretrizes partidárias voltadas
para a condução do processo político, afetando, assim, o desempenho do sistema
partidário.
O autor chama atenção ainda para a defasagem que foi se estabelecendo entre o
discurso democrático e a prática política da construção democrática. Destaca, assim, a
predominância de uma espécie de visão convencional e juridicista do processo político
da transição, ignorando as complexas variáveis econômicas e sociais implicadas nesse
processo, capazes de condicionar a natureza de seu desfecho. Haveria, assim,
(...) um pressuposto de ter sido plenamente atingida a
“normalidade” democrática que seria consolidada pela
promulgação da nova Constituição – que consubstanciaria e
encerraria todas as tarefas políticas de transição. (MARTINS,
1989, p.240).

De acordo com Martins (1989), esse seria um dos traços fundamente arraigados
na cultura política brasileira: a ideia de que a norma (jurídica) criaria o fato (social), como
expressão de uma mentalidade bacharelesca e tecnocrática de mudar a sociedade pela via
jurídica ou administrativa e não política. Outro traço se refere à prática de conceder
estatuto constitucional às inovações designadas como “conquistas” com a pretensão de
garanti-las contra a instabilidade do processo político brasileiro e a fluidez das maiorias
parlamentares, convertendo, assim, o circunstancial em permanente. A estratégia de
estender o trabalho da Assembleia Constituinte a uma gama de questões sociais polêmicas
no período em detrimento de uma limitação do escopo à definição das regras do jogo
político, pode ser compreendida como uma representação desses traços arraigados
(MARTINS, 1989).
A mobilização de grupos de interesse e de pressão –incluindo os movimentos
sociais organizados – para influenciar as decisões políticas em sociedades recém-saídas
de regimes autoritários é considerado como saudável e se constituiu uma importante
característica das democracias contemporâneas. Mas, para isso exige duas qualificações
importantes: que a mobilização a partir dos interesses, particulares ou corporativos,
pressione os membros da representação partidária, mas não bloqueie a capacidade
decisória dos partidos ou desqualifique a função de agregar interesses mais gerais da
sociedade; que a mobilização de interesses, contribua para a diferenciação ideológica
entre organizações partidárias, onde a competição pelo poder possa se organizar a partir
41

de opções políticas que de alguma forma correspondam às clivagens de interesses entre


atores coletivos e que se traduzam em projetos políticos alternativos (MARTINS, 1989).
Ainda segundo Martins (1989) no caso brasileiro, a mobilização de interesses no
momento da Constituinte acentuou a desarticulação de decisões partidárias, sem produzir
clarificação ideológica entre os partidos majoritários. A contingência de acumulação de
forças contra o regime autoritário converteu-se em característica permanente do maior
partido político de oposição do país no curso da transição: o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Em prol da manutenção da unidade formal e da sua
utilização como legenda eleitoral, o PMDB passou a depender da “administração” de
heterogeneidades incompatíveis com as estratégias políticas que não fossem apenas de
natureza eleitoral (MARTINS, 1989).
Por outro lado, vê-se a emergência de clivagens de interesses provocadas pela
decisão de criar novas regras do jogo político simultaneamente à definição constitucional
de muitas mudanças administrativas, econômicas e sociais – “embora não
necessariamente das reformas que eliminassem problemas imediatos de governabilidade”
(MARTINS, 1989, p. 242), determinando novas e sucessivas fragmentações
intrapartidárias. Para Abranches (2018), no processo de elaboração da Constituinte, os
constituintes cuidaram mais dos direitos e menos da modelagem do sistema político, para
que este pudesse garantir, com eficácia e suficiência, os direitos inerentes ao estado
democrático. Também nesse sentido, Martins (1989) se posiciona:
De arena de decisões políticas partidárias a Constituinte se
transformou, assim, num anfiteatro para ação de lobbies os mais
variados: empresários, proprietários agrícolas, empresas
multinacionais, categorias profissionais, microempresas
devedoras, índios, setor moderno da informática, nacionalistas
dos anos 50 revivendo “o petróleo é nosso”, e quantos mais
tinham interesses a defender (e podiam se organizar para fazê-lo)
junto aos constituintes, independentemente de suas filiações
partidárias. Pressões essas que se exerceram não para modificar
diretrizes partidárias, mas no vazio criado pela ausência dessas
diretrizes. O que explica que a constituinte se tenha transformado
muitas vezes numa “caixa de surpresas”, pela aprovação, por
maiorias ocasionais, de medidas altamente controvertidas
(MARTINS, 1989, p. 243).

A desarticulação partidária como consequência dessa mobilização de interesses,


sem diferenciação ideológica, faz, portanto, com que os interesses organizados e os
movimentos sociais, acabem encontrando espaço de atuação menos em paralelo à ação
partidária do que em substituição a ela. Nesse sentido, a ausência de diretrizes partidárias,
42

reforçou tendências individualistas e personalistas como o referencial da ação política


predominante, fragmentando-a ainda mais (MARTINS, 1989).
Assim, as iniciativas isoladas e escoteiras sobre temas altamente
controversos acabaram prevalecendo na votação final, às vezes
por efeito de simples barganhas individualmente realizadas entre
parlamentares, independentemente de suas filiações partidárias,
de suas posições ideológicas ou de interesses corporativos
(MARTINS, 1989, p.244).

Pode-se verificar então, que o desempenho dos atores em cena durante a transição
democrática resulta de um certo padrão de ação política, pautado na regulação jurídica
associado à personalização de papéis, que substituem as noções de instituição e processo.
Logo, a transição concebida como uma justaposição de situações, e não como processo,
dissociaria a prática política da ideia de estratégia, da mesma forma que a instituição
partido político torna-se desarticulada internamente, sem que tais clivagens possam se
traduzir em projetos políticos alternativos reconhecidos pela sociedade (MARTINS,
1989).
Offe (1988), por sua vez, traz uma contribuição para essa discussão ao analisar
essa relação a partir das práticas instituintes, englobando assim elementos culturais e
políticos na abordagem dos movimentos sociais emergentes. Nessa perspectiva, é através
do campo das práticas sociais que os movimentos, sobretudo aqueles inovadores, são
capazes de instituir novos espaços sociais, apresentando-se, muitas vezes, hostis à
tradição da representação política e ao sistema partidário, que perdem em funcionalidade
e credibilidade, já que não conseguem oferecer espaços nos quais as demandas podem ser
processadas. Assim, os partidos políticos deixariam gradativamente de ser uma referência
importante como canal de expressão política de interesses e a participação direta definiria
o limite de ação política dos movimentos. Através da participação direta os agentes
sociais instituiriam novos caminhos e espaços, onde o cotidiano renovado é entendido e
legitimado como espaço de expressão política.
Encontramos assim, um dilema fundamental que passa a permear a discussão da
articulação entre movimentos sociais e partidos que é a questão da representação. Uma
vez que o campo dos movimentos sociais se configura de forma heterogênea e é
atravessado por diversas diferenças, faz-se necessário problematizar a própria noção de
representação que não considere as controvérsias e a pretensão de homogeneidade e
coesão interna (RUSCHEINSKY, 1998).
43

Ruscheinsky (1998) afirma que sempre existem opções partidárias no interior das
mobilizações públicas e de que os entendimentos com a esfera pública impõem
delimitações, sobretudo ao que se refere ao campo da legalidade. Da mesma forma, é
importante indagar se as opções partidárias são assimiladas e tomadas no transcurso do
desenvolvimento da demanda ou se há a presença de agrupamentos partidários atuando
no curso da estruturação das lutas sociais. De acordo com o autor, no caso brasileiro:
não parece fácil delinear a prática de grupos de esquerda nas
instâncias dos movimentos sociais enquanto se movem na
clandestinidade e ao mesmo tempo atuam com uma outra fachada
legal. Somam-se consequências diversas ante um vínculo
ideológico de estatuto específico e a identificação exterior ou
pública com um partido institucional, de maneira peculiar devido
à disputa pela hegemonia política junto aos movimentos sociais e
à questão ideológica e programática, bem como as influências
para negociar as demandas (RUSCHEINSKY, 1998, p. 87).

No caso específico da saúde, e considerando o Movimento da Reforma Sanitária


como um movimento social em articulação com diferentes atores que compõem um
campo político com vistas a institucionalização e a garantia de suas pautas em uma agenda
política, verificamos na literatura pesquisada menções à influência de partidos políticos
desde sua gênese até o momento de implementação da política de saúde. No entanto, um
partido se destaca, sobretudo pelo expressivo número de militantes, incluindo lideranças
importantes, com dupla inserção entre partido e movimento: o PCB. Porém, essas
menções encontram-se subsumidas, ou talvez camufladas, pelo discurso de
suprapartidarismo e de coalisão de interesses para o enfrentamento da questão
democrática e superação do regime militar. Esta é uma característica presente no processo
de negociação e de articulação entre os partidos políticos e os movimentos sociais no
Brasil, principalmente durante o processo de construção da Constituinte na década de
1980, mas também pode ser identificada como um modo de operar do PCB presente ao
longo de sua trajetória política e institucional.
Da mesma forma, ao buscarmos definir neste capítulo a noção de partidos
políticos, movimentos sociais e a articulação existente entre esses dois entes de um
sistema político e das bases de sustentação de uma política, pudemos identificar certos
padrões de ação política, ou modos de operar, específicos do caso brasileiro que de
maneira ampla influenciam a condução de estratégias. A priorização do aparelhamento
do Estado e da garantia da norma jurídica em detrimento de uma introdução de mudanças
pelos movimentos sociais e populares e a vivência de processos de transição sem rupturas
44

radicais, mas com a manutenção e continuidade de classes dominantes e estruturas da


formação da sociedade brasileira, são exemplos que ilustram essa afirmação, e que
também estão presentes nos modos de fazer política do PCB e da arena de disputas
políticas do campo da saúde brasileiro, como veremos mais adiante nesse trabalho.
45

4. PARTIDOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DA REFORMA SANITÁRIA


BRASILEIRA

Como já citado na introdução deste trabalho, o Movimento da Reforma Sanitária


nasce no campo da saúde alinhado ao pensamento progressista e a propostas que, para
além das reformulações organizativas do sistema de saúde vigente, buscavam uma
superação do regime ditatorial e a conquista de democracia. A defesa de um conceito de
saúde ampliado, com a melhoria das condições de saúde da população considerando os
seus determinantes sociais, exigiria mudanças na estrutura social do Estado brasileiro
através da redemocratização, sendo, portanto, imprescindível a articulação do Movimento
da saúde com os partidos políticos e demais movimentos sociais para o alcance desse
objetivo. Neste capítulo, nos debruçaremos sobre o contexto político institucional dos
partidos políticos brasileiros a partir do final da década de 1960 até o final da década de
1980, período que abrange o início da ditadura civil-militar brasileira até a
redemocratização e a retomada do pluripartidarismo. Apresentaremos esse contexto
também com o intuito de conseguir melhor compreender as condições de possibilidades
de emergência do Movimento da Reforma Sanitária brasileira que vai se delineando
enquanto movimento a partir da década de 1970. Além disso, será importante elucidar a
conformação dos partidos políticos brasileiros neste período, uma vez que o PCB –
partido com o maior número de militantes envolvidos no Movimento da Reforma
Sanitária – e os demais partidos de esquerda e do campo progressista estavam sob
condição de ilegalidade e clandestinidade durante a gênese do Movimento, o que
acarretou na necessidade de arranjos e articulações alternativas.

4.1 DO BIPARTIDARISMO AO PLURIPARTIDARISMO

O golpe civil-militar de 1964 inicia no Brasil uma fase sombria de ditadura, com
seus generais-presidentes e em um longo período de repressão, prisões arbitrárias,
torturas, mortes, relegando a República a um recesso forçado (ABRANCHES, 2018). O
Brasil foi o único entre os regimes autoritários na América Latina que permitiu que o
Legislativo continuasse operando após a tomada do poder (REGO, 2008). Contudo,

não se pode considerar republicano um regime autoritário, com


vocação totalitária, baseado na repressão, no quais generais se
alternavam na Presidência. As eleições para o Legislativo, apesar
de ocorrerem, eram confinadas a um sistema bipartidário imposto
e artificial. Além disso, os resultados eleitorais eram
46

sistematicamente expurgados dos opositores mais duros, por


meios da cassação, no atacado, de mandatos. (ABRANCHES,
2018, p.73).

Ao permanecer aberto, o Congresso Nacional continuou desempenhando funções


legislativas de forma bastante restrita, servindo como um canal de informação para o
centro administrativo do regime e como instrumento de fiscalização e de controle,
perdendo a sua função principal que é legislar (REGO, 2008). De acordo com Rego
(2008), apesar de sofrer grandes limitações, o Legislativo permaneceu como reflexo da
sociedade brasileira, pois membros da elite política e econômica continuavam
participando da instituição, inclusive em posições de liderança no Congresso. A presença
de banqueiros, industriais, proprietários de terra, dentre outros, sinalizavam que mesmo
sem suas atribuições normais e com sua aparente sujeição ao Executivo, o Legislativo
dispunha de certa influência sendo atraente às lideranças econômicas vigentes.
Com relação à conformação de partidos políticos nesse período, desde o decreto
do Ato Institucional nº 2 de 196522, uma reforma partidária extensa foi imposta. O AI-2
permitiu a reabertura do processo de cassações políticas e ao mesmo tempo impôs a
dissolução de todos os partidos políticos existentes e a implantação de um sistema
bipartidário “provisório” representado por dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A ARENA representava um
partido de apoio ao governo militar e recebeu muitos integrantes oriundos da antiga União
Democrática Nacional (UDN) 23, parte do Partido Social Democrático (PSD)24 e de alguns
pequenos partidos, cujos parlamentares eram considerados mais conservadores. Já o
MDB desempenhava o papel de uma oposição ao governo, numa espécie de oposição
consentida25. Foi necessário, inclusive, a influência do próprio Presidente Castello Branco

22
Segundo Fleischer (1981) o AI-2 foi baixado em outubro de 1965 após as eleições para governador,
percebidas como “anti-revolucionárias” e negativas pelo então sistema do regime militar.
23
A UDN foi um partido fundado em 1945, opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas e de orientação
conservadora. Caracterizava-se pelo liberalismo clássico e forte oposição ao populismo. Sua principal
liderança era o jornalista Carlos Lacerda, deputado federal pela legenda de 1947 a 1955 e governador do
estado da Guanabara em 1960 (REGO, 2008).
24
O PSD de caráter centrista, entre 1945 e 1964, formava, junto com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB
o bloco pró-getulista da política brasileira, em oposição à União Democrática Nacional (UDN),
antigetulista. Foi o partido majoritário na Câmara dos Deputados e no Senado. Elegeu dois presidentes da
República: Eurico Gaspar Dutra, em 1945, e Juscelino Kubitschek de Oliveira, em 1955 (LIMA JÚNIOR,
1981).
25
Segundo Rego (2008), durante o bipartidarismo provisório a oposição era dividida entre oposicionistas
moderados e autênticos, ou radicais. Os integrantes do MDB eram reconhecidos como oposicionistas
moderados, já que participavam do jogo político do governo militar atuando como uma oposição
consentida.
47

– militar considerado da linha moderada – para convencer parlamentares26 conservadores


a se inscreverem no novo partido 27 (REGO, 2008).
Em qualquer regime, o partido político é o instrumento utilizado
para dar sustentação política à implementação das políticas de
governo. Entretanto, o governo militar não pedia ao partido
oficial sustentação política, mas apresentava-lhe tão-somente
decisões políticas tomadas de uma forma autoritária, sem dar ao
partido condições de assumir ao menos parte do crédito por
decisões eventualmente acertadas (REGO, 2008, p. 50).

Ainda de acordo com Rego (2008), no interior do MDB, duas alas destacavam-se:
a dos oposicionistas radicais ou também chamados de “imaturos” 28, que defendiam o
boicote ao regime e às eleições – já que estas eram ilegítimas e anti-democráticas; e a
outra conhecida como moderada ou “autêntica”, mais proeminente no interior do partido
e que defendia o funcionamento do Congresso dentro das regras impostas pelo regime
militar. Alinhado ao pensamento da ala mais radical do MDB era possível perceber a
influência de partidos na clandestinidade, como PCB e o PC do B29. Melhem (1998)
destaca a existência de dupla militância dos integrantes destes partidos considerados
ilegais, mesmo sendo esta atuação mais restrita, pois parte da esquerda renegava o MDB
e colocavam em xeque o seu caráter oposicionista.
De acordo Marcio Moreira Alves – importante parlamentar, considerado um dos
principais membros da ala “radical” do MDB – eram estratégias deste grupo:
(...) usar permanentemente a tribuna para denunciar o governo,
responder com apartes ou discursos às tentativas de defesa que os
deputados governistas acaso empreendessem, criar comissões
parlamentares de inquérito, forçar visitas a presos políticos nas
cadeias, fazer conferências onde quer que lhes abrissem espaço,
escrever artigos e dar entrevistas, participar de assembleias de
intelectuais e estudantes, ir às passeatas, apoiar as greves, enfim,
usar as imunidades que garantem as opiniões políticas dos
congressistas para forçar o regime ou a retroceder, ou a tirar
definitivamente a máscara e revelar-se uma ditadura aberta
(ALVES, 1993, p.139).

26
De 1966 a 1971 a presidência do MDB foi de Oscar Porto, general reformado do Exército e senador pelo
estado do Acre em 1966 (REGO, 2008).
27
Segundo o autor, o novo partido necessitava inscrever 120 deputados e 20 senadores para o seu
funcionamento legal, contudo apenas oito parlamentares se dispuseram a juntar-se ao MDB
espontaneamente.
28
O termo “imaturos” foi utilizado pelo grupo moderado do próprio MDB devido a pouca idade e a
disposição de assumir o risco de lutar contra o regime militar (ALVES,1993).
29
O PC do B é criado na década de 1970 na clandestinidade por dissidentes do PCB. Veremos com mais
detalhes no capítulo a seguir.
48

Por sua vez, na ala moderada ou “autêntica” havia uma disposição para cooperar
com o regime militar, mas como destaca Rego (2008) “muitos acreditavam fortemente
que o Legislativo deveria ser usado como plataforma para insuflar um movimento popular
contra o governo” (REGO, 2008, p. 108). O representante mais emblemático desta ala era
o parlamentar Ulisses Guimarães 30, na época deputado pelo estado de São Paulo e
dissidente do Partido Social Democrático (PSD) que durante toda a ditadura militar
tornou-se a principal voz da oposição dentro do congresso, tornando-se em 1971 a
liderança do MDB. Outros importantes parlamentares também aderiram ao partido de
oposição – muitos dissidentes do PSD, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)31 e alguns do
Partido Democrata Cristão (PDC) 32 – como Tancredo Neves33 (PSD) e Franco Montoro34
(PDC). Em 1966, foi eleito como líder do partido o então deputado de São Paulo, Mario
Covas35, representante com forte ligação com o movimento sindical no período e
dissidente do antigo Partido Social Trabalhista 36 (PST).
Na primeira eleição para a Câmara de Deputados realizada no sistema bipartidário
(1966), a ARENA obteve maior representação, sendo assim, considerada o partido
dominante (tabela1), embora o resultado deste pleito tenha formado uma nova oposição
de legisladores no MDB aumentando a influência dos chamados “radicais”
(SARTORI,1982). O acirramento interno no Congresso 37 e a intensificação de protestos
contra o regime como o do movimento estudantil e ação mais expressiva na defesa dos
direitos humanos pela Igreja, tornam-se um pretexto para a promulgação do Ato

30
A identificação e a trajetória de parlamentares citados nas entrevistas como participantes doa discussão
da saúde encontra-se no Apêndice 3.
31
Fundado em 1945, liderado por Getúlio Vargas e tinha como o operariado urbano e os sindicatos como
principal base eleitoral. Sua pauta partidária incluía reformas como: a urbana, a agrária, da educação, além
do desenvolvimento industrial e a nacionalização de recursos e na educação. Sua criação serviu como
anteparo, na classe popular e trabalhadora, à influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e demais
organizações de esquerda. Em 1965, foi extinto através do Ato Institucional nº2, juntamente aos outros
partidos existentes. Muitos de seus integrantes foram cassados, ou migraram para o MDB. Com o fim do
bipartidarismo, foi um dos poucos partidos extintos que retornaram ao cenário político com a mesma
legenda (GOMES, 2002).
32
Fundado em 1945, era considerado um partido conservador moderado de oposição ao getulismo, muito
influente em São Paulo. Foi extinto em 1965 com o AI-2 durante o regime militar e refundado em 1985.
(LIMA JÚNIOR, 1981)
33
Apêndice 3.
34
Apêndice 3.
35
Apêndice 3.
36
O PST foi criado por dissidentes do antigo PSD, entre 1946 e 1965. Há uma versão que conta que sua
criação seria apenas uma troca de nome do antigo PPB (Partido Proletário do Brasil).
37
O estopim para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do
MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos
desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a sair com
oficiais. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, também escreveu uma série de artigos no Correio da
Manhã considerados provocações pelos militares (D´ARAUJO, s/ data).
49

Institucional nº 5 (AI-5) que representaria o decreto mais duro do regime. Baixado em 13


de dezembro de 1968, o AI-5 produziu uma série de ações arbitrárias, dando poder de
exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou
como tal considerados, vigorando até 1978 (D'ARAUJO, s/data). No Congresso
representou uma onda de cassações de mandatos e perda dos direitos políticos. Ao todo,
105 congressistas tiveram os mandatos cassados, incluindo “traidores” da ARENA (37)
e oposicionistas do MDB (51) (REGO, 2008).
De 1967 a 1973 o chamado “milagre econômico brasileiro” representou uma
trajetória do processo acelerado de industrialização e da taxa média de crescimento do
PIB. Contudo, a partir de 1974 a crise econômica mundial oriunda do choque do petróleo
gera impactos à economia brasileira e ao processo de crescimento econômico. O fim do
“milagre econômico” brasileiro deixaria ainda mais aparente o desgaste do regime
ditatorial instalado desde 1964, acentuando a necessidade de transformações na
sociedade. Por essa razão, já no governo do General Ernesto Geisel em 1974 se iniciava
a chamada “abertura” política que se daria de forma “lenta, gradual e segura”, ou seja,
um projeto de abertura “pelo alto” (SILVA, 2005).
De acordo com Araújo (2000), esta abertura política resultou de um duplo
processo: conflitos internos ao regime e a pressão da sociedade civil. No primeiro caso,
o conflito entre os chamados grupos de militares “duros” e moderados38, ganhava novos
contornos a partir do interesse de alguns integrantes do regime em liberalizá-lo, o que
demandava um desmonte do aparato repressivo. Por outro lado, emergia uma pressão da
sociedade civil para que o regime radicalizasse o processo de abertura e de
redemocratização do país (FICO, 2004).
No Congresso o lançamento de uma “anticandidatura” com Ulisses Guimarães
como candidato para o voto indireto à presidente pelo MDB, desperta a atenção e apoio
da opinião pública para a questão da oposição dentro do regime. Mesmo ciente da
improvável vitória através do voto do colégio eleitoral – votaram 497 membros do colégio
eleitoral, sendo 400 votos para o candidato da ARENA contra 76 votos para o candidato
do MDB – Ulisses Guimarães utilizou estrategicamente esta candidatura e conseguiu que

38
“Duros” eram considerados aqueles militares que defendiam a radicalização da ditadura, pois
acreditavam que o Legislativo poderia representar uma ameaça à estabilidade política do regime. Já os
moderados, também chamados de legalistas, defendiam uma postura mais flexível e a continuidade do
funcionamento do Congresso (REGO, 2008; ARAÚJO, 2000).
50

a visibilidade deste pleito culminasse em um avanço nas eleições de 1974 para Senado e
Câmara dos Deputados (REGO, 2008).
Além disso, a chamada Lei Etelvino Lins 39, aprovada em 1974, passa a conceder
a liberalização da regulação das campanhas eleitorais, estabelecendo o tempo de
propaganda eleitoral no rádio e na televisão a partir da designação da Justiça Eleitoral,
permitindo que candidatos de oposição obtivessem acesso ao horário eleitoral gratuito.
Tais normas fortaleceram o MDB que, neste mesmo ano alcançaria 44% das vagas para
deputados federais, 16 vagas de senadores e maioria em seis legislativos estaduais,
modificando significativamente a situação política e enfraquecendo o regime, sobretudo
nas grandes cidades do país (GASPARI, 2003; REGO, 2008). Cada vez mais as oposições
se utilizavam dos espaços que o regime oferecia e assim, o MDB progressivamente
ganhava um real conteúdo oposicionista, crescendo eleitoralmente e contando com apoio
de mais deputados, inclusive, os de estreita ligação com o PCB ainda na clandestinidade
(SILVA, 2005). A tabela abaixo demonstra o crescimento da força eleitoral dos MDB
em comparação à ARENA (tabela 1):

Tabela 1 – Força eleitoral dos partidos políticos (Brasil, 1966-1978)


SENADO FEDERAL CÂMARA DOS DEPUTADOS
PARTIDOS ARENA MDB ARENA MDB
1966 56,6 43,3 63,9 36,0
1974 40,8 59,1 51,9 48,0
1978 62,1 37,8 54,7 45,0
Fonte: FLEISCHER (1981) apud Secretaria do Tribunal Superior Eleitoral- Anuário Estatístico do Brasil
(IBGE).
No entanto, a percepção do avanço oposicionista geraria no regime um movimento
de desaceleração do ritmo de abertura política. Como consequência, foi formulada uma
série de medidas administrativas cuja finalidade era conter o avanço do MDB. O
chamado “Pacote de Abril” em 1977 foi um exemplo deste movimento. Em 1º de abril
deste ano, o então Presidente Ernesto Geisel anunciava o fechamento do Congresso para
uma reforma do Judiciário e, em seguida, decretava a Emenda Constitucional nº8 (Brasil,
1977) que alterou de forma significativa as eleições estipulando, por exemplo: a eleição
indireta de um entre dois Senadores em cada estado, pelas assembleias legislativas, o que
ficou conhecido como senadores “biônicos”; os governadores continuariam a ser

39
Art. 12 da Lei nº 6.091, de 15 de agosto de 1974. Esta lei foi aprovada em votação pelo congresso.
51

escolhidos por eleições indiretas através de colégios eleitorais estaduais; a propaganda


eleitoral na televisão foi novamente reduzida, sendo possível apenas a apresentação do
nome, número e currículos dos candidatos; e, por fim, o aumento do mandato do
presidente de cinco para seis anos (REGO, 2008).
Nas eleições de 1978, o candidato à presidência pela ARENA – general João
Figueiredo – foi eleito indiretamente pelo colégio eleitoral recebendo 355 votos contra
266 ao candidato do MDB, o general aposentado do exército Euler Bentes Monteiro. Após
as manobras realizadas através do “pacote de abril”, das 420 cadeiras para deputados
federais, 231 foram eleitos pela ARENA contra 189 do MDB. Já no Senado o a ARENA
garantiu 41 dos 66 assentos (REGO, 2008). De acordo com FLEISCHER (2002),
proporcionalmente, o cenário do Congresso após as eleições de 1978 garantia a
hegemonia novamente à ARENA com 55% das vagas na Câmara e 62,7% no Senado.
Mesmo assim, fica evidente que o MDB tornava-se um partido cada vez mais estruturado,
aglutinando forças conservadoras insatisfeitas com o regime até socialistas e comunistas,
“perpassando os mais diversos seguimentos da sociedade e das mais distintas posições
ideológicas aos movimentos sociais de base” (REGO, 2008, p.210).
O último governo militar presidido pelo general João Figueiredo (1979-1984), que
já percebia o aumento da insatisfação do eleitorado em relação governo, acelera a criação
de mecanismos que garantissem manobras e negociações políticas no Congresso. Inicia-
se, portanto, uma fase de liberalização, cuja finalidade era enfraquecer novamente a
unidade e a coesão da oposição. Nesse sentido,
(...) justamente quando o MDB se fortaleceu, quase se tornando
um “partido de massa”, o governo militar decidiu promover um
novo realinhamento partidário, de cima para baixo, extinguindo a
ARENA e o MDB, para criar um novo pluripartidarismo, agora
“moderado”, com cinco ou seis partidos (FLEISCHER, 2004,
p.255).

Dessa forma, o bipartidarismo é extinto em dezembro de 1979 através da Lei


Orgânica dos Partidos Políticos40 aprovada no Congresso e uma nova configuração
partidária é adotada (tabela 2):
Tabela 2- Configuração partidária de 1965 a 1985 (pluripartidarismo)

PARTIDOS POLÍTICOS
1965 ARENA MDB
1979-1981 PDS PDT PTB PP PMDB PT

40
Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979.
52

1982-1984 PDS PDT PTB PMDB PT


1985 PDS PL PFL PDC PDT PTB PSB PMDB PCB PC do B PT
Fonte: Adaptado de Fleischer (2004).
Dos dois partidos extintos em 1979 emergem dois sucessores: o Partido
Democrático Social (PDS) oriundo da antiga ARENA- presidido por Jose Sarney41 e o
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no lugar do MDB – presidido
por Ulysses Guimarães. No “centro” é criado um novo partido, o Partido Popular (PP),
formado por “moderados” do ex-MDB - cujo principal representante era o então Senador
Tancredo Neves (MG) - e dissidentes liberais da ARENA, como o deputado Magalhaes
Pinto42 (MG). Este partido possuía um papel de “auxiliar” ao governo no nível federal,
mas tornou-se um forte concorrente no pleito de 1982 em muitos estados e parceiro
coligado em outros. A União Democrática Nacional (UDN) não retornou ao cenário
político e seus integrantes que estavam na ARENA migraram principalmente para o PDS.
Na oposição é criado um partido influenciado pelo novo sindicalismo emergente
nas regiões Sudeste e Sul do país: o Partido dos Trabalhadores (PT) - liderado por Luiz
Inácio (Lula) da Silva43 (FLEISCHER, 2004; REGO, 2008). O PT nasce também
influenciado por organizações de base, movimentos populares urbanos, organizações de
esquerda, intelectuais e políticos advindos do MDB, dando maior ênfase às lutas sociais
e com a proposta de se tornar um partido das massas (LACERDA, 2008). Dentre os
partidos de oposição existentes antes do período da ditadura militar, somente o PTB
retorna em 1979. O partido de viés “trabalhista” permaneceu sob a liderança do ex-
governador Leonel Brizola 44 e pela ex-deputada Ivete Vargas45 até 1980, quando a
concessão de uma legenda menor pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possibilitou em
1980 a organização de um novo partido trabalhista: o Partido Democrático Trabalhista
(PDT), liderado por Brizola (REGO, 2008).
De todo modo, com o fim do bipartidarismo muitos remanescentes de partidos de
oposição optaram por permanecer no PMDB para não fragmentar ainda mais a oposição
ao governo. Da mesma forma, em 1979, cogitou-se entre os líderes do “novo
sindicalismo” e intelectuais de esquerda a organização de um partido da social-

41
Apêndice 3.
42
Apêndice 3.
43
Apêndice 3.
44
Apêndice 3.
45
Apêndice 3.
53

democracia, porém os sindicalistas e parte dos intelectuais de vertente mais socializante


optaram por integrar o PT, enquanto os demais intelectuais permaneceram no PMDB. No
ano de 1982, o PP dissolve-se alegando inviabilidade e é incorporado ao PMDB,
agregando maior número de integrantes à legenda (FLEISCHER, 2004; REGO, 2008).
Em 1982, este novo arranjo partidário refletiu no resultado das eleições para
governador que ocorreu através do "voto vinculado"- onde o eleitor deveria escolher os
candidatos à Senador, deputado federal de um mesmo partido (tabela 3).

Tabela 3- Resultados eleitorais de 1982


RESULTADOS ELEITORAIS DE 1982
PDS PMDB PDT PTB PT Total
% de votos 43,2 43 5,8 4,5 3,5 100
Governadores 13 9 1 0 0 23
Senadores 45 22 1 1 0 69
Deputados federais 235 200 23 13 8 479

Fonte: Fleischer (1986) apud Rego (2008, p.229).

De acordo com Rego (2008), “o resultado das eleições foi crucial: o governo
perdeu a maioria absoluta que havia sempre desfrutado na Câmara dos Deputados”
(p.230). O PDS- partido governista que antes possuía 224 deputados e 36 senadores-
elegeu 235 deputados e 45 no Senado; o PMDB obteve 200 cadeiras na Câmara e 22 no
Senado, apresentado avanço expressivo; o PDT elegeu um senador e 23 deputados; o
PTB, por sua vez teve a sua representação reduzida de 14 para 13 deputados; e, por fim o
PT, que antes contava com cinco deputados e um senador, aumentou sua representação
na Câmara pra oito, mas perdeu seu representante no Senado (REGO, 2008). Elegeram-
se ainda como governadores oposicionistas Tancredo Neves (PMDB-MG), Franco
Montoro (PMDB-SP) e Leonel Brizola (PDT-RJ) nos estados politicamente mais
54

importantes e que disputam historicamente a liderança política do país (FLEISCHER,


2004).
O resultado favorável à oposição do regime nas eleições de 1982 fortaleceu um
movimento de pressão social que, a partir de 1983, ganhou as ruas do país. A campanha
denominada de “Diretas já!”, em favor da Emenda do deputado Dante de Oliveira 46
(PMDB-MT), evocava a necessidade de eleições diretas e o fim do regime militar,
propondo como data para as eleições para presidente em 15 de novembro de 1984. Esta
campanha de alcance nacional foi liderada pela direção nacional do PMDB, representada
por Ulisses Guimarães e recebeu crescente apoio da sociedade civil organizada (de
sindicatos, movimentos de minorias políticas, associações de moradores, igrejas), e a
participação de partidos progressistas (ALENCAR; CAPRI; RIBEIRO, 1994).
Contudo, de acordo com Alencar et al (1994):
Apesar das impressionantes manifestações de massa ocorridas em
quase todas as capitais, nos quatro primeiros meses de 1984, o
Congresso Nacional não se sensibilizou inteiramente. O partido
do governo PDS manobrou para que muitos parlamentares não
comparecessem à votação da emenda constitucional que
restabelecia as eleições diretas para presidência. Na madrugada
de 25 de abril, a emenda Dante Oliveira caiu. (...) Estava aberta o
caminho para a disputa “pelo alto (p.426).

Com a emenda das eleições diretas derrotada, a oposição participou da eleição


pelas regras do regime autoritário e apresentou um candidato no colégio eleitoral. Por
sua vez, no interior do PSD uma ala mais “liberal” do partido, liderada pelo vice-
presidente da república Aureliano Chaves 47, o senador Marco Maciel48 e o senador José
Sarney, evocava a necessidade de uma eleição prévia e interna que pudesse determinar
um nome à Presidência, o que não foi acatado pelo grupo majoritário, e mais conservador
do partido. Este impasse gerou a constituição da chamada “Frente liberal”, selando uma
“Aliança democrática” com o PMDB e articulando a seguinte chapa: Tancredo Neves
para presidente e José Sarney para Vice na oposição ao governo. Enquanto o ex-

46
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº05/1983, apresentada pelo Deputado Federal Dante de
Oliveira (PMDB-MT), que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para presidente da República
no Brasil, através da alteração dos artigos 74 e 148 da Constituição Federal de 1967. A proposta foi rejeitada
pela Câmara dos Deputados no dia 25 de abril de 1984. Eram necessários votos favoráveis de dois terços
da Casa (320 deputados) para que a Proposta seguisse ao Senado, mas o resultado foi: 298 deputados a
favor; 65 contra; 3 abstenções e 113 ausências ao plenário (REGO,2008).
47
Apêndice 3.
48
Apêndice 3.
55

governador Paulo Maluf49 para presidente e o deputado Flávio Marcílio 50 para vice,
representavam a chapa indicada pelo PDS (FLEISCHER, 2004).
A “Aliança democrática” trazia como principal proposta a eleição de uma
assembleia constituinte que formularia instituições democráticas novas, restabelecendo
de imediato as eleições diretas, livres e com sufrágio universal. Além disso,
apoiavam a liberdade sindical, o fortalecimento da federação e a
recuperação econômica, com uma nova fase de desenvolvimento
econômico e a mudança da política salarial. Em suma, era uma
plataforma baseada no programa social-democrata do PMDB
(REGO, 2008, p.264).

Contudo, se por um lado a “Aliança Democrática” representou um projeto político


de reestruturação, por outro, o seu posicionamento como uma oposição moderada a
distanciou dos setores mais radicais da oposição e também dos movimentos populares e
das classes subalternas, gerando uma desmobilização e afastamento destes do processo
de construção da Nova República (MELLO, 1989).
Em 15 de janeiro de 1985 a chapa composta por Tancredo Neves- José Sarney foi
eleita recebendo 309 votos dos partidos de oposição e 171 dos dissidentes do PDS. A
chapa Paulo Maluf- Flávio Marcílio recebeu apenas 180 votos (REGO, 2008). Porém, em
15 de março de 1985, em razão da doença e morte de Tancredo Neves, José Sarney é
quem assume a Presidência na chamada “Nova República”, sustentando a coligação entre
a “Frente Liberal” e o PMDB (FLEISCHER, 2004). A “Aliança Democrática” assume a
Nova República diante de um contexto marcado pelo quadro econômico recessivo,
inflação e o aprofundamento das desigualdades sociais. Além disso, com a morte de
Tancredo Neves a instabilidade política se agrava, pois, o novo governo instalado em
1985, havia nascido aliado ao compromisso com as forças políticas conservadoras, que
encontravam na figura de Tancredo um motivo de consenso (FARIA, 1997).
Ainda no início de 1985, era aprovada no Congresso a Emenda Constitucional nº
2551 liberando a formação de mais partidos. Para os partidos de esquerda esta emenda
significou a possibilidade de sair da clandestinidade, como o caso do PSB, do PC do B –
na realidade formado por dissidentes do PCB desde 1962, porém na ilegalidade – e do
PCB, que retorna sem a mesma força de atuação de outrora e enfrentando uma crise

49
Apêndice 3.
50
Apêndice 3.
51
Emenda constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985. Altera dispositivos da Constituição Federal e
estabelece outras normas constitucionais de caráter transitório.
56

interna como vermos mais adiante em capítulo dedicado à sua trajetória e à identificação
de suas estratégicas políticas.
Na base governista o Partido Democrata Cristão (PDC) é refundado em 1985 e,
sem força, é fundido ao Partido Democrático Social (PDS) para formar o Partido
Progressista Reformador (PPR)52 em 1993. O Partido Social Democrático (PSD) retorna
em 1987, mas também sem força expressiva no cenário político 53. Já a “Frente Liberal”
tornava-se o Partido da Frente Liberal (PFL) criada pelos egressos do PDS e do Partido
Liberal (PL)54. Segundo Fleischer (2004) o sistema partidário expandiu-se e o PMDB se
tornou o partido “dominante”, sobretudo após as eleições gerais de 1986.
No final de 1985, a proposta da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) – um
dos principais compromissos políticos assumidos pelo projeto de governo da Aliança
Democrática – é finalmente aprovada e seu início previsto para o dia 1º de fevereiro de
1987. Sua composição se deu na forma de um “Congresso Constituinte”, ou seja, formada
pelos deputados federais e senadores eleitos em 1986, que acumulariam as funções de
congressistas e de constituintes (BRASIL, 2006). No entanto, este formato trouxe à tona
vários impasses e divergências, pois de acordo com os grupos políticos mais progressistas
esta composição desconsiderava a autonomia do processo constituinte e mantinha os
senadores “biônicos” no fórum constituinte, comprometendo a autonomia do processo de
sua construção tal como propagada durante a campanha eleitoral da “Aliança
Democrática” (FARIA, 1997).
De acordo com Alencar, Capri e Ribeiro (1994), a eleição simultânea para o
Congresso Constituinte e para as eleições de 1986, gerou um esvaziamento no processo
que foi a ANC. Segundo o autor:
Não houve amplo debate dos temas constituintes, como seria
desejável numa sociedade que estava saindo de uma ditadura
militar que asfixiou o pensamento e liberdade. Entidades civis
pediram ao governo e ao Congresso datas diferentes para as
eleições, mas a solicitação não foi aceita (ALENCAR; CAPRI ;
RIBEIRO, 1994, p.432).

52
Desde ARENA a sigla do partido foi mudando para PDS (em 1980), PPR (em 1993), PPB (em 1995), e
desde 2003 é denominado Partido Progressista (PP).
53
Posteriormente, foi incorporado ao PTB em 2003. Em 2011, dissidentes do partido Democratas (fundado
em 2007), do PP, entre outros liderados pelo então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, fundam um novo
partido e utilizam a nomenclatura PSD em homenagem ao antigo (1945 e 1965).
54
Partido fundado em 1985, de centro-direita, caracterizado pela defesa do liberalismo social e econômico.
Funcionou até o ano de 2006 quando se fundiu com o Partido de Reedificação da Ordem Nacional
(PRONA) (1989-2006) e tornou-se o Partido da República (PR).
57

Com relação à participação dos partidos políticos na ANC estavam presentes 576
parlamentares dentre eles 23 senadores eleitos em 1982 - os “senadores biônicos”. A
proporção entre partidos ficou: PMDB com 53% dos constituintes; PFL com 22,5%; PDS
com 6,4%; PDT com 5%; PTB com 4,2% e o PT com 2,8% (FARIA,1997). O PMDB
destaca-se como partido hegemônico, obtendo um maior número de parlamentares eleitos
em 1986, seguido do PFL, ambos partidos com a maioria de parlamentares de centro ou
centro-direita, oriundos de uma oposição moderada dentro do MDB ou do partido do
regime militar, a ARENA.
A organização distributiva da ANC se deu através das comissões e subcomissões
de trabalho, onde os grupos políticos mais progressistas participavam majoritariamente
das discussões da área social do Estado, enquanto os mais conservadores participavam
mais ativamente das discussões da área econômica e organizativa do Estado (FARIA,
1997). Nove comissões de trabalho foram divididas em subcomissões, sendo oito
comissões responsáveis pelas discussões temáticas da Constituição e uma comissão final
55
fez o trabalho de sistematização do texto constitucional . Muitas destas propostas já
haviam sido discutidas nos fóruns pré-constitucionais em 1985 e 1986, como por
exemplo, na Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), responsável pela
discussão de propostas para a Política de Saúde Nacional que seriam encaminhadas à
ANC.
Contudo, a manutenção deste arranjo durou até uma primeira fase de discussões
na ANC (a partir de setembro/outubro de 1987) com a regulamentação do regimento
interno da Constituinte e o desenvolvimento dos trabalhos das subcomissões e comissões

55
Comissões e Subcomissões na ANC 1987/1988: I - Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias
do Homem e da Mulher: Subcomissões- Da Nacionalidade; Dos Direitos Políticos e Coletivos; Dos
Direitos Individuais; II - Comissão da Organização dos Estados: Subcomissões- Da União, Distrito
Federal e Territórios; Dos Estados; Dos Municípios e Regiões; III - Comissão da Organização dos
Poderes e Sistemas de Governo: Subcomissões- Do Legislativo; Do Executivo; Do Judiciário e
Ministério Público; IV - Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições:
Subcomissões- Do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos; Da Defesa do Estado; Da Garantia da
Constituição; V - Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças: Subcomissões- Dos
Tributos, Participação e Distribuição das Receitas; Do Orçamento e Fiscalização Financeira; Do Sistema
Financeiro; VI - Comissão da Ordem Econômica: Subcomissões- Da Propriedade e Subsolo; Da Questão
Urbana e Transportes; Da Política Agrária, Reforma Agrária; VII - Comissão da Ordem Social:
Subcomissões- Dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; Da Saúde, Seguridade e Meio-
Ambiente; Dos Negros, População Indígena, Pessoas Deficientes e Minorias; VIII - Comissão da Família,
da Educação, Cultura e Esportes e da Ciência e Tecnologia e da Comunicação: Subcomissões- Da
Educação, Cultura e Esportes; Da Ciência e tecnologia e Comunicação; Da Família, Menor e Idoso; IX -
Comissão de Sistematização.
58

temáticas. Em um segundo momento (a partir de setembro de 1987), na finalização do


relatório com as propostas para o texto constitucional pela Comissão de Sistematização,
um cenário de instabilidade política, sobretudo econômica devido à falta de controle da
inflação, propicia que a vertente mais conservadora da “Aliança Democrática” ganhe
força e comece a rearticular importantes modificações em propostas progressistas,
principalmente na área social.
A “reviravolta conservadora” interferiu nas negociações políticas
ainda no contexto da Comissão da Ordem Social, na Comissão de
Sistematização e, principalmente, na Plenária final, que reuniu
todos os constituintes. A aliança consensual, entre progressistas e
conservadores, que havia sustentado as negociações políticas na
primeira fase da constituinte, começava a ser desfeita (FARIA,
1997, p.76).

Uma consequência desta reviravolta foi o descontentamento da ala social-


democrata existente no MDB e o acirramento de disputas que culminariam na criação de
um novo partido: o Partido da Social Democracia Brasileira56 (PSDB), correspondendo a
10,7% de representação na ANC. Desse modo, a representação partidária no Congresso
Nacional entre 1983 a 1989 se configurava da seguinte maneira (tabela 4):

Tabela 4- Bancadas partidárias representadas no Congresso Nacional, 1983-1989


PARTIDOS 1983 1987 1989 1983 1987 1989
CAMARA SENADO
ARENA/PDS 235 32 29 46 5 2
MDB/PMDB 200 260 178 21 44 31
PP (1980-82)
PTB 13 18 19 1 1 4
PDT 23 24 28 1 2 3
PT 8 16 16 0 0 0
PFL 118 91 16 13
PCB 3 3

56
A ideia de criação do PSDB surge após as eleições estaduais e do Congresso Nacional em
1986, com o surgimento em 1987 do Movimento de Unidade Progressista (MUP) dentro do
PMDB. A partir de um encontro supra-partidário que reuniu o MUP, o PSB e outros políticos de
esquerda e centro-esquerda. O PSDB foi formado pela confluência de diferentes pensamentos
políticos contemporâneos como o trabalhista, a ética, a solidariedade e a participação comunitária.
Em sua concepção inicial pretendeu-se atuar como um partido social-democrata, contudo críticos
atribuem ao partido de caráter neoliberal, adotando medidas da Terceira via desde a sua formação.
No entanto, possuía diferentes facções internas, como a social-democracia, liberais
sociais, conservadores e democratas cristãos (GUIOT, 2010).
59

PARTIDOS 1983 1987 1989 1983 1987 1989


CAMARA SENADO
PC do B 3 6
PSB 1 6 2 2
PL 6 22
PDC 5 14
PSDB 50 10
PRN 20
Outros 13 0 2 10
TOTAL 479 487 495 69 72 75
Fonte: Adaptado de Fleischer (2004).

A dupla face do parlamento – no papel de Constituinte e Congresso – foi uma


circunstância decisiva para o processo de elaboração da Nova Constituinte. Tal
configuração deixou os constituintes expostos às oscilações da conjuntura, além da
interferência do Executivo, de lobbies e grupos de pressão (ABRANCHES, 2018). De
acordo com Abranches (2018),
a Constituição de 1988 apresentou progressos significativos na
sua feição democrática, nos mecanismos do Estado democrático
de direito, na proteção das minorias e dos direitos difusos. Ao
avançar pelo campo das políticas públicas, porém, engessou-se
nas limitações do momento em que seus capítulos econômico e
social foram escritos (p. 85).

Portanto, evidencia-se uma contrariedade, que segundo Abranches (2018),


resultou da oscilação dos constituintes entre um acerto de contas com o passado
autoritário e a atualização da agenda de direitos que fora interrompida com o golpe de
1964. Uma atualização que, por sua vez, foi realizada “olhando também pelo retrovisor”
(p.86) mais do que pensando no futuro e buscando acompanhar as mudanças estruturais
pelos quais o país havia passado e aquelas pelas quais passaria em breve.
O que se observa de maneira ampla no processo de transição democrática no
Brasil é que o governo da Nova República, embora tenha cumprido o seu compromisso
de redemocratização, não conseguiu romper o caráter conservador, “negociado” e pelo
“alto”, característico do regime político anterior (SILVA, 2005). A efetiva participação
da sociedade civil no processo de construção da Constituinte foi secundarizada e à
medida que os tensionamentos sociais e as manifestações populares ganhavam destaque
no processo de reabertura política, optava-se por negociá-los no interior dos aparelhos
60

estatais, inviabilizando um avanço na direção de uma democratização social e de


mudanças sociais estruturantes (SILVA, 2005; REGO, 2008).
Uma transição desse tipo – que poderíamos chamar de “fraca” –
implicava certamente uma ruptura com a ditadura implantada em
1964, mas não com os traços autoritários e excludentes que
caracterizam aquele modo tradicional de se fazer política no
Brasil (COUTINHO, 1992).

4.2 PARTIDOS POLÍTICOS E A SAÚDE

De forma específica no campo da saúde, a conformação dos partidos políticos


entre anos de 1964 à 1988 acima apresentada, nos auxiliará na compreensão de nosso
objeto de estudo, na medida em que nos permite verificar os arranjos possíveis de
articulação entre a pauta da saúde levada pelo Movimento da Reforma Sanitária e as
instituições partidárias vigentes diante do contexto de repressão e clandestinidade das
organizações de esquerda e progressistas.

O período que corresponde à gênese do Movimento da Reforma Sanitária, também


é aquele que corresponde ao momento de implementação do bipartidarismo – ARENA e
MDB – com e recrudescimento da repressão imposta pelo regime militar. Nesse cenário
o MDB se destaca como uma “oposição consentida” ao regime agregando e acolhendo
alguns militantes do PCB e dos demais partidos de esquerda nesse período. Luiz Umberto
Pinheiro57, que atuava no Legislativo como um militante do PCB dentro do MDB explica
em entrevista realizada por Jacobina (2016) que “o MDB inicialmente era a única avenida
eleitoral possível nos anos 70 para os membros dos partidos comunistas, já que a ARENA
era o partido que apoiava a ditadura militar” (JACOBINA, 2016, p.89).
Somente a partir de 1979, com o fim do bipartidarismo e a abertura política para
o processo de redemocratização, outros partidos entram em cena no contexto político
institucional e, consequentemente, amplia-se um pouco mais a articulação do Movimento
da Reforma da Saúde com o Legislativo. Além da importância do PCB – que permanece
na clandestinidade mesmo após a implementação do pluripartidarismo – os novos
partidos como PT, PDT, e PMDB, emergem nos documentos e discursos do Movimento
da Reforma Sanitária e passam a aparecer como participantes em conferências e
simpósios do campo (ESCOREL, 1999).

57
Apêndice 2.
61

Em 1979, o I Simpósio Nacional de Saúde promovido pela Câmara dos


Deputados, pode ser considerado uma primeira articulação relevante entre os
parlamentares e Movimento Sanitário. De acordo com Nelson Rodrigues dos Santos em
entrevista sobre a construção do SUS (BRASIL, 2006) este Simpósio foi realizado em
meio a uma crise estrutural de financiamento da previdência, e resultava da adesão de
deputados de diversos partidos sensibilizados pelas questões sociais e às questões de
saúde. Sobre a organização e realização do Simpósio, o entrevistado relembra:
No início da organização, todos achavam que o simpósio não ia
emplacar, porque a ditadura não ia deixar acontecer em pleno
Congresso Nacional que, historicamente, nos 20 anos de ditadura
esteve de joelhos. E esse Congresso Nacional, já no bojo do
movimento pelas liberdades democráticas, em 1979 organizou o
simpósio. Correu-se o risco e se jogou e se acertou, quer dizer, a
ditadura não fechou o Congresso por causa disso, não impediu o
simpósio, pressionou, mas não conseguiu impedir. E aconteceu o
simpósio de política nacional de saúde, em que Max Mauro 58 do
PMDB, Ubaldo Dantas59 da ARENA e outros deputados federais
o bancaram pela comissão de saúde (BRASIL, 2006, p.67).

Outro nome de parlamentar que se destaca nesse Simpósio é do então deputado


Carlos Sant’anna60(PMDB) que – embora não fosse originalmente do Movimento da
saúde e se vinculasse partidariamente mais à direita – teve um papel articulador
fundamental, sobretudo, para a questão da proibição da comercialização do sangue em
meados de 1980. Assumiu o Ministério da Saúde em março de 1985 e trabalhou na
elaboração de uma lei delegada para o programa de governo de Tancredo Neves, cuja
proposta era reorganização do sistema de saúde através da unificação do Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS) e o Ministério da Saúde - uma das principais
reivindicações do Movimento da Reforma Sanitária, como veremos mais adiante.
Sobre a atuação de outros parlamentares, Samara Rachel Vieira Nitão em
entrevista cedida à pesquisa sobre a construção do SUS, enfatiza que o contato com os
parlamentares e lideranças políticas era anterior aos Simpósios de saúde da Câmara dos

58
Apêndice 3.
59
Apêndice 2.
60
De acordo com Faria (1997), Carlos Sant´anna era um político da Bahia conhecido pela sua articulação
na área de educação. Era identificado no debate político como defensor de ideias conservadoras, tendo
assumido como projeto político nos anos 1980 as propostas reformistas da saúde divulgadas pelo “Partido
Sanitário”. Era casado com Fábiola da Aguiar Nunes, integrante do PCB e militante da saúde e se integrou
às discussões da saúde até assumir o cargo de coordenador do grupo de saúde na formulação da proposta
de governo de Tancredo Neves. “Como coordenador do grupo e auxiliado por uma equipe de grande
expressão institucional e intelectual, apresentou um programa de governo para a saúde comprometido com
os ideais da universalização e da equidade (entendida como igualdade)” (FARIA, 1997, p. 44). Para mais
detalhes sobre sua trajetória ver Apêndice 2.
62

Deputados e à Constituinte. A entrevistada igualmente cita a figura de Ubaldo Dantas


(ARENA). Eduardo Jorge61 (PT), Raimundo Bezerra 62
(PMDB), Carlos Mosconi63
(PMDB), e Geraldo Alckmin 64(PMDB), este relator da Lei Orgânica da Saúde.
Essas pessoas já sabiam do movimento sanitário, das propostas
da saúde, a 8ª CNS tinha tido muita repercussão, quer dizer, elas
já conheciam as questões da necessidade de integrar, da
integralidade e das suas próprias vivências políticas nos estados.
Então, não era uma coisa que elas não tivessem conhecimento.
Tudo isso foi o coroamento de uma história de um longo processo
de trabalho, dos movimentos sociais, de mais de uma geração, de
várias gerações em que isso estava sendo trabalhado, discutido e
por isso surgiu (Entrevista de Samara Rachel Vieira Nitão em
BRASIL, 2006, p.92).

Carlos Mosconi, então deputado do PMDB e à frente a relatoria da subcomissão


de Saúde da ANC, relembra também em entrevista acerca da construção do SUS a
preparação do relatório da saúde. Segundo o entrevistado, houve um grande debate em
torno do relatório pelo seu caráter estatizante. No entanto, na votação final os setores
conservadores acabaram apoiando a criação do SUS, sobretudo pela influência de alguns
parlamentares, como: Roberto Freire 65 (PCB-PMDB), Carlos Sant’anna (PMDB),
Bonifácio de Andrada66 (ARENA-PSD) e outros. Para Carlos Mosconi, outra justificativa
para obtenção do apoio de parlamentares, seria a não radicalidade do relatório e da
proposta do SUS ao permitir a participação de outros setores e abrir a porta para a
população brasileira (BRASIL, 2006).
É presente na fala dos participantes do Movimento da saúde a identificação de
lideranças parlamentares dos mais diversos campos políticos, ou seja, representantes de
partidos políticos mais à direita, o chamado “Centrão” e de partidos de oposição, mais à
esquerda. De acordo com Nelson Rodrigues dos Santos em entrevista (JACOBINA,
2016), o Movimento da Reforma Sanitária albergou lideranças militantes que não tinham
partido nenhum, mas também aqueles que eventualmente estavam em partidos não
progressistas. Segue trecho de sua entrevista a respeito destas lideranças políticas:
(...) o Ubaldo Dantas que é da Bahia, é da ARENA, liderança
consistente, séria, coerente, confiável, da Reforma Sanitária. (...)
ele foi deputado federal, ele estava por trás desses simpósios

61
Apêndice 3.
62
Apêndice 3.
63
Apêndice 3.
64
Apêndice 3.
65
Apêndice 3.
66
Apêndice 3.
63

retumbantes de 79 e 82, (...) e o Euclides Scalco67 que era do


MDB. Euclides Scalco é paranaense até ele virou tucano depois,
ele foi presidente da Itaipu, Fernando Henrique [Cardoso] pôs ele
lá, e o Euclides Scalco é um grande militante da Reforma
Sanitária radical, ele foi deputado federal e ele bancou na
comissão de saúde na câmara dos deputados (JACOBINA, 2016,
p.121).

Para Nelson Rodrigues dos Santos em entrevista cedida em 2015, a justificativa


para que o Movimento da Reforma Sanitária conseguisse agregar deputados da ARENA
ou pessoas de fora do espectro mais radical de esquerda, é novamente atribuído ao seu
caráter de partido, ou a ideia de “Partido Sanitário”, mesmo carecendo de elementos
essenciais de uma organização de partido (JACOBINA, 2016). Somado a essa explicação
o entrevistado alega que, em sua concepção, o quadro partidário oficial no Brasil já estava
desde a ditadura em falência e isto se intensificaria no momento pós ditadura. Essa
percepção é considerada Nelson Rodrigues dos Santos como umas das explicações
possíveis para que o Movimento da Reforma Sanitária assumisse características
partidárias – embora não tivesse um comitê central, comitês estaduais, ou mesmo
dirigentes –, mas se assemelhasse a um partido político.
Essa justificativa, no entanto, é um ponto de controvérsia e de tensionamentos no
interior do Movimento da saúde, pois a reprodução deste discurso por um grupo de atores
reflete mais escolha de uma estratégia de condução do movimento do que um consenso.
Mais adiante, no capítulo dedicado a aprofundar a influência, ou pontos de contato, do
PCB na formação de bases de apoio ao Movimento da Reforma e na priorização de
estratégias durante a elaboração do SUS, veremos mais amiúde que a ideia de “Partido
Sanitário” representou a princípio uma aposta na coesão e unidade como forma de
fortalecimento da pauta que, por sua vez, gerou consequências e deixou de fora aspectos
importantes.
No pleito de 1982, a eleição direta de governadores em estados com importância
política como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, possibilita a
entrada de grupos políticos progressistas alinhados ao Movimento da Reforma Sanitária
em órgãos chaves do governo tais como o Ministério da Previdência e Assistência Social
(MPAS) e o Ministério da Saúde (MS), com o intuito de promover as transformações e
reorganizações necessárias (LACAZ, 1992). Porém, esse grupo se depara com as

67
Apêndice 3.
64

correlações de forças heterogêneas em disputa no interior do Estado. Os avanços no plano


institucional não correspondiam às políticas e ações do executivo e as teses e projetos
reformistas, combatidos por representantes do modelo privatista e pela burocracia
previdenciária (BRASIL, 2006).
Dentro do grupo de reformistas no quadro institucional nos Ministérios da Saúde
e da Previdência nesse período destacavam-se: Eleutério Rodrigues Neto68 (secretário-
geral no MS); Sérgio Arouca (como presidente da FIOCRUZ); Hésio Cordeiro 69
(presidência do INAMPS) e Raphael de Almeida Magalhães 70 (Ministro do MPAS). O
debate reformista era norteado pela proposta de universalização da assistência à saúde, a
maior abrangência dos benefícios sociais e a expansão do direito à Previdência social,
contudo, o acirramento das disputas de poder, brigas institucionais e dificuldades
operacionais no encaminhamento das reformas, inviabilizaram este plano na prática.
Segundo Faria (1997),
os conflitos existentes entre os reformistas ligados à saúde e os
reformistas ligados à previdência, velados no período pré-85 pela
situação política do Estado e pela pouca mobilidade política dos
grupos reformistas no âmbito institucional, explicitaram-se a
partir de então. O conflito saúde-previdência ganhou uma
dimensão política complexa e cada setor passou a divulgar um
ideal político específico na condução da reforma (p.39).

De acordo com a autora (BAPTISTA, 1996), neste momento dois grupos de


interesse se destacam. Os “reformistas da saúde”, relacionado ao MS e ao Movimento da
Reforma Sanitária, defendiam como proposta uma política de universalização do direito
à saúde, a descentralização dos poderes nas esferas federal, estadual e municipal, além da
unificação da saúde no nível federal (incorporando o INAMPS ao MS), com a criação de
um novo MS que deveria atender as ações de caráter curativo até ações de caráter
preventivo. Já os “reformistas da previdência, representavam os interesses do
MPAS/Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) com
o engajamento de alguns representantes do Movimento da Saúde atrelados ao INAMPS,
como Hésio Cordeiro e José Carvalho de Noronha 71. Aqui a ideia de universalização
também se fazia presente, mas através de estratégias de unificação sem a transferência
imediata do INAMPS para a saúde. Por se tratar de um órgão com muita concentração de

68
Apêndice 2.
69
Apêndice 2.
70
Apêndice 2.
71
Apêndice 2.
65

poder, a unificação do INAMPS ao MS resultaria em uma transferência de poder político


e não apenas de recursos. Nesse sentido, as propostas desse grupo sugeriam uma
modernização e a promoção de maior eficiência da máquina previdenciária, por uma
unificação gradual à saúde a partir do INAMPS (BAPTISTA, 1996).
Essa classificação, fruto de uma análise realizada na década de 1990, auxilia na
compreensão da existência de uma tensão no grupo reformista. Contudo, não indica a
complexidade envolvida nesse processo, uma vez que as diferenciações entre os dois
grupos não eram tão bem delimitadas e as linhas estratégicas, muitas vezes, pactuadas e
discutidas por atores que circulavam nestes dois, simultaneamente ou não.
Em 1985, é encaminhado para Congresso Nacional a lei delegada72 apresentada
pelo então Ministro da Saúde Carlos Sant´anna 73 indicando a transferência do INAMPS
para o Ministério da Saúde no prazo de 90 dias. Segundo Fabíola de Aguiar Nunes 74
(BRASIL, 2006), Carlos Sant´anna já vinha trabalhando na elaboração desta lei delegada
para o programa de governo de Tancredo Neves, no sentido de unificar o sistema de saúde
que era uma reivindicação do Movimento da Reforma Sanitária brasileira. Contudo, o
MPAS juntamente com alguns sindicatos de trabalhadores recusaram a transferência
imediata do INAMPS, sob o argumento de desconhecimento da população sobre a
proposta de uma transferência imediata, além da falta de tempo suficiente para uma
discussão cuidadosa da questão num período anterior ao reordenamento jurídico-político
do país a ser proposto pela Assembleia Nacional Constituinte (PAIM, 1986). Por sua vez,
o Ministro da Previdência, Raphael de Almeida Magalhães, pressiona o então Presidente
Sarney para que tal lei não fosse sancionada e o mesmo não a remete à apreciação do
Congresso Nacional para a aprovação (PAIM, 1986; FARIA, 1997).
A VIII CNS que é considerada um marco para o Movimento da saúde e se tornou
a arena privilegiada para o debate das propostas de saúde no país – é convocada em 1986
pela Presidência e articulada estrategicamente no âmbito do MS, para compor um
programa de discussões englobando todas as questões relativas à reforma do setor saúde,
como o direito à saúde, a unificação do sistema de saúde e o seu financiamento (FARIA,

72
A lei delegada tem por função delegar poderes a um órgão ou sistema.
73
Carlos Sant’anna era pediatra na Bahia, deputado estadual, secretário estadual de educação e não estava
diretamente envolvido com o movimento da Reforma Sanitária. Conforme relato de Fabíola Aguiar Nunes,
no momento em que ele foi notificado que viria para a saúde, e que assumiria a pasta ministerial da saúde,
começou a estudar essas questões e se articulou com as pessoas que estavam no processo da Reforma
Sanitária (BRASIL, 2006).
74
Médica; Sanitarista; Mestre em Saúde Pública; Secretária Nacional de Programas Especiais de
Saúde/Ministério da Saúde (1985-1987). Foi esposa do Deputado Federal Carlos Sant´anna.
66

1997). Mais adiante veremos que a VIII CNS simbolizou um momento “divisor de águas”
para o Movimento da Reforma sanitária e se tornou um campo de disputas dos sentidos
da Reforma no interior do movimento, no entanto, neste capítulo é importante frisar que
as propostas discutidas nesse evento subsidiaram o texto da saúde levado à ANC.
Para essa finalidade e como um desdobramento da Conferência, é criada a
Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CRNS), de natureza “consultiva”, cuja
atribuição seria a formulação de sugestões para o reordenamento institucional e jurídico
do sistema de saúde. Composta de forma paritária por 12 representantes governamentais
e 12 representantes da sociedade civil – nestes se incluíam centrais sindicais, federações
profissionais, confederações empresariais, entidades de prestadores privados – a CNRS
funcionou de agosto de 1986 a maio de 1987 (BRASIL, 2006). A partir do Relatório Final
da VIII CNS, esta comissão buscou aprofundar a sistematização de propostas e a
articulação nacional do Movimento da Reforma Sanitária, tendo como principal objetivo
formular um texto sistematizado para o setor saúde que pudesse subsidiar as discussões
da ANC (FARIA, 1997).
Contudo, o enfrentamento de um contexto político voltado para um fortalecimento
de bases políticas mais conservadoras devido o fracasso dos planos de estabilização
durante o governo Sarney, fez com que algumas propostas defendidas na Conferência e
na CNRS não fossem acatadas, como a unificação do INAMPS ao MS – deliberação
importante votada na VIII CNS e defendida pelo Movimento da Reforma. Segundo Faria
(1997), as ameaças de substituição de líderes e Ministros apoiadores da reforma na saúde
contribuíram como argumentos para a não transferência do INAMPS ao MS e como
opção viável para evitar o retrocesso no encaminhamento dos avanços até então obtidos
no setor saúde e previdenciário. É nesse contexto que surge o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS) como uma estratégia do grupo dos reformistas
vinculados à previdência para garantia de uma unificação gradual do MS e INAMPS,
através das experiências de descentralização ocorridas com as Ações Integradas de
Saúde75 (AIS) nos estados e municípios (BRASIL, 2006).
Finalmente na ANC, em 1987, as propostas para a Política de Saúde na Nova
República foram discutidas na Comissão da Ordem Social que abrangia outras

75
As Ações Integradas de Saúde (AIS) entre o MPAS, MS e as Secretarias Estaduais de Saúde, promovidas
com a transferência financeira do governo federal aos demais entes federativos, possibilitaram uma nova
relação entre união-estados-municípios e a criação de uma infraestrutura fundamental de rede física de
cuidados básicos de saúde (BRASIL,2006).
67

subcomissões tais como: Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; Seguridade e


Meio-Ambiente; dos Negros, População Indígena, Pessoas Deficientes e Minorias. Como
já sinalizado anteriormente, a formação de comissões sobre os temas da área social foi
majoritariamente composta por partidos e representantes progressistas e pelo chamado
“Centrão”. Os tensionamentos e dificuldades de negociação apresentaram-se também na
discussão da saúde da ANC, sendo, portanto, adotada como principal estratégia a
construção de alianças entre os progressistas das diversas alas políticas e conservadores
para que as propostas progressistas seguissem para o texto da Constituição, “compondo
mecanismos de resistência, como a “fusão de emendas”, visando a aprovação em bloco
das propostas apresentadas” (FARIA, 1997, p. 106).
A participação do Movimento da Reforma Sanitária, por sua vez, se deu através
da Plenária Nacional de Saúde buscando ainda viabilizar a inserção de suas propostas no
texto da nova Constituição. De certa forma, o seu posicionamento ia de encontro àquelas
propostas mais conservadoras levantadas pelo Centrão. Essa Plenária composta por:
(...) parlamentares, entidades sociais, sindicatos, centrais
sindicais, entidades profissionais, partidos políticos, secretários
de saúde e de assistência social, desenvolveu um trabalho de
mobilização, interlocução e pactuação com o Congresso Nacional
para fazer avançar a linha reformista (BRASIL, 2006, p.51).

No entanto, a proposta da Seguridade Social, na qual a saúde estava inserida, foi


então apresentada na Plenária final da ANC, como uma emenda coletiva articulada pelo
Centrão, fazendo parte de um consenso estratégico para a sustentação da política social e
da política de saúde. Da mesma forma, a abrangência do texto final e as conciliações
realizadas pela estratégia das fusões de emendas nas discussões da saúde demonstraram
a inexistência de um projeto institucional único e articulado para o setor (FARIA, 1997).
O texto constitucional de 1988 incorporou as principais diretrizes da VIII CNS, sem
detalhar, no entanto, pontos estratégicos e importantes como financiamento e regulação
do setor privado. O detalhamento e regulamentação desses pontos estratégicos foram
remetidos para a legislação complementar 76 junto às diretrizes.
A partir da breve apresentação da conformação dos partidos políticos e do seu
contexto no período de 1964 a 1988, alcançamos subsídios para uma maior compreensão
das condições de possibilidades que contribuíram para a emergência do Movimento da
Reforma Sanitária brasileira. Com essa descrição do contexto observamos uma questão

76
Lei Orgânica da Saúde 8.080 de 1990.
68

sinalizada no primeiro capitulo deste trabalho, que é a confirmação de uma tradição no


Brasil de processos de transição de forma pactuada, “pelo alto”, ou seja, sem uma ruptura
significativa do status quo da estrutura social brasileira e sem a participação popular de
forma mais radical. Vimos que no processo de elaboração daquela que seria a Nova
Constituinte depois de 21 anos de regime autoritário, embora a sociedade civil e os
movimentos sociais tenham se mobilizado fortemente, diversos entraves e manejos
burocráticos foram utilizados como tentativas de desmobilização e atenuação dessa
participação. A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a “Constituição
Cidadã” e logrou incorporar uma gama de direitos civis até então não garantidos aos
brasileiros, no entanto, a inclusão de tais direitos na legislação não pode ser compreendida
como garantia de sua efetivação sem que haja uma base social forte e sem um contexto
social e político-institucional que lhe dê suporte.
Além disso, a elucidação das modificações na conjuntura político-institucional
do Legislativo brasileiro pela ditadura civil-militar, nos permitiu identificar as
articulações possíveis entre o Movimento da saúde, partidos políticos e seus
representantes no legislativo, já que os partidos de esquerda estavam impedidos de atuar
legalmente. Vimos que, a fim de estabelecer negociações para inserção de suas pautas na
agenda política e a institucionalização de suas demandas, o Movimento da saúde
primeiramente estabelece essa articulação “oficial” com o partido da “oposição
consentida” o MDB para, somente depois, se aproximar dos demais partidos no período
de transição democrática.
No entanto, nessa breve elucidação já são apontados indícios de que mesmo na
ilegalidade, o Movimento da Reforma Sanitária apoia-se e vincula-se fortemente ao PCB,
sobretudo pelo reconhecimento da atuação de militantes, incluindo lideranças
importantes, atuando em uma dupla inserção entre saúde e partido. No próximo capitulo,
portanto, apresentaremos com mais detalhes o PCB, através da sua história e,
principalmente, focaremos na compreensão das estratégias políticas elaboradas e
adotadas pelo partido ao longo de sua trajetória.
69

5. O “PARTIDÃO”: TRAJETÓRIA DO PCB E SUAS ESTRATÉGIAS

Antes de aprofundarmos nossa análise nos pontos de contato existentes entre o


Movimento da Reforma Sanitária no Brasil e o PCB a fim de identificar as possíveis
influências ou mesmo convergências entre os dois, será de grande importância neste
estudo conhecer um pouco da história pregressa do PCB, também conhecido
informalmente como “Partidão”. “Partidão” por se tratar do partido de esquerda com
maior influência no período marcado pelo regime militar e que, mesmo sob a
clandestinidade, conseguiu agregar e angariar militantes de esquerda e exercer
movimentos de resistência e oposição (SILVA, 2005).

Como vimos no capítulo anterior, o período que antecede o processo de


redemocratização é marcado pela ditadura civil-militar e pelo bipartidarismo como
composição político partidária vigente onde temos ARENA, como partido governista, e
o MDB, como partido de oposição. Nesse contexto, o clandestino PCB – que por longos
períodos em sua história esteve na condição de ilegalidade no Brasil – criaria estratégias
e caminhos possíveis, mesmo que indiretamente, para o enfrentamento da ditadura e em
prol da luta pela retomada da democracia.
Em leituras prévias sobre o Movimento da Reforma Sanitária brasileira,
sobressalta aos olhos a forte atuação do partido, onde muitos de seus membros eram
também seus militantes. Logo, o reconhecimento do seu modus operandi, a partir de um
olhar atento a algumas de suas proposições políticas e, principalmente, de suas escolhas
estratégicas ao longo de sua história, poderá nos auxiliar e nos dar embasamento para a
compreensão da influência deste partido para o campo da saúde.

5.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO PCB

Para iniciarmos essa breve retomada através da história do PCB, localizamos o


seu contexto de criação, na década de 1920, marcado pela transição de uma economia
agrária no Brasil para uma economia industrial, financiada pela introdução do capital
estrangeiro e imperialista no país, pelo processo de industrialização nas grandes capitais
e, consequentemente pelo crescimento do movimento operário brasileiro.

Oficialmente, o PCB nasce no ano de 1922, na cidade de Niterói, tendo como


principal protagonista o movimento operário emergente, fortemente influenciado pela
conjuntura da Revolução Russa de 1917 e pela divulgação das teses marxistas (SILVA,
2005, REIS, 2011). Seu modelo partidário baseava-se na intervenção política da
70

Internacional Comunista (IC)77, atraindo a atenção de líderes dos movimentos operários


- em suma maioria originários do movimento anarquista - e tendo como principal tarefa
a reunião de esforços para a organizar e direcionar o proletariado em uma frente única
proletária (REIS, 2011).
Diferentemente do movimento anarquista – cujo princípio fundamental era a
oposição a qualquer autoridade, seja pelo Estado ou representação política – através do
partido buscava-se a criação de uma nova cultura fundada no marxismo dentro do
movimento operário, organizando as forças de trabalho em sindicatos unificados em torno
de reivindicações de caráter econômico (DEL ROIO, 2007). Na conformação social
brasileira daquele período, o socialismo era compreendido como “a conquista de
condições civis essenciais para o mundo do trabalho urbano que apenas começava a se
conformar” (DEL ROIO, 2007, p.15). Logo, para realizar uma transição socialista na
sociedade brasileira, antes seria necessário conquistar a emancipação política de todas as
classes da ordem burguesa em formação por meio de uma revolução de caráter
democrático-burguês. Nesse sentido,
reconheceu-se que só o proletariado, “com o apoio das mais
vastas massas”, poderia levar tal revolução até as últimas
consequências, mas que, de início, a aliança do proletariado com
a pequena burguesia urbana era imprescindível para o
desencadeamento do processo (DEL ROIO, 2007, p.38).

Esse pensamento permearia o discurso do partido por muitos anos e tinha como
objetivo estabelecer as condições necessárias para uma revolução socialista no Brasil
através do cumprimento de etapas preparatórias. A justificativa para esta estratégia se
daria pela percepção da ausência de uma revolução burguesa clássica no Brasil, capaz de
elevar o grau de desenvolvimento das forças produtivas e de sua emancipação política,
derivada de um passado colonial, e da presença de camadas sociais dominantes alinhadas
às oligarquias, latifundiários e o imperialismo norte-americano (DANTAS, 2017).

77
A Internacional Comunista foi criada em 1919, logo após a vitória dos comunistas na Revolução Russa.
Seu principal objetivo era criar uma União Mundial de Repúblicas Socialistas Soviéticas. Dominada pelo
Partido Comunista da União Soviética, a Internacional emitia diretrizes que deveriam ser seguidas por todos
os seus filiados, inclusive o Partido Comunista do Brasil. Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, a
Internacional Comunista foi dissolvida com a finalidade de tranquilizar os aliados ocidentais da União
Soviética (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, s/ data).
Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/RadicalizacaoPolitica/InternacionalComunista
71

A condição necessária para a eclosão de uma revolução socialista no Brasil


exigiria primeiro o seu ingresso na modernidade capitalista através de uma revolução
burguesa, pois, segundo Vianna “a dominação imperialista não só mantém a burguesia
nacional oprimida, como agrava ainda mais as condições de vida do proletariado e de
todo o povo” (VIANNA, 2007 apud DANTAS, 2017 p.94). Da mesma forma, a via
democrática e a luta por dentro da institucionalidade eram preconizadas e se tornariam
um traço marcante e característico do partido nas décadas seguintes, até mesmo em
períodos de ilegalidade ou em refluxo. Como veremos mais adiante, essa estratégia passa
a ser denominada mais sistematicamente como Estratégia Nacional Democrática (EDN)
a partir da década de 1950.
A “revolução brasileira”, portanto, deveria ser anti-imperialista e antifeudal,
nacional e democrática, articulando assim
(...) uma ampla frente única de forças sociais, compreendendo o
proletariado, os camponeses, a pequena burguesia urbana, a
burguesia e até mesmo “setores latifundiários descontentes com
o imperialismo norte-americano e grupos da burguesia ligados a
monopólios imperialistas rivais (AARÃO REIS, 2007, p. 91).

Os anos subsequentes foram marcados por movimentos de crise no contexto


econômico, político e social e de um processo de rearranjo das classes dominantes. A
decadência dos negócios da agro exportação do café, o acirramento político entre
oligarquias dissidentes e jovens militares insurgentes, o despontar do movimento fascista
e ao mesmo tempo a emergência de organizações político ideológicas de classes
subalternas tal como o proletariado, são fatos que ilustram o processo de transformação
social brasileiro, sobretudo a partir da década de 1930 (BRANDÃO, 1997).
No campo da esquerda e do movimento operário, o PCB passa a desempenhar
um papel hegemônico, induzindo iniciativas de enfrentamento a essas crises. Ao vocalizar
um programa antilatifundiário, anti-imperialista e antifascista, consegue aglutinar forças
nacionais populares e propor uma alternativa democrática para o desenvolvimento da
revolução burguesa (DEL ROIO, 2007). Nasce assim a chamada Aliança Nacional
Libertadora (ANL) em 1934, como uma das mais importantes iniciativas do partido e
cujas propostas giravam em torno de ações de nacionalização de empresas imperialistas,
a suspensão de dívidas externas, o fim do latifúndio e a instauração de um governo
popular (DEL ROIO, 2007, VAIA, 2013). Teve como presidente de honra Luiz Carlos
72

Prestes78 e contou com figuras importantes no cenário da esquerda, do PCB, além de


intelectuais e militares - entre os quais Caio Prado Júnior 79 e João Saldanha 80- angariando
diversos filiados entre 1934 e 1935.
Contudo, a mobilização em torno da campanha alavancada pela ALN e o
crescimento do discurso de insurreição popular, levam a frente à ilegalidade. Para o PCB,
esse período é igualmente marcado pela oscilação entre momentos de legalidade e
clandestinidade, com sedes fechadas, proibições de manifestações, perseguição às
lideranças e tentativas de resistência fracassadas (REIS, 2011). Ao mesmo tempo,
enfrenta-se no cenário internacional o avanço global do fascismo e o fracasso de
experiências de frente popular, alterando a linha de atuação proposta pela União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) 81 para os partidos comunistas para uma ideia
de preservação de Estados nacionais, ainda que de classe burguesa, em detrimento de

78
Militar e político brasileiro, liderança da Coluna Prestes na década de 1920. Durante a ditadura do Estado
Novo foi perseguido e preso. Foi secretário-geral do PCB de 1943 a 1980, defendendo a revolução
comunista. Durante a ditadura militar de 1964 exilou-se na União Soviética após ter os seus direitos
políticos cassados, retornando ao Brasil depois da promulgação da Lei da Anistia em 1979. Mesmo assim
foi aclamado presidente de honra da organização e desfrutava de enorme prestígio devido ao seu papel de
líder da Coluna Prestes, que na década anterior havia tentado derrubar o governo federal pelas armas. O
grupo tinha 1 milhão de membros em seu auge (ABREU e CARNEIRO, s/data).
79
Pertencente a uma das famílias mais ricas e influentes de São Paulo, iniciou-se na política ainda jovem,
integrando o Partido Democrático (PD) fundado em 1926, que reunia parte da elite de São Paulo,
descontente com a hegemonia do Partido Republicano Paulista (PRP), um dos principais sustentáculos da
“política do café-com-leite. Ingressa no então Partido Comunista do Brasil, em 1931. Em 1933, escreveu A
evolução política do Brasil onde o método do materialismo histórico foi utilizado de forma conseqüente no
tratamento da história do Brasil, rechaçando a leitura mecanicista da história como sucessão universal dos
modos de produção, comum aos marxistas da época, que reproduziam na América Latina as teses da III
Internacional sobre os países coloniais, semicoloniais e dependentes. Assumiu a vice-presidência regional
da ANL em São Paulo e essa seria a função de maior destaque nos anos iniciais de sua militância no PCB.
Em de elegeu-se para deputado estadual, em São Paulo mas a curta duração de seu mandato adveio da perda
dos direitos políticos de todos os parlamentares comunistas, em decorrência da cassação do registro do
PCB. Ao lado de intensa militância política, manteve arguta produção intelectual Nos anos 1940 publicou
Formação do Brasil contemporâneo no qual se buscava a compreensão histórica da incapacidade brasileira
de superar o seu passado colonial. Em 1945, publicou História econômica do Brasil onde procurou resumir
as características da colonização brasileira, assinalando em sua base a existência de um tripé alicerçado no
latifúndio, na monocultura e na escravidão. Em 1966, publicou o seu livro mais polêmico: A revolução
brasileira, que abordaremos mais adiante. (MONTALVÃO, s/ data).
80
Militante político do PCB, jornalista, escritor e treinador de futebol brasileiro no Botafogo no Rio de
Janeiro. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro na década de 1930, engajou-se em muitas campanhas do
partido e tornou-se uma figura de destaque no "Partidão". Tornou-se secretário-geral da União da Juventude
Comunista, chegando a ser mantido preso e fichado no DOPS em 1947. Tinha popularidade como treinador,
e não deixou de atacar a ditadura de 1964, principalmente após a ascensão do general Emílio Garrastazu
Médici ao poder e endurecimento da repressão a integrantes do Partido Comunista.“No fim de 1969, o
assassinato de Carlos Marighella, um amigo de longa data, despertou de vez a ira do treinador da seleção.
Ele montou um dossiê, em que citava mais de 3.000 presos políticos e centenas de mortos e torturados pela
ditadura brasileira, e o distribuiu a autoridades internacionais em sua passagem pelo México na ocasião do
sorteio dos grupos da Copa, em janeiro de 1970”. (PIRES, 2017) Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/01/deportes/1498862110_086687.html
81
União de repúblicas soviéticas subnacionais governada pelo regime unipartidário centralizado no
comando do Partido Comunista. Sua capital era a cidade de Moscou foi um Estado e existiu entre 1922 e
1991.
73

movimentos insurrecionais. No Brasil, isso significou a retomada do discurso em prol do


fortalecimento de uma burguesia industrial nacional como principal força motriz da
revolução brasileira, deixando a questão agrária e a via da insurreição em segundo plano
(DEL ROIO, 2007).
De 1937 a 1943, a intensa repressão e desmantelamento de sua organização pelo
Estado Novo82 de Getúlio Vargas83 mantém o PCB em situação de ilegalidade. Apenas
com o fim do regime ditatorial recupera algum espaço na vida política com a posse de
Eurico Dutra em 1945-1946 e consegue eleger quatorze deputados para Assembleia
Constituinte e um Senador para o Rio de Janeiro: Luiz Carlos Prestes, na época Secretário
Geral do PCB. No entanto, mesmo com a ampliação de efetivos e de militantes nesta
retomada, a conjuntura internacional de Guerra Fria empurra novamente o partido para
clandestinidade84 em 1947 (REIS, 2011).
Posto mais uma vez na clandestinidade, um novo posicionamento emerge no
partido no sentido de uma radicalização revolucionária. A ideia de união nacional é
substituída pela necessidade de uma revolução agora sim agrária, anti-imperialista,

82
Com a Revolução de 1930 é constituído e empossado o Governo Provisório. Com a promulgação da
Constituição de 1934 a Assembleia Constituinte elege Getúlio Vargas, até então no exercício provisório do
poder como chefe da Revolução de 1930, para presidente constitucional do Brasil, com mandato de quatro
anos. A partir de 1935 um contexto de sucessivas concessões do Congresso ao Executivo, de julgamento
do Tribunal de Segurança, de inquietação militar e de conflitos de rua inéditos no país entre comunistas e
integralistas (tiroteio no centro de São Paulo, 13 mortos na cidade fluminense de Campos) que se abriram
no início de 1937 as articulações políticas que levarem ao golpe de Getúlio. O chamado Estado Novo, foi
o período ditatorial comandado por Vargas, que teve início com o golpe de estado de 10 de novembro de
1937 e se estendeu até a deposição em 29 de outubro de 1945.Tinha em comum com o fascismo a mesma
crítica à democracia parlamentar, à pluralidade de partidos e à representação autônoma de interesses, assim
como tinha em comum com ele a mesma valorização do “Estado forte”, tutor da sociedade civil. Contudo
diferia do fascismo europeu no plano das práticas políticas concretas, como, por exemplo, na inexistência
de partido único, na ausência de intensa mobilização política de massas e na não-uniformização da elite
dirigente. (MARTINS, s/data).
83
Getúlio Vargas foi advogado, militar e político brasileiro, líder da Revolução de 1930. Foi presidente do
Brasil em dois períodos. O primeiro período foi de 15 anos ininterruptos, de 1930 até 1945, e dividiu-se em
3 fases: de 1930 a 1934, como chefe do "Governo Provisório"; de 1934 até 1937 como presidente da
república do Governo Constitucional e de 1937 a 1945, como ditador durante o Estado Novo após um golpe
de Estado. No segundo período, em que foi eleito por voto direto na legendo o PTB, Getúlio governou o
Brasil como presidente da república, por 3 anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954,
quando se suicidou. Conhecido por seus simpatizantes de "pai dos pobres", pela legislação trabalhista e
políticas sociais adotadas sob seus governos, sua doutrina e seu estilo político foram denominados de
"getulismo" ou "varguismo". Cometeu suicídio no ano de 1954, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de
Janeiro, então capital federal. (BRANDI, s/ data).
84
Empossado em janeiro de 1946, Dutra aproximou-se dos setores conservadores, incluindo aqueles
representados pela UDN, através do chamado Acordo Interpartidário, o que acarretou a marginalização de
Vargas e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que acabaram por romper com o presidente. Em 1947,
apesar da abertura democrática em desenvolvimento, mantinha-se um grupo reacionário e conservador,
formado por vários militares e políticos fascistas que desde a década de 1930 participavam do grupo
governante. Os comunistas, que haviam obtido resultados eleitorais expressivos nas eleições de 1945 e
1947, foram vítimas de uma ferrenha perseguição por parte do governo, que assim se integrava no contexto
internacional da Guerra Fria, e tiveram sua atuação política legal novamente proibida. (FGV, 2001).
74

conduzida por uma Frente Democrática de Libertação Nacional, sob a direção do


proletariado e do PCB (AARÃO REIS, 2007). Essas ideias foram expressas no manifesto
de janeiro de 1948 e no programa do partido em agosto de 1950, trazendo um tom de
crítica às antigas classes aliadas e ao abandono dos objetivos revolucionários em prol da
tendência reformista no interior do partido (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO,
1980).
Contudo, nestes documentos a sociedade brasileira ainda é caracterizada como
“semifeudal e semicolonial”, de “estrutura econômica atrasada” e submetida ao
imperialismo. Ao mesmo tempo, a defesa da via democrática para o alcance da revolução
socialista ainda aparece como proposta essencial, gerando assim uma contradição:
A aposta na democracia, no entanto, que em fundamento significa
a afirmação da necessidade de uma etapa revolucionária
democrática-burguesa como condição da revolução socialista,
comprometeu a ácida crítica pretendida contra a burguesia
nacional, que oscilou entre a condenação do seu caráter
antidemocrático e antinacional e a denúncia de sua subjugação,
suposta como involuntária, ao imperialismo norte-americano
(DANTAS, 2017, p.95).

Outra contradição, é que se por um lado os programas posteriores aos manifestos


de 1948 e 1950 consolidam os posicionamentos enunciados nos documentos, por outro,
a participação dos comunistas nos movimentos sociais sindicais e nacionalistas, em torno
de plataformas claramente reformistas, se intensificam (AARÃO REIS, 2007). A
conjuntura crítica que se estende até a posse de Juscelino Kubitschek 85 em 1956,
permeado por episódios determinantes para a política brasileira – como o suicídio de
Getúlio Vargas, as eleições de 1955 e as tentativas de golpe e contragolpe de novembro
do mesmo ano – evidencia ainda mais essas contradições.

85
Foi Médico, oficial da Polícia Militar e político brasileiro, ocupando a Presidência da República entre
1956 e 1961. Em uma aliança formada por seis partidos, seu companheiro de chapa foi João Goulart. Na
presidência, foi o responsável pela construção de uma nova capital federal, Brasília, executando assim um
antigo projeto para promover o desenvolvimento do interior e a integração do país. O país viveu um período
de notável desenvolvimento econômico e relativa estabilidade política. No entanto, houve também um
significativo aumento da dívida pública interna, da dívida externa, e, segundo alguns críticos, seu mandato
terminou com crescimento da inflação, aumento da concentração de renda e arrocho salarial. Com o golpe
militar de 1964, foi acusado pelos militares de corrupção e de ser apoiado pelos comunistas e como
consequência teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos. A partir de então passou a
percorrer cidades dos Estados Unidos e da Europa, em um exílio voluntário. Em março de 1967, voltou
definitivamente ao Brasil e uniu-se a Carlos Lacerda e Goulart na articulação da Frente Ampla, em oposição
à ditadura militar, que foi extinta pelos militares um ano depois, levando JK à prisão por um curto período.
Em 22 de agosto de 1976, morreu em um acidente automobilístico (PANTOJA, s/ data).
75

Além das contradições percebidas no interior do próprio partido, o impacto gerado


pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética 86 (PCUS) em 1956 e as
denúncias de crimes cometidos durante o governo de Stálin, exigem uma revisão das
estratégias até então traçadas pelo PCB, sobretudo, de seu forte centralismo burocrático
como um obstáculo para a articulação com os movimentos sindicais e o proletariado
(SEGATTO; SANTOS, 2007). As denúncias oriundas da PCUS, sem dúvida, acirram
ainda mais as divergências e conflitos internos no PCB, e culminam na saída de um
número expressivo de militantes, de importantes dirigentes e quadros intelectuais
(DANTAS, 2017; REIS, 2011).
É diante desta conjuntura de instabilidade, que o partido buscará uma redefinição
estratégica que o conduzisse como força auxiliar de sustentação da democracia,
garantindo não só a sua permanência na legalidade, mas que também fortalecesse o bloco
comunista no plano internacional (DANTAS, 2017). Neste contexto, é publicada em 1958
a “Declaração sobre a política do Partido Comunista Brasileiro”, conhecida também como
“Declaração de março”. Nela há um forte apelo à democracia e à ideia de conquista do
socialismo vinculada à formulação de uma estratégia de revolução de longo prazo, à
ampliação dos espaços democráticos e a manutenção da unidade interna da organização
partidária (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980; REIS, 2011).
Na mesma perspectiva, a Resolução Política do V Congresso do Partido, em 1960,
reiterava a estratégia democrática e a meta de manutenção da legalidade do partido no
cenário político (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980). O reconhecimento do
atraso do desenvolvimento brasileiro, expresso pelas péssimas condições de vida da
população nos centros urbanos, e, sobretudo no campo – consequência da concentração
de terra, das desigualdades socioeconômicas e a exploração imposta pelo imperialismo –
permaneceu como problema central a ser superado. Contudo, a partir desse momento, já
era possível identificar um desenvolvimento capitalista crescente engendrado em uma
pequena burguesia nacional. Burguesia essa que potencialmente contribuiria para a
superação do subdesenvolvimento brasileiro junto a classe trabalhadora, atuando no
campo de forças contrário ao latifúndio e o imperialismo (CARONE, 1982) e no
cumprimento das etapas necessárias à revolução socialista brasileira. O trecho da

86
Após a morte de Stálin (líder da URSS) em 1953, ocorre em 1956 o XX Congresso do PCUS, onde Nikita
Kruschev, secretariado-geral do partido e comandante do governo soviético, pronunciou o discurso secreto
em que denunciava crimes de Stálin durante as três décadas em que esteve à frente do poder na União
Soviética (DANTAS,2017). O acontecimento atingiu os partidos comunistas pelo mundo implicando em
uma série de críticas, revisões e o desligamento de militantes e dirigentes.
76

Resolução Política do V Congresso do PCB ilustra bem este posicionamento, ao propor


a realização de tarefas que implicassem em transformações na correlação de forças
políticas e na aliança entre a classe operária, os camponeses e a pequena burguesia
nacional.
(...) Para isso a realização de tarefas implicaria em transformações
revolucionárias na sociedade brasileira, exigindo uma profunda
mudança na correlação de forças políticas e a passagem do poder
estatal às mãos das forças anti-imperialistas e antifeudais - a
classe operária, os camponeses, a pequena burguesia e a
burguesia ligada aos interesses nacionais – entre as quais o
proletariado, como força revolucionária mais consequente,
deverá ter o papel dirigente (PARTIDO COMUNISTA
BRASILEIRO, 1980, p.48).

O documento explicita ainda que a viabilização desta transformação


revolucionária na sociedade brasileira deveria ocorrer por meios pacíficos e pela
conquista de um governo nacionalista e democrático angariado pela pressão das massas
e pela vitória da frente única nacionalista e democrática pelas vias eleitorais (DANTAS,
2017). Essa opção não significaria “a conciliação de classes, passividade ou
espontaneísmo. Significa unicamente a realização das tarefas revolucionárias sem que
seja inevitável a insurreição armada ou a guerra civil” (PARTIDO COMUNISTA
BRASILEIRO, 1980, p.62).
A essa altura clivagens importantes dentro do Partido geravam tensionamentos
que desencadearam mais um processo de dissidência, seja pela expulsão de membros ou
pela saída dos que discordavam com a linha de atuação firmada no documento do V
Congresso. Nasce dessa cisão o Partido Comunista do Brasil (PC do B)87, em 1962, a
partir de uma vertente descontente com o posicionamento do PCB e que propunha
mudanças mais limitadas em defesa da ortodoxia partidária. Criticavam a nova política
adotada pelo partido e as teses apresentadas sobre o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil “acusada de ser excessivamente otimista” e a opção pacífica como caminho
adequado para a revolução brasileira (SALES, 2007). Ou seja, uma tendência de
mediação e acomodação para conquista gradativa de espaço político.

87
De acordo com Sales (2007) a gota d´água para a cisão aconteceu no ano seguinte, quando a direção do
PCB modificou os estatutos do partido alegando a necessidade de viabilizar a legalização da legenda ao
Tribunal Superior Eleitoral. O grupo oposicionista redige a “Carta dos cem”, um abaixo assinado ao Comitê
Central, reclamando que este havia retirado as referências ao marxismo-leninismo de seu programa, criando
assim um partido que nada tinha de revolucionário. Os militantes que assinaram foram expulsou e formaram
o PC do B. Pertenciam a esse grupo antigos dirigentes: João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar,
Diógenes Arruda Câmara, Sérgio Holmos, Carlos Daniellli entre outros.
77

Apesar dos conflitos internos, o PCB experenciou um breve período de hegemonia


no campo da esquerda, tanto na intelectualidade quanto no movimento sindical. No
entanto, a conjuntura política iniciada durante o mandato do Presidente João Goulart 88
passa a exigir do partido a articulação com alianças amplas. O governo de Goulart era
composto pela frente nacionalista e democrática, formada por partidos progressistas
(PCB, PTB e PSB), alas nacionalistas de outros partidos, movimentos sindicais e
estudantis, além de algumas correntes de opinião pública como católicos progressistas, a
intelectualidade democrática e setores das forças armadas. De 1961 a 1964, este governo
angariou antigas reivindicações dos comunistas e na política interna experimentou-se um
período de movimentação com medidas econômicas de sentido anti-imperialista e
democrático, o fortalecimento do movimento operário e sindical e o movimento dos
trabalhadores do campo, a participação mais ativa das camadas médias urbanas no jogo
democrático e, destacadamente, a campanha pelas reformas de base (PARTIDO
COMUNISTA BRASILEIRO, 1980).
No entanto, este não era um governo homogêneo e encontrou em seu interior e no
aparelho estatal forças conservadoras que conduziam o governo à uma posição mais ao
centro. Parte dessa pressão vinha da relação com o governo norte-americano e com as
empresas imperialistas, mas também de movimentos dentro das Forças Armadas, de uma
maioria reacionária no Congresso e de setores conservadores da sociedade brasileira. As
amplas alianças estabelecidas pelo governo de Goulart mostraram-se fragilizadas durante
o contexto de crise, e em uma tentativa pela via conciliatória acabou desmobilizando a
resistência de uma frente ampla progressista. Para o PCB,
Tais alianças, contudo, justamente por sua amplitude, muitas
vezes colocaram o Partido a reboque do interesse de outras
classes, fragilizando seu papel de vanguarda política do
proletariado. Foi neste sentido que o golpe de abril de 1964,
articulado pelas frações hegemônicas da burguesia monopolista
brasileira, não encontrou nem as forças populares, nem o Partido

88
Formado em direito, foi lançado a candidato a deputado estadual e eleito senador em 1947. Em 1951
assume a Secretaria do Interior e Justiça. Em 1953 é nomeado para Ministério do Trabalho. Em 1956 foi
empossada a chapa vencedora do pleito presidencial, com Jango na vice-presidência da República e a
presidência do Senado. O período é marcado por crises políticas com o então Presidente, Jânio Quadros.
Em 1961 o Congresso aprova Emenda Constitucional que instalou o parlamentarismo, limitando os poderes
presidenciais e Goulart empossado na presidência da República em 1961. Ao assumir o cargo, ampliar a
base política do novo governo, buscando o apoio do centro sem abrir mão da sua relação com setores de
esquerda, de maneira a realizar uma política de conciliação marcada pelo diálogo com os diversos partidos
representados no Congresso. Em 1º. de abril, com o golpe militar, Jango viajou para o Rio Grande do Sul
com o objetivo de organizar a resistência e defender o poder legal. Faleceu em 1976, em sua fazenda La
Villa, no município argentino de Mercedes, sem ter conseguido regressar ao Brasil (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, 2001).
78

em condições de resistência imediata, impondo ao PCB e ao


conjunto das forças democráticas e de esquerda mais um duro
período de repressão e clandestinidade (COMITÊ DO PCB, s/
data)

A partir da instauração do regime totalitário em 1964, o PCB atua na


clandestinidade buscando articular movimentos de resistência e de propostas alternativas
no campo da esquerda. De acordo com Silva (2005), desde o princípio da ditadura o PCB
optou pelo enfrentamento pacífico adotando a ideia de “Frente Democrática”89, não para
“derrubar” a ditadura, mas derrotá-la através de soluções politicamente negociadas, do
envolvimento da sociedade, da população e dos movimentos políticos com intuito de
isolá-la e pressionar a sua saída. Esta orientação foi ratificada no VI Congresso do PCB
realizado em dezembro de 1967, com a divulgação de documento elaborado desde 1964,
onde o “Partidão” realiza um balanço sobre a conjuntura política e reavalia as estratégias
e os possíveis erros de avaliação cometidos no enfrentamento do período de crise. Dentre
os pontos discutidos nessa reavaliação estavam: o foco na crítica à política conciliadora
de Goulart impossibilitando a compreensão do real quadro político e o fortalecimento do
próprio partido na luta pela legalidade; o subjetivismo na direção do partido idealizando
a força do movimento de massas, a sua combatividade, nível de organização e sua
influência na frente nacionalista e democrática; a influência do movimento anti-
imperialista nas Forças Armadas e na burguesia nacional que foi igualmente exacerbada;
o reconhecimento da falta de preparo do partido e das massas, do ponto de vista
ideológico e político, para o enfrentamento da reação violenta disparada pelo golpe
(PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980). Contudo, de acordo com Carone
(1982) apud DANTAS, 2017), as estratégias e táticas apresentadas mantiveram pontos
que não diferiam em essência das propostas enunciadas no documento do V Congresso:
liquidação do imperialismo e do latifúndio - o que continuava
impondo a revolução brasileira um caráter nacional e
89
A concepção de Frente Democrática presente nas obras de Giorgi Dimitrov, exercerão uma forte
influência no pensamento do PCB. Em discurso de encerramento antes do Sétimo Congresso Mundial da
Internacional Comunista em 1935 intitulado “Unidade da classe trabalhadora contra o fascismo”
[tradução nossa] aponta como elementos fundamentais a criação de uma frente ampla de atuação
(DIMITROV, 1972).Dimitrov foi líder sindical e um dos fundadores do Líder sindical e um dos fundadores
do Partido Comunista Búlgaro em 1919. Em 1929 foi eleito para chefiar a seção da Europa Central da
Internacional Comunista. Em 1945 com a derrota dos nazistas e a vitória da Revolução na Bulgária, assumiu
o cargo de Primeiro Ministro e em 1946 proclamou a formação da República Popular da Bulgária. Fonte:
https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/index.htm
79

democrático, em aliança com a burguesia progressista. Tratava-


se, então, de promover o acúmulo de forças no combate à
ditadura, por meio de uma frente democrática que congregasse
todas as forças contrárias ao regime de exceção - proletariado,
campesinato e burguesia nacional (CARONE, 1982 apud
DANTAS, 2017, p. 101).

Como apontado anteriormente nesse capítulo, até este período podemos observar
o quanto a Estratégia Nacional Democrática (EDN), ou seja, a ideia de criação de
condições necessárias para a revolução socialista através de etapas preparatórias que
incluem a composição de alianças pluriclassistas, a realização de uma revolução burguesa
e a manutenção do processo democrático, marca profundamente o modo de fazer política
do PCB, mesmo quando este esteve em períodos de ilegalidade. Para Dantas (2017)
embora contivesse elementos de originalidade, a EDN representava uma transposição de
modelos prontos e acabados que visualizavam na formação social do país, um passado
próximo ao europeu vislumbrando um caminho clássico para o Brasil, tanto para a
revolução burguesa quanto para a transição socialista.
Contudo, a partir da crise política e da forte repressão sofrida pelos movimentos
de esquerda após o golpe militar de 1964, essa estratégia passa a ser amplamente criticada
e nos documentos elaborados pelo partido após o VI Congresso, torna-se evidente na fala
de alguns dirigentes e membros a necessidade de revisão da estratégia e a produção de
alternativas mais consistentes com a realidade da nova conjuntura que se apresentava
(PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980). De acordo com Martins (1970 apud
STOTZ, 2019), o PCB se caracterizou pela estratégia de subordinação dos interesses da
classe operária aos da burguesia, entendida pelo partido como antagônica ao imperialismo
e ao latifúndio. Essa subordinação teria se mantido inclusive quando a burguesia
abandona as suas aspirações reformistas e apoia abertamente o golpe militar de 1964,
desencadeando uma crise ideológica e política no seio do Partido com a perda de
influência junto às classes trabalhadoras e cisões que conduziram muitos membros para
luta armada.
No início dos anos 1970 muitos membros do partido se aliam às organizações da
chamada “esquerda armada” ou esquerda revolucionária. Uma delas é a Ação Libertadora
Nacional (ALN), que nasce em 1968 como principal dissidência do PCB, tendo como
coordenadores importantes quadros expulsos do Partido, como Carlos Marighela 90. A

90
Engenheiro civil, baiano, ingressa no PCB no início da década de 1930, ainda estudante. Tornou-se um
dos principais articuladores do partido no estado até ser convocado pela direção nacional em 1936 para
80

organização atuava como uma espécie de federação de grupos armados de esquerda em


combate a estrutura centralizada dos partidos comunistas – considerada um obstáculo à
ação revolucionária. Além disso, criticava a suposta submissão do partido à liderança da
burguesia, atribuindo ao proletariado e ao campesinato a liderança do processo de guerra
revolucionária. Outras organizações guerrilheiras91 também tiveram origem no
“Partidão” como o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) 92, coordenado
por Mário Alves, Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender e dissidências estudantis como
o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) 93, liderado por Vladmir Palmeira,
Daniel Aarão Reis, Franklin Martins entre outros (RIDENTI, 2007).
No entanto, os anos 1970 foram igualmente marcados por um processo de
desmantelamento de diversas destas organizações de esquerda pelo aparelho repressivo.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5) 94, de 13 de dezembro de 1968 que vigorou até dezembro

atuar no Rio de Janeiro. Foi preso e torturado por diversas vezes durante o período da Era Vargas. Foi eleito
deputado à ANC em 1945 pelo estado da Bahia, tornando-se um dos 14 membros da bancada comunista na
Assembleia. Foi segundo suplente de secretário da mesa diretora dos trabalhos, iniciados em fevereiro de
1946. Ainda em 1947, foi o primeiro diretor da revista Problemas, órgão teórico do comitê central do PCB.
Atuando novamente na clandestinidade, Marighella instalou-se em São Paulo, tornando-se, até 1952, o
dirigente máximo do partido na capital paulista. No entanto, o golpe de março de 1964 foi, para Marighella,
a confirmação de sua descrença no caminho pacífico para o socialismo. Segundo ele, a ausência de uma
preparação para enfrentar pelas armas as forças conservadoras havia sido o grande erro cometido até então.
Em 1966, tornava pública sua disposição de “lutar revolucionariamente, junto com as massas” e fora
expulso do partido. Em 1968, é criada a Ação Libertadora Nacional (ALN), que deflagrou a guerrilha
urbana através de uma série de assaltos a bancos para conseguir fundos. Marighella foi morto por uma
equipe policial em novembro de 1969 em São Paulo (MALIN, s/ data).
91
Nessa época, outras organizações também adotaram a luta armada: a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), resultante da união de militares, antigos adeptos de Leonel Brizola, com grupos estudantis e
intelectuais provenientes da organização trotskista Política Operária (Polop) (RIDENTI, 2007)
92
Mário Alves, jornalista e intelectual em oposição ao posicionamento de Luís Carlos Prestes no Comitê
Central do PCB forma junto à Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender- militantes importantes do quadro
do PCB- a chamada Corrente Revolucionária, com força no Rio e no Nordeste, a partir de 1968, no Rio de
Janeiro. A proposta geral do PCBR consistia na constituição de um novo partido marxista que reformulasse
a linha tradicional do PCB. Sua estratégia consistia na defesa da guerrilha rural e trabalho de massas nas
cidades, ocupando-se de operações armadas urbanas, essencialmente voltadas para a propaganda
revolucionária (RIDENTI, 2007)
93
O MR-8 resultou de uma cisão de universitários com o PCB a partir de 1967 e atuou em várias ações do
movimento estudantil e do início da luta armada, em 1968. Desarticulado pela ação do exército brasileiro
no início de 1969, seus sobreviventes ainda em liberdade juntaram-se aos integrantes da Dissidência
Comunista da Guanabara (DI-GB), atuante desde 1966 nas manifestações políticas sob a liderança de
Vladimir Palmeira, e juntas, reconstituíram um "novo" MR-8. Atuando como um grupo de guerrilha urbana,
tornou-se nacional e internacionalmente conhecida com o sequestro do embaixador norte-americano no
Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, realizado em conjunto com a Ação Libertadora
Nacional (ALN), de São Paulo. A ação foi realizada, em princípio, para libertar o líder estudantil Vladimir
Palmeira, preso desde o ano anterior. A maioria dos militantes se exilou no Chile em 1972, sendo o grupo
reestruturado posteriormente com outras orientações. A atuação política foi priorizada e o MR8 foi abrigado
no MDB (CAMURÇA e AARÃO REIS, 2007).
94
O AI-5, autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e sem apreciação judicial a:
“decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos
parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de
bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus” (D'ARAUJO, s/ data).
81

de 1978, produziu uma série de ações arbitrárias marcando o momento mais duro do
regime e dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que
fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Entre os anos de 1973 e 1975, um
terço do Comitê Central do PCB foi assassinado pela repressão, muitos militantes foram
submetidos à tortura ou à morte e outros exilados no exterior. A mesma violência e
repressão foi empregada nas organizações e membros dissidentes do partido integrantes
da “esquerda revolucionária” (SILVA, 2005; COMITÊ PCB, s/ data). Diante deste
cenário, portanto, estas organizações da luta armada se vêm enfraquecidas e isoladas no
combate e, embora tenham desenvolvido sua identidade se contrapondo às ideias
difundidas pelo PCB, iniciam um processo de revisão do seu posicionamento e uma
inflexão política para um enfrentamento possível com o regime (SILVA, 2005).
Como veremos com mais detalhe no capítulo subsequente, o ano de 1974
representou um primeiro passo a uma retomada da vida política no país com a abertura
gradual e lenta imposta pelo governo de Ernesto Geisel. Desde a reforma partidária
imposta pelo Ato Institucional nº 2 de 1965, que dissolveu todos os partidos e implantou
um sistema bipartidário, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) desempenhava o
papel de oposição na legalidade, mas sofria influência de partidos de esquerda como o
PCB e PC do B. As eleições de 1974 marcaram um avanço da oposição representada pela
MDB no Senado e na Câmara dos Deputados (REGO, 2008; SILVA, 2005).
O ano de 1978 reforçou ainda mais uma mudança de cenário, no sentido de um
enfraquecimento do regime militar, com a expressiva vitória de parlamentares da
oposição, o avanço do movimento pela Anistia, o fim do AI-5 e o crescimento de um
movimento sindical potente representando os setores mais modernos da indústria
brasileira, conhecido como “novo sindicalismo” 95. Nesse contexto, no entanto, a postura
do PCB foi de cautela frente aos avanços, pois, no seu entendimento, apesar das
concessões o regime não havia perdido o seu caráter fascista. Na “Resolução política de
maio de 1979” o Partido propunha a criação de um bloco parlamentar de oposição, a
anistia ampla e irrestrita, a unidade do movimento sindicalista e a convocação da
Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Entretanto, no quesito reforma partidária,

95
Movimento sindical nascido com as greves de 1978 no ABC paulista. Os trabalhadores impulsionaram
a luta pela redemocratização não somente por meio de greves: iriam criar seu próprio partido, o PT, em
1980, e a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em 1983. Articulado com outros movimentos sociais,
o Novo Sindicalismo levaria a pauta dos trabalhadores às ruas e à Assembleia Constituinte (1987-1988),
conferindo nova qualidade à luta política na transição da ditadura para o regime democrático (SECCO,
2011).
82

posicionavam-se contra a proposta oferecida pelo regime de fim do bipartidarismo, já que


representaria uma divisão da oposição até então agrupadas no MDB (SILVA, 2005).
O processo de legalização dos partidos ocorrido em 1979, através da Lei Orgânica
dos Partidos Políticos, foi, contudo, incompleto e incongruente ao impedir que partidos
tradicionais e históricos como o PCB e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pudessem
voltar à vida política. O PCB manteve, assim, sua defesa ao MDB que agora se chamava
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), como o partido ideal para a
manutenção de uma frente de luta contra a ditadura até o processo completo de abertura
política e onde muitos pecebistas atuaram nos anos seguintes (REGO, 2008; SILVA,
2005; STOTZ, 2019).
Outro ponto em destaque foi a conquista da anistia em setembro de 1979, com o
retorno ao Brasil de dirigentes e militantes dos partidos de esquerda exilados no exterior
e que passam a ser elementos centrais na dinamização da luta pela redemocratização. No
PCB, esse retorno torna público o tensionamento interno existente até então velado pelo
cenário de exílio e de repressão. Duas correntes passam a disputar a direção do partido:
os “prestistas” e os “renovadores”. O primeiro grupo posicionava-se contra a proposta de
transição negociada do regime militar e reivindicavam um resgate do caráter
revolucionário da luta contra a ditadura militar defendida Luiz Carlos Prestes (STOTZ,
2019; SILVA, 2005). O segundo grupo composto por intelectuais como Carlos Nelson
Coutinho, Leandro Konder e Luiz Werneck Vianna, propunham a adoção, no país, da
concepção eurocomunista da democracia como valor universal. Embora críticos à linha
majoritária do partido, os posicionamentos deste segundo grupo teriam muito em comum
com a proposta vigente no PCB, divergindo substancialmente no tocante à radicalização
da democracia como um caminho para o socialismo, em detrimento da ideia de
democracia como “condição” para a luta pelo socialismo – pensamento da maioria do
Comitê Central do partido (CARONE, 1982; STOTZ, 2019; SILVA, 2005).
De acordo com Silva (2005), o núcleo dirigente do Partido optou por uma
oposição “centrista” em relação às linhas de atuação em disputa ao longo dos primeiros
anos de 1980, gerando uma dubiedade entre o temor de um retrocesso e a necessidade de
enfrentamento com o regime, e também buscando contemplar os diferentes
posicionamentos a fim de evitar uma fragmentação partidária já notória. No VII
Congresso do Partido realizado em dezembro de 1982, constava na atualização do projeto
a tarefa de “torná-lo um partido nacional de massas vinculando organicamente o objetivo
socialista a uma democracia de massas, construída no respeito ao pluralismo e nos valores
83

fundamentais da liberdade” (COMITÊ DO PCB, s/ data). Contudo, embora não fosse


majoritário o número de dirigentes e militantes assumidamente eurocomunistas, as
formulações centrais desta vertente acabam permeando as teses elaboradas neste
congresso e sendo divulgada no documento elaborado em 1984, intitulado “Uma
Alternativa Democrática para a crise brasileira” (COMITÊ DO PCB, s/ data). A vertente
eurocomunista será mais bem detalhada logo a frente já que a formulação de sua proposta
estratégica alternativa para o PCB marcará profundamente o modo de operar de alguns
movimentos sociais progressistas que ganharão corpo a partir do período de
redemocratização iniciado em meados de 1970, como foi o caso do Movimento da
Reforma Sanitária, objeto deste estudo no qual dedicaremos mais atenção para essa
articulação em capítulo adiante.
No percurso da transição democrática que se segue o Partido não consegue de
afirmar como organização de massas e se destacar nas principais lutas e greves operárias
que surgem no decorrer dos anos 1980 (SILVA, 2005). O Partido dos Trabalhadores
(PT)96, partido criado a partir da reforma política de 1979 diretamente ligado à luta do
“novo sindicalismo”, vai ganhando terreno no campo de disputa política e angariando
cada vez mais militantes e apoiadores. Para Silva (2005) nenhuma das organizações de
esquerda, no entanto, havia conseguido disputar a hegemonia das esquerdas e dos
movimentos sociais com o PCB em igualdade de condições. Mesmo com as diversas
dificuldades orgânicas e tensionamentos internos, ao longo dos anos de repressão o
“Partidão” permaneceu como o principal referencial de esquerda no país. Situação essa,
que somente foi alterada com o surgimento dos novos partidos de esquerda na legalidade,
embora estes não fossem necessariamente vinculados ao ideário comunista.
Somente em 1985 o PCB teria o seu programa, estatuto e manifesto publicados no
Diário Oficial. Em 1987, realiza-se o VIII Congresso do PCB de caráter extraordinário
cujo objetivo era discutir a orientação futura do partido e eleger uma nova direção
nacional. Nesse mesmo congresso já se discutiam a débil inserção do PCB no movimento
operário e às questões ligadas à democracia e à luta de classes, mas o posicionamento dos
comunistas permanecia na luta pela democracia, pela manutenção, ampliação e

96
A organização do PT inicia-se em 1979 e sua fundação é datada em 10 de fevereiro de 1980. Logo, se
tornou uma agremiação hegemônica no campo das esquerdas (SILVA, 2005). Fruto do encontro entre o
“novo sindicalismo”, setores progressistas da Igreja Católica (integrantes das comunidades eclesiais de base
– CEB’s), grupos oriundos da “esquerda revolucionária” e dos movimentos sociais.
84

aprofundamento das conquistas alcançadas no Estado de Direito Democrático como parte


integrante da luta pelo socialismo pela via da democracia de massas (ABREU, s/ data).
Em 1991, é realizado o IX Congresso onde iniciou-se o debate sobre a dissolução
do PCB. Essa discussão foi agravada pela crise dos países comunistas do Leste europeu
e às transformações em curso na União Soviética, provocando internamente uma
incerteza quanto os rumos do comunismo e do partido no Brasil. Nos dias 25 e 26 de
janeiro de 1992, o PCB realiza seu X Congresso em São Paulo, em caráter extraordinário,
onde o partido é declarado extinto. No fim deste Congresso é criado o novo partido
denominado Partido Popular Socialista (PPS), que deveria ser o herdeiro do velho PCB.
No entanto, para alguns antigos comunistas a decisão de extinguir o PCB não havia sido
legítima e por essa razão, em 1993 organizam um novo congresso, decidindo pela
manutenção do nome, da sigla e do símbolo do partido. Em maio de 1996, o PCB
conseguiu seu registro definitivo no TSE, cumprindo a exigência de criar diretórios em
20% dos municípios de pelo menos nove estados da Federação – conseguindo, segundo
seus dirigentes, representação em 20 estados (ABREU, s/ data).

5.2 “RENOVADORES”: A ESTRATÉGIA ALTERNATIVA APRESENTADA PELOS


EUROCOMUNISTAS PARA O PCB (E POR QUE ISSO IMPORTA AO
MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA)

Uma vez apresentado o contexto e a linha histórica do Partido, iremos nos


debruçar mais amiúde nos conceitos apresentados pelas ideias estratégicas de renovação
dentro do partido. As propostas estratégicas surgidas no PCB após o golpe militar de 1964
como expressões de resistência e possibilidade de organização no campo da esquerda,
influenciariam os movimentos sociais, que por sua vez, também emergiam no contexto
da ditadura como uma possibilidade de resistência e oposição, como ocorreu no caso da
saúde. Neste estudo, a apresentação de estratégias alternativas à EDN será uma pista
importante para a compreensão das bases que influenciaram o nascimento do Movimento
da Reforma Sanitária brasileira como veremos nos capítulos adiante.

Dentre as críticas apresentadas três delas se destacam e serão aqui brevemente


apresentadas. A primeira é a de Caio Prado Jr. que em seu trabalho intitulado “A
Revolução Brasileira” de 1966 (PRADO JÚNIOR, 2004) descontrói duas teses centrais
da teoria da revolução brasileira até então propagada pelo Partido. Em primeiro lugar ele
afirma não haver no Brasil resquícios feudais a serem superados e nem uma burguesia
85

nacional, pois mesmo com características de dependência, o país já teria alcançado o


estágio de sociedade capitalista. Portanto, não haveria uma revolução burguesa clássica a
ser realizada. Em segundo lugar, a efetivação de uma transição socialista se daria pela
superação do atraso brasileiro, já que esta era a razão de sua não congruência com a
modernidade ocidental capitalista. A superação deste atraso seria impulsionada pela
massa trabalhadora rural, sob a liderança dos trabalhadores urbanos. O Estado, em função
da ausência de uma burguesia nacional, orientaria a tarefa revolucionária, pela via
democrática (DANTAS, 2017).
Já na leitura de Florestan Fernandes 97, em “A Revolução Burguesa no Brasil” de
1975 (FERNANDES, 2005) a revolução burguesa brasileira já havia ocorrido e de
maneira não clássica, mas “sim assumida por um aglomerado de frações de classe (as
elites cafeeiras e os imigrantes, que teriam tomado para si a tarefa de instituir um
determinado padrão burguês de civilização” (DANTAS, 2017, p.111). O autor criticava,
assim, os modelos fechados de compreensão da realidade e da formulação de estratégias
da classe trabalhadora que não levam em consideração as peculiaridades nacionais e os
mais distintos contextos. Frente às peculiaridades da formação social brasileira, a
transição para uma sociedade socialista exigia estratégias alternativas e não clássicas, o
que para Florestan significava uma ruptura revolucionária da ordem capitalista. Logo, se
para Caio Prado Jr., o Estado poderia atuar em benefício das massas e dos interesses da

97
Cursou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (USP) em 1941. Em
1943, bacharelou-se em ciências sociais, completando a licenciatura no ano seguinte. Sua trajetória
intelectual foi profundamente marcado pelo contexto de transformações sociais, econômicas e políticas
desencadeadas a partir dos anos 1940-1950, quando a urbanização, a industrialização e as migrações
internas resultaram na emergência de novos atores e na reestruturação das hierarquias. Em 1943, durante a
ditadura do Estado Novo, se aproxima do Partido Socialista Revolucionário (PSR), no qual passou a exercer
uma militância em prol do socialismo. Em 1944 e 1945 freqüentou o curso de pós-graduação em sociologia
e antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) de São Paulo, e a partir de 1945 atuou como
pesquisador e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Obteve título de mestre em
ciências socias em 1947 e de doutor em 1951 em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP trabalhos que investigaram a sociedade Tupinambá. Envolvido no Programa de Pesquisa sobre
Relações Raciais no Brasil, desenvolveu pesquisa que desmentiu a tese sobre a inexistência de preconceito
e discriminação em nosso país, inaugurando uma nova fase do estudo do negro. Em 1955, a publicação de
Negros e brancos em São Paulo, contesta o mito de que vigorava no Brasil uma democracia racial. Em
1964, com a tese A integração do negro na sociedade de classes, Florestan questionou a modernização,
acoplada à constituição do capitalismo moderno no Brasil, e a democratização, demonstrando como a
desigualdade de acesso dos negros e mulatos ao mercado de trabalho constitui obstáculo à realização de
uma sociedade democrática no Brasil. Formulou uma noção chave, a ordem social competitiva, em
contraposição à ordem social aquisitiva, própria da civilização burguesa, que envolve ética racional e
igualdade legal-formal como parâmetros das disputas. A partir do golpe militar utilizou os instrumentos da
sociologia para denunciar e lutar contra o regime militar, realizando palestras em diferentes estados do país
sempre em defesa da democratização da sociedade. Florestan atuou como professor visitante na
Universidade de Colúmbia. Posteriormente, lecionou na Universidade de Toronto, até 1972 durante o exílio
(XAVIER, s/ data).
86

nação sob a direção dos trabalhadores, mas ainda dentro da ordem burguesa, para
Florestan o Estado apenas faria sentido fora da ordem burguesa e não capturado pelos
interesses imperialistas e de suas burguesias locais (DANTAS, 2017).
Outro autor que se destaca na elaboração de críticas ao modelo da EDN é o
cientista político Carlos Nelson Coutinho98. Como veremos mais adiante nesse estudo,
muito de sua análise crítica e de suas propostas estratégicas para o PCB irão influenciar
o pensamento da esquerda brasileira da década de 1970 em diante. Em “Democracia
como um valor universal” (1979) ele identifica problemas na formulação da EDN e
igualmente propõe alternativas que viabilizassem uma transição para a sociedade
socialista. Ao tecer críticas ao caráter etapista da EDN, elabora uma proposta de transição
a partir de um novo socialismo, buscando, assim, superar o totalitarismo das experiências
do socialismo real, a ditadura empresarial-militar no Brasil e a estratégia fracassada de
seu partido (DANTAS, 2017; COUTINHO, 1979).
Como o nome da obra sugere, a democracia se tornaria ponto essencial da nova
estratégia, sendo algo indissociável ao socialismo. Essa afirmação por si só já refutaria a
ideia de socialismo que vigorava na União Soviética e no Leste Europeu, pois, no
pensamento difundido por Carlos Nelson Coutinho, “uma vez que democracia e
socialismo eram considerados indissociáveis, apenas uma democracia de massas poderia
fornecer a base de luta pela democracia que, nesses termos, já seria a própria luta pelo
socialismo” (DANTAS, p.116, 2017).
Carlos Nelson Coutinho inspirava-se na vertente do eurocomunismo, corrente
difundida pelo Partido Comunista Italiano (PCI) através das ideias de Grasmci 99 cujo
princípio era a “mudança na continuidade” com a chegada do socialismo ao poder através
da disputa pela direção ético-política da sociedade (VAIA, 2013). Outro expoente do
partido italiano com grande influência para esta vertente no PCB foi Giovanni

98
Carlos Nelson Coutinho foi um intelectual marxista brasileiro, que articulou reflexão teórica com a
prática militante. Dedicou-se à crítica cultural nos anos 1960 e 1970 e teve papel destacado na divulgação
das obras de Lukács e Gramsci no Brasil. Graduou-se em Filosofia na Universidade Federal da Bahia em
1965 e foi militante do PCB desde jovem. Devido à ditadura nos anos 1970, exilou-se em Bolonha (Itália)
onde recebeu forte influência político-teórica PCI. Posteriormente morou em Paris, na França. Foi um
importante militante dentro do PCB que encabeçou a proposta de renovação no comunismo brasileiro, a
partir da questão democrática. Nos anos 1980, aproxima-se de outros partidos de esquerda como o novo
Partido Socialista Brasileiro e posteriormente do recém criado Partido dos Trabalhadores (PT). Migra em
2004 para o o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com dissidentes do PT (NETTO, 2012).
99
Antonio Gramsci, nascido em 1891 na ilha de Sardenha, foi um dos fundadores do Partido Comunista
Italiano, em 1921. Em 1926 foi preso pelo regime fascista italiano e escreveu “Cadernos do Cárcere”. Foi
libertado apenas em 1934, antes de morrer aos 46 anos (VAIA, 2013).
87

Berlinguer 100, médico, professor e deputado do PCI na década de 1970. Teve um papel
de liderança no processo da Reforma Sanitária italiana e, como veremos nos próximos
capítulos, se aproximou fortemente do Movimento da Reforma Sanitária brasileira que se
esboçara em meados dos anos 1970. Sua produção acadêmica esteve voltada para a luta
política, sobretudo às condições de saúde dos trabalhadores e à questão da desigualdade
sanitária (FLEURY, 2015). Dentre os partidos comunistas o PCI era conhecido por alguns
integrantes do partido brasileiro como aquele que possuía a visão mais aberta das questões
colocadas pelo movimento comunista internacional (SILVA, 2005).
Portanto, em sua proposta a democracia possuiria um valor estratégico e não
meramente tático. Sendo assim, não apostava na luta imediata pelo socialismo, “mas sim
com um combate árduo e provavelmente longo pela criação dos pressupostos políticos,
econômicos e ideológicos que tornarão possível o estabelecimento e a consolidação do
socialismo em nosso País” (COUTINHO, 1979, p.35).
Para o autor, a condução da política brasileira havia sido conformada pelo alto,
numa espécie de via prussiana 101, pelas classes dominantes e dirigentes. Esse
reconhecimento vai ao encontro do conceito de “revolução passiva 102” trazido por
Gramsci. Nela os processos de transformação ocorrem através de uma conciliação entre
as frações modernas e atrasadas das classes dominantes, em uma tentativa de excluir as
camadas populares de uma participação mais ampla. As revoluções passivas provocariam
mudanças na organização social, mas conservariam elementos da velha ordem, resultando
em um Estado caracterizado por “ditaduras sem hegemonia” (COUTINHO, 2006).
Em geral, todos os Estados que resultam de revoluções passivas
– era um Estado no qual a supremacia da classe no poder se dava
por meio da dominação (ou da ditadura) e não da direção político-
ideológica (ou da hegemonia). Recordo brevemente que, para
Gramsci, hegemonia é um modo de obter o consenso ativo dos
governados para uma proposta abrangente formulada pelos
governantes. Ao contrário, o que caracteriza aquilo que Gramsci
chamou de ‘ditadura sem hegemonia’ é o fato de que, nesse tipo
de Estado, existe certamente uma classe dominante, que controla
100
Médico italiano, professor de Medicina Social na Universitá La Sapienza em Roma, militante e
deputado do PCI na década de 1970.
101
O conceito de ‘via prussiana’, elaborado por Lenin- revolucionário russo- busca conceituar processos
de modernização que ele chamou de ‘não clássicos’, ao comparar o caso da Prússia com os casos ‘clássicos’
dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França. Partindo sobretudo do modo pelo qual o capitalismo resolveu
(ou não resolveu) a questão agrária, Lenin chamou de ‘via prussiana’ um tipo de transição ao capitalismo
que conserva elementos da velha ordem e, nessa medida, tem como pressuposto e como resultado um
grande fortalecimento do poder do Estado (COUTINHO, 2006).
102
Gramsci formula o conceito de ‘revolução passiva’ tomando como base a análise do processo de
unificação nacional italiano do século passado, conhecido como Risorgimento – mas generalizando o
conceito também para outros eventos históricos, como, por exemplo, o fascismo (COUTINHO, 2006).
88

direta ou indiretamente o aparelho governamental, mas o projeto


político dessa classe não tem o respaldo consensual do conjunto
ou da maioria da sociedade. Nesse caso, lembra ainda Gramsci,
pode-se falar de hegemonia de uma fração da classe dominante
sobre as outras frações, mas não do conjunto dessa classe sobre o
conjunto das classes subalternas (COUTINHO, 2006, p.82).

Ainda sobre o conceito de hegemonia em Gramsci, em sociedades complexas, a


chegada ao poder deveria se dar mediante intensa atividade cultural capaz de impregnar
de novas orientações as instituições da sociedade civil – como o sistema de ensino, as
associações religiosas e os meios de comunicação – e não pela tomada violenta do
aparelho de Estado (VAIA, 2013). Para Coutinho (1979), a ausência de uma revolução
democrático-burguesa clássica no Brasil, com a conquista de direitos e liberdades civis
através de uma forte participação popular, deixou marcas de fragilidade na democracia e
não foi capaz de gerar mudanças estruturais na organização social que rompessem com a
ordem dominante. A superação dessa lacuna, portanto, exigiria um intenso processo de
socialização da política e uma mudança no padrão de interação da sociedade civil com a
sociedade política. A socialização da política é aqui entendida como um processo de
socialização dos meios de produção, mas que também abre a possibilidade de disputa do
Estado para fins não apenas econômicos, consistindo em uma progressiva socialização
dos meios de governar (COUTINHO, 1979). Nesse sentido,
A socialização política – que se expressaria na articulação da
democracia representativa com formas de democracia direta-
deve constituir-se na base sobre a qual serão buscados os
pressupostos para a luta do socialismo: a conquista de um regime
de democracia política não é uma etapa no caminho do socialismo
a ser posteriormente abandonada em favor de tipos de dominação
formalmente não democráticos. É, antes, a criação de uma base,
de um patamar mínimo que deve certamente ser aprofundado
(tanto em sentido econômico como em sentido político), mas
também conservado ao longo de todo o processo. (COUTINHO,
1979, p. 43).

Seguindo o direcionamento político presente na estratégia pcbista, Coutinho


também rejeita o que, segundo ele, seriam as estratégias “golpistas”. Para ele, qualquer
tentativa de imposição de modificações radicais – tanto por conservadores quanto por
setores da esquerda ou progressistas – significaria o truncamento do processo de
renovação democrática e a repetição de modelo “prussiano” de direção “pelo alto”
(COUTINHO, 1979).
89

De acordo com Dantas (2017), a aposta na força do movimento da sociedade civil,


era também uma tentativa de renovar a estratégia política do PCB – onde Coutinho era
militante – e retomar o posto de liderança pela classe trabalhadora organizada perdida
desde o golpe de 1964. O autor oferece, assim, a proposta de uma aliança que ocorra de
“baixo para cima”, incorporando novos sujeitos políticos e impondo às forças populares
a opção de uma “guerra de posição” enquanto método de batalha política para a
consolidação da democracia e da socialização política (COUTINHO, 1979). Se a
hegemonia requer o deslocamento de um bloco de forças em torno de propostas
consensuais, a chamada “guerra de posição” seria o seu prolongamento em uma longa
luta de persuasão na sociedade civil (GALLO; NASCIMENTO, 1989).
Além do método da “guerra de posição”, outra ideia que aparece como essencial
para a efetivação da renovação democrática é o reconhecimento da unidade como valor
estratégico. Para o autor, quando não se verifica um processo de unificação política
mediado por organismos representativos de âmbito nacional, o pluralismo dos sujeitos
coletivos de base degenera-se em forma de corporativismo. A conquista de hegemonia,
por sua vez, se daria através da obtenção de consenso majoritário das correntes políticas
e das classes e camadas sociais (COUTINHO, 1979).
Talvez não seja inútil lembrar que maioria implica minoria, cujos
direitos — na medida em que sua ação oposicionista não viole a
legalidade constitucional democraticamente fundada — terão de
ser respeitados. Mas essa afirmação do valor estratégico da
unidade ganha um traço concreto específico quando referido ao
Brasil: a tarefa da renovação democrática implica a crescente
socialização da política, a incorporação permanente e “anti-
prussiana” de novos sujeitos individuais e coletivos ao processo
de transformação da realidade. Como a autonomia e a diversidade
desses sujeitos deverão ser respeitadas, a batalha pela unidade —
uma unidade na diversidade — torna-se não apenas um objetivo
tático imediato na luta pelo fim do atual regime, mas também um
objetivo estratégico no longo caminho para “elevar a nível
superior” a democracia (COUTINHO, 1979, p.45)

Se no contexto da ditadura militar o Estado atuava de forma restrita, ou seja, como


um aparelho coercitivo, a nova proposta era que este atuasse de forma ampliada. No
conceito de Estado ampliado em Gramsci, diversas instituições surgem como
responsáveis pela difusão de valores simbólicos, de ideologias e normas de
comportamento, tais como sistema de ensino, partidos políticos, sindicatos, meios de
comunicação, entre outros (GALLO; NASCIMENTO, 1989). Da mesma forma, a
transição para uma sociedade socialista se daria gradualmente se conformando através de
90

um “reformismo revolucionário” com a implementação de uma série de políticas de


reformas estruturais pelo Estado que viabilizassem a construção de uma nova lógica de
acumulação e de investimento não centrada no lucro e na satisfação do consumo
meramente privado e que a longo prazo seriam incompatíveis com a lógica da acumulação
capitalista (COUTINHO, 2008). Na análise de Dantas (2017), há uma aposta em
Coutinho de que uma vez ampliado, o Estado deixaria de ser o instrumento exclusivo de
uma classe para se converter em uma arena privilegiada da luta de classes em seu interior,
com a tomada dos espaços burocráticos. Há, portanto, uma escolha pela disputa e a
transformação do Estado, que no caso brasileiro, se alinhava ao momento de
redemocratização e ao movimento de reconstrução de um Estado controlado pelas forças
populares (DANTAS, 2017).
Uma vez apresentados os valores estratégicos e o método, a efetivação da
renovação democrática implicaria na execução de dois planos principais. O primeiro seria
a conquista da democracia, em um regime de liberdades fundamentais, sustentada por
uma unidade com todas as forças interessadas e amparada por uma Assembleia
Constituinte dotada de legitimidade. O segundo seria a construção de alianças para o
aprofundamento de uma democracia organizada de massas, com a crescente participação
popular, onde a busca da unidade teria como meta a conquista do consenso para a
implementação de medidas antimonopolista e anti-imperialista e, posteriormente, uma
sociedade socialista fundada na democracia política (COUTINHO, 1979).
Em síntese, os três autores destacados 103– Caio Prado Jr, Florestan Fernandes e
Carlos Nelson Coutinho – nos ajudam a sistematizar a inflexão ocorrida a partir de 1964
nas propostas de estratégia política até então difundidas pelo PCB. Embora cada autor
traga uma interpretação específica para a questão da revolução burguesa no país, é
convergente entre estes intelectuais a ideia de que a mesma já havia ocorrido sem a
participação de uma burguesia nacional anti-imperialista e antilatifundiária. Portanto, o
socialismo estaria no horizonte estratégico de luta, não mais através de alianças com uma
burguesia nacional (não existente no Brasil), mas sim pela conquista gradual e por etapas,
através da garantia de um Estado democrático e do aprofundamento de alianças com as
massas populares. Assim, o Estado é quem “assume o centro da estratégia como elemento

103
Como sinalizado nas notas de rodapé dos respectivos autores, é importante destacar que, embora tenha
se aproximado das ideias socialistas Florestan Fernandes atuava como intelectual independente e não como
militante de partidos. Já Caio Prado Jr. e Carlos Nelson Coutinho, foram intelectuais e ao mesmo tempo
dirigentes/militantes atuantes no PCB, porém em épocas distintas.
91

que, embora reconhecidamente de classe, pode acelerar o processo de acúmulo de forças


no sentido do socialismo” (DANTAS, 2017, p. 132).
Essa nova proposta passa ser nominada de Estratégia Democrática Popular (EDP)
e vai ganhando força ao longo da década de 1980 como parte de um processo de
assimilação do novo e de um contínuo afastamento da EDN liderada pelo PCB. Vai se
delineando nesse cenário a intenção de criação de um partido capaz de organizar as
massas e, assim, realizar um movimento duplo onde se desenvolvesse o trabalho de base
e também disputasse o plano institucional, equilibrando o compromisso da democracia
plena e exercida diretamente pelas massas (DANTAS, 2017).
A criação do Partido dos Trabalhadores (PT) – já mencionado neste capítulo como
elemento de contextualização da história do PCB – nasce, portanto, diante deste contexto
de transição estratégica no campo da esquerda. Segundo Iasi (2006), embora sua base
fosse oriunda do novo movimento sindical, o PT conseguiria alcançar um conjunto
variado de frações da classe trabalhadora de diversos segmentos, incluindo membros de
partidos que permaneceram clandestinos como o caso do PCB. O recém-criado partido,
se posicionava
(...) em defesa do poder popular, com maior participação dos
trabalhadores na política e na gestão dos serviços públicos, bem
como sobre questões gerais mais candentes acerca daquela
conjuntura específica: pelo fim da ditadura, pela reforma agrária,
pelo combate à fome, direito à educação, à cultura e à habitação,
contra a discriminação racial, étnica e sexual, e também a favor
de uma saúde pública e gratuita (DANTAS, 2017, p. 135).

A principal crítica do novo partido ao “Partidão” referia-se à tentativa de importar


um modelo de revolução socialista que impunha a necessidade de cumprimento da etapa
democrático-burguesa para o alcance da transição para o socialismo. Assim como os
autores críticos à EDN, para o PT a revolução burguesa já havia se dado e o Estado já era
capaz de garantir as condições de dominação da burguesia dependente. A luta
revolucionária seria promovida de forma antimonopolista, anti-imperialista e
antilatifundiária, através da ocupação dos espaços institucionais conjugados ao poder
popular e à luta de base organizativa e conscientizadora das classes trabalhadoras da
cidade e do campo (DANTAS, 2017).
Essa movimentação de trabalhadores se tornou um importante instrumento de
pressão à transição democrática, mesmo sendo realizada pelo alto e de forma negociada.
Mas, segundo Iasi (2006), o acúmulo de forças ali experimentado indicava que o processo
92

de revolução para uma sociedade socialista se daria por um processo longo, gradual,
cumulativo e na aposta na luta institucional ainda sob as regras do jogo da burguesia. De
acordo com este autor, como se confirmou posteriormente, essa proposta ajudou a
dissolver uma série de tensões no interior do recém-nascido partido, silenciou os críticos
da institucionalização e distanciou o debate estratégico e revolucionário do cotidiano da
luta.
A breve exposição da história do PCB e sua principal estratégia política, seguida
pela apresentação da proposta alternativa que se desenvolve a partir do período de
ditadura militar no campo da esquerda nos ajuda a sedimentar, portanto, o terreno sob o
qual o Movimento da Reforma Sanitária irá construir os seus alicerces, tanto teóricos
quanto práticos e estratégicos. Levaremos como pista para a leitura dos próximos
capítulos que esse Movimento, por nascer de forma tão engendrada ao campo político da
esquerda brasileira, irá acompanhar os caminhos (e, inevitavelmente, os descaminhos)
percorridos e também as mudanças estratégicas desdobradas pelos acontecimentos
históricos no país e pelo próprio entendimento sobre o papel da esquerda brasileira como
agente de transformação social.
93

6. TRAJETÓRIA DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA: DA


GÊNESE À IMPLEMENTAÇÃO DO SUS

Uma vez apresentada brevemente a história e as estratégias políticas e


organizativas do chamado “Partidão”, agora nos dedicaremos a (re)conhecer o
Movimento da Reforma Sanitária brasileira e algumas das narrativas existentes em torno
da sua trajetória. A revisita ao contexto de nascimento e ao percurso traçado pelo
Movimento até a construção do SUS possibilita, primeiro entendê-lo e reverenciá-lo em
suas virtudes e pelo papel crucial para a institucionalização da saúde como um direito
universal no país. Contudo, ao lançarmos nosso olhar às controvérsias e aos diferentes
enunciados em disputa dentro do próprio movimento, esperamos identificar as possíveis
brechas, falhas, apagamentos e silenciamentos resultantes de escolhas pregressas que
possam nos auxiliar no reconhecimento de elementos e nós críticos que ainda hoje
dificultam ou impedem a efetivação do direito à saúde no Brasil.

A partir da literatura pesquisada sobre a gênese do Movimento da Reforma


Sanitária no Brasil, tratada neste estudo como documentos de base, além de
identificarmos uma narrativa “oficial” sobre a sua história, visualizamos pistas,
identificamos elementos não bem delineados e pouco discutidos que, por sua vez, nos
ajudaram a conduzir o percurso de análise. Além disso, identificamos e elencamos para
entrevistas alguns atores-chaves para que contribuíssem para o desvelamento de pontos
“turvos” da história do Movimento da saúde e nos auxiliassem na compreensão das
diferentes nuances, disputas e tensionamentos existentes.
Para começarmos, é interessante trazer um pensamento de Jacobina (2016) que
afirma que o conceito de Movimento da Reforma Sanitária no Brasil pode ser definido de
diferentes formas, apresentando diferenças e divergências quanto a sua compreensão, seu
processo de criação, abrangência, consolidação e seu possível esgotamento.
O termo Reforma Sanitária adotado pelo movimento brasileiro é inspirado no
projeto de reforma italiano conduzido pelo Partido Comunista Italiano (PCI) em conjunto
com outros partidos, sindicatos e movimentos populares na década de 1970 104. Giovanni

104
Segundo Possas (1988), a conquista da Reforma Sanitária italiana se deu pela aprovação da Lei nº 833
de 1978 que garantiu a sua instituição no país, mas também pela intensa mobilização popular e dos
trabalhadores pelo PCI na década anterior.
94

Berlinguer 105, militante do PCI e importante influência para criação do movimento no


Brasil define que:
A Reforma Sanitária não é apenas constituída de normas
processuais, de decretos, de mudanças institucionais. Deve ser um
processo de participação popular na promoção da saúde, que
envolva milhões de cidadãos; deve impor mudanças sociais,
ambientais e comportamentais que tornem a existência mais
saudável; deve mobilizar dezenas de milhares de conselheiros de
regiões, de província, de municípios, de circunscrições, de
quadros dos movimentos sindicais, femininos, cooperativos,
juvenis e milhares de assessores e de prefeitos; deve transformar
a atividade cotidiana de médicos, técnicos e enfermeiros. Como
isso poderá acontecer, se prevalecer um clima político confuso ou
reacionário, se for rompida cada forma de unidade democrática,
se dominarem os egoísmos de partido e os particularismos de
categoria, de grupo, de zona? (BERLINGUER; TEIXEIRA;
CAMPOS, 1988, apud FLEURY, 2015, P.3557)

No Brasil, o movimento da Reforma Sanitária nasce em consonância com a luta


contra a ditadura e tem como tema fundante a Saúde e Democracia, abarcando um
conjunto de proposições para mudanças e transformações na área da saúde, que iam desde
a reformulação do sistema de saúde até a melhoria das condições de vida da população.
Esse movimento ganha força, a partir do processo de reabertura política em 1974 e de
redemocratização, como enfrentamento de um cenário marcado pelo autoritarismo do
regime ditatorial e, de forma mais específica no setor saúde, por um grave quadro de
desigualdade na oferta e no acesso aos serviços de saúde e da evidência de que o quadro
de adoecimento da população resultava das más condições de vida da população. Segundo
Paim (1994), o movimento no Brasil emerge como reflexo de uma nova dinâmica da
sociedade civil e de movimentos sociais progressistas que em seus aspectos conceituais,
ideológicos, políticos e institucionais comprometiam-se com a questão da democratização
das estruturas políticas e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. A partir de críticas
ao modelo de saúde vigente, portanto, propunha- se uma reformulação do padrão de
proteção à saúde do país a partir da ideia de democratização da saúde (PAIM, 2008).
Contudo, cabe ressaltar que o Movimento no Brasil inicia a sua atuação na contramão das

105
No Brasil, participou de diversos encontros como os do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)
e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e participou do processo de construção da Reforma
Sanitária brasileira. Sua produção acadêmica esteve associada à luta política, e as condições de saúde dos
trabalhadores e as desigualdades sanitárias entre os bairros de Roma (FLEURY, 2015).
95

reformas difundidas naquela época no resto do mundo, que questionavam a manutenção


do estado de bem-estar social (LACAZ, 2011)
Para Sônia Fleury Teixeira (1989), em texto clássico onde busca criar uma teoria
para o movimento brasileiro, a Reforma Sanitária é descrita como um processo de
mudança na norma legal e do aparelho institucional de proteção à saúde, enfatizando a
importância da criação de um sistema de saúde sob a responsabilidade do Estado e o
reconhecimento da saúde como um direito universal. Em suas palavras a Reforma
Sanitária é:
(...) um processo de transformação da norma legal e do aparelho
institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à
saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento do
poder político em direção às camadas populares, cuja expressão
material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na
criação de um sistema único de serviços sob a égide do Estado
(TEIXEIRA, 1989, 39).

Escorel (1999), por sua vez, caracteriza o “movimento sanitário” – assim


designado pela autora – como um modelo alternativo de propostas de organização dos
serviços de saúde baseadas em estudos teóricos e experiências de projetos institucionais,
construindo assim um “paradigma sanitário”. Considera-o, portanto, um movimento, já
que – diferente dos lobbies, que defendem seus interesses baseados em interesses
particulares – possui um caráter permanente e não apenas uma movimentação pontual
dentro de seu contexto.
Cohn (1989) reitera esse entendimento ao afirmar ser essa uma especificidade do
caso brasileiro denotando a ideia de um processo ou fenômeno dinâmico e inacabado que
permanece em curso e sem final predeterminado. Da mesma forma, José Gomes
Temporão106 em entrevista à Jacobina (2016) também caracteriza a Reforma Sanitária
brasileira como um processo político de longo prazo de construção de uma consciência
política sobre as questões da saúde na sociedade brasileira.
Na perspectiva desses autores, portanto, para além da indicação de transformações
das normas e das políticas de saúde implementadas, como, por exemplo, a criação do
SUS, a Reforma sanitária se define pela proposição de ações que transcendiam às políticas
estatais. Ou seja, mais do que reformas setoriais que privilegiam mudanças nos serviços
de saúde, era necessário intervir de forma ampla no atendimento das necessidades de

106
Apêndice 2.
96

saúde, visando à melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida da população


(PAIM, 2008).
Para alguns autores, como Escorel (1999) e Teixeira et al. (1988), o ponto de
partida e de formação de um pensamento crítico ao modelo de saúde vigente serão as
universidades, principalmente os departamentos de Medicina Preventiva (DMPs). A
construção de uma base teórica e ideológica do pensamento médico-social, também
chamado de abordagem marxista da saúde e a incorporação das teorias das ciências
sociais na saúde possibilitaram o reconhecimento de que a doença é também socialmente
determinada, tecendo assim críticas à Medicina Preventiva 107 e à Medicina
Comunitária108.
Duas teses se destacam nesse cenário: “O dilema preventivista”, de Sergio Arouca
(1975) e “Medicina e sociedade”, de Cecília Donnangelo 109 (1975). A primeira por
realizar uma crítica ao discurso preventivista analisando a formação de seu discurso e
destrinchando as condições de possibilidades para a existência dos elementos que o
compunham. De acordo com a análise de Arouca (1975), a Medicina Preventiva trata-se
de um discurso no interior da Medicina que de um lado considera as condições de
ocorrência das doenças e de outro, uma prática ideológica de uma consciência preventiva
incorporada na prática cotidiana do médico. No entanto, representaria uma leitura liberal
e civil dos problemas relacionados à questão da saúde e uma proposta alternativa à
intervenção estatal, incapaz de provar mudanças já que não inclui uma pratica teórica
capaz de produzir um conhecimento das reais determinações das condições de saúde e

107
A Medicina Preventiva tem sua origem na década de 1920 com a introdução dos DMPs nas Escolas
Médicas dos Estados Unidos da América (EUA) e Canadá (TEIXEIRA et al, 1988).
108
A Medicina Comunitária surge através das experiências de sistemas de saúde desenvolvidas em países
africanos, como parte da estratégia de expansão capitalista dos países colonizadores e torna-se a base
técnica de uma Medicina simplificada utilizada nos EUA através de órgãos governamentais e universidades
como políticas sociais de combate à pobreza nos anos 1960 (TEIXEIRA et al, 1988).
109
Maria Cecília Ferro Donnangelo cursou Pedagogia, que concluiu em 1962. Exerceu o magistério
secundário (Psicologia e Sociologia) em Escola Normal; e ingressou, em 1969, no Departamento de
Medicina Preventiva/FM/USP, onde permaneceu até a sua morte em 1983. Defendeu o doutorado em 1973
e a livre–docência em 1976. Destacam-se suas duas teses, onde propõe o estudo das práticas médicas, na
primeira, e a reflexão ampliada sobre a saúde, na segunda. Em “Medicina e sociedade” realiza um estudo
sobre a profissão médica como segmento do sistema social global e urbano industrial que se configurava
no Brasil a partir da segunda metade do século XX e, no caso específico de São Paulo, procurou identificar
as relações estabelecidas entre a profissão e a sociedade em questão. Em “Sociedade e Saúde” procurou
desenvolver um quadro teórico mais preciso sobre a medicina comunitária, que deveria ser entendida como:
projeto de organização da prática médica, para uma modalidade particular de articulação entre as diferentes
agências e instituições encarregadas das práticas de saúde, bem como com os grupos sociais aos quais as
práticas de saúde são destinadas.(NUNES, 2008).
97

dos sistemas de saúde e por não incorporar uma prática política que gerasse mudanças
necessárias.
Já a tese de Donnangelo (1975), apresenta uma crítica à Medicina comunitária,
que embora tenha angariado espaços importantes para experiências de participação
popular no setor saúde, expressaria ainda a prestação de serviços de saúde a categorias
excluídas de cuidado médico isolando-as como objeto de uma prática diferenciada. Foi
utilizada, portanto, como uma tentativa de atenuar tensões sociais e dentro de uma
racionalidade econômica de diminuição de custos dos sistemas de saúde.
Nesse sentido, vai se construindo um conhecimento alternativo 110, apoiando-se na
identidade do discurso da Medicina Social como base para a teoria do movimento da
Reforma Sanitária. De acordo com Escorel (1999)
Os contatos entre os ‘núcleos críticos’ levaram à constituição de
uma rede onde há uma difusão do pensamento, de práticas,
conceitos e estratégias. Essa rede e essa identidade do discurso
teceram a organicidade do movimento, que passou a ter
“condições concretas de existência em sua singularidade
(ESCOREL, 1999, p.187).

Lacaz (2011), Paim e cols. (2011) e Laurell (1995) acrescentam ainda que, na
concepção política e ideológica do movimento que vai sendo construído, a saúde é
defendida não apenas como uma questão biológica a ser resolvida pelos serviços médicos,
mas também como uma questão social e política a ser abordada no espaço público. Houve,
portanto, uma tentativa de ampliação do conceito de Saúde Pública que, segundo Jaime
Oliveira111 tinha a intenção não só de estender o campo:
(...) mas a ideia de que o trabalho nessa área não era
exclusivamente um trabalho técnico, que visava reorganizar
administrativa e tecnicamente o campo da Saúde Pública e as
instituições e sistemas de saúde. Mas a ideia que estava presente,
em maior ou em menor grau, em todo mundo dessa época é que
isso fazia parte de uma luta política mais ampla né? Aí essa

110
As teses de Arouca e de Donnangelo podem ser consideras teses inaugurais de um debate que vinha
ocorrendo no Brasil e também em diálogo com um debate internacional. Tambellini (2003), cita a
contribuição de Juan César Garcia, na época representante da Organização Pan-americana da Saúde, que
possibilitou o desenvolvimento de uma forma cientifica de ler, interpretar e propor objetos, métodos,
técnicas e filosofias que ultrapassavam o campo médico e da saúde e incluíam as ciências sociais e humanas.
A mesma autora, destaca que desde 1969 a 1973 ocorreram os Encontros dos Departamentos de Medicina
Preventiva, discutindo publicações cientificas que reafirmavam a falência do modelo Preventivista e
avançavam em ensaiar novas possibilidades críticas à esse pensamento, criando assim um grupos críticos a
essa disciplina, expondo suas fragilidades, incompletudes, deformações de seus conceitos e da construção
de objetos e métodos que tornavam obscuras as realidades que pretendiam dar conta. Neles as “causas”
estruturais atreladas as condições sociais passam a ser relevantes para o campo.
111
Apêndice 2.
98

discussão sobre Reforma Sanitária brasileira, italiana e tal


(Entrevista realizada em 2017, cedida por Leandro Gonçalves e
autorizada por Jaime Oliveira).

A singularidade do movimento da Reforma no caso brasileiro reside, portanto, na


delimitação de sua área de conhecimento e na adoção do conceito de Saúde Coletiva 112
em detrimento de outras definições amplamente difundidas na época - Saúde Pública,
Medicina Social, Medicina Preventiva, Medicina Comunitária. A ideia de Saúde Coletiva
tem como especificidade o coletivo como objeto e como método o histórico estrutural.
O coletivo tomado como objeto pode ser referido como: “o meio
objeto privilegiado das práticas de saneamento ambiental e do
específico conhecimento que as fundamenta; o agente patogênico
e seu campo de expansão e contenção reconstruídos a partir do
saber biológico; o social como efeito do coletivo estruturador de
práticas (TEIXEIRA,1988, p. 196).

Realizando uma análise dos processos de trabalho e utilizando o conceito-chave


de organização social da pratica médica, a Saúde Coletiva buscava trazer um leitura
socializante dos problemas do sistema de saúde vigente – marcado pela crise da medicina
mercantilizada, pela ineficiência, pela ausência de uma organização democrática de sua
gestão e planejamento (TEIXEIRA, 1988).
Seguindo a lógica discursiva que apresenta a gênese do movimento da Reforma
Sanitária brasileira pela academia e pela construção de um saber – a saúde coletiva – três
vertentes de atores são destacadas. De acordo com Escorel (1999) e Teixeira (1988), a
primeira é a academia e seu papel na construção daquilo que para as autoras seria um
novo paradigma sanitário, como já assinalado. A segunda refere-se ao movimento
estudantil, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (ABRASCO); e o terceiro aos Movimentos de Médicos Residentes e o
Movimento de Renovação Médica (REME).
O papel do movimento estudantil teria sido fundamental para a disseminação das
análises e propostas apresentada pelo movimento da Reforma. Os eventos tais como as
Semanas de Estudos sobre Saúde Comunitária, realizadas desde 1974, e os Encontros
Científicos dos Estudantes de Medicina, principalmente entre 1976 e 1978, foram

112
É importante destacar que essa construção mais conceitual do termo Saúde Coletiva vai se desenvolver
a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com a criação da ABRASCO. No entanto, até esse
período o debate esteve em torno do conceito de Medicina Social latino-americano, o mesmo que contou
com a contribuição de Juan César Garcia.
99

essenciais como lugares estratégicos para driblar a repressão militar, que não identificava
o caráter político de suas discussões sobre temas como saúde comunitária. Em entrevista
Ziadir Coutinho113 (Entrevista realizada em 2019) descreve brevemente sobre os eventos
estudantis ocorridos na década de 1970 – no caso de sua experiência na cidade de Curitiba
no estado do Paraná – e como estes contribuíram para a discussão da Reforma.
(...) eu acabei coordenando, acho que no terceiro ano de
faculdade, para a minha quarta, o SESAC, Semana de Estudos de
Saúde Comunitária. Foi um movimento importante (...) Então de
repente estava eu liderando o encontro de quatrocentas pessoas
vindas de todo o Brasil, que eram pessoas estudantes, mas eram
pessoas ligadas no movimento, e era um movimento de esquerda.
E isso também acabou dentro da universidade agregando muitas
pessoas e fortalecendo um grupo dentro da universidade, porque
o pessoal das ciências sociais, o pessoal das exatas vieram ajudar
a gente a fazer o movimento (Entrevista realizada em 2019).

Ainda nessa vertente, a necessidade de alinhamento entre prática política e a


construção de um saber, toma forma com a criação de duas importantes instituições de
Saúde Coletiva: CEBES, em 1976, e a ABRASCO, em 1979. A criação destas
instituições é considerada por diferentes autores (COHN, 1989; NETO, 2003; PAIM,
2008; TEIXEIRA, 2011) como marco importante do movimento da Reforma Sanitária
contando com a participação de diferentes atores como: estudantes, professores
universitários, setores populares e entidades de profissionais de saúde.
A criação do CEBES é identificada como instrumento fundamental para a difusão,
representação, estudo e articulação do movimento da saúde com os movimentos sociais
(ESCOREL, 1999). O centro de estudos foi fundado em São Paulo e lançado oficialmente
na 28ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)114 em julho
de 1976 em Brasília. Entre seus colaboradores115 iniciais estavam figuras pertencentes a
instituições paulistas, vinculadas ao Departamento de Medicina Preventiva e Social de
universidades paulistas e de faculdades de Medicina, especialmente da Universidade de

113
Apêndice 2.
114
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi criada em 1968 por um grupo de
cientistas e exerce um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência
e tecnologia, bem como na difusão e popularização da ciência no país (SOPHIA, 2012). Durante o período
de ditadura militar (1964-1984), foi um dos poucos locais onde era possível um debate crítico sobre a
situação política do país. O movimento Sanitário participou dos congressos por intermédio do CEBES e da
ABRASCO (VIERA-DA-SILVA, 2018, p. 114).
115
Dentre os seus fundadores estão: José Ruben, Sérgio Arouca, David Capistrano, José Augusto Cabral
de Melo, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho e Emerson Merhry (SOPHIA, 2012). Alguns desses
personagens serão melhor apresentados no próximo capítulo deste trabalho.
100

São Paulo e da Universidade Estadual de Campinas (SOPHIA, 2012). O objetivo da


criação do CEBES naquele momento era a criação de uma entidade capaz de alicerçar a
divulgação de experiências na área da saúde e promover uma releitura da situação da
saúde no Brasil através de uma base marxista (FRANCO NETTO; ABREU, 2009).
Segundo relato de Ary Miranda116 (Entrevista realizada em 2019) antes do CEBES
a discussão em torno do campo da saúde e de luta da Reforma Sanitária desenvolvida era
ainda muito difusa. Nesse sentido, a sua construção contribuiu para uma certa
sistematização e organização do campo. Além disso, nasce como uma frente contra a
ditadura, tornando-se um palco estratégico de luta no debate político através da pauta da
saúde.
E a luta política então da Reforma Sanitária era uma luta que se
dava numa frente contra a ditadura, de participação da luta geral
da sociedade contra a ditadura e, a partir 1976- isso é um dado
importante- é criado o CEBES. O CEBES lança a rede de Saúde
em Debate, que era um palco de debate político. Isso foi muito
importante porque não tinha. Essa discussão era difusa. Você
tinha ainda alguns departamentos de Medicina Preventiva, de
Saúde Preventiva. Agora quando o CEBES é fundado e cria a
revista, isso foi importantíssimo (Entrevista realizada em 2019)

A criação do CEBES culminou na criação da Revista “Saúde em Debate” que se


torna um veículo de disseminação e discussão das ideias do Movimento da Reforma. Nela
são apresentados os projetos do movimento e esboçadas as primeiras propostas para a
criação daquilo que mais tarde seria o novo sistema de saúde no país. De acordo com Ary
Miranda, é um fato relevante que o primeiro documento lançado pelo CEBES seja o
documento sobre democracia e saúde117, associando a luta contra a ditadura e o projeto
de saúde (Depoimento em entrevista realizada em 2019).
Além do núcleo de São Paulo, foram sendo criados outros CEBES em diferentes
cidades, apresentando diferenças quanto à composição e atuação. De acordo com Sophia
(2016), os outros núcleos locais foram criados em 1977 nos estados de Pernambuco,
Paraíba, Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de
Janeiro. A autora destaca nesse período o trabalho realizado nos estados de Minas Gerais
- com núcleos em Ponte Nova, Montes Claros e Belo Horizonte - e São Paulo - com

116
Apêndice 2.
117
O documento intitulado “A questão democrática na saúde” (CEBES, 1979) foi produzido pelo CEBES,
publicado na Revista Saúde em Debate e apresentado no I Simpósio de Saúde da Câmara dos Deputados
no ano de 1979.
101

núcleo na cidade de Campinas. No Rio Grande do Sul, o Centro nasce diretamente ligado
à história da medicina comunitária como uma antítese da medicina liberal. Já em Santa
Catarina, o CEBES buscou alianças com os setores populares e com a Igreja (Pastoral de
Saúde) publicando o Cadernos de Educação Popular e distribuindo cópias para reflexão
nas Comunidades Eclesiais de Base (DA ROS, 1991 apud ESCOREL, 1999). No Rio de
Janeiro, o CEBES ganha outro contorno, não tão diretamente ligado ao ensino médico,
mas à uma ideia de construção de uma consciência sanitária, com ênfase na organização
e na prática política.
Quando vem aqui para o Rio, já entram outras pessoas, como eu,
que já não estão tão ligadas ao ensino médico e começa a fazer
daquilo a ideia da ‘consciência sanitária’, da organização, da
prática política, da discussão (Entrevista realizada em 2017
cedida por Leandro Gonçalves e autorizada por Sônia Fleury).

A linha de orientação do trabalho dos núcleos teria por essência a função de buscar
unir as lutas desenvolvidas no setor saúde por melhores condições de saúde da população
e às lutas pela democratização geral da nação através da conquista das liberdades
democráticas (CEBES, 1978, apud SOPHIA, 2016). Durante os primeiros anos, eles
funcionavam, geralmente na casa dos próprios coordenadores, onde se organiza as
atividades de interesse do CEBES, divulgava-se o periódico e angariava-se sócios para a
entidade. Em 1978, existiam 26 núcleos regionais espalhados por 14 estados e o Distrito
Federal; e no início de 1980, 32 núcleos regionais estavam em funcionamento por todas
as regiões do País (SOPHIA, 2016).
Porém, as diferentes narrativas em torno da criação do CEBES é um ponto
importante a ser apresentado neste trabalho, pelo seu papel fundamental na disseminação
das ideias do Movimento da Reforma Sanitária no Brasil. Retomaremos e
aprofundaremos este ponto no capítulo a seguir quando analisaremos o centro de estudos
também como um aparelho de articulação entre o movimento da saúde e os partidos
políticos, fundamentalmente o PCB. Por hora, é importante destacar e já observar que, as
diferentes composições e direções que vão tomando os núcleos do CEBES ao longo do
país, traçaram estratégias de atuação, de ênfase e de articulação distintas, influenciadas
por múltiplos fatores, mas principalmente, pela atuação de determinados atores e pela
perpetuação de narrativas específicas acerca do movimento.
A ABRASCO é formalmente fundada em 1979, envolveu três encontros: um em
Salvador (1978), um em Ribeirão Preto (1978) e por fim, em Brasília. A expressão Saúde
102

Coletiva já vinha sendo usada em alguns DMPs, mas somente a partir da criação da
ABRASCO é que foi construída teoricamente como um conceito voltado para designar
um campo e um projeto de práticas e saberes (VIEIRA-DA-SILVA, 2018).
Dando continuidade a descrição das vertentes que compuseram o Movimento da
Reforma Sanitária segundo a narrativa apresentada por Escorel (1999), o Movimento dos
Médicos Residentes e de Renovação Médica (REME) parecem possuir uma atuação
política mais concreta, para além da construção de um saber teórico, já que estavam na
arena do mundo do trabalho.
Os movimentos médicos trouxeram para o conjunto do
movimento sanitário as relações de trabalho e as regras colocadas
na sociedade brasileira durante o regime militar para o controlar.
Esses movimentos caracterizaram uma nítida divisão de
pensamentos (e alianças) no interior da categoria médica, entre os
liberais, os empresários e os assalariados (ESCOREL, 1999,
p.70).

De acordo com Ary Miranda (Entrevista realizada em 2019), o REME é formado


a partir da luta do movimento de sindicatos dos médicos, pelos conselhos regionais de
medicina de linhas mais progressistas e depois alcança outras corporações da saúde como
a enfermagem, a assistência social, etc.
Então você tem uma crescente de capilarização no conjunto da
sociedade em que as organizações da sociedade civil, que de uma
certa forma tinham na sua agenda a questão da saúde, se
mobilizando para participar desse processo, que vai do sindicato,
como eu falei, aos movimentos de reintegração dos hansenianos,
etc (Depoimento de Ary Miranda em entrevista realizada em
2019).

É também nesse momento que ocorrem as primeiras experiências de ampliação e


de ocupação dos serviços de saúde baseadas nas ideias desenvolvidas pelo Movimento da
Reforma em municípios do país. Durante a década de 1970, essas experiências
institucionais puderam colocar em prática um primeiro esboço de diretrizes que
posteriormente seriam pilares do SUS tais como: descentralização e participação.
Realizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em Vitória de Santo
Antão, em Pernambuco o Projeto Vitória, voltava-se para ações de Saúde Comunitária
(MELO, 2013). Já na faculdade de Medicina de Londrina no Paraná, desde 1970 a
proposta de integração das Medicinas Curativa e Preventiva culminou na execução de um
programa de atenção médica à população de baixa renda em unidades periféricas e rurais,
experimentando ações de integração institucional com Secretárias Municipais e Estaduais
103

de saúde e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e ampliando a cobertura dos


serviços a baixo custo, pela regionalização e hierarquização dos serviços. No Rio Grande
do Sul, a faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
cria, em 1972, o sistema de saúde comunitária propondo a participação popular,
integração docente-assistencial baseados nos cuidados primários de saúde e mais tarde
criando a Residência em Saúde Comunitária. Em Brasília, foi criado em 1974 na
Universidade de Brasília (UNB) o programa integrado de saúde comunitária que
propunha a regionalização de serviços de saúde (TEIXEIRA et al, 1988)
Em Minas Gerais, o Projeto Montes Claros foi considerado um laboratório da
democratização da saúde em 1975, com a implantação de uma rede de 40 postos de saúde
e recrutamento e treinamento de 625 agentes de saúde, servindo de base para a concepção
do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS 118) –
considerado a maior experiência de extensão de serviços de Medicina simplificada em
escala nacional (VIERA-DA-SILVA, 2018). Já no Rio de Janeiro, a criação, em 1973/74,
da pós-graduação em Medicina Social do Instituto de Medicina Social da UERJ, com
recursos da Fundação Kellog, Finep e CNPq, o convênio entre a Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz e a Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP) em 1975, realizou uma série de projetos de saúde comunitária, como clínica de
família e pesquisas comunitárias como o Programa de Estudos Sócio- Econômicos em
Saúde (PESES) e o Programa de Estudos Populacionais e Epidemiológicos (PEPPE), que
realizaram pesquisas de investigação nacional sobre o Ensino da Medicina Preventiva e
Medicina Comunitária (TEIXEIRA et al, 1988).
Em São Paulo, municípios como o de Campinas, com Nelson Rodrigues 119, e
Bauru e Santos, com David Capistrano 120, como secretários de saúde durante a década de
1970, também experimentaram algumas iniciativas inovadoras de ampliação,
democratização e participação nos serviços de saúde (VIERA-DA-SILVA, 2018). Em
Campinas o Projeto de Saúde Comunitária da UNICAMP ficou conhecido como Projeto
Paulínia e foi financiado pela Fundação Kellogg entre 1971 e 1972. No mesmo período
ocorria o projeto de área programática para serviços integrados de saúde, no Vale da

118
O PIASS surge no nordeste, como o primeiro programa de extensão de cobertura a nível federal,
abrangendo a região de jurisdição na - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) uma
autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, integrante do Sistema de Planejamento e de
Orçamento Federal, criada originalmente em 1959 (BRASIL, 2006).
119
Apêndice 2.
120
Por tratar-se de uma liderança no Movimento da Saúde e no PCB, a atuação deste ator se destacará ao
longo do próximo capítulo. Apêndice 2.
104

Ribeira, patrocinado pela Universidade de São Paulo (USP), através do Departamento de


Medicina Preventiva, em convênio com a Secretaria de Saúde de São Paulo (MELO,
2013).
Segundo Emerson Merhy121 (Entrevista realizada em 2019) a atuação de médicos
e sanitaristas na periferia de São Paulo, como a Zona Leste e Zona Oeste, já acontecia
antes mesmo do movimento da saúde “ganhar corpo” e se estruturar.
Pra você ter uma ideia a gente chegou a organizar assembleias no
bairro com 400 pessoas, por exemplo, discutir o combate aos ratos
que tinham no bairro. Então como é que nós vamos combater
rato? [risos]. Então a gente tinha que reivindicar serviços,
vigilância e ações autônomas dentro do bairro. A gente fazia
assembleia com a participação de 400 pessoas, 500 pessoas... Isso
é muito antes de qualquer reforma sanitária (Depoimento de
Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019).

Para Sônia Fleury Teixeira (1988) a luta dos profissionais de saúde e pelos
movimentos de renovação médica nos seus respectivos sindicatos e conselhos se deu em
um segundo momento do Movimento.
A consciência sanitária aumentava ao incorporar aos
movimentos profissionais a perspectiva mais ampla referente à
política nacional de saúde. Entre o movimento médico, o
movimento sanitário de origem acadêmica e o movimento
popular pela saúde foram estabelecidas alianças históricas,
capazes de transcender os limites corporativos dos profissionais,
a cultura elitista dos cientistas e a ausência de uma visão mais
abrangente do movimento popular (TEIXEIRA, 1988, p. 96).

De acordo com a autora, foi necessário que o projeto saísse de uma crítica genérica
ao sistema de saúde e incorporasse os problemas colocados pelos movimentos
profissionais e populares, como as condições de trabalho dos profissionais ou a ausência
de alternativas para o saneamento ambiental das favelas e periferias, por exemplo.
Contudo, a autora admite que, embora o fortalecimento dos movimentos sociais iniciado
na redemocratização tenha propiciado um revigoramento dos movimentos sindical,
popular e sanitário, não foi possível aprofundar as relações orgânicas entre eles.
Escorel (1999), por sua vez, afirma que durante o período mais repressivo da
ditadura militar o movimento sanitário pôde representar “a voz” na saúde dos derrotados
e silenciados pelo regime, que segundo ela, eram as classes populares e seus
representantes. E continua:

121
Apêndice 2.
105

Enquanto os derrotados (as classes populares e seus


representantes) eram silenciados pelo regime, foi sendo
construída a sua ‘voz’, a voz dos derrotados, dos silenciados (...).
A construção de um novo marco teórico no pensamento médico-
social no Brasil iniciou um movimento à procura de seu
personagem (as classes populares), existindo antes que essas
próprias classes organizadas procurassem criá-la. Em um
primeiro momento, o movimento não encontra seu sujeito social
porque este está silenciado, mas com a eclosão dos movimentos
sociais, o movimento sanitário encontra seu referencial: desde
seus primórdios está referido às classes trabalhadoras e
populares. Foi esse desenvolvimento teórico que deu sustentação
ao movimento sanitário (ESCOREL, 1999).

Para a autora, durante a conformação do movimento da Reforma Sanitária, a


classe operária não aparecia no cenário político e nem setorialmente, sendo assim a
“classe ausente” neste processo. Para ela, o discurso médico-social em que se baseava o
movimento abrigava esse ponto de tensão já que, mesmo sem a participação direta da
classe trabalhadora, o discurso e a prática da Reforma era feito para ela (em direção a ela)
ou por ela (no lugar dela) (ESCOREL, 1999). O termo “fantasma da classe ausente” foi
empregado por Arouca (1987 apud ESCOREL, 1999) para designar este conflito no
interior do Movimento da Reforma que, mesmo se denominando coletiva e
organicamente ligado às classes populares, precisou buscar seus sujeitos sociais.
Podemos perceber até aqui que esta é uma leitura sobre a criação do Movimento
da Reforma Sanitária brasileira que enfatiza o papel de uma “intelectualidade orgânica”
como propulsora do ideário proposto pela Reforma e do desenvolvimento das
experiências realizadas nas décadas de 1970 e 1980, com a participação das
Universidades e DMPs. Contudo, outros autores apontarão a contribuição de diferentes
componentes, extrapolando a esfera dessas três vertentes apresentadas. Paim (2008), por
exemplo, sinaliza que o movimento da Reforma conseguiu articular diferentes agentes
em torno do projeto para o setor saúde no país e Jaime de Oliveira122(em entrevista
realizada em 2017, cedida por Leandro Goncalves e autorizada por Jaime Oliveira),
destaca que a composição do movimento era formada, sobretudo, por pessoas que além
da atuação acadêmica também eram oriundas da militância política, que passaram a ver
o movimento como um campo para o trabalho político, para além do técnico e vinculado
à uma ideia de transformação social mais global. Segundo o entrevistado:

122
Apêndice 2.
106

“Eram pessoas que vinham da militância política e que passaram


a ver o trabalho nesse campo como um trabalho político, um
trabalho, pra além do técnico um trabalho político. Que se
vinculava a uma ideia de transformação social mais global.”
(Depoimento de Jaime Oliveira em entrevista realizada em 2017).

Já na perspectiva de Lacaz (2011), o movimento nasce alinhado ao crescimento


de um amplo movimento social no país, reunindo inciativas de diversos setores da
sociedade, desde movimentos de base até a população de classe média e os sindicatos –
incluindo sindicatos associados aos partidos de esquerda clandestinos na época, militantes
partidários, líderes comunitários, profissionais de saúde, professores, estudantes,
trabalhadores.
A discussão sobre a participação dos movimentos sociais na Reforma Sanitária
brasileira, portanto, pode ser percebida como um dos seus “nós críticos”, principalmente
quando são ofertadas narrativas diferentes daquelas vocalizadas pelos próprios
intelectuais do movimento. Uma das críticas conhecidas à essa questão é aquela
apresentada por Campos (1988), onde o autor atribui como grave a separação estabelecida
entre o grupo de intelectuais do movimento e o conjunto de forças, que segundo ele,
potencialmente seria capaz de impulsionar verdadeiras reformas: sindicatos de
trabalhadores, parcelas dos profissionais de saúde, partidos políticos que advogam
reformas ou o socialismo e outras forças organizadas da sociedade brasileira. De acordo
com Campos (1988), a composição de forças políticas que então se apresentavam, tanto
a nível federal quanto na maioria dos estados, não seria o suficiente para a abertura de
uma nova perspectiva de Reforma, mas apenas a sua concepção de forma restrita. Na sua
visão, os intelectuais preferiam ocultar, ou pelo menos não problematizar, a inclinação
que o poder executivo nos últimos anos e também na Assembleia Constituinte,
demonstravam em realizar reformas limitadas aos interesses econômicos ou políticos das
elites sendo, portanto, um equívoco político apostar em uma alteração radical do sistema
de saúde sob essas circunstâncias.
Nesse caso, deveriam apostar no acirramento do debate, na
possibilidade de uma mudança na correlação de forças através de
lutas sociais e políticas, por exemplo, organizando uma campanha
ancorada em propostas tecnicamente plausíveis e em forças
politicamente comprometidas com as reformas, objetivando o
isolamento e o enfraquecimento político da iniciativa privada na
área da assistência médico-hospitalar. Ocorreu, contudo, o
contrário. Não só não foram organizadas tais campanhas, como
surgiu todo um discurso empolado para justificar a continuidade
107

da prestação privada de serviços, teorizando-se até sobre a


possibilidade de vir a organizar-se um sistema onde houvesse
uma compatibilidade entre o funcionamento regulado de “leis de
mercado” e o bem estar comum (Campos, 1988, p.186).

Recentemente Stotz (2019) retoma essa discussão ao analisar de forma crítica o


conflito da chamada “classe ausente” do Movimento da Reforma Sanitária, indagando a
narrativa proeminente de não participação e a suposição de inexistência política do
movimento sindical no período. Segundo ele, no processo de desenvolvimento deste
movimento houve aproximações, mas não enraizamentos na articulação, uma vez que o
Movimento da Reforma Sanitária
desenvolveu-se à margem do movimento operário, tendo
inclusive estado de costas para iniciativas como a criação do
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e
dos Ambientes de Trabalho (Diesat), fundado em agosto de 1980
(LACAZ, 2011 apud STOTZ, 2019, p.55).

Segundo o autor, o movimento acabou optando pela manutenção da coalizão


política (Aliança Democrática) que, sob hegemonia burguesa, promoveu a transição do
poder dos militares para os civis e propiciou a participação dos quadros do PCB e de sua
área de influência no governo do general Figueiredo, por meio do Conselho Consultivo
de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP) 123, em 1981. A escolha pela
estratégia de ocupação dos espaços intraburocráticos adotada - estratégia esta que revela
a forte influência do modus operandi do PCB no movimento, como veremos no capítulo
seguinte de forma mais detalhada – afastou-os, portanto, do que seria reconhecido como
movimento operário (STOTZ, 2019; LACAZ, 1994).
Além da questão do movimento sindical no processo de desenvolvimento na
Reforma Sanitária brasileira é importante destacar a presença de movimentos populares
como o Movimento Popular de Saúde (MOPS), criado em 1981. Segundo Eymard
Vasconcellos124 (VASCONCELLOS, 2018), o MOPS nasce a partir dos Encontros
Nacionais de Experiências em Medicina Comunitária no final da década de 1970, como
resultado de práticas de medicina baseadas em saberes populares e locais, somadas às

123
Criado no contexto da crise da previdência com a intenção de buscar respostas que explicassem a crise
do setor, o CONASP em seu diagnóstico definiu um conjunto de problemas presentes no modelo de saúde
vigente, a saber: 1) serviços inadequados à realidade; 2) insuficiente integração dos diversos prestadores;
3) recursos financeiros insuficientes e cálculo imprevisto; 4) desprestígio dos serviços próprios; 4)
superprodução dos serviços contratados (BAPTISTA, 2007).
124
Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e atual presidente da Rede de Educação Popular
em Saúde.
108

lutas e reivindicações ao poder público, nas cidades, por melhorias nos serviços de saúde
e saneamento. As reivindicações do MOPS também iam na direção de um enfrentamento
da ditadura e da política de saúde vigente, mas não necessariamente havia uma proposta
de criação de um novo sistema de Saúde. A sua articulação sempre foi heterogênea,
rejeitando, assim, as tentativas de enquadrá-lo como um movimento unificado, com
decisões e políticas unitárias (VASCONCELLOS, 2018).
A articulação com o movimento sanitário era um ponto que apresentava algumas
tensões. Segundo Vasconcellos (2018), a discussão da estratégia política era muito
fechada no grupo de intelectuais e, embora muitos dos seus componentes tenham se
formado nas experiências comunitárias, alguns foram abandonando a ênfase nessa
relação. Houve, no entanto, uma busca de aproximação durante a organização da VIII
CNS, em 1986, onde se formou uma articulação entre agentes comunitários e o grupo de
intelectuais do Movimento da Reforma. Para o MOPS, essa foi uma oportunidade de
ocupar um espaço e contribuir com pontos importantes como o papel das experiências
autônomas, de fora do Estado e a eficácia de um trabalho em saúde integrado à população.
Ainda assim, Vasconcellos (2018) aponta que, na sua percepção, essa ainda era uma
relação um pouco instrumental, ou seja, “se procurava os movimentos quando se
precisava” (p.15). A própria compreensão sobre os movimentos sociais era um fator que
divergia entre o Movimento da Reforma e o Popular pois,
Muitos intelectuais da área da saúde têm uma visão de
movimento social a partir de um modelo mais europeu, de
movimentos organizados. Mas na saúde nunca foi isso: eram
movimentos fragmentados. No entanto, era uma fragmentação
que tinha uma potência geradora. Alguns deles achavam que ‘não
existia’ movimento social realmente atuante, então acabavam se
aproximando quando convinha (VASCONCELLOS, 2018, p.
15).

Os argumentos de Vasconcellos (2018), Stotz (2019) e Campos (1988) vão de


encontro, portanto, à narrativa “clássica” do Movimento da Reforma que justifica a
dificuldade de articulação e ampliação da base de apoio com os movimentos populares e
sindicais devido a frágil conformação destes no período. Fleury e Mendonça (1989)
defendem essa retórica identificando a fragilidade do Movimento na incapacidade de
ampliação de suas bases de apoio com os principais interessados na mudança política de
saúde, ou seja, as camadas populares da sociedade, como demonstra o trecho a seguir:
A população mais pobre, além de estar voltada para a busca
imediata da sua sobrevivência, apresentava um baixo nível de
109

organização e participação política. Apenas pequena parcela


distinguia-se dessa massa pouco politizada, estando organizada
nas Comunidades Eclesiais de Base vinculada à Igreja católica
progressista, adepta da Teologia da Libertação. Neste caso,
porém, em geral predomina uma ideologia radical que rejeita
qualquer possibilidade de alteração na política pública como
estratégia de mudança social.
O Movimento Sanitário, embora carecendo de um apoio
substancial por parte dos usuários do sistema de saúde, não abriu
mão de sua estratégia de politização da discussão da saúde, ao
lado da organização de um bloco de forças oposicionistas em
torno de um projeto reformador cada vez mais detalhado e
abrangente, além da ocupação progressiva dos espaços políticos
que vão se tornando disponíveis (FLEURY; MENDONÇA,
1989).

A citada VIII CNS, representou para o Movimento da Reforma Sanitária brasileira


um marco político e, de acordo com Campos (1988), uma das ocasiões em que o grupo
de intelectuais do Movimento buscou apoios para seus projetos junto a setores da
sociedade civil interessados na transformação do status quo na área da saúde. A
Conferência trouxe pela primeira vez a questão da saúde para uma arena mais ampla de
debate público e sua elaboração e realização contou com a participação de diferentes
atores envolvidos com o debate da saúde dentre eles trabalhadores, sociedade civil,
gestores, etc. (FARIA, 1997; NETO, 2003; GUIZARDI et al, 2004).
Nela foi defendida a ideia de saúde como direito do cidadão e traçadas mudanças
administrativas que alicerçaram a construção do SUS (LACAZ, 2011) como a
formalização dos Conselhos de Saúde como parte do SUS com participação de 50% de
usuários e a formação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS) 125 que
formulou o texto da constituinte na Lei Orgânica 8080 em 1990. Além disso, propiciou
um avanço inicial para o embate público sobre saúde que ocorrera com a instalação da

125
De acordo com Campos (1988), embora pareça heterogênea, a composição dessa comissão era
predominantemente formada por setores progressistas da burocracia governamental, caracterizando, assim,
as suas produções pelo pensamento oficial. Participavam da CNRS : nove representantes de ministérios do
governo federal; dois representantes das secretarias estaduais, um representante por todas as secretarias
municipais de saúde- um total de doze técnicos governamentais; dois representantes do poder legislativo;
três representantes dos trabalhadores - um da Central Única de Trabalhadores (CUT), Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) ; dois
representantes dos prestadores privados de serviços de saúde e três para o patronato. Os profissionais de
saúde estavam representados pelos médicos pela Federação Nacional de Médicos (FNM) e os usuários
uma vaga através da representação do Conselho Nacional das Associações de Moradores (CAMPOS,
1988).
110

Assembleia Nacional Constituinte (ANC) em 1988. (FARIA, 1997; GUIZARDI et al,


2004)
Contudo, da mesma forma que representou um marco político e divisor de águas
para o movimento sanitário, a VIII CNS também trouxe à tona as principais contradições
e tensões presentes no próprio movimento (FARIA, 1997; ESCOREL, 1999). Se de certa
forma a Conferência possibilitou uma aproximação do Movimento com os movimentos
sociais e populares, para Cohn (1989) chama atenção à recusa dos representantes do setor
privado da saúde em participar do evento, bem como a pequena participação do
Legislativo e a quase nula participação de partidos políticos que em princípio
compartilhavam os preceitos reformistas. Com relação à análise dos tensionamentos e
conflitos revelados entre os atores do movimento, a mesma autora pontua que:
O enigma começa a ser deslindado quando se atenta para a não
identificação dos atores sociais envolvidos no movimento
enquanto os opositores da Reforma Sanitária são identificados
com maior precisão - o setor privado da saúde e suas instituições
representativas, o governo, a tradição privatista do Estado
brasileiro. Mas em ambos os casos existe um grande ausente: os
partidos políticos (COHN, 1989, p.131).

Como pudemos observar nas narrativas sobre o nascimento do Movimento até


então, além do tensionamento referente a participação dos movimentos populares e
movimentos sindicais, a questão da participação dos partidos políticos também é
identificado como um “nó crítico”, mas com uma diferença fundamental: a utilização da
estratégia do suprapartidarismo como justificativa para a lacuna causada pela ausência da
participação dos partidos.
Para Escorel (1999) a questão dos partidos seria um ponto permanente de tensão
no Movimento, que ao envolver-se na luta pelo fortalecimento da sociedade civil precisou
lidar com as classes sociais e as representações partidárias emergentes no cenário que,
por sua vez, tendiam a “corroer” a unidade do movimento sanitário e partidariza-lo. Já
Eleutério Rodrigues Neto (2003), em análise realizada no início dos anos 2000, qualifica
a estratégia do suprapartidarismo como umas das virtudes do Movimento, já que
possibilitou a união de diferentes agentes através do critério de compromisso com a
plataforma da democracia. Por essa razão, segundo ele, as divisões partidárias que
comprometeram a ação mais unificada das esquerdas a partir da “abertura” não afetou
diretamente o movimento de Saúde.
111

Nesse mesmo sentido Arlindo Fábio Gómez de Sousa, em entrevista à pesquisa


acerca da construção do movimento da Reforma Sanitária no Brasil (BRASIL, 2006)
assinala que em sua conformação o Movimento possuía uma base comum diferentemente
de outras áreas como a educação, a questão agrária, etc.
Até porque existia uma coisa chamada Partido Sanitário
Brasileiro, e não se pode fazer nenhum tipo de análise nessa época
sem que o Partido Sanitário seja considerado, ele que era um
espaço de articulação das organizações [...] Cebes [...] Abrasco
[...] as lideranças, de forma plural (BRASIL, 2006, p.65).

O termo “Partido Sanitário” surge em um seminário da Organização Pan-


americana de Saúde (OPAS) em 1981, como um apelido de cunho pejorativo para
designar um grupo coeso do Movimento da Reforma Sanitária cujos componentes eram
majoritariamente militantes ou simpatizantes do PCB. Não se tratava, portanto, de um
partido político de profissionais de saúde. Na definição de Escorel (1999), o Partido
Sanitário era, na realidade, um movimento de profissionais de saúde, mas também de
pessoas vinculadas ao setor saúde “que usa um referencial médico social na abordagem e
que, por meio de determinadas práticas políticas, ideológicas e teóricas, busca a
transformação do setor saúde no Brasil, querendo promover uma Reviravolta na Saúde”
(p. 189).
Na leitura de Fleury Teixeira e Mendonça (1989) o caráter suprapartidário e
policlassista presente no Movimento da Reforma Sanitária tornou-se a condição essencial
para a manutenção de uma unidade política em favor de uma reforma no setor saúde. Por
outro lado, também sinalizam que a ausência de partidos e organizações sindicais na base
de apoio à reforma deslocou a luta para dentro do aparelho de Estado, reduzindo as
possibilidades de fortalecer o Movimento como uma organização autônoma.
Uma crítica bem conhecida sobre essa estratégia de atuação do Movimento da
Reforma é aquela apresentada por Campos (1988) onde o autor aponta que – ao contrário
das experiências de reforma na saúde em outros países capitalistas onde os intelectuais
progressistas se uniram ao movimento sindical e aos partidos apoiados na classe
trabalhadora – no caso brasileiro o principal agente de transformação teria sido o “Partido
Sanitário”, que segundo ele, estaria encastelado no aparelho estatal e apoiado por
autoridades constituídas. E o autor prossegue:
(...) a discussão agora tem que ser travada com uma parcela do
“Partido Sanitário”, instituição imaginada para reforçar a
aparência de que essa linha de pensamento ou até mesmo esse
movimento teriam um afastamento e uma independência das
112

classes dominantes. Na verdade, esse movimento é composto por


um conjunto de intelectuais que pensa elabora políticas de saúde
segundo diferentes perspectivas, que poderão corresponder, pelo
menos potencialmente, aos interesses de diversos blocos sociais.
Esses planos e programas, elaborados pelos intelectuais de saúde,
poderão ser apropriados por diferentes forças, conforme seu
conteúdo realmente se identifique com certos interesses, segundo
a capacidade de iniciativa e amadurecimento político desses
agentes coletivos. Não existe, portanto, um “partido de saúde”
colocado acima das classes, supostamente capaz de elaborar
políticas em nome de e para “a sociedade (CAMPOS, 1988,
p.182)

Para Stotz (2019), o argumento de suprapartidarismo não permite avaliar o papel


desempenhado pelos partidos políticos e legitima a ideia de que o caráter político da
Reforma Sanitária seria dado pela natureza da transição democrática experimentada no
país, o que significa no caso brasileiro uma transição para a democracia formal como uma
“pactuação pelo alto” (entre as elites políticas) sem a mobilização das energias populares
(PAIM, 2008), conferindo à “coalizão reformadora” um papel decisivo na formulação e
implementação do SUS.
Dantas (2017), em análise mais recente sobre as estratégias de atuação da Reforma
Sanitária no Brasil, faz uma crítica à postura do Movimento ante os partidos políticos e à
sua relação com os receios da partidarização da luta. De acordo com este autor, embora
quase todas as suas lideranças tivessem vinculação partidária, havia o entendimento de
que a aproximação com os partidos colocaria em risco a unidade do movimento e poderia
acarretar o estreitamento de suas bases de sustentação. Contudo, para o autor o que se
verificou na prática foi a defesa de um perfil suprapartidário e policlassista, que
desconsiderou as desigualdades de condições de participação dos setores da dita
sociedade civil nos espaços institucionais (DANTAS, 2017). “Ao que parece, os
sanitaristas fizeram tabula rasa dos antagonismos de classe em nome de conciliações e
consensos possíveis na política partidária do Parlamento” (DANTAS, 2017, p.200).
Jacobina (2016), em estudo acerca da participação dos partidos de vertente
marxista no movimento da Reforma Sanitária, aponta que mesmo entendendo o
movimento como suprapartidário, ou seja, onde a proposta de Reforma na saúde
colocava-se acima das diretrizes emanadas dos partidos, é necessário considerar as
filiações e as trajetórias políticas dos agentes participantes para melhor compreendê-lo.
Em sua pesquisa o autor destaca que durante as entrevistas a visão suprapartidária do
113

movimento nem sempre se manifestava e as diferentes filiações partidárias e os distintos


pontos de vista tornaram-se de extrema relevância.
Na literatura pesquisada sobre a gênese do Movimento da Reforma Sanitária
brasileira pudemos identificar que a participação dos partidos políticos: primeiro, aparece
como uma problemática, ou seja, a pouca atuação dos partidos justifica a atuação de um
“Partido Sanitário”, ou movimento suprapartidário, em prol de uma unidade que
garantisse uma reforma na saúde; segundo, emerge através de citações de atores
participantes do Movimento ligados ou filiados à partidos políticos. José Carvalho de
Noronha aponta para a existência de uma vertente do Movimento da Reforma Sanitária
que dizia respeito à estruturação da vida política, dos partidos políticos, onde
praticamente todos os envolvidos militavam em algum partido, alguns clandestinos.
Segue trecho da entrevista em que cita alguns importantes atores e suas filiações
partidárias:
O partidão – PCB, por exemplo, tinha o Arouca, o Eric Jenner
Rosas, o Eleutério Rodriguez Neto, o Temporão, etc. Outros,
como eu, o Hésio Cordeiro, militantes ativos do MDB, da 17ª
Zona, diretório Rubens Paiva, presidido pelo Carlos Lessa [...]
Depois, mais perto de Carlos Sant’anna, deputado federal do
Centrão, em que ele faz uma coalizão à esquerda com uma
composição em que o Eleutério é o principal ator, sai um
documento do PMDB. Então, passamos a ter uma política,
digamos, formal e partidária (BRASIL, 2006, p.61).

Os partidos mais relevantes no período de emergência do movimento sanitário


foram aqueles de matriz marxista – ilegais durante o contexto de ditadura militar –
destacando-se especialmente a atuação de militantes do PCB (JORGE, 1991; PAIM,
2008; SOPHIA, 2012, JACOBINA 2016). Cohn (1989) destaca já na década de 1980, a
predominância de militantes do PCB no processo de construção de bases políticas para a
saúde. Da mesma forma, José Gomes Temporão em entrevista para pesquisa acerca da
construção do SUS destaca que
A Reforma Sanitária (...) teve tudo a ver com a ditadura e a luta
pela redemocratização, com uma forte participação estratégica do
PCB. A minha base no partido pensava e trabalhava no Cebes
como projeto do partido, percebendo a importância dessa relação
de democracia e saúde no sentido bastante amplo (BRASIL,
2006, p.59).

É diante, portanto, da elucidação dessa lacuna que é a participação dos partidos


políticos e, ao mesmo tempo, perante as pistas que nos indicam a relevância do PCB na
114

construção da dinâmica do Movimento da Reforma Sanitária brasileira, que o próximo


capitulo buscará aprofundar e verificar a influência deste partido e de algum de seus atores
na luta pela Reforma Sanitária. Se no quinto capítulo pudemos olhar mais de perto o
modus operandi do PCB trazendo para o debate pontos importantes da sua história, desde
a fundação até o período de construção da política de saúde no Brasil, afim de identificar
as principais características que o constitui; e neste buscamos trazer um pouco da gênese
do Movimento da Reforma Sanitária apresentando seus componentes e já trazendo à luz
alguns de seus conflitos e tensionamentos; no próximo capitulo buscaremos, através da
análise de diferentes narrativas e pelo entrecruzamento de histórias, identificar, as
principais estratégias, ou modos de operar, se assim podemos dizer, confluentes entre
esses dois agentes: o Movimento da Reforma Sanitária e o PCB.
115

7. A INTERAÇÃO ENTRE MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA


BRASILEIRA E PCB: UM ENTRECRUZAMENTO DE HISTÓRIAS

Uma vez apresentada brevemente a história do PCB e do Movimento da Reforma


Sanitária brasileira e suas respectivas características e contextos, seguiremos agora na
tentativa de compreender a articulação existente entre estes dois agentes. A identificação
do papel dos partidos políticos como uma lacuna nas narrativas referentes ao nascimento
do Movimento da Reforma nos instigou a investigar o tema através de vestígios e pistas
em registros e na literatura mais “clássica”, chegando à constatação da relevância do PCB,
tanto na sua construção, quanto no desenvolvimento de seus objetivos, características e
trajetória. Logo, não poderíamos compreender as estratégias e escolhas adotadas pelo
Movimento sem levar em conta e reconhecer o modus operandi do próprio PCB –
considerando-o como fruto das inúmeras contingências que o atravessaram ao longo de
sua caminhada, e de características do modo de fazer política nele arraigadas.

As narrativas aqui analisadas foram obtidas tanto em entrevistas elaboradas


especificamente para este trabalho, quanto entrevistas previamente realizadas e cedidas à
essa pesquisa. Além disso, capturamos histórias em literatura cinza – entrevistas em
jornais, revistas e vídeos –, recorrendo, quando necessário, aos textos “clássicos”
publicados sobre o Movimento da Reforma Sanitária.
A partir desses registros foram encontradas algumas categorias de análise, que na
verdade, refletem os pontos de contato, as histórias entrecruzadas e o reconhecimento da
influência entre o modo de operar do PCB e o Movimento da saúde. Não se trata, portanto,
do reconhecimento de estratégias explícitas ou oficiais destes agentes, mas sim de
inferências resultantes das percepções e de olhares de diferentes atores-chaves do campo
da saúde. Nessa mesma perspectiva, serão também elucidadas as diferentes leituras, as
contradições e as disputas narrativas acerca da temática.
Uma vez identificada a relevância do PCB para o processo formativo e de
condução do Movimento da Reforma Sanitária, observaremos mais amiúde quais
elementos permitiram que o partido imprimisse, de maneira intencional ou não, seus
traços, caraterísticas e modo de operar no Movimento da saúde. Como veremos a seguir,
este não era um modo único e nem estático, e sim multifacetado e permeável às
transformações decorrentes do contexto.
116

7.1 CONSTRUINDO OS ALICERCES: O PCB E A ORGANIZAÇÃO DE BASES DE


APOIO NO CAMPO DA SAÚDE

A partir da década de 1970, e novamente posto na clandestinidade, o “Partidão”


se depara com a necessidade de criar alternativas de resistência para o enfrentamento do
contexto repressor instaurado pela ditadura. É nesse cenário que o campo da saúde passa
a ser percebido como possibilidade de atuação, de criação de bases de apoio e também de
disseminação das ideias do PCB. Três espaços no campo da saúde foram identificados
nas narrativas e depoimentos de atores-chaves como pontos de partida para a criação de
bases de apoio ao partido e sua capilarização, são eles: as Escolas e Faculdades de
Medicina e seus Departamentos de Medicina Preventiva (DPMs); os Sindicatos de
Médicos; e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). A seguir examinaremos
detalhadamente cada um destes espaços e buscaremos compreender de que maneira o
PCB contribuiu para a escolha de cada ponto de partida.

O primeiro ponto que nos salta aos olhos se refere à perspectiva crítica que vai se
desenvolvendo nos DPMs, a partir da década de 1970, junto ao movimento de procura
por espaços de resistência pelos partidos de esquerda postos na clandestinidade, com
destaque para o PCB. Ao examinarmos o processo de gênese do Movimento da Reforma
Sanitária brasileira no capítulo anterior, vimos que a narrativa mais conhecida e “clássica”
sugere que este Movimento nasce através da crítica ao modelo preventivista de saúde se
desenvolvendo e se desdobrando em novos núcleos, centros de estudos até se capilarizar
através dos movimentos sociais e sociedade civil (ESCOREL, 1999; TEIXEIRA, 1988).
Contudo, os depoimentos analisados nos deram pistas de que muitas nuances do modus
operandi do PCB estavam presentes no momento de conformação desse pensamento
crítico e, principalmente, na forma de organização desses espaços.
De acordo com Eduardo Levcovitz126 (Entrevista realizada em 2017, cedida por
Leandro Gonçalves e autorizada por Eduardo Levcovitz), uma estratégia do PCB durante
o período da clandestinidade era estimular o movimento de médicos a fim de angariar
militantes para o partido. Assim como a Engenharia, a Medicina era percebida como uma
cadeira capaz de gerar uma importante base de apoio para o partido. Segundo o
entrevistado, no Direito, por exemplo, a predominância de partidos e movimentos de
direita era mais evidente.

126
Ver em Apêndice 2.
117

O partido [PCB] tinha essa coisa que Medicina era o lugar mais
importante. Inclusive, eu tinha a minha turma, nas outras turmas
também, gente que já tinha terminado Biologia, terminado essas
coisas [outras graduações] e o partido mandava voltar para fazer
Medicina de novo para poder fazer uma base muito potente.
(Depoimento de Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em
2017).

No Rio de Janeiro, mais especificamente, três locais foram identificados como


uma base forte do PCB dentro das Faculdades de Medicina: a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado da Guanabara, atual Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e a Escola de Medicina e Cirurgia que depois tornou-
se a Escola de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
(...) os mais tradicionais, que eram Letras e Filosofia e tal, tinham
sido muito dizimados. Não tinha mais a base interna, porque, na
Medicina, você tinha professores, professores antigos que, se não
eram formalmente militantes, eram simpatizantes. E na Medicina
era assim, era UFRJ, aqui [FCM/UERJ e IMS/UERJ] e UNIRIO
que, na época, chamava ainda Escola de Medicina e Cirurgia.
Eram três bases do Partido super, super, superpotentes.
(Depoimento de Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em
2017).

Dentre as narrativas da gênese do Movimento da Reforma Sanitária é vocalizado


com muita frequência a importância que os Encontros de Estudantes de Medicina e de
Medicina Comunitária desempenharam na organização de espaços de discussão e na
criação de centro de estudos que impulsionaram o pensamento crítico da Reforma. De
acordo com Eduardo Levcovitz (Entrevista realizada em 2017) esses encontros também
são reflexos de uma estratégia disparada por grupos do PCB, uma vez que, com o
fechamento de Diretórios e Centros Acadêmicos do movimento estudantil pelo regime
ditatorial, somente nesses espaços havia uma possibilidade de atuação e discussão dos
partidos de esquerda sem repressão.
Eu já vinha bastante próximo do colegial e, na época da
faculdade, comecei a militar bastante ativamente. E aí tinha uma
série de tarefas, atividades. Uma delas era organizar o ECEM, o
Encontro Científico de Estudante de Medicina, que foi uma
alternativa formulada predominantemente pelos grupos do PCB
que na Medicina eram muito importantes. A Medicina era
dominante mesmo nessa época. Ficar falando de 1973 e 1974,
você já tinha a maioria dos grupos que tinha optado pela luta
armada, dizimada. Pelo menos, os que tinham sobrevivido era
118

uma turma que era MR8127 e PCB e uma pequena turma que, na
época, era POLOP128. Eram MEP, POLOP e tal. E aí eu percebia
que tinha muito uma linha de legalidade, de atuação explícita, não
clandestina num espaço possível. Como não tinha Centro
Acadêmico, não tinha Diretório, tudo estava fechado, uma das
coisas formuladas dentro do grupo da Medicina foi construir um
Encontro que tinha o nome de Encontro Científico, mas juntava
bastante gente. Engraçado porque a tendência, os rachas eram tão
explícitos, que enquanto o PCB com certa aliança com o MR8 e
em outros estados com o PCdoB, levava a coisa do ECEM; o
pessoal da POLOP inventou a SESAC, a Semana de Saúde
Comunitária. O SESAC veio depois, veio uns três anos depois,
mas, assim, para não identificar, porque a proposta do ECEM era
a proposta de trazer todo estudante, independente de adesão
política e tal que era muito a linha do PCB (Depoimento de
Eduardo Levcovtiz em entrevista realizada em 2017).

No estado de São Paulo, o PCB possuía também forte presença nas Faculdades de
Medicina. Na Universidade de São Paulo (USP), a criação do curso de formação de em
Saúde Pública em 1976, marca o encontro de vários militantes de partidos de esquerda.
Além de militantes do PCB também havia os do PCdoB oriundos de diversos estados,
como Rio de Janeiro, Bahia, Brasília. Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019
faz um relato sobre esse curso:
Quando eu entro nesse curso e encontro as pessoas, a gente toma
um susto quando a gente começa a se apresentar. Porque dos
cinquenta, sem tirar nem pôr, quarenta eram militantes de
esquerda. E a gente não se conhecia. Quer dizer, eu conhecia
cinco, seis... E aí que eu vou conhecer os quadros do PCB que não
eram da minha frente (Entrevista realizada em 2019).

De acordo com o entrevistado, em São Paulo muitos atores que posteriormente


participaram do Movimento da Reforma Sanitária já atuavam junto aos movimentos
sociais nos bairros periféricos da Zona Leste e Zona Oeste do estado. Emerson Merhy,
por exemplo, – que havia deixado a luta armada e neste período não era filiado a nenhum
partido – cita que mesmo antes de se formar em Medicina já tinha proximidade com os
movimentos sociais que atuavam nas periferias abrindo lutas por melhores condições de
vida e contra a pobreza (MERHY, 2013).

127
Citado no quinto capítulo deste estudo.
128
Fundado em 1961 em Jundiaí, São Paulo, a Organização Revolucionária Marxista- Política Operária
(ORM-POLOP) como uma dissidência revolucionária do PCB, de grupos como a Juventude Socialista da
Guanabara, Juventude Trabalhista de Minas Gerais, membros da Liga Socialista e do PSB. MEP
(Movimento de Emancipação do Proletariado), grupo voltado à luta armada originado das divisões do PCB
na década de 70 (MATTOS, 2007).
119

Então, eu não estou organizado partidariamente, mas eu estou


organizado em termos de ativismo. Só que eu faço uma mudança
no meu ativismo. Eu saio desse contexto mais da luta urbana,
militarizada da esquerda, e vou para outro contexto de ativismo
político muito próximo de uma ideia – eu não era nada ligado à
igreja – mais muito mais próximo de uma comunidade Eclesiais
de Base129. Ou seja, eu vou viver minha vida nas periferias. E vou
viver como ativista militante na periferia de São Paulo. Militância
política, movimento operário, movimento de bairro, essas
coisas... Vou fazer isso. Vou viver isso. Antes de formar médico
ainda. Então, a ideia de investir na formação de coletivos, a ideia
de formar grupos de reflexão, e aí eu me enfio bastante como um
militante na periferia com coletivos de mulheres, coletivos de
homens, na luta contra a carestia, luta pela democracia
(Depoimento de Emerson Merhy em entrevista realizada em
2019).

Nessa experiência, portanto, havia a aposta em um movimento coletivo mais


heterogêneo composto por militantes do PCB, PCdoB, ex-militantes de organizações
armadas e de grupos vinculados a entidades de base da Teologia da Libertação, atuando
no campo organizacional da política estadual de saúde através do envolvimento com
múltiplos movimentos sociais que além de lutar por melhores condições de vida também
lutavam contra a ditadura (MERHY, 2013). Nesse sentido, para Emerson Merhy, a
narrativa do nascimento do Movimento da Reforma Sanitária ganha um outro contorno
em São Paulo com a intercessão entre os movimentos populares e a atividades acadêmicas
desenvolvidas pelos estudantes e profissionais do campo da Saúde Pública. Segue trecho
em que o entrevistado fala sobre a composição do grupo paulista neste primeiro momento:
O que que eu encontro nessa frente dos bairros, dos movimentos
sindicais, dos movimentos operários, das mulheres? Eu vou
encontrar muitos organizados do PCdoB e organizados do PCB.
Os grupos mais trotskistas130 organizados eram muito poucos

129
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB) são comunidades à Igreja Católica que, incentivadas pela
Teologia da Libertação nos anos 1970 e 1980 se multiplicaram no Brasil e na América Latina. São
comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial e de sua carência, sendo compostas
por membros insatisfeitos das classes populares e despossuídos, vinculadas a uma igreja ou a uma
comunidade com fortes vínculos, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida, com a realidade
política e social. São de base porque são integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos, ou
seja, das classes populares (FREI BETTO, 1981). De acordo com Secco (2011), as CEBs se constituíram a
segunda mais importante base social do PT na década de 1980, abaixo no movimento sindical apenas.
130
De acordo com Marques (2007) a história da organização dos trotskistas no Brasil se Inicia com a
expulsão de Mário Pedrosa - escritor, jornalista, crítico de arte e militante- e outros militantes do Partido
Comunista, em 1929. Em 1931, fundam a Liga Comunista Internacionalista (LCI), seção da Oposição de
Esquerda Internacional, centralizando suas atividades em São Paulo. Posteriormente, em 1936 é fundado o
Partido Operário Leninista (POL), que depois se torna Partido Socialista Revolucionário (PSR) como
resultado da aproximação da dissidência do Partido Comunista do Brasil. Em 1952 o PSR se afasta da IV
Internacional e se dissolve. Muitos militantes trotskistas e anarquista se articularam, posteriormente na
Organização Revolucionária Marxista-Política Operária/ORM-Polop, criada em 196, cujo objetivo era criar
120

nesses lugares, eram mais presentes nos sindicatos, mas eu vou


encontrar muita gente que nem eu, que foi de alguma organização
mais militarizada e que tá sem partido nenhum e que tá enfiada
nos movimentos sociais e de diferentes tipos. (...) Então, não me
atraía me organizar, essa ideia de voltar para dentro de um
partido, que era uma coisa...muito enclausuradora...eu não cabia
dentro. Eu não me via dentro dessas regras, dessas normas
disciplinares...não me atraía. Mas eu tinha uma vivência, o que
me dava uma folga, porque eu não fazia disputa. Então, se eu
encontrasse alguém do PCB ou do PCdoB, eu sentava do lado.
Não me interessava fazer disputa porque eu não tinha partido pra
defender (Depoimento de Emerson Merhy em entrevista realizada
em 2019).

Outro espaço identificado como ponto de partida para a construção de alicerces


de apoio ao PCB na saúde foram os sindicatos de profissionais de saúde, mais
destacadamente os sindicatos da categoria médica. Embora o posicionamento do partido
tenha sido o de contenção no movimento sindical e de não radicalização de greves e lutas
populares pra evitar a desestabilização do processo de transição democrática (STOTZ,
2019), no campo da saúde pudemos observar uma tentativa, ainda que mais tímida – ou
talvez menos registrada na literatura clássica do Movimento da Reforma Sanitária – de
inserção e de articulação de quadros e militantes do “Partidão” nos sindicatos. Essa
articulação, contudo, se expressaria através do tensionamento existente na base de apoio
do partido na saúde entre “prestistas” e “eurocomunistas” – as mesmas linhas de atuação
em disputa no interior do PCB. Segundo Lacaz (1994), militante do PCB e do Movimento
da Reforma Sanitária, as:
disputas internas ao PCB ocorreram em função de visões
diferentes quanto ao que priorizar nesta empreitada: a atuação
junto a uma instância intersindical ou junto a sindicatos
específicos. Aqui vale dizer que os chamados “eurocomunistas”
que compunham a direção do PCB à época optaram pela atuação
por dentro de alguns sindicatos e os “prestistas” lançaram-se na
construção de um órgão de assessoria intersindical (p.50).

No nível de atuação em sindicatos específicos da saúde, o PCB se aproxima dos


Sindicatos Médicos – que naquela época estavam sob a tutela e direção dos empresários
da saúde – a partir da análise da realidade enfrentada pelos médicos no cotidiano do
sistema de saúde vigente e da condição destes enquanto trabalhadores assalariados da

um programa para um partido operário; recrutar jovens militantes operários para a organização; e influir
sobre o desenrolar da luta de classes no país (AARÃO REIS, 2007).
121

iniciativa privada (LACAZ, 2011). Esse grupo de articulação era composto por médicos
que trabalhavam no campo da saúde coletiva e pessoas que trabalhavam na militância
médica nos sindicatos e associações médicas, que foram se envolvendo de forma
crescente com o sindicato. Assim, segundo Jaime Oliveira (em entrevista realizada em
2017) nasce no sindicato médico um departamento médico-científico com as pessoas da
área de saúde coletiva, que impulsiona o movimento chamado: Renovação Médica
(REME).
O REME tem o seu início em São Paulo, como fruto de um processo de reunião
de forças da “esquerda médica”, com hegemonia do PCB, entre os anos de 1975 a 1977.
A sua criação possibilitou a conquista de sindicatos médicos em grandes estados
brasileiros como no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco,
Bahia, Espírito Santo, por meio da defesa de seus direitos como trabalhadores
assalariados e pela representação de militantes ou simpatizantes do “Partidão” na
presidência de sindicatos de São Paulo e Rio de Janeiro (LACAZ, 2011). De acordo com
Lacaz (2011) esse movimento não significou, no entanto, uma mudança ideológica no
corporativismo médico, mas possibilitou uma aproximação da categoria junto à luta dos
demais trabalhadores. Segue trecho:
Isto não quer dizer que, ideologicamente, os médicos
transformaram-se em proletários, considerando sua origem de
classe, mas sua situação de assalariados trouxe-os para perto das
lutas dos demais trabalhadores assalariados brasileiros, as quais
foram representadas pelas grandes greves do final dos anos 1970,
em que os Sindicatos Médicos tiveram um importante papel em
termos de solidariedade numa perspectiva de “aliança de classe”
e de apoio logístico. Ademais, esta marcante mudança no órgão
de representação médica alinhou os Sindicatos Médicos na
corrente que fortaleceu a luta pela Reforma Sanitária (LACAZ,
2011, [online]).

Por outro lado, uma tentativa de criação de uma frente intersindical no campo da
saúde foi a criação da Comissão Intersindical de Saúde e Trabalho (CISAT), em 1978,
composta por médicos, advogados, sociólogos, psicólogos e dirigentes sindicais. A I
Semana de Saúde do Trabalhador (SEMSAT) em 1979, organizada pela comissão, deu
origem ao Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes
de Trabalho (DIESAT)131, em 1980 (LACAZ, 2011). O CISAT contou com a participação

131
O DIESAT criou ainda a revista Trabalho & Saúde como instrumento de comunicação e divulgação de
suas propostas e ideologia.
122

de intelectuais oriundos do Movimento da Reforma Sanitária e tinha como estratégia o


seu aparelhamento para a luta pela saúde nos locais de trabalho. A intenção desta
estratégia era desempenhar um papel semelhante aos blocos de partidos de esquerda na
experiência da Reforma Sanitária Italiana, promovendo a discussão acerca das condições
de exploração do trabalho e seus reflexos sobre a saúde das classes trabalhadoras e
ampliando a base social pelo protagonismo dos partidos políticos de esquerda. Como
veremos mais adiante, militantes da vertente eurocomunista do PCB se inspirariam
fortemente na trajetória do Partido Comunista Italiano (PCI), que se tornou o condutor
principal da ampliação das bases de apoio à Reforma Sanitária Italiana junto aos
trabalhadores na luta pela saúde nas fábricas (LACAZ, 1994).
O próximo ponto de partida identificado refere-se à criação do CEBES, no ano de
1976, em São Paulo. O centro de estudos nasce como um reflexo da necessidade de
sistematização e divulgação das discussões e das ideias novas trazidas pelo Movimento
da Reforma Sanitária que ia se engendrando nos polos de resistência no campo da saúde
tais como as universidades, os DMPs, das experiências locais de Medicina Comunitária
e Preventiva nos estados. No entanto, mais do que se tornar um espaço de alinhamento
entre a prática política e a criação de um saber, em diferentes narrativas a idealização do
CEBES é compreendida como a construção de um espaço estratégico de participação e
organização entre militantes de esquerda e como instrumento de base de apoio e
articulação entre o movimento da saúde e os partidos de esquerda, em destaque o PCB.
A reconstrução narrativa acerca da criação do CEBES, contudo, apresenta
algumas divergências, principalmente, quanto ao protagonismo de determinados atores e
lideranças e também em relação à intencionalidade e objetivos da entidade. Emerson
Merhy, por exemplo, em entrevista em 2019, descreve que a criação do CEBES emerge
como fruto das discussões realizadas pela primeira turma de Saúde Pública da USP.
Como era uma turma muito de tradição de esquerda a gente
discutia muito o papel da esquerda a partir daquele momento.
Diante da falência da esquerda. E nós todos éramos muito
influenciados por um certo olhar gramsciano. E nessa turma que
é a primeira turma de sanitaristas de São Paulo, a gente fez uma
discussão antes da SBPC em 1976, que ia ter em Brasília – e a
gente já sabia que a SBPC ia ser um grande evento anti-ditadura
dos cientistas (Depoimento de Emerson Merhy, em entrevista
realizada em 2019).
123

Segundo o entrevistado, a reunião de apresentação da proposta do CEBES


acontece no Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência 132 (SBPC),
em 1976, tendo como representantes da turma: Emerson Merhy, David Capistrano Filho
e José Ruben de Alcantara Bonfim133. Nesta turma, cuja participação de militantes de
esquerda do PCB e PCdoB era bastante expressiva, também participavam profissionais
não filiados a partidos, mas envolvidos no trabalho nos centros de saúde da periferia de
São Paulo.
A gente resolveu fazer um debate na nossa turma antes da SBPC
sobre o que a gente achava, que do ponto de vista do Gramsci,
seria uma grande invenção. E a gente chegou a uma conclusão
que seria criar uma revista. Foi aí que nasceu a Revista Saúde em
Debate e o CEBES. (...) Ali a gente lança a proposta e
rapidamente N lugares do Brasil nos convidam para falar da
proposta. Então a gente se divide em missão pelo Brasil
(Depoimento de Emerson Merhy, em entrevista realizada em
2019).

Nessa perspectiva, a criação do CEBES e de sua revista, além de propiciar a


divulgação das ideias e debates em curso, também acompanhava um movimento de
experimentação de estratégias e de articulação política no campo da esquerda mais
alinhado à vertente do eurocomunismo e das teorias de Gramsci. Isso significava conceber
a utilização do centro de estudos e sua revista como instrumentos capazes de impregnar
novas orientações à sociedade civil, realizando um processo de socialização da política,
tal como elucidado por Coutinho (1979), a partir da temática da saúde. Da mesma forma,
o conceito de Estado ampliado aqui se esboçaria, na medida em que o objetivo fundante
da estruturação do CEBES, enquanto instituição, era a difusão de valores, ideologias e
conceitos capazes de produzir uma intelectualidade no campo da saúde preparada para
disputar espaços no campo de força nas diversas arenas da política. Segue trecho do
entrevistado em que explica a intenção da proposta:
A proposta nossa era, na ideia Gramsciana, uma ideia de uma
produção de um intelectual coletivo que apresentasse uma nova
possibilidade de discussão do conhecimento na área da saúde
muito inspirado pelo que já estava sendo fabricado por Cecília

132
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é uma sociedade cientifica que congrega
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Durante o período de ditadura militar (1964-1984), foi
um dos poucos locais onde era possível um debate crítico sobre a situação política do país. O movimento
Sanitário participou dos congressos por intermédio do CEBES e da ABRASCO (VIEIRA-DA-SILVA,
2018).
133
Ver em Apêndice 2.
124

Donangelo, por Madel Luz134, por Sérgio Arouca135, por Hésio


Cordeiro (Depoimento de Emerson Merhy, em entrevista
realizada em 2019).

A fala de Emerson Merhy apresenta uma versão sobre a idealização do CEBES


menos impregnada pela influência direta do PCB, sugerindo que este movimento se
desencadeia de maneira mais orgânica e mais fluida, em confluência com as crescentes
experimentações de participação popular e de reorganização dos serviços de saúde,
somados às críticas em relação às condições de saúde da população e do regime político
vigente. Circunstâncias estas que igualmente alicerçavam a construção do Movimento da
Reforma Sanitária brasileira. No entanto, as forças em disputa já estavam ali presentes e
podiam ser facilmente identificadas. No episódio da inauguração da proposta de criação
do CEBES, Emerson Merhy, revela que:
Provavelmente o PCB já tinha se articulado nacionalmente.
Fomos todos no SBPC participar da reunião. Só que também tinha
muita gente que nem eu, não ligado a partido. Então sempre era
um clima de balanço de forças. O PCdoB não disputava essa
frente porque ele disputava sindicato e coisas desse tipo. O PCB
disputava e nós, independentes, não disputávamos. A gente queria
construir uma organicidade do movimento (Depoimento de
Emerson Merhy, em entrevista realizada em 2019).

De acordo com estudo elaborado por Sophia (2012), a proposta editorial inicial
da Revista Saúde em Debate, em parte, já se alinhava ao posicionamento do PCB, pois
centrava-se na apresentação de propostas que corroboravam com a luta pela conquista da
democracia de forma progressiva. Contudo, ao passo que a sua estrutura vai se
consolidando, mais evidente tornava-se a presença do partido, acirrando as disputas em
seu interior.
Eu não pactuava com a ideia de que o CEBES e a revista fossem
o instrumento do partido [PCB]. Eu achava que era um
instrumento de um movimento e o movimento era uma

134
Madel Luz cursou Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1962), mestrado em Sociologia
- Universite Catholique de Louvain (1969) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(1978). Em As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia (1979) analisa o poder
institucional médico e sua inserção nas conjunturas de 1960-1964 e de 1968-1974 em quatro etapas: (1)
análise das políticas de saúde; (2) condições de saúde da população; (3) imagem das instituições de saúde
nos jornais; e (4) prática médica na instituição (produção e reprodução do saber médico), mais
especificamente, o hospital universitário. A hipótese desse trabalho é que as instituições estatais de saúde
são portadoras de um discurso técnico-científico e praticam esse discurso-saber sob a forma de intervenção
maciça e organizada na vida de diversos setores da população, tornando-se, assim, agências políticas de
contenção e controle da doença coletiva (MARQUES et al, 2018).
135
Mais adiante será apresentado detalhadamente a biografia deste ator e a sua importância para o
Movimento da Reforma Sanitária brasileira e o PCB. Ver também em Apêndice 2.
125

multiplicidade que tinha que caber eu e eles. Esse é um confronto


pesado, eu vou ficar muito isolado, eles vão me isolar. O
problema é que eu sou um militante, então não me isola. Me pega
daqui e eu saio pra lá (Depoimento de Emerson Merhy, em
entrevista realizada em 2019).

Em uma outra perspectiva, Eduardo Levcovitz (em entrevista realizada em 2017),


endossa a versão de que o CEBES foi idealizado como uma estrutura do “Partidão”, mas
que agregava pessoas não ligadas ao PCB. De acordo com seu depoimento, as linhas de
atuação propostas pelo partido buscavam sempre agregar componentes não militantes,
no sentido de uma frente ampla, como forma de evitar a identificação de seu “núcleo
duro” nas bases de apoio. Esse seria um traço fundamental do modo de fazer política do
PCB que, sem dúvida, exerceu uma influência significativa na construção do centro de
estudos. Como apontado no capítulo referente à história da do PCB, os períodos de
clandestinidade marcaram de forma contundente a trajetória do partido, o que pode vir a
justificar a proeminente opção estratégica de unificação de forças. Segue trecho da
entrevista que ilustra essa característica:
Sempre tem que pensar que a proposta do partido [PCB] é de
frente ampla. Desde os anos quarenta que o partido tem no Brasil,
como tem internacionalmente, proposta de frente ampla. Então,
as linhas de massas do partido nunca eram só de militantes, nunca.
Isso era uma regra, está certo? Ao contrário. Se fosse uma
atividade só de militante, você não fazia, você não podia
identificar a estrutura dura do Partido (Depoimento de Eduardo
Levcovitz em entrevista realizada em 2017).

Da mesma forma, é comum encontrarmos na literatura sobre o Movimento da


Reforma Sanitária, e consequentemente sobre o CEBES, o caráter suprapartidário das
ações e de seus componentes. Rodriguez Neto (2003) afirma, por exemplo, que apesar de
inicialmente contar com a influência de militantes do PCB, o centro de estudos
caracterizava-se pelo não corporativismo e pelo suprapartidarismo. A afirmação de
Eduardo Levcovitz, no entanto, nos dá pistas de que – além de caracterizar a linha política
de frente ampla do PCB – esse era também um discurso adotado por determinados grupos
dentro do Movimento, como uma tentativa de esconder e proteger (intencionalmente ou
não) a identidade de membros do “Partidão” da perseguição política dos tempos da
clandestinidade136.

136
Mais adiante teremos a oportunidade de averiguar de forma mais detalhada a estratégia e a vocalização
do discurso em torno do suprapartidarismo, que no caso do Movimento da Reforma Sanitária é ilustrado
pela ideia de “Partido Sanitário”.
126

Outro fator indicativo da influência mais direta da participação do PCB no


processo de criação do CEBES como uma base de apoio refere-se à presença de lideranças
importantes do partido em sua direção. O mais citado entre os entrevistados é David
Capistrano Filho. Seu nome é reconhecido não apenas como idealizador do centro de
estudos, mas também como um dos impulsionadores do Movimento da Reforma Sanitária
brasileira. Sua história pessoal é marcada pela luta política, pois seu pai, David
Capistrano137, foi também um importante dirigente do PCB. Pernambucano, médico
sanitarista, formado pela Faculdade de Medicina da UFRJ e integrante da turma de Saúde
Pública da USP de 1976, compunha o grupo de médicos que atuavam nas periferias de
São Paulo desde a década de 1970. Contribuiu ainda fortemente para o processo da
Reforma Psiquiátrica no país. Como militante do PCB, foi membro da executiva estadual
do PCB e, em 1964, envolve-se na luta armada contra o regime militar. Em 1974, muda-
se para São Paulo, onde acaba sendo preso no final de 1975. Torna-se dirigente do comitê
estadual do PCB em São Paulo de 1976 a 1983, atuando contra a ditadura através do
campo da saúde 138(SOPHIA, 2012; VIEIRA-DA-SILVA, 2018).
O David era um grande líder deles [PCB]. David fez Medicina
aqui [UFRJ] e depois foi fazer residência. Ele e José Rubens de
Alcantara Bonfim, aonde estava o [Sérgio] Arouca. (...) O David
e o Zé Rubens, fundamentalmente vem fazer o curso de Saúde
Pública em São Paulo e eles se enquadram nessa ideia que a gente
foi construindo de ir para a periferia. O David inicialmente, vai
fazer esse movimento mais em direção ao Vale do Ribeira 139.
Provavelmente alguma normativa do partido que nem cabe
avaliar se é. O Zé Rubens não. Ele vai pra Zona Oeste de São
Paulo. Eu vou pra Zona Oeste e depois pra Zona Leste
(Depoimento de Emerson Merhy, em entrevista realizada em
2019).

137
David Capistrano, político e integrante da linha de frente da brigada do PCB na Guerra Civil Espanhola,
foi um importante ativista do Partido. Em 1974 e 1975, os órgãos de repressão policial-militar prenderam
e mataram dez dos vinte integrantes do Comitê Central do PCB, dentre eles, David Capistrano pai. No
mesmo ano de 1974 em que iniciara a residência médica, David filho presenciara o desaparecimento do pai
(SOPHIA, 2012).
138
Posteriormente David Capistrano participa da fundação do PT, filiando-se em 1986. Colaborou
ativamente com a elaboração do texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 198* e
prestou assessoria à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados na Constituinte. Torna-se Secretário da
Saúde no governo de Telma Souza em Santos- SP em 1988 pelo PT e secretário de Saúde de Bauru (gestão
Tidei de Lima/PMDB). Se elege prefeito de Santos em segundo turno em 1992, tomando posse em 1993
pelo PT. Após a gestão como prefeito, afasta-se da vida partidária, não possuindo filiação às tendências
internas do PT desde 1996 e não sendo reconduzido ao diretório nacional.
139
Em entrevista Eduardo Levcovitz aponta que a região do Vale da Ribeira, de fato, foi um polo de atuação
do PCB. Houve um concurso de sanitaristas onde muitos integrantes do partido escolheram ir para o Vale
da Ribeira, local de guerrilha no estado de São Paulo. O Vale do Ribeira era uma região mais pobre do
estado de São Paulo e onde as ações estavam muito mais ligadas à Faculdade de Saúde Pública (Entrevista
realizada em 2017, cedida por Leandro Gonçalves e autorizada Eduardo Levcovitz)
127

Para Eduardo Levcovitz, David Capistrano Filho foi o principal idealizador do


CEBES e fundamental para a articulação do partido com o movimento da saúde. “O
CEBES é todo inventado pela cabeça do David [Capistrano Filho]” (em entrevista
realizada em 2017). No entanto, seguindo o mesmo direcionamento estratégico de
construção de frentes amplas acima exposto, a primeira composição de diretores do centro
de estudos não contou com uma maioria militante do partido, mas sim com pessoas
aliadas, sempre mantendo uma imagem externa de uma representatividade mais ampla.
Sonia Fleury (em entrevista realizada em 2017) também reitera essa colocação e
aponta que a presença de David Capistrano impulsionou a proposta de criação do CEBES.
Além da ampliação da ideia de “consciência sanitária” 140 , David trazia para o campo de
discussão da recém criada entidade um pensamento crítico da formação médica,
sobretudo, apoiando a divulgação de novas perspectivas e olhares críticos à formação
básica dos estudantes de Medicina.
O David era alguém à frente do próprio tempo, a cabeça dele
estava acima do tempo que ele viveu... e, aliás, foi um tempo
muito curto. E ele era muito ligado, assim como o Zé Ruben, a
questão da formação médica. Eles achavam que a formação
médica era extremamente deficiente nesse sentido. Então, eles
começam a usar instrumentos de divulgação de uma outra forma
de pensar as questões da medicina. O CEBES era como uma
proto-editora: não era uma editora, quando estava em São Paulo,
porque se associou a uma editora que era ligada a eles, mas era
um grupo editorial, para difundir, entre os estudantes de
medicina, outra forma de pensar a saúde. O [Sérgio] Arouca tinha
muito a ver com isso também, participava dos encontros dos
estudantes de medicina, que eram lugares importantes de difundir
outra maneira de pensar. Eles estavam muito ligados a essa ideia
de difusão, que circulava nos cursos de medicina e circulava nas
pós-graduações, nas especializações e na medicina social. Mas
eles queriam chegar antes, na formação básica do estudante de
medicina (Depoimento de Sônia Fleury em entrevista realizada
em 2017).

Segundo Amarante (2016) em entrevista realizada sobre os 40 anos do CEBES,


as publicações do centro de estudos, as primeiras em livro, da coleção ‘Saúde e
Sociedade’, foram feitas em parceria com a Editora Hucitec141. O entrevistado conta que

140
Berlinguer define consciência sanitária como a tomada de consciência da saúde. É um direito da pessoa
e um interesse da comunidade. Porém, como esse direito é sufocado e este interesse é descuidado, a
consciência sanitária é passa a ser a ação individual e coletiva para alcançar esse objetivo (FLEURY, 2015,
p. 3556).
141
Outra editora relevante foi a Editora GRAAL, do Rio, que publicou livros de medicina social antes da
Hucitec como: “’Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica” de,
128

havia uma “lenda” de que esta seria uma editora do Partidão, fundada com recursos do
partido, embora tivesse uma fachada pública. Um dos primeiros livros do CEBES foi o
‘Medicina e política’ em 1978, do Berlinguer, um livro considerado muito ousado
politicamente para a época.
O desenvolvimento do centro de estudos e da Revista Saúde em Debate
possibilitou a realização de debates ao longo do país e gerou o contato entre dirigentes e
estudantes, professores, intelectuais, culminando na formação de núcleos regionais do
CEBES. Além disso, a ampliação desses debates em novos núcleos regionais propiciava
a divulgação de atividades e de ações mais alinhadas a vertente eurocomunista do
“Partidão” por aqueles dirigentes que tinham uma dupla inserção: partido e CEBES. Um
dado curioso revelado nas narrativas analisadas é que, embora a perspectiva predominante
do CEBES e de sua produção fosse a vertente eurocomunista e que muitos atribuíssem a
David Capistrano a sua defesa, segundo Eduardo Levcovitz, o líder do PCB no centro de
estudos defendia, na realidade, um posicionamento mais voltado para a corrente stalinista
no interior do partido (Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em 2017). Essa seria
uma das particularidades de David Capistrano, ou seja, um grande articulador entre o
Movimento da Reforma e o PCB cuja forma de trabalhar era bastante autônoma, não
atuando somente como um porta-voz direto das decisões do PCB. De acordo com
Emerson Merhy, que trabalhou em conjunto com ele durante muitos anos, nunca houve
qualquer tipo de pressão para que os não militantes ou não filiados ao partido
ingressassem no “Partidão”.
David não era um porta-voz do PCB, não. David era muito
autônomo. Era uma inteligência incrível. (...) Nunca o David me
perguntou se eu queria entrar no PCB. Nunca. Nós trabalhamos
juntos muito tempo e nem eu o levei pro bairro que eu tava e nem
ele me convidou pra entrar no PCB. Mas a gente trabalhou anos
juntos. Isso é uma coisa interessante, mas que não é muito a
história do Rio de janeiro (Depoimento de Emerson Merhy, em
entrevista realizada em 2019).

A capilarização das discussões conduzidas pelo CEBES a partir do final da década


de 1970 e a criação de novos núcleos em diferentes estados, vai imprimindo outras
nuances no modo de operar da entidade e, ao mesmo tempo, realçando as disparidades,
as divergências e as vertentes em disputa. Disputas essas que vão desde os objetivos e

George Rosen (1980); “As Instituições Médicas no Brasil” de Madel Luz (1979); e “Danação da Norma:
a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil.” de Roberto Machado (1978).
129

condução do CEBES, disputas entre vertentes no interior do próprio partido e também


disputas narrativas. Emerson Merhy, por exemplo, foi um dos participantes do centro de
estudos que decide sair da direção do CEBES, quando, na sua percepção, a entidade torna-
se um instrumento do PCB de forma mais explícita, o que incluiu a também a mudança
de sua direção nacional para o Rio de Janeiro. Segundo ele, muitas pautas incorporadas
como discurso do “Partidão” no centro de estudos já vinham sendo discutidas, sobretudo
como fruto das experiências locais e de participação popular nos centros de saúde da
periferia de São Paulo.
Você quer ter uma ideia, se você acessar os editoriais que a gente
escreveu do Saúde em debate. Eram escritos basicamente na
minha casa, eu, Zé Rubens e David sentados numa mesa. (...) Se
você ler o editorial nº 1 que a gente escreveu, você vê que é a
pauta da 8ª (CNS). (....) No número quatro sabe qual é o artigo
que eu escrevo? Democracia e Saúde. Dá pra você perceber que
a gente vai marcando uma pauta? Então quem conta essa história
de que o PCB marcou a pauta, não conhece essa micropolítica. É
que tem uma disputa de memória dentro do PCB mesmo. Eu
depois vou me afastar, porque depois eu vou ter uma briga no
PCB dentro do CEBES. Depois do número 4, de 1977 para 1978,
o PCB faz um esforço grande de querer dominar o espaço e eu
não vou concordar, aí eu saio da direção do CEBES. Eu falo que
não pactuo e prefiro ficar fora. Então você vai ver o meu nome
sumir (Depoimento de Emerson Merhy, em entrevista realizada
em 2019).

Da mesma forma, o contato com novos personagens e com as experiências


regionais específicas, vai desenvolvendo em cada núcleo do centro de estudos novos
contornos e singularidades. Cornelis Johannes Van Stralen142 (2016) sobre o CEBES em
Minas Gerais aponta, por exemplo, que o PC do B desempenhava uma liderança mais
forte principalmente no setor saúde, o que trouxe entraves à chegada do centro de estudos.
O SUS começou com algum apoio popular, mas entre os
profissionais, havia então, bem clara, a presença dos partidos. Eu
acredito, em termos do SUS, que havia a presença importante do
então Partidão, setores do próprio Partidão e simpatizantes, e
também, conforme os estados, do Partido Comunista do Brasil
(PCdoB). Por exemplo, em Minas Gerais, o PCdoB foi muito
importante, o que ocasionou uma certa dificuldade ao Cebes,
porque o Cebes já tinha uma certa... porque por mais que a gente
fale que é cunho (a) partidário (naquela época a gente nem falava
142
Graduado em Psicologia, Mestre em Ciência Política, e Doutor em Ciências Sociais. Na área da saúde
foi atuante na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), tendo sido coordenador da Comissão
de Política, Planejamento e Gestão em Saúde (2011-2013), e no Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES), desde a sua criação em 1976, e do qual foi presidente na gestão 2016-2017. É pesquisador do
Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (NESCON) da Faculdade de Medicina.
130

em cunho partidário, não), o Cebes era visto como vinculado ao


Partidão. Isso criou alguns conflitos com o pessoal do PCdoB,
que dominava, pelo menos em Minas Gerais, os profissionais de
saúde (VAN STRALEN, 2016, p.184)

No Rio de Janeiro, o CEBES vai ganhando uma outra configuração e passa a


enfatizar não tão diretamente as questões ligadas ao ensino médico, mas sim a ideia de
construção de uma consciência sanitária. De acordo com Sonia Fleury em entrevista, a
ênfase do núcleo fluminense passa a ser a organização e a prática política, contudo este
não era um espaço considerado importante para o partido(Depoimento de Sônia Fleury
em entrevista realizada em 2017).
Outra disputa narrativa importante identificada por Emerson Merhy em entrevista
recente, refere-se à questão das lideranças do PCB no campo da saúde. Embora Sérgio
Arouca já estivesse atuando no CEBES desde sua criação, quando o grupo fluminense se
consolida duas narrativas concorrentes passam a ser travadas e bifurcam a história da
entidade entre a história do Rio de Janeiro e a de São Paulo. Segundo depoimento do
entrevistado:
Ele [Sérgio Arouca] e o David disputavam a liderança no PCB na
área da saúde, vamos dizer assim. Sempre teve e atravessa as
décadas. Tanto que o Sérgio quando vem para o Rio, estimula
uma contação de história da Reforma Sanitária que elimina o
David. E não é pouco. Isso é uma disputa dentro. Não é que
elimina nós de São Paulo, não. Dentro do PCB elimina o David
na história (Emerson Merhy, em entrevista realizada em 2019).

De fato, Sérgio Arouca143 é reconhecido como importante liderança do PCB e do


Movimento da Reforma Sanitária e contribuiu para a composição e consolidação do
CEBES no Rio de Janeiro. Arouca era médico sanitarista formado pela USP e Doutor em
Medicina Preventiva pela UNICAMP desde 1975. Como já assinalado nesse trabalho, a
sua tese de doutorado – “O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e
crítica da medicina preventiva” (1975) – forneceu fundamentos teóricos estruturantes
para a constituição da base conceitual da Saúde Coletiva. Foi também professor da Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP) e em 1985, nomeado Presidente da Fiocruz sendo
responsável pela reintegração de cientistas cassados pela ditadura militar. Neste cargo foi

143
Dentre as suas experiencias destaca-se o convite na década de 1970 para trabalhar com o governo
sandinista da Nicarágua e auxiliar na condução de reforma no setor saúde do país. Na FIOCRUZ ocupou a
presidência da instituição de 1985 a abril de 1988, quando se exonerou para concorrer como vice-presidente
da República na chapa do PCB, com Roberto Freire. Foi também consultor da Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS), atuou em vários países, como México, Colômbia, Honduras, Costa Rica, Peru e Cuba.
131

uma importante liderança do processo organização da VIII CNS, evento que se tornaria
um marco para a construção do SUS. No período da redemocratização candidata-se à
Vice-presidência da República em 1988 pelo PCB na chapa de Roberto Freire144 e vai
conduzindo, assim, sua carreira para o campo político de forma mais direta 145,
candidatando-se e sendo eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro de 1991 a 1998 e
atuando como Secretário de Saúde do Município do Rio de Janeiro no ano de 2001.
Como militante do PCB, lutava pelo acesso universal à saúde e pelas reformas de
base, sempre atuando através do campo da saúde. Após a publicação de sua Tese na
UNICAMP passa a ser perseguido pela repressão e se muda para o Rio de Janeiro para
trabalhar na ENSP, vindo junto com um núcleo de pesquisadores e professores. Eduardo
Levcovitz em entrevista, descreve que este grupo era de cunho muito teórico e que sua
inserção na militância do “Partidão” se dava basicamente no ambiente universitário.
Os da ação estavam muito mais ligados à Faculdade de Saúde
Pública da USP. O pessoal do Arouca vem e, no início, vem muito
tímido dentro da Escola [ENSP]. Eles não chegaram cantando de
galo. A Escola era ainda dos sanitaristas estritos, dos
epidemiologistas (Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em
2017).

Segundo Sonia Fleury, a presença de Sérgio Arouca cria uma espécie de “base”
146
do “Partidão” no CEBES do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, vai tornando-se mais
claro que a proposta de desenvolvimento de uma base de apoio do partido via centro de
estudos não era incentivada pela direção do PCB, mas sim pelos militantes da saúde que
tinham essa dupla inserção. Para o partido a ênfase de atuação e de mobilização deveria
se dar nos sindicatos, instituições, universidades, etc.

144
Ver em Apêndice 3.
145
Em 1995, ajudou na criação do Partido Popular Socialista (PPS), uma dissidência do PCB. Foi eleito
Deputado Federal por oito anos: 1991 a 1994 (PCB) / 1995 a 1998 (PPS) e Secretário de Saúde do
Município do Rio de Janeiro no ano de 2001. Coordenou o programa de saúde de Ciro Gomes (PPS) na
eleição para Presidência da República em 2002 e participou da Secretaria de Gestão Participativa do
Ministério da Saúde em janeiro de 2003 e foi nomeado para a coordenação-geral da 12ª Conferência
Nacional de Saúde e para ser o representante do Brasil no Comitê Executivo da Organização Mundial de
Saúde (OMS).

146
De acordo com Eduardo Levcovitz em depoimento, a “base” do PCB no CEBES era muito volátil. Na
verdade, o partido denominava essa base como um Ativo onde militantes de várias bases se juntavam para
uma tarefa específica. No Ativo do CEBES participavam militantes que se originavam bases diatintas, como
da Fiocruz, da UERJ, do SINMED, do movimento de residentes, da Medicina e Cirurgia e do movimento
estudantil. Também se comportava de forma flexível, como por exemplo, em momentos de eleições do
SINMED e CRM onde ao militantes concentravam-se na base do REME.
132

Quando o CEBES veio para cá, já era o Arouca, que também era
uma liderança no partido e no CEBES. E, então, criou-se uma
base do CEBES [risos] no partido. Mas o partido mesmo nunca
engoliu muito bem a ideia de ter uma base como um centro de
estudos. As bases deviam ser sindicatos, instituições... tanto que,
na democratização, o partido resolve que tínhamos que acabar
com a base do CEBES, porque devíamos nos organizar por
sindicato, academia, etc (Depoimento de Sônia Fleury em
entrevista realizada em 2017).

De acordo com Vieira-da-Silva (2018), essa divergência seria um reflexo das


divergências internas presentes no próprio partido. No caso do CEBES, as duas vertentes
em disputa no interior do partido - eurocomunistas e prestistas147- eram expressas
justamente pelo dilema relativo à via para continuidade das atividades, como demonstra
a autora em citação retirada em editorial da Revista Saúde em Debate:
Existem duas concepções da atuação do CEBES, não
excludentes, que polarizaram os interesses de grande número de
associados. A primeira que afirma o CEBES como aglutinador
das tendências renovadoras do setor saúde, em nível profissional,
com o objetivo de coordenar esforços para desenvolver políticas
de saúde mais adequadas à realidade brasileira (ou ‘necessidades
sanitárias da população’). A segunda concepção, sem subestimar
o trabalho realizado nas entidades de profissionais de saúde, quer
desenvolver atividades voltadas mais diretamente à comunidade,
através de suas várias organizações (Sociedades, Amigos de
Bairros, Sindicatos, Clubes de Mães, entidades estudantis, etc.)
(EDITORIAL, 1977, p.3 apud VIEIRA-DA-SILVA,2018, p.
147)

O acirramento desta disputa no interior do PCB acompanharia ainda o


aprofundamento da crise do próprio partido, já no final do período da ditadura militar,
esvaziando a força da influência “Partidão” dentro do CEBES. A volta de Luiz Carlos
Prestes e demais dirigentes do PCB do exílio pela Lei de Anistia em 1979, gera um
“racha” no partido e muitos de seus apoiadores se descolam para a militância criada na
base dos sindicatos médicos. Enquanto isso, integrantes da Saúde Coletiva e mais
inseridos no campo acadêmico permanecem atuando no CEBES. Segue trecho de
entrevista de Sonia Fleury:
As bases acabaram na crise prestista, na volta do [Luís Carlos]
Prestes, com o ‘racha’ dentro do partido. O pessoal da base do
sindicato médico fica com o Prestes. Nós, da medicina social, da

147
Segundo Eduardo Levicovitz em depoimento essa disputa também se refletia entre os comitês estaduais
de São Paulo (predominantemente eurocomunista) e o do Rio de Janeiro (prestista).
133

saúde, não tínhamos uma posição fechada, mas éramos


democratas e achávamos que os outros tinham todo o direito de
discutir se eram prestistas ou não... isso nos excluiu do partido,
essa discussão era proibida e assim fomos embora do partido 148
junto com o povo prestista [risos]. Não por sermos prestistas, mas
por acharmos que a posição deles não era ilegítima, que aquele
papo de ‘culto a personalidade’ era ‘culto à personalidade ao
revés’ [risos]. Fomos tentando discutir com a direção, mas não
conseguimos (Depoimento de Sônia Fleury em entrevista
realizada em 2017).

Com o início do processo de reabertura política e diante da necessidade


reorganização do campo para a retomada democrática alguns seminários são realizados
no CEBES e com isso as ideias da vertente eurocomunista se fortalece.
Tiveram vários seminários, chamamos o Carlos Nelson Coutinho,
que estava chegando da Itália, para discutir como é que as pessoas
se organizavam na democracia. E assim veio a ideia gramsciana
de ‘sociedade civil’, que foi onde nos amparamos para
continuarmos com a base do CEBES, porque, para o partido,
aquilo devia acabar. Eles achavam que aquilo servia só porque
estávamos na ditadura, então tínhamos que criar formas
alternativas. (....) Havia uma relação muito estreita com o partido,
embora tenham pessoas que foram do CEBES a vida inteira,
tiveram um papel importante e que jamais foram do partido
(Depoimento de Sônia Fleury em entrevista realizada em 2017).

O CEBES então vai buscando se aproximar do modelo do Instituto Gramsci na


Itália – um centro de estudos de caráter mais abrangente e explicitamente ligado ao PCI.
No entanto, aqui o centro de estudos atua de maneira mais restrita ao âmbito da saúde e
mesmo com a hegemonia do PCB, permanece aberto a outras correntes de esquerda com
o intuito de construir uma proposta alternativa ampla para a política de saúde (ROSAS,
1986 apud ESCOREL, 1999).
Como pudemos observar, os três espaços identificados através das narrativas
como pontos de partida para a construção de bases de apoio do “Partidão” no campo da
saúde foram: as Escolas e Faculdades de Medicina e os DPMs, os Sindicatos da
categoria Médica e o CEBES. Neles, ao mesmo tempo em que se desenvolviam as bases
de formação do Movimento da Reforma Sanitária, também se difundiam as ideias do
partido e a atuação de seus militantes, já que o contexto de repressão o impôs à
clandestinidade. Na visão do partido, essas bases serviriam como arenas possíveis de
discussão e de engendramento da luta contra a ditadura e pela democracia progressiva.

148
Alguns quadros, no entanto, permaneceram no “Partidão” como Sérgio Arouca, por exemplo.
134

Embora a condução em cada um desses espaços apresente singularidades, foi


possível observar características marcantes do modo de operar do PCB na criação desses
alicerces. A consolidação de apoio pela via de frente ampla é uma delas, presente no
espaço das Escolas e Faculdades de Medicina pela indução de eventos e encontros
estudantis de Medicina, que embora pretendessem discutir as ideias do partido, tinham a
“cara” de encontros mais amplos e menos politizados. No espaço dos Sindicatos Médicos,
essa característica emerge pela tentativa de criação de frentes intersindicais e no CEBES
pelo discurso proeminente de que a entidade agregava múltiplos agentes de diferentes
correntes, inclusive na sua direção. Esse traço, como bem argumenta Eduardo Levcovitz,
pode ser compreendido como a tentativa de preservar a identidade do núcleo duro de
militantes do partido nesses espaços, característica essa que não se observa apenas no
campo da saúde, mas em outros polos de atuação do partido perpassando toda a sua
trajetória (Eduardo Levcovitz em entrevista realizada em 2017).
Outro traço que identificamos nas narrativas, referem-se à reprodução de disputas
internas do PCB nos espaços de criação de base de apoio. A mais expressiva delas é a
dicotomia entre a vertente de eurocomunistas e de prestistas, acirrando-se ao longo da
trajetória do partido e gerando mudanças e rupturas. No espaço dos sindicatos médicos
ela emerge ilustrando a disputa pela condução das ideias do partido por meio dos
sindicatos profissionais (médicos), como proposta dos eurocomunistas, versus sindicatos
intersindicais, defendidos pelos prestistas. No CEBES, onde a sua própria idealização foi
fundamentada em conceitos de Gramsci, principal inspiração da vertente eurocomunista,
o tensionamento se expressa entre o posicionamento da direção do CEBES e a direção do
próprio partido a partir do processo de redemocratização. Uma vez que novos espaços de
atuação e negociação tomavam corpo, para parte da direção do partido e de membros da
vertente prestistas, o foco de intervenção deveria voltar-se para os espaços de lutas
tradicionais, como as instituições, sindicatos, associações, sempre adotando uma
perspectiva mais centralizada e de unidade. Enquanto isso, para os eurocomunistas, o
processo de reabertura política era apenas o início de uma revolução permanente,
fundamentada na criação de uma consciência sanitária e de uma intelectualidade capaz
de angariar espaços nos mais diferentes campos de lutas contemplados pela ideia de
Estado ampliado, se organizando de maneira mais horizontalizada.
Nesse sentido, outro traço característico no modo de operar do partido que vai
sendo incluído e percebido nesses espaços de criação de bases de apoio, são as ideias
gramscianas, que como assinalado por Sônia Fleury (entrevista realizada em 2017) vão
135

ganhando força no CEBES na medida que a intervenção mais direta do “Partidão” vai se
esvaziando. O CEBES, que é estrutura gramsciana de atuação partidária, ou seja, um
centro de estudos para disseminação de ideias, passa a ser um polo de grande articulação
e de atuação do Movimento da Reforma da Sanitária e, não à toa, observamos que as
narrativas em torno deste Movimento, a partir do final da década de 1970, centralizam-se
na produção deste centro de estudos. A ideia de socialização da política, de consciência
sanitária e a concepção de Estado ampliado, portanto, passam a ser temas centrais nas
produções do Movimento da saúde.
Por fim, a identificação de disputas de narrativas acerca das lideranças do PCB na
saúde nos ajuda a compreender que essas bases são criadas e desenvolvidas não sem
contradições e divergências quanto ao seu objetivo, alcance e caminhos a serem seguidos.
De acordo com os depoimentos, inferimos que David Capistrano apostava em uma
condução mais próxima dos movimentos sociais e de uma atuação nos centros de saúde,
embora colocasse a questão da formação médica como ponto crucial. Já Sérgio Arouca
seria um importante articulador da saúde capaz de introduzir o Movimento da Reforma
Sanitária no aparelho do Estado, entendendo-o como um campo privilegiado de luta e
de conquista de poder para alcançar as transformações sociais necessárias, mas sem abrir
mão da construção de uma consciência sanitária. Veja, são duas apostas influenciadas
pela vertente mais eurocomunista, mas com estratégias que vão divergindo ao longo do
tempo e se tornando distantes. Uma inclusive ganha mais notoriedade, enquanto a outra
vai sendo esquecida ou pouco repetida.
Um ponto que desde já deixaremos sinalizado, mas que desenvolveremos mais à
frente, é que as opções de construção de bases de apoio em Sindicatos Médicos, Escolas
de Medicina e centros de estudos como prioridade, nos parece uma aposta ainda de
perspectiva muito tradicionalista, marcante do período e do contexto no qual se insere o
nascimento do Movimento da Reforma Sanitária, onde o Médico ainda é encarado como
principal agente de transformação do campo da saúde. Como mostramos no capítulo que
descreve o Movimento da Reforma Sanitária, as investidas no sentido de uma organização
mais conjunta aos movimentos sociais e com os outros profissionais de saúde aparecem,
mas não ganham força ou são apagadas e silenciadas nos discursos mais vocalizados da
literatura da saúde coletiva. Da mesma forma, pudemos perceber que na criação de bases
de apoio do “Partidão” no campo da saúde essa também parece não ter sido a escolha
prioritária.
136

7.2 TRAÇANDO CAMINHOS: O PCB E A CONDUÇÃO ESTRATÉGICA DO


MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA

Uma vez apresentada a criação de bases de apoio em espaços compreendidos


como estratégicos pelo PCB no campo da saúde, podemos verificar agora os caminhos
apontados e seguidos pelo Movimento da Reforma Sanitária. Como vimos, a constituição
dessas bases permitiu o desenvolvimento e a consolidação do Movimento pari passu à
disseminação das ideias do partido. Nessa trajetória foi se destacando e ganhando força
nos discursos a linha de atuação inspirada no eurocomunismo e nas ideias gramscianas,
que vão se refletindo nas produções acadêmicas e nas escolhas estratégicas de condução
da Reforma Sanitária brasileira. Ao acompanharmos os rumos deste percurso, lembramos
mais uma vez, que este não será um caminho único, retilíneo, sem percalços e
divergências. Na realidade, o que verificamos é que se trata de um trajeto marcado por
disputas internas, alianças e conciliações e, também, por algumas rupturas.

Ao utilizamos a palavra “caminhos” como alegoria para verificar a trajetória do


Movimento da Reforma Sanitária brasileira e a articulação do PCB, buscamos
propositalmente de início deixar em relevo um dos principais pontos de contato entre
estes dois agentes: a ideia de etapa. Se para o PCB a revolução burguesa e a transição
para a sociedade socialista se dariam a partir do cumprimento de etapas preparatórias de
forma pacífica e gradual, no Movimento da saúde essa máxima se refletiria na priorização
do fortalecimento da base democrática para que as reformas necessárias ao caminho do
socialismo pudessem ser implementadas e no papel do Estado como reorganizador do
setor saúde. Nesse sentido, a concepção de Reforma Sanitária no caso brasileiro
acompanha a ideia de guerra de posição e socialização da política, importantes
conceitos presentes na trajetória do PCB, sobretudo, a partir da contribuição da vertente
crítica trazida pelos renovadores e eurocomunistas no partido em meados dos anos 1970.
Relembrando rapidamente esses conceitos, a ideia de guerra de posição trazida
por Gramsci, sugere que em sociedades complexas, como as ocidentais, o método de luta
política mais indicado para o alcance de tomada do poder deverá se dar pela atividade
cultural e pela impregnação de ideias na sociedade pelas instituições civis – que também
fazem parte do Estado Ampliado – com o objetivo de alcançar a democracia progressiva
e a socialização política (COUTINHO, 1979). Por sua vez, a socialização da política, seria
o processo de socialização não só dos meios de produção, mas também a disputa do
Estado como forma de socialização dos meios de governar articulando a democracia
137

representativa com forma de democracia direta (COUTINHO, 1979; GALLO;


NASCIMENTO, 1989).
De acordo com Oliveira (1987), a guerra de posição e, em seguida a democracia
progressiva, apontam de forma conjunta a necessidade de promover uma ação política e
ideológica (moral, cultural) ampla, que inclua os problemas ligados à "quebra" do
aparelho de Estado e o processo de luta pela hegemonia nesses aparelhos, tanto públicos
quanto privados. A “quebra do Estado” estaria intimamente ligada à ideia de promoção
de modificações estruturais em características básicas e específicas do Estado capitalista,
que diferentemente da estratégia social-democrata, propiciasse a ruptura com a estrutura
anterior. Nesse sentido, a ocupação do aparelho de Estado pelos atores e por partidos
heterodoxos como via para a transição para o socialismo, só cumprirá seu objetivo se essa
inserção deixar de reproduzir as condições gerais de produção capitalista e de sua
“natureza de classe” (OLIVEIRA, 1987).

7.2.1 Aparelhamento institucional: um percurso por dentro do Estado

Na saúde isso se representaria pela escolha de construção da Reforma Sanitária e


de construção da política de saúde por dentro do Estado, através do ingresso de atores
chaves nos espaços burocráticos. De acordo com estudo recente que analisa as
narrativas da estratégia de condução do Movimento (CARNUT; MENDES; MARQUES,
2019), um primeiro esboço da defesa por essa vertente pode ser verificada na Tese de
Arouca (AROUCA, 1975) onde o autor concebe a possibilidade do Estado Democrático
como um rearticulador do setor de saúde. Ao se tornar um nome de liderança no
Movimento da saúde e ter contribuído para a confecção do arcabouço jurídico-
institucional do SUS, a sua aposta pelo Estado naquele momento, conjuntamente à luta
política pela redemocratização do país, acrescenta um peso à escolha estratégica de
ocupação dos espaços do aparelho do Estado.

De acordo com a narrativa de Escorel (1999), a estratégia de “ocupação dos


espaços” viabilizou propostas de transformação do Movimento da Reforma Sanitária
constituindo-o como força contra-hegemônica nas instituições setoriais. Essa ocupação
se deu no período de reabertura democrática
Quando o Governo lança mão das questões sociais para
conquistar sua legitimação na sociedade, cria espaços na máquina
estatal que não são ocupados por intelectuais orgânicos ao
sistema. O próprio processo de ‘modernização administrativa’,
138

tão apregoado pelos militares, também funcionou como canal


para a entrada de um pensamento progressista no aparelho de
Estado (ESCOREL, 1999, p.186).

A ocupação desses espaços por atores do campo progressista possibilitou, segundo


a autora a criação de ‘anéis burocráticos”149 invertidos, cuja finalidade era a utilização do
poder administrativo e técnico que detinham para o fortalecimento da sociedade civil e
dos movimentos populares (ESCOREL, 1999).
Um outra função interessante que emerge nas narrativas acerca da estratégia de
condução da Reforma, é que o processo de institucionalização de quadros do Movimento
também ajudou a proteger quadros no campo da saúde durante o regime militar, para que
os mesmos continuassem atuando sem a necessidade de serem exilados ou perseguidos
pelos aparelhos de repressão ainda existentes. Segundo Sônia Fleury (em entrevista
realizada em 2017), havia um acordo tácito entre os atores do Movimento da Reforma
Sanitária de que aqueles que tinham cargo no Estado iriam assegurar o trabalho dos
demais para que não precisassem ir embora do Brasil. Na sua visão esta tática foi essencial
para “preparar o terreno”, ou seja, para ir construindo uma base tanto de reorganização
dos serviços de saúde com a criação do SUDS, como a introdução de princípios que mais
tarde se tornariam fundantes do SUS: a descentralização e a universalização.
Nós assumimos os ônus e os bônus de ocupar espaços no Estado.
Um desses espaços era a Previdência. Por ali passaram o Hésio
[Cordeiro], o Saraiva [Felippe]150, o Eleutério [Rodriguez], o
[José Gomes] Temporão, a Ana Tereza [Camargo]151 o [José
Carvalho de] Noronha. (...) Esse grupo ocupa um espaço e faz
coisas que eu considero absolutamente estratégicas para a
Reforma Sanitária. Eles introduzem uma cunha dentro do sistema
e, na hora da crise, em vez de racionalizar, eles promovem um
aumento da produção. Ao fazerem isso, chegam ao SUDS
[Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde], à
descentralização e, ao mesmo tempo, enfrentam a questão de se
tratarem de maneiras diferentes os previdenciários e os não-
previdenciários. Então, começa a universalização e começa a
descentralização. Acho que essa ideia era estratégica (Sonia
Fleury em entrevista realizada em 2017).

Seriam, portanto, desdobramentos deste processo de institucionalização de atores


progressistas no Estado as iniciativas a seguir: a Autorização de Internação Hospitalar

149
Os anéis burocráticos, de acordo com Cardoso (1993), “constituem um mecanismo pelo qual
implicitamente se define que a administração é supletiva aos interesses privatistas, e esses fluem em suas
relações com o Estado, através de teias de cumplicidade pessoais” (p. 99).
150
Ver em Apêndice 2.
151
Ver em Apêndice 2.
139

(AIH)152, as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o Sistema Unificado e Descentralizado


de Saúde (SUDS). Segundo Cohn (1989), essas iniciativas institucionais puderam
fortalecer o setor público pela via de alterações de seus quadros, sendo as primeiras
mudanças na “engenharia institucional” do setor estatal da saúde, pontos centrais para o
Movimento da Reforma sanitária e fundamentais para a constituição do SUS mais
adiante.
Um dado importante no reconhecimento desta discussão é que o posicionamento
predominante no Movimento da saúde pelo aparelhamento do Estado, pode ser
compreendido tanto como uma expressão da concepção Gramsciana de Estado Ampliado,
influência da linha eurocomunista de uma organização mais horizontalizada, quanto uma
concepção influenciada pelas correntes Leninistas, mais “centralista”, de tomada do
poder estatal.153 É também uma inspiração da tática adotada pelo PCI na Itália alicerçada
na ideia de guerra de posição e socialização da política, destacando mais uma vez a
importante aproximação de atores do partido italiano com o Movimento da saúde
brasileiro. No entanto, esse será justamente um dos focos de crítica – desde a década de
1980 – e de divergências entre atores dentro Movimento da Reforma Sanitária brasileira,
já que são singulares e distintas as condições de possibilidades para a implementação em
cada país.
Primeiro, porque de acordo com Oliveira (1987), na experiência italiana o
processo de Reforma ocorreu “de fora para dentro” em relação ao aparelho do Estado, ou
“debaixo para cima”, o que significa que a sua constituição se deu a partir da
(...) aglutinação progressiva de diferentes movimentos sociais que
já vinham exercendo uma crescente pressão sobre o aparelho do
Estado, relativa a diversos temas vinculados à questão da saúde.
Pressão esta que, com o tempo no entanto, e ao longo deste
processo, foi superando os limites e as barreiras das diferentes
reivindicações de caráter corporativo que a compunham
(vinculadas aos interesses específicos dos diferentes movimentos
sociais aí envolvidos), para articular-se em torno de uma
proposição generalizadora: a ideia da "Reforma Sanitária"
(OLIVEIRA, 1987, p.364).

Além disso, no caso italiano, a ideia de Reforma Sanitária era concebida – ao


menos na perspectiva inicial do PCI – enquanto parte de um processo de transição maior,

152
A Autorização de Internação Hospitalar (AIH) possibilitou a informatização do controle das internações
e o controle gerencial de pagamentos das contas hospitalares para o setor privado (BRASIL, 2006).
153
De acordo com Eduardo Levcovitz em depoimento, o “aparelhamento” do Estado foi a estratégia
assumida por todo o partido e amplo leque de aliados e simpatizantes.
140

de mais longo prazo e alcance, de transição para o socialismo. Assim, desde o início, foi
pensada como uma estratégia contra hegemônica adquirindo fundamental importância
para a noção de democratização do Estado e de consciência sanitária (OLIVEIRA, 1987).
No Brasil, embora o discurso sobre a escolha estratégica se assente sobre as
mesmas premissas, o movimento que reivindicava a Reforma Sanitária desenvolvia-se,
majoritariamente, "de dentro para fora", ou "de cima para baixo", através da atuação de
um conjunto de técnicos que tinham intenções progressistas e que passaram a ocupar os
postos e posições significativas no interior do aparelho do Estado na saúde. Portanto, a
transformações internas no aparelho do Estado sem uma efetiva problematização e
enfrentamento de mudanças estruturais exigidas à uma “quebra” do Estado não seria
apenas uma redução dos conceitos gramscianos de guerra de posição e da busca pela
democracia progressiva (OLIVEIRA, 1987).
Outros autores seguirão nesta mesma direção crítica à estratégia de Reforma
Sanitária brasileira devido a aposta na institucionalização de seus quadros. Amélia Cohn
(1989) é uma dentre estes autores, e também destaca a diferença existente entre a
experiência vivida na Itália daquela que se buscava consumar no Brasil. O entendimento
de que o Estado seria um espaço de disputa dos diferentes interesses políticos e projetos
institucionais, ou seja, um palco de luta, não levando em conta a tradição político-
clientelística presente no Estado brasileiro, seria o primeiro ponto de vulnerabilidade ao
alcance dos objetivos esperados, pois nessa relação prevaleceria a "lógica da barganha".
Um segundo ponto de crítica é que, para Cohn (1989), a condução pela via da
institucionalização havia sido uma indução de lideranças partidárias do PCB – mesmo
que não explicitamente – que enxergavam na experiência italiana um modelo a ser
seguido. Embora ambas propostas tenham logrado a incorporação das demandas sociais
pelo Estado, no caso italiano, apesar da forte participação do PCI, o movimento teve sua
origem nos trabalhadores que fortaleciam suas bases pari passu ao processo de ocupação
dos espaços institucionais. Na experiência brasileira, a ocupação dos espaços burocráticos
por técnicos do setor saúde foi ancorada na narrativa de uma base social ainda incipiente
e desarticulada, devido ao período de repressão ditatorial - narrativa esta controversa entre
os atores do próprio Movimento conforme apresentada em capítulo anterior. Nesse
sentido, as proposições de medidas e os projetos institucionais alternativos, tais como
PIASS e as propostas de reformulação da organização dos serviços - AIS e SUDS terão
origem a partir de um corpo técnico burocrático, revelando assim uma das fragilidades
do Movimento que é justamente o seu não enraizamento social (COHN, 1989).
141

Na perspectiva de Oliveira (1987), o movimento de aparelhamento do Estado


poderia representar uma resistência concreta ao Estado capitalista se, em contrapartida, a
“guerra de movimento”154 por fora do aparelho do Estado, por meio de uma militância
articulada com outras frentes setoriais, garantisse uma unidade de luta política suficiente
para uma reformulação das bases do Estado conduzindo à uma ‘democracia progressiva’.
Por enfrentamento compreendia-se as ações que considerassem o Estado em sua
perspectiva ampliada, destituindo-se os elementos concretos, tais como as formas
privadas de prestação à saúde, representações sociais sobre a Saúde Pública e a
mercantilização do trabalho em saúde, a fim de angariar forças sociais em direção à
quebra do Estado (CARNUT; MENDES; MARQUES, 2019).
O que se evidencia, no entanto, é a crescente proposição de ações e medidas
predominantemente no Executivo imprimindo um caráter cada vez mais reformista ao
caminho trilhado pelo Movimento (COHN, 1989). Essas diferentes concepções de
Reforma em disputa tornam-se ainda mais claras a partir das discussões em torno da VIII
CNS, embora a literatura “clássica” da Saúde Coletiva e suas narrativas a descrevam
como marco do Movimento da Reforma Sanitária brasileira pela capacidade de
aglutinação de atores e entidades em torno da questão da saúde e pelo consenso de suas
propostas. De acordo com depoimento de Merhy (em entrevista realizada em 2019), a
discussão sobre o processo de institucionalização emerge com força nesta Conferência e
vai dividir o Movimento em dois grupos, um que pactua com o que ele denomina de uma
“democracia controlada” e outro que apostava em uma Conferência mais autônoma com
livre representação155. O primeiro alinhado com as ideias do “Partidão” no sentido de
indução ao processo de institucionalização do Movimento da saúde, vertente disseminada
pelos eurocomunistas com forte influência do grupo que trabalhava junto à Arouca, e o
segundo mais vinculado aos movimentos sociais, apoiado por David Capistrano que,
como vimos, embora tenha sido uma liderança importante no PCB, conduzia seu trabalho
de forma muito próxima às organizações locais e populares. Segue trecho em que
Emerson Merhy descreve esse momento:

154
Tal como elucidado no quinto capítulo deste estudo como um conceito basilar à estratégia da vertente
de “renovadores” do PCB.
155
A definição do número de delegados destinadas aos movimentos populares e à questão da
proporcionalidade de representantes, de fato, foi um nó crítico da VIII CNS. Foi realizada uma plenária
extraordinária para a discussão durante a Conferência. Ver a discussão e depoimentos de participantes da
VIII CNS sobre o tema em: https://www.youtube.com/watch?v=NlmS-mCSmeo&feature=youtu.be
142

A oitava vai dividir um pouco a gente, mas o caminhar vai


levando pra isso. Porque a nossa concepção de Reforma Sanitária
vai diferenciando um pouco. Por exemplo, nós vamos discutir
quem vai participar da Oitava [CNS]. Os grupos não organizados
ou não pactuados com uma democracia controlada, porque tem
um pacto nacional pra se produzir uma democracia controlada.
Então os grupos não pactuados com isso – que éramos nós do
movimento social e de alguns partidos trotskistas, que eu também
não pertencia – a gente vai defender uma Oitava autônoma com a
livre representação. E eles vão defender uma oitava
institucionalizada e absolutamente com uma representação
amarrada. Então nós vamos ter 50 vagas em 5.000...pra você ter
uma ideia. Então muito de nós vai, “infiltrativamente”, mas não
como representação. (....) Então essa questão é uma questão
interessante de observar, ela já vinha de antes. Porque era um
pouco essa diferença clara entre eu, Eduardo Jorge, David
Capistrano e o grupo do PCB. Nós éramos totalmente vinculados
ao movimento. Pra nós o que interessava era fabricar conselhos
locais de saúde, fazer manifestações, atos exigindo organização
dos serviços, organização local, popular e local. E nós
defendíamos isso, e estávamos nos bairros fazendo isso, tá certo?
(Depoimento de Emerson Merhy em entrevista realizada em
2019).

Uma demonstração deste tensionamento na VIII CNS é ilustrada pelo dilema a


respeito do caminho de unificação do sistema de saúde, tema que se torna central na
Conferência – apresentada brevemente no quarto capítulo – onde uma vertente defendia
a unificação pela base do sistema de saúde através do processo de descentralização e
regionalização por “baixo” a outra optava pelo processo pelo “alto” por meio da
unificação do INAMPS (FARIA, 1997). Segundo depoimento de Sônia Fleury (em
entrevista realizada em 2017), neste momento há um “racha” entre o grupo liderado por
Arouca – já como presidente da Fiocruz – muito mais próximo ao projeto de unificação
do Ministério da Saúde com a Previdência, e o grupo do INAMPS, liderado por Hésio
Cordeiro, com o projeto de descentralização pelo SUDS. Nesse período,
(...) ficou claro que havia dois projetos, que talvez existam até
hoje, na cabeça das pessoas... alguns achavam que o Ministério
da Saúde era extremamente débil para promover a unificação, que
a descentralização via INAMPS era a melhor saída para a saúde,
que era manter o SUDS/SUS... na minha cabeça, era isso,
segundo o Hésio [Cordeiro], não era isso... eram, pelo menos,
estratégias diferentes para chegar a universalização. Nós
ganhamos na constituinte, mas essa tensão era muito grande
(Sonia Fleury em entrevista realizada em 2017).
143

Veja, embora se localize aqui uma disputa em torno da estratégia de condução da


política nacional de saúde a ser construída com a redemocratização e a aproximação da
Assembleia Constituinte, o que gostaríamos de salientar é que o tema central da
Conferência e das discussões subsequentes passam a girar em torno dos processos por
dentro do aparelho do Estado e pela via institucional, seja pelo “alto ou por “baixo”, mas
já afastados das proposições dos movimentos populares e locais.
Corroborando com o depoimento apresentado por Merhy, Lacaz (2011) aponta
que logo após a VIII CNS, durante o período de implantação da Comissão da Reforma
Sanitária (CNRS), cujo objetivo era organizar as propostas da saúde para a Assembleia
Constituinte, a priorização da ação por dentro do Estado já se apresentava como uma
questão incomoda para alguns militantes da saúde e do próprio PCB.
Tratava-se de definir o que priorizar naquele momento histórico:
a ação por dentro do Estado ou aquela que tinha como prioridade
a ação política junto ao movimento social de massa no sentido de
arregimentar força política ao nível da sociedade organizada. E,
aí, outra divergência aparece, quando setores partidários de
cunho reformista priorizam a ação por dentro do Aparelho de
Estado e setores de cunho revolucionário apontam que tal postura
é equivocada e postulam a prioridade (LACAZ, 2011).

Da mesma forma, durante o processo da Constituinte156 o Movimento da Reforma


Sanitária brasileira expressou-se pelo peso do nome de seus membros, das trajetórias e
vínculos destes com o poder executivo federal do que propriamente pela força e pressão
das bases sociais (RADIS, 2008).
Paim (2008), um importante ator e teórico do Movimento da saúde reconhece em
seu estudo da década de 2000 que as condições concretas em que se pretendeu implantar
a Reforma “reduziram a sua práxis a uma reforma parcial setorial, ilustrando algumas
das consequências da Revolução passiva” (p. 300). O autor afirma ainda que, embora
avanços tenham sido possíveis com a construção da política nacional de saúde que se
desdobrou no SUS, o que se desenvolveu no Brasil foi uma reforma parcial de natureza
setorial e institucional.
Nessa mesma perspectiva, Fleury (2018) em estudo recente também revê a
estratégia empreendida pelo Movimento e reconhece as suas principais fragilidades e
lacunas. A autora, que era atuante no grupo que defendia a proposta de

156
O Congresso Nacional, eleito com base na popularidade lograda pelos efeitos imediatos do Plano
Cruzado, transformara-se em Constituinte. ‘’No interior dessa Constituinte Congressual predominava a
posição de centro-direita. (RADIS, 2008)
144

institucionalização do Movimento no aparelho estatal, argumenta que a utilização dos


instrumentos institucionais tinha a finalidade de propiciar o aumento da organização
tanto técnica quanto política necessária para o avanço do projeto de Reforma Sanitária
almejada. Seguindo a linha de pensamento do modo de atuação do “Partidão”, seria essa
a alternativa para a criação de mecanismos capazes de alterar, gradualmente e de forma
crescente, o modo de organização institucional do setor saúde, na direção de um sistema
público mais racional, eficiente e democrático. Mas Fleury (2018) admite que
Essa é claramente uma posição reformista, que parte do
reconhecimento da falta de uma correlação de forças favoráveis
à promoção de rupturas mais profunda do que a instauração da
lógica dos direitos como forma de disciplinamento do conflito
distributivo. Tal proposta não foi assimilada pelas elites políticas
e econômicas brasileiras, pois representava uma ruptura com o
padrão de dominação vigente. Nesse sentido, a história recente
reafirma o caráter radical da transformação proposta, embora
muitas vezes se tenha descuidado de atentar para o fato de que
estar no governo não é ser poder, já que governo se refere às
instituições; e poder, a correlação de forças na sociedade
(FLEURY, 2018, p.34).

Segundo ela, a suposição da incapacidade de transformação das relações de poder


levou o grupo à defesa da chamada “dialética do possível”, ou seja, a ocupação dos
espaços institucionais como uma decorrência natural do processo de transformação
setorial a fim de alcançar a uma democracia social baseada na concepção do cidadão
como sujeito de direitos, “desconhecendo que este sujeito está imerso em uma sociedade
de classes, na qual o pacto de dominação busca perpetuar sua subordinação a essas
mesmas instituições.” (FLEURY, 2018, p.34).
Hoje, decorridos mais de trinta anos do processo de construção da política
nacional de saúde e de construção do SUS, e nos arriscando a lançar uma lente mais
ampliada nas análises sobre a complexidade da estruturação da sociedade brasileira e
suas desigualdades, acrescentaríamos não apenas a categoria classe, mas também demais
categorias como raça e gênero, que como veremos mais adiante, são também
determinantes socias da saúde que acabaram sendo invisibilizadas em meio à discussão
em torno na universalidade. Segundo Faustino (2017), a concepção de direito à saúde
que será predominante ao longo do século XX, e estará contida no ideário do Movimento
da Reforma Sanitária brasileira, será aquela vista em termos de igualdade não apenas
jurídica, mas política e econômica. Contudo, a preocupação com a pobreza e a
145

desigualdade social assumirá importância central, enquanto as reivindicações identitárias


apenas ganharão espaço no cenário público mais a frente.
Amélia Conh (1989) já sinalizava na década de 1980, que a priorização da
construção de uma “engenharia institucional” para saúde, em detrimento de uma
institucionalização efetiva da participação popular e representação política, traria à tona
a dimensão da Reforma enquanto luta ideológica, mas significaria um enfraquecimento
do enraizamento das demandas por saúde. Demandas estas que abrangiam além da oferta
de assistência de serviços de saúde e de um novo modelo de atenção à saúde, exigiam
uma mudança no próprio estilo patrimonialista do Estado brasileiro e da cultura política
do país.
De acordo com a análise de Carnut, Mendes e Marques (2019), a aposta do
Movimento pela tecnicalidade da gestão do SUS foi prioridade – mesmo reconhecendo
que não há separação absoluta entre ‘o político’ e ‘o técnico’ em quaisquer processos
gerenciais – e hoje ela é refletida pela percepção de dois movimentos presentes no SUS:
De um lado, presencia-se um SUS cada vez mais distante de seu
caráter emancipatório – ‘civilizatório’ e ‘socialista’ – que o
formou; de outro, destaca-se uma retórica da Reforma Sanitária
bastante afastada nos propósitos políticos que tem conseguido
formular, reforçada por debates técnico-administrativos
(CARNUT; MENDES; MARQUES, 2019).

7.2.2 Construção narrativa do suprapartidarismo: “Da unidade vai nascer


a novidade”?

Outro ponto de contato identificado entre o Movimento da Reforma Sanitária


brasileira e o PCB refere-se a escolha pela formação de frentes amplas de atuação. Ao
retomarmos a história do partido, podemos verificar que este modo de operar não visava
apenas centralizar e unificar os diferentes atores em prol do fortalecimento das ideias ou
estratégias do “Partidão”, mas também significava uma tática de proteção e de ocultação
da identidade dos núcleos duros do PCB diante do contexto repressivo da ditadura. Essa
característica do modo de fazer política do PCB se entrecruza na história do Movimento
da saúde não apenas no momento de criação de bases de apoio do “Partidão” no campo
da saúde – como sinalizado anteriormente –, mas também em seu processo de
desenvolvimento e no avanço de estratégias para a realização da pretendida Reforma
Sanitária.
146

Um elemento que nos ajuda a compreender este ponto de contato presente no


processo de desenvolvimento do Movimento da saúde é ilustrado pela ideia do chamado
“Partido Sanitário”. Já sabemos que este termo emerge como um apelido informal para
designar um grupo específico da saúde alinhado ao PCB e que sua nomenclatura passa a
ser incorporada no discurso de alguns atores como uma alusão ao caráter suprapartidário
e policlassista do Movimento e à ausência dos partidos políticos, de forma explícita, em
sua base de apoio. Essa nomenclatura, embora seja frequentemente utilizada nas
narrativas, por vezes diverge entre os interlocutores quanto ao seu propósito, natureza e
pertinência, não se apresentando, portanto, como um enunciado único.
Merhy (s/data), através da leitura do Movimento da Reforma Sanitária pela
vertente de São Paulo, por exemplo, vai de encontro às narrativas que apontam o “Partido
Sanitário” como núcleo pioneiro na proposição de ações e como principal articulador no
campo da saúde durante os anos 1970 e 1980. Em seu depoimento elucida justamente o
contrário: que o Movimento emerge como uma produção coletiva e com múltiplos atores
e não de um grupo suprapartidário.
Lembro, como hoje, que todos estavam em sintonia com essa
ideia e seria loucura qualquer imagem que alguns ainda fazem de
que essa produção teve um inventor ou um grupo partidário
exclusivo por trás dela. Foi evidentemente uma produção coletiva
em comum, sem heróis e autores específicos. No máximo, tinha
em nós animadores e nos grupos organizados forças a favor. Mas,
era um acontecimento que fugia do controle (MERHY, s/data).

Por sua vez, na literatura “clássica” o “Partido Sanitário” é geralmente associado


ao grupo de militantes do PCB no CEBES. Segundo depoimento de Sônia Fleury em
entrevista no ano de 2018 (VIEIRA-DA-SILVA, 2018), o próprio processo de criação do
centro de estudos significou o primeiro processo de institucionalização do Movimento da
Reforma Sanitária e representou a constituição do “Partido Sanitário”. A autora, será uma
dentre outros autores que incorporaram a narrativa da existência de um “Partido
Sanitário” na composição do Movimento da saúde. Segue trecho a esse respeito:
(...) nesse sentido, a institucionalização do movimento sanitário
através da criação do Cebes, alcançando assim constituir-se em
um verdadeiro “Partido Sanitário”, foi capaz de organizar as
diferentes visões críticas do Sistema de Saúde, definindo um
projeto comum e estratégias e táticas de ação coletiva. O Cebes
representou a possibilidade de uma estrutura institucional para o
triedro que caracterizou a Reforma Sanitária (VIERA-DA-
SILVA, 2018, p. 112).
147

Nessa leitura, o “Partido Sanitário” atuaria como um braço do Movimento fora


das instituições, promovendo as articulações necessárias para o seu avanço. Muito deste
modo de articulação e de fazer política teria sofrido influência direta do PCB e de sua
organicidade e capacidade de aglutinação de forças, sendo um aprendizado fundamental
para que o Movimento da saúde ganhasse força e espaço. Segundo Fleury, em entrevista:
A experiência, a ligação dessa reforma com o Partido Comunista,
eu faço muita questão de sobressaltar, porque acho que é pouco
ressaltada e eu penso que a experiência de solidariedade, de
organicidade do partido, ela foi fundamental. Sem isso, esse
negócio não tinha dado certo, porque tinha que saber fazer
política, e o partido sabia fazer. Então, acho que isso foi
fundamental. Acho que foi fundamental, por exemplo, o papel de
liderança do Arouca para nos congregar e a experiência do partido
para dar organicidade a tudo isso. (....) Mas, além disso, tinha o
movimento, o “Partido Sanitário” que tem aquele conjunto de
reuniões que atravessou essas décadas todas. A primeira reunião
[do “Partido Sanitário”] foi na casa do Arouca. No dia seguinte
foi na minha casa, porque não podia ter dois dias na mesma. (...)
Essa primeira reunião foi convocada pelo Arouca com o propósito
de discutir o que nós íamos fazer, tendo em vista que a ditadura
estava apertando [o cerco] (VIERA-DA-SILVA, 2018, p.113).

De fato, se retornarmos à apresentação das principais estratégias empreendidas


pelo partido identificaremos duas observações realizadas por Coutinho (1979) –
importante pensador do “Partidão” da vertente dos chamados renovadores e
eurocomunistas – que se enquadram perfeitamente na manutenção da defesa da
unificação política. A primeira delas, fala sobre a questão da chamada batalha pela
unidade, ou seja, uma unidade na diversidade, como um objetivo tático imediato na luta
pelo fim do regime ditatorial e um objetivo estratégico para o alcance da democracia
progressiva. A segunda seria uma crítica ao pluralismo dos diferentes sujeitos coletivos
que, diante da ausência de um processo de unificação política mediado por organismos
representativos de âmbito nacional, poderia se degenerar em forma de corporativismo.
Portanto, podemos inferir que o termo “Partido Sanitário” tinha o intuito de
garantir a imagem de centralidade e unicidade do Movimento, palavras-chaves
intimamente ligadas ao modo de operar do PCB e à estratégia de formação de frentes
amplas. A necessidade de “costurar” os tensionamentos existentes era compreendida
como uma tática necessária naquele momento para a continuidade dos avanços do
Movimento, como demonstra a fala a seguir:
Nessa reunião [do “Partido Sanitário”] o Arouca dizia: “Vamos
ficar com o projeto, nós temos o projeto da Reforma”. Então
148

alguém levanta a mão e pergunta: “Qual é o projeto?”. Dissemos:


“Não, não vamos discutir se não a gente ‘racha’ de novo” [risos].
Ou seja: tinha que costurar algumas saídas. Essa liderança, tanto
do Hésio quanto do Arouca, eram cruciais para essas costuras, por
mais tensões institucionais que tivessem (Sonia Fleury em
entrevista realizada em 2017).

No entanto, embora seja reconhecida a influência direta do PCB no Movimento


da Reforma Sanitária, sobretudo da linha atuação que se apoio em ideias Gramscianas e
em uma organização mais horizontalista, é curioso notar que a alcunha de “Partido
Sanitário” não faz parte de um direcionamento ou instrução do partido, mas sim uma
nomenclatura que emerge no próprio campo da saúde e que acaba sendo incorporado em
discursos específicos. Em entrevista realizada em 2019, Álvaro Nascimento chama
atenção para o fato de que no próprio PCB não era recorrente o uso dessa nomenclatura.
O “Partido Sanitário” seria do PCB da saúde. Aí é mais partido
ainda. Sempre me incomodou. Nunca me identifiquei com o
“Partido Sanitário” e me incomodava esse negócio do “Partido
Sanitário”. Entendeu? Justamente porque partia. Movimento
sempre achei muito mais simpático. Movimento dos direitos
humanos. Movimento sanitário. O Movimento de cidadania.
Porque era uma realidade aonde você ia para o gueto muito
facilmente. Você escorregava num termo, pronto, estava sozinho.
(....) E engraçado porque o PCB não tinha isso. O PCB era um
partido que pugnava pela amplitude do movimento. Eu acho que
tinha mais gente fora do PCB que usava essa sigla do “Partido
Sanitário” do que o PCB. Eu nunca vi isso na boca do Arouca, na
boca do Ary [Miranda] e tal. Ele resistia a isso também
(Depoimento de Álvaro Nascimento em entrevista realizada em
2019).

Logo, para alguns atores participantes do Movimento da saúde, a ideia de “Partido


Sanitário” era controversa por tentar aglutinar forças e reforçar o caráter suprapartidário
e policlassista das ações e propostas, mas acabar gerando o efeito reverso de encapsular
as discussões no setor saúde. Álvaro Nascimento, que participava na base de
jornalistas157 militantes do partido, em entrevista realizada em 2019, detalha que não
havia uma integração entre as diferentes bases de categorias profissionais no “Partidão”
e que a discussão sobre a Reforma Sanitária ficava mais restrita aos seus pares, não sendo
trabalhada de forma mais ampla no próprio partido. Segue o relato abaixo:

157
Como detalhado em tópico anterior a respeito da criação de bases do PCB no campo da saúde, as bases
eram de apoio foram estabelecidas por categorias profissionais. Na saúde essas bases se desenvolveram
predominantemente na categoria médica. Álvaro Nascimento é jornalista e participava da base de apoio
desta categoria profissional. Se aproxima do campo da saúde ao trabalhar na Fiocruz na década de 1980,
mais especificamente a partir do ano de 1986.
149

Quem era ligado ao jornalismo não sabia do povo do PCB da


saúde. A Reforma Sanitária brasileira nem “cheirava” na base dos
jornalistas. Eles discutiam tudo no partido. As candidaturas, os
congressos, os programas a voz da unidade, nossa atuação como
jornalista, o controle da mídia. Essa é uma coisa interessante
porque nos documentos mesmo do PCB o que você ainda
consegue resgatar... Democracia. Não tem a Reforma Sanitária
ipsis litteris (Depoimento de Álvaro Nascimento em entrevista
realizada em 2019).

Porém, além do encapsulamento da discussão, a reprodução da narrativa da


existência de um “Partido Sanitário” nos discursos propiciou o apagamento e
silenciamento das discordâncias existentes em nome da sustentação de uma coesão
interna. E quando tornam-se nebulosas as diferenças internas, projetos alternativos em
disputa ofuscam-se e torna-se mais dificil a identificação das forças políticas em jogo e
dos atores sociais envolvidos na arena política (COHN, 1989). Durante o período da
redemocratização e de reorganização política para a preparação da nova Constituinte, a
ideia de “Partido Sanitário” não permite evidenciar, por exemplo, se os partidos políticos
eram favoráveis ou contrários à Reforma Sanitária e em que ponto convergiam ou
divergiam do projeto defendido. Amélia Cohn (1989) sinaliza, que mesmo no contexto
das campanhas eleitorais no final dos anos 1980, era interessante perceber que as
diferenças continuavam silenciadas no Movimento e completa afirmando que: “tem-se a
impressão de que o conflito é insuportável por colocar em risco o movimento, que, por
sua vez, enfrenta poderosos inimigos externos” (COHN, 1989, p. 132).
Como vimos ao longo dos capítulos, apesar de ser possível identificar – mesmo
que de forma pulverizada - alguns parlamentares e lideranças de partidos políticos
envolvidos na discussão da saúde e no processo de construção do SUS, a narrativa de
suprapartidarismo acabava carregando consigo uma conotação negativa e crítica do papel
dos partidos e de sua influência na construção de políticas de públicas. Gastão Wagner
em entrevista cedida a uma pesquisa sobre a participação dos partidos políticos na
Reforma Sanitária (JACOBINA, 2016), declara que, na sua percepção, o Movimento da
saúde tinha um projeto de política pública muito mais completo e mais radical do que a
maioria dos partidos. E completa:
Eu acho que os partidos não assumiram, os vários dirigentes que
nós tivemos, não assumiram essa radicalidade, que foi mantida no
Cebes, na ABRASCO, nos porta-vozes do movimento sanitário,
no Instituto de Saúde Coletiva da Bahia, pelo Jairnilson [Paim],
150

pelo Naomar [de Almeida Filho] 158, por mim, enfim, por um
conjunto de pessoas (JACOBINA, 2016, p. 106).

Haveria, portanto, uma descrença na capacidade dos partidos em absorver a


radicalidade da proposta da Reforma, na medida que sua proposta exigia uma
transformação ampla do Estado Brasileiro e da sociedade política e civil – pelo menos em
sua retórica. Por outro lado, entre os partidos de vertente marxista onde, segundo Jacobina
(2016), também haveria uma certa hesitação em declarar apoio explícito à Reforma, o
caráter suprapartidário do Movimento acaba tornando-se interessante à alguns dirigentes
partidários, no sentido de angariar apoio das massas em prol das bandeiras e lutas dos
partidos tais como a luta democrática, a convocação de uma nova Constituinte, entre
outras (JACOBINA, 2016). Até mesmo o PCB, partido mais influente e mais
embrenhado no Movimento através de seus militantes da saúde e de suas lideranças, não
vocalizava proposta semelhante como reivindicação do partido ou de suas campanhas de
maneira explicita, embora apoiasse a ocupação dos espaços institucionais e a criação de
projetos institucionais por atores contra hegemônicos como possibilidade de construção
de uma consciência sanitária (COHN, 1989). Tudo isso corrobora com a afirmação de
que o processo de construção de um projeto de sistema de saúde, de fato, “passou pelo
processo da Reforma Sanitária e os partidos tiveram muito pouca participação” (Ary
Miranda em entrevista realizada em 2019).
Contudo, em dois momentos investiu-se em uma aproximação mais efetiva entre
os partidos políticos e o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira. O primeiro ocorreu
no ano de 1979, com o I Simpósio da Câmara dos Deputados Sobre a Política Nacional
de Saúde, logo após o fim do bipartidarismo e a legalização de novos partidos. Nessa
oportunidade, algumas propostas159 da luta da Reforma Sanitária foram apresentadas para
o Congresso Nacional culminando na sensibilização de alguns deputados, sem, no
entanto, a adoção das propostas nas agendas dos partidos. Nele a questão da saúde aparece
alinhada à defesa da democracia e à uma reforma partidária completa, com o
estabelecimento da Nova Constituinte e das eleições diretas. De acordo com Escorel
(1999), este I Simpósio foi organizado pela Comissão de Saúde, cujos parlamentares
progressistas foram assessorados composto por alguns membros do Movimento da

158
Ver em Apêndice 2.
159
O já referido texto “A questão democrática na saúde” (CEBES, 1979) foi uma delas.
151

Reforma que estavam lotados em Brasília atuando no PIASS, no Programa de Preparação


Estratégica de Pessoal de Saúde (PREPS)160 e nos ministérios.
Por que o Simpósio foi importante? Porque levou para dentro do
Congresso Nacional e sensibilizou alguns deputados de alguns
partidos a essa luta da reforma sanitária. (...) Eu participei do
Simpósio, mas eu não participei diretamente da organização dele.
Mas isso é um dado importante, para você ver, que é onde você
tem um universo parlamentar, que é Congresso Nacional, em que
a questão da saúde é induzida como uma questão para ser
discutida na perspectiva da luta contra a ditadura e a perspectiva
de um novo sistema de saúde. (...) Você teve parlamentares
isolados de partidos que participaram desse processo sim.
Diferente dos partidos, no sentido de o partido ter colocado na sua
agenda, entendeu? Foi importante, porque ele abriu uma
discussão dentro do Congresso (Depoimento de Ary Miranda em
entrevista realizada em 2019).

O segundo momento de uma maior tentativa de aproximação entre os partidos


políticos institucionalizados e o Movimento da Reforma ocorre durante a construção da
Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e a tentativa de angariar avanços na pauta da
saúde a partir de lobbies de pressão popular (FARIA, 1997; RODRIGUEZ NETO, 2003).
Segundo Álvaro Nascimento (em entrevista realizada em 2019), este momento teria sido
o que ele chama de “ápice de uma aproximação lenta dos partidos” e que Sérgio Arouca,
então Presidente da Fiocruz, teve um grande papel como articulador neste cenário, ao
estabelecer conversas e discussões com os congressistas e constituintes 161, até ser
convidado a palestrar na ANC sobre o projeto da Reforma Sanitária em 1987.
Fomos estreitando, digamos assim, o discurso da Reforma
Sanitária para os partidos – aí eu posso falar porque eu participei
depois de 1986 – muito a partir do Radis162, da Constituinte e da
Fiocruz. Então, todos os constituintes recebiam o Radis e o
Boletim Fiocruz chegava em todos os gabinetes. E a gente elegia,

160
Acordo entre a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e o governo brasileiro, que tinha como
meta a formação de qualidade e em 'em massa' de pessoal técnico e auxiliar, ambos de nível médio, e de
pessoal de nível elementar, para cobrir as necessidades dos serviços de saúde, que resultasse no
fortalecimento do recém-criado Sistema Nacional de Saúde (1975). A formação foi concebida de forma
descentralizada, envolvendo serviços de saúde, instituições formadoras e prestadoras de serviços. Visava à
formação na unidade de atenção à saúde e a integração entre a docência e a assistência à saúde (MOTT,
2008).
161
Em depoimento Eduardo Levcovitz acrescenta que no INAMPS deputados, governadores, secretários e
prefeitos iam em busca de recursos e foram desenvolvidas várias táticas de envolvimento destes com o
projeto AIS_SUDS-SUS.
162
Revista Radis da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) tem origem em 1982,
quando o Programa Radis, começou a editar Súmula, Tema e Dados. Em 1987, lançou Proposta - O jornal
da Reforma Sanitária. Em 2002, a fusão destas publicações resultou na revista Radis, que desde a sua
criação tem como missão informar a população para a luta por saúde de qualidade e por uma sociedade
mais democrática.
152

digamos assim, as lideranças que tinham poder: desde Ulisses


Guimarães; Almir Gabriel163, Senador do PSDB do Pará, a
liberais como Mario Covas164, que tinha gente por trás dele e
buscava isso. Lobby. Nós fomos lobistas na Constituinte. Íamos
procurar fazer reuniões, explicar o que era a Reforma Sanitária. E
o Radis servia muito para este instrumento de você entregar
alguma coisa e marcar uma reunião depois para conversar sobre
isso (Depoimento de Álvaro Nascimento em entrevista realizada
em 2019).

Um ponto de tensão evidenciado na relação entre o Movimento da saúde e os


partidos políticos durante o processo da Constituinte refere-se a pauta da universalização.
Como um princípio, o tema da universalidade encampava as articulações com os partidos,
mas a sua operacionalização era grande fonte de tensionamento. Segue trecho de Álvaro
Nascimento à esse respeito:
Então, o contato com os partidos não era um negócio simples. O
convencimento sobre universalização, saúde como resultado nas
condições de vida era até um negócio mais fácil de passar porque
era uma utopia tão bonita. O que é o ideal? Ah é a saúde e
ninguém ficar doente. Como que ninguém fica doente? Ah tendo
um meio ambiente protegido, habitação digna, acesso a
saneamento básico, habitação popular de qualidade, salário,
acesso ao lazer. “Oh que coisa linda!” Ninguém consegue ser
contra. Então, esse ideário passava fácil pelos partidos. Agora
quando botou lá acesso ao serviço de forma universal. E as
clínicas privadas vão viver do que? E aí tinha briga porque
entrava o lobby privado. Então passar isso junto aos partidos e
alcançar a maioria Constituinte foi ... eu chorei no dia. No dia em
que passou, falamos: “Caraca. passou! (Depoimento de Álvaro
Nascimento em entrevista realizada em 2019).

A incorporação do artigo nº 196 na Nova Constituição Federal (BRASIL, 1988),


garantindo a saúde como um direito e dever do Estado, foi uma conquista do Movimento
da saúde sem precedentes, assim como a elaboração da Lei Orgânica da Saúde nº 8080.90
(BRASIL, 1990) posteriormente. Contudo, podemos inferir que a mobilização para
angariar forças e constituir alianças com os mais diversos atores em uma frente ampla,
priorizou a garantia da institucionalização dos atores e de suas propostas enfatizando a
elaboração e a garantia de leis – evidenciando mais uma vez um ponto de contato entre o
Movimento e o modo de fazer política do “Partidão” de outrora – sem a contrapartida de
fortalecimento das bases sociais. Nesse sentido, como bem reforça Álvaro Nascimento

163
Ver em Apêndice 3.
164
Ver em Apêndice 3.
153

(em entrevista realizada em 2019), o processo de inclusão das ideias da Reforma Sanitária
na legislação como fruto de um intenso processo de negociações, articulações e pressão
política, por si só não seria o suficiente para o seu cumprimento, sendo necessária a
continuidade de mobilizações para o desenvolvimento e consolidação do SUS.
Eram pessoas vinculadas a partidos que tinham um objetivo muito
claro. Fazer que o ideário da Reforma Sanitária se incorporasse
de alguma forma aos programas dos partidos. Mas
fundamentalmente, na produção de leis. Leis orgânicas
municipais, estaduais e na Constituinte. Era uma coisa que a gente
possa chamar talvez de utilitarista. Tipo assim, “Vamos garantir
na lei”. Não sei se seria uma inverdade dizer que nós priorizamos
só isso. O Movimento Sanitário cumpriu um papel importante
junto aos parlamentos, em vários municípios, em vários estados
na Constituinte, de pautar isso. Ainda do Arouca na Constituinte
tomar aquele espaço falar de Reforma Sanitária brasileira é um
ganho, óbvio. E o texto constitucional quando ele entra na questão
da saúde é avançadíssimo. A gente passou quase tudo. Isso foi um
resultado de força. Não foi panfletando o Radis. Foram horas,
dias, meses de labuta e reunião e convencimento (Depoimento de
Álvaro Nascimento em entrevista realizada em 2019).

É interessante trazer à tona ainda um cenário que aparentemente ia “correndo por


fora” da estratégia do aparelho do Estado e que emerge em algumas narrativas. Seria este
um momento de inflexão estratégica no campo de luta da saúde e, inevitavelmente para
alguns atores do Movimento, onde vai ganhando corpo o surgimento de um novo partido
no cenário político a partir de 1978: o Partido dos Trabalhadores (PT). Como já apontado,
o PT emerge no contexto de reabertura política como uma nova aposta dos movimentos
sociais, alinhado ao crescimento do novo sindicalismo com forte presença de setores da
Igreja (Movimento Eclesiais de Base), da classe média profissional e de intelectuais,
atraindo atores dos mais diversos campos. A perspectiva principal do partido era a
mobilização estratégica de massas, fincado na ideia de construção de uma democracia de
base popular com ampliação da participação dos movimentos e das massas nos processos
decisórios e nos espaços de deliberação (SECCO, 2011).
Quando vai aparecendo uma aliança anti-ditadura que costura
movimento social, movimento sindical autônomo por fora dos
partidos políticos, começa aparecer a discussão que vamos fundar
um partido de novo tipo. Só que o PT desenhado nesse período,
era ideia de um partido sem dirigente e sem quadros. Era um
“partido-movimento” que a gente concebe. Então o primeiro
desenho do PT que vai aparecer e que nós vamos construir até
1992, 1993, é um PT de movimento, é um PT sem dirigentes, é
um PT de ativistas. Um PT com uma mistura incrível:
154

intelectuais, profissionais, militantes de bairros, operários, donas


de casa. Era um PT vivo (Depoimento de Emerson Merhy em
entrevista realizada em 2019).

No campo da saúde a inciativa de criação do PT culminou na perda crescente de


hegemonia da influência do PCB e de seu modo de operar e fazer política no interior do
Movimento da Reforma Sanitária. Com isso a concepção de Reforma até então
predominante, vai abrindo espaço para uma outra direcionada para a formação de
coletivos, através da organização de poderes locais como gestão do Estado e construindo
a ideia de esferas de poder não estatais através dos movimentos sociais. Não à toa, as
primeiras experiências políticas do PT nos municípios são destacadas até hoje, como
exemplos de iniciativas positivas de gestão e participação popular no campo da saúde,
com a direção de nomes já conhecidos, como o próprio David Capistrano que na década
de 1980 se filiaria ao PT.
O que é curioso notar, é que parece ser justamente neste novo arranjo partidário
que se busca a radicalização de conceitos antes apresentados pelo PCB, como a
socialização da política, a luta de hegemonia e a incorporação permanente de novos
sujeitos e coletivos no processo de transformação da realidade (COUTINHO, 1979).
Conceitos Gramscianos trazidos pela vertente eurocomunista do “Partidão” que foram
incorporados no PT nesse primeiro momento de formação. Abaixo segue trecho de
entrevistado sobre as primeiras ações do recém-formado PT no campo da saúde:
O início do PT é um divisor de águas, porque a gente vinha
acumulando na luta da saúde, de diferentes maneiras, e aí nessa
fica mais claro o confronto entre o estilo PCB, PC do B e os outros
modelos. Vamos dizer que nós tínhamos uma postura
indisciplinada. Ou seja, a gente quer um partido? Pois é,
queremos. Mas não queremos que ninguém mande em ninguém.
Tudo tem que ser decidido em encontros amplos, que a gente
chamada de núcleos. Então a gente vai começar a organizar
núcleos de saúde do PT. Então eu ajudo a organizar núcleos de
saúde pelo Brasil afora. Mas não pra disputar partidariamente
lugares, mas pra ampliar os coletivos. Minha perspectiva sempre
foi de organizar coletivos nas redes, nos territórios, e nas vidas
reais e não dentro das organizações. Minha perspectiva, né? Então
nunca foi a de pegar o PT e falar assim: “agora o PT vai mandar
aqui no departamento”, ou dentro da faculdade. Apesar de ter
gente do PT que fazia isso (Depoimento de Emerson Merhy em
entrevista realizada em 2019).

Portanto, segundo Cohn (2018), dos anos 1970 até o final da década de 1980, a
estratégia política adotada foi a de ocupação do aparelho de Estado pelos atores
155

progressistas da saúde, a partir dos anos 1990 este cenário político se modifica e o eixo
central de promoção das mudanças e de reorganização do sistema de saúde passa a ser o
nível local, e mais especificamente os municípios.
Então a Reforma Sanitária pra nós adquire outra característica,
não é só fabricar a lei e garantir o cumprimento da lei. É de
fabricar outro cotidiano. Então, eu, por exemplo, sou o cara que
vai militar, que vai pegar toda energia, e que vai militar nas redes
com os trabalhadores de saúde com os movimentos sociais. Então
eu vou me envolver com o primeiro governo da [Luiza]
Erundina165 em São Paulo, vou me envolver com o primeiro
governo do PT em BH, vou participar e contribuir com o governo
de Campinas do David Capistrano e em Santos. Aí ela já não era
mais PCB. Já tinha saído e já tinha virado petista (Depoimento de
Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019).

De acordo com Guimarães e Santos (2019), apesar da inflexão no sentido de


condução estratégica da Reforma Sanitária a partir das experiências de municipalização
dos mandatos de partidos progressistas, o cenário do Congresso Nacional durante o
período democrático conservaria um perfil político predominantemente conversador, com
forte poder de indução de agenda e de veto. Segundo os autores, após as eleições de 1989,
o sistema de representação parlamentar mostrava que a dinâmica do poder político havia
se alterado em relação ao momento constituinte.
À época, Arouca se elegia deputado federal pela primeira vez,
pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao lado de mais dois
correligionários, marcando a última representação da legenda no
Congresso Nacional. Nas décadas seguintes, a contribuição do
partido para conservar viva a inteligência e a tradição do projeto
sanitarista original se manteria decisiva em núcleos da academia
e da gestão pública, sem, contudo, possuir uma base política que
lhe fosse orgânica (GUIMARÃES; SANTOS, 2019, p.226),

Somado a isso, os autores levantam ainda a hipótese de três fatos políticos – que
somados ao contexto de avanço de uma perspectiva neoliberal e de reformas
administrativas “antiestado” – podem ter atuado como vetores de força desagregadora nas
décadas em que seguiram a implementação do SUS. Fatos esses que envolvem a
conformação e atuação dos partidos progressistas, como por exemplo: o PMDB,
desidratando seus segmentos da centro-esquerda e caminhando
para a centro-direita; o Partido da Social Democracia Brasileiro
(PSDB), caminhando do centro-esquerda para um ponto de vista
programaticamente neoliberal; e o PT, desradicalizando o seu

165
Ver Apêndice 3.
156

diálogo com o programa sanitarista rumo a um crescente


pragmatismo em suas gestões (GUIMARÃES; SANTOS, 2019,
p.225).

Como observamos, é inegável que a escolha estratégica de coalisão e a ideia de


suprapartidarismo, possibilitou avanços para a construção da política nacional de saúde
no Brasil. A conquista de uma legislação que garante a saúde como direito do cidadão e
dever do Estado, a partir da Constituição de 1988 como parte do sistema de Seguridade
Social – mesmo diante de um contexto marcado por reformas e desmonte dos sistemas de
bem-estar social no âmbito internacional – merece o seu devido reconhecimento, o que é
destacado por autores que abordam a Reforma Sanitária (COHN, 2008; GUIMARAES;
SANTOS, 2019). Além disso, segundo Cohn (2008) duas grandes frentes de mobilização
do Movimento da saúde, destacam-se como fundamentais: uma de produção de
conhecimento e a elaboração de diagnósticos sobre as iniquidades da saúde brasileira,
numa perspectiva de instrumentalização da luta política; e uma segunda voltada para a
mobilização de setores organizados da sociedade em prol da democratização das saúde,
cujas lideranças tornaram-se posteriormente lideranças parlamentares militantes da área
da saúde.
No entanto, embora saibamos que estavam no centro da agenda política dos anos
1970 e 1980 uma discussão mais ampliada dos temas “universais”, na leitura de Dantas
(2017), o apagamento e silenciamentos de disputas e, consequentemente, das
pluralidades, nos debates da saúde em virtude de manutenção de uma estratégia de
coalisão e de frente ampla, prejudicaram a apreciação de projetos distintos para o setor
saúde junto à sociedade, enfraquecendo a discussão do próprio sentido de Reforma
Sanitária e sua radicalidade como projeto de transformação social. Da mesma forma, para
o autor, a estratégia de ocupação dos espaços institucionais por parte do Movimento, pôs
em segundo plano a construção sólida de uma unidade teórica e política, dificultando um
debate profundo sobre as opções táticas e estratégicas. Questões como a ocupação ou não
do aparelho de Estado, ou a manutenção ou não na luta setorial, aproximação ou não das
lutas populares, entre outras problemáticas nunca assumiram um peso estrutural para a
manutenção do próprio Movimento da saúde (DANTAS, 2017). Nessa perspectiva, seria
possível compreender esta estratégia como um certo aliancismo de classes em nome da
questão da saúde, que deveria estar acima das diferenças e tensionamentos evidenciados.
Para o autor:
157

(...) de um modo ou de outro o que há é uma secundarização do


jogo de forças entre as classes, que necessariamente está além dos
indivíduos. Há também a questão da unidade como valor
estratégico, mas não sabemos ainda a que custo (DANTAS, 2017,
p.199).

Nesse estudo, no entanto, gostaríamos de acrescentar à discussão novos elementos


para compreender os desdobramentos que o apagamento e silenciamento de propostas
alternativas ao Movimento da Reforma Sanitária “oficial” acarretou. É por essa razão que
no capítulo a seguir, além de apresentar um balanço dos entrecruzamentos até aqui
apresentados, também nos propomos identificar as lacunas do nosso objeto de estudo e a
olhá-las a partir da perspectiva dos processos de colonialidade engendrados no Estado e
na sociedade brasileira, buscando compreender os processos de redemocratização e o
papel dos movimentos sociais em países pertencentes ao Sul Global 166, como o Brasil
(SANTOS; AVRITZER, 2003), e de que forma isto atravessa o campo de construção de
políticas públicas (BALLESTRIN, 2013) como o da saúde.

166
De acordo com Santos (2018) conceito de Sul global se refere a um Sul geopolítico, ou seja, um conjunto
de países, de grupos sociais, de nações que têm estado sujeitos aos sistemas de opressão e de exclusão.
Refere-se ainda ao conjunto de movimentos, de ações coletivas de populações, que luta contra as formas
de opressão, exploração e discriminação.
158

8. RETOMANDO OS ENTRECRUZAMENTOS DE HISTÓRIAS ENTRE


MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA E PCB

Ao longo deste estudo procuramos contribuir para a discussão sobre as bases de


sustentação da política de saúde brasileira, trazendo à luz a questão da influência do PCB
na formação de bases do Movimento da Reforma Sanitária brasileira e na condução e
política e estratégica do processo de implementação do SUS. Ao analisarmos esse objeto
como uma construção social, primeiro o reconhecemos, para em seguida, desnaturalizá-
lo, colocando em suspenso os conceitos a ele atribuídos e identificando as formações
discursivas que embasam as narrativas que o sustentam (BAPTISTA; BORGES;
MATTA, 2015). Além disso, ao compreendê-lo como subproduto de uma matriz de
eventos foi igualmente importante averiguar as condições de possibilidade que
propiciaram a sua emergência (SPINK, 2010).

Encontramos assim uma construção narrativa em torno da participação dos


partidos políticos no Movimento da Reforma alinhado ao discurso de suprapartidarismo
e à ideia de “Partido Sanitário” que, quando dessacralizado, ou seja, colocado em
suspenso, desvela a participação do PCB como ponto crucial para análise. Assim, do
mergulho nas narrativas e nas distintas versões que compõem a realidade sobre essa
influência, conseguimos identificar pontos de contato ou entrecruzamentos de
histórias significativos entre Movimento da saúde e o “Partidão”.
O primeiro entrecruzamento é observado no momento de construção do próprio
Movimento da Reforma Sanitária e na formação de suas bases de apoio. Três espaços
foram elencados como pontos de partida: as Escolas e Faculdades de Medicina, os
Sindicatos da categoria Médica e o CEBES. Evidenciamos que, na visão do “Partidão”,
estes espaços seriam arenas estratégicas e possíveis para a discussão e o engendramento
da luta contra a ditadura e reconquista da democracia. Ao mesmo tempo em que se
levantavam questões pertinentes à renovação da formação médica, às péssimas condições
de vida da população e à precarização dos serviços de saúde do sistema de saúde vigente,
também iam se disseminando as ideias do partido através da atuação de seus militantes.
Aqui, embora ainda em fase embrionária, é interessante perceber que este investimento
do partido no campo da saúde se dá pela via institucional, uma escolha que também será
marcante na condução estratégica da implementação do SUS.
Outra característica relevante do modo de operar do PCB observado no momento
de formação de bases de apoio, refere-se à utilização da estratégia de frente ampla. Ou
159

seja, tanto nas Escolas e Faculdades médicas, através dos encontros estudantis; nos
sindicatos de médicos, com a proposta de uma frente intersindical ampla; quanto na
proposta de criação do CEBES, como um centro de estudos apartidário e plural;
verificamos a pretensão de imprimir um caráter de unicidade e centralidade as ações.
Uma justificativa para essa adoção deste traço, seria a tentativa de preservação da
identidade do núcleo duro de militantes do partido. Característica presente não apenas no
campo da saúde, mas em toda trajetória do “Partidão”, marcada pela opressão e violência
contra seus agentes.
Além disso, foi também observado como um entrecruzamento a reprodução das
disputas internas do PCB entre as vertentes prestistas e eurocomunistas na fase de
construção de base de apoio do Movimento da saúde. No espaço dos sindicatos médicos
ela é expressa pela disputa entre a condução via sindicatos profissionais (médicos)
defendida pelos eurocomunistas versus sindicatos intersindicais, defendidos pelos
prestistas. Já no CEBES, essa disputa é ilustrada pelo tensionamento entre membros da
direção do “Partidão” prestistas com a defesa de uma intervenção mais centralizada, e
voltada para os espaços de lutas tradicionais do campo da esquerda – tais como as
instituições, sindicatos, associações – em detrimento de uma aposta da vertente de
estratégia organizativa mais horizontalizada, que apoiada nas ideias de Gramsci,
defendiam o processo de revolução permanente através da ampliação da consciência
sanitária, da socialização da política, da ideia de Estado ampliado e na criação de
uma intelectualidade orgânica na saúde. Como vimos ao longo dos capítulos deste
estudo, esta última proposta que vai ganhando espaço e força, no desenvolvimento e
crescimento do CEBES que, por sua vez, tornara-se um grande núcleo de articulação do
Movimento da Reforma Sanitária a partir do processo de redemocratização.
Como condições de possibilidades para estes entrecruzamentos de histórias
observados identificamos, portanto, a conjuntura político-institucional imposta pela
ditadura civil-militar brasileira a partir de 1964, com a criação do sistema bipartidário no
Legislativo e a imposição da clandestinidade aos partidos de esquerda e progressistas,
impelindo-os a estabelecer interações alternativas junto aos movimentos sociais. No caso
do Movimento da Reforma Sanitária brasileira a vinculação com PCB se deu de forma
implícita, seja pela dupla inserção de militantes no “Partidão” e no campo da saúde, ou
subsumida na ideia do suprapartidarismo. No plano de interação com partidos na
legalidade, o Movimento da saúde buscou colaboração com o MDB, representante da
“oposição consentida”, através de alguns militantes da saúde e do PCB na tentativa de
160

viabilizar negociações e incluir pautas da saúde na agenda política. Somente depois, com
o período de reabertura democrática, realizou-se uma aproximação com os partidos
progressistas recém-constituídos.
Uma vez conformadas os núcleos de base de apoio do Movimento da saúde e com
o vislumbre da reconquista democrática, algumas estratégias de condução precisaram ser
traçadas para a construção de uma política nacional de saúde alinhada às propostas da
Reforma Sanitária. É nessa segunda fase, que um outro ponto de contato entre “Partidão”
e Movimento da saúde é evidenciado e refere-se a ideia de etapa. O cumprimento de
etapas preparatórias para o alcance da revolução burguesa e transição para o socialismo é
um conceito fundamental das estratégias defendidas pelo PCB ao longo de sua trajetória,
tanto na Estratégia Democrática Nacional (EDN), quanto na Popular (EDP) (DANTAS,
2017), como demonstrado em capítulo anterior deste estudo. No movimento da saúde esse
pensamento se reflete pela priorização do fortalecimento da base democrática e no papel
do Estado como reorganizador do setor saúde, em um alinhamento à ideia de guerra de
posição e socialização da política, evidenciando mais uma vez a contribuição da
vertente dos eurocomunistas, ou renovadores, do “Partidão”.
De forma mais específica, essa estratégia irá se configurar na aposta pela
construção da política de saúde pela via institucional, por dentro do Estado com atores
chaves do Movimento da Reforma ocupando os espaços burocráticos. Essa adoção
também se justifica pela inspiração no modelo de Reforma Sanitária Italiana, onde o
PCI – que também se aproximou do Movimento da saúde brasileiro – foi um importante
protagonista, articulando diferentes movimentos sociais que pressionavam o aparelho do
Estado italiano, em um sentido “de cima pra baixo”. Além disso, nas narrativas analisadas
foi desvelada ainda uma função importante desta estratégia no caso brasileiro: a
possibilidade de proteger quadros no campo da saúde da perseguição política durante o
regime militar.
Por fim, outro ponto de contato evidenciado na fase de condução estratégica para
a construção do SUS, é o discurso de suprapartidarismo do Movimento da Reforma
Sanitária, ilustrada pelo discurso de “Partido Sanitário”. Essa construção narrativa
desvela mais uma vez a utilização de uma tática fundamental do PCB, a frente ampla,
porém, agora muito mais voltada à manutenção da unidade como valor estratégico para
a retomada da democracia. O pluralismo dos diferentes sujeitos coletivos era percebido,
assim, como uma brecha que poderia implicar em corporativismo (COUTINHO, 1979).
Da mesma forma, a necessidade de silenciar ou “costurar”, os tensionamentos existentes
161

no interior no Movimento da saúde representava o receio de esvaziamento desta unicidade


e centralidade.
Nesse cenário, localizamos como condições de possibilidades para o
estabelecimento dos pontos de contato aqui apresentados, primeiro o próprio processo de
reabertura política-institucional pactuada, “lenta, segura e gradual”, imposta pelo regime
autoritário, onde verificamos o emprego de uma série de entraves e manejos burocráticos
do governo para atenuar e desmobilizar a participação popular e dos movimentos sociais,
como demonstrado de forma mais detalhada no capítulo de contextualização da
conformação da política brasileira a partir da década de 1960. Segundo, a priorização da
via institucional e da garantia da norma jurídica considerada como parte de um certo
padrão de ação política brasileiro (MARTINS, 1988). Ao longo da história brasileira, as
pactuações “pelo alto” e sem um esforço progressivo de fortalecimento das bases de apoio
social e de um ambiente político-institucional que lhe oferecesse suporte, não foram
capazes de engendrar processos de mudança e transformações mais radicais na estrutura
social brasileira. Pelo contrário, elas promoveram a manutenção de classes dominantes e
das estruturas sociais distanciando-se da possibilidade de rupturas alinhadas aos
movimentos sociais e populares (MARTINS, 1988).

8.1 IDENTIFICANDO LACUNAS E RESSIGNIFICANDO ESTRATÉGIAS

Ao investigarmos estes entrecruzamentos, todo tempo pontuamos que estas


escolhas estratégicas e organizativas não se deram em percursos retilíneos e progressivos.
Pelo contrário foram marcados por disputas internas, alianças, negociações e
enfrentamento de contingências e por rupturas. Foi assim, que buscamos também
compreender as lacunas e os possíveis apagamentos e silenciamentos que podem nos
auxiliar no entendimento dos desafios e barreiras que se apresentam para o fortalecimento
de uma base de sustentação política do projeto do SUS e os descaminhos que impedem a
efetivação do direito à saúde ampliado ainda hoje.

Nesse sentido, além de considerar as condições de possibilidade de emergência


do objeto de estudo, consideramos importante pelo menos sinalizar neste trabalho
algumas contribuições que uma perspectiva analítica que considere a identificação dos
processos de colonialidade pode oferecer ao campo de análise de políticas aos países do
chamado Sul global, como já pontuado em nosso capítulo metodológico. Isso porque,
durante nossa trajetória investigativa e com o desvelar dos achados, localizamos também
162

como expressões de colonialidade algumas características arraigadas na formação social


brasileira, que se refletem no interior do seu Estado e que são reproduzidas das mais
variadas práticas também na saúde, inclusive na escolha de estratégias políticas, na
escolha de atores sociais aliados, na produção de conhecimento, de discursos e de
narrativas.
Sendo parte constitutiva da modernidade, a colonialidade se reproduz por uma
tripla dimensão que envolve as questões referentes a construção e manutenção de poder,
de conhecimento e do ser (MIGNOLO, 2010). No campo da análise de políticas, os
estudos decoloniais consideram em sua revisão, tudo aquilo que se apresenta como
clássico como, por exemplo, as teorias eurocentradas e a concepção de democracia
universalistas (BALLESTRIN, 2013). Nesse sentido, se apresenta, não como uma
rejeição às práticas, experiências, conceitos e teorias até então produzidas fora do eixo
Sul global, mas como um contraponto (BALLESTRIN, 2013) e como uma abertura à
produção de conhecimento que problematize nuances que, na verdade, expressam padrões
de reprodução de processos de colonialidade.
É interessante considerar nesse panorama que as
estruturas éticas, políticas, cognitivas e materiais que fundam
nossas instituições brasileiras, apesar de marcarem corpos no
nível local em realidades concretas, representam estruturas que
emanam de longe, de outros territórios que o Brasil e que dão
forma a uma rede de relações e instituições que se dispõem ao
‘global’ (GONÇALVES et al, 2019, p.162).

Isso significa conceber que mesmo as instituições e campos do saber que se


apresentam de maneira interdisciplinar e plural, como é o caso da Saúde Coletiva, podem
reproduzir e também produzir privilégios ou menos sensibilidade a determinados temas,
uma vez que ela tem como base de sustentação a ciência e se ampara em práticas
tecnicamente e politicamente ancoradas em processos de colonialidade, que se expressam
na saúde em questões como racismo e sexismo, por exemplo (GONÇALVES et al., 2019).
Com relação a identificação das lacunas, um primeiro elemento apontado nas
narrativas, seria a ausência da participação dos movimentos populares e sociais, em
decorrência da priorização da estratégia de inclusão de atores do Movimento da saúde
pela via institucional, tanto na fase de construção das bases de apoio quanto na de
163

condução para a construção do SUS. Em entrevista à Jacobina (2016) Flavio Goulart167


assume um posicionamento bem enfático ao afirmar que a:
Reforma Sanitária Brasileira foi um movimento de intelectuais
sediados em universidades e instituições públicas, geralmente nos
grandes centros do país, o qual mais tarde se tentou legitimar com
um movimento social, de massas – o que ele nunca foi...
(JACOBINA, 2015, p.107).

Como apresentado neste estudo, a estratégia de elencar as Escolas e Faculdades


de Medicina, Sindicatos de Medicina e o CEBES como núcleos base do Movimento da
saúde, foi uma estratégia deliberada e influenciada fortemente pelo “Partidão” pela
concepção de que a categoria médica, assim como de engenheiros e outras áreas mais
tradicionais de saber – e que compõem uma certa elite intelectual –, conformariam uma
base de apoio mais potente. Da mesma forma, ao apostarem na criação de um centro de
estudos, com o CEBES, no campo da saúde como base de apoio do partido priorizaram
uma inserção via institucional e acadêmica. Essa iniciativa se reflete na evidência de que
são bem raras as narrativas “oficiais” sobre a gênese do Movimento da Reforma Sanitária
que fazem alguma menção à luta e participação das demais categorias profissionais de
saúde, caracterizando, de fato, este processo como algo endógeno na Medicina.
Corroborando com essa ideia, Álvaro Nascimento (em entrevista realizada em 2019),
aponta que tentativas de interação com os movimentos sociais foram experimentadas,
mas que o ponto fraco do Movimento da Reforma Sanitária brasileira foi justamente ter
se tornado quase que exclusivamente dos sanitaristas, com poucas outras organizações da
sociedade brasileira oriundas, como os movimentos sociais e a área da educação.
Por mais que tenhamos tentado, e a gente tem até que reconhecer
isso e eu fiz parte de uma dessas tentativas aqui no Radis, nós não
conseguimos entrar nem na área da educação como eu acho que
deveríamos. E não falo só do ensino médico, não. Ensino de todas
as categorias da saúde: Enfermagem, Medicina, Odontologia,
Educação de base. O processo do movimento sanitário brasileiro
ficou uma coisa muito dos sanitaristas (Álvaro entrevista
realizada em 2019).

De acordo com o entrevistado, teria sido interessante que os currículos das


diferentes categorias profissionais do campo da saúde pudessem, desde a sua base,

167
Graduado em Medicina pela UFMG (1917), mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação
Oswaldo Cruz, concluídos em 1992 e 2002, respectivamente. Atuou como docente na UFMG, UNB. Atuou
como Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia por duas vezes (1983-1988 e 2003-2004), e assumiu
cargos de direção no Ministério da Saúde, na década de 90. Consultor autônomo em órgãos públicos e
organismos internacionais, tais como OPAS e Banco Mundial.
164

discutir o projeto da Reforma Sanitária e a questão do conceito ampliado à saúde, pensada


como resultado das condições de vida da população, o que não ocorreu. Na sua percepção,
devido aos currículos ofertados, muitos médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas,
dentre outros profissionais se formam ainda hoje sem conhecer as propostas da Reforma
Sanitária brasileira. Além disso, seria igualmente importante ampliar essa discussão para
a educação de base.
Embora alinhada as condições de possibilidades daquele contexto, a escolha
estratégica pelo campo da Medicina e pela academia revela, portanto, uma aposta muito
tradicionalista168, que avista no papel e no poder médico o principal agente de
transformação do campo da saúde.
Com relação à participação dos movimentos populares, Eymard Vasconcellos
(VASCONCELLOS, 2018) representante do Movimento Popular de Saúde (MOPS) é
contundente ao afirmar que esse é a grande fragilidade do Movimento da Reforma
Sanitária, embora essa não tenha sido uma tensão declarada ou impeditiva de momentos
de atuação conjunta. No entanto, ao fazer um balanço das escolhas estratégicas o ator
avalia que essa relação foi mais utilitarista pois, segundo ele: “Nós sabíamos que havia
uma distância, mas acho que não percebíamos, à época, a relação como instrumental –
isso é uma análise individual que faço hoje. A gente ficava insistindo nessa articulação”
(VASCONCELLOS, 2018, p.15).
Em capítulo dedicado à trajetória do Movimento da Reforma Sanitária, vimos que
as estratégias políticas adotadas eram percebidas pelos atores atuantes nos movimentos
populares como algo fechado no interior dos grupos dos intelectuais – ou seja, grupo que
passa a liderar a construção narrativa do Movimento da saúde. Além disso, vimos que a
própria compreensão de movimentos sociais deste grupo mirava em um modelo europeu,
o que, segundo Vasconcellos (2018), divergia da realidade dos movimentos populares
brasileiros, que nesse período apresentavam-se fragmentados devido ao Estado de
exceção imposto pelo regime militar, mas que nem por isso deixariam de ser muito
potentes. Logo, apesar de identificar avanços, Vasconcellos (2018) considera que
O modelo que o SUS institucionalizou foi marcado por esse
aprendizado dos profissionais que mergulharam nas periferias.
168
Há estudos sobre o legislativo no Brasil que indicam que as principais formações que ocupavam as
cadeiras legislativas desde a Monarquia eram: Direito, Medicina E Engenharia. Filhos de uma elite
burguesa, que eram os que acessavam a faculdade. (NEIVA; IZUMI, 2012; COELHO, 1999).
165

Mas, hoje, esse entendimento de que o sistema de saúde pode


redefinir as relações sociais, lutar pela justiça e enfrentar
violências foi ficando minoritário (VASCONCELLOS, 2018,
p.15).

Nessa mesma direção, Fátima Siliansky169 (SILIANSKY, 2018), que entre as


décadas de 1970 e1980, militava no Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8,
aponta que por fora do Movimento da Reforma Sanitária, outras iniciativas no campo da
saúde buscavam a luta por direitos no interior de movimentos populares, confirmando a
declaração de Vasconcellos (2018) de que os movimentos sociais estavam atuantes e
potentes naquele período.
Eu atuei em Acari num período em que havia uma reconstrução
do movimento de favelas no Rio. Isso unificou a nossa
intervenção nos movimentos de base, e a saúde, obviamente, era
uma das questões que mais mobilizavam as pessoas. Já existia o
movimento da Reforma Sanitária, muito influenciado pelas
posições do PCB, das quais a gente discordava. Tínhamos críticas
àquele entendimento majoritário que se limitava a uma luta por
uma institucionalidade democrática porque entendíamos que a
democracia é parte de uma sociedade de classes. Nós queríamos
discutir o conteúdo da democracia (SILIANSKY, 2018, p.15).

Um outro exemplo importante trazido por Faustino (2017) refere-se à participação


do Movimento Negro ainda muito pouco lembrado e praticamente não mencionado na
literatura “clássica” da Reforma. Segundo Néris (2019) o Movimento Negro Unificado
(MNU) nasce no contexto da década de 1970 e já estava articulado quando começa-se a
discutir a necessidade de escrever uma nova carta constitucional. Com lideranças como
Lélia Gonzales170, na saúde o MNU apresentava demandas como a necessidade de
estatização do sistema de saúde. Já as primeiras experiências governamentais com foco
na saúde da população negra surgem durante a década de 1980, através da incorporação
de demandas do movimento em algumas prefeituras. Werneck (2016) aponta que foram
muitas as reivindicações da população negra e de movimentos sociais, em especial o
Movimento de Mulheres Negras e do Movimento Negro, por mais e melhor acesso ao
sistema de saúde ao longo da história das mobilizações negras, incluindo a participação

169
Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante
da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde.
170
Intelectual, política, professora e antropóloga brasileira. Graduada em História e Filosofia, mestre em
Comunicação e Doutora em Antropologia Social com pesquisa sobre gênero e etnia. Foi uma das principais
articuladoras do MNU, atuou como uma destacada militante do movimento de mulheres, bem como da
esquerda, inicialmente no Partido dos Trabalhadores/PT e, posteriormente, no Partido Democrático
Trabalhista/PDT (BARRETO, 2007)
166

nos processos que geraram a Reforma Sanitária e a criação do SUS. Contudo, segundo a
autora:
é possível verificar que essa presença, apesar de ter contribuído
para a concepção de um sistema universal de saúde com
integralidade, equidade e participação social, não foi suficiente
para inserir, no novo Sistema, mecanismos explícitos de
superação das barreiras enfrentadas pela população negra no
acesso à saúde, particularmente aquelas interpostas pelo racismo
(WERNECK, 2016, p. 536).

A autora cita como exemplo que a vinculação entre racismo e vulnerabilidades em


saúde chega à agenda da gestão pública com mais força apenas em 1995 impulsionada
pela realização da Marcha Nacional Zumbi dos Palmares 171.
Em análise sobre a política de atenção indígena, Pontes et al (2019) destaca que,
embora a VIII Conferência e o momento da redemocratização do país tenha possibilitado
o encontro de sujeitos com diferenças abissais em prol da luta pela democratização da
saúde, para os povos indígenas a discussão de criação de um sistema de saúde sem uma
discussão crítica sobre o modelo de atenção e organização ainda centrado na lógica
biomédico e ocidental não era suficiente.
Para os povos indígenas, não bastava a inclusão no novo modelo
de atenção nascente, mas também o exercício de uma crítica ao
modelo biomédico ocidental e a defesa da necessária
incorporação de suas especificidades culturais e territoriais. O
modelo de descentralização municipalista, pauta fundamental da
Reforma Sanitária, não lhes seria favorável. Como alternativa,
foram sendo construídas experiências de implantação de distritos
sanitários em territórios indígenas. A Reforma Sanitária para os
indígenas, portanto, somente se materializou em 1999, com a
promulgação da Lei nº 9.836, que acrescenta dispositivos à Lei nº
8.080/90 e institui o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
(PONTES et al, 2019, p. 147)

Da mesma forma, Lacaz (1994), em análise da década de 1990, sinalizava a


percepção de um “divórcio” entre o caminhar do Movimento da Reforma Sanitária e o

171
A Marcha Zumbi dos Palmares foi realizada em 1995 em Brasília em alusão aos 300 anos da morte de
Zumbi como um momento de articulação política ímpar do Movimento Negro. Os resultados desta ação
continuam repercutindo na formulação de políticas públicas no Brasil. Cerca de 30 mil pessoas se reuniram
em Brasília para denunciar a ausência de políticas públicas para a população negra. Fonte:
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2005-11-13/primeira-marcha-zumbi-ha-10-anos-reuniu-
30-mil-pessoas
167

Movimento dos Trabalhadores pela saúde no trabalho que, embora, não significasse a
negação do papel do movimento sindical, revelava a pouca ênfase temática dada a ela nos
estudos e narrativas “clássicas”. No seu ponto de vista é muito improvável que os avanços
no campo dos direitos sociais tenham sido obtidos sem a contribuição da classe
trabalhadora, principalmente das entidades intersindicais e de sindicatos que passam a
valorizar e associar a luta por um ambiente saudável com a luta por condições e ambientes
de trabalho também salubres, por exemplo.
Essa reavaliação sobre a interação com os movimentos populares e sociais
também se faz presente dentro do próprio Movimento da Reforma Sanitária. Ary
Miranda, em entrevista realizada em 2019, por exemplo, concorda com as críticas que
hoje apontam a baixa vinculação orgânica e permanente dos intelectuais da Saúde
Coletiva com a sociedade. De acordo com o entrevistado, é verdade que o Movimento
da saúde olhou muito para o Estado – que naquele contexto era compreendido também
como um lugar de luta de classes. Quando perguntado sobre a pertinência dessa
reavaliação o entrevistado responde que:
Procede. Tanto é que o meu movimento hoje é diferente. Hoje eu
trabalho direto com o MST. Trabalho mais com os sindicatos
urbanos. Também aqui na minha vida acadêmica eu trabalho. Mas
a vinculação com os movimentos sociais organizados
permanentes é muito importante. O movimento da Reforma
Sanitária não tinha essa...essa articulação permanente política
com os movimentos sociais. Tanto é que era uma coisa... O foco
sobre o Estado era mais destacado. O que eu não acho errado.
Reafirmo isso. O Estado é um palco de luta de classe também.
Mas os movimentos sociais, a sociedade civil, defende os
trabalhadores, eles são fundamentais (Ary Miranda em entrevista
realizada em 2019).

Como demonstrado nas análises dos entrecruzamentos entre “Partidão” e


Movimento da Reforma Sanitária, o incômodo referente à ausência de interação com os
movimentos populares já se fazia presente como um tensionamento interno, mesmo sem
ser enfatizado. Identificamos dois polos em uma linha tênue de tensão: uma aposta pela
condução com maior interação com os movimentos sociais e populares e de uma atuação
nos centros de saúde, representada muito pela figura de David Capistrano; e uma outra
aposta pela ocupação do aparelho do Estado, entendendo-o como um campo privilegiado
de luta de classes e de conquista de poder para o alcance das transformações sociais,
representado pela figura de Sérgio Arouca. A tática de aparelhamento e ocupação dos
espaços passa a ser reproduzida nos discursos como a escolha prioritária, ganhando mais
168

notoriedade, enquanto a outra proposta vai sendo enfraquecida ou pouco vocalizada nas
narrativas. Logo, a partir do que é apresentado nos discursos que reavaliam o processo,
nos parece mais condizente apontar, para um processo de apagamento ou
enfraquecimento das narrativas que revelavam a potência dos movimentos populares e
sociais para a discussão da saúde, que eram oriundos ou atuavam em espaços que
“fugiam” da tática priorizada pelo Movimento da Reforma Sanitária e,
consequentemente, do modo de operar do PCB.
Vale lembrar, que alguns discursos apresentados neste estudo, como o de Escorel
(1999) atribuem ao Movimento da Reforma Sanitária a tarefa de ser o “porta voz dos
subalternizados” e dos movimentos sociais que estariam silenciados e desorganizados.
Mas sabemos que eles estavam no campo de disputas, tinham proposições, agendas e
lutavam por suas pautas, como pudemos observar em narrativas do nosso percurso
investigativo. A postura de “representante dos subalternizados”, que alude à uma certa
ideia de tutela, não significou a inclusão e participação desses atores no campo
deliberativo e nos espaço institucionais e nem significou a incorporação expressiva da
diversidade de saberes, conhecimento e visão de mundo, que compõe o “caleidoscópio”
que é a sociedade brasileira.
Uma contribuição para essa discussão é trazida por Valla (1996) que já apontava
como uma barreira para o campo da Saúde Coletiva a postura de não reconhecimento da
capacidade de produção de conhecimento, de organização, sistematização e interpretação
dos pensamentos sobre sociedade pelas classes subalternizadas. Ainda segundo o autor,
é inerente ao nosso campo o enfoque da ideia de “iniciativa” como parte da nossa tradição
e como aspecto falho da população, vista como passiva e apática. Valla (1996) se refere
à relação profissional de saúde e população, mas, ao nosso ver, essa postura também
atravessa os processos de produção e implementação de políticas, corroborando com a
crítica de que a “crise de interpretação” pode também ser nossa no que se refere à este
ponto.
É necessário que o esforço de compreender as condições e
experiências de vida como também a ação política da população
seja acompanhado por uma maior clareza das suas representações
e visões de mundo. Se não, corremos o risco de procurar (e não
achar) uma suposta identidade, consciência de classe e
organização que, na realidade, é uma fantasia nossa (MARTINS,
1989 APUD VALLA, 1996).
169

Nessa direção, a outra lacuna apontada emerge como decorrente da priorização


pela via de condução estratégica pelo aparelho institucional e é referida nas narrativas
como o encapsulamento da discussão da Reforma no campo da saúde. Para Ary
Miranda (em entrevista realizada em 2019) o processo de ocupação dos atores do
Movimento da saúde no Estado, mais do que uma estratégia era uma concepção, uma
aposta na luta de classe dentro do Estado.
Eu não diria que era possível, eu acho que foi mais uma
concepção mesmo. Nós tínhamos que ter feito um movimento de
aproximação na sistemática com os movimentos sociais. Claro,
tudo isso gera tempo, você está dando aula, você está trabalhando,
entendeu? É uma loucura. Criou o CEBES, depois criou o
ABRASCO, em 1979. Tudo isso foi parte do processo do
universo da Saúde Coletiva. E essa coisa de disputar o espaço
dentro do Estado fazia parte. (...) Essa é uma dinâmica. Eu acho
que as coisas não são contraditórias. Eu acho que a luta dentro do
Estado, a luta de classe dentro do Estado é válida. E o Estado é
um palco de luta de classe, por definição (Depoimento de Ary
Miranda em entrevista realizada em 2019).

Contudo, Campos (1988) no final da década de 1980 já sinalizava que, o processo


de tomada do Estado e de ocupação dos espaços intraburocráticos, enfatizando o
reordenamento dos serviços de saúde sem o investimento na construção de um conceito
ampliado de saúde e de forças contra hegemônicas, configuraria a implementação de uma
reforma de cunho restrito.
No discurso de Hésio Cordeiro podemos encontrar evidências da
concepção restrita do movimento da reforma. Na mesma ocasião,
este professor afirmava que a “Reforma Sanitária é irreversível”.
Ora, tal conclusão só é possível para aqueles que, vendo a reforma
como um conjunto de procedimentos funcionais para a
modernização e reprodução ampliada do atual modelo
assistencial, a imaginam estruturalmente determinada. Nenhum
analista, considerando a história brasileira recente, poderia
afirmar a irreversibilidade de um processo de mudanças que a
maioria da sociedade civil sequer percebeu, baseado apenas no
apoio político-institucional. (....) Mais do que polemizar com o
mecanismo inerente a essa linha analítica, interessa-nos apontar o
caráter restrito do que está sendo denonimado de Reforma
Sanitária, que nada tem a ver com a ideia de tomar a reforma na
saúde como parte da construção de uma contra-hegemonia
fundada nos trabalhadores. Neste artigo, estaremos denominando
esta concepção restrita de Reforma Sanitária oficial (CAMPOS,
1988, p.187)
170

Álvaro (em entrevista realizada em 2019), por sua vez, entende que o esforço no
sentido de garantir o direito à saúde pela legislação e as conquistas angariadas com a
estratégia de aparelhamento do Estado foi necessária. Mas reconhece que um vazio
ocasionado pela estratégia elencada pelo Movimento da saúde, é retratado pela ausência
da participação da sociedade civil e também dos próprios partidos políticos de forma mais
expressiva.
Eu acho o seguinte: o esforço que foi feito e que foi conseguido
precisava ser feito. Por exemplo, eu não estaria falando nada disso
aqui se não tivesse a Constituição. Então tinha que ser feito. Tinha
que ter leis. Nós somos gerenciados por leis. Todos os países.
Então, tinha que se garantir isso na Constituinte, nas estaduais,
nas municipais. As porcentagens por assegurar o fluxo financeiro
capaz de assegurar a universalidade. Etc., etc. O nosso erro, o
nosso vazio e eu acho que isso explica-se por vários motivos é a
sociedade não entrou na briga. Ela nem sabe que existe (Álvaro
Nascimento em entrevista realizada em 2019).

Para o entrevistado essa ausência pode ser justificada por diversas razões,
incluindo as históricas e as condições de possibilidades daquele contexto – conforme
salientamos nesse capítulo e ao longo de nosso estudo. No entanto, há um reconhecimento
e um balanço de que os esforços empreendidos pelo Movimento da saúde tenham sido
insuficientes para que a sociedade realmente incorporasse e apreendesse a saúde como
um direito e como um valor.
O esforço que foi feito foi um esforço insuficiente para que a
sociedade incorporasse e se conscientizasse daquilo como um
valor. Então, não se transformou num valor e quando não se
transforma num valor social é muito fácil retirar. Então a
ocupação de postos era uma estratégia? Sim. É correta porque,
veja bem, nós vivemos num país aonde nós não passamos por
rupturas. Nós passamos por processos. São infindáveis. Então
assim, Getúlio [Vargas] rompeu? Não. Juscelino [Kubitschek]
rompeu? Não. Jango rompeu? Não. Lula rompeu? Não. Dilma
[Rouseff] rompeu? Ninguém rompe. É sempre um processo. E se
é um processo a ocupação de espaços e a garantia de direitos na
lei faz parte do jogo (Álvaro Nascimento em entrevista realizada
em 2019).

Também em uma reavaliação mais recente das estratégias experenciadas pelo


Movimento da Reforma Sanitária, Sônia Fleury (em entrevista realizada em 2017)
escreve que, na sua percepção a luta do Movimento da Reforma Sanitária, sobretudo a
partir da construção de um campo de saber que foi a Saúde Coletiva, contribuiu
171

fortemente para a valorização das dimensões como a determinação estrutural, a correlação


de forças, e a inclusão da política no campo da saúde, mas que hoje enxerga que outros
componentes são necessários para a construção da cidadania, componentes estes para
além das questões que envolvem os processos de institucionalização.
O histórico é forte, a política é forte, os atores, as correlações de
forças, mas eu acho que tem questões, hoje, que voltam para a
Psicologia Social [risos], que é para onde tenho retornado... essa
ideia que não se constrói cidadania nem por decreto, nem por lei,
mas se constrói com os sujeitos. Cada vez mais tenho voltado para
essa questão da subjetivação, da violência institucional...minhas
produções recentes têm sido muito mais ligadas a essa ideia e
menos a institucionalização (Depoimento de Sônia Fleury em
entrevista realizada em 2017).

Emerson Merhy (em entrevista realizada em 2019) aponta, que na sua percepção,
aqueles projetos apostaram na construção da democracia pela captura do Estado não
foram bem sucedidos e expuseram ainda mais as fissuras existentes no interior do campo
da esquerda. Quando perguntado sobre os desafios e uma breve avaliação das estratégias
elencadas como prioritária pela Reforma Sanitária, o entrevistado responde que:
O que eu acho que deu errado foi o projeto do PCB. E todos os
projetos que apostaram que a construção da democracia brasileira
passaria pela captura da máquina estatal, todos fracassaram.
Aqueles que apostaram na construção de movimentos sociais, de
coletivos, de poderes locais, você não vai dizer que isso está
morto. É só assistir a 16º Conferência. O que aconteceu na 16º
Conferência? Não sei se você sabe, mas é a primeira Conferência
que o governo tira o logo dele. Ou seja, eles fizeram tudo pra não
acontecer. Tinham 5.5000 pessoas. De onde é que veio isso? Veio
do SUS construídos dos poderes locais. Então você vai dizer que
o SUS não teve histórias de êxito? Só pra quem teve um tipo de
aposta. (...) Relação democracia e saúde no Brasil não passa pra
ganhar o Estado pra você gerir, passa por construir poderes locais.
Coletivos resistentes. Experiências diferenciadas. (Depoimento
de Emerson Merhy em entrevista realizada em 2019).

Além das condições de possibilidades observadas como parte da compreensão da


emergência do processo de escolha estratégica de investida na ocupação dos espaços
burocráticos – um processo de redemocratização “pelo alto” realizado de forma pactuada,
o reconhecimento de um padrão de ação política brasileiro de ênfase na garantia da norma
jurídica e a unidade como valor estratégico como objetivo para o alcance da democracia
– autores como Santos e Avritzer (2003) podem nos ajudar ao trazer novos elementos que
incluem no campo de análise de políticas aspectos inerentes a processos de colonialidade,
172

expressos nas conduções estratégicas e na conformação de arranjos e atores sociais, tais


como os movimentos sociais, em países do Sul global.
Santos e Avritzer (2003), de certa forma convergem com as narrativas que fazem
um balanço e uma ressignificação no contexto atual das estratégias da Reforma Sanitária
de outrora, na medida que pontuam que a valorização dos procedimentos e instituições
formais da democracia não deve se apoiar apenas em hábitos estabelecidos e normas
reconhecidas. Para os autores, em processos de redemocratização, mais do que a
restauração de normas regulativas é necessário criar normas constitutivas da atividade
política, o que exigiria a elaboração de uma nova gramática social (LECHNER, 1988
apud SANTOS; AVRITZER, 2003). Em concepções que pretendem ofertar alternativas
não hegemônicas, a democracia é reconhecida como uma nova gramática histórica. Ou
seja, não se trata de pensar determinações estruturais para a constituição dessa nova
gramática, mas sim de perceber que a democracia é uma forma sócio-histórica e que tais
formas não são determinadas por quaisquer tipos de leis naturais. Nesse sentido, a
democracia sempre implica ruptura com tradições estabelecidas, e, portanto, a tentativa
de instituição de novas determinações, novas normas e novas leis (SANTOS;
AVRITZER, 2003).
Geralmente, estes processos implicam na inclusão de temáticas até então
ignoradas pelo sistema político vigente, a redefinição de identidade e vínculos e o
aumento da participação, sobretudo em nível local. No entanto, Santos e Avritzer (2003)
identificam de forma conjunta a esse processo, a emergência de uma limitação da
participação cidadã, tanto individual quanto coletiva, com o objetivo de não
“sobrecarregar” o regime democrático com demandas sociais oriundas da inclusão
política de grupos sociais anteriormente excluídos e pelas demandas “excessivas” que
faziam à democracia. O que entendemos por uma intensificação democrática, portanto,
foi reconhecida em processos de redemocratização dos países do Sul pelas concepções
democráticas hegemônicas como excesso de demandas.
O receio de “sobrecarga democrática” presidiu as transformações
que, a partir da década de 1980, se deram na teoria e na prática
democráticas hegemônicas nos países centrais, depois exportadas
para semiperiferia e periferia do sistema mundial (SANTOS;
AVRITZER, 2003, p.59).

No caso brasileiro e especificamente no campo da saúde, a estratégia que apostou


na unidade como valor estratégico para a renovação democrática brasileira, implicava na
173

crescente socialização política, na incorporação permanente e “anti-prussiana” de novos


sujeitos coletivos e individuais respeitando a sua autonomia e diversidade em uma
“unidade na diversidade”. No entanto, e ao mesmo tempo, era possível reconhecer uma
crítica ao pluralismo ancorado em um receio de que, sem uma mediação por organismos
representativos de âmbito nacional, a estratégia sucumbiria ao corporativismo. A
construção narrativa em torno do termo “Partido Sanitário” e de uma frente
suprapartidária foi, portanto, uma tentativa de garantir a imagem de centralidade e
unicidade do Movimento para o alcance do objetivo de final: a democratização da saúde.
Porém, as lacunas supracitadas demonstram que a tática em si, não capturou e
incluiu como prioridades nuances e clivagens importantes presentes na conformação da
sociedade brasileira. Como é possível propor políticas que visem a democratização da
saúde, sem considerar o racismo e o sexismo como estruturantes na nossa conformação
social, por exemplo? Segundo Souza (2017), a escravidão foi a instituição que moldou a
forma de organização social brasileira e ainda hoje permanece viva nos afetos e na
mentalidade da população, notadamente da classe dominante e de frações das classes
médias. Ao distinguir civilizados e “não civilizados”, a escravidão relegou a população
negra e indígena a seguir o padrão de civilidade hegemônico, ou seja, o modelo branco e
europeu como o universal. Para o autor, essa conformação social, forjada pelo racismo e
pelo sexismo influenciaria até hoje os discursos e a concepção de políticas públicas que
valorizam e incorporam um paradigma eurocêntrico (SOUZA, 2017).
Para Santos e Avritzer (2003) a inserção de novos atores na cena política na
década de 1980 no Brasil, instaurou uma disputa pelo significado da democracia,
recolocando na agenda da discussão questões referentes a procedimento e participação,
exigindo a criação de uma nova gramatica social e uma nova interação entre Estado e
sociedade, capaz de mudar as relações de gênero, de raça, de etnia e o privativismo na
apropriação dos recursos públicos. É justamente nesse momento, que os movimentos
sociais poderiam desempenhar um importante papel, ao conseguirem a
institucionalização não só das agendas e pautas – como vimos nas definições sobre o
papel dos movimentos sociais mais clássicos ao longo deste trabalho – mas também a
institucionalização da diversidade cultural existente. A cultura, portanto, é compreendida
como uma dimensão constituinte de todas as instituições, sejam elas econômicas, sociais
e políticas, (WILLIAMS, 1981 apud SANTOS; AVRITZER, 2003) e a política
envolveria uma disputa sobre um conjunto de significações culturais e de ressignificação
de práticas. Numa perspectiva de ampliação do campo político, portanto, os movimentos
174

sociais devem ser inseridos na disputa pela transformação de práticas dominantes, pelo
aumento da cidadania e da inserção de atores sociais excluídos, buscando uma
ressignificação das práticas democráticas e a transformação da gramática social
(SANTOS; AVRITZER, 2003).
Antônio Bispo dos Santos (2015) traz ainda uma leitura interessante ao propor
uma reflexão sobre a díade hierarquia/circularidade para a leitura do mundo, onde pontua
as leituras hierárquicas como excludentes e as circulares como inclusivas de outras
relações sociais, produção de conhecimento e de expressões culturais. Para o autor, a
substituição do plural pela unidade pode se expressar como o cerne dos processos de
várias formas de colonização, como, por exemplo, na guerra de denominações onde os
povos nativos tornam-se índios, os povos africanos nominados negros e escravos, quando,
na verdade, constituem-se povos múltiplos. Segundo Souza (2015), Foucault ao tratar de
processos de hierarquização no âmbito das disciplinas como estratégia de dominação que
produziu docilização de corpos e de almas para torná-los úteis para o sistema de
acumulação de capitais teria trazido um primeiro alicerce à esse pensamento, sem, no
entanto, acrescentar a questão racial e cultural, como faz agora Santos (2015).
A inserção dos movimentos sociais e a pluralidade, nos remete à questão da
participação que, para Santos e Avritzer (2003), tornou-se também um ponto central nos
processos de democratização em países do Sul global, exigindo a criação de inovações
que permitissem a ampliação da participação desses atores sociais nos processos de
tomada de decisão. Nesse sentido, mais do que adequações burocráticas seria necessário
a construção de estruturas capazes de transferir práticas e informações do nível social para
o nível administrativo uma vez que na relação entre representação e diversidade cultural
e social os grupos mais vulnerabilizados, os setores sociais menos favorecidos e as etnias
minoritárias não conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema
político com a mesma facilidade dos setores majoritários ou economicamente mais
prósperos (SANTOS; AVRITZER, 2003).
Para os autores a combinação entre democracia participativa e democracia
representativa pode se dar de duas maneiras possíveis: pela coexistencia e
complementaridade. A primeira implica uma convivência, em diversos níveis, das
diferentes formas de procedimentalismo, organização administrativa e variação de
desenho institucional. Já a complementariedade implica em uma articulação mais
profunda entre democracia representativa e democracia participativa, e pressupõe o
reconhecimento pelo governo de que o procedimento participativo, as formas públicas de
175

monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública partem de processos


de representação e deliberação diferentes daqueles que seguem o modelo hegemônico de
democracia. Segundo Santos e Avritzer (2003), atores que colocaram em questão uma
identidade que lhes fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado
autoritário e discriminador, tiveram mais êxito em implantar experiências de democracia
participativa.
Existe um processo de pluralização cultural e de reconhecimento
de novas identidades que tem como consequências profundas
redefinições da prática democrática, que por sua vez estão além
do processo de agregação próprio à democracia representativa
(SANTOS; AVRITZER, 2003, p.75).

Por fim, Santos (2015) aponta que as tentativas de confluência e convergência


presente no processo de redemocratização e na Constituição Federal brasileira, e aqui
estendemos às experiências vivenciadas pelo Movimento da Reforma Sanitária brasileira
no período, podem avançar desde que haja um esforço real para a inclusão de uma
participação plena dos atores em cena, considerando as mais variadas concepções e visões
de mundo. Para Antônio Bispo dos Santos:
(...) existem muitas possibilidades de convivência entre os
diversos povos, que as tentativas de confluência presentes na
Constituição Federal podem sim avançar, desde que haja por
parte dos colonizadores um real esforço para que isso ocorra. Para
tanto será preciso, antes de qualquer coisa, superar o caráter
autoritário do atual Estado Democrático de Direito, por meio da
participação plena de todos os envolvidos nos processos de
transformação da natureza e das condições de vida da população,
para que toda e qualquer proposta de mudança seja sempre
exaustivamente debatida, respeitando-se as mais diversas formas
de linguagem e comunicação (SANTOS, 2015, p. 97)

Com a apresentação das lacunas identificadas a partir dos pontos de contato


Movimento da Reforma Sanitária brasileira e PCB, buscamos realizar um balanço das
estratégias, evidenciando possíveis apagamentos e silenciamentos que nos ajudassem a
compreender os desafios ainda hoje enfrentados para a universalização do direito à saúde.
Da mesma forma, buscamos contribuir para a discussão de análise de políticas
acrescentando elementos que se expressam como marcas de processos de colonialidade
no Brasil. Assumimos, neste trabalho, que essas são ainda pequenas contribuições e
indicações que emergiram ao longo de nosso percurso investigativo e que aqui foram
176

descritos com o intuito muito mais de levantar questionamentos e perguntas para futuros
estudos.
177

9. OUTROS OLHARES, OUTROS UNIVERSOS E OUTRAS


UNIVERSALIDADES - CONSIDERAÇÕES FINAIS E INICIAIS

É uma outra beleza


Feita de talho e de corte
E a dor que agora traz
Aponta de ponta o norte

Canto latino
(Milton Nascimento / Ruy Guerra, 1970)

O nosso trabalho de pesquisa começou a ser desenvolvido em 2016 em um cenário


de crise política e na linha de largada de um processo de intensificação de uma crise social
onde valores e princípios que nortearam o SUS desde a sua concepção – como a
universalidade e equidade – estavam sendo colocados em xeque. Agora este trabalho se
conclui, diante de um panorama inédito para o SUS (e pra nós) já que estamos
atravessando uma das maiores crises sanitárias dos últimos cem anos no mundo, sendo o
Brasil uma das lideranças em número de mortes e de contaminados pelo novo
coronavírus. Estamos em um barco no meio de um oceano, isolados e sem bússola, mas
ainda buscando direções, saídas, inventando e reinventando um cais. Quais serão os
ventos que nos soprarão a direção? Que correntes marítimas devemos seguir? Quem
remará junto conosco?
Nesse cenário, ou nesse oceano, vemos um SUS que resiste, que re (existe) e que,
por isso, se revela essencial, sobretudo, pelo comprometimento dos seus profissionais e
por ser ele a garantir atendimento aos maiores acometidos dessa pandemia: a população
subalternizada majoritariamente pobre, preta, quilombola, indígena, LGBTQI+ e
periférica dos quatro cantos deste país. 172
Porém, esse momento também tem sido capaz de desvelar e salientar as
desigualdades de acesso aos serviços de saúde e os seus determinantes sociais, que para
além da questão de classe social, também inclui questões de raça e gênero. Dentre a
população pobre afetada pela Covid-19, a população negra é ainda mais afetada nas
periferias deste país ao mesmo tempo que também a mais afetada pela violência do
Estado. Da mesma forma, o avanço da doença em territórios de populações tradicionais
e originárias sem respostas mais efetivas de proteção e preservação dessas comunidades

172
Como demonstrado na introdução deste estudo.
178

por parte do Estado, representam uma ilustração concreta do conceito de necropolítica de


Mbembe (2016), que nos faz questionar: afinal, que direito à saúde conquistamos? Que
universalidade garantimos?
Quando não conseguimos garantir o direito a certos corpos, que se tornam
invizibilizados nas práticas sociais e nos discursos que os constituem, é sinal de que
precisamos retomar a direção do barco, ajustar as velas e redefinir algumas rotas. Quando
observamos que certas populações e sujeitos, são acometidos de maneira mais expressiva
seja pela desigualdade econômica, pelas péssimas condições de vida, pela maior
dificuldade de acesso aos serviços de saúde e iniquidades de saúde, precisamos realizar
um balanço, rever as estratégias até então traçadas, pensar em outras possibilidades e
sentidos de Reformas Sanitárias que contemplem elementos que até então não foram ou
não puderam ser visualizados, evocados e enunciados.
Foi com este intuito, portanto, que neste estudo nos debruçamos no passado, mais
precisamente no momento de gênese do Movimento da Reforma Sanitária brasileira para
compreender melhor a construção de suas bases de sustentação e a condução estratégica
e organizativa elencada como prioritária para a implementação de nossa Política Nacional
de Saúde. Através da identificação das diferentes formações discursivas e das estratégias
políticas em disputa, analisamos não apenas as interações sociais historicamente situadas,
mas também os caminhos que levaram ao estabelecimento de fatos que se apresentam
agora em nosso presente. Nos lançamos, assim, nessa travessia, abertos à possibilidade
de reconhecer nosso objeto de estudo sob novas lentes e perspectivas, dessacralizando
alguns conceitos, buscando na releitura do passado a compreensão do tempo presente e a
possibilidade de criação de novos futuros e cenários.
A identificação de uma lacuna referente à constituição de bases de apoio social e
político do Movimento da saúde, e de maneira mais específica dos partidos políticos, nos
possibilitou visualizar a existência de uma construção narrativa “oficial” em torno do
discurso do suprapartidarismo e da ideia de “Partido Sanitário” que, com o intuito de
fortalecer uma frente ampla de resistência e de luta pela democracia, acabou não
explicitando os seus atores, seus respectivos papéis, as diferentes propostas para o debate,
bem como as seus aliados para a composição de uma base de sustentação fortalecida.
Da mesma forma, ao evidenciarmos a influência do PCB no campo da saúde,
como o partido político que mesmo na clandestinidade reuniu forças do campo
progressista e da esquerda para o enfrentamento da ditadura militar, verificamos que essa
participação se estabeleceu de forma implícita, ou seja, de forma não institucionalizada,
179

sobretudo pela disseminação de suas ideias e de estratégias políticas intrínsecas em seu


modo de operar e fazer política. A ideia de manutenção da unidade como valor estratégico
e frente ampla, presente tanto no processo de construção de bases de apoio do Movimento
da Reforma Sanitária quanto na condução de estratégias para a implementação do SUS,
foi importante para garantia de uma unicidade frente ao cenário de redemocratização.
Porém, exigiu uma série de costuras e silenciamentos de tensionamentos no interior do
Movimento da saúde que acabou aglutinando e subsumindo clivagens fundamentais a
serem discutidas, desveladas e consideradas em processos de elaboração de políticas
sociais em sociedades complexas como a do caso brasileiro. Também a via institucional
como ponto de contato evidenciado em nossa análise, reflete a reprodução de um modo
de fazer política do PCB através da priorização de uma estratégia ocupação dos espaços
intraburocráticos e pelo entendimento do Estado como principal reorganizador dos
serviços e políticas de saúde. Contudo, a releitura desse cenário hoje nos permite verificar
que essa tática acabou desprestigiando outros espaços potentes de fortalecimento e de
desenvolvimento da política de saúde e distanciando o Movimento da saúde dos
movimentos populares.
Vimos também que entrecruzamento de histórias entre o Movimento da Reforma
Sanitária brasileiro e o PCB, desvelaram pontos de contato cruciais que permitiram
estabelecer e estruturar o SUS que hoje temos e que nesse momento mais do que nunca
se revela como essencial. A construção de bases de apoio do Movimento da Reforma nos
centros acadêmicos e centros de estudos, permitiu a construção de um saber teórico, a
Saúde Coletiva, que imprimiu um tom crítico ao modelo biomédico e inclui a questão dos
determinantes sociais da saúde como eixo norteador das suas propostas. Na mesma
direção, a garantia do direito à saúde na norma jurídica e os processos de
institucionalização da política nacional de saúde são também considerados avanços sem
precedentes, como fruto de uma luta travada ao longo de anos – sob repressão e
contrariedades – por atores e militantes do SUS.
No entanto, a Saúde Coletiva enquanto campo de saber é atravessada por uma
gama de relações de poder. Em países do Sul global, como o Brasil, a “matriz de poder
colonial” envolve múltiplas dimensões que vão desde a econômica, de gênero, raça e
operam nas organizações políticas, estruturas de conhecimento e instituições estatais
(QUIJANO, 2000). Epistemologicamente estruturada pela biomedicina, a Saúde Coletiva
produz e reproduz um certo modo de conhecimento sobre a saúde, pautado na ciência
moderna e eurocêntrica. Da mesma forma, a criação do Movimento da Reforma Sanitária
180

a partir de uma premissa estratégica de lideranças partidárias do campo da esquerda


brasileira, que enxergaram na via institucional/acadêmica e na liderança de médicos
pertencentes à uma elite intelectual, imprimem no caráter da Reforma um sentido de
direito à saúde distante de uma perspectiva de saberes e corpos colonizados racializados
(ASSIS, 2019). Assim saberes subalternos foram sendo desprivilegiados, suprimidos,
silenciados, “ou deixados para um outro momento mais apropriado”.
Ficamos reféns quase sempre de histórias tecidas com o novelo
de cima para baixo, até mesmo quando se tenta atentar para a
importância dos movimentos sociais no advento e consolidação
do sanitarismo. Ademais, amiúde, o recorte de classe da esquerda
mais tradicional deixou de fora das análises outras formas de
opressão pelas quais passava, e passa, o povo brasileiro (SOUZA,
2019, p.208).

Contudo, o cenário atual nos convida a observar e aprender com outras formas de
produção de conhecimento que aí estão e que sempre estiveram. Saberes produzidos por
populações subalternizadas e que diante da escassez de oferta – dessa vez como projeto
político declarado – e de dificuldades de acesso à serviços essenciais pelo Estado,
realizam movimentos potentes de colaboração e de organização espontânea que geram
resistência e verdadeiros aquilombamentos173.
Em Paraisópolis, na maior favela da periferia de São Paulo onde vivem cerca de
100 mil habitantes, a ação coordenada de atendimento à população durante a pandemia
da Covid-19174 contou com a contratação de ambulâncias, a nomeação de “presidentes de
rua”, treinamento de 240 moradores para estabelecerem novas equipes de saúde e socorro,
além de uma organização territorial em 60 bases divididas para cada microrregião da
comunidade. Embora essa descrição em muito nos lembre as cartilhas de planejamento
da gestão do SUS, na verdade as ações partiram de iniciativas dos moradores e do
comércio da região, que a partir do histórico de carência de suporte do Estado no território
e diante da demora em obter respostas do governo para o enfrentamento do avanço do

173
“Os desafios e as dificuldades não acabam com o fim da escravização, mas ganham novos contornos. A
luta passa a ser pela sobrevivência, pelas tentativas de integração social, econômica e cultural, pelo direito
de existir. Questões que estão colocadas até hoje pelo povo negro em nosso país” (JOSELICIO JUNIOR,
2019).
174
DI BELLA, G. Em Paraisópolis, presidentas de rua cuidam do lar, dos filhos e dos vizinhos. 2 de
Setembro de 2020. National Geographic Brasil. Disponível em :
https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2020/08/paraisopolis-presidentas-de-rua-coronavirus-
pandemia
181

vírus, recorreram à formas de organização, de produção de conhecimento e saberes ali


disponíveis e ao sentimento de solidariedade e cooperação da coletividade. Sem sombra
de dúvida, iniciativas como estão sendo desenvolvidas cotidianamente nos territórios das
populações subalternizadas, muito provavelmente invizibilizadas, passando
despercebidas e sem serem incorporadas nos espaços decisórios de construção da política,
não só da saúde, mas de toda a sociedade política. O que ainda falta para aprendermos
com eles? O que falta para incorporamos essas experiências como aprendizado para as
nossas ações do campo da saúde?
Mesmo que ainda não tenhamos respostas completas a pista que por ora seguimos
corrobora com a ideia de que a identificação de formas de resistência como essas
reinvestem de significado e transformam as formas dominantes de conhecimento. É nesse
sentido, que nos desafiamos a refletir sobre as mudanças e transformações sociais através
de uma perspectiva mais abrangente e não redutora que coloque no centro do processo de
conhecimento a diferença colonial (MIGNOLO, 2000) engendrada nos mais diversos
espaços.
Nessa mesma perspectiva, Grosfoguel (2008) aponta como tarefa importante que
os projetos de esquerda também se confrontem com as colonialidades eurocêntricas
presentes em seus projetos, uma vez que a democracia não poderá ser concretizada na sua
totalidade enquanto tais dinâmicas mantiverem grande parte da população sob um
estatuto de subcidadania. Nesse mesmo sentido, a abertura para novas concepções de
democracia que garantam direitos universais, tais como a saúde, mas que considerem a
diversidade e a convivência entre os diferentes sujeitos e comunidades, merecem ser
apontadas e trazidas para o campo de discussão.
Grosfoguel (2008) sugere com isso, não uma defesa do que ele chama de “política
de identidade”, mas a utilização das identidades subalternas servindo de ponto de partida
epistémico para uma crítica radical dos paradigmas e modos de pensar eurocêntricos.
Emicida, rapper e artista brasileiro, ilustra tão claramente esse dilema em sua fala em
entrevista recente que trazemos o trecho aqui:
Existe algum lugar no imaginário dessa pessoa [se referindo à um
intelectual do campo progressista], que alguém com as minhas
características é um extremo ignorante, uma pessoa que é movida
por cegueira, paixão. Que é condicionado pelas vontades dos
outros e isso é um ponto cego que não é novo no pensamento de
esquerda. Outros intelectuais, que são ligados à essas instituições,
inclusive, (...) outros intelectuais ligados aos movimentos de
esquerda, produziram essa provocação internamente. E isso
182

precisa tá na bússola deles pra produzir de fato a transformação


que eles querem. Se não, a vitória deles vai representar a
manutenção dessa democracia assassina (...). Essa provocação é
legítima, ela é urgente(Emicida no programa Roda Viva da TV
Cultura, 2020).

Nessa perspectiva concluímos esse estudo muito mais com questionamentos do


que com respostas. Entendemos que se trata de um tema denso, que sugere novos
desdobramentos, mais entrevistados e aprofundamento de análises, sendo essas algumas
das limitações identificadas do presente estudo. No entanto, nos parece mais nítido no
horizonte que para a construção de um sentido de Reforma Sanitária mais plural e para o
alcance de uma universalidade que radicalize a democratização da saúde e da participação
dos sujeitos e coletivos, novos elementos devem ser considerados e incluídos. Significa
reafirmar o conceito ampliado de saúde, mirando não apenas as desigualdades estruturais
de renda, mas também a violência cotidiana como consequência de uma estrutura social
racista e machista. Requer também que alianças mais vastas sejam estabelecidas, não
apenas em termos de raça, classe e gênero, mas entre uma diversidade de grupos
oprimidos e em torno da radicalização da noção de igualdade social.
183

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196

APÊNDICE 1- TEXTOS PARA APROXIMAÇAÕ DO TEMA: GÊNESE E ATORES DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA
BRASILEIRA 175

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199

APÊNDICE 2- AGENTES DA REFORMA SANITÁRIA CITADOS, SUAS TRAJETÓRIAS E ARTICULAÇÃO COM PARTIDOS
POLÍTICOS176

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal
Fluminense (UFF); Especialização em “Nova Ordem
Foi filiado ao PCB (1982).
Informativa Internacional”, no Instituto Internacional de
Participou de organizações
Periodismo José Martí, ministrado em conjunto com a
clandestinas. Movimento de
Universidade de Havana, em Cuba e outro de “Informação em
Emancipação do Proletariado
Saúde”, na Ensp. Mestre (2003) e o Doutorado (2007) pelo
(MEP); Ação Popular Marxista
Álvaro Instituto de Medicina Social da Uerj.
Leninista (APML); MR Oito, o
Nascimento Atua na FIOCRUZ desde 1986. Trabalhou como editor do
movimento revolucionário oito de
Projeto Radis e como pesquisador da área de propaganda de
outubro.
medicamentos na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca (Ensp).
Diretora Administrativa do CEBES - Centro
Graduada em Medicina pela UNIRIO (1973).Fez residência Brasileiro de Estudos em Saúde no período 2014-
Ana Tereza da médica em Medicina Social -UERJ mestrado em Saúde Coletiva 2018.
Silva Pereira pela Instituto Medicina Social - UERJ (1980). Doutorado em
Camargo 2009 no IMS-UERJ. Atualmente é aposentada do Ministério da Atualmente Presidente do Conselho Fiscal da
Saúde e do Instituto Nacional de Câncer. entidade para o biênio 2018-2020

Vice-Presidente da Fiocruz (1985-1990).


Sociólogo graduado pela PUC-RJ (1966); Sanitarista;
Arlindo Fábio Especialista em Administração e Planejamento em Saúde Presidiu a Associação Brasileira de Pós-
Gómez de (Ensp/ Fiocruz); Coordenador da Comissão Nacional da Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) e foi
Sousa Reforma Sanitária (1986-1987). membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

176
Tabela construída a partir dos nomes citados ao longo do primeiro mapeamento deste trabalho. No decorrer da pesquisa e a partir da análise de novos documentos e
materiais, novos agentes serão inseridos nesta tabela. Informações coletadas em entrevistas e na revisão bibliográfica da literatura analisada.
200

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Coordenador da Comissão Nacional da Reforma
Sanitária (1986-1987).

Graduado em Medicina pela UFF (1977); Residência Médica


pela Fiocruz (1979); Especialização em Saúde do Trabalhador
e Ecologia Humana pela Fiocruz (1992); Mestrado (1997) e
doutorado (2012) em Saúde Pública pela Fiocruz (2012). Chefe Filiado ao PCB (1972) e militância
de Gabinete da presidência de 1985 a 1989. Dirigiu o programa política durante a universidade. Em Foi Chefe de Gabinete da presidência entre (1985
RADIS entre 1988 e 1991. Foi Vice-coordenador do Centro de 1977, era presidente do Diretório de e 1989);
Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana Estudantes Medicina da
Universidade Federal Fluminense. Vice-presidente de Serviços de Referência e
(CESTEH) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e
Ambiente da Fiocruz entre 2000 e 2008;
coordenador do Curso de Especialização em Saúde do
Trabalhador do CESTEH. É professor e responsável pela
Ary Miranda
disciplina Produção e Saúde do curso de mestrado em Saúde
do Trabalhador do CESTEH/ENSP.

Atuou como dirigente do comitê


Médico sanitarista pela Faculdade de Medicina da UFRJ. Foi estadual do PCB em São Paulo de
mentor e articulador da criação do Centro Brasileiro de Estudos 1976 a 1983. Exerce o cargo de secretário político do comitê
de Saúde (Cebes), da Revista Saúde em Debate e da Coleção estadual do PCB de 1976 a 1983.
Saúde em Debate na década de 1970. Importante militante da Prestou assessoria à Comissão de
saúde durante a ditadura militar.Foi membro da executiva Saúde da Câmara dos Deputados. Foi secretário de Saúde de Bauru (gestão Tidei de
David estadual do PCB e em 1964 envolve-se na luta armada contra Lima/PMDB).
Capistrano o regime militar. Em 1974, muda-se para São Paulo, onde Filia-se ao Partido dos Trabalhadores
Filho (faleceu acaba sendo preso no final de 1975. Participou da fundação do (PT) em 1986. Secretário da Saúde no governo de Telma Souza
em 2000) PT. Colaborou para a elaboração do texto que deu origem ao em Santos- SP em 1988 pelo PT.
capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988; Após a gestão como prefeito, afasta-
se da vida partidária, não possuindo Se elege prefeito de Santos em segundo turno em
filiação às tendências internas do PT 1992, tomando posse em 1993 pelo PT.
desde 1996 e não sendo reconduzido
ao diretório nacional.
Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Militante do PCB desde a graduação Desempenhou cargos técnicos e diretivos na
Janeiro (1978), Especialização (1980) e Mestrado (1985) em em Medicina. Participou da gestão de sistemas de saúde em nível municipal,
201

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da constituição do Cebes no Rio de estadual, nacional, no Ministério da Saúde e no
Fundação Oswaldo Cruz e Doutorado em Saúde Coletiva pelo Janeiro. INAMPS, e internacional, na OPS/OMS e no
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio Sistema Nações Unidas, onde exerceu funções
de Janeiro (1997). Atualmente é Professor Adjunto do Instituto diplomáticas de Chefe de Missão e
de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Representante.
Eduardo Janeiro. Atualmente coordena o LAPGES - Laboratório de INAMPS- Direção e administração, Secretaria de
Levcovitz Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Institucional de Medicina Social; Secretario de Medicina Social-
Sistemas e Serviços de Saúde do IMS/URJ e a Comissão de 1985- 1988;
Política, Planejamento e Gestão em Saúde da ABRASCO. MS- Direção e administração, Secretaria de
Assistencia a Saude; Diretor Programa de
Descentralização e Gestão de Sistemas de Saude
– 1985- 2000;
OPAS- Representante/Chefe de Missão no
Uruguai, 2010 – 2016; Chefe de
Unidade/Assessor Principal 2000 – 2010.

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo


(1973), mestrado em Medicina (Medicina Preventiva) pela
Universidade de São Paulo (1983) e doutorado em Saúde
Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (1990). Durante a graduação participou de
Livre-docente em Planejamento e Gestão em Saúde, pela grupos da luta armada de esquerda.
Emerson Unicamp (2000) e Professor Titular de Saúde Coletiva da Depois tornou-se militante do campo
Merhy Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 2012, Campus- da saúde de forma independente.
Macaé. Professor Doutor Honoris Causa da Universidade Participou da fase inicial da
Nacional de Rosario, Argentina, desde 05 de novembro de elaboração do PT.
2019. Professor do Mestrado Profissional em APS da UFRJ.
Professor Permanente da Pós Graduação do Instituto de
Psicologia da UFRJ - EICOS.
202

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Coordenador de Planejamento e Estudos da
Secretaria de Serviços Médicos, onde se destacou
na formulação do “Plano de Reorientação de
Assistência à Saúde Previdenciária”, elaborado
Vinculado ao PCB durante a ditadura
Médico, Mestre em Medicina Preventiva (USP), professor da pelo Conselho Consultivo de Administração da
militar e citado como membro do
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Saúde Previdenciária (CONASP) (1980 a 1982)
“partido sanitário”.
departamento de Saúde Coletiva da UnB, onde fundou o
Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP). Foi também um Presidente do Cebes em 1980.
Ocupou cargos na gestão do PMDB
dos criadores do Cebes. Nos anos 1980, ocupou funções no
no período da Nova República.
Eleutério antigo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Secretário-Geral do Ministério da Saúde na
(1985/1986);
Rodrigues Social (Inamps), onde estruturou as Ações Integradas de Saúde Gestão Carlos Santana (1985/1986)- PMDB
Neto (AIS). Atuou como consultor para a OPAS diversos países.
Prestou assessoria parlamentar no
(faleceu em Assessor à Constituinte e à LOS pelo
período constituinte.
2013) NESP.(Núcleo de Estudos em Saúde Pública)

Participou do grupo de trabalho do programa de


governo da Nova República.
Assessor de Planejamento da secretaria de Estado
Militou no PCB e posteriormente no
da Saúde de São Paulo (1977 a 1982) governo
PT, mas foi apenas filiado, sem
ARENA-PDS.
Graduado em Medicina pela Universidade de Brasília (1975), assumir cargos eletivos no partido.
Mestre em Medicina Preventiva e Dr. em Saúde Coletiva.
Gastão Secretario de Saúde do Município de Campinas
Professor titular do Departamento de Saúde Coletiva, da
Wagner (2001 – 2003) governo PT.
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Secretário executivo do Ministério da Saúde junto ao
ministro da saúde Humberto Costa. (PT) (2003-2005)
Graduado em Medicina pela Universidade do Estado da Participou do Simpósio sobre Política Nacional
Guanabara (1965), atual Universidade do Estado do Rio de Filiado ao PCB até meados dos anos de Saúde, (1979) promovido pela Comissão de
Janeiro (UERJ), Mestre em saúde coletiva pelo IMS (1979), 80. Saúde da Câmara dos Deputados.
Doutor em medicina preventiva USP (1981). Em 1971, Em 1990 candidatou-se a deputado
Hésio
ingressou como docente no Instituto de Medicina Social (IMS), federal pelo Partido Democrático Presidente do Instituto Nacional de Assistência
Cordeiro
que ajudou a fundar na UERJ com o grupo de sanitaristas de Trabalhista. (PDT). Médica e Previdência Social (INAMPS) de 1985
Campinas encabeçado por Sérgio Arouca. Entre 1971 e 1978 a 1988.
trabalhou como consultor da atuando em vários países, como
203

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Argentina, Peru, Equador, Venezuela, Costa Rica, Nicarágua, Integrou o Grupo de Trabalho para o Programa
Honduras, México e República Dominicana. Foi responsável de Saúde, da Coordenação do Plano de Ação do
pela reestruturação do setor saúde e pela implantação SUDS - governo do presidente Tancredo Neves (1986).
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
Foi secretário de Educação do estado do Rio de
Janeiro (1999) no governo de Marcelo Alencar
(PSDB).

Diretor de gestão da Agência Nacional de Saúde


Suplementar (ANS) pelo presidente Luís Inácio
Lula da Silva (2007).

Médico (1972), mestre em Medicina (1975) e Doutor em Saúde Assessor especial na Secretaria de Saúde do
Pública pela UFBA (2007). É professor da Universidade Estado da Bahia
Jairnilson
Federal da Bahia desde 1974 e Professor Titular do Instituto de
Paim
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia desde 2000. Fundador do núcleo do CEBES na Bahia.

Entra em contato com Partidão


(PCB) durante a graduação em
Medicina da UERJ e atua como
Jaime Oliveira Médico Psiquiatra pela UERJ (1969) e Mestre IMS (1976).
militante. Na década de 1980 torna-
se militante do PMDB.

Era vinculado ao PCB e integrava o


Presidente do Cebes em 1981.
Médico pela UFRJ em 1977. Mestre em Saúde Pública pela chamado “Partido Sanitário”.
Foi secretário de Planejamento do INAMPS de
ENSP e Doutor em Medicina Social no Instituto de Medicina Em, 1976, filiou-se ao Partido
1985 a 1988;
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Comunista Brasileiro (PCB).
Foi também membro da Comissão de Política de
Foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde da Associação Brasileira de Pós-
José Gomes Saúde (Cebes). Em 1980, foi contratado pela Fiocruz como Desligou-se do PCB, após a decisão
Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), de
Temporão professor e pesquisador do Departamento de Administração e do partido definida pelo X
1989 a 1990;
Planejamento de Saúde da ENSP, Participou ativamente dos Congresso, de extinguir a
Sub-secretário Estadual de Saúde do Rio de
debates acerca da reforma sanitária que influenciariam na agremiação e criar um novo partido
Janeiro (1991) na gestão de Leonel Brizola
criação do Sistema Único de Saúde (SUS). sem menção ao marxismo, o Partido
(PDT)
Popular Socialista (PPS).
204

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Presidente do Instituto Vital Brazil (IVB) de
Filiou-se, então, ao Partido 1992 a 1995
Democrático Trabalhista (PDT) em Assessor-chefe de planejamento da Secretaria de
1992. Educação do estado do Rio de Janeiro na gestão
de Marcelo Alencar (PSDB)em 1999.
Sub-secretário municipal de Saúde do Rio de
Janeiro (2001) na gestão de Sérgio Arouca,
durante o governo de César Maia (PTB).
Presidente do Instituto Nacional do Câncer
(INCA) 2003 a 2005.
Foi nomeado Ministro da Saúde do Brasil de
2007 a 2011 durante o governo Lula (PT).
Foi Militante do MDB, da 17ª Zona,
Chefe de Gabinete do INAMPS - gestão Hésio
Médico pela UFRJ, Mestre em Medicina Social pela diretório Rubens Paiva, presidido
Cordeiro (1985-1988).
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1978) e Doutor em pelo Carlos Lessa.
José Carvalho Saúde Coletiva UFRJ. Professor adjunto aposentado do
Secretário Estadual de Saúde do Rio de Janeiro
de Noronha IMS/Uerj; Pesquisador do Centro de Informação Científica e Atuou como secretário de Saúde do
(1988- 1990) no governo Moreira Franco
Tecnológica/Fiocruz. Foi Presidente da Abrasco (2000-2003); Estado do RJ no governo do PMDB.
(PMDB).
Presidente do CEBES 1976-1978 E 1978-1979

Coordenador-executivo da Sociedade Brasileira


Graduado em Medicina pela Universidade Federal de de Vigilância de Medicamentos (SOBRAVIME)
Não era militante de nenhum
Pernambuco (1973), Mestre em Ciências pelo Programa de Ex-conselheiro suplente do Conselho Nacional
José Ruben de partido, mas participou do grupo
Pós-graduação da Coordenadoria de Controle de Doenças da de Saúde (2006-2009).
Alcantara Ação popular na base de trabalho
SES-SP (2006) e doutor em Ciências pela Faculdade de Saúde
Bonfim comunitário e não do movimento
Pública da USP (2015). Um dos fundadores do Cebes junto Atualmente é Analista de Saúde (médico) da
estudantil.
com David Capistrano na década de 1970. Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e
Médico III da Secretaria de Estado da Saúde de
São Paulo.

Formou-se em Medicina pela Universidade Federal da Bahia Militante do PCB; Secretário estadual de Saúde da Bahia (1987-
Luiz Umberto
(UFBA), em 1967. Em 1968 especializou-se em Psiquiatria, 1989).
Pinheiro
também, na UFBA. Em 1974, em Epidemiologia Psiquiátrica, Militante do PT;
205

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
pela Universidade de Londres, Inglaterra. Mestrado em Saúde Eleito deputado pelo Partido do Movimento
Comunitária, na UFBA (1980). Participou do Diretório Filiado e candidato à deputado pelo Democrático Brasileiro - PMDB (1983-1987);
Estudantil da UFBA, em 1964, e da União de Estudantes da PMDB;
Bahia, em 1966. Professor do Departamento de Psiquiatria da Foi reeleito Constituinte, ainda pelo PMDB
Fameb-UFBA (1969 e 1995) e do mestrado em Saúde Organizador nacional e estadual do (1987-1991)
Comunitária da Ufba (1975-1982). Médico do Iapseb (1969- Movimento de Renovação Médica,
1973) e da Sesab (1970). idealizador e secretário-geral do Presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia
Parlamento Brasileiro da Saúde (1976-1977);
(1984-1986).
Secretário-geral da Associação Bahiana de
Medicina (1979-1981) e vice-presidente da
Associação Médica
Brasileira (1981-1982).

Graduado em Medicina pela UFBA (1975). Mestrado em


Saúde Pública (1981 e Doutorado (2003) em Epidemiologia.
Atualmente é Professor Aposentado do Instituto de Saúde
Exerceu seu primeiro mandato como reitor da
Coletiva da UFBA, onde atua como Coordenador do INCTI
Naomar de UFBA em 2002, sendo reconduzido ao cargo
Inovação, Tecnologia e Equidade em Saúde - INTEQ-Saúde, e
Almeida Filho em 2006.
Professor Visitante no Instituto de Estudos Avançados da
Atuou como consultor da OPAS de 1994-1997
Universidade de São Paulo (USP), onde ocupa a Cátedra de
Educação Básica Itaú Social, desenvolvendo estudos sobre a
relação entre universidade, educação, história e sociedade.
Secretário Municipal de Saúde de Campinas/SP
de 1983 à 1988 durante o governo de José
Médico e Doutor em Medicina Preventiva pela USP (1967).
Filiado e militante do PCB desde a Roberto Magalhães Teixeira (PMDB).
Atuou como Coordenador do Departamento de Saúde Coletiva
época de estudante e integrante do
Nelson da Universidade Estadual de Londrina/PR de 1970-1976 e
“Partido Sanitário”. Secretário Executivo do Ministério da Saúde (ver
Rodrigues dos professor de Medicina Preventiva da Unicamp. Participou do
data)
Santos no CEBES desde sua fundação, sendo membro da Diretoria em
Presidente do Conselho Nacional de Secretários
1985-1986.
Estaduais de Saúde (CONASS) de 1989 à 1990;
206

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS
Coordenador da Secretaria Executiva do
Conselho Nacional de Saúde de 1997à 2002;
Médica; Mestre em Saúde Pública (Ensp/Fiocruz); Sanitarista
Coordenadora da Plenária Nacional de Saúde
da Secretaria de Saúde/DF; Assessora do Núcleo de Saúde
(1987-1991);
Pública da UnB no Projeto de Acompanhamento da
Samara
Assembléia Nacional Constituinte para a área de saúde e
Rachel Vieira Chefe de Gabinete da Secretaria de Gestão do
acompanhamento legislativo no Congresso Nacional na
Nitão Trabalho e Educação na Saúde/Ministério da
elaboração e aprovação das Leis Orgânicas da Saúde (1987-
Saúde (2005).
1991);
Presidência da Fiocruz (1985) Secretário de
Estado da Saúde do Rio de Janeiro.

Candidato à Vice-presidência da República em


Foi militante do Partido Comunista
Médico sanitarista pela USP (1966), e Doutor em Medicina 1988 pelo PCB na chapa de Roberto Freire.
Brasileiro (PCB), no qual lutou pelo
Preventiva pela UNICAMP (1975). Sua tese de doutorado
acesso universal à saúde e pelas
intitulada: “O dilema preventivista: contribuição para a Candidato a vice-prefeito do Rio de Janeiro pelo
reformas de base.
compreensão e crítica da medicina preventiva”, forneceu PCB na chapa de Benedita da Silva.
fundamentos teóricos estruturantes para a constituição da base
Ajudou na criação do Partido Popular
conceitual da saúde coletiva. Foi professor da Escola Nacional Deputado Federal por oito anos: 1991 a 1994
Socialista (PPS), em 1995.
de Saúde Pública (ENSP), convidado para trabalhar com o (PCB) / 1995 a 1998 (PPS).
governo sandinista da Nicarágua. Em 1982, foi eleito chefe do
Sérgio Arouca
Departamento de Planejamento da ENSP. Em 1985 foi Secretário de Saúde do Município do Rio de
(faleceu em
nomeado presidente da Fiocruz. Responsável pela reintegração Janeiro no ano de 2001.
2003)
dos dez cientistas cassados pela ditadura militar. Ocupou a
presidência da instituição até abril de 1988, quando exonerou- Coordenador do programa de saúde de Ciro
se, a pedido, para concorrer como vice-presidente da República Gomes (PPS) na eleição para Presidência da
na chapa do PCB, com Roberto Freire. Foi também consultor República em 2002.
da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), atuou em
vários países, como México, Colômbia, Honduras, Costa Rica, Participou da Secretaria de Gestão Participativa
Peru e Cuba. do Ministério da Saúde em janeiro de 2003 e foi
nomeado para a coordenação-geral da 12ª
Conferência Nacional de Saúde e para ser o
representante do Brasil na Organização Mundial
de Saúde (OMS).
207

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS

Atuou como Presidente do CEBES (2006) e vice-


presidente da ABRASCO.

Atuou como consultora do Ministério da


Previdência Social, na gestão do Dr. Waldir Pires
(1985-1986)
Psicóloga graduada pela UFMG (1976 – 1977), Especialista
Filiada ao PCB nos anos 70, não
Sonia Teixeira em Medicina Social (1976), Doutora em Ciência Política. Foi Consultora da Assembleia Nacional Constituinte,
ocupou cargos eletivos nem na
Fleury professora titular da FGV. Atuou como Presidente do CEBES para a elaboração do capítulo sobre a Seguridade
burocracia do partido
e vice-presidente da ABRASCO. Social da Constituição de 1988, na relatoria do
Senador Almir Gabriel.

Participou da redação do documento preparatório


e como expositora na 8ª Conferência Nacional de
Saúde.

Secretário Municipal de Saúde e Ação Social,


Montes Claros, MG, 1983-1985;
Filiado e Deputado pelo PMDB.
Secretário Nacional de Serviços Médicos,
Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Deputado(a) Federal de MG, MPAS, 1985-1988;
Gerais (UFMG) (1976), Mestrado em Saúde Pública (1983); PMDB, de 1995 a 2015.
Especialização em Saúde Pública (1981). Foi Diretor de centro Secretário, Secretaria da Ciência e Tecnologia do
Saraiva
de saúde em Montes Claros (1977-1982); Atuou como
Felippe Atualmente é deputado Ministério da Saúde, 1989-1990;
Professor Assistente, da Faculdade de Medicina, UFMG,
Montes Claros, 1978-; Professor Assistente, UFMG,; federal por Minas Gerais pelo
Professor, ENSP, (1982); Secretário, CEBES, (1983-1985); PMDB Secretário da Saúde do Estado de Minas Gerais,
1991-1994;

Foi ministro da Saúde no governo de Lula (2005)


208

VÍNCULO COM PARTIDOS CARGOS POLÍTICOS E/OU GESTÃO


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLÍTICOS

Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de


Janeiro (1977), mestrado em Saúde Pública pela Fundação
Oswaldo Cruz (1987) e doutorado em Sociologia pela
Militante do PCB, mas afirma ter Presidente do Cebes (2003-2006);
Sarah Escorel Universidade de Brasília (1998). Pesquisadora Titular
atuado de forma mais independente.
(Fiocruz)* [entrevistada em 6/1/2006]. pesquisadora Titular da
Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), presidente
do CEBES,
Graduado em Medicina pela Faculdade Evangélica do Paraná
(1979), pós-graduação em medicina (Dermatologia) pela UNI-
RIO (1994), mestrado em Medicina (Dermatologia Clínica e
Cirúrgica) pela Universidade Federal de São Paulo (1999) e
Aproximação do PCB como
doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz
Ziadir militante durante a graduação.
(2011). Atualmente é médico dermatologista do Centro de Saúde Atuação na gestão da SES de Londrina.
Coutinho Participou da organização do núcleo
Escola Germano Sinval Farias da ENSP/FIOCRUZ, atuando na
do CEBES em Londrina.
dermatologia como referencia para as equipes de saúde da
família e na área de saúde coletiva, com ênfase em micoses
humanas, particularmente, paracoccidioidomicose, hanseníase e
câncer de pele. Participou da construção do CEBES em Curitiba
209

APÊNDICE 3- AGENTES DOS PARTIDOS POLÍTICOS E SUAS TRAJETÓRIAS 177

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA RELAÇÃO COM O SETOR SAÚDE OU


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Médico e Professor da Faculdade de Medicina da Ministro da Saúde em 1985.
Universidade Federal da Bahia (UFBA). De 1971-1975 Ministro da Educação durante o governo Sarney
foi conselheiro da Fundação Hospitalar do Estado da (1986)
Bahia, diretor-geral do Departamento de Assistência da Participou na Comissão da Ordem Social na ANC
Secretaria da Saúde Pública e Coordenador do programa 1987/88.
materno-infantil da Fundação Secretaria de Saúde do Como deputado teve um papel articulador no
Estado da Bahia (Fusep). Foi eleito em 1974 como movimento sanitário fundamental. Era pediatra na
deputado estadual pela ARENA. Em 1978, migrou para Bahia, deputado estadual, secretário estadual de
o PP após o retorno ao pluripartidarismo. Foi reeleito por educação e não estava diretamente envolvido com o
seu novo partido após a fusão PP e PMDB em 1982. movimento da Reforma. No momento em que ele foi
ARENA (1974) notificado que viria para a saúde, e que assumiria a
Carlos Sant’anna
PP (1978) pasta ministerial da saúde, começou a estudar essas
PMDB (1982) questões e se articulou com as pessoas que estavam no
processo da Reforma.
Se integrou às discussões da saúde até assumir o cargo
de coordenador do grupo de saúde na formulação da
proposta de governo de Tancredo Neves.
Como coordenador do grupo e auxiliado por uma
equipe de grande expressão institucional e intelectual,
apresentou um programa de governo para a saúde
comprometido com os ideais da universalização e da
eqüidade.
Graduação em Ciências Econômicas na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participou da
MDB
Carlos Lessa Comissão de Estudos Econômicos para a América Latina
PMDB (1980)
(Cepal) e lecionou no Instituto Latinoamericano y del

177
Tabela construída a partir dos nomes citados ao longo do primeiro mapeamento deste trabalho. No decorrer da pesquisa e a partir da análise de novos documentos e
materiais, novos agentes e novos dados serão inseridos nesta tabela. Informações coletadas em entrevistas e na revisão bibliográfica da literatura analisada.
210

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA RELAÇÃO COM O SETOR SAÚDE OU


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Caribe de Planificación Econômica y Social
(ILPES/ONU), Instituto de Estudos em Administração
Pública da Fundação Getúlio Vargas (IEAP/FGV),
Instituto de Economia (IE) da UFRJ. Foi diretor do
Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) no Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social de
1985 a 1988. Foi também conselheiro do Conselho
Superior de Previdência Social entre 1986 e 1989. Filiado
do PMDB desde 1980, pertenceu à ala progressista do
MDB.
Advogado, empresário e político brasileiro, de Minas
Gerais. Em 1947, foi eleito deputado estadual
pelo Partido Social Democrático (PSD), deputado
federal (1950) e exerceu cargos de Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, diretor do Banco de
Crédito Real de Minas Gerais, Carteira de Redescontos
do Banco do Brasil, a Secretaria de Finanças do Estado
de Minas Gerais. Com a instauração do regime
parlamentarista, foi nomeado primeiro-ministro do
PSD (1947) Brasil, de 1961 a 1962. Foi um dos principais líderes
MDB (1966) do MDB e reelegeu-se deputado federal em 1966, 1970
Tancredo Neves PP (1979) e 1974, senador em 1978 . Fundou o Partido
PMDB (1982) Popular (PP) em 1979. Em 1982, ingressou no Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e
foi eleito governador de Minas. Foi o nome escolhido
para representar uma coligação de partidos de oposição
reunidos na Aliança Democrática. Em 1985
foi eleito presidente do Brasil pelo voto indireto de um
colégio eleitoral por uma larga diferença. No entanto,
adoeceu gravemente em 14 de março do mesmo ano,
véspera da posse. Em 21 de abril, morreu
de infecção generalizada.
211

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA RELAÇÃO COM O SETOR SAÚDE OU


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Advogado, economista e banqueiro. Foi um dos
fundadores da UDN e eleito deputado federal em 1945,
1950, 1954 e 1958. Em 1960 foi eleito governador de
Minas Gerais ao derrotar Tancredo Neves, candidato do
PSD. Eleito deputado federal pela ARENA em 1966,
assumiu o Ministério das Relações Exteriores no
UDN (1945)
Governo Costa e Silva. Em 1970 foi eleito senador, em
ARENA (1966)
1975 e 1978 foi eleito deputado federal. Participou da
Magalhães Pinto PP (1979)
fundação do Partido Popular (PP) em 1979 ao lado do
PDS (1982)
senador Tancredo Neves. A convivência entre eles
cessou após a incorporação entre PP e PMDB, medida
rejeitada por Magalhães Pinto que filiou-se ao PDS e foi
reeleito deputado federal em 1982. Ausentou-se da
votação da Emenda Dante de Oliveira em 1984 e votou
em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985.
Médico, do Estado Bahia. Professor de medicina Durante seu mandato como deputado federal (1979)
preventiva na UFBA de 1972 até 1990 e Mestre em presidiu a Comissão de Saúde da Câmara dos
medicina social. Foi Secretario de Saúde da Bahia, no Deputados e organizou, em 1980, o I Simpósio sobre
governo de Roberto Santos (ARENA - 1975-1979). Nas Política Nacional de Saúde.
eleições realizadas em novembro de 1978, candidatou-se
ao seu primeiro mandato parlamentar na legenda da
ARENA (1978) ARENA. Foi eleito deputado federal em fevereiro de
PP (1980) 1979. Com a extinção do bipartidarismo em 29 de
PMDB (1982) novembro de 1979 filiou-se ao Partido Popular (PP).
Ubaldo Dantas
PDT (1982) Com o fim do PP em fevereiro de 1982, filiou-se ao
PSDB (1990) Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
e, mais tarde, ao Partido Democrático Trabalhista (PDT),
elegendo-se prefeito de Itabuna em novembro de 1982.
Filiou-se ao Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB) e concorreu a uma vaga na Câmara dos
Deputados em outubro de 1990, obtendo a primeira
suplência.
212

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA RELAÇÃO COM O SETOR SAÚDE OU


AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)

Médico sanitarista, deputado estadual e federal pelo Atuou em movimentos populares na periferia de São
Partido dos Trabalhadores em várias legislaturas, de 1983 Paulo, a partir de 1974,
a 2000. Durante a ditadura militar atuou como militante Organizou os primeiros conselhos populares de saúde,
no movimento estudantil e no Partido Comunista em 1978.
PT (1983) Brasileiro Revolucionário (PCBR) – partido clandestino Trabalhou como médico sanitarista da Secretaria de
Eduardo Jorge PV (2003) surgido em 1964 como uma ramificação do PCB. Saúde do Estado de São Paulo.
Membro da Comissão da Ordem Social e subcomissão
saúde, seguridade e meio-ambiente na Assembleia
Nacional Constituinte de 1987/88.

Médico, do estado do Ceará, deputado estadual pelo Iniciou a carreira como médico do Instituto Nacional
Partido Democrático Social (PDS) em novembro de de Previdência Social (INPS) e do Instituto Nacional
1982. Na Assembleia Legislativa do Ceará foi vice-líder de Assistência Médica e Previdência Social
do PDS, em 1983, e coordenador da bancada do partido, (INAMPS) no Crato (CE), em 1960.
em 1984. Posteriormente, exerceu o cargo de primeiro- Foi Suplente da Subcomissão de Saúde, Seguridade e
secretário no Partido do Movimento Democrático do Meio Ambiente, da Comissão da Ordem Social
PDS (1982) Brasileiro (PMDB). Em 1985 participou, na qualidade de (1987), e titular da Comissão de Sistematização
Raimundo
PMDB (1984) delegado da Assembleia Legislativa do Ceará, da sessão (1987-1988) votou a favor da proibição do comércio
Bezerra
do Colégio Eleitoral e votou em Tancredo Neves. Em de sangue.
1986 candidatou-se a deputado federal constituinte pela Em junho de 1989 atuou como presidente da
legenda do PMDB. Participou da Assembleia Nacional Comissão de Saúde da Câmara e apresentou o projeto
Constituinte (ANC). global de orçamento para a Seguridade Social ao
Congresso Nacional. O projeto incluía as leis
orgânicas da Saúde e da Assistência Social e o Plano
de Custeio e Benefícios da Previdência Social.
Médico, professor nas Faculdades de Medicina de Itajubá Em 1982 foi presidente da Comissão de Saúde da
e de Alfenas, e foi diretor da Faculdade de Medicina – Câmara Federal. Secretário Estadual de Saúde do
PMDB (1982)
Unifenas-BH. Foi deputado federal em 1982 pelo Distrito Federal (1985);
Carlos Mosconi PSDB (1988)
PMDB. Foi um dos fundadores do PSDB e primeiro Na Assembleia Constituinte, foi relator da Saúde,
presidente da legenda em Minas, de 1988 a 1991. contribuindo para a criação do SUS.
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AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Em 1991, foi convidado pelo Presidente Itamar Franco
para presidir o Inamps. Em sua gestão, ele extinguiu o
instituto.
Médico, membro do Movimento Democrático Brasileiro Foi membro titular da Subcomissão de Saúde e da
(MDB) desde 1972. Em 1976, foi eleito prefeito de Seguridade na ANC.
Pindamonhangaba e em 1982, já no PMDB, foi eleito Em 1988, integrou as comissões de Saúde,
deputado estadual de São Paulo. Nas eleições de 1986, Previdência e Assistência Social e de Defesa do
Alckmin foi eleito deputado federal constituinte. Em Consumidor e do Meio Ambiente da Câmara dos
1988, descontente com os rumos do PMDB, Alckmin, Deputados.
MDB (1972) Franco Montoro, José Serra, Bresser Pereira, Fernando Em 1989 foi relator do projeto de regulamentação do
PMDB (1982) Henrique Cardoso, Mário Covas e outros dissidentes funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS),
Geraldo Alckmin
PSDB (1990) fundam o Partido da Social Democracia Brasileira criado pela nova Constituição. Seu substitutivo ao
(PSDB) Foi reeleito deputado federal nas eleições de projeto previa, entre outras medidas, a extinção do
1990. Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS), proposta pelo
Executivo.
Foi também relator da Lei Orgânica da Saúde e da
nova legislação sobre doação e transplante de órgãos.
Advogado, militante, atuou como advogado sindical Na Constituinte, defendeu o acesso à saúde pública
defendendo trabalhadores rurais, em 1962 sob a por meio da criação de fortalecimento do SUS;
influencia do PCB. Participou pela primeira vez de uma Concorreu a presidência e teve como seu vice
PCB (1962) eleição em 1972 como candidato a prefeito de Olinda candidato Sérgio Arouca pelo PCB.
MDB (1965) pelo então MDB, e embora tenha sido o mais votado
PMDB (1980) perdeu para a soma dos votos das duas sublegendas da
PCB (1985) ARENA. O primeiro mandato, de deputado estadual, foi
Roberto Freire PPS (1992) conquistado em 1974 pelo MDB. Foi eleito para quatro
mandatos sucessivos de deputado federal. Foi também
vice-líder do MDB. Participou na linha de frente da
campanha pelas Diretas Já. Como líder do PCB, após a
legalização do partido, teve um papel destacado na
Assembleia Constituinte.
214

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AGENTES FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA
POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Advogado, jornalista, cientista político, professor
universitário. Foi deputado estadual de Minas Gerais em
1959 e vereador de Barbacena, de 1954 a 1958 pela
UDN (1959) UDN. Deputado estadual de Minas pela ARENA em
Bonifácio
ARENA (1975) 1975. Torna-se deputado federal pela ARENA em 1979
Andrada
PSD (1980) e pelo PDS de 1980-1993. Filiou-se ao PTB nas eleições
PTB (1994) de 1994 e posteriormente, em 1997, ao PSDB exercendo
PSDB (1997) o cargo de deputado federal. Foi membro da Assembleia
Nacional que elaborou a Constituição de 1988.

Farmacêutico, foi secretário do diretório municipal do Foi membro titular da Comissão de Saúde (1979-
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na cidade de 1981) da Câmara dos Deputados.
Francisco Beltrão, Paraná (1960-1962)) e, em seguida, Foi coordenador do segundo simpósio nacional de
prefeito (1963-1964). Foi um dos fundadores, em 1966, Saúde da Câmara (1981).
da seção paranaense do partido oposicionista, Membro das comissões de Saúde e de Previdência e
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e eleito de Assistência Social da Câmara dos Deputados em
novamente vereador em Francisco Beltrão até 1969. No 1986 na ANC.
pleito de novembro de 1978 elegeu-se deputado federal Em 1986 integrou a missão brasileira à reunião da
pelo MDB, filiando-se ao Partido do Movimento Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre
PTB (1960) Democrático Brasileiro (PMDB). Participou da tendências e políticas de organização dos sistemas
MDB (1966) campanha das Diretas Já, no início de 1984, e das nacionais de saúde, em Caracas, Venezuela.
Euclides Scalco PMDB (1980) articulações que levaram à formação da Aliança
PSDB (1988) Democrática e à vitória de Tancredo Neves no Colégio
Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985. Nas eleições de 15
de novembro de 1986, elegeu-se deputado federal
constituinte pelo PMDB paranaense. Desempenhou
papel de destaque nas articulações políticas durante a
Constituinte, tendo sido um dos líderes do “grupo do
consenso”, um dos agrupamentos suprapartidários
formados no processo constituinte, reunindo
parlamentares de centro-esquerda com o objetivo de
defender propostas de conteúdo social e democrático na
215

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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
nova Constituição. Em 1988, ao lado de outros
peemedebistas foi um dos principais organizadores do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tendo
sido secretário-geral de sua comissão provisória nacional
e, logo a seguir, eleito na convenção de fundação do
partido secretário-geral de sua primeira Executiva
Nacional.

Ex-sindicalista e ex-metalúrgico, foi fundador do Partido


dos Trabalhadores (PT). Em 1968, filiou-se ao Sindicato
de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. .
Em 1978, passou a liderar as negociações e as greves de
metalúrgicos de sua base na região do ABC paulista. Em
1980, Lula se juntou a sindicalistas, intelectuais,
representantes dos movimentos sociais e católicos
militantes da Teologia da Libertação para formar o
Luiz Inácio (Lula) Partido dos Trabalhadores (PT), do qual foi o primeiro
PT (1980)
da Silva presidente. Em 1984, participou da campanha Diretas Já.
Lula e o PT abstiveram-se de participar desta eleição. O
PT decide firmar uma posição independente ao governo
Sarney, mas logo se encontram no campo da oposição ao
novo governo. Em 1986, Lula foi eleito deputado federal
por São Paulo e participa da elaboração da Constituição
Federal de 1988. Em 1989, candidatou-se a presidente e
ficou em segundo lugar. Candidatou-se novamente em
1994 e 1998, sendo finalmente eleito em 2002 como
presidente da República até 2011.
Engenheiro Civil, fundador do PDT. Filiou-se ao Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1945. Em 1947 foi
PTB (1945)
eleito deputado estadual eleito deputado estadual do Rio
Leonel Brizola PDT (1980)
grande do Sul. Foi reeleito deputado estadual em 1950 e
em 1954 foi eleito como deputado federal. Em janeiro de
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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
1956, foi eleito prefeito de Porto Alegre. Vence a
candidatura à governador do Rio Grande do Sul em 1959.
Participou em 1961, da Campanha da Legalidade, em
defesa da democracia e do direito de seu cunhado, o vice-
presidente João Goulart, ser empossado presidente da
República. Após o golpe de 1964, exilou-se no Uruguai,
EUA e Portugal, retornando ao Brasil em 1979 com a Lei
da Anistia. Em 1980 funda o Partido Democrático
Trabalhista (PDT). Em 1983 foi eleito como governador
do Rio de Janeiro, onde manteve-se até 1987. Participou
das manifestações pelas Diretas Já em 1984 e orientou a
bancada do PDT a votar na chapa de Tancredo Neves nas
eleições indiretas. Candidatou-se à presidência da
República em 1989, obtendo o terceiro lugar no primeiro
turno. Foi ainda novamente governador do Rio de Janeiro
de 1991 a 1994.
Assistente social e política brasileira, foi eleita a primeira
prefeita de São Paulo e representando p PT de 1989 –
1993. Foi também Deputada estadual de São Paulo
(1987- 1988); Vereadora de São Paulo (1983- 1986). É
PT (1980-1998) deputada federal por São Paulo desde fevereiro de 1999.
Luiza Erundina PSB (1998-2016) Atualmente é filiada ao Partido Socialismo e
PSOL (2016-presente) Liberdade (PSOL) e atualmente deputada federal pelo
estado de São Paulo. Erundina defende uma maior
participação feminina na representatividade

Jornalista, eleita deputada federal pelo Partido


PTB (1950)
Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1950 pelo estado de São
Ivete Vargas MDB (1969)
Paulo. Foi reeleita sucessivamente em 1954, 1958, 1962
PTB (1980)
e 1966 sendo uma das primeiras parlamentares
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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
brasileiras. Presidiu o PTB paulista até a extinção da
legenda em 1965 e aderiu ao MDB, tendo sido cassada
em 1969, pelo AI-5 e desligou-se momentaneamente da
vida política. Em 1979 presidiu uma das facções que
disputaram o controle da sigla do PTB, com o grupo de
Leonel Brizola, e em 1980, por decisão do TSE, ganhou
a disputa, e se tornou a Presidente Nacional do novo PTB
enquanto grupo de Brizola fundava o Partido
Democrático Trabalhista (PDT).
Jurista, foi vereador em São Paulo pelo PDC em 1947,
deputado estadual em 1950 e deputado federal em 1958,
1962 e 1966. Ingressou no MDB em 1966. Foi
PDC (1947) eleito senador em 1970 e reeleito em 1978. Foi um dos
MDB (1966) fundadores do PMDB em 1980. Foi eleito governador
Franco Montoro
PMDB (1980) de São Paulo em 1982. Participou da campanha pelas
PSDB (1988) Diretas Já . Participou da criação do PSDB em 1988. Foi
novamente eleito deputado federal em 1994 e 1998.

Engenheiro civil, nacionalmente conhecido pela autoria


de uma emenda constitucional que levou seu nome, que
propunha o restabelecimento das eleições diretas para
presidente da república, num movimento que resultou na
campanha das Diretas Já em 1984. Militou no MR–8
MDB (1976-1980)
(Movimento Revolucionário Oito de Outubro) e a seguir
PMDB (1980-1990)
Dante de Oliveira ingressou em 1976 no MDB. Foi eleito deputado estadual
PDT (1990-1994)
em 1978 pelo estado do Mato Grosso. Com a extinção do
PSDB (1994-2006
bipartidarismo filiou-se ao PMDB sendo eleito deputado
federal em 1982 e apresentando no ano seguinte uma
emenda restabelecendo as eleições diretas para
presidente que se realizariam em 15 de novembro de
1984. A emenda foi barrada, e o governo federal enviou
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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
ao parlamento a chamada “emenda Figueiredo” que
previa o restabelecimento das eleições diretas apenas em
1988. Em 1985, foi eleito prefeito de Cuiabá pelo PMDB,
cargo que exerceu entre 1º de janeiro de 1986 e 28 de
maio de 1986, quando assumiu o Ministério da Reforma
e do Desenvolvimento Agrário do governo Sarney.
Ingressou no PDT em 1990 e em 1992, elegeu-se como
refeito de Cuiabá novamente. Em 1994, foi eleito
governador de Mato Grosso. Ingressou no PSDB e foi
reeleito governador em 1998.

Advogado, um dos principais opositores à ditadura


militar. Com a instauração do bipartidarismo (1965)
MDB, do qual seria vice-presidente e, depois, presidente.
À frente do partido, participou de todas as campanhas
pelo retorno do país à democracia, inclusive a luta pela
anistia ampla geral e irrestrita. Era considerado um dos
principais parlamentares da chamada oposição
“autêntica”, ou seja, mais moderados que acreditavam na
possibilidade de atuar mesmo sob o regime ditatorial.
PSD (1947) Com o tempo foi aproximando-se dos chamados
Ulisses Guimarães MDB (1965) “radicais”. Com o fim do bipartidarismo (1979), o MDB
PMDB (1979) converteu-se em Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), do qual seria presidente nacional.
Liderou a campanha de redemocratização, pelas Diretas
Já e em 1º de fevereiro de 1987, tomou posse como
presidente da Assembleia Nacional Constituinte,
responsável por estabelecer nova Constituição
democrática para o Brasil. Candidatou-se à Presidência
da República, na sigla do PMDB, nas eleições de 1989.
Em 1990, foi reeleito deputado.
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(1984-1988)

Aderiu ao MDB em 1966 e foi eleito deputado federal


pelo Rio de Janeiro. Inicialmente apoiou o movimento
militar de 1964, porém, quando foi proclamado o AI-1,
ele tornou-se opositor do regime. Ao proferir no início de
setembro de 1968, como deputado, um discurso no
Congresso Nacional em que convocava um boicote às
paradas militares alusivas à Semana da Pátria e solicitava
às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do
Exército, em uma alerta contra as torturas que ocorriam
no regime, o Ministro da Justiça à época enviou à Câmara
de Deputados pedido de autorização para que o deputado
Márcio Moreira Alves fosse processado. A crise foi se
aguçando e por fim em 11 de dezembro de 1968 os
Marcio Moreira MDB (1966)
deputados votaram o pedido, recusando-o. Em represália,
Alves PMDB (1979)
o governo determinou o fechamento (recesso) da Câmara
e os deputados tiveram que se retirar atravessando uma
ameaçadora e humilhante fileira de soldados. Logo em
seguida, foi decretado o AI-5. Márcio Moreira Alves
estava obviamente "jurado de morte" e teve que
rapidamente exilar-se. Retornou ao Brasil apenas em
1979, após a Lei da Anistia. Em 1979 filiou-se ao PMDB
concorrendo a uma cadeira na Câmara dos Deputados
pelo Rio de Janeiro. Entre 1982 e 1984, assessorou Luís
Carlos Bresser Pereira na presidência do Banco do
Estado de São Paulo (Banespa), e depois na Secretaria de
Governo de São Paulo.

PST (1961) Engenheiro, trigésimo governador do estado de São 


Mario Covas MDB (1968-1986) Paulo, entre 1995 e 2001. Iniciou a vida política em 1961,
PMDB (1986-2001) como candidato à prefeitura de Santos, sua cidade natal.
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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Elegeu-se como deputado federal, pelo PST. Com a
dissolução dos partidos políticos em 1965, foi um dos
fundadores do MDB. Em 1968, foi líder da bancada
oposicionista na Câmara dos Deputado e cassado em
1969. Em 1979, reconquistados os direitos políticos,
torna-se presidente do MDB. Foi reeleito deputado
federal em 1982 pelo PMDB. Com a posse do governador
André Franco Montoro em março de 1983, seria
nomeado por ele Secretário de Estado dos Transportes de
São Paulo. Apenas dois meses depois, com o apoio do
próprio Franco Montoro, venceria o grupo de Orestes
Quércia dentro do PMDB e foi nomeado para a prefeitura
de São Paulo até 1986. Foi eleito senador em 1986 com
7,7 milhões de votos, a maior votação de um candidato a
cargo eletivo na história do Brasil até então, beneficiado
também pela reputação conquistada como prefeito. Foi
líder da bancada do PMDB no Senado durante a
Assembleia que elaborou a Constituição de 1988.
Durante os trabalhos da Assembleia Nacional
Constituinte, alinhou-se muitas vezes às bancadas de
esquerda e fez oposição ao chamado Centrão, bloco
supra-partidário liberal de direita.
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(1984-1988)
Graduado em Engenharia Eletromecânica, foi deputado
estadual pela UDN (1958-1966), banda mais ortodoxa do
partido. Foi eleito deputado federal (1966-1974), pela
ARENA. Foi eleito governador de Minas Gerais, por via
indireta, em 1974. Foi Vice-Presidente da República
(1979-1985), exercendo várias vezes a presidência, sendo
o primeiro vice-presidente civil do regime militar. Por
ocasião das eleições indiretas, se ofereceu em 1984 como
UDN (1958) candidato dentro de seu partido, o PDS. Com a vitória de
ARENA (1966) Maluf na convenção, nomes como Aureliano, Maciel e
Aureliano Chaves
PDS (1979) Jorge Bornhausen decidiram sair do PDS e fundar um
PFL (1985) novo partido, o Partido da Frente Liberal (PFL), em
alusão à "frente liberal" que esses políticos formavam a
partir dali, para apoiar o candidato da oposição Tancredo
Neves no colégio eleitoral, na chamada "Aliança
Democrática". Concorreu à presidência nas eleições
diretas de 1989 pelo PFL, terminando o pleito em nono
lugar.

Médico-Residente, Hospital das Clínicas Salvador,


Formou-se em medicina pela Universidade Federal da
BA, 1962-1963;
Bahia em 1962, em Salvador, tendo feito residência em
clínica médica no Hospital das Clínicas Professor Edgar
Santos. Foi médico do Instituto de Aposentadoria e Médico, IAPFESP, Vitória, ES, 1965-1966;
Max Mauro MDB (1971-1979)
Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços
PMDB (1987-1986) Médico, IAPB, Vitória, ES, 1966;
Públicos (IAPFESP) e posteriormente do Instituto de
PDT (1986-1998)
Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB). Com a
PTB (1998)
fusão dos institutos de previdência social do país, tornou- Diretor, Serviço de Saúde e Assistência Social, Vila
se médico do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Velha, ES.
Médica da Previdência Social). Foi sócio e plantonista do
Pronto Socorro Particular de Vitória e diretor do Serviço
de Saúde e Assistência Social da Prefeitura de Vila
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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
Velha. Na política foi um dos fundadores Participou da Comissão de Saúde da Constituinte
do MDB elegendo-se prefeito da cidade em 1970 e como Presidente e Membro;
depois venceu as eleições para deputado
estadual em 1974 e deputado federal em 1978.
Reinstituído o pluripartidarismo no país no primeiro ano
do governo João Figueiredo, Max Mauro foi também um
dos fundadores do PMDB sendo reeleito deputado
federal em 1982.Em 1986 foi eleito governador
do Espírito Santo filiando-se ao PDT. Foi eleito
deputado federal, pela terceira vez em 1998 pelo PTB.
Desde 2010, não disputou mais nenhuma eleição.

Bacharel em direito, ingressou na carreira política


filiando-se ao Partido Social Democrático (PSD) e
assumindo o mandato Câmara dos Deputados em 1955.
Foi para a UDN e eleito deputado federal pelo estado do
Maranhão em 1958 e 1962. Foi também governador do
Maranhão em 1965. Com a imposição do bipartidarismo
PSD (1955) em 1965 ingressa na ARENA. Foi eleito e reeleito
UDN (1958) senador na década de 1970 e até 1985. Presidiu a legenda
José Sarney
ARENA (1965) a partir de 1979, que se tornaria PDS no início de 1980,
PDS (1979) mas deixou o partido e ingressou no PMDB em 1984,
tornando-se vice-presidente na chapa de Tancredo Neves
para a eleição presidencial de 1985. Com o adoecimento
e falecimento do presidente Tancredo Neves, Sarney
assume a presidência da República em abril de 1985.
Durante seu mandato, foram restabelecidas as eleições
diretas para presidente, prefeito e governador.
Engenheiro, empresário brasileiro. Filiou-se à ARENA
durante o regime militar, foi nomeado prefeito de São
Paulo Maluf ARENA (1966) Paulo para o período de 1969 a 1971, por indicação do
PDS (1979) presidente da República Costa e Silva. Em 1977, foi
223

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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
PPR (1993) eleito indiretamente governador do Estado de São Paulo.
PPB (1995) Em 1982 renunciou ao governo do estado dando lugar ao
PP (2003) vice-governador José Maria Marin, para disputar uma
vaga de deputado federal sendo eleito. Na Câmara dos
Deputados (1983-1987) foi contra a emenda Dante de
Oliveira, que propunha eleições diretas para Presidente
da República. Mesmo tendo comparecido a apenas quatro
votações, articulou sua primeira candidatura à
Presidência da República via Colégio Eleitoral
derrotando Mário Andreazza. Tornou-se candidato a
Presidente da República tendo como vice-presidente o
deputado federal piauiense Flávio Marcílio. Sua foi o
estopim para que os dissidentes governistas se
alinhassem ao oposicionista Tancredo Neves e
estruturassem a dissidência da Frente Liberal, embrião do
PFL. Foi derrotado pela Aliança Democrática e a chapa
Tancredo- Sarney vence a eleição de 1985. Maluf nunca
trocou de partido, embora a sigla tenha mudado ao longo
dos anos: de ARENA para PDS (em 1980), que mudou
para PPR (em 1993), que virou PPB (em 1995), e que
desde 2003 é denominado Partido Progressista, PP.

Advogado, professor Universidade Federal do Ceará,


Universidade de Brasília e do Centro Universitário de
Brasília. Em 1954, iniciou sua carreira política pelo PTB
como vice-governador do Ceará e depois assumindo o
cargo de Paulo Sarasate que renunciou para se candidatar
PTB (1954) a deputado federal. Foi eleito suplente de deputado
Flávio Marcílio ARENA (1966) federal em 1962 sob convocação. Com o bipartidarismo
PDS (1979) filiou-se à ARENA sendo reeleito sucessivamente em
1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. Foi também Presidente
da Câmara dos Deputados em nos períodos de 1973-
224

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POLITICO COM A REFORMA SANITÁRIA
(1984-1988)
1975, 1979-1981, 1983-1985. Comandou a votação que
rejeitou a Emenda Constitucional Dante de Oliveira. Em
1984 foi escolhido candidato a vice-presidente da
República na chapa de Paulo Maluf pela convenção
nacional do PDS, e foi derrotado. Em 1986 tentou um
novo mandato mas ficou na suplência.
225

APÊNDICE 4 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Ministério da Saúde
Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
TERMO DE
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado participante,
O Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “PARTIDOS POLÍTICOS E
A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO PERÍODO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS (1979-1988)”, desenvolvida por Celita Almeida Rosário,
discente do curso de pós-graduação - Doutorado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), sob orientação da Prof.
Dra. Tatiana Wargas de Faria Baptista.
A pesquisa tem como objetivo analisar a pauta política para a saúde apresentada pelos
partidos políticos no período denominado de “abertura política e redemocratização” (1979-1988)
e a interação com o projeto político da Reforma Sanitária. Sua participação nessa pesquisa é
importante por ser considerado um ator-chave para o entendimento deste processo, mas sua
participação não é obrigatória, cabendo a você a decisão de participar da pesquisa, assim como
de sair dela a qualquer momento, sem que seja prejudicado por isto.
Essa pesquisa recorrerá à outras fontes de análise além de entrevista, tais como
documentos, livros, artigos, vídeos, teses e dissertações. A sua participação consistirá em
responder perguntas semiestruturadas, a partir de um roteiro, à pesquisadora do projeto. Caso o
Sr. (a) esteja de acordo, ela será gravada para posteriormente ser transcrita. No entanto, com o
intuito de minimizar riscos e eventual constrangimento, você poderá solicitar a pesquisadora que
interrompa a gravação a qualquer momento.
As gravações serão armazenadas em local seguro e de acesso exclusivo do pesquisador
e seu orientador. Os resultados dessa pesquisa serão divulgados na tese de doutorado do
pesquisador responsável, e possivelmente em artigos e seminários, contudo, caso deseje, serão
garantidas a confidencialidade e a privacidade das informações por você prestada. Neste caso,
existe um risco indireto de que informações relacionadas a sua ocupação/instituição possam dar
pistas sobre sua identidade.
Ao final da pesquisa todo material será guardado e mantido em sigilo pelo pesquisador
por um período de cinco anos, conforme Resolução 466/12 e orientações do CEP/ENSP.
Este termo é redigido em duas vias, você receberá uma via onde consta o telefone e o
endereço da pesquisadora responsável, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação, agora ou a qualquer momento.
Caso, futuramente, sinta-se lesado comprovadamente em decorrência da presente
pesquisa, você terá direito à indenização, através das vias judiciais, como dispõem o Código Civil,
o Código de Processo Civil e a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
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Rubrica pesquisador: ___ _______ Rubrica do participante: ______________

Todas as páginas deste documento deverão ser rubricadas por você e pelo pesquisador responsável.

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______________________________ _______________________________

Celita Almeida Rosário Tatiana Wargas de Faria Baptista


Pesquisadora – Doutoranda em Saúde Pública Pesquisadora – Orientadora
Rua Bento Lisboa, 14. Rua Leopoldo Bulhões, 1480 7º andar
Telefone: (021) 999547007 Telefone: (021) 2598 2612
E-mail: celita.almeida@yahoo.com.br E-mail: twargas@ensp.fiocruz.br

Em caso de dúvida quanto à condução ética do estudo, entre em contato com o Comitê
de Ética em Pesquisa da ENSP. O Comitê de Ética é a instância que tem por objetivo defender os
interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. Dessa forma o comitê tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princípios éticos
de proteção aos direitos humanos, da dignidade, da autonomia, da não maleficência, da
confidencialidade e da privacidade:
Tel. e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail: cep@ensp.fiocruz.br
http://www.ensp.fiocruz.br/etica
Endereço: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ FIOCRUZ, Rua Leopoldo Bulhões,
1480 –Térreo - Manguinhos - Rio de Janeiro – RJ - CEP: 21041-210
Se desejar, consulte ainda a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep):
Tel: (61) 3315-5878 / (61) 3315-5879
E-Mail: conep@saude.gov.br

Declaro que entendi os objetivos e condições de minha participação na pesquisa e concordo em


participar.

Rio de Janeiro, ____ de ______________de _____.

Autorizo a divulgação do meu nome e instituição nos resultados da pesquisa

Não autorizo a divulgação do meu nome e instituição nos resultados da pesquisa

_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)

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Rubrica pesquisador: ___ _______ Rubrica do participante: ______________

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APÊNDICE 5- ROTEIRO DE ENTREVISTA

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ROTEIRO DE ENTREVISTA – OS PARTIDOS POLÍTICOS E A REFORMA SANITÁRIA

A pesquisa tem como objetivo analisar as narrativas sobre a participação dos partidos políticos
no Movimento da Reforma Sanitária Brasileira.
Chegamos até seu nome por sua participação nas discussões relativas à saúde entre os anos
1970/1980.
Entrevistado:
Data:

 Conte um pouco da sua trajetória na saúde e a participação no debate da Reforma


Sanitária.
 Na trajetória e debate da Reforma Sanitária (entre os anos 1970-1980), buscou-se um
diálogo com os partidos políticos? Ou os partidos buscaram um diálogo com a saúde?
o Que partidos reconhece mais próximos do debate da reforma?
o Que nomes você julga importante nessa articulação partidos-saúde? Quem era
do movimento da saúde e estava filiado a partidos? E você, esteve vinculado a
algum partido?
o O que discutiam? De que forma se aproximaram? O que pautavam para debate?
o Em algum momento a articulação com partidos políticos foi considerado uma
estratégia importante para sustentar o projeto de reforma?
o É possível afirmar que os partidos políticos que estiveram em diálogo com a
Reforma assumiram o projeto da “saúde como direito”? De que modo?

 Alguns autores do campo, como Cohn, consideram que o projeto de Reforma Sanitária
teve uma base político-partidária frágil com implicações para a consolidação do projeto.
O que acha disso?
 Para você, quais os desafios e caminhos para a construção da política pública de saúde
na perspectiva do direito universal? Com o que contar, com quem?

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