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Christiane Kanzler Barbosa Nunes Ensp Mest 2021

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Christiane Kanzler Barbosa Nunes

Estudo de avaliabilidade do Projeto ApiceOn

Brasília
2021
Christiane Kanzler Barbosa Nunes

Estudo de avaliabilidade do Projeto ApiceOn

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Saúde Pública. Área de concentração:
Vigilâncias e Avaliação em Saúde.

Orientadora: Prof.ª Dra. Ana Cláudia Figueiró.

Coorientadoras: Prof.ª Dra. Marcela Alves de


Abreu e Prof.ª Dra. Kátia Crestine Poças.

Brasília
2021
Título do trabalho em inglês: Evaluability study of the ApiceOn Project.

Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

N972e Nunes, Christiane Kanzler Barbosa.


Estudo de avaliabilidade do Projeto ApiceOn / Christiane Kanzler
Barbosa Nunes. -- 2021.
146 f : il. color. ; tab.

Orientadora: Ana Cláudia Figueiró.


Coorientadora: Marcela Alves de Abreu e Kátia Crestine Poças.
Dissertação (mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacio-
nal de Saúde Pública Sergio Arouca, Brasília, DF, 2021.

1. Avaliação em Saúde. 2. Gestão em Saúde. 3. Parto.


4. Humanização da Assistência. 5. Garantia da Qualidade dos Cuidados
de Saúde. 6. Estudo de avaliabilidade. 7. Modelo de Atenção ao Parto e
Nascimento. 8. Política Nacional de Humanização. I. Título.

CDD – 23.ed. – 618.24


Christiane Kanzler Barbosa Nunes

Estudo de avaliabilidade do Projeto ApiceOn

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Saúde Pública. Área de concentração:
Vigilâncias e Avaliação em Saúde.

Aprovada em: 13 de dezembro de 2021.

Banca Examinadora

Profª. Dra. Gilmara Lima Nascimento


Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal

Profª. Dra. Ângela Fernandes Esher Moritz


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Profa. Dra. Marcela Alves de Abreu (Coorientadora)


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Profa. Dra. Ana Cláudia Figueiró (Orientadora)


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Brasília
2021
Dedico essa dissertação às minhas avós, Sophia e Aparecida, mulheres fortes e sábias -
memória sempre viva do amor materno - e aos meus amados Júlia, Terezinha, Neosnardo,
Tatiane, Sophia, Júnior, Milene, Rafael e Amanda, que sempre me encorajam, apoiam e
acreditam, mesmo quando estou cheia de dúvidas.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pelas muitas oportunidades que Ele me apresenta e


que aceito com fé, confiança e esperança.
Quem me conhece sabe que cursar um mestrado era um sonho desde a graduação, so-
nho esse que só tive oportunidade de realizar através da parceria entre a Secretaria de Estado
de Saúde do Distrito Federal - SES/DF e a Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP. Apro-
veitei a chance e cá estou, terminando o curso, agradecida às muitas pessoas envolvidas na
concretização dessa proposta, no âmbito da SES/DF, ENSP e Fundação Oswaldo Cruz -
FIOCRUZ.
No curso, em março de 2019, ouvi na aula inaugural que temos dois momentos de ale-
gria no mestrado: o início e o término. Isso é parcialmente verdadeiro. Concordo que esses
dois momentos são os mais intensos, mas reconheço que no decorrer desses três anos eu vivi
um sem-número de emoções, muitas descobertas, muito aprendizado, muitos estímulos, fiz
amizades incríveis e também tive algumas dificuldades. Depois de algumas crises de ansieda-
de e do enfrentamento da pandemia COVID-19, tenho a alegria de chegar ao final desse pro-
cesso e dizer que valeu a pena. Foi sensacional ter a oportunidade de conhecer pessoas tão
queridas, que serão não só colegas, mas amigos e parceiros de vida, dentro e fora da SES/DF.
Foi um privilégio conhecer professores incríveis, exemplos de amor à ciência e dedicação à
vida, às políticas públicas, ao Sistema Único de Saúde (SUS). Obrigada, companheiros e
companheiras da SES/DF, professoras e professores.
E pensando nos agradecimentos, me dei conta de quantas pessoas estiveram comigo,
me instigando, ajudando, ouvindo, consolando e apoiando das mais diversas formas. Temo
não lembrar de todas, mas tentarei ser justa.
Para cursar esse mestrado, contei com a ajuda das equipes de planejamento das regiões
leste e central e de vários colegas de trabalho, pessoas muito queridas, no Hospital da Região
Leste - HRL e no Hospital Regional da Asa Norte - HRAN. Em especial, agradeço aos meus
gestores, que gentilmente autorizaram as liberações para as aulas e outras atividades, em es-
pecial Fabiana Binda, Sofia Serícia e Pedro Zancanaro. A ASPLAN de vocês será sempre gra-
ta e solicita encontro excepcional da GFEST pra comemorar essa conquista!
Agradeço às minhas pacientes, que foram tolerantes nas remarcações de horários e
compreenderam a minha nova rotina de estudante. Nessa área psi, não posso deixar de agra-
decer à minha analista Patrícia Bizerril, fonte inesgotável de acolhimento, compreensão,
apoio, incentivo e reflexões. Muito obrigada!
Olhando ao meu redor, observo que tenho o privilégio de contar com uma aquecida
rede de afetos e que transito em espaços coletivos repletos de pessoas queridas.
A Política Nacional de Humanização me tomou de assalto graças à apresentação ma-
ravilhosa que Beth Mori me oportunizou, inicialmente na parceria com a rede de saúde mental
da SES/DF e depois, abrindo a sua casa para que ela e Roque possibilitassem os encontros das
sextas-feiras, os nossos momentos de grupalização. Agradeço a todos os amigos que estive-
ram conosco nessa jornada de descobertas, reflexões, risos e momentos marcantes, em especi-
al à Beth, sem a qual talvez esse estudo não estivesse sendo concluído. Obrigada!
Quanto às grupalidades, meu agradecimento muito especial à amizade mais do que
improvável das “Frozen Girls”, posteriormente renovado para “Fire Girls”. Fabiana Binda,
Gilmara Nascimento, Rúbia Persequini e Tercília Ximenes, como amo ser amiga de vocês!
Agradeço por estarem ao meu lado nessa intensa jornada. Nós rimos, choramos, bendizemos,
reclamamos, brigamos, apoiamos umas às outras, isso tudo num dia só, a depender do calor
do momento. A amizade de vocês é uma bênção sem igual! Obrigada!
Como nem tudo foi estudo nesses quase três anos de mestrado, preciso registrar a
imensa alegria de ter reencontrado o meu colega de faculdade, amigo e professor de dança
Gustavo Colin, que com as minhas parceiras Tatiane Kanzler e Mabelle Roque formaram um
grupinho especial demais! Dançando salsa e bachata alegramos as nossas semanas, nos entre-
gamos de corpo, alma e espírito ao prazer da dança de salão. Gustavo e Las Panteras de Bai-
lão arrasaram nas pistas! Sorrimos, conversamos, brincamos, dançamos. Amo estar com vo-
cês e dançar com vocês! Obrigada!
Amizade é amizade, parceria é parceria. Orgulhosamente faço parte de um trio, o trio
das Superpoderosas! Tati e Mabelle, como a gente conversa, meu Deus! É o dia todo um agito
no Whatsapp, com direito a chamadas de vídeos e áudios longos. Juntas, nós caminhamos,
dançamos, bebemos, comemos, vamos pro Rio, Pirenópolis e Chapada, nos entregamos ao
sol... A gente se apoia, a gente faz dieta juntas, fura a dieta juntas, compartilha lactase e se
mete na vida uma das outras, mesmo sem convite. Que amizade mais linda nós construímos!
Mabelle, as nossas caminhadas terapêuticas nas manhãs de domingo são revigorantes, fisica e
emocionalmente. Irmãzinha, amo você demais! Vida longa às Superpoderosas e que tenhamos
muitas outras aventuras pela frente. Obrigada por tudo!
Agradeço também aos meus irmãos e irmãs do Grupo Maria Dolores, da Comunhão
Espírita de Brasília, sempre cuidadosos e generosos, compreendendo as faltas e os atrasos,
apoiando os meus estudos e orando por mim. Muito obrigada!
Preciso registrar a ajuda dos meus amigos e amigas mestres e doutores, que foi pra lá
de especial!! Valdelice França, Gilmara Nascimento, Rúbia Persequini, Maria Cláudia de
Freitas, Ana Cláudia Reis, Mariana Franzoi, Jamila Zgiet, Camila Gaspar, Carlos Benício,
Caio Mourão, vocês são demais! O exemplo de vocês me inspirou e o apoio generoso foi mui-
to bem-vindo. Cada um do seu jeito, vocês contribuíram para a concretização desse sonho.
Obrigada!
Sim, também agradeço pela compreensão e carinho dos meus compadres e cumadis,
afilhados e afilhadas, amigos, amigas e familiares, que me incentivaram a perseverar e com-
preenderam as priorizações que tiveram de acontecer durante o curso, como Márcia Pinheiro,
Carlos Benício, Kelly Gennari, Érika Micheline, Kennia Tayar, Lucas Nanini. Agora podemos
combinar mais cafezinhos, almoços e jantares. Saudade de vocês! Agradeço por tudo que re-
presentam na minha vida, o que é muita coisa!
Enfatizo que, ainda que tenha agradecido ao corpo docente que nos acompanhou no
mestrado, preciso registrar a minha imensa gratidão ao apoio e investimento da equipe de ori-
entação. Serei sempre grata às professoras Dras. Ana Cláudia Figueiró, Dra. Marcela Alves de
Abreu e Dra. Kátia Crestine Poças: a experiência de ter sido orientada por vocês foi como um
curso à parte, rico em afetuosidade, conhecimento e crescimento, com muitas lições aprendi-
das. Marcela, você e a Sofia foram companheiras virtuais diárias nesses meses, sou muito
grata à sua escuta acolhedora, ponderações sempre pertinentes e reflexivas. A minha banca de
qualificação também foi incrível, me possibilitou viver um dos dias mais especiais desse ano.
Muito obrigada!
Apesar de algumas dificuldades, com alegria agradeço pelos esforços da coordenação
do Projeto ApiceOn para a realização da minha pesquisa. Vocês possibilitaram a realização
desse Estudo de Avaliabilidade, oferecendo os materiais possíveis de serem disponibilizados e
indicando pessoas estratégicas para as entrevistas. Agradeço também às mediadoras, supervi-
soras e aos apoios técnicos da SES/DF, que abriram mão de algumas horas das suas vidas para
responder aos questionários. Admiro a proposta do Projeto e acredito que ele deixou marcas
muito positiva nos serviços onde foi implementado, nas equipes, nas mães, bebês e famílias
que contemplou, assim como na minha vida. Obrigada!
Quando falo sobre a vida, maternagem e cuidado, não consigo evitar me remeter às
minhas experiências pessoais. Agradeço pelo amor que recebo da minha família, mamãe, pa-
pai, irmãos (feio e feia), cunhada, sobrinho e sobrinhas, tios, tias, primos, primas, madrinhas.
Amo muito vocês e sou grata por tudo que já fizeram e fazem por mim.
Júlia, você foi a pessoa que mais participou desse meu mestrado, me vendo através dos
livros, do computador e das pilhas de publicações, ouvindo as minhas queixas e participando
dessa construção intensa. Talvez tenha sido um pouco desalentador acompanhar isso de perto
porque você sabe como demandou esforços e sacrifícios, a ponto de dizer que de forma algu-
ma fará mestrado e/ou doutorado.
Filha, eu espero que você trilhe um caminho pessoal, acadêmico e profissional de mui-
tas realizações e que seja feliz em todas as esferas da sua vida. Espero também que você mude
de ideia, porque gostaria de sentir a emoção que os meus pais devem estar sentindo agora,
porque é uma realização bem especial. Tudo bem se não quiser, mas se escolher trilhar o ca-
minho acadêmico, estarei ao seu lado como você esteve ao meu. Na nossa família nós valori-
zamos o amor, as amizades, a alegria de viver, o trabalho, os estudos, a dedicação ao que nos
é caro e a superação. Amo você!
Por fim, registro o agradecimento aos meus gatinhos, leais parceiros preguiçosos nas
manhãs, tardes, noites e madrugadas de estudo, curiosos coadjuvantes nas atividades online,
sempre me enchendo de pelos e carinho. Várias vezes vocês decidiram quando era hora de ir
dormir, sabotando a digitação, fazendo bagunça para chamar a atenção ou pulando no meu
colo pra ficarem agarradinhos a ronronar. Zé, Clara, Magaiver e Ágatha (também conhecida
como Bigail), está acabando! Em breve estaremos juntos nas sonecas de sábado à tarde. Obri-
gada, meus nenéns!
O apego é crucial para a sobrevivência e desenvolvimento do bebê (...)
O laço original entre pais e bebê é a principal fonte de todas as
ligações subsequentes do bebê e é o relacionamento formativo, no
decorrer do qual a criança desenvolve um sentido de si mesma.
A força e o caráter desse apego influenciarão, por toda a sua vida, a
qualidade de todos os laços futuros com os outros indivíduos.

(KLAUS; KENNELL, 1993, p. 23)


RESUMO

Trata-se de um Estudo de Avaliabilidade (EA) do Projeto ApiceOn - Aprimoramento e


Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia, que propõe a qualificação nos
campos de atenção/cuidado ao parto e nascimento, planejamento reprodutivo pós-parto e pós-
aborto, atenção às mulheres em situações de violência sexual e de abortamento e aborto legal.
O Projeto ApiceOn teve vigência de agosto de 2017 a agosto de 2020. O método utilizado no
EA foi qualitativo e o estudo pretendeu apreciar em que medida o Projeto está em condições
de ser submetido a uma avaliação. O modelo definido para o estudo de avaliabilidade con-
templa: 1) Identificação dos stakeholders; 2) Análise documental; 3) Definição de objetivos e
metas do programa; 4) Desenvolvimento do modelo lógico e validação com os stakeholders;
5) Definição das perguntas avaliativas que direcionem o foco do estudo de avaliabilidade; 6)
Elaboração de relatório conclusivo, incluindo as recomendações e lições aprendidas. A partir
desse modelo, o percurso metodológico empreendeu todas as etapas previstas, com a elabora-
ção do modelo lógico do Projeto ApiceOn e sua validação pelos envolvidos. Identificamos
que a composição dos indicadores monitorados no Projeto compreende tanto indicadores qua-
litativos quanto quantitativos e que os instrumentos de planejamento, monitoramento e avalia-
ção utilizados são interligados e convergem para uma proposta que alinha as dimensões de
avaliação, formação e intervenção, em coerência com o seu arcabouço teórico. Assim, o Pro-
jeto ApiceOn fomenta a oferta, pelos serviços de saúde, de cuidados maternos respeitosos,
humanizados, ensino de habilidades em sintonia com valores, ética e garantia de direitos e
gestão compartilhada, além de espaços permanentemente abertos para a comunicação com os
usuários atendidos nos serviços, possibilitando a avaliação dos cuidados oferecidos e a parti-
cipação dessas pessoas nos processos desenvolvidos nas unidades. O Projeto ApiceOn fomen-
ta a produção de sujeitos participativos, com valorização da autonomia e protagonismo, soli-
dariamente corresponsáveis uns com os outros. O desenvolvimento do estudo demonstrou
tratar-se o Projeto ApiceOn de uma intervenção avaliável e sugere que o atingimento dos re-
sultados é plausível. A partir do conjunto de materiais acerca dessa intervenção, o EA propõe
o desenvolvimento de avaliação de implementação, que permita estudar as relações entre a
intervenção e o seu contexto de implantação, tendo como objetivo apreciar o modo como,
naqueles contextos específicos, a intervenção provocou mudanças. A análise da avaliabilidade
é estratégica para a produção de subsídios para as instâncias decisórias.
Palavras-chave: Avaliação em saúde; Estudo de avaliabilidade; Gestão em saúde; Modelo de
atenção ao parto e nascimento; Política Nacional de Humanização.
ABSTRACT

This is an Evaluability Study (EA) of the ApiceOn Project - Improvement and Innova-
tion in Care and Teaching in Obstetrics and Neonatology, which proposes qualification in the
fields of care/care during labor and birth, postpartum and postpartum reproductive planning.
abortion, care for women in situations of sexual violence and abortion and legal abortion. The
ApiceOn Project was effective from August 2017 to August 2020. The method used in the EA
was qualitative and the study aimed to assess the extent to which the Project is able to be
submitted to an evaluation. The model defined for the evaluability study includes: 1) Identifi-
cation of stakeholders; 2) Document analysis; 3) Definition of program objectives and goals;
4) Logical model development and validation with stakeholders; 5) Definition of evaluative
questions that direct the focus of the evaluability study; 6) Preparation of a conclusive report,
including recommendations and lessons learned. Based on this model, the methodological
course undertook all the foreseen steps, with the elaboration of the ApiceOn Project's logical
model and its validation by those involved. We identified that the composition of the indica-
tors monitored in the Project comprises both qualitative and quantitative indicators and that
the planning, monitoring and evaluation instruments used are interconnected and converge to
a proposal that aligns the dimensions of evaluation, training and intervention, in coherence
with its theoretical framework. Thus, the ApiceOn Project encourages the offer, by health ser-
vices, of respectful, humanized maternal care, teaching skills in line with values, ethics and
guarantee of rights and shared management, in addition to permanently open spaces for com-
munication with the users served. in the services, enabling the evaluation of the care offered
and the participation of these people in the processes developed in the units. The ApiceOn
Project encourages the production of participatory subjects, valuing autonomy and protago-
nism, jointly co-responsible with each other. The development of the study demonstrated that
the ApiceOn Project is an evaluable intervention and suggests that the achievement of results
is plausible. From the set of materials about this intervention, the EA proposes the develop-
ment of an implementation evaluation, which allows studying the relationship between the
intervention and its implementation context, aiming to appreciate how, in those specific con-
texts, the intervention provoked changes. Evaluability analysis is strategic for the production
of useful information and subsidizes necessary judgments for decision-making bodies.
Keywords: Health assessment; Evaluability study; Health management; Delivery and birth
care model; National Humanization Policy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Linha do tempo da atenção em obstetrícia e neonatologia no Brasil ...................... 28


Figura 2 – Estrutura organizacional do Projeto ApiceOn ........................................................ 34
Figura 3 – Fluxo do acompanhamento avaliativo ................................................................... 35
Figura 4 – Modelo lógico preliminar ....................................................................................... 36
Figura 5 – Articulação entre os princípios da PNH e os processos avaliativos ....................... 38
Figura 6 – Desenho do processo de avaliação da avaliabilidade, segundo Leviton ................. 45
Figura 7 – Estrutura da árvore de problemas ........................................................................... 57
Figura 8 – Estrutura do modelo lógico .................................................................................... 58
Figura 9 – Estruturação dos fatores de contexto ...................................................................... 58
Figura 10 – Árvore de problemas – Projeto ApiceOn ............................................................. 73
Figura 11 – Modelo lógico do Projeto ApiceOn – versão validada pelos stakeholders .......... 76

Quadro 1 – Cronograma de atividades do Projeto ApiceOn ................................................... 33


Quadro 2 – Composição do processo avaliativo alinhado à PNH ........................................... 39
Quadro 3 – Recomendações do estudo de revisão integrativa ................................................ 43
Quadro 4 – Identificação de stakeholders ............................................................................... 49
Quadro 5 – Questionário para entrevistas com integrantes da equipe gerencial ..................... 55
Quadro 6 – Glossário de conceitos básicos para elaboração de modelo lógico ...................... 56
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn ....... 55
Tabela 2 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn ............................................................. 56
Tabela 3 – Fatores relevantes de contexto ................................................................................ 55
Tabela 4 – Identificação dos stakeholders acessados no estudo de avaliabilidade ................. 64
Tabela 5 – Identificação das referências utilizadas na revisão documental ............................ 66
Tabela 6 – Matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn ...... 70
Tabela 7 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn (parte 1) ............................................. 71
Tabela 7 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn (parte 2 - continuação) ....................... 72
Tabela 8 – Matriz de fatores relevantes de contexto ............................................................... 77
Tabela 9 – Perguntas avaliativas sugeridas pelos stakeholders ............................................... 81
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRAHUE Associação Brasileira de Hospitais Universitário Ensino


AMIU Aspiração Manual Intra-Uterina
APICEON Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e
Neonatologia
ARAS Assessoria de Redes de Atenção à Saúde
CEP Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
CGSCAM Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno
CGSM Coordenação Geral da Saúde da Mulher
CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
DAPES Departamento de Ações Programáticas Estratégicas
DIU Dispositivo Intra-uterino
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
FEPECS Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
GEL Grupo Estratégico Local
GT Grupo de trabalho
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
HMIB Hospital Materno Infantil de Brasília Dr. Antônio Lisboa
HRAN Hospital Regional da Asa Norte
HRL Hospital da Região Leste
HUB Hospital Universitário de Brasília
IES Instituições de Ensino Superior
IFF/FIOCRUZ Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz
IHAC Iniciativa Hospital Amigo da Criança
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
MAJ Matriz de Análise e Julgamento
MEC Ministério da Educação
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
PAISC Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança
PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PHPN Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento
PIGL Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei
PM&A Planejamento, Monitoramento e Avaliação
PNAISC Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança
PNAISM Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
PNH Política Nacional de Humanização
POA Plano Operativo Anual
PQM Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais da
Amazônia Legal e Nordeste
QUALINEO Estratégia de Qualificação da Assistência ao Recém-Nascido de Risco
RC Rede Cegonha
RCLE Registro de Consentimento Livre e Esclarecido
RN Recém-Nascido
SAIS Subsecretaria de Atenção Integral à Saúde
SBP Sociedade Brasileira de Pediatria
SES/DF Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
SINASC Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
SRMNAH Saúde Sexual, Reprodutiva, Materna, Neonatal e Adolescente
SUS Sistema Único de Saúde
TCUD Termo de Compromisso de Utilização de Dados
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNICEF Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17
2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................... 22
3 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 23
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................................ 23
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................. 23
4 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL ....................................................................... 24
4.1 ASPECTOS DA ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL NO BRASIL ........................ 24
4.2 O PROJETO APICEON .......................................................................................................... 28
4.2.1 Focos de atenção do Projeto ApiceOn .............................................................................. 30
4.2.2 Componentes do Projeto ApiceOn .................................................................................... 31
4.2.3 Atividades realizadas no projeto ....................................................................................... 32
4.2.4 Estrutura para funcionamento .......................................................................................... 33
4.4.5 Produtos esperados no Projeto ApiceOn .......................................................................... 34
4.3 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO E OS PROCESSOS AVALIATIVOS ... 37
4.4 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS DE AVALIABILIDADE PARA AS
INTERVENÇÕES DE SAÚDE .................................................................................................... 40
5 MATERIAIS E MÉTODO ...................................................................................................... 47
5.1 IDENTIFICAÇÃO DOS STAKEHOLDERS ........................................................................... 48
5.2 ANÁLISE DOCUMENTAL ................................................................................................... 50
5.3 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METAS DO PROGRAMA .............................................. 53
5.4 DESENVOLVIMENTO DO MODELO LÓGICO E VALIDAÇÃO COM OS
STAKEHOLDERS.......................................................................................................................... 54
5.5 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS AVALIATIVAS QUE DIRECIONEM O FOCO DO
ESTUDO DE AVALIABILIDADE .............................................................................................. 60
5.5.1 Definição das perguntas avaliativas .................................................................................. 60
5.5.2 Análise e comparação entre a realidade do Projeto e o modelo lógico .......................... 60
5.6 ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO CONCLUSIVO, INCLUINDO AS
RECOMENDAÇÕES E LIÇÕES APRENDIDAS ....................................................................... 61
6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ................................................................................................. 62
7 RESULTADOS ......................................................................................................................... 63
7.1 IDENTIFICAÇÃO DOS STAKEHOLDERS ........................................................................... 63
7.2 ANÁLISE DOCUMENTAL ................................................................................................... 65
7.3 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METAS DO PROGRAMA .............................................. 68
7.4 DESENVOLVIMENTO DO MODELO LÓGICO E VALIDAÇÃO COM OS
STAKEHOLDERS.......................................................................................................................... 69
7.5 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS AVALIATIVAS QUE DIRECIONEM O FOCO DO
ESTUDO DE AVALIABILIDADE .............................................................................................. 80
7.6 ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO CONCLUSIVO, INCLUINDO AS
RECOMENDAÇÕES E LIÇÕES APRENDIDAS. ...................................................................... 82
8 CONCLUSÃO........................................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 87
APÊNDICE A – Entrevista inicial ............................................................................................. 91
APÊNDICE B – Entrevista final ................................................................................................ 98
APÊNDICE C – Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD) ........................ 104
APÊNDICE D – Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE).......................... 106
ANEXO A – Roteiro diagnóstico.............................................................................................. 108
ANEXO B – Matriz de indicadores dos componentes atenção, ensino e gestão .................. 124
ANEXO C – Plano operativo anual (POA) ............................................................................. 128
ANEXO D – Relatório executivo mensal ................................................................................. 143
17

1 INTRODUÇÃO

No âmbito da atenção obstétrica e neonatal no Brasil, temos importantes desafios a


superar, especialmente quanto a temas como mortalidade materna, mortalidade neonatal,
planejamento reprodutivo, modelo de assistência obstétrica, violência sexual e atenção
humanizada ao abortamento (IFF FIOCRUZ, [s.d.], 2019a).
A mortalidade materna é um indicador utilizado mundialmente como referência de
desenvolvimento humano, social e econômico, sendo considerada evitável por meio da
assistência desde o planejamento reprodutivo, gestação, parto e puerpério. No Brasil, a
mortalidade materna pode ser considerada extremamente elevada e incompatível com o
nível de desenvolvimento do país, expressando a iniquidade social brasileira e a
necessidade de melhorias nas políticas de saúde materno-infantis (BRASIL, M. DA S.
[s.d.], 2020c).
A taxa de mortalidade infantil é um dos indicadores mais consagrados
mundialmente, indicando qualidade de vida e desenvolvimento, por expressar a situação de
saúde de uma comunidade e as desigualdades de saúde entre grupos sociais e regiões. Esse
indicador é uma estimativa do risco de morte ao qual está exposta uma população de
nascidos vivos em determinada área e período, antes de completar o primeiro ano de vida,
e pode ser dividida em dois componentes: neonatal e pós-neonatal (BRASIL, M. DA S.
[s.d.], 2020c).
A mortalidade neonatal está mais relacionada à assistência pré-natal e às condições
da gestação e parto. Já sobre a mortalidade no período pós-neonatal, há maior impacto das
condições socioeconômicas e ambientais, sobretudo nutrição e agentes infecciosos, sendo
causas comuns de óbitos a diarréia e a pneumonia (BRASIL, M. DA S. [s.d.], 2020c).
O cuidado na saúde sexual e na saúde reprodutiva envolve a promoção e a proteção
dos direitos das mulheres e o acesso a serviços e atendimentos com qualidade. Dentre os
direitos reprodutivos está o direito de acesso a informações, meios, métodos e técnicas para
ter ou não filhos (IFF FIOCRUZ, [s.d.], 2019a).
Nessa seara, o Ministério da Saúde (MS) realiza a distribuição gratuita de nove
tipos de métodos contraceptivos nos serviços de saúde constituintes do SUS: pílula
combinada, anticoncepção de emergência, minipílula, anticoncepcional injetável mensal e
trimestral, dispositivo intrauterino de cobre (DIU), diafragma, preservativo masculino e
preservativo feminino (BRASIL, M. DA S. [s.d.], 2021b).
18

No Brasil, o modelo de assistência ao parto ainda é bastante centrado na conduta


médica, altamente medicalizado, tecnocrático e com pouco espaço para o protagonismo da
mulher e de outros profissionais de saúde (MENDES; RATTNER, 2020, p. 9). Esse
modelo gera violência contra a mulher e é necessário que reconheçamos isso para
modificar as suas práticas desencadeadoras (KATZ et al., 2020).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ocorrência de abusos,
desrespeito, maus-tratos e negligência na assistência ao parto em instituições de saúde é
um problema mundial, com a possibilidade de consequências adversas para a mãe e a
criança, nesse período de especial vulnerabilidade. Equivalem a uma violação dos direitos
humanos fundamentais das mulheres, de acordo com o que normas e princípios de direitos
humanos adotados internacionalmente descrevem (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE
SAÚDE (OMS), 2014).
As possibilidades de desrespeito e abusos durante o parto incluem violência física,
humilhação e abusos verbais, procedimentos médicos coercitivos ou sem consentimento
(aqui incluindo a esterilização), falta de confidencialidade e privacidade, recusa em
administrar analgésicos, rejeição de internação em instituições de saúde, cuidado
negligente durante o parto (que podem gerar complicações evitáveis e ameaçadoras à
vida), bem como a retenção de mulheres e seus recém-nascidos nas maternidades, pela
pendência de pagamento (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), 2014).
A violência obstétrica é uma violência baseada em gênero e é uma violação de
direitos. Ela pode ser conceituada como:

Toda ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpé-


rio, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada sem o
seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia. (KATZ et al.,
2020, p. 628)

A nomenclatura “violência obstétrica” gera incômodo na comunidade médica,


todavia não culpabiliza nenhuma categoria profissional específica (KATZ et al., 2020).
Não há, atualmente, consenso internacional sobre formas como esses problemas podem ser
cientificamente definidos e medidos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS),
2014), mas o enfrentamento dessa situação traz benefícios para as mulheres, crianças e
profissionais de saúde, na medida em que suscita práticas profissionais mais éticas e
baseadas em evidências científicas, demanda uma estrutura adequada e promove relações
de trabalho mais harmônicas e não hierarquizadas (KATZ et al., 2020).
19

No Brasil, a falta de consenso sobre o que é violência obstétrica também é


percebida e nos remete à necessidade de conceituação, que auxiliará na identificação e
enfrentamento dessas situações (ZANARDO et al., 2017). As políticas públicas específicas
no campo da obstetrícia devem incluir a qualificação dos profissionais, de forma que os
casos de violência obstétrica sejam exceções, encaradas e sujeitas a punição (LEAL et al.,
2021).
Para além da atenção obstétrica, o respeito e a garantia dos direitos das mulheres
devem permear a relação de cuidado nas unidades de saúde: o acolhimento dos
profissionais e a escuta atenta contribuem para a promoção do cuidado e também para a
identificação de situações de violência (VILELA, 2009).
Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), 16
milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo violência física,
psicológica ou sexual em 2018. Nesse grupo, 42% sofreram violência no ambiente
doméstico, sendo o namorado, cônjuge ou companheiro o principal autor das violências
(23,8%). No Distrito Federal, são registradas anualmente cerca de 3.000 notificações de
violência, que representam em torno de 630 casos por mês ou 20 casos por dia, dos quais
33% são situações de violência sexual (GDF. Secretaria de Estado de Saúde. [s.d.], 2020).
A violência contra a mulher pode ocorrer de várias formas: violência de gênero,
violência física, violência moral, violência patrimonial, violência psicológica, violência
sexual. Vivemos em uma sociedade com forte tradição patriarcal, na qual as mulheres
ainda estão longe de ter garantidos os seus direitos (VILELA, 2009). Avançamos nos
últimos anos, com maior problematização acerca dos direitos das mulheres e discussão
sobre as questões de gênero e violência, porém tendências conservadoras seguem na
contramão dessas conquistas (ZANELLO; PORTO, 2016).
Um dos temas mais contestados diz respeito ao aborto, mesmo nos casos com
autorização prevista em lei. Assim, as mulheres seguem sendo questionadas quanto aos
seus direitos sobre o próprio corpo e destino, bem como sobre o desejo ou não de
engravidar, e, se grávida, entre manter ou não a gestação (ZANELLO; PORTO, 2016).
Entre os anos de 2008 e 2015, ocorreram no Brasil cerca de 200.000
internações/ano por procedimentos relacionados ao aborto, sendo cerca de 1.600 por razões
médicas e legais (CARDOSO; VIEIRA; SARACENI, 2020).
E entre 2006 e 2015, foram registrados 770 óbitos maternos com o aborto como
causa básica. A partir dessa informação, foi traçado o perfil das mulheres com maior risco
de óbito por aborto: são aquelas de cor preta e as indígenas, de baixa escolaridade, com
20

mais de 40 anos ou menos de 14, das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, vivendo sem
união conjugal (CARDOSO; VIEIRA; SARACENI, 2020).
Apesar de ser um problema de saúde pública no Brasil, a discussão sobre a
descriminalização do aborto está longe de um desfecho (ZANELLO; PORTO, 2016). Por
enquanto, a interrupção gestacional é feita de forma insegura (definido pela OMS como
procedimento para término de gestação, realizado por pessoas sem a habilidade necessária
ou em um ambiente sem padronização para procedimentos médicos, ou ambos os fatores),
clandestina ou realizada em hospitais habilitados, nos casos previstos em lei (CARDOSO;
VIEIRA; SARACENI, 2020).
No DF, através da Resolução nº 01/1996, o Programa de Interrupção Gestacional
Prevista em Lei (PIGL) foi definido como referência para os casos de aborto legal, sendo o
único serviço do DF habilitado para realizar tal procedimento, no Hospital Materno Infantil
de Brasília (HMIB) (GDF. Secretaria de Estado de Saúde. [s.d.], p. 18, 2020).
Em paralelo a esses debates, iniciativas importantes foram estruturadas na última
década para ampliar o conhecimento acerca dessa temática, como a pesquisa “Nascer no
Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, coordenada pela Fundação Oswaldo
Cruz. Essa foi a primeira pesquisa a oferecer um panorama nacional sobre a situação da
atenção ao parto e nascimento no Brasil e concluiu que, independentemente da condição
social, as mulheres brasileiras e os seus bebês estão expostos a riscos e a efeitos adversos
desnecessários durante o parto e nascimento. As mulheres com maior poder aquisitivo são
mais frequentemente expostas a intervenções obstétricas e cesarianas, e uma alta proporção
dos seus bebês nasce com menos de 39 semanas. As mulheres mais pobres estão
submetidas a partos medicalizados e dolorosos, têm piores indicadores perinatais – e
condições de saúde em geral – e se queixam da atenção obstétrica e neonatal recebida
(FIOCRUZ, E. [s.d.], 2020b).
Uma das redes temáticas mais fortes na Política Nacional de Saúde é a Rede
Cegonha (RC), que começou a ser estruturada no ano de 2011, alinhada à Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), com vistas a fortalecer um modelo de
atenção ao parto e nascimento (e abortamento), definindo várias diretrizes para a
organização dos serviços, com ênfase na atenção obstétrica e neonatal (BRASIL, M. DA S.
[s.d.], 2021a).
O recorte da atenção e da pactuação tripartite para o enfrentamento de
vulnerabilidades, agravos ou doenças contempladas pela RC é a atenção à gestante e à
criança de até 24 meses. No amplo escopo das estratégias desenvolvidas por essa rede
21

temática está a qualificação do cuidado em maternidades, especialmente sobre os


profissionais em formação (BRASIL, M. DA S. [s.d.], 2021a).
Considerando a abrangência da saúde suplementar, no ano de 2015 foi proposto o
programa “Parto Adequado”, com foco na redução de cesarianas. Essa proposta contou
com a adesão de hospitais de prestígio pelo Brasil, o que favoreceu a disseminação da
adesão voluntária à proposta. Em 2018, englobava quase 150 hospitais e já podia ser
observada a redução do número de cesarianas e de partos de bebês de termo precoce (com
37 e 38 semanas gestacionais) (LEAL, 2018).
Alinhado a essa proposta, foi elaborado o Projeto de Aprimoramento e Inovação no
Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia - ApiceOn, que visa a qualificação de
hospitais com atividades de ensino, com referência nas melhores práticas de
atenção/cuidado ao parto e nascimento, planejamento reprodutivo pós-parto e pós-aborto,
atenção às mulheres em situações de violência sexual, de abortamento e aborto legal, tendo
como base estruturante a integração de três dimensões bem definidas e inseparáveis:
formação, atenção e gestão (BRASIL, M. DA S. [s.d.], p. 22, 2017).
O Projeto ApiceOn tem como objetivo a qualificação dos processos de atenção,
gestão e formação envolvidos no parto, nascimento e abortamento, contemplando 97
hospitais certificados como hospitais de ensino pelo Brasil, escolhidos entre os que
realizaram mais de 1.000 partos no ano de 2015, aderiram à Rede Cegonha e recebem
incentivos financeiros de custeio (BRASIL, M. DA S. [s.d.], 2017).
As propostas do Projeto incentivam o ensino e a incorporação de boas práticas,
baseadas em evidências científicas, humanização, segurança e garantia de direitos
(BRASIL, M. DA S. [s.d.], p. 23, 2017), por meio de ofertas institucionais e apoio
metodológico, com livre adesão dos participantes.
A sua metodologia estimula a pactuação de compromissos, fortalecendo os
coletivos dos serviços através da corresponsabilização, utilizando metodologias leves, que
convergem para um processo de apoio institucional guiado por instrumentos de
planificação e avaliação, usados como dispositivos de avaliação-intervenção no trabalho.
Assim, o processo de aprendizagem e construção coletiva envolve os atores em uma nova
dinâmica de interação e construção, que escapa da lógica de planejamento e avaliação
verticalizados (SOUZA; SANTOS FILHO, 2020, p. 296-297).
No presente trabalho, tivemos como proposta desenvolver um Estudo de
Avaliabilidade (EA) do Projeto ApiceOn, que determine se é possível avaliá-lo e oriente
como fazê-lo.
22

2 JUSTIFICATIVA
O presente estudo de avaliabilidade justifica-se pela relevância da intervenção
(Projeto ApiceOn) para a mudança no modelo de atenção à saúde na área de obstetrícia e
neonatologia no Brasil, através do investimento na qualificação dos processos de atenção,
gestão e formação em hospitais de ensino.
Ao propor a implantação dessa estratégia nos hospitais de ensino, potencializou-se
o alcance da incorporação de práticas inovadoras e ampliou-se a possibilidade do
desenvolvimento de estudos e pesquisas nessa área.
Espera-se que o presente EA contribua no processo avaliativo do Projeto ApiceOn,
envolvendo a estruturação da sua proposta de intervenção; elaboração e validação do
modelo lógico; desenvolvimento de perguntas avaliativas junto aos interessados pelo
projeto e elaboração do plano de avaliação, além de poder subsidiar estudos posteriores.
Dessa forma, este estudo de avaliabilidade tanto pode contribuir diretamente no
processo avaliativo do Projeto, quanto favorecer que outras iniciativas ajudem a pensar a
proposição de mudanças nas práticas assistenciais, educacionais e de gestão.
Com base nessas considerações, espera-se responder a seguinte pergunta de
avaliação na condução do presente estudo: “O Projeto ApiceOn, como ferramenta para o
aprimoramento e inovação no cuidado e ensino em obstetrícia e neonatologia em hospitais
com atividades de ensino, encontra-se em condição de ser avaliado?”.
23

3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL


Desenvolver estudo de avaliabilidade do Projeto ApiceOn como ferramenta para o
aprimoramento e inovação no cuidado e ensino em obstetrícia e neonatologia em hospitais
com atividades de ensino.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) Identificar metas, objetivos e atividades do Projeto ApiceOn;
b) Elaborar e validar o modelo lógico do Projeto;
c) Desenvolver perguntas avaliativas com os interessados pelo projeto;
d) Propor um plano de avaliação do Projeto ApiceOn.
24

4 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL

4.1 ASPECTOS DA ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL NO BRASIL


No Brasil, em nível federal, as diretrizes da atenção à saúde da mulher são
propostas pela Coordenação Geral da Saúde das Mulheres (CGSM), do Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas (DAPES), no Ministério da Saúde. O foco do trabalho
está na promoção da melhoria das condições de vida e da saúde das mulheres brasileiras,
através de ações que ampliem o acesso aos serviços de promoção, prevenção, assistência e
recuperação da saúde (BRASIL, [s.d.], 2021b).
Essa Coordenação abrange vários temas estratégicos, como planejamento
reprodutivo (métodos contraceptivos); atenção obstétrica (pré-natal, parto, puerpério,
urgências e emergências obstétricas e aborto); vigilância epidemiológica do óbito materno;
violência sexual e doméstica; climatério; gênero e saúde mental; feminilização da Aids e
Infecções Sexualmente Transmissíveis e câncer de colo de útero e mama (BRASIL, [s.d.]
2021 b).
Sabemos que a interação entre o governo (formulador das políticas públicas) e a
sociedade é marcada por múltiplas influências, que variam de acordo com o momento
social, político e histórico vividos. A pauta da saúde da mulher exigiu (e ainda exige) um
importante enfrentamento dos movimentos feministas, na garantia aos direitos das
mulheres, em defesa da saúde integral e da liberdade e autonomia femininas sobre os seus
corpos e a sua sexualidade, desvinculando maternidade de desejo e de vida sexual
(COSTA, 2009).
A preocupação com a saúde da mulher começou a ser transformada em 1983, com o
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) (BRASIL, [s.d.] 2021b).
Esse programa surgiu após um período de elevado crescimento populacional no Brasil.
Além de uma estratégia de controle da natalidade, o PAISM propôs o atendimento à saúde
reprodutiva das mulheres, na perspectiva da atenção integral à saúde. Foi um
reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres, proposta pioneira, que contou com
o apoio e a participação ativa dos movimentos de mulheres da época (OSIS, 1998).
Até a implementação do PAISM, a atenção à saúde da mulher no Brasil estava
muito associada aos cuidados de saúde materno-infantil, ou seja, relacionados à reprodução
e ao ciclo gravídico-puerperal da mulher, na perspectiva de sua funcionalidade como mãe
(OSIS, 1998).
25

Em 1986, com a Portaria nº 3.360/86, o Instituto Nacional de Assistência Médica da


Previdência Social (INAMPS) definiu o PAISM como referência para a saúde das
mulheres, orientando as estratégias de implantação. Pouco depois, na Constituição Federal
de 1988 (CF), muitas reivindicações do movimento sanitário foram contempladas (OSIS,
1998). A CF não apenas instituiu o SUS, como também definiu a saúde como direito do
povo e dever do Estado e afirmou o planejamento familiar como de livre-arbítrio das
pessoas (COSTA, 2009).
No âmbito da saúde sexual e reprodutiva, o Brasil é signatário da Declaração e
Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim no
ano de 1995, tendo como pauta a promoção e a proteção dos direitos das mulheres e o
acesso a serviços de atenção primária e atendimento à saúde sexual e reprodutiva de
qualidade (BRASIL, [s.d.], 2017b).
Quanto aos cuidados com as mães e seus bebês, é importante mencionar a Iniciativa
Hospital Amigo da Criança (IHAC), lançada pelo Fundo Internacional de Emergência das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
entre os anos 1991-1992, no cenário da pandemia do Vírus da Imunodeficiência Humana
(HIV). A IHAC se preocupa com a alimentação de lactentes e crianças de primeira infância
e, em 2008, já contava com mais de 20 mil hospitais credenciados em 156 países (FUNDO
DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 2008).
A proposição da IHAC veio em resposta ao chamado para a ação da Declaração de
Innocenti. Ainda que conte com a adesão de vários países, há o reconhecimento da
necessidade de um esforço abrangente, multisetorial e que envolva diversos níveis de
atuação para proteger, promover e apoiar a alimentação ideal de lactentes e crianças na
primeira infância (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 2008).
Associada à proposta da IHAC, em 2002 foi proposta a Estratégia Global para a
Alimentação de Lactentes e Crianças de Primeira Infância, pela OMS/UNICEF, que apoia
a amamentação exclusiva do nascimento aos 6 meses de vida e a continuidade da
amamentação, com introdução de alimentação complementar adequada e em momento
oportuno, por dois anos ou mais, reconhecendo ainda os esforços pelo incentivo à
alimentação complementar, à nutrição materna e à ação comunitária (FUNDO DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 2008).
Nesse cenário de efervescência política e social, podemos observar entre a segunda
metade dos anos 1990 e início dos anos 2000 esforços importantes para nominar,
conceituar e sugerir mudanças para um novo modelo de assistência obstétrica, através dos
26

movimentos sobre a humanização do parto e nascimento (BOURGUIGNON; GRISOTTI,


2018). O movimento “humanização do parto” propôs a construção da assistência ao parto
no qual a mulher, com suas necessidades e desejos, esteja no centro do processo de tomada
de decisões sobre os cuidados, intervenções e procedimentos a serem dispensados no seu
trabalho de parto e parto. Assim, se devolve o parto à mulher (BOURGUIGNON;
GRISOTTI, 2018), com a revisão de práticas em obstetrícia e neonatologia, subsidiadas
nas melhores evidências científicas e com o investimento na interação entre parturiente e
profissionais envolvidos nos seus cuidados (NICIDA, 2018).
Em 2000, foi proposto o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento
(PHPN), por melhorias no acesso, cobertura e qualidade do pré-natal, melhor assistência ao
parto e puerpério e também na estrutura dos serviços. Pouco depois, em 2003, foi proposta
a Política Nacional de Humanização (PNH), cujo compromisso ético-estético-político se
baseia na autonomia e no protagonismo dos sujeitos, corresponsáveis entre si, com
solidariedade nos vínculos estabelecidos, proteção aos direitos dos usuários e participação
coletiva no processo de gestão (SANTOS FILHO, 2020, p. 55).
Na busca de mudança do modelo de atenção ao parto, nascimento e ao
abortamento, algumas políticas foram propostas pelo Ministério da Saúde, como a Política
Nacional de Atenção Integral à saúde da Mulher (PAISM), de 2004, que propõe diretrizes
para vários níveis de organização dos serviços de saúde (BRASIL, [s.d.], 2017b).
Mais especificamente em relação à atenção obstétrica e neonatal, foram
desenvolvidos o Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais da Amazônia
Legal e Nordeste (PQM), no ano de 2009, e, em 2011, a estruturação da Rede Cegonha,
com uma proposta mais completa e abrangente (BRASIL, [s.d.], 2017b).
Apesar de todos esses movimentos, podemos dizer que com a obstetrícia moderna o
nascimento tornou-se um ato médico. A análise de manuais de obstetrícia publicados entre
os anos 1980 e 2011 resultou em um estudo sócio-histórico sobre a medicalização do parto,
que visava compreender o cenário obstétrico brasileiro. Considerando que esses manuais
são veículos de disseminação do embasamento teórico que sustenta as práticas e
“mecanismos de conservação de bases teóricas dominantes”, foi possível a aproximação
das concepções validadas pela ciência obstétrica que estavam sendo recomendadas aos
médicos naquele determinado período de tempo e espaço (NICIDA, 2018, p. 3).
Nas recomendações estudadas, não foi mencionada a prática de ações que
conotassem uma atuação ativa da mulher sobre as decisões e procedimentos, nem rotinas
que permitissem à mulher expressar as suas necessidades e desejos. Assim, a forma como a
27

obstetrícia se apresenta nos manuais empodera os médicos na condução da assistência, sem


privilegiar a mulher ou qualquer outro ator participante da cena de parto (NICIDA, 2018).
Percebemos, apesar de todos os esforços mencionados, que o modelo de atenção ao
parto e nascimento predominante no Brasil ainda é centrado no médico obstetra e depende
da atenção hospitalar (BOURGUIGNON; GRISOTTI, 2018).
Nessa inquietude, partindo do campo teórico para o prático, a pesquisa “Nascer no
Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, coordenada pela Fundação Oswaldo
Cruz - FIOCRUZ, foi o primeiro levantamento a oferecer um panorama nacional sobre a
situação da atenção ao parto e nascimento no Brasil. A coleta de dados ocorreu entre
fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Essa pesquisa teve como objetivo conhecer os
determinantes, a magnitude e os efeitos das intervenções obstétricas no parto, incluindo
cesarianas desnecessárias; descrever a motivação das mulheres para opção pelo tipo de
parto; as complicações médicas durante o puerpério e período neonatal; bem como
descrever a estrutura das instituições hospitalares quanto à qualificação dos recursos
humanos, disponibilidade de insumos, equipamentos, medicamentos e unidade de terapia
intensiva (UTI) para adultos e neonatos (FIOCRUZ, [s.d.] 2020b).
Complementarmente, está em curso uma segunda pesquisa, “Nascer no Brasil II:
Inquérito Nacional sobre Partos, Nascimentos e Perdas Fetais”. Essa edição ampliou o
escopo da pesquisa anterior ao incluir maternidades com menos de 500 partos por ano e ao
abordar também o tema das perdas fetais precoces, não abordado do estudo anterior,
morbimortalidade materna e efeitos da COVID-19 na gestação, além de transtornos
emocionais paternos (inclusive no pós-parto e no estabelecimento do vínculo pai-bebê).
Com essa continuidade, será possível analisar a evolução da atenção ao parto e nascimento
em maternidades públicas e privadas do país (FIOCRUZ, [s.d.] 2021c).
No ano de 2017 foi lançada a Estratégia QualiNEO, estratégia criada pelo
Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento
Materno (CGSCAM/DAPES/SAS), para reduzir as taxas de mortalidade neonatal (até 28
dias de vida) e qualificar a atenção ao recém-nascido nas maternidades. Para a sua
operacionalização, termos de adesão e compromisso foram assinados com os estados que
apresentam as maiores taxas de mortalidade neonatal do país (IFF FIOCRUZ, [s.d.] 2021).
No mesmo ano, 2017, foi verificado que a maioria dos hospitais de ensino adotava
e reproduzia na formação a ambiência e as práticas do modelo tecnocrático, com altas
taxas de cesáreas e poucos partos vaginais assistidos por enfermeiros obstetras (MENDES;
RATTNER, 2020).
28

Coordenada pela FIOCRUZ e pela Universidade Federal do Maranhão, ocorreu a


Avaliação da Rede Cegonha (ARC), que identificou que o processo de implementação de
boas práticas de atenção e gestão ao parto e nascimento da Rede Cegonha. Mudanças nas
atitudes dos profissionais e melhorias na estrutura física das maternidades do SUS,
entretanto, revelaram que alguns obstáculos persistem e que é fundamental o
monitoramento regular dessa rede de atenção. A avaliação sugere que devam ser mantidos
os investimentos na qualificação dos processos, na ampliação da formação e inserção de
profissionais e que o planejamento em saúde, a prática do cuidado e a qualidade dos
serviços devem ser pauta permanente (FIOCRUZ, E, [s.d.], 2021).
Nesse cenário reflexivo, uma robusta proposta de investimento na implementação
de boas práticas nos hospitais-ensino e no fortalecimento do papel da enfermagem
obstétrica foi estruturada através do Projeto ApiceOn.
Diante do exposto, na linha do tempo da atenção em obstetrícia e neonatologia no
Brasil, temos como alguns de seus marcos importantes:

Figura 1 – Linha do Tempo da Atenção em Obstetrícia e neonatologia no Brasil (1983-


2017)

Fonte: Elaborado pela autora.

4.2 O PROJETO APICEON


O Projeto ApiceOn - Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em
Obstetrícia e Neonatologia surgiu como uma iniciativa do Ministério da Saúde em parceria
29

com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH, Associação Brasileira de


Hospitais Universitários e de Ensino - ABRAHUE, Ministério da Educação - MEC e
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira -
IFF/FIOCRUZ, tendo a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG como instituição
executora (BRASIL [s.d.] a, 2017).
O Projeto propõe a qualificação nos campos de atenção/cuidado ao parto e
nascimento, planejamento reprodutivo pós-parto e pós-aborto, atenção às mulheres em
situações de violência sexual e de abortamento e aborto legal, nos hospitais caracterizados
como hospitais de ensino, universitários e/ou que atuam como unidade auxiliar de ensino,
no âmbito da Rede Cegonha (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Através dele, pretende-se ampliar o alcance de atuação dos hospitais na rede SUS e
reformular e/ou aprimorar processos de trabalho e fluxos, para adequação de acesso,
cobertura e qualidade do cuidado (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Ao perpassar os horizontes da formação pela atenção e gestão, busca-se a adoção
das melhores práticas, baseadas em evidências científicas, garantindo os direitos de
mulheres, homens, crianças, adolescentes, jovens e famílias; e melhores práticas de gestão,
promovendo participação e corresponsabilização dos sujeitos nos processos de decisão,
planejamento e avaliação (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Esse projeto complexo envolve diferentes atores na cooperação na área obstétrica e
neonatal e potencializa a parceria entre o Ministério da Saúde, os hospitais de ensino e as
instituições formadoras, na expectativa de provocar mudanças nos modelos tradicionais de
formação, atenção e gestão das instituições, através da “implementação e capilarização de
práticas de cuidado baseadas em evidências científicas, nos direitos e nos princípios da
humanização, disponibilizando um conjunto de práticas formativas de atenção e de gestão
capaz de produzir impacto em toda a rede de serviços”. (BRASIL [s.d.] a, 2017).

Em resumo, o Projeto ApiceOn é uma estratégia de indução e articulação de


ações para promover a qualificação de serviços, com foco em hospitais com ati-
vidades de Ensino, tornando-os referência nas melhores práticas de aten-
ção/cuidado ao parto e nascimento, planejamento reprodutivo pós-parto e pós-
aborto, atenção às mulheres em situações de violência sexual e de abortamento e
aborto legal. (BRASIL [s.d.] a p. 22, 2017)

A escolha de contemplar unidades hospitalares com atividades de ensino foi


estratégica, pois as boas práticas, experienciadas na formação de novos profissionais
poderão ser replicadas por eles nas suas atividades profissionais futuras. Essas práticas
30

podem ser objeto de estudo e aperfeiçoamento ainda na formação, bem como impulsionar a
qualificação dos profissionais mais antigos nos serviços sobre as boas práticas e alcance de
melhorias nos seus processos de cuidado. Dessa forma, possibilita-se “o aprimoramento e a
introdução e/ou fortalecimento de inovações nas práticas de ensino, cuidado e gestão do
trabalho”.” (BRASIL [s.d.] a, p. 5, 2017).
Outra perspectiva do ApiceOn é contribuir para que seja superado o distanciamento
entre a universidade, os serviços e a comunidade, aproximando esses atores por meio de
processos de trabalho e práticas de integração ensino-serviço para a formação, com
intervenção de alcance nacional, contemplando todos os estados brasileiros. No total,
foram envolvidos 97 hospitais, sendo 13 hospitais na região Centro-Oeste. No Distrito
Federal, foram contempladas quatro unidades hospitalares: Hospital Regional da Asa Norte
(HRAN); Hospital Universitário de Brasília (HUB); Hospital Materno Infantil de Brasília
(HMIB) e Hospital da Região Leste (HRL) (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Recentemente foi publicado um estudo de linha de base sobre estrutura e práticas
de hospitais integrantes do Projeto ApiceOn (MENDES; RATTNER, 2020), onde foram
descritos e caracterizados os 97 hospitais de ensino participantes do Projeto, adotando
como linha de base o semestre anterior ao lançamento do programa, visando avaliar as
mudanças estruturais e processuais decorrentes desse Projeto, tido como estratégico para a
efetivação da Política Pública Nacional representada pela Rede Cegonha.
Outra relevante publicação recente é o relato da experiência do curso de
aprimoramento para enfermeiras obstétricas do Projeto ApiceOn, que pontuou avanços na
aquisição de habilidades práticas e segurança técnica, além de identificar o quanto a
experiência foi capaz de mobilizá-las rumo à construção de estratégias para a superação
dos modelos obstétricos desalinhados às atuais recomendações, isso tudo através de
tecnologias leves, que têm o cuidado como principal elemento da assistência (SANFELICE
et al., [s.d.] 2020).

4.2.1 Focos de atenção do Projeto ApiceOn


Os objetivos do Projeto ApiceOn buscam abarcar os seus três âmbitos de
intervenção, compreendidos como indissociáveis: Formação, Atenção e Gestão. Esses
objetivos estão associados aos desafios mais amplos da mudança de modelo de atenção à
saúde nas áreas afins, com ênfase na contribuição da enfermagem obstétrica:
31

A inseparabilidade entre seus três campos alinha-se à uma perspectiva em que os


horizontes da formação devem perpassar a atenção - com a adoção das melhores
práticas de cuidado baseadas em evidências científicas, garantindo os direitos das
mulheres, crianças e famílias-, e as melhores práticas de gestão – promovendo a
participação, protagonismo e corresponsabilização de trabalhadores-gestores-
usuários nos processos de decisão, planejamento e avaliação. (BRASIL [s.d.] a,
p. 23, 2017)

4.2.2 Componentes do Projeto ApiceOn


Entre as iniciativas e os resultados esperados, segundo os três componentes do
projeto, destacam-se (BRASIL [s.d.] a, p. 37, 2017):
No campo da qualificação da atenção:
 Acompanhamento e redução, se pertinente, das taxas de cesariana, segundo a
Classificação de Robson 1(especialmente dos grupos de 1 a 4);
 Partos normais de baixo risco assistidos por enfermeiras obstétricas ou
obstetrizes;
 Acolhimento e classificação de risco em obstetrícia implementados;
 Acompanhante de livre escolha no trabalho de parto, parto e alojamento
conjunto;
 Parturientes com dieta livre, com acesso a métodos não farmacológicos de
alívio da dor, com incentivo à deambulação e a partos em posição não
litotômica;
 Abolição de prática rotineira como venóclise no trabalho de parto, amniotomia,
ocitocina no 1º e 2º estágios do parto, episionomia, aspiração de vias aéreas e
gástrica do RN;
 Clampeamento oportuno do cordão umbilical, contato pele a pele e
amamentação na primeira hora garantidos;
 Recém-nascidos com realização de teste olhinho-orelhinha-coraçãozinho;
 Utilização de aspiração manual intra-uterina (AMIU) pós abortamento;
 Oferta de inserção imediata de DIU com cobre no pós-parto e pós-

1
A Classificação de Robson foi criada por Michael Robson no início dos anos 2000 e é utilizada para moni-
torar e classificar as cesarianas, a partir da identificação de quem são as mulheres submetidas à cesárea. As
mulheres são classificadas em grupos, a partir de seis itens: idade gestacional (termo ou pré-termo); paridade
(nulíparas e multíparas); se multípara, com ou sem cesárea prévia (cesárea anterior); gestação única ou múlti-
pla (número de fetos); apresentação fetal (cefálica, pélvica ou córmica) e início do trabalho de parto (espon-
tâneo, induzido ou cesárea eletiva, no caso sem trabalho de parto). Esses grupos são homogêneos, com carac-
terísticas semelhantes e que em grande parte são determinantes para a indicação de cesárea. A Classificação
de Robson, portanto, auxilia na resposta sobre quem são as mulheres submetidas à cesariana, e, portanto, se
há excessos de cesárea em algum grupo específico (IFF FIOCRUZ [s.d.] 2020b).
32

abortamento;
 Serviço de atenção às mulheres em situação de violência sexual.
No campo da qualificação do ensino/formação:
 Programa de integração ensino e serviço formalizado por meio de contrato
entre as Instituições de Ensino Superior - IES, o gestor do sistema de saúde e a
direção do hospital;
 Princípio da privacidade e confiabilidade dos direitos sexuais e direitos
reprodutivos, da autonomia e protagonismo das mulheres, presentes nos
documentos orientadores dos programas de ensino do hospital;
 Estratégias educacionais elaboradas e publicizadas que permitam o
aprendizado colaborativo entre grupos de estudantes de diferentes profissões de
saúde;
 Boas práticas de atenção ao parto/nascimento e ao abortamento presentes nos
conteúdos dos programas de ensino do hospital;
 Articulação entre atenção, ensino e trabalho integrado entre equipes
multiprofissionais;
 Pesquisas sobre inovações no ensino e no cuidado às mulheres e bebês.
No campo da qualificação da gestão:
 Estratégias de gestão compartilhada e de espaços de escuta das usuárias/os,
familiares e acompanhantes.

4.2.3 Atividades realizadas no projeto


O Projeto ApiceOn teve início em agosto/2017, com a previsão de término em
agosto/2020, com a realização da “Mostra de Experiências, avaliação e das pesquisas e
apresentação dos resultados do projeto”, como descrito abaixo:
33

Quadro 1 – Cronograma de atividades do Projeto ApiceOn.


Estratégias Cronograma previsto
Seminário de lançamento com formalização da adesão ao projeto Agosto de 2017
Constituição do Comitê de Mobilização & Acompanhamento e grupo de
Agosto de 2017
trabalho (GT) de Acompanhamento
Formalização do Grupo Estratégico Local: participantes dos hospitais e da
Agosto de 2017
gestão do SUS
Seminários macrorregionais com os grupos estratégicos locais: 1º Seminário
Agenda semestral
macroregional
Elaboração do plano de ação, a partir do diagnóstico situacional de cada Setembro a novembro
hospital de 2017
Atividades na plataforma: webconferências, fóruns de discussão, chats, estudo
Início: outubro de 2017
de caso, capacitações, compartilhamentos de experiências, acompanhamento
Atividade contínua
avaliativo dos serviços e supervisão do trabalho dos mediadores
Oficinas locais entre mediador e Grupo Estratégico Local dos serviços, com Início: outubro de 2017
participação de outros membros da equipe e/ou da gestão Atividade contínua
Publicação semestral
Elaboração de publicações
Agosto de 2017
Mostra de experiências, avaliação e das pesquisas e apresentação dos
Agosto de 2020
resultados do projeto
Fonte: Cronograma de Atividades. ApiceOn Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia
e Neonatologia (BRASIL [s.d.] a, p. 42, 2017)

4.2.4 Estrutura para funcionamento


Após a formalização da participação da unidade hospitalar no Projeto ApiceOn, é
necessária a composição de um grupo local, com atuação específica e estratégica,
composto por profissionais dos serviços indicados pela direção do hospital pela sua
atuação técnica, sendo também reconhecidos como interlocuções da gestão. Esse grupo
recebe o nome de Grupo Estratégico Local (GEL) (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Para o apoio institucional2, esse projeto foi organizado com as funções de
supervisão e mediação, atuando sinergicamente a partir do conceito da inseparabilidade
entre formação, atenção e gestão. A equipe de supervisores foi composta por seis
profissionais distribuídos nas regiões geográficas e a equipe de mediadores foi composta
por 27 profissionais, distribuídos por hospitais nas regiões geográficas, na relação de um
mediador para de dois até cinco serviços (BRASIL [s.d.] a, 2017).
Quanto aos recursos tecnológicos, o Projeto disponibiliza uma Plataforma de
Interação Virtual, instrumento importante para a articulação entre os integrantes e a gestão
do projeto.
Compõem a estrutura do Projeto: coordenação geral do Projeto (integrada por
representantes do Ministério da Saúde e instituição executora (UFMG); comitê de

2
O apoio institucional reformula o modo tradicional de se fazer coordenação, planejamento, supervisão e
avaliação em saúde, uma vez que visa apoiar processos de mudança em grupos e organizações e processos de
cogestão do trabalho, ao invés de concentrar o poder decisório nas práticas e na gestão da saúde (PAVAN;
TRAJANO, 2014) .
34

mobilização (parceiros externos); grupo executivo; supervisores; mediadores; membros


dos grupos estratégicos locais; equipe técnica da plataforma; equipe de planejamento,
monitoramento e avaliação e comissão de acompanhamento (composta por representantes
do MS, da UFMG, hospitais de referência e EBSERH). Essa composição contempla
também representantes da Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres (CGSM);
Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno/DAPES/SAS/MS;
Consultores matriciais e representantes do MEC, ABRAHUE, IFF/FIOCRUZ (BRASIL
[s.d.] a, 2017):

Figura 2 – Estrutura organizacional do Projeto ApiceOn

Fonte: Estrutura Organizacional. O projeto. ApiceOn Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em


Obstetrícia e Neonatologia (BRASIL [s.d.] a, 2017, p. 4).

4.4.5 Produtos esperados no Projeto ApiceOn


A sua proposta está alinhada aos pressupostos teóricos da Política Nacional de
Humanização (PNH), o que reflete inclusive, na proposta avaliativa. A pactuação local de
metas é privilegiada, em comparação com o modelo de pactuação baseado em padrões
externos únicos e em acordos que vinculam incentivos financeiros às metas atingidas:
Esse é o caminho que se estabelece como aprendizagem e construção coletiva
(do possível), envolvendo os atores em um novo modo de estar em relação de
parceria, escapando da lógica de planejamento e avaliação verticalizados.
(SOUZA; SANTOS FILHO, 2020, p. 297)
35

Através do apoio institucional, o projeto envolve instrumentos e dispositivos que


contemplam a proposta de avaliação-intervenção no trabalho (SOUZA; SANTOS FILHO,
2020, p. 297):
o Projeto (i) traz diretrizes e objetivos claros como ofertas institucionais, (ii)
abre-se a um processo de livre adesão e pactuação de compromissos (com base
nas diretrizes e na lógica de corresponsabilização entre os envolvidos, levando
em conta os possíveis dentro das realidades singulares) e (iii) estabelece uma
agenda de apoio metodológico aos serviços/equipes em suas práticas e processos
de trabalho, (iv) com várias ofertas no âmbito de tecnologias leves (agendas de
discussões técnico-organizativas, capacitações, protocolos e outros).

Tomando o Projeto em suas características de processo formativo e incorporando a


avaliação como nexo desse processo (Santos Filho, 2010), a sua sustentação foi proposta
em um desenho articulador de planejamento, monitoramento e acompanhamento
avaliativo, utilizando instrumentos característicos desses campos, que não estão isolados
do processo de formação, visto que são dispositivos formativos e mediados pela atividade
de apoio institucional (SOUZA; SANTOS FILHO, 2020, p. 297):
Figura 3 – Fluxo do acompanhamento avaliativo

Fonte: Acompanhamento avaliativo do projeto (SOUZA; SANTOS FILHO, 2020, p. 372).


Dessa forma, acredita-se na convergência de investimentos como potencializadores
do processo, o que daria mais solidez e sustentabilidade às mudanças e às boas práticas
implementadas.
Na tentativa de relacionar os processos envolvidos e fluxos, com base nas
informações coletadas previamente ao presente Estudo de Avaliabilidade - EA, elaboramos
um modelo lógico preliminar, de forma exploratória, como segue:
36

Figura 4 – Modelo lógico preliminar


37

4.3 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO E OS PROCESSOS


AVALIATIVOS
O Projeto ApiceOn foi desenvolvido a partir de fundamentos da Política Nacional
de Humanização (PNH), pautada na inseparabilidade entre a atenção e a gestão dos
processos de produção de saúde, transversalidade, autonomia e protagonismo dos sujeitos.
A PNH propõe a parceria entre sujeitos e com os sujeitos, assim, a cultura avaliativa
permeia continuamente o cotidiano do trabalho, dando à avaliação um sentido coletivo, que
reinventa as avaliações tradicionais. A cultura avaliativa media saberes e práticas,
considera trajetórias e acúmulos e também o percurso construído pelos coletivos, impondo
à avaliação um debate em perspectiva interdisciplinar (SANTOS FILHO, 2020).
Nesse contexto, encaramos um complexo desafio avaliativo no campo da
Humanização, ao pensar estratégias de avaliação e indicadores aplicáveis à mensuração da
capacidade da intervenção implementada em gerar efeitos em diferentes e em
indissociáveis sentidos, mudanças nos processos de trabalho e efeitos nos grupos, nas
pessoas e nas suas relações (SANTOS FILHO, 2020, p. 63).
Atendendo a isso, o acompanhamento avaliativo se firma como o método de
avaliação adotado pela PNH, como:

nexo articulador entre processos e práticas pedagógicas, entre elementos compo-


nentes da intervenção e conteúdos, objetivos, metas, métodos, instrumentos e
efeitos. Assim, avaliar não se situa em um tempo singular ou único e embora se
promova momentos avaliativos mais intensos, ela perpassa transversal e inte-
gralmente todo o percurso das práticas, do planejamento à concretização, em um
movimento contínuo. (SANTOS FILHO, 2020, p. 14)

O processo avaliativo se configura então como uma espécie de experimentação


inclusiva, capaz de gerar efeitos de aprendizagem, trocas e corresponsabilidade, com
amadurecimento dos sujeitos ao longo do processo, visando superar conflitos e diferenças,
no sentido de pactuações e parcerias.
Por não restringir o foco e a ação avaliativos a um olhar sobre os resultados, é
possível ampliar o conhecimento sobre o próprio processo de trabalho, privilegiando o
protagonismo e a autonomia dos sujeitos. As informações geradas comunicam sobre o
percurso e os processos envolvidos, identificando como se dá o trabalho e analisando as
necessidades de ajustá-lo. Essas informações se apresentam como indicadores e brotam em
uma perspectiva investigativa contínua, útil à gestão e produtora de conhecimento a partir
de experiências concretas, disparadoras de diálogo em diferentes sentidos (SANTOS
FILHO, 2020).
38

Como uma estratégia que visa a qualificação da atenção e da gestão do trabalho, a


humanização se propõe a alcançar usuários e a valorizar os trabalhadores, oportunizando a
participação coletiva nos processos de gestão. Os seus indicadores devem então refletir as
transformações no âmbito da produção dos serviços e da produção de sujeitos, com
valorização da autonomia e protagonismo dos mesmos, solidariamente corresponsáveis uns
com os outros (SANTOS FILHO, 2020, p. 55).
A articulação dos princípios, diretrizes e dispositivos da PNH e o desenho da
avaliação com base no planejamento das intervenções tem a seguinte estrutura:

Figura 5 – Articulação entre os princípios da PNH e os processos avaliativos

Fonte: Articulação dos princípios, diretrizes e dispositivos da PNH e desenho da avaliação com base no
planejamento (intervenções) (SANTOS FILHO, 2020, p. 59).

Na estruturação do método de avaliação na PNH, que toma o acompanhamento


avaliativo com foco de análise e dimensões de processos e efeitos, é proposta a seguinte
composição:
39

Quadro 2 – Composição do processo avaliativo alinhado à PNH

Acompanhamento avaliativo como prática transversal (indissociada das intervenções)


Objeto/ Objeto/ Objeto/
Foco da análise 1 Foco da análise 2 Foco da análise 3
Os dispositivos de Os trabalhadores como sujeitos no contexto do As repercussões das
interferência no processo de trabalho e as relações institucionais nele práticas de saúde para
processo de trabalho estabelecidas os usuários
Dimensões de análise: processos e efeitos
Aspectos que informam sobre a dinâmica de
inserção-inclusão dos trabalhadores no processo de
produção, considerando as modalidades de trabalho
induzidas pela organização e o que se mobiliza nos
sentidos de:
Organização/arranjos, Repercussões quanto
- Padrões de comunicação e de relacionamentos,
articulação dos ao acesso, à qualidade
grupalidade;
procedimentos, ações e da prestação de
- articulação de saberes, “do conhecimento prático”,
recursos serviços e aos
dos objetos do trabalho, tarefas e fluxos;
(aspectos relacionados resultados percebidos
- articulação/produção de práticas coletivas,
à definição e ajustes como válidos quanto à
integradas entre os pares;
nas/das ofertas, satisfação de
- articulação/produção de estratégias de renovação do
intervenções, no necessidades e
funcionamento organizacional;
âmbito de regulações) expectativas
- articulação de interesses para construção/invenção
de projetos comuns e construção de redes (o que
marca a capacidade de análise e de intervenção como
sujeitos e coletivos, no sentido da autonomia e
protagonismo).
Fonte: Santos Filho, Serafim Barbosa (2010) Avaliação e Humanização em Saúde: aproximações
metodológicas. (SANTOS FILHO, 2020, p. 76)

A indissociabilidade entre as práticas de cuidado, formação e gestão, entre fazer,


planejar, acompanhar e avaliar, incluindo diferentes atores, amplia o escopo de análise e
torna mais complexa e desafiadora essa avaliação. A necessidade de uma maior
estruturação entre os princípios da PNH e os processos avaliativos inspirou a publicação,
em 2009, pelo Ministério da Saúde, do material “Monitoramento e Avaliação na Política
Nacional de Humanização na Rede de Atenção e Gestão do SUS: manual com Eixos
Avaliativos e Indicadores de Referência” (BRASIL, M. DA S. [s.d.], 2006), que propôs
diretrizes sistematizadas para orientar a discussão sobre monitoramento, avaliação e
implementação de indicadores no âmbito da PNH. E em 2014 foi publicado o artigo
“Pesquisa em Humanização: articulações metodológicas com o campo da Avaliação”
(SANTOS FILHO, S. B. [s.d.], 2014), também nessa perspectiva.
Na interface entre as diretrizes da PNH, referentes a monitoramento e avaliação,
apoio institucional e acompanhamento avaliativo, com as diretrizes sobre atenção em
obstetrícia e neonatologia, encontramos diversos artigos e pesquisas, como “Apoio
institucional como fio condutor do Plano de Qualificação das Maternidades: oferta da
Política Nacional de Humanização em defesa da vida de mulheres e crianças brasileiras”
40

(VASCONCELOS; MARTINS; MACHADO, 2014) e o artigo “Monitoramento e


Avaliação como Prática Transversal na Rede Cegonha: Construção de um Processo
Articulando Monitoramento e Apoio Institucional” (BRASIL [s.d.], p. 295–337, 2006b) , o
que reforça a busca por mudanças de práticas – e até da cultura institucional – a partir do
princípio da PNH, da inseparabilidade entre atenção, gestão e entre os modos de cuidar,
gerir e se apropriar do trabalho.
O artigo “Um modelo lógico da Rede Cegonha” explicitou a Rede Cegonha de
forma prática e clara, capaz de auxiliar no processo de comunicação e divulgação da
mesma, disponibilizando o modelo lógico para outros trabalhos de avaliação
(CAVALCANTI et al., 2013, p. 1297–1316).
O processo de Avaliação das Boas Práticas na Atenção ao Parto e Nascimento em
Maternidades da Rede Cegonha, conduzido em parceria entre o Ministério da Saúde com a
Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Federal do Maranhão, resultou em Edição
Especial “Avaliação da Atenção ao Parto e Nascimento - Rede Cegonha”, na Revista
Ciência e Saúde Coletiva, discutindo sob distintas abordagens e análises os resultados
encontrados no processo avaliativo. Essa edição contém 17 artigos, que debatem os
desafios da Rede Cegonha; refletem sobre as iniquidades no acesso ao parto; abordam a
estrutura física e a transição do modelo de ambiência em hospitais que realizam partos na
Rede Cegonha, bem como o processo de trabalho na atenção integral ao parto e
nascimento. Também discute os aspectos metodológicos da avaliação, como a criação e
utilização de uma matriz de julgamento do grau de implantação das ações de parto e
nascimento, e também aborda a devolutiva estadual dos resultados da avaliação a
gestores/as e trabalhadores/as (ABRASCO, [s.d.]).

4.4 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS DE AVALIABILIDADE PARA AS


INTERVENÇÕES DE SAÚDE
As avaliações em saúde possuem elevada relevância no planejamento e
desenvolvimento das ações em saúde em seus diversos níveis, contemplando gestão e
assistência, e “ela é intrínseca ao processo de trabalho no campo da saúde como um todo”
(SOUZA; GUIMARÃES; SILVA, 2017, p. 91).
O campo da avaliação em saúde abarca uma ampla variedade de termos, conceitos e
métodos, que traz correspondência à diversidade das questões consideradas pertinentes na
área da saúde, a heterogeneidade e a complexidade das intervenções. As abordagens
metodológicas em avaliação em saúde devem ser transversais, flexíveis e abranger a
41

pluralidade de influências dos diversos campos de conhecimento que a caracteriza, como


gestão, epidemiologia, economia etc. (SAMICO et al., 2010, p. 16).
Contandriopoulos (2006) ressalta que o grande desafio de uma avaliação é
incorporar em suas estratégias as diferentes expectativas e interesses dos atores envolvidos
e, assim, fornecer aos avaliadores elementos importantes e representativos para um
julgamento equilibrado. Além disso, a consideração de seus resultados pelos usuários
potenciais varia de acordo com a credibilidade, fundamentação teórica e pertinência das
avaliações.
Para fazer com que a avaliação esteja no cerne das estratégias de transformação do
sistema de saúde, o autor sugere criar condições para um julgamento avaliativo
verdadeiramente crítico, através da implementação de estratégias que favoreçam a
formação e o aprendizado, o debate, a reflexão e a abertura de novas frentes de
intervenção. Dessa forma, a institucionalização da avaliação implica, primeiramente, em
questionar a capacidade da avaliação de produzir as informações e os julgamentos
necessários para ajudar as instâncias decisórias a melhorar o desempenho do SUS.
No presente trabalho, focamos o estudo na avaliabilidade do Projeto ApiceOn.
Estudo de Avaliabilidade (EA) pode ser definido como um estudo do processo
avaliativo, seja ele desenvolvido como pré-avaliação de determinado Programa, seja ao
longo do ciclo de vida do mesmo (BARATIERI et al., 2019). Assim, pode ser aplicado em
diferentes estágios da intervenção e tem como objetivo “adequar o desenho da intervenção
para o que está tentando alcançar; conscientizar sobre o avanço institucional para apoiar
uma avaliação adequada e disponibilizar informações a serem utilizadas na avaliação.”
(BARATIERI et al., 2019, p. 241).
O produto desejado de um EA é uma descrição completa do programa, as ques-
tões-chave a serem abordadas pela avaliação, um plano de avaliação e um acordo
entre os stakeholders3 sobre o processo. Conduzir um EA, portanto, também sig-
nifica avaliar e criticar até que a descrição do projeto do programa seja coerente
e lógica. (BARATIERI et al., 2019, p. 242)

Em contraponto à sua importância, os EA ainda são pouco abordados no contexto


da saúde no Brasil (SOUZA; GUIMARÃES; SILVA, 2017), mas a sua utilidade e
pertinência estão bem sedimentadas na área de avaliação como potencializador das
mesmas, com resultados que apontam a utilidade e a oportunidade das avaliações de
programas ou projetos e contribuem na identificação das necessidades, na viabilidade e na

3
Os stakeholders são pessoas com interesse em um programa, cujas decisões podem afetar o seu futuro,
sendo fundamentais ao sucesso do processo avaliativo (BARATIERI et al., 2019).
42

racionalização dos recursos destinados às avaliações (NATAL; SAMICO, [s.d.], p. 570).


Os EA muitas vezes não recebem a importância devida em virtude da dificuldade
de compreensão acerca da sua metodologia e, em especial, pela pressão por resultados das
intervenções, suprimindo essa etapa preliminar de trabalho (SAMICO et al., 2010, p. 59).
Quanto maior a qualidade do EA, mais ele auxiliará na identificação de áreas do
programa que precisam de melhorias e maior será a garantia de que a sua avaliação
completa produzirá informações úteis (BARATIERI et al., 2019).
Leviton et al. (2010) ressalta outra perspectiva, a econômica. Para a autora, os EA
são uma estratégia econômica para garantir que recursos limitados para avaliações sejam
usados apropriadamente. Além disso, o seu método possibilita benefícios em pesquisas e
em práticas em saúde pública, por meio das contribuições no desenvolvimento de
programas, fortalecimento da capacidade de avaliação, medição do desempenho, avaliação
da validade das práticas baseadas em evidências e identificação de componentes
promissores, que merecem uma avaliação mais formal.
Um dos componentes do EA é o desenho do Modelo Lógico (ML) do programa a
ser avaliado. ML é um esquema visual que trata do funcionamento do programa,
relacionando objetivamente às relações causais entre os elementos que o compõem, que
são basicamente componentes, insumos, produtos e resultados, mas não se reduzem
rigidamente a essa categorização. As articulações entre esses elementos para resolver o
problema que deu origem ao programa devem estar clara e fatores que influenciam no
alcance dos objetivos e metas do programa podem ser adicionados ao modelo, visando
deixá-lo mais completo e explicitar essa relação com os aspectos operacionais do programa
(SAMICO et al., 2010, p. 66).
O uso de ML é relativamente simples e o modelo pode ser uma ferramenta útil na
avaliação, permitindo o aprofundamento acerca do programa, a valorização da sua
pluralidade e a explicitação dos seus efeitos (ESHER et al., 2011).
Para a validação do modelo lógico, é importante checar os componentes do
programa, além do teste de consistência e a análise de vulnerabilidade (BEZERRA et al.,
2010, p. 76). Ao explicitar a teoria do programa a partir do modelo lógico, estamos
favorecendo o planejamento e a comunicação do que se pretende com o programa e o
funcionamento esperado dele. Por essas potencialidades, o ML é um instrumento muito
utilizado para avaliações ex-ante, visando dar mais consistência à formulação inicial de
programas e projetos (CASSIOLATO; GUERESI, 2010, p. 4).
Na coleta de informações para o desenho do ML, podemos utilizar a documentação
43

disponível sobre o programa/projeto e posteriormente complementar e validar esses


achados com a equipe gerencial do mesmo e seus informantes-chave, ou participantes
estratégicos (stakeholders) (SAMICO et al., 2010, p. 73).
A revisão integrativa desenvolvida por Baratieri et al. ( 2019), a partir da análise da
produção científica sobre a aplicação dos EA na área da saúde, concluiu que o uso dos EA
vem aumentando nessa área, sendo necessário, entretanto, melhorar a sua qualidade. De
acordo com essa Revisão, a maioria dos EA concentrou-se em programas e projetos de
áreas diferentes na atenção à saúde (85,7%) e os referenciais teóricos mais utilizados foram
de Thurston e Ramaliu (33,3%) e Leviton (14,3%). As propostas mais comumente
apresentadas para o EA foram: verificar se o programa é avaliável (57,1%); orientar a
avaliação (23,8%) e compreender o programa (19%). O tipo de modelo realizado no EA foi
o “modelo lógico por atividades” na maioria dos trabalhos (61,9%) (BARATIERI et al.,
2019, p. 246).
A fim de melhorar a qualidade de futuras pesquisas que utilizam como método o
EA, citamos as seguintes recomendações:
Quadro 3 – Recomendações do estudo de revisão integrativa
Categoria Recomendações
Modelo de EA 1. Explicitar modelo e conceito de EA que orienta o estudo;
2. Realizar e apresentar minuciosamente a modelagem do programa;
Proposição do EA 3. Estabelecer objetivos e questão de pesquisa adequados para EA;
4. Alinhar propósitos/perguntas, procedimentos, resultados e recomendações;
Procedimentos do EA 5. Usar dois ou mais procedimentos de coleta de dados;
6. Descrever relação do pesquisador com o local da pesquisa;
7. Descrever concordância da equipe do programa com a realização do EA;
8. Envolver stakeholders em todas as etapas do EA;
9. Descrever os procedimentos de análise de forma suficiente;
Resultados do EA 10. Estabelecer e descrever critérios de validade e confiabilidade dos dados;
11. Apresentar as limitações do estudo;
12. Quando o programa for avaliável, apresentar pergunta avaliativa;
Uso do EA 13. Contribuir para o conhecimento acadêmico na área do objeto de estudo por
meio de recomendações e contribuições sobre EA e/ou avaliação em saúde;
14. Contribuir para o aumento do conhecimento sobre o objeto pelos
profissionais, o que permite colaborar para a resolução de problemas na
implementação do programa.
Extraído de Aplicação do Estudo de Avaliabilidade na área da saúde: uma revisão integrativa (BARATIERI
et al., 2019, p. 249)

Esher et al. (2012) ressalta que, em uma avaliação, é importante o cuidado no


método empregado para o procedimento de elaborar, esclarecer, negociar e aplicar critérios
na determinação do valor (ou mérito) do objeto avaliado. A autora utiliza a definição de
critério como uma dimensão-padrão em função da qual o objeto da avaliação receberá
julgamento, a partir de uma mensuração posteriormente traduzida em juízo de valor.
44

Os critérios escolhidos para esse Estudo de Avaliabilidade foram baseados na


proposta de Leviton et al. (2010). Para a autora, além dos aspectos econômicos já
anteriormente citados, os EA em saúde pública contribuem para a melhoria dos programas
e para o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa pragmática baseada na prática. Para
programas de saúde pública, portanto, os estudos de avaliabilidade servem a outros
propósitos importantes, como dar aos envolvidos no programa um feedback rápido e
construtivo sobre as operações envolvidas; auxiliar no planejamento e na oferta de serviços
de saúde pública, ajudando a desenvolver objetivos realistas e fornecendo feedback rápido
e de baixo custo sobre a implementação das políticas; possibilitar o alinhamento dos
achados aos requisitos federais de medição de desempenho; viabilizar o investimento na
pesquisa em prática, examinando a viabilidade, aceitabilidade e adaptação de práticas
baseadas em evidências em novos ambientes e populações; e também traduzir a prática em
pesquisa, identificando novas abordagens promissoras para atingir as metas de saúde
pública (LEVITON et al., 2010, pág. 213).
Os EA podem, assim, beneficiar a pesquisa e a prática em saúde pública, por meio
do desenvolvimento de programas, construção de capacidade de avaliação, medição de
desempenho, avaliação de práticas baseadas em evidências e também na identificação de
práticas promissoras que merecem uma avaliação mais formal (LEVITON et al., 2010, p.
231).
Na sua proposta, Leviton aborda a plausibilidade da intervenção. Essa análise diz
respeito a avaliar se os resultados são passíveis de serem alcançados, considerando o prazo
e os recursos disponíveis; como os recursos são alocados às atividades; como as atividades
são implementadas (ou seja, com que grau de consistência e fidelidade aos planos originais
e entre os locais do programa) e o contexto no qual o programa está operando (LEVITON
et al., 2010).
Na análise da plausibilidade de programas para alcançar os resultados, podemos
empregar literatura relevante, a experiência de gerentes de programas e administradores
públicos, análises de outros programas e bom senso. À medida que os programas mudam
com o tempo e o contexto em torno deles, é possível manter o ciclo avaliativo quanto à
plausibilidade do programa e realinhar os programas conforme necessário, revisando metas
e resultados, reestruturando atividades ou realocando recursos.
Segundo Leviton, a análise da plausibilidade de um programa para atingir os seus
objetivos é fundamental para a avaliação da avaliabilidade, pois sem ela nem o modelo
lógico nem a análise das atividades tem muito significado. É, portanto, a base para
45

determinar se algo pode ser avaliado. (LEVITON et al., 2010, p. 222).


Leviton (2010) propõe o seguinte desenho, acerca do processo de avaliar a
avaliabilidade:

Figura 6 – Desenho do processo de avaliação da avaliabilidade, segundo Leviton.

Extraído de Evaluability Assessment to Improve Public Health Policies, Programs, and Practices (LEVITON
et al., 2010, p. 220)
46

A partir desse desenho, vemos que o processo do estudo de avaliabilidade de um


programa é cíclico, dinâmico, que envolve os usuários finalísticos da avaliação e tem como
produtos o desenho do programa (a partir de seus norteadores), o desenvolvimento do
modelo lógico, a análise comparativa entre o que foi proposto e o que foi realizado e a
identificação das oportunidades de avaliação e de melhorias do programa.
47

5 MATERIAIS E MÉTODO
O método do presente estudo é qualitativo. Como fonte de dados, foram utilizadas
as informações públicas, disponibilizadas na plataforma do Projeto ApiceOn, artigos,
estudos e publicações, bem como os materiais disponibilizados pela coordenação do
Projeto. Outra fonte de informações foi a aplicação de questionários junto aos stakeholders
(APÊNDICES A e B).
A proposta deste EA é avaliar em que medida o projeto está em condições de ser
submetido a uma avaliação e essa etapa é recomendada na literatura como um passo inicial
para a avaliação de programas, aumentando a probabilidade de fornecer avaliações em
tempo oportuno, relevantes e interessantes aos tomadores de decisão (SAMICO et al.,
2010, p. 58).
Segundo Leviton (2010), o estudo da avaliabilidade de uma intervenção é uma
atividade de pré-avaliação, que visa maximizar as chances de que avaliações subsequentes
de programas, práticas ou políticas resultem em informações úteis, ressaltando que, ao ser
realizada antes ou ao longo da implementação do programa, ela pode ajudar os
planejadores a ajustar as atividades e os recursos para atingir os objetivos, ou então a
ajustar os seus objetivos à luz da realidade do programa.
Leviton (2010) propõe que, para um estudo de avaliabilidade, o passo inicial seja o
envolvimento de usuários da avaliação em potencial, obtendo o seu comprometimento com
o projeto e definindo escopo e propósito do trabalho. Após isso, a equipe de avaliação
analisa os documentos do programa e, paralelamente, entrevista as partes interessadas.
Com base nessas entrevistas e na análise dos documentos, a equipe de avaliação cria um
modelo lógico inicial. À medida que é desenvolvido, o modelo lógico é compartilhado com
as partes interessadas, para análises e ajustes contínuos. Havendo a concordância entre as
partes interessadas e os avaliadores sobre o modelo lógico, a avaliação da avaliabilidade
passa a explorar a realidade do programa, podendo envolver outros stakeholders nesse
processo. Esse investimento de esforços visa ao aprimoramento do modelo lógico e o seu
ajuste à realidade do Programa e, por fim, a autora sugere que as partes interessadas do
programa recebam um relatório, que indica a plausibilidade ou não da intervenção de
atingir as metas e os objetivos desejados.
A população envolvida foi composta por stakeholders mapeados a partir da
estrutura organizacional do Projeto ApiceOn e indicados pela coordenação do mesmo
como atores estratégicos. Os respondentes aos questionários assentiram com o Registro de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A) para a aplicação virtual dos
48

questionários. Foram seguidas as normas da ENSP/FIOCRUZ quanto à apresentação e


consentimento em pesquisas que serão realizadas online/ambiente virtual. Esses
instrumentos são subsidiados pelas Resoluções CNS nº 510/2016 e 466/2012, que tratam,
respectivamente, das diretrizes éticas específicas para as ciências humanas e sociais e ética
nas pesquisas biomédicas.
A partir dessa base, foram definidas as etapas no desenho metodológico do estudo
avaliativo, adaptadas a partir da proposta de Leviton e cols. (apud MENDES et al., 2010, p.
60), Souza e cols. (2017), considerando também o roteiro metodológico proposto por
Ferreira e cols. (2007).
Em tempo, ressaltamos que o presente estudo de avaliabilidade enfrentou alguns
óbices para o desenvolvimento das atividades, notadamente em relação ao acesso às
informações documentais sobre o Projeto ApiceOn e quanto à indicação dos stakeholders
potencialmente participantes da pesquisa, obstáculos esses que quase inviabilizaram o
trabalho.
O Projeto foi finalizado em 2020 e a pesquisa de campo ocorreu no segundo
semestre de 2021, quando os participantes já estavam desvinculados do Projeto. À época
da pesquisa de campo, o mundo enfrentava a pandemia de COVID-19 e como alguns
membros da coordenação e da equipe foram acometidos ou tiveram que cuidar de
familiares adoecidos, a deliberação sobre a autorização de acesso às informações do
Projeto ApiceOn demorou a ser feita, bem como notamos a desmobilização dos
representantes indicados, provavelmente concentrados nos desafios que a pandemia impôs,
pessoal e profissionalmente.
Outra dificuldade enfrentada se refere às restrições de acesso a informações pela
iminência da publicação de artigos e livros acerca da temática da pesquisa, bem como as
restrições quanto a resultados obtidos, em virtude de acordos institucionais.
Esses fatores não impedem a realização de estudos, mas não são ocorrências
isoladas e devem ser considerados pelos pesquisadores para ajustes metodológicos e
pactuações.

5.1 IDENTIFICAÇÃO DOS STAKEHOLDERS


Nessa etapa foram mapeadas pessoas envolvidas no projeto, informantes-chave
interessados ou afetados pelo projeto, usuários primeiros do EA, denominados
stakeholders.
A partir da Estrutura Organizacional do projeto, foram identificados e selecionados
49

os seguintes stakeholders para o EA:


Quadro 4 – Identificação de stakeholders
Vínculo Função Atribuição institucional
ApiceOn Coord. Geral Coordenação Geral do Projeto no Ministério da Saúde.
ApiceOn Supervisão Referência técnico-política para articulação e desenvolvimento de
ações do projeto. Apoia tecnicamente e desenvolve ações no projeto
em parceria com a equipe de planejamento, monitoramento e
avaliação.
ApiceOn Mediador Referência técnico-política para articulação e desenvolvimento de
ações do projeto, em parceria com os supervisores e tem como
interlocutores especiais os Grupos Estratégicos Locais (GEL) dos
hospitais.
ARAS Apoios técnicos Colaboradores da Assessoria de Redes de Atenção à Saúde (ARAS),
(SAIS/SES) da SES/DF, área de coordenação das atividades da Rede Cegonha no
DF.
ApiceOn Equipe de Grupo transversal e estratégico para articulação e organização e
Planejamento, desenvolvimento do projeto. Responsável por ofertas no campo do
Monitoramento PM&A e supervisão institucional dos processos e equipes no
e Avaliação desenvolvimento das ações. Apoio técnico e metodológico à
(PM&A) execução do projeto e à equipe de condução.
Fonte: Elaborada pela autora, baseado na “Estrutura Organizacional” do Projeto ApiceOn (BRASIL, M.DA
S. [s.n.], p. 4, 2017).

Utilizando essas definições, propusemos inicialmente a participação de cinco


supervisores do Projeto ApiceOn; cinco mediadores; uma coordenadora; cinco
representantes da Equipe de Planejamento, Monitoramento e Avaliação; e cinco apoiadores
técnicos da SES/SAIS/ARAS, totalizando o envolvimento de 21 (vinte e um) participantes.
O critério de inclusão utilizado foi o potencial participante ter integrado o projeto
durante pelo menos seis meses e ter sido indicado pela coordenação do Projeto ApiceOn
como ator estratégico.
A coordenação indicou uma representante da coordenação geral; uma representante
da equipe de PM&A; cinco supervisoras (utilizando critério de distribuição regional e
tempo de atuação no projeto); 12 mediadoras (englobando as quatro profissionais que
atuaram nos serviços do DF; e outras oito mediadoras, indicadas por suas atuações em
todas as regiões do país). Representando as secretarias estaduais de saúde, restringimos a
participação de representantes a profissionais da SES/DF, onde a pesquisa ocorreu. Foram
indicadas duas profissionais, referenciadas devido à atual representação da SES/DF e às
suas atuações na implementação do Projeto.
Tendo em vista o cenário epidemiológico e as restrições sanitárias causadas pela
COVID-19, a coleta de informações para a pesquisa junto aos atores estratégicos se deu no
formato virtual, através de questionários eletrônicos desenvolvidos na plataforma Google
Forms (APÊNDICES A e B).
Os participantes foram convidados a responder a pesquisa por e-mail, a partir de
50

endereços disponibilizados pela coordenação do Projeto ApiceOn. Nesse contato inicial, a


pesquisadora encaminhou texto de apresentação da pesquisa e informações acerca da
escolha e indicação dos participantes.
Frente à situação de emergência sanitária decretada no país e ponderando o
potencial benefício aos participantes de pesquisa, de acordo com as recomendações da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, o Registro de Consentimento Livre e
Esclarecido - RCLE deu-se através da plataforma eletrônica Google Forms.

5.2 ANÁLISE DOCUMENTAL


A análise documental foi feita a partir dos materiais disponibilizados na plataforma
virtual do Projeto, artigos, estudos e publicações, bem como os materiais disponibilizados
pela coordenação do Projeto.
Após um período de insistentes solicitações, a coordenação do Projeto ApiceOn
disponibilizou os seguintes materiais para a pesquisadora:
 Projeto Apice - Roteiro diagnóstico - Versão 2 (pós-teste) (ANEXO A):
Esse documento contempla uma nota metodológica sobre a estruturação e uso
do roteiro diagnóstico, que visa subsidiar o conhecimento da situação dos
serviços, sendo base para a elaboração de planos de ação e monitoramento, a
partir das metas pactuadas coletivamente.
Informa que a estrutura mais ampla do diagnóstico contempla três partes
complementares: parte 1 (análise com base em diretrizes e indicadores
associados aos componentes do Projeto - atenção, ensino/formação, gestão),
que é a parte da qual se trata o presente roteiro; parte II (linhas de base com
eixos de dados procedentes da avaliação recente das maternidades com
participação da Rede Cegonha, a serem disponibilizados pelo MS, para
complementação diagnóstica e construção das linhas de base de interesse dos
serviços e do MS); parte III (dados procedentes do relatório da Ouvidoria da
Rede Cegonha/MS, também a serem disponibilizados pelo MS).
Observação: os materiais referentes às partes II e III não foram
disponibilizados à pesquisadora.
 Atualização dos indicadores - Versão 19-09-17 (ANEXO B):
Esse documento atualiza os indicadores do instrumento supramencionado, a
partir das prioridades da CGSM e do teste de roteiro diagnóstico,
contemplando os indicadores associados ao componente "atenção" e "eventos-
51

sentinela"; indicadores associados ao componente "ensino/formação" e


indicadores associados ao componente "gestão".
 Plano Operativo Anual (POA) (ANEXO C):
É um roteiro de planejamento das ações do Projeto ApiceOn, demarcando a
periodicidade (anual) para revisitação dos planos (com revisão/atualização de
ações).
É um instrumento semiestruturado, elaborado a partir do diagnóstico
situacional, que abre espaço para o campo das ações que devem ser criadas
conforme as necessidades locais, envolvendo as categorias: dimensão;
classificação da situação atual na dimensão; meta geral associada à dimensão;
indicadores associados à meta geral; ações; prazos e responsáveis.
O documento disponibilizado não detalha a fonte das informações, mas
informa a existência de material complementar, contendo a ficha técnica com
detalhamento da descrição dos indicadores e método de cálculo. Esse
documento complementar não foi disponibilizado à pesquisadora.
 Relatório executivo mensal (ANEXO D):
Relatório utilizado na prestação de contas ao Ministério da Saúde (MS) sobre a
execução do projeto, cujo envio é de responsabilidade da instituição executora
(UFMG) e a elaboração é de responsabilidade das supervisoras. O relatório
contempla os seguintes dados: indicadores de ações estruturantes do Projeto;
indicadores de implementação de ações consideradas estratégicas e indicadores
de cobertura de ações assistenciais; e eventos-sentinela selecionados. Os dados
são agrupados por áreas geográficas/regiões.
Além dos materiais supracitados, através do site do Projeto ApiceOn
(https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/apice/) tivemos acesso a uma vasta quantidade
de materiais sobre o Projeto, e as pesquisas em periódicos e publicações complementaram
o arcabouço de informações. Dentre esses materiais, destacamos:
 ApiceOn - Ficha técnica dos indicadores associados ao componente aten-
ção:
Esse material foi disponibilizado informalmente por uma participante do
Projeto ApiceOn. O documento apresenta os indicadores selecionados quanto
ao componente atenção, sua definição, método de cálculo, fonte de verificação
sugerida, período de avaliação e parâmetros para guiar a performance do
serviço, sua interpretação e limites. Subsidia os instrumentos de diagnóstico,
52

planejamento, monitoramento e avaliação do Projeto.


 1ª edição da Revista ApiceON:
Publicação disponibilizada no site do Projeto ApiceOn, acessível em
https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/apice/publicacoes/, que traz diversas
informações sobre o Projeto.
 Caderno do Curso de Aprimoramento em Enfermagem Obstétrica:
Trata-se de publicação disponibilizada no site do Projeto ApiceOn, acessível
em https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/apice/publicacoes/, acerca do
Curso de Aprimoramento em Enfermagem Obstétrica, proposto inicialmente
em 2013 e que teve diversas turmas de formação, algumas em paralelo à
implementação do Projeto ApiceOn. Vislumbra a capacitação e o
desenvolvimento de competências de enfermeiras(os) obstetras e fomenta o
processo reflexivo sobre o cuidado às gestantes, respeitando a autonomia e o
protagonismo das mulheres, bem como reconhecendo a importância e a
potência da enfermagem obstétrica inserida em equipe multidisciplinar.
 Livro: Educação Profissional em Saúde: metodologia e experiências de
formação-intervenção-avaliação:
Sem explicitar tratar-se de uma publicação que contempla a intervenção do
Projeto ApiceOn, o livro aborda a experiência da formação dos profissionais da
enfermagem obstétrica para a mudança de práticas em neonatologia e
obstetrícia, inspirando novas formas de formar, agir e avaliar os serviços.
Os autores apresentam o desenho da proposta de avaliação-intervenção do
Projeto e a estrutura dos instrumentos de diagnósticos situacionais, bem como
planos de ação-intervenção.
Um desses materiais é a matriz da hierarquia organizativa do Projeto,
articulando os âmbitos de resultados, produtos, metas de produtos e indicadores
(SANTOS FILHO, 2020, p. 316). Esse instrumento foi estruturado a partir das
seguintes categorias: resultados (em cada componente), âmbito dos
indicadores, produtos e metas de produtos. O texto informa que essa matriz se
encontra no documento-base do PM&A (Manual de apoio do Projeto), mas
esse material não foi disponibilizado para a pesquisadora.
Para além dessas referências, ressaltamos a existência da Plataforma de interação
do Projeto ApiceOn, acessível através do link
http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/apice/interacao/login/index.php. As informações
53

gerais sobre a plataforma são públicas, disponíveis na página


https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/apice/o-projeto/plataforma-de-interacao-apice-
on/, mas o acesso à plataforma de interação é restrito aos participantes do projeto. Trata-se
de uma plataforma virtual, que abriga 1.150 usuários e 144 grupos, disponível para todos
os níveis de usuários e interações do projeto, incluindo hospitais participantes, equipes,
parceiros e iniciativas afins, possibilitando a interação entre usuários e grupos de usuários,
a partir de funcionalidades integradas, como chats, salas de webconferência, fóruns, troca
de mensagens e compartilhamento de arquivos, bibliotecas e calendários, fomentando a
construção colaborativa de conhecimento.

5.3 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METAS DO PROGRAMA


A partir dos materiais analisados, reconhecemos que o Projeto ApiceOn foi
proposto em virtude de problemas no cenário social e epidemiológico-sanitário relacionado
à atenção obstétrica e neonatal no Brasil, associados à mortalidade materna; mortalidade
neonatal; planejamento reprodutivo; modelo de assistência obstétrica; violência sexual e
atenção humanizada ao abortamento; e visa qualificar os processos de atenção, gestão e
formação relativos ao parto, nascimento e ao abortamento nos hospitais com atividades de
ensino, incorporando um modelo com práticas baseadas em evidências científicas,
humanização, segurança e garantia de direitos.
Trata-se de um projeto complexo, que vislumbra a inseparabilidade entre gestão,
assistência e formação/ensino. Para a validação dos indicadores de desempenho, a proposta
inicial foi de utilizar os documentos disponíveis, checando se os indicadores respeitam os
seguintes requisitos: 1) denominação clara, precisa e autoexplicativa (devem ser
entendidos por todos, sem ambiguidade); 2) mensuráveis; 3) válidos (pertinentes e
adequados); 4) verificáveis; 5) relevantes; 6) econômicos (obtidos a custos razoáveis).
A proposta inicial também considerou a análise acerca das informações sobre os
indicadores contemplarem os seguintes aspectos: 1) fórmulas de cálculo expressas
matematicamente; 2) índices para anos anteriores e previsão para anos posteriores (se
possível); e 3) fontes de informações.
Também tínhamos a expectativa de propor uma matriz de análise e julgamento
(MAJ) complementar à matriz de indicadores do Projeto, que, a partir de consensos entre
os diversos atores envolvidos, definisse os indicadores prioritários e os parâmetros de
julgamento. Idealmente, essa parametrização é proposta anteriormente às avaliações:
54

A construção de uma referência prévia para a avaliação de programas busca esta-


belecer consensos para as expectativas dos diversos atores institucionais envol-
vidos (MP, ministérios setoriais, equipe avaliadora etc.). Na medida em que pon-
tos prioritários e parâmetros de julgamento são pactuados anteriormente à avali-
ação propriamente dita, minimiza-se o risco de divergências quanto ao desenho
da avaliação, à interpretação dos resultados e às recomendações de mudanças no
programa avaliado. (FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2009, p. 8)

Todavia, no decorrer da pesquisa, identificamos que embora alguns indicadores


possuam padrões esperados em nacional e/ou internacionalmente, alguns dependem de
especificidades do perfil da clientela dos serviços, situação essa que impõe a definição de
uma linha de base específica para a unidades participantes e inviabiliza a parametrização
geral dos resultados esperados a nível nacional, por exemplo. Ressaltamos que nos parece
claro que as metas propostas são sensíveis às especificidades locais, embora considere os
parâmetros nacionais e/ou internacionais para os indicadores envolvidos.
Analisando as matrizes de indicadores, observamos que os indicadores do Projeto
não contemplam apenas resultados quantificáveis, visto que envolvem indicadores de
processos e estrutura.
Não foi possível desenvolver a matriz de análise e julgamento (MAJ) que
gostaríamos de ter feito, entretanto ressaltamos que os materiais disponibilizados sinalizam
alguns indicadores estratégicos e prioritários, que serão abordados mais adiante.

5.4 DESENVOLVIMENTO DO MODELO LÓGICO E VALIDAÇÃO COM OS


STAKEHOLDERS
O desenho do modelo lógico consiste na descrição clara do modo de funcionamento
do projeto, articulando componentes e visando reconstruir o objeto da avaliação (SAMICO
et al., 2010, p. 66).

5.4.1 Para a construção do modelo lógico, foram utilizadas as informações colhidas na


análise documental e as respostas aos questionários (APÊNDICE A). A estruturação dessas
informações seguiu a proposta por Ferreira, Cassiolato e Gonzalez (2007), a partir do qual
foi elaborado o roteiro de entrevista disposto a seguir:
55

Quadro 5 – Questionário para entrevistas com integrantes da equipe gerencial.


Questionário para entrevistas com integrantes da equipe gerencial
Identificação do entrevistado
Nome:
Função no Projeto ApiceOn:
Tipo de vínculo:
Identificação do Problema
Qual(is) o(s) problema(s) que o Projeto ApiceOn se propõe a enfrentar?
Quais as principais consequências do problema?
Por que esse problema existe? Quais as causas mais importantes desse problema?
Existem outras iniciativas, projetos e programas (federais, estaduais, municipais, privados ou de ONGs)
que atuam sobre as causas desse(s) problema(s)?
Descrição do Programa
Objetivo
Qual o objetivo do Projeto ApiceOn?
Público-alvo
Qual o público-alvo do Projeto ApiceOn? (qualificar e quantificar)
Quantos são os beneficiários do Projeto ApiceOn? Qual a taxa de cobertura?
Operações/ações
Quais são as operações que compõem o Projeto ApiceOn?
Quais ações compõem as operações? Qual a finalidade de cada ação?
Quais os produtos previstos para cada ação?
Como será organizada a coordenação das operações?
Resultados esperados no Projeto ApiceOn
Quais são os resultados esperados? (pergunta aberta, visando captar tanto resultados intermediários
quanto finais)
Quais os resultados que se pretende alcançar no período de vigência do Projeto? E após a sua vigência?
Como as ações e os produtos do Projeto contribuem para alcançar os resultados? Justifique cada uma
delas.
Análise do Contexto
Quais fatores de contexto que podem afetar o desempenho do Projeto ApiceOn?
Que tipos de alterações o Projeto pode sofrer por conta de mudanças de contexto?

Questionário adaptado da proposta da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro
básico (FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 7).

Estimamos em uma hora o tempo necessário para preenchimento desse


questionário, por participante.

5.4.2 As informações consolidadas foram sistematizadas através da utilização das seguintes


matrizes:
Tabela 1 – Matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn
Matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn
Enunciado do Problema:
Causas:
Ca 1
Ca 2
Ca n
Consequências:
Co 1
Co 2
Co n
Extraída, com adaptações, da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 7).
56

Tabela 2 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn


Matriz para descrição do Projeto ApiceOn
Objetivo:
Público-alvo:
Resultados Esperados:
Recursos: Operação: Ações: Produtos:
1 1 1A 1A
1B 1B
2 2 2A 2A
2B 2B
Extraída, com adaptações, da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 7).

Tabela 3 – Fatores relevantes de contexto


Matriz de fatores relevantes de contexto
Contexto favorável Contexto desfavorável
(listagem das variáveis-chave cujos (listagem das variáveis-chave cujos
comportamentos favorecem a implementação do comportamentos comprometem a implementação
Projeto ApiceOn) do Projeto ApiceOn)
Extraída, com adaptações, da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 7).

Nessa etapa, foi oferecido um glossário de conceitos básicos envolvidos na


construção dessas matrizes, visando a capacitação dos envolvidos e alinhamento
conceitual:

Quadro 6 – Glossário de conceitos básicos para elaboração de modelo lógico


Glossário de conceitos básicos – Modelo Lógico
É uma situação indesejável declarada por uma autoridade. É condição
Problema
necessária que o problema declarado possa ser enfrentado por um programa.
São as informações (dados) que evidenciam a existência do problema, o
Indicadores da delimitam e o dimensionam. Os indicadores devem ser apurados para o ano
Situação Inicial (linha que antecede a implementação do programa ou o mais próximo possível
de base) desse marco temporal, de forma a estabelecer uma linha de base, que permita
uma comparação com os resultados futuros.
Expressa o resultado que o programa se propõe a alcançar, que consiste na
superação do problema em um lapso de tempo estabelecido. Caso a efetiva
Objetivo do programa/
superação não esteja prevista durante a vigência do programa/projeto, deve
projeto
ser indicado o alcance pretendido após o seu término, com referência
temporal.
É o conjunto de pessoas que o programa/ projeto visa atender. Nesse item,
Público-alvo deve ser informado tanto o critério que o define, quanto a sua dimensão, se
disponível.
Beneficiários Finais Parcela do público-alvo que é alcançada pelo programa/projeto.
Incluem os recursos humanos, financeiros, organizacionais e políticos
Recursos necessários e suficientes para o programa alcançar os seus objetivos. O
alcance e as metas devem ser compatíveis com os recursos disponíveis.
É o conjunto necessário e suficiente de ações, com a qual se pode atacar,
Operação
eficazmente, uma ou mais causas de um problema.
São os processos que, combinando apropriadamente os recursos adequados,
Ações
produzem bens e serviços com os quais se procura atacar as causas do
57

problema.
Bem ou serviço resultante do processo de produção de uma ação. A cada
ação deve corresponder apenas um produto. A programação interna do órgão
Produtos responsável deve contemplar detalhadamente o processo de produção do bem
ou serviço para que possa proceder a responsabilização e a sua efetiva
gestão.
Mudanças e benefícios associados à implementação das operações do
programa. São mudanças específicas no comportamento, conhecimento,
habilidades, status ou nível de desempenho do participante do programa, que
podem incluir melhoria das condições de vida, aumento da capacidade e/ou
Resultados
mudanças na arena política. Há dois tipos de resultados: resultados
intermediários e resultado final. Os resultados intermediários são aqueles
referentes ao enfrentamento das causas do problema. O resultado final
corresponde ao alcance do objetivo do programa.
São variáveis-chave, fora do controle da gerência do programa/projeto, que,
Fatores de contexto a depender do seu comportamento, criam condições favoráveis ou
desfavoráveis ao desempenho do programa.
Extraída, com adaptações, da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 5).

5.4.3 A partir da sistematização das informações consolidadas, as matrizes foram base para
a delimitação dos elementos de composição do diagrama de pré-montagem do Modelo
Lógico, compondo-o por três partes, como proposto por Ferreira, Cassiolato e Gonzalez
(2007):
Explicação do problema e referências básicas (objetivo, público-alvo e beneficiários):
Consiste na apresentação do problema, suas causas e consequências, incluindo os
vínculos de causalidade em um desenho de árvore de problemas, a partir das manifestações
dos entrevistados na fase anterior.

Figura 7 – Estrutura da árvore de problemas.

Extraído, com modificação, da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 10).
58

Estruturação do Projeto ApiceOn para o alcance dos resultados (modelo lógico):


Essa parte consiste na estruturação do programa tendo em vista o alcance dos
resultados, organizando os itens em: recursos, operações, ações, produtos, resultados
intermediários e resultado final.

Figura 8 – Estrutura do modelo lógico.

Extraído da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico (FERREIRA;
CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 12).

Definição de fatores de contexto:


Outra perspectiva de análise desenvolvida diz respeito à listagem dos fatores
apontados pelos entrevistados como capazes de influenciar o desempenho do Programa e
interferir nos resultados, seja essa influência positiva ou negativa.

Figura 9 – Estruturação dos fatores de contexto.

Extraído da Nota Técnica - Como elaborar modelo lógico de programa: um roteiro básico
(FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALEZ, 2007, p. 12).
59

5.4.4 Validação do modelo lógico


Optamos inicialmente por seguir a sugestão de Ferreira, Cassiolato e Gonzalez
(2007), de que fosse feita uma oficina de validação do Modelo Lógico, a partir dos
elementos definidos nas etapas anteriores, organizados pela pesquisadora, considerando,
ainda, as restrições decorrentes da pandemia de COVID-19.
Os itens de composição da validação do modelo lógico foram adaptados, bem como
a metodologia, para uma abordagem mediada por tecnologia, estruturada a partir das
seguintes etapas:
● Checagem dos componentes do modelo lógico: se refere à conferência das car-
telas de ideias identificadas, com abertura a correções compartilhadas e con-
sensuadas, considerando a possibilidade de atualização dos elementos de con-
texto, se necessário;
● Teste de consistência do modelo lógico: o teste consiste em conferir a lógica do
projeto, através de hipóteses e da análise do encadeamento “se-então”;
● Análise de vulnerabilidade: visa identificar eventuais fragilidades das opera-
ções/ações para o alcance dos resultados esperados;
● Análise da pertinência e suficiência das operações/ações: consiste na análise
do conjunto de ações, visando identificar se são consideradas necessárias e su-
ficientes para o alcance do objetivo do projeto;
● Definição dos indicadores de desempenho: referem-se a medidas relativas aos
produtos, aos resultados intermediários e final, capazes de aferir o desempenho
do projeto.
Essa etapa foi desenvolvida utilizando as orientações sobre ética em pesquisa em
ambientes virtuais, consoantes com a proposta de entrevistas virtuais. Foi sugerido ao
grupo de respondentes a participação em oficina virtual, todavia, na fase de
consensualização acerca do sobre dia e horário de sua realização, a pesquisadora
identificou que essa estratégia seria inviável, devido à indisponibilidade dos potenciais
participantes em participar da atividade.
Diante dessa situação, optou-se por simplificar a proposta e utilizar um novo
questionário online (APÊNDICE B), menos complexo e mais objetivo, que considerasse
apenas a validação do modelo lógico e a definição das perguntas avaliativas, reduzindo o
escopo do trabalho ao que seria possível naquele momento.
60

5.5 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS AVALIATIVAS QUE DIRECIONEM O FOCO


DO ESTUDO DE AVALIABILIDADE

5.5.1 Definição das perguntas avaliativas


Inicialmente haviam sido propostas pela pesquisadora como perguntas avaliativas
as seguintes questões:
 Como foi descrito o Projeto ApiceOn, quanto aos seus propósitos, objetivos e
metas?
 Qual o desenho do programa, considerando seus componentes, estratégias e re-
sultados esperados?
 O Projeto ApiceOn possui elementos necessários para ser avaliado?
 Quais questões de avaliação interessam aos envolvidos no programa, de acordo
com o seu envolvimento no Projeto, e como elas poderiam ser respondidas?
No instrumento de validação do modelo lógico do Projeto ApiceOn (APÊNDICE
B), foi também solicitada a proposição de perguntas avaliativas, a partir da perspectiva dos
atores-chave envolvidos no projeto.
Idealmente, teria sido interessante incluir uma amostra mais representativa da
robustez da intervenção, através da mobilização de um número maior de participantes,
contemplando também profissionais dos serviços de saúde, membros do GEL, usuárias e
seus familiares/acompanhantes.
Porém, nessa etapa, devido às limitações do estudo, foram consultados os
stakeholders indicados pela coordenação do Projeto ApiceOn que responderam à primeira
entrevista online. Dos sete participantes da primeira fase do EA, cinco contribuíram desse
segundo momento.

5.5.2 Análise e comparação entre a realidade do Projeto e o modelo lógico


Consiste na comparação entre o que foi planejado na estruturação do projeto (seu
modelo lógico) e a sua implementação de fato, possibilitando a verificação da
implementação do programa e se, a partir dela, é possível alcançar as metas e os objetivos
propostos, além de verificar se o projeto é ou não bem definido e avaliável.
A técnica escolhida depende das condições de implementação do estudo e, a
princípio, para este EA, envolveria análise documental, aplicação de questionários e
validação.
61

No desenho inicial dessa etapa, a proposta também compreenderia um plano de


avaliação do Projeto ApiceOn, com a seguinte estrutura: propósito da avaliação; perguntas
de avaliação (a ser construída com os atores interessados na avaliação); métodos e
procedimentos de avaliação; composição da equipe de avaliação; apresentação e uso da
avaliação; e orçamento. Todavia, devido às limitações impostas na aplicação do EA, essa
proposta foi parcialmente atendida.

5.6 ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO CONCLUSIVO, INCLUINDO AS


RECOMENDAÇÕES E LIÇÕES APRENDIDAS
A proposta é de que após a finalização do EA seja elaborado um relatório com o
resultado do trabalho e com as recomendações, de forma que os participantes tenham
acesso ao que foi desenvolvido e que as lições aprendidas sejam compartilhadas. Os
participantes receberão também o documento final do presente Estudo de Avaliabilidade,
enviados por e-mail, em formato PDF.
62

6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
A pesquisadora solicitou a anuência do Gestor Municipal de Saúde do Distrito
Federal (DF) e submeteu o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/FIOCRUZ e
ao Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da
Saúde/FEPECS, vinculado à Secretaria de Estado de Saúde do DF. O projeto foi aprovado
e registrado no CAAE: 43390720.0.0000.5240.
Foram atendidos todos os preceitos éticos constantes na Resolução 466/12, das
Diretrizes e Normas Reguladoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e Resolução nº
510/16, que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais.
Foram disponibilizados Termo de Compromisso de Utilização de Dados - TCUD
(APÊNDICE C), bem como Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE
D) aos sujeitos do estudo, com base nos princípios da Beneficência, Não-Maleficência,
Autonomia e Justiça, que se constituem a base da bioética. Constou no Registro
informações sobre a participação na pesquisa, a qual seria voluntária, tendo sido inclusos
somente os indivíduos que concordaram e assentiram no documento, tendo sido assegurado
a eles a liberdade de saírem da pesquisa a qualquer momento, sem quaisquer represálias.
A participação dos sujeitos da pesquisa foi precedida de contato com a coordenação
do Projeto APICEON, que indicou os potenciais colaboradores. A participação foi proposta
de forma a possibilitar que os sujeitos pudessem expressar as suas opiniões com maior
segurança, sendo garantido que os relatos seriam analisados e apresentados de forma
agregada, sem a identificação nominal dos participantes.
Contudo, pelo estudo envolver um número restrito de participantes, identificamos o
risco de identificação indireta, risco esse pontuado com os participantes. Todavia, a
pesquisa foi desenvolvida no segundo semestre de 2021, cerca de um ano após o término
da vigência do Projeto ApiceOn, o que, acreditamos, diminui significativamente qualquer
possível dano imediato e posterior, tanto individual quanto coletivamente aos participantes
da pesquisa, visto que já estavam desvinculados do Projeto, devido ao seu encerramento.
A pesquisa utilizou a plataforma virtual Google Forms e os usuários foram
identificados indiretamente, por meio de codificação. Quanto à apresentação e
consentimento em pesquisas realizadas online/ambiente virtual, o estudo foi alinhado às
Orientações do CEP/ENSP para tal e considerou também as exigências do Comitê de Ética
em Pesquisa da FEPECS/SES/DF.
63

7 RESULTADOS

Conforme proposto por Leviton (2010), foram seguidas as seguintes etapas para a
análise da avaliabilidade do Projeto ApiceOn: 1) Identificação dos stakeholders; 2) Análise
documental; 3) Definição de objetivos e metas do programa; 4) Desenvolvimento do
modelo lógico e validação com os stakeholders; 5) Definição das perguntas avaliativas que
direcionem o foco do estudo de avaliabilidade; 6) Elaboração de relatório conclusivo,
incluindo as recomendações e lições aprendidas.
Para auxiliar na organização das informações, utilizamos também a “Nota Técnica
nº 2 - Análise da avaliabilidade: determinar a viabilidade de uma avaliação a um projeto ou
programa”, disponível no site do Instituto Camões (Camões I.P.)4.

7.1 IDENTIFICAÇÃO DOS STAKEHOLDERS


A etapa de identificação dos stakeholders envolveu os participantes com vínculo
institucional direto com o Projeto ApiceOn, ou seja: coordenação geral, supervisoras,
mediadoras, membros da equipe de planejamento, monitoramento e avaliação e apoios
técnicos locais (da SES/DF). Não envolveu outros potenciais utilizadores da avaliação,
como profissionais dos serviços hospitalares, gestores das unidades ou membros do GEL,
nem tampouco gestantes atendidas nas maternidades e seus familiares/acompanhantes,
sendo esse cenário uma das limitações do presente estudo.
A indicação dos potenciais participantes ocorreu por intermédio da coordenação do
Projeto ApiceOn, conforme critérios de inclusão previamente definidos e o convite à
participação dos mesmos no EA foi realizada por e-mail personalizado.
Foram indicados pela coordenação do Projeto ApiceOn 21 participantes, o mesmo
número de participantes proposto no projeto inicial do EA, todavia a distribuição desses
participantes entre as categorias de participação foi alterada, com vistas a contemplar uma
amostra mais representativa de profissionais pelo tipo de vínculo.
Foram indicados(as): uma participante da coordenação do Projeto ApiceOn; cinco
supervisores(as); 12 mediadores(as); dois (duas) apoiadores(as) técnicos(as) vinculadas à
SES/DF (mais especificamente profissionais da Assessoria de Redes de Atenção à Saúde) e
um (uma) representante da equipe de planejamento, monitoramento e avaliação do Projeto.

4
O Camões, I.P. é um instituto público português, integrado na administração indireta do Estado, dotado de
autonomia administrativa, financeira e patrimônio próprio.
64

Entre os 21 convidados, sete responderam à pesquisa. A participação dos stakeholders


colaboradores está detalhada no quadro abaixo:

Tabela 4 – Identificação dos stakeholders acessados no estudo de avaliabilidade.


Identificação dos Stakeholders - Interessados na avaliação

Indivíduos ou órgãos que têm


Tipo de apoio Participação na pesquisa
interesse na avaliação
Papel na avaliação
Neutro ou Proposta Nº Nº Proporção de
Órgãos Profissionais Aliado Oponente
desconhecido inicial convidados respondentes adesão

Coordenação Geral do Projeto no


ApiceOn Coord. Geral X 1 1 1 100%
Ministério da Saúde

Referência técnico-política para


articulação e desenvolvimento de
ações do projeto. Apoia tecnicamente
ApiceOn Supervisão e desenvolve ações no projeto em X 5 5 2 40%
parceria com a equipe de
planejamento, monitoramento e
avaliação

Referência técnico-política para


articulação e desenvolvimento de
ações do projeto, em parceria com os
ApiceOn Mediador supervisores e tem como X 5 12 2 17%
interlocutores especiais os Grupos
Estratégicos Locais (GEL) dos
hospitais

Colaboradores da Assessoria de
ARAS Redes de Atenção à Saúde (ARAS),
Apoios técnicos X 5 2 2 100%
(SAIS/SES) da SES/DF, área de coordenação das
atividades da Rede Cegonha no DF

Grupo transversal e estratégico para


articulação e organização e
desenvolvimento do projeto,
Equipe de responsável por ofertas no campo do
Planejamento, PM&A e supervisão institucional dos
ApiceOn X 5 1 0 0%
Monitoramento e processos e equipes no
Avaliação (PM&A) desenvolvimento das ações,
oferecendo apoio técnico e
metodológico à execução do projeto e
à equipe de condução

Fonte: Elaborado pela autora.

A amostra participante corresponde a 1/3 dos stakeholders indicados inicialmente e


conta com a representatividade de atores de variadas vinculações, o que enriquece o olhar
sobre a mesma temática. Observamos a adesão de 100% dos profissionais indicados como
representantes da coordenação (N=1); 40% de adesão dos supervisores (2 de 5); 17% de
adesão dos mediadores (2 de 12); 100% de adesão dos apoios técnicos da ARAS/SES/DF
(N=2) e não contou com representante da equipe de planejamento, monitoramento e
avaliação do Projeto.
65

7.2 ANÁLISE DOCUMENTAL


A análise documental foi feita a partir dos materiais disponibilizados na plataforma
virtual do Projeto, manuais e instrumentos norteadores, bem como artigos, estudos e
publicações, além dos materiais disponibilizados pela coordenação do Projeto, entre
outros. A partir da análise dos documentos foi elaborada a matriz abaixo:
66

Tabela 5 – Identificação das referências utilizadas na revisão documental.


67

A partir da análise dessa matriz, podemos verificar que os instrumentos de


planejamento, monitoramento e avaliação elencados são interligados e convergem para
uma proposta que alinha as dimensões de avaliação, formação e intervenção, em coerência
com o arcabouço teórico do Projeto ApiceOn.
Os indicadores estratégicos propostos são discutidos a nível local, com vistas ao
processo diagnóstico e à apropriação desses indicadores pelas equipes dos serviços
(profissionais, membros do GEL e gestão), para definição da linha de base e metas. A essas
referências locais são adicionadas informações sobre as realidades dos demais serviços e os
parâmetros nacionais e/ou internacionais, quando cabe.
Quanto os indicadores do Projeto, a coordenação disponibilizou as tabelas de
indicadores associados aos seus componentes organizativos: atenção (e eventos-sentinela
selecionados), ensino/formação e gestão (ANEXO B). Outro material disponibilizado foi o
“Relatório executivo mensal”, composto por indicadores de ações estruturantes do Projeto,
indicadores de implementação de ações consideradas estratégicas e indicadores de
cobertura de ações assistenciais e eventos-sentinela selecionados (ANEXO D).
Esses indicadores contemplam tanto os objetivos finalísticos do Projeto quanto os
indicadores avaliativos, envolvendo resultados a serem alcançados de acordo com os
componentes. A demarcação de cada indicador e as metas a eles associadas foram
construídas a partir dos diagnósticos iniciais e linhas de base de cada um dos 97 hospitais
(IFF FIOCRUZ, [s.d.], 2019a).
Informalmente foram disponibilizadas à pesquisadora as fichas técnicas dos
indicadores associados ao componente “atenção”, que apresenta, quanto aos indicadores
desse componente: definição, método de cálculo, fonte de verificação sugerida, período de
avaliação, parâmetros para guiar a performance do serviço, sua interpretação e limites.
A coordenação do Projeto ApiceOn disponibilizou parcialmente os materiais
requeridos pela pesquisadora, mas considerando que as especificações do material acima
descrito também tenham sido definidas para os demais componentes e o corpo de materiais
analisados na pesquisa documental, nos parece que há clareza em relação aos indicadores
que foram monitorados ao longo da vigência do Projeto ApiceOn e que as metas propostas
foram fruto da discussão coletiva dos atores envolvidos. Essa discussão considerou as
especificidades das unidades hospitalares, a linha de base desses indicadores por serviço e
as recomendações técnicas associadas.
Ressaltamos que a estratégia adotada no Projeto ApiceOn, de acompanhamento
avaliativo, permite a construção contínua de oportunidades de reflexão, co-
68

responsabilização e alinhamento de processos de trabalho no próprio fazer do trabalho.


Dessa forma, o processo de construção, disparado, já é um resultado positivo.
À medida que esse processo ocorre nas unidades envolvidas no Projeto,
simultaneamente os atores institucionais acompanham o movimento local, articulados,
favorecendo e monitorando a implementação do Projeto ApiceOn a nível local, regional e
nacional. O processo de acompanhamento avaliativo é contínuo e através do apoio
institucional as propostas são discutidas nos diferentes espaços propostos.
Entretanto, supomos que alguns desafios tenham comparecido no Projeto ApiceOn,
de forma similar ao registrado na Avaliação da Atenção ao Parto e Nascimento nas
Maternidades da Rede Cegonha (VILELA et al., 2021), como a prática insuficiente de
monitoramento e avaliação nas maternidades e a ausência de sistemas nacionais de
informação capazes de registrar as ações de cuidado obstétrico e neonatal.
Semelhante ao constatado no estudo supracitado, o monitoramento dos indicadores
do ApiceOn pode apresentar dificuldades relacionadas ao registro e à mensuração de
processos de trabalho e arranjos de gestão por meio de instrumentos estruturados
quantitativamente. Outros limites metodológicos podem ser observados, como as análises
subjetivas em questões avaliadas, todavia o presente EA não é capaz de dimensionar nem
analisar esses aspectos, pelas limitações do trabalho, mas consideramos útil pontuar como
desafios, notadamente menores do que a potência de iniciativas como essas no fomento de
propostas avaliativas no dia a dia dos serviços de saúde.

7.3 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METAS DO PROGRAMA


O Projeto ApiceOn visa aprimorar o modelo de assistência e as práticas de cuidado
às mulheres e bebês nos hospitais de ensino, através da qualificação dos processos de
atenção, gestão e formação, com foco nos processos envolvidos no parto, nascimento e
abortamento, incorporando um modelo com práticas baseadas em evidências científicas,
humanização, segurança e garantia de direitos (BRASIL, 2017).
As metas do projeto são pactuadas de acordo com as realidades locais dos serviços.
A partir do diagnóstico inicial são elaborados o plano operativo anual (POA) e os planos de
ação (PA), tendo como referência a linha de base da unidade e os parâmetros a respeito
daquele indicador.
Como resultados esperados, temos o fortalecimento dos espaços coletivos locais
(gestão compartilhada); desenvolvimento das ações propostas; incorporação das
ferramentas e práticas de planejamento, monitoramento e avaliação no dia a dia dos
69

serviços; aprimoramento da atenção à saúde da mulher, realizadas por um coletivo


multidisciplinar; inserção das enfermeiras nos centros obstétricos; aprimoramento das
atividades de assistência, gestão, ensino e pesquisa; oferta de serviços de atenção às
mulheres em situação de violência sexual e de aborto legal; melhora dos indicadores em
saúde; melhora da satisfação dos usuários; equipes mais motivadas e com ampliação da
capacidade de reflexão e ação; e produção e atualização de conhecimento.

7.4 DESENVOLVIMENTO DO MODELO LÓGICO E VALIDAÇÃO COM OS


STAKEHOLDERS
Para a construção do modelo lógico, foram utilizadas as informações colhidas na
análise documental e as respostas aos questionários.
Na primeira etapa da coleta de informações junto aos atores-chave, foi elaborado
um formulário online, na plataforma Google Forms (APÊNDICE A) e posteriormente foi
elaborado um segundo questionário, na mesma plataforma, para validação do modelo
lógico e estruturação das perguntas avaliativas (APÊNDICE B).
A partir das informações consolidadas, desenvolvemos as matrizes que haviam sido
propostas no desenho metodológico.
A matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn
(matriz 6) aponta o problema que a intervenção (o Projeto) visa atacar, elencando as causas
e as consequências relacionadas. Esses fatores foram sistematizados por áreas de sentido,
visto que diversas assertivas foram similares nas respostas aos questionários.
As respostas relacionadas às causas contemplaram aspectos formativos, relações
profissionais, questões socioculturais, aspectos financeiros (como o subfinanciamento do
SUS), interesses corporativos e descontinuidade nas políticas públicas.
As assertivas referentes às consequências elencaram diversas práticas assistenciais
em desacordo com as evidências científicas e assistência humanizada na atenção ao parto e
abortamento (cesáreas e medicações desnecessárias, violência obstétrica, falta de acesso ao
planejamento familiar e abortamento legal, entre outros), resistência dos profissionais à
mudança de práticas e à participação da mulher e de outros profissionais no processo de
parto, falta de comunicação entre os serviços e gestão centralizada, entre outros.
70

Tabela 6 – Matriz de caracterização dos problemas que subsidiaram o Projeto ApiceOn.


71

A Tabela nº 7 propõe a descrição do Projeto ApiceOn, considerando os objetivos,


público-alvo, resultados esperados, recursos envolvidos, operações estabelecedoras, ações
propostas e produtos decorrentes.
Por tratar-se de um projeto complexo e pelo desdobramento de cada um desses
organizadores ter gerado uma compilação de diversos itens, foi necessário dividir a matriz
em duas partes, a primeira contemplando objetivos, público-alvo, resultados esperados e
uma outra matriz, contemplando os demais itens.
Observamos similaridade entre os achados desse processo de consulta aos
stakeholders e o modelo lógico inicial, exploratório, desenvolvido no início do desenho do
presente EA, o que nos chama a atenção em relação ao que foi conceitualmente proposto
no Projeto e o que foi desenvolvido. Entretanto, algumas ênfases interessantes surgiram na
escuta dos stakeholders, como as questões associadas à atuação da enfermagem obstétrica,
questões formativas possibilitadas através das trocas e das possibilidades de articulação e
capacitação entre serviços e à relevância das contribuições da ouvidoria dos serviços na
identificação das impressões das mulheres atendidas nas unidades, bem como de seus
acompanhantes.

Tabela 7 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn (parte 1).


72

Tabela 7 – Matriz para descrição do Projeto ApiceOn (parte 2 - continuação).


73

A partir das matrizes desenvolvidas acima e com a complementação dos materiais


apurados na análise documental, foi elaborada uma árvore de problemas. As respostas
foram organizadas em núcleos de sentido e junto às afirmativas foi sinalizada a frequência
de citação dos itens:
Figura 10 – Árvore de problemas – Projeto ApiceOn

Fonte: Elaborado pela autora.


74

A partir desses achados, sugerimos que a dificuldade disparadora da intervenção


corresponde a problemas no cenário social e epidemiológico-sanitário relacionados à
atenção obstétrica e neonatal no Brasil, associados à mortalidade materna, mortalidade
neonatal, planejamento reprodutivo, modelo de assistência obstétrica, violência sexual e
atenção humanizada ao abortamento.
As causas desse problema, mais citadas pelos respondentes foram: o status atual do
processo de construção da ponte entre as evidências científicas/políticas públicas e a
prática e o cotidiano dos serviços (4); baixo investimento na qualificação dos profissionais
quanto às evidências científicas (4); falta de apoio da gestão para que os processos de
trabalho sejam modificados e implantados com sucesso (3); interesses corporativos e
resistências à mudança de hábitos de assistência e cuidado (3); e machismo e o patriarcado
estruturantes, que, em essência, negam e desconsideram necessidades das mulheres (3).
As consequências apontadas com maior frequência dizem respeito à baixa
qualificação das práticas de cuidado às mulheres e bebês (7); indicadores perinatais com
resultados ruins e alta morbimortalidade materna e neonatal (7); violência obstétrica (7);
falta de integração e atualização dos conteúdos do ensino em obstetrícia e neonatologia nas
ações assistenciais (6); modelo de assistência obstétrica centrado no profissional médico
(5); gravidez indesejada (5); falta de priorização dos direitos dos usuários (mulher e seus
familiares) (4); insatisfação das mulheres em relação ao parto (4); difícil acesso ao
planejamento familiar no SUS (4); dificuldade do acesso das mulheres vítimas de violência
sexual ao abortamento legal (4); dificuldade de implantação e desenvolvimento de ações
multidisciplinares (4); falta de humanização da equipe para atender as mulheres em
situações de abortamento (3); relações profissionais assimétricas e hierarquizadas (3);
dificuldade de inclusão dos usuários nos mecanismos de gestão (3); pouca participação dos
profissionais de saúde e do ensino nos mecanismos de gestão da atenção à saúde da mulher
(3); cesáreas desnecessárias (3).
Nessa exploração conceitual, o objetivo geral proposto é o aprimoramento do
modelo de assistência e das práticas de cuidado às mulheres e bebês nos hospitais de
ensino, através da qualificação dos processos de atenção, gestão e formação, com foco nos
processos envolvidos no parto, nascimento e abortamento, incorporando um modelo com
práticas baseadas em evidências científicas, humanização, segurança e garantia de direitos.
O público-alvo do Projeto ApiceOn foi definido como equipes multiprofissionais
das áreas de obstetrícia e neonatologia dos hospitais de ensino (preceptores, residentes,
alunos e gestores), distribuídos nas 27 unidades federadas do Brasil. Os hospitais
75

participantes foram os que realizaram mais de 1.000 partos em 2015, conforme o Sistema
de Informação Hospitalar (SIH), e haviam aderido à Rede Cegonha com recebimento de
incentivos financeiros de custeio. Os beneficiários do Projeto contemplam mulheres,
crianças e famílias, equipes, preceptores, residentes, alunos e gestores das unidades. Para
dimensionar a quantidade de pessoas envolvidas, consideramos que os hospitais
participantes eram, em 2017, responsáveis por cerca de 20% de todos os partos realizados
no SUS, atendendo em torno de 360 mil mulheres/ano.
Baseados nas informações consolidadas pelos instrumentos elencados
anteriormente, elaboramos uma segunda versão de Modelo Lógico. Essa versão foi
disponibilizada aos participantes da pesquisa, com a solicitação de validação, conforme
formulário de entrevista apensado a esse EA (APÊNDICE B). As sugestões propostas pelos
stakeholders foram incorporadas ao modelo lógico final, por terem sido consideradas
pertinentes e de acordo com os fatores discutidos ao longo da implantação do Projeto,
como sugerem os registros, as publicações e as percepções dos atores estratégicos.
Em tempo, ressaltamos que, pelas limitações do estudo, essa versão final não foi
validada coletivamente após esses ajustes.
Observamos no Modelo Lógico final, inserido abaixo, a sistematização dos fluxos,
o encadeamento entre os diversos processos envolvidos, a vinculação entre os participantes
e as diferentes dimensões contempladas no Projeto ApiceOn:
76

Figura 11 – Modelo lógico do Projeto ApiceOn – versão validada pelos stakeholders.


77

Uma reflexão interessante acerca da análise do modelo lógico do Projeto diz


respeito às considerações sobre os fatores relevantes de contexto, que podem influenciar os
resultados.
Considerando os fatores de contexto que foram descritos pelos participantes como
facilitadores e dificultadores para a condução e desempenho do Projeto, quanto ao
atingimento dos resultados esperados, são relevantes os seguintes aspectos:

Tabela 8 – Matriz de fatores relevantes de contexto

Fonte: Elaborado pela autora.


Em relação à Matriz 8, ressaltamos que os respondentes à pesquisa apontaram
apenas fatores de contexto desfavoráveis nas suas respostas às questões “Quais fatores de
contexto que podem afetar o desempenho do Projeto ApiceOn?” e “Que tipo de alterações
o Projeto pode sofrer por conta de mudanças de contexto?”.
As informações referentes aos fatores de contexto favoráveis foram levantadas a
partir das informações da pesquisa documental e das respostas à questão “Existem outras
iniciativas, projetos e programas (federais, estaduais, municipais, privados ou de ONGs)
que atuam sobre as causas desse(s) problema(s)?”.
Isso nos chama a atenção sobre a ênfase na percepção dos participantes acerca das
dificuldades de contexto enfrentadas nos serviços durante a implementação do Projeto
ApiceOn, ainda que diversas iniciativas na área da saúde da mulher e propostas
convergentes tenham potencial de interferir favoravelmente na implementação do Projeto.
Apareceu nas respostas aos questionários a interferência dos fatores de contexto
locais e nacionais sobre a realidade do Projeto. As mudanças de contexto local, como a
alteração frequente nas equipes e, em especial, dos componentes do GEL, podem
desmobilizar os atores envolvidos nos processos de trabalho, como sugeridos por alguns
78

stakeholders. As resistências dos profissionais em relação à incorporação de propostas


assistenciais inovadoras, dificuldades em relação à atenção ao abortamento (inclusive os
casos previstos em lei) e o enfrentamento à pandemia COVID-19 também foram
mencionados.
Em relação à pandemia COVID-19, não podemos deixar de mencionar as diversas
implicações que a doença causou na assistência às gestantes e bebês. Segundo publicação
no site do Projeto ApiceOn (FIOCRUZ, E. [s.d.], 2021a), os hospitais integrantes do
Projeto ApiceON se organizaram para o combate ao vírus através de orientações e
protocolos construídos de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde,
envolvendo novos fluxos de atendimento às pacientes obstétricas, separando as
sintomáticas das assintomáticas; novas rotinas para acompanhantes e visitação; criação de
centros de atendimento especial para pacientes com COVID-19; elaboração de cartilhas e
treinamentos para utilização de EPI (Equipamento de Proteção Individual); elaboração de
novas condutas para a assistência obstétrica e para assistência ao recém-nascido; e
formação de comitês para gestão da crise; atendimentos mediados por tecnologia.
Dessa forma, os cuidados no enfrentamento à pandemia de COVID-19 mobilizaram
diversos atores envolvidos na prevenção de agravos e segurança de profissionais,
mulheres, recém-nascidos e suas famílias.
No Distrito Federal, o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) foi definido como
referência distrital para atendimento e internação de gestantes com COVID-19, atendendo
por um longo período apenas os casos com esse diagnóstico.
Infelizmente o cenário pandêmico trouxe uma realidade diferente da que havia sido
imaginada na proposição do Projeto, comprometendo algumas das práticas em
implementação e dificultando as atividades coletivas que foram propostas no seu desenho,
entretanto possibilitou a união de esforços para discutir as possibilidades de enfrentamento
à pandemia, encorajando e capacitando as equipes dos serviços.
Ainda na vertente dos aspectos de contexto, o monitoramento dos indicadores
propostos pelo Projeto não privilegia apenas os dados primários, visto que considera
informações provenientes de instrumentos desenvolvidos localmente. Isso convida os
atores a se apropriarem dos processos, produzirem estratégias de monitoramento viáveis e
específicas à utilidade da unidade, porém, por outro lado, isso pode ser um fator
dificultador. Uma das entrevistadas pontuou essa questão, ao mencionar a “dificuldade de
produção e acompanhamento dos instrumentos avaliativos - PMA” como um fator
desfavorável de contexto.
79

A resistência dos serviços quanto à inserção das enfermeiras obstétricas na


assistência ao parto e inserção de DIU é um achado importante, visto que estudos sugerem
diversos benefícios advindos da atuação dessas profissionais nos cuidados às gestantes.
Recente relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em conjunto
com a OMS e a Confederação Internacional de Parteiras (ICM), sobre a situação mundial
da obstetrícia, concluiu que as parteiras (enfermeiras/os obstétricas/os e obstetrizes) podem
exercer cerca de 90% dos cuidados essenciais para mulheres e recém-nascidos:

Parteiras totalmente treinadas, licenciadas e integradas, com o apoio de equipes


interdisciplinares e um ambiente propício, podem fornecer cerca de 90% das in-
tervenções essenciais de Saúde Sexual, Reprodutiva, Materna, Neonatal e Ado-
lescente (SRMNAH) ao longo da vida, mas representam menos de 10% da força
de trabalho global de SRMNAH. (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS et al., 2021)

Essas profissionais podem também contribuir para a redução, em cerca de dois


terços, das mortes maternas, neonatais e de bebês natimortos, permitindo que 4,3 milhões
de vidas sejam salvas anualmente até 2035 (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS et al., 2021). Dessa forma, é estratégica a inserção dessas profissionais nos
serviços de atenção à saúde sexual, reprodutiva, materna e neonatal (SANFELICE et al.,
2020).
Foi observado que o modelo de atendimento ofertado pelas enfermeiras obstétricas
é caracterizado por menos intervenções, maior adesão às práticas recomendadas e baseadas
em evidências científicas, a partir da fisiologia do parto e da priorização do cuidado como
elemento principal do atendimento ofertado. Existe um ambiente favorável entre as
enfermeiras obstétricas e a mulher/família, com interações mais horizontais, com respeito,
igualdade e afeto (SANFELICE et al., 2020).
Em maternidades com assistência ao parto oferecida por enfermeiras o partograma
é mais utilizado e ocorrem menos ocitocina, litotomia, episiotomia e cirurgias cesarianas.
Quando as enfermeiras obstétricas estão inseridas na assistência aos partos vaginais, essas
experiências têm se mostrado bem-sucedidas, oportunizando às mulheres partos mais
fisiológicos e respeitosos (GAMA et al., 2021).
As evidências indicam que investir em parteiras (enfermeiras/os obstétricas/os e
obstetrizes) facilita experiências positivas de parto, melhora os resultados de saúde,
aumenta a oferta da força de trabalho, favorece o crescimento inclusivo e equitativo,
facilita a estabilização econômica, podendo inclusive ter um impacto macroeconômico
positivo (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS et al., 2021, p. 7).
80

Uma consideração interessante do relato de experiência elaborado por Sanfelice et


al. (2020) diz respeito a como a troca de experiências entre os serviços e o
compartilhamento de boas práticas podem ter efeitos renovadores. A autora questiona a
formação nos programas de residência tradicionais transmitirem a cultura de ensino do uso
não informado e não consentido dos corpos das pacientes para o treinamento de
habilidades cirúrgicas dos alunos, não reconhecendo as violações de direitos e promovendo
um ensino de habilidades desalinhado da transmissão de valores e garantia de direito das
usuárias. Ao mesmo tempo, sugere que os serviços de saúde podem disponibilizar cuidados
maternos respeitosos, humanizados, com a promoção do ensino de habilidades em sintonia
com valores, ética e garantia de direitos.
O investimento na enfermagem obstétrica é capaz de gerar efeitos em outras
categorias profissionais, como entre os médicos obstetras. Avaliação conduzida em 2017,
em 606 maternidades do SUS com adesão à Rede Cegonha, demonstrou avanços das boas
práticas exercidas pelos profissionais médicos em relação a estudo semelhante, conduzido
entre 2011/2012 (GAMA et al., 2021).

7.5 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS AVALIATIVAS QUE DIRECIONEM O FOCO


DO ESTUDO DE AVALIABILIDADE
Entre as sete respondentes que participaram da primeira etapa da pesquisa, cinco
colaboraram também da segunda etapa, que teve como objetivo a validação do modelo
lógico e a elaboração das perguntas avaliativas.
Como mencionado anteriormente, essa segunda etapa necessitou ser ajustada,
devido à indisponibilidade dos potenciais participantes em relação à oficina de validação
que havia sido desenhada inicialmente. Por conta desse fator limitante, reduzimos o escopo
da proposta, de forma a viabilizar a realização dessa etapa.
A entrevista ocorreu na modalidade virtual e os participantes puderam colaborar na
revisão do modelo lógico do Projeto e sugerir as perguntas avaliativas que considerassem
relevantes (APÊNDICE B).
As proposições das participantes, na perspectiva de avaliação do Projeto, foram
sistematizadas e agrupadas abaixo:
81

Tabela 9 – Perguntas avaliativas sugeridas pelos stakeholders.


Perguntas acerca dos fatores de contexto na implementação do Projeto ApiceOn
Quais foram as potencialidades e fragilidades na implantação e execução do projeto?
Como incluir os movimentos do trabalho de campo (potencialidades e fragilidades) neste modelo
lógico?
Qual a percepção do serviço do que foi possível ser estruturado a partir das indicações do projeto e
que ainda se sustentam?
Perguntas acerca dos resultados do Projeto ApiceOn
O hospital conseguiu alterar/implantar as boas práticas de atenção às mulheres no parto? Quais?
Os indicadores seguiram melhorando?
Perguntas acerca dos efeitos do Projeto ApiceOn nos processos de trabalho
É possível desenvolver uma análise atual da atuação dos GELs de cada instituição após o término
do projeto?
O projeto conseguiu fomentar espaços coletivos plurais de discussão sobre formação-atenção e
gestão sustentáveis?
Os indicadores elencados no projeto continuam sendo discutidos coletivamente de forma
sistemática?
Há alguma avaliação sobre o impacto do projeto e a continuidade (sustentação) das ações
implementadas pelas SES?
As instituições que participaram do projeto continuam acompanhando os indicadores?
Fonte: Elaborado pela autora.

Ressalvamos que, pelas limitações da pesquisa, o universo de participantes


considerados no presente Estudo de Avaliabilidade foi pequeno. A partir da análise das
perguntas avaliativas propostas, consideramos que para essa clientela do Projeto ApiceOn,
uma proposta avaliativa interessante seria uma avaliação de implantação do Projeto, ao
constatar as perguntas propostas que se referiram aos aspectos dos processos
desenvolvidos, dos resultados encontrados e da influência do contexto, o qual demos
destaque neste estudo de avaliabilidade. Além dessa questão de avaliação, outro interesse
expresso foi quanto à sustentabilidade do Projeto.
Essa constatação considerou que o foco das perguntas esteve na efetividade do
Projeto nos serviços nos quais foi implantado e na ênfase apontada nos fatores de contexto
sobre a efetividade do Projeto:

A análise de implantação consiste em estudar as relações entre uma intervenção e


seu contexto durante sua implantação. Tem por objetivo apreciar o modo como,
em um contexto particular, uma intervenção provoca mudanças (...)
A análise de implantação tem por objetivo delimitar melhor os fatores que facili-
tam ou comprometem a implantação de uma intervenção. (ROUSSELLE et al.,
2011, p. 217)

As avaliações de implantação estão atentas à compreensão de como as intervenções


ocorreram e à explicitação dos seus processos causais. A estruturação da proposta de
avaliação varia de acordo com as características da intervenção e o que se deseja avaliar
(ROUSSELLE et al., 2011).
82

No caso específico, sugerimos que a avaliação de implementação seja direcionada à


análise da influência da interação entre o contexto de implantação e a intervenção sobre os
efeitos esperados, que visa explicar as variações dos efeitos observados após a introdução
da intervenção (ROUSSELLE et al., 2011, p. 229). É particularmente interessante na
análise e nas avaliações de intervenções que propõem mudanças robustas (que é o caso do
Projeto ApiceOn), e nos parece adequada à realidade manifestada pelas respondentes,
atentas aos efeitos desfavoráveis de contexto, contemplando considerações sobre as
mudanças na gestão, as resistências dos serviços em relação às práticas sugeridas, a
mobilização das equipes no enfrentamento à pandemia COVID-19 e seus impactos nos
processos de trabalho.
Esse tipo de análise é sensível às dinâmicas internas das intervenções e a análise
dessa influência pode possibilitar a identificação de fatores de contexto que maximizem o
atingimento do potencial da intervenção, além de contemplar as relações entre contextos,
as diferenças na implantação e os efeitos produzidos (ROUSSELLE et al., 2011).
Potencialmente, esse tipo de avaliação permite a identificação dos principais
desafios que devem ser considerados para reduzir o fracasso das intervenções que visam
mudanças e nos parece uma escolha acertada para esse caso.
A recente avaliação das maternidades da Rede Cegonha optou por avaliar o grau de
implantação das ações nos serviços (BITTENCOURT et al., [s.d.], 2021) e, devido à
correspondência entre os pressupostos da Rede Cegonha com o Projeto ApiceOn, inclusive
em relação à composição dos participantes, uma experiência pode inspirar a outra,
reconhecendo, ambas, que:

O papel da avaliação vem ao encontro das responsabilidades com o fazer saúde


com equidade, integralidade e efetividade, constituindo parte importante de im-
plantação de práticas de atenção ao parto e nascimento baseadas em evidências
científicas, com observância aos modelos de atenção, gestão e de ensino, dimen-
sões inseparáveis na produção de um cuidado produtor de saúde e de sujeitos.
(BITTENCOURT et al., [s.d.], p. 819, 2021)

7.6 ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO CONCLUSIVO, INCLUINDO AS


RECOMENDAÇÕES E LIÇÕES APRENDIDAS.

Essa etapa está sendo elaborada. Após a conclusão e defesa da dissertação o


relatório será consolidado para entrega à coordenação do ApiceOn e às participantes da
pesquisa.
83

8 CONCLUSÃO

O presente estudo de avaliabilidade teve como intervenção e objeto de análise o


Projeto ApiceOn. O Projeto tem como objetivo promover o aprimoramento e inovação no
cuidado e ensino em obstetrícia e neonatologia em 97 hospitais de ensino, universitários
e/ou que atuam como unidade auxiliar de ensino no âmbito da Rede Cegonha, que recebam
incentivos de custeio e que atendam ao critério de terem realizado mais de 1.000 partos no
ano de 2015. Esses hospitais, em 2017, foram responsáveis por cerca de 20% de todos os
partos ocorridos no SUS, atendendo cerca de 360 mil mulheres/ano.
O Projeto ApiceOn é fundamentado nos pressupostos da Política Nacional de
Humanização – PNH, que propõe a indissociabilidade entre gestão, assistência e
formação/ensino. Com isso, estimula o fortalecimento dos espaços colegiados dos serviços,
através da corresponsabilização dos mais diversos atores envolvidos, com pactuação de
compromissos. O foco da intervenção não está apenas nos resultados, mas também nos
processos de trabalho, privilegiando o protagonismo e a autonomia dos sujeitos (SANTOS
FILHO, 2020).
No campo assistencial, busca a qualificação em atenção/cuidado ao parto e
nascimento, planejamento reprodutivo pós-parto e pós-aborto, atenção às mulheres em
situações de violência sexual e de abortamento e aborto legal, contemplando também ações
voltadas aos campos de gestão e ensino.
Contandriopoulos (2006) sugere que o grande desafio de uma avaliação seja
incorporar em suas estratégias as diferentes expectativas e interesses dos atores envolvidos
na avaliação e, assim, fornecer aos avaliadores elementos importantes e representativos
para um julgamento equilibrado. Este estudo de avaliabilidade envolveu stakeholders
mapeados a partir da estrutura organizacional do Projeto ApiceOn, indicados pela sua
coordenação como atores estratégicos.
Foram selecionados inicialmente 21 participantes, dos quais sete efetivamente
responderam à primeira etapa da pesquisa e, dentre esses sete participantes, cinco
participaram da segunda etapa da pesquisa. Com isso, tivemos a participação de
representantes com diversas funções no Projeto: coordenação geral, supervisão, mediação e
apoios técnicos da SES/DF.
Em consideração a isso, apontamos algumas limitações do EA, que dizem respeito
a contemplar um número pequeno de atores estratégicos e a não envolver profissionais das
unidades hospitalares, representantes do GEL, assistência e gestão, nem gestantes e seus
84

familiares, atendidos nos serviços participantes do Projeto. Além disso, a participação de


profissionais das secretarias estaduais de saúde esteve restrita aos da SES/DF, visto que o
EA foi desenvolvido no Distrito Federal.
A partir do estudo de avaliabilidade do ApiceOn pode-se concluir que o Projeto
ApiceOn propõe fomentar nos serviços a incorporação de instrumentos de planejamento,
monitoramento e avaliação, com a participação dos mais diferentes atores, envolvendo
também, sinergicamente, os demais serviços participantes e toda a equipe vinculada ao
Projeto. Essa convergência de esforços, calcada nos pressupostos da PNH é uma potente
ferramenta disparadora de construções coletivas, reflexões, pactuações de compromissos,
engajamento e sensibilização para a mudança.
O Projeto ApiceOn é uma intervenção complexa, porém envolve tecnologias leves,
relacionadas às formas de cuidar, ensinar e gerenciar nas unidades. Os seus indicadores
levam em consideração a realidade dos serviços e os parâmetros nacionais e/ou
internacionais, quando cabe. Através do apoio institucional e das ferramentas de
acompanhamento avaliativo, as equipes são empoderadas a olhar para os seus serviços,
diagnosticar as fragilidades e as potencialidades, definir metas, planejar as ações para
melhorias, monitorar os planos de ação propostos e avaliar os processos envolvidos,
paralelamente a diversos e potentes investimentos teóricos, técnicos e intervenções entre
serviços, com efeitos nas práticas assistenciais, formativas e de gestão.
A composição dos indicadores monitorados no Projeto compreende tanto
indicadores qualitativos quanto quantitativos e os instrumentos de planejamento,
monitoramento e avaliação elencados são interligados e convergem para uma proposta que
alinha as dimensões de avaliação, formação e intervenção, em coerência com o arcabouço
teórico do Projeto ApiceOn.
Identificamos que, por mais cuidadosa que tenha sido a estruturação do Projeto
ApiceOn, a sua implementação não foi imune às dificuldades decorrentes de algumas
situações de contexto, como a alta rotatividade de profissionais nas maternidades e nos
cargos de gestão, que demandam contínuas atividades de sensibilização e capacitação. Essa
situação nos chama a atenção quanto à importância da formação continuada e da
institucionalização de processos de trabalho que incorporem espaços coletivos de gestão
compartilhada no dia a dia das unidades e atenção multi e interdisciplinar.
Outro contexto desafiador, citado por respondente, foi o de enfrentamento à
pandemia COVID-19. As práticas relacionadas à assistência às gestantes com COVID-19,
seus bebês e acompanhantes demandaram das maternidades a reformulação de algumas das
85

práticas que vinham sendo fomentadas, visando a segurança dos diversos atores
envolvidos. Se por um lado a pandemia demandou revisão de propostas e práticas
sugeridas inicialmente, podendo causar piora nos resultados daqueles indicadores, por
outro lado a existência do Projeto pode ter sido potencializador da construção de
assistência, ensino e gestão alinhados às evidências científicas, beneficiando a construção
de estratégias de enfrentamento à pandemia. O presente trabalho não permite o
aprofundamento dessa análise, mas sugerimos que seja objeto posterior de estudo, pela
grande relevância da compreensão do impacto da pandemia sobre os cuidados em saúde,
desenvolvimento científico e gestão, em todos os níveis.
Em sua concepção, o Projeto ApiceOn envolve temas sensíveis, não circunscritos
apenas à saúde, pois incita reflexões acerca do lugar social da mulher, questões de gênero,
questões culturais e a defesa dos direitos da mulher sobre o próprio corpo e sobre as suas
escolhas. Em um país machista como o Brasil, a defesa da garantia dos direitos básicos das
mulheres ainda gera polêmicas, impondo que essas pautas sejam permanentemente
problematizadas, revisitadas, rediscutidas, em especial quanto aos direitos sexuais das
mulheres e ao acesso a meios seguros de abortamento, até mesmo nos casos previstos em
lei.
Estudos sugerem que a inserção da enfermagem obstétrica nos serviços de saúde
possibilita a ampliação da assistência às gestantes e a qualificação desses processos de
cuidado possibilita avanços na aquisição de habilidades práticas e segurança técnica, mas
ainda é incipiente, tanto por questões formativas quanto, em especial, pelas resistências ao
trabalho interdisciplinar e à inserção de outros protagonistas na cena de parto. A assistência
da enfermagem obstétrica é caracterizada por contemplar menos intervenções e maior
adesão às práticas recomendadas e baseadas em evidências científicas, a partir da fisiologia
do parto e da priorização do cuidado como elemento principal do atendimento ofertado
(SANFELICE et al., 2020), sendo um assunto ainda demandante de investimentos
Assim, o Projeto ApiceOn nos faz refletir sobre a possibilidade dos serviços de
saúde disponibilizarem cuidados maternos respeitosos, humanizados, ensino de habilidades
em sintonia com valores, ética e garantia de direitos e gestão compartilhada, além de
espaços permanentemente abertos para a comunicação com os usuários atendidos nos
serviços, que permitam a avaliação dos cuidados oferecidos e a participação dessas pessoas
nos processos desenvolvidos nas unidades. Das mais variadas formas, o Projeto ApiceOn
fomenta a produção de sujeitos participativos, com valorização da autonomia e
protagonismo, solidariamente corresponsáveis uns com os outros.
86

No presente EA, a análise das perguntas avaliativas propostas pelos stakeholders


nos levou a propor uma avaliação de implementação do Projeto. Essa sugestão está
alinhada à proposta avaliativa desenvolvida em 2017, de Avaliação da Rede Cegonha, que
objetivou avaliar o grau de implantação das boas práticas na atenção ao parto e nascimento
nas maternidades públicas do Brasil (FIOCRUZ, [s.d.], 2021).
Esse tipo de avaliação é sensível às dinâmicas internas das intervenções e a análise
dessa influência possibilita a identificação de fatores de contexto que maximizem o
atingimento do potencial da intervenção, além das relações de contexto, as diferenças na
implantação e os efeitos produzidos (ROUSSELLE et al., 2011).
Se possível, dispor de atenção especial sobre os fatores de contexto e seus efeitos
na implementação do Projeto ApiceOn e seus resultados nos parece uma estratégia
promissora.
Acreditamos que o processo de análise da avaliabilidade das intervenções propostas
nas políticas públicas seja estratégico para a produção de informações úteis e subsidie
julgamentos necessários para as instâncias decisórias mobilizarem esforços, visando o
retorno dos investimentos e contribuindo para a melhoria da assistência obstétrica e
neonatal nas maternidades públicas do Brasil, além de favorecer o fortalecimento do SUS,
local, regional e nacionalmente.
87

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91

APÊNDICE A – ENTREVISTA INICIAL

(pág. 1/7)
92

(pág. 2/7)
93

(pág. 3/7)
94

(pág. 4/7)
95

(pág. 5/7)
96

(pág. 6/7)
97

(pág. 7/7)
98

APÊNDICE B – ENTREVISTA FINAL

(pág. 1/6)
99

(pág. 2/6)
100

(pág. 3/6)
101

(pág. 4/6)
102

(pág. 5/6)
103

(pág. 6/6)
104

APÊNDICE C – TERMO DE COMPROMISSO DE UTILIZAÇÃO DE DADOS


(TCUD)

(pág. 1/2)
105

(pág. 2/2)
106

APÊNDICE D – REGISTRO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(RCLE)

(pág. 1/2)
107

(pág. 2/2)
108

ANEXO A – ROTEIRO DIAGNÓSTICO

(pág. 1/17)
109

(pág. 2/17)
110

(pág. 3/17)
111

(pág. 4/17)
112

(pág. 5/17)
113

(pág. 6/17)
114

(pág. 7/17)
115

(pág. 8/17)
116

(pág. 9/17)
117

(pág. 10/17)
118

(pág. 11/17)
119

(pág. 12/17)
120

(pág. 13/17)
121

(pág. 14/17)
122

(pág. 15/17)
123

(pág. 16/17)
124

ANEXO B – MATRIZ DE INDICADORES DOS COMPONENTES ATENÇÃO,


ENSINO E GESTÃO

(pág. 1/4)
125

(pág. 2/4)
126

(pág. 3/4)
127

(pág. 4/4)
128

ANEXO C – PLANO OPERATIVO ANUAL (POA)

(pág. 1/15)
129

(pág. 2/15)
130

(pág. 3/15)
131

(pág. 4/15)
132

(pág. 5/15)
133

(pág. 6/15)
134

(pág. 7/15)
135

(pág. 8/15)
136

(pág. 9/15)
137

(pág. 10/15)
138

(pág. 11/15)
139

(pág. 12/15)
140

(pág. 13/15)
141

(pág. 14/15)
142

(pág. 15/15)
143

ANEXO D – RELATÓRIO EXECUTIVO MENSAL

(pág. 1/4)
144

(pág. 2/4)
145

(pág. 3/4)
146

(pág. 4/4)

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