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Belluzzo O Senhor e o Unico Rnio

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EOUNICORNIO
A ECONOMIA DOS ANOS 80

· editora brasiliens8
0 SENHOR E O UNICQRNIO 43

capacidade produtiva excedente, criada ao longo da expansao


do p6s-guerra.
Isto significa que, sem a remo\;ao dos obstaculos estru-
A desestrutura~io turais, a ado\;ao de politicas de estimulo pode resultar na res-
surrei\;ao dos problemas temporariamente "amortecidos"
da ordem econom1ca A • pela forte recessao dos ultimos anos: avan\;o da infla\;ao,
alargamento do deficit em conta corrente e conseqilente
enfraquecimento, do d6lar como moeda-reserva. E bastante
mundial* improvavel que os Estados Unidos sejam capazes de susten-
tar, isoladamente, uma atitude expansionista, absorvendo as
exporta\;oes de seus principais s6cios e submetendo, assim,
amplos setores da industria domestica a uma concorrencia
implacavel.
As interpreta\;oes conservadoras de todos os matizes
vem insistindo na ideia de que a corre\;ao dos desequilibrios
0 s pen'odos de crescimento
. . da economia
• ·d americana
d e· das
,. de balan\;o de pagamentos e a redu\;ao da instabilidade finan-
demais economias industnahzadas tern s1 o mo estos msta- ceira e monetaria exigiriam apenas um grau mais avan\;ado de
veis, desde a crise de 74/75. A taxa agregada de cresc1mento sincroniza\;ao das politicas economicas nacionais, o que tor-
d aises da OCDE se vem mantendo num patamar bem naria viavel a administra\;ao da economia mundial e possibili-
in~~rlor aquele que prevaleceu nos 20 anos dou~ado~ do p6s- taria a retomada do crescimento. Esta sincronizacao de poli-
a E as razoes que explicam esta falta de dmam1smo vao ticas e dificil, como o demonstra a experiencia dos ultirnos
guerr ·alem de simples incompat1b1
muito · ·1·d
1 a d e d as po I'1t1cas
. de
anos. Nas situacoes adversas e mais forte a inclinacao para a
curto prazo, fiscal e monetaria. . disputa e a retaliacao do que o anirno para cooperar. Mas isto
Ja em 1977, em trabalho escnto em colab~r~cao com nao e o mais importante.
Luciano Coutinho, afirmavamos a perda de efet1v1dade da- r Na verdade, esta crise revela o esgotamento das forcas
quelas politicas e reconheciamos que a abertura de um novo I· que impulsionaram o "ciclo largo" de expansao do p6s-
ciclo expansivo dependia fundamentalmente de reto- guerra, a partir da economia americana. A primeira delas
mada firme dos investimentos, o que nao parece 1mmente, derivou de inovacoes tecnicas nascidas da pesquisa militar e
diante da ausencia de um hoi;-izonte de lo~g~ prazo cap_az de I deu origem a alguns novos setores, notadamente no ramo ele-
troeletronico e no de materiais sinteticos. A outra frente de
infundir confianca nos homens de negoc1os. Capac1dade
ociosa nao-desejada permanece na grande maioria dos setores expansao surgiu da contencao relativa do consumo de dura-
industriais, fazendo com que eventuais estimulos de demanda veis durante a guerra, o que permitiu um crescimento susten-
sejarn respondidos com espasmos da producao corrente, sem tado de sua demanda ate o final da decada de 50. Esta frente
forca suficiente para promover e articular uma nova "onda" de expansao dinamizou intensamente a "velha" estrutura
de investimentos. No caso americano, a inexistencia de poli- produtiva - herdada dos anos 20 - irradiando fortes esti-
ticas explicitas de renovacao industrial e tecnol6gica - des- mulos sobre toda a base de bens de producao. Finalmente,
cartadas com enfase pela administracao Reagan - devera uma nova e importante frente de expansilo e desenhada pelo
manter a sucessilo de "miniciclos", ate que seja digerida a movimento de internacionalizacilo da grande empresa ameri- ·
cana. Esta fronteira "externa" de acumulacilo desempenhou
• Publicado originalmente na revista Senhor, de 16-3-1983. um papel similar ao da inovacao tecnol6gica concentrada.
Num curto perio_d o, as grandes corporacoes americanas cria-
44 LUIZ GONZAGA DE MELLO BELL UZZO

ram subsistemas afiliados, que podiam crescer a taxas muit 0 SENHOR E O UNICORNIO 45
elevadas e com enorme rentabilidade, ocupando novas are~
de mercado nas economias avan~das e nas perifericas. as coloca ~m grave. risco, numa conjuntura de encolhimento
Nao e possivel explicar o processo de !nternacionaiiza_ do comerc10 mund1al e de rcmovacilo tecnol6gica.
cao do capitalismo do p6s-g~erra sem menc1~nar a presenca Como se ve a periferia nilo pode ser encarada como um
da grande empresa transnac1onal e a forte mtervencao do bl~o homogeneo. Nern mesmo e possivel, a partir deste mo-
saico, desenhar uma estrategia simples de confrontacilo com
Estado na coordenacao do proces~o de acumulacao de capi- o "mundo industrializado". Os desdobramentos da crise
tal. Isto e particularmente verdade1ro para as chamadas eco- atual demonstram claramente as dificuldades de formacilo de
nomias perifericas. Neste periodo, um grupo relevante de Pai- um bloco "terceiror.?undista", capaz de articular seus inte-
ses da periferia transformou-se em campo de absorcao de res~es a longo prazo. Nes~a perspectiva, a fragilidade da peri-
investimentos produtivos, abandonando, assim, sua condi- fena esta a mostra. E muito dificil imaginar o seu futuro, sem
cao de exportador de produtos primarios. 0 avanco dos pro- antes comp~eender c~mo sera encaminhada a recuperacilo
cessos de industrializacao dependeu, em quase todos os casos d3:5 econom1as centra1s. Mas, por outro !ado, silo inescapa-
da capacidade dos Estados_ nacion~s de desenvolver a bas~ ve1s as manobras "defensivas" comuns para fugir a devas-
pesada da industria e de cnar uma mfra-estrutura adequada tacao.
(transportes, energia etc.). 0 enorme esforco do Estado, em 0 dinamismo da grande empresa determinou, portanto,
algumas economias, em concentrar recursos e constituir for- um desbordamento da estrutura industrial e dos padroes de
cas produtivas s6 pode ser explicado pela necessidade de arti- consumo "americanos", promovendo uma nova forma de
cular financeiramente blocos de capital dotados de desigual articulacao da economia mundial. Este movimento de arti-
poder de competicao nos mercados locais: o capital privado culacllo assegurou, durante muito tempo, a expansilo do con-
domestico e o grande capital internacional. junto das economias industrializadas, permitindo o fortaleci-
Nos momentos de expansao em que esta definida a fron- ~ento tecnol6gico _e financeiro das empresas europeias e
teira de expansao e estao compostos os interesses, torna-se Japonesas, que reag1ram a penetracilo das rivais americanas
visive! a face "poderosa" do Estado, o que perrnite ilusoes intensificando as inovacoes exatamente nos setores em que a
industria norte-americana ja havia gerado novos inventos e
sobre sua autonomia. Nos periodos de crise reaparece a mas- processos, ~as nilo podia utiliza-los com a mesma rapidez,
cara "dependente", vincada pela incapacidade de definir um sem deprec1ar as massas de capital fixo recem-instaladas. Isto
novo horizonte de crescimento (sem o concurso da grande explica como se reproduziram nas economias europeias -
empresa internacional) e atormentada pela vulnerabilidade principalmente na Alemanha - e no Japao perfis industriais
fmanceira que se traduz no endividamento externo crescente. semelhantes aos americanos, porem, muito mais avancados .
As economias perifericas alcan~aram distintos graus de do ponto de vista tecnol6gico.
desenvoJvimento. Em muitas deJas, o setor de bens de produ- Nestas condi~oes, s6 poderia agravar-se a fratura entre a
~ao assumiu peso consideraveJ no sistema industrial, permi- posi~ao hegemonica da economia norte-americana e a forma
tindo uma reJativa autodetermina~a:o do processo de cresci- de crescimento "internacionalizada" proposta pela expan~~
mento. Na maioria, porem, a etapa atual ainda e de constru- de suas grandes empresas. 0 "envelhecimento" da estrutura
~a:o da base pesada da industria, o que torna problematica, industrial americana e o enfraquecimento progressivo de sua
diante da crise, qualquer estrategia de desenvolvimento "na- posi~ao comercial - com os efeitos que acarreta sobre o
cional" sem que esteja definida uma nova divisa:o intemacio- d6Iar enquanto meio de pagamento universal - tornam
nal do trabalho. Coexistindo com esses dois conjuntos de pai- extremamente dificeis as tentativas do Estado americano de
ses, sobrevivem as economias exportadoras de produtos pri- conduzir unilateralmente a reordena~!lo da economia mun-
marios e as "plataformas de exporta~a:o" de manufaturados, dial. Os Estados Unidos podem - e muito bem - colocar
as
cujo carater nitidamente complementar economias centrais em rise<' a economia ocidentaJ com politicas restritivas. Mas
46 LUIZ GONZAOA DE MELLO BELLUZZO

dificilmente conseguirllo recoloca_r o mundo na trilha do cres- 0 SENHOR E O UNICORNIO


47
cimento com politicas expansiorustas de corte tradicionat
Recentemente o economi~ta frances .Robert Boyer, ·do uma organiza~ll? da economia mundial que de abrigo a seus
Centro de Estudos de Econom1a Matemat1c_a_de Paris, pubu. interess~s. P01s e ne~te cenario de dilaceracllo e conflito que a
cou um artigo que desenha um quadro de d1f1culdades muito ortodoxia ~onetans~a cultiva a ilusllo de que variacOes
amplas, rap1das. e ~u1tas vezes extremas das taxas de cambio
semelhante ao que procuramos esbocar. Ele diz que nilo seria podem-se const1tu1r num substituto eficiente da busca de um
exagerado afirmar que, desde 1971, nos encontramos diante novo sistema internacional. Um sistema negociado pelos
de um "nllo-sistema internacional". Nada parece garantir a Est~dos e c~paz ?e levar em conta as formas contemporaneas
coerencia dos circuitos con_ierciais'. financeir?s e monetarios. de mternacwnahzariio dos fluxos financeiros comerciais e da
Se e verdade que a econom1a amencana contmua ocupando 0 pr6pria producao. '
papel central no processo de intermediacilo financeira a esca- ~m. dos fenome~os mais importantes do p6s-guerra foi,
la mundial, tambem e certo que a perda progressiva de com- sem duv1da, o renasc1mento de um vigoroso circuito finan-
petitividade de sua industria - com efeitos negativos sobre a ceiro privado, de carater internacional. Contrastando com a
balanca comercial - vem tornando cada vez mais visive! e circulacilo financeira internacional do seculo XIX - fundada
dramatica a desconexilo entre as funcoes do d6lar como meio na hegemonia do padrilo monetario ingles, sob o controle do
de pagamento e como reserva de valor. A tentativa de garan- ~anco d_a In~laterra -, o sistema atual foi constituido pela
tir uma delas acaba provocando a derrocada da outra. A mternac1onal1zacilo dos grandes bancos privados das econo-
Ieniencia americana com os deficits comerciais determinou _ mias avancadas, sem nenhum apoio de uma instituiciio regu-
ao Iongo da decada de setenta - um forte movimento de ladora central.
substituicao do d6lar na composicao das reservas internacio- Esse sistema expandiu-se com enorme rapidez desde
nais. A politica de austeridade e de juros elevados - que for- meados dos anos 60 e, ja no inicio da decada de 70 contava
caram a valorizacao do d6lar - provocou um choque agudo com um circuito de operacOes interbancarias basta~te estru-
na liquidez internacional. Tudo se passa como se os Esta- turado, ·capaz de garantir a criaciio ampliada de credito. A
dos Unidos buscassem manter a qualquer custo sua hegemo- rentabilidade mais elevada que o sistema internacionalizado
nia, a despeito do evidente desgaste de sua supremacia eco- passou a apresentar em relaciio as operacoes domesticas
nomica. atraiu, em escala crescente, massas de capital (especialmente
E esta a contradicao que se esconde por tras das oscila- das empresas transnacionais) e absorveu os grandes deficits
coes, marchas e contramarchas da politica economica norte- do balanco de pagamentos norte-americano. Esta rentabili-
americana. Incapazes de reordenar o mundo sob seu coman- dade mais elevada do sistema "internacionalizado" pode ser
explicada pelo fato de que opera sem nenhuma taxa de dep6-
do, os Estados Unidos comecam a desordena-lo com seu
sito compuls6rio ou encaixe legal. Alem disso, suas transa-
poder. Isto explica - como observa Boyer com pertinencia coes estao concentradas no "atacado", o que lhe perrnite
- o sucesso da ideia de "multipolarizacao". As tendencias oferecer taxas mais atraentes aos aplicadores e ainda assim
ao fracionamento da ordem economica esttlo conduzindo na- auferir maior rentabilidade do que a obtida nos neg6cios do-
turalmente as tentativas de reagrupamento regional, seja pela mesticos.
forte interdependencia entre alguns paises (Comunidade Eco- A crise da economia mundial a partir de 1973 magnifi-
nomica Europeia, Japao/Sudoeste Asiatico), seja pela von- cou o papel desse sistema, enquanto instrumento global de
tade politica de garantir a independencia economica, como e intermediacao dos desequilibrios de balanco de pagamentos
o caso dos paises do chamado Terceiro Mundo. Neste sen- gerados pelo primeiro choque do petr6leo. A acumula,;ilo de
tido, as discussoes em torno do "novo protecionismo" ou de superavits por um grupo de paises exportadores de petr6leo
um "desenvolvimento regional" decorrem da impossibilida- - sem capacidade para devolve-los ao resto_do mundo atr~-
de dos paises desfavorecidos de impor a seus concorrentes ves dos fluxos de comercio perrnitiu ao s1stema bancario
48 LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO

0 SENHOR E O UNIC6RNIO
internacionalizado executar a "reciclagem" destes Saldos 49
sob a form~ de emprestimos destinados a financiar os deficit~ esta, os aplicadores preferem prazos m • .
dos paises 1mportadores de petr6leo. potenciais procuram evitar O endivida~~~urtos ?S chentes
Nos primeiros anos, os _bancos p~~eram desincumbir-se prazos. Os pr6prios bancos relutam em o a med1? longo
dessas atribuic0es com relat1va flex1b1hdade. No entanto maior prazo, pois, na eventualidade de umatom~ ~IVldas de
, . .
rapida expansao desses emprest1mos, nu!Ila conJuntura de
'a taxas, podem incorrer em fortes perdas qu~ a .rusca das
O
virtual paralisacao da acumulacao produt1va e de lento cres- cadas pela diferenca entre O que estao pagr:i::ciona,s, provo-
cimento (ou franco declini?) do come~cio mundial, empurrou dores de seus titulos e o que irao receber pel O para ~s ~oma-
0 sistema para a zona pengosa dos nscos crescentes.
· "'
Esta res t ncao . os emprest1mos
na capac1dade de oiertar . d' ·
o segundo ch?que do petr61eo, ~m 1979, foi decisivo s1mu taneamen e a amp 1acao de novos fin ere
· J t .,, I' · 1to ocorre
para colocar em d1ficuldades a capac1dade. do sistema em
prosseguir "reciclando" os recursos. Um elevado numero d
paises foi forcado a "girar", anualmente, dividas de grand:
• choque do petr61eo e pela elevacao da taxa de ·
· t" · d d . .
c1rcuns anc1as, e aperto e hqu1dez os bancos s"
anc1amentos por
parte dos deve d ores - afetados negativamente pelo se undo
Juros.
Ng
testas
porte, pressionando de forma quase insuportavel as bases de · d • •
mente o b nga os a rac1onar o credito espec,·atm t ao na ura1-
• en e para os
criacao de credito. Pior que isso, no ultimo trimestre de 1979 gran d es d eve d ores, e forcar a elevacao dos sp•ead d ·
· " Et · ,, s e emais
0 Federal Reserve decidiu infletir a politica monetaria norte: . comtssv~s .. s tentattva dos bancos de recuperar a rentabili-
americana permitindo uma elevacao da taxa de juros. Esta dade e d1mmutr o grau de "exposicao" nao reflete a
· I 'd penas os
explosao dos juros funcionou como mecanismo compensat6- nscos. ~nvo v1 os ~o ~~osse~uimento das operacoes de
rio para "brecar" a desvalorizacao do d6lar e recuperar seu
papel como padrao monetario mundial. A forte elevacao das
taxas - dados os niveis preexistentes de endividamento e as
• emprest1mos com pa1ses Ja mmto endividados sen"
· · · I
de autofinanc1amento e, em conseqUencia de recupe
capac1'da d_e de o bter emprest1mos , .
, ao que d'1z
respe1to prmc1pa mente anecessidade de recompor seus niveis
, .
de terceiros rar a
exigencias correntes de novos financiamentos alargou 0
desequilibrio financeiro dos devedores e ampliou indesejada- A ~n~e. global de credito vem anunciando seus sintomas
mente a margem de risco dos credores. des~e o 1mc10 dos anos 80: subida generalizada dos spreads e
rac1onamento na oferta de recursos a Jongo prazo. A taxa
No periodo 1974/1979, as operacoes do sistema banca-
rio internacionalizado cresceram a taxas muito superiores
aqueles apresentadas por seu capital pr6prio e reservas. A
• anual de expansilo dos emprestimos vinha-se mantendo em
tor~o de 250'/o ate l~A7~. Reduziu-se para algo ligeiramente su-
penor a 100'/o no b1emo 80/81, entrando em rapido declinio
situacilo de liquidez folgada - propiciada simultaneamente
a? longo do primeiro semestre de 1982, para tornar-se nega-
pelos superavits da OPEP e pelos deficits do balanco de paga- tlva antes mesmo do colapso mexicano.
mentos norte-americano - acirrou a concorrencia entre os
0 colapso mexicano desencadeou um processo classico
bancos americanos, europeus e japoneses, atraindo para o
circuito internacionalizado centenas de bancos de segundo e
terceiro ranking. Este movimento forcou a queda dos spreads
medios (exatamente quando os riscos comecavam a se
• de contracao das bases de multiplicacao do credito. A fuga
dos bancos pequenos e medios transferiu para as grandes
instituicoes todo o onus de salvaguardar a solvencia dos pai-
ses criticamente endividados. Os grandes bancos - embora
ampliar), comprometendo, assim, a rentabilidade do capital compreendendo o carater suicida de uma paralisa~ao das
bancario. operacoes - nao podiam e nao podem continuar expandindo
Neste quadro, a subida veritiginosa da taxa de juros re- individualmente o credito, sob pena de deteriorar ainda mais
velou-se extremamente danosa para a capacidade de oferta de a "qualidade" de seus ativos e arriscar-se a quebra, pela
credito. Como e 6bvio, as perspectivas de levantamento de impossibilidade de refinanciar seu passivo a curto prazo.
fundos de longo prazo (emissao de bonus e debentures) forarn Para born entendedor: na crise a racionalidade privada do
drasticamente reduzidas. Isto porque, em situacoes como capital bancario tende a apressar a disrupcao do conjunto do
50 LUIZ GONZAGA DE MELLO BELL UZZO
0 SENHOR E O UNIC6RNIO
sistema de credito. Dai a incontornavel necessidade de uma 51
gestao aos bancos privados para que nao b
coordenacao centralizada que force o sistema a se mover
coletivamente. Este papel vem sendo desempenhado peJo ribundos a sua pr6pria sorte e continuem \! nd0 ~em os mo-
sivel, emprestando os d61ares necessari~ med~~a. do pos-
Federal Reserve, atraves da cri~cao de comissOes ad hoc Para dividas. s para g1rar" as
gerir O refinanciamento das pos1cOes dos devedores ameacados
Como se ve, as ideias andaram mai·s
pela insolvencia. , . recursos maneJa · d os pe1o Fundo. A sugestaoescassas
d " que os
Sao muitas, porem, as d1ficuldades que se antepOem ao cintos" - com certeza inspirado nos principi· ed apertar ~s
born encaminhamento deste pro~ess,o_ de coordenacao, tal · ' d' os e econom1a
como vem sendo execut_ado_. H~ ~d1c1os de que as "forcas domesuca -:- e, para 1zer o menos, risivel, sobretudo
quern aprec1a humor negro. Se todos os paises q para
desestabilizadoras" da cnse de credito e de confianca comecam tam d1'fi1cuId,.
ad es em seus .baI.ancos de pagamentoue dapresen-
'd'
a adquirir carater cumulativo. Como e 6bvio, a defeccao dos s ec1 1rem
executar po I1t1cas contrac1omstas e restritivas qu • 1.
bancos pequenos e medios priva o sistema internacionalizado . · · " d as 1mportacOes,
uma d1mmu1cao · ninguem, vaie imp 1quem.
de uma fonte importante de captacao de dep6sitos. Este .
amp I1ar suas t " d, fl . conseguu
estreitamento dos canais de refinanciamento da estrutura ,._.expordacues.
,. . 0 s e. 1c1ts nao desaparecer..,. o, mas
Pelo .contrcUIO,
. po
. erao
I me1us1ve se ampliar , 1·ogando o co-
d num sorvedouro depressivo , o Bras1-1
passiva vem obrigando os bancos de maior porte a um ajusta- merc10 mternac1ona
mento compensat6rio de seus ativos, o que impOe uma seria .
esta expenmentan o ~a carne .o~ efeitos da reducao das
limitacao a eficacia da acao restauradora dos organismos de importacOes ~a Arg:ntma, do Mexico, da Nigeria, do Chile e
coordenacao e de suprimento em "(dtima instancia". de outros paises cuJa demanda sustentou, ate ha pouco, a
Senao, vejamos. 0 afrouxamento da Jiquidez "prima- expansao d<; n<?ss3:s exporta~Oes de manufaturados. (Uma
ria" (reducao da taxa de redesconto, com aumento das dis- importante mdustna de eqmpamentos foi obrigada a pedir
ponibilidades nas linhas de refinanciamento oficiais) nao se concordata, incapaz de resistir ao cancelamento de um con-
traduz, nestas condicOes, numa multiplicacao do credito da trato de exportacao para o Mexico.)
mesma magnitude observada anteriormente. Isto porque, A manutem;ao ou mesmo ampliacao dos deficits em
permanecendo a in~erteza sobre a recuperacao dos creditos a conta corrente que resultara, inevitavelmente, de semelhante
serem concedidos a devedores em dificuldades - numa situa- insanidade, obrigara o conjunto de paises deficitarios - a
cao de encurtamento forcado das estruturas passivas - , os maioria ja fortemente endividada - a recorrer mais intensa-
novos recursos de Iiquidez acabam sendo drenados para apli- mente as operacoes de credito para fechar o balanco de paga-
cacoes de_maior seguranca (como treasury bills e creditos de mentos. Dificilmente o sistema bancario privado tera condi-
curto prazo a clientes de primeira linha), com o objetivo de coes de atender a estas necessidades, na atual conjuntura.
recompor de forma adequada as reservas bancarias. A reunillo do Fundo Monetario foi, portanto, um rotun-
A reuniao anual do Fundo Monetario de setembro de 82 do fracasso. Entre os discursos de Pierre Trudeau e do mi-
terminou sem que se dissipassem as apreensoes e as incertezas nistro Galveas que - botando o dedo na ferida - apontaram
acerca do futuro da ordem economica mundial. Os paises em para as causas profundas e estruturais da crise mundial e as
desenvolvimento apresentaram suas queixas contra a "poli- recomendacoes "finais" do senhor de Larosiere, restou o desa-
tica cega'' dos industrializados e os Estados Unidos rosnaram lento. Do jeito que as coisas carninham, nada se pode esperar
diante do comportamento "indulgente" do Fundo e do Ban- alem do desastre.
co Mundial. Espremido entre lamurias e protestos o senhor A peculiaridade da situa~llo atual esta no descompasso
Jacques de Larosiere, diretor-executivo do FMI recomen- entre a evolu~llo do comercio e da producllo e o ritmo de cres-
dou austeridade. "Apertem os cintos" foi a palavr~ de ordem t cimento da divida global de empresas e pais~s. conseque~-
enderecada aos paises que se debatem com deficits cronicos cia desta assimetria e o aparecimento de deficits estru~~ais
nos respectivos balancos de pagamentos. Fora isso, uma su- nos balan~os de pagamentos, que nllo podem ser comgidos
S2 LUIZ GONZAGA DE MELLO BELL UZZO

_ como e 6bvio - por medidas deflacionistas do tipo su


rido pelo senhor de Larosiere. &e-
0 avanco da crise parece provocar uma paraiisia m
coletiva. A estup1"dez conserva dora mva
· d e as mentes com
entai
mesma intensidade do medo que se apodera das vontad a
Todos agem como se fossem d6ceis instrumentos de f es.
cegas, c.umprindo os designios dos fatos, personagens deori;as
. . uma
tragedia grega. Sa bem _como va1 t_e rmmar a trama, mas _
meros suportes do destmo - silo mcapazes de evitar O d Problemas da
fecho . es-
Na verdade a gravidade da presente crise esta no fato d
que os Estados Unidos deixaram de ser a fonte de um estil e
recupera~ao americana*
de desenvolvimento cuja difusilo estabilizou a econom·o 1
internacional do p6s-guerra. A economia americana nilo ~
mais capaz de assegurar simu/taneamente a estabilizacao d;
economia mundial, em seu conjunto, ea consolidacilo de sua
preeminencia industrial. Muito ao contrario, seu poder mili- A sensacilo, no inicio de 1982, de que a situa ao • .
tar e financeiro reconstr6i, sem cessar, uma assimetria funda- est~va piorando rapidamente era generalizad~ n~~o;omica
mental: submete a economia mundial a instabilidade, por Umdos. A populacilo estava assustada com O av • dst ~do_s
. . ani;o o md1-
forca de uma gestilo monetaria unilateral e, ao mesmo tem- ce d e d esemprego, que atmgm a marca dos 9n1 lh
po, bloqueia as tentativas que visam a explorar os contornos ·" · d t · I d N d ·,o e,
reg1~0 m us na o or este, ja es~a afetando mais de 1207o.na ve a
de uma nova ordem economica mundial. Esta assimetria da torca
· de trabalho.
b · As vendas da mdustri·a aut omo b"l' •
11st1ca
constitui o pano de fundo sobre o qual se esboca, de maneira contmuavam em a,xa, tendo recuado 22% em relacao a
recorrente, a perspectiva do aparecimento de grandes blocos marco de 1981, _apesar dos esforcos de promocao das empre-
regionais de cooperacilo, como solucao ultima dos governan- sas, que concedia_m desc~mt?s para os consumidores. Os indi-
tes para subtrair as respectivas sociedades dos efeitos devasta- cadores de res~e1t~das msl!tmcoes de pesquisa assinalavam
dores da crise sem solucao. uma. forte tend 7nc,a para o aumento do numero de empresas
em s1tuacilo fahmentar . Este ano a tax.a de bancarrotas deve-
ra chegar a 79 por 10.000, a mais elevada desde 1933 - ano
negro da Grande Depressao -, quando o indice atingiu 1()()
por 10.000.
Os economistas americanos, com sua habitual predile-
cao pela controversia especiosa, engalfinham-se numa dispu-
ta de natureza semantica. Trata-se de uma severa recessao ou
a economia ja estaria mergulhando numa depressao? Paul
Samuelson, a despeito de admitir a gravidade do momento,
recusava a hip6tese da depressao, argumentando que sao re-
motas as possibilidades de uma onda de falencias "do tipo
domino", capaz de detonar o panico financeiro. A proposito

• Publicado originalmenta na revista Senhor, de 21-4-1982 e 18-4-1984.

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