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LAWBORATORY PRESS
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© Éderson Garin Porto, 2024

Projeto gráfico e diagramação:


Coordenação: Yago Pires Roese
Capa e editoração: Guilherme Borges

Porto, Éderson Garin. Tributação 4.0 / Éderson Garin Porto.


1.ed. - Porto Alegre: Lawboratory Press, 2024, 218p.; 21 cm.

ISBN 978-65-990907-4-5

1. Tributação. 2. Economia.
Índice para catálogo sistemático:
Tributação
Economia

Direitos desta edição reservados por


Porto & Jaeger Ensino Universitário Ltda
Av. Carlos Gomes, 403/302
90480-003 Porto Alegre RS
Fone/fax: 306161-52
www.edersonporto.com

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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Sobre os Coordenadores
Éderson Garin Porto

Professor de Direito Tributário da UFRGS. Visiting Scholar UC Berkeley


School of Law. Doutor e Mestre (UFRGS). Professor do Mestrado
Profissional da Unisinos. Coordenador do LLM em Tributação da Empresa e
dos Negócios da Unisinos. Membro da FESDT. Membro da CEDT – OAB/
RS. Fundador do Lawboratory. Advogado.

Priscila Anselmini

Pós-doutoranda em Direito Tributário pela UFRGS. Doutora em Direito pela


UNISINOS, com período de pesquisa na Facultad de Derecho da Universidad
de Sevilla/Espanha; Mestre em Direito Público pela UNISINOS; Especialista
em Direito Público pela ESMAFE/RS; Advogada Tributarista. Membro
do Grupo de Pesquisa “Tributação e Economia”, vinculado à Universidade
Federal do Rio Grade do Sul (UFRGS). Currículo lattes: <http://lattes.
cnpq.br/2035142625567909> ORCID: <https://orcid.org/0000-0002-3953-
8524>. E-mail: <prisci.anselmini@yahoo.com.br>

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Sobre os autores
Paulo A. Caliendo V. da Silveira

Professor de Direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS). É


graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestre
em Direito pela UFRGS e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Foi
também pesquisador visitante na Ludwig-Maximilians Universität no Center
for Researcher on European and International Tax Law, em Munique na
Alemanha. Escreveu “Curso de Direito Tributário”, em sua quarta edição e o
livro finalista do Prêmio Jabuti “Direito Tributário e Análise Econômica do
Direito”. Árbitro na lista brasileira do Tribunal Arbitral Ad Hoc do Mercosul,
como decidido no Protocolo de Olivos.

Jussandra Hickmann Andraschko

Advogada Tributarista; Especialista em Direito Tributário pelo IBET e


em LLM em Tributação da Empresa e dos Negócios pela Unisinos; Vice-
presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-RS.

Lucas Armani Tomazi

Advogado Tributarista, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do


Rio Grande do Sul.

Priscila Anselmini

Pós-doutoranda em Direito Tributário pela UFRGS. Doutora em Direito pela


UNISINOS, com período de pesquisa na Facultad de Derecho da Universidad
de Sevilla/Espanha; Mestre em Direito Público pela UNISINOS; Especialista
em Direito Público pela ESMAFE/RS; Advogada Tributarista. Membro
do Grupo de Pesquisa “Tributação e Economia”, vinculado à Universidade
Federal do Rio Grade do Sul (UFRGS). Currículo lattes: <http://lattes.
cnpq.br/2035142625567909> ORCID: <https://orcid.org/0000-0002-3953-
8524>. E-mail: <prisci.anselmini@yahoo.com.br>

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Dayana De Carvalho Uhdre

Doutora pela Universidade Católica de Lisboa. Membro Associada da


BABEL-Blockchains and Artificial intelligence for Business, Economics
and Law (Universidade de Firenze) e da FGV- SP. Coordenadora da pós-
graduação em Blockchain e Direito dos Criptoativos da Esmafe-PR. Chief
Innovation Officer WLF. Professora convidada em inúmeros cursos de pós-
graduações. Membro da Comissão de Direito Digital e de Direito Tributário
da OAB/PR. Palestrante. Procuradora do Estado. Autora, dentre outros, do
livro “Blockchain, Tokens e Criptomoedas. Análise Jurídica”. E-mail: dayana.
uhdre@gmail.com

Maceno Lisboa da Silva

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter)


e Bacharel em Ciências Contábeis no Centro Universitário Ritter do Reis
(UniRitter). Pós-graduado em direito tributário pelo Centro Universitário
Ritter dos Reis (UniRitter) e em Direito do Estado na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente está cursando Especialização
em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET).
Já recebeu as seguintes premiações e distinções: Láurea Acadêmica do Curso
de Bacharelado em Direito; Prêmio Justino Vasconcellos pela Escola Superior
da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul
(ESA OAB/RS); premiação de “Honra ao Mérito” de Cidadão pela Câmara
de Vereadores de Porto Alegre/RS; premiação pelo primeiro lugar no XII
Concurso de Monografia da FESDT; e Láurea de Agradecimento da OAB/
RS, pelos serviços prestados à advocacia.

Juliano Nunes Pinto Fulginiti

Advogado empresarial. Pós-graduando em Direito dos Negócios pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduado em Direito
com Formação complementar em Empreendedorismo jurídico, ambos pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Sócio
diretor da Fulginiti Advogados. E-mail: juliano@lawecapital.com.br.

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Virgínia De Paula Lopes De Almeida

Advogada tributarista. Pós-graduanda em Direito dos Negócios pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Direito
Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Graduada
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sócia
da Magnus e Almeida Advocacia. E-mail: virginia@magnusalmeida.com

Bruno A. François Guimarães

Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande


do Sul – UFRGS. Master in Law (LL.M) em Direito Corporativo pelo
Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC. Especialista em
Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – UNISINOS. Associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário
– IBDT. Associado do Instituto de Estudos Tributários – IET. Advogado em
Porto Alegre/RS. Contato: bruno.guimaraes@rmmgadvogados.com.br

Guilherme Sangalli Sandri

Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –


UNISINOS. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado em Encantado/RS e
Porto Alegre/RS. Contato: guilherme@sandri.adv.br

Daniel de Paiva Gomes

Doutorando (PUC-SP) e Mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário.


MSc (Master of Science) em Moedas Digitais e Blockchain pela Universidade
de Nicosia. Sócio de Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva Gomes Advogados.

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Eduardo de Paiva Gomes

Doutorando (PUC-SP) e Mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário.


MSc (Master of Science) em Moedas Digitais e Blockchain pela Universidade
de Nicosia. Sócio de Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva Gomes Advogados.

Lucas Dal Paz

Advogado. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Dom Alberto


e em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público – FMP. Mestrando no programa de Pós-Graduação em
Direito da Empresa e dos Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
– UNISINOS/RS. lucas@mmouraadvogados.com.

Fabiano Koff Coulon

Graduado (1993), Mestre (2007) e Doutor (2013) em Direito pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor do
Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios e dos cursos
de graduação em Direito e Relações Internacionais da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (UNISINOS). Advogado atuante nas áreas do direito civil
e empresarial, sócio de Coulon, Dresch e Masina Advogados, com sede em
Porto Alegre/RS.

Cristiano Colombo

Pós-Doutor em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do


Sul (PUCRS). Doutor e Mestre em Direito, Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor
Permanente do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios
da UNISINOS; Professor de graduação em Direito e Relações Internacionais
da UNISINOS; Professor de Graduação em Direito da Faculdade Verbo
Jurídico; e-mail: cristianocolombo@unisinos.br. Orcid: 0000-0002-4362-
0459.

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SUMÁRIO
Sobre os coordenadores......................................................................................5

Sobre os autores..................................................................................................6

Apresentação.....................................................................................................12

APRENDIZADO DE MÁQUINA E O DIREITO FUNDAMENTAIS


DO CONTRIBUINTE..................................................................................16
Paulo Caliendo

OS IMPACTOS DO JULGAMENTO DO STF SOBRE SOFTWARE NA


TRIBUTAÇÃO FEDERAL...........................................................................32
Jussandra Hickmann Andraschko e Lucas Armani Tomazi

PERSPECTIVAS TRIBUTÁRIAS NA ERA DIGITAL: UMA ANÁLISE


CRÍTICA SOBRE A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA APÓS A EC/132.......48
Priscila Anselmini

POR UMA DEFINIÇÃO DE RECEITA ADEQUADA PARA A


ECONOMIA DE PLATAFORMA...............................................................74
Éderson Garin Porto

SUJEIÇÃO PASSIVA DAS PLATAFORMAS DIGITAIS NO ÂMBITO


DA REFORMA TRIBUTÁRIA..................................................................100
Dayana De Carvalho Uhdre

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS MARKETPLACES PELO


RECOLHIMENTO DE ICMS EM PLENA ECONOMIA DIGITAL.....124
Maceno Lisboa Da Silva

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IMPACTOS REGULATÓRIOS E FISCAIS NAS PLATAFORMAS DE


CROWDFUNDING....................................................................................144
Juliano Nunes Pinto Fulginiti e Virgínia De Paula Lopes De Almeida

A INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE CRIPTOMOEDAS:


DA SUA NATUREZA CAMALEÔNICA À EFETIVA INCIDÊNCIA TR
IBUTÁRIA.....................................................................................................156
Bruno A. François Guimarães e Guilherme Sangalli Sandri

CRIPTOATIVOS E TRIBUTAÇÃO DA PERMUTA: SWAPS, ATOMIC


SWAPS E WRAPPED TOKENS.................................................................180
Daniel de Paiva Gomes e Eduardo de Paiva Gomes

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E RESPONSABILIDADE


CIVIL DAS PLATAFORMAS POR CONTEÚDO GERADO POR
TERCEIRO: O MARCO CIVIL DA INTERNET PROMOVE
MITIGAÇÃO DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO?.....................................200
Lucas Dal Paz, Fabiano Coulon e Cristiano Colombo

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Apresentação

As contantes mudanças tecnológicas estão afetando o cotidiano da população


mundial, integrando a dinâmica da sociedade de maneira irreversível. Os
desafios que surgem também se tornam emergentes, necessitando receber
contornos mais claros e precisos, sobretudo em matéria regulamentar e
legislativa.

Diante deste cenário, o Direito Tributário emerge como uma ferramenta


para regulamentar o avanço tecnológico em frente a arrecadação do Estado
Nação aos cofres públicos. Para tanto, o debate qualificado e a busca pelo
conhecimento se tornam essenciais para compreender e definir os limites des-
sa tributação, em face às novas tecnologias. É com esse intuito que a presente
obra agrupou diversos pesquisadores qualificados sobre a temática, envolven-
do a economia digital e os desafios para o Direito Tributário.

A atenção às novas tecnologias, como criptomoedas, inteligência artificial,


marketplaces e plataformas digitais passou de uma abordagem superficial para
uma necessidade urgente em face da tributação, especialmente no âmbito
nacional, em que se concentra em uma fiscalidade pautada nos espaços físicos
e bens materiais. A tributação, neste sentido, desenvolve estima, tanto para a
regulamentação, como para a arrecadação eficiente aos cofres públicos.

O desenvolvimento tecnológico permitiu (permite e ainda permitirá) alcançar


um nível elevado de benefícios para a população e para a sua qualidade de
vida, com destaque para a medicina, agricultura, economia, indústria, in-
ovação, informática, entre outros setores. Certamente, juntamente com os
benefícios, haverá impactos negativos, uma vez que nem todas as nações
possuem acesso amplo às novas tecnologias e à inovação, devido à extrema
pobreza e a desigualdade de renda existente entre os cidadãos, além de um
desenvolvimento tardio em sua economia local.

Dessa forma, repensar e reformular a tributação atual, visando adequar-se


à economia digital, poderá proporcionar aos Estados uma arrecadação mais
eficiente e justa para a sua população.

Pensando nestas acepções, esta obra foi construída em torno do propósito de


debater e aprofundar os temas envolvendo a economia digital e a tributação.
O primeiro capítulo, neste sentido, aborda o aprendizado de máquina e o
direito fundamental do contribuinte, que busca analisar o uso da técnica
do aprendizado de máquina (machine learning) no âmbito da fiscalização

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tributária, questionando se essa tecnologia acarreta ou acarretará riscos aos


direitos fundamentais dos contribuintes, no âmbito de sua defesa, perante o
poder fiscal artificial e inteligente.

O segundo texto trata sobre os impactos do julgamento do STF sobre soft-


ware na tributação federal, tratando sobre a longa discussão da tributação de
softwares padronizados (ou “de prateleira”), referente ao ICMS e ao ISS, em
seu estado atual, e seus reflexos importantes na tributação federal.

O terceiro capítulo concentra-se nas perspectivas tributárias na era digital:


uma análise crítica sobre a tributação brasileira após a EC/132, analisando
os reflexos das novas tecnologias ao sistema tributário nacional diante das
propostas de reforma fiscal, especialmente em face da Emenda Constitucional
nº 132, de 20 de dezembro de 2023, a fim de verificar se a tributação pode
ser um instrumento de redução de desigualdade de renda e de concretização
dos direitos fundamentais ao cidadão, como também um estímulo à evolução
da nova era digital.

Na sequência, o quarto capítulo busca ofertar um conceito de receita adequa-


da para a economia de plataforma. O quinto texto trata da sujeição passiva
das plataformas digitais no âmbito da reforma tributária, enfatizando sobre
os possíveis limites sistêmicos a inclusão das plataformas digitais como su-
jeitos passivos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS), especialmente após a Reforma Tributária, que
permitiu tal possibilidade no art. art.156-A §3º da Constituição Federal.

O sexto texto desta obra retrata a responsabilidade tributária dos marketplaces


pelo recolhimento de ICMS em plena economia digital, ponderando sobre
as diretivas da União Europeia e os principais estudos e recomendações da
OCDE sobre o tema de responsabilidade, bem como analisando a atribuição
de responsabilidade na legislação tributária brasileira, visando responder
se o atual sistema jurídico tributário pode atribuir a responsabilidade pelo
recolhimento do ICMS às plataformas digitais de marketplace.

No capítulo seguinte, será debatido sobre os impactos regulatórios e fiscais


nas plataformas de crowdfunding, que estão emergindo como um mecanismo
disruptivo de financiamento coletivo, permitindo que projetos e ideias en-
contrem apoio financeiro direto de uma comunidade diversificada de investi-
dores. No entanto, essa modalidade de financiamento, apesar de seu potencial
transformador, encontra-se em uma área cinzenta em termos de regulamen-
tação e tributação, especialmente no que tange à aplicação do Imposto Sobre
Serviços, debate este que será aprofundado no referido capítulo.

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O texto a incidência de imposto de renda sobre criptomoedas: da sua na-


tureza camaleônica à efetiva incidência tributária discute sobre a tributação
das criptomoedas, especialmente quanto à incidência do Imposto de Renda
sobre estes ativos.

No próximo capítulo, a obra contempla a temática dos criptoativos e tributação


da permuta: swaps, atomic swaps e wrapped tokens, discutindo sobre a
legitimidade e a adequação da incidência de imposto de renda sobre operações
de permuta de criptoativos (“cripto-cripto), haja vista que transcende questões
dogmáticas relativas à fixação dos limites da materialidade do imposto de
renda e a conformação da Constituição Federal como sendo um diploma
tipológico ou conceitual na repartição de competências tributárias.

Por derradeiro, o último capítulo trata sobre a análise econômica do direito


e responsabilidade civil das plataformas por conteúdo gerado por terceiro:
o marco civil da internet promove mitigação de custos de transação? Neste
texto, refletir-se-á sobre os impactos no campo econômico, com o advento e
aplicação do Marco Civil da Internet, tratando sobre o papel atribuído pela
regulação ao Poder Judiciário. visando sopesar sobre os avanços e desvanta-
gens da solução legislativa, a partir de uma visão teórico-normativa, respon-
dendo se “o Marco Civil da Internet (MCI) promove a mitigação dos custos
de transação?”.

O amplo espectro de temáticas abordadas nos capítulos reforça a importância


e o alcance da obra conjunta para o esclarecimento e aprofundamento do
tema sobre a tributação frente a economia digital, revelando uma variedade
extensa de repercussões no âmbito legislativo fiscal, como também na esfera
social econômica.

Neste viés, destaca-se que a obra é o resultado das pesquisas e debates


produzidos no Grupo de Pesquisa Tributação & Economia, desenvolvido na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob coordenação do
Prof. Dr. Éderson Garin Porto.

Em nome dos organizadores destaca-se a qualidade dos autores dos capítulos,


os quais integram importantes redes de pesquisa e de produção científica na
área do Direito Tributário. Trata-se de temas que são objeto de pesquisas e
discussões aprofundadas realizadas por grupos de estudos que congregam
acadêmicos, mestres e doutores, docentes e discentes, todos imbuídos na re-
percussão de suas pesquisas na sociedade.

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Depois de muito trabalho e dedicação de todos os envolvidos, organizadores


e autores fazem essa entrega para a sociedade, objetivando divulgar a pesquisa
desenvolvida e almejando despertar interesse de estudiosos do Direito, como
também a curiosidade em todos aqueles que desejam saber mais sobre a re-
alidade na qual estão inseridos. Que o interesse e a curiosidade pelo saber
possam ser despertados por essa obra e que novas pesquisas sejam produzidas
como fruto do impacto que se espera produzir aos presentes leitores.

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APRENDIZADO DE MÁQUINA E
O DIREITO FUNDAMENTAIS DO
CONTRIBUINTE
MACHINE LEARNING AND FUNDAMENTAL
TAXPAYER RIGHTS
Paulo Caliendo1

1. INTRODUÇÃO

A sociedade está sendo e será alterada profundamente pelo uso da Inteligên-


cia Artificial (IA). Dificilmente poderemos prever com exatidão em até que
ponto a sociedade será transformada pelo uso intensivo de IA na economia,
na sociedade e no Direito.

A cada momento nos deparamos com mais uma notícia do avanço tecnológi-
co em IA ou a sua disseminação progressiva e veloz para todos as esferas
sociais. O presente artigo tem por objetivo destacar a análise do uso da técni-
ca do aprendizado de máquina (machine learning) no âmbito da fiscalização
tributária. Assim, podemos questionar se essa tecnologia acarreta ou acarre-
tará riscos aos direitos fundamentais dos contribuintes. O presente texto tem
por objetivo incluir a defesa do Contribuinte, perante o poder fiscal artificial
e inteligente, como uma das facetas da centralidade do humano, nos debates
sobre Inteligência Artificial.

Por fim, iremos verificar algumas propostas de regulação, barreira ou miti-


gação às possíveis ofensas computacionais ao Estatuto do Contribuinte.

1 Paulo A. Caliendo V. da Silveira Professor de Direito na Pontifícia Universidade Católica


(PUC/RS). É graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestre em
Direito pela UFRGS e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Foi também pesquisador
visitante na Ludwig-Maximilians Universität no Center for Researcher on European and Inter-
national Tax Law, em Munique na Alemanha. Escreveu “Curso de Direito Tributário”, em sua
quarta edição e o livro finalista do Prêmio Jabuti “Direito Tributário e Análise Econômica do
Direito”. Árbitro na lista brasileira do Tribunal Arbitral Ad Hoc do Mercosul, como decidido
16 no Protocolo de Olivos.
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2. DOS DESAFIOS DA INTELIGÊNCIA


ARTIFICIAL PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A revolução do século XXI é ainda mais profunda do que as revoluções indus-


triais e científicas precedentes. Um dos grandes desafios é posto pela junção
entre duas grandes transformações: o avanço em IA e em biotecnologia.
Tratam-se de mudanças qualitativamente superiores aos progressos técnicos
em engenharia a vapor, às dinâmicas locomotivas, a estonteante eletricidade e
toda eletrônica juntas2 . O imenso poder dessas novas técnicas, nem de perto
se comparam ao que está em curso. As revoluções anteriores ampliavam as
capacidades humanas de fazer. A atual ameaça a própria capacidade humana
em ser. Estaria o humano fadado à obsolescência, à substituição por máqui-
nas precisas e mais inteligentes, mesmo que sem emoções? O potencial de-
strutivo desses novos tempos exige, de modo imperativo, a responsabilidade
no trato desses desafios presentes e futuros.

A inteligência artificial (IA) foi descrita pela Organização para Cooperação


e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como o sistema de máquina capaz
de influenciar o seu ambiente por o ambiente produzindo um resultado (pre-
visões, recomendações ou decisões) para um determinado conjunto de obje-
tivos3.

É reconhecido pela OCDE que o uso de pode garantir a expansão da pro-


teção e efetividade dos direitos fundamentais, mediante um uso correto e
seguro. Podemos imaginar políticas governamentais para o combate à fome,
epidemias, diagnóstico de doenças, predição de novos tratamentos médicos,
dentre uma infinidade de soluções que se espalham por todo o tecido social. A
automatização inteligente de previsões e recomendações permitirá a tomada
mais adequada de decisões em políticas públicas.

Por outro lado, a IA pode ser um grave desafio aos direitos fundamentais. A
utilização abusiva de sistemas inteligentes pode ampliar, aprofundar e agravar
a violação aos direitos existentes, de modo acidental ou deliberado. Governos
podem utilizar-se da tecnologia para perseguir grupos de oposição, discriminar
setores e pessoas, bem como manter um aparato opressivo e autoritário

2 HARARI, Y. N. Reboot for the AI revolution. Nature News 550, p. 324-327, 2017, p. 327.
3 “An AI system is a machine-based system that is capable of influencing the environment by
producing an output (predictions, recommendations or decisions) for a given set of objectives”
“OECD. Artificial Intelligence in Society, OECD Publishing, 2019. http://dx/doi.org/10.1787/
eedfee77-en”. 17
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distópico. Não menos importantes são os casos de violações acidentais de


direitos, por meio de erros na arquitetura ou eficiência dos sistemas existentes.
Um dos casos mais relatados na literatura são os algoritmos enviesados, que
podem massificar os abusos e ofensas.

As possibilidades positivas e os possíveis impactos negativos implica na neces-


sidade de uma regulação séria, consistente, abrangente e antecipada dos pos-
síveis impactos da IA sobre os direitos fundamentais. O objetivo da regulação
deve ser claro, tornar a IA meio para a realização da dignidade da pessoa hu-
mana. O alinhamento dos sistemas inteligentes com os valores humanos é a
diretriz fundamental, que determina os limites e a essência dos seus objetivos.
A comunidade internacional está rapidamente elaborando os princípios para
uma IA Ética. Dentre os mais diversos, destacam-se cinco: transparência
(transparency), justiça (justice and fairness), da não-maleficência (non-
maleficence), responsabilidade (responsibility) e privacidade (privacy)4.

A OCDE, por sua vez, apresenta uma listagem mais ampla, incluindo:
crescimento inclusivo e sustentável (inclusive growth, sustainable development
and well-being); valores humano-centrados e equidade (human-centred values
and fairness); transparência e explicabilidade (transparency and explicability);
robustez e segurança (robusteness, security and safety) e acessibilidade
(accountability)5.

O estabelecimento seguro de princípios aplicáveis à IA permitirá a elabo-


ração de uma regulação coerente e consistente, que permita utilizar todo o
potencial positivo dessa tecnologia disruptiva. Eles devem orientar todas as
instituições públicas (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como as or-
ganizações civis e empresas.

É absolutamente necessário se pensar em termos de alinhamento e coorde-


nação nacional e internacional, entre a esfera pública e privada, sob pena de
se ampliarem os riscos de impactos negativos não-intencionais, decorrentes
da complexidade dos sistemas inteligentes.

A palavra-chave em ética computacional, em termos algoritmos, é consistên-


4 JOBIN, Anna, IENCA, Marcello e VAYENA, Effy. “The Global Landscape of AI Ethics
Guidelines.” Nature Machine Intelligence, 1, 9, 2019, p. 389–99. Disponível em https://doi.
org/10.1038/s42256-019-0088-2, dia 05.06.2022.
5 Recommendation of the Council on Artificial Intelligence. OECD/LEGAL/0449, adotada
em 21/05/2019. Disponível em https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LE-
18 GAL-0449, em 05.06.2022.
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cia, ou seja, casos que possuem características relevantes devem resultar em


decisões similares. Tratar os mesmos casos da mesma forma, quando pre-
sentes as mesmas condutas e circunstâncias é um requerimento essencial para
uma ética normativa6.

Tratar de modo consistente respostas morais é algo relativamente consensual


em análises isoladas de casos. Tal situação muda drasticamente em ambientes
complexos onde respostas são consistentes em um campo da vida humana, mas
absolutamente distintos em outro. Maquiavel já demonstrava que as virtudes
individuais na vida privada, quando transportadas para o aspecto público
poderiam redundar em grandes fracassos públicos. Retrataria Shakespeare,
na peça Júlio César, como alguém com tão questionáveis qualidades pessoais
poderia ser um grande líder. César seria um grande paradoxo7.

O conjunto de dimensões envolvidas em contextos complexos não só aumen-


ta a possibilidade de inconsistências, como as torna pouco perceptíveis ime-
diatamente. Pense-se nos múltiplos papeis que uma pessoa desenvolve como
pai, filho, neto, trabalhador, investidor, consumidor, contribuinte e outra
multiplicidade de funções e características.

Devem ser entendidos como pontos cruciais a determinação de requerimen-


tos mínimos de proteção, identificação de contextos de risco elevado (high-
risk contexts), bem como de grupos vulneráveis ou comunidades.

A existência de riscos sérios, imediatos ou não, exigem a implementação de


mecanismos de proteção, revisão, controle e cessação de atividades.

A União Europeia por meio do IA Act cria um quadro jurídico uniforme


para o desenvolvimento, a comercialização e a utilização da inteligência arti-
ficial em conformidade com os valores da União. Há a utilização um conceito
dinâmico de IA, que acompanhe o espantoso e acelerado desenvolvimento
tecnológico. O conceito de IA, apesar de abrangente, que menciona mecan-
ismos inteligentes capazes de gerar conteúdos, previsões, recomendações ou de-
cisões, que influenciam os ambientes com os quais interage, é desenvolvido por
diversas técnicas ou abordagens ilustrativas. De outro lado, se limita aos siste-
mas com objetivos definidos por seres humanos. Seria possível que o próprio

7 O conflito entre a majestade de César e suas debilidades físicas e morais aparece no discurso
de Cássio: “muito me espanta, ó deuses! Ver que um homem de uma constituição assim tão fraca
tenha passado a frente neste mundo majestoso e, sozinho, obtido palma”; in SHAKESPEARE,
W. Júlio César. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/cesar.pdf, acesso dia
05.05.2022. 19
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sistema de modo autônomo evoluísse para determinar os seus próprios obje-


tivos? Teoricamente, no atual estágio é impraticável e improvável, sendo im-
possível de ser vislumbrado um horizonte capaz de se imaginar tal capacidade
autônoma.

Dentre as técnicas citadas no Anexo I do EU IA Act estão:


a) Abordagens de aprendizagem automática, incluindo aprendizagem supervi-
sionada, não supervisionada e por reforço, utilizando uma grande variedade de
métodos, designadamente aprendizagem profunda;
b) Abordagens baseadas na lógica e no conhecimento, nomeadamente repre-
sentação do conhecimento, programação (lógica) indutiva, bases de conhecimen-
to, motores de inferência e de dedução, sistemas de raciocínio (simbólico) e siste-
mas periciais e;
c) Abordagens estatísticas, estimação de Bayes, métodos de pesquisa e otimização.

O Anexo I do EU AI Act lista em primeiro lugar, talvez, o principal caso


de aplicação disseminada dos sistemas inteligentes que é o aprendizado de
máquina (machine learning).

Destaca-se a menção à técnica do aprendizado profundo (deep learning), em


que há o uso de crítico de redes neurais. Outra técnica a ser destacada são
os motores de inferência e de dedução, sistemas de raciocínio (simbólico) e
sistemas periciais, que são importantes no Direito.

3. APRENDIZADO DE MÁQUINA
(MACHINE LEARNING)
Aprendizado de Máquina (machine learning) é o setor de Inteligência Artificial
que lida com dois problemas conexos: i) como sistemas de máquina podem
se aperfeiçoar pela experiência e ii) quais são as leis informacionais que gover-
nam o aprendizado, inclusive das máquinas?8

Um algoritmo de aprendizagem (learning algorithm) possui todos os desafios


que caracterizam qualquer problema de aprendizagem, tais como a acurácia

8 JORDAN, M. I. et MITCHELL, T. M. Machine learning: Trends, perspectives, and pros-


20 pects. Science 349, p. 255–260, 2015, p. 255.
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na análise de dados, a margem de erro nos modelos gerados e na eficiência do


aprendizado9. Obviamente existem problemas específicos na elaboração do
algoritmo, tais como o tratamento dos dados, a parametrização e arquitetura
do modelo, o uso de técnicas computacionais entre outras questões.

O surgimento de um oceano de dados de todas as áreas da vida social


(saúde, economia, indústria, etc.) tornou a demanda por algoritmos de
aprendizado de máquina o mais requisitado dos desejos de pesquisadores,
estrategistas, planejadores e outros organizadores sociais. Finalmente o sonho
de ter modelos precisos, robustos e confiáveis permitiriam a automatização
de cálculos, inferências e outras maravilhas estatísticas se tornaria realidade.

Russel e Norvig afirmam que um agente aprende quando aprimora a sua per-
formace sobre tarefas futuras fazendo observações sobre o mundo10. Mas por
que iríamos programar agentes artificiais que aprendem? Existem diversas
razões.

A primeira delas é que o agente pode antecipar respostas e assim poderia


resolver problemas com base em experiência anterior. Isso economizaria a
formulação de hipóteses e algoritmos para casos hipotéticos. Assim um robô
poderia aprender sobre o ambiente e determinar a sua localização e direção,
sem depender de novos dados do programador. Ele poderia também aprender
com as mudanças e variações do ambiente, tal como um agente artificial que
atua no investimento em mercado de ações. Também o programador pode
nem ter ideia de um problema futuro ou da solução para aquele problema,
sem novos dados e informações completas. Algoritmos de aprendizagem po-
dem ser muito úteis para diversos sistemas inteligentes, mas principalmente
para agentes autônomos como drones, robôs e outros mecanismos inteligen-
tes.

Esses algoritmos possuem três tipos de feedbacks: i) não-supervisionado (unsu-


pervised learning); ii) supervisionado (supervised learning) e iii) com reforço de
aprendizagem (reinforcement learning).

No modelo não-supervisionado (unsupervised learning) o agente aprende pa

9 JORDAN, M. I. et MITCHELL, T. M. Machine learning: Trends, perspectives, and pros-


pects. Science 349, p. 255–260, 2015, p. 257.
10 Cf. “agent is learning if it improves its performance on future tasks after making observa-
tions about the world”, in RUSSELL Stuart J. et NORVIG, Peter. Artificial Intelligence. A
Modern Approach. Third Edition. New Jersey: Prentice Hall Series, 2020, p. 693. 21
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drões mesmo que nenhum feedback (retorno) tenha sido explicitamente


alimentado. Ele geralmente é utilizado para detecção de padrões. No caso do
modelo supervisionado (supervised learning) são fornecidos padrões e classes
de exemplos de entrada. Se o feedback prove uma resposta correta para a
entrada, então teremos um modelo supervisionado. Poder-se-ia apresentar
o caso de um agente de mobilidade que passa a desenvolver o conceito de
tráfego bom ou ruim, conforme padrões e dados de entrada, mesmo que
estes conceitos não apareçam explicitamente no início do programa. No
aprendizado por reforço o agente aprende com sinalizações no sistema, que
indicam resultados positivos (prêmios) ou negativos (punições)11.

As árvores de decisão (decision tree) é uma das formas mais simples e bem-suce-
didas de aprendizado de máquina. Nesse tipo de algoritmo, uma classe de
exemplos é fundamental para a construção da árvore. Ela consiste em testes
de atributos nos nós interiores, valores de atributos nos ramos, e os valores de
saída nos nós foliares12 .

Uma característica relevante e distintiva das árvores de decisão é que existe


a possibilidade controle dos dados de entrada, a arquitetura do sistema, a
parametrização dos dados, a análise dos nós e dados esperados na saída. Tais
características estão ausentes em redes neurais13.

Outro modelo distinto e importante é dado por algoritmos e sistemas que


tentam mimetizar o cérebro humano, com sistemas inteligentes baseados em
redes neurais (neural networks14). O modelo de IA em redes neurais é conhe-
cido igualmente como conexionista, em distinção ao modelo de IA simbólica,
estruturado em árvores de decisão.

Uma rede neural é apenas uma coleção de unidades em conjunto, com pro-
priedades determinadas por sua topologia e semelhança com os neurônios.

11 RUSSELL Stuart J. et NORVIG, Peter. Artificial Intelligence. A Modern Approach. Third Edition. New
Jersey: Prentice Hall Series, 2020, p. 695.
12 “Note that the set of examples is crucial for constructing the tree, but nowhere do the examples appear
in the tree itself. A tree consists of just tests on attributes in the interior nodes, values of attributes on the
branches, and output values on the leaf nodes”; in RUSSELL Stuart J. et NORVIG, Peter. Artificial Intelli-
gence. A Modern Approach. Third Edition. New Jersey: Prentice Hall Series, 2020, p. 706.
13 RUSSELL Stuart J. et NORVIG, Peter. Artificial Intelligence. A Modern Approach. Third Edition. New
Jersey: Prentice Hall Series, 2020, p. 707.
14 RUSSELL Stuart J. et NORVIG, Peter. Artificial Intelligence. A Modern Approach. Third Edition. New
Jersey: Prentice Hall Series, 2020, p. 728.
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Um caso mais complexo ocorre com a presença de múltiplas camadas de


decisão em redes neurais. Cabe ressaltar que o desempenho dos algoritmos de
aprendizado é medido pela curva de aprendizado, e esta depende do conjunto
de teste.

Esse volume de dados exige a elaboração de algoritmos cada vez mais


consistentes, para processar adequadamente uma montanha de informações.

Novas classes de dados se tornaram cada vez mais desejáveis e a volúpia


por novos dados assemelha-se ao famoso personagem mítico do Leviathan
de Thomas Hobbes. Para este filósofo, o Estado seria uma criatura artificial
dos seres humanos, que ao imitar a natureza teriam concebido esse “animal
político”15 16. Eis que novamente estamos a criar um “animal artificial” e in-
teligente.

Hobbes havia assistido as maravilhas da técnica, que com membros artificiais


imitava o movimento autônomo; com cordas fazia-se por nervos e tendões e
mesmo apresentavam uma sincronia maravilhosa de movimentos, tal como
um relógio sofisticadíssimo.

Os riscos de um sistema inteligente que aprende pela experiência com o seu


ambiente e que possa realizar predições, recomendações e mesmo tomar de-
cisões é um desafio grave e preocupante.

O desafio do presente artigo é verificar os desafios uso do aprendizado de


máquina no âmbito tributário, em especial na fiscalização de tributos.

Outro aspecto importante é o uso intensivo da mineração de dados ou ga-


rimpagem (data mining) em face da grande quantidade de dados (big data)
necessários, para a extração de informações relevantes. Dentre as diversas
funções da data mining podemos citar os mecanismos de associação (análise

15 “Do mesmo modo que tantas outras coisas, a natureza (a arte mediante a qual Deus fez
e governa o mundo) é imitada pela arte dos homens também nisto: que lhe é possível fazer
um animal artificial”; in HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado
eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Disponív-
el em http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf.
Acesso dia 05.06.2022.
16 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civ-
il. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Disponível em http://
www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf. Acesso dia
05.06.2022. 23
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e cruzamento de inscrições no Cadastro Nacional de Atividades Econômi-


cas – CNAE); classificação (árvores de decisão e redes neurais); descoberta
de sequência (análise de processos de arrecadação e fiscalização); modelagem
(regressão linear e não linear), entre outros.

A mineração de dados pode permitir diversos casos de padrões e detecção de


anomalias.

Definida a relevância da Inteligência Artificial e suas diversas técnicas e seu


impacto para os direitos fundamentais, cabe verificar a sua aplicação no Di-
reito Tributário e sobre os direitos fundamentais do contribuinte.

4. APRENDIZADO DE MÁQUINA
E A FISCALIZAÇÃO DE TRIBUTOS
O Direito Tributário e a arrecadação dos tributos sofrem por diversos problemas clara-
mente diagnosticados, tais como: elevado estoque de processos, demora nos julgamen-
tos, inconsistência nas decisões, impacto das decisões em estruturas de mercado, falta
de infraestrutura ou de pessoal para verificação e julgamento de pedidos administra-
tivos de contribuintes.

Considerando essa situação difícil o uso de tecnologia que automatize processos, auxilie
na decisão, promova classificação de dados, minere dados ocultos de possibilidade
de fraudes, atividades suspeitas e outras formas de detecção de anomalias, permita
modelagem e parametrização da massa de dados informados pelos contribuintes
aparecem como um auxílio inestimável à administração tributária.

A Receita Federal do Brasil procedeu a uma verdadeira revolução com a instituição do


Sistema Público de Escrituração Digital (SPED)17, com base nas premissas de padro-
nização, digitalização e compartilhamento das informações contábeis e fiscais.

Os resultados positivos para as administrações tributárias têm se demonstrado sur-


preendentes, com a redução, racionalização e uniformização das obrigações acessórias,
celeridade na detecção e combate à fraudes fiscais, mediante o amplo cruzamento de
dados.

As vantagens para os contribuintes são igualmente relevantes, tais como a redução dos
custos de cumprimento de obrigações acessórias, eliminação de papel e locais para o
seu adequado armazenamento, facilitação no controle e simplificação no cumprimen-
to dos deveres formais, rapidez no acesso às informações. Os contadores são igual-
mente beneficiados como as vantagens do novo sistema, como aumento de produtivi-
dade, troca de informações entre contribuintes, entre tantos outros casos de benefícios.

17 Decreto nº 6.022, de 22 de Janeiro de 2007.


24
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O número e a qualidade dos documentos contábeis digitais aumentou de modo drásti-


co e positivo, onde podemos destacar: Central de Balanços, Conhecimento de Trans-
porte Eletrônico (CT-e); Escrituração Contábil Digital (ECD); Escrituração Fiscal Digital
(EFD); Escrituração Fiscal Digital (EFD) de Contribuições, de ICMS IPI; de operações
financeiras (e-Financeira); de obrigações sociais do empregador (eSocial), Manifesto
Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e); Nota Fiscal eletrônica e Nota Fiscal
eletrônica ao Consumidor, Nota Fiscal eletrônica de Serviços, entre outros casos.

A breve descrição dos múltiplos documentos fiscais eletrônicos hoje utilizados no Bra-
sil já demonstra a robustez do processo de transformação das administrações fiscais
em um patamar e em uma velocidade impressionantes. Trata-se de um movimento
inexorável e muito bem-visto pelo Fisco e mesmo pelo contribuinte. O volume gigante
de dados que são criados a cada dia permite um manancial de informações muito
preciosas, que poderão orientar a inteligência fiscal artificial dos governos e dos con-
tribuintes.

A possibilidade de cruzamento de informações oriundas dos mais diversos documentos


fiscais eletrônicos, somada a vasta e cada vez maior base de dados eletrônicos. Alguns
exemplos de cruzamentos seriam a pesquisa de empresas com um sócio apenas ou em
decorrência de sócio falecido; empresas “noteiras”, com faturamento advindo de uma
empresa apenas; uso de deduções de despesas médicas duvidosas; empresas com uso de
CNAE equivocado; cotejo entre CPF e CNPJs, entre tantas as outras possibilidades.

A possibilidade de análise preditiva de dados da receita já era uma realidade prevista


e tende a se tornar ainda mais relevante. Antigamente falava-se no cruzamento de
milhões de dados, hoje certamente podemos mencionar a casa dos bilhões de eventos
registrados. As possibilidades positivas no âmbito da auditoria são indescritíveis, bem
como para o planejamento dos negócios, possibilitando a determinação de possíveis
correlações e resultados esperados, com base em uma relação de causalidade esperada.

Todos os mecanismos de inteligência artificial anteriormente descritos, podem ser uti-


lizados de modo muito adequado ao modelo de predição, tal como: A análise preditiva
é usada para examinar grandes quantidades de árvores de decisão, regressão linear,
redes neurais, algoritmos genéticos, text mining (para os arquivos de XML em Notas
Fiscais eletrônicas), entre outras.

O uso de inteligência artificial fiscal pode ser útil igualmente para as recomendações
na esfera da administração tributária. O próprio fisco pode receber sugestões inteligen-
tes de normatizações, de novas políticas fiscais e de como proceder com o tratamento
para setores específicos.

Por sua vez, o uso de decisões inteligentes e automatizadas é algo que exige uma atenção
redobrada e muito cuidadosa. Seria possível substituir as decisões de agentes fiscais por
decisões de máquinas? Haveria violação aos direitos fundamentais do Contribuinte,
caso ocorresse a negativa de crédito, lançamento ou imputação de infração fiscal, por
meio de um algoritmo fiscal?

25
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5. O PROBLEMA DO PERFILAMENTO
DOS CONTRIBUINTES
O uso de sistemas de aprendizado de máquina é uma realidade e uma grande
promessa no setor fiscal. Existem já experiências positivas e consolidadas
no Brasil e no exterior, e o seu catálogo de exemplos certamente seria nu-
meroso. Para evitar uma descrição enfadonha, apresentar-se-ão alguns casos
emblemáticos. O primeiro oriundo do direito estrangeiro e o segundo na
experiência nacional.

O tribunal holandês decidiu um caso que pode se tornar comum e é certa-


mente emblemático. O governo havia criado um sistema para combater a
fraude no campo dos benefícios, subsídios e impostos, denominado de In-
dicação de Risco do Sistema (SyRI). Ele era utilizado para detecção por in-
teligência artificial de casos de fraudes. O tribunal holandês entendeu que
nesse caso a lei que criou o sistema n não cumpre o artigo 8 da Convenção
Europeia sobre Direitos Humanos (CEDH).

A questão em análise estava vinculada ao “equilíbrio justo” entre o interesse


social servido pela legislação e a invasão na vida privada. Entendeu o Tribunal
que a Holanda tem uma responsabilidade especial ao aplicar novas tecno-
logias, com base artigo 8 da CEDH. De toda forma há a necessidade de se
equilibrar os benefícios do uso dessas tecnologias contra a interferência que
tal uso pode causar com o direito ao respeito pela vida privada.

O Tribunal entendeu que o sistema de prevenção e o combate à fraude no


interesse do bem-estar econômico viola as regras de proteção da vida privada
que a legislação representa. Outro argumento trazido para a corte e que ori-
entou a decisão é de que a legislação é insuficientemente transparente e veri-
ficável no que diz respeito ao uso do SyRI.

A decisão demonstrou de modo inequívoco o uso de sistemas de aprendizado


de máquina podem provocar danos aos direitos fundamentais e exigem cui-
dado, atenção e regulamentação.

O Brasil utiliza de modo consistente o uso de aprendizado de máquina no


sistema O Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizado de Máquina (Sisam).
O mecanismo permite à Receita Federal do Brasil (RFB) a analisar, processar
e investigar os despachos aduaneiros de importação (DIs) com o propósito de
se averiguar o cumprimento das exigências legais de cumprimento das regras
aduaneiras.

26
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Conforme descrição, o mecanismo de aprendizado de máquina do Sisam é


automático e nenhuma regra de seleção ou regra de estimativa de risco precisa
ser criada por pessoas, conforme descrição da metodologia do sistema. Dessa
forma, o sistema não regre o preenchimento ou a alimentação de orientações
de aprendizagens pelo sistema. Este aprende conforme o estoque de retifi-
cações das que se baseia nas retificações das DIs. As vantagens inerentes ao
sistema se relacionam com a diminuição dos custos de conformidade, treina-
mento e uniformização das decisões18.

O SISAM é considerado o primeiro sistema de inteligência artificial baseado


em aprendizado de máquina com uso generalizado na RFB. Estando dis-
ponível de modo online em todas as unidades aduaneira da RFB e atinge
a totalidade das declarações de importações nacionais. Pode-se afirmar que
é a primeira e mais extensiva experiência de utilização de IA no setor fis-
cal nacional. Sua aplicação possui como base milhões dados decorrentes de
DIs acumuladas desde 1997. O sistema pode comparar tanto da DI original
quanto a Declarada, de tal modo que pode testar os erros corrigidos e reti-
ficados de uma para a outra de modo muito seguro e estabelecer um padrão
de raciocínio, capaz de prever futuros erros19. O Sisam foi treinado em dados
decorrentes de 5.509.000 DIs, das quais 88% foram desembaraçadas em ca-
nal verde.

Um dos grandes desafios dessa imensa base de dados está na criação de perfis
dos contribuintes com base na imensa base de dados fiscais do contribuinte
(fiscal data). Tal situação que foge ao controle do contribuinte e sem a devida
transparência é um dos grandes desafios de nosso tempo.

Existem diversas técnicas de processamento de dados, tais como o Data


Warehouse, o Data Mining, o Online Analytical Processing (OLAP), o Scoring
e o Big Data, o Profiling 20. Essas técnicas podem ser, inclusive, utilizadas em
conjunto e possuem em comum a preocupação da substituição de uma pessoa
por uma representação virtual (MENDE. O conjunto de dados do contribu-
inte, processados conforme técnicas de aprendizado de máquina permitirão

18 JAMBEIRO FILHO, JORGE EDUARDO DE SCHOUCAIR. Inteligência Artificial No Sistema de


Seleção Aduaneira Por Aprendizado de Máquina. BRASIL: Secretaria da Receita Federal do Brasil – 14º
Prêmio RFB – 2015. Disponível em https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4622/1/1%C2%BA%20
lugar%20do%2014%C2%BA%20Premio%20RFB.pdf, acesso dia 19.06.2022.
19 JAMBEIRO FILHO, JORGE EDUARDO DE SCHOUCAIR. Inteligência Artificial No Sistema de
Seleção Aduaneira Por Aprendizado de Máquina. BRASIL: Secretaria da Receita Federal do Brasil – 14º
Prêmio RFB – 2015, p. 24. Disponível em https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4622/1/1%C2%-
BA%20lugar%20do%2014%C2%BA%20Premio%20RFB.pdf, acesso dia 19.06.2022.
20 MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um
novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. Série IDP – Linha de Pesquisa Acadêmica. Vital Source
Bookshelf Online.
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a formulação precisa das preferências individuais do contribuinte e de suas


possíveis escolhas21.

O estabelecimento de perfilhamento de contribuintes exige controle, trans-


parência, informação ao contribuinte e regras de revisão e responsabilização
pelo seu uso irregular.

Em sentido diverso encontramos a regulação britânica de proteção de da-


dos, que determina que existem duas exceções à legislação de proteção de
dados. De um lado, quando se está prevenindo a detecção de um crime (the
prevention and detection of crime) e na fiscalização de tributos (the assessment
or collection of a tax or duty or an imposition of a similar nature). Nesses dois
casos não há a necessidade do titular dos dados ser informado (the right to be
informed) e da notificação da quebra ou uso de dados (notifying individuals
of personal data breaches). Contudo, mantém-se o direito de não receber um
decidão automatizada (automated individual decision-making), nem permite
o perfilhamento (profiling)22 .

O uso de mecanismos de aprendizado de máquina com modelos não super-


visionados, foram mapeados pela OCDE em diversos casos, dentre os quais
se destacam a caso australiano de identificação de deduções incorretas no
imposto sobre a renda; o sistema irlandês de identificação de declarações er-
rôneas da renda; o sistema sueco de verificação das declarações de renda,
entre outros23.

Existem diversas questões sobre o entendimento dos dados fiscais como sen-
do dados pessoais protegidos; sobre o equilíbrio entre o interesse público e o
interesse pessoal na proteção de dados. Mas de modo geral é necessário de
avançar na proteção dos direitos fundamentais do contribuinte no século da
informação.

Tem sido defendido quatro pilares da proteção aos direitos do contribuinte


na proteção de seus dados fiscais, de modo bastante prudente24. Seriam eles:
existência de base legal para o seu uso (need for a legal basis), existência de
21 SANTIAGO, Marcus Firmino et LUPI, Andre Lipp Pinto Basto. Transformações Na Ordem Social E
Econômica e Regulação. XXVII Congresso Nacional do Conpedi Porto Alegre -RS. Disponível em https://
www.academia.edu/49128296/A_RECONSTRU%C3%87AO_DA_TORRE_DE_BABEL _PELOS_
CONTRUTORES_DA_GOVERNAN%C3%87A. Acesso 24.06.2022.
22 Data Protection Act 2018 (the exemption) - Schedule 2, Part 1, Paragraph 2. Disponível em https://www.
legislation.gov.uk/ukpga/2018/12/schedule/2/enacted, acesso dia 24.06.2022.
23 OECD. Advanced Analytics for Better Tax Administration. Organisation for Economic Co-operation
and Development, 2016. Disponível em https://www.oecd.org/publications/advanced-analytics-for-bet-
ter-tax-administration-9789264256453-en.htm. Acesso em 26.06.2022.
24 WÖHRER, Victoria. Data Protection and Taxpayers’ Rights: Challenges Created by Automatic Ex-
change of Information. European and International Tax Law and Policy Series n. 10. Amsterdam: IBFD,
2018.
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propósito legítimo (need for a legitimate purpose), proporcionalidade na sua


utilização (need for a proportionality assessment) e respeito ao devido processo
(rocedural rights).

Assim, se uma investigação estiver em curso e determinado contribuinte


desejar informações, não haveria a necessidade do fisco informar os detalhes,
se tal conduta conduzisse ao fracasso da investigação.

Indubitavelmente, contudo, se traduz em um grande desafio fiscal e político,


dado que o seu uso por um governo malicioso pode implicar em grave ofensa
aos ditames constitucionais e sociais.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso crescente e inexorável de sistemas inteligentes no âmbito da fiscalização
tem ampliado a listagem de efeitos positivos para a administração tributária,
incluindo a simplificação e automatização de procedimentos repetitivos; re-
dução de custos e melhora na prestação de serviços públicos; criação de uma
sólida base de dados dos contribuintes e outras informações fiscais.

Torna-se imprescindível combinar a proteção dos direitos fundamentais do


contribuinte, quanto ao uso de seus dados fiscais, de modo constitucional,
proporcional e justificado; com a realização do interesse público.

Por outro lado, são fortes as preocupações sobre as possíveis violações aos
direitos fundamentais dos contribuintes. O uso de dados pessoais para a con-
strução de perfis dos pagadores de tributos, predição de comportamentos,
cruzamento massivo de informações sem conhecimento dos detentores dos
dados pessoais, ausência de transparência sobre os algoritmos e sua utilização
pela administração fiscal, são apenas alguns dos grandes desafios na proteção
dos contribuintes no século XXI.

Um dos graves dilemas é como tratar o uso de IA generativa como meio


de aprimorar o contato com o contribuinte, a eficiência da administração
tributária e a realização de políticas públicas, sem a violação de direitos fun-
damentais.

29
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31
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OS IMPACTOS DO JULGAMENTO
DO STF SOBRE SOFTWARE NA
TRIBUTAÇÃO FEDERAL
Jussandra Hickmann Andraschko25
Lucas Armani Tomazi26

1. INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva demonstrar que a longa discussão sobre a tributação
de softwares padronizados (ou “de prateleira”), referente ao ICMS e ao ISS, em
seu estado atual, impacta muito mais do que a incidência ou não dos tributos
estadual e municipal, tendo reflexos importantes na tributação federal; e, em
termos econômicos, majorou a carga tributária federal sobre tais operações,
impactando no planejamento das empresas.

A partir de uma análise do histórico da jurisprudência do STF sobre a compe-


tência para tributar os softwares padronizados, demonstraremos a evolução de
sua subsunção aos conceitos de “mercadoria” e “serviço”, ressaltando as dificul-
dades e as peculiaridades de subsunção de fatos tecnológicos novos a conceitos
preexistentes. A partir da análise do julgamento da ADI 5659/MG e da ADI
1945/MG, afirmaremos, então, a subsunção atual e vigente de que o uso e
licenciamento de softwares padronizados, assim como os por encomenda, são
considerados serviços e, portanto, se sujeitam a tributação pelo ISS.

Ao fim, demonstraremos que os impactos de referida definição são maiores


que a discussão circunscrita nos conflitos de competência de ICMS e ISS,
refletindo diretamente no impacto tributário das empresas que possuem como
objeto a venda e a concessão de licenciamento de uso de software padronizado;
e que o entendimento da Receita Federal acerca da incidência tributária sobre
essas operações, embora acerte em determinados pontos, erra fortemente em
outros.

25 Advogada Tributarista; Especialista em Direito Tributário pelo IBET e em LLM em Trib-


utação da Empresa e dos Negócios pela Unisinos; Vice-presidente da Comissão Especial de
Direito Tributário da OAB-RS.
26 Advogado Tributarista, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do
32 Sul.
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2. HISTÓRICO DE TRIBUTAÇÃO DOS SOFTWARES


PADRONIZADOS: DO ICMS AO ISS

A relação de considerar a venda e/ou o licenciamento de uso de softwares


“de prateleira” como mercadoria, para fins de tributação de ICMS, ou como
serviço, para fins de tributação do ISS, tem longa história na jurisprudência
do STF.

No início das discussões, entendia o STF, desde o RE n. 176.626/SP27, de


1998, que aqueles softwares “gravados em suporte físico e comercializados
no varejo (softwares de prateleira)” sujeitavam-se a tributação pelo ICMS,
ao contrário daquele customizado – confeccionados para o cliente –, porque,
para aquele STF, o ICMS tinha como pressuposto a existência de mercado-
ria “tangível”. Ou seja, pela existência de corpus mechanicum – isso é, corpo
físico; o CD ou o DVD vendido em prateleira contendo o software – seria
possível verificar o fato gerador do ICMS, uma vez que se tratava de uma
operação mercantil com circulação de mercadoria.

A definição da incidência do tributo em razão de sua existência por meio


físico foi posta a prova a partir da crescente realização de compra de softwares
padronizados – diferentes dos softwares customizados – através de download
pela internet. Foi através do julgamento da medida cautelar na ADI n. 1945/
MT28, que o STF passou a considerar que a incidência do ICMS poderia
alcançar a transferência eletrônica de dados, conceito que incluiria o download
via internet. O caso marcou a evolução na conceituação de “circulação” e
“mercadoria”, ou como colocou o então Ministro Cezar Peluso: “em vez de
comprar um CD e instalar na máquina; entra na internet, compra e transfere
diretamente para a máquina. Em ambos os casos, a operação mercantil está
caracterizada”.

As discussões eram marcadas pela definição do software padronizado, em


contraposição ao software por encomenda. O fato de serem padronizados,
transferidos e caracterizados, conforme ampla jurisprudência do STF, como
“obrigação de dar”, passível de incidência do ICMS; em contrapartida, por
serem encomendados, particulares, e caracterizados como “obrigação de
fazer”, os softwares por encomenda se sujeitam à incidência do ISS.

27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário. Recurso Extraordinário n. 176.626/SP, DJe


em 11/12/1998
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucional-
idade n. 1945/MT, DJe 02/06/2010 33
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A dicotomia entre “obrigação de dar” e “obrigação de fazer”29 continuou sendo o


parâmetro principal para definição de incidência ou não do ISS – entendendo o
STF, há décadas, que o conceito constitucional de serviço tem, como parâmetro
principal de definição, a caracterização como “obrigação de fazer”. E, embora em
2021 a tributação dos softwares padronizados tenha mudado, a conceituação de
“serviço” ainda não.

Em questões de competência sobre o ISS e o ICMS, o STF tem utilizado da sis-


temática objetiva para definir se determinado serviço pertence a esfera de um ou
de outro. Visto que que ambas as competências para tributar contém “serviços”, e
em razão da letra do art. 156, II, da Constituição Federal (“serviços de qualquer
natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”), se de-
terminado fato gerador está previsto em lei complementar como objeto de incidên-
cia do ISS, essa incidência será constitucional – ainda que o serviço seja complexo
e contenha entrega de bens. Isso é: a sistemática objetiva para solver conflitos de
competência entre o ISS e o ICMS sobre serviços é a existência ou não de previsão
em lei complementar do fato gerador objeto como serviço tributado pelo imposto
municipal30.

Essa solução para conflito de competência, contudo, tem como pressuposto que o
fato gerador analisado já seja considerado, de pronto, serviço. Por tal motivo, se o
fato gerador não se classifica como “serviço” (como era o caso, até 2021, do software
padronizado), a previsão de sua incidência na LC 116/03lei é inconstitucional, pois
fere a esfera de competência prevista no art. 156, II, da Constituição Federal. Por
isso, portanto, a importância da classificação dos tipos de software no conceito até
então definido como “obrigação de dar” e “obrigação de fazer”.

A partir do julgamento da ADI 5659/MG31 e da ADI 1945/MG32, o STF passou a


entender ser devido o ISS sobre o licenciamento de uso de softwares padronizados,
ao analisar a previsão disposta no item 1.05 da lista anexa à LC n. 116/03, que

29 O critério de diferenciação também era forte na Doutrina, como coloca Paulo de Barros
Carvalho: “É forçoso que a atividade realizada pelo prestador apresente-se sob a forma de
‘obrigação de fazer’. Eis aí outro elemento caracterizador da prestação de serviços. Só será pos-
sível a incidência do ISS se houver negócio jurídico mediante o qual uma das partes se obrigue
a praticar certa atividade, de natureza física ou intelectual, recebendo em troca, remuneração”.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3. ed. São Paulo:
Noeses, 2009, 794-795.
30 Nos termos do julgamento ADI 5659/MG e da ADI 1945/MG.

31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5659/MG,


DJe 20/05/2021
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1945/MT,
34 DJe 19/05/2021
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prevê como fato gerador do ISS o “licenciamento ou cessão de direito de uso de


programas de computação”, sem distinção entre aqueles sob encomenda e aqueles
padronizados.

Nas motivações da Corte, foi por entender que, independente da padronização


ou não do produto, é “imprescindível a existência de esforço humano direcionado
para a construção de um programa de computador (obrigação de fazer)”, inclusive
sendo objeto de contrato de licença na legislação brasileira, nos termos da Lei n.
9.609/98. Assim, por ser “produto do engenho humano”, conter serviços adicionais
caracterizados como obrigação de fazer – como help desk e disponibilização de
manuais –, e ter sido exercida a opção do legislador complementar ao adicioná-
lo à LC n. 116/03 – sem ultrapassar o conceito constitucional do art. 156, II, da
Constituição, o STF fixou o novo entendimento pela incidência do ISS sobre o
licenciamento do uso de software, independente da sua forma de confecção.

A análise do caso revela que, embora a ementa dos acórdãos suscite que a Corte tem
“superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar”, o esforço
argumentativo despendido para que se entendesse pela mudança de tributação dos
softwares padronizados do ICMS ao ISS foi a de encaixe no conceito de serviço
como “obrigação de fazer”. Por ter identificado tal obrigação em momentos
anteriores a compra (confecção do programa) e posteriores (help desk e manuais), o
STF confirmou seu entendimento.

3. A DEFINIÇÃO DE SERVIÇO E
OS IMPACTOS NA TRIBUTAÇÃO FEDERAL

3.1. O IRPJ e a CSLL


A definição do significado de determinado termo utilizado pela Constituição
quando da repartição de competências tributárias não significa a automática
tributação de todos os fatos a que possam ser subsumidos a ele. O poder de
tributar é faculdade, e precisa da ação legislativa ativa para que possa ser
efetuado33. Por esse motivo que, enquanto o STF tenha conceituado o termo

33 Como coloca Humberto Ávila: “[...] as regras de competência caracterizam-se como regras
que instituem uma faculdade, isto é, uma autorização para que determinada autoridade (ente
federado) exercer determinado poder ou competência (instituir tributo) por meio de determi-
nado procedimento (procedimento legislativo), que culmina com a prática de determinado ato
normativo (promulgação) e a edição de determinada fonte normativa (lei ordinária).”. ÁVILA,
Humberto. Competências Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 22. 35
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“serviço” na ADI 5659/MG e na ADI 1945/MG, o fez como objeto a análise


da constitucionalidade do item 1.05 da Lista Anexa da LC 116/03. Em outras
palavras: ao conceituar o termo “serviço”, verificou o acerto do legislador
infraconstitucional em subsumir o fato gerador de licenciamento e cessão de
uso de softwares padronizados a tal conceito.

O exemplo do caso analisado no presente artigo demonstra a complexa


relação hierárquica entre os conceitos delimitados pela Constituição e o seu
uso na esfera infraconstitucional.

Se a Constituição, ao ser promulgada, escolheu utilizar determinados termos


para delimitar os poderes dos entes federados, o fez de forma a incorporar o
significado comum desses termos e elevá-los a forma constitucional. Con-
forme ensina Humberto Ávila:

É por essa razão que a constituição, quando emprega um termo (pa-


lavra ou expressão) dotado de significado comum (ordinário ou téc-
nico) sem o modificar por meio de uma definição estipulativa nem
o precisar por meio de uma redefinição, termina por incorporar o
significado comum (ordinário ou técnico) que apresentava o termo
ao tempo em que foi promulgada.34

Elevá-los a forma constitucional tem, como consequência, dois fatores prin-


cipais: a um, qualquer alteração do seu significado deve ser feita a partir dos
meios disponíveis pela Constituição – isso é, deve ser alterado e especificada
tal alteração nos meios de mudança da própria Constituição35; e a dois, que o
conceito incorporado pela Constituição não pode ser alterado pelo legislador
infraconstitucional, em razão da rigidez daquela 36.

O uso do conceito e todas as suas consequências de subsunção, contudo, não


estão limitados a esfera específica do poder de tributar a qual ele é analisado.
Veja-se o caso do termo “serviço”, que tratamos no presente trabalho: em
matéria tributária, o emprego pela Constituição do termo aparece na
delimitação de competência do ISS e do ICMS. Ambos podem tributar
serviço e, como analisado pelo STF, conflitos de competência entre os dois
tributos são usualmente resolvidos de forma objetiva, analisando a existência
ou não de previsão em legislação complementar de tributação do fato gerador
pelo tributo municipal.

34 Ibidem, p. 50

35 Ibidem, p. 54

36 Ibidem, p. 53
36
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Ocorre que outra esfera de competência resolveu utilizar-se do termo “serviço”


para a atribuição de diferentes tratamentos tributários: a Federal.

Na tributação federal, em especial, ao que importa esse trabalho em um


primeiro momento, na atribuição de competência para instituir e cobrar
o imposto sobre renda – o IRPJ (art. 153, III, da CF/88) – e contribuição
social sobre o lucro – a CSLL (art. 195, I, ‘c’ da CF/88), o legislador
infraconstitucional definiu os critérios para apuração da base de cálculo do
imposto sobre a renda entre lucro real, arbitrado ou presumido (art. 1º da Lei
9.430/97), estabelecendo como obrigatória a apuração pelo lucro real quando
tiver auferido receita bruta superior a R$78.000.000,00 (setenta e oito
milhões de reais), ou, ainda, nas hipóteses de atividades ou particularidades
descritas expressamente conforme o art. 14 da Lei 9.718/9837.

Em síntese, a apuração pelo Lucro Real requer a determinação, por cálculo


e de responsabilidade do contribuinte, do efetivo “lucro” obtido pela Em-
presa. Para empresas que prestem serviços em geral, é forma de apuração
obrigatória para aquelas que tiverem auferido receita bruta anual superior a
R$ 78.000.000,00. A partir da determinação do que foi efetivamente obtido
como “lucro” – isso é, com toda a dedução legal possível –, o valor real será
tributado – o que significa que, se a empresa não obteve qualquer forma de
lucro, não recolherá os tributos.

A apuração pelo lucro arbitrado, que não interessa ao nosso estudo, é geral-
mente adotada pelo Fisco, quando não é possível definir o desempenho finan-
ceiro da empresa, seja por motivo de fraudes ou até mesmo fatalidades. Caso
se torne impossível apurar o Lucro, cabe ao Fisco, ou até mesmo à própria
empresa, fazer uso do arbitramento.

Já para aquelas empresas que tenham apurado receita bruta inferior ao limite
mínimo para a obrigatoriedade de apuração do Lucro Real, tem-se a opor-
tunidade de apuração pelo Lucro Presumido38. Neste caso, por opção do
contribuinte que atende aos requisitos legais, a incidência do IRPJ e da CSLL
se dá sobre um montante presumido da receita bruta, que se denomina de
lucro presumido. A base de cálculo é calculada aplicando-se à receita bruta

37 Nos termos do art. 14, I, da Lei 9.718/98. Há, nos demais incisos do mesmo artigo,
a obrigatoriedade do lucro real para contribuintes que tenham como objeto a prática de
atividades específicas, mas que, para o caso do artigo, não se enquadram.
38 Nos termos do art. 13, caput, da Lei n. 9.718/98. 37
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anual coeficientes legalmente definidos (Art. 15, Lei n. 9.249/95)39, que vari-
am conforme a atividade da empresa.

. Assim, sobre a receita bruta, aplicar-se-á um percentual específico para que


seja presumido o “lucro”, e como alhures referido, a determinação da alíquota
que incidirá sobre a receita da empresa para definição do quantum debeatur,
depende da atividade exercida pelo contribuinte.

Para os fins do presente trabalho, dois percentuais dessa forma de apuração


são os mais importantes: 8 e 32% para a apuração do lucro presumido sobre
o qual incidirá o IRPJ, e 12 e 32%, que são os coeficientes aplicados para
presumir o lucro sobre o qual irá incidir a alíquota da CSLL. Nos termos da
Lei n. 9.249/95, a regra geral (isso é, a regra para as atividades que não estão
especificadas em outros percentuais), o contribuinte optante pelo lucro pre-
sumido deve considerar para apuração de sua base de cálculo os percentuais
de 8% de IRPJ e de 12% de CSLL sobre a receita bruta. Subsomem-se a regra
geral as empresas cuja atividade é a venda de mercadorias40. Já para empresas
que atuam na “prestação de serviços em geral”, o percentual a ser aplicado
para a presunção do lucro é de 32%, tanto para IRPJ quanto para CSLL 41.

39 Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percen-
tual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12
do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos
descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981,
de 20 de janeiro de 1995.
§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:
I - um inteiro e seis décimos por cento, para a atividade de revenda, para consumo, de combustível derivado
de petróleo, álcool etílico carburante e gás natural;
II - dezesseis por cento:
a) para a atividade de prestação de serviços de transporte, exceto o de carga, para o qual se aplicará o percen-
tual previsto no caput deste artigo;
b) para as pessoas jurídicas a que se refere o inciso III do art. 36 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995,
observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 da referida Lei;
III - trinta e dois por cento, para as atividades de:
a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e tera-
pia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e pat-
ologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária
e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa;
IV - 38,4% (trinta e oito inteiros e quatro décimos por cento), para as atividades de operação de empréstimo,
de financiamento e de desconto de títulos de crédito realizadas por Empresa Simples de Crédito (ESC).
§ 2º No caso de atividades diversificadas será aplicado o percentual correspondente a cada atividade.
40 Essa é a conclusão pela leitura da legislação, uma vez que a atividade de venda de mercadorias não se
enquadra em qualquer outra atividade prevista no resto dos artigos 15 e 20 da Lei 9.249/95.
41 Previstos, respectivamente, nos incisos II, ‘a’, e III do art. 15 da Lei 9.249/95.
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Como visto no tópico anterior, a tributação dos softwares padronizados teve


um histórico atípico e repleto de mudanças, com discussões que envolviam
principalmente o conflito de competência para cobrança do ISS e do ICMS.
No centro dessas discussões, foi palco tanto o próprio conceito matriz de tais
tributos (mercadoria e serviço) como a subsunção dos softwares padronizados
a tais conceitos.

Se desde 1998 a produção, venda e licenciamento de softwares padronizados


era considerado “circulação de mercadoria”, desde 2020 a atividade é
considerada serviço. Isso significa, então, que as empresas que possuem
como objeto a produção, venda e licenciamento de softwares padronizados
e apuram o IRPJ e a CSLL pelo lucro presumido sofreram a majoração da
base imponível, uma vez que os coeficientes incidentes sobre a receita bruta
deixaram de ser de 8 e 12%, e passaram a ser de 32% respectivamente; ou,
pelo menos, é a conclusão pela leitura da legislação federal.

Coaduna a essa interpretação (como não poderia ser de outra forma) a Re-
ceita Federal do Brasil. Desde a Solução de Consulta COSIT n. 123/201442,
a interpretação da Receita seguia o exemplo do STF, afirmando, nos termos
do documento, que “a venda (desenvolvimento e edição) de softwares prontos
para o uso (standard ou de prateleira) classifica-se como venda de mercadoria”
e, portanto, merecia a tributação de IRPJ pela alíquota de 8% e a da CSLL
pela alíquota de 12%.

Contudo, desde o julgamento da ADI 5659/MG e da ADI 1945/MG, e mais


especificamente através da Solução de Consulta COSIT n. 36/202343, a in-
terpretação da Receita (que segue ainda a interpretação dada pelo STF), é a de
que para as atividades de licenciamento ou cessão do uso de softwares padro-
nizados ou customizados a alíquota de IRPJ, assim como a de CSLL, é de 32%.

A razão principal para o entendimento da receita está em seguir a orientação


do STF. Como coloca a própria Solução de Consulta COSIT n. 123/2014, o
motivo para que empresas que possuem como atividade a venda de softwares
padronizados pudessem considerar a alíquota geral para apuração da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL era que o entendimento estaria “em consonância

42 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?idA-


to=53204&visao=anotado. Acesso em 23/02/2024
43 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idA-
to=128952. Acesso em 23/02/2024. 39
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com a jurisprudência dos tribunais superiores”. Tendo sido superado o fun-


damento para a Solução de 2014, e continuando a ser observada a orientação
dos “tribunais superiores, a Solução de Consulta COSIT n. 36/2013 apenas
se adequou ao cenário atual.

Com esse contexto, surge a dúvida se poderia um termo pensado em razão da


controvérsia de um tributo (no caso, a conflito de competência entre ICMS e
ISS) poderia ser estendido a outro tributo (no caso, IRPJ e CSLL). A resposta
é, à visão deste trabalho, positiva.

Para que se possa responder, basta notar que o uso da tributação diferenciada
para “serviços em geral” foi opção do legislador dentro de sua esfera de com-
petência federal atribuída pela Constituição. Poderia o legislador ter utilizado
outros critérios – quaisquer que sejam – para atribuir diferentes formas de
tributação de IRPJ e de CSLL; todavia, o fez, no que tange ao presente caso,
considerando que aqueles que prestam “serviços em geral” mereceriam uma
tributação maior, e o fez considerando a esfera tributária geral incidente sobre
“serviços em geral”.

Não se trata de conceito diferente utilizado especificamente em matéria


tributária federal, mas de respeito do conceito constitucional pelo legislador
infraconstitucional. A tributação de IRPJ e CSLL que se altera para as em-
presas que licenciam o uso de software padronizados é consequência – como
coloca a própria receita. A tributação majorada para empresas que tem como
atividade “serviços em geral” já considerava que tais contribuintes possuem
tributação diferenciada em outras esferas – como a própria incidência de ISS.
Se isso, a partir de 2020, é verdade também para aquelas que licenciam o uso
de softwares padronizados, o entendimento proferido na Solução de Consulta
COSIT n. 36/2023 apenas as coloca em paridade com outras prestadoras de
serviço.

Entretanto, embora a Receita acerte quanto à tributação do IRPJ e da CSLL


dessas operações, ela erra quando considera os demais tributos supostamente
afetados.

40
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3.2. O IRRF, A CIDE E O PIS-IMPORTAÇÃO


E A COFINS-IMPORTAÇÃO
O uso do conceito de “serviço” ganha mais um entorno na esfera tributária federal
quando a receita proveniente da prestação da atividade de uma empresa é remetida
ao exterior.

Na busca por uma relação tributária mais equânime com outros países, e buscan-
do manter o capital estrangeiro investido no país, o Brasil realiza diversos tratados
com outros países buscando evitar a bitributação (em especial do Imposto de Renda)
quando a empresa envia os lucros para a sua matriz no exterior. Tais tratados são, em
sua maioria, fundados no modelo de convenção da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (a “OCDE”).

No modelo geral desses tratados, em seu artigo 7 é definido que o “lucro” das empresas
residentes nos Estados Contratantes deverão ser tributados apenas no Estado em que
situada sua matriz, o que, por sua vez, evita a dupla tributação do lucro por dois países
diferentes. Veja-se, a título de exemplo, o artigo 7 do Tratado contra a bitributação
Brasil-México44:

ARTIGO 7

Lucros das Empresas


1. Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis
nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado
Contratante por intermédio de um estabelecimento permanente aí situado.
Se a empresa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros podem
ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem
atribuíveis a esse estabelecimento permanente.
2. Ressalvadas as disposições do parágrafo 3, quando uma empresa de um
Estado Contratante exercer sua atividade empresarial no outro Estado Con-
tratante por intermédio de um estabelecimento permanente aí situado, serão
atribuídos, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento permanente,
os lucros que obteria se tivesse constituído uma empresa distinta e separada,
que exercesse atividades idênticas ou similares, em condições idênticas ou
similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é um
estabelecimento permanente.
3. Para a determinação dos lucros de um estabelecimento permanente, será
permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos
fins desse estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os
encargos gerais de administração assim realizados quer no Estado em que
se situa o estabelecimento permanente, quer alhures. Contudo, não serão
dedutíveis os pagamentos que efetue, no caso, o estabelecimento permanente

44 “Convenção entre os Governos da República Federativa do Brasil e dos Estados Unidos


Mexicanos Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Relação aos
Impostos sobre a Renda, celebrada na Cidade do México, em 25 de setembro de 2003”, prom-
ulgada e internalizada pelo Decreto n. 6000/06. 41
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(que não sejam os efetuados como reembolso de gastos efetivos) ao escritório


central da empresa ou a alguma de suas outras filiais, a título de “royalties”,
honorários ou pagamentos análogos em contrapartida do direito de utilizar
patentes ou outros direitos, a título de comissão, por serviços concretos
prestados ou por gestões realizadas ou, exceto no caso de um banco, a título
de juros sobre empréstimo ao estabelecimento permanente.
4. Nenhum lucro será atribuído a um estabelecimento permanente pelo sim-
ples fato da compra de bens ou mercadorias para a empresa.
5. Quando os lucros compreenderem rendimentos tratados separadamente
em outros Artigos da presente Convenção, as disposições desses Artigos não
serão afetadas pelas disposições do presente Artigo.

Nos termos do item 3 do artigo 7 do Tratado modelo, são excetuados da tributação no


país de matriz da empresa, entre outras verbas, os “royalties”, que devem ser tributados
pelo país onde reside o remetente do lucro. Assim, em regra, pela leitura do artigo, e em
razão do objeto do presente trabalho, a remessa do lucro obtido a partir da prestação
do serviço é tributada como qualquer outra forma de lucro: pelo país de matriz da
empresa.

Seguindo a mesma orientação internacional, o Regulamento do Imposto de Renda


(Decreto n. 9.580/2018) prevê, no artigo 767, que o tributo incidirá na fonte sobre “as
importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas para o exterior a
título de royalties, a qualquer título”45. A determinação legal do que constituiria royal-
ties está prevista, por sua vez, no art. 22, alínea d, da Lei n. 4.506/6446, estando no rol
incluso a “exploração de direitos autorais”.

A partir desse cenário legislativo, após o julgamento ADI 5659/MG e da ADI 1945/
MG, a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta COSIT n. 75/2023
47, entendendo que, apesar do entendimento recente do STF de que o licenciamento e
o uso de softwares padronizados se enquadram no conceito de serviço, deve a atividade
empresarial baseada nisso ser considerada como royalties para fins de tributação pelo
IRPF. Como motivação, embora faça longa exposição do julgamento de 2021 pelo
STF, a Receita enquadra a atividade de licenciamento de software como “exploração
de direitos autorais”.

Após a publicação da Solução n. 75/2023, foi publicada nova Solução de Consulta


COSIT, agora de n. 107/202348. Nela, a Receita Federal ratifica o entendimento pro-

45 Decreto n. 9.580/ 2018

46 Art. 22. Serão classificados como “royalties” os rendimentos de qualquer espécie decorrentes
do uso, fruição, exploração de direitos, tais como
(...)
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou
obra.
47 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idA-
to=130011. Acesso em 26/02/2023.
48 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idA-
42 to=131161. Acesso em 26/02/2023.
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ferido anteriormente e, ainda, profere entendimento vinculante com duas consequên-


cias importantes: em primeiro lugar, seguindo o entendimento anterior, considerou o
licenciamento e uso de softwares padronizados como royalties para fins de incidência
da CIDE; em segundo lugar, considerou a mesma atividade como serviço para fins de
tributação do PIS e da COFINS importação, a fim de que sejam tributados na remessa
de valores ao exterior.

Quanto ao primeiro ponto, o argumento da Receita foi pela aplicação do §§ 2º e 3º


do art. 2º da Lei n. 10.168/0049, em concomitância com o § 1º-A da mesma Lei, para
concluir que, embora não deva incidir a CIDE sobre a remuneração de licenciamento
ou comercialização de softwares – exceto quando envolver a transferência da tecn-
ologia – (§1º-A), deve incidir em caso de contratação de serviço de manutenção do
software, pelo pagamento configurar royalties (§§ 2º e 3º).

Quanto ao segundo ponto, de forma inovadora aos entendimentos até agora expos-
tos na mesma Solução, entendeu a Receita que, em razão da incidência do ISS nas
operações de licenciamento e uso de software padronizados, a atividade deveria ser
classificada nos termos do art. 3º, II, da Lei n. 10.865/04, que prevê como fato gerador
do PIS-Importação e da COFINS-Importação “o pagamento, o crédito, a entrega, o
emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como con-
traprestação por serviço prestado”; ou seja, por haver o entendimento de que agora a
atividade seria prestação de serviço, a remessa de pagamento ao exterior sobre licencia-
mento e uso de software atrai a incidência das contribuições federais. Diz-se inovador o
entendimento porque na própria Solução referida a Receita cita a Solução de Consulta
COSIT n. 71/2015, em que entendia que não incidiam as contribuições justamente
porque o pagamento era considerado royalties50.
49 Art. 2o Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição
de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente
de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência
de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior. (Vide Decreto nº 6.233, de 2007)
(Vide Medida Provisória nº 510, de 2010)
§ 1o Consideram-se, para fins desta Lei, contratos de transferência de tecnologia os relativos à exploração de
patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica.
§ 1o-A. A contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de
direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a trans-
ferência da correspondente tecnologia.(Incluído pela Lei nº 11.452, de 2007)
§ 2o A partir de 1o de janeiro de 2002, a contribuição de que trata o caput deste artigo passa a ser devida
também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de as-
sistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem
assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a
qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior. (Redação da pela Lei nº 10.332, de
2001)
§ 3o A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada
mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas
no caput e no § 2o deste artigo. (Redação da pela Lei nº 10.332, de 2001)
50 Nos termos da Ementa da Solução de Consulta COSIT n. 71/2015: “O pagamento, o crédito, a entrega,
o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, por simples
licença ou uso de marca, ou seja, sem que haja prestação de serviços vinculada a essa cessão de direitos, não
caracterizam contraprestação por serviço prestado e, portanto, não sofrem a incidência da Contribuição
para o PIS/PASEP-Importação”. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.
action?idAto=63621. Acesso em 26/02/2024. Nos termos da fundamentação da Solução de Consulta COS-
IT n. 107/2013: “Dessa forma, ao serem caracterizadas como royalties, as remessas de valores ao exterior
decorrentes da adesão a contrato de licenciamento de uso de software eram, na ocasião, entendidas apenas
como valores pagos para a simples licença ou uso de marca, com ausência da contraprestação por serviço
prestado, lastreando-se nos termos dispostos na Solução de Consulta Cosit nº 71, de 10 de março de 2015,
publicada no DOU de 4 de março de 2015, que assim dispôs a respeito em sua respectiva ementa, ao analisar
a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep- Importação e da Cofins-Importação sobre a remessa de
valores a residentes ou domiciliados no exterior a título de royalties [...]”.
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Uma análise, mesmo que sumária, das diferentes classificações dadas pela Receita
Federal do Brasil e de como considera o uso do julgamento realizado pelo STF
demonstra uma aplicação desvirtuosa dos conceitos tributários.

Como vimos, o enquadramento das empresas que tem como atividade o licenciamen-
to e o uso de softwares – agora, independente de sua forma de desenvolvimento – na
forma de apuração do Lucro Presumido como “serviços em geral” foi um acerto da
Receita, visto que apenas seguiu o julgado do STF e garantiu um estado de paridade
tributária entre todas as empresas que prestam serviços. O que seguiu, a partir das
Soluções de Consulta COSIT n. 75/2023 e 107/2023, não foi.

Há, no discurso em unidade, considerando todas as manifestações da Receita por tais


Soluções, contradições que apenas demonstram uma vontade de arrecadar, ao invés de
um cuidado com a classificação correta dos fatos geradores à suas hipóteses de incidên-
cia. Vemos, por um lado, que pelo histórico sobre a incidência do PIS-Importação e
do COFINS-Importação, a tributação da remessa de verba do exterior passou de um
momento de não incidência para um de incidência por uma alteração central no que
se considera a referida atividade: antes era royalties (e, portanto, afastava a incidência
dos tributos) e, com o julgamento do STF, passou a ser serviço (o que, portanto, atrai
a incidência).

Tal entendimento, embora em alinhamento com aquele da Solução de Consulta COS-


IT n. 36/2023, segue após um discurso sobre a incidência do IRPF nas remessas ao
exterior e da CIDE em sentido completamente contrário: porque os valores pagos pelo
uso e licenciamento são royalties, então tais tributos devem incidir. Ora, argumentos
contraditórios não fazem direito.

É essencial à aplicação do direito (entendida no conceito contemporâneo de que a norma


é resultado da interpretação, obtida por um discurso normativo), que a reconstrução
das normas siga o postulado da coerência; postulado esse que, entre outros conteúdos
normativos, proíbe que a conclusão por determinado sentido normativo seja realizada
por constatações contraditórias. Isso é, a conclusão de um discurso normativo precisa
ser a consequência lógica de suas motivações – e se as motivações forem contraditórias,
não é possível justificar a conclusão.

Veja-se: a argumentação despendida para que os fatos geradores de uso e licenciamento


de software atraíssem a incidência do IRPF e da CIDE usa como ponto central o en-
quadramento da receita, quando da remessa ao exterior, como royalties. Se fosse trata-
do como serviço (assim como empresas que não tiveram a mesma controvérsia que a
atividade objeto do presente trabalho são classificadas) a tributação não seria aplicada
ao caso. Por outro lado, quando fala sobre PIS-Importação e COFINS-Importação, a
Receita afasta o enquadramento como royalties – apesar de seu histórico – e enquadra
como serviço, atraindo, portanto, a incidência de todos os tributos.

Se há uma consequência lógica na argumentação da Receita – isso é, se a atividade con-


siderada “serviço” tem uma tributação específica quando da remessa da verba ao exte-
rior –, ela não pode ser desvirtuada “caso a caso” a depender da agenda arrecadatória

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do Estado. Classificar uma atividade como “serviço” é aceitar todas as suas conse-
quências, e respeitar o entendimento do STF é imperativo normativo pela própria
administração.

Se houve paridade no tratamento interno, quando enquadrou a atividade de licencia-


mento e uso de software nas alíquotas de “serviços em geral” para presunção do lucro,
no tratamento de remessas ao exterior houve uma tributação excessiva pela classifi-
cação dupla de um mesmo fato gerador como “royalties” e “serviço” – o que, por sua
vez, desrespeita a paridade, já que, em que pese tenha sido considerado como serviço,
a tributação para remessa ao exterior não está em acordo com outros contribuintes
que também tenham atividades enquadradas no mesmo conceito. O enquadramento
como royalties, aí sim, é contrário ao conceito constitucional de “serviço” definido pelo
STF no julgamento da ADI 5659/MG e da ADI 1945/MG; e o é nem pelo legislador
infraconstitucional, mas pela autoridade diretamente responsável pela arrecadação do
tributo.

4. CONCLUSÃO
Relativamente a tributação de tecnologias, analisar a tributação futura requer,
também, um olhar para o passado. Embora “softwares” sejam tecnologias não tão
novas, no quadro jurídico, o seu enquadramento legal não deixou de ser objeto
constante de análise, com superação de precedente pelo próprio STF. O caso
analisado demonstra não só o quão conturbadas podem ser as discussões sobre o
enquadramento de uma tecnologia nos conceitos delimitados nas competências
tributárias pelo judiciário, mas o quanto a complexidade de conteúdos materiais
“novos” gera indeterminação pela aplicação do direito pelo Ente tributante.

Os reflexos da tributação do uso e licenciamento de softwares padronizados,


embora inicialmente acertado pela Receita Federal do Brasil, mostra em seus
entendimentos subsequentes incoerência na interpretação dos conceitos para fins
de aplicação da legislação federal. Isso porque o licenciamento de uso de software
é ora tratado pela Receita Federal como serviço, ora recebe o tratamento de
royalties, causando enorme insegurança jurídica aos contribuintes. A segurança
jurídica, que deveria assegurar a confiabilidade no ordenamento jurídico – que já
se utiliza de conceitos visando um menor grau de indeterminação – é prejudicada
por uma atuação estatal que, ao fim e ao cabo, só tende a gerar mais judicialização.

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REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, 17ª ed., rev. e atual., São Paulo:
Malheiros, 2016.

ÁVILA, Humberto. Competências Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 1945/MT, DJe 02/06/2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade


n. 1945/MT, DJe 19/05/2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade


n. 5659/MG, DJe 20/05/2021.

BRASIL. Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1997. Altera a legislação


do imposto sobre a renda, DOU de 27/12/1977.

BRASIL. Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do im-


posto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre
o lucro líquido, e dá outras providências, DOU de 27/12/1995.

BRASIL. Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996. D spõe sobre a legislação


tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo ad-
ministrativo de consulta e dá outras providências, DOU de 30/12/1996.

BRASIL. Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998. Altera a Legislação


Tributária Federal, DOU de 28/11/1998.

BRASIL. Lei 10.168, de 29 de dezembro de 2000. Altera a Legislação


Tributária Federal, DOU de 30/12/2000.

BRASIL. Lei 10.865, de 30 de abril de 2004. Altera a Legislação Tributária


Federal, DOU de 30/04/2004.

BRASIL. Decreto n. 6000, de 26 de dezembro de 2006. Promulga a Con-


venção entre os Governos da República Federativa do Brasil e dos Estados

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Unidos Mexicanos Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a


Evasão Fiscal em Relação aos Impostos sobre a Renda, celebrada na Cidade
do México, em 25 de setembro de 2003, DOU de 27/12/2006.

BRASIL. Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a


tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a
Renda e Proventos de Qualquer Natureza, DOU de 23/11/2018.

BRASIL. Receita Federal do Braisl. Solução de Consulta COSIT n. 123/2014.


Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.ac-
tion?idAto=53204&visao=anotado. Acesso em 23/02/2024.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta COSIT n. 71/2015.


Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.ac-
tion?idAto=63621. Acesso em 26/02/2024.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta COSIT n. 75/2023.


Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.ac-
tion?idAto=130011. Acesso em 26/02/2023.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta COSIT n. 36/2023.


Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.ac-
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BRASIL. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta COSIT n.


107/2023/ Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consul-
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CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3.


ed. São Paulo: Noeses, 2009.

GUASTINI, Ricardo. Interpretar e argumentar. 1ª reimp. Belo Horizonte:


D’Placido, 2019

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PERSPECTIVAS Tributárias NA ERA


DIGITAL: uma análise crítica sobre a
Tributação Brasileira após a EC/132
TAX PERSPECTIVES IN THE DIGITAL ERA: a
critical analysis of Brazilian Taxation after EC/132
Priscila Anselmini53

1. INTRODUÇÃO

A tributação é o principal meio de financiamento do Estado, podendo ser um im-


portante instrumento para o incentivo à inovação e conhecimento, impulsionando
a economia do país. Dito isso, percebe-se que atualmente tais finalidades não estão
sendo concretizadas de forma eficaz na esfera fiscal, diante da crescente desigual-
dade e de novos entraves ocasionados pelas novas tecnologias.

Por isso, este artigo propõe-se a investigar os reflexos das novas tecnologias ao
sistema tributário nacional diante das propostas de reforma fiscal, especialmente
em face da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, a fim de
verificar se a tributação pode ser um instrumento de redução de desigualdade de
renda e de concretização dos direitos fundamentais ao cidadão, como também um
estímulo à evolução da nova era digital.

De forma geral, o objetivo deste trabalho é analisar os reflexos das novas tecnolo-
gias por meio das propostas no âmbito nacional, em relação à tributação da renda
e dos bens de consumo e serviço, visando adequar estes tributos ao novo contexto
digital. Tal mudança é iminente e permitirá que a tributação se torne um instru-
mento de redução das desigualdades, como também incentive o desenvolvimento
econômico e social da população brasileira.

53 Pós-doutoranda em Direito Tributário pela UFRGS. Doutora em Direito pela UNISINOS,


com período de pesquisa na Facultad de Derecho da Universidad de Sevilla/Espanha; Mes-
tre em Direito Público pela UNISINOS; Especialista em Direito Público pela ESMAFE/RS;
Advogada Tributarista. Membro do Grupo de Pesquisa “Tributação e Economia”, vinculado
à Universidade Federal do Rio Grade do Sul (UFRGS). Currículo lattes: <http://lattes.cnpq.
br/2035142625567909> ORCID: <https://orcid.org/0000-0002-3953-8524>. E-mail: <prisci.
48 anselmini@yahoo.com.br>
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Todavia, tais alterações, mais do que necessárias no atual contexto, deparam-se


com o desafio de sua ampliação em face das avassaladoras mudanças no modo de
vida que os novos tempos trazem. Como é sabido, a sociedade está constantemente
em evolução e o Direito Tributário deve acompanhar essas modificações, a fim de
ser um instrumento efetivo para concretização de direitos.

Por isso, no contexto da nova era econômica, muitos são os questionamentos


quanto à adaptação do ordenamento tributário às novas demandas da sociedade.
Verificar-se-á que o impacto da era digital redesenhou diversas profissões e
serviços, como também diminuiu a distância física entre as nações. Tais impactos
também podem ser perceptíveis no universo tributário, diante da valorização
dos bens intangíveis, da aproximação do processo produtivo ao consumidor, da
relativização da presença física e da transmutação das espécies jurídicas.

Portanto, diante da nova era digital e de seus reflexos, a problemática desta pesqui-
sa explora os reflexos das novas tecnologias para o sistema tributário nacional, prin-
cipalmente no que tange à renda e os bens de consumo e serviço, questionando-se:
no contexto da nova era digital e das novas tecnologias, quais são as mudanças
eficazes para que a tributação possa ser um meio de efetivação dos direitos e re-
dução das desigualdades?

Para tanto, analisar-se-á no primeiro capítulo as principais tecnologias e impactos


ao sistema tributário, para – no capítulo dois – possa adentrar nas propostas fiscais
no âmbito da tributação da renda e – no terceiro capítulo – na tributação dos
bens de consumo e serviços, considerando a recente aprovação da Emenda Con-
stitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
Neste viés, o presente estudo teórico baseou-se em dados documentais e bibli-
ográficos, como as fontes nacionais e estrangeiras, referenciadas no final deste tra-
balho, apoiado no Método hipotético-dedutivo.

Desse modo, a tributação poderia ser um instrumento eficaz na redução da


desigualdade de renda no contexto digital, caso houvesse um financiamento
significativo em inovação e conhecimento e uma redistribuição justa do ônus fiscal.
Para tanto, o sistema tributário nacional deveria se adequar às novas mudanças
digitais e tecnológicas, naturalmente advindas da era digital, seja com a criação de
novos tributos e/ou reformulando a forma de cobrá-los.

Justifica-se, assim, este artigo em razão de sua relevância para o estudo da estrutura
tributária brasileira, bem como à aplicação jurisdicional do Direito frente a era
digital. Isso porque, mediante a arrecadação de tributos e a distribuição do ônus
fiscal, o Estado possui meios para garantir o seu custeio e a redistribuição da renda
entre a população, concretizando o “bem comum”, isto é, a realização dos direitos
constitucionais e fundamentais do cidadão.

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2. OS REFLEXOS NA ESFERA TRIBUTÁRIA


DIANTE DA ERA DIGITAL
Atualmente, as novas tecnologias já estão causando profundas modificações
na forma tradicional de tributar, como também no cotidiano da população.
Ainda, a pandemia provocada pelo Corona vírus (COVID-19) demonstrou a
importância da nova era digital e do uso das novas tecnologias. A pandemia
antecipou essa nova realidade virtual, na qual muitos ainda possuíam seus
receios.

Pesquisadores afirmam que o contexto da pandemia já provocou modifi-


cações, até então não cogitadas pelo cidadão, como: 1) educação online; 2)
a telemedicina, com diagnósticos periódicos básicos à distância, por meio
digital; 3) crescimento do comércio digital, diminuindo as lojas físicas; 4)
empreendimentos sociais se tornam prioridade, em que as empresas buscam
soluções para problemas como educação, saúde, segurança, distribuição de
renda e energia; 5) aumento do trabalho remoto, tornando os grandes edifíci-
os corporativos ociosos; 6) redução de cerca de 50% das viagens a trabalho,
por conta das ferramentas digitais; 7) mercado de trabalho global, inexistindo
diferença em contratar colaboradores locais ou estrangeiros; 8) serviços por
assinatura e virtual, como academia, arte, cinema e entretenimento; 9) au-
mento de investimento em tecnologias pelas empresas; 10) irrupção massiva
da inteligência artificial, tornando a força do trabalho básico reduzida, com
a inteligência artificial realizando operações simples. (THE ECONOMIST,
2021).

Estas 10 (dez) mudanças citadas demonstram o impacto da era digital,


redesenhando diversas profissões e serviços, como também diminuindo a
distância física entre as nações. Tais impactos também podem ser perceptíveis
no universo tributário, diante da valorização dos bens intangíveis, da
aproximação do processo produtivo ao consumidor, da relativização da
presença física e da transmutação das espécies jurídicas.

Quanto à valorização dos bens intangíveis, é cada vez mais comum a uti-
lização de software, branding, marcas e demais produtos de propriedade in-
telectual, que modificam as transações físicas. Tais bens intangíveis permitem
à empresa de tecnologia digital a redução dos custos marginais, por possui
preços irrisórios de armazenamento, transporte e de replicação. (CORREIA

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NETO, 2019, p. 148). Logo, o sistema arrecadatório fiscal tradicional, com


base nas transações físicas, também fica prejudicado.

Nesta senda, a OCDE listou quatro características já perceptíveis na era


digital:

1) a acentuada dependência de intangíveis; (2) o uso maciço de


dados, especialmente os de caráter pessoal dos usuários e consumi-
dores; (3) a frequente adoção de modelos de negócios multilaterais; e
(4) a dificuldade de determinar a jurisdição na qual a criação de valor
ocorre, notadamente em razão da marcante mobilidade dos ativos e
“estabelecimentos” (OECD, 2015, p. 16).

A nova era já está possibilitando a aproximação do consumidor aos produtos,


diminuindo a intermediação de vários negócios. Assim, na era digital, não se
necessita de uma cadeia de produção, mas apenas um compartilhamento de
informações entre cada uma das partes. A praticidade do uso, o baixo custo
e a facilidade e velocidade busca, aquisição e pagamento eletrônicos são van-
tagens importantes, do ponto de vista do consumidor. (OECD, 2015, p. 11).

Outro ponto que merece destaque é a relativização de fronteiras. A econo-


mia do conhecimento e o meio digital já estão permitindo a comunicação
instantânea de qualquer lugar do mundo, com o deslocamento de produ-
tos, mercadorias e serviços. Tais modificações refletem significativamente no
mercado econômico, visto que cerca de 9% das vendas a varejo nos Estados
Unidos já são realizadas por meio eletrônico, e, na China, este percentual
chega a 15%. Na Europa, do total das transações comerciais promovidas por
empresas, 18% são eletrônicas. (MIGUEZ, 2018, p. 27). No cenário provo-
cado pela pandemia, tais vendas online tiveram um crescimento ainda maior,
devido ao fechamento temporário de diversos comércios e empresas.

Todas essas modificações e incertezas estão sendo debatidas no contexto


contemporâneo, devido às profundas rupturas com os avanços das novas
tecnologias. E essas repercussões impactam todos os segmentos econômicos e
exigem uma reformulação da atuação do Estado, principalmente em relação
a tributação, visto que as atuais mudanças já interferem diretamente no
domicílio

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fiscal das empresas para outras jurisdições. Além disso, há a crescente difi-
culdade de identificar a realidade material passível de incidência tributária,
devido a transmutação das espécies tributárias.

Os reflexos da era digital afetam tanto a política tributária, como a adminis-


tração fiscal. Se, por um lado, as novas tecnologias de informação, comuni-
cação e inteligência abrem enormes oportunidades para que os fiscos cobrem,
arrecadem e fiscalizem os tributos com mais eficiência e agilidade, mediante
do uso das ferramentas digitais e troca de informações de ativos dos con-
tribuintes; por outro, esses mesmos determinantes técnicos ou tecnológicos
tornam obsoletos os tributos desenhados e cobrados em uma economia que
não era digital. (CORREIA NETO, 2019, p. 149).

Diante dessa tributação obsoleta, em que há dificuldade e falta de regulamentação


para cobranças dessas novas espécies de transações e serviços, quem ganha
são as empresas de tecnologia e comércio eletrônico. As lacunas legislativas
permitem que paguem muito menos impostos que os tradicionais, observada
a taxa média de 8,5% em atividades domésticas a 10,15% em internacionais,
no primeiro caso, comparadas com os 20,9% a 23,2%, respectivamente, nos
modelos antigos de negócios. (AFONSO, 2018, p. 32-35).

No Brasil, as empresas globais de internet pagam entre 25% e 50% do im-


posto que incide sobre o lucro líquido de companhias dos demais setores da
economia, dependendo de seu porte. A Receita Federal mostra que, no caso
de companhias globais digitais com receita bruta maior que R$ 100 milhões,
o imposto pago variou de 8,67% a 11,57% no Brasil entre 2017-2019 - pouco
mais da metade da taxação de 19,57% cobrada de empresas de todos os outros
setores. (MOREIRA, 2021).

Em relação as companhias globais que possuem uma receita bruta de R$ 3


bilhões por ano, essa diferença tributária é ainda maior, em que onze com-
panhias globais de tecnologia foram taxadas em apenas 4,44%, comparado a
19,15% para as demais empresas de igual porte no país. Isto significa que as
‘big tech’ globais com maior faturamento no Brasil pagam em média cerca de
um quarto do imposto cobrado sobre os outros setores. (MOREIRA, 2021).
No atual cenário, o atual Sistema Tributário Nacional ainda não está ad-
aptado às novas estruturas de negócios e geração de valor. Conceitos como
“valor agregado” e “circulação de mercadorias” se tornam obsoletos diante de

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operações multilaterais, propriedades imateriais e novos serviços colocados à


disposição no mercado. Outras bases tributárias ainda necessitam serem esta-
belecidas, apesar da aprovação da EC/132, que objetiva modernizar e simpli-
ficar a tributação sobre os bens de consumo e serviços no Brasil. (CORREIA
NETO, 2019, p. 150).

No âmbito internacional também há diversas dificuldades diante das relações


transnacionais, como o problema da erosão da base tributária das corpo-
rações, devido a intensa e fácil mobilidade dos capitais. A tributação do
comércio eletrônico transnacional permanece como um desafio tão complexo
quanto atual. Em vista disso, “os tratados internacionais, estruturados princi-
palmente para evitar a dupla tributação internacional, podem servir de biom-
bos para reduzir, por meio de planejamentos tributários “agressivos”, a carga
fiscal das corporações transnacionais.” (CORREIA NETO, 2019, p. 150).

Por isso, o ordenamento tributário deve evoluir juntamente com a economia


digital, de modo a tributar essas manifestações de riquezas advindas das no-
vas tecnologias, como também aperfeiçoar os meios e procedimentos para
aplicação da tributação. Em outras palavras, é necessário rever os tributos
vigente e a forma de cobrá-los, objetivando reduzir a desigualdade de renda e
redistribuir de forma justa o ônus fiscal entre a população. Neste viés, a renda,
trabalho e consumo, hoje tributados de forma regressivas, deverão se adaptar
aos novos tempos, os quais já iniciaram.

À vista disso, analisando o atual sistema tributário, verifica-se que se tributa


de forma regressiva, não sendo eficaz à redução da desigualdade de renda
brasileira. Então, qual seria o novo caminho, a fim de “consertar” essas defi-
ciências e avançar rumo ao futuro digital?

Os debates internacionais sobre a tributação de organismos transnacionais e


multinacionais, diante da era digital, fazem surgir novos questionamentos em
relação a arcaica tributação brasileira. É inevitável a providência de mudanças
no atual sistema tributário, isto porque, do modo como está composto e
regulamentado, não dará conta dos novos organismos tributáveis intangíveis
e digitais.

Além da nova era digital, o atual sistema tributário brasileiro induz a concen-
tração de renda e riqueza, sendo considerado um sistema com efeitos re

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gressivos. Por isso, a tributação do futuro também deve ter um olhar atento
aos seus efeitos perante a desigualdade de renda, pois uma tributação que
não alcance o bem comum da população não pode ser considerada justa em
nenhum cenário ou economia. E, diante do cenário (pós) pandemia, não
há dúvidas que o Estado deve procurar soluções para a tamanha injustiça e
desigualdade existente. Neste sentido, são necessárias atitudes mais audazes,
como a instituição de uma renda mínima54 para os mais afetados pela pan-
demia, bem como às pessoas em situação de pobreza.

Essa proposta de renda mínima já era comentada internacionalmente por


Piketty (2019, p. 1187), especialmente em sua obra lançada em 2019, “Capital
e Ideologia”. Destaca-se que a renda mínima no cenário da pandemia e com
o agravamento da pobreza se tornou ainda mais necessária pelos Estados, a
fim de amenizar os efeitos devastadores da crise sanitária e econômica. De
forma semelhante, Marciano Buffon (2021, p. 433) enfatiza a importância
deste mecanismo no Brasil, tanto para redução das desigualdades, como para
equilibrar a redistribuição de renda, inclusive no futuro digital, visto que o
gasto com a renda mínima acaba revertendo para o mercado econômico e
para o próprio governo. Estima-se que 45% do gasto social do Estado com
este tipo de política é revertido às contas públicas por meio da aquisição de
insumos e alimentos de primeira necessidade.

Tendo em conta a importância de uma renda mínima para o bem-estar


da população, reformas no âmbito do sistema tributário também são
imprescindíveis para reverter seus efeitos regressivos. Para tanto, basta exonerar
os produtos considerados essenciais e que são consumidos principalmente
pela população de baixa renda ou – conforme enfatiza Marciano Buffon
(2021, 433-434) – criar um programa de restituição dos tributos indiretos,
pagos por pessoas beneficiadas pelo Programa de Renda Básica.

Tais propostas visam reverter o efeito indutor de desigualdades no âmbito


nacional. No entanto, as referidas sugestões devem vir conjugadas sob o olhar
do futuro da sociedade digital. Por isso, o presente estudo direciona-se ao
exame de alterações no campo fiscal que se fazem necessárias pela nova era
econômica, visando sempre buscar o bem-estar de toda a população.

54 Piketty destaca que os atuais sistemas estatais que possuem este programa devem ser aper-
feiçoados, a fim de ser mais automáticos e universais, especialmente no caso de pessoas sem
domicílio. Também é necessário generalizar a renda para todas as pessoas com rendas baixas,
com pagamento automático, sem necessidade que estas devam solicitar, como ocorre nas res-
tituições do imposto sobre a renda. (Vide in: PIKETTY, Thomas. Capital e ideología. Trad.
54 Daniel Fuentes. Ediciones Deusto. Barcelona, 2019, p. 1187).
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3. A TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA NO MUNDO


DIGITAL: A IMINENTE MUDANÇA
Tradicionalmente, os Estados nacionais tributam a renda das pessoas físicas e ju-
rídicas delimitando seu território. Ocorre que o avanço das tecnologias de infor-
mação, comunicação e a globalização permitiram que as pessoas e as empresas
se comunicassem com mais facilidade e transitassem seus negócios entre países,
como a venda de mercadorias online, transferências financeiras, computação em
nuvem, entre outras atividades virtuais.

Diante deste contexto, a tendência de redução do espaço nacional autônomo para a


ampliação da tributação do lucro das corporações reflete diretamente na tributação
tradicional sobre as rendas. A facilidade de fluxo de capitais, a alta mobilidade das
empresas multinacionais e a computação em nuvem – que retira o caráter local
dos negócios constituídos – são exemplos de entraves tributários no atual quadro.
(CORREIA NETO, 2019, p. 145-167).

Reunidos a estes fatores, a evasão fiscal e a facilidade de transferência de lucros


para localidades com pouca ou nenhuma carga fiscal tornam a tributação sobre a
renda um desafio complexo aos países. As empresas na economia digital requerem
a isenção ou redução de tributos dos Estados, visando centralizar sua infraestrutu-
ra e instalações neste país. Caso o país não tenha possuído vantagens tributárias,
ditas empresas podem realizar negócios em países mais acessíveis, por meio de sites
de web ou outros meios digitais, incluindo a transferência de lucros e suas rendas.
(FLOR, 2019, p. 42).

Na tentativa de dirimir tais entraves, os países, por meio de tratados e acordos, bus-
cam uma cooperação internacional, a fim de que se evite a bitributação. Todavia,
as próprias empresas multinacionais aproveitam-se desses acordos para escapar da
incidência do imposto de renda, com a alegação da bitributação, alcançando sig-
nificativa vantagem competitiva em relação às concorrentes locais em prejuízo da
arrecadação tributária. (CORREIA NETO, 2019, p. 145-167).

De fato, todos estes problemas de erosão das bases de renda e transferência de


benefícios giram em torno justamente da noção clássica de “estabelecimento per-
manente”. Este conceito refere-se a um lugar de negócios, abrangendo qualquer
local, instalação ou meio material utilizado para realizar atividades empresariais.
Esse espaço deve ser fixo, isto é, com lugar geográfico determinado e tempo regu-
lar e prolongado. (FLOR, 2019, p. 45).

Entretanto, na era digital, da computação em nuvem e de organismos transna-


cionais, parece inegável que tal conceito se tornou defasado, visto que as empresas
não prescindam de estabelecimento físico para sediar suas operações. (CORREIA
NETO, 2019, p. 145-167).

55
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Por conta disso, na tentativa de adaptar o conceito de estabelecimento permanente,


avançam debates em torno da criação de parâmetros para estabelecer o que seria a
“presença digital” de uma empresa, isto é, a tributação em certa jurisdição em que
possua usuários ou clientes, independentemente da existência de estabelecimento
físico permanente. A “presença digital” serviria de elemento de conexão para
reconhecimento de vínculo tributário que permita a aplicação de receitas e o
reconhecimento de competência tributária em relação a empresa transnacional.
(FLOR, 2019, p. 45).

Tal proposta, a qual visa a tributação pelo país da renda das empresas transna-
cionais e de tecnologias, foi objeto de debate pela Comissão da União Europeia,
em 2018, no sentido de permitir a tributação pelo Estado “se a atividade exercida
através dessa presença consistir, total ou parcialmente, na prestação de serviços
digitais através de uma interface digital”. (CORREIA NETO, 2019, p. 145-167).
Além disso, estabelece princípios de atribuição de benefícios que guardam relação
com esta presença digital significativa por meio do Imposto sobre Sociedades. As-
sim, a Comissão busca uma resposta aos problemas de “onde” e “quanto” tributos
incidir na economia digital. (FLOR, 2019, p. 60).

Neste contexto, a Diretiva proposta pela Comissão contempla o âmbito de apli-


cação do imposto sobre Sociedade na economia digital, estabelecendo que a pres-
encia digital seria definida pela prestação de serviços digitais, pelo número de
usuários em rede ou pelo número de contratos comerciais dos serviços digitais 55.

55 Para Luis Parada, inclui-se como serviços digitais os seguintes: se incluyen como servicios digitales: (a)
alojamiento de sitios web y de páginas web; (b) mantenimiento a distancia, automatizado y en línea de
programas; (c) administración de sistemas remotos; (d) depósito de datos en línea que permite almacenar y
obtener electrónicamente datos específicos; (e) suministro en línea de espacio de disco a petición; (f) acceso
o descarga de programas informáticos, como por ejemplo programas de gestión/contabilidad, o programas
antivirus, así como de sus actualizaciones; (g) programas para bloquear la descarga de banners publicitarios;
(h) descarga de controladores, como los que permiten interconectar el ordenador personal con equipos
periféricos tales como impresoras; (i) instalación automatizada en línea de filtros de acceso a sitios web; (j)
instalación automatizada en línea de cortafuegos; (k) acceso o descarga de fondos de escritorio; (l) acceso
o descarga de imágenes fotográficas o pictóricas o de salvapantallas; (m) contenido digitalizado de libros y
otras publicaciones electrónicas; (n) suscripción a periódicos y revistas en línea; (o) weblogs y estadísticas de
sitios web; (p) noticias en línea, información sobre el tráfico y pronósticos meteorológicos; (q) información
en línea generada automáticamente por programas informáticos tras la introducción de datos específicos
por el cliente, como datos jurídicos y financieros, por ejemplo, datos sobre la Bolsa continuamente actual-
izados; (r) suministro de espacio publicitario como, por ejemplo, banners en un sitio web o página web; (s)
uso de motores de búsqueda y de directorios de Internet; (t) acceso o descarga de música en ordenadores
personales y teléfonos móviles; (u) acceso o descarga de melodías, fragmentos musicales, tonos de llamada u
otros sonidos; (v) acceso o descarga de películas; (w) descarga de juegos a ordenadores personales y teléfonos
móviles; (x) acceso automatizado a juegos en línea que dependan de Internet, o de otra red electrónica simi-
lar, en los que los jugadores se encuentren en lugares diferentes; (y) enseñanza a distancia automatizada que
dependa de Internet o de una red electrónica similar para funcionar, y cuya prestación no necesite, o apenas
necesite, de intervención humana, lo cual incluye aulas virtuales, salvo cuando Internet o la red electrónica
similar se utilicen como simple medio de comunicación entre el profesor y el alumno; (z) ejercicios realizados
por el alumno en línea y corregidos automáticamente, sin intervención humana. (Vide in: PARADA, Luis
Miguel Muleiro. El Futuro De La Tributación De La Economía Digital En La Unión Europea. Crónica
Tributaria, 2019-03-01, Vol. 170 (1), p.121. Disponível em: https://www.ief.es/vdocs/publicaciones/1/170.
pdf#page=109. Acesso em 23 nov. 2022.)
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Em suma, os serviços digitais incidentes de impostos seriam os prestados fazen-


do-se uso da Internet ou rede eletrônica, sendo eles automatizados e não podendo
prestarem-se sem a tecnologia de informação. (PARADA, 2019, p. 121).

Quanto a atribuição de benefícios, a Diretiva da Comissão também aborda quais


os estabelecimentos permanentes que são considerados como atividades economi-
camente significativas e que geram valor. Entre outras, destaca-se as que realizam
recopilação, armazenamento, processamento, análise e venda de dados a nível de
usuário; recopilação, armazenamento, processamento e visualização do conteú-
do gerado pelo usuário; a venda de espaços publicitários online; a disposição de
conteúdo criado por terceiros em um mercado digital; e, suprimentos de qualquer
serviço digital não incluídos nos outros itens. (PARADA, 2019, p. 125).

Seguindo esta linha, em 2019, foram emitidos três documentos pela OCDE
referente à presença digital da empresa, considerando objeto de tributação onde
há criado uma atividade comercial, seja pela participação do usuário ou pelo uso
de bens intangíveis determinados. Dessa forma, o que definiria a presença digital
de uma empresa e, consequentemente, a incidência de tributos entre as jurisdições,
seria o nexo entre a participação do usuário, a proposta de marketing dos bens
intangíveis e a presença econômica significativa. Isto significa que, dita proposta,
contempla o usuário que adquire bens ou serviços diretamente do provedor ou o
provedor em rede que exerce serviços a outra empresa dirigida a estes usuários.
(FLOR, 2019, p. 51-52).

Estas propostas (Comissão da União Europeia e OCDE) poderiam ser aplicadas


no âmbito nacional, permitindo o país brasileiro avançar na questão da tributação
das rendas, sem que o fisco “abra mão” de um significativo valor arrecadatório
anualmente por falta de regulamentação legislativa. De fato, o espaço virtual
sem fronteiras modificou as atividades econômicas, ensejando novos parâmetros
tributários que vão além da territorialidade da riqueza. Não há dúvidas que ainda
há problemas a serem enfrentados, principalmente na questão da repartição dos
benefícios gerados pela tributação das empresas transnacionais. Porém, o Brasil,
como está acontecendo em outros países, deve pensar em novas normas legislativas
sobre a renda, tanto para consertar as atuais deficiências, como para atualizar-se
perante a economia digital. (FLOR, 2019, p. 65-66).

Aliás, a incidência de tal tributação sobre a presença digital mostra-se compatível


com os preceitos constitucionais da capacidade contributiva. Isto porque melhoraria
a eficiência da tributação da renda, bem como permitiria a redistribuição de renda
entre a população brasileira de forma mais justa, gravando empresas de grande
potencial econômico, nos quais poderia reverter-se em financiamento/investimento
em inovação e conhecimento - resultante desta receita tributária – aos cidadãos.

57
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Outra questão relativa à tributação da renda no Brasil, especialmente no que tange


às pessoas físicas, e que interfere diretamente na sua redistribuição à população, é o
fato do aumento da automação, da economia colaborativa e o do trabalho sem em-
prego formal – a informalidade. (CORREIA NETO, 2019, p. 154). A pandemia
aumentou o nível de informalidade no país, conforme demonstrado no primeiro
capítulo, o que obrigou milhares de pessoas a migrarem ao emprego informal.

A informalidade também é resultado das novas tecnologias de automação, em que


há uma substituição massiva de mão de obra humana por máquinas. No Brasil, le-
vantamento realizado pelo Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças
e Organizações da UnB, publicado pelo IPEA, indica que a automação colocará
em risco cerca de 30 milhões de empregos formais, até o ano de 2026. (ALBU-
QUERQUE, 2019, p. 1).

Ademais, a economia colaborativa56, como por exemplo a Uber e Airbnb, apre-


senta novas formas de trabalho, com jornadas e local de execução mais flexíveis, e
menos protegidos do ponto de vista das garantias trabalhistas e seguridade social.
Todavia, as repercussões que transcendem o âmbito trabalhista e atingem também
o tributário, sobretudo quanto a tributação da renda direto na fonte. (CORREIA
NETO, 2019, p. 155).

Este cenário provocou uma desconstrução das relações trabalhistas tradicionais,


em que o trabalho se exercia na forma de emprego com carteira assinada, e do
pagamento se descontava o imposto de renda na fonte e a contribuição para a
previdência social sobre os salários. Os novos modelos negócios, advindos das novas
tecnologias, como a flexibilização das formas de trabalho, refletiram diretamente
na tributação do imposto de renda.

Um exemplo disso é a terceirização, prática comum no estado brasileiro, em que


ocorre a transformação de trabalhadores em pessoas jurídicas, que prestam de-
terminados serviços, sem ter a habitualidade e subordinação como ocorria an-

56 No caso na economia do compartilhamento, os agentes do mercado podem ampliar as suas


possibilidades de ação, passando a exercer múltiplas funções. A antiga fronteira entre consu-
midor e empresa, que os caracterizava como elementos individualizados que disputam pela
maximização de seus recursos financeiros em transações econômicas marcadas pela negociação
e o jogo de poder, passa a ser rompida sob o signo da economia do compartilhamento. A per-
spectiva econômica não deixa de existir nessa nova economia, mas as tradicionais formas de
encarar o lucro e as recompensas de mercado são reorganizadas, bem como os papéis e funções
desempenhados pelos seus antigos agentes. Em suma, o conceito de economia do compartilha-
mento considera a perspectiva em que pessoas sustentam relações socioeconômicas entre si pau-
tando-se, principalmente, em benefícios relacionais - sejam eles com pessoas ou comunidades,
por exemplo. Para tal, prescindindo de contratos formais, interatuam alternando, geralmente
por meio de agentes facilitadores, os papéis e práticas econômicas entre seus membros. (Vide
in: GERHARD, Felipe; Júnior, Jeová Torres Silva; CÂMARA, Samuel Façanha. Tipificando
a Economia do Compartilhamento e a Economia do Acesso. Scielo Brasil. Organ. Soc. 26
(91). Oct-Dec 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/osoc/a/3Dhyh4y7gXWwMxNdG-
58 cJv6BM/?lang=pt. Acesso em 23 nov. 2022.)
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tigamente. Tal fenômeno, também chamado de “pejotização”57, é optado pelos


trabalhadores como forma de escapar do peso dos tributos e encargos trabalhistas
incidentes sobre a pessoa física.

Desse modo, a informalidade, automação e a economia colaborativa deverão re-


duzir consideravelmente o potencial de arrecadação de tributos incidentes sobre
remuneração e folha salarial, esgotando uma das principais fontes atuais de finan-
ciamento da previdência social. Por conta disso, avança a discussão sobre o uso
de tributos para controlar e/ou retardar o processo de automação ou, ao menos,
compensar os impactos da mudança na arrecadação tributária dos Estados, finan-
ciando inclusive programas de atenção ao trabalhador. (CORREIA NETO, 2019,
p. 155).

Neste diapasão, há o movimento a favor da tributação dos robôs, visto a sua uti-
lização na indústria, na qual substitui o trabalho humano. Por certo, os robôs e
a inteligência artificial, apesar de não estar amplamente difundido entre a popu-
lação, são tecnologias – num futuro próximo – que estarão no cotidiano do ci-
dadão e não somente nas indústrias. Por exemplo, já é possível imaginar a compra
de robôs para fazer o serviço doméstico, vender produtos, limpar ruas, auxiliar na
agricultura, hotelaria, trabalhar em escritórios, entre outros ramos.

Tal universo dos robôs, além de consequências ao trabalhador em si, também


atingirá a tributação da renda. Por isso, o debate sobre a tributação dos robôs
encontra fundamento no seguinte fato: se a renda fruto do trabalho exercido pelos
seres humanos é tributada pelo Estado, de forma análoga, a riqueza produzida
pelas máquinas que substituem esse trabalhador deve estar sujeita à mesma carga
tributária. (GASPARINO; DA COSTA, 2020).

Adotando essa linha de pensamento, no âmbito da União Europeia, diversos par-


lamentares passaram a propor que os robôs sejam considerados “pessoas eletrôni-
cas” para fins tributários. Tal proposta estabelece que o sujeito passivo do “Tax Ro

57 A terceirização é considerada um acordo estabelecido de “empresa para empresa”, sendo a Pejotização


um contrato direto entre empresa contratante de serviço e o trabalhador (pessoa física). Neste último aso,
os contratos são regulados entre “pessoas jurídicas”, em que a empresa contratante admite os serviços de
um único trabalhador, não através da assinatura de sua carteira de trabalho, mas por meio da formulação
de um contrato entre empresas. De um lado encontra-se a empresa tomadora de serviços e a prestadora, a
microunidade produtiva, ou melhor, a empresa individual, constituída de um único indivíduo. Esse institu-
to da prestação de serviços via empresa individual (geralmente via Microempreendedor Individual – MEI)
vem sendo consagrado como pejotização, por propor/impelir a abertura de uma Pessoa Jurídica (PJ), a fim
de descaracterizar o vínculo empregatício, a partir dessa contratação de serviços de forma inter organiza-
cional (de empresa para empresa). Dessa forma, estabelece uma via contratual híbrida, dotada de aspectos
jurídicos relativos a empregados, terceirizados, autônomos e empreendedores em um único sujeito: o tra-
balhador-empresa. Assim, a terceirização acaba permitindo a operacionalização direta sobre o trabalhador,
por meio da “terceirização individual”. Vide in: CARVALHO, André Luis de. A pejotização como via para
a terceirização de indivíduos. Le Monde Diplomatique Brasil. Acervo online: Brasil. Publicado em 22 ago.
2019. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-pejotizacao-como-via-para-a-terceirizacao-de-individ-
uos/. Acesso em 23 nov. 2022.
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bot” serão as empresas que utilizam robôs ou tecnologias automatizadas, a fim de


que o ganho gerado pela Inteligência Artificial seja tributado. Apesar de a proposta
ter sido rejeitada na União Europeia, o modelo ganhou força em outros lugares
do mundo como nos EUA e na Korea do Sul. No país asiático, por exemplo, há
um programa que reduz incentivos fiscais sobre investimentos em automações,
aumentando a carga tributária do setor. (MAZUR, 2019, p. 297).

No Brasil, tal tributação poderia ser adotada, desde que respeite os critérios con-
stitucionais, como a progressividade, seletividade e a capacidade contributiva.
Desse modo, há debates acerca da tributação sobre a automação disruptiva, em que
se defende a criação de taxas progressivas com base nas atividades que impactem
os postos de emprego. Por exemplo, taxas mais elevadas para atividades que elim-
inem postos de trabalho e mais brandas para aquelas que reduzem. (ALMEIDA;
FEITOSA, 202).

Ainda, sob a véu do princípio da capacidade contributiva, um imposto sobre a


automação deverá equilibrar a tributação incidente sobre a empresa de modo que
a extração do fruto não ocorra com o esgotamento da própria fonte. Isto significa
que a carga tributária não poderá inviabilizar a habilidade de empresas de adentrar
ou manter-se no mercado tecnológico, pois a falência dessas poderia causar um
cenário de desemprego e subemprego ainda mais agravado. (ALMEIDA; FEI-
TOSA, 202).

Além da tributação sobre a automação, o estado brasileiro poderia utilizar incen-


tivos fiscais, por meio da extrafiscalidade, para beneficiar empresas que valorizam
o trabalho humano. Nas palavras de Saulo Almeida e Raymundo Feitosa (2020),

A proteção do emprego em face da automação poderá ocorrer na forma


de uma política pública de discriminação tributária positiva, mediante
a concessão de isenções, redução de alíquotas, anistias, remissões, sub-
sídios, desoneração da folha e outras formas de apoio tributário como
contraprestação do Estado, estimulando os contribuintes a adotarem um
comportamento mais favorável aos direitos sociais, em especial objeti-
vando alcançar maior estabilidade para os postos de emprego.

Como se pode perceber, a tributação sobre os robôs objetiva aumentar a carga


tributária sobre as empresas que utilizam desta tecnologia, afirmando a sua
natureza arrecadatória na tentativa de restabelecer a erosão das bases tributáveis
com as reduções salariais e o desemprego, além de também apresentar natureza
extrafiscal, posto que tem o intuito de desestimular a adoção de tecnologias
robóticas que substituam o trabalho humano pelos empregadores. (GASPARINO;
DA COSTA, 2020).

Todavia, apesar de seus benefícios ao trabalhador e para o fisco do Estado, tal

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tributo poderá incidir efeitos negativos para o desenvolvimento tecnológico (justa-


mente por desestimular o uso e desenvolvimento de novas tecnologias), tão im-
portante para o crescimento econômico do país, para os objetivos do Estado em-
preendedor, como também para a difusão da economia do conhecimento. Por isso,
o tributo sobre os robôs deve levar em conta a realidade socioeconômica do país em
questão, a fim de que redistribua a renda e riqueza entre a população e minimiza
o desemprego dos trabalhadores, sem que deixe de promover o desenvolvimento
econômico e inovação.

De fato, a tributação deve conciliar a eficiência econômica e social, de modo que


o país impulsione a inovação e progresso científico, ao mesmo tempo que proteja
o trabalhador e garanta o bem-estar da população. Para alcançar esse equilíbrio,
são necessárias a adoção da robótica, inteligência artificial e demais mecanismo
da economia digital, aliado com uma tributação justa e em consonância com os
princípios constitucionais. (ALMEIDA; FEITOSA, 2020).

Um país que investe em conhecimento em inovação de seu cidadão, por meio de


arrecadação de tributos justos e uma redistribuição de renda e riqueza efetiva, con-
seguirá tributar os robôs de forma a não prejudicar o empreendedorismo. Uma so-
ciedade igualitária torna possível o crescimento de todos. É esta equação que deve
ser analisada e estudada ao instituir tributos, principalmente em países emergente,
como o Brasil. O futuro está próximo, mas os princípios tributários tradicionais
devem estar ao lado do progresso e este, não obstante suas múltiplas acepções, não
pode desconectar-se da busca por uma vida minimamente digna para todos.

Por isso, deve-se repensar o atual imposto sobre a renda, ampliando a sua base
tributável, de modo a abranger também os serviços digitais, expandindo o conceito
de estabelecimento permanente em relação às pessoas jurídicas e modernizar
o sistema de arrecadação com o uso das novas tecnologias de informação e
comunicação. (CORREIA NETO, 2019, p. 154-155). Além disso, a tributação
sobre os bens de consumo e serviço também precisa se adequar à economia do
conhecimento, tanto em relação à oneração dos produtos considerados essenciais
para as pessoas de baixa renda, como para abranger os novos serviços e produtos
digitais.

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4. TRIBUTAÇÃO DOS BENS DE CONSUMO


E SERVIÇOS E A EC/45: PERSPECTIVAS E
ENTRAVES NA ERA DIGITAL
Seguindo a análise de propostas nacionais, verifica-se que não é somente
o trabalhador e a tributação da renda que sofrem severos impactos com a
economia digital. A tributação dos bens e serviços também sente os reflexos
das novas tecnologias, como, por exemplo, o comércio eletrônico. É impor-
tante ressaltar novamente que, no Brasil, a tributação sobre os bens e serviços
é o “carro chefe”, em que concentra quase metade da arrecadação do Estado,
atingindo de forma demasiada a população mais carente.

Apesar do texto constitucional aprovado recentemente, por meio da Emenda


nº 132, observa-se que ainda são necessárias mudanças na tributação indireta
nacional, visando reduzir os efeitos regressivos e indutores de desigualdade
perante a população com menor poder aquisitivo. Nos termos visualizados
no capítulo anterior, a desoneração dos produtos essenciais, a Renda Básica
mínima e majoração de impostos sobre a propriedade e patrimônio, são
algumas alternativas para equilibrar o ônus tributário de forma justa.

Em vista disso, Piketty alerta que os impostos indiretos, especialmente so-


bre bens e serviços que não possuam a função extrafiscal (como emissão de
carbono), deveriam ser substituídos gradativamente pela majoração de im-
postos sobre a renda e propriedade. O IVA, por exemplo, não distribui a
carga fiscal conforme a renda ou patrimônio do indivíduo, constituindo uma
grande limitação econômica e democrática para os cidadãos da sociedade,
justamente por prejudicar o acesso amplo aos bens fundamentais pela exces-
siva tributação. (PIKETTY, 2019, p. 1186).

Para o economista, um Sistema tributário nacional justo deveria estar basea-


do em três grandes impostos progressivos: imposto anual progressivo sobre a
propriedade, sobre as heranças e sobre as rendas. Por exemplo, descreve que
o imposto anual sobre a propriedade e herança equivalem a 5% da renda na-
cional francesa, no qual poderia ser utilizado para financiar uma doação de
capital. Já o imposto progressivo sobre a renda e sobre as emissões de carbono
poderiam gerar 45% da renda nacional e permitiria financiar a renda básica,
o gasto público e social do Estado. Isso seria suficiente para dinamizar a so-
ciedade e a economia. (PIKETTY, 2019, p. 1164-1165).

62
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A justificativa para uma tributação mais significativa sobre o patrimônio e


a redução sobre os bens de consumo e serviço é devido ao fato de que a
acumulação de bens é um resultado de um processo social. Este processo
sofre influências das infraestruturas públicas (sistema legal, fiscal e educa-
tivo), da divisão de trabalho social e de conhecimento acumulado durante
séculos pela humanidade. Por isso, seria justo que as pessoas devolvessem
uma fração anualmente deste patrimônio, tornando-o temporal. (PIKETTY,
2019, p. 1173).

Diante dessa reflexão, cogita-se a adoção de alternativas ao modelo tributário


brasileiro excludente, principalmente no que tange a tributação indireta sobre
os bens essenciais à população frente ao princípio da seletividade e o mínimo
existencial. Destaca-se que o princípio da seletividade leva em conta a essen-
cialidade do bem à sobrevivência do cidadão, na busca de garantir o mínimo
existencial e a dignidade da pessoa humana.

Amaro (2010) explica que os produtos sobre o consumo necessitam observar a


seletividade, respeitando o princípio da capacidade contributiva e atenuando
o efeito regressivo destes tributos. Deste modo, a tributação do consumo, res-
peitando a disposição constitucional, pode ser um importante instrumento de
combate à desigualdade de renda existente, equilibrando a matriz tributária e
distribuindo o encargo fiscal de forma justa entre as classes sociais.

Para tanto, muito já se sustentou na desoneração fiscal dos produtos que con-
stituem a “cesta básica”, ou seja, que os tributos incidentes na compra e venda
de tais bens ou prestação de serviços sejam reduzidos ou zerados. Isto porque
os tributos indiretos sobre o consumo compõem o preço final destes produtos
e serviços, recaindo o ônus fiscal ao consumidor final. (BUFFON, 2019, p.
303-304).

Nesta senda, recentemente foi aprovada a reforma fiscal sobre os bens de con-
sumo e serviços, conforme Emenda Constitucional nº 132/2023 (BRASIL,
2023), em que unifica diversos tributos, de competências municipal, estadual
e federal, com o intuito de simplificar a atual complexidade da fiscalidade
sobre estes serviços e produtos. Sem, contudo, diminuir a carga tributária,
isto é, a arrecadação aos cofres públicos.

Observa-se no texto constitucional aprovada que há a unificação dos impos-


tos ISS, ICMS e IPI, no IBS (Imposto sobre bens de consumo e serviços),

63
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além de unificar as contribuições PIS e COFINS numa única contribuição,


de competência federal, a CBS (Contribuição sobre bens e serviços). O novo
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é de competência dos Estados, Municí-
pios e Distrito Federal. O imposto, gerido por Estados e municípios, será co-
brado a partir do ano de 2026, com alíquota teste de 0,1%, e terá uma imple-
mentação escalonada de 2029 a 2033, quando então seriam extintos ICMS e
ISS. Não há definição no texto de alíquota máxima e a alíquota de referência
será ainda definida por procedimento legislativo próprio. (BRASIL, 2023)

Já a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) será de competência da


União, em substituição ao PIS e a COFINS. A partir de 2026, com base no
projeto de transição, incidirá num percentual de 0,9%, sendo extintas, em
2027, as contribuições de PIS e COFINS. Deste modo, a partir de 2027, a
CBS assumirá toda a arrecadação federal, cujo percentual não ficou definido
no atual texto aprovado pelo legislativo federal. Como o IBS, sua alíquota de
referência será ainda fixada e definida. (BRASIL, 2023).

Algumas peculiaridades do projeto precisam ser destacadas, como a não


cumulatividade do IBS, prevendo-se um crédito amplo e com pagamento
no destino. Além disso, busca-se alíquota única para bens e serviços, não
havendo distinção, em princípio, entre produtos, pautado no princípio da
neutralidade.

Em contrapartida ao princípio da neutralidade, o princípio da seletividade


aparece no texto constitucional por meio da previsão de um Imposto Seletivo,
de competência da União Federal, que incidirá sobre produtos e atividades
prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Salienta-se que os critérios em
relação aos malefícios à saúde devem levar em consideração àqueles conhecidos
pela legislação do IPI, os quais incluem, por exemplo, as bebidas alcóolicas e
cigarros. (BRASIL, 2023). No entanto, quanto ao critério relativo às questões
prejudiciais ao meio ambiente, ainda não há definição de quais atividades e
serviços serão contemplados por este benefício.

Além do Imposto seletivo, há diversas previsões de reduções de alíquotas do


IBS, por exemplo, sobre serviços de educação; serviços de saúde; dispositivos
médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos e
produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte co-
letivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano,
semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual; produtos e insu-

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mos agropecuários, agrícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in


natura; produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais
e atividades desportivas, entre outras reduções legislativas. Além destas re-
duções, destaca-se o at. 8º, parágrafo único, da EC, em que prevê a redução
para alíquota zero dos produtos que compõe a cesta básica, demonstrando a
preocupação com a desigualdade de renda.

A Emenda Constitucional prevê ainda prevê uma política de cashback ex-


clusivamente para pessoas físicas com o fim de reduzir as desigualdades
econômicas. A medida, nos termos trazidos pela exposição de motivos, viria a
auxiliar famílias de baixa renda, mas terá seus beneficiários e limites definidos
em Lei Complementar. Tal previsão apresenta-se uma solução alternativa - e
não excludente da desoneração fiscal - baseada na ideia do IVA (Impuesto de
Valor Añadido), instituído nos países da União Europeia, em que é devolv-
ido o valor de imposto pagos ao adquirente de mercadoria ou serviços que
não seja cidadão do país. Assim, no Brasil a previsão do cashback intenta a
devolução de tributos cobrados indevidamente pelo Estado, isto é, os tributos
cobrados sobre os produtos e serviços que atinjam o mínimo existencial do
contribuinte, como a “cesta básica”. (BUFFON, 2019, p. 305).

Dentre as vantagens do “cashback”, destaca-se o impacto direto crescimento


econômico, visto que o incremento da renda da população produz efeitos
positivos na economia e na redução dos índices de desemprego, diminuin-
do, consequentemente, a desigualdade de renda. Além disso, argumenta-se
que o “cashback” poderia contribuir ao combate da evasão fiscal. Isto porque
estimularia o consumidor a exigir a emissão de documento fiscal em suas
aquisições, a fim de solicitar a devolução dos tributos perante o Estado.
(BUFFON, 2019, p. 306-307).

Aliado a estas mudanças legislativas, o Sistema Tributário nacional ainda ne-


cessita repensar a sua estrutura perante o surgimento de novas tecnologias e
do avanço da economia digital. Nesta nova era, as mercadorias tradicionais
perdem espaço aos bens intangíveis, os serviços se ampliam para abarcar as
operações com bens intangíveis e o comércio eletrônico cresce absurdamente,
tanto com bens digitais, como de bens corpóreos. Estas modificações são
alguns exemplos atuais que já refletem no modo tradicional de tributar, visto
que o modelo tributário brasileiro foi concebido com base num mundo em
que o valor econômico estava nos bens tangíveis. (CORREIA NETO, 2019,
p. 157).

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A comercialização dos bens digitais, isto é, intangíveis na forma de bens e


serviços e entregues eletronicamente, como os aplicativos adquiridos em
lojas virtuais e baixados em aparelhos eletrônicos, é uma realidade cada vez
mais comum entre a população. Tal mudança exigiu avanços na tributação,
como a criação do IBS sobre os bens imateriais e serviços intangíveis, em que
o tributo incide nestas transações e é cobrado da empresa no momento da
venda ou do download.

Numa análise comparativa, o Conselho da União Europeia também apresenta


uma proposta de tributo incidente sobre as atividades digitais, com abrangência
por toda a UE. O denominado Imposto sobre os Serviços Digitais incide
sobre a prestação de serviços digitais caracterizados pela criação de valor por
parte do usuário, sendo a sua participação uma contribuição essencial para
a empresa. Além disso, outra forma de contribuição é a participação ativa
dos usuários em interfaces digitais (serviços intermediários). Ressalta-se que
referido imposto poderia ser deduzido do Imposto sobre as Sociedades, a fim
de evitar a bitributação e poder tributar amplamente estes serviços digitais,
tanto para quem presta, como para quem consome. (PARADA, 2019, p. 128-
132).

Apesar de ser ainda um projeto, alguns países europeus já instituíram em seu


âmbito interno referido imposto. É o caso de França, Grã-Bretanha, Itália
e Espanha. Quanto à Itália, destaca-se que o tributo é mais amplo, esten-
dendo-se à publicidade dirigida a usuários da internet, prestação de serviços
vendidos em plataformas digitais e transmissão de dados recompilados por
usuários e gerados pelo uso da interface digital. Ainda, estima-se a incidên-
cia de 3% sobre o valor da transação, sendo considerado um imposto de re-
tenção. (PARADA, 2019, p. 136).

No caso do país espanhol, o Imposto sobre determinados Serviços Digitais


segue a diretiva da Comissão da UE, sendo que incide, como sujeitos pas-
sivos, as empresas com faturação mundial superior a 750 milhões de euros e
que gerem renda líquida superior a 3 milhões de euros na Espanha. É con-
siderado um imposto indireto, compatível com o IVA e incide sobre serviços
digitais que tenham a intervenção de usuários localizados em solo espanhol.
(LOSADA, 2020, p. 32-33).

Ressalta-se que a classificação do referido imposto indireto deriva, princi-


palmente, destas três características: a) possui caráter geral, aplicando-se nas

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entregas de bens e prestação de serviços digitais; b) aplicado sobre a diferença


entre a renda e os gastos da atividade sujeita ao imposto, permitindo uma
dedução no IVA suportado pelos empresários; e, c) é proporcional ao preço
dos bens e serviços. (HIDALGO, 2020, p. 98-99).

Coadunado com estas reformas legislativas, também será necessária uma fis-
calização eficaz, com trocas de informações ao Fisco, seja por empresas nacio-
nais, transnacionais, instituições financeiras, sendo medidas imprescindíveis
para que ocorra a tributação destes bens intangíveis e do comércio eletrônico.
A era digital facilita a criação de instrumentos que possibilitem as trocas de
informações, portanto, o Estado e a Administração fiscal devem se adequar e
investir em meios para tal êxito. (CORREIA NETO, 2019, p. 157).

O comércio eletrônico e os bens intangíveis são apenas o começo desta nova


era. Já há o debate sobre novas tecnologias, como a difusão das impressoras
3D. Estas podem reservar desafios e perplexidades ainda maiores das atuais,
visto que será possível imprimir a mercadoria ou produto em casa, sem ter
a necessidade de ir a um estabelecimento físico ou loja virtual. (CORREIA
NETO, 2019, p. 157).

Como tributar tal complexidade? A EC/132 será a resposta para todas es-
sas indefinições? O certo é que todas estas modificações e novas tecnologias
sugerem uma reformulação do atual sistema tributário nacional, incluindo a
renda e o capital. A largada já foi dada com as alterações legislativas, com a
aprovação da aludida Emenda, em que prevê o IBS sobre produtos materi-
ais e imateriais, porém alguns pontos embaraçosos merecem ser destacados,
como as diversas lacunas ainda a serem regulamentadas por Lei Complemen-
tar, bem como a inexistência de preocupação em reduzir a excessiva carga
tributária sobre estes bens e serviços.

Por isso, as alterações fiscais frente às novas tecnologias também devem vir
acompanhadas de previsões legislativas que permitam reduzir o peso da
tributação sobre o consumo, como a ampliação da tributação sobre a ren-
da, patrimônio, riquezas, levando em considerações as novas tecnologias da
economia do conhecimento, fato que não está sendo considerado pela re-
cente Emenda aprovada. Isto porque a tributação alicerçada sobre o consumo
não produz um maior crescimento ao país. Ao contrário, os pesquisadores da
London School of Economics analisaram o efeito da redução dos impostos
para os estratos mais ricos da sociedade nas últimas cinco décadas em 18

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países da OCDE e concluíram que não houve nenhum impacto relevante


sobre o crescimento econômico e emprego, apenas aumento na desigualdade.
(HOPE; LIMBERG, 2020).

De forma semelhante, estudiosos da OCDE relataram que a desigualdade


de renda é negativamente relacionada com taxas de crescimento econômico.
(CINGANO, 2014). Isto significa que o cidadão que nasce em situação de
pobreza tem menos chances de ascensão e de contribuir para o desenvolvi-
mento econômico de seu país, bem como de adquirir e promover conheci-
mento. (PIRES, 2021). Em suma, já é hora de compreender e aceitar que a
justiça fiscal caminha ao lado do crescimento econômico e inovador do país.
Proteger os mais ricos e seus patrimônios exclui grande parte da população
de empreender e inovar.

Por isso, com o crescimento massivo da desigualdade no (pós) pandemia


necessita-se alternativas tributárias urgentes, a fim de reduzir a tributação
sobre os bens de consumo e serviço e equilibrar o sistema fiscal para que seja
possível adaptar os tributos à nova era do conhecimento e suas tecnologias.
As propostas analisadas acima são necessárias no atual quadro econômico,
pois as formas atuais não são suficientes para lidar com esta nova realidade.
Tais modificações objetivam que o Estado garanta o seu financiamento e
ocorra uma distribuição justa do ônus fiscal, ao mesmo tempo que permita
reduzir eficazmente a desigualdade de renda. Os obstáculos estudados acima
possuem meios de serem superados à modernização do sistema tributário
nacional, demonstrando a essencialidade da releitura de conceitos, teorias,
práticas e estruturas jurídicas.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, o desenvolvimento da economia digital e as novas tecnologias já
trazem profundas mudanças no cotidiano da população, seja no meio profis-
sional, social, econômico ou pessoal. A pandemia provocada pelo COVID-19
acelerou a introdução de novas tecnologias digitais à população, que se tor-
naram fundamentais no dia a dia para a realização de tarefas profissionais,
como também para estar em contato com parentes e amigos.

Ainda, a desigualdade, já existente no período pré-pandemia, acentuou-se


com o avanço da pandemia, principalmente em países menos desenvolvidos.
Ocorre que o desenvolvimento de novas tecnologias e o avanço da realidade
virtual necessitam de investimento em inovação e conhecimento, pois, caso o
Estado for deficiente nisso em relação à sua população, ficará “para trás” em
comparação aos outros países. Portanto, a desigualdade entre países desen-
volvidos e em desenvolvimento poderá ser ainda mais acentuada.

Diante deste cenário, é imprescindível – mais que nunca – repensar soluções


para tais problemas, a fim de que a humanidade evolua conjuntamente. Em
vista disso, a tributação ganha destaque por ser o principal meio de financi-
amento do Estado empreendedor, no qual pode garantir o investimento em
inovação, P&D e conhecimento, contribuindo para o avanço da economia e
do desenvolvimento tecnológico, econômico e social da sua população.

Entretanto, nos atuais moldes, a tributação não é eficiente para a redis-


tribuição de renda e tão pouco suficiente para o financiamento da economia
digital, não contribuindo para a redução da desigualdade de renda. Por isso,
o ordenamento tributário necessita de alterações para que possa caminhar
juntamente com a evolução das tecnologias, de modo a reduzir, eficazmente,
a desigualdade entre os cidadãos.

A Emenda Constitucional nº 132 é o início dessa mudança, frente à econo-


mia digital, mas que ainda apresenta deficiências, como diversas reduções,
contrariando o princípio da neutralidade, e o imposto seletivo, baseado so-
mente na majoração da tributação diante de malefícios à saúde e meio ambi-
ente, sem qualquer previsão de benefícios fiscais. Assim, pode-se dizer que o
texto legislativo é um avanço, modesto, em direção ao futuro digital.

Por isso, a tributação nacional precisa continuar a ser reformulada, de modo


a criar tributos e novas formas de cobrá-los pelo fisco – conforme estudado
acima – a fim de permitir que o sistema tributário nacional seja mais eficaz

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e cumpra com o seu papel de financiador e redistribuidor de renda. A


tributação, sob esta ótica, pode ser um meio para reduzir a desigualdade e,
com isso, permitir a evolução da economia digital e das novas tecnologias
para concretização de uma sociedade justa58. Afinal, o futuro está próximo
e este deve possibilitar a formação de uma sociedade justa e igualitária para
todos.

58 Sociedade justa é quando todos os membros de uma sociedade possuem acesso aos bens
fundamentais, como educação, saúde, direito ao voto e a participação plena das diversas formas
da vida social, cultural, econômica, cívica e política. (Vide in: PIKETTY, Thomas. Capital e
70 ideologia. Traducción de Daniel Fuentes. Barcelona: Ediciones Deusto, 2019, p. 1146.)
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POR UMA DEFINIÇÃO DE


RECEITA ADEQUADA PARA A
ECONOMIA DE PLATAFORMA
pursuiting an appropriate definition of REVENUE
FOR THE PLATFORM ECONOMY
Éderson Garin Porto59

1. INTRODUÇÃO

O mundo está passando por cada vez mais frequentes disrupções tecnológicas.
Os séculos que distanciavam as grandes invenções agora dão lugar a meses, às
vezes dias. A era da tecnologia tem mudado radicalmente nossos comportamentos,
hábitos e até mesmo chegam a pautar novos padrões culturais.

O comércio não poderia ficar alheio a esse turbilhão de inovação que estamos
vivenciando. Em que pese a ideia de mercado seja secular, é certo que durante
décadas o formato e o meio das transações pouco se alteraram. Isso tudo muda
a partir da popularização da grande rede de computadores e mais especialmente
com o desenvolvimento das plataformas de vendas on-line ou também chamados
de “market places”. Estes ambientes virtuais operam como uma vitrino numa ga-
leria ou shopping center. Produtos e serviços são expostos nestes espaços virtuais e
eventualmente um consumidor interessado pelo anúncio formaliza a sua intenção
em adquirir o hipotético produto ou serviço.

O desenvolvimento tecnológico que permite aproximar o ofertante do demandan-


te ganha importância porque o algoritmo desenvolvido pelas maiores plataformas
tem o objetivo de reduzir o “custo de ir ao mercado”, permitindo que o demandan-
te compare preços, qualidades, fornecedores e escolha aquela opção que melhor
lhe atende.

59 Professor de Direito Tributário da UFRGS. Visiting Scholar UC Berkeley School of Law.


Doutor e Mestre (UFRGS). Professor do Mestrado Profissional da Unisinos. Coordenador do
LLM em Tributação da Empresa e dos Negócios da Unisinos. Membro da FESDT. Membro da
74 CEDT – OAB/RS. Fundador do Lawboratory. Advogado.
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Segundo dados atualizados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico


(Abcomm), o e-commerce brasileiro está em constante crescimento desde 2015 e
chegará a movimentar cerca de R$ 185,7 bilhões neste ano. Em 2022, foram R$
169,59 bilhões faturados60. Diante destes números superlativos, não é difícil com-
preender que a Administração Tributária esteja atenta para capturar parcela do
valor gerado por estes negócios.

A questão suscitada no presente artigo consiste em definir qual a receita a ser


tributada em negócios mediados por plataformas de vendas, partindo da premissa
que todas as plataformas exigem uma comissão ou taxa de intermediação que varia
de 0,5%, chegando em alguns casos à 30%. Note a variância entre os percentuais
praticados e de posse destes dados já é possível perceber o tamanho da controvérsia
que se avizinha.

Desse modo, o artigo pretende compulsar as principais fontes normativas em


matéria tributária para estabelecer um conceito adequado de renda tributável
constitucional. Num segundo momento, espera-se identificar concretamente se
a taxa ou comissão cobrada pelo market place deve ou não integrar a receita do
infoprodutor.

2. A COMPREENSÃO DO FENÔMENO
DA ECONOMIA DE PLATAFORMA

Desde a transição do escambo, passando pelo mercantilismo até chegarmos


ao sistema de mercado vigente na esmagadora maioria dos países, pode-se
dizer que a civilização humana passou a estabelecer relações voluntárias num
arcabouço jurídico e econômico que preza pela autonomia privada, assegu-
ra respeito aos vínculos obrigacionais e alcança, nas instituições públicas, a
tutela dessas relações jurídicas quando necessário. Numa apertada síntese,
as relações humanas, de um modo geral, e as relações comerciais, em par-
ticular, são estabelecidas num ambiente que favorece a formação, execução e
conclusão dos contratos e que convencionamos chamar de mercado. Pode-se
dizer que “mercado é um mecanismo por meio do qual compradores e vende-
dores interagem poara estabelecer preços, trocar bens e serviços e ativos” 61.

60 Dados extraídos de matéria publicada no jornal Valor Econômico, disponível em link


https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2023/10/23/e-commerce-deve-movimentar-
r-1857-bilhoes-em-2023.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
61 SAMUELSON, Paul e NORDHAUS, William D. Economia. 19 ed. Trad. Elsa Fontainha
e Jorge Pires Gomes. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda, 2012, p. 22. 75
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Este mecanismo de relacionamento social funciona perfeitamente bem há


séculos. Desde as primeiras trocas nas civilizações mais antigas até as sofisti-
cadas operações com derivativos nos mercados de futuro atuais, a mecânica
é basicamente a mesma. Um indivíduo está disposto a vender e encontra um
outro indivíduo disposto a comprar o produto ou serviço e assim se concre-
tiza o negócio.

O mercado, entendido como ambiente de trocas voluntárias, desempenha


um papel fundamental de coordenação social por meio do sistema de preços.
O preço representa, em termos monetários, a correlação entre bens e serviços
distintos, de modo a facilitar as trocas. Imagine que você é dentista e sua ha-
bilidade consiste em oferecer tratamento dentário. Num cenário em que não
houvesse moeda, você seria obrigado a trocar os seus serviços pelos bens que
estivesse necessitando. Assim, suponha-se que você necessitasse de sapatos.
Neste caso, seria necessário procurar um sapateiro que estivesse precisando de
tratamento dentário para trocar o seu serviço pelos sapatos que necessita com-
prar. Já dá para imaginar o quão complexas seriam as relações. Se introduzir-
mos a moeda neste mercado hipotético, perceba como as trocas funcionam de
maneira mais fluída. O dentista ofereceu serviço dentário para um advogado
que pagou o tratamento com os honorários que havia recebido. O dentista
não foi obrigado a trocar serviço dentário por serviço advocatício. Agora,
com o preço pago pelo advogado, você pode ir até qualquer loja de sapatos e
realizar a troca do seu serviço (aqui representado por dinheiro) pelo sapato
que melhor lhe convier. Esta singela ilustração mostra uma teia complexa e ao
mesmo tempo fascinante de trocas voluntárias que ocorrem constantemente
todos os dias. Este mecanismo funciona perfeitamente sem que exista uma
autoridade impondo que o dentista seja obrigado a atender o advogado, nem
que o sapateiro seja obrigado a vender seus sapatos ao dentista. As trocas
ocorrem sinalizadas pelos preços atribuídos aos bens e serviços, de modo a
coordenar as decisões entre produtores e consumidores62 .

Ocorre que o acesso ao mercado tem um custo. Este tema vem sendo tratado
pela economia como custo de transação, definido em termos muito singelos
como o custo de ir ao mercado e se engajar em trocas nesse ambiente. A
discussão tem origem numa inquietação: Por que existem as empresas63? A
questão suscitada por Ronald Coase em 1937 buscava explicar por que surgiria

62 KRUGMAN, Paul e WELLS, Robin. Introdução à Economia. 2 ed. Trad. Helga Hoffmann.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 12.
63 COASE, Ronald H. The firm, the Market and the Law. Chicago: The university of Chicago
76 Press, 1990, p. 37.
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a firma numa economia de livre mercado onde as trocas voluntárias poderiam


naturalmente resolver as necessidades do mercado. Se o mecanismo de preços
é capaz de prover todas as necessidades e realizar as alocações mais eficientes,
qual seria a justificativa para a existência de uma organização hierarquizada?
Afinal, o que determina quais atividades a firma irá incorporar e fazer por si
mesma e quais atividades irá buscar no mercado64?

O trabalho de Coase demonstra que o tamanho da firma (ou a sua própria


existência) deve levar em consideração o que chamou de custo do mercado
(isto é, os custos de usar o mecanismo de preço) e os custos de organização de
diferentes empreendedores65. Portanto, Ronald Coase antecipou a proposição
de que não era uma pré-existente entidade tecnológica, mas que a firma e o
mercado seriam modos alternativos de organização. Assim, a escolha entre o
mercado e a organização hierarquizada (firma) seria decidida principalmente
pelos custos de transação66.

A pesquisa de Coase trouxe outros dois dilemas: (1) se o mercado é perfeito,


por que a maior parte das atividades são organizadas em empresas? (2) Se a
organização da produção em empresas traz mais vantagens em relação ao
mercado, por que todas as trocas não se organizam em torno de numa única
grande empresa? Segundo Willianson, em um número maior que o desejado,
a substituição da organização interna pelas trocas promovidas no mercado é
atrativa menos em razão das economias tecnológicas associadas à produção
e mais em razão do que pode ser conhecido como “falhas transacionais” na
operação do mercado para intermediar a troca de bens.

Esta noção esclarece um dos entraves para o estabelecimento das trocas. Di-
agnosticou-se que em razão das “falhas transacionais”, os agentes precisam se
acautelar de informações, dados, cautelas, medidas para evitar prejuízos ou
comportamentos oportunistas e este custo é mais elevado quanto piores são
as instituições de um determinado país, como apontou Douglas North em
sua célebre obra que marca o “institucionalismo” na Economia67. Todo bra

64 WILLIAMSON, Oliver E. e WINTER, Sidney G. The Nature of the Firm. Origins, evolution and
development. New York: Oxford University Press, 1993, p. 4.
65 COASE, Ronald H. The firm, the Market and the Law. Chicago: The university of Chicago Press, 1990,
p. 53.
66 WILLIAMSON, Oliver E. The transaction cost economics Project. The theory and Practice of the Gov-
ernance of Contractual Relations. Northhampton: Edward Elgar Publishing, 2013, p. 3.
67 NORTH, Douglas C. Institucions, institucional chance and economic performance. New York: Cam-
bridge Univerty Press, 1990, p 27.
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sileiro sabe o quanto é penoso estabelecer relações, cumprir e fazer cumprir


os compromissos em solo pátrio. Isso se deve, como explica Douglas North,
ao elevado custo de transação brasileiro que tem como causa as péssimas
instituições e o baixo “enforcement”68.

O ponto central para a melhor fluidez dos mercados passa a ser a redução
de custos de transação e durante séculos a civilização humana só confiava às
instituições estatais o papel de regulador de tais relações. Com a expansão
das relações comerciais que passaram a atravessar continentes, seria demasi-
adamente custoso elaborar uma investigação sobre a vida pregressa da con-
traparte num contrato. Tampouco seria viável fazer uma “due diligence” para
formalizar a compra de um produto ou serviço. O Direito desempenhou um
papel fundamental de agregador de confiança e estabilidade nas relações, per-
mitindo que mais e mais trocas fossem viabilizadas entre pessoas e empresas
que jamais se conheceram. No entanto, como apontado por Douglas North,
a depender da qualidade das instituições de um determinado país, o custo de
transação acabaria inviabilizando certas trocas, na medida em que os agen-
tes econômicos acabariam por precificar a ineficiência das soluções ofertadas
naqueles ordenamentos jurídicos.

É neste contexto que o desenvolvimento tecnológico descortina um novo


horizonte de possibilidades. A intermediação das trocas por meio de ambi-
entes virtuais deixa para trás objeções e reduz o custo de transações entre
partes desconhecidas que podem estar sediadas em jurisdições igualmente
desconhecidas. A perspectiva que se apresenta com o crescimento do modelo
de negócio inaugurado com a economia compartilhada é que os custos de
transação que induziram a criação de grandes organizações cuja lógica era a
integração vertical da produção69 hoje são colocados em xeque.

É possível ilustrar a questão a partir da análise da plataforma Airbnb está pre-


sente em mais de 65.000 cidades espalhadas em 191 países, tendo viabilizado
a hospedagem de mais de 200.000.000 de pessoas e não possui um único im-
óvel70. Comparando com grandes conglomerados do setor hoteleiro, o mod-
elo de negócio alcançou proporção muito maior que qualquer grande rede
de hotéis no mundo. Assim, pode-se dizer que o aumento nas possibilidades

69 WILLIAMSON, Oliver E. The transaction cost economics Project. The theory and Practice
of the Governance of Contractual Relations. Northhampton: Edward Elgar Publishing, 2013,
p. 7.
70 Dados obtidos na página oficial do Airbnb, disponível em https://www.airbnb.com.br/
78 about/about-us.
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de eficiência na oferta descentralizada de bens e serviços e redução de custos


de transação são acompanhados de uma terceira transformação decisiva na
organização produtiva contemporânea71.

O fenômeno é tratado pelo Professor Manoel Gustavo Neubarth Trindade72


em excelente artigo científico onde cunha a expressão “economia de plata-
forma”, assim sintetizada:

“a verdadeira mudança ou transfor- mação não é uma nova


tecnologia em si, mas sim, especificamente, uma forma de
organização diferenciada dos mercados, qual seja, a disposição
de suas estruturas (dos mercados) em forma de plataforma, o que
está sendo largamente difundido em diversos segmentos, sendo
responsável por reduzir severamente os custos de transação e, dessa
forma, ensejando ao sistema de mercado proporcionar ainda maior
eficiência econômica. Tal fenômeno, justamente, é o que estamos a
sustentar seja a Economia de Plataforma”73.

Estabelecido o contexto do surgimento da chamada “economia de


plataforma” é possível compreender a razão pela qual os chamados “market
places” deveriam ser saudadas e o seu uso estimulado. Em poucas palavras,
as plataformas viabilizam transações que em outras circunstâncias seriam
inimagináveis. Pense você, por exemplo, como seria custoso e quase inviável
adquirir uma blusa de um fabricante chinês se não houvesse uma plataforma
que encurtasse a distância e simplificasse a negociação entre o produtor e o
consumidor. As plataformas ou também chamadas de “market places” operam
como se fossem “vitrines” para que o produtor e consumidor possam se

71 ABRAVAMOVAY, Ricardo. A economia híbrida do século XXI. In: COSTA, Elaine e


AGUSTINI, Gabriela (org). De baixo para cima. Disponível em http://www.livro.debaixo-
paracima.com.br/aA economiaAhibridaAdoAseculoAxxi/.
72 TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth.. Economia De Plataforma (Ou Tendência À
Bursatilização Dos Mercados): Ponderações Conceituais Distintivas Em Relação À Economia
Compartilhada E À Economia Colaborativa E Uma Abordagem De Análise Econômica Do
Direito Dos Ganhos De Eficiência Econômica Por Meio Da Redução Severa Dos Custos De
Transação. Rjlb - Revista Jurídica Luso-Brasileira, V. 4, P. 1977, 2020.
73 DTRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth.. Economia De Plataforma (Ou Tendência À
Bursatilização Dos Mercados): Ponderações Conceituais Distintivas Em Relação À Economia
Compartilhada E À Economia Colaborativa E Uma Abordagem De Análise Econômica Do
Direito Dos Ganhos De Eficiência Econômica Por Meio Da Redução Severa Dos Custos De
Transação. Rjlb - Revista Jurídica Luso-Brasileira, V. 4, P. 1985. 79
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encontrar. É preciso deixar claro que, via de regra, a plataforma não vende
nada. A sua atividade se limita a intermediar o produtor que oferta e o consu-
midor que demanda, utilizando de ferramentas tecnológicas para reduzir os
custos de transação e tornar mais rápido, fácil e ágil tais transações.

Neste contexto, é curioso observar que o mesmo Estado que falhou na missão
de criar um mercado saudável e que estivesse comprometido em promover
a redução dos custos de transação, agora vislumbra uma oportunidade de
tributar a solução criada pelo mercado. De toda forma, a investigação aqui
empreendida não se volta contra a tributação incidente sobre as plataformas.
Em verdade, o que o presente artigo pretende demonstrar é que dentro
do contexto de um novo mercado mediado por plataformas, é preciso
compreender adequadamente a noção de receita e lucros tributáveis como se
passa a demonstrar a seguir.

3. A DEFINIÇÃO DE RENDA TRIBUTÁVEL


A PARTIR DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
ESTABELECIDA NA CONSTITUIÇÃO E
INTERPRETADA PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Dentro do contexto da economia de plataforma, surge a dúvida sobre o correto


tratamento a ser conferido nas transações mediadas pelos chamados “market
places”. Como explicitado acima, as plataformas de e-commerce não vendem
produtos ou entregam serviços. O papel das plataformas é, como buscou-se
ilustrar, servir de “vitrine virtual” para que produtor e consumidor se encontrem
de maneira mais rápida, fácil e assertiva. Nessa missão entra o papel dos algoritmos
que funcionam como filtros para eliminar ofertas indesejadas, produtores não
confiáveis, consumidores inadimplentes e assim por diante. É por meio da
programação da plataforma que o produtor será exposto para aquele consumidor
mais interessado no seu produto, assim como ao consumidor será somente lhe
serão apresentadas ofertas que aprecia, reduzindo assim o tempo em que cada uma
das partes gastaria em condições normais para formalizar o negócio jurídico. Este
é, em síntese, o serviço prestado pela plataforma. Evidentemente que este serviço é

80
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remunerado, na medida em que a plataforma cobra uma comissão em cada venda


concretizada. Neste ponto é que surge a dúvida: qual a receita a ser ofertada à
tributação pelos vendores que se valem das plataformas? O valor total da venda
(produto mais a comissão) ou cada parte deveria segregar a sua própria receita, de
modo que a receita da intermediação seria apropriada pela plataforma e a receita
da venda, descontada o custo de intermediação, seria apropriado pelo produtor?

Para responder a este dilema, é importante entender o funcionamento do Siste-


ma Tributário Nacional. O sistema tributário brasileiro está estruturado em com-
petências tributárias definidas pela Constituição e hipóteses de incidência inscul-
pidas na legislação tributária que delimitam o poder de tributar. Na hipótese em
tela, a regra matriz do imposto sobre a renda está definida no artigo 153, inciso III
da Constituição que confere poder à União para tributar a renda e os proventos
de qualquer natureza. Em suma, o exercício da tributação está jungido ao con-
ceito constitucional de renda complementado pelo Código Tributário Nacional
que submete à tributação o “acréscimo patrimonial”, caracterizando o elemento
comum e nuclear do conceito de renda e de proventos, como leciona Leandro
Paulsen74.

Para ilustrar o quão despropositado é tributar a comissão das plataformas, invoco


uma situação que gerou intensa controvérsia. Durante muito tempo, questionou-
se a incidência da tributação sobre meras movimentações bancárias. Entedia, o
fisco, que o fato de circular recursos na conta corrente autorizaria, em tese, afirmar
que ali havia expressão de receita a ser tributada. A mera circulação de valores
autorizaria a tributação? Entendo que não. É preciso identificar e comprovar o
ingresso como “acréscimo patrimonial”, o que significa entrada de numerário que
passa a incorporar o patrimônio do contribuinte. Nesse sentido, é o entendimento
de José Artur Lima Gonçalves que assim menciona: “A restrição à certas entradas e
certas saídas é imperativo do corte necessário à análise, somente, daqueles eventos
que tenham ontologicamente significado relacionado ao conceito do acréscimo
patrimonial que entendemos configurar renda.75”. Como explica o Min. Carlos
Velloso, não se pode mirar para um depósito bancário e ipso facto tratá-lo como
renda tributável:

74 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 4 ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012, p. 228.
75 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 4 ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012, p. 228. 81
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“É que o sinal exterior de riqueza – os depósitos bancários, que evi-


denciariam a renda auferida ou consumida pelo contribuinte – deve
ser o marco inicial da investigação do Fisco, com vistas a comprovar
que o contribuinte teve o seu patrimônio aumentado sem a necessária
declaração dos rendimentos, não sendo possível aceitar-se aquilo que
deve ser o marco inicial da investigação com o seu ato final. Noutras
palavras, não é possível acolher o procedimento do Fisco, que, diante
dos depósitos bancários, tem como finda a investigação e faz incidir a
tributação sobre tais depósitos. Se esse procedimento fosse aceito, o ponto
inaugural da investigação fiscal acabaria se transformando no ato final, o
que não é admissível”76.

A caracterização do acréscimo patrimonial, para fins de descoberta do sinal exteri-


or de riqueza, depende de vários requisitos que os depósitos bancários, na exempli-
ficação aqui levada a efeito, por si sós, não satisfazem, a saber: perfeita identificação
do sinal; fixação da renda tributável relacionada com o sinal; demonstração da
natureza tributável do rendimento; demonstração de que tal renda já não foi trib-
utada. Este tema já foi enfrentado pelo antigo Conselho de Contribuintes:

IRPF – OMISSÃO DE RENDIMENTO – LANÇAMENTO COM


BASE EXCLUSIVAMENTE EM DEPÓSITO BANCÁRIO – Os
depósitos bancários não constituem, por si só, fato gerador do imposto
de renda pois não caracterizam disponibilidade econômica de renda e
proventos. O lançamento baseado em depósitos bancários só é admissível
quando ficar comprovado o nexo causal entre o depósito e o fato que
representa omissão de rendimento. (Acórdão 104-17.494, da 4a Câmara
do 1o Conselho de Contribuintes, cuja ementa, publicada no DOU de
13.09.2000).

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) adotou idêntica posição,


estabelecendo que as transferências bancárias por si só, não podem ser considera-
das com aplicação de recursos.

Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF - Ano-calendário:


2001, 2002 - ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO

76 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey,
82 1998, p. 378.
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— AUSÊNCIA DE CONFRONTAÇÃO DAS FONTES COM


AS APLICAÇÕES DE RECURSOS — TRANSFERÊNCIAS
BANCÁRIAS — AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS
TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS COM RENDA CONSUMIDA
OU AUMENTO PATRIMONIAL SEM LASTRO EM
RENDIMENTOS DECLARADOS — Para se imputar a infração
decorrente de acréscimo patrimonial a descoberto a contribuinte, mister
confrontar todas as fontes de recursos, com as respectivas aplicações,
em cada mês do anocalendário. Transferências bancárias, por si só, não
podem ser utilizadas como aplicação de recursos, devendo a fiscalização
perscrutar os beneficiários das transferências bancárias, buscando
comprovar o consumo ou aumento patrimonial que tenha beneficiado
o contribuinte fiscalizado. Recurso voluntário provido. (Acórdão n° 106-
17.156 – 6a TURMA/DRJ em SÃO PAULO - SP II, Data da Sessão:
06 de novembro de 2008, Rel. Giovanni Christian Nunes Campos)77.

É possível colher na doutrina a mesma orientação, reconhecendo que o “acréscimo


patrimonial” é traço indispensável para configuração do fato gerador do imposto
de renda:

“Ao determinar o legislador que os proventos são acréscimos não com-


preendidos na renda, definiu que, tanto para o inciso I, quanto para o
inciso II do artigo 43, o acréscimo patrimonial é que determina o que
seja aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica e provoca a con-
cretização da hipótese de imposição do imposto previsto no inciso III do
artigo 153 da Constituição Federal. Sem acréscimo patrimonial não há,
pela Constituição e pela lei complementar — que define o fato gerador
do imposto sobre a renda — renda ou provento tributável”78.

77 No mesmo sentido: “ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. AUSÊNCIA DE CON-


FRONTAÇÃO DAS FONTES COM AS APLICAÇÕES DE RECURSOS. TRANSFERÊNCIAS
BANCÁRIAS. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS COM
RENDA CONSUMIDA OU AUMENTO PATRIMONIAL SEM LASTRO EM RENDIMENTOS
DECLARADOS. Para se imputar a infração decorrente de acréscimo patrimonial a descoberto a contribu-
inte, mister confrontar todas as fontes de recursos, com as respectivas aplicações, em cada mês do anocal-
endário.Transferências bancárias, por si só, não podem ser utilizadas como aplicação de recursos, devendo a
fiscalização perscrutar os beneficiários das transferências bancárias, buscando comprovar o consumo ou au-
mento patrimonial que tenha beneficiado o contribuinte fiscalizado.Recurso Voluntário Provido”. (Acórdão
n° 220101.463 – 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Data da Sessão: 19 de janeiro de 2012, Rel. Eduardo
Tadeu Farah).
78 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O fato gerador do imposto sobre a renda e a aquisição de disponib-
ilidade econômica ou jurídica que implique acréscimo patrimonial - inteligência do artigo 43 do Código
Tributário Nacional - ilegalidade de pretendida incidência sem ocorrência de. In Revista Dialética de Dire-
ito Tributário, n. 137, p. 108 - 117
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O Superior Tribunal de Justiça já pode examinar a questão referente a tentativa de


tributar mera movimentação bancária:

PROCESSO CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 267, INCISO IV e 13,


INCISO I, AMBOS DO CPC. PODERES DE SÓCIO PARA OUT-
ORGAR MANDATO A ADVOGADO. SANEADOR IRRECOR-
RIDO – MATÉRIA PRECLUSA – ALEGAÇÃO AFASTADA.
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. AUTUAÇÃO COM
BASE APENAS EM DEPÓSITOS BANCÁRIOS. INADMISSI-
BILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 82/TFR. SÚMULA 7/
STJ. - Entendido ilegítimo, nas instâncias ordinárias, “o lançamento do
Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos
bancários” (Súmula 182/TFR), não cabe a esta Corte reexaminar a pro-
va para concluir que se não deu a autuação com supedâneo apenas em
extratos ou depósitos bancários. Incidência da Súmula 7/STJ. - Dissídio
jurisprudencial não comprovado. - Recurso não conhecido. RECURSO
ESPECIAL Nº 158.690 - RS (1997/0090545-4) RE R : MINISTRO
FRANCIULLI NETTO.

É possível localizar na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o reconhe-


cimento de que a riqueza que atrai a incidência do imposto de renda é aquela
que representa acréscimo patrimonial, incremento da riqueza. Vale reproduzir o
precedente:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA.


RENDA – CONCEITO. Lei n. 4.506, de 30.XI.64, art. 38, C.F./46,
art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43. I. –
Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer
a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que
ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo , a título oneroso.
C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN,
art. 43. II. – Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que in-
stitui adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuidos. III.
– R.E. conhecido e provido” (RE nº 117.887/SP, Tribunal Pleno, Relator
o Ministro Carlos Velloso, DJ de 23/4/93)

84
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A invocação do tema tributação de movimentações bancárias que serve de


paradigma para a investigação aqui tem o objetivo de demonstrar que a
incidência da tributação da renda submete-se à verificação do requisito chamado
de “acréscimo patrimonial” com o elemento “disponibilidade jurídica”, ambos
previstos no artigo 43 do Código Tributário Nacional. Como lecionam Luis
Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga “uma leitura atenta do dispositivo, por
outro lado, leva-nos à conclusão de que não basta a existência de uma riqueza para
que haja a tributação; é necessário que haja disponibilidade sobre a renda ou sobre
o provento de qualquer natureza”79.

Da mesma forma, pode-se afirmar que a Constituição estabelece que a tributação


somente pode alcançar aqueles contribuintes que revelem capacidade para con-
tribuir (art. 145, § 1°, CRFB), sendo interditado tributar quem não ostente capaci-
dade econômica para contribuir com o Fisco. A Constituição protege a dignidade
da pessoa humana (art. 1°, III da CRFB) e no Direito Tributário esta norma se pro-
jeta como interdição à tributação do mínimo vital ou mínimo existencial. Logo,
ainda que se observe algum ingresso, deve-se afastar a incidência da tributação por
não se vislumbrar ali qualquer capacidade contributiva. É emblemático o julga-
mento da ADI n° 5.422, relatada pelo Min. Dias Toffoli, que enfrentou a arguição
de inconstitucionalidade sobre a tributação da pensão alimentícia. O relator, min-
istro Dias Toffoli, apresentou voto para considerar a cobrança inconstitucional:

“Alimentos ou pensão alimentícia oriunda do Direito de Família não


são renda nem provento de qualquer natureza do credor dos alimentos,
mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos (acréscimos pat-
rimoniais) recebidos pelo alimentante”,

Na visão do Ministro a incidência do Imposto de Renda caracterizaria verdadeiro


“bis in idem”, o que contraria os preceitos constitucionais que regem a tributação
no Brasil.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os valores recebidos


por trabalhador a título de juros de mora possuem caráter indenizatório e, portan-
to, não se submetem à incidência do imposto de renda. O julgamento do Tema
808 (RE 855.091), de Relatoria do Min. Dias Toffoli, envolvia a restituição do
imposto de renda que incidira sobre os juros moratórios que foram aplicados por
ocasião do pagamento de verbas remuneratórias de um empregado. O recurso ex

79 SCHOUERI, Luis Eduardo e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação dire-


ta da renda. 2 ed. São Paulo: IBDT, 2021, p. 15. 85
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traordinário tem origem no julgamento realizado pelo Tribunal Regional


Federal da 4ª Região que havia afastado a incidência da tributação por entender
que os valores relativos aos juros de mora possuem natureza indenizatória e não
caracterizam acréscimo patrimonial. No julgamento, a Corte fez referência à
arguição de inconstitucionalidade n° 5020732-11.2013.404.0000 que declarou a
não recepção do art. 16, parágrafo único da Lei n° 4.506/64 nos seguintes termos:

“ao credor a privação de bens essenciais[,] podendo até mesmo ocasionar


seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos”. Adu-
ziu também que o art. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64 recon-
hece os juros de mora como indenização e que o STJ tem entendimento
sumulado no sentido da não incidência do imposto sobre as verbas re-
cebidas a título de danos morais (Súmula nº 498/STJ), por elas terem
natureza indenizatória. Assentou, além disso, que tramita no Congresso
Nacional projeto de lei visando a afastar a incidência do imposto sobre
os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração (PL
nº 4.635/12) e que o STF já se manifestou, na esfera administrativa, no
sentido de que o imposto não incide sobre os juros de mora (Processo nº
323.526, Primeira Sessão Administrativa, 21/2/08)”.

Ao apreciar o tema, o Supremo Tribunal Federal novamente aprecia o conceito


constitucional de renda tributável à exemplo do enfrentamento realizado no julga-
mento da ADI 5.422. Tanto no tema 808, quanto na ADI 5.422, a Corte reafirma
que a renda passível de incidência de tributação é aquela que representa “acréscimo
patrimonial”. Nas palavras do Min. Dias Toffoli:

“Não parece haver dúvidas, portanto, que a expressão juros moratórios,


que é própria do direito civil, designa a indenização pelo atraso no
pagamento da dívida em dinheiro. Para o legislador, o não recebimento
nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais se tem
direito implica prejuízo. Note-se que o legislador previu a possibilidade
de serem as perdas efetivas maiores que os juros de mora, e por isso,
possibilitou, caso não haja pena convencional, a concessão de indenização
complementar”.

86
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A Suprema Corte foi instada a se pronunciar sobre o conceito de receita bruta para
o fim de interpretar o artigo 195 quando do julgamento do RE n° 606.107. Na
oportunidade, a Relatora, Mina Rosa Weber estabeleceu a seguinte orientação:

“O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, “b”, da Constituição


Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento,
aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que
determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS
não cumulativas sobre o total das receitas, “independentemente de sua
denominação ou classificação contábil”. Ainda que a contabilidade
elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento
das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a
determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum
subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada
também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios
e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma
constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro
que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo,
sem reservas ou condições”.

A interpretação da expressão “receita” cunhada pelo Supremo Tribunal Federal


no precedente acima reproduzido nos auxilia a compreender adequadamente o
problema suscitado na presente investigação. Pode-se resumir o esforço aqui
empreendido como uma tentativa de estabelecer as balizas constitucionais para
a questão ora enfrentada. Buscou-se demonstrar que a incidência da tributação
da renda no país não pode ser simplificada a todo e qualquer ingresso registrado
pelo contribuinte. Há uma diretriz de renda tributável fixada na Constituição e
cuja norma é construída pela interpretação do Supremo Tribunal Federal, como
se pretendeu demonstrar. Em suma, há que se reconhecer que o valor está na sua
esfera de disponibilidade jurídica e que o mesmo numerário representa acréscimo
patrimonial na trilha dos precedentes referidos acima.

87
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4. PROPOSTA DE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO


PARA RECEITA DE PESSOAS JURÍDICAS QUE SE
UTILIZAM DE PLATAFORMAS
Como se demonstrou, nosso consumo de produtos e especialmente de comi-
da passa pela intermediação de grandes plataformas que aproximam o for-
necedor do consumidor. Dentro de um aplicativo é possível escolher uma
variedade de tipos e preços de comidas, produtos e serviços. Para viabilizar a
transação, as plataformas exigem das partes uma comissão que é repassada ao
preço do pedido ao consumidor.

Os aplicativos de entrega cobram e retêm uma taxa que varia de 3% a 30%


do valor do pedido, fruto da sua intermediação entre o estabelecimento e o
comprador. O ponto importante é que o valor não pertence ao restaurante
ou ao vendedor do produto. Muitas plataformas já fazem o que se chama de
“split” e faturam em separado a comissão e o valor da refeição. No entanto,
outras plataformas geram faturas com o valor bruto e esse procedimento dá
ensejo ao problema enfrentado neste artigo.

A resolução do problema de pesquisa aqui suscitado passa por desvendar o


adequado conceito de receita. Como bem destacam Elidie Bifano e Bruno
Fajersztajn80, a noção de receita pode variar a partir da lente da ciência a
observar o fenômeno:

“A receita e seu reconhecimento contábil, tema central do CPC 47,


é objeto de diversas ciências, a saber: contabilidade – fruto da venda
de bens e serviços; Ciências das Finanças – capital arrecadado para
fazer frente à despesa pública; Economia – entrada monetária em
entidade/patrimônio; e Direito – fruto das atividades sociais incorp-
orado em definitivo ao patrimônio da entidade”.

Quando analisamos a legislação societária, é possível observar que a Lei n°


6.404 apresenta a expressão “receita” como gênero, sendo receita bruta e re-

80 BIFANO, Elidie Palma e FAJERSZTAJN, Bruno. Potenciais impactos tributários do CPC


47 nos negócios voltados à economia digital. In: Alexandre Monteiro (org.). Tributação da
Economia Digital: desafios no Brasil, experiência internacional e novas perspectivas. São Paulo:
88 Saraiva, 2018, p. 145.
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ceita líquida espécies. Quando a norma explicita a chamada Demonstração


de Resultado do Exercício, pode-se localizar os conceitos trazidos pelo legis-
lador:

Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:


I - a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os
abatimentos e os impostos;
II - a receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias e
serviços vendidos e o lucro bruto;
III - as despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzidas
das receitas, as despesas gerais e administrativas, e outras despesas
operacionais;
IV – o lucro ou prejuízo operacional, as outras receitas e as outras
despesas; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
V - o resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda e a
provisão para o imposto;
VI – as participações de debêntures, empregados, administradores e
partes beneficiárias, mesmo na forma de instrumentos financeiros, e
de instituições ou fundos de assistência ou previdência de emprega-
dos, que não se caracterizem como despesa; (Redação dada pela Lei
nº 11.941, de 2009)
VII - o lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por
ação do capital social.

A legislação tributária prescreve a noção de receita bruta como se pode ob-


servar no artigo 12 do Decreto-Lei n° 1.598:

Art. 12. A receita bruta compreende


I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria
II - o preço da prestação de serviços em geral;
III - o resultado auferido nas operações de conta alheia;
IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica
não compreendidas nos incisos I a III.

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O dispositivo legal não deixa dúvida. A noção de receita bruta pressupõe a


venda de bens ou prestação de serviço associados ao objeto social da pessoa
jurídica. Idêntica disposição é encontrada no artigo 208 do Regulamento do
Imposto de Renda (Decreto n° 9.580/201881), assim como é rigorosamente
replicado no artigo 26 da Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017. No caso
da nossa investigação, a receita bruta corresponde a venda de produtos ou
serviços ao consumidor, descontada eventual comissão exigida pela plata-
forma on-line. Já se pode afirmar que não integra o conceito de receita a taxa
ou comissão exigida pelo intermediário (plataforma).

A interpretação proposta inclusive já foi objeto de apreciação por parte da


Receita Federal quando instada a responder uma consulta formulada por
contribuinte. Na Solução de Consulta COSIT n° 170/2021, a Receita Federal
estabeleceu a receita passível de tributação pela IRPF, CSLL, PIS e COFINS
o preço do serviço cobrado pelo market place e não o valor integral pago pelo
consumidor:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ BASE


DE CÁLCULO. RECEITA BRUTA. PREÇO DO SERVIÇO. A
receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
no caso de prestação de serviços, corresponde ao preço do serviço.
Não se incluem no conceito de receita bruta de que trata o art. 12 do
Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, os valores que circulam na contabi-
lidade de pessoa jurídica e não lhe pertencem, sendo propriedade e
receita bruta de terceiros.
Dispositivos Legais: Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12; Anexo
do Decreto nº 9.580, de 2018, art. 208; e Instrução Normativa RFB
nº 1.700, de 2017, art. 26.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL BASE

81 Art. 208. A receita bruta compreende ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, caput ):
I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
II - o preço da prestação de serviços em geral;
III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e
IV - as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas no
inciso I ao inciso III do caput .
§ 1º A receita líquida será a receita bruta diminuída de ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art.
12, § 1º ):
I - devoluções e vendas canceladas;
II - descontos concedidos incondicionalmente;
III - tributos sobre ela incidentes; e
IV - valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183
90 da Lei nº 6.404, de 1976 , das operações vinculadas à receita bruta.
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DE CÁLCULO. RECEITA BRUTA. PREÇO DO SERVIÇO. A


receita bruta, para fins do art. 2º da Lei nº 7.689, de 1988, combi-
nado com o art. 26 da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017,
no caso de prestação de serviços, corresponde ao preço do serviço.
Não se incluem no conceito de receita bruta de que trata o art. 26 da
Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017, os valores que circu-
lam na contabilidade de pessoa jurídica e não lhe pertencem, sendo
propriedade e receita bruta de terceiros.
Dispositivos Legais: Lei nº 7.689, de 1988, art. 2º; e Instrução Nor-
mativa RFB nº 1.700, de 2017, art. 26.
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
– Cofins BASE DE CÁLCULO. RECEITA BRUTA. PREÇO DO
SERVIÇO. A receita bruta, para fins do art. 1º, §1º da Lei nº 10.833,
de 2003, no caso de prestação de serviços, corresponde ao preço do
serviço. Não se incluem no conceito de receita bruta, para fins do art.
1º, §1º da Lei nº 10.833, de 2003, os valores que circulam na conta-
bilidade de pessoa jurídica e não lhe pertencem, sendo propriedade e
receita bruta de terceiros.
Dispositivos Legais: Lei nº 10.833, de 2003, art. 1º, §1º; e Decre-
to-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12.
Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep BASE DE CÁLCULO.
RECEITA BRUTA. PREÇO DO SERVIÇO.
A receita bruta, para fins do art. 1º, §1º da Lei nº 10.637, de 2002,
no caso de prestação de serviços, corresponde ao preço do serviço.
Não se incluem no conceito de receita bruta, para fins do art. 1º, §1º
da Lei nº 10.637, de 2002, os valores que circulam na contabilidade
de pessoa jurídica e não lhe pertencem, sendo propriedade e receita
bruta de terceiros.
Dispositivos Legais: Lei nº 10.637, de 2002, art. 1º, §1º; e Decre-
to-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12.

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ


RECEITA BRUTA. ADMINISTRADORA DE BENEFÍCIOS.
A receita bruta compreende o produto da venda de bens nas oper-
ações de conta própria; o preço da prestação de serviços em geral; o
resultado auferido nas operações de conta alheia e as demais receitas
da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.

91
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Os valores recebidos pela administradora de benefícios pelos serviços


que ela própria presta e para os quais foi contratada, e.g. o serviço de
cobrança de mensalidade de beneficiários, são considerados sua re-
ceita bruta, nos termos do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977.
Os valores arrecadados pela administradora de benefícios que não
configurem preço do serviço que ela própria presta nem para o qual
foi contratada e que sejam posteriormente repassados à operadora
de plano de saúde, desde que amparados por documentação fiscal
idônea que comprove o efetivo prestador do serviço, não devem ser
computados como receita bruta da administradora, para fins de apu-
ração do IRPJ, no âmbito do Lucro Real.
SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA
à SOLUÇÃO DE CONSULTA Cosit nº 40, DE 16 DE JANEIRO
DE 2017
Dispositivos Legais: Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL
RECEITA BRUTA. ADMINISTRADORA DE BENEFÍCIOS.
A receita bruta compreende o produto da venda de bens nas oper-
ações de conta própria; o preço da prestação de serviços em geral; o
resultado auferido nas operações de conta alheia e as demais receitas
da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.
Os valores recebidos pela administradora de benefícios pelos serviços
que ela própria presta e para os quais foi contratada, e.g. o serviço de
cobrança de mensalidade de beneficiários, são considerados sua re-
ceita bruta, nos termos do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977.
Os valores arrecadados pela administradora de benefícios que não
configurem preço do serviço que ela própria presta nem para o qual
foi contratada e que sejam posteriormente repassados à operadora
de plano de saúde, desde que amparados por documentação fiscal
idônea que comprove o efetivo prestador do serviço, não devem ser
computados como receita bruta da administradora, para fins de apu-
ração da CSLL.
SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA
à SOLUÇÃO DE CONSULTA Cosit nº 40, DE 16 DE JANEIRO
DE 2017
Dispositivos Legais: Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12.
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
PROCESSO DE CONSULTA. INEFICÁCIA PARCIAL.

92
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É ineficaz o questionamento apresentado de forma genérica, que não


identifique o dispositivo da legislação tributária sobre cuja aplicação
haja dúvida e que tiver por objetivo a prestação de assessoria jurídica
ou contábil-fiscal pela RFB.
Dispositivos Legais: IN RFB nº 2.058, de 2021, art. 27, II e XIV.

Na Solução de Consulta Cosit n° 109 de 7 de junho de 2023, agora envolven-


do a retenção de SEST e SENAT, a Receita Federa estabeleceu idêntica linha
de raciocínio:

Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias


TERCEIROS. SEST. SENAT. CONDUTOR AUTÔNOMO
DE VEÍCULO RODOVIÁRIO. TAXISTA. MOTORISTA DE
TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO INDIVIDUAL
DE PASSAGEIROS. APLICATIVO CONTRATADO POR PES-
SOA JURÍDICA.
A empresa de aplicativo (ou outra plataforma de comunicação), ain-
da que firme contratos com pessoas jurídicas para redirecionamen-
to dos serviços de transporte solicitados aos condutores autônomos
de veículo rodoviário em prol dos passageiros por elas indicados ou
autorizados, atua como mera intermediadora, estando, pois, deso-
brigada de reter e recolher a contribuição para o Sest e para o Senat
relativa a tais contribuintes individuais.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, art. 4º,
X; Lei nº 8.706, de 14 de setembro de 1993, art. 7º; Decreto nº
3.048, de 6 de maio de 1999 - Regulamento da Previdência Social,
art. 9º, V; Decreto nº 1.007, de 13 de dezembro de 1993, art. 2º,
§ 3º; Instrução Normativa RFB 2.110, de 17 de outubro de 2022,
arts. 8º, XXIV, 49, IV e 103; Solução de Consulta Cosit nº 47, de
24 de março de 2021; Solução de Consulta Cosit nº 251, de 23 de
maio de 2017.

Na Solução de Consulta Cosit n° 251 de 23 de maio de 2017, a Receita


Federal chegou a descer ao detalhamento de distinguir quando eventual
intermediação autoriza a segregação dos valores e quando não é possível:

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ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA


JURÍDICA – IRPJ
EMENTA: ORGANIZADORA DE EVENTOS. LUCRO PRE-
SUMIDO. RECEITA BRUTA. SUBCONTRATAÇÃO.
O conceito de receita bruta das empresas organizadoras de eventos
optantes pelo regime do lucro presumido é determinado pela regra
geral do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, não sendo modificado pelas
disposições do § 2º do art. 30 da Lei nº 11.771, de 2008.
A empresa organizadora de eventos pode atuar de duas formas: 1)
apenas intermediando o negócio, sem contratar nada, nem ninguém
em seu nome, e, dessa forma, sua receita corresponde à comissão
pela intermediação; ou 2) organizando e produzindo o evento em
seu nome e por sua conta, e, nesse caso, a receita bruta será o valor
cobrado pela totalidade do serviço, mesmo que parte desse valor seja
utilizada para pagar fornecedores e prestadores de serviço subcon-
tratados.
Deve constar na Nota Fiscal de Serviço emitida pela empresa organ-
izadora de eventos o valor total do serviço prestado em seu nome,
mesmo que inclua gastos com materiais e subcontratação de serviços.
DISPOSITIVOS LEGAIS: CF, de 1988, art. 150, §6º;Lei nº 11.771,
de 2008, art. 30, § 2º; Lei nº 9.430, de 1996, art. 25; DL nº 1.598,
de 1977, art. 12; SC Cosit nº 263, de 2014; SC Cosit nº 304, de
2014.

Além disso, pode-se dizer que o montante retido não faz parte do faturamen-
to da empresa, podendo ser equiparado, inclusive, a um insumo, uma vez
que é imprescindível para a atividade da empresa, conforme precedente do
Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS.


NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEI-
TO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PE-
LAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA
SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIR-
TUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO.
DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS
CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RE-

94
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CURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE


CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE
PROVIDO, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973
(ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 (…) 2. O concei-
to de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade
ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade
ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o
desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo con-
tribuinte. (…) (REsp n. 1.221.170/PR, relator Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de
24/4/2018.)

O caminho percorrido até aqui pode fazer parecer que a questão é singela
e não há controvérsia sobre o tema, o que seria um equívoco. Ao contrário,
a confusão sobre o adequado tratamento tributário aos negócios mediados
por plataformas está sendo submetido ao Poder Judiciário, o que evidencia
a divergência de interpretações. Tendo em vista este panorama, alguns
estabelecimentos impetraram Mandados de Segurança buscando que o
Fisco cessasse esta absurda exigência. E o Poder Judiciário vem dando
razão aos contribuintes, como demonstrado no Processo nº 1048374-
15.2021.4.01.3400, oriundo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

(…) os valores pagos às plataformas digitais de delivery a título de


“taxa de intermediação” não integram o faturamento da empre-
sa, uma vez que se reveste na sua própria atividade ao intermediar
serviços de pagamento, conforme elencado acima.
Assim, os serviços indicados a título de taxa de intermediação pela
impetrante tem natureza de insumo e, desta forma, geram direito de
aproveitamento de crédito de PIS e COFINS na modalidade não-cu-
mulativa.
Diante de todo o exposto, CONCEDO a segurança para declarar a
ilegalidade da inclusão dos valores pagos às plataformas digitais de
delivery a título de “taxa de intermediação” para compor a base de
cálculo do PIS e da COFINS, assegurada a compensação e/ou res-
tituição das parcelas não tragadas pela prescrição e pela data fixada
na modulação dos efeitos da decisão do STF, nos termos da funda

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mentação acima, ressalvado à Administração o direito de fiscalizar a


liquidez e certeza dos créditos compensáveis.

No mesmo sentido, também se pode citar a decisão proferida pelo Magistra-


do José Arthur Diniz Borges da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro (processo
tramitando sob o Nº 5003370-24.2023.4.02.5101/RJ):

“ (…) Assim, uma vez que a impetrante é empresa do ramo ali-


mentício e que é flagrante que se utilize de plataformas digitais para
impulsionamento de suas vendas, o valor pertinente a “comissão”
paga a tais empresas, cujo valor nem sequer entre na composição em
seu caixa, é certo que tenha a natureza de insumo e, portanto, deve
ser excluída da base de cálculo das contribuições.
Dispositivo
Diante de todo o exposto, CONFIRMO A LIMINAR E CONCE-
DO A SEGURANÇA para determinar que a autoridade impetrada
assegure a impetrante o direito de excluir da base de cálculo das con-
tribuições para o PIS e COFINS o percentual pertinente a comissão
relativa a plataforma digital de entregas (delivery).
Outrossim, declaro o direito da impetrante de COMPENSAR/
RESTITUIR os valores indevidamente recolhidos nessa sistemáti-
ca (Súmula nº 461 do STJ), na forma estabelecida na legislação
de regência, após o trânsito em julgado da decisão (art. 170-A do
CTN), observado o prazo de cinco anos (art. 168 do CTN), ficando
a operação sujeita ao regramento da Secretaria da Receita Federal do
Brasil. Sobre os créditos apurados pela impetrante, incidirá a Taxa
SELIC, com exclusão de qualquer outro índice de juros e de correção
monetária.”

Como a utilização de plataformas de intermediação é um fenômeno recente,


ainda é possível observar muita dúvida e confusão. A investigação aqui em-
preendida buscou estabelecer uma linha divisória entre aquilo que pode ser
considerado como receita e, por decorrência, deve ser oferecido à tributação e
aquilo que não pode ser tratado como receita por não preencher os requisitos
legais.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso saudar e enaltecer os benefícios que o desenvolvimento tecnológico
e econômico é capaz de proporcionar. Fruto da invenção humana, as plata-
formas de vendas ou “market places” reduzem os “custos de transação” e via-
bilizam que mais negócios possam ser realizados, permitindo que ofertantes e
demandantes sejam satisfeitos com o mínio de fricção possível.

Diante deste cenário, é preciso envidar esforços para garantir segurança


jurídica para estas transações e evitar o surgimento de custos de transação
que a invenção tecnológica justamente pretendia evitar. Dentre os custos de
transação, a incidência da tributação é um dos elementos mais impactantes
em países em desenvolvimento e com carga tributária elevada como o Brasil.

Deveria ser uma missão, um compromisso de todo o aparato estatal tutelar a


inovação e permitir que novas ideias floresçam. Ao perceber a importância e
capacidade de maximazação de bem-estar das plataformas, todos deveriam se
comprometer em simplificar, facilitar e reduzir custos de transação. Todavia,
o que se observa no país é um movimento no sentido oposto. A todo momen-
to surge um burocrata ou parlamentar disposto a criar uma regulamentação
ou ampliar a incidência da carga tributária.

A investigação pretendeu deixar claro que as balizas constitucionais interpre-


tadas pelo Supremo Tribunal Federal sinalizam para uma clara limitação ao
poder de tributar a receita. A Corte Suprema construiu uma série de prece-
dentes que, quando lidos em harmonia, pode-se extrair uma ideia clara de
renda tributável. Tais limitações não podem ser desprezadas quando formos
interpretar a legislação infraconstitucional. Estabelecendo tais premissas,
pode-se chegar a conclusão que é preciso distinguir a receita da plataforma
de vendas e a receita própria dos produtores que dela se utilizam. Cada qual
deve reconhecer a sua parte na transação, tal como preconiza a legislação aci-
ma reproduzida e orienta o Pronunciamento CPC n° 47. Em assim fazendo,
adotaremos um critério de justiça para a tributação que tem como vértice a
capacidade contributiva, norma de estatura constitucional.

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99
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SUJEIÇÃO PASSIVA DAS


PLATAFORMAS DIGITAIS NO
ÂMBITO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
TAX LIABILITY OF DIGITAL PLATFORMS IN
THE CONTEXT OF TAX REFORM
Dayana de Carvalho Uhdre82

Resumo: O artigo aborda os possíveis limites sistêmicos a inclusão das plataformas


digitais como sujeitos passivos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O debate é relevante na medida em que
a Reforma Tributária trouxe tal possibilidade no art. art.156-A §3º da Constituição
Federal. O texto argumenta que, embora as plataformas possam exercer papel
relevante no recolhimento do tributo, tendência essa explorada no ambiente
internacional, atribuir a tais sujeitos a posição de verdadeiros contribuintes diretos
pode ser questionável. Em vez disso, propõe-se sua designação como responsáveis
tributários, sujeitos a deveres de colaboração com a administração fiscal. No
entanto, essa responsabilidade só seria justificada se houver ou situação fática em
que a plataforma tenha acesso aos dados necessários ao acertamento do imposto,
bem como à própria manifestação de capacidade contributiva; ou um nexo causal
entre o descumprimento desses deveres pela plataforma e a falta de recolhimento
tributário pelos fornecedores.

Palavras-Chave: Plataformas digitais, Tributação, Reforma tributária, Contribu-


intes, Responsabilidades fiscais, Responsabilização tributária.

Abstract: The article addresses the potential systemic limits to including digital
platforms as taxpayers of the Goods and Services Tax (IBS) and the Contribution
on Goods and Services (CBS). The debate is relevant as the Tax Reform intro-

82 Doutora pela Universidade Católica de Lisboa. Membro Associada da BABEL-Block-


chains and Artificial intelligence for Business, Economics and Law (Universidade de Firen-
ze) e da FGV- SP. Coordenadora da pós-graduação em Blockchain e Direito dos Criptoativos
da Esmafe-PR. Chief Innovation Officer WLF. Professora convidada em inúmeros cursos de
pós-graduações. Membro da Comissão de Direito Digital e de Direito Tributário da OAB/
PR. Palestrante. Procuradora do Estado. Autora, dentre outros, do livro “Blockchain, Tokens e
100 Criptomoedas. Análise Jurídica”. E-mail: dayana.uhdre@gmail.com
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duced such a possibility in Article 156-A §3 of the Federal Constitution. The text
argues that although platforms may play a significant role in tax collection, attrib-
uting them the position of true direct contributors may be questionable. Instead,
it proposes their designation as tax liable entities, subject to duties of collaboration
with tax administration. However, this responsibility would only be justified if
there is a factual situation where the platform has access to the necessary data
to determine the tax, as well as the actual capacity to contribute; or a causal link
between the platform’s failure to fulfill these duties and the lack of tax collection
by the suppliers.

Keywords: Digital platforms, Taxation, Tax reform, Taxpayers, Tax responsibil-


ities, Tax compliance.

1. INTRODUÇÃO

Com a recente mudança introduzida pela Emenda Constitucional 132/2023


inauguramos um novo capítulo no nosso sistema jurídico tributário. A Refor-
ma Tributária aprovada pelo nosso parlamento teve por foco reestruturar a
lógica do sistema de tributação sobre o consumo brasileiro, aproximando-o,
em grande medida, a prática internacional. De fato, há notícias de que quase
17083 países no mundo são adeptos ao modelo IVA84 (imposto sobre o valor
agregado) de tributação (base) ampla e geral do consumo. E, o Brasil ao insti-
tuir o IBS (Imposto sobre bens e serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens
e Serviços), uma espécie de modelo de IVA-dual, junta-se a eles.

Apertada síntese, consoante art.156-A, caput e § 1º, I , da Constituição Fed-


eral, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm a competência
compartilhada para instituir o “imposto sobre bens e serviços”, que incide
sobre “operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com
serviços”. Já o art. 195, V, e § 16 da Constituição estabelece ser da competên-
cia da União instituir contribuição social sobre bens e serviços, nos termos de
lei complementar, sendo aplicado à esse tributo (contribuição), dentre outros,

83 Mais especificamente, é relatado que 168 (cento e sessenta e oito) países adotaram o sistema
IVA. Notícia disponível em: https://www.insper.edu.br/noticias/reforma-tributaria-endeav-
our-aprender-168-paises/. Acesso em: 08 março 2024.
84 Em alguns países recebe o nome de GST, Good and Service Tax, opção essa a que se aprox-
imou o Brasil ao estabelecer o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços. 101
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o disposto no art. 156-A, § 1º, I. É dizer, ambos os tributos partilham de mes-


ma materialidade, razão pela qual o mesmo § 16 do art. 195 da Constituição
Federal, ao prever ser também aplicável a CBS, o disposto no 156-A, § 1º, II,
III, IV, V, VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13, acabou
por estabelecer um único regime geral para ambos (IBS e CBS)85.

É dizer, dada as peculiaridades da nossa forma de Estado federativo, optou-se


aqui por se erigir um sistema de tributação ampla sobre o consumo de bens
e serviços de caráter dual: União, de lado, e Estados e Municípios, de outro,
partilhando sob rubricas distintas uma mesma base tributável. De se esclare-
cer não ser tal estrutura de IVA-Dual novidade no cenário internacional86.
Vê-se estruturas semelhantes no Canadá ou mesmo na Índia, países de estru-
tura política e governamental repartidas e semelhantemente complexas87. De
toda forma, tanto nesses países, como aqui, o que se percebe é a necessidade
de se estabelecer regimes jurídicos harmônicos entre essas várias esferas que
partilham a mesma base de tributação de bens e serviço. Trata-se conditio sine
qua non a própria operacionalização de tais sistemas sobrepostos. E, como
vimos, essa também é a orientação, já estabelecida ao nível constitucional, in
terra brasilis.

Atualmente, esta-se trabalhando, através dos Grupos Técnicos, integrantes


do Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma
Tributária constituído Portaria MF 34/2024, nas propostas de leis comple-
mentares necessárias a regulamentação e concreta implementação das dire-
trizes constitucionais estabelecidas pela EC 132/2023. Dado o diminuto es-
copo do presente artigo, assim como à limitação da presente autora, não nos
aprofundaremos nos variados tópicos, objeto de debates pelos competentís-
simos profissionais que compõem os Grupos. Nossa pretensão aqui é tão so-
mente olhar um pouco mais atentamente ao quanto disposto na atual redação
do art. 156-A § 3º da Constituição Federal, a qual traz a possibilidade de que
Lei Complementar defina como sujeito passivo do IBS e da CBS88 a pessoa

85 Eis porque linhas atrás mencionamos se tratar de uma espécie de “IVA-Dual”

86 Sobre a adoção de sistema IVA de tributação em Estado Federativo, levantamento feito por Lina Santin
Braga Cooke identificou que de aproximadamente 30 países no Mundo que adotam a forma federativa de
Estado, apenas 2 utilizam o IVA dual (Canadá e Índia) e relativamente aos demais, ao menos 16, possuem
IVA unificado (dentre eles: Alemanha, Argentina, Australia, Austria, Bélgica, Bosnia e Herzegovina, Emi-
rados Árabes, Etiópia, México, Nepal, Nigéria, Paquistão, Rússia, Sudão, Suíça e Venezuela). Cooke, Lina
Santin Braga. (2020). A Unificação da Tributação sobre o consumo e o pacto federativo brasileiro. [Disser-
tação de Mestrado]. Fundação Getúlio Vargas, p. 93.
87 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023. 534 f. Tese
(Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023, fls. 340 e ss..
88 Aqui pelo quanto disposto no §16 do art. 195 da Constituição Federal
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que concorrer para a realização, a execução ou o pagamento da operação, ainda


que residente ou domiciliada no exterior.

É trazida, portanto, a possibilidade de se indicar “terceiro” que de alguma


forma concorreu para a realização, execução ou o pagamento da operação de
consumo, ainda que esse “terceiro” tenha domicílio ou residência no exteri-
or. Uma tal redação permite a responsabilização tributária das plataformas
digitais, sejam as que intermediam a própria operação de consumo e/ou o
pagamento a ela correlata. Nesse contexto, são dois os pontos para os quais
queremos chamar atenção.

Primeiro, uma tal previsão vai ao encontro da tendência internacional de


atribuir papéis a esses intermediários no recolhimento da tributação sobre o
consumo. Dentre os principais desafios trazidos com a crescente digitalização
da economia, e conseguinte globalização das operações de consumo, está o de
se determinar o Estado competente a tributar tais operações transnacionais,
e principalmente o de possibilitar que os tributos sejam de fato vertidos ao
Estado competente ao seu recolhimento. E, dentre as respostas internacionais
a essa segunda ordem de preocupação, de enforcement, trazer as plataformas
como sujeitas passivas, dada sua relevância no atual cenário de consumo de
bens e serviços, tem se mostrado como uma das mais adequadas. Assim,
trata-se de tendência que não parece ter volta, de forma que tal previsão pelo
Constituinte brasileiro coloca o Brasil em uma posição mais harmoniosa no
cenário macro-regulatório.

Segundo, justamente por se tratar de uma exigência política, dentro de um


cenário macro econômico, não nos parece que o debate a ser instaurado aqui
seja quanto a possibilidade ou não de uma tal responsabilização tributária
das plataformas digitais, mas antes quanto aos limites do sistema a tanto.
É justamente sobre essa segunda questão que o presente artigo pretende se
debruçar. Mais detidamente, nossa reflexão tem por pergunta central se ha-
veriam limites no próprio sistema constitucional à indicação de plataformas
digitais como sujeitas passivas da obrigação tributária das transações por elas
intermediadas.

Para que possamos trazer algumas luzes a essa questão, buscaremos primei-
ramente entender o contexto internacional dessa tendência, movimento esse
necessário a uma compreensão mais holística no nosso sistema em um con-
texto de complexidade digital. Munidos desse olhar crítico, aí sim ingressare-
mos no exame do nosso sistema.

103
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2. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DE
RESPONSABILIZAÇÃO DAS PLATAFORMAS
DIGITAIS

Escolhemos, dentre os inúmeros temas que a reforma tributária suscita, justamente


o da previsão trazida pelo § 3º do novo art. 156-A da Constituição Federal. Trata-
se de dispositivo que traz a possibilidade de lei complementar estabelecer como sujeito
passivo do IBS pessoa que concorrer para a realização, a execução ou o pagamento
da operação, ainda que residente ou domiciliada no exterior. Mencionamos, no
item anterior, que um olhar para além do cenário Brasil nos revela que a presença
dessa previsão legal - de se eleger pessoa não realizadora do evento tributável,
mas que de alguma forma concorra para a sua realização, execução ou mesmo
para o pagamento da operação subjacente à tributação - está em consonância às
orientações internacionais relacionadas aos impostos sobre o consumo.

Em apertada síntese, a digitalização da economia impulsionou, desde o final da


década de 1990, discussões no âmbito da OCDE orientadas a adaptação dos sistemas
de tributação sobre o consumo à era de intagíveis. Trata-se tal movimento, a que
temos chamado de “globalização do direito”89, de uma tentativa internacional de
se implementar uma harmonização mínima entre os sistemas de tributação sobre
o consumo nacionais diante dos desafios impostos pelos modelos de negócios
digitais. O crescimento do comércio digital e a intangibilização dos próprios bens
objeto das operações de consumo têm permitido transações transfronteiriças sem
muitos custos operacionais, logísticos ou mesmo presença física durante o ciclo
de consumo. Tal fato desafia a lógica dos sistemas de tributação então instituídos,
a qual é assente em uma realidade de operações tangíveis, que no limite eram
fiscalizáveis nas alfândegas quando em cena transações internacionais.

89 Essa expressão significa a redefinição de estratégias regulatórias mais adaptadas a uma reali-
dade global, que traz consigo atores adicionais produtores de normas. Referimo-nos aos organ-
ismos internacionais e aos relatórios e recomendações (soft laws) por eles elaborados. É impor-
tante alertar que, embora não se tratem de diplomas que tenham força cogente, a importância
política dos atores envolvidos em sua elaboração, assim como o mecanismo (dialogal) em que
são construídos, torna suas diretrizes altamente receptíveis pelos Estados de forma geral. Dado
o objetivo do presente artigo não desenvolveremos o presente tópico aqui, mas já tivemos a
oportunidade de falar um pouco mais sobre em outros textos: UHDRE, Dayana de Carvalho.
Breves notas sobre a proposta brasileira de regulamentação dos criptoativos à luz das experiên-
cias internacionais de Japão, Suíca, Mata e Liechtenstein. In: GOMES, Daniel et. al. (coord,).
Criptoativos, Tokenização, Blockchain, Metaverso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos,
econômicos. São Paulo: Thompsons Reuters Brasil, 2022 p. 501-530; UHDRE, Dayana de
Carvalho. Realidade Digital, Tributação Indireta e Tendências Internacionais: o que a block-
chain tem (ou pode ter) com isso? In: CRAVO, Daniela Copetti et al. (coord.) Direito Público
104 e Tecnologia. Indaiatuba: Editora Foco, 2022, p. 177-200.
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Eis o mote pelo qual a OCDE tem buscado, desde o final da década de 199090,
quando da realização da Conferência de Ottawa, trazer à lume debates que visem
propor direcionamentos para que os sistemas nacionais adaptem os sistemas de
tributação à era do consumo de intangíveis - tendencialmente globais. Dois são
os principais pontos de atenção, identificados pelo referido organismo, a serem
endereçados pela comunidade internacional. O primeiro é quanto ao estabeleci-
mento do critério a ser observado para fins de atribuição de competência tributária
a um dos países envolvidos nas operações transfronteiriças. E, o segundo é o rela-
tivo a como se estruturar métodos de recolhimento que assegurem seja o imposto
vertido ao país eleito como o competente. Trata-se aqui de se buscar garantir o
enforcement arrecadatório, e lá de se atingir consenso internacional no debate rela-
tivo a eleição do princípio da origem ou do destino como critério definidor do país
competente ao recolhimento do imposto indireto incidente sobre as operações de
consumo internacionais.

Passadas quase três décadas foram aprovadas as Diretrizes IVA91, documento in-
ternacional cujo objetivo é justamente o de se estabelecer as orientações discutidas
e acordadas no âmbito da OCDE a fim de adaptar os sistemas de tributação so-
bre o consumo justamente nos dois pontos acima mencionados. Relativamente ao
primeiro ponto, optou-se pelo princípio do destino, no qual a competência para
tributar o consumo é atribuída ao país em que o adquirente está estabelecido, res-
idente ou domiciliado, por ser ele o mais adequado para fins de observância à
concorrência e livre mercados no cenário global. Já quanto à segunda questão, são
sugeridas medidas de enforcement distintas para os casos de transações B2B e B2C.
Para operações B2B, desde que compatível com os sistemas internos dos países,
é sugerido o diferimento do IVA: ao invés de o fornecedor ser responsável pelo
acertamento e pagamento do imposto perante o Estado competente, tal atribuição
passa a ser do adquirente. Já nas operações B2C, tendo em conta que é ao fornece-
dor - não estabelecido no país de destino - que compete verter os valores de IVA,
é sugerido que se estruturem regimes jurídicos simplificados a fim de estimular o
compliance voluntário.

90 Desde a Conferência de Ottawa, de 1998, e tendo por pano de fundo o avanço do e-com-
merce, os países se debruçam sobre como se adaptar e harmonizar os sistemas jurídicos de IVA
a fim de se garantir a tributação do comércio transfronteiriço de intangíveis em uma única ju-
risdição, bem como que se observe os princípio da neutralidade e livre-concorrência no mercado
mundial, da eficiência, da efetividade e equidade, da certeza e simplicidade, e da flexibilidade.
OECD(1998). Electronic Commerce: Taxation Framework Conditions. A Report by the Com-
mittee on Fiscal Affairs. Disponível em: https://www.oecd.org/ctp/consumption/1923256.pdf.
Acesso em 14 out. 2023; OECD (2001). Taxation and Electronic Commerce: Implementing the
Ottawa Taxation Framework Conditions. OECD Publishing, Paris. Disponível em: https://doi.
org/10.1787/9789264189799-en. Acesso em 14 nov. 2022.
90 OECD (2017). International VAT/GST Guidelines. OECD Publishing, Paris, https://doi.
org/10.1787/9789264271401-en. Acesso em 15 out. 2023. 105
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Essa última sugestão, para além de trazer inúmeros riscos, não é, na opinião do
próprio grupo de trabalho formado para auxiliar a elaboração do documento in-
ternacional (Diretrizes IVA), a melhor solução a longo prazo92 . Daí porque no-
vas proposituras advindas da continuidade das discussões e estudos foram trazida
à tona. Mais especificamente, fora constatado pelos especialistas a centralidade
crescente do papel das plataformas nesse novo cenário de comércio digital, razão
pela qual as propostas mais recentes da OCDE têm sugerido seja a esses atores
atribuído, integralmente ou subsidiariamente, a responsabilidade pelo cálculo e
recolhimento dos impostos93.

Feita essa brevíssima contextualização, reiteramos o que dissemos ao início do pre-


sente tópico: a previsão constante no art. 156-A § 3º da Constituição Federal apro-
xima o Brasil da tendência internacional, capitaneada pelos relatórios da OCDE a
esse assunto voltados, de responsabilizar as plataformas digitais pelo recolhimento
do imposto sobre o consumo incidentes nas operações por eles oportunizadas.
No entanto, é importante compreender que já no âmbito das orientações inter-
nacionais são estabelecidas condicionantes e limites à instituição de tal mister às
plataformas. Afinal, tratam-se, esses atores, de intermediários das operações objeto
da tributação, não sendo elas as realizadoras dos eventos que denotam capacidade
contributiva e, portanto, legitimadores das incidências tributárias.

É dizer, as plataformas digitais seriam terceiros, agentes não realizadores das hipó-
teses de incidência do imposto sobre o consumo, e por não serem protagonistas
dos eventos que configuram fato-signo presuntivo de riqueza, não deteriam eles
a “capacidade contributiva” apta a legitimar a pretensão exacional do Fisco. Daí
porque se atribuir a terceiro não realizador da hipótese de incidência tributária a
responsabilidade pelo recolhimento tributário é algo que se deve fazer com parci-
mônia e dentro dos limites dos sistemas jurídicos. Não por outra razão, a OCDE
pontuou no Relatório “The Role of Digital Platforms in the Collection of VAT/
GST on Online Sales” ser necessário eleger indicadores que autorizem a presunção
de que as plataformas estariam em condições fáticas que lhes possibilitem cum-
prir com o regime de responsabilidade imputado. Mais especificamente, consta no
relatório ser razoável supor que a plataforma estará em condições de cumprir com
as obrigações de IVA, assumindo a responsabilidade exclusiva, se: (i) detiver ou
tiver acesso a informações suficientes e precisas conforme necessário para cumprir
com as obrigações de IVA pertinentes às operações que facilitam; e (ii) tenha meios
para cobrar o IVA relativo ao fornecimento.

92 OECD (2000). Report by the Technology Technical Advisory Group; OECD (2001). WP9
Report.
93 OECD (2019). The Role of Digital Platforms in the Collection of VAT/GST on Online
Sale. OECD Publishing, Paris. Disponível em: https://doi.org/10.1787/e0e2dd2d-en. Acesso
106 em 16 out. 2023.
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No entanto, é necessário que olhemos em que medida tais orientações, tendência e


condicionantes fazem sentido no sistema jurídico brasileiro. E tal discussão ganha
relevância no atual cenário de implementação da reforma tributária, na medida
em que é preciso estabelecer os limites dentro dos quais a futura lei complementar
regulamentadora do IBS e da CBS poderá, com base no art. 156-A § 3º da Consti-
tuição Federal, atribuir responsabilidade tributária às plataformas no contexto do
e-commerce. É disso que nos ocuparemos nos próximos subtópicos.

3. CENÁRIO BRASIL: QUAIS OS LIMITES


DO SISTEMA À RESPONSABILIZAÇÃO
DAS PLATAFORMAS DIGITAIS?

3.1 Responsabilidade Tributária? Entendendo


o instituto da sujeição passiva no sistema brasileiro
Inicialmente, a fim de que compreendamos de que forma as diretrizes internacio-
nais poderiam ser - ou não - implementadas aqui, é preciso olhar de que manei-
ra o instituto da sujeição passiva foi regulamentado pelo sistema brasileiro. Pois
bem, o sistema brasileiro no que tange à sujeição passiva, estabelece no art. 121 do
CTN serem duas as espécies de possíveis devedores da relação jurídica tributária:
o contribuinte e o responsável. Contribuinte é aquele que deteria “relação pessoal e
direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”; responsável aquele
que “sem revestir a condição de contribuinte” estaria obrigado por decorrência
“expressa de lei”. No entanto, há também menção no bojo do próprio CTN à pos-
sibilidade de fonte pagadora ser responsável pelo tributo que lhe caiba reter (art. 9º,
§1º e art. 45). Há ainda previsão na Constituição Federal – nos artigos 155, § 2º,
XII, “b” e art. 23, § 9º dos ADCT, e especificamente em relação ao ICMS – do
instituto da substituição tributária.

Tais dispositivos legais foram interpretados e sistematizados de inúmeras e distin-


tas formas pelos estudiosos do tema94. E, o mesmo cenário de heterogeneidade

94 Vide dentre outros: SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Direito Tributário. São Paulo: Resenha
Tributária; Carvalho, 1975. CARVALHO, Paulo de Barros.Curso de Direito Tributário (26ª ed.). Saraiva:
São Paulo, 2015; TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário (16ª ed.). Rio de Janei-
ro: Renovar, 2009; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro (9ª ed.). Rio
de Janeiro: Forense, 2008; GRUPENMACHER, Betina Treiger. Artigo 122. In Fábio Artigas Grillo; Roque
Sérgio D’Andrea Ribeiro da Silva. Código Tributário Nacional Anotado. Curitiba: Ordem dos Advogados
do Brasil – Seção Paraná, 2014. Disponível em: http://www2.oabpr.org.br/downloads/ctn_v2.pdf
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na categorização das espécies de sujeição passiva é encontrado em jurisprudên-


cia95. No entanto, apesar desse cenário em grande medida confuso (em doutrina
e jurisprudência) acerca do tema, ao menos dois pontos parecem não ter maiores
divergências: seriam eles as ideias nucleares quanto às figuras do contribuinte e
do responsável tributário. Contribuinte seria aquele que realizou a materialidade
do fato previsto na hipótese de incidência e que, por essa razão, está obrigado ao
adimplemento da prestação tributária. Responsável, a seu turno, seria terceiro, isto
é, não realizador do ato ou negócio previsto no antecedente da regra-matriz, alçado
à categoria de devedor da prestação jurídico-tributária.

Ocorre que tais entendimentos centrais apesar de aparentemente serem pontos


de convergência, acabam sendo a origem de muitas das incompreensões relacio-
nadas ao tema. É que lhes são subjacentes a premissa de que se estaria a tratar de
apenas uma relação jurídica – cujo objeto seja o pagamento dos tributos – e que
os “responsáveis” e “substitutos” seriam “terceiros” chamados a pagar por man-
ifestação de riqueza demonstrado por outrem – o realizador da hipótese de in-
cidência tributária. Assim, para bem compreender esses institutos defendemos ser
necessário ampliar o olhar relativo ao fenômeno fiscal, compreendendo-o como
um conjunto de diversas obrigações de natureza distinta, todas convergindo para
o objetivo final de verter aos cofres públicos a tributação devida – ancorada nos
eventos reveladores de capacidade contributiva. Ao se vislumbrar a autonomia de
cada obrigação jurídica – pelas quais cada um dos responsáveis e/ou substitutos
são chamados a colaborar com a tributação –, é possível identificar sua natureza
e seus próprios pressupostos de fato, sujeitos e objetos. E mais, ao se analisar cada
uma dessas relações jurídicas, conclui-se sequer ser correto chamar o respectivo
obrigado de terceiro, posto que se trata de sujeito próprio a ela.

Trata-se de concepção explorada por Marçal Justen Filho96 e Leandro Paulsen97,

95 SVide: STJ, REsp nº 1.036.375/SP, Relator: Ministro LUIZ FUX, Primeira Seção, julgado em
11/03/2009, DJ 30/03/2009; STJ, 2ª Turma,STJ.Resp 86465/RS, Relator Ministro Ari Pargendler, jul-
gado em 05/09/1996, DJ 07/10/1996; TJ, 1ª Turma, Resp 503.406/SC, Rel. TEORI ZAVASCKI julgado
em 06/11/2003, Dje 15/03/2004; STJ, 2ª Turma, Resp1229308/MG, Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, julgado em 22/02/2011, DJ2 04/03/2011; STF; RE 603191, Relator(a): ELLEN GRACIE,
Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-170 DIVULG 02-09-
2011 PUBLIC 05-09-2011 EMENT VOL-02580-02 PP-00185; STF. VRE 603191, Relator(a): ELLEN
GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-170 DI-
VULG 02-09-2011 PUBLIC 05-09-2011 EMENT VOL-02580-02 PP-00185;
96 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986.

97 PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e Substituição Tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advoga-


do [livro eletrônico], 2012. Ainda: PAULSEN, Leandro. Capacidade Colaborativa. Princípio de Direito
Tributário para obrigações acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
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em suas teses de doutorado, que ao se debruçarem no tema brindaram-nos com


leituras mais robustas, apontando para essa multiplicidade de normas – e suas
interconexões – regentes da “sujeição passiva tributária” e identificando os limites
normativos – conexo à ideia de “capacidade colaborativa” – às escolhas desses outros
sujeitos passivos pertencentes às relações adjacentes. Assim é que ao olharmos
a relação jurídica tributária como um plexo de obrigações jurídicas que, para
além do dever de pagar tributo (dita principal), abarca obrigações instrumentais
vocacionadas a tornar a essa tributação efetiva e eficaz, podemos melhor identificar
os fundamentos de legitimidade e limites à imputação das sujeições passivas.

Em resumo, e ancorando-nos nas lições dos mencionados autores, de um lado te-


mos a obrigação principal, fundamental no princípio da capacidade contributiva,
em que é imputado ao sujeito realizador da hipótese tributária o dever principal
de pagar o tributo. De outro, a atribuição de responsabilidades latu sensu (que
abrange a responsabilidade por substituição, e a responsabilidade em sentido es-
trito), assentes no dever fundamental de cooperação com a Administração Públi-
ca, e exigem, como condição de legitimidade, que o sujeito chamado a colaborar
detenha posição fática de ascendência relativamente ao fato tributável e/ou con-
tribuinte. Mais detidamente, seriam duas situações distintas aptas a justificar, no
sistema brasileiro, a responsabilização de “terceiros” não realizadores da hipótese
de incidência tributária. A primeira seria a imputação a esses “terceiros” do dever
de reter e/ou cobrar os valores devidos a título de tributos, em razão deterem aces-
so a eles (valores), caso em que falaríamos de responsabilidade por substituição.
A segunda, corresponderia à hipótese de se exigir desses sujeitos o exercício de
sua posição de ascendência sobre os contribuintes, a fim de influenciá-los a adim-
plirem com seus deveres ao pagamento de tributos, caso em que nos referiríamos
à responsabilidade stricto sensu.

É dizer, enquanto o fundamento de legitimação, e limite, da obrigação princi-


pal – cujo objeto é o pagamento de tributo – reside no princípio da capacidade
contributiva, o dos deveres instrumentais atrelam-se ao princípio da capacidade
colaborativa. Tendo em conta nossa opção de ser Estado Social e Democrático, as-
sente, entre outros, no princípio da solidariedade social, o pagamento de tributos é
verdadeiro dever fundamental, por ser instrumento de implementação de políticas
públicas voltadas à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse contex-
to, é do interesse de toda a sociedade que os valores devidos sejam adequadamente
recolhidos aos cofres públicos, de modo a ser justificado eventual atribuição de
deveres de colaboração dos cidadãos para com a Administração.

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No entanto, ainda que justificável não significa que a imputação de deveres for-
mais, atrelados à arrecadação fiscal, a pessoas não realizadoras das hipóteses de
incidência, seja legítima, em qualquer circunstância. A praticabilidade fiscal – in-
tentada com essa exigência de colaboração – deve ser sopesada a outros princípios
existentes no sistema jurídico (razoabilidade, proporcionalidade). E é nesse con-
texto que ganha relevância a concepção de capacidade colaborativa enquanto fun-
damento e limite à instituição de obrigações instrumentais ou de substituição ou
responsabilidade tributárias. Em suma, trata-se de atribuir deveres apenas àqueles
que, pelas suas situações fáticas, detenham condições de contribuir (seja prestando
informações, exigindo o pagamento do tributo pelo contribuinte ou mesmo reten-
do o valor devido, por exemplo) para com a Administração fiscal.

No que tange à instituição de obrigações de substituição e responsabilidade


tributárias, casos em que os “terceiros” podem ser chamados a adimplir com o
pagamento do tributo devido em razão de omissões suas no desempenho de seus
deveres de colaboração que resultaram em prejuízos aos cofres públicos, é exigido
proximidade desses eleitos com o fato signo presuntivo de riqueza do tributo. Tra-
ta-se de interpretação possível do quanto disposto no art. 128 do CTN (diploma de
normas gerais) que limita a escolha, pelos entes federados, de terceiros responsáveis
ao recolhimento do imposto àqueles que detenham vinculação indireta com o fato
jurídico tributário. Trata-se, aliás, de previsão que é decorrência lógica do princípio
da capacidade contributiva, posto estabelecer que apenas os sujeitos detentores de
posição de poder, relativamente aos contribuintes, apta à reversão, aos cofres pú-
blicos, dos valores relativos a manifestação de riqueza expressada pelo fato jurídico
tributário, ou a influenciá-los que o façam, são que potencialmente assumiriam a
obrigação de pagamento do tributos – seja como “substituto” do contribuinte, ou
como seu “garante” (“responsável”). Daí, defendermos que o princípio da capaci-
dade contributiva também seria limite – ainda que indireto – à escolha dos sujeitos
passivos das relações de substituição e responsabilidade tributária.

Em apertada síntese, nosso sistema jurídico exige, como condição de imputação de


responsabilidade lato sensu, que os sujeitos a quem atribuído tais deveres tenham
a possibilidade de acesso aos valores representativos da manifestação de riqueza
que a previsão normativa intenta alcançar, ou poder de influência significativo
perante os contribuintes relativamente ao adimplemento (por eles) das obrigações
tributárias. Sem tais requisitos, ilegítimo se atribuir responsabilidade tributária a
qualquer terceiro, inclusive às plataformas digitais intermediadoras das operações
de consumo. Tratam-se de limites sistêmicos, extraíreis do conjunto de enuncia-

110
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dos constitucionais e das normas gerais (estruturantes do desenho da competência


tributária) direcionadas aos entes federados. Não nos parece, portanto, que eventu-
al lei complementar regente do IBS e da CBS possa desrespeitar tais barreiras, mas
antes ser com elas compatíveis.

Tendo em conta tais limites sistêmicos, portanto, passamos ao próximo tópico do


presente artigo, qual seja verificar quais os limites a que a lei complementar do IBS
e CBS deve se ater a fim de instituir a responsabilização das plataformas digitais
pelo recolhimento dos impostos sobre o consumo incidentes nas operações que
intermediam.

3.2. Limites à responsabilização tributária


vis-a-vis o novo artigo 156-A § 3º da
Constituição Federal
A atual redação do 156-A § 3º c/c art. 195 § 16 da Constituição Federal pre-
vê a possibilidade de lei complementar estabelecer como sujeito passivo do IBS e da
CBS pessoa que concorrer para a realização, a execução ou o pagamento da operação,
ainda que residente ou domiciliada no exterior. Da leitura desse dispositivo é de se
chamar a atenção ao uso do termo “sujeito passivo”. É que tal opção constitucional
nos demonstra a possibilidade de, no caso do IBS e da CBS, falarmos tanto em
plataformas assumindo a posição de “contribuintes” como de “responsáveis” pelo
cálculo e recolhimento do imposto sobre o consumo.

Tendo por pano de fundo as propostas da OCDE, estaríamos autorizando in


terra brasilis o legislador complementar instituir tanto a responsabilidade integral
quanto a subsidiária das plataformas pelo recolhimento do IBS. Em síntese, dois
seriam os regimes de responsabilização das plataformas digitais sugeridos pela
OCDE: (i) o de responsabilização exclusiva, em que o intermediário assume
fictamente a posição de integrante da cadeia de consumo, sendo reputado sujeito
passivo adquirente do bem ou serviço; e (ii) o de responsabilização subsidiária
e solidária98. Olhemos mais atentamente ambas as hipóteses versus os limites
sistêmicos anteriormente mencionados.

98 Há um “terceiro regime”, que consiste na instituição de deveres de colaboração para com a


fiscalização tributária, o qual não seria em realidade autônomo aos outros dois, mas antes a eles
concomitante. da tributação direta da renda. 2 ed. São Paulo: IBDT, 2021, p. 15. 111
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Inicialmente, é de se pontuar que a própria OCDE salienta ser necessário eleger in-
dicadores que autorizem a presunção de que as plataformas estariam em condições
fáticas que lhes possibilitem cumprir com o regime de responsabilidade imputado,
mormente o integral. Mais especificamente, consta no relatório ser razoável supor
que a plataforma estará em condições de cumprir com as obrigações de IVA, as-
sumindo a responsabilidade exclusiva, se: (i) detiver ou tiver acesso a informações
suficientes e precisas conforme necessário para cumprir com as obrigações de IVA
pertinentes às operações que facilitam; e (ii) tenha meios para cobrar o IVA relativo
ao fornecimento.

Contextualizando essas orientações internacionais ao sistema brasileiro, é possível


perceber que tal abordagem (que denominaremos funcionalista), ao buscar limi-
tar a responsabilização das plataformas para os casos em que se observe que elas
faticamente deteriam condições de cumprir os deveres que lhes sejam imputados,
está alinhada ao sistema brasileiro, que exige “capacidade colaborativa” daqueles
chamados a colaborarem para com a Administração Fiscal. Em outras palavras,
em que pese o relatório da OCDE focar-se na identificação de critérios que autori-
zassem a imputação de dever exclusivo às plataformas (deter acesso às informações
necessárias ao cumprimento do dever e aos meios para cobrar o IVA do fornece-
dor), a observação da “capacidade colaborativa” no sistema brasileiro é subjacente
a qualquer dos regimes de responsabilização propostos, por decorrência lógica dos
princípios da razoabilidade, e proporcionalidade. Assim é que – repita-se – o sis-
tema brasileiro está em consonância a essa condicionante macro internacional de
imputação de responsabilização.

No entanto, detemos aqui algumas outras condicionantes, atreladas indiretamente


ao princípio da capacidade contributiva e relativamente à imputação do dever de
pagar o tributo. Mais especificamente, um primeiro ponto a ser debatido e ultra-
passado, em território brasileiro, quanto à possibilidade de se adotar a tendência
internacional de responsabilização (exclusiva ou subsidiária) das plataformas pelo
imposto sobre o consumo incidente no caso, é quanto ao posicionamento (ou não)
desses atores na dinâmica negocial de forma tal a deterem acesso aos valores objeto
da tributação, ou a influenciarem no correto adimplemento por parte dos con-
tribuintes.

Ingressando no regime de responsabilização exclusiva, vimos que a proposta da


OCDE consiste em se atribuir fictamente ao intermediário a posição de integrante
da cadeia de consumo, como se fosse próprio sujeito passivo adquirente do bem ou
serviço para seguinte revenda ao consumidor final. Pois bem, partindo da premissa

112
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de que a obrigação tributária é conformada, em realidade, por várias e distintas


obrigações tributárias, todas vocacionadas ao correto recolhimento dos tributos,
a figura do contribuinte estaria atrelada à sujeição passiva apenas da obrigação
principal. Logo, a proposta da OCDE, acatada pelo novel art. 156-A § 3º da Con-
stituição Federa, acaba por instaurar uma ficção, em prol da praticabilidade fiscal,
de que seriam as plataformas de e-commerce agentes “realizadores” do fato signo
presuntivo de riqueza, e portanto contribuintes (e não responsáveis, no sentido
técnico) do IBS.

Abstraído o aspecto terminológico (responsável versus contribuinte), é de se


indagar se colocar as plataformas na posição de contribuinte seria uma opção
legítima no sistema brasileiro. Pois bem, colocando-se a questão em perspectiva,
é de se recordar que a tributação sobre o consumo tem em vista, em realidade,
atingir a manifestação de riqueza expressada pelo consumidor ao gastar com a
aquisição de bens e/ou serviços. No entanto, por uma questão de praticabilidade
fiscal, a opção feita pelos sistemas IVA foi a de se atribuir aos fornecedores – e
não aos consumidores – a condição de sujeito passivo da obrigação principal,
atrelando-se a ele, fictamente, a realização do “fato gerador” do tributo, lógica
essa amplamente aceita como adequada. Assim é que, em um primeiro exame,
impor-se mais uma ficção, reputando a realização da hipótese de incidência às
plataformas, por equipará-las a condição de fornecedores, não seria opção de toda
estranha ao sistema, a fomentar, em tese, grandes celeumas.

Contudo, há um ponto de atenção digno de ser comentado. É que, e é preciso que


se tenha isso em consideração, ao se instituir uma ficção atrelada à uma repercussão
fiscal, é necessário que o sujeito considerado contribuinte detenha, para além de
todas as informações necessárias ao acertamento do imposto, manifestação de ca-
pacidade contributiva relativa ao evento tributável. No caso dos fornecedores em
geral, é de se perceber que a relação de negócio, cujo objeto é aquisição de um bem
e/ou serviço, tem dois sujeitos conectados juridicamente ante interesses contrapo-
stos: de um lado o prestador ou fornecedor e do outro, o tomador ou adquirente.
Assim os valores atrelados ao evento tributável estão ora nas mãos de um dos lados,
ora nas mãos do outro, de forma a ser perfeitamente possível escolher qual dos
partícipes da relação jurídica de consumo, que se intenta tributar, será eleito “con-
tribuinte” pelo sistema posto.

Não é esse o caso das plataformas: nem sempre elas estarão de fato no outro lado
da relação negocial subjacente ao consumo, ou ainda deterão em suas mãos – justa-
mente por não estarem em nexo jurídico aos consumidores – os valores expressivos

113
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dessa manifestação de riqueza. Logo, não nos parece adequada, sob a perspectiva
da simplicidade e certeza, atribuir às plataformas a posição própria de contribuin-
te dos tributos justamente porque, diferentemente dos fornecedores, esses atores
muitas vezes não estarão conectados – negociavelmente – aos consumidores, e à
manifestação de riqueza por eles expressadas no gasto com bens e serviços99.

Diferente seria o caso de se imputar a esses agentes o papel de substitutos tributári-


os (responsáveis por substituição). É dizer, poder-se-ia pensar em se atribuir a esses
atores o dever, prima facie, de verterem os valores relativos ao tributo, incidente so-
bre as operações de consumo, devidos pelos contribuintes, mas aos quais, por uma
situação fática de ascendência, deteriam acesso. Nesse caso, teríamos a atribuição
à pessoa não realizadora do evento tributável do dever instrumental de colaborar
com o Fisco retendo e/ou cobrando (ressarcimento) do contribuinte o valor por
ele devido a título de tributo. E, em sendo esse o caminho escolhido, questão a
ser debatida e ultrapassada, em território brasileiro, é sobre o posicionamento das
plataformas na dinâmica negocial de forma tal a deterem acesso às informações
das transações e aos valores objeto da tributação100.

Concluímos aqui que a resposta depende do modelo de negócio em causa. No


que tange ao acesso às informações relativas aos negócios travados, exceto se o
modelo for estruturado para apenas conectar as partes a fim de que elas direta-
mente acertem entre si valores, forma de pagamento, entrega etc, regra geral, as
plataformas de marketplaces detêm sim acesso às informações-chaves dos negócios
entabulados em seus ambientes virtuais. Já no que se refere ao acesso aos valores
relativos às transações haveria, em suma, dois cenários possíveis. Um primeiro em
que o marketplace só receberia a remuneração pelos seus serviços sem ter acesso ao
dinheiro dos fornecedores, caso das plataformas que optam por contratar empre-
sas, muitas vezes fintechs especializadas em split de pagamentos. E um segundo, no
qual a plataforma de marketplace efetivamente recebe todo o dinheiro relativo às
operações que intermedia, repassando, após a retenção de suas comissões, o saldo
devedor aos fornecedores. De se notar, aliás, que nesse último caso, tendo em conta
o volume de valores por esses agentes processados, a título de pagamento pelos for-
necimentos realizados, e o risco sistêmico ao sistema financeiro nacional, o Banco
Central do Brasil emitiu a Circular nº 3.886/2018 em que sujeita os marketplaces
à sua regulação prudencial101.

99 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023.
534 f. Tese (Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023.
100 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023.
534 f. Tese (Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023.
101 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023.
114 534 f. Tese (Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023.
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Apenas nessa segunda hipótese nos parece ser possível sim imputar às plataformas
digitais a responsabilização por substituição, atribuindo a elas o dever de recolher-
em o imposto sobre intangíveis devidos pelas operações que intermediam. Já rela-
tivamente à primeira hipótese (plataformas detêm as informações das transações,
mas não o acesso aos valores relativos às operações de consumo), em que pese não
elegível ao regime de responsabilização exclusiva, duas ordens de questionamentos
nos parecem dignos de comentários. Uma primeira consistente em se identificar
algum outro papel passível de ser imputado a esses agentes intermediários, em prol
da facilitação do recolhimento fiscal, e uma segunda, relacionada à possibilidade
de se imputar às processadoras de pagamentos, por deterem acesso aos valores
objeto da tributação sobre o consumo, a obrigação de reterem os valores devidos e
repassá-los ao Fisco, em substituição aos contribuintes.

Quanto à primeira questão, é possível se aventar a possibilidade de, desde que


cumpridas as exigências impostas pelo sistema brasileiro, atribuir às plataformas de
marketplace a responsabilidade subsidiária pelo recolhimento dos valores devidos a
título de imposto sobre o consumo. Já no que tange à segunda questão, aventar-se
a possibilidade de imputar a responsabilidade por substituição às facilitadoras de
pagamento é algo que a par de encontrar guarida em alguns regimes jurídicos pelo
mundo102, e até mesmo pelo quanto disposto no art. 156-A § 3º da Constituição
Federal103, não parece ser medida que respeite tanto as diretrizes internacionais
quanto as condicionantes do sistema brasileiro. É que nesse caso, não há dúvidas
de que deteriam (as facilitadoras de pagamento) acesso aos valores correspond-
entes às transações comerciais, no entanto, é o acesso automático às informações
necessárias ao adequado desempenho da retenção e/ou cobrança dos valores devi-
dos a título de IVA que não deteriam (ou dificilmente deteriam).

Ingressando na possibilidade de se imputar responsabilidade subsidiária às plata-


formas de marketplace, só seriam elas chamadas a responder, solidariamente aos
fornecedores (que continuam a ser os sujeitos passivos prioritários – como con-
tribuintes que são), quando tais sujeitos estejam em desconformidade com as Ad-
ministrações Fiscais. No entanto, para além do descumprimento por parte do(s)
fornecedor(es), a responsabilização das plataformas, para ser legítima consoante

102 Argentina, Colombia, Costa Rica, e Paraguai. OECD/WBG/CIAT/IDB (2021). VAT Digital Toolkit
for Latin America and the Caribbean, p. 154. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/consumption/
vat-digital-toolkit-for-latin-america-and-the-caribbean.htm. Acesso em 16 out. 2023
103 Art. 156-A Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.

(...)
§ 3º Lei complementar poderá definir como sujeito passivo do imposto a pessoa que concorrer para a real-
ização, a execução ou o pagamento da operação, ainda que residente ou domiciliada no exterior (grifamos).
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as diretrizes da OCDE, pressupõe imputação de alguma atitude culposa às plata-


formas – seja o descumprimento de ação esperada ou mesmo omissão do dever de
cuidado – que contribua para o não recolhimento do tributo.

Olhando tais orientações vis-à-vis ao sistema brasileiro, é facilmente perceptível


que essas premissas elencadas pela OCDE são bastante similares às impostas pelo
sistema brasileiro para fins de responsabilização tributária stricto sensu. É dizer, as
condicionantes impostas no Relatório da OCDE para fins de responsabilização
subsidiária e solidária das plataformas digitais – quais sejam: ausência de pagamen-
to pelo contribuinte e atitude culposa por parte desses intermediários – também
encontram guarida no sistema brasileiro, sendo com ele compatível. Porém, aqui,
para além daquelas duas, é exigida uma condicionante a mais, qual seja a posição
de ascendência dessas plataforma, relativamente ao contribuinte, que lhes possibi-
lite influenciar tais sujeitos passivos a cumprirem para com seus deveres tributários.

Dito de outra forma, o sistema brasileiro exige para fins de responsabilização


tributária que: (i) as plataformas tenham a possibilidade fática de influenciarem no
adimplemento por parte dos contribuintes de suas obrigações tributárias (princi-
pais); (ii) em razão desse posicionamento estratégico, seja estabelecido dever de co-
laborar com a administração para fins de que esses devedores principais (contribu-
intes) efetivamente recolham os tributos devidos; (iii) descumprimento desse dever
de colaboração (focado em influir no pagamento do tributo devido), a influir no
(iv) inadimplemento pelo contribuinte do dever de recolher os tributos devidos104.

Tendo em conta o protagonismo de poucas plataformas digitais no volume total


das transações de e-commerce105, é possível concluir que dificilmente a grande mas-
sa de fornecedores consegue escalar suas vendas à margem desses intermediários
digitais Presumível, portanto, que, regra geral, esses intermediários detêm a pos-
sibilidade fática de influenciarem os fornecedores (contribuintes) no acertamento
de suas obrigações fiscais, sendo possível lhes serem imputados deveres de colabo-
ração para com a Administração cujo foco é o recolhimento dos tributos por parte
dos contribuintes. Logo, os itens (i) e (ii) supramencionados, em tese, seriam de

104 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023. 534 f. Tese
(Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023.
105 Projeta-se que aproximadamente dois em cada três fornecimentos de produtos para o e-commerce sejam
feitos por meio de plataformas digitais - International Post Corporation (2017. IPC Online Shopper Sur-
vey 2017 reports. Disponível em: https://www.ipc.be/services/markets-and-regulations/cross-border-shop-
per-survey/2017. Acesso e 15 out. 2023. No Brasil, relatório da Ebit/Nielsen aponta que 78% do faturamen-
to total em e-commerce reside em varejistas de marketplace. E, dentre eles, 80% do mercado concentram-se
em 04 (quatro) plataformas principais: Mercado Livre (32%), Magazine Luiza (19%), B2W (19%), e Via
Varejo (11%) - EBIT/NIELSEN. Webshoppers 42ª edição, 2020. Disponível em: <https://myagmexpress.
com/downloads/Webshoppers_42.pdf>. Acesso em 14 nov. 2022.
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fácil observação. Já os itens (iii) e (iv) chamam a atenção ao fato de ser necessário
um nexo causal entre os deveres de colaboração exigidos das plataformas, o seu
descumprimento por parte desses intermediários e a ausência de recolhimento
dos tributos por parte dos contribuintes. Apenas se verificada tal interconexão é
que seria legítimo se exigir da plataforma – enquanto garante - o pagamento dos
tributos. Assim é que é para eventual imputação de responsabilidade subsidiária
das plataformas no âmbito da lei complementar do IBS e da CBS é necessário
que as hipóteses hipóteses aventadas observem certa correlação entre o dever de
colaboração imposto à plataforma (agir em prol do acertamento e/ou remover os
fornecedores inadimplentes; ou a realização de due diligence dos fornecedores, por
exemplo), o seu descumprimento e o resultado danoso ao erário (não pagamento
do tributo pelo contribuinte).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É prevista, na atual redação do 156-A § 3º c/c art. 195 § 16 da Constituição
Federal, a possibilidade de lei complementar estabelecer como sujeito passivo do
IBS e da CBS pessoa que concorrer para a realização, a execução ou o pagamento
da operação, ainda que residente ou domiciliada no exterior. Trata-se de pre-
visão que introduz no sistema brasileiro as orientações internacionais mais
recentes voltadas a adaptação dos sistemas de tributação indireta a era do con-
sumo digital. Mais especificamente, as plataformas digitais, dada a relevância
de seu papel no atual cenário de consumo em um contexto crescentemente
digital, são colocadas como atores centrais na lógica de responsabilização pelo
pagamento do IVA.

Tendo por foco justamente essa tendência internacional, vis-à-vis o quanto


disposto no referido 156-A § 3º da Constituição Federal, é de se chamar a
atenção ao uso pelo legislador do termo “sujeito passivo”. E que uma tal opção
constitucional nos demonstra a possibilidade de, no caso do IBS e da CBS,
falarmos tanto em plataformas digitais assumindo a posição de “contribuin-
tes” como de “responsáveis” pelo cálculo e recolhimento do imposto sobre o
consumo, desde que tal previsão encontre guarita na lei complementar desse
tributo regente. Nessa toada, o questionamento que se segue é justamente

117
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sobre eventuais limites do sistema jurídico tributário brasileiro ao estabeleci-


mento de tais “sujeições passivas” a “terceiros” (plataformas) não realizadores
do evento tributável (operação de consumo). E foi justamente essa a pretensão
do presente artigo: uma provocação e convite à comunidade jurídica para que
possamos avançar no diálogo acerca do assunto.

Apertada síntese, defendemos que nosso sistema jurídico exige, como condição
de imputação de responsabilidade lato sensu, que os sujeitos a quem atribuído
tais deveres tenham a possibilidade de acesso aos valores representativos
da manifestação de riqueza que a previsão normativa intenta alcançar, ou
poder de influência significativo perante os contribuintes relativamente ao
adimplemento (por eles) das obrigações tributárias. Sem tais requisitos,
ilegítimo se atribuir responsabilidade tributária a qualquer terceiro, inclusive
às plataformas digitais intermediadoras das operações de consumo.

Pois bem, partindo da premissa de que a proposta de novel previsão con-


stitucional autorize sejam as plataformas alçadas a categoria de contribuintes
é de se indagar se o sistema brasileiro permitiria uma tal previsão. Colocada
a questão em perspectiva, é de se recordar que a tributação sobre o consumo
tem em vista, em realidade, atingir a manifestação de riqueza expressada pelo
consumidor ao gastar com a aquisição de bens e/ou serviços. Ocorre que, por
uma questão de praticabilidade fiscal, a opção feita pelos sistemas IVA foi a de
se atribuir aos fornecedores – e não aos consumidores – a condição de sujeito
passivo da obrigação principal, atrelando-se a ele, fictamente, a realização
do “fato gerador” do tributo, lógica essa amplamente aceita como adequada.
Assim é que se instituir mais uma ficção, reputando a realização da hipótese
de incidência às plataformas, equiparando-as a condição de fornecedores, não
seria opção de toda estranha ao sistema.

No entanto, ao se instituir uma ficção atrelada à uma repercussão fiscal é


necessário que o sujeito considerado contribuinte detenha manifestação de
capacidade contributiva relativa ao evento tributável, isto é, esteja envolvido
na transação objeto da tributação. O ponto é que nem sempre as plataformas
estarão participando da relação negocial subjacente ao consumo, e/ou deterão
em suas mãos – justamente por não estarem em nexo jurídico aos consu-
midores – os valores expressivos dessa manifestação de riqueza. Logo, não
nos parece adequada, sob a perspectiva da simplicidade e certeza, atribuir às
plataformas a posição própria de contribuinte dos tributos.

118
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Já se buscamos perquirir a possibilidade de atribuir às plataformas digitais a


função de responsáveis tributários por substituição exige o sistema tributário
brasileiro que o responsável, em razão de uma situação fática de ascendência,
detenham acesso aos valores relativos ao tributo devido pelos contribuintes,
expressivos da manifestação de capacidade contributiva dos mesmos. Nesse
caso, teríamos a atribuição à pessoa não realizadora do evento tributável do
dever instrumental de colaborar com o Fisco retendo e/ou cobrando (ressarci-
mento) do contribuinte o valor por ele devido a título de tributo. E, em sendo
esse o caminho escolhido, questão a ser debatida e ultrapassada, em território
brasileiro, é sobre o posicionamento das plataformas na dinâmica negocial de
forma tal a deterem tal situação de ascendência.

E, a resposta depende do modelo de negócio em causa. Caso a plataforma de


só receba a remuneração pelos seus serviços sem ter acesso ao dinheiro dos
fornecedores, quando optem, por exemplo, por contratar empresas especial-
izadas em split de pagamentos, carece a mesma da condicionante imposta
pelo sistema. Já se a plataforma de marketplace efetivamente recebe todo o
dinheiro relativo às operações que intermedia, repassando, após a retenção de
suas comissões, o saldo devedor aos fornecedores, parece que tal posição de
ascendência se verifica, fato esse a autorizar a instituição da responsabilidade
por substituição.

Por fim, quando perquirimos a possibilidade de as plataformas serem con-


duzidas a responderem de forma subsidiária e solidária aos fornecedores pelo
recolhimento do IBS e da CBS, é necessário verificar se deteriam as mesmas,
em razão de situações fáticas, (i) posição de ascedência apta a influir no adim-
plemento por parte dos contribuintes de suas obrigações tributárias (princi-
pais). Ainda, (ii) em razão desse posicionamento estratégico, é necessário que
se estabeleça dever de colaborar com a administração para fins de que esses
devedores principais (contribuintes) efetivamente recolham os tributos devi-
dos. Por fim, há de se haver (iii) descumprimento desse dever de colaboração
(focado em influir no pagamento do tributo devido), a influir no (iv) inadim-
plemento pelo contribuinte do dever de recolher os tributos devidos106.

Tendo em conta o protagonismo de poucas plataformas digitais no volume


total das transações de e-commerce, é de se presumir, que, regra geral, esses
intermediários detêm a possibilidade fática de influenciarem os fornecedores
(contribuintes) no acertamento de suas obrigações fiscais, sendo possível lhes

106 UHDRE, Dayana de Carvalho. Tributação Indireta na Era Digital: E o Brasil Nisso? 2023.
534 f. Tese (Doutorado em Ciências Fiscais) - Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2023. 119
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serem imputados deveres de colaboração para com a Administração cujo foco


é o recolhimento dos tributos por parte dos contribuintes. Logo, os itens (i)
e (ii) supramencionados, em tese, seriam de fácil observação. Já os itens (iii)
e (iv) chamam a atenção ao fato de ser necessário um nexo causal entre os
deveres de colaboração exigidos das plataformas, o seu descumprimento por
parte desses intermediários e a ausência de recolhimento dos tributos por
parte dos contribuintes. Apenas se verificada tal interconexão é que seria legí-
timo se exigir da plataforma – enquanto garante - o pagamento dos tributos.
Assim é que é para eventual imputação de responsabilidade subsidiária das
plataformas no âmbito da lei complementar do IBS e da CBS é necessário que
as hipóteses hipóteses aventadas observem certa correlação entre o dever de
colaboração imposto à plataforma (agir em prol do acertamento e/ou remover
os fornecedores inadimplentes; ou a realização de due diligence dos fornece-
dores, por exemplo), o seu descumprimento e o resultado danoso ao erário
(não pagamento do tributo pelo contribuinte).

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123
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RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
DOS MARKETPLACES PELO
RECOLHIMENTO DE ICMS EM
PLENA ECONOMIA DIGITAL
TAX RESPONSIBILITY OF MARKETPLACES
FOR THE COLLECTION OF ICMS IN THE
FULL DIGITAL ECONOMY

Maceno Lisboa da Silva107

1. INTRODUÇÃO
A tributação na economia digital é um tema que vem ocupando bastante
espaço nas pautas atuais de discussões envolvendo o direito tributário. Não
é por acaso que controvérsias envolvendo a forma de tributar determinados
bens ou serviços digitais têm sido debatidas em painéis de recentes congressos
e seminários que trataram sobre as questões mais relevantes sobre tributação.
Dentre os temas discutidos sobre tributação na economia digital, a reflexão
sobre a responsabilidade tributária das plataformas digitais (marketplaces)
tem ganhado um espaço especial.

107 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e Bacharel em
Ciências Contábeis no Centro Universitário Ritter do Reis (UniRitter). Pós-graduado em di-
reito tributário pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e em Direito do Estado
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente está cursando Especial-
ização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET). Já recebeu
as seguintes premiações e distinções: Láurea Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito;
Prêmio Justino Vasconcellos pela Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do
Brasil do Rio Grande do Sul (ESA OAB/RS); premiação de “Honra ao Mérito” de Cidadão pela
Câmara de Vereadores de Porto Alegre/RS; premiação pelo primeiro lugar no XII Concurso
de Monografia da FESDT; e Láurea de Agradecimento da OAB/RS, pelos serviços prestados
124 à advocacia.
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Isso porque essas plataformas digitais viabilizam, intermedeiam ou promovem


anúncios dos mais variados bens e serviços, permitindo a aproximação do
consumidor com as mercadorias postas no comércio. Logo, é um mercado
em ampla expansão que ganhou um rápido crescimento durante o período
de pandemia provocada pela Covid-19. Nesse cenário, tem-se falado bastante
em atribuição de responsabilidade solidária das plataformas marketplaces
quando há descumprimento da obrigação tributária por parte do contribuin-
te responsável pela operação. Essa situação acabou por gerar a publicação do
Convênio ICMS nº 106/2017, bem como está resultando em edições de leis
estaduais prevendo a responsabilização destas plataformas.

Todavia, a atribuição de responsabilidade solidária às plataformas de market-


places não é fonte de pioneirismo no Brasil, sendo que esta responsabilização
já vinha sendo recomendada a sua utilização em âmbito internacional. Aliás,
no continente europeu vem se discutindo a responsabilização dos market-
places há, pelo menos, 20 anos, bem como a OCDE vem divulgando estudos
e recomendações que concluem por atribuir aos intermediários envolvidos na
cadeia de fornecimentos dos bens a sujeição passiva tributária pelo pagamento
dos tributos. Dessa forma, o presente artigo analisará (i) as diretivas da União
Europeia e os principais estudos e recomendações da OCDE sobre o tema;
(ii) como o Brasil vem introdução essa forma de responsabilização no orde-
namento jurídico; e (iii) as condições para atribuição de responsabilidade na
legislação tributária brasileira.

Ao final, serão apresentadas breves considerações críticas sobre o tema,


respondendo se é possível, perante o atual sistema jurídico tributário, atribuir
a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS às plataformas digitais de
marketplace.

125
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2. AS DIRETIVAS DA UNIÃO EUROPEIA


E AS RECOMENDAÇÕES DA OCDE SOBRE A
RESPONSABILIZAÇÃO DOS MARKETPLACES

Nos últimos anos o crescimento exponencial dos marketplaces tem causado


uma transformação significativa nas relações comerciais, em razão do papel
desempenhado por essas plataformas eletrônicas na facilitação de operações
comerciais e na redução da distância entre consumidores e fornecedores, po-
dendo-se falar, inclusive, em redefinição completa da dinâmica comercial.
Pode-se dizer que a economia digital está deixando de ser uma parte específi-
ca da economia, para se tornar a própria economia108, o que vem levantando
inúmeros desafios quando se pensa na tributação dessas novas operações. A
tributação do comércio on-line, contudo, já é discutida há pelo menos 20
anos no continente europeu, podendo-se registrar como um dos eventos mar-
cantes para esses debates a “Conferência de Otawa sobre o e-commerce” 109.
Nessa conferência foi promovido o relatório de “Ottawa Taxation Framework
Conditions”, em que foi concluído pela aplicação dos princípios norteadores
da tributação do comércio em geral as transações comerciais eletrônicas, tais
como a neutralidade, eficiência, certeza, simplicidade, efetividade, equidade
e flexibilidade.

Isso significa que o crescimento do comércio eletrônico não está acontecendo


exclusivamente no Brasil, mas é um fenômeno de natureza global, inclusive,
no âmbito internacional a União Europeia estabeleceu normas nas diretivas
nº 2017/2455110 e nº 2019/1995111 que, alterando a Diretiva nº 2006/112/
EC, passou a prever que o recolhimento do tributo incidente sobre o consu-
mo (IVA) ocorreria no país de destino (local para onde os bens são enviados

108 Segundo Luís Aires, as plataformas de marketplace alteraram a forma de agregar valor ao processo
produtivo, introduzindo uma espécie de “modelo de negócios multilateral”, em que o fornecedor e o consu-
midor se tornam tomadores dos serviços de marketplaces ofertados pela plataforma (AIRES, Luís. O labir-
into tributário na nova economia: da transformação digital à odisseia fiscal. Julgar On-line, jul. de 2019.
Disponível em < https://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/07/20190710-O-Labirinto-Tribut%C3%A1r-
io-na-Nova-Economia-Lu%C3%ADs-Aires.pdf >. Acesso em 12 de jan. 2024. p. 07.
109 UHDRE, Dayana de Carvalho. Marketplace: possibilidades e limites à sua responsabilização no âmbito
da tributação indireta. Revista de Direito Tributário Atual nº 48, ano 39, São Paulo: IBDT, 2º quadrimestre
de 2021, p. 134-151. p. 137.
110 European Union. Diretiva (EU) nº 2017/2455 do Conselho. Disponível em .< https://eur-lex.europa.
eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02017L2455-20171229&from=EN >. Acesso em 02 de dez.
2023.
111 European Union. Diretiva (EU) nº 2019/1995 do Conselho. Disponível em < https://eur-lex.europa.eu/
legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L1995&from=EN >. Acesso em 10 de dez. 2023.
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ou o serviço é executado)112 . Para atingir esse objetivo, a União Europeia


atribuiu aos marketplaces, estabelecidas ou não na União Europeia, mas que
facilitem as operações de comercialização transfronteiriças de mercadorias
dentro das comunidades, ou que facilitem a importação de mercadorias a
destinatário residente ou domiciliado na União Europeia, a responsabilidade
pela declaração e recolhimento do tributo (no caso o IVA), como se fosse
o próprio fornecedor dos bens e serviços. É o que foi chamado de deemed
supliers.

Nesse cenário, o deemed supliers pode ser conceituado como um sujeito pas-
sivo tributário, cuja função é a de facilitar as vendas de bens importados de
territórios de terceiros em remessa não superiores a EUR 150 (cento cinquenta
Euros), ou quando houver a entrega de bens dentro da Comunidade Europeia
por alguém não estabelecido na Comunidade a uma pessoa que não seja sujei-
to passivo do IVA. Todavia, para ser considerado deemed supliers a plataforma
precisa ter uma vinculação substancial com a operação comercial realizada113.

Essa responsabilidade de deemed suppliers somente pode ser afastada caso


as plataformas de marketplaces preencham cumulativamente as seguintes
condições: (i) não estabelecem, direta ou indiretamente, os termos e condições
de vendas realizadas; (ii) não estarem envolvidas, direta ou indiretamente, no
processo de pagamento; (iii) não estão envolvidas, direta ou indiretamente,
nos processos de pedido e entrega dos bens e serviços114. Também não terá

112 European Commission. Taxation and custom Union. Online electronic interfaces. Disponível em: <
https://taxation-customs.ec.europa.eu/online-electronic-interfaces_en >. Acesso em: 08 de dez. 2023.
113 Nesse sentido, esclarecendo o conceito de deemed supliers, Fabiana Carsoni Fernandes explica que:
“Considera-se deemed supplier o sujeito passivo que facilitar, mediante a utilização de uma interface
eletrônica, vendas de bens importados de territórios terceiros ou de países terceiros em remessas de valor
não superior a EUR 150 (cento e cinquenta euros); ou quando houver a entrega de bens dentro da Comu-
nidade Europeia por alguém não estabelecido na Comunidade a uma pessoa que não seja sujeito passivo do
IVA. Contudo, não basta o cumprimento desses requisitos para que o marketplace seja qualificado como
deemed supplier. Faz-se necessário que sua atuação no negócio seja substancial. Ou seja, não basta mínima
vinculação da plataforma digital com a transação. Tal vinculação, repita-se, deve ser substancial” (FER-
NANDES, Fabiana Carsoni. Responsabilidade Tributária de Marketplaces pelo ICMS: Contexto e Limites.
In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; ZILVETI, Fernando Aurélio; SILVEIRA, Rodrigo Maito da; AN-
DRADE, José Maria Arruda de; FERNANDES, Fabiana Carsoni; CARAMICO, Mara Eugênia Buonan-
no (coord.). Anais do 8º Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual IBDT/DEF-FD-USP/AJUFE/
AJUFESP: Desafios do Sistema Tributário: igualdade, legalidade e repartição de encargos. São Paulo: IBDT,
2023. p. 224-238. p. 225).
114 No original: “A taxable person, i.e. an electronic interface, is not considered as facilitating the supply,
if: a) he does not set, either directly or indirectly, any of the terms and conditions under which the supply
of goods is made (see section 2.1.6.1); and b) he is not, either directly or indirectly, involved in authorising
the charge to the customer in respect of the payment made (see section 2.1.6.2); and c) he is not, either
directly or indirectly, involved in the ordering or delivery of the goods (see section 2.1.6.3)” ((Taxation
and customs Union. Explanatory notes on VAT e-commerce rules. European Union: Indirect Taxation
and Tax administration – Value Added Tax, setembro 2020. Disponível em:< https://vat-one-stop-shop.
ec.europa.eu/system/files/2021-07/vatecommerceexplanatory_notes_28102020_en.pdf. >. Acesso em: 15
de jan. 2024. p. 17).
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responsabilidade pelo recolhimento do IVA quando as plataformas exerçam


apenas as atividades de (i) apenas realizar o processamento dos pagamentos;
(ii) somente funcionam como veículos de publicidade, expondo os bens ou
serviços comercializados por terceiros; ou (iii) apenas redirecionam o poten-
cial consumidor ao sítio eletrônico do fornecedor115.

Dessa forma, constata-se que intenção foi limitar a responsabilidade exclu-


sivamente às plataformas de marketplaces que, de alguma maneira, estejam
diretamente ligadas às operações comerciais em questão. A justificativa para
a atribuição da obrigação fiscal reside exatamente na conexão dos operadores
de marketplaces com as operações subjacentes a eles. Portanto, se essa con-
exão não existir, a atribuição de responsabilidade tributária é considerada
ilegítima.

Orientações semelhantes também têm sido apresentadas pela OCDE, na me-


dida em que a OCDE propõe que as Administrações Tributárias criem regras
aplicáveis às plataformas digitais, porque tais entidades, estando muito próx-
imas das transações comerciais, encontram-se numa posição que lhes permite
contribuir para o recolhimento do IVA, bem como compartilhar informações
de caráter relevante sobre a venda de bens e serviços116. Ao que parece, impu-
tar a responsabilidade tributária aos marketplaces é uma solução que nasce
para reduzir as barreiras comerciais decorrentes da dificuldade em arrecadar
em um cenário internacional117. Isso porque em operações internacionais, a
imposição de responsabilidades instrumentais sobre os marketplaces impede
que os fornecedores estrangeiros incorram em despesas para cumprir tais
obrigações, como a contratação de profissionais em cada país onde realizam
transações. Caso contrário, os fornecedores poderiam ficar desmotivados a
entrar em determinados mercados, ou até mesmo poderiam, de propósito ou
por descuido, violar as normas do local onde operam.

115 No original: “The deemed supplier provision does also not apply to the following activities
(see section 2.1.7 for more details): a) the processing of payments in relation to the supply of
goods; b) the listing or advertising of goods; c) the redirecting or transferring of customers to
other electronic interfaces where goods are offered for sale, without any further intervention in
the supply” (Taxation and customs Union. Explanatory notes on VAT e-commerce rules. Eu-
ropean Union: Indirect Taxation and Tax administration – Value Added Tax, setembro 2020.
Disponível em:< https://vat-one-stop-shop.ec.europa.eu/system/files/2021-07/vatecommerce-
explanatory_notes_28102020_en.pdf. >. Acesso em: 15 de jan. 2024. p. 17)
116 FERNANDES, Fabiana Carsoni. Responsabilidade Tributária de Marketplaces pelo
ICMS: Contexto e Limites.In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; ZILVETI, Fernando Aurélio;
SILVEIRA, Rodrigo MAito da; ANDRADE, José MAria Arruda de; FERNANDES, Fabiana
Carsoni; CARAMICO, Mara Eugênia Buonanno (coord.). Anais do 8º Congresso Brasileiro
de Direito Tributário Atual IBDT/DEF-FD-USP/AJUFE/AJUFESP: Desafios do Sistema
117 CASTELLO, Melissa Guimarães. Um novo IVA?: os tributos sobre o consumo e a econo-
128 mia digital. 1 ed. São Paulo: Noeses, 2021. p. 221.
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Nesse contexto, a OCDE chegou à conclusão de que os marketplaces podem


contribuir para a arrecadação. Dessa forma, recomendou que as adminis-
trações Tributárias estabeleçam normas dispondo sobre: (i) responsabilidade
tributária daquelas entidades pelo recolhimento do IVA; (ii) compartilha-
mento de informações com o fisco; (iii) formas de as plataformas digitais
estimularem os fornecedores a ficarem em conformidade com o fisco numa
tentativa de contribuir para a arrecadação sem atribuir responsabilidade
tributária aos marketplaces; (iv) acordos formais de cooperação dessas enti-
dades com o fisco baseados na ideia de compliance cooperativo; (v) atuação
das referidas entidades de modo voluntário na arrecadação do IVA, por meio
de seu pagamento em nome do fornecedor118

Contudo, é necessário analisar se esses parâmetros recomendados pela OCDE


e as diretivas da União Europeia estão de acordo com os limites traçados pelo
constituinte e pelo legislador em matéria de responsabilidade tributária. Des-
sa forma, no próximo capítulo será tratado sobre a instituição da responsabi-
lização tributária dos marketplaces no Brasil.

3. A RESPONSABILIZAÇÃO
DOS MARKETPLACES NO BRASIL
Embora a Europa já venha discutindo há muitos anos a responsabilidade dos
marketplaces na tributação, evoluindo bastante nesse aspecto, a realidade
brasileira é completamente diversa. E não se fale aqui em falta de estudos
sobre o assunto, mas em debates em um cenário diverso. Isso porque a trib-
utação brasileira adota um sistema tributário completamente diferente do eu-
ropeu, em que são muito bem limitadas as operações envolvendo mercadorias
e serviços e que são submetidas a apenas uma incidência tributária pelo IVA.
Diferentemente da realidade europeia, o Brasil possui um sistema tributário
que, além de não ser bem esclarecido quanto ao que seja operações envolven-
do “prestação de serviços” e “circulação de mercadoria”, ainda tais atividades
atraem a tributação de dois tributos diferentes, cuja competência também é
de Entes Federativos diferentes, conforme pode ser visto abaixo:
118 FERNANDES, Fabiana Carsoni. Responsabilidade Tributária de Marketplaces pelo
ICMS: Contexto e Limites. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; ZILVETI, Fernando Aurélio;
SILVEIRA, Rodrigo Maito da; ANDRADE, José Maria Arruda de; FERNANDES, Fabiana
Carsoni; CARAMICO, Mara Eugênia Buonanno (coord.). Anais do 8º Congresso Brasilei-
ro de Direito Tributário Atual IBDT/DEF-FD-USP/AJUFE/AJUFESP: Desafios do Sistema
Tributário: igualdade, legalidade e repartição de encargos. São Paulo: IBDT, 2023. p. 224-238.
p. 227-228. 129
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Como visto, o grande problema está no fato de que, embora a Constitu-


ição trate da competência para os Entes instituírem os tributos, não definiu
claramente o que seria “prestação de serviços” e “circulação de mercadoria”
para diferenciar a incidência tributária. A fim de resolver essa divergência, o
Supremo Tribunal Federal entendeu por diferenciar a configuração relativa as
operações mercantis das prestações de serviços na doutrina civilista tradicion-
al que distingue o objeto das obrigações entre prestações de dar e prestações
de fazer. Logo, quando se tratar de obrigação de dar coisa, terão natureza
de operações mercantis, incidindo no caso o ICMS-Mercadoria, mas, em se
tratando de obrigação fazer, envolvendo prestações humanas e onerosas, terão
natureza de prestações de serviços e, assim, atrairá a hipótese de incidência
do ISS119.

A justificativa para utilização desses conceitos pode ser embasada no fato de


que o direito tributário estaria vinculado às definições, conteúdos e alcance
dos institutos, conceitos e formas do Direito Privado, especialmente no que
concerne ao Direito Civil brasileiro, sendo que a lei tributária não pode al-
terá-los para definir ou limitar competências tributárias quando, expressa ou
implicitamente, previstos na Constituição Federal de 1988, nas Constitu-
ições dos Estados membros da Federação, ou nas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios, em consonância ao estabelecido no artigo 110, do
CTN. Desse modo, não pode a lei tributária empregar a analogia e a inter-
pretação extensiva, para os fins de abranger o maior número possível de fatos
passíveis de tributação120.

Essa conclusão, sem dúvida alguma, acabou contribuindo para o surgimen-


to do problema de demarcação de um ou outro fato passível de tributação

119 Na esfera judicial, o Supremo Tribunal Federal, proferiu Acórdão no sentido da incon-
stitucionalidade da incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, por não se amoldar a lo-
cação ao conceito de serviço, pois não se caracterizaria como “obrigação de fazer” e, consequen-
temente, não se sujeitaria à incidência do ISS na medida em que o conceito de serviço decorreria
do Direito Privado ((Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP. Plenário. Relator Ministro Luiz
Octavio Pires de Albuquerque Gallotti. Redator para Acórdão Ministro Marco Aurélio Mendes
de Farias Mello. j. 11.10.00. p. 25.05.01).
120 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São
130 Paulo: Editora Noeses, 2005. p. 218.
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quando envolve a tributação da economia digital. Um exemplo claro desse


contexto tormentoso foi o caso envolvendo a tributação de software, em que
os Estados defendiam, de um lado, que os softwares “padronizados” deveri-
am ser considerados mercadorias digitais, enquanto os municípios, por outro
lado, defendiam que se tratava de uma prestação de serviço, justamente por
compreender um labor humano ao desenvolver o programa computacional, o
que atrairia a incidência de ISS121. Dessa forma, o sistema tributário brasileiro
sequer possui uma clara definição para diferenciar qual tributação incidiria
em determinadas atividades (diga-se “prestação de serviço” ou circulação de
mercadoria”).

Infelizmente, diante dessa indefinição, até o momento está cabendo ao Ju-


diciário resolver tais lacunas, o que se espera que mude com a promulgação da
Emenda Constitucional nº 132/2023 que reformou o sistema tributário, mas
que não será objeto de análise deste estudo. Contudo, mesmo diante de todos
esses aspectos que demonstram que a realidade da tributação europeia até o
momento é muito diferente da brasileira, o Conselho Nacional de Política
Fazendária (CONFAZ) publicou o Convênio ICMS nº 106/2017122, disci-
plinando os procedimentos de cobrança de ICMS incidente nas operações
com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência
eletrônica de dados.

Esse diploma firmado entre os Estados brasileiros tratou na cláusula quinta123


de autorização para que os Estados atribuam “responsabilidade tributária”
aquele que realizar a oferta, venda ou entrega de bens em razão de contrato
com o comercializador. Como pode se observar, o Convênio ICMS nº

121 A questão foi discutida no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5659
e nº 1945.
122 BRASIL. Convênio ICMS nº 106/2017. Disponível em: < https://www.confaz.fazenda.gov.br/
legislacao/convenios/2017/CV106_17#:~:text=Disciplina%20os%20procedimentos%20de%20co-
bran%C3%A7a,sa%C3%ADda%20destinada%20ao%20consumidor%20final. >. Acesso em: 12 jan. de
2024.
123 Conforme consta no Convênio ICMS nº 106/2017:
“Cláusula quinta: Nas operações de que trata este convênio, as unidades federadas poderão atribuir a re-
sponsabilidade pelo recolhimento do imposto:
I - àquele que realizar a oferta, venda ou entrega do bem ou mercadoria digital ao consumidor, por meio de
transferência eletrônica de dados, em razão de contrato firmado com o comercializador;
II - ao intermediador financeiro, inclusive a administradora de cartão de crédito ou de outro meio de pag-
amento;
III - ao adquirente do bem ou mercadoria digital, na hipótese de o contribuinte ou os responsáveis descritos
nos incisos anteriores não serem inscritos na unidade federada de que trata a cláusula quarta;
IV - à administradora de cartão de crédito ou débito ou à intermediadora financeira responsável pelo
câmbio, nas operações de importação”.
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106/2017 violou frontalmente a Constituição Federal ao disciplinar hipótese


de sujeição passiva tributária das plataformas de marketplaces e outros inter-
mediários, em razão de que esta matéria seria reservada a constitucionalmente
à lei complementar (art. 146, III, alínea “a”; e art. 155, § 2º, XII, “a”, ambos
da Constituição Federal).

Nesse cenário, analisando o art. 4º da Lei Complementar nº 87/1996 (lei


Kandir), observa-se que contribuinte do ICMS é “qualquer pessoa, física ou
jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intu-
ito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”124. Logo, as
plataformas de marketplaces não podem ser responsabilizadas por imposição
prevista em convênio, na medida em que caberia a lei complementar tratar
sobre o assunto. Isso porque os marketplaces não foram eleitos pela Lei Com-
plementar nº 87/1996 (Lei Kandir) como contribuintes de ICMS, sendo que
eventual “ampliação” desta definição só poderia ser feita por lei complemen-
tar. Neste caso, ao Convênio não é permitido ampliar o conceito de contribu-
intes previsto na lei complementar.

Nesse mesmo sentido, cabe destacar que o artigo 128 do CTN125 dispõe
que a lei estadual somente pode eleger à categoria de responsável tributário
terceiro que de alguma forma encontra-se conexo ao fato jurídico tributário e
cujos atos ou omissões concorrerem126 para o não recolhimento do ICMS127.
Assim, essa matéria está constitucionalmente reservada a lei complementar,
razão pela qual não poderia um mero Convênio tratar do assunto, tampou-
co poderia uma lei estadual disciplinar o tema, já que o assunto, repita-se,
está reservado a lei complementar. Para exemplificar, apresenta-se o esquema

124 Lei Complementar nº 87/1996:


“Art. 4º: Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade
ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que
as operações e as prestações se iniciem no exterior”.
125 Segundo o artigo 128 do CTN, “sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir
de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato
gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a
este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
126 Consoante art. 5º da Lei Complementar n. 87/1996, verbis: “Lei poderá atribuir a tercei-
ros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou
responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do
tributo.”
127 Nesse sentido, destaca-se que esse é o entendimento de Dayana de Carvalho Uhdre sobre
limites à responsabilização de terceiros em matéria tributária (UHDRE, Dayana de Carvalho.
Competência tributária: incidência e limites de novas hipóteses de responsabilidade tributária.
132 Curitiba: Juruá, 2017).
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abaixo para demonstrar o caminho legislativo previsto na Constituição para


atribuir responsabilidade a terceiro pelo pagamento do ICMS em lei estadual:

Ocorre que alguns Estados vêm se baseando na cláusula quinta do Convênio


ICMS nº 106/2017 para modificar suas legislações internas e estabelecer a
responsabilidade das plataformas marketplaces pelo pagamento do ICMS
devido nas operações, mesmo as plataformas sendo meras intermediárias nas
transações. Logo, essas legislações estaduais são, no mínimo, problemáticas
e ratificam um ato eivado de vícios de inconstitucionalidade. Isso porque
não se vislumbra encontrar qualquer forma de vinculação dos marketplaces
(meros intermediadores) com fato jurídico tributário. Assim, no próximo
capítulo será demonstrado que a responsabilização dos marketplaces pelo
ICMS na condição de mero intermediador das transações comerciais não
encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro.

133
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4. A RESPONSABILIDADE
TRIBUTÁRIA NA CONSTITUIÇÃO E
NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
De acordo com o art. 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Na-
cional, o contribuinte é quem detém “relação pessoal e direta com a situação que
constitua o respectivo fato gerador”. Logo, a cobrança do tributo deve ser realizada
diretamente ao indivíduo praticante do fato gerador, surgindo, assim, o sujeito pas-
sivo direto da relação jurídica tributária. No entanto, há determinadas situações
nas quais poderá haver a presença de um terceiro responsável tributário, caracter-
izado como alguém que não detém relação pessoal e direta com a situação que
constitua o respectivo fato gerador (art. 121, parágrafo único, inciso II, do CTN).
Essa situação caracteriza a responsabilidade tributária do sujeito passivo indireto,
prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional, que pode ser dividida da
seguinte forma:

a) Responsabilidade por substituição: O responsável ou substituto as-


sume a posição do contribuinte, sendo encarregado pelo cumprimento
da obrigação a partir de sua ocorrência.

b) Responsabilidade por transferência: O responsável toma o lugar do


contribuinte após a configuração do fato gerador, ou seja, ocorre um
evento subsequente ao surgimento da obrigação tributária que resulta na
transferência da responsabilidade para um terceiro.

c) Responsabilidade por sucessão: O responsável assume a posição do


sucedido, ocorrendo a transferência da obrigação de remeter o tributo
devido por aquele.

Como pode ser observado, diferentemente dos outros ramos jurídicos, a responsa-
bilidade tributária não decorre necessariamente de um ato ilícito, mas de alguma
circunstância que pode ser lícita ou ilícita, mas prevista em lei. Todavia, o legis-
lador não está livre para escolher a seu critério quem será responsável tributário,
devendo se atentar a outorga de competência, selecionando-os conforme o vínculo
ligado com as circunstâncias previstas no critério material da regra-matriz de in-

134
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cidência tributária128. Isto é, somente poderá figurar como sujeito passivo quem
tiver relação, ainda que indireta, com o fato jurídico praticado129.

Por essa razão que o artigo 128 do CTN somente permite que a lei eleja um tercei-
ro como sujeito passivo se ele tiver vinculação com o fato gerador. Nesse sentido,
Maria Rita Ferragut130, ao analisar o liame entre o responsável tributário e real-
izador do fato gerador, explica que essa relação de responsabilidade tributária de-
manda a vinculação do terceiro apenas ao fato imponível e não ao sujeito passivo.
Logo, o critério definidor que permite que o legislador estabeleça uma hipótese de
responsabilidade tributária é o vínculo entre o responsável tributário e fato gerador.
Todavia, esse vínculo deve ser apto a permitir, nas palavras de Luciano da Silva
Amaro, que “o tributo seja recolhido sem onerar seu próprio bolso”131.

Ocorre que o marketplace é uma plataforma on-line de comércio eletrônico em


que um agente econômico viabiliza que diversos fornecedores ofertem produtos
e prestem serviços a partir de uma interface eletrônica que os conecta a consumi-
dores que pretendem adquiri-los ou tomá-los. Logo, pode-se dizer que se trata de
uma nova roupagem das antigas feiras, mercados e shopping centers que, antes fun-
cionavam como espaços físicos cedidos aos agentes econômicos para que pudessem
expor suas mercadorias132 . Dessa forma, o marketplace se trata de um mero es-
paço de negócios em que é possível a interação entre fornecedores e consumidores.

Portanto, a plataforma marketplace não realizam operações de circulação de mer-


cadorias, mas tão somente abre uma espécie de banca ou vitrine em um espaço
para que o agente econômico possa expor seus produtos, com o objetivo de realizar
a aproximação entre fornecedores e consumidores. Essa disponibilização de espaço

128 ROSA, Iris Vânia Santos; ZOMER, Silvia Regina; MELO, Ísis Ariana Castro de. Re-
sponsabilidade dos marketplaces pelo recolhimento do ICMS em tempos de economia digital.
In: CARVALHO, Paulo de Barros (corrd.). XX Congresso Nacional de Estudos Tributários:
direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência. 1 ed. São Paulo: Noeses, 2023. p. 613-
644. p. 621.
129 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e método. 6 ed. São Paulo:
Noeses, 2015. p. 651.
130 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária. 4 ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo:
Noeses, 2020. p. 19.
131 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 304-305
132 FULGINITI, Bruno Capelli. O papel dos marketplaces na tributação do e-commerce:
entre responsabilidade tributária e cooperação fiscal. In: BARRETO, Paulo Ayres (coord.) Es-
tudos tributários sobre a economia digital. São Paulo: Noeses, 2021. p. 186. 135
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pode ser considerada uma prestação de serviço para os fornecedores e seus consu-
midores realizarem as atividades econômicas de compra e venda. Desse modo, não
há vinculação da cessão de um espaço com o fato gerador do ICMS que ocorre na
compra e venda.

Não se ignora que há dois tipos de atuação dos marketplaces quando se fala no
fluxo de valores: (i) fluxo interno, em que a plataforma recebe a integralidade da
quantia paga pelo comprador, abatendo sua comissão no momento em que repassa
o valor atribuído ao vendedor ou prestador de serviço, a exemplo do que ocorre com
a Uber ou a Airbnb; e (ii) fluxo externo, em que a quantia é destinada ao fornecedor
do produto ou prestador de serviço diretamente, ao qual se encarrega de repassar a
comissão à plataforma após a operação, como acontece com BlaBlaCar133. Logo, a
diferença entre as duas formas de operação ficaria da seguinte forma:

Nesse contexto, o fluxo de valores interno pode até levar a pensar que os mar-
ketplaces possuem poder para exigir a emissão de notas fiscais e o recolhimento
efetivo do tributo, mas, ao contrário do que se pensa, mesmo que as plataformas
possam reter o valor de comissão, ela não pode reter um valor maior do lhe é devi-
do, isto é, o valor referente aos tributos, salvo se houver previsão legal, sob pena de
ser justamente apropriação indébita.

133 BRAZ, Jacqueline Mayer da Costa Ude. Tributação na economia compartilhada. 2021.
Tese (Doutorado em Direito Econômico e Financeiro) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2021. Doi: 10.11606/T.2.2021.tde-13072022-072330. Acesso em: 06 de
136 nov. de 2022. p. 112 -113.
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Então, o fato das plataformas marketplaces serem remuneradas com percentual do


montante das vendas efetuadas não se mostra suficiente para atrair a responsabi-
lidade tributária do ICMS. Isso porque as plataformas não estão participando
do fato gerador do tributo, tampouco está sendo concedido poder para realizar a
retenção de valores do tributo devido. Aliás, a função das plataformas marketplaces,
independentemente da forma como receberão suas comissões (seja descontando
do valor recebido – fluxo interno; seja recebendo o repasse do fornecedor após
a operação – fluxo externo), é de apenas disponibilizar um espaço para que o
fornecedor e o consumidor possam se aproximar com o fim de realizar negócios.

Logo, não se pode e impor o cumprimento de deveres impossíveis, ou


demasiadamente custosos aos marketplaces, pois as plataformas não podem reter
o valor do tributo, sem previsão legal para isso, ou exigir que os fornecedores façam
o recolhimento correto do tributo. De fato, o Fisco pode impor ao contribuinte
e a terceiros o cumprimento de deveres de colaboração, por meio da criação de
deveres instrumentais, que permitam às autoridades fiscais identificar e conferir
efetividade à tributação sobre o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte, desde que tais deveres estejam previstos em lei e que
não sejam impossíveis de serem cumpridos. Nesse sentido, é as palavras de Fabiana
Carsoni Fernandes:

Mas não basta que o responsável tenha meios de reter ou de se


ressarcir do montante do tributo. A lei, ao integrá-lo à relação jurídico-
tributária, não lhe pode impor o cumprimento de deveres impossíveis,
ou demasiadamente custosos. O fisco pode impor ao contribuinte e a
terceiros o cumprimento de deveres de colaboração, por meio da criação
de deveres instrumentais, que permitam às autoridades fiscais identificar
e conferir efetividade à tributação sobre o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte, desde que tais deveres respeitem
direitos individuais e sejam instituídos dentro dos limites da lei (art. 145,
parágrafo 1º, da Constituição). A criação de deveres instrumentais, nesse
contexto, não pode ser excessiva, nem desnecessária, impondo-se sua
adequação à finalidade a que se presta, além de dever obediência à equidade
em cada situação concreta, sem prejuízo de ser coerente e congruente
com as situações que alcançam, sob pena de ferir a proporcionalidade e
a razoabilidade. É necessário, pois, que a pessoa tenha efetiva capacidade
de colaboração, a significar que o ônus ou encargo que lhe for atribuído

137
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seja de cumprimento viável, não comprometendo desproporcionalmente


seus direitos, sua liberdade e seu patrimônio134.

Nesse sentido, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº


603.191/MT135, em que se discutia a inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº
8.212/1991, que determinava a retenção de 11% do valor bruto das notas fiscais,
entendeu que há limites a instituição do dever de colaboração. De acordo com
o voto da Relatora, Ministra Ellen Gracie, a colaboração deve guardar respeito
aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não se podendo impor a
ninguém deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários e ineficazes.

Portanto, é possível afirmar que não é possível impor ao responsável tributário


deveres excessivos, de execução difícil ou até impossível, que o obriguem, por ex-
emplo, a investigar fatos ou negócios que estão além de sua capacidade, ou cuja
validade ou regularidade não está sob a sua competência para opinar ou fazer in-
ferências. Essa avaliação é de responsabilidade exclusiva do fisco136 . Afinal de con-
tas, as plataformas marketplaces não possuem poder polícia e tampouco podem
reter valores que não lhes pertencem, sem autorização legal. Essas atividades, em
verdade, devem ser realizadas pelo Fisco.

Nesse sentido, corroborando com essa conclusão, destaca-se que a 1º Seção de


Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp nº
1.119.205/MG137, de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, ao analisar a re-
sponsabilização do vendedor de boa-fé quanto ao pagamento do ICMS quando,

134 FERNANDES, Fabiana Carsoni. Responsabilidade Tributária de Marketplaces pelo ICMS: Contexto
e Limites. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; ZILVETI, Fernando Aurélio; SILVEIRA, Rodrigo Maito
da; ANDRADE, José Maria Arruda de; FERNANDES, Fabiana Carsoni; CARAMICO, Mara Eugênia
Buonanno (coord.). Anais do 8º Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual IBDT/DEF-FD-USP/
AJUFE/AJUFESP: Desafios do Sistema Tributário: igualdade, legalidade e repartição de encargos. São Pau-
lo: IBDT, 2023. p. 224-238. p. 231-232.
135 BRASIL. RE nº 603191, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2011, RE-
PERCUSSÃO GERAL, Publ. 05 set. 2011. Disponível em < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-
dor.jsp?docTP=AC&docID=626982 >. Acesso em 16 de jan. 2024.
136 FERNANDES, Fabiana Carsoni. Responsabilidade Tributária de Marketplaces pelo ICMS: Contexto
e Limites. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; ZILVETI, Fernando Aurélio; SILVEIRA, Rodrigo Maito
da; ANDRADE, José Maria Arruda de; FERNANDES, Fabiana Carsoni; CARAMICO, Mara Eugênia
Buonanno (coord.). Anais do 8º Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual IBDT/DEF-FD-USP/
AJUFE/AJUFESP: Desafios do Sistema Tributário: igualdade, legalidade e repartição de encargos. São Pau-
lo: IBDT, 2023. p. 224-238. p. 232.
137 BRASIL. EREsp nº 1.119.205/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em
27 de out. de 2010, publ. em 08 de nov. de 2010. Dispnível em < https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiro-
TeorDoAcordao?num_registro=201000278724&dt_publicacao=08/11/2010 >. Acesso em 14 de jan. 2024.
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em casos de diferimento tributário, o comprador é posteriormente reconhecido


como inidôneo, entendeu que a responsabilidade pela fiscalização das operações é
das autoridades fiscais e não do contribuinte138.

Em resumo, a conclusão que se chega é que, em matéria de responsabilidade


tributária, o terceiro que integra a relação jurídico-tributária deve ter meios de
reter ou de se ressarcir do montante do tributo, de modo a não comprometer seu
próprio patrimônio, bem como não pode assumir obrigações inviáveis de cumprir.
Além disso, cabe ao Fisco fiscalizar e vigiar os atos praticados pelos contribuintes.
Com base nessas premissas que o art. 5º da Lei Complementar nº 87 de 1996
deve ser interpretado, na medida em que o dispositivo legal dispõe que a lei poderá
atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do ICMS e acréscimos devi-
dos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concor-
rerem para o não recolhimento do tributo. Logo, o terceiro colocado nessa posição
não é qualquer pessoa, mas alguém que possui vínculo com o fato gerador e que
contribui para o inadimplemento do tributo.

Contudo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro declarou


a constitucionalidade da Lei nº 8.795/2020, que atribuía aos marketplaces e in-
termediários de negócios on-line a obrigação de recolher o imposto sobre Circu-
lação de Mercadorias e Serviços (ICMS), na condição de responsável tributário,
pelas vendas efetuadas por terceiros em sua plataforma, na Ação Direta de Incon-
stitucionalidade nº 0040214- 33.2020.8.19.0000, julgada em 8 de agosto de 2022.
Essa decisão, além de ignorar que os marketplaces não possuem vínculo com o fato
gerador do ICMS, ainda foi proferida em sentido contrário ao entendimento do
STF, que veda que os Estados criem hipóteses de responsabilidade tributária não
previstas no Código Tributário Nacional, em razão de violar o disposto no artigo
146, III, alínea “b”, da Constituição, que reserva a lei complementar dispor sobre
essa matéria.

Esse entendimento tinha sido fixado no julgamento da ADI nº 4.845/DF139, em


que o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional dispositivo de Lei do Es-
tado do Mato Grosso que atribuía aos advogados e outros agentes a responsabili

138 BRASIL. EREsp nº 1.119.205/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção,
julgado em 27 de out. de 2010, publ. em 08 de nov. de 2010. Dispnível em < https://scon.
stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201000278724&dt_publica-
cao=08/11/2010 >. Acesso em 14 de jan. 2024.
139 BRASIL. ADI nº 4845. Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13 de fev.
2020, publ. 04 de març. 2020. Disponível em < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-
dor.jsp?docTP=TP&docID=752131711 >. Acesso em 12 de jan. 2024.
139
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dade tributária pelo ICMS relativo a operações nas quais estes tivessem intervindo
“ativa ou passivamente, no cumprimento da referida obrigação”. De acordo com
os votos proferidos na sessão de julgamento, esse dispositivo violou a Constituição,
por instituir hipótese de responsabilidade tributária em desacordo com as pre-
scrições da legislação complementar, a evidenciar o caráter exaustivo e vinculante
dessas normas.

Portanto, o acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Esta-


do do Rio de Janeiro é contrário ao entendimento do Supremo Tribunal Federal,
bem como está permitindo que a legislação estadual crie hipótese responsabilidade
tributária pelo pagamento do ICMS a terceiros que não possuem vínculo com o
fato gerador do tributo. Assim, não restam dúvidas de que essa decisão está em
desacordo com a legislação tributária e com a própria Constituição.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando todo o estudo apresentado, conclui-se que a responsabilização
das plataformas de marketplaces por meio de lei estadual somente pode ser
permitida se houver conexão ao fato jurídico tributário e participação desses
intermediários para o inadimplemento do ICMS. Todavia, é inquestionável
a falta de vinculação dos marketplaces aos fatos geradores das transações que
intermedeia (isto é, fornecedor e consumidor), tampouco que as plataformas
colaboram para eventual inadimplemento de ICMS nessas operações
comerciais.

Em verdade, verifica-se que a atribuição de responsabilidade às plataformas


de marketplaces ocorreu em razão do Convênio ICMS nº 106/2017 e não
pelo fato das plataformas de marketplaces contribuírem por suas ações ou
omissões para o não pagamento do tributo estadual. Dessa forma, resta con-
figurada violação a Constituição, já que constitucionalmente é reservada a lei
complementar tratar das normas gerais sobre a matéria referente a responsa-
bilização de terceiros pelo inadimplemento de ICMS, o que se inclui a dele-
gação para lei estadual regular o tema.

140
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Nesse sentido, o artigo 128 do CTN define que somente pode ser responsa-
bilizado o terceiro que está vinculado ao fato gerador do tributo e contribuiu
para seu inadimplemento. Portanto, não há que se falar em responsabilização
das plataformas de marketplaces pelo inadimplemento de ICMS, com base
na atual legislação tributária.

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digital à odisseia fiscal. Julgar On-line, jul. de 2019. Disponível em <
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141
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de novas hipóteses de responsabilidade tributária. Curitiba: Juruá, 2017.

UHDRE, Dayana de Carvalho. Marketplace: possibilidades e limites à


sua responsabilização no âmbito da tributação indireta. Revista de Direito
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p. 134-151.

143
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IMPACTOS REGULATÓRIOS E
FISCAIS NAS PLATAFORMAS DE
CROWDFUNDING

REGULATORY AND FISCAL IMPACTS ON


CROWDFUNDING PLATFORMS

Juliano Nunes Pinto Fulginiti140


Virgínia de Paula Lopes de Almeida141

1. INTRODUÇÃO
O advento das tecnologias digitais trouxe consigo um leque de inovações que
desafiam as estruturas regulatórias tradicionais, criando um novo paradigma
econômico e social. Dentre essas inovações, as plataformas de crowdfunding
emergem como um mecanismo disruptivo de financiamento coletivo,
permitindo que projetos e ideias encontrem apoio financeiro direto de uma
comunidade diversificada de investidores. No entanto, essa modalidade de
financiamento, apesar de seu potencial transformador, encontra-se em uma
área cinzenta em termos de regulamentação e tributação, especialmente no
que tange à aplicação do Imposto Sobre Serviços.

O expressivo crescimento do setor de financiamento coletivo no Brasil, evi-


denciado pelo volume financeiro movimentado pelas plataformas de crowd-
funding, que ultrapassou a cifra de R$ 131 milhões até o ano de 2022, jun-

140 Advogado empresarial. Pós-graduando em Direito dos Negócios pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduado em Direito com Formação complementar em Em-
preendedorismo jurídico, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Sócio diretor da Fulginiti Advogados. E-mail: juliano@lawecapital.com.br.
141 Advogada tributarista. Pós-graduanda em Direito dos Negócios pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários (IBET). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do
144 Sul (UFRGS). Sócia da Magnus e Almeida Advocacia. E-mail: virginia@magnusalmeida.com
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tamente com a expansão no número de plataformas operantes no país - que


viu um salto de 4 em 2016 para 60 em 2022, representando um aumento de
1400% - ressalta de maneira inequívoca a capacidade contributiva inerente
a essa modalidade de investimento142 . Nesse panorama, considerando a sig-
nificativa movimentação financeira e, por consequência, a evidente capaci-
dade contributiva, existe, em teoria, a expectativa de que essas plataformas
estejam submetidas à tributação. Essa abordagem é fundamental para preve-
nir disparidades tributárias entre as atividades econômicas realizadas virtual-
mente e aquelas conduzidas por meios tradicionais143.

A análise da capacidade contributiva, entendida como o alicerce para a


avaliação do impacto tributário e como critério determinante nas considerações
sobre a adequação e proporcionalidade da imposição tributária144, assume
uma posição de destaque no contexto das plataformas de crowdfunding. Esta
notável expansão reflete não apenas a vitalidade e o potencial de crescimento
desse setor, mas também sublinha a necessidade de uma abordagem tributária
que reconheça a sua significativa contribuição econômica, alinhando-se,
assim, aos princípios de justiça fiscal e capacidade contributiva que orientam
o sistema tributário nacional. ​​

No entanto, é imprescindível reconhecer que a simples identificação da ca-


pacidade contributiva inerente ao sujeito passivo não se estabelece como o
único vetor para a efetivação da tributação. Impõe-se, assim, a necessidade de
uma diligente verificação e exame abrangente da regra-matriz de incidência
tributária. Tal processo envolve uma meticulosa análise da natureza jurídica
do critério material, que, na situação em análise, pode revelar-se particular-
mente intrincado. Adicionalmente, diante das peculiaridades do contexto em
discussão, pode-se tornar premente a elaboração de uma legislação comple-
mentar, conforme delineado pelo artigo 146 da Constituição Federal145.

142 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Crowdfunding de Investimento: Evolução


do Mercado 2022. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anex-
os/2023/20230707_relatorio_crowndfunding_2022.pdf. Acesso em: 02 mar. 2024.
143 BRIGAGÃO, Gustavo. Tributar crowdfunding gera insegurança jurídica e conflito de
competências. ConJur, 7 dez. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-07/
consultor-tributario-tributacao-crowdfunding-gera-inseguranca-juridica/. Acesso em: 02 mar.
2024.
144 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 7. ed. rev. e atual.
São Paulo: Noeses, 2018. p. 340.
145 BRIGAGÃO, Gustavo. Tributar crowdfunding gera insegurança jurídica e conflito de
competências. ConJur, 7 dez. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-07/
consultor-tributario-tributacao-crowdfunding-gera-inseguranca-juridica/. Acesso em: 02 mar.
2024. 145
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2. PAPEL DA COMISSÃO DE VALORES


MOBILIÁRIOS COMO AGENTE REGULADOR
Com o aumento das demandas do mercado, especialmente entre as empresas
de tecnologia com modelos de negócios disruptivos e escaláveis, conhecidas
como Startups, a busca por fontes alternativas de financiamento tem se in-
tensificado. Estas empresas buscam cada vez mais recursos diretamente de
investidores superavitários, não se limitando na busca de investimentos. Essa
abordagem permite que as atividades atraiam investimentos para seus proje-
tos, impulsionando sua capacidade produtiva e promovendo seu desenvolvi-
mento econômico146.

Diante desse contexto, surgiram no cenário brasileiro plataformas de finan-


ciamento coletivo. Através dessas plataformas, as empresas expõem seus pro-
jetos e os benefícios esperados para os investidores, possibilitando que estes
financiem os empreendimentos. No entanto, a falta de regulamentação es-
pecífica para essa modalidade gerava incertezas jurídicas. O embasamento
normativo inicial estava atrelado na Instrução 400/2003147, onde sua inter-
pretação considerava qualquer divulgação em massa como oferta pública,
sujeita ao registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conforme
estabelecido na Lei do Mercado de Valores Mobiliários (Lei no 6.385/76)148.

Dada à natureza das negociações públicas, essas operações eram equiparadas


a valores mobiliários, sujeitas à regulação e fiscalização da CVM. A autarquia
desempenha papel fundamental no controle das ofertas públicas de valores
mobiliários, com funções de fiscalização, regulamentação e fomento do mer-
cado mobiliário.

Reconhecendo a importância de adaptar-se ao novo cenário econômico, a


CVM buscou flexibilizar as restrições legais para a entrada de empresas de
pequeno e médio porte no mercado de valores mobiliários. Um marco nesse

146 PORTO, Éderson Garin. Manual jurídico da startup: como criar e desenvolver projetos
inovadores com segurança. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 19-20.
147 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução CVM 400. Rio de Janeiro: CVM,
2003. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst400.html. Acesso em:
04 mar. 2024.
148 FULGINITI, Juliano Nunes Pinto; COELHO, Giulliano Tozzi. Possibilidade de emissão
de debêntures por sociedade limitada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, Revista de Direito
146 Privado, vol. 113/2022, p. 163.
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sentido foi a Instrução Normativa 476 de 2009149, que permitiu ofertas públi-
cas com esforços restritos, dispensando o registro na CVM150.

Para preencher as lacunas legais e facilitar o acesso das empresas à emissão


de valores mobiliários, a CVM emitiu a Instrução Normativa nº 588 em
2017151. Esta definiu expressamente a nomenclatura “crowdfunding” no seu
texto normativo, definindo-a como um mecanismo de investimento coletivo
por meio de plataformas eletrônicas, estabelecendo diretrizes para captação de
recursos por sociedades empresárias de pequeno porte, além de regulamentar
os aspectos como: qualificação do investidor, os limites de aporte e captação,
como também as atribuições e responsabilidades das plataformas152 .

A IN 588/2017 detalhou as informações necessárias para realização das ofer-


tas públicas de valores mobiliários, porém, em 2022, foi revogada e substituí-
da pela Resolução nº 88 da CVM153. Esta nova resolução promoveu alter-
ações nas regras de crowdfunding, ampliando os valores de investimento e
captação, além de estabelecer medidas para garantir transparência e proteção
aos investidores.

149 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução CVM 476. Rio de Janeiro: CVM,
2009. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst476.html. Acesso em:
04 mar. 2024.
150 PEREIRA Filho, Valdir C.; HAENSEL, T. A Instrução CVM 476 e as ofertas públicas
com esforços restritos. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 45,
2009. p. 339.
151 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução CVM 588. Rio de Janeiro: CVM,
2017. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst588.html. Acesso em:
04 mar. 2024.
152 RODRIGUES, Gabriela Wallau. Equity crowdfunding: contornos jurídicos, registro da
distribuição e proteção do investidor. In: LUPION, Ricardo; ESTEVEZ, André Fernandes
(Coord.). Fronteiras do Direito Empresarial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 104.
153 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM 88. Rio de Janeiro: CVM,
2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol088.html. Acesso
em: 04 mar. 2024. 147
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3. MECANISMO DE FINANCIAMENTO
COLETIVO PELAS PLATAFORMAS
DE CROWDFUNDING
As plataformas de crowdfunding representam um avanço significativo na for-
ma como os projetos são financiados, ultrapassando as barreiras tradicionais
impostas pelo financiamento bancário e pelo mercado de capitais. Através da
internet, estas plataformas criam um ambiente onde a interação e a partici-
pação dos usuários ganham uma nova dimensão, permitindo o desenvolvi-
mento e a popularização de projetos nas mais diversas áreas. No entanto, essa
inovação vem acompanhada de incertezas jurídicas, particularmente devido
à falta de uma regulamentação específica que aborde as particularidades desse
modelo de negócio.

Assim, com o propósito de superar as omissões normativas, reduzindo ob-


stáculos e facilitando o acesso das empresas à captação de recursos por meio
da emissão de valores mobiliários que representam dívidas públicas no merca-
do, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) promulgou, em 14 de julho de
2017, a Instrução Normativa nº 588. Posteriormente, este dispositivo foi sub-
stituído pela Instrução Normativa nº 88/2022, a qual, especificamente em
seu artigo 2º, inciso I154, estabelece a definição de “crowdfunding de investi-
mento” como a captação de recursos através de oferta pública de distribuição
de valores mobiliários, isenta de registro, conduzida por emissores qualifica-
dos como sociedades empresárias de pequeno porte conforme estipulado por
esta regulamentação. Esta captação deve ser realizada exclusivamente por in-
termédio de plataformas eletrônicas de investimento participativo, destinan-
do-se a uma ampla gama de investidores que provêm financiamento dentro
dos limites previstos na referida resolução.

A definição legal fornecida pela legislação em vigor, embora represente um


avanço na tentativa de regulamentação das plataformas de crowdfunding,
não esclarece de forma definitiva a natureza jurídica e, por extensão, a con-
figuração fiscal dessas entidades. De fato, a tarefa de conceituar e adaptar

154 Art. 2º Para fins desta Resolução, aplicam-se as seguintes definições:


I – crowdfunding de investimento: captação de recursos por meio de oferta pública de dis-
tribuição de valores mobiliários dispensada de registro, realizada por emissores considerados
sociedades empresárias de pequeno porte nos termos desta Resolução, e distribuída exclusiva-
mente por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, sendo os destinatários
da oferta uma pluralidade de investidores que fornecem financiamento nos limites previstos
148 nesta Resolução;
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as normas tributárias à emergente realidade digital apresenta-se como um


desafio significativo. Uma questão particularmente relevante e instigante diz
respeito à viabilidade e aos limites de aplicar um arcabouço legislativo, origi-
nariamente concebido sob premissas voltadas para um contexto de transações
físicas de bens e com demarcações territoriais precisas, às novas modalidades
de operações digitais. Este cenário suscita reflexões profundas sobre a ade-
quação das estruturas legais e tributárias tradicionais frente às complexidades
e especificidades do ambiente digital e globalizado no qual as plataformas de
crowdfunding estão inseridas155.

4. TRIBUTAÇÃO DO ISS E AS PLATAFORMAS


DE CROWDFUNDING

No Brasil, o funcionamento das plataformas de crowdfunding segue um


processo organizado que começa com o cadastro dos interessados em apoiar
projetos156. Estes podem então avaliar e escolher entre diversas iniciativas dis-
poníveis para financiamento. Os criadores de projetos submetem suas propos-
tas à plataforma, que, após uma análise criteriosa, decide pela aprovação e
divulgação dos projetos que atendem aos critérios estabelecidos. Essa divul-
gação inclui informações detalhadas sobre o projeto, como objetivos financei-
ros e recompensas para os apoiadores.

Os apoiadores fazem suas contribuições financeiras online, utilizando diver-


sos métodos de pagamento. A plataforma consolida os valores arrecadados e,
ao final do período de arrecadação, transfere os recursos aos realizadores dos
projetos que atingiram suas metas financeiras, descontada a taxa de serviço.
Projetos que não alcançam a meta estipulada no modelo tudo-ou-nada re-
cebem um reembolso.

155 BRIGAGÃO, Gustavo. Tributar crowdfunding gera insegurança jurídica e conflito de


competências. ConJur, 7 dez. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-07/
consultor-tributario-tributacao-crowdfunding-gera-inseguranca-juridica/. Acesso em: 2 mar.
2024.
156 SAPIENZA FILHO, Vicente do Carmo. Tributação das Plataformas de Financiamento
Coletivo Crowdfunding – Doação, Prestação de Serviço ou Fornecimento de Mercadoria?.
Tese (Mestrado) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo. Dis-
ponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/9f7c1bc2-7807-4853-99b2-
3dd03d9fed58/content. Acesso em: 2 mar. 2024. 149
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Com o financiamento assegurado, os projetos são executados e as recompensas


prometidas são entregues pelos criadores aos apoiadores. Este modelo facilita
a conexão direta entre criadores e comunidade, promovendo a realização de
iniciativas criativas e inovadoras.

Identificamos a presença de três participantes fundamentais neste ecossis-


tema: os apoiadores, a plataforma de crowdfunding que atua como inter-
mediária, e os criadores dos projetos. Dentro dessa dinâmica, observa-se um
fluxo financeiro subjacente ao modelo de negócio, onde a plataforma, em sua
função de mediação, retém uma porcentagem dos fundos arrecadados.

É imprescindível reconhecer, dentro do contexto operacional das plataformas


de crowdfunding, que sua atividade pode ser interpretada como a prestação
de um serviço que guarda semelhança com os serviços de intermediação e
congêneres, conforme descrito no item 10 da lista anexa à Lei Complementar
nº 116/03, embora executado no âmbito digital.

A estrutura operacional dessas plataformas, sustentada por contratos de


prestação de serviços e termos de uso157, submete-se à regulamentação do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), equiparando-se, assim, aos es-
tabelecimentos virtuais. Esses ambientes digitais ultrapassam a mera função
de prover um espaço na internet; eles criam um ecossistema de interação
que facilita o encontro entre indivíduos detentores de produtos ou projetos
e aqueles potencialmente interessados em financiá-los. Este cenário promove
uma aproximação e uma transação facilitadas entre as partes envolvidas.

Adicionalmente, as plataformas de crowdfunding distinguem-se pela oferta


de mais do que simplesmente um espaço virtual; elas possibilitam o acesso a
uma rede compartilhada de recursos e possibilidades. Essa disponibilização
abrange um leque variado de funcionalidades, estabelecendo-se como um
“serviço complexo” devido à sua abrangência e ao valor agregado que oferece,
tanto para os proponentes de projetos quanto para os apoiadores. Tal com-
plexidade reflete a natureza multifacetada dessas plataformas, demonstrando
a sua capacidade de transcender as convenções tradicionais de serviços de
intermediação ao adaptá-las para o contexto digital moderno.

157 Veja-se, por exemplo, os termos de uso/serviço da plataforma CATARSE. Disponível em:
https://crowdfunding.catarse.me/legal/termos-de-uso; da plataforma EQSEED, Disponível
em: https://eqseed.com/termos-servico#:~:text=2.2.,expressa%20e%20escrita%20pela%20
EqSeed; e da plataforma Kickstarter. Disponível em https://legal.kickstarter.com/policies/
150 en/?name=terms-of-use.
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Nesse sentido, as plataformas de crowdfunding, ao intermediarem o financi-


amento de projetos, não se limitam à mera cessão de espaço virtual; elas ofere-
cem um conjunto complexo de serviços que facilitam a conexão entre projetos
e potenciais financiadores, englobando a análise de propostas, a gestão de
campanhas e o manejo dos recursos financeiros.

Embora essa perspectiva não seja universalmente aceita, Paulo de Barros Car-
valho158 articula que “Serviço” se define como a obrigação de executar uma
ação, manifestada por um esforço humano, tanto material quanto imaterial,
destinado ao benefício de terceiros. Para ele, essencialmente, “Serviço” deno-
ta um fazer, contrapondo-se a obrigações que se resumem somente à entrega
de um item já existente, quer de forma permanente ou temporária. Sob essa
ótica, o ISS (Imposto Sobre Serviços) não seria aplicável a casos que envolvam
unicamente a cessão de um bem existente. Portanto, segundo esta interpre-
tação, o uso de plataformas digitais escaparia da incidência do ISS por não se
enquadrarem estritamente como “serviço” sob essa definição.

Contudo, mesmo que se aceitasse que a definição de serviço e as atividades


desenvolvidas pelas plataformas de crowdfunding se enquadrassem de manei-
ra inequívoca nos termos da legislação vigente como um serviço, persistiria
uma questão adicional a ser explorada: a identificação do sujeito ativo na
relação jurídico-tributária e a determinação do ente municipal competente
para a tributação.

Conforme estipulado pelo artigo 3º da Lei Complementar nº 116/03, o Im-


posto Sobre Serviços (ISS) é, como regra geral, devido ao município onde
se localiza o estabelecimento prestador do serviço. No entanto, o modelo
operacional das atividades em questão, particularmente aquelas executadas
pelas plataformas de crowdfunding, adquire sua dimensão e alcance substan-
ciais através do uso da internet, possibilitando a divulgação de projetos e a
captação de investidores e criadores de projetos em uma escala global. Esta
característica intrínseca das operações digitais introduz complexidades na de-
terminação do município competente para a tributação do ISS, uma vez que
o servidor que hospeda a plataforma pode estar situado em um município
distinto daquele em que se encontra a equipe administrativa, podendo esta
última, inclusive, operar de múltiplas localidades ou mesmo fora do território
brasileiro.

158 CARVALHO, Paulo de Barros. Não-incidência do ISS sobre Atividades de Franquia (Fran-
chising). Direito Tributário Atual, n. 20. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/
RDTA/article/view/1550/1040. Acesso em: 3 mar. 2024. 151
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Na atual configuração legislativa, o conceito de estabelecimento está intrin-


secamente atrelado à noção de um espaço físico destinado à condução de
negócios. No entanto, a realidade das operações conduzidas no âmbito da
economia digital, em particular aquelas efetuadas por plataformas de crowd-
funding, desafia essa concepção tradicional, visto que não exigem uma lo-
calização física permanente para o seu desenvolvimento. Empresas cujas
operações principais são veiculadas através de websites têm a capacidade de
prestar serviços em múltiplas jurisdições internacionais sem a necessidade de
um espaço físico dedicado aos seus negócios159.

Discussões relevantes têm sido promovidas por organismos como a OCDE,160


particularmente no que se refere à possibilidade de considerar os servidores
que hospedam plataformas virtuais como estabelecimentos permanentes para
efeitos tributários. Desde o relatório “Taxation and Electronic Commerce:
Implementing the Ottawa Taxation Framework Conditions”, publicado em
2001, a OCDE tem explorado essa possibilidade, ressaltando que: (i) um
servidor pode constituir um estabelecimento permanente; (ii) softwares e
websites, por sua natureza intangível, não se qualificam como tal, dada a im-
possibilidade de sua alocação em uma localização geográfica específica; (iii) a
caracterização de um estabelecimento permanente requer que os negócios da
empresa sejam efetuados por meio de um servidor que esteja à sua disposição,
avaliação essa que é conduzida caso a caso.

Contudo, até o momento, não se alcançou um consenso sobre a adequação das


atividades realizadas pelos servidores de plataformas digitais a essa definição,
uma vez que os mesmos oferecem uma variedade de serviços a uma ampla
gama de usuários através de contratos de adesão, sem especificar a localização
física do servidor que estaria necessariamente à disposição do usuário.

Nesse contexto, para a determinação de um estabelecimento permanente no


Brasil em relação às plataformas digitais, recorre-se às normas de registro

159 SAPIENZA FILHO, Vicente do Carmo. Tributação das Plataformas de Financiamento


Coletivo Crowdfunding – Doação, Prestação de Serviço ou Fornecimento de Mercadoria?.
Tese (Mestrado) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo. Dis-
ponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/9f7c1bc2-7807-4853-99b2-
3dd03d9fed58/content. Acesso em: 02 mar. 2024.
160 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Taxation and
Electronic Commerce: Implementing the Ottawa Taxation Framework Conditions. Citado por
SAPIENZA FILHO, Vicente do Carmo. Tributação das Plataformas de Financiamento Co-
letivo Crowdfunding – Doação, Prestação de Serviço ou Fornecimento de Mercadoria?. Tese
(Mestrado) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, [s.d.]. Dis-
ponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/9f7c1bc2-7807-4853-99b2-
152 3dd03d9fed58/content. Acesso em: 02 mar. 2024.
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de websites que exigem dados indicativos da presença física do solicitante,


como endereço e documentos societários. A diversidade de funcionalidades
oferecidas por essas plataformas, portanto, não se mostra suficiente para car-
acterizá-las como estabelecimentos autônomos, e não seria viável considerar
isoladamente um website como um estabelecimento. Para fins tributários, a
referência continua sendo o local físico onde o domínio está registrado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tributação das plataformas de crowdfunding, especialmente no que tange
ao Imposto Sobre Serviços (ISS), insere-se em um contexto marcado pela
complexidade, similar ao de outros temas que enfrentam desafios regulatórios
decorrentes do avanço tecnológico. A natureza intrinsecamente digital dessas
plataformas, aliada à sua capacidade de operar além das fronteiras geográfi-
cas tradicionais, coloca em evidência a dificuldade de aplicação de marcos
regulatórios concebidos em uma era pré-digital. A possibilidade de adoção
do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) na reforma tributária apresenta-se
como uma potencial solução para simplificar a identificação do sujeito ativo
tributário, ao menos em casos nos quais as operações das plataformas sejam
realizadas integralmente dentro do território nacional. Essa mudança poderia
facilitar a atribuição da responsabilidade tributária e a coleta do imposto dev-
ido, contribuindo para uma maior clareza e eficiência no processo tributário.

No entanto, a situação torna-se consideravelmente mais complexa quando


se analisa a operação de plataformas cujos domínios estão localizados fora
dos limites territoriais do país. Tal cenário introduz uma camada adicional
de insegurança jurídica, dada a ausência de uma regulamentação específica
que contemple as peculiaridades das transações digitais transfronteiriças. A
globalização da economia e a ascensão do comércio eletrônico exigem uma
abordagem regulatória que reconheça e se adapte à realidade fluida e descen-
tralizada das operações na internet.

Portanto, a urgência de regulamentar as circunstâncias em que os domínios


de plataformas de crowdfunding estejam situados fora do Brasil destaca-se
como uma questão premente. Tal regulamentação deverá buscar um

153
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equilíbrio entre a necessidade de garantir a justa arrecadação tributária e a


promoção de um ambiente favorável à inovação e ao desenvolvimento tec-
nológico. A elaboração de diretrizes claras e adaptadas às nuances da econo-
mia digital será fundamental para mitigar a insegurança jurídica e estabelecer
um campo de atuação equitativo para plataformas nacionais e internacionais.
Em suma, a tributação das plataformas de crowdfunding sob a ótica do ISS
reflete os desafios impostos pela evolução tecnológica ao sistema tributário
tradicional. A reforma tributária, com a possível inclusão do IVA, e a neces-
sidade de regulamentação específica para operações digitais transfronteiriças
são aspectos cruciais que demandam atenção e ação regulatória assertiva. So-
mente através de uma abordagem holística e adaptativa será possível superar
as barreiras jurídicas e fiscais existentes, promovendo um ambiente de negóci-
os justo, competitivo e propício à inovação.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução CVM 400. Rio de
Janeiro: CVM, 2003. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/in-
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neiro: CVM, 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/
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BRIGAGÃO, Gustavo. Tributar crowdfunding gera insegurança jurídica e


conflito de competências. ConJur, 7 dez. 2016. Disponível em: https://www.
conjur.com.br/2016-dez-07/consultor-tributario-tributacao-crowdfund-
ing-gera-inseguranca-juridica/.

154
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CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 7.


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de Franquia (Franchising). Direito Tributário Atual, n. 20. Disponível em:
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Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).


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(Mestrado) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São
Paulo, [s.d.]. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bit-
streams/9f7c1bc2-7807-4853-99b2-3dd03d9fed58/content.

PEREIRA Filho, Valdir C.; HAENSEL, T. A Instrução CVM 476 e as ofer-


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fgv.br/server/api/core/bitstreams/9f7c1bc2-7807-4853-99b2-3dd03d9fed58/
content.

155
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A INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE
RENDA SOBRE CRIPTOMOEDAS:
DA SUA NATUREZA CAMALEÔNICA
À EFETIVA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRI

THE INCOME TAX IMPACT ON


CRYPTOCURRENCY: FROM ITS CHAMALEON
NATURE TO THE EFFECTIVE TAX INCIDENCE

Bruno A. François Guimarães161


Guilherme Sangalli Sandri162

Resumo: É fato que as criptomoedas estão a caminho de se consolidar em


um papel de destaque na ordem econômica mundial. Todavia, diante dos
obstáculos à compreensão da natureza jurídica de um ativo tão inovador, são
muitos os desafios no desenvolvimento de uma estrutura legislativa apropri-
ada para regulamentá-las. A matéria encontra especial relevância no Direi-
to Tributário, que com suas categorias estanques de hipótese de incidência,
encontra dificuldades em regulamentar a tributação de um ativo dotado de
características tão fluídas e complexas. Diante de tal cenário, o presente tra-
balho pretende contribuir com o estudo sobre a tributação das criptomoedas,
especialmente quanto à incidência do Imposto de Renda sobre estes ativos.

161 Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Master in
Law (LL.M) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC. Especial-
ista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS. Bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNIS-
INOS. Associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Associado do Instituto de Estudos
Tributários – IET. Advogado em Porto Alegre/RS. Contato: bruno.guimaraes@rmmgadvogados.com.br
162 Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Especialista em
Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado em Encantado/RS e Porto Alegre/
RS. Contato: guilherme@sandri.adv.br
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Palavras-Chave: Criptomoedas. Natureza jurídica. Tributação. Imposto de


renda.

Abstract: It is a fact that cryptocurrencies are on their way to consolidating


themselves into a prominent role in the world economic order. However, giv-
en the obstacles to understanding the legal nature of such an innovative asset,
there are many challenges in developing an appropriate legislative framework
to regulate them. The matter finds special relevance in Tax Law, which with
its categories of incidence hypothesis, finds it difficult to regulate the taxation
of an asset endowed with such fluid and complex characteristics. In view of
this scenario, the present work intends to contribute to the study of the tax-
ation of cryptocurrencies, especially regarding the incidence of the Income
Tax on these assets.

Keywords: Cryptocurrencies. Legal nature. Taxation. Income tax.

1. INTRODUÇÃO
O tema das criptomoedas tem ganho cada mais atenção mundo afora, muito
pelas suas repercussões econômicas e tecnológicas, visto se tratar de tema
altamente disruptivo e inovador. Verdadeiras babilônias de dinheiro são
movimentadas diariamente em transações envolvendo criptomoedas, dentre
as quais o Bitcoin ainda é a mais famosa e de maior notoriedade financeira,
tendo inclusive sido acatada como moeda nacional oficial.

Naturalmente que um tema de tamanhas repercussões precisa de


regulamentações jurídicas que lhe sejam compatíveis, o que é deveras difícil
de ser realizado, visto que o tempo do Direito raramente é o tempo das
realidades fáticas. A bem da verdade, novas tecnologias são constantemente
desenvolvidas em cima da tecnologia blockchain (sobre a qual se estruturam
as criptomoedas) sem que muitos temas regulatórios fundamentais sequer
tenham sido ventilados por efetivos projetos de lei.

No Brasil, em específico, seguimos à deriva no assunto, no que diz respeito à


edição de lei em sentido estrito. A Comissão de Valores Mobiliários – CVM,

157
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o Banco Central do Brasil e a Receita Federal do Brasil todos já se manifes-


taram a respeito das criptomoedas em pontos de suas respectivas competên-
cias, mas sempre de forma fragmentária, não ordenada e por instrumentos
infralegais. Naturalmente que há uma grande insegurança jurídica decor-
rente de tal contexto.

Dentre todos os aspectos jurídicos que poderiam ser abordados, o presente


trabalho tem por propósito contribuir com luzes sobre um ponto em espe-
cífico: a incidência de Imposto de Renda sobre criptomoedas. Não se ignora
aqui que a tributação sobre as transações com criptomoedas dependerá “da
relação jurídica estabelecida entre as partes envolvidas, o que evidencia que
não há apenas um tributo apto a incidir sobre a relação jurídica material
tributária”.163 Todavia, este trabalho focará especificamente na incidência de
Imposto de Renda sobre tais ativos, como forma de possibilitar uma análise
minimamente satisfatória no espaço de que dispomos.

Para tanto, o trabalho está estruturado em três tópicos. O primeiro, tratará


sobre o conceito de renda, visto que somente a partir de tal premissa é que se
poderá perquirir das realidades envolvendo criptomoedas que estariam sujei-
tas ao Imposto de Renda. O segundo, trata-se sobre a natureza jurídica das
criptomoedas, no intuito de tentar delimitar as realidades possíveis de ser-
em identificadas quanto a tais ativos que, potencialmente, estariam sujeitas
à incidência do imposto objeto deste trabalho. Finalmente, o terceiro, tratará
especificamente sobre como se dá a incidência do Imposto de Renda sobre
criptomoedas, a partir das premissas estabelecidas os tópicos antecedentes.

É o que se passa a desenvolver.

163 STEFFENS, Luana; TESSARI, Cláudio. A Tributação das Operações com Criptomoedas
no Brasil: o caso da bitcoin. In Revista de Direito Tributário Contemporâneo, vol. 30/2021
158 Jul – Set. de 2021, pp. 269-296.
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2. O CONCEITO DE RENDA
Conceituar renda para fins de direito tem se mostrado tarefa árdua, haja vista
que até o momento não há um consenso nem na doutrina e tampouco na
jurisprudência de qual seria o alcance que a expressão “renda e proventos de
qualquer natureza” teria para fins tributários.164

Todavia, em que pese toda a dificuldade inerente à conceituação do


vocábulo, tal tarefa sempre gozou de elevada relevância no direito tributário,
considerando-se que é somente a partir da compreensão daquilo que o
ordenamento pátrio entende por renda é que se pode definir os exatos limites
para que a União exija o Imposto de Renda sem que se invada a competência
dos demais entes federativos.

Com o advento das criptomoedas, a compreensão daquilo que o ordenamen-


to entende por renda encontra novos desafios impostos pela tecnologia, haja
vista que se está diante de ativo recente sobre o qual ainda não há consenso
sobre a sua natureza, pois dependendo da estrutura ou forma dos negócios
realizados em que são utilizados, eles poderão estar sob a tutela fiscal tanto da
União, como Estados ou Municípios.165

Dessa forma, a tarefa de identificar o conceito de renda e o fato gerador do


imposto incidente sobre criptomoedas (ou operações as envolvendo), é premis-
sa necessária para possibilitar a análise das operações envolvendo estes ativos
virtuais, determinar se incide tributo sobre estas e, em caso positivo, qual
seria o tributo incidente.

Analisando-se a produção doutrinária sobre o tema, verifica-se que inicialmente


esta divide-se em dois polos opostos, sendo o primeiro aquele que entende pela
completa ausência de um conceito de renda a ser extraído da Constituição
Federal (o que confere amplos poderes ao legislador infraconstitucional
para defini-la), enquanto o outro grupo afirma existir um conceito

164 A dificuldade de tal tarefa é tamanha, que alguns doutrinadores argumentam pela im-
possibilidade de encontrar um conceito para o vocábulo renda. Neste sentido, é a doutrina de
Fernando Daniel de Moura Fonseca que leciona que “os conceitos de renda irão variar de acordo
com as premissas adotadas e com os objetivos perseguidos, de tal sorte que a pretensão de se
construir uma definição de renda que possa ser chamada de neutra ou de científica representa
apenas uma miragem.”. In: FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Imposto sobre a renda:
uma proposta de diálogo com a contabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 46
165 UHDRE, Dayana de Carvalho. Blockchain, Tokens e Criptomoedas: uma análise jurídica.
São Paulo, Almedina, 2021, p. 190. 159
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constitucional de renda, que limitaria os poderes do legislador ordinário ao


regular a incidência de tal tributo.166

O primeiro grupo de doutrinadores a sustentar a completa inexistência de um


conceito constitucional de renda, adotam a teoria legalista, a partir da qual
somente é possível conceituar renda a partir daquilo que a lei defina como
tal167. Todavia, na esteira do que leciona Luis Eduardo Schoueri,168 susten-
ta-se que tal doutrina não se mostra como a mais adequada para que se possa
compreender o conceito de renda para o direito tributário pátrio, haja vista
que o legislador ordinário se encontra limitado às previsões constitucionais
acerca da tributação da renda.

Ainda, por representar base de incidência para a instituição de tributo, a ren-


da tributável deve corresponder a sinal de capacidade contributiva que possua
real densidade econômica, pois como bem observa Ricardo Mariz de Oliveira
“a lei não pode determinar que o fato de alguém andar a pé na Rua Direita
seja considerado renda para efeito da incidência do imposto de renda”.169

Sobrepondo-se a tais ideias, há a corrente doutrinária que assume somente ser


possível instituir tributo sobre a renda se a respectiva legislação ordinária esti-
ver de acordo com as previsões constitucionais sobre o tema, pois o legislador
infraconstitucional terá como limite para a instituição do tributo o conceito
de renda exprimido na Constituição.170

Embora seja possível reconhecer que a Constituição não traga um conceito


didático de renda, como faz a legislação complementar, assevera-se que esta
apresenta diretrizes a serem observadas pelo legislador ordinário, as quais se
expressam através de princípios e previsões esparsas ao longo de seu texto.171
Como bem observa Ricardo Mariz de Oliveira,172 a partir do momento que a

166 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda, vol. 1, São Paulo:
Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2020, p. 204.
167 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica
para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga e LOPES, Alexsandro
Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Pau-
lo: Dialética, 2010, p. 244
168 Ibidem, p. 245.

169 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit., p. 213.

170 WIERZCHOWSKI, Mozarth Bielecki. O conceito constitucional de renda aplicável às


pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2018, p. 192.
171 Ibidem, p. 196.
160
172 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit., p. 208.
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Constituição Federal adota termos técnicos, estes devem ser compreendidos


de acordo com o seu significado na área de conhecimento a que pertencem,
razão pela qual o estudo do conceito de renda desdobra-se a partir da ciência
econômica.

A partir da ciência econômica, é possível identificar que as teorias que se de-


senvolveram para a definição de renda, reúnem-se em torno da teoria da fonte
(ou teoria da renda-produto) e a teoria do acréscimo patrimonial (ou teoria
da renda-acréscimo). De acordo com a teoria da fonte, originada do Direito
Romano, há de se reconhecer a existência de renda quando esta consiste em
fruto periódico que advém de uma fonte permanente, como o capital ou o
trabalho. De outra parte, para teoria do acréscimo patrimonial, que remonta
ao conceito de lucro comercial, a renda consistiria no acréscimo patrimonial
auferido em um lapso temporal determinado.173

Isoladas, ambas as teorias estão sujeitas a algumas falhas para apurar


devidamente a renda auferida pelo contribuinte, uma vez que a adoção da
teoria renda-produto, impossibilita a tributação de ganhos eventuais pela
ausência de uma fonte permanente, como o ganho de capital, visto que nestes
casos não existe um fruto periódico e contínuo de rendimentos.

De outra parte, a teoria da renda-acréscimo não se mostra suficiente para


tributar casos onde o contribuinte houver gasto mais do que ganho no perío-
do de apuração, bem como encontra óbices nas situações que envolvam a
tributação dos rendimentos brutos do contribuinte não residente, a qual, por
ser realizada exclusivamente na fonte, não é capaz de avaliar a existência ou
não de um acréscimo patrimonial percebido entre o início e o fim do período
analisado.174

Visando superar as insuficiências que cada uma destas teorias possui quando
observada de forma isolada, tem-se que o Texto Constitucional, ao referir
que compete a União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza,175 utilizou-se do conceito de renda observando tanto a teoria da

173 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Pau-
lo: Malheiros, 2002, p. 79-80.
174 Sobre o tema: SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação
direta da renda. 2ª edição. São Paulo: IBDT, 2021, p. 14; SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro
real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto
Quiroga e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanci-
amentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 243.
175 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (…) III - renda e proventos de qualquer natureza;
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renda-produto quanto da renda-acréscimo.176

No mesmo sentido é a redação do art. 43, do CTN,177 onde é possível con-


statar uma congruência entre os preceitos constitucionais acerca daquilo que
se entende por renda e uma compatibilidade com o conceito econômico de-
senvolvido, haja vista que em seu inciso primeiro adota a teoria da fonte,
enquanto no segundo o da renda-acréscimo.178

Todavia, há de se interpretar a expressão “proventos de qualquer natureza”


com a devida diligência para que não se cometa equívocos, uma vez que uma
interpretação apressada daquilo que poderia constituir tais proventos pode
colidir com outras competências tributárias constitucionais, como é o caso da
tributação sobre doações e heranças, as quais não se confundem com renda.

Por esta razão, mostra-se necessário delimitar o alcance do termo “proventos


de qualquer natureza” utilizado no Código Tributário Nacional. De acor-
do com os ensinamentos de Ricardo Mariz de Oliveira,179 tal expressão não
diz respeito a transferências gratuitas de patrimônio, em razão destas não
conservarem uma referência ou possibilidade de comparação entre o valor
ingressado no patrimônio do adquirente àquele que existiria em um momen-
to anterior a este ingresso, bem como o fato de tal variação patrimonial não
decorrer da utilização de um bem para produzi-lo, o que descaracterizaria o
seu caráter remuneratório.

Portanto, a distinção entre o conceito de renda lato sensu e transferências


patrimoniais diversas é de elevada relevância para que seja possível analisar
a incidência ou não do imposto de renda sobre nas operações envolvendo

176 Para Tipke e Yamashita “ao acrescentar a expressão ‘proventos de qualquer natureza’ o leg-
islador constituinte tomou a precaução de impedir uma interpretação restritiva do conceito de
renda, baseada na teoria da fonte” In: TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Op. Cit., p.82
177 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer
natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de
renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de
proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreen-
didos no inciso anterior.
178 Neste sentido é a conclusão de Klaus Tipke e Douglas Yamashita, para quem: “A lei com-
plementar não inova, mas apenas define uma das hipóteses plausíveis dentro da moldura con-
stitucional (...) para instituir imposto sobre ‘renda e proventos de qualquer natureza’ a Con-
stituição já pressupunha, em si, o conceito de renda definido no art. 43 do Código Tributário
Nacional, recepcionado em tudo aquilo que não contrariasse seus próprios preceitos.” In: TIP-
KE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Op. Cit., p. 82didos no inciso anterior.

162 179 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit., pp. 238-239.
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as criptomoedas, pois o caráter contraprestacional e remuneratório deve estar


presente para que recaia ao contribuinte a obrigação de pagar o tributo.

De outra parte, ainda analisando o texto do art. 43, do CTN, conclui-se que
a mera existência de renda não é suficiente para que incida o aludido imposto,
sendo necessário que haja disponibilidade econômica ou jurídica desta. Ou
seja, a renda deve estar já incorporada no patrimônio do contribuinte ou ter
sido reconhecido o direito à esta, ainda que não integre o seu patrimônio,18
0 aceitando-se apenas a tributação da renda efetivamente realizada.181

Devido à possibilidade de se utilizar das criptomoedas para inúmeras finali-


dades, a questão do momento em que ocorreria a disponibilidade da renda se
mostra controversa, pois a depender de como forem consideradas —moeda,
mercadoria ou ativo financeiro, por exemplo — haverá divergência do mo-
mento correspondente à disponibilidade da renda.

Por todos, na esteira do pensamento de Luis Eduardo Schoueri,182 só é pos-


sível se falar em disponibilidade de renda no momento que o contribuinte
puder se valer desta da maneira que achar melhor, inclusive para pagar o seu
imposto. Ou seja, só há disponibilidade de renda e, portanto, incidência do
tributo, quando o contribuinte puder valer-se desta para contribuir com os
gastos comuns do Estado, configurando-se como verdadeira manifestação de
capacidade contributiva.

No caso da tributação sobre a renda envolvendo as criptomoedas, Ricardo


Mariz de Oliveira183 afirma que estas funcionariam como apostas realizadas
por aqueles que as adquirem, sendo que somente seria possível saber o seu
180 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica
para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga e LOPES, Alexsandro
Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Pau-
lo: Dialética, 2010, p. 248
181 O que seja a realização da renda é tema amplo, que comporta muitas reflexões a respeito de
consequências jurídicas e econômicas. Aprofundar o tema transbordaria dos propósitos deste
artigo, de forma que se remete para: ABRANTES, Emmanuel Garcia. A Realização da Renda
da Pessoa Jurídica: novas impressões sobre o conceito de aquisição da disponibilidade econômi-
ca ou jurídica da renda. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2021; ZILVETI,
Fernando Aurelio; FAJERSZTAJN, Bruno; SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Direito Tributário:
princípio da realização no imposto sobre a renda – Estudos em homenagem a Ricardo Mariz de
Oliveira. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2019.
182 SCHOUERI, Luís Eduardo. Considerações acerca da Disponibilidade da Renda: Renda
Disponível é Renda Líquida. In. ZILVETI, Fernando Aurelio; FAJERSZTAJN, Bruno; SIL-
VEIRA, Rodrigo Maito da. Op. Cit., pp. 19-32
183 S OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit., pp. 403-404. 163
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resultado quando fossem finalizadas, razão pela qual só há disponibilidade de


renda e incidência do tributo quando do término total ou parcial da operação.
Veja-se, contudo, que tal afirmação parte do pressuposto que criptomoedas
seriam ativos mobiliários com grau especulatório, o que nem sempre é ver-
dadeiro.

Diante das breves considerações apresentadas sobre o conceito de renda, se


mostra evidente o desafio que tal tema impõe a doutrina jurídica, especial-
mente diante da inovação inerente a figura das criptomoedas.

Todavia, com a compreensão daquilo que o ordenamento jurídico e doutrina


pátrios entende por renda, o alcance da expressão “proventos de qualquer
natureza” e especialmente, a questão envolvendo sua disponibilidade, mostra-
se possível analisar as operações envolvendo tais ativos para compreender se
estas correspondem a fato de gerador para a incidência do imposto de renda.

3. A NATUREZA JURÍDICA DAS CRIPTOMOEDAS


A delimitação da natureza jurídica das criptomoedas é um tema extremamente
controvertido, visto que, por conta do seu elevado nível de inovação e caráter
disruptivo, acaba por não se amoldar à perfeição com as clássicas catego-
rias estanques que o Direito oferece. Assim, exemplificativamente, podem
ser enquadradas como moeda, moeda estrangeira, dinheiro, dinheiro eletrônico,
produto financeiro, mercadoria, título ou valor mobiliário, bem, ativo ou pro-
duto.184

A título de definição, pode-se dizer que “criptomoedas são uma forma de


transferir recursos financeiros entre pessoas, utilizando a tecnologia chamada
blockchain”185, sendo operacionalizadas em diversas espécies, tais como
a Bitcoin, Ethereum e Dogecoin. Atualmente, há mais de uma centena
de espécies de criptomoedas, muitas das quais com notório propósito de
especulação a título de investimentos, afeiçoando-se a características e usos

184 FOLLADOR, Guilherme Broto. Criptomoedas e competência tributária. In: Revista Bra-
sileira de Políticas Públicas, v. 7, n. 3,.12.2017. p. 86.
185 CASTELLO, Melissa Guimarães. Bitcoin é moeda? Classificação das criptomoedas para o
164 direito tributário. Revista Direito GV, v. 15, n. 3, 2019, p. 3.
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típicos de valores mobiliários, enquanto outras são, também, efetivamente


utilizadas como meio de pagamento de transações.

A grande questão é que apesar da nomenclatura de criptomoedas, a sua


caracterização como moeda propriamente dita não é uma conclusão tão
simples como poderia parecer, visto que, ao menos no Brasil, o Estado detém
competência privativa para emitir moedas, conforme dispõe o art. 21, VII,
da Constituição Federal.186 Sendo fato notório que as criptomoedas não são
emitidas pelo Estado brasileiro, a conclusão lógica é a de simplesmente afastar
tal caracterização.

Contudo, não se pode ignorar que há criptomoedas que desempenham


função de moeda, sendo utilizadas, para todos os fins, como efetiva forma de
pagamento. Neste sentido, é notório o crescimento do número de estabeleci-
mentos comerciais que passam a aceitar pagamentos por meio de bitcoins, de
forma que perquirir do ponto e aprofundar as razões jurídicas em busca de
sua caracterização se faz, no mínimo, pertinente.

Em trabalho que se tornou referencial teórico quanto aos aspectos jurídi-


co-tributários da moeda no Brasil, Roberto Quiroga Mosquera analisa de
forma minudente aquelas que seriam as três características da moeda no país:
curso legal, curso forçado e poder liberatório.187 A moeda tem curso legal quando
todas as pessoas submetidas ao respectivo ordenamento jurídico são obriga-
das a aceita-la como meio de pagamento de dívidas; tem curso forçado quando
não se pode exigir do emitente da moeda sua substituição por outros ativos,
de forma a ser ela a medida oficial para fins de quantificação e adimplemento
obrigacional; tem poder liberatório quando é o meio juridicamente válido
para fins de adimplemento obrigacional, não podendo ser preterida por outro
ativo.188

Quiroga Mosquera, na obra acima referida, formula o seu conceito de moeda


e expõe a existência de duas linhas teóricas: uma que privilegia o aspecto
jurídico positivo, entendendo por moeda aquilo que for legalmente caracter-
izado como tal e; outra que privilegia o aspecto social, focada nos usos que

186 Art. 21. Compete à União: (…) VII - emitir moeda;

187 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Direito Monetário e Tributação da Moeda. São Paulo:
Dialética, 2006, pp. 76-79.
187 No Brasil, o Real tem essas três características, visto que seu curso legal decorre do art. 1º,
da Lei 9.069/95, seu curso forçado decorre do art. 318, do CC e seu poder liberatório consta
do art. 315, do CC. 165
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são dados a determinado ativo, no sentido de que moeda é aquilo que goza
de confiança pela sociedade e passa a ser utilizada como meio na realização
de transações.189

As criptomoedas não detém nenhuma das três características, razão pela qual,
sob uma perspectiva jurídica, o autor, acompanhado da expressiva maioria da
doutrina, rechaça que sua natureza possa ser a de moeda.190 Neste sentido,
ilustrativamente, decidiu o STJ que criptomoedas não podem ser objeto de
crime de evasão de divisas, justamente por não se tratar de uma moeda, valor
mobiliário ou ativo financeiro, estando alheias ao Sistema Financeiro Bra-
sileiro e ao controle do Banco Central.191

Não se pode ignorar que há importantes posicionamentos doutrinários pres-


tigiando o vetor confiança na classificação de um ativo como moeda e, conse-
quentemente, defendendo que criptomoedas possuem efetiva natureza juríd-
ica de moeda. Dentre todos, temos que merece especial destaque trabalho de
Melissa Guimarães Castello, no qual, tratando especificamente sobre Bitcoin,
a autora sustenta não somente uma insuficiência na concepção positivista de
moeda, como também que não existiria no ordenamento pátrio qualquer ve-
dação para sua caracterização como moeda estrangeira, visto que apesar de
não gozar de curso legal, deteria as demais características típicas de uma moeda.

A tese defendida pela autora parte do ponto de que “o direito positivo brasilei-
ro não define moeda; apenas emprega o termo ‘moeda’ quando quer regular o
uso deste fenômeno fático” e segue que “fazendo-se uma interpretação literal
do art. 21, VII, da Constituição (…), seria possível concluir que moeda é
somente aquilo emitido pela União” mas aponta que “moedas estrangeiras
são moeda, e não são emitidas pela União”. Assim, arremata que “diante da
inexistência de um conceito claro de moeda, a adoção da corrente positiva

189 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Op. Cit., pp. 50-57.

190 Neste sentido, vide: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Breves considerações econômi-
cas e jurídicas sobre a criptomoeda. Os bitcoins. Revista de Direito Empresarial, São Paulo, v.
4, n. 14, mar./abr. 2016. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/
rt/periodical/95960701/v20160014/document/112941036/anchor/a-112941036. Acesso em 14
de março de 2022. Ainda, tratando sobre a questão da natureza jurídica das criptomoedas e
o crime de evasão de divisas, sustentando que tais ativos não tem natureza de moedas, vide:
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Lei de repatriação: aspectos criminais da prestação de in-
formações (disclosure) em ambiente de tax compliance (2.ª parte). Revista de Direito Bancário e
do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 71, jan./mar. 2016. Disponível em: https://proview.thom-
sonreuters.com/launchapp/title/rt/periodical/93329455/v20160071/document/117088016/
anchor/a-117088016. Acesso em 14 de março de 2022.
191 CC 161.123/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julga-
166 do em 28/11/2018, DJe 05/12/2018.
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não exclui a possibilidade de considerar moedas virtuais como moeda”.192


Portanto, com base numa acepção pautada na confiança depositada sobre
determinados tipos de ativos para caracterizá-los como sendo moeda, a autora
concluir que criptomoedas se amoldam ao conceito de moedas estrangeiras.

Embora verdade que inexista uma conceituação de moeda na legislação na-


cional, fato é que suas características e funções são consagradas pela lite-
ratura e usos, de forma que parece despropositada a afirmação de inexistência
de uma conceituação, a partir da legislação positiva, do que seja moeda. Da
mesma forma, o mero uso social ou atribuição de confiança em determinado
ativo como meio de veicular trocas e adimplir obrigações soa como insufi-
ciente para a caracterização de um ativo como moeda (ainda que estrangeira),
visto que se trata de característica presente também, por exemplo, em título
mobiliários, bens imóveis, pedras preciosas e mesmo por meio de permutas.

Logo, a prosperar tal posição, moeda não seria uma espécie de ativo, mas sim
uma característica atinente ao elevado grau de confiança e habitualidade de
uso social que determinado ativo tenha, o que nos parece inverter e desvirtuar
o que seja moeda por uma característica potencial que ativos podem ou não
ter.

Portanto, até recentemente, não se teria como concordar com a autora na


sua caracterização de bitcoins como moeda estrangeira, mas eis que em 07 de
setembro de 2021, El Salvador se tornou o primeiro país do mundo a adotar
o bitcoin como sua moeda oficial. Obviamente que tal fato, por si só, não
finaliza a discussão quanto à natureza jurídica das criptomoedas, pois não
elide o fato, por exemplo, de que tanto a autora quanto El Salvador tratam es-
pecificamente de uma criptomoeda, deixando de contemplar todas as demais
espécies. Ainda, fica em aberta a dificuldade de operar com uma moeda es-
trangeira sem lastro e emissão por um país soberano, criando uma série de di-
ficuldades no que diz respeito a questões cambiais e de soberania nacional.193

Certamente se trata de evento que corrobora tudo quanto dito anteriormente,


no sentido de serem as criptomoedas altamente disruptivas e inovadoras,
forçando as classificações e institutos jurídicos a serem revistos e adaptados,

192 CASTELLO, Melissa Guimarães. Op. Cit., p. 7.

193 Apenas exemplificativamente, veja-se que a as prerrogativas soberanas atreladas a uma moe-
da oficial costumam incluir, além da impressão de moeda, os direitos de fixar e alterar o seu
valor nominal, bem como estabelecer regras de câmbio e sanções em caso de descumprimento.
No caso de El Salvador, tais aspectos vão comprometidos pela adoção da bitcoin como moeda
oficial, a demandar reflexões importantes. 167
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merecendo destaque a sua caracterização como moedas paralelas, ou seja, in-


strumentos não-oficiais que tem por características o fato de serem unidades
de cobrança diferentes da unidade de cobrança nacional, não serem dotados
do poder liberatório legal e não possuírem como fundamento de autoridade
um Estado Nacional.194

Contudo, seja como for, fato é que a Receita Federal, o Banco Central e
a Comissão de Valores Mobiliários já definiram que criptomoedas não são
moeda de curso legal,195 não possuem garantia de conversão para moedas
soberanas e não estão lastreadas em ativos reais de qualquer espécie196 e não
são ativos financeiras, não podendo, por exemplo, ser adquiridas por fundos
de investimento.197

A dificuldade de estabelecer uma caracterização jurídica estanque é uma rea-


lidade global, havendo uma plêiade de diferentes esforços mundo afora no
sentido de buscar uma delimitação dos contornos jurídicos das criptomoe-
das.198 Assim é que, diante de tudo quanto exposto, soa muito acertada a
posição de uma “natureza jurídica camaleônica” das criptomoedas, ou seja,
entender que se trata de uma espécie de ativo com diferentes possíveis car-
acterizações jurídicas, a depender do contexto em que utilizado e/ou anali-
sado.199

Todavia, em que pese se entenda pela adequação de uma posição mais


dinâmica quanto aos contornos jurídicos das criptomoedas, ver-se-á que esta
não é a realidade no que diz respeito à incidência de Imposto de Renda sobre
operações envolvendo tal tipo de ativo. Senão vejamos.

194 Sobre moedas paralelas, vide: FOBE, Nicole Julie. O Bitcoin como Moeda Paralela – Uma
visão econômica e a multiplicidade de desdobramentos jurídicos. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Faculdade de Direito, Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, p. 122. 2016.
195 Vide Instrução Normativa RFB 1.888/19.

196 Vide Comunicado BCB 31.379/17.

197 Vide Ofício Circular CVM 1/2018.

198 Para uma exposição bastante ampla e analítica de diversas tentativas de regulação de crip-
toativos (portanto, uma análise mais ampla que apenas de criptomoedas) mundo afora, vide:
UHDRE, Dayana de Carvalho. Op. Cit. Especificamente quanto a regulações jurídicas de
países soberanos, pp. 127-154.
199 Neste sentido: GOMES, Daniel de Paiva. Da Taxonomia Camaleônica à Tributação de
Criptoativos sem Emissor Identificado. In Bitcoin: a tributação de criptomoedas. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2021. pp. 376-377 (E-book); STEFFENS, Luana; TESSARI, Cláu-
168 dio. Op. Cit., p. 275.
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4. A TRIBUTAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA


SOBRE AS OPERAÇÕES COM CRIPTOMOEDAS
A complexidade envolvendo a delimitação do âmbito de incidência do Impos-
to de Renda, já existente em operações e situações desde há muito existentes
nas relações dentre particulares, vai potencializada em situações envolvendo
criptomoedas. Assim o é, tanto pelo fato de se tratarem de situações novas,
sem um histórico de regulamentações ou julgados que possam orientar os
interessados, bem como pela já apontada natureza jurídica camaleônica das
criptomoedas, que podem, a depender do contexto, adotar diferentes contor-
nos jurídicos.

Conforme já analisado, há algumas manifestações oficiais da CVM e do


Banco Central no sentido de se posicionarem quanto a aspectos formais das
criptomoedas que dizem respeito a questões de suas respectivas competências
de regulamentação. Contudo, fato é que pouco ou nada contribuem para a
delimitação de seus contornos jurídico-tributários.

É neste contexto que merece especial atenção as manifestações da Receita


Federal do Brasil. Isso porque, como sói acontecer, a Fazenda Nacional não
tardou a se posicionar a respeito da tributação de operações envolvendo crip-
tomoedas, tendo, consequentemente, de lhe dar contornos jurídicos a justific-
ar a incidência das normas tributárias que entendeu aplicáveis ao caso.

Há, basicamente, duas situações que são, em tese, relevantes para a incidência
de Imposto de Renda sobre criptomoedas: sua aquisição originária, decorrente
da sua mineração; sua aquisição mediante trocas de criptomoedas, seja por
dinheiro propriamente dito, seja por outros bens. Analisaremos cada situação
em separado.

As criptomoedas são originárias de um complexo sistema de operações e


transações feitas em blockchain. Em 2008, Satoshi Nakamoto, o criador da
Bitcoin (criptomoeda mais famosa e de maior relevância econômica hoje em
circulação), apresentou a estrutura do que era então proposto como uma
versão peer-to-peer de dinheiro eletrônico, caracterizado pela desnecessidade
de intermediários (leia-se instituições financeiras) e que somente seria possível
por conta de uma blockchain, que, em termos leigos, consiste num enorme
registro público e imutável de transações envolvendo a criptomoedas.200

200 NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system. Disponível em:
https://bitcoin.org/bitcoin.pdf. Acesso em 09 de maio de 2022. 169
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Neste sentido, pode-se compreender blockchain nos seguintes termos:

In simple terms, blockchain is a distributed ledger – a transaction log the


contents of which is agreed upon by all parties participating in the network.
It is a chain of blocks where each block contains a set of transactions that are
confirmed as a group. Blockchain runs on a set of nodes (computers) which
are connected to one another in a peer-to-peer network. Each node validates
new transactions by checking their compliance with the blockchain rules and
with previously recorded transactions.201

A ideia de Satoshi Nakamoto foi criar um contexto de incentivo para que os


participantes da rede blockchain da Bitcoin se utilizasse, da sua estrutura, val-
idando transações ocorridas em tal espaço como forma de garantir a idonei-
dade da circulação do “dinheiro eletrônico então criado”. Significa dizer que
são os próprios usuários da blockchain que validam as transações lá ocorridas,
gerando registros imutáveis e auditáveis por qualquer partícipe.202

Não se pretende aqui aprofundar o que seja a tecnologia blockchain, mas essas
brevíssimas considerações são importantes para que se entenda como se dá a
aquisição originária de criptomoedas (no caso ora utilizado como exemplo,
Bitcoin), chamada de operação de mineração. Para cada transação validada,
o sistema gera uma determinada quantidade de criptomoedas como uma re-
compensa ao usuário que validou a transação (visto se tratar de uma operação
extremamente complexa e que demanda enormes quantidades de energia e
processamento de dados), o que se convencionou chamar de mineração.203

Significa dizer que todo o sistema de validação de transações de criptomoedas


via blockchain se dá por meio de operações de mineração, as quais são remune-
202 “Criptomoedas geralmente operam por meio do sistema público (“Permissioned Block-
chain”), como é o caso da Bitcoin e da Ethereum. Trata-se de sistema consideravelmente aberto,
permitindo que qualquer pessoa conectada à Internet acesse o virtual ledger e realize transações,
sem a necessidade de permissão prévia para ingressar na rede. Como os nodes de uma per-
missionless blockchain não necessariamente se conhecem e, portanto, não teriam razão para
confiar na idoneidade dos demais, o mecanismo peer-to-peer é baseado em sistemáticas como
“Proof of Work” ou “Proof os Stake”. (NETO, Luís Flávio. Criptomoedas e Hipóteses de (não)
Realização da Renda para Fins Tributários: o encontro de “inovações disruptivas” da economia
digital com a “tradição” dos institutos jurídicos brasileiros. In Direito Tributário: princípio da
realização no imposto sobre a renda – Estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2019, pp. 446-447).
203 Nas palavras de Satoshi Nakamoto: “By convention, the first transaction in a block is
a special transaction that starts a new coin owned by the creator of the block. This adds an
incentive for nodes to support the network, and provides a way to initially distribute coins
into circulation, since there is no central authority to issue them. The steady addition of a
constant of amount of new coins is analogous to gold miners expending resources to add gold
to circulation. In our case, it is CPU time and electricity that is expended.” (NAKAMOTO,
170 Satoshi. Op. Cit.).
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radas pela geração de novas criptomoedas que são entregues pelo próprio siste-
ma aos mineradores, como uma recompensa do sistema pelo seu trabalho. A
questão que surge de tal sistemática é se os ganhos patrimoniais decorrentes
da mineração estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda.

Nos termos do art. 43, do CTN, o Imposto de Renda tem por fato gera-
dor a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” de “renda, assim
entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”
ou de “proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos pat-
rimoniais não compreendidos no inciso anterior”. Logo, seria necessária a
caracterização da atividade do minerador dentre tais hipóteses de incidência
do tributo.

A grande questão é que a mineração não se trata de uma remuneração de capital


ou contraprestação dentre partes capazes, não se afeiçoando ao conceito de
renda. Inexiste um tomador de um suposto serviço, na medida em que as
validações do sistema blockchain são feitas como condição e consequência da
sua própria existência. Da mesma forma, não se configura como um provento,
pois este pressupõe a existência de uma situação patrimonial anterior que se
incorpora a uma outra, o que não se constata no caso da mineração, visto que
as criptomoedas são geradas pelo próprio sistema, sendo a própria decorrência
da atividade. A rigor, “tal atividade seria equiparável ao trabalho de um
artesão que produz uma obra do barro, confiante que alguém irá compra-la
quando pronta”.204

Naturalmente que a situação será diversa caso o minerador cobre taxa para re-
alizar uma transação em específico, de forma mais rápida do que se daria em
condições de normalidade. Trata-se de situação nada excepcional, visto que
o ritmo usual de validações na blockchain depende de vários fatores e pode
implicar num lapso temporal superior ao que determinado usuário esteja dis-
posto a esperar. Neste caso, tratar-se-ia de clara forma de remuneração pela
mineração, sujeita à tributação na pessoa física ou jurídica do minerador.205

204 PISCITELLI, Tathiane. Criptomoedas e os Possíveis Encaminhamentos Tributários à Luz


da Legislação Nacional. In Revista Direito Tributário Atual, n. 40, 2º semestre 2018, São Paulo:
Instituto Brasileiro de Direito Tributário, p. 579.
205 Ibidem, pp. 579-580. Ainda, corroborando o posicionamento e fazendo análise comparati-
va com o tratamento dado pela administração fiscal dos EUA (IRS), vide: ZILVETTI, Fernan-
do Aurelio; NOCETTI, Daniel Azevedo. Criptomoedas e o Sistema Tributário do Século XXI.
In Revista Direito Tributário Atual, v. 44, 1º quadrimestre 2020, São Paulo: Instituto Brasileiro
de Direito Tributário, pp. 500-504. 171
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Já no que diz respeito à aquisição ou alienação de criptomoedas mediante


negócios jurídicos, seja sua aquisição por dinheiro ou a sua utilização para
aquisição de outros bens, a situação é bastante diversa. Isso porque, a rigor, a
caracterização da sua natureza jurídica seria importante para delimitação das
regras de incidência tributária. Contudo, ante as complexidades já expostas, o
que a Receita Federal do Brasil fez foi emitir uma manifestação infralegal de
conveniência, no sentido de determinar a incidência de Imposto de Renda a
título de ganho de capital sobre criptomoedas, sem adentrar nessas discussões
todas.

Assim, já há alguns anos que a Receita Federal se pronunciou, via seu manual
de “Perguntas e Respostas”, do programa de Imposto de Renda de Pessoa
Física, ratificando o entendimento da CVM e do Banco Central quanto aos
seus aspectos gerais. Relativamente ao programa de 2021, eis o que consta do
referido Manual:

Os ganhos obtidos com a alienação de ativos digitais, tais como crip-


toativos ou moedas virtuais bitcoins - BTC, por exemplo) cujo total
alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título
de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em
função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser
feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código
de receita 4600.

A isenção relativa às alienações de até R$ 35.000,00 mensais deve


observar o conjunto de criptoativos ou moedas virtuais alienados no
Brasil ou no exterior, independente de seu nome (bitcoin, ethereum,
litecoin, tether...). Caso o total alienado no mês ultrapasse esse val-
or, o ganho de capital relativo a todas as alienações estará sujeito à
tributação.

O contribuinte deverá (...) prestar informações relativas às operações


com criptoativos ou moedas virtuais, por meio da utilização do siste-
ma Coleta Nacional, disponível no e-Cac, quando as operações não
forem realizadas em exchange ou quando realizadas em exchange
domiciliada no exterior, nos termos da Instrução Normativa RFB nº
1.888, de 3 de maio de 2019.

172
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Tem-se, portanto, que há uma determinação de cômputo e tributação, a títu-


lo de ganho de capital, sobre os ganhos superiores a R$ 35.000,00 por mês.
Ainda, criou-se uma espécie de regulamento, que dispõe que todos os saldos
em criptomoedas incorridos no ano-calendário da declaração sejam declarados
na ficha “Bens e Direitos”, cujo valor deve corresponder ao preço de custo
(compra) da criptomoeda. O apontamento é curioso, pois evidencia que o
tratamento tributário determinado pela Receita Federal do Brasil não respei-
ta a dita natureza camaleônica das criptomoedas, tratando-as indistintamente
como sendo uma espécie de ativo financeiro.

Apesar de questionável essa tentativa de simplificação da complexa questão


relativa à natureza jurídica das criptomoedas, pelo menos tem o mérito de
esclarecer e evidenciar, desde já, o posicionamento fazendário relativamente
à incidência de Imposto de Renda sobre tais ativos. Veja-se, por exemplo,
que ao assim proceder a Receita Federal do Brasil acerta ao determinar que
a tributação somente se dê quando a renda proveniente de criptomoedas
for efetivamente realizada, seja pela sua alienação em si, seja por ganhos
provenientes de seu uso para adquirir outros bens com ganho.

Portanto, a mera aquisição de criptomoedas é irrelevante para a incidência de


Imposto de Renda sobre tais ativos, o que somente se dará posteriormente,
quando da sua efetiva realização. Exemplo que costuma ser ventilado para
ilustrar o ponto é a utilização de criptomoedas em operações de permuta, em
que discute se a mera “troca de equivalências jurídicas mútuas” atrairia ou
não a incidência do Imposto de Renda. Temos que a solução da questão,
no que diz respeito a operações de permuta, diz respeito a haver ou não a
chamada torna,206 ou seja, se há diferença entre as prestações assim cambia-
das e, em havendo, seria neste momento que se verificará o ganho de capital
tributável.207

Finalmente, necessário perquirir sobre a incidência de Imposto de Renda


quando da verificação de um fork, consistente, em síntese, numa divisão da
blockchain e, consequentemente, no potencial surgimento de nova espécie de
criptomoeda. “Quando uma atualização feita na rede não altera a compatibi-
lidade com o passado, tem-se um soft fork. Quando uma atualização na rede
altera a compatibilidade com o passado, após uma controvérsia, tem-se um
hard fork”.208 É nos hard forks que está o ponto de especial interesse ao que

206 Entendendo pela não incidência de Imposto de Renda em tais operações, vide: NETO, Luís
Flávio. Op. Cit., p. 453-454.
207 ZILVETTI, Fernando Aurelio; NOCETTI, Daniel Azevedo. Op. Cit., pp. 505-506.

208 Ibidem, pp. 507-508. 173


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se está analisando, pois tende a gerar uma nova cadeia permanente de um


blockchain independente, o que gera repercussões.

Via de regra, o usuário da antiga rede acaba ganhando novas criptomoedas


em montante equivalente ao que tinha da criptomoeda originária, gerando
uma espécie de ganho patrimonial. Assim, “se em 2016 o usuário “A” tinha
10 bitcoins, em 2017, após o Split, esse mesmo usuário passo a ter 10 bitcoins e
10 bitcoins cash. O efeito do hard fork foi um acúmulo de moeda virtual sem
causa contratual”.209

Nos EUA, a solução encontrada foi o reconhecimento de que tais situações


são, efetivamente, uma forma de realização de renda sujeita ao Imposto de
Renda, mas equivalente a zero dólares.210 Conforme aponta a doutrina que se
debruçou sobre o tema em cenário nacional, “a solução americana faz sentido,
pois houve um evento de acréscimo patrimonial, mas sem causa contratual”.
211 Há quem entenda que tais eventos, à luz do direito brasileiro, correspond-

eria a uma operação de permuta,212 mas não nos parece que este seja o melhor
enquadramento, visto que a situação, salvo melhor juízo, assemelha-se ao sur-
gimento de ações de um spin-off de uma sociedade por ações.213

209 Ibidem, p. 508.

210 HAWKINS, Karen L.; et. al. American Bar Association Section of Taxation. Comments of
the Tax Treatment of Hard Forks, 2018. Disponível em: https://www.americanbar.org/content/
dam/aba/administrative/taxation/policy/031918comments2.authcheckdam.pdf. Acesso em 10
de maio de 2022.
211 ZILVETTI, Fernando Aurelio; NOCETTI, Daniel Azevedo. Op. Cit., p. 508.

212 NETO, Luís Flávio. Op. Cit., p. 458.

213 Neste sentido: ZILVETTI, Fernando Aurelio; NOCETTI, Daniel Azevedo. Op. Cit., p.
174 509.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As dificuldades de se estabelecer critérios e premissas seguras no que diz res-
peito à tributação de criptomoedas decorre, principalmente, da incapacidade
de o Direito acompanhar, com suas categorias estanques e já tradicionais, o
patamar acelerado de inovações e disrupções que tal tipo de ativo traz con-
sigo.

Com efeito, conforme visto, os problemas começam já de largada, antes a


dificuldade de se estabelecer a natureza jurídica de tais ativos, seja como bens,
ativos mobiliários, moeda, moeda estrangeira, commodities, etc. Na verdade,
a solução mais acertada parece ser reconhecer a sua natureza camaleônica, no
sentido de poder adotar diferentes contornos jurídicos, a depender dos seus
diversos contextos de uso e verificação fática em negócios jurídicos.

Acontece que reconhecer tal natureza nem de perto resolve os problemas da


incidência do Imposto de Renda sobre tais ativos e seus negócios jurídicos
subjacentes, visto que mesmo sendo um tributo já existente desde há muito
tempo em nosso ordenamento jurídico, há pontos que lhe são essenciais e
basilares que ainda geram dúvidas e debates na doutrina e jurisprudência.
Neste sentido, de se perceber que sequer há consenso quanto a qual con-
cepção de renda é a mais adequada ao nosso sistema jurídico.

Ainda assim, fato é que não se pode simplesmente aceitar as dificuldades aqui
expostas como sendo impeditivos de uma análise técnica quanto à incidência
tributária, até porque a Receita Federal do Brasil não tardou em se posicionar
a respeito dos termos e da forma que entende que devem ser declaradas e
tributadas as criptomoedas¸ a título de Imposto de Renda.

Portanto, com base na premissa assentada da complexa natureza jurídica das


criptomoedas, procurou-se demonstrar em que termos se entende que o Im-
posto de Renda pode incidir sobre tais ativos, seja na sua aquisição originária,
via mineração, seja via sua obtenção e uso via negócios jurídicos.

Em suma, tem-se que relativamente à aquisição originária de criptomoedas,


em decorrência de atividade de mineração, não haverá a incidência de Impos-
to de Renda, por se tratar de uma espécie de autotrabalho, salvo se a atividade
se dê por contratação de terceiro, situação em que a respectiva remuneração
deverá ser declarada e oferecida à tributação pelo minerador.

175
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Já no que diz respeito à aquisição e uso de criptomoedas mediante negócios


jurídicos, seja por meio de sua aquisição na qualidade de ativo financeiro
ou sua utilização em operações de permuta, as situações variam. Sua mera
aquisição não constitui fato gerador do Imposto de Renda, o que somente
se dará quando da sua realização efetiva, como, por exemplo, quando da sua
alienação mediante ganho de capital.

Por fim, destacou-se que situação especialmente interessante diz respeito à


obtenção de criptomoedas em decorrência de situações de hard forks, ou seja, a
partir de bifurcações em blockchains que gerem o nascimento de nova modal-
idade de criptomoedas. O evento é curioso e não conta com uma solução clara
e precisa, havendo divergência na doutrina quanto à sua natureza jurídica.
Contudo, não parece que o mero surgimento de novas criptomoedas possa ser
confundido com fato gerador do Imposto de Renda.

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178
179
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CRIPTOATIVOS E TRIBUTAÇÃO DA
PERMUTA: SWAPS, ATOMIC SWAPS
E WRAPPED TOKENS

CRYPTOASSETS AND EXCHANGE TAXATION:


SWAPS, ATOMIC SWAPS AND WRAPPED
TOKENS

Daniel de Paiva Gomes214


Eduardo de Paiva Gomes215

1. INTRODUÇÃO
A discussão relativa à incidência de imposto de renda sobre a permuta 216 de
ativos da mesma natureza é um tema bastante debatido, uma vez que deman-
da a superação de um desafio prévio, qual seja: a delimitação daquilo que se
entende por bem de mesma natureza.

Já tivemos a oportunidade de nos manifestar nos textos “Aspectos tributários


dos criptoativos”217 e “A tributação da permuta de criptoativos a partir da

214 Doutorando (PUC-SP) e Mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário. MSc (Master of Science) em
Moedas Digitais e Blockchain pela Universidade de Nicosia. Sócio de Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva
Gomes Advogados.
215 Doutorando (PUC-SP) e Mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário. MSc (Master of Science) em
Moedas Digitais e Blockchain pela Universidade de Nicosia. Sócio de Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva
Gomes Advogados.
216 O presente artigo foi publicado, originalmente, no XIX Congresso Nacional de Estudos Tributários,
conforme referência bibliográfica a seguir: GOMES, Daniel de Paiva; GOMES, Eduardo de Paiva. Crip-
toativos e tributação da permuta: swaps, atomic swaps e wrapped tokens. In: CARVALHO, Paulo de Barros
(coord.); SOUZA, Priscila de (org.). XIX Congresso Nacional de Estudos Tributários: as conquistas comu-
nicacionais do direito tributário atual. 1ª ed. São Paulo: Noeses IBET, 2022, pp. 277-299.
217 GOMES, Daniel de Paiva. GOMES, Eduardo de Paiva. Aspectos tributários dos criptoativos. Revista
do Advogado - 156 – Criptoeconomia (2022), no prelo.
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ausência de definitividade de acréscimo patrimonial”.218-219

A relevância deste tópico é tamanha que, recentemente, a discussão relativa


à tributação da permuta voltou aos holofotes com o advento do Despacho
PGFN 167/2022, por meio do qual restou reconhecido que o “valor do im-
óvel recebido nas operações de permuta com outro imóvel não deve ser con-
siderado receita, faturamento, renda ou lucro para fins do IRPJ, CSLL, PIS e
COFINS apurados pelas empresas optantes pelo lucro presumido”.

O que podemos dizer sobre a permuta de criptoativos? Diante da ausência de


norma isentiva específica, a incidência de imposto de renda sobre as chama-
das operações “cripto-cripto” é uma realidade, o que, inclusive, é corroborado
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, consoante se infere da Solução
de Consulta COSIT 214/2021 e da Solução de Consulta Disit/SRRF-06
6008/2022.

O debate sobre a legitimidade e a adequação da incidência de imposto de ren-


da sobre operações de permuta de criptoativos (“cripto-cripto”) é necessário,
haja vista que transcende questões dogmáticas relativas à fixação dos lim-
ites da materialidade do imposto de renda e a conformação da Constituição
Federal como sendo um diploma tipológico ou conceitual na repartição de
competências tributárias.

Trata-se de controvérsia que, em verdade, refere-se também à racional


adequação da incidência da exação federal sobre: (i) ativos que, a despeito de
serem de propriedade do contribuinte, podem não ostentar real definitividade
de ingresso de riqueza nova no patrimônio do sujeito passivo da obrigação
tributária, tendo em vista sua singularidade e os riscos sistêmicos e cibernéticos
a que estão submetido; (ii) fenômenos nativamente Web3 que não geram, em
verdade, a permuta entre criptoativos distintos, no caso do envelopamento de
criptoativos.

218 GOMES, Daniel de Paiva. GOMES, Eduardo de Paiva. A tributação da permuta de crip-
toativos a partir da ausência de definitividade de acréscimo patrimonial. In: GOMES, Daniel
de Paiva. GOMES, Eduardo de Paiva. CONRADO, Paulo Cesar (coord.). Criptoativos, To-
kenização, Blockchain e Metaverso - Aspectos filosóficos, Tecnológicos, Jurídicos e Econômi-
cos. 1ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Editora Revista dos Tribunais, 2022, pp. 951-960. Este
artigo foi ampliado e encaminhado para publicação na obra “Tributação 4.0: aspectos jurídicos
e econômicos” (no prelo), a ser publicada pela Editora Almedina, na sua nova coleção: FIBE,
sob a coordenação dos Professores Hadassah Santana, José Roberto Afonso e Celso Correia
Neto (no prelo).
219 O presente artigo, parte das definições e pesquisas desenvolvidas em ambos os textos acima
mencionados e atualiza parte de suas considerações à luz de fenômenos específicos, daí por
que, para fins bibliográficos, fica registrada a referência aos trabalhos anteriormente publicados. 181
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2. PREMISSAS TECNOLÓGICAS
AFETAS AOS CRIPTOATIVOS

Tratar dos aspectos tributários dos criptoativos é tarefa multidisciplinar, que


perpassa por uma visão econômica do conceito de moeda, bem como de-
manda compreensão quanto aos aspectos tecnológicos e taxonômicos deste
fenômeno.220

Em brevíssima síntese, a evolução do conceito de moeda ao longo da história


da humanidade pode ser resumida nas seguintes fases: (i) em um primeiro
momento, a sociedade utilizava commodities in natura como meios de paga-
mento, de modo que se vivia em um estado de permuta; (ii) após isso, moedas
lastreadas em commodities surgiram (commodity-backed Money), a exemplo
dos certificados de ouro e da moeda lastreada em ouro; (iii) então, abolido o
padrão ouro de lastro das moedas, estas passaram a ter seu valor atrelado à
confiança depositada em uma determinada infraestrutura estatal, daí por que
foram denominadas moedas fiduciárias (a bem da verdade, seu lastro seria a
confiança); (iv) as moedas fiduciárias passaram a ser transacionadas de forma
escritural (moeda escritural) e eletrônica (e-money ou moedas eletrônicas).221

Pragmaticamente, mostra-se possível afirmar que as moedas fiduciárias se


comportam como verdadeiros “tokens governamentais”. 222

220 O presente artigo foi elaborado com base nos excertos de capítulos e artigos de nossa au-
toria, devidamente atualizados e ampliados para fins da presente publicação, constantes dos
seguintes livros: GOMES, Daniel de Paiva. Bitcoin: a tributação de criptomoedas – da taxono-
mia camaleônica à tributação de criptoativos sem emissor identificado. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022; GOMES, Daniel de Paiva. GOMES, Eduardo de
Paiva. Capítulo 08 – Moedas Virtuais e Tributação. 8.3. A Tributação dos créditos em prêmio
dos programas de fidelidade e coalizão enquanto moedas virtuais. In: PISCITELLI, Tathiane
(coord.). Tributação da economia digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018; GOMES,
Daniel de Paiva; GOMES, Eduardo de Paiva; CONRADO, Paulo Cesar (coord.). Criptoativos,
tokenização, Blockchain e metaverso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, no prelo.
221 ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. 1ª edição. São Paulo: Instituto Lud-
wig Von Mises Brasil, 2014, p. 57.
222 MARTIN, Felix. Money: the unauthorized biography – from coinage to cryptocurrencies.
182 New York: Knopf, Ranfom House, 2013, p. 14-15.
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Os criptoativos se inserem em um contexto de ativos digitais, escriturais,


descentralizados e desnacionalizados, enquanto resultado do movimento cy-
pherpunk.223

Muito antes do advento do Bitcoin, diversas iniciativas foram conduzidas de


modo a contribuir para o primeiro criptoativo descentralizado e distribuído
do mundo, sendo o mais importante deles, a nosso ver, o e-cash.224

O Bitcoin apresentou uma solução ao problema do gasto duplo e ao dilema dos


generais bizantinos por meio de uma abordagem open-source, descentralizada,
distribuída e criptografada.

Para tanto, Satoshi Nakamoto (pseudônimo responsável pela criação do Bit-


coin) se valeu de um livro-razão público, descentralizado e distribuído, dentro
do qual todos os usuários possuem as mesmas permissões, a fim de que todos
verifiquem a cadeia de blocos verdadeira (com o maior poder computacional).
Pragmaticamente, o Bitcoin é um livro-razão (ledger) digital que é com-
partilhado por todos os usuários participantes da rede e no bojo do qual
as transações realizadas com criptoativos são registradas e validadas pelos
mineradores (validadores), garantindo-se a segurança da rede e evitando-se o
fenômeno do gasto duplo (double spending), ou seja, evita-se que os usuários
gastem saldos de criptomoedas que não existem e impede-se que uma mesma
bitcoin seja gasta pelo mesmo usuário mais de uma vez. Isso somente é pos-
sível graças à Blockchain.

A Blockchain é um livro-razão digital compartilhado, à prova de adulteração


(tamper-proof ), onde são registradas transações em uma rede peer-to-peer
descentralizada.

Em outras palavras, a Blockchain é um livro-razão append-only e


descentralizado, cujas transações são organizadas (ou agrupadas) em blocos,
os quais, por sua vez, são distribuídos entre os membros da rede, permitindo

223 Os primeiros documentos que surgiram dos encontros dos cypherpunks foram, respecti-
vamente, o “Manifesto Crypto Anarquista” e “Um Manifesto Cypherpunk”. Ambos os textos
advogavam a ideia de utilização de sistemas descentralizados, sob o fundamento de que um
software não poderia ser destruído, ao passo que um sistema descentralizado não poderia ser
desligado, restando evidente, por conseguinte, o objetivo dos cypherpunks de defesa da pri-
vacidade, do anonimato e da criação de criptomoedas (Cf. FRANCO, Pedro. Understanding
Bitcoin: Cryptography, Engineering and Economics. Chichester: John Wiley & Son Ltd., 2015,
pp. 161-162).
224 Maiores detalhes sobre o e-cash podem ser consultados em: <https://chaum.com/ecash/>
Acesso em: 28 ago. 2022. 183
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que qualquer um deles verifique essas transações, sendo certo, ainda, que o
problema do gasto duplo e o dilema dos generais bizantinos são solucionados
por meio da utilização de esquemas econômicos de participação incentivada
(teoria dos jogos), assegurados por criptografia, à luz de sacrifícios específicos
(poder computacional, hardware e energia elétrica).

Sob uma perspectiva estrutural, a Blockchain registra uma sequência de


blocos como uma lista encadeada invertida (reversed linked list) por meio da
qual cada um dos blocos aponta para o hash do bloco anterior, sendo que o
primeiro bloco é denominado bloco gênesis (genesis block) e cada bloco possui
apenas um parent block. Os blocos, por sua vez, são formados por block header
e block body.

Criptoativos ou tokens,225 por sua vez, são bits de códigos ou algoritmos que
representam logs informacionais (data) criptografados, descentralizados e
distribuídos por meio de uma DLT (distributed ledger technology). Referidos
tokens são um instrumento que, utilizado pelo usuário (token holder), poderá
se referir a ativos on-chain (“dentro da Blockchain”) ou off-chain (“fora da
Blockchain”).

Fato é, entretanto, que a Blockchain226 é uma dentre outras espécies de


Tecnologia de Registro Distribuído (Distributed Ledger Technology – DLT).

Uma DLT é um livro-razão compartilhado através de uma série de nós-DLT


e cuja sincronização entre referidos nós se dá por meio de um algoritmo de

225 Podemos diferenciar criptoativos e tokens da seguinte forma: os primeiros, são os ativos dig-
itais nativos de uma determinada Blockchain, a exemplo de bitcoin e ether; os tokens, por sua
vez, não são nativos, não se destinam a manter o funcionamento de uma determinada Block-
chain, de modo que, ao invés disso, são construídos “por cima” de uma Blockchain, a exemplo
de tokens de cryptogames desenvolvidos em Solidity e na Ethereum.

226 As Blockchains dividem-se em: públicas, privadas, permissionadas, não permissionadas,


consorciadas. Foge ao escopo do presente artigo o detalhamento de cada um destes tipos. Sem
prejuízo, convém assinalar que o conceito de Blockchain pode ser organizado em gerações. Com
o advento do Bitcoin, foi inaugurada a geração Blockchain 1.0, que teve por foco a resolução do
problema do gasto duplo e o dilema dos generais bizantinos sem a existência de intermediários,
o que somente foi possível graças ao algoritmo de consenso proof-of-work em ambiente descen-
tralizado e distribuído. A partir disso, tivemos a deflagração da segunda fase ou Blockchain
2.0 (com Blockchains de uso geral programável) com a criação do protocolo Ethereum (uma
Blockchain aberta, pública e não permissionada) e a implementação dos famigerados “contra-
tos inteligentes” (smart contracts ) – numa releitura da noção trazia anteriormente por Nick
Szabo, em 1996 – em uma plataforma Turing-complete, o que proporcionou a criação (com
base em uma linguagem de programação orientada ao objeto denominada Solidity) de diversas
aplicações descentralizadas, dentre as quais se destacam aquelas referentes às finanças descen-
tralizadas (DeFi – decentralized finance). Por fim, a partir de novas abordagens propostas para
solucionar o trilema (escalabilidade, segurança e descentralização) da Blockchain, bem como
tendo em vista propostas de escalabilidade e interoperabilidade entre diferentes protocolos,
184 tem-se o nascimento da terceira geração de blockchains (Blockchain 3.0).
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consenso.227 A literatura utiliza o termo DLT para se referir a ideias diferentes,


a saber: “(i) o conjunto de dados mantido por um nó de rede individual, e (ii)
o conjunto de dados em comum pela maioria dos nós”.228

Os critérios, entretanto, para que “algo” seja considerado uma DLT são: (i)
shared recordkeeping; (ii) multiparty consensus; (iii) independent validation; (iv)
tamper evidence; e (v) tamper resistance.229-230

Com base nestas premissas tecnológicas, ao mesmo tempo que reconhecemos


que a qualificação jurídica dos criptoativos é de “fundamental importância
para que seja possível compreender o modo como tais ativos se encaixam nos
sistemas tributários existentes”,231 é inegável que inexiste consenso regulatório
sobre a taxonomia dos criptoativos e de sua própria qualificação jurídica,
circunstância que gera dificuldades regulatórias que, consequentemente,
impactam a relação desses ativos digitais com outras ciências, a exemplo do
Direito, haja vista que cada tipo de criptoativo gera uma classificação contábil
e jurídica diferente.

Uma estrutura taxonômica eficiente para lidar com o tema, a nosso ver, parte
do termo “criptoativo”, enquanto gênero que abrange apenas ativos cuja se-
gurança é assegurada por criptografia, independentemente de serem ou não
meios de troca que fariam “as vezes de uma moeda”.

227 Consoante previsto na norma ISO 22739:2020 (Blockchain and distributed ledger tech-
nologies – Vocabulary). Disponível em: https://www.iso.org/standard/73771.html.
228 RAUCHS, Michel; GLIDDEN, Andrew; GORDON, Brian; PIETERS, Gina C.; RE-
CANATINI, Martino; ROSTAND, François; VAGNEUR, Kathryn; ZHANG, Bryan Zheng.
Distributed Ledger Technology Systems: A Conceptual Framework (August 13, 2018). Dis-
ponível em: https://ssrn.com/abstract=3230013 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3230013
Acesso em: 13 ago. 2022, p. 25.
229 RAUCHS, Michel (et al). Idem.

230 São tipos de DLT: (i) Blockchain, por meio da qual os registros dos logs transacionais
no livro-razão digital ocorre através do encadeamento de blocos; (ii) DAG (Directed Acyclic
Graph), em que as transações são registradas em ordem topológica; (iii) Hashgraph, por meio
da qual diversas transações são armazenadas no livro-razão digital no mesmo timestamp (as
transações são registradas em uma estrutura paralela e os registros são denominados de eventos);
(iv) Holochain: ao invés de estar centrada em dados, trata-se de um sistema agent-centric; e (v)
Tempo (Radix). Maiores detalhes em: XU, Xiwei ; Weber, Ingo ; Staples, Mark. Architecture
for blockchain applications. Cham: Springer, 2019; EL IOINI, Nabil; PAHL, Claus. A review
of distributed ledger technologies. In: PANETTO, Hervé (et al). On the Move to Meaningful
Internet Systems (2018). OTM 2018 Conferences. Cham: Springer, pp. 277-288; ATTARAN,
Mohsen; GUNASEKARAN, Angappa. The Evolution of Blockchain. In: Applications of
Blockchain Technology in Business. Cham: Springer, 2019.
231 OECD. Taxing Virtual Currencies: An Overview of Tax Treatments and Emerging Tax
Policy Issues. Paris: OECD, 2020, p. 14. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/tax-policy/
taxing-virtual-currencies-an-overview-of-tax-treatments-and-emerging-tax-policy-issues.pdf.
Acesso em: 15 ago. 2022. 185
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Sob esta perspectiva, o termo criptoativo seria gênero responsável por congre-
gar características comuns às moedas, aos ativos financeiros, commodities e
ativos intangíveis, sendo utilizado para se referir a ativos digitais (financeiros
ou não) que se valem de criptografia e tecnologias de registro distribuído
(distributed ledger technology) como elementos atribuidores de seu valor ínsito,
que poderá ser puramente on-chain ou, ainda, referir-se a off-chain assets.

Partindo disso, mostra-se conveniente categorizar o tema sob duas grandes


rubricas: (i) BLCA - Bitcoin Like Crypto Assets (CSEI – Criptoativos sem emis-
sor identificado); e (ii) Tokens digitais (digital tokens) ou Crypto Assets Other
Than BLCA’s (CCEI – Criptoativos com emissor identificado).232

Esses criptoativos, então, seriam classificados em: (i) tokens de pagamento;233


(ii) tokens de utilidade;234 (iii) tokens de equity e debt (security tokens);235 e
(iv) tokens híbridos236, evidenciando a prevalência do critério funcional apto
a confirmar a indigitada natureza camaleônica dos criptoativos.237

232 INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). Treatment of Crypto Assets in Mac-


roeconomic Statistics (2019), p. 7. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/
bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf. Acesso em: 22 ago. 2022.
233 Os payment tokens são ativos digitais não monetários criptografados, possuidores de uni-
dade de medida própria, negociados via tecnologias de registro distribuídos, mas que possuem
um emissor predeterminado, utilizados como meio de troca fazendo “as vezes de uma moeda”.
234 Os utility tokens são ativos digitais não monetários criptografados, possuidores de unidade
de medida própria, com a existência de um emissor predeterminado, utilizados para viabilizar
o acesso (de forma pré-paga) a bens e serviços específicos (v.g.: voucher trocável por bem ou
serviço) por meio de aplicações embasadas em tecnologias de registro distribuído.
235 Os security tokens são ativos financeiros virtuais criptografados. São ativos negociados no
âmbito de aplicações embasadas em tecnologias de registro distribuído e utilizados para fins de
investimento, aproximando-se da noção de ativo financeiro e similares aos valores mobiliários.
Os security tokens podem possuir caráter patrimonial (equity) ou de dívida (debt) e são dotados
de um emissor predeterminado em face do qual é oponível o direito ao recebimento de juros
ou dividendos.
236 Sob esta perspectiva taxonômica, a União Europeia orienta-se no seguinte sentido: “basic
taxonomy distinguishes between payment tokens (means of exchange or payment), investment
tokens (have profit rights attached) and utility tokens (enable access to a specific product or
service)”. Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/legislative-train/theme-a-europe-
fit-for-the-digital-age/file-crypto-assets-1> Acesso em: 10 ago. 2022.
237 No recente Parecer de Orientação 40 da CVM, o órgão afirmou, literalmente, que a “CVM
adotará abordagem funcional para enquadramento dos tokens em taxonomia que servirá para
186 indicar o seu tratamento jurídico”.
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3. OS LIMITES MATERIAIS DO FATO GERADOR


DO IMPOSTO DE RENDA E A PERMUTA DE
CRIPTOATIVOS

De acordo com o artigo 43 do Código Tributário Nacional, o imposto inci-


dente sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador
a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de: (i) renda, assim en-
tendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; (ii)
proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais
não compreendidos no conceito de renda.

A incidência de imposto de renda sobre a permuta de criptoativos advém do


fato de que o § 4º do artigo 128 do Decreto nº 9.580/2018 (RIR), na esteira
do quanto disciplina o § 3º do artigo 3º da Lei nº 7.713/1988, prevê que, na
apuração do ganho de capital, quaisquer operações de alienação darão ensejo
à incidência do indigitado imposto.

O conceito de alienação, por sua vez, abrange, por exemplo: compra e ven-
da; permuta; adjudicação; desapropriação; dação em pagamento; doação;
procuração em causa própria; promessa de compra e venda; cessão de direitos
ou promessa de cessão de direitos; e contratos afins.

A título exemplificativo, a permuta de criptoativos pode ocorrer por meio de:


(i) permuta realizada no âmbito de exchanges centralizadas; (ii) atomic swaps;
(iii) trocas (ou swaps) realizados no âmbito de exchanges descentralizadas (de-
centralized exchanges – DEX); (iv) diretamente entre as partes da operação,
sem intermediários (P2P).238

Sobre o tema, na perspectiva das autoridades fiscais, por meio da Solução


de Consulta Disit/SRRF06 nº 6008/2022, o “ganho de capital apurado na
alienação de criptomoedas, quando uma é diretamente utilizada na aquisição
de outra, ainda que a criptomoeda de aquisição não seja convertida previa-
mente em real ou outra moeda fiduciária, é tributado pelo Imposto sobre a

238 A depender da premissa metodológica adotada, a utilização de wrapped tokens (tokens


envelopados) pode ser entendida como uma mera colateralização do ativo original, seguida da
emissão de um ativo sintético que tem lastro no ativo original, hipótese em que não há evento de
alienação. Ou, por outro lado, poder-se-ia enxergar os wrapped tokens (a exemplo do WBTC,
que é um token ERC-20, da rede Ethereum) como uma verdadeira permuta, hipótese em que,
havendo evento de alienação, será devido o pagamento de imposto de renda. 187
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Renda da Pessoa Física, sujeito a alíquotas progressivas”, consoante previsto


no artigo 21 da Lei nº 8.981/1995.

A Solução de Consulta COSIT 214/2021, por sua vez, deixa claro que bastaria,
“para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer
forma e a qualquer título”, de modo que, a “utilização de uma criptomoeda
na aquisição de outra configura alienação de bem ou direito, portanto, sujeita
à incidência do Imposto sobre a Renda a título de Ganho de Capital”, razão
pela qual a “não conversão do bem ou direito alienado em moeda fiduciária
não altera a incidência do imposto sobre a renda sobre o ganho de capital
oriundo da permuta”.

Não há dúvidas de que o conceito legal de alienação abrange a permuta.239


A pergunta que deve ser feita, entretanto, é se, realmente, seria legítima a in-
clusão do conceito de permuta no conceito de alienação, para fins fiscais, haja
vista a inexistência de evento de realização.

A resposta a esse questionamento demanda que seja depurada a materialidade


do imposto de renda, ou seja, que seja identificado o limite semântico da
expressão “aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou
proventos de qualquer natureza”.

O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 320.455/RJ, já teve a


oportunidade de consignar que o fato gerador do imposto de renda corre-
sponde ao “acréscimo patrimonial mais a respectiva disponibilidade jurídica
ou econômica”, ao passo que a “disponibilidade econômica ou jurídica da
renda só ocorre quando houver real acréscimo patrimonial, não cabendo a
tributação sobre mera expectativa de ganho futuro e em potencial”.

Como se vê, o signo linguístico “aquisição” corresponderia à expressão


“acréscimo patrimonial” definitivo de uma riqueza nova. Firmes nesta prem-
issa, cabe seguir com a explanação dos elementos informadores das expressões
“disponibilidade econômica” e “disponibilidade jurídica”.

No contexto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, disponibilidade


econômica “significa a obtenção de renda, significa ingresso real no patrimô-
nio da pessoa, de moeda ou seu equivalente, ou a possibilidade de a pessoa
dispor da renda” (ADI 2.588), ou seja, corresponde à “percepção efetiva da
239 Reconhecendo a incidência de imposto de renda sobre a permuta: Carf, Processo nº
18471.002863/2003-91, julgado em 06/04/2017; Carf, Processo nº 12448.724621/2014-16,
188 julgado em 14/06/2016; Carf, Processo nº 10850.002616/2001-57, julgado em 17/09/2013.
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renda ou provento” com a “possibilidade de dispor material e diretamente da


riqueza sem a presença de nenhum impedimento” (RE 614.406)240.

Por sua vez, ainda de acordo com a Suprema Corte, disponibilidade jurídica
“significa ou traduz a possibilidade, tendo em vista disposições jurídicas ou
contratuais, de o sujeito dispor de uma renda posta à sua disposição” (ADI
nº 2.588), daí por que há disponibilidade jurídica quando o “beneficiário
tem título jurídico que ‘lhe permite obter a realização em dinheiro’” (RE nº
614.406).

Em síntese, disponibilidade econômica “consiste na percepção efetiva, pelo


contribuinte, do rendimento em dinheiro (receita realizada), ao passo que
a disponibilidade jurídica consiste no direito de o contribuinte receber um
crédito, mediante a existência de um título hábil para recebê-lo”.241

Sob esta perspectiva, a incidência do imposto de renda é condicionada à


efetiva realização de renda, rendimentos, ganhos de capital e proventos de
qualquer natureza, sendo vedada a tributação de situações potenciais ou vir-
tuais.

Inclusive, uma abordagem histórica acerca dos limites da materialidade do


imposto de renda confirma a relevância do evento de realização para fins de
incidência da referida exação fiscal.

Isso porque o item 17 da exposição de motivos do Decreto-lei nº 1.598/1977


prevê uma verdadeira “orientação geral de submeter os ganhos de capital ao
imposto somente quando realizados, isto é, quando a pessoa jurídica tem
condições financeiras para suportar o ônus tributário”.

Consequentemente, a “aquisição de renda financeira não consiste no fato ju-


rídico da aquisição de direitos patrimoniais, mas na disponibilidade do objeto
desses direitos, que é a moeda ou o valor em moeda”, razão pela qual, consid-
erando que os direitos advindos da permuta não possuem “valor em direito
determinável com precisão, ou não podem com facilidade, ser convertidos em

240 RE 614406, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/Acórdão: Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPER-
CUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-233 DIVULG 26-11-2014 PUBLIC 27-11-2014, pp. 7-8.
241 RE 586482, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2011,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-119 DIVULG 18-
06-2012 PUBLIC 19-06-2012 RDDT n. 204, 2012, p. 149-157 RT v. 101, n. 923, 2012, p.
691-706. 189
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dinheiro, ainda não há lucro real ou efetivo”.242

Curiosamente, o entendimento anterior da PGFN também reconhecia que,


diante da ausência de efetiva realização, não seria legítima a incidência de
imposto de renda sobre a permuta.

De acordo com o Parecer PGFN/PGA 970/1991, o fato gerador do impos-


to de renda “não seria àquele (sic) da troca, mas sim quando o particular
vendesse a participação acionária trocada. E, ainda, não existiria base de
cálculo, pois o valor referencial em cruzeiros no leilão existe somente como
estímulo à troca dos bens”.243

Sob esta perspectiva, no caso da permuta, a PGFN possuía entendimento,


plasmado no referido parecer, no sentido de que “não haveria disponibilidade
líquida do contribuinte, e, em consequência naquele momento nenhuma base
de cálculo para o fato gerador, pois a renda fica sujeita à tributação quando
realizada e quantificada”, daí por que a “aparente parcela de maior valia” na
permuta “seria ilusória”, inexistindo “ganho de capitais, quando ocorre mera
troca de bens”.

No mesmo sentido, a PGFN, no bojo do Parecer PGFN/PGA 454/1992, en-


tendeu que na permuta “há correspectividade sem preço”. Sob esta premissa,
o órgão fazendário entendeu que “criar-se, fictamente, na permuta de bens,
um ganho de capital é violar o próprio patrimônio. A sua tributação config-
uraria, por conseguinte, imposto sobre a propriedade e não sobre a renda e
proventos de qualquer natureza”.

O Superior Tribunal de Justiça,244 inclusive, já reconheceu, de forma expres-


sa, nos autos do REsp 1733560/SC, que o “contrato de troca ou permuta não
deverá ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda”,
uma vez que inexiste auferimento de receita, faturamento ou lucro na per-
muta.

242 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, p. 379.
243 PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Parecer PGFN/PGA nº
970/1991. Processo n. 10168.007447/91-80. Disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.
br/acesso-a-informacao/atos-da-pgfn-1/pareceres-da-pgfn-aprovados-pelo-ministro-da-fazen-
da/1991/PARECER%20PGFN-PGA%20No%20970-1991.pdf/view. Acesso em: 08 de maio
de 2022.
244 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1733560/SC, Rel. Ministro HERMAN
190 BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 21/11/2018.
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Assim, forçoso reconhecer que não há aquisição de disponibilidade econômi-


ca na permuta de criptoativos,245 haja vista que não há real “possibilidade de
a pessoa dispor da renda” (ADI 2.588) nesta operação.

Pragmaticamente, podemos afirmar que não há, na permuta de criptoativos,


“percepção efetiva da renda ou provento” devido à impossibilidade de dis-
posição material e direta da “riqueza” (dos criptoativos) “sem a presença de
nenhum impedimento”, uma vez que são inúmeros os possíveis impedimen-
tos incidentes sobre as operações com criptoativos.

Na perspectiva da “aquisição de disponibilidade jurídica”, entendemos que


a conclusão é a mesma. E nem se alegue que “o direito de o contribuinte
receber um crédito, mediante a existência de um título hábil para recebê-lo”,
consoante plasmado na jurisprudência do STF, levaria à conclusão de que a
permuta de criptoativos seria tributada.

Isso porque, ainda que, na perspectiva da disponibilidade jurídica, os tokens


possam, vis- à-vis, se comportar de forma semelhante a um título (sobretudo
quando pensamos em security tokens), forçoso reconhecer que, mesmo em tal
cenário, à luz dos critérios fixados no RE 614.406 e na ADI 2.588, inexistin-
do a possibilidade de dispor efetivamente (ainda que no futuro) de uma renda
posta à disposição do contribuinte ou, ainda, na hipótese de não ser viável
obter a realização em dinheiro da renda, não há que se falar na existência de
disponibilidade jurídica.

Essa conclusão é reforçada pela interpretação sistemática da jurisprudência do


STF com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 320.455/RJ, oportuni-
dade em que a Corte Superior concluiu que “não há como se falar que meros
registros contábeis, que representam tão somente expectativas de resultado
positivo (já que não se sabe se quando a obrigação for cumprida, a variação
será positiva ou negativa) constituam um acréscimo patrimonial”.

A premissa acima descrita é de extrema relevância no contexto dos


criptoativos, já que, registrados e transacionados na Blockchain, se comportam
como verdadeiros registros contábeis em um grande livro-razão digital,
descentralizado e distribuído, daí por que sua tributação seria condicionada à
possibilidade de sua efetiva realização.
245 No caso das pessoas físicas, a não tributação da permuta de criptoativos seria ainda mais
evidente, haja vista que, de acordo com o STF, “no caso de pessoas naturais, somente a efetiva
entrega de recursos ao beneficiário ou o depósito do numerário em instituição financeira em
conta de sua titularidade ou por ele manipulável são fatos aptos a atrair a incidência do imposto”
(RE 614406), o que não ocorre no caso dos criptoativos. 191
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Na permuta 246 de criptoativos, forçoso reconhecer que: (i) não há evento


de realização; (ii) não há real acréscimo patrimonial, mas mera mais-valia
ilusória ou “correspectividade sem preço”; (iii) existe mera permutação
patrimonial;247 (iv) há identidade de valores entre os criptoativos permutados,
de modo que não há ingresso de receita, rendimento, renda ou provento de
qualquer natureza novos; (v) tributar permuta é verdadeira tributação do
patrimônio, violando o arquétipo constitucional do imposto de renda; (vi)
inexiste disponibilidade econômica ou jurídica de renda.

Não bastasse isso, forçoso reconhecer que renda ou proventos de qualquer


natureza, enquanto elementos materiais que acompanham a aquisição de dis-
ponibilidade econômica ou jurídica de renda, pressupõe receita, cujo concei-
to, para fins jurídicos, corresponde a um “ingresso financeiro que se integra
no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou
condições” (RE 606.107/RS).

246 Sobre o tema, Gomes faz uma ressalva interessante, in verbis: “Ressalte-se, por fim, que não se sustenta
qualquer alegação no sentido de que inexistiria verdadeira permuta de criptoativos negociados em exchanges
e que existiria uma espécie de alienação/realização ficta de renda. Uma leitura apressada do fenômeno afir-
maria, nitidamente de forma equivocada, que existiriam duas compras e vendas seguidas, operacionalizadas
por meio da Exchange, enquanto intermediadora. Alegar-se-ia que isso é feito dada a impossibilidade de per-
muta entre criptoativos oriundos de protocolos diferentes. Nada mais equivocado. Admitir este raciocínio
seria o mesmo que dizer, fazendo-se um paralelo com o mundo tradicional, que a permuta entre bens imóveis
registrados em cartórios diferentes (cartórios, aqui, fazendo as vezes de blockchains distintas) não seria uma
permuta. Sigamos com outros exemplos. Um jogo de videogame do console ‘X’ não irá funcionar no console
‘Y’ e vice-versa. Se há uma troca entre o game do console ‘X’ por um jogo console ‘Y’, isso deixaria de ser
qualificado como permuta apenas por conta do fato de que as plataformas (leia-se, os consoles, com suas re-
gras de funcionamento) nas quais os jogos (‘paralelo com os tokens’) rodam são diferentes? A nosso ver, não:
continua existindo permuta. Pensando em jogos de cartas de RPG (role-playing game), se estivermos diante
de cartas de Magic e cartas do Pokémon. As cartas de cada um dos jogos somente podem ser utilizadas como
itens dentro do seu respectivo conjunto de regras. A troca entre essas cartas, ainda que pertencentes a conjun-
tos de regras distintos (protocolos) continua sendo permuta. As tecnologias de registro distribuído (distrib-
uted ledger technology – DLT) atuam de forma similar a um livro-razão que armazena logs informacionais.
A Blockchain, sendo uma espécie de DLT, é um livro razão com regras de consenso e que é organizada em
forma de blocos. Em todos os casos, há permuta. Não há que se falar em compras e vendas sucessivas pelo
mero fato de se tratarem de criptoativos oriundos de blockchains ou DLTs diferentes. E, não bastasse isso,
existem diversos outros fenômenos que permitem a troca entre criptoativos oriundos de protocolos distintos:
(i) atomic swap; (ii) bridges de interoperabilidade; e (iii) wrapped tokens” (Cf. GOMES, Daniel de Paiva.
Bitcoin: a tributação de criptomoedas – da taxonomia camaleônica à tributação de criptoativos sem emissor
identificado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, pp. 332-333).
247 Oliveira assevera, sobre o conceito de permutação patrimonial, in verbis, que a: “(...) ‘permutação patri-
monial’ ocorre dentro do patrimônio, por motivação interna e por atos ‘intra muros’, sem efeitos externos de
direito privado perante terceiros, embora também possa decorrer de um ato interpessoal que não modifique
qualquer patrimônio (inclusive o de outrem) para mais ou para menos e embora possa produzir efeitos espe-
cíficos na apuração do lucro líquido contábil e do lucro real tributável pelo IRPJ. Uma das características das
permutações patrimoniais é a identidade de valor, vale dizer, elas não acarretam mutação patrimonial nem
para mais nem para menos (...) por força da identidade de valores que lhes é inerente, não havendo mudança
positiva ou negativa no patrimônio, nas permutações ocorre apenas a troca de posições entre bens existentes
no patrimônio (...)” (Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo:
192
Quartier Latin, 2008, pp. 83-87).
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Nessa perspectiva, o Pronunciamento Contábil do CPC 47 (Comitê de Pro-


nunciamentos Contábeis) evidencia, de forma expressa, que o reconhecimen-
to de receita, pressupõe não só a transferência do controle dos bens, mas
também a possibilidade de mensuração confiável da receita e das despesas
incorridas, bem como a probabilidade de que os benefícios econômicos da
operação serão percebidos.

A presença desses elementos – inexistência de reservas e condições e a proba-


bilidade de fruição dos benefícios econômicos na operação –, todavia, é alta-
mente discutível no mercado de criptoativos.

A título de exemplo, testemunhamos um derretimento severo do mercado de


criptoativos em decorrência do famigerado “crash Luna Terra”.248

Como podemos admitir que os criptoativos são ativos que ingressam


no patrimônio do contribuinte sem reservas e sem condições? Há real
probabilidade de que os benefícios econômicos da operação sejam percebidos
por aqueles que trocam criptoativos (operações cripto-cripto)? Como justificar
o recolhimento de imposto de renda sobre a permuta de criptoativos que,
posteriormente, chegam, literalmente, a valer zero (R$ 0,00), como no caso do
token LUNA (hoje, Luna Classic ou LUNC), por conta de vulnerabilidades
cibernéticas sistêmicas ou fragilidades mercadológicas decorrentes da
inexistência de regulação desse mercado?

A resposta a estes questionamentos perpassa pela necessidade, para fins de


incidência do imposto de renda, de efetivo evento de realização. Sobre o
tema, veja-se, in verbis: “A ocorrência de efetiva realização (...) é indispensável
à incidência do imposto de renda. A renda somente deve ser tributada quando
realizada, oportunidade em que podemos admitir que eventual acréscimo
verificado na realização passou a fazer parte do patrimônio do contribuinte”.249

248 Maiores detalhes sobre as causas e consequências do colapso Terra Luna podem ser
consultados em: <https://www.cnet.com/personal-finance/crypto/luna-crypto-crash-how-
ust-broke-and-whats-next-for-terra/>; <https://fortune.com/2022/05/13/terra-ust-stable-
coin-crash-suspicious-potential-attack-george-soros/>; <https://www.independent.co.uk/tech/
terra-luna-ust-crypto-price-recovery-b2080241.html>; <https://www.coindesk.com/learn/
the-fall-of-terra-a-timeline-of-the-meteoric-rise-and-crash-of-ust-and-luna/>; <https://time.
com/6177567/terra-ust-crash-crypto/>; <https://decrypt.co/100402/how-terra-ust-luna-im-
ploded-crypto-crash>.
249 GOMES, Daniel de Paiva. Bitcoin: a tributação de criptomoedas – da taxonomia cama-
leônica à tributação de criptoativos sem emissor identificado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 328. 193
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Como se vê, para além da inexistência de verdadeiro evento de aquisição de


disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer
natureza, também seria possível argumentar pela inexistência de evento de
efetiva realização que justifique a incidência legítima do imposto de renda, o
que é confirmado, inclusive, pelos riscos inerentes ao mercado de criptoativos,
que reduzem a probabilidade de fruição dos benefícios econômicos nas oper-
ações com criptoativos.

Por fim, uma discussão pontual, porém rica em detalhes tecnológicos, deve
ser trazida à lume, qual seja a tributabilidade (ou não) dos Wrapped tokens
(tokens envelopados), a exemplo do WBTC. Sobre o tema, convém colacio-
nar um breve detalhamento técnico sobre o conceito e funcionamento dos
wrapped tokens ou tokens envelopados, in verbis:

Wrapped tokens são criados e destruídos por um processo chama-


do “emissão” e “queima”. Para emitir um wrapped token como o
WBTC, o token “original” (neste caso, o bitcoin) é enviado a uma
custodiante, que armazena o bitcoin em um cofre digital. Quando
o bitcoin é armazenado, uma quantia equivalente de WBTC pode
ser emitida.

Esse processo também é chamado de “wrapping”. O ativo original


passa pelo “wrapping” em um cofre digital, usando um contrato
autônomo, e um novo ativo wrapped é emitido para ser usado em
outra blockchain. Para queimar WBTC, é feito o processo contrário.
O WBTC é removido de circulação e a quantia equivalente em
bitcoin é liberada do cofre digital e colocada de volta em circulação.
Assim como a emissão de wrapped tokens pode ser entendida como
o “wrapping” do ativo original para a criação de um token de valor
equivalente que será usado em outra blockchain, a queima de wrapped
tokens pode ser entendida como o “unwrapping” do ativo original.
Esse processo de emissão e queima (ou “wrapping” e “unwrapping”)
significa que todos os wrapped tokens, de WBTC a renDOGE (uma
versão da dogecoin), são lastreados por uma quantia equivalente da
moeda original. Para cada 100 renDOGE que são emitidas, 100
DOGE são armazenadas para lastrear o valor do wrapped token.
Wrapped tokens, como o WBTC, oferecem interoperabilidade entre

194
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blockchains para que pessoas possam movimentar ativos facilmente


e obter vantagem de recursos e aplicações em outras blockchains.250

It’s called a wrapped token because the original asset is put in a wrapper,
a kind of digital vault that allows the wrapped version to be created on
another blockchain. What’s the point? Well, different blockchains offer
different functionality. And they can’t talk to each other. The Bitcoin
blockchain doesn’t know what’s happening on the Ethereum blockchain.
However, with wrapped tokens, there can be more bridges between dif-
ferent blockchains. Ever found it frustrating that you can’t use BTC on
Ethereum? ETH on BNB Smart Chain (BSC)? Coins that exist on a
given blockchain can’t be simply transferred to another. Wrapped tokens
are a way to circumvent this limitation and use non-native assets on a
blockchain. A wrapped token is a tokenized version of another crypto-
currency. It’s pegged to the value of the asset it represents and typically
can be redeemed for it (unwrapped) at any point. It usually represents
an asset that doesn’t natively live on the blockchain that it’s issued on.
(…) As blockchains are distinct systems, there isn’t a good way to move
information between them. Wrapped tokens increase interoperability
between different blockchains – the underlying tokens can, in essence, go
cross-chain. (…) Wrapped tokens typically require a custodian – an en-
tity that holds an equivalent amount of the asset as the wrapped amount.
This custodian can be a merchant, a multisig wallet, a DAO, or even a
smart contract. So, in WBTC’s case, the custodian needs to hold 1 BTC
for each 1 WBTC that is minted. Proof of this reserve exists on-chain.
But how does the wrapping process work? A merchant sends BTC for
the custodian to mint. The custodian then mints WBTC on Ethereum
according to the amount of BTC sent. When the WBTC needs to be
exchanged back to BTC, the merchant puts in a burn request to the cus-
todian, and the BTC is released from the reserves. You can think of the
custodian as the wrapper and unwrapper. In WBTC’s case, adding and
removing custodians and merchants is performed by a DAO.251

250 Disponível em: <https://portaldobitcoin.uol.com.br/usar-bitcoin-na-blockchain-ethere-


um-conheca-os-wrapped-tokens-que-viabilizam-operacoes-como-essa/> Acesso em: 25 out.
2022. Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co (artigo
original disponível em: <https://decrypt.co/resources/what-are-wrapped-tokens> Acesso em:
25 out. 2022).
251 Disponível em: <https://academy.binance.com/en/articles/what-are-wrapped-tokens>
Acesso em: 25 out. 2022. 195
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Como se vê, o wrapping (envelopamento) consiste em colaterizar um criptoa-


tivo em um “cofre digital” (que pode ser um terceiro custodiante ou um con-
trato inteligente enquanto script de atuação automatizada) para receber uma
representação em formato ERC-20 daquele mesmo ativo, ou seja, trata-se
de um processo de adaptação de legibilidade para que o criptoativo original
possa ser enxergado pela rede destinatária, proporcionando real interopera-
bilidade, mas sem o recebimento de um ativo com valor intrínseco que seja
diferente do criptoativo colateralizado. É o exemplo do “Bitcoin envelopado”,
por meio do qual BTC (que opera no contexto da Blockchain do Bitcoin)
passa a poder ser transacionado (e é enxergado) pela Blockchain da Ethereum,
no caso do WBTC (wrapped Bitcoin).

A nosso ver, não há um verdadeiro ato de disposição ou alienação nesta


operação, mas sim a tokenização de um criptoativo em um padrão tecnológico
distinto para que ele seja enxergado ou legível perante uma Blockchain
diferente daquela em que originalmente cunhado.

A título exemplificativo, o wrapping, a nosso ver, se comporta de forma


similar a: (i) um tradutor de idiomas; (ii) ou, ainda, atua conforme os antigos
adaptadores dos cartuchos de videogame que permitiam que consoles novos
lessem não só os seus próprios cartuchos, mas também os cartuchos antigos
de gerações anteriores de consoles; (iii) ou um adaptador de cartão microSD
para cartão SD; mas com um único diferencial, qual seja, a colateralização do
ativo original (o BTC) como condição à emissão do wrapped token (o WBTC,
que seria, vis-à-vis, um voucher representativo do BTC).

Por essas razões, entendemos que o processo de wrapping não corresponde,


por exemplo, à permuta de BTC por WBTC, daí por que, para além das
razões jurídicas que justificariam a não incidência, também o funcionamento
tecnológico deste fenômeno nos mostra a total inviabilidade de qualificação
da operação como uma permuta.

196
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tudo quanto exposto evidencia a ilegitimidade da incidência de imposto
de renda sobre a permuta de criptoativos, o que é reforçado de forma mais
evidente no caso dos wrapped tokens. A despeito dos bons argumentos para
se chegar à referida conclusão, o debate, certamente, seguirá e, infelizmente,
será responsável por gerar contencioso tributário ao redor do tema, a não ser
que norma isentiva específica seja editada ou que a Receita Federal do Brasil
reforme seu entendimento.

Interessante notar, para encerrar esse raciocínio, que, recentemente, a


Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio do Despacho
PGFN 167/2022, ao se conformar com a jurisprudência do STJ252 sobre a
permuta de imóveis de titularidade de pessoas jurídicas optantes pelo lucro
presumido, para fins da Lei 10.522/2002, houve por bem reconhecer que o
“contrato de troca ou permuta não deve ser equiparado, na esfera tributária,
ao contrato de compra e venda, pois não haverá, em regra, auferimento de
receita, faturamento ou lucro na troca”.

Eis aqui a premissa que norteará, na nossa leitura, os futuros debates sobre a
ilegitimidade da incidência de imposto de renda sobre a permuta de criptoa-
tivos.

252 Precedentes: REsp nº 1.733.560/SC, AgInt no REsp nº 1.758.483/SC, AgInt no REsp


1.796.877/SC, AgInt no AgInt no REsp nº 1.639.798/RS, AgInt no REsp 1.737.46 7/S C,
AgInt no REsp 1.800.971/SC, AgInt no REsp nº REsp 1.868.026/PB, REsp nº 1.754.618/SC,
REsp nº 1.798.211/RS, REsp nº 1.801.839/RS, REsp nº 1.850.377/SC, REsp nº 1.737.790/
RS e REsp nº 1.738.667/SC. 197
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199
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ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO E RESPONSABILIDADE
CIVIL DAS PLATAFORMAS POR
CONTEÚDO GERADO POR
TERCEIRO: O MARCO CIVIL DA
INTERNET PROMOVE MITIGAÇÃO
DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO?

ECONOMIC ANALYSIS OF LAW AND CIVIL


LIABILITY OF PLATFORMS FOR CONTENT
GENERATED BY THIRD PARTIES: DOES THE
INTERNET CIVIL FRAMEWORK PROMOTE
MITIGATION OF TRANSACTION COSTS?

Lucas Dal Paz253


Fabiano Coulon254
Cristiano Colombo255
253 Advogado. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Dom Alberto e em Direito Civil e Pro-
cesso Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP. Mestrando no programa de
Pós-Graduação em Direito da Empresa e dos Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNIS-
INOS/RS. lucas@mmouraadvogados.com.
254 Graduado (1993), Mestre (2007) e Doutor (2013) em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professor do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios e dos cursos de
graduação em Direito e Relações Internacionais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Advogado atuante nas áreas do direito civil e empresarial, sócio de Coulon, Dresch e Masina Advogados,
com sede em Porto Alegre/RS.
255 Pós-Doutor em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor e
Mestre em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). Professor Permanente do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da
UNISINOS; Professor de graduação em Direito e Relações Internacionais da UNISINOS; Professor de
Graduação em Direito da Faculdade Verbo Jurídico; e-mail: cristianocolombo@unisinos.br. Orcid: 0000-
0002-4362-0459.
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1. INTRODUÇÃO
A Lei 12.965 de 2014, que se notabilizou como Marco Civil da Internet
(MCI), é simbólica, por inaugurar um novo período para o Direito Digital
brasileiro, em resposta à necessidade de regulação do plexo das novas tecnolo-
gias. Como ponto de interesse, especialmente, no que toca àquelas demandas
relacionadas aos provedores de conteúdo e aplicação, dispõe sobre “princípios,
garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”.

O detalhamento realizado por seus dispositivos, no quadro jurídico da re-


sponsabilidade civil das plataformas, quanto ao conteúdo gerado por tercei-
ros, gera debates no que toca ao equilíbrio entre a liberdade de expressão
e informação, e, de outro lado, a necessidade de judicialização, para defesa
de Direitos de Personalidade, enfeixados como Direitos Fundamentais, em
especial, no que toca ao comando do artigo 19, do MCI. Nesse caminho,
buscar-se-á ponderar sobre os caminhos desenhados por este milestone para o
campo do Direito, sob a ótica da Análise Econômica do Direito, estabelecen-
do e identificando o conceito de custos de transação, risco moral e assimetria
informacional.

Na primeira seção, refletir-se-á sobre os impactos no campo econômico, com


o advento e aplicação do Marco Civil da Internet. Posteriormente, na se-
gunda seção, tratar-se-á sobre o papel atribuído pela regulação ao Poder Ju-
diciário. Na terceira seção, enfrentar-se-á a questão central do estudo, ou seja,
sopesar sobre os avanços e desvantagens da solução legislativa, a partir de uma
visão teórico-normativa, respondendo se “o Marco Civil da Internet (MCI)
promove a mitigação dos custos de transação?”

Para o alcance deste objetivo, realizou-se pesquisa bibliográfica teórica e ex-


ploratória, doutrinária e legislativa.

201
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2. IMPACTOS NO CAMPO ECONÔMICO A PARTIR


DO ADVENTO E APLICAÇÃO DA LEI 12.965/14

O Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, voltada a regular o uso da


Internet no Brasil, e, no particular, as plataformas digitais256, permitiu o
avanço da tecnologia a partir da “facilidade de transacionar”257, por meio
do aperfeiçoamento da qualificação jurídica das relações havidas entre os
consumidores e o produto final. Mais do que isso, a opção dos consumidores
em utilizar a chamada “Economia de Plataforma”258 revela que o mercado
passou a proporcionar uma maior eficiência econômica, diminuindo de
forma abrupta aquilo que Ronald Coase259 identificou e que hoje costuma ser
chamado de custos de transação, e avançando neste modelo de estrutura de
mercado, “caracterizando-se pela virtualização dos mercados”260.

Nesse aspecto, é fácil compreender que o novo modo (ou a melhor opção) - a
partir da lógica da eficiência 261 - de usufruir do mercado está diretamente
ligado ao avanço tecnológico, principalmente com a utilização de aplicativos
em smartphones, sendo possível adquirir qualquer produto e/ou prestação de
serviços, independentemente de localidade, bastando possuir acesso a inter-
net.262

Posto isso, a alteração paradigmática do local físico para o virtual possibilita a


discussão de novas problemáticas, próprias e características desta eletronização,
porquanto muitas de suas facilidades podem servir instrumento para “violar

256 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo:
Almedina. 2020.
257 TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. Economia de plataforma (ou tendência à bursa-
tilização dos mercados): ponderações conceituais distintivas em relação à economia compartil-
hada e à economia colaborativa e uma abordagem de análise econômica do direito dos ganhos
de eficiência econômica por meio da redução severa dos custos de transação. Revista Jurídica
Luso-brasileira. Ano 6. 2020, nº4.
258 Idem.

259 COASE, Ronal. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, Vol. 3. (Oct.,
1960).
260 TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. Economia de plataforma (ou tendência à bursa-
tilização dos mercados): ponderações conceituais distintivas em relação à economia compartil-
hada e à economia colaborativa e uma abordagem de análise econômica do direito dos ganhos
de eficiência econômica por meio da redução severa dos custos de transação. Revista Jurídica
Luso-brasileira. Ano 6. 2020, nº4.
261 Idem.

202 261 Idem.


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a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de alguém”263. Nesse


aspecto, Geraldo F. de Aquino Júnior sustenta o seguinte:

A Internet tornou-se a grande vitrine de oportunidades do mundo


moderno. Com o crescente aumento do número de pessoas conecta-
das, constata-se que o efeito dessa teia de relações é sentido em todos
os cantos do globo, em virtude da possibilidade de comunicação em
tempo real entre pessoas separadas por milhares de quilômetros. O
amplo espectro de funcionalidades já existentes, assim como a ve-
locidade com que são criados novos aplicativos, fomenta o germe
imaginativo do ser humano com vistas a novos usos que certamente
serão associados à rede.264

Isso posto, partindo da análise conjunta da Lei 12.965/14 e das características


que decorrem da AED, é possível afirmar que a virtualização proporciona
que os indivíduos que operam no mercado das plataformas virtuais, isto é,
consumidores e prestadores serviços, passem a produzir maior número de
informações e dados em menor tempo, aumentando, por óbvio, o índice de
irregularidades e danos gerados por estes. Por outro lado, esse novo âmbito
de criação e compartilhamento de dados e informações amplia “o direito de
manifestar ideias e pensamento”265, haja vista que “é uma expressão indisso-
ciável da autonomia moral dos indivíduos, inerente à sua dignidade”266

Nesse ponto, insta frisar que há falhas de mercado267 presente nessa relação e
não são poucos os casos de ofensas na internet por meio destas plataformas,
sendo uma temática debatida pelo Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes
do advento do Marco Civil da Internet no tocante à responsabilidade civil.268
Nesse ponto, Laux 269 é preciso em demonstrar a conjuntura estabelecida:

263 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo: Almedina. 2020.

264 AQUINO JÚNIOR, Geraldo Frazão de. A responsabilidade civil no âmbito do Marco Civil da Inter-
net. Revista dos Tribunais Nordeste. vol.6/2014, p.257-277. Jul-Ago/2014.
265 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo: Almedina. 2020.

266 Idem.

267 TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. Análise Econômica do Direito dos Contratos: Uma nova
abordagem do direito contratual como redutor de falhas de mercado. Londrina, PR. Troth, 2021.
268 LAUX, Francisco de Mesquita. Modelos de responsabilização civil por conteúdo postado na internet:
direito comparado, marco civil e discussões nos tribunais superiores. Revista de Direito Civil Contemporâ-
neo. Vol.31/2022. P. 129-153. Abr-Jun/2022.
269 Idem.
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Esse novo espaço para compartilhamento de informações, ideias e opiniões,


como visto, é regido pela concepção de liberdade de expressão. Por outro
lado, evidente que, tal como ocorre na via tradicional (imprensa escrita,
televisionada etc.), a internet também é palco de abusos de direito passíveis
de responsabilização civil. Aqui, não há dúvida: a partir da postagem do
conteúdo infringente, o autor do material fica sujeito a ser responsabilizado por
aquilo que difundiu na internet. Se a expressão é difamatória, por exemplo, é
possível que o autor responda demandas nas esferas cível e criminal, inclusive
com pedido de tutela provisória de urgência para remoção dos materiais.

Naquela ocasião, o STJ possuía o entendimento de que os provedores de con-


teúdo (aplicação)270 na internet deveriam retirar o conteúdo ou ofensa gerado
por terceiro a partir da notificação extrajudicial do ofendido271, priorizando o
sistema notice and takedown (notificação e retirada), “que, em sua versão mais
simplificada, prevê a obrigatoriedade da remoção do conteúdo assim que o
provedor for notificado”272 . No entanto, por óbvio, tal entendimento era por
deveras problemático aos intermediários, isto é, provedores de aplicação, uma
vez que estavam “sujeitos a normas extrajudiciais sobre o cancelamento de
conteúdos”273, afastando “um ente privado o encargo de analisar a legalidade
e eventualmente censurar pessoas na internet sem a previsão de um processo
voltado à solução do litígio, com regras claras e previsíveis”274.

Aliás, insta destacar que o sistema notice and takedown está mais próximo
de servir como ratificadora dos problemas gerados a partir da nova lógica de
consumo proporcionada pelas economias de plataforma do que solucionar
o problema do ofendido. Sendo assim, é evidente que a assimetria informa-
cional é presente na relação estabelecida entre usuário ofensor – provedor de
aplicação – usuário ofendido, justamente pelas funcionalidades existentes e
inerentes em cada plataforma (Youtube, Facebook, Instagram, Google).

270 Marco Civil da Internet, art. 5º, inciso VII.

271 LAUX, Francisco de Mesquita. Modelos de responsabilização civil por conteúdo postado
na internet: direito comparado, marco civil e discussões nos tribunais superiores. Revista de
Direito Civil Contemporâneo. Vol.31/2022. P. 129-153. Abr-Jun/2022.
272 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo:
Almedina. 2020.
273 Idem.

274 LAUX, Francisco de Mesquita. Modelos de responsabilização civil por conteúdo postado
na internet: direito comparado, marco civil e discussões nos tribunais superiores. Revista de
204 Direito Civil Contemporâneo. Vol.31/2022. P. 129-153. Abr-Jun/2022.
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Ademais, o entendimento superado exigia outro aspecto que vai de encon-


tro à eficiência que o mercado proporciona por meio dos “marketplaces”,
porquanto “não se deve exigir que os intermediários controlem o conteúdo
gerado por usuários”275 em razão de um direito fundamental e basilar, qual
seja: o “direito de liberdade de expressão e informação”276. Alias, Marco
Aurélio R. da Cunha e Cruz, Carlos Costa e Laisa R. de Araújo277 traçam o
necessário parâmetro no tocante ao monitoramento das informações gerados
por terceiros da seguinte forma:

É possível e constitucional o controle editorial prévio dos conteú-


dos disponibilizados sponte sua. Contudo, em relação aos conteúdos
criados por terceiros, é de fundamental relevância diferenciar os con-
teúdos inseridos pelos usuários de forma imediata, instantânea e au-
tomática daqueles em que existe um lapso temporal entre a inserção
e a divulgação. Isso porque, nesse caso, o provedor de conteúdo não
possui controle dos atos de terceiros ou ingerência sobre os conteú-
dos instantâneos postados, figurando apenas como mero transmis-
sor de informações. Este, de fato, é um ponto de convergência entre
a intelecção do MCI e a jurisprudência do STJ: a inexistência do
dever prévio de monitorar e censurar por partes dos provedores de
conteúdo em relação às informações criadas e inseridas instantane-
amente pelos seus usuários e terceiros, corolário da constatação de
que é técnica e juridicamente impossível fiscalizar as informações
indexadas de forma imediata e automática. É a aplicação da regra ad
impossibilia nemo tenetur. A sistemática implementada pelo MCI, em
consonância com a ratione materiae da jurisprudência do STJ, não
abrange todo e qualquer conteúdo, e sim apenas aqueles materiais
depreciativos e aviltantes inseridos por terceiros sem filtragem prévia
e desde que não envolva violação a direito autoral ou conexo.

275 ONU. Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet. Disponível em:
https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=849&lID=4#:~:text=Con-
scientizar%20sobre%20o%20uso%20adequado,para%20os%20setores%20menos%20favore-
cidos. Acesso em: 17.07.2022.
276 Constituição Federal/88, Art. 5º, inciso IX, e Art. 220.

277 CUNHA E CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da. Et al. A responsabilidade civil do prove-
dor de conteúdo por violações à honra praticadas por terceiros: antes e pós-marco civil da inter-
net. Revista de Direito do Consumidor. Vol.99/2015. p. 185-231. Maio-Jun/2015. 205
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É importante frisar que além do aumento dos custos de transação, havia


uma dupla consequência aos provedores de aplicação em razão do isolamento
do ente estatal da análise e solução do litígio.278 Num primeiro momento,
“caso decidisse pela manutenção do conteúdo, o ente privado ficaria sujeito
à responsabilização civil por demanda do ofendido”279, ao passo que se
“decidisse pela remoção, o provedor ficaria à mercê de pedidos judiciais do
autor do conteúdo, potencialmente lesado pelo ato de remoção.”280

3. O PODER JUDICIÁRIO COMO FIEL DA


BALANÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL
DOS PROVEDORES DE APLICAÇÃO
Nesse sentido, o Marco Civil da Internet atribuiu ao Poder Judiciário
protagonismo, na medida em que segue aplicando o sistema notice and
takedown, no entanto, a responsabilidade civil por danos pelo provedor de
aplicação somente ocorrerá quando a plataforma for notificada judicialmente
e não tomar as providências para remover o conteúdo ofensivo gerado por
terceiros.281 Dessa forma, “reconhecendo papel do Judiciário como órgão
independente para a solução de disputas”282

É o que dispõe o artigo 19, do Marco Civil da Internet:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impe-


dir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá
ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as
providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e
dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo aponta-
do como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

281 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo:
Almedina. 2020.
282 Recomenda-se a leitura de COLOMBO, Cristiano; NETO, Eugênio Facchini. Ciber-
espaço e conteúdo ofensivo gerado por terceiros: a proteção dos direitos de personalidade e a
responsabilização civil dos provedores de aplicação, à luz da jurisprudência do Superior Tri-
bunal de Justiça. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 216-237. Disponível
em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/4910. Data de acesso:
206 03 mar 2024.
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§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena


de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado
como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de
autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que
deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas
no art. 5º da Constituição Federal.
§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes
de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à
reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indis-
ponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de in-
ternet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o
interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na inter-
net, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação
do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil rep-
aração.

Portanto, no tocante aos provedores de aplicação, a responsabilidade civil não


é objetiva, “mas passam a responder de forma conjunta caso deixem de in-
disponibilizar o conteúdo devidamente individualizado que tenha sido con-
siderado ofensivo por uma ordem judicial”283. Trata-se de responsabilidade
subjetiva. Nesse ponto, insta ressaltar que a ordem judicial passou a ser o
marco inicial para definir se há responsabilidade do provedor de aplicação
ou não, uma vez que basta a remoção do conteúdo para que este seja isento.

Outrossim, vale apontar que o legislador acompanhou os “Princípios de Ma-


nila sobre Responsabilidade de Intermediários”284 quando redigiu o artigo
19, caput, especialmente no que tange o primeiro e segundo princípio, it lit-
teris:

I – Os intermediários devem ser protegidos por lei da responsabi-


lização por conteúdos produzidos por terceiros;

283 Idem.

284 Princípios de Manila sobre Responsabilidade de Intermediários. Disponível em: https://


manilaprinciples.org. Acesso em: 18.07.2022. 207
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II – Não se deve solicitar a remoção de conteúdo sem a ordem de


uma autoridade judicial;

Igualmente, o Art. 19 do MCI possui quatro parágrafos em que aponta de


forma objetiva os aspectos processuais da dinâmica de remoção do conteúdo
indesejado. Iniciando-se pela necessidade de haver a expressa e inquestionável
identificação do “conteúdo apontado como infringente”285, desincumbindo
o intermediário de sofrer um gasto financeiro e de pesquisa desnecessários
para encontrar e retirar a informação apontada pelo ofendido. A precisão
da informação é parte imprescindível para que o Poder Judiciário comande
o intermediário para que retire o conteúdo indesejado, uma vez que prevê a
nulidade do mesmo comando judicial caso seja realizado de forma contrária.
Em termos práticos, significa dizer sobre a obrigatoriedade da vítima da ofen-
sa indicar a URL (Uniform Resource Locator), inclusive, como requisito da
petição inicial, sob pena de indeferimento, após o prazo para emenda.

Aliás, vale apontar que o parágrafo primeiro do art. 19 está perfeitamente de


acordo com o terceiro dos Princípios de Manila, porquanto as “requisições
de conteúdos devem ser claras, não ambíguas e seguir o devido processo”286
afastando a insegurança para o provedor de conteúdo.

Outro ponto que merece destaque é a escolha do legislador, à época, em ex-


pressar, literalmente, o respeito à “ liberdade de expressão e demais garantias
previstas no Art. 5º, da Constituição Federal”287. Ora, diferentemente daque-
les que entendem que o MCI efetua uma exagerada “proteção aos provedores
de acesso a conteúdo e aplicações”288, o Marco Civil da Internet trouxe “um
regime equilibrado de tratamento da responsabilidade”289 dos provedores de
aplicações, instrumentalizando a presunção a liberdade de expressão em in-
formação “contra diversas formas de autoritarismo, que normalmente desá-
gua em restrição das liberdades comunicativas”290.

285 Marco Civil da Internet, Art. 19, §1º.

286 Princípios de Manila sobre Responsabilidade de Intermediários. Disponível em: https://manilaprinci-


ples.org. Acesso em: 18.07.2022.
287 Marco Civil da Internet, Art. 19,§2º.

288 BOTTON, Letícia Thomasi Jahnke. SENNA, Pedro Herique Sccott de. O confrontamento entre o
direito à liberdade de expressão e o direito à honra diante do marco civil da internet. Revista dos Tribunais.
Vol. 1014/2020. P. 127-143. Abr.2020.
289 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo: Almedina. 2020.

290 Idem.
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Ainda, a questão proporcionalidade e razoabilidade, criada a partir da imple-


mentação dos comandos do MCI, também tem inspiração nos Princípios de
Manila sobre Responsabilidade de Intermediários291, completando os últi-
mos três comandos, como segue:

IV – Leis, ordens e práticas de restrição de conteúdos devem seguir


os testes de necessidade e proporcionalidade;
V – Leis, políticas e práticas de restrição de conteúdo devem respei-
tar o devido processo;
VI – Transparência e prestação de contas devem ser integradas em
leis e em políticas e práticas de restrição conteúdos;

É importante salientar que pende de julgamento o Tema 987, junto ao Supre-


mo Tribunal Federal, quanto ao artigo 19:

Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n.


12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade
de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para
a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores
de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos
praticados por terceiros.292

Portanto, é uma temática que gera debate e que será enfrentada, oportuna-
mente, pela Excelsa Corte.

Aponte-se, ainda, que o Art. 21 do MCI293 como a única possibilidade na


qual o sistema notice and takedown é aplicado sem a necessidade da busca de

291 Princípios de Manila sobre Responsabilidade de Intermediários. Disponível em: https://manilaprinci-


ples.org. Acesso em: 18.07.2022.
292 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 987. Terceira turma. Relatora: Ministro Dias Toffoli.

293 Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será re-
sponsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de
seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais
de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal,
deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização
desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que per-
mitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a
verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
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provimento judicial, haja vista que a legislação prevê a retirada imediata de


conteúdo, mediante notificação da ofendida ao provedor de conteúdo, em
caso de exposição de nudez e/ou atos sexuais. Porém, é de ressaltar que “a ne-
cessidade de indicação específica do conteúdo apontado como infringente”294
é obrigação do ofendido, sob pena de nulidade do ato extrajudicial.

Portanto, o MCI permitiu que o sistema de mercado das economias de plata-


forma, por meio de provedores de conteúdo, por exemplo, centralizasse toda e
qualquer litígio com o Poder Judiciário, excetuando-se aqueles casos previstos
no Art. 21.

No entanto, é importante salientar, que, com a evolução da Inteligência Ar-


tificial, seja pela maior capacidade tecnológica de análise de conteúdo pelas
plataformas, bem como por seu uso ilegal, como, por exemplo, deepfake de
imagens e de vozes, fakenews, utilização massiva de robôs, novas discussões
se apresentam, inclusive, sob a ampliação da responsabilidade civil das plata-
formas, diante de novas funcionalidades, como deveres mínimos de um am-
biente seguro aos seus usuários. Neste sentido, por exemplo, está o Regula-
mento dos Serviços Digitais da União Europeia, que assim dispôs, em seu
Considerando 2:

Os Estados-Membros estão, cada vez mais, a introduzir, ou a pon-


derar introduzir, legislação nacional sobre as matérias abrangidas
pelo presente regulamento, impondo, nomeadamente, requisitos de
diligência aos prestadores de serviços intermediários no que se refere
ao modo como deverão fazer face aos conteúdos ilegais, à desinfor-
mação em linha ou a outros riscos sociais.295

São regras imputadas aos provedores no sentido de proatividade e deveres de


diligência contra a ilicitude, que combatem a “circulação de conteúdos ilíci-
tos e a limitação de certas práticas atentatórias às liberdades individuais dos
utilizadores.”296 Novos deveres, diante do avanço da técnica.

294 LLONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo: Almedina.
2020.
295 ARLAMENTO EUROPEU. Regulamento (UE) 2022/2065. Disponível em: <https://eur-lex.europa.
eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022R2065. Acesso em: 3 mar 2024..
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que per-
mitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a
verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
294 LEQUETTE, Suzanne. Droit du Numérique. Paris: LGDJ, 2024, p. 177.
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Pondere-se que o Marco Civil da Internet de 2014 dispôs sobre a matéria, à


luz do Estado da Arte do contexto tecnológico daquela época, de uma déca-
da atrás, atualmente, operando-se tanto a possibilidade de monitoramento,
como, por outro lado, os meios de criar e gerar ofensas se desenvolveram.
Contudo, o debate sobre a tensão da liberdade de expressão e a responsabili-
dade civil dos provedores segue sendo ponto de atenção e polêmica.

4. O MARCO CIVIL DA INTERNET PROMOVE


MITIGAÇÃO DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO?
Assim sendo, é possível identificar os elementos presentes no Marco Civil
da Internet que se ligam à Análise Econômica do Direito, haja vista que “é
o campo do conhecimento humano o qual tem por objetivo empregar var-
iados ferramentas teóricas e empíricos econômicos e das ciências afins para
expandir a compreensão”297, como bem define a referência da AED no Brasil,
Luciano Timm.

Mais do que isso, a MCI está perfeitamente de acordo com a Lei de Intro-
dução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu Art. 20 - que se
comunica aos preceitos da AED - que sustenta a necessidade das esferas jul-
gadoras, inclusive, a judicial, decidir com base nos valores jurídicos e nas
“consequências práticas da decisão”298. Merece destaque aquilo que Manoel
Trindade299 aponta como Risco Moral, justamente um dos requisitos da
falha de mercado, uma vez que é decorrente “da dificuldade ou mesmo da
impossibilidade de uma das partes verificar ou monitorar o comportamento
(conduta) da outra”, sendo quase que uma tradução literal do objetivo do
legislador ao expressar o disposto no Art.19 do MCI. Ademais, o objetivo do
Art.19 do MCI é afastar aquilo a “hidden action”, isto é, Ação Oculta, como
segue:

297 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo:
Almedina. 2020.
298 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro. Brasília, DF. Presidência da República. 1942. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 18.07.2022.
299 TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. Análise Econômica do Direito dos Contratos:
Uma nova abordagem do direito contratual como redutor de falhas de mercado. Londrina, PR.
Troth, 2021. 211
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Imperioso registrar que o Risco Moral trata dos problemas de Ação


Oculta (Hidden Action), porquanto uma das partes não observa as
ações práticas pela outra parte, o que permite e pode mesmo incen-
tivar o surgimento de comportamentos oportunistas, haja vista que
a parte não monitorada pode lançar mão de ações que visem ao seu
exclusivo benefício, em detrimento da parte contratante.

Desse modo, o Marco Civil da Internet, ao traçar parâmetros objetivos e


claros para o tratamento dos problemas gerados pelo uso indevido da inter-
net, a partir da banalização do uso da informação por parte dos usuários300,
protege, objetivamente, a segurança dos provedores de aplicação, conforme já
amplamente sustentado. Por outro lado, o questionamento que se faz é: uma
legislação que busca a eficiência a partir da identificação dos verdadeiros agentes
delituosos, isto é, usuários ofensores, evitando a responsabilização errônea do mero
intermediador no ambiente virtual, mitiga o aumento de custos de transação ao
sanar uma falha do mercado?

Por mais que o encaminhamento da resposta seja positivo, a verdade é que


levar a situação ao Poder Judiciário gera um aumento de processo judiciais,
inevitavelmente. A propósito, Cintia Lima 301 sustenta da seguinte forma:

A liberdade de expressão foi utilizada como o fundamento para a


sistematização da responsabilidade dos provedores no Marco Civil
da Internet,13 daí a necessidade de explorar este e outros conceitos
para que se possa atingir a compreensão plena do tema em tela. As-
sim, a exigência de notificação judicial no art. 19 da Lei n. 12.965/14
foi imposta para que a liberdade de expressão dos usuários não seja
tolhida por outros usuários e pelos próprios provedores. A ideia é
que somente o Judiciário poderia fazer a análise se o conteúdo é real-
mente ofensivo. O problema é que tal judicialização destes conflitos
sobrecarregará injustificadamente o Poder Judiciário. Em suma, na
medida em que a internet trouxe vantagens em relação à rapidez, ao
amplo acesso à informação, ao baixo custo e à divulgação mundial
de conteúdo, ela apresenta também um risco social, ou seja, o dano

300 LIMA, Cintia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação
de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do marco civil da internet (Lei
n.12.965/14). R. Fac. Dir. Univ. São Paulo v. 110 p. 155 - 176 jan./dez. 2015.

212 301 Idem.


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à pessoa, vítima da violação de sua intimidade e vida privada através


desta ferramenta de comunicação, o que não pode ser ignorado pelo
Direito.

Logo, o desafio que se cria para a sociedade e legisladores, é atestar se o atual


sistema previsto no Marco Civil da Internet, no tocante à Responsabilidade
Civil dos provedores de aplicação está, realmente, alinhada com os paradig-
mas da eficiência e diminuição de custos de transação no que tange ao Ju-
diciário, havendo a plena certeza que “a grande virtude da regra em questão
é reforçar o papel do Poder Judiciário de fiel da balança para encontrar o
equilíbrio entre valores potencialmente conflitantes”302, isto é, o Marco Civil
da Internet “como a proteção de direitos individuais e coletivos”303.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, o Marco Civil da Internet buscou reduzir as falhas de mer-
cado, principalmente àquelas advindas da assimetria de informações e dos
riscos morais diretamente ligados aos usuários que usurparam a liberdade de
informação e expressão no ambiente disruptivo, própria das características da
Análise Econômica do Direito.

Por outro lado, a sistemática beneficia a proteção do provedor de aplicação,


burocratiza a retirada da informação ou conteúdo indesejado de forma segu-
ra, ao passo que centraliza a decisão ao Poder Judiciário, especificamente, no
tocante ao Art. 19 do MCI, aumentando o número de demandas.

Portanto, por mais que se reconheça o aumento obrigatório das demandas ju-
diciais relacionados a conteúdo indesejados ou impróprios em provedores de
aplicação, o custo benefício, tanto para a consolidação do sistema de mercado
a partir do consumo virtual, bem como o aumento da segurança jurídica para
os intermediadores da seara virtual, garante e mantém o avanço desejado pela
tecnologia, instrumentalizado pelo Marco Civil da Internet.

302 LONGHI, Maria Isabel Carvalho Sica. Et al. Direito e Novas Tecnologias. São Paulo:
Almedina. 2020.
303 Idem. 213
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Destaque-se, por último, que, com a evolução da Inteligência Artificial, dis-


cute-se sob a ampliação da responsabilidade civil das plataformas, diante de
novas funcionalidades que permitem soluções técnicas com maior qualidade
de monitoramento, como deveres mínimos de um ambiente seguro aos seus
usuários. Todavia, ainda, é ponto de grande discussão e polêmica.

REFERÊNCIAS
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do Marco Civil da Internet. Revista dos Tribunais Nordeste. vol.6/2014, p.
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BOTTON, Letícia Thomasi Jahnke. SENNA, Pedro Herique Sccott de. O


confrontamento entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra
diante do marco civil da internet. Revista dos Tribunais. Vol. 1014/2020. P.
127-143. Abr. 2020.

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tendência à bursatilização dos mercados): ponderações conceituais distintivas
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