Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Aula - Filosofia-1ano-Pre-Socráticos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 9

1

Do Mito à ciência
Visões de mundo através da história

Entre as mais antigas explicações conhecidas, encontram-se as lendas e os mitos de


culturas muito antigas – egípcia, indiana, chinesa, grega, romana, asteca, maia, entre outras – e
suas respectivas cosmogonias ou cosmogêneses, isto é, exposições sobre a origem e a formação
do universo.

No caso dos gregos, um conjunto de deuses primordiais representava, segundo a narrativa


mítica, o surgimento do cosmos (“universo ordenado”).
De acordo com o poema Teogonia (“origem dos deuses”), de Hesíodo, escrito por volta
de Viii a.C., a primeira divindade teria sido Caos (o abismo, o vazio indeterminado e ilimitado),
mas logo apareceram Gaia (a Terra), Tártaro (o mundo subterrâneo,de trevas profundas) e Eros
(o amor). De cada uma dessas divindades vieram outras e, da união entre elas, nasceram outras
mais, conformando assim várias estirpes de deuses e deusas, heróis e heroínas e outras entidades.

Desse modo, as forças e os fenômenos da natureza e dos seres naturais estavam


simbolicamente representados em seres divinos ou sobrenaturais, geralmente concebidos segundo
a imagem humana, antropomorfizados. A cosmogonia contida nos mitos equivalia praticamente
à genealogia de suas deidades.

Genealogia – estudo da origem e história de um indivíduo em relação a seus antepassados ou família. Por extensão, em alguns
filósofos, estudo das concepções e acontecimentos que determinaram ou favoreceram a formação de certas ideias, valores ou
crenças.

O mito
Em seu significado original, o termo mito refere-se às narrativas e ritos tradicionais,
pertencentes à cultura de um povo, que utilizam elementos simbólicos para explicar a realidade e
dar sentido a suas vidas.
De acordo com o especialista romeno em história das religiões Mircea eliade (1907-
1986), “o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo
primordial […]. o mito narra como, graças às façanhas dos entes Sobrenaturais, uma realidade
passou a existir […].” (Mito e realidade, p. 11).
Por intermédio de ritos sagrados, diversos grupos humanos renovavam suas alianças com
os seres sobrenaturais, o que produzia uma sensação de amparo diante dos perigos da existência.
Assim, a consciência mítica mostrava-se operativa, isto é, trazia resultados, transmitindo
os valores desejados pelas sociedades.

A saga de Édipo
O mito de Édipo, rico em significados, é um exemplo disso. Na antiguidade, foi utilizado
pelo dramaturgo Sófocles (496-406 a.c.), na tragédia Édipo rei, para uma reflexão sobre as
questões da culpa e da responsabilidade dos indivíduos perante as normas e os tabus.

Tabu – comportamento que, dentro dos costumes de uma comunidade, é considerado nocivo e perigoso, sendo por isso
proibido a seus membros.

A saga de Édipo
2

Laio, rei da cidade de tebas e casado com Jocasta, foi advertido pelo oráculo de que não
poderia gerar filhos. Se esse aviso fosse desobedecido, seria morto pelo próprio filho e muitas
outras desgraças surgiriam.
Laio não acreditou no oráculo e teve um filho com Jocasta. Quando a criança nasceu,
porém, arrependido e com medo da profecia, ordenou que o recém-nascido fosse abandonado em
uma montanha, com os tornozelos furados, amarrados por uma corda (o edema provocado pela
ferida é a origem do nome Édipo, que significa “pés inchados”).
Mas o menino não morreu. Pastores o encontraram e o levaram ao rei de corinto, Polibo,
que o criou como se fosse seu próprio filho. Já adulto, ao ouvir rumores de que era filho ilegítimo,
procura o oráculo de Delfos em busca da verdade. O oráculo não responde à sua dúvida, mas
revela seu trágico destino: matar o pai e se casar com a mãe. Para evitar que a profecia aconteça,
foge de corinto em direção a tebas. No decorrer da viagem, porém, encontra-se por acaso com o
rei de tebas, laio.
Arrogante, o rei ordena-lhe que deixe o caminho livre para sua passagem. Édipo
desobedece às ordens do desconhecido e uma luta se trava entre ambos, na qual Édipo mata laio.
Sem saber que havia matado o próprio pai, prosseguiu sua viagem. No caminho, deparou-se com
a esfinge, um monstro metade leão, metade mulher, que lançava enigmas aos viajantes e devorava
quem não os decifrasse, atormentando os moradores de tebas.
A esfinge apresenta a Édipo este enigma:
“Qual é o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio -dia e três à tarde?”. Édipo responde:
“É o homem. Pois na manhã da vida (infância) engatinha com pés e mãos; ao meio-dia (na fase
adulta) anda sobre dois pés; e à tarde (velhice) necessita das duas pernas e do apoio de uma
bengala”. Furiosa por ver o enigma decifrado, a esfinge se mata.
Como recompensa por ter salvado tebas desse flagelo, Édipo é proclamado rei e casa-se
com a viúva de laio, Jocasta, sua mãe verdadeira. Uma nova maldição, a peste, cai sobre a cidade.
consultado, o oráculo responde que a peste não findaria até que o assassino de laio fosse castigado.
ao longo das investigações para descobrir o criminoso, a verdade é esclarecida. Inconformado
com seu destino, Édipo cega-se e Jocasta enforca-se. Édipo deixa tebas, partindo para um exílio
na cidade de colona.

O complexo de Édipo
Como todo mito, a saga de Édipo apresentaria, em linguagem simbólica e criativa, a
descrição de uma realidade universal da alma humana, de acordo com as interpretações
desenvolvidas por Freud e Jung na passagem do século XIX para o século XX (conforme
estudamos no capítulo 4).
Elaborando uma reinterpretação psicológica desse mito grego, Freud transformou-o em
elemento fundamental da teoria psicanalítica, sob o nome de complexo de Édipo.

No mundo contemporâneo ocidental predomina uma visão racional e materialista da


realidade, mas o mito ainda tem lugar privilegiado em diversas culturas espalhadas por todo o
planeta.
3

Pré-socráticos
Os primeiros filósofos gregos

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como
período pré-socrático (isto é, anterior a Sócrates ou à sua filosofia). assim, esse período abrange
o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde tales de Mileto, no século vII a.c., até o
século v a.c. Ccabe ressaltar, porém, que alguns filósofos chamados “pré-socráticos” foram
contemporâneos de Sócrates, sendo assim designados porque mantiveram o tipo de investigação
de seus predecessores, centrado na natureza (como vimos no capítulo 6). Sócrates, por sua vez,
inaugurou outro tipo de reflexão, voltado ao ser humano, dando início à tradição clássica da
filosofia grega (como veremos no próximo capítulo).
É difícil conhecer o pensamento do período pré-socrático em toda a sua dimensão, pois
são poucos os escritos encontrados de seus pensadores, e até mesmo suas datas de nascimento e
morte são incertas.

Primeiras cosmologias
A partir do século Vii a.C., os primeiros filósofos gregos – conhecidos como pré-
socráticos – iniciaram um processo de ruptura com as explicações míticas e antropomórficas do
universo. Dedicaram-se a investigar diretamente o mundo físico, a natureza (que se diz physis,
em grego), e a construir uma cosmologia, ou seja, uma explicação sobre a origem, a formação e
as principais características do cosmos. Nada – ou bem pouco – de deuses ou histórias familiares.
A nova tendência era buscar argumentos baseados na observação do mundo natural e no uso da
razão para formar um sistema coerente de concepções.

Busca da arché
Dentre os objetivos desses primeiros filósofos, destaca-se a construção de uma
cosmologia – explicação racional e sistemática das características do universo – que substituísse
a antiga cosmogonia – explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos (conforme
estudamos no capítulo 6). Assim, com base na razão e não na mitologia, os primeiros filósofos
gregos tentaram encontrar o princípio substancial ou substância primordial (a arché, em
grego) existente em todos os seres, a “matéria-prima” de que são feitas todas as coisas (reveja o
trecho sobre a busca da arché no capítulo 6).
A investigação empreendida pelos pensadores pré-socráticos caracterizou-se
principalmente pela busca da arché, palavra grega que significa literalmente “o que está na frente,
a origem, o começo”.
A arché pode ser entendida como:
• realidade primeira que deu origem a tudo o que existe;
• substrato fundamental que compõe as coisas;
• força ou princípio que determina todas as transformações que ocorrem nas coisas.

Como vimos, a ideia de que todos os seres da natureza provêm ou participam de uma
unidade primordial já estava presente nas diversas cosmogonias. Mas a busca da arché dos
primeiros filósofos trouxe a novidade, entre outras, de superar o antropomorfismo da perspectiva
mítica, procurando identificar elementos naturais (ou não sobrenaturais) que explicassem
racionalmente a realidade (cf.bernhardt, o pensamento pré-socrático…, em Châtelet, História da
filosofia, v. 1, p. 28).
4

Pensadores de Mileto
Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais precisa.
afinal, nunca houve na antiguidade um estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada
mais era que o conjunto de muitas cidades-estado (pólis), independentes umas das outras e muitas
vezes rivais (veja o mapa do mundo grego no século vI a.c.). Portanto, no vasto mundo grego, a
filosofia teve como berço mais precisamente a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental
da Ásia Menor (região hoje pertencente ao território da turquia). Caracterizada por múltiplas
influências culturais e por um rico comércio, Mileto abrigou os três primeiros pensadores da
história ocidental a quem atribuímos a denominação filósofos. São eles: tales, anaximandro e
anaxímenes.

Qual era a arché para cada pensador pré-socrático?


Tales dizia ser a água; Anaximandro, o ápeiron (“o indeterminado”); Anaxímenes, o ar;
Xenófanes, a terra; Heráclito, o fogo; Pitágoras, os números; Parmênides, o ser; empédocles, os
quatro elementos (terra, água, ar e fogo); Demócrito, os átomos (estudaremos esses filósofos no
capítulo 11).

Tales: a água
Considerado o primeiro pensador grego, “o pai da filosofia” e o mais antigo dos sete sábios da Grécia, Tales
pesquisou em diversos campos do conhecimento, como a astronomia e a geometria. acredita-se que teria
aprendido boa parte do que sabia com egípcios e babilônios

Tales de Mileto (c. 623-546 a.c.) é tido como o pensador que deu início à indagação racional
sobre o universo. Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas
próprias observações de corpos hídricos – como rios e mares –, bem como da vida animal e
vegetal, ele dizia: “tudo é água”. Assim para tales, a água – por permanecer basicamente a mesma
em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados (sólido, líquido e
gasoso) – seria a arché, a substância primordial, a origem única de todas as coisas, presente em
tudo o que existe. Como princípio vital, a água penetraria todos os seres, de tal maneira que tudo
seria animado por ela. Isso quer dizer que tudo teria alma (isto é, anima ou psyché) e, ao mesmo
tempo, tudo seria também divino (ou “cheio de deuses”), pois não haveria separação entre o
sagrado e o mundano. O universo seria uno e homogêneo. Apesar da simplicidade da afirmação
de tales a respeito da água – e considerando que a água não representava para ele o mesmo que
representa hoje para nós –, pela primeira vez tentava-se explicar a multiplicidade da realidade de
maneira sintética e simples, empregando um elemento natural e concreto, visível para todos. Era
também a primeira concepção monista da filosofia, pois considera que tudo o que existe pode ser
reduzido a um princípio único ou realidade fundamental (reveja o tema do monismo no capítulo
6). Muitas outras concepções monistas surgiriam depois.

Anaximandro: o indeterminado
Anaximandro teria desenvolvido diversos estudos e trabalhos nas áreas de geometria, geografia e
astronomia. a ele são atribuídas, por exemplo, a confecção de um mapa celeste e de um mapa terrestre das
regiões habitadas, a introdução do gnômon (relógio de sol, ilustrado no mosaico acima) na Grécia e a tese de
que a terra é cilíndrica e estaria no centro do universo.

Outro filósofo de Mileto, Anaximandro (c. 610-547 a.c.), discípulo de tales, procurou
aprofundar as concepções do mestre sobre a origem única de todas as coisas e resolver os
problemas que tales lançara.
Ele buscou em meio aos diversos elementos observáveis e determinados no mundo
natural – especialmente os tradicionais pares de contrários que se “devoram entre si” (água, terra,
5

ar e fogo) –, mas não lhe foi possível identificar entre eles o princípio único e primordial de todos
os seres. Anaximandro pensou, então, que deveria haver alguma substância diferente, ilimitada,
e que dela nascessem o céu e todos os mundos nele contidos. Foi assim que o filósofo chegou à
conclusão de que a arché é algo que transcende os limites do observável, ou seja, que não se situa
em uma realidade ao alcance dos sentidos, como a água. Por isso, denominou-a ápeiron, termo
grego que significa “o indeterminado”, “o infinito” no tempo.
O ápeiron seria a “massa geradora” dos seres e do cosmo, contendo em si todos os
elementos opostos. Segundo sua explicação, por diversos processos naturais de diferenciação
entre contrários(por exemplo, frio e calor) e de evaporação teriam surgido o céu e a terra, bem
como os animais, em uma sucessão evolutiva que faz lembrar a bem posterior teoria da evolução
das espécies (do século XIX). O cosmo, para Anaximandro, se manteria por compensações
cíclicas entre os contrários (as sucessivas estações do ano) até ser reabsorvido no ápeiron e
recriado novamente a partir deste. Isso significa que ele concebeu um cosmo dinâmico, mas
limitado no tempo (que é cíclico), e que tem sua origem e seu fim no ápeiron, o qual é infinito.
Desse modo, temos certo retorno a algumas concepções relativas aos deuses primordiais (ao caos
mítico, por exemplo), porém sem voltar diretamente a eles e com maior grau de abstração
conceitual e justificação lógica (CF. berNhArDt, O pensamento pre‑socratico: de tales aos
sofistas, em Châtelet, História da filosofia: ideias, doutrinas, v. 1, p. 30).

Anaxímenes: o ar
Anaxímenes nasceu em Mileto e foi discípulo e sucessor de anaximandro. teria defendido teses
astronômicas acertadas e equivocadas, como as de que a terra é plana e estaria assentada sobre o ar, a luz
da lua é reflexo da luz do Sol e seus eclipses são consequência de terem sido obstruídos por outro corpo
celeste.

A discussão sobre o problema da arché prosseguiu com um terceiro milésio, Anaxímenes (c. 588
-524 a.c.), discípulo de anaximandro. Ele concordava que a origem de todas as coisas era indeterminada,
mas recusou-se a atribuir a essa indeterminação o caráter de arché. Para anaxímenes, a substância
primordial não poderia ser um elemento situa do fora dos limites da observação e da experiência sensível,
como o ápeiron de anaximandro. Em discordância com aspectos do pensamento dos dois mestres anteriores,
mas buscando uma síntese entre eles, anaxímenes incorporou argumentos de ambos e propôs o ar como
princípio de todas as coisas: “como nossa alma, que é ar, soberanamentenos mantém unidos, assim também
todo o cosmo sopro e ar o mantêm” (ANAXÍMeNeS, em SouzA, Pre‑socraticos, p. 51). Ele considerou o
fato de que o ar, quase inobservável, é um elemento mais sutil que a água, mas que ao mesmo tempo nos
anima, nos dá vida, como testemunha nossa respiração. Infinito e ilimitado, penetrando todos os vazios do
universo, o ar constituiria uma arché menos indeterminada que o ápeiron. Também seria um princípio
ativo, gerador de movimento, como nos ventos.
Segundo anaxímenes, pelos processos de rarefação e condensação se formariam os outros
elementos – que para os antigos eram a terra, a água e o fogo, além do próprio ar – e, a partir destes, todos
os demais. a terra, por exemplo, seria o estado mais condensado (isto é, de menor volume) do ar, enquanto
o fogo seria o mais rarefeito (de maior volume). Nascido do ar e movido por ele, o cosmo seria uma espécie
de respiração gigante.

Pitágoras: os números
Conta-se que Pitágoras sofreu perseguição política em sua terra natal, a ilha de Samos (situada na
costa jônica, não distante de Mileto), sendo obrigado a exilar-se em crotona, na Magna Grécia (sul da
península Itálica), onde fundou uma sociedade secreta de caráter místico-filosófico. Por seu projeto político,
foi expulso também de crotona. as principais contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos
campos da matemática (como o célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia
6

Resposta bastante distinta na busca da arché veio de Pitágoras de Samos (c. 70-490
a.c.). Profundo estudioso da matemática, Pitágoras defendeu a tese de que todas as coisas são
números.
Conta-se que, para chegar a essa tese, primeiro teria percebido que à harmonia dos
acordes musicais correspondiam certas proporções aritméticas. Supôs, então, que as mesmas
relações se encontrariam na natureza. unindo essa suposição aos seus conhecimentos de
astronomia – com os quais podia, por exemplo, calcular antecipadamente o deslocamento dos
astros –, concebeu a ideia de um cosmo harmônico, regido por relações matemáticas (teoria da
harmonia das esferas).
Se para Pitágoras “tudo é número”, isso quer dizer que o princípio fundamental (a arché)
seria a estrutura numérica, matemática, da realidade. a diferença entre as coisas resultaria, em
última instância, de uma questão de números. Os pitagóricos entendiam, por exemplo, que os
corpos eram constituídos por pontos e a quantidade de pontos de um corpo definiria suas
propriedades.
O mundo teria surgido da fixação de limites para o ilimitado (o ápeiron), da imposição
de formas numéricas sobre o espaço. e da estrutura numérica da realidade derivariam problemas
como finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc.
Observe que, com Pitágoras, pela primeira vez na história da filosofia ocidental se introduzia, na
explicação da realidade, um elemento mais formal, fundado na ordem e na medida. (como vimos
no capítulo 5, um elemento formal é aquele que considera as relações entre os termos de uma
operação do entendimento independentemente da matéria ou conteúdo dessa operação.)
Há, portanto, um monismo em Pitágoras quando ele diz que tudo é número. No entanto,
sua doutrina sobre a origem do mundo nos leva a pensar em uma concepção dualista da realidade,
pois afirma que o mundo surgiu de um ápeiron (o indeterminado) determinado pelo limite –
princípio este que instaura o múltiplo, mas mantém a unidade e a ordem universal. O limite
operaria como um deus, ou seria o próprio Deus (cf. berNhArDt, O pensamento pre‑socratico: de
tales aos sofistas, em Châtelet, História da filosofia: ideias, doutrinas, v. 1, p. 34).
Apaixonados pela matemática, os pitagóricos aliaram aos números concepções não
apenas filosóficas, mas também místicas, desenvolvendo uma visão espiritual da existência. Por
isso, propuseram e praticaram um estilo de vida baseado na crença de que a alma é prisioneira do
corpo e que dele se libera com a morte. Poderia, então, reencarnar-se em uma forma de existência
mais elevada, dependendo do grau de crescimento e de virtude que a pessoa tivesse alcançado.
assim, para os pitagóricos, o principal propósito da existência humana seria o de purificar a alma
e elevar suas virtudes. As doutrinas pitagóricas tiveram grande influência sobre Platão e o
platonismo. Recordemos, por último, que se atribui a Pitágoras o uso da palavra filosofia pela
primeira vez (como vimos no capítulo 1).

Heráclito: fogo e devir


Heráclito nasceu no seio da nobreza governante de Éfeso. Também conhecido como“o Obscuro”,
desenvolveu um pensamento assistemático e polêmico. escreveusob a forma de aforismos, isto é, frases
curtas e marcantes, muitas vezesde sentido simbólico. (coleção particular.)

Em Éfeso, outra cidade jônica, desenvolveu-se um pensamento distinto e original. Isso se


deveu a Heráclito (c. 535-475 a.c.), estudioso da natureza e preocupado com a arché. Assim
como os pensadores de Mileto, Heráclito observava que a realidade é dinâmica e que a vida está
em constante transformação. Mas, diferentemente dos milésios – que buscavam na mudança
aquilo que permanece –, decidiu concentrar sua reflexão sobre o que muda. assim, o filósofo
dizia que tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo. O ser não é mais que o vir a ser. “tu
7

não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti” (citado em
SouzA, Pre‑socraticos, p. XXXI).
Heráclito também observou, como seus predecessores, a atuação dos opostos na natureza
(frio e calor, seco e úmido etc.), mas radicalizou essa observação, conferindo papel essencial ao
conflito em sua cosmologia. Desenvolveu, assim, uma visão da realidade profundamente
agonística(do grego agonistikós, “relativo a luta”), pois para ele o fluxo constante da vida seria
impulsionado justamente pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal,
o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a
alegria e a tristeza etc. Daí sua famosa afirmação de que “a luta (guerra)é a mãe, rainha e princípio
de todas as coisas”. É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui. Por essa
razão, Heráclito imaginou que, se devia haver um elemento primordial da natureza, este teria que
ser o fogo, governando o constante movimento dos seres com chamas vivas e eternas. Em suas
palavras:
Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre,
é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida (Citado
em souza, Pré-socráticos, p. XXVIII).

A medida desse acender e apagar do fogo seria determinada pelo logos – o pensamento,
a razão –, que para Heráclito era a razão criadora e unificadora das tensões opostas, a razão-
discurso do filósofo: “É sábio escutar não a mim, mas a meu discurso” (citado em SouzA, Pré
‑socraticos, p. XXX). Dessa forma ele resgatava a unidade, mas uma unidade descortinada pela
mente atenta, desperta, em vigília. Pela importância que deu ao movimento, a escola heraclitiana
de pensamento é chamada de mobilista. apesar de não ter sido muito bem-visto entre seus
contemporâneos e estudiosos posteriores, Heráclito é considerado um dos mais destacados
filósofos pré-socráticos e o primeiro grande representante do pensamento dialético.
Teria inspirado filósofos como Hegel, Nietzsche e Heidegger, entre outros.

Pensadores de eleia
As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova
questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Foi assim que surgiu na cidade de eleia outra forma de reflexão sobre a realidade, a qual
se oporia tanto à preponderância fisicista dos pensadores de Mileto como ao mobilismo de
Heráclito. Trata-se da chamada escola eleática, da qual Parmênides foi o principal expoente.

Parmênides: o ser

--------------------x--------------------------x------------------------x-----------------------
Metafísicas gregas clássicas
No século iV a.C., período clássico da filosofia grega, Platão procurou explicar a
realidade concebendo a existência de dois mundos separados:
• o mundo sensível (correspondente à matéria), que é temporário e ilusório;
• e o mundo inteligível (correspondente às ideias), que é eterno e verdadeiro.
8

No entanto, segundo o filósofo, uma terceira instância – que não pertencia ao mundo
sensível nem ao inteligível – teria operado na formação do universo: trata-se do demiurgo, uma
espécie de “grande construtor”, que buscou as ideias eternas, situadas no mundo inteligível, para
dar forma à matéria, que estava ainda indeterminada (voltaremos a esse tema com mais detalhes
no capítulo 12).

Aristóteles, por sua vez, afirmava que em todas as coisas haveria dois princípios
inseparáveis:
• a matéria (princípio indeterminado, mas determinável pela forma);
• e a forma (princípio determinado e determinante da matéria).

Com relação à origem do universo, o filósofo entendia que o mundo é eterno, mas que
um primeiro motor o colocou em movimento, por sua força de atração (voltaremos a esse tema
de maneira mais aprofundada no capítulo 12).

Cosmologia aristotélica
Aristóteles também sintetizou e sistematizou a cosmologia grega de sua época, junto com
suas próprias contribuições, na obra Sobre o céu – a qual se tornaria um dos tratados de maior
influência na história da cosmologia, tendo sido adotado no mundo ocidental por mais de 18
séculos.
Trazia a visão de um universo extremamente organizado e racional. A Terra ocupava um
lugar privilegiado – o centro (geocentrismo) –, mas que era ao mesmo tempo o de menor
perfeição (ideia vinculada à concepção platônica do mundo corruptível da matéria).
De acordo com esse modelo, o universo seria finito espacialmente e composto de
diversas esferas concêntricas. A menor seria a da Terra; a maior, a das estrelas fixas. A esfera
correspondente à lua dividiria o espaço em duas regiões, com qualidades totalmente distintas:
• mundo sublunar – região terrestre, mutável e imperfeita, composta dos elementos terra, água,
ar e fogo;
• mundo supralunar – região celeste, imutável e perfeita, composta do elemento éter, onde
habitariam os deuses.

Organizado hierarquicamente, o cosmos aristotélico apresentava a noção de espaço


qualitativo: cada corpo (ou ser) teria uma qualidade e um lugar que lhe seriam próprios, e a esse
lugar ele tenderia por natureza. Assim, de acordo com Aristóteles, quando atiramos uma pedra
para cima e ela volta ao chão, isso ocorre porque esse é seu lugar natural. Pela mesma razão, a
água tende a descer, enquanto o ar e o fogo tendem a subir.
Durante a idade Média, a concepção aristotélica do universo foi assimilada pelos
pensadores cristãos e adotada oficialmente pela igreja católica.
É que essa concepção garantia um posto privilegiado para o ser humano (no centro da
criação), além de permitir que Deus pudesse ser identificado com o primeiro motor e tivesse seu
lugar natural no céu (fora do mundo), de onde podia comandar sua obra. Não havia, portanto,
conflito com as escrituras sagradas, que ganhavam em racionalidade com o modelo aristotélico.

Representação simplicada do sistema geocêntrico concebido pelo astrônomo e matemático grego Claudio Ptolomeu
(c. séculos i-ii d.C.), baseado em boa parte no modelo de universo descrito por Aristóteles. A Terra estaria imóvel ao centro,
enquanto os outros astros girariam ao seu redor. o geocentrismo predominou na astronomia da grécia antiga e da europa
medieval, embora já existissem vozes discordantes que defendiam a tese heliocêntrica desde a Antiguidade.
Mercúrio
Marte
Vênus
Sol
Saturno
9

Júpiter
Lua

Você também pode gostar