Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Robson Andrade Cardoso

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

Autorizada pelo Decreto Federal no 77.496 de 27/04/76


Recredenciamento pelo Decreto n°17.228 de 25/11/2016
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

XXVII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UEFS


SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA - 2023

GLÓRIA E EXALTAÇÃO, DEGREDO E IRONIA: ESTUDO COMPARATIVO


ENTRE O MAR DE VITÓRIAS, DE LUÍS DE CAMÕES E O MAR DA
DERROTA, DE LOBO ANTUNES

Robson Andrade Cardoso1; Tércia Costa Valverde2


1. Bolsista PIBIC/CNPq, Graduando em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa, Universidade Estadual de Feira
de Santana, e-mail: andraderobson042@gmail.com
2. Orientadora, Departamento de Letras e Artes, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail:
tecaverde05@outlook.com

PALAVRAS-CHAVE: Lobo Antunes; Luís de Camões; Imaginário português.

INTRODUÇÃO
Portugal ganhou grande destaque, no período das Grandes Navegações, por ser o pioneiro
entre os países europeus a se lançarem no mar, rumo as conquistas político-econômicas e
a expansão do império, se consagrando como uma superpotência. Junto a esse momento
de ascensão, a literatura foi um importante instrumento de autoafirmação desse passado
ultramarino glorioso na mentalidade portuguesa, através d’Os Lusíadas (1572), o grande
poema épico de Luís Vaz de Camões (1524-1580), que narra as inúmeras viagens
ultramarinas dos lusitanos, neste período. Para construir esse imaginário ideal de nação,
Camões coloca a sua disposição, tanto os elementos históricos das Grandes Navegações,
como os elementos poéticos ficcionais.
Por outro lado, quase quatrocentos anos depois, o escritor António Lobo Antunes lança
seu olhar pós-moderno, através de seu romance paródico As Naus (1988), sobre esse
imaginário ultramarino de Portugal, desconstruindo-o. Essa revisitação crítica ao passado
é feita por meio da ironia e do grotesco, satirizando e ironizando os antigos heróis
portugueses que, em sua obra, ganham uma nova roupagem de anti-heróis, sendo
marginalizados e carnavalizados. O que, por sua vez, representa a nova pátria portuguesa,
decadente e sem o império de outrora.
Portanto, o presente trabalho discorre sobre como a literatura foi importante para a
construção do imaginário ultramarino de Portugal, no século XVI e, posteriormente, foi
o instrumento de desconstrução desse ideal de nação, a partir do século XX, até a
contemporaneidade. Atentando-se também, para os elementos poéticos usados por ambos
os autores na composição de suas respectivas obras. Para tanto, utilizamos como
referencial teórico, as ideias de: Linda Hutcheon (2000; 1991), Wolfgang Kaiser (1986),
Tércia Valverde (2017), e Eduardo Lourenço (1992).

MATERIAL E MÉTODOS OU METODOLOGIA (ou equivalente)


Para desenvolver esse estudo comparado, de cunho bibliográfico, nos atemos para a
leitura e análise das obras literárias, a fim de compreender como Luís de Camões usa os
elementos históricos e poéticos mitológicos e cristãos para confeccionar seu poema épico;
e, por outro lado, como Lobo Antunes se apropria da ironia e do grotesco para compor
sua paródia analítica sobre o passado remoto português. Além disso, o mesmo processo
metodológico foi feito com os textos teóricos, com a finalidade de embasar o estudo
comparativo e analisar criticamente como cada um dos autores constroem sua narrativa,
seja em prosa ou poema épico, por meio dos elementos poéticos literários.

RESULTADOS E/OU DISCUSSÃO (ou Análise e discussão dos resultados)


A construção do imaginário ultramarino de Portugal, baseada no período das Grandes
Navegações, foi firmada por Luís de Camões, em seu poema épico Os Lusíadas, obra de
grande relevância para a nação. Ao confeccionar o real fictício em sua epopeia, o poeta
trabalha com a junção do plano factual e do ficcional. Dentro do primeiro plano se
enquadram os elementos históricos, que são construídos dentro do real grandioso, os
feitos considerados extraordinários da nação. Esse real abrange desde o mundo material,
no qual estão as batalhas, empreitadas, os acontecimentos que são observáveis, ao mundo
moral, que, por sua vez, diz respeito as características psicológicas dos personagens que
praticam a ação, a exemplo de: D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira, Egas
Moniz, Martim de Freitas, Inês de Castro e outros. Por outro lado, o plano ficcional é
construído no irreal mítico, onde se apresenta nas figuras de: Baco, Vênus, Jupiter, Marte,
Tétis, o Velho do Rastelo, o gigante Adamastor e outros.
Nesse sentido, n’Os Lusíadas podemos encontrar segundo Saraiva (1950), uma comédia
dos deuses, as viagens de Vasco da Gama e a História dos reis de Portugal. Logo, a
importante obra é construída a partir dessa fusão de matérias tanto reais quanto ficcionais,
que se destacam e se diferenciam não apenas por sua natureza, mas também pelas
possibilidades de isolá-las (de serem vistos em perspectivas autônomas) em histórias
outras, pois não perdem sua capacidade de produção de sentidos.
Não obstante, as presenças do Deus e da fé cristã também estão dentre os elementos
ficcionais utilizados, haja vista ser a propagação da fé cristã um dos principais motivos
da frota portuguesa se aventurar pelos mares. Com sua presença marcada desde a saída
dos navegantes de sua pátria, o Deus cristão protege a frota dos navegadores e os ajuda a
vencer as intempéries ao longo da jornada. Assim, esse Deus não age sozinho para
proteger a frota, por vezes, este se irmana aos deuses da mitologia para salvar e entrar
com o escape para seu povo. Contudo, Camões não somente usa o Deus cristão e os
deuses da mitologia para louvar e ajudar a nação, mas na representação crítica que cada
um desses elementos faz ao ser português, o Deus cristão como demonstração da força,
supremacia e crença de nação divinizada, do império português, e os deuses mitológicos
e figuras míticas representando a parte mais subjetiva do caráter humano, marcado pela
ganância e incerteza.
Desse modo, ao usar tais elementos e escrever sua epopeia, Camões construiu toda uma
misticidade nos portugueses através da figura do mar, elemento da natureza que os
consagrou como uma superpotência na expansão marítima e hoje, internalizado dentro do
peito português, é uma das principais marcas do sentimento saudosista da nação, do sonho
utópico de presentificar o passado remoto. Assim, segundo Chevalier e Gheerbrant
(2022), o mar é o símbolo do nascimento, transformação e renascimentos, é a
representação tanto da vida, quanto da morte. Logo, percebe-se que Portugal se apegou
somente ao seu nascimento glorioso como grande nação, mas evita, a todo custo, se
permitir passar pelo mar da transformação e do renascimento, enquanto uma nova nação
que olha para seu passado com olhos diferentes.
Se de um lado o mar de Os Lusíadas é o fator preponderante das glórias portuguesas e do
apego ao passado remoto, o mar de As Naus surge fazendo um retorno crítico ao passado,
desconstruindo o imaginário ultramarino sob a ótica do sujeito pós-moderno. O romance
As Naus, de António Lobo Antunes, é uma metaficção historiográfica que, segundo Linda
Hutcheon (1991, p. 21), se refere àqueles “romances famosos e populares que, ao mesmo
tempo, são intensamente auto-reflexivos e mesmo assim, de maneira paradoxal, também
se apropriam de acontecimentos e personagens históricos”. Ou seja, o romance antuniano
parodia o poema épico camoniano, fazendo um retorno critico ao passado português,
subvertendo o olhar de nação divina, predestinada apenas às glórias. Ademais, a
desconstrução feita por Lobo Antunes se dá distante do conceito de destruição, visto que
o movimento de retorno crítico ao passado é no sentido de analisá-lo, reavaliá-lo e não
destruí-lo. Para Hutcheon (1991, 65), “a paródia não é a destruição do passado; na
verdade, parodiar é sacralizar o passado e questioná-lo ao mesmo tempo. E, mais uma
vez, esse é o paradoxo pós-moderno”.
Para confeccionar sua obra, o autor contemporâneo Lobo Antunes mergulha na ironia e
no grotesco para aplicar sua visão crítica sobre o passado português. A ironia, para Linda
Hutcheon (2000) é um modo estranho do discurso, que se estabelece na relação entre o
enunciado, o texto; o destinatário, quem decide se o enunciado é irônico ou não, e os
sentidos que podem ser produzidos a partir da leitura que faz; e o ironista, que, por sua
vez, busca vincular a ironia entre o dito e o não dito. Em As naus, a ironia se presentifica
na carnavalização e na desconstrução de algumas figuras históricas e literárias
importantes, como: Pedro Álvares Cabral, Dom Quixote, Vasco da Gama, o próprio Luís
de Camões e, outros personagens que são descaracterizados enquanto heróis e ganham
uma roupagem de anti-heróis, representando não a gloriosa pátria passada, mas a nova e
decadente.
O grotesco, por sua vez, está relacionado ao ato de reverter a ordem natural das coisas,
que não só se distanciam do real, mas buscam “despedaçar a realidade, inventar o mais
inverossímil, reunir à força coisas distintas, alhear ao existente” (Kayser, 1986, p. 135),
e também pode ser apresentado na reificação do ser humano, humanização dos animais e
outros seres inanimados. No referido romance, as cenas grotescas acompanham todos os
personagens, em um processo de carnavalização e desconstrução da imagem heroica das
figuras históricas de outrora. Dentre as inúmeras cenas grotescas, uma das mais
importantes se estabelece na relação entre Luís de Camões — principal figura
carnavalizada — e seu pai morto na África, que representa a pátria portuguesa. Na cena,
o corpo do pai-pátria começa a mudar de forma, passa do estado sólido para o líquido, o
que pode ser a representação crítica da nação se transformando no estado da matéria que
tão bem a representa — o mar —, só que um líquido substancialmente diferente. Assim,
como apresentado anteriormente, o mar é, ao mesmo tempo, “a imagem da vida e a
imagem da morte” (Chevalier e Gheerbrant, 2022, p. 663). Então, o que antes era o estado
liquido da água do mar, representação da vida, é agora o liquido fúnebre da morte, do fim
do império pretérito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS (ou Conclusão)
A partir das proposições apresentadas, torna-se importante destacar a importância da
literatura na reflexão sociocultural de Portugal, que, enquanto uma nação extremamente
saudosista, se apegou às glórias do seu passado, na tentativa de usar essa realidade
memorialística para fugir dos seus reais problemas. Nesse sentido, ratificamos como a
literatura camoniana surgiu como um elemento de construção e afirmação do ideal de
nação divinizada, predestinada as glórias. No entanto, também é observável que, n’Os
Lusíadas, Camões não só ajuda a construir, mas critica também os interesses e a soberba
da nação por meio dos elementos poéticos ficcionais. Ademais, a literatura pós-moderna
antuniana, ao lançar o olhar crítico sobre o passado remoto da nação portuguesa,
contribui para pensarmos em como a literatura também pode ser usada no sentido
contrário a construção, desconstruindo todo um imaginário e sonho português de retornar
ao passado. O que corrobora para Portugal acordar dessa utopia e fazer esse movimento
presente-passado, mas reanalisando-se criticamente para não cometer os erros de outrora,
visando um futuro outro e melhor.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, António Lobo. As naus. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

CAMÕES, L. de. Os Lusíadas. Organização Emanuel Paulo Ramos. Porto: Porto


Editora, 1997.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: Mitos, sonhos,


costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 37ª Ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2022.

KAYSER, Wolfgang. O grotesco: Configuração na pintura e na literatura. São Paulo:


Editora Perspectiva, 1986.

LOURENÇO, Eduardo. O labirinto da saudade. 5.ed. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

SARAIVA, António José. História da Literatura Portuguesa. Lisboa: Publicações


Europa – América. 1950.

HUTCHEON, Linda. Teoria e política da ironia. Tradução Julio Jehe. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2000.

HUTCHEON, Linda. A poética do pós modernismo: História, teoria, ficção. Tradução


Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

VALVERDE, Tércia Costa. A desconstrução da História de Portugal em As naus, de


Lobo Antunes. Feira de Santana: UEFS Editora, 2017.

Você também pode gostar