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ENCONTRO 04 - Caso Clinico 03 - Envio

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RECORTE DE CASO – SUPERVISÃO

Dados iniciais: Paciente J., mulher, 34 anos, chega ao consultório pois gostaria de
dar continuidade ao tratamento que vinha sendo desenvolvido por meio da clínica
escola por aproximadamente 1 ano. Estava sem atendimento desde julho, pois julgara
estar “melhor”, avaliando que não precisaria mais ir aos atendimentos. Atualmente
segue orientações psiquiátricas, tomando medicamento para depressão, segundo
relatos da paciente.
Início do tratamento: 13/11.

Sessão dia 24/11

Paciente está na recepção, como de costume, sentada no mesmo lugar e de


cabeça baixa mexendo ao celular.
T. Olá J. vamos lá?
P. Oi, vamos.
Ao chegar a sala a paciente relata enquanto deita no divã.
P: Nossa... Hoje estou me sentindo meio tonta. Acho que deve ser o remédio
para depressão que minha psiquiatra passou. E também não comi nada desde o
almoço. Deve ser isso também.
T: Pode ser que sim, ficar tanto tempo assim sem comer pode provocar esse
sintoma. Você costuma sentir essas tonturas com frequência?
P: É difícil... Hoje que estou mais assim...
T: Compreendo.
P: Sabe, estou chateada... Briguei com meu marido e estou sem falar com ele.
Ele queria que eu fosse na feijoada da família dele. Ele tem uma família muito grande,
com muitos irmãos. E eu não estava a fim de ir. Ele me falou faz tempo dessa feijoada
e eu não conseguia falar que não queria ir. Então quando ele estava para sair eu
fechei a cara e ele já disse: “você não vai né?”. Eu usei meus filhos para falar,
perguntei se eles queriam ir e nenhum dos dois queria. Aí disse que não iria e ele
achou ruim comigo e então está sem falar.
T: E você percebe um motivo para não querer ir à essa feijoada?
P: Ah, eu não gosto desses lugares porque eu não sei o que fazer. Não sei se
cumprimento, se converso ou o que conversar. Eu não gosto de falar, de conversar.
Não gosto desses ambientes com muita gente. E como meu marido é o filho caçula
tem um monte de irmã que são mais velhas. Aí eu não teria conversa com elas. Me dá
um desespero só de imaginar estar nesse lugar. Ia me sentir muito só.
T: Entendo... E é assim que você se sente?
P: Sozinha? Sim, sou muito sozinha. Não tenho amigos, não tenho com quem
conversar. Nem com minha mãe eu posso conversa porque ela já tem os problemas
dela com depressão. Toma rivotril e tudo mais. Eu queria mesmo que meu marido me
amasse.
T: E o que seria amar para você?
P: Ah... para mim é cuidar... escrever bilhetinhos... demonstrar carinho... ele
quase não me beija... nem diz que me ama. Na verdade eu acho que ele nem me
ama. Parece que ele não se importa comigo, vive nas irmãs dele, almoça lá. Chega
tarde em casa, me dá um beijo no rosto e só. Nem conversar eu consigo, e na verdade
nem gosto... Queria poder contar com minha mãe, mas é tão difícil...
T: Me fale um pouco da sua mãe... da sua família...
P: Minha mãe me ajuda muito com meus meninos. Tenho dois filhos e é ela
quem dá almoço que arruma eles. Ela (mãe de J.) foi criada pela avó dela, porque a
mãe dela era meio maluca. Ela fez vários abortos, e quando surtava corria atrás das
duas, dela (mãe de J.) e da sua mãe (bisavó de J.) querendo mata-las, e ela fugiam
para a plantação, porque era uma fazenda. Minha mãe sofre de depressão tem muito
tempo. Meu pai era um alcóolatra e eu nem conheci ele direito. Minha mãe é
extremamente rígida, fala tudo o que eu tenho que fazer, fica me criticando o tempo
todo, desde quando eu era criança.
T: E como você se sente?
P: Ela é minha mãe e ela me ajuda muito com meus meninos, então não posso
brigar com ela, de certa forma ela faz a gente de refém. Vivia falando que eu era muito
magra, que eu tinha que engordar se não ninguém ia me querer. Dizia que eu fazia as
coisas todas erradas, mas falava uma coisa, que eu era muito inteligente. Então eu
tenho certeza disso, que sou muito inteligente. Na escola só tirava “notão”, e acho que
por isso que estou no trabalho até hoje, sou a funcionária mais antiga de lá.
T: E você ama sua mãe?
P: Amo sim. Ela é minha mãe. Devo muito as coisas que ela fez por mim.
Apesar dela ainda me criticar, ficar falando que eu faço as coisas tudo errado... Ela me
julga muito sabe (choro)... Fica falando o que tenho de dar de comida para meus
filhos.. Tem que ser tudo do jeito dela...
T: E o que você sente com tudo isso?
P: Tenho só vontade de ficar deitada. Para mim a vida ideal seria dormir,
acordar, comer alguma coisa e voltar a dormir. Por mim eu só faria isso. Nem meus
filhos eu ia querer ver, é minha mãe quem cuida deles mesmo.
T: Então esse é o seu desejo?
P: Sim! Eu não iria sentir o medo de dirigir que eu sinto, é tão difícil ir trabalhar,
fico pensando que vai acontecer um acidente a qualquer momento. Morro de medo de
dirigir, mas preciso né? Esses dias, para você ter ideia. Eu fiquei dando a volta no
quarteirão aqui para estacionar porque eu não consigo fazer baliza. Tenho a
impressão de que tem alguém me olhando e então não vou conseguir. Mas como não
teve jeito, eu tive que fazer a baliza... Vi se não tinha ninguém olhando, e consegui!
T: Apesar do seu medo de dirigir e da dificuldade em fazer a baliza você está
aqui. Enfrentando seus medos para poder estar aqui na sessão. Vejo que você tem
um desejo em mudar, ser diferente. E vir aqui, apesar das dificuldades mostra seu
esforço em buscar outras saídas para seu sofrimento.
P: É disso que eu preciso, sabe? Alguém que me motive, para eu acreditar
que posso mudar, afinal são 34 anos agindo do mesmo jeito!
T: Você pode e você quer! Meu papel é te auxiliar nessa caminhada de
mudança, e não só te motivar, mas também poder te ajudar em seu caminho.
Exatamente como aprender a caminhar, você lembra como foi quando seus filhos
começaram a andar?
P: Nossa.. eles caiam direto. Andavam “tudo torto”, sem ritmo e sem jeito...
T: E você estava ao lado deles?
P: Sim sim... sempre...
T: Muito bem J. nosso horário encerrou por hoje, nos encontramos na próxima
sessão.
P: Ok André, obrigado, boa noite.
T: Boa noite J.

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