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Entre o Feminismo e o Mitológico A Representação Feminina em Contos de Márcia Denser

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ENTRE O FEMINISMO E O Resumo: A coletânea de contos Diana Caçadora (1986), de

Márcia Denser, coloca em cena uma personagem envolta


MITOLÓGICO: A REPRESENTAÇÃO em erotismo, desejo de entender a si mesma e imersa
no universo urbano contemporâneo. Diana é uma figura
FEMININA EM CONTOS DE MÁRCIA feminina que se interessa em experimentar uma nova
liberdade que começa a ser possível à mulher, enquanto
DENSER lida com as angústias de viver em uma sociedade na qual
permanece ainda resquícios do patriarcalismo. À luz de
obras teóricas a respeito da representação arquetípica
mitológica e da construção de identidades no contexto da
BETWEEN FEMINISM AND pós-modernidade, este artigo tem por objetivo analisar
THE MITOLOGY: THE FAMALE como ocorre a subversão dos valores, a construção de
identidade e a relação da protagonista com o mito greco-
REPRESENTATION IN TALES BY MÁRCIA romano Diana/Ártemis, deusa da caça e da virgindade.
Palavras-chave: Diana Caçadora; Arquétipo greco-
DENSER romano; Construção de Identidades; Critica feminista.

Abstract: Márcia Denser’s collection of short stories Diana


Mirian Cardoso da Silva 1 Caçadora (1986) presents a character surrounded by
Wilma dos Santos Coqueiro 2 eroticism, a desire to understand herself and immerse
herself in the contemporary urban universe. Diana is a
Diego Luiz Miiller Fascina 3 female figure who is interested in experiencing a new
freedom that is becoming possible to the woman, while
dealing with the anguish of living in a society in which still
remains of patriarchy. In the light of theoretical works
about archetypal mythological representation and the
construction of identities in the context of postmodernity,
this article aims to analyze how the subversion of values
occurs, the construction of identity and the relation of the
protagonist to the Greco-Roman myth Diana / Artemis,
goddess of hunting and virginity.
Keywords: Diana Caçadora; Greco-Roman archetype;
Construction of Identities; Feminist criticism.

Possui graduação em Letras - UNESPAR/Fecilcam. Fez 1


especialização em Estudos Literários na UNESPAR/Campus de Campo
Mourão; É mestre pela Universidade Estadual de Maringá - (UEM);
Doutoranda em Letras, área de concentração Estudos Literários - UEM.
Atualmente participa do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Diversidade e Cultura - GEPEDIC (UNESPAR); Grupo de Estudos em
Literatura Brasileira Contemporânea (UNB) e Literatura de Autoria
Feminina Brasileira - LAFEB (UEM). E-mail: mikardosoo@gmail.com

Doutora em Letras, área de concentração Estudos Literários 2


(UEM). Docente do colegiado de Letras UNESPAR/Campus de Campo
Mourão. E-mail: wilmacoqueiro@gmail.com

Faz Pós-Doutorado em Ciências da Linguagem pela Unisul 3


(Universidade do Sul de Santa Catarina). Atualmente é professor do
Unicesumar - Centro Universitário de Maringá.
E-mail: diegomullerfascina@hotmail.com
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Diana Marini: Uma mulher tipo Ártemis


A deusa romana Diana é conhecida como Ártemis na mitologia grega, filha de Zeus e Leto
(Júpiter e Latona na mitologia romana), umas das três sacerdotisas principais do Olimpo, irmã
gêmea de Apolo. É a deusa da caça e da lua, senhora da floresta e dos caçadores, portadora da
luz. Ela decide afastar o amor e manter-se virgem e casta, obrigando as ninfas que a seguiam a
adotar a mesma decisão. Sua aventura mais famosa narra a história do caçador Acteão, que a viu
nua no banho e foi transformado em um cervo. Jean Shinoda Bolen, em sua obra As Deusas e a
Mulher (1990), elenca características das personalidades das deusas da mitologia greco-romana
em arquétipos femininos da nossa sociedade. Uma destas é Ártemis, descrita pela autora como
arqueira de infalível pontaria, deusa da sabedoria e das habilidades manuais, também é patrona
de Atenas.
Segundo Hacquard (1996, p. 47), Diana manifesta duas personalidades que a qualificam:
sua simpatia, sendo que “dirigia o coro das Musas, proferia oráculos, dava bons conselhos, curava
as doenças ou as feridas, protegia as águas termais e as viagens, em terra e no mar, e ainda velava
pelos animais domésticos e pelos campos”. Ao mesmo tempo, por ser deusa da caça, era às vezes
aterrorizante e cruel. A deusa também recebeu o codinome de Apolussa, a Destruidora, pois, como
afirma Brandão (1986), se divertia causando epidemias ou provocando morte violenta caso fosse
insultada pelos mortais, desferindo sua cólera sobre os caçadores, deuses e/ou seus filhos, como
Oríon, filho do deus Poseidon, que tentou violentar Ártemis e acabou morto instantaneamente por
uma picada de escorpião no calcanhar, enviado pela deusa.
Na mitologia, Zeus concedeu à filha alguns presentes, e Ártemis pediu um arco e flechas,
uma túnica suficientemente curta para ter liberdade ao correr, uma quadrilha de cães de caça e
ninfas para acompanha-la: “seu pai lhe concedeu tudo isso, e mais o privilégio de fazer suas próprias
escolhas.” (BOLEN, 1990, p. 49). Tendo essa liberdade é que Ártemis escolhe manter-se virgem;
portanto, o “lado virgem dessa deusa não significa que ela seja reguladora da castidade – como a
palavra da nossa sociedade implica. Ártemis era uma deusa que não tinha dono.” (BRANDÃO, 1999,
p. 107).
Ártemis, como afirma Bolen (1990, p. 49), é a “personificação do espírito feminino
independente”. O arquétipo representado por ela permite à mulher a liberdade de buscar seus
objetivos sem preocupar-se com o outro. Por ter a característica da autoconfiança e do espírito
independente, a deusa representa os ideais do movimento feminista, visto que é marca de Ártemis
o “empreendimento e competência, independência dos homens e das opiniões masculinas, e
preocupações pelos atormentados, pelas mulheres fracas e pelas jovens.” (BOLEN, 1990, p. 50).
Com efeito, o desejo feminista é parecido com o da deusa, “motivado por um desejo de
evitar o mal às mulheres e crianças e de punir aqueles que praticam tais danos”. (BOLEN, 1990, p.
51). O que nos remete a Terceira onda feminista, em que há maior preocupação com o que é bom
ou não à mulher e marcada por diversos questionamentos relacionados ao próprio movimento.
Este olhar crítico das feministas possibilitou a redefinição de estratégias que apresentaram falhas
nos momentos anteriores e o desenvolvimento de novas ideias.
A mulher tipo Ártemis, portanto, valoriza sua independência e liberdade, e o casamento não
é seu objetivo imediato, porquanto se preocupa mais consigo mesma, com seu trabalho e desejos.
Além disso, “viver mais sossegadamente não proporciona nenhuma grande atração para a Ártemis
que vai dum lado para outro”. (BOLEN, 1990, p. 58). A autora também salienta que, se quiser, esta
mulher provavelmente tenha se aventurado com um número incerto de homens, sem a intenção
de se prender a um, ou “pode até mesmo ter preferido viver com um homem do que ter se casado
com ele. Pode ainda permanecer solteira. [...] Uma mulher tipo Ártemis, quando adulta, adquiriu
experiência sexual como parte de sua tendência de explorar e tentar novas aventuras.” (p. 58).
Paris (1994) afirma que a luta feminista da década de 70 foi capaz de reacender o mito da
mulher Amazona, causando um tumulto necessário na sociedade. Mulheres Amazonas, libertas,
que exigiam seu direito de existir, de ir e vir, sem se sujeitar ao homem, iam às ruas reivindicar
sua liberdade. Em meio a isso, “O mundo da ficção também retoma esse mito popular, propondo
Mulheres-Maravilha1 de todos os tipos, cujas façanhas agradam as jovens e despertam atração
1 Paris utiliza-se do termo “Mulheres-maravilha” para a representação em nível ficcional de mulheres fortes,
isto é, no sentido de estarem conscientes de sua situação na sociedade e lutarem em prol de desmistificar esse contexto.
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nos meninos.” (PARIS, 1994, p.120). De acordo com a autora, esse amazonismo, que compreende
autonomia e liberdade de escolha e ação, é importante para a formação identitária das jovens
meninas, para a geração que procede ir se desfazendo das raízes opressoras e se constituindo
mulheres conscientes de si enquanto sujeito, e desmistificando os preconceitos que há na
consciência masculina. Ártemis e sua força física, seu arco e flecha, sua relação com os animais, são
associados às características dessa mulher Amazona.
Dessa maneira, o presente artigo tem como objetivo analisar a relação de Diana Marini, de
Marcia Denser2, com Diana deusa mitológica, nos contos “Welcome to Diana”, retirado da coletânea
de 1986, Diana Caçadora, e “O quinto elemento”, da coletânea Tarja Preta (2005), organizada por
Luiz Ruffato. Porquanto a autora, ao atribuir o nome e as características da deusa greco-romana à
sua protagonista, traz uma carga significativa para a construção dessa mulher que confronta a noção
patriarcalista de ser. Construindo uma narrativa que busca afastar-se dos discursos falocêntricos e
reconstruir as identidades, permitindo transgressões sexuais que desmitificam todo um conceito
de feminino. Além de mostrar que a mulher possui interesses sexuais que precisavam ser abafados
nos âmbitos sociais devido aos códigos patriarcais, e mais, que essas questões transbordam pelas
beiras da construção da(s) sua(s) identidade(s), imersa(s) nessa conflituosa relação entre o desejo
de se emancipar e a carga opressiva dos padrões sociais vigentes.

Uma frágil fachada de papelão


Em 1986, Denser publicou a coletânea de contos Diana Caçadora, em que aborda o erotismo
feminino sem recair na pornografia. Embora os termos sejam complexos, e o ato sexual seja explícito
na pornografia, também o pode ser no erotismo; contudo, geralmente apresenta-se através de
um elaborado trabalho artístico. Nos contos da coletânea, há estrangeirismos, neologismo e
diálogos entre o popular e o erudito, sendo citados autores como Hemingway, Cortázar, Noel Rosa,
Gil, Caetano, Roberto Carlos, entre outros. Os contos de Denser, portanto, são manifestações da
experiência pessoal de uma personagem e, devido a essas e outras características, há alguns pontos
que aproximam a personagem Diana da própria autora, que, segundo Lejeune (1971), remete a
uma quase autobiografia.
Nos contos são narradas, em primeira pessoa, às aventuras de Diana Marini, uma mulher
branca, bem sucedida financeira e intelectualmente, que é escritora, jornalista e trabalha, também,
como redatora em uma agência de publicidade. Relatam, assim, ações dessa mulher que busca
liberdade e se encontra imersa em si e em seus desejos, abordando a transgressão aos valores
patriarcais que perduraram durante séculos, e que ainda ecoam na sociedade atual.
Diana Marini caracteriza-se como uma caçadora em dois níveis: ela caça homens que a
satisfaçam, mas suas presas não permanecem no nível sexual apenas, pois aventura-se cada vez
mais como caçadora na tentativa de desmistificar a condição feminina na sociedade; e, por fim,
caça a si mesma, busca construir-se, entender-se enquanto indivíduo. Dito isso, e ainda que a obra
de Denser tenha sido escrita na década de oitenta, o tema se faz atual para a realidade da mulher
do século XXI, como será visto no decorrer da análise.
Embora o sexo esteja presente, apresentando o erotismo, os contos de Denser não
são pornográficos ou obscenos, pois se utiliza daquele como ato de transgredir. Em sua obra O
Erotismo (1987), Georges Bataille elabora uma discussão em três perspectivas sobre essa questão:
o erotismo dos corpos, o erotismo do coração e o erotismo do sagrado, e em todos os três “o desejo
do erotismo é o desejo que triunfa do interdito”. (BATAILLE, 1987, p. 165). Ou seja, o proibido, o
que é cerceado pelos tabus e regras sociais, como o sexo e o erotismo, que ainda continuam temas
associados a proibições e transgressões das regras que regem o bom funcionamento do convívio
social, são objetos de desejo do ser humano.

O termo apresenta “tanto o mito de Ártemis quanto das Amazonas”, ambos “convergem para os mesmos temas:
autonomia a qualquer preço, sacrifício, intransigência e rejeição do vínculo sexual” (p. 121). Desta forma, trata-se de
mulheres independentes do homem, em busca de si própria, de uma liberdade real.
2 Márcia Denser, escritora brasileira nascida em São Paulo em 1954, é contista, romancista e jornalista. Publicou seu
primeiro livro, Tango Fantasma (1977), aos 23 anos de idade; alguns anos mais tarde, O Animal dos Motéis (1981),
Exercícios para o pecado (1984), Toda Prosa (2002), Caim (2006) e DesEstórias – Artigos e Crônicas (2016), além de
ter contos traduzidos para o alemão, holandês e inglês.
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Embora, na atual sociedade, o erotismo ainda esteja cercado de moralidades sociais e


religiosas, com as multirrelações que marcam a contemporaneidade, a fragmentariedade e a fluidez
dos relacionamentos, entre tantas outras características, o tema tem adquirido maior espaço de
experimentação e discussão, uma vez que persiste como fonte de busca de prazer e (in)satisfação
de desejos humanos, como será observado nos contos de Márcia Denser.
No primeiro conto, “Welcome to Diana”, a personagem se apresenta e tece sua trajetória
enquanto caçadora, explicando o título da coletânea. Imersa na solidão e na sexualidade, que se
instauram como fonte das transgressões e aventuras, configurando-se como uma escrita que busca
romper com o tradicional papel da mulher na sociedade. O conto mostra uma personagem que
coloca o prazer sexual como forma de aplacar uma solidão que cresce em seu interior, abordando
a relação da personagem com dois homens: Silas e Fernando, embora a própria narradora não
aprofunde a descrição dos personagens masculinos em nenhum dos contos, visto que o objetivo é
colocar em cena a mulher Diana em meio a sua busca por satisfação, liberdade e sua(s) identidade(s).
“Welcome to Diana” introduz o nome da deusa e estabelece imediato diálogo com suas
características, e na ânsia por configurar-se como dona do seu discurso a narradora estabelece em
sua escrita um campo de caça: “confirmo minha crença de ficar sozinha. As chances são mínimas,
suponho. [...] ou escreve ou lava fraldas.” (DENSER, 1986, p. 25). A presença do desejo libertário da
deusa Ártemis pode ser observada nessa vontade de independência através da escrita. Também a
sede pelo sexo e suas caçadas noturnas por homens em geral, dialogam com o espírito libertário da
deusa grega-romana, e embora está tenha se mantido virgem e casta, fora sua escolha assim como
é escolha da protagonista se perder em meio aos desejos sexuais insatisfeitos.
Os objetos de sua caça passam a ser escolhas de parceiros geralmente bens instruídos
intelectualmente, como Silas que era “soterrado debaixo de tantos diplomas, certidões, teses,
doutoramentos”. (p.16). Durante a inversão dos papéis, de caça a caçadora, nota-se que a própria
personagem se autodeclara uma predadora, à espreita por alguém que sacie seus desejos,
preencha seu vazio existencial, e, mais uma vez, pode-se referenciar à própria deusa Ártemis e sua
sede pela caça. A força do seu desejo propulsiona suas investidas, pois a protagonista sobrevive
durante o dia, em sua rotina do trabalho, para viver, entregar-se, à noite de São Paulo, quando,
então, ela se comporta como uma fera, assim como a deusa Ártemis diante de sua presa. Percebe-
se que, por vezes, ela assume uma zoomorfização, em uma tentativa antiética, de se assemelhar
negativamente a animais; e o aspecto que mais contribui para isso é a forma que ela descreve seu
próprio comportamento diante de sua caça:
Já se encarregara de acionar a criatura estapafúrdia na qual
invariavelmente me transformo, um cruzamento da cadelinha
mimada a abanar histericamente o rabinho, com a predadora,
a loba magra e esfaimada que, embora o estômago ronque e
gema e se contorça, mantém o porte ameaçador, a dignidade
de saber-se loba (o que é uma merda) (DENSER, 1986, p. 40-1).

Diante disto, a personagem transpõe a própria sexualidade, pois embora estabeleça seu
espaço como caçadora, ela estende a si mesma como presa de sua caça, na mais difícil jornada que
é a busca por se configurar no mundo, de se entender como sujeito contraditório e de identidades
múltiplas. A liberdade oportunizada pelo arquétipo da deusa Ártemis é diálogo dessa progressiva
vontade de se (auto)reconhecer. De tal forma estes pontos de referência com a deusa repercutem
em seu processo de construção, que a personagem termina sempre em conflito com suas próprias
convicções: “Sem grande convicção, muitas camadas de rímel, blush, pancake, batom e cinquenta
minutos depois, está feito. A Diana de sempre. Só que mais parecia em cartaz de cinema que uma
mulher ao vivo.” (DENSER, 1986. p. 50). Evidencia-se, aqui, que a mulher Diana independente se
rende aos padrões de beleza, estabelecendo um conflito com sua(s) identidade(s), a que gostaria
e a que usa de fato: “De mim, apenas uma frágil fachada de papelão, enquanto lá dentro, na
penumbra, a louca visionária espreitava. Vou me foder, pensei, mas já estava impotente. Outras
mãos embaralhavam as cartas e me selaram a sorte.” (p. 50-1).
O problema dessa contradição identitária relaciona a trajetória da personagem às
características de deusa Ártemis, a deusa da liberdade. O contexto pós-moderno, que não
proporciona estabilidade para que o sujeito centralize sua(s) identidade(s), acaba por possibilitar
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que Diana assuma para si as características que lhe são convenientes, conforme problematiza suas
angústias. Imersa nessa crise, ocasionada pela descentração das relações sociais e de valores, há
um conflito que propicia na personagem o surgimento de identidades, consideradas por Hall (2011)
como fragmentadas, contraditórias, às vezes, e em outras não resolvidas, mas não a existência de
uma identidade fixa:
eu fico filosofando, me sentindo como uma espécie de lata
de lixo da humanidade, de onde eu poderia sacar certas
coisinhas que algumas dezenas de seres humanos odiariam
se lembrar, mas isso não me consola por que e eu? Sim a tua
auto-estima? E vossa alma eterna? Que fizestes dela, mulher?
Hein, prostituta? Apodrecerá e arderá com todo o resto,
provavelmente (DENSER, 1986, p. 34).

Ocorre uma urgência de se encontrar, de se entender diante de sua multiplicidade, que se


soma ao vazio existencial e a transborda, conferindo-lhe o desejo da profunda experimentação.
Essa urgência revela que, além do sexual, a angústia de existir a instiga a, cada noite que vaga pelas
ruas da cidade em busca de prazer, reflexões relacionadas às suas próprias ações: “Inquisitores que
julgam a mim, minhas misérias, minhas loucuras, esse crime inafiançável pago noite após noite,
entorpecida e inconsciente, em apenas uma noite todo o mês de trabalho de qualquer um deles”
(DENSER, 1986, p.50).
O drama da protagonista que comete “esse crime inafiançável” revela que a própria Diana
sente-se culpada, e aqui a culpa pode ser dupla: a de estar transgredindo os valores, deitando-se
com vários homens, portanto assumindo uma postura promíscua, termo que a sociedade ainda
atribui às mulheres que tem uma vida sexual mais ativa, e/ou a culpa por viver uma constante busca
de estabelecer sua identidade fragmentada: “porque infinitas noites nós debicamosas3 migalhas
que a louca nos atira para aplacar a sua consciência, se tivesse alguma” (p. 54, grifo nosso). Verifica-
se uma tentativa, por parte da personagem, de aplacar a culpa que se estabelece depois de suas
transgressões. E ao afirmar não ter consciência (aplacar a sua consciência, se tivesse alguma)
reforça que a personagem está conscientemente plena de dúvidas diante de uma identidade
multifacetada, dividida entre o arquétipo de Ártemis e a angústia da opressão que os valores sociais
impõem à mulher.
Essa complexidade pós-moderna reflete-se nas relações amorosas da personagem, as quais
são afetadas e perdem o ideal social de estabilidade: “Silas não fora o primeiro e nem seria o último.
Afinal outros tinham passado em circunstâncias semelhantes”. (DENSER, 1986, p.33). E mesmo
deparando-se com homens que aparentam ser adequados para se estabelecer laços duradouros,
isto é, possuem as características que ela estabeleceu como referência de parceiro, como ser um
intelectual, o espaço criado por Diana não permite que tais sentimentos floresçam, isto porque o
prazer imediato lhe interessa mais que relacionamentos prologados:
Sei que um homem como Fernando não aparece muitas vezes
na vida. São trinta e quatro anos de experiência no ramo.
Estatisticamente falando, desde meu pai, quantos? Porra, no
58º parei de contar, deixando de lado, os tipos hello good by,
os submersos – no álcool, no esquecimento – etc. E não estou
me referindo a amores platônicos, meus caros, gosto daquilo
que posso pegar e pego o que posso (DENSER, 1986, p. 41).

O arquétipo da deusa caçadora corrobora para essa distância emocional que caracteriza a
mulher tipo Ártemis: “está tão concentrada em seus próprios objetivos e tão atenta que falha em
notar os sentimentos dos que estão ao seu redor.” (BOLEN, 1990, p. 65). A ausência de sentimento,
de presença substancial de carinho mútuo, de laços coerentes de afeto, ou seja, a dificuldade de
estabelecer uma relação, ratifica a solidão crescente no interior da protagonista, e isto está presente,
também, nos outros contos da coletânea, como em “O Animal dos Motéis”: “Sinto-os pulsar aqui
dentro, cegos, surdos, solitariamente, me tocando até a loucura. Certo, o prazer também é meu,

3 Neologismo criado pela autora.


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mas duplamente solitário, uma tarefa que cumprimos tão distraidamente, tão alheiamente como
um violino que se tocasse a si próprio.” (DENSER, 1986, p. 71).
De acordo com Bauman (2004), a fluidez das relações humanas, a rapidez com que se torna
fácil iniciar e terminar, a atual fonte de relacionamento em rede, sendo que este se diferencia
totalmente dos padrões estabelecidos no patriarcalismo que se constituía da típica “família
perfeita”, consistente em pai e mãe heterossexuais e seus filhos, desestruturam a noção de mundo
organizado e idealizado pelo sistema imposto socialmente. A presença dessa mulher, que se
percebe deslocada, mostra que tais ideais começam a definhar, a perder seu sentido, uma vez que
na contemporaneidade conceitos tradicionais coesos, como família e identidade, começam a ser
separados dos laços densos do patriarcalismo, abrindo-se as possibilidades de uma ordem que não
precisa ser seguida.
Além disso, observa-se o trecho em que a personagem afirma: “Estatisticamente falando,
desde meu pai, quantos? Porra, no 58º parei de contar” (DENSER, 1986, p. 41), interessa a aparente
sugestão da transgressão da personagem de um interdito que é o incesto. Do ponto de vista
psicanalítico e social, pais e filhos, irmãos e irmãs não podem se unir, visto que a relação entre
tais graus de parentesco é socialmente podada por regras, pois, conforme afirma Freud (2006), a
sociedade é circunscrita pelo horror ao incesto, sendo proibido e represado, visto que, assim como
o sexo, é um tabu social.
O psicanalista também afirma que os primeiros desejos sexuais da criança têm caráter
incestuoso, chamados de complexo de Édipo, caracterizado pelo desejo do menino em possuir a
mãe, que é reprimido na criança conforme ela cresce e que passa a ser parte do seu inconsciente.
Tendo o mesmo princípio, o complexo de Electra, termo cunhado por Carl Jung (1913), chamado
por Freud de Complexo de Édipo Feminino, é definido como o desejo da menina de possuir o pai, o
que aparenta ser a transgressão de Diana.
Tais pontos reafirmam o arquétipo da deusa Ártemis em Diana personagem, visto que o
desejo de se aventurar e explorar são características do mesmo. Tal desejo evoca na mulher Ártemis
a experimentação, como dito anteriormente, levando-a a não se interessar em apegar-se a um, mas
experimentar uma grande quantidade de homens. Desta forma, o conto de Márcia Denser constrói
uma personagem feminina irreverente, que subverte o papel de caçador: quem antes era caça virou
caçadora, e se perde nos labirintos da sexualidade exacerbada e da solidão existencial.

Nova Caçadora: Diana Escritora, história privada de uma mulher


pública
Em 2005, dezenove anos após a coletânea Diana Caçadora, Denser publica “O quinto
elemento”, na coletânea de contos Tarja Preta, organizada por Luiz Ruffato. Em três capítulos
curtos, o conto apresenta, de forma um pouco menos fragmentada e mais objetiva, a trajetória de
Diana. Uma nova narradora assume o controle da narrativa, se apresenta como autora de Diana
Marini e enuncia que são parecidas: a Diana com a nova narradora. Se até então havia contornos
da protagonista, como ser escritora, jornalista e redatora em uma agência de publicidade, com o da
própria escritora Denser, no último conto há diversos fatos referentes à biografia da própria autora,
e o mais explícito é o seguinte trecho: “não por acaso, quatro anos depois, meu primeiro livro se
chamaria Tango Fantasma” (DENSER, 2005, p. 120), sendo este a primeira coletânea publicada por
Márcia Denser em 1977.
Tendo em vista que o conceito de autobiografia é um tema muito delicado, carregando
incertezas e ambiguidade, muitas vezes, pode-se confundir uma narrativa homodiegética, como é
o caso da obra de Denser, com o próprio autor. Entretanto, Lejeune (1971) afirma a autobiografia
como um gênero literário, cujo pacto autobiográfico seria a manifestação do engajamento pessoal
do autor, por meio de uma construção textual ou paratextual, permite ao leitor admitir o texto
como expressão de quem escreve e surge como um traço definidor desse gênero. Não afirmamos
como autobiografia os contos de Denser, mas, como se verá nesta análise, existem alguns traços
diretos e explícitos, alguns pactos autobiográficos, que estão presentes no conto.
O conto inicia-se com a explicação para o título: “na minha fenomenologia as anfetaminas
são o quinto elemento.” (DENSER, 2005, p.115), sendo que este passa a agregar outros sentidos
conforme, no decorrer do conto, é traçada a identificação da narradora com a Diana, explorando
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sua crise existencial e a negação da(s) identidade(s) representada(s) nos contos anteriores. A partir
desta negação, o conto descreve como essas identidades passaram a dialogar com a identidade que
ela gostaria de ter, abordando, portanto, sua construção identitária.
A característica de caçadora de homens apresenta-se como um diálogo entre esta nova
protagonista e Diana: “Aos vinte anos eu pensava que meu objetivo existencial seria ter poder sobre
os homens” (DENSER, 2005, p. 118). O desejo sexual configura-se parte da narradora, mas, diferente
de Diana, na coletânea de 1986, que agia por impulso e aproveitando as oportunidades, há uma
tentativa de justificar seu comportamento e suas escolhas: “ainda não sabia, não havia encontrado
(tampouco que estivesse procurando) um projeto de vida [...]. Tolamente me concentrava APENAS
nos homens (ou seria ao contrário?)” (DENSER, 2005, p. 118, grifo da autora). Consiste, portanto,
uma consciência sobre suas escolhas e o que elas significavam no construto identitário de sua
personalidade.
Mesmo que o objetivo inicial tenha sido a caça aos homens, havia a dúvida sobre estar se
objetificando. Além disso, o estilo da construção narrativa é o de quem narra uma história cujo fim
já conhece, portanto há um tom analítico/reflexivo sobre si própria. Percebe-se que a trajetória de
sua construção identitária constitui, primeiramente, uma descoberta de si enquanto sujeito capaz
de se modificar, ciente de sua proximidade com as características da deusa Ártemis: capaz de agir
e ser diferente dos padrões, deparando-se com identidades representadas em Diana caçadora
de homens, e, em segundo, sua capacidade de escrita que se configuraria como um espaço para
subversão e contestação que desejava: “meu lance era a literatura, era ser escritora, e isso fazia
sentido, tudo ficava muito claro, claríssimo” (p. 121, grifos da autora). Se intensifica, não obstante, a
relação entre Diana e a deusa Ártemis, ao apontar a liberdade, a capacidade de escolha e controle
de suas ações, na simbologia da escrita da narradora.
O grande engodo é apresentado no segundo capítulo, no qual afirma que Diana Marine
era ela, a própria narradora, ao mesmo tempo, revelando que existia um desejo de afastar a Diana
que vivia nela, pois esta era “uma biografia” que “virou personagem de ficção e a face dominante
da minha persona – agora pública, [...] ou seja, Diana Marini, um não-eu, um eu-também [...] uma
hetaira de ar desprezadora, literalmente la belle sans merci” (DENSER, 2005, p. 122, grifos da
autora).
Situadas as identidades de Diana Caçadora, como a mulher tipo deusa Ártemis, verifica-
se que a personagem dos contos anteriores começa a fazer parte das identidades dessa nova
narradora: “persona cuja lógica passou a dominar a realidade, minha realidade, e isto é um tanto
desastroso para dizer o mínimo, pelo que Diana tem em comum com Ártemis, Astarte, Afrodite,
Ishtar, aquelas deusas biscates, cruzes, quase todas comiam criancinhas.” (DENSER, 2005, p. 122).
As características da deusa Ártemis são reiteradas de forma consciente pela narradora ao
revelar-se Diana personagem. Simultaneamente, cria um espaço de negação dessa(s) identidade(s),
justificando esse conflito quando afirma que, além das aventuras que não terminavam muito bem,
era seu outro lado, o lado com sua identidade mais coesa, que suportava o resultado de tudo que
Diana fazia: “Marini sempre agia contra si própria, mas sobrava para mim”. (DENSER, 2005, p. 129).
Em outro ponto da narrativa, há confirmação de que suas aventuras sexuais eram objetos
de uma tentativa de evitar, de fato, um envolvimento afetivo mais profundo: “reiteradamente me
envolvia com sujeitos que não eram o meu tipo, e envolver-se com pessoas que não são nosso tipo
é funesto, porque se imagina justamente o contrário, que assim se estará a salvo das mãos do amor.
Ledo engano.” (DENSER, 1986, p. 122). A protagonista-narradora mostra seu lado Diana durante a
narração de uma de suas aventuras em que há uma mistura de narradores, na intenção de propiciar
uma distância entre si e as identidades em negação, contando em terceira pessoa e, ao mesmo
tempo, misturando com a primeira:
Porque Diana fazia de conta que desprezava Xavier, que
reiteradamente fazia de conta que era rejeitado, e ambos
alimentavam compulsivamente este mito circular e estúpido,
este jogo sem vencedores, um cirquinho que eu desarmava
facilmente, pois bastava aceitar, dizer sim, que me casaria com
ele, que ele sumia (DENSER, 2005, p. 128).
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Essa relação afetiva, apresentada através da tentativa de distanciamento, mostra que as


identidades não conseguiam ser separadas conforme era o intuito da protagonista, pois o conflito a
leva a outra busca que implicava afastar Diana na pretensão de construir uma identidade diferente
da que lidava. E “encontrar uma identidade pode ser um meio de resolver um conflito e/ou satisfazer
um desejo.” (WOODWARD, 2007, p.55-6), sendo este o grande objetivo da protagonista.
A liberdade usufruída pelo seu lado Ártemis ia ao encontro com sua racionalidade que
afirmava uma identidade mais centrada, um pouco mais fixa, isto porque “a fixação é uma tendência
e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade.” (SILVA, 2000, p. 84). O que leva a personagem relatar
como ocorreu a tentativa de se libertar de Diana, no terceiro capítulo. O sucesso financeiro, suas
complexas buscas identitárias e a negação das identidades fizeram-na desejar uma desconstrução
que culminou em um abandono econômico e existencial, experimentando o desemprego e o
fracasso: “a desconstrução chegou ao auge com o saldo negativo no banco, nenhuma perspectiva
de trabalho, nenhum biscate [...] Foi aí, Diana me abandonou aí, a cadela, a covarde.” (DENSER,
2005, p. 137). Esta crise faz parte do sujeito que se encontra imerso no contexto contemporâneo,
que se permite portar várias identidades, as quais podem ser conflitantes em diversos momentos.
Essa nova situação possibilita um processo de aprendizagem em que a narradora faz uma
reflexão em relação as suas ações e desejos. O fato de mudar de ângulo, antes se via de cima em
uma posição alta e arrogante, agora enxerga a si própria debaixo, por um novo olhar, o olhar de
alguém que vivenciou uma experiência diferente, mas necessária para compreender a si própria:
“acontece que a vida não é lógica. Nem justa, nem perfeita, nem ideal. E isto é algo que só se
entende sentindo na pele, desconstruindo Diana Marini”. (DENSER, 2005, p. 135).
A compreensão da construção identitária enquanto parte dela, um processo que a abrange
por inteiro, impossível de ser estabelecido de forma única, possibilitam a admissão de que as
identidades presentes em Diana, sua vontade de viver conforme seus desejos, é uma parte da
narradora: “a vida não é perfeita porque precisa incluir a imperfeição, não é lógica porque precisa
integrar o irracional, mas a vida tem que ser completa, inteira, vivida na íntegra” corroborando,
assim, com seu eu mistificado pela deusa Ártemis: “Ela deve incluir a totalidade da experiência, do
terror ao êxtase, nada lhe deve ser negado, nem o bem, nem o mal”. (DENSER, 2005, p. 138).
A experiência, as dualidades, os embates, a aceitação de Diana como parte de sua(s)
identidade(s), que agora não se resumia mais ao objetivo de satisfazê-la, mas com a qual podia
se reconhecer, fecha o conto de Márcia Denser, exprimindo, na trajetória dessa mulher libertária,
o projeto que é a questão da identidade: “Diana Marini voltou a ser personagem de ficção, isto
é, voltou para dentro com o rabo entre as pernas e reina soberana em meu panteão divino, ela é
Senhora da Minha Alma, a Minha Senhora Alma (Mas-Fique-Onde-Está-Biscate!).” (DENSER, 2005,
p. 139).
A percepção de sua multiplicidade dialoga com o título do conto, “Quinto Elemento”, o
elemento chave, parte de sua heterogeneidade, as identidades possíveis que (re)significavam a
si mesma: “é parte daquele quinto elemento, deslocado finalmente para o Grande Centro que
palpitava entre a luz e a sombra”, ou seja, as identidades finalmente aceitas, que “Afinal, [eu] o
merecera, sobrevivera às consequências de sua busca. O meio do caminho entre nós e os deuses,
ou o caminho do meio, o tao, quien sabe?” (p. 139, grifos da autora).
Há, portanto, um redimensionamento da trajetória da protagonista que, de certa forma,
condiz com o novo contexto cultural pós-moderno. Diana encontra outro caminho e resolução:
quem protagoniza o “Quinto Elemento” não é apenas uma nova narradora, mas ainda Diana Marini,
a deusa possuidora da liberdade, da caça e da luz, com a diferença de estar consciente de sua
fragmentada identidade e finalmente atestar um sentido existencial à sua trajetória, ao abandonar
sua vida de caçadora de homens para uma nova descoberta: a literatura.

Considerações finais
No decorrer desta análise foi observado através dos contos de Márcia Denser, a
representação do arquétipo da deusa Ártemis dialogando com a construção de uma nova mulher
sujeito, mostrando as transgressões aos valores do sistema patriarcal falocêntrico e a busca por
exercer sua própria liberdade.
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A coletânea Diana Caçadora, cujo contexto de produção traz os conturbados anos 80,
retrata essa necessidade de autodescoberta, visto que os contos reportam a situações vividas por
uma personagem que se entrega ao sexo descartável e descompromissado, enquanto tem que
lidar com essa liberdade diante dos estigmas sociais. Dialoga, portanto, com a afirmação de Maas:
“Que a mulher não permaneça dominada pelo arquétipo de uma única deusa, nem seja obrigada
a vivenciar todas, mas descubra seu próprio mito, construa sua própria história e privilegie sua
escolha interior” (apud BOLEN, 1990, p. 8). Isto remete, inevitavelmente, às possibilidades de
escolha diante dessa liberdade feminina de deusa Ártemis e aos conflitos identitários que surgem
nessa mulher que anseia um enfrentamento consigo mesma.
Os temas emblemáticos do mundo contemporâneo, como a fluidez das relações afetivas, a
formação de identidades hibridas e/ou fragmentadas e a busca e a necessidade da satisfação sexual
caracterizam uma personagem feminina que rompe com os padrões patriarcalistas.
Com efeito, os contos da caçadora Diana, mistificada pela deusa Ártemis, mostram-na a
deriva de seus conflitos internos e em sua busca obstinada por um entendimento do mundo que se
abre à sua liberdade, resultando em uma necessidade de autoconhecimento e satisfação. A urgência
e, ao mesmo tempo, o vazio existencial, evidenciam que a liberdade sexual e a independência
financeira nem sempre traz a independência emocional às mulheres pós-modernas, mesmo que
bem-sucedidas profissionalmente. Deste modo, Diana Marini e deusa Ártemis demonstram a ânsia
do espírito independente feminino, representando a possibilidade de a mulher buscar seus próprios
objetivos assumindo as consequências de sua própria escolha.

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Recebido em 22 de outubro de 2018.


Aceito em 25 de março de 2019.

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