RAGO, M. Epistemologia Feminista, Gênero e História
RAGO, M. Epistemologia Feminista, Gênero e História
RAGO, M. Epistemologia Feminista, Gênero e História
EPISTEMOLOGIA FEMINISTA, GNERO E HISTRIA* Margareth Rago Depto de Histria - UNICAMP. Introduzindo o debate Nos anos oitenta, Michelle Perrot se perguntava se era possvel uma histria das mulheres, num trabalho que se tornou bastante conhecido, no qual expunha os inmeros problemas decorrentes do privilegiamento de um outro sujeito universal: a mulher1 Argumentava que muito se perdia nessa historiografia que, afinal, no dava conta de pensar dinamicamente as relaes sexuais e sociais, j que as mulheres no vivem isoladas em ilhas, mas interagem continuamente com os homens, quer os consideremos na figura de maridos, pais ou irmos, quer enquanto profissionais com os quais convivemos no cotidiano, como os colegas de trabalho, os mdicos, dentistas, padeiros ou carteiros. Conclua pela necessidade de uma forma de produo acadmica que problematizasse as relaes entre os sexos, mais do que produzisse anlises a partir do privilegamento do sujeito. Ao mesmo tempo, levantava polmicas questes: existiria uma maneira feminina de fazer/escrever a histria, radicalmente diferente da masculina? E, ainda, existiria uma memria especificamente feminina? Em relao primeira questo, Perrot respondia simultaneamente sim e no. Sim, porque entendia que h um modo de interrogao prprio do olhar feminino, um ponto de vista especfico das mulheres ao abordar o passado, uma proposta de releitura da Histria no feminino. No, em se considerando que o mtodo, a forma de trabalhar e procurar as fontes no se diferenciavam do que ela prpria havia feito antes enquanto pesquisadora do movimento operrio francs. Entendia, assim, que o fato de ser uma historiadora do sexo feminino no alterava em nada a maneira como estudara e recortara o objeto. Na verdade, *Este artigo foi publicado em Pedro, Joana; Grossi, Miriam (orgs.)- MASCULINO, FEMININO, PLURAL. Florianpolis: Ed.Mulheres,1998
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Michelle Perrot - UNE HISTOIRE DES FEMMES EST-ELLE POSSIBLE? Paris: Rivage, 1984.
sua argumentao deslocava a discusso, deixando de considerar o modo de produzir e narrar a Histria para focalizar o objeto de estudo, sem pensar, por exemplo, por que ela no poderia ter trabalhado femininamente um objeto ou um tema masculino?2 Ao mesmo tempo, Perrot destacava as diferenas de registro da memria feminina, mais atenta aos detalhes do que a masculina, mais voltada para as pequenas manifestaes do dia-a-dia, geralmente pouco notadas pelos homens.3 Mais recentemente, outro prestigiado historiador francs advertiu contra os perigos de se investir a diferena entre os sexos de uma fora explicativa universal; de se observar os usos sexualmente diferenciados dos modelos culturais comuns aos dois sexos; de se definir a natureza da diferena que marca a prtica feminina; e da incorporao feminina da dominao masculina.4 Muito preocupado em reconhecer a importncia da diferenciao sexual das experincias sociais, Chartier revelava certo constrangimento em relao incorporao da categoria do gnero, numa atitude bastante comum entre muitos historiadores, principalmente do sexo masculino. Procuro, neste texto, levantar alguns pontos de reflexo sobre a epistemologia feminista e sua ressonncia na historiografia. E da maior importncia discutir questes to candentes e atuais, especialmente num encontro acadmico que procura perceber as possibilidades abertas para a produo do conhecimento pelas discusses que giram em torno da incorporao da categoria do gnero e que apontam para a sexualizao da experincia humana no discurso. Epistemologia feminista: ensaiando alternativas Ao menos no Brasil, visvel que no h nem clarezas, nem certezas em relao a uma teoria feminista do conhecimento. No apenas a questo pouco debatida mesmo nas rodas feministas, como, em geral, o prprio debate nos vem pronto, traduzido pelas
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Lembre-se que M.Perrot escrevera um importante estudo no campo da Histria Social: LES OUVRIERS EN GRVE.FRANCE 1871-1890. MOUTON, 1974. 3 M. Perrot - Prticas da Memria Feminina, Revista Brasileira de Histria, S.Paulo: Anpuh/Marco Zero,vol.9, no.18,1989. 4 Roger Chartier - Diferenas entre os sexos e dominao simblica, Cadernos PAGU,no.4, Unicamp,1995.
publicaes de autoras do Hemisfrio Norte. H quem diga, alis, que a questo interessa pouco ao feminismo dos trpicos, onde a urgncia dos problemas e a necessidade de rpida interferncia no social no deixariam tempo para maiores reflexes filosficas.5 Contrariando posies e tentando aproximar-me da questo, gostaria de esboar algumas idias. Afinal, se considerarmos que a epistemologia define um campo e uma forma de produo do conhecimento, o campo conceitual a partir do qual operamos ao produzir o conhecimento cientfico, a maneira pela qual estabelecemos a relao sujeitoobjeto do conhecimento e a prpria representao de conhecimento como verdade com que operamos, deveramos prestar ateno ao movimento de constituio de uma ( ou seriam vrias?) epistemologia feminista, ou de um projeto feminista de cincia. 6 O feminismo no apenas tem produzido uma crtica contundente ao modo dominante de produo do conhecimento cientfico, como tambm articulao nesta esfera. Alm disso, prope um modo alternativo de operao e se consideramos que as mulheres trazem uma
experincia histrica e cultural diferenciada da masculina, ao menos at o presente, uma experincia que vrias j classificaram como das margens, da construo mida, da gesto do detalhe, que se expressa na busca de uma nova linguagem, ou na produo de um contradiscurso, inegvel que uma profunda mutao vem-se processando tambm na produo do conhecimento cientfico. Certamente, a questo muito mais complexa do que estou formulando aqui, j que, de um lado, h outras correntes vanguardistas do pensamento contemporneo, atuando no sentido das profundas desestabilizae e rupturas tericas e prticas em curso. Alm do mais, seria ingnuo considerar que a teoria feminista rompe absolutamente com os modelos de conhecimento dominantes nas Cincias Humanas, sem reconhecer que se h rupturas, h tambm muitas permanncias em relao tradio cientfica. No entanto, quero chamar a ateno especificamente para o aporte feminista s transformaes em curso no campo da produo do conhecimento.
Uma instigante discusso sobre o tema, encontra-se em Roberto Cintra Martins Filosofia da Cincia e feminismo: uma ligao natural, in Lucila Scavone (org.)TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS.Gnero e Cincia. S.Paulo: UNESP, 1996. 6 A esse respeito, veja-se Linda Alcoff e Elizabeth Potter(orgs.) - FEMINIST EPISTEMOLOGIES.New York and London: Routledge, 1993.
Na considerao da existncia de uma/vrias epistemologia/s feminista/s, valeria ento destacarmos, de incio, dois pontos: o primeiro aponta para a participao do feminismo na ampla crtica cultural, terica, epistemolgica em curso, ao lado da Psicanlise, da Hermenutica, da Teoria Crtica Marxista, do Desconstrutivismo e do Psmodernismo. Esta crtica revela o carter particular de categorias dominantes, que se apresentam como universais; prope a crtica da racionalidade burguesa, ocidental, marxista incluso, que no se pensa em sua dimenso sexualizada, enquanto criao masculina, logo excludente. Portanto, denuncia uma racionalidade que opera num campo ensimesmado, isto , a partir da lgica da identidade e que no d conta de pensar a diferena. Eneste ponto que o feminismo se encontra especialmente com o pensamento ps-moderno, com a crtica do sujeito, com as formulaes de Derrida e Foucault, entre outras.7 O segundo, embutido no primeiro, traz as propostas desta nova forma de conceber a produo do conhecimento, do projeto feminista de cincia alternativa, que se quer potencialmente emancipador. 1 - a crtica feminista No demais reafirmar que os principais pontos da crtica feminista cincia incidem na denncia de seu carter particularista, ideolgico, racista e sexista: o saber ocidental opera no interior da lgica da identidade, valendo-se de categorias reflexivas, incapazes de pensar a diferena. Em outras palavras, atacam as feministas, os conceitos com que trabalham as Cincias Humanas so identitrios e, portanto, excludentes. Pensase a partir de um conceito universal de homem, que remete ao branco-heterossexualcivilizado-do-Primeiro-Mundo, deixando-se de lado todos aqueles que escapam deste modelo de referncia. Da mesma forma, as prticas masculinas so mais valorizadas e hierarquizadas em relao s femininas, o mundo privado sendo considerado de menor importncia frente esfera pblica, no imaginrio ocidental.
Vide a respeito Mary McCanney Gergen (ed.) - O PENSAMENTO FEMINISTA E A ESTRUTURA DO CONHECIMENTO. Rio de Janeiro:Rosa dos Tempos/EdUNB,1993; Cludia Costa Lima - O leito de Procusto: gnero, linguagem e as teorias feministas, Cadernos PAGU,no.2, Unicamp, 1993.
Portanto, as noes de objetividade e de neutralidade que garantiam a veracidade do conhecimento caem por terra, no mesmo movimento em que se denuncia o quanto os padres de normatividade cientfica so impregnados por valores masculinos, raramente filginos. Mais do que nunca, a crtica feminista evidencia as relaes de poder constitutivas da produo dos saberes, como aponta, de outro lado, Michel Foucault. Este questionara radicalmente as representaes que orientavam a produo do conhecimento cientfico, tida como o ato de revelao da essncia inerente coisa, a partir do desvendamento do que se considerava a aparncia enganosa e ideolgica do fenmeno. Especialmente nas Cincias Humanas, chegar verdade do acontecimento, compreend-lo objetivamente significava retirar a mscara que o envolvia na superfcie e chegar s suas profundezas. Foucault criticava, assim, a concepo dominante na cultura ocidental de que o conhecimento, a produo da verdade se daria pela coincidncia entre o conceito e a coisa, no movimento de superao da distncia entre a palavra e a coisa, entre a aparncia e a essncia. A convergncia entre a crtica feminista e as formulaes dos filsofos da diferena, como Foucault, Deleuze, Lyotard, Derrida, entre outros, j foi observada por vrias intelectuais.8 A filosofia ps-moderna prope, a partir de um solo epistemolgico que se constitui fora do marxismo, novas relaes e novos modos de operar no processo da produo do conhecimento: a descrio das disperses (Foucault) e no a sntese das mltiplas determinaes(Marx); revelar o processo artificial de construo das unidades conceituais, temticas supostamente naturais: a desconstruo das snteses, das unidades e das identidades ditas naturais, ao contrrio da busca de totalizao das multiplicidades. E, fundamentalmente, postula a noo de que o discurso no reflexo de uma suposta base material das relaes socias de produo, mas produtor e instituinte de reais. A produo do conhecimento se daria, assim, por outras vias. Como disse Foucault: Mas no se trata aqui de neutralizar o discurso, transform-lo em signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o que permanece silenciosamente aqum Veja-se, por ex., Jane Flax - Ps-Modernismo e Relaes de Gnero na Teoria Feminista, in Helosa Buarque de Hollanda - PS-MODERNISMO E POLTICA. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
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dele, e sim, pelo contrrio, mant-lo em sua consistncia, faz-lo surgir na complexidade que lhe prpria. Em uma palavra, quer-se, na verdade, renunciar s coisas, despresentific-las;(...) substituir o tesouro enigmtico das coisas anteriores ao discurso pela formao regular dos objetos que s nele se delineiam; definir esses objetos sem referncia ao fundo das coisas, mas relacionando-os ao conjunto de regras que permitem form-los como objetos de um discurso e que constituem, assim, suas condies de aparecimento histrico;9 Do mesmo modo, as tericas feminstas propuseram no apenas que o sujeito deixasse de ser tomado como ponto de partida, mas que fosse considerado dinamicamente como efeito das determinaes culturais, inserido em um campo de complexas relaes sociais, sexuais e tnicas. Portanto, em se considerando os estudos da mulher, esta no deveria ser pensada como uma essncia biolgica pr-determinada, anterior Histria, mas como uma identidade construda social e culturalmente no jogo das relaes sociais e sexuais, pelas prticas disciplinadoras e pelos discursos/saberes instituintes. Como se v, a categoria do gnero encontrou aqui um terreno absolutamente favorvel para ser abrigada, j que desnaturaliza as identidades sexuais e postula a dimenso relacional do movimento constitutivo das diferenas sexuais. Vale ainda notar a aproximao entre as formulaes da teoria feminista e a valorizao da cultura pelo ps-modernismo, ao contrrio da sociedade para o marxismo. Nesse contexto, a Histria Cultural ganha terreno entre os historiadores, enfatisando a importncia da linguagem, das representaes sociais culturalmente constitudas, esclarecendo que no h anterioridade das relaes econmicas e sociais em relao s culturais. O discurso, visto como prtica, passa a ser percebido como a principal matriaprima do historiador, entendendo-se que se ele no cria o mundo, apropria-se deste e lhe proporciona mltiplos significados.10 Enesta perspectiva que Joan Scott, conhecida anteriormente por seus trabalhos na rea da Histria Social, ao procurar explicar alternativamente o problema da Michel Foucault - ARQUEOLOGIA DO SABER. Rio de Janeiro:Forense Universitria, 1986,p.54 10 Keith Jenkins - RE-THINKING HISTORY.London: Routledge,1991.
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trabalhadora, a diviso sexual do trabalho, a oposio entre o lar e o trabalho, inverte radicalmente o caminho tradicional da interpretao histrica, enfatisando a importncia do discurso na constituio de uma questo socio-econmica. A diviso sexual do trabalho , ento, percebida como efeito do discurso. Segundo ela, Ao invs de procurar causas tcnicas e estruturais especficas, devemos estudar o discurso a partir do qual as divises do trabalho foram estabelecidas segundo o sexo. O que deve produzir uma anlise crtica mais aprofundada das interpretaes histricas correntes. 11 Explica que a diferena sexual inscrita nas prticas e nos fatos sempre construda pelos discursos que a fundam e a legitimam, e no como um reflexo das relaes econmicas. Considera insustentvel a difundida tese de que a industrializao provocou uma separao entre o trabalho e o lar, obrigando as mulheres a escolher entre o trabalho domstico e o assalariado. Para ela, o discurso masculino, que estabeleceu a inferioridade fsica e mental das mulheres, que definiu a partilha aos homens, a madeira e os metais e s mulheres, a famlia e o tecido provocou uma diviso sexual da mo-de-obra no mercado de trabalho, reunindo as mulheres em certos empregos, substituindo-as sempre por baixo de uma hierarquia profissional, e estabelecendo seus salrios em nveis insuficientes para sua subsistncia. (idem) 2 - o projeto de cincia feminista ou um modo feminista de pensar? E dificil falar de uma epistemologia feminista, sem tocar na discusso sobre os perigos da reafirmao do sujeito mulher e de todas as cargas constitutivas dessa identidade no imaginrio social. Afinal, como j se observou exaustivamente, a questo das relaes sexuais e da mulher especificamente nasce a partir das lutas pela emancipao deste sujeito antes definido como sexo frgil. Ena luta pela visibilidade da questo feminina, pela conquista e ampliao dos seus direitos especficos, pelo fortalecimento da Joan W. Scott - La Travailleuse, in G. Duby e M.Perrot (orgs.)- HISTOIRE DES FEMMES,vol.4. Paris:Plon, 1991, p.428.
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identidade da mulher, que nasce um contradiscurso feminista e que se constitui um campo feminista do conhecimento. Ea partir de uma luta poltica que nasce uma linguagem feminista. E, no entanto, o campo terico que se constitui transforma-se a tal ponto que, assim como a Histria Cultural, deixa de lado a preocupao com a centralidade do sujeito. Como se de repente os efeitos se desviassem dos objetivos visados no ponto de partida: a categoria relacional do gnero desinveste a preocupao de fortalecimento da identidade mulher, ao contrrio do que se visava inicialmente com um projeto alternativo de uma cincia feminista. Esta uma das principais dificuldades que emergem, ao se tentar conceitualizar o campo epistemolgico em que se funda um conhecimento sobre as mulheres e, agora, sobre as relaes de gnero. A categoria do gnero, j observou Joan Scott, no nasce no interior de um sistema de pensamento definido como o conceito de classes em relao ao marxismo. Embora seja apropriada como instrumento analtico extremamente til, procede de um campo profundamente diverso daquele que tinha como horizonte a emancipao social de determinados setores sociais. Helen Longino observa, ainda, que foi depois do desenvolvimento do pensamento feminista nas reas da histria, antropologia, teoria literria, psicologia e sociologia que se passou a pensar nos conceitos atravs dos quais se operava. A reflexo filosfica foi posterior prtica terica. 12 Isto significa: 1) que houve uma incorporao das questes feministas em diferentes campos da produo do conhecimento cientfico, de fora para dentro, como por exemplo, na psicanlise ou no campo marxista. Os temas da mulher e do gnero foram incorporados s questes colocadas pela historiografia marxista, sem ter nascido a partir dela, enfrentando, alis, srias dificuldades em seu interior. Sabemos como a questo das relaes entre os sexos, a histria da sexualidade e do corpo, as lutas polticas das mulheres foram secundarizadas no marxismo, tidas como secundrias em relao s questes da luta das classes. Do mesmo modo, a questo tnica e racial. Eimpossvel deixar de pensar na reao que o livro Histria da Sexualidade, de Foucault teve por parte dos historiadores ligados Histria Social, por exemplo. De certo modo, no se pensava nas relaes
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Helen E. Longino - To See Feelingly: Reason, Passion, and Dialogue in Feminist Philosophy,in Donna C. Stanton e A. Stewart (org.) FEMINISMS IN THE ACADEMY, Ann Arbor: The University of Michigan Press,1995, p.21.
sexuais como dimenso constitutiva da vida em sociedade e como uma das definidoras de nossa forma de operar conceitualmente. A sexualidade era identificado fora instintiva, biolgica e, assim, no merecia ser historicizada. Este era o lugar que tinha no apenas no marxismo, mas no imaginrio ocidental. 2) Esta incorporao, portanto, no se deu sem maiores complicaes. Porque a entrada dos temas feministas em campos epistemolgicos masculinos provocou muitas desestabilizaes e, mesmo, rupturas, a despeito das muitas permanncias. Os conceitos se mostravam estreitos demais para pensar a diferena, alis, masculinos, muitas vezes misginos, precisavam ser transformados, abandonados,questionados, refeitos. Como lembra Elizabeth Grosz, no se tratava afinal de um simples esquecimento das mulheres de um campo neutro e objetivo de conhecimentos:Sua amnsia estratgica e serve para assegurar as bases patriarcais do conhecimento.
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exemplo, no campo do marxismo s foi possvel porque este, ao dar sinais de esgotamento, estava sendo amplamente criticado, vrios conceitos se mostravam insuficientes, e os marxistas partiam em busca de renovaes conceituais, temticas, de atualizao.14 3) Esta incorporao remete, ainda, a uma outra questo: a que vem uma epistemologia feminista? Para que necessitamos de uma nova ordem explicativa do mundo? Para melhor controlar o pensamento e o mundo? Uma nova ordem das regras para trazer poder poltico a um setor que se sente excludo? Sandra Harding pergunta, ento, ao lado de muitas outras feministas, se no estaramos correndo o risco de repor o tipo de relao poder-saber que tanto criticamos: Como que o feminismo pode redefinir totalmente a relao entre saber e poder, se ele est criando uma nova epistemologia, mais um conjunto de regras para controlar o pensamento?15
Elizabeth Grosz - Bodies and Knowledges: Feminism and the Crisis of Reason, in L.Alcoff e E.Potter, op.cit. p.206. 14 Veja-se a propsito Donna Haraway - Saberes Localizados: a questo da cincia para o feminismo e o privilgio da perspectiva parcial. UNICAMP, Cadernos PAGU, no.5,1995, P.14.
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E possvel contra-argumentar lembrando que no h como fugir ao fato de que todas as minorias relativamente organizadas, e no apenas as mulheres, esto reivindicando uma fatia do bolo da cincia e que nenhum dos grupos excludos, - negros, africanos, orientais, homossexuais, mulheres, com suas propostas de epistemologias alternativas feminista, terceiro mundista, homossexual, operria - pode hoje reivindicar um lugar de hegemonia absoluta na interpretao do mundo. Alm disso, h que se reconhecer as dimenses positivas da quebra das concepes absolutizadoras, totalizadoras, que at recentemente poucos percebiam como autoritrias, impositivas e hierarquizantes. No h dvidas de que o modo feminista de pensar rompe com os modelos hierrquicos de funcionamento da cincia e com vrios dos pressupostos da pesquisa cientfica. Se a crtica feminista deve encontrar seu prprio assunto, seu prprio sistema, sua prpria teoria e sua prpria voz, como diz Showalter, possvel dizer que as mulheres esto construindo uma linguagem nova, criando seus argumento a partir de sua prprias premissas.16 Vamos dizer que podemos pensar numa epistemologia feminista, para alm do marxismo e da fenomenologia, como uma forma especfica de produo do conhecimento que traz a marca especificamente feminina, tendencialmente libertria, emancipadora. H uma construo cultural da identidade feminina, da subjetividade feminina, da cultura feminina, que est evidenciada no momento em que as mulheres entram em massa no mercado, em que ocupam profisses masculinas e em que a cultura e a linguagem se feminizam. As mulheres entram no espao pblico e nos espaos do saber transformando inevitavelmente estes campos, recolocando as questes, questionando, colocando novas questes, transformando radicalmente. Sem dvida alguma, h um aporte feminino/ista especfico, diferenciador, energizante, libertrio, que rompe com um enquadramento conceitual normativo. Talvez da mesmo a dificuldade de nomear o campo da epistemologia feminista. Vejamos alguns aspectos desse aporte: o questionamento da produo do conhecimento entendida como processo racional e objetivo para se atingir a verdade pura e Sandra Harding - A instabilidade das Categorias Analticas na Teoria Feminista, in Revista de Estudos Feministas,vol.1,no.1, 1993, Rio de Janeiro CIEC/ECO/UFRJ, p.19.
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universal, e a busca de novos parmetros da produo do conhecimento. Aponta, ento, para a superao do conhecimento como um processo meramente racional: as mulheres incorporam a dimenso subjetiva, emotiva, intuitiva no processo do conhecimento, questionando a diviso corpo/mente, sentimento/razo. Simmel j fizera esta observao, em 1902, ao indagar sobre as possveis contribuies da Cultura Feminina num mundo masculino, e Helen Longino complementa: Em busca de parmetros (groundings) conceituais e filosficos alternativos, muitos pensadores abraaram modos de anlise que rejeitam a dicotomizao entre razo e paixo, entre saber e sentimento.17 Para ela, o pensamento feminista trouxe a subjetividade como forma de conhecimento. We all see feelingly, afirma, o que se ope radicalmente ao ideal de conhecimento objetivo trazido das Cincias Naturais para as Cincias Humanas. Entrando num mundo masculino, possudo por outros, a mulher percebe que no detm a linguagem e luta por criar uma, ou ampliar a existente: aqui se encontra a principal fonte do aporte feminista produo do conhecimento, construo de novos significados na interpretao do mundo. Portanto, o feminismo prope uma nova relao entre teoria e prtica. Delineiase um novo agente epistmico, no isolado do mundo, mas inserido no corao dele, no isento e imparcial, mas subjetivo e afirmando sua particularidade. Ao contrrio do desligamento do cientista em relao ao seu objeto de conhecimento, o que permitiria produzir um conhecimento neutro, livre de interferncias subjetivas, clama-se pelo envolvimento do sujeito com seu objeto. Uma nova idia da produo do conhecimento: no o cientista isolado em seu gabinete,testando seu mtodo acabado na realidade emprica, livre das emoes desviantes do contato social, mas um processo de conhecimento construdo por individuos em interao, em dilogo crtico,contrastando seus diferentes Elaine Showalter - A crtica feminista no territrio selvagem, in Helosa Buarque de Hollanda (org.) - TENDNCIAS E IMPASSES. O Feminismo como Crtica da Cultura. Rio de Janeiro: Rocco,1994, p.29. 17 G. Simmel - Cultura Feminina, in FILOSOFIA DO AMOR. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1993; Helen Longino, idem, p.20.
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pontos de vista, alterando suas observaes, teorias e hipteses, sem um mtodo pronto. Reafirma-se a idia de que o caminho se constri caminhando e interagindo. Defendendo o relativismo cultural, questiona tambm a noo de que este conhecimento visa atingir a verdade pura, essencial. Reconhece a particularidade deste modo de pensamento e abandona a pretenso de ser a nica possibilidade de interpretao. Concordando com Sandra Harding: Uma forma de resolver o dilema seria dizer que a cincia e a epistemologia feministas tero um valor prprio ao lado, e fazendo parte integrante, de outras cincias e epistemologias - jamais como superiores s outras.(p.23) Enfatiza a historicidade dos conceitos e a coexistncia de temporalidades mltiplas. Nesta direo, a historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias mostra a confluncia das tendncias historiogrficas contemporneas com as nquietaes feministas; defendendo a instabilidade das categorias feministas(Sandra Harding), fala em hermenutica crtica e no historismo: a historiografia feminista segue os mesmos parmetros(que a desconstruo de Derrida, a arqueologia da Foucault, a teoria crtica marxista, a histria social e conceitual dos historistas alemes, a historiografia das mentalidades), pois tem seu caminho metodolgico aberto para a possibilidade de construir as diferenas e de explorar a diversidade dos papis informais femininos.18 Os estudos feministas inovam, ento, na maneira como trabalham com as multiplicidades temporais, descartando a idia de linha evolutiva inerente aos processos histricos.
Feminismo e Histria Seria interessante, por fim, pensar como os deslocamentos tericos produzidos pelo feminismo tm repercutido na produo historiogrfica. A emergncia de novos temas, de novos objetos e questes, especialmente ao longo da dcada de setenta deu maior Maria Odila Leite da Silva Dias - Teoria e mtodo dos estudos feministas: perspectiva histrica e hermenutica do cotidiano, in Albertina de O. Costa e Cristina Bruschini
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visibilidade s mulheres enquanto agentes histricos, incialmente a partir do padro masculino da Histria Social, extremamente preocupada com as questes da resistncia social e das formas de dominao poltica.19 Este quadro ampliou-se, posteriormente, com a exploso dos temas femininos da Nouvelle Histoire, como bruxaria, prostituio, loucura, aborto, parto, maternidade, sade, sexualidade, a histria das emoes e dos sentimentos, entre outros. Eclaro que muitos discordaro da diviso sexual dos temas histricos acima proposta, j que h muitas outras dimenses implicadas na ampliao do leque temtico, principalmente a crise da historiografia da Revoluo e a redescoberta da Escola dos Annales. Entretanto, poucos podero negar que a entrada desses novos temas se fz em grande parte pela presso crescente das mulheres, que invadiram as universidades e criaram seus prprios ncleos de estudo e pesquisa, a partir dos anos setenta. Feministas assumidas ou no, as mulheres foram a incluso dos temas que falam de si, que contam sua prpria histria e de suas antepassadas e que permitem entender as origens de muitas crenas e valores, de muitas prticas sociais frequentemente opressivas e de inmeras formas de desclassificao e estigmatizao. De certo modo, o passado j no nos dizia e precisava ser re-interrogado a partir de novos olhares e problematizaes, atravs de outras categorias interpretativas, criadas fora da estrutura falocntrica especular. A descoberta da origem da me moderna a partir do modelo rousseausta, proposta por Elisabeth Badinter, por exemplo, foi fundamental para se reforar o questionamento do padro de maternidade que havia vigorado inquestionvel at os anos 60 e reforar a luta feminista pela conquista de novos direitos; a genealogia dos conceitos da prostituio, da homossexualidade e da perverso sexual, entre outros, foi extremamente importante enquanto reforava a desconstruo prtica das inmeras formas de normatizao20. A histria do corpo feminino trouxe luz as inmeras construes estigmatizadoras e misginas do poder mdico, para o qual a constituio fsica da mulher (orgs.) - UMA QUESTO DE GNERO. RJ.: Editora Rosa dos Tempos/SP:Fundao Carlos Chagas, p.49. 19 Margareth Rago - As mulheres na Historiografia Brasileira, in Zlia Lopes (org.)- A HISTRIA EM DEBATE, SP: Editora da UNESP, 1991.
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por si s inviabilizaria sua entrada no mundo dos negcios e da poltica. O questionamento das mitologias cientficas sobre sua suposta natureza, sobre a questo da maternidade, do corpo e da sexualidade foi fundamental em termos da legitimao das transformaes libertadoras em curso. O campo das experincias histricas consideradas dignas de serem narradas ampliou-se consideravelmente e juntamente com a emergncia dos novos temas de estudo, isto , com a visibilidade e dizibilidade que ganharam inmeras prticas sociais, culturais, religiosas, antes silenciadas, novos sujeitos femininos foram includos no discurso histrico, partindo-se inicialmente das trabalhadoras e militantes, para incluir-se, em seguida, as bruxas, as prostitutas, as freiras, as parteiras, as loucas, as domsticas, as professoras, entre outras. A ampliao do conceito de cidadania, o direito histria e memria no se processavam apenas no campo dos movimentos sociais, passando a ser incorporados no discurso, ou melhor, no prprio mbito do processo da produo do conhecimento. Para tanto, novos conceitos e categorias tiveram de ser introduzidos a partir das perguntas levantadas pelo feminismo e dos deslocamentos tericos e prticos provocados. Por que se privilegiavam os acontecimentos da esfera pblica e no os constitutivos de uma histria da vida privada? Por que se desprezava a cozinha, em relao sala, e a casa em relao rua? Onde uma histria dos segredos, das formas de circulao e comunicao femininas, das fofocas, das redes interativas construdas nas margens, igualmente fundamentais para a construo da vida em sociedade? Quais as possibilidades de uma Histria no feminino? No apenas a histria das mulheres, mas a histria contada no registro feminino?21 Neste contexto, ficou evidente a precariedade e estreiteza do instrumental conceitual disponvel para registrar as prticas sociais que passavam a ser percebidas, embora existentes desde sempre. Para o historiador formado na tradio marxista, especialista na Vejam-se as discusses de Jurandir Freire Costa - O referente da identidade homossexual, in Richard Parker e Regina M. Barbosa (orgs.) - SEXUALIDADES BRASILEIRAS. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 21 Tnia Navarro Swain - Feminino/Masculino no Brasil do sculo XVI: um estudo historiogrfico,1995, (mimeo); Maria Izilda S. de Mattos e Fernando A. de Faria 20
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recuperao histrica das lutas sociais e da dominao de classes, como falar das prticas desejantes, com que conceitos poderia construir uma histria do amor, da sexualidade, do corpo ou do medo? Como trabalhar a questo da religiosidade e das reaes diante da vida e da morte? No casos dos estudos feministas, o sucesso da categoria do gnero se explica, em grande parte, por ter dado uma resposta interessante ao impasse terico existente, quando se questionava a lgica da identidade e se decretava o eclipse do sujeito. Categoria relacional, como observa Joan Scott, encontrou campo extremamente favorvel num momento de grande mudana das referncias tericas vigentes nas Cincias Humanas, e em que a dimenso da Cultura passava a ser privilegiada sobre as determinaes da Sociedade. Assim como outras correntes de pensamento, a teoria feminista propunha que se pensasse a construo cultural das diferenas sexuais, negando radicalmente o determinismo natural e biolgico. Portanto, a dimenso simblica, o imaginrio social, a construo dos mltiplos sentidos e interpretaes no interior de uma dada cultura passavam a ser priorizados em relao s explicaes econmicas ou polticas. Em termos da historiografia, estas concepes se aproximam das formuladas pela Histria Cultural. Esta pe em evidncia a necessidade de se pensar o campo das interpretaes culturais, a construo dos inmeros significados sociais e culturais pelos agentes histricos, as prticas da representao, deixando muito claro que o predomnio prolongado da Histria Social, de tradio marxista, secundarizou demais o campo da subjetividade e da dimenso simblica. Exceo feita a E. P. Thompson, que alis se tornou extremamente famoso apenas na dcada de oitenta, grande parte dos estudos histricos de tendncia marxista mantinham-se presos ao campo da poltica e da economia, este sendo considerado o lugar do real e da inteligibilidade da histria. Apenas nas ltimas dcadas, passou-se a falar incisivamente em imaginrio social, nas representaes sociais, em subjetividade e, para tanto, a Histria precisou buscar aproximaes com a Antropologia, a Psicanlise e a Literatura. Alm disso, na medida em que o discurso passou a ser dotado de positividade, os historiadores tambm perceberam que era inevitvel interrogar o prprio discurso e dimensionar suas formas narrativas e interpretativas. MELODIA E SINTONIA EM LUPICNIO RODRIGUES: O Feminino, O Masculino e Suas Relaes. RJ:Bertrand Brasil, 1996.
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Em relao aos estudos feministas, e a despeito das inmeras polmicas em curso, vale notar que a categoria do gnero abre, ainda, a possibilidade da constituio dos estudos sobre os homens, num campo terico e temtico bastante renovado e radicalmente redimensionado. Aps a revoluo feminista e a conquista da visibilidade feminina, aps a constituio da rea de pesquisa e estudos feministas, consagrada academicamente em todo o mundo, os homens so chamados a entrar, desta vez, em um novo solo epistmico. Eassim que emergem os estudos histricos, antropolgicos, sociolgicos - interdisciplinares - sobre a masculinidade, com enorme aceitao. Cada vez mais, portanto, crescem os estudos sobre as relaes de gnero, sobre as mulheres, em particular, ao mesmo tempo em que se constitui uma nova rea de estudos sobre os homens, no mais percebidos enquanto sujeitos universais. Sem dvida alguma, os resultados das inmeras perspectivas abertas tm sido dos mais criativos e instigantes. O olhar feminista permite reler a histria da Colonizao no Brasil, no sculo 16, a exemplo do que realiza a historiadora Tnia Navarro Swain, desconstruindo as imagens e representaes construdas pelos viajantes sobre as formas de organizao dos indgenas, sobre a sexualidade das mulheres, supostamente fogosas e promscuas, instituindo sua amoralidade. Num excelente trabalho genealgico, a historiadora revela como os documentos foram apropriados e re-interpretados pela historiografia masculina, atravs de conceitos extremamente misginos, cristalizando-se imagens profundamente negativas a respeito dos primeiros habitantes da terra, considerados para sempre incivilizados e incapazes de cidadania. J Maria Izilda Matos e Fernando A. Faria, estudando as composies musicais de Lupicnio Rodrigues, a partir da categoria do gnero, descortinam as formas de construo cultural das referncias identitrias da feminilidade e da masculinidade, nas dcadas de quarenta e cinquenta, dominantes at recentemente. A partir da anlise das letras de msicas produzidas pelo famoso compositor gacho, podem visualizar no apenas as experincias femininas, mas seu universo de relaes com o mundo masculino, numa proposta bastante enriquecedora e inovadora. Finalizando...
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As possibilidades abertas para os estudos histricos pelas teorias feministas so inmeras e profundamente instigantes: da descontruo dos temas e interpretaes masculinos s novas propostas de se falar femininamente das experincias do cotidiano, da micro-histria, dos detalhes, do mundo privado, rompendo com as antigas oposies binrias e de dentro, buscando respaldo na Antropologia e na Psicanlise, incorporando a dimenso subjetiva do narrador. Na historiografia feminista, vale notar, a teoria segue a experincia: esta no buscada para comprovar aquela, aprioristicamente proposta. Opera-se uma deshierarquizao dos acontecimentos: todos se tornam passveis de serem historicizados, e no apenas as aes de determinados sujeitos sociais, sexuais e tnicos das elites econmicas e polticas, ou de outros setores sociais, como o proletariado-masculinobranco, tido como sujeito privilegiado por longo tempo, na produo acadmica. Alis, as prticas passam a ser privilegiadas em relao aos sujeitos sociais, num movimento que me parece bastante democratizador. Assim, e como diria Paul Veyne, o que deve ser privilegiado pelo historiador passa a ser dado pela temtica que ele recorta e constri, e no por um consenso terico exterior problemtica, como acontecia antes quando se trabalhava com o conceito de modo de produo, por exemplo, ou ainda, quando a preocupao maior com o passado advinha de suas possibilidades em dar respostas busca da Revoluo. A realidade j no cede teoria. Enfim, parece que j no h mais dvidas de que as mulheres sabem inovar na reorganizao dos espaos fsicos, sociais, culturais e aqui, pode-se complementar, nos intelectuais e cientficos. E o que me parece mais importante, sabem inovar libertariamente, abrindo o campo das possibilidades interpretativas, propondo mltiplos temas de investigao, formulando novas problematizaes, incorporando inmeros sujeitos sociais, construindo novas formas de pensar e viver.