https://doi.org/10.1590/ES.255379
DOSSIÊ | IDENTIDADES, PATRIMÔNIOS E EDUCAÇÃO EM
PERSPECTIVA INTERNACIONAL: QUESTÕES PARA O SÉCULO XXI
A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NUM MUNDO EM MUDANÇA
Helena Pinto1
RESUMO: Todas as formas de património cultural, materiais ou intangíveis, têm
algo em comum: o facto de lhes ter sido atribuído significado. No entanto, há diversas
interpretações sobre um bem patrimonial, geralmente em função dos quadros
conceptuais e crenças relevantes para cada pessoa ou comunidade. Enquadrar o
património numa narrativa única traz consigo o risco de reforçar estereótipos e
atrair movimentos populistas. Hoje, mais do que nunca, a Educação Patrimonial
necessita proporcionar uma compreensão multiperspectivada, quer por jovens, quer
por educadores, do passado e do presente, assim como uma consciência patrimonial
progressivamente fundamentada. Pretende-se refletir sobre esses tópicos com um
enfoque glocal, em algumas especificidades dos contextos português e iberoamericano.
Palavras-chave: Identidades. Perspectivas. Educação. Consciência patrimonial.
Glocal.
HERITAGE EDUCATION IN A CHANGING WORLD
ABSTRACT: All forms of cultural heritage, whether material or intangible, have
something in common: the fact that they have been given meaning. However, there
is a diversity of interpretations on the heritage goods, usually depending on the
conceptual frameworks and beliefs that are relevant to each person or community.
Framing heritage in a single narrative carries the risk of reinforcing stereotypes
and attract populist movements. Today, more than ever, Heritage Education needs
to offer possibilities for a multiperspectivated understanding by young people and
educators about the past and the present, as well as for a progressively grounded
heritage awareness. It is intended to reflect on these topics with a glocal focus in some
specificities either in the Portuguese or in the Iberoamerican contexts.
Keywords: Identities. Perspectives. Education. Heritage awareness. Glocal.
1. Universidade do Porto – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” – Porto, Portugal.
E-mail: mhelenapinto@gmail.com
Esta publicação faz parte do projeto I+D+i “Patrimonios Controversiales para la Formación Ecosocial de la Ciudadanía. Una
Investigación de Educación Patrimonial en la Enseñanza Reglada” (PID2020-116662GB-I00), financiado por Ministerio de Ciencia e
Innovación – MCIN/AEI/10.13039/501100011033/.
Editores de Seção: Xavier Rambla e Luana Costa Almeida
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A educação patrimonial num mundo em mudança
LA EDUCACIÓN PATRIMONIAL EN UN MUNDO CAMBIANTE
RESUMEN: Todas las formas de patrimonio cultural, materiales o inmateriales, tienen
algo en común: han sido dotadas de significado. Sin embargo, existe una diversidad
de interpretaciones, sobre un bien patrimonial, que suele depender de los marcos
conceptuales y las creencias relevantes para cada persona o comunidad. Enmarcar el
patrimonio en un único relato conlleva el riesgo de reforzar los estereotipos y atraer a
los movimientos populistas. Hoy, más que nunca, la Educación Patrimonial necesita
desarrollar una comprensión multiperspectivada por los jóvenes y educadores en
relación al pasado y al presente, y una conciencia patrimonial progresivamente
fundamentada. Se pretende reflexionar sobre estos temas con un enfoque glocal, en
algunas especificidades en los contextos portugués e iberoamericano.
Palabras-clave: Identidades. Perspectivas. Educación. Conciencia patrimonial.
Glocal.
Introdução
A
reflexão aqui exposta está relacionada com uma abordagem educativa caracterizada pela investigação
que tem guiado práticas e se fundamenta em duas linhas de pesquisa que se complementam – a Educação
Histórica e a Educação Patrimonial –, sendo que ambas colocam o enfoque na problematização
constante e na criação de possibilidades de interpretação de fontes de tipologias diversas e com diferentes
perspetivas, pelos alunos de diferentes níveis de escolaridade. Nesse contexto, é fundamental que se lhes
proporcionem experiências educativas desafiantes que os levem a implicar-se no processo de aprendizagem e a
desenvolver a sua capacidade de reflexão crítica.
Hoje, mais do que nunca, a Educação Patrimonial, tal como a Educação Histórica, necessita
desenvolver programas educativos que ofereçam possibilidades de uma compreensão multiperspectivada pelos
jovens de vários graus de ensino – e, ainda antes deles, dos educadores – em relação ao passado e ao presente,
assim como de uma consciência patrimonial consistente.
Todas as formas de património cultural, sejam materiais, como monumentos, artefactos, objetos
diversos, sejam manifestações intangíveis, como tradições, música ou outros tipos de saber fazer, têm
algo em comum: o facto de as pessoas lhes darem sentido. Todavia, o património não é uma entidade
estática, é constituído por múltiplas camadas de seleção, preservação e construção de restos do passado no
presente, visando ao futuro, num processo de atribuição de sentido por produtores, curadores, educadores
e comunidades, muitas vezes justificando identidades. O significado do património muda, por isso, com o
tempo e os lugares. Há, geralmente, uma atribuição de valor a essa relação. No entanto, há, e sempre houve,
aspetos do património que são contestados, embora alguns o sejam mais do que outros. O património faz
parte, também, das políticas de identidade promovidas pelos governos nacionais e locais, levando, por vezes,
à exclusão e à divisão.
É de salientar que os monumentos, sobretudo os memoriais ou as esculturas de certas personalidades,
dizem mais respeito à mentalidade daqueles que os edificaram/ergueram do que ao contexto que procuram
evocar. Geralmente estão associados a uma ideia de passado estático, que é contrário ao real dinamismo dos
processos sociais e culturais. Por outro lado, alguns desses monumentos só ganham visibilidade quando são
postos em causa, suscitando o debate público sobre as omissões da história oficial e as memórias excluídas.
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É necessária uma abordagem consciente e crítica do património, incluindo um debate em que as
pessoas prestem simultaneamente atenção ao seu ponto de vista, aos dos outros e às dinâmicas das sociedades. Tal
competência inclui não só conhecimentos, aptidões, e atitudes, mas também valores. É fundamental que isso seja
estimulado logo desde os anos iniciais do processo de ensino e aprendizagem, proporcionando oportunidades
de utilização do património como fonte histórica e de desenvolvimentos do pensamento crítico dos jóvens.
Olhar o Património na Relação Passado, Presente e Futuro
David Lowenthal forneceu uma definição dicotómica da diferença entre a história e o património na
abordagem do passado. A história, segundo Lowenthal, é universalmente acessível e testável. O património
é “tribal, exclusivo, patriótico, redentor”. O património conta “não com um facto verificável, mas com uma
fidelidade crédula” (LOWENTHAL, 1996, p. 120). No entanto, essa aparente dicotomia merece um olhar mais
atento. Em linguagem comum, o património inclui a valorização de vestígios e sítios históricos, a “experiência”
sensorial do passado que o contacto com esses vestígios e sítios pode gerar e, portanto, um enfoque no valor
da preservação (VAN BOXTEL; KLEIN; SNOEP, 2011). Talvez o mais crucial nos valores do património seja a
noção de que esses objetos e sítios nos pertencem, isto é, pertencem a um grupo definido, quer por uma nação,
uma região, uma etnia ou uma família. É essa pertença ao “passado tangível” que dá ao património o poder de
conferir e confirmar identidades de grupo. O “património” é, nesse sentido, “herança”: um passado que nos é
legado (independentemente da sua definição) e que, por isso, temos de preservar para aqueles que vêm depois
de nós. Essas são forças emocionais poderosas. De facto, poderíamos chamar aos impulsos individuais e sociais
para abordar o passado o “imperativo do património”, que alcança o seu poder a partir da busca de identidade
num mundo instável e em rápida mudança (GREVER; DE BRUIJN; VAN BOXTEL, 2012).
Em contraste, aqueles que estão envolvidos na pesquisa em história esperam criticar e ser criticados,
questionar e ser questionados. A evidência, e não a autoridade, é o teste crítico da interpretação histórica. Além
disso, espera-se que a interpretação histórica mude, com novas questões, novas perguntas e novas evidências.
O valor do património tem sido, em grande parte, o seu potencial para transmitir e definir as
identidades coletivas. Vemos isso nos recursos dedicados à preservação e à exibição de objetos em museus,
ao restauro de sítios e edifícios históricos. Monumentos e memoriais nacionais, nomeadamente quando
localizados em centros políticos, são concebidos para inspirar contemplação e admiração pela persistência,
não tanto do poder de um determinado governo, mas de uma identidade subjacente que conseguiu sobreviver
e triunfar sobre a ameaça externa ou adversidade. Ligam o visitante a um coletivo maior, que persistiu desde
algum momento no passado até ao presente, oferecendo, ainda, a esperança de continuidade para o futuro.
Contudo, é também em direção a esses locais que gravitam as manifestações de protesto, porque expressam,
material e espacialmente, identidades como a nacional. Quando os líderes tomam o poder ilegítimo, quando há
erros a corrigir, esses locais atraem a expressão pública e o conflito.
Da mesma forma que a identidade nacional funciona a ideia de tradição, pela sua entrega à
continuidade diante da mudança. São as suas as práticas que mantêm unidas as identidades coletivas. A
qualidade mais importante da tradição é parecer não ter mudado e o seu poder assenta na sua pretensão de
persistência e longevidade. No entanto, a tradição é o produto de lentas acumulações de mudanças ao longo
do tempo, se não mesmo de uma invenção pura e simples (HOBSBAWM; RANGER, 1983). Se a tradição
forma uma “relação natural” com o passado em que as identidades coletivas são, aparentemente, transmitidas
de geração em geração, o património pode ser visto como o conjunto de práticas que visam solidificar essas
relações nos tempos atuais caracterizados pela mudança acelerada (NORA, 1996, p. 1).
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Por sua vez, a consciência histórica surge no estado “não natural” da modernidade, onde os laços
que ligam gerações e comunidades são rasgados pelas relações capitalistas de produção, mudanças políticas
e tecnológicas, e a deslocação de populações migrantes. Surge a consciência de que o mundo de amanhã não
pode replicar o de ontem e de que a tradição petrificada será inadequada como guia para compreender e
viver nesse tipo de futuro. Segundo Gadamer, a consciência histórica é “muito provavelmente a revolução mais
importante entre aquelas a que assistimos desde o início da época moderna [...] um fardo, o mesmo que nunca
foi imposto a nenhuma geração anterior” (1987, p. 89). Entretanto, esse fardo é, também, “o privilégio do
homem moderno ter uma consciência plena da historicidade de tudo o que está presente e da relatividade das
opiniões” (GADAMER, 1987, p. 89). Tal é resultado da compreensão da nossa distância em relação ao passado e
de se estar consciente de que aqueles que viveram noutros períodos estavam “num lugar estranho”, cujos valores
e crenças eram radicalmente diferentes dos nossos (GADAMER, 1987, p. 89). Porque compreendemos que
aqueles antepassados não viam para além das suas próprias visões do mundo, afastamo-nos da perceção de que
aqueles que surgem depois de nós olharão para trás, para a nossa era, como igualmente limitada, historicamente
vinculada e parcial. Assim, e paradoxalmente, a consciência histórica liberta os indivíduos da tradição, ao
mesmo tempo que lhes demonstra que não são de todo livres. Mesmo as pessoas historicamente conscientes
revelam, por vezes, crenças ou compreensões pouco permeáveis a análises críticas e distanciadas. Ao olharmos
para o passado, não podemos escapar às lentes do nosso próprio momento histórico. A consciência histórica
surge, nesse contexto, como uma lente crítica que inclui a compreensão da mudança – mesmo que radical –
no passado e, portanto, também no futuro. Ela não liberta os indivíduos da história; pelo contrário: oferece a
possibilidade de orientação em uma história que está em mudança e que, como resultado da agência humana,
continuará a fazê-lo.
Em termos educativos, há que refletir e discutir acerca das possibilidades de análise da já referida
dicotomia entre o património comemorativo e a história crítica. A própria história escolar tem o potencial
de revelar aos jovens como uma abordagem crítica ao passado pode fornecer as ferramentas mais
poderosas para nos orientarmos no tempo. No entanto, falhará se apenas fornecer ferramentas críticas
sem abordar as questões de identidade – o que Jörn Rüsen (1993) designa como a orientação da vida prática
no tempo –, questões essas que também são visadas pelo património. Os nossos e os não nossos coabitam.
O que os jovens necessitam compreender sobre a identidade não é uma questão de pureza de sangue ou de
espírito, mas sim de heterogeneidade e multiplicidade (SEIXAS, 2014). Nessas condições, só uma compreensão
da flexibilidade e da mudança ao longo do tempo poderá ser adequada para a construção da solidariedade
sobre uma plataforma mais global e mais local do que a nação do século XIX. Dessa forma, uma abordagem
educativa que relacione património e história basear-se-ia no desenvolvimento da compreensão das ferramentas
disciplinares e das práticas críticas da história, abordando simultaneamente as questões essenciais colocadas
em torno do património e da identidade. Tal pressupõe que as respostas a essas questões sejam mais abertas,
complexas e problematizadoras, que as comemorações do património nacional estejam abertas à crítica, que os
monumentos sejam locais de debate e controvérsia, que as exposições dos museus sejam autorreflexivas e que
os currículos escolares permitam que os estudantes lidem com essa complexidade histórica no domínio público
(SEIXAS, 2014). Aqui reside o potencial educativo para uma reconciliação entre o património e a história
crítica e, sobretudo, para o desenvolvimento de programas consistentes de educação patrimonial.
A consciência histórica pode dizer respeito, também, à capacidade de os aprendentes relacionarem a
aprendizagem histórica com a vida fora da escola e as representações da memória coletiva, tais como as contidas
em museus e interpretações do património (LOWENTHAL, 1996), filmes ou jogos on-line e simulações. De
acordo com Rüsen (2004), a consciência histórica, ao lidar com o passado como experiência, revela-nos a teia
de mudanças temporais na qual as nossas vidas são apanhadas e, pelo menos indiretamente, as perspectivas
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futuras para onde essa mudança flui. Por isso, o foco da educação histórica é dar sentido ao passado para criar
perspectiva ou enquadramento orientador para a compreensão e a atuação no presente e no futuro (RÜSEN,
2004). Nesse âmbito, a consciência histórica articula-se com a noção de significância histórica (CERCADILLO,
2001; PECK, 2010). Considerando o uso da significância histórica na aula, Hunt (2000) argumentou que a
aprendizagem é estimulada quando os jovens sentem que podem envolver-se com problemas que eles
consideram ser, ainda hoje, relevantes para as suas vidas.
Podemos combinar aspetos emocionais e cognitivos da aprendizagem com uma análise crítica das
fontes históricas, um pensamento contextualizado e uma argumentação histórica que reconheça a possibilidade
de diferentes formas de ver e conhecer o passado. Tal é válido, também, para os objetos dos museus, pois
esses são mais do que “coisa morta”, são algo que, para além das suas funções, são investidos de afeto, desejo e
outras emoções, para serem vividos. É possível, portanto, aprender sobre e com o património. Os estudantes
podem adquirir uma visão da dinâmica do património – seleção, construção, preservação, expressões de
identidades locais, nacionais ou transnacionais – e reconhecer as dimensões temporais do património: passado,
presente, futuro (temporalidade). Além disso, podem tomar consciência de que os vestígios do passado podem
ser interpretados como evidência e compreender quer o contexto quer o carácter construtivo do património
(historicidade). O contacto direto com objetos, monumentos e sítios proporciona não só uma experiência
multissensorial, que evoca a imaginação histórica (COLLINGWOOD, 2001) dos estudantes, mas também uma
experiência cognitiva, utilizando o património como fonte histórica. Estabelece-se assim uma relação dialógica,
na qual os estudantes aprendem a explorar e a discutir/argumentar com base em diferentes perspectivas.
Educar pelo Património em Situações Controversas
A temática do património tem originado diversos debates e intervenções em níveis internacional e
nacional, mas também regional e local, numa época em que os fenómenos como a integração europeia ou a
globalização desencadeiam, por contraste, atitudes de valorização daquilo que é identitário de uma comunidade.
Pela sua singularidade, lembramos aqui o caso português das gravuras rupestres do Côa, um
património cujos primeiros traços de representação de animais datam de há 25 mil anos. O Vale do Côa
apresenta mais de mil rochas com manifestações artísticas rupestres, identificadas em mais de oitenta sítios,
ao longo de 17 quilómetros, sendo considerado o maior museu ao ar livre de arte paleolítica do mundo. A
importância de tais achados levou a um rápido reconhecimento da UNESCO, ao considerá-los Património
Cultural da Humanidade em 1998. Por sua vez, o governo português, depois de um aceso debate público,
cancelava a construção da barragem do Baixo Côa, pois essa obra iria submergir as gravuras. A 10 de agosto de
1996, o governo de António Guterres criava o Parque Arqueológico do Vale do Côa. Para trás ficava a intensa
polémica que dividira os que defendiam a preservação das gravuras rupestres no seu ambiente natural e os
que queriam ver concluída uma barragem na qual já se tinha investido muito dinheiro e que, argumentavase, traria empregos e água a uma região carecida de ambos. Se foi preciso coragem política para travar uma
barragem em nome da preservação de gravuras rupestres cuja antiguidade ainda era questionada na época, os
responsáveis do Parque Arqueológico do Vale do Côa mantiveram-se fiéis a um modelo de visitas que evitou as
tentações do turismo massificado e deu primazia ao estudo e à preservação desse património. O Vale do Côa foi
espaço de exercício de novas formas de cidadania. Além da participação clássica, por meio de partidos políticos
e autarquias, constatou-se o envolvimento de uma multiplicidade de sectores sociais, não só especialistas,
mas também grupos de cidadãos, intervindo a partir de formas de organização espontâneas e informais, ou
integrados em associações culturais (LIMA; REIS, 2001).
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A educação patrimonial num mundo em mudança
No entanto, os elementos que constituem a maioria das histórias nacionais, como os sucessos em
conflitos contra estrangeiros ou a busca e a extração de riquezas além-mar, podem ser numa época considerados
como um fator de orgulho nacional e, mais tarde, vistos como património problemático e até vergonhoso, como
é o caso do colonialismo. Sharon Macdonald apresentou, no seu estudo sobre o património nazi edificado em
Nuremberga, o conceito de herança/património difícil, definindo-o como:
[...] a past that is recognized and meaningful in the present but that is also contested and awkward
for public reconciliation with a positive, self-affirming contemporary identity. “Difficult heritage”
may also be troublesome because it threatens to break through into the present in disruptive ways,
opening up social divisions, perhaps by playing into imagined, even nightmarish, futures. By
looking at heritage that is unsettling and awkward, rather than at that which can be celebrated or
at least comfortably acknowledge as part of a nation’s or city’s valued history, my aim is to throw
into relief some of the dilemmas about its public representation and reception (MACDONALD,
2009, p. 1).1
A opção pela remoção/destruição ou pela banalização ou, ainda, pela transformação de espaços e
edifícios, implica, em diversos casos, a retirada da carga simbólica de um passado problemático, traumático, a
despeito de estratégias de recuperação. Outras vezes, porém, alimentam-se posições defensoras de imaginários
coloniais que atenuam as ações dos colonizadores. Entretanto, a pandemia da Covid-19 confinou-nos e, das
nossas “janelas virtuais”, enxergamos um mundo que passa por mudanças aceleradas. Diversos episódios, como
os ataques a numerosos monumentos, remetem-nos à consciência histórica dos sujeitos e têm gerado intensos
debates nas esferas historiográfica e pública.
Nos Estados Unidos, desde a morte do norte-americano George Floyd às mãos da polícia, a 25 de maio
de 2020, estátuas de Cristóvão Colombo e até de líderes da Confederação foram vandalizadas em várias cidades
norte-americanas. Exemplos disso foram o derrube da estátua de Jefferson Davis, Presidente da Confederação,
por manifestantes em Richmond e a remoção, na Virgínia, da estátua em homenagem ao general Robert E. Lee,
também evocativa da Confederação. Por sua vez, em Boston, uma estátua de Colombo foi decapitada e outra
foi vandalizada em Miami, na Flórida, com o lema “Black Lives Matter” inscrito a vermelho. Noutros casos,
optou-se por remover as estátuas de forma preventiva, como se verificou no Museu de História Natural, em
Nova Iorque, que anunciou a retirada da estátua de Theodore Roosevelt (a cavalo e ladeado por um nativo/
índio e um negro/africano) da entrada principal (ali desde 1940), por se considerar que o monumento glorifica
o colonialismo e a discriminação racial.
Na Europa, nomeadamente no Reino Unido, a estátua de Edward Colston, em Bristol, controversa
pela ligação de Colston ao tráfico de escravos, foi lançada ao rio. Em Oxford, milhares de manifestantes
exigiram a retirada da estátua de Cecil Rhodes, semelhante ao destino da sua estátua na Universidade da Cidade
do Cabo, na África do Sul, em 2015. Até a estátua de Winston Churchill foi vandalizada em Londres. Na
Bélgica, os protestos anticoloniais incidiram na remoção das estátuas de Leopoldo II, rei dos Belgas de 1865
a 1909, e cujo domínio sobre o Congo terá causado a morte de 10 milhões de pessoas. Já em França, entre
outras, foi vandalizada com tinta vermelha a estátua de Voltaire, iluminista francês defensor da liberdade civil
e religiosa, que terá conseguido parte de sua fortuna com ligação ao comércio colonial. Também em Portugal
esse movimento teve reflexos. A estátua do Padre António Vieira, erigida em 2017 em Lisboa, foi vandalizada
em junho de 2020 com tinta vermelha e a palavra “Descoloniza”. O ato originou protestos em diversos meios de
comunicação, argumentando, por exemplo, que António Vieira terá escrito a D. João IV e, em 1654, atravessou
o Atlântico para pedir pessoalmente ao rei que criasse legislação justa para os indígenas. Mais recentemente,
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já em agosto de 2021, foi a vez do Padrão dos Descobrimentos, erigido em 1960 (a partir da obra criada para
a Exposição do Mundo Português, em 1940) para comemorar os 500 anos da morte do Infante D. Henrique,
com uma pichagem em inglês, “Blindly sailing for monney [sic], humanity is drowning in a scarllet [sic] sea lia
[sic]”, o que, numa tradução livre para português, pode ser lido como “Velejando cegamente por dinheiro, a
humanidade afunda-se num mar escarlate”.
Além dos exemplos supracitados, há muitos outros locais onde se propõe a retirada de estátuas e
monumentos que prestem homenagem a escravocratas ou eventos históricos ligados a essa prática, sugerindose que eles sejam realocados em espaços como museus. Em diversos casos houve até uma discussão prévia ou
uma petição longamente ignorada: a retirada da estátua de Cecil Rhodes, no campus de Oxford, já fora solicitada
havia mais de cinco anos; a estátua de Colston já tinha sido alvo de vandalismo há vinte anos e, nos Estados
Unidos, as comemorações da chegada de Colombo já tinham sido postas em causa pelo menos em 2017. Outros
exemplos revelam transformações operadas por mudanças políticas, como a retirada, em 2005, do centro de
Madrid, da estátua equestre do ditador Francisco Franco; ou a remoção de monumentos que louvavam o caráter
nacionalista e militar da Alemanha – ordenada pelas potências aliadas estacionadas em Berlim após a Segunda
Guerra Mundial – e que, tendo sido, entretanto, recuperados ou parcialmente restaurados, foram expostos na
Zitadelle Spandau, uma fortaleza do século XVI situada num bairro do oeste de Berlim, onde militares alemães
testavam armas químicas durante a Segunda Guerra Mundial. Em relação às estátuas de personalidades ligadas
ao comércio colonial há, apesar de tudo, propostas no sentido de mitigar o problema. Um bom exemplo é o da
cidade de Bordéus, antigo porto francês de comércio de escravos, que, tendo várias ruas com nomes referentes
a figuras ligadas ao comércio de escravos, em vez de as renomear, decidiu informar sobre quem realmente
foram essas pessoas, acrescentando essa contextualização em nova placa. Evita-se assim um branqueamento
da história.
Uma estátua é uma homenagem, feita a posteriori, procurando legar à posteridade quem os seus
executores consideram dignos de serem lembrados. O espaço que a estátua ocupa não é passado, é presente e,
muitas vezes, um espaço público, suscitando reações diversas. Entre as medidas que podem ser tomadas em
relação às estátuas controversas, a remoção e a destruição são as mais extremas. A remoção de uma estátua pode
parecer ser o único ato que faz justiça à gravidade de situações como a brutalidade policial e o racismo sistémico.
Contudo, a longo prazo, nada se resolve sem mudanças estruturais na justiça, nos sistemas sociais e educativos.
Quando a estátua desaparecer, como lembrar injustiças e explicar as questões controversas que permanecem?
E o que deve ser colocado em seu lugar? Existem outras soluções que auxiliam o debate e contribuem para a
tomada de consciência relativamente a determinados contextos históricos, tais como adicionar informações que
são disponibilizadas ao público ou transferir as estátuas para museus. Essa posição não é nova: em Budapeste,
por exemplo, lembranças da ditadura foram arrancados do centro da cidade e escondidas fora de vista quando
a Cortina de Ferro caiu, em 1989. Dois anos depois, o Memento Park tornava-se o local onde se depositavam
essas estátuas do período comunista.
A maioria das nações pós-coloniais e colonizadoras tem passado por consideráveis experiências
políticas e debates teóricos sobre as representações do passado nacional nos últimos anos. Ultrapassar as
representações estereotipadas do “outro” (BARTON; LEVSTIK, 2004; SEIXAS; MORTON, 2013) e implementar
um ensino mais inclusivo e sensível às perspectivas minoritárias, pode ser um ponto de partida para a
“descolonização” dos currículos escolares, ainda numa fase emergente e/ou contestada. A fim de responder
aos imperativos do século XXI em torno da inclusão, dos direitos humanos e da educação para a cidadania
democrática, a educação histórica e a educação patrimonial necessitam gerar novas formas de pensamento e
novas práticas que respeitem as histórias, os contextos e as condições distintivas de estados em desenvolvimento
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A educação patrimonial num mundo em mudança
pós-colonial (BRETT; GUYVER, 2021) à medida que reestruturam e rearticulam as suas identidades nacionais
e regionais.
Respeitar, valorizar, reconhecer a importância do património é importante, mas parece ter como
principal objetivo educativo formar em valores “passivos” (respeito, apreciação, estima), o que não se pode
considerar suficiente para ser analisado per se ou como um instrumento para o ensino e a aprendizagem do
património, da história ou da cidadania. Esse era o caso, por exemplo, em Espanha, no anterior decreto sobre
o ensino primário, em que o património não surgia ligado à educação democrática dos alunos, ao pensamento
crítico ou à compreensão da historicidade do presente, sendo o seu papel reduzido praticamente ao de
recurso para desenvolver a sensibilidade e a criatividade artística, algo que permaneceu no atual quadro legal,
nomeadamente na área de expressão artística. Estepa e Martín, de entre as diferentes tipologias de heranças
controversas que é possível utilizar em processos de ensino e aprendizagem, destacam as “heranças em conflito
entre lógica económica, ecológica e social” (2018, p. 80). Nesse sentido, a educação patrimonial e o tratamento do
património controverso devem ser realizados em sala de aula por meio de projetos abrangentes que despertem
um sentido crítico de conservação, preservação e divulgação do património (CASTRO; LÓPEZ-FACAL,
2021). Para tal, é necessário abordar questões que sejam familiares aos alunos, promovendo uma aprendizagem
significativa, trabalhar as diferentes capacidades de cada estudante e, entre elas, as de comunicação e de
divulgação.
No caso português, até recentemente, as referências ao património surgiam maioritariamente
relacionadas com valores “passivos” (PINTO; MOLINA, 2015). Entretanto, algumas mudanças positivas
fizeram-se sentir no contexto português: a publicação, pelo Ministério da Educação, do Perfil dos Alunos à
Saída da Escolaridade Obrigatória (PEDROSO, 2017) veio completar um processo que se vinha desenhando,
com avanços e recuos, desde finais do século passado, de forma a “criar condições de equilíbrio entre o
conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico” (PEDROSO, 2017, p. 2). Merecem destaque
aqui os valores que crianças e jovens devem ser encorajados, nas atividades escolares, a desenvolver e a pôr
em prática e pelos quais se deve pautar a cultura de escola. A liberdade, por exemplo, caracteriza-se, segundo
o documento, pela manifestação de “autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na
cidadania, na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem comum” (PEDROSO, 2017, p. 17). Em
articulação com esse documento, foram publicados em 2018 os documentos das Aprendizagens Essenciais para
os alunos dos diferentes anos de escolaridade.
Já em setembro de 2019, o Ministério da Educação publicou as Aprendizagens Essenciais de
História, Culturas e Democracia (DGE, 2019), uma nova disciplina no último ano do ensino secundário.
Um dos objetivos principais desde logo tidos em consideração pela equipa que elaborou a proposta do
documento – constituída por membros da direção da Associação de Professores de História e investigadores
do CITCEM2, e que integrei – foi o de possibilitar a alunos que deixaram de frequentar História a partir
do 9º ano ou que não frequentem a disciplina de História A no ensino secundário o desenvolvimento/
aprofundamento do seu conhecimento histórico e a problematização de situações históricas do passado
recente, “recorrendo à multiperspetiva e a comparações entre realidades espácio-temporais distintas”, para
desenvolver a “compreensão do mundo em que vive e uma consciência histórica que lhe permite assumir uma
posição informada, crítica e participativa na construção da sua identidade individual e coletiva, num quadro
de referência humanista e democrático” (DGE, 2019, p. 2). Os quatro temas propostos para a disciplina – A
História faz-se com critério; “Glocal” e consciência patrimonial; Passados dolorosos na História; História e
tempo presente – surgem “estruturados em torno de três eixos organizadores: construção do conhecimento
histórico com base em metodologias específicas; compreensão do mundo atual a partir da exploração do
local, do regional e do global; problematização de temas da História recente, integrando as relações passado-
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presente” (DGE, 2019, p. 2). Essa visão encontra eco na declaração de Guilherme d’Oliveira Martins, no
prefácio ao “Perfil dos Alunos À Saída da Escolaridade Obrigatória”: “Um perfil de base humanista significa
a consideração de uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais”
(PEDROSO, 2017, p. 6).
Dadas as características da organização curricular recente, em Portugal, se é fundamental a realização
de atividades educativas que permitam o desenvolvimento, pelos alunos de todos os níveis de escolaridade, de
competências de pensamento crítico – observar, identificar, analisar e dar sentido à informação, argumentar
a partir de diferentes premissas, tirar conclusões fundamentadas – e de pensamento criativo, aplicando ideias
em contextos específicos ou abordando as situações a partir de diferentes perspetivas (PEDROSO, 2017), essa
necessidade é ainda mais premente no que respeita à abordagem de temas relacionados com o questionamento
das realidades próximas e mais distantes, numa ótica de integração de saberes, potenciando a experimentação
de técnicas, instrumentos e formas de trabalho diversificados, na sala de aula ou fora dela, com vista à
interpretação de fontes patrimoniais, entre outras, promovendo o entendimento das permanências e mudanças
que caracterizam as sociedades. Assume-se aqui que o património, na sua diversidade tipológica, constitui
a herança cultural das comunidades dominantes e minoritárias, no passado e no presente (DGE, 2019) e
que a construção da consciência patrimonial engloba a complexidade intercultural e identitária, implicando
o compromisso com uma intervenção cívica, do local ao global – glocal. Para tal, não basta a valorização
das memórias individuais e coletivas; é necessário atender a situações e problemas do quotidiano ou do meio
sociocultural e geográfico em que os alunos se inserem, dado que permitem o entendimento informado e
crítico do tempo presente. Esse deve ser explicado à luz do passado, com rigor metodológico e de forma
contraintuitiva, combatendo-se o senso-comum. Isso pode fazer-se, por exemplo, por meio da realização, pelos
alunos (individualmente ou em grupo) e com orientação do professor, de trabalhos de pesquisa sobre aspetos
da vida social, económica, política e cultural, recorrendo a fontes diversas (e não limitadas ao manual escolar),
nomeadamente a objetos e fotografias de arquivo familiar e ao testemunho de pessoas que experienciaram
determinadas situações históricas – avós entrevistados pelo netos em conversa áudio/vídeogravada, por exemplo
– seguindo-se a comparação de perspetivas e a discussão em grupo-turma. Dessa forma, a aprendizagem tornase mais significativa, porque mais próxima e situada, como um processo em que os alunos mobilizam conceitos
históricos e constroem conhecimento. Assim, compreendem que o passado não pode ser vivido novamente,
mas podem inferir sobre ele por meio da evidência, entendendo também as razões das ações e escolhas feitas
noutros contextos, ou seja, mostrando empatia histórica. A compreensão das questões socialmente relevantes
do passado, que em alguns casos continuam vivas no presente, permitirá aos jovens a aprendizagem de valores
e o assumir de decisões fundamentadas, base para uma participação cidadã consciente e responsável nas
comunidades em que se inserem.
Educação Patrimonial para uma Aprendizagem Multiperspectivada
O património, como área de investigação e de ensino ou aprendizagem, lida frequentemente
com questões históricas difíceis, em virtude das fortes emoções e dos compromissos políticos que estão
frequentemente em jogo.
Seixas e Clark (2004), em estudo que procurou conhecer a tipologia de consciência histórica que
alunos do Canadá revelariam quando interpretavam fontes patrimoniais, analisaram 57 respostas de alunos a
uma tarefa escrita para decidirem o que fariam com um conjunto de murais das décadas de 1920-1930 relativos
ao período colonial. Os autores categorizaram as respostas dos alunos em quatro tipos:
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A educação patrimonial num mundo em mudança
(a) Monumental, que considera que os monumentos são construídos para representar os
fundadores, os heróis da nação, de forma a durarem indefinidamente, ou marcam vitórias ou
acontecimentos-chave do passado nacional, que se identificam com a trajetória da memória
coletiva, a fundação e o progresso da nação; (b) Antiquário, que considera que o património deve
ser preservado para garantir continuidade com o passado e identidade com o coletivo, invocando
uma dívida para com os seus antepassados, que se sacrificaram, e mostrando respeito pelo
passado independentemente da perspetiva sobre o que se observa; (c) Crítico, que considera que
os sítios e símbolos de um passado “negativo” devem ser eliminados de forma a criar uma ordem
mais perfeita, uma sociedade mais justa; e (d) Moderno, que propõe o estudo dos monumentos e
memoriais como produtos do seu tempo, historicizando-os, estabelecendo uma conexão com o
passado, não de continuidade, mas compreendendo a mudança a partir do um momento histórico
concreto, o presente, e conceptualizando os valores em termos de pluralidade de pontos de vista.
As respostas destes alunos integraram maioritariamente o tipo crítico (29) em menor número os
tipos antiquário (18) e moderno (8), e nenhuma o tipo monumental (PINTO, 2011, p. 110-111).
No Reino Unido, o estudo de Nemko (2009) alertou para o facto de os alunos nem sempre reconhecerem
os monumentos e sobretudo os memoriais como construções que representam interpretações e significações
do passado produzidos pelas sociedades em determinadas épocas. Por isso, não basta que os alunos olhem
para os memoriais com um olhar turista, mas devem ser ajudados pelos professores a refletir e explicar por
que razões foram contruídos diferentes monumentos. No sentido de explorar as implicações pedagógicas de
se levar os alunos a pensarem acerca de um sítio histórico como interpretação, transpondo a mera apreciação,
Nemko (2009) categorizou as respostas dos alunos a uma tarefa de seleção de fotografias captadas numa visita
a um sítio histórico com três abordagens – cronológica, abstrata e centrada no conteúdo –, que permitiram
alguma compreensão da forma como os alunos constroem o passado. A maioria dos alunos escolheu memoriais
da Grande Guerra construídos nas décadas de 1920 e 1930 (em Ypres) e o debate posterior revelou pouca
compreensão pelos alunos de que as reconstruções da História contêm interpretações implícitas e por vezes
explicitas dos seus autores. Não estabelecendo ligações com as análises de documentos ou filmes que visualizaram
nas aulas, os alunos não refletiram criticamente sobre os memoriais. Assim, e comparando com o estudo de
Seixas e Clark (2004), Nemko (2009) constatou que a maioria das respostas dos estudantes se enquadrava
no tipo “antiquário”, revelando maior ligação à ideia de “recordar”, mas nenhuma resposta correspondeu ao
tipo “crítico”. Em conclusão, o autor alerta que, “para se evitar uma imensidão de turistas históricos que não
pensam criticamente acerca do que observam, os professores devem propor tarefas que levem os alunos a ter
em atenção os contextos nos quais foram produzidos os monumentos que visitam” (PINTO, 2011, p. 112).
Em Portugal, na investigação que desenvolvemos num contexto específico (Guimarães, cujo centro
histórico é património mundial desde 2001), em que um amplo e diverso património transpõe as características
monumentais e insere-se nas dimensões socioeconómicas do local, procurou-se atender à historicidade de
espaços e objetos, cuja interpretação contribuiria para a compreensão do passado percecionado por meio dos
seus vestígios (PINTO, 2016) e do presente experienciado. Foi esse o enfoque de um estudo em que um conjunto
de objetos, edifícios e locais foram integrados num percurso, com apoio de um guião-questionário, com vista
à exploração educativa de fontes patrimoniais e sua interpretação por estudantes de 7º e de 10º ano de várias
escolas da cidade. Procurou-se que os alunos identificassem materiais utilizados, reconhecessem semelhanças e
diferenças quanto a funções de objetos/edifícios e respetivos contextos sociais de produção, a ligação a funções
económicas significativas no âmbito da história local e mudanças ao longo do tempo. Procurou-se também
analisar de que forma os participantes avaliavam a relevância de uma fonte patrimonial e como fundamentavam
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criticamente a sua posição. Simultaneamente, propusemo-nos conhecer as concepções de património que os
respetivos professores revelavam em situação de exploração de fontes patrimoniais com os alunos. No entanto,
por questões de espaço, apenas se descreve uma breve síntese da análise das respostas dos alunos:
Diversas respostas de alunos indiciaram um uso do passado em relação com um presente
emocionalmente simbólico; valorizam as fontes patrimoniais no passado e presente pelo
seu simbolismo ou monumentalidade, revelando um sentido de identidade local menos ou
mais acentuado. Alguns alunos centraram-se na valorização do património como evocação
de acontecimentos emblemáticos de um passado “dourado” – revelando semelhanças com a
consciência de tipo tradicional de Rüsen (2004) e a consciência de tipo monumental de Seixas
e Clark (2004) – que as fontes patrimoniais materializam, dando consistência à identidade local
[...]. Noutras respostas, os alunos defenderam a preservação do património como forma de dar
continuidade ao passado, referindo-se aos antepassados como modelo para o presente, o que
parece corresponder a uma consciência de tipo exemplar (RÜSEN, 2004) ou de tipo antiquário
(SEIXAS; CLARK, 2004), nomeadamente em termos da significância pessoal atribuída às fontes
patrimoniais, exprimindo uma relação emocional entre identidade e património local (PINTO,
2011, p. 303-304).
Foram raros os alunos que revelaram um pensamento semelhante ao tipo de consciência “crítica”
de Rüsen (2004) e de Seixas e Clark (2004), desafiando um passado aceite, tal como mostrou o
estudo de Nemko (2009). Apenas um grupo muito restrito (três alunos) referiu a destruição/
realização de obras de modernização do local ou propôs formas de obviar algumas limitações
existentes, nomeadamente pelo esclarecimento do público. [...] Surgiram também semelhanças
com a consciência de tipo “moderno” de Seixas e Clark (2004), referindo o estudo das fontes
patrimoniais como produtos do seu tempo, historicizando-as, revelando uma conexão com o
passado baseada na compreensão da mudança a partir de um momento histórico concreto, o
presente (PINTO, 2011, 362-364).
Apesar de não ser maioritário, um número significativo de alunos defende a conservação de
objetos, edifícios e sítios patrimoniais, distanciando-se do passado, olhando-os como fontes históricas e como
interpretações de diferentes épocas, reconhecendo a pluralidade de perspetivas (PINTO, 2016).
Embora seja certo que a amplitude dos currículos não permite muito tempo para detalhes, para a
perspectiva local, para a discussão e a argumentação, diversos estudos, como os anteriorente referidos, revelam
que é possível, por meio da seleção de temas que podem ser explorados no campo da história local, introduzir
o património de forma interessante e apropriada, utilizando, por exemplo, um museu local especializado ou
generalista, ou locais históricos próximos da escola.
A inclusão é necessária para que a educação seja capaz de promover a reconciliação e a construção
de pontes entre diferentes comunidades (GUYVER, 2016). É fundamental desenvolver a capacidade de
discutir e empatizar com perspectivas diferentes. Estes atributos críticos funcionam como um caminho para
o desenvolvimento de uma consciência histórica sofisticada que as pessoas, sobretudo os jovens, possam
utilizar como ferramenta para interpretar e compreender o seu mundo no presente. Promover aprendizagens
multiperspectivadas – ao invés de uma perspectiva singular que reduz a história a uma série de relíquias –
poderá contribuir para a tomada de consciência de que outras pessoas tiveram outros pontos de vista e favorecer
a autorreflexão, ampliando, simultaneamente, o conhecimento da realidade complexa do passado
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A educação patrimonial num mundo em mudança
Breves Considerações Finais
A educação patrimonial implica um processo de construção de conhecimento e de tomada de
consciência em relação ao património – ele próprio em construção permanente – seja qual for a sua tipologia.
Só assim é possível dar sentido ao património, ontem e hoje.
Os educadores necessitam abordar o património e a história com enfoques local, nacional e global,
sem esquecer a atenção ao contexto. Para tal, é essencial que quer a formação inicial quer em serviço dê voz às
diversas culturas, minorias e perspectivas, partindo do passado histórico da própria comunidade, ou do contexto
regional, e explorando fontes que os ligam a contextos mais amplos, como o europeu ou o iberoamericano.
Se não se ensinar a olhar o passado de forma multiperspectivada e inclusiva, estamos a contribuir
para o silenciamento de muitas vozes e a deixar marginalizados muitos setores da população que veem como
único recurso a destruição/remoção das representações materiais que contestam. Por isso, educadores, ativistas
da sociedade civil e líderes comunitários têm a responsabilidade de promover a discussão aberta sobre legados
históricos controversos.
No âmbito da educação formal, além da preparação adequada, tal exige tempo suficiente no currículo
escolar. Daí a importância da educação patrimonial, mesmo de caracter extracurricular, na relação com as
comunidades e na implementação de projetos educativos e atividades que promovam o desenvolvimento do
pensamento crítico e de competências de investigação, utilizando fontes locais e em relação com as comunidades,
promovendo atitudes inclusivas.
Notas
1. Um passado que é reconhecido e significativo no presente, mas que também é contestado e incómodo
para reconciliação pública com uma identidade contemporânea positiva e autoafirmante. O “património
difícil” também pode ser problemático porque ameaça entrar no presente de forma perturbadora, abrindo
divisões sociais, talvez jogando em futuros imaginados, mesmo de pesadelo. Ao olhar para o património
que é inquietante e embaraçoso, em vez daquilo que pode ser celebrado ou pelo menos reconhecido
confortavelmente como parte da história valorizada de uma nação ou cidade, o meu objetivo é dar relevo
a alguns dos dilemas sobre a sua representação e recepção públicas (tradução nossa).
2. Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
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Sobre a Autora
Helena Pinto é Investigadora Integrada do CITCEM (Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura,
Espaço e Memória”), no Grupo de Investigação “Educação e Desafios Societais” da Universidade do Porto,
Portugal. Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em Património e
Turismo, e Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Minho. Atua nas linhas de investigação em
Educação Histórica, Educação Patrimonial e Ensino de História.
Recebido: 15 ago. 2021
Aceito: 27 jan. 2022
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